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Revista FAE Jul./Dez. 2012

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Com muita satisfação temos a alegria de poder colocar em suas mãos mais uma edição da Revista da FAE. Assim como todas as edições, esta também foi elaborada por meio de contribuições valiosas e primorosas de autores e pareceristas - profissionais fundamentais neste processo - para os quais desejamos agradecer em nome da nossa instituição e corroborar que este canal de conhecimento sempre estará à disposição. Durante a elaboração desta edição tornou-se possível aflorar uma percepção sobre as reflexões do ambiente acadêmico expressas nas temáticas estudadas e apresentadas pelos pesquisadores, educadores, empresários e discentes em relação a questões ligadas à compreensão dos aspectos econômicos, melhoria contínua na gestão de empresas, métodos de ensino, educação e responsabilidade social.

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Os artigos publicados na Revista da FAE são de inteira responsabilidade de seus autores. As opiniões neles emitidas não representam, necessariamente, pontos de vista da FAE Centro Universitário.

A Revista da FAE tem periodicidade semestral e está disponível em www.fae.edu.Endereço para correspondência:

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IndexaçãoCAPES/Qualis

LatindexPortal Livre/CNEN

GeoDadosDistribuição

Comunidade Científica: 500 exemplaresPermuta: 150 exemplares

Revista da FAE, n. 1/2, jan./dez. 1998 – Curitiba, 1998 – v. ilust. 28cm.

Semestral

ISSN 1516-1234 Substitui ADECON: Revista da Faculdade CatólicaAdministração e Economia

1. Abordagem interdisciplinar do conhecimento.I.FAE Centro Universitário. Núcleo de Pesquisa Acadêmica.

CDD – 001

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Editor Frei Nelson José Hillesheim, ofm

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Capa e Projeto Gráfico: Editorial Design

Page 5: Revista FAE Jul./Dez. 2012

F A E C e n t r o U n i v e r s i t á r i o

Sumário Summary

06

24

42

52

68

84

104

126

146

162

184

198

Transformação social, democracia e cultura de empresa — o caso português no contexto de crise europeia

Elísio Estanque

A abordagem estratégica adaptada por uma pequena empresa comercial: um estudo de caso

José G. Lupoli Junior

Mobilidade Sustentável como desafio do milênioMarília Azevedo Bassan Franco da Rocha

Qualidade e imagem na satisfação de clientes em concessionárias

Ieda Pelógia Martins Damian, Edgard Monforte Merlo

Aprendizagem Organizacional: estudo de caso sobre o Ensino a Distância

Rogério Faé

Análise dos fatores de bloqueio à criatividade no Projeto de Extensão Universitária Chiquitos

Ana Santos, Fabiano Goldacker, Silvia R.P. de Quevedo, Vania Ribas Ulbricht

Fundo Constitucional do Norte como mediador do desenvolvimento regional: o caso da mesorregião de Belém

do ParáJones Nogueira Barros, Isabel Cristina dos Santos, Raquel da

Silva Pereira

O Balanced Scorecard como ferramenta estratégica de gestão da qualidade

Patrícia Rodrigues Quesado, Lúcia Maria Portela de Lima Rodrigues,

Beatriz Aibar Guzmán

Retorno acionário e grau de alavancagem operacional: evidências sob novas abordagens metodológicas

Paulo Roberto Barbosa Lustosa, José Antonio de França

A hipótese de eficiência de mercado e a performance dos fundos de ações brasileiros

Marcus Vinicius de Oliveira e Silva, Marcos Roberto Gois de Oliveira

Um olhar sobre o jovem atual: como a Geração Y lida com recursos monetários

Luiz Carlos Augusto de Carvalho,, Márcia Maria dos Santos Bortolocci Espejo

Reconhecimento de padrões na avaliação de distúrbios vocais em docentes

Divanete Maria Bitdinger de Oliveira, Maria Teresinha Arns Steiner, Deise Maria Bertholdi Costa

Social transformation, democracy and corporate culture — the portuguese case in the context of the european crisisElísio Estanque

The strategic approach adapted by a small business: a case studyJosé G. Lupoli Junior

Sustainable Mobility as a millennium challengeMarília Azevedo Bassan Franco da Rocha

Quality and image impact in consumer satisfaction in car dealersIeda Pelógia Martins Damian, Edgard Monforte Merlo

Organizational Learning: a case study about Distance EducationRogério Faé

Analysis of factors of creativity block in the Project ChiquitosAna Santos, Fabiano Goldacker, Silvia R.P. de Quevedo, Vania Ribas Ulbricht

The North Costitutional Fund as a mediator for regional development: a case study of the region of Belém do ParáJones Nogueira Barros, Isabel Cristina dos Santos, Raquel da Silva Pereira

The Balanced Scorecard as a strategic tool for quality managementPatrícia Rodrigues Quesado, Lúcia Maria Portela de Lima Rodrigues,Beatriz Aibar Guzmán

Stock return and the degree of operating leverage: new evidence for contemporary associationPaulo Roberto Barbosa Lustosa, José Antonio de França

The efficient markets hypothesis and the evaluation of the performance of brazilian mutual fundsMarcus Vinicius de Oliveira e Silva, Marcos Roberto Gois de Oliveira

A financial view of youth today: how the generation Y deals with moneyLuiz Carlos Augusto de Carvalho,, Márcia Maria dos Santos Bortolocci Espejo

Pattern recognition in the evaluation of vocal disorders in teachersDivanete Maria Bitdinger de Oliveira, Maria Teresinha Arns Steiner, Deise Maria Bertholdi Costa

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Apresentação

Prezados leitores

É com imensa satisfação e alegria que a FAE Centro Universitário disponibiliza para toda a comunidade acadêmico-científica mais uma edição da Revista da FAE.

O prazer de finalizar e poder compartilhar com autores, pareceristas, colaboradores, revisores, editores e leitores das temáticas e dos assuntos aqui apresentados é imensurável e também está aliado ao sentimento de que, provavelmente, as contribuições expressas em cada artigo possam promover melhorias e inovações no estado da arte.

Nesta edição, podemos refletir sobre questões abrangentes que se estendem

desde a transformação social, democracia e cultura de empresa — o caso português

no contexto de crise europeia —, até a mobilidade sustentável como desafio do milênio.

Permeando esses limites, encontramos temas específicos de gestão organizacional, abordando o caso sobre uma pequena empresa comercial e como ela implantou estratégias competitivas funcionais. Evidências sob novas abordagens metodológicas da resposta do mercado ao grau de alavancagem operacional (GAO), a utilização do balanced scorecard como ferramenta estratégica de gestão de qualidade, compreensão de como a qualidade do serviço e a imagem de uma loja influenciam na satisfação do cliente, em um estudo de caso em concessionárias.

Contemplando a preocupação e contribuições em relação à capacitação de profissionais, encontraremos um relato sobre uma pesquisa de campo realizada com integrantes do Projeto Chiquitos, cujo foco é o comportamento da criatividade em relação a possíveis bloqueios no grupo pesquisado, seguido de um estudo de caso sobre o ensino a distância, realizado em uma empresa de grande porte de ativos financeiros, a fim de que os participantes pudessem experimentar novos métodos com maior abrangência espacial do que estratégias tradicionais de formação.

Tomando-se um bloco mais diversificado de temas tratados e apresentados, podemos ainda contar com um artigo que avalia, com base nas premissas da Hipótese de Eficiência de Mercado (HEM), a performance dos fundos e ações brasileiros referenciados ao Ibovespa, abrangendo o período de janeiro de 2000 a março de 2007, seguido de um artigo que apresenta uma discussão sobre a contribuição do Fundo Constitucional do Norte como mediador do desenvolvimento regional, o caso da mesorregião de Belém do Pará.

Poderemos completar a leitura com dois artigos que fazem duas abordagens relevantes para o contexto atual. A primeira, de ordem comportamental, destaca as atitudes e percepções do jovem contemporâneo, a denominada Geração Y, em relação à sua educação financeira no que tange às suas escolhas no momento das compras e propensão aos investimentos dos recursos monetários. A segunda, por meio da uti lização do processo KDD (Knowledge Discovery in Databases), complementada por técnicas de reconhecimento de padrões, apresenta uma metodologia para avaliação de distúrbios vocais em docentes, tomando por base dados de docentes de uma escola localizada no município de Curitiba-PR.

Diante de todos esses temas, espera-se que o leitor possa encontrar nesta edição algumas respostas, elaborar novos questionamentos e até mesmo com plementa r seus estudos e reflexões na esfera de sua vida profissional e pessoal.

Boa leitura!

Paz e Bem!Frei Nelson José Hillesheim, ofm

Editor

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Transformação social, democracia e cultura de empresa — o caso português no contexto de crise europeiaSocial transformation, democracy and corporate culture — the

portuguese case in the context of the european crisis

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Transformação social, democracia e cultura de empresa — o caso português no contexto de crise europeia

Social transformation, democracy and corporate culture — the portuguese case in the context of the european crisis

Elísio Estanque1

Palavras-chave: Cultura de Empresa. Crise. Autoeuropa. Trabalho. Ne-

gociação. Democracia.

Abstract

The discussion about corporate culture is the starting point for this

article, aiming a broader reflection on the Portuguese society and

the socioeconomic trends in Europe over the past decades. One first

line of concern is about the need to connect social cohesion, change

and technological innovation. Moreover, working conditions and

dialogue mechanisms are discussed in articulation with social and labor

conflicts in the overall structure of modern capitalism. Thus, conflict,

negotiation and innovation are ingredients that have to be combined

under a modernization project that aims at general welfare. The case

of Autoeuropa (Volkswagen Group) is discussed in the light of the

political-cultural paradigm, presenting it as an example that has been

able to reconcile the productivity stimulus with democratic values and

mechanisms for dialogue.

Keywords: Corporate Culture. Crisis. Autoeuropa. Labor. Negotiation.

Democracy.

1 Doutor em Sociologia (Universidade de Coimbra). Professor de Economia da universidade de Coimbra. E-mail: [email protected]

Resumo

A temática da cultura de empresa na sociedade portuguesa serve de

ponto de partida, no presente texto, para uma reflexão mais abrangente

sobre a sociedade portuguesa e as tendências de transformação

socioecônomicas na Europa ao longo das últimas décadas. Uma das

linhas de preocupação prende-se com a necessidade de conjugar

a coesão da sociedade, a mudança e a inovação tecnológica. Por

outro lado, as condições de trabalho e os mecanismos de diálogo são

discutidos em articulação com a dimensão conflitual inerente à estrutura

do capitalismo moderno. Assim, o conflito, a negociação e a inovação

constituem ingredientes que terão de se conjugar no quadro de um

projeto de modernização que vise o equilíbrio e o bem-estar geral. O

caso da empresa Autoeuropa (do grupo Volkswagen) é abordado à luz

do paradigma ‘político-cultural’, apresentando-o como um exemplo que

tem conseguido conciliar o estímulo à produtividade com a defesa dos

valores democráticos e dos mecanismos de diálogo.

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Introdução

O presente texto procura contribuir para

uma reflexão ampla em torno do diálogo, da

mudança e da coesão social nas sociedades

abertas. Partindo de uma discussão sobre o sentido

das transformações recentes do capitalismo no

plano global, com enfoque especial no campo

laboral, nossa abordagem centra-se na mudança

organizacional e na realidade empresarial para,

nos tópicos finais, tratar o caso da empresa

Autoeuropa (do grupo Volkswagen), sediada em

Palmela (ao sul de Lisboa).

Muito embora qualquer um desses temas seja

familiar aos cientistas sociais, eles surgem de um

modo geral encaixados em especialidades distintas.

Tal situação, resultado da afirmação das disciplinas do

conhecimento em territórios fechados, é limitativa,

no sentido de que torna mais difícil empreender uma

reflexão interdisciplinar e sistemática sobre ‘o social’,

a importância do ‘contrato’, do conflito e do diálogo

na construção de um sistema que busca conciliar a

dinâmica com a coesão.

O objetivo desta pesquisa visa justamente

responder a essa limitação, ao mesmo tempo em

que procura analisar, sob diversos ângulos, aspetos

relevantes da sociedade portuguesa no contexto

europeu marcado pelo recente contexto de crise e

de austeridade.

1 Capitalismo Global, Fragmentação e Precariedade do Trabalho

Para uma compreensão aprofundada do

capitalismo global do século XXI, é importante

situar o tema numa perspetiva histórica mais

ampla e, ao mesmo tempo, no quadro do sistema-

mundo que lhe confere os seus principais traços

estruturais (WALLERSTEIN, 2004).

Numa primeira fase, importa referir a

emergência de um regime despótico de mercado

(BURAWOY, 1985), que vingou no período de

‘capitalismo selvagem’, suscitando res postas e movi-

mentos sociais antissistémicos (WALLERSTEIN;

BALIBAR, 1991) com destaque para o movimento

operário e para as convulsões e movimentos repu-

blicanos, anarquistas e socialistas que assumiram

uma força decisiva na Europa na virada do século

XIX para o XX.

Entretanto, a consolidação de novas técnicas

e racionalidades burocráticas aplicadas à economia

conduziu ao aperfeiçoamento de um regime

disciplinar na produção, caracterizado pela rápida

acumulação e crescimento (modelo taylorista), o

que, apesar disso, não evitou a grande instabilidade

social e política — nomeadamente a Primeira Guerra

Mundial, a Revolução Bolchevique e, três décadas

depois, a Segunda Guerra Mundial — na primeira

metade do século XX. Só depois disso, já no Pós-

-Segunda Guerra Mundial, se afirmou um regime

hegemónico, coincidente com o advento do welfare

state, no qual a integração e o consentimento foram

objeto de uma negociação e compromissos sociais

realizados à sombra do fordismo e das políticas

sociais promovidas pelo Estado.

Finalmente, desde a década de 80 do

século passado, assistiu-se a uma nova virada,

de sentido liberal, mas agora numa escala global,

isso levou a que se falasse da emergência de uma

nova forma de despotismo: o despotismo global

ou despotismo hegemônico. Esse despotismo era

coincidente com as últimas décadas de hegemonia

neoliberal, em que a regulação se realizou a partir

das múltiplas conexões transnacionais dina-

mizadas pela globa lização e pelo capitalismo

financeiro, apoiados nas redes informáticas e nas

novas tecnologias da comunicação (BURAWOY,

1985; 2001; CASTELLS, 1999).

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Com isso, pode-se afirmar que nos últimos

dois séculos se assistiu a uma disputa entre

modalidades ou regimes de regulação econômica.

No fundo, a secularização da sociedade ao

dessacralizar o poder instituiu novas formas de

conflitualidade em que as tensões, lutas e alianças

operaram sobre os despojos da velha sociedade

pré-industrial, impondo uma profunda mudança

ao longo dos tempos.

Na linha de autores como Boaventura de

Sousa Santos (1994) e Karl Polanyi (1980), faz

sentido afirmar que a regulação dependeu sempre

do modo como se conjugaram os princípios da

comunidade, do mercado e do Estado2, bem

como da forma como tais tensões se inscreveram

na geometria do território e na organização das

sociedades. A dinâmica e os arranjos entre aqueles

princípios dependeram sempre da correlação de

forças e da capacidade estratégica dos setores

e grupos sociais em causa na disputa pela

hegemonia numa sociedade nacional particular.

É claro que ao situar a questão no plano mais

geral não nos esqueçamos que, no quotidiano

da atividade produtiva, os mecanismos negociais

e de diálogo se regem por códigos e condutas

A secularização da sociedade ao dessacralizar

o poder instituiu novas formas de conflitualidade em que as tensões, lutas

e alianças operaram sobre os despojos da velha

sociedade pré-industrial, impondo uma profunda mudança ao longo dos

tempos.

muito particulares, que se prendem — como se

verá adiante — com os valores e a cultura de cada

empresa ou organização em concreto.

Até final do século XIX, no Ocidente, foi o

princípio de mercado que se sobrepôs ao Estado

e à comunidade, mas esse princípio induziu —

principalmente devido ao papel da luta de classes

— um esforço de reconstrução do princípio da

comunidade, que se procurou estender à escala

nacional. O movimento operário e as ideologias

mais radicais que o contaminaram (em especial

o anarquismo e o marxismo) foram portadores

de uma linguagem e de um projeto político que,

de certo modo, transportaram um reforço da

comunidade ou, dito de outra maneira, projetaram

um discurso classista e ‘comunitarista’, que,

também, se inscrevia numa base nacional.

Ainda que em parte ficcionada, a ideia de Na-

ção enquanto comunidade imaginada (ANDERSON,

1991), por um lado, resistiu ao prin cípio do mercado

e, por outro lado, foi decisiva para a emergência do

Estado social. Tal processo acabou por conduzir à

primazia do princípio do Estado sobre os princípios

do mercado e da comunidade, este último par-

ticipando na edificação do modelo hegemônico,

em especial após o triunfo e consolidação do

Estado-providência. Mas, como é sabido, a partir

da década de 1970, o mercantilismo se reergueu

e, desde então, é novamente o papel do Estado e

os seus programas sociais, assistenciais e solidários

que recuam em toda a linha.

É o que vem ocorrendo na Europa, com as

políticas sociais e o Estado social (no seu conceito

mais universalista) a cederem o passo cada vez

mais à economia de mercado, sob a batuta da

globalização neoliberal e do capitalismo financeiro.

Os mercados, e os poderosíssimos interesses que

neles se escudam, cresceram de uma forma avas-

saladora, obrigando ao recuo do Estado e das

políticas sociais.

2 Santos (1994) refere-se a esses três princípios na sua articulação com os pilares da regulação e da emancipação.

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10

Segundo Polanyi (1980), trabalho, terra

e dinheiro, sendo parte do sistema econômico,

são organizados pelo mercado, mas não são

mercadorias já que nenhum deles foi criado para

venda pelo que, de acordo com o referido autor, “a

descrição do trabalho, da terra e do dinheiro como

mercadorias é inteiramente fictícia” (POLANYI,

1980, p. 85).

Sendo uma tendência antiga, que nos

remete ao final do século XVIII, não há dúvidas

que o recrudescimento recente do princípio do

mercado como ideologia dominante suscitou

algum paralelismo com o que aconteceu na

Europa há 200 anos, levando a economia de

mercado a ganhar ascendente sobre as atividades

produtivas de base comunitária e solidarista

(LAVILLE; ROUSTANG, 1999). Até certo ponto,

as sociedades europeias ameaçam regressar à

situação que já experimentaram no século XIX, isto

é, a uma sujeição generalizada às leis do mercado

e a um capitalismo selvagem com novas formas

de injustiça, de desregulação e de ‘barbárie’.

Os avanços do século XX recuperaram a forma

do contrato social, mas, nas últimas décadas,

assistimos, de novo, ao reforço em força dos

mercados, isto é, no plano dos direitos sociais e

laborais entramos num novo ciclo de retrocesso

civilizacional. De novo, as transações monetárias

e a especulação bolsista estão submetendo a

produção e a distribuição aos objetivos de rápida

acumulação lucrativa, perdendo-se a tradicional

função social das relações de troca, de dádiva e

de reciprocidade, o que, para diversos analistas, é

reflexo das contradições estruturais do capitalismo

global e das suas dinâmicas metabólicas (ANTUNES,

2008; ALVES, 2011).

O campo laboral foi, sem dúvida, aquele em

que os impactos desestruturadores da globalização

neoliberal têm sido mais intensos. As consequências

disso mostraram-se devastadoras para milhões de

trabalhadores de diversos continentes, sendo a

Europa o continente onde as alterações em curso

representaram flagrantes recuos em face das con-

quistas alcançadas ao longo de séculos. Como

resultado, os efeitos da globalização têm induzido

formas de trabalho cada vez mais violentas, num

quadro social marcado pela flexibilidade, ilegalidade,

subcontratação, desemprego, individualização e

precariedade dos assalariados. Assistiu-se a uma

progressiva redução de direitos laborais e sociais, e

ao aumento da insegurança e do risco, num processo

que se vem revelando devastador para a classe

trabalhadora e o sindicalismo, dando, inclusive,

lugar a modalidades de trabalho forçado, onde os

direitos humanos e a dignidade do trabalho são

sistematicamente desrespeitados (ANTUNES, 2006;

BECK, 2000; CASTEL, 1998, CASTELLS, 1999).

As tendências de restruturação produtiva,

de recomposição das relações de trabalho e o

metabolismo que vêm ocorrendo em nossas

sociedades, bem como os seus ciclos e oscilações

entre crises e dumping social, por um lado, e

euforia consumista e crescimento, por outro,

podem ser entendidos como situações inerentes

à própria estrutura do capitalismo moderno. Como

assinalou Ricardo Antunes,

houve uma diminuição da classe operária industrial

tradicional, mas, paralelamente, efetivou-se uma signifi-

cativa subproletarização do trabalho, decorrência das

formas diversas de trabalho parcial, precário, informal,

subcontratado, etc. Verificou-se, portanto, uma signifi-

cativa heterogeneização, complexificação e fragmenta-

ção do trabalho. (ANTUNES, 1999, p. 209)

Trabalho, terra e dinheiro, sendo parte do sistema econômico, são

organizados pelo mercado, mas não são mercadorias já que nenhum deles foi

criado para venda.

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R e v . F A E , C u r i t i b a , v. 15, n. 2, p. 6-23, jul./dez. 201211

2 Mudança Organizacional e Inovação Tecnológica

Durante décadas, as teorias organizacionais

privilegiaram a análise micro e, voluntariamente ou

não, seguiram uma concepção funcionalista que

tendia a olhar a vida da organização ou como mero

resultado de impactos exteriores, ou como sistemas

dotados de coerência própria, mas desligados do

mundo social mais vasto. Porém, tal perspectiva

é contrária a uma visão mais sociológica e

‘culturalista’ do papel das organizações e das em-

presas no sentido de considerá-las não apenas

como espaços de produção de bens e serviços, mas

sim enquanto sistemas sociais dotados de potencial

criativo, tanto no plano econômico como no plano

sociocultural e identitário (SAINSAULIEU, 1997).

No caso português, como sabemos, tudo

aconteceu mais tarde e de modo mais inconsistente,

quer na vida social em geral, quer no campo das

organizações e das empresas. Efetivamente, o

processo de industrialização tardia e a igualmente

tardia virada democrática, em 25 de abril de 1974,

deram lugar a um clima de fortes movimentos

sociais, ativismo sindical e lutas reivindicativas, cujo

impacto no quadro legal português foi de extrema

importância, desde logo na Constituição de 1976,

suportada por uma ideologia pró-socialista.

Apesar das diversas revisões constitucionais,

que mais tarde foram esvaziando essa carga

ideológica, as leis trabalhistas em Portugal perma-

neceram até recentemente muito favoráveis aos

interesses do trabalhador (embora, muitas vezes,

elas fossem subvertidas na prática diária da

vida das empresas). Seja como for, os traços de

fordismo que o sistema de emprego português

revelou, em especial nos setores da administração

pública e nas empresas administradas pelo Estado,

obedeceram largamente a essa influência, o que

favoreceu a resistência ao toyotismo e ajudou

ao adiamento da restruturação produtiva, da

terceirização e da fragmentação das formas e dos

processos de trabalho.

As particularidades já apontadas do

País obrigaram que as tendências econômicas

mais gerais ocorressem mais tarde e de forma

algo mitigada. Todavia, os mesmos processos

tiveram igualmente lugar no contexto português.

A estabilidade, a segurança no emprego, as

oportunidades de carreira etc., em suma, a afir-

mação de um ‘contrato social’ em que as condições

de trabalho e o direito laboral foram apoiados por

políticas assistenciais suportadas por um diálogo

social tripartit, permitiram a construção de um

‘compromisso de classe’ de que beneficiaram os

trabalhadores e as suas estruturas sindicais. O

sindicalismo cresceu ao longo dos anos 1970 e

1980, mas, ao mesmo tempo em que se expandia no

setor dos serviços, desligava-se das velhas bases

operárias, que nos anos ‘quentes’ da Revolução

de Abril (1974-1975) lhe serviram de motor. Bases

essas que, de resto — e em parte por pausa disso

—, entraram em declínio, fragmentaram-se cada

vez mais e perderam capacidade organizativa e

significado político3.

Ao longo da última década do século

XX, com a globalização e o pós-fordismo já em

marcha, muitas organizações e empresas ociden-

tais conseguiram conjugar o ‘enxugamento’ e a

opção por medidas de poupança nos custos de

pessoal com o estímulo à criação de culturas de

empresa mais flexíveis e informais, inspiradas no

exemplo japonês promovendo um novo sentido

ético, de respeito pelo trabalho, criando novos

valores, rituais, símbolos e ‘heróis’, tendentes a

reforçar os níveis de identificação com o ‘espírito

da casa’ e, desse modo, aumentar a produtividade

e a competitividade internacional.

É claro que a estratégia sistêmica obedeceu

sempre à procura de acumulação e de expansão

dos negócios. Porém, pode-se dizer que o modelo

3 Em particular, após 1989, com queda do muro de Berlim e a implosão do regime soviético, que havia servido de referente aos partidos e movimentos operários.

Page 14: Revista FAE Jul./Dez. 2012

12

cado de emprego das gerações mais jovens e

qualificadas, cujas competências em educação evo-

luíram significativamente (FIGUEIREDO, 1999, p. 73).

Aliás, os resultados da crescente flexibilização e

recomposição do tecido produtivo têm se traduzido

não num processo incremental de modernização,

mas sim em novas segmentações nas quais

se desenham claras diferenças e dualismos na

geometria empresarial, e se pontifica ainda uma

grande dificuldade de renovação e de inovação,

quer no plano técnico quer no plano social.

Por vezes, a familiarização com as novas

tecnologias alimenta a insegurança e cava novas

divisões entre a força de trabalho, como acontece

com os programas de formação profissional em

áreas sujeitas à informatização, em que os setores

menos escolarizados e as camadas etárias menos

jovens apresentam grandes dificuldades. Até há

cerca de dez anos, a maior capacidade competitiva

foi protagonizada pela indústria tradicional (têxtil,

vestuário e calçado), que mantém em vigor modelos

de organização de cariz taylorista largamente

suportados pelo trabalho intensivo e pelos baixos

custos salariais, e foi nessa base que asseguraram

um volume significativo de exportações. Embora o

emprego tenha crescido significativamente nessas

indústrias até final do século passado, o esforço

competitivo em termos tecnológicos foi diminuto

e a inovação introduzida foi, sobretudo, em âmbito

de equipamentos e de design. Acresce que, nos

últimos dez anos, a concorrência dos países do

sul da Europa, em especial os asiáticos, estimulou

drasticamente a deslocalização das unidades pro-

dutivas, o que significou uma sucessão de falências

e encerramentos, fazendo aumentar, assim, o

desemprego de forma galopante (cuja média era,

no final do primeiro trimestre de 2012, de cerca de

15% em Portugal5, e com expectativas de subida nos

próximos anos).

toyotista contém duas facetas distintas: de um

lado, a busca da ‘produção enxuta’, o outsourcing e

a fragmentação da força de trabalho; do outro, um

maior sentido de diálogo e, em especial, a criação

de um espírito de equipe com alguma autonomia

e liberdade para o trabalhador. Em outras palavras,

os modelos ‘puros’ não existem na prática. Isso

é, na realidade, o que se verifica é a conjugação

de lógicas distintas, especificamente, em alguns

países e empresas, o advento do toyotismo que

se apoiou incorporando traços do fordismo,

combinando flexibilidade com a defesa de direitos

do trabalho e a construção de consensos internos

como base no diálogo. Em todo o caso, sabe-se

que esse modelo teve maior impacto no contexto

dos EUA, enquanto na Europa, perante a maior

influência das estruturas sindicais e a presença

de barreiras de classe mais efetivas e culturas

de resistência mais estruturadas, conduziu a

resultados diferentes.

No que diz respeito a Portugal, os impactos do

desenvolvimento tecnológico no tecido produtivo

vêm a se defrontar, ao longo das últimas três

décadas, com as resistências de uma mentalidade

empresarial ainda marcadamente conservadora e

pouco qualificada, na qual se refletem as diferenças

de estatuto e as hierarquias de poder, aspetos muito

vincados na nossa sociedade, devido à tradição

tutelar4 muito presente na cultura portuguesa.

As mudanças democráticas, que num período

mais recente vieram a ser operadas, são ainda

dificilmente perceptíveis de forma generalizada

nas grandes organizações. Nas empresas de maio-

res dimensões, as políticas de gestão flexível, de

um modo geral, apenas têm tradução ao nível dos

quadros superiores e das estruturas de topo.

É preciso dar, no entanto, a devida impor-

tância a fatores, como a absorção pelo mer-

4 À ancestral tutela da Igreja Católica e dos notáveis locais, que alimentaram o paroquialismo ao longo de séculos, juntou-se a longa experiência do Estado Novo salazarista que, durante 48 anos, reforçou o seu centralismo numa (in)feliz conjugação entre despotismo e paternalismo, contribuindo para alimentar a moral conservadora e patriarcal, bem como a prática autoritária e despótica. Assim, a dupla vertente repressiva e ‘protetora’ consubstanciada no Estado e no seu ‘chefe’ todo-poderoso (Salazar) e legitimada pela hierarquia da Igreja, a qual se converteu em doutrina oficial do regime, sendo inculcada em sucessivas gerações, por meio da Escola, da família e da atividade religiosa. Uma ideologia montada ao longo de décadas não desaparece facilmente. Ela contribui para emprestar ao poder institucional (e empresarial) uma aura de ‘sacralização’, funcionando como ideologia e, desse modo, naturalizando e reproduzindo todo o tipo de caciquismos, abusos e dependências dos fracos perante os fortes e dos pobres perante os ricos.

5 Note-se que entre as camadas mais jovens (15-24 anos), que são também as mais qualificadas, o desemprego atingiu, já em 2012, o valor recorde de 35%, sendo a terceira taxa mais elevada da UE, depois da Espanha e da Grécia.

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R e v . F A E , C u r i t i b a , v. 15, n. 2, p. 6-23, jul./dez. 201213

O tecido industrial português encontra-se

bastante disseminado em ambientes ainda marcados

pelo universo rural, onde múltiplas atividades

econômicas paralelas — e redes informais de soli-

dariedade, da chamada ‘sociedade providência’, em

que as famílias e as suas economias de subsistência

respondem às necessidades sociais que o Estado

não consegue por si mesmo assegurar — funcionam

como complemento dos rendimentos salariais dos

trabalhadores. Por outro lado, o rápido crescimento

da administração pública, acompanhando os fortes

investimentos em educação, saúde, previdência

social e infraestruturas, que teve lugar nos anos

80 do século passado, contribuiu decisivamente

para a criação de um quadro legal bastante

protecionista dos direitos laborais, o que permitiu

erguer um mercado de trabalho de tipo fordista,

caracterizado pela estabilidade no emprego, pla-

neamento das carreiras, progressão salarial etc.

Muito embora tal modelo nunca tenha conseguido

consolidar-se nem generalizar-se no nosso país —

ao contrário de outros países europeus, como a

França, a Alemanha, ou os países nórdicos —, ele

ganhou expressão em alguns setores industriais,

como a metalomecânica, a indústria automóvel

e nas maiores empresas da indústria tradicional

O tecido industrial português encontra-se bastante

disseminado em ambientes ainda marcados pelo

universo rural, onde múltiplas atividades econômicas

paralelas funcionam como complemento dos

rendimentos salariais dos trabalhadores.

(têxtil, vestuário e calçado, por exemplo). Contudo

foi, acima de tudo, no setor da administração

pública que o fordismo mais se expandiu, dando

lugar ao desenvolvimento de culturas burocráticas

e de cariz corporativo que resistiram enquanto

puderam, ao esforço de inovação e modernização

Com a entrada no século XXI e perante os

primeiros pronunciamentos da crise — nomea-

damente devido à abertura das fronteiras aos

produtos asiáticos e à intensificação da concor-

rência —, a situação no setor público serviu de

pretexto ao surgimento de um discurso político

(pretensamente ‘pragmático’) destinado a criar

uma divisão entre os setores menos protegidos

da força de trabalho (da indústria privada) e

os supostos ‘privilégios’ dos trabalhadores da

administração pública. Desse modo, colocava-se

em marcha a primeira tentativa de ‘nivelamento por

baixo’, visando uma reestruturação desqualificante

do funcionalismo público, impondo-lhe condições

de trabalho marcadas pela flexibilidade, mobi-

lidade, aposentadorias compulsivas, maior fa ci li-

dade de despedimento, estimulando a tercei riza-

ção, as parcerias público-privadas, os con tratos de

tra balho a termo certo, entre outros, numa palavra:

promovendo a precarização do trabalhador tam-

bém entre os servidores públicos, à semelhança do

que já acontecia no setor privado.

Como sabemos, essa recomposição das

condições de trabalho tem em sua gênese um

programa político mais geral, marcado à sombra

do modelo neoliberal, cujo desígnio principal tem

sido não apenas a liofilização e enxugamento

das empresas do setor privado, mas também o

desmantelamento do Estado social. Todavia, tal

processo, apesar de reforçar substancialmente a

margem de manobra dos empresários e gestores

perante os trabalhadores e os sindicatos, não se

traduziu, até agora, em estratégias sustentáveis

de modernização empresarial e inovação tec-

nológica. A suposta ‘rigidez’ do direito do trabalho

(considerado demasiado protecionista pelos

empresários) serviu apenas de argumento para

Page 16: Revista FAE Jul./Dez. 2012

14

facilitar demissões e obrigar os trabalhadores

a se sujeitarem, sem resistência, aos interesses

de um patronato conservador e com fraco

sentido empresarial, impondo horários flexíveis, o

chamado ‘banco de horas’ (individual e grupal/da

equipe), a ‘polivalência’, o ‘ajustamento’ salarial, a

‘inadaptação’ como critério arbitrário justificativo

da demissão individual, a redução do custo das

indemnizações, entre outros. Essas tendências não

apenas significam a desvalorização do trabalho

e do salário, mas, na prática, traduzem-se na

destruição generalizada do direito do trabalho,

no desprezo pelos princípios do trabalho digno e

dos valores humanos (que vêm sendo invocados

pela OIT6), empurrando a Europa para a total

desregulação laboral, ou seja, para uma regressão à

‘barbárie’ típica do capitalismo selvagem do século

XIX. O contrato social está sendo unilateralmente

rasgado pelo poder do capitalismo financeiro, da

tecnocracia e do neoliberalismo, poderes que o eixo

Paris-Berlim vem corporizando com a anuência

da maioria dos países da UE, e de que o governo

português pretende ser o mais fiel seguidor7.

Ora, é nesse quadro que teremos de situar

a questão da cultura de empresa, um assunto que

é tanto mais importante quanto reflete, ao mesmo

tempo, as dinâmicas e os bloqueios do processo

produtivo – as tão exaltadas ‘produtividade’ e

6 Organização Internacional do Trabalho7 Na verdade, o curso dos acontecimentos, desde a ‘crise grega’, no início de 2010, vem-se agravando dia após dia, tornando as expectativas

cada vez mais sombrias quanto a uma solução para o problema das dívidas soberanas e da instabilidade financeira nos países da União Europeia, sendo, cada vez mais, as vozes que admitem o iminente colapso da moeda única. Só muito tardiamente os países mais ricos, em especial a Alemanha, admitiram que a crise não é apenas de alguns países periféricos (até há pouco considerados ‘ingovernáveis’, como a Grécia e Portugal), mas sim uma crise estrutural da UE. As origens da crise europeia remetem para a criação do Euro como unidade monetária comum — uma moeda forte, na sua origem, equiparada ao marco alemão — que favoreceu as economias mais fortes em tecnologia e capital intensivo (que exportam, sobretudo, bens de consumo duradouro, como carros, equipamentos eletrônicos, maquinaria pesada e sofisticada, etc.), mas prejudicou as economias mais frágeis, que, sem mais poder desvalorizar as moedas dessas economias, perderam competitividade com a abertura das fronteiras aos produtos do sudeste asiático, levando ao encerramento de muitas empresas industriais e ao aumento descontrolado do consumo e do endividamento das famílias, dos bancos nacionais e dos Estados (em benefício do capitalismo especulativo e dos bancos privados mais ricos, sobretudo da França e da Alemanha). Na verdade, apesar de haver soluções tecnicamente viáveis para a crise — as mais consistentes passam pela emissão de Euro-obrigações e coletivização das dívidas dos países periféricos, por um papel mais ativo do Banco Central Europeu e pelo reforço e aceleração de um Estado Federal na UE, o que pressupõe um complicado consenso político — as sucessivas cimeiras e reuniões do conselho europeu têm fracassado, porque o diretório franco-alemão obriga a isso, desprezando os acordos, os anteriores tratados e princípios das próprias instituições da comunidade. E por que os poderes instalados se mostram incapazes de liderar uma viragem promissora para a Europa, por que estão a ser esquecidos os velhos valores do Iluminismo, a herança social-democrata e os princípios inspiradores do projeto europeu na sua origem (sob influência de Jean Monnet e do Tratado de Roma, que criou a Comunidade Econômica Europeia, em 1958), quer a moeda única quer a União Europeia ela própria podem estar em vias de extinção. Adivinham-se, entretanto, novas e imprevisíveis viradas com a provável eleição de François Hollande e o agravamento da crise financeira na Espanha e na Itália.

‘competitividade’ das empresas — e os fatores

estruturais inerentes à sociedade e às estruturas

sociopolíticas do País. Vale a pena, por isso, dar

atenção à cultura, considerando, por um lado,

a natureza polissêmica da própria noção e, por

outro, as distintas concessões sobre a ‘cultura de

empresa’. Esse é o tópico que se segue.

3 Paradigmas da Cultura de Empresa

A empresa, tal como o próprio trabalho,

sempre foram ao longo da História temas

controversos, marcados por intensos conflitos,

mas também por identidades e culturas de grupo,

coesas e fortes. Têm sido considerados tanto

espaços de opressão e exploração como campos de

oportunidade, de emancipação e reconhecimento

social para milhões de trabalhadores. Por fim, o

fato de termos em Portugal um tecido empresarial

essencialmente composto por pequenas e micro-

empresas, em que se pontificam lideranças e

dirigentes com baixas qualificações, é um motivo

acrescido para que diversas correntes de opinião

no campo acadêmico e na esfera pública em geral,

inclusive os sindicatos, dediquem pouca atenção

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R e v . F A E , C u r i t i b a , v. 15, n. 2, p. 6-23, jul./dez. 201215

à importância da ‘cultura’ organizacional e sua

implicação nas boas práticas empresariais. Todavia,

a questão é complexa e não está — como, aliás, nun-

ca nada está — despida de significado e implica-

ções políticas. Há, pois, visões distintas acerca

dessa questão. Destaca-se, aqui, dois paradigmas

opostos e suas implicações sociopolíticas.

A noção de ‘cultura de empresa’ foi muito

discutida no Ocidente na sequência de uma

conjugação entre a linguagem gestionária e a

sensibilidade antropológica, nomeadamente por

que algumas empresas multinacionais apostaram

na importância da ‘cultura’ e da ‘identidade’

para encontrarem novos motivos de estímulo

e de satisfação da força de trabalho. A empresa

começou a ser olhada não apenas como um

espaço receptor das culturas envolventes, mas

também como um locus de produção de cultura

com impacto mais vasto.

O conceito de cultura como ‘programa

mental’, aplicado ao mundo empresarial, surgiu na

sequência de um estudo comparativo sobre a IBM,

que procurava mostrar a importância da adaptação

da estratégia empresarial ao ambiente cultural de

cada país ou região, na base de valores como o

individualismo, a masculinidade, à distância ao

poder e ao individualismo (HOFSTEDE, 1980).

Num quadro de euforia perante o sucesso

econômico japonês, nos anos 80 do século passado,

ganhou terreno a promoção de um modelo de

organização produtiva mais flexível, que ficou

conhecido por toyotismo, num momento de virada

paradigmática, como referido anteriormente, ou

seja, o modelo de produção flexível (ou produção

enxuta) que se expandiu com o fim (ou declínio)

do fordismo (ANTUNES, 2006; ALVES, 2011). O

termo ‘cultura’ foi então assimilado pelo mundo da

gestão num sentido antropológico: “a cultura como

conjunto de crenças, valores, símbolos, rituais e

práticas, que fornece aos grupos/comunidades

sociais o cimento para a sua identidade coletiva”

(SAINSAULIEU, 1997).

Cada organização ou grupo humano do-

tado de estabilidade torna-se uma realidade

única, funcionando — muito para além das regras

e hierarquias formais — na base de códigos,

comportamentos e gestos cujo simbolismo adquire

um sentido particular dentro do seu próprio

contexto. Do mesmo modo que as sociedades

tradicionais, as minorias étnicas, os grupos ex-

cluídos (no seio de uma sociedade mais vasta), e

as velhas aldeias rurais, também as empresas (tal

como organizações, associações, sindicatos, gru-

pos desportivos etc.) criam e consolidam as suas

‘teias de significado’ (GEERTZ, 1973), ou seja, a

sua cultura como base de uma coesão e sentido

co le tivo. Se não a possuem, lutam por cons truí-la.

Porque isso lhes traz a solidez necessária para

conjugar flexibilidade com coesão, mudança com

identificação e autoestima.

Essa foi a visão empresarial que prevaleceu

nos países anglo-saxônicos. Os gurus da gestão de

há 30 anos viram na ‘gestão pela cultura’ um possível

caminho para atingir ou consolidar a ‘excelência’,

apoiados num discurso apelativo que tentava

estimular a satisfação no trabalho e a identificação

com a empresa. Promoveram atividades de

lazer, competições desportivas com equipes

da empresa, incentivaram os rituais e os jogos

Cada organização ou grupo humano dotado de estabilidade torna-se uma

realidade única, funcionando na base de códigos,

comportamentos e gestos cujo simbolismo adquire um sentido particular dentro do

seu próprio contexto.

Page 18: Revista FAE Jul./Dez. 2012

16

internos, informais, criaram prêmios (monetários

e simbólicos), um quadro de honra etc., isto é,

uma paleta de ingredientes destinados a reforçar

a coesão, a identidade coletiva e o ‘orgulho’ dos

colaboradores. Cada trabalhador só tem a ganhar

‘vestindo a camiseta da empresa’ como se fosse a

sua família. Segundo essa perspectiva, havia que

conjugar duas dimensões: de um lado, indivíduos

identificados com o espírito da casa, predispostos

a investir no trabalho, esperando que resultassem

daí melhores recompensas e mais oportunidades

de carreira; de outro lado, o coletivo da empresa

como um todo, notado como campo harmonioso

e coeso, podendo sempre mobilizar os quadros e

colaboradores na sua dedicação individual e na

busca da perfeição para o conjunto.

Esse modelo foi objeto de amplas discussões

e de intensa crítica, quer por parte do campo

marxista, quer do paradigma político-cultural que

adiante veremos. Assim, essa corrente ‘culturalista’

funda-se numa concessão individualista e ignora a

importância dos mecanismos de poder nas relações

sociais e da estrutura das organizações como

fatores que estabelecem divisões e desigualdades

duráveis. Já nos anos 1930, no tempo de Elton

Mayo e da Escola de Relações Humanas, havia

se realçado a importância do ambiente social (e

físico) para a satisfação no trabalho.

Ao invés do taylorismo, apoiado nos rit-

mos alucinantes, na cronometragem e na hi-

per es pecialização, a gestão pela cultura esti-

mulou o trabalho em equipe, tentando criar um

corporativismo flexível, capaz de evitar a burocracia

e a rigidez do planeamento e das hierarquias

formais. Em suma, esse modelo tinha muito de

manipulação produtivista e pouco de democracia

laboral, muito embora em muitas empresas tenha

favorecido a satisfação no trabalho e o bem-

-estar. A contribuição para a coesão e o diálogo

social obrigava, porém, a outros requisitos nas

estratégias gestionárias.

Há outra corrente, de origem francófona,

que se oferece como alternativa à visão anterior

e que, ao nosso ver, nos traz uma perspectiva

mais dinâmica e, ao mesmo tempo, politicamente

mais progressista e ajustada às sociedades

europeias. Designadamente, em países como

Portugal, onde os antagonismos de poder, as

estruturas de classe e as desigualdades sociais

são bem marcantes e têm raízes profundas, um

requisito decisivo para compreendermos o real

é, sem dúvida, perspectivá-lo a partir da sua

matriz histórica e, ao mesmo tempo, atentar na

perenidade das estruturas sociais, amplamente

cimentadas em relações de desigualdade, de

poder e de interdependência. Assim, não faz

sentido olhar para as empresas como se elas se

esgotassem na pura racionalidade econômica, ou

como se fossem organizações monolíticas, em que

os seus membros se encontrassem atomizados e

em condições de igualdade uns perante os outros.

Sabemos, bem que, mesmo na escala micro,

as dissonâncias, as assimetrias de influência e as

relações de poder na tomada de decisões são uma

constante. Diversos estudos internacionais têm

mostrado não só a vulnerabilidade da economia

portuguesa e a intensidade das desigualdades

(inclusive salariais) entre a base e o topo da hie-

rar quia, mas também os elevados níveis de inse-

gurança e dependência subjetiva da nossa força

de trabalho. Então, ressalta uma situação óbvia,

em especial no atual quadro de austeridade: a

principal preocupação dos portugueses traduz-se

no sentimento de dependência/precariedade e na

angústia de perder o emprego (ou de não ingressar

sequer no mercado de trabalho). Por exemplo, um

estudo comparativo sobre o European Democratic

Index (SKIDMORE; BOUND, 2008) revelou que

as economias mais competitivas e avançadas

tecnologicamente são também as que reconhecem

mais direitos e liberdade de associação sindical

aos seus assalariados (como é o caso dos países

nórdicos). Ou seja, a democracia nas empresas

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R e v . F A E , C u r i t i b a , v. 15, n. 2, p. 6-23, jul./dez. 201217

Por outro lado, essa abordagem da vida

organizacional é a que melhor nos permite

compreender o papel do conflito e da negociação.

Com ela, poderemos sublinhar a importância da

participação e da construção de consensos na

vida da empresa. Uma vez que as contradições,

as diferenças e rivalidades identitárias (sejam elas

fundadas na categoria profissional, no estatuto, na

filiação ideológico-partidária, no sexo, na raça, na

idade, na língua, no tipo de vínculo/contrato laboral

ou noutra base qualquer), torna-se fundamental

assumir que numa empresa — sobretudo se pos-

suir uma dimensão média ou grande — existe diver-

sidade interna, a qual importa saber gerir para então

beneficiar a organização no seu todo.

Para tanto, é necessário que tais diferenças

se possam exprimir sob a forma de estruturas

democráticas de representação. Se a possibilidade

de associação do trabalhador não for assegurada

perde sentido falar em democracia ou em cidadania

laboral. No entanto, apesar desse ser um direito

constitucional, sabemos bem como em Portugal ele

tem sido sistematicamente pervertido no contexto

profissional, em especial nos setores mais expostos

a condições de trabalho precárias.

4 O Caso da “Autoeuropa — Volkswagen”

Concluindo, gostaríamos de referir breve-

mente o caso da empresa Autoeuropa. Trata-se

de um exemplo bem ilustrativo da falácia de um

discurso patronal e governamental que pretende

‘naturalizar’ a ideia de que o atraso da economia

se deve à baixa produtividade do trabalho, ou

seja, como se os nossos problemas estruturais

tivessem como causa principal a ‘incompetência’

dos trabalhadores. Pelo contrário, são, sobretudo,

as condições tecnológicas e organizacionais de

um lado, e as estratégias de liderança (ou a falta

delas) de outro, sendo necessário equacionar para

se perceberem as razões do (in)sucesso.

convive com maior satisfação, mais qualificação

e maior eficácia dos mecanismos de negociação

internos. Como resultado disso, a produtividade

aumenta e os ganhos empresariais beneficiam todas

as partes. Ao contrário, como também comprovou

o referido estudo, num país como Portugal, os

profundos défices democráticos na democracia

quotidiana são evidentes, designadamente na

esfera laboral, e ainda, no modo como isso se prende

com a escassa atividade associativa e sindical.

Em outras palavras, prevalece, na maioria das

empresas, um clima ‘despótico’ e uma mentalidade

patronal autoritária que não consegue entender a

importância do fator cultural e dos mecanismos

democráticos de participação na vida interna da

empresa. O caso da Autoeuropa é, como se verá

adiante, uma exceção a esse respeito.

Na verdade, o chamado ‘paradigma polí-

tico-cultural’ (promovido por autores como:

Michel Crozier, Alain Touraine, Serge Moscovici,

Renaud Sainsaulieu, Philipe Bernoux, entre ou-

tros) mostra-se bem mais ajustado a explicar a

natureza conflitual e complexa da realidade social

empresarial. A empresa é vista como uma espécie

de microssociedade, composta por indivíduos com

capacidade de iniciativa que buscam a realização

pessoal pelo trabalho e do reconhecimento que

ele pode conferir. Ao contrário das concepções

tradicionais, que tendem a considerar que o

trabalhador só produz se for sujeito a uma apertada

vigilância e controle (ou à velha lógica da cenoura

e do chicote), essa concepção pressupõe que o

indivíduo resiste à opressão e se dedica mais se se

sentir mais autônomo, recompensado, integrado e

reconhecido. Há sempre uma zona de autonomia

relativa e um jogo de estratégias (em geral implícitas)

dotadas de racionalidade, mas de uma racionalidade

‘emocional’, isto é, sempre dependente do grau de

identificação do trabalhador com o grupo e com a

empresa. Mesmo em ambientes de opressão, o ser

humano procura preservar a sua dignidade pessoal,

o seu espaço de liberdade mínimo. E para tal é,

muitas vezes, obrigado a esconder-se sob diversas

formas de dissimulação e de disfarce, inclusive no

local de trabalho.

Page 20: Revista FAE Jul./Dez. 2012

18

Na verdade, essa unidade produtiva da

Volkswagen é uma das mais produtivas do grupo

em nível mundial. Os resultados produtivos de-

pen dem muito mais do enquadramento orga-

nizacional e da ‘cultura de empresa’ do que das

‘competências’ do trabalhador, consideradas no

abstrato. A mediatização permanente desse caso

fez com que a empresa se tornasse um espelho,

ou um barômetro, que exprime a relação de

forças, não apenas na perspectiva do clássico

antagonismo trabalho-capital, mas também

entre as estruturas de representação internas (a

Comissão de Trabalhadores) e o sindicalismo ‘de

classe’ setorial. Fonte de orgulho dos trabalhadores

e de admiração de muitos outros, ocupados em

empregos precários, degradantes e mal pagos,

para não falar dos desempregados, essa unidade

produtiva é bem o exemplo de uma empresa

viva, marcada por uma cultura de exigência e de

organização democrática do trabalho.

O sistema político-cultural em vigor nes-

sa fábrica deveria servir de exemplo, quer aos

nossos empresários (em geral avessos ao diálogo

e que desprezam o direito do trabalho), quer

aos dirigentes sindicais (em geral avessos a

uma efetiva democracia interna). Mas há aqui

ambiguidades difíceis de resolver. Por um lado,

a cultura de diálogo e de negociação coletiva,

parece exprimir o ambiente democrático interno

(onde vigora um acordo de empresa considerado

bastante avançado e flexível, mas cuja legalidade é

posta em causa pelos sindicatos), mas, por outro

lado, se anteciparam tendências, amplamente

favoráveis aos interesses empresariais, tais como

a flexibilidade de horários, a polivalência, os

estímulos salariais etc.

É de admitir que o triunfo de uma cultura

organizacional com essas características, caso

fosse exportável para outros ramos da indústria,

viesse a pôr em causa o modelo de sindicalismo

setorial que vigora em Portugal. Os atuais líderes

sindicais dificilmente aceitariam tal cenário, por

dois motivos: primeiro, porque isso seria o triunfo

de um neocorporativismo que abdicaria da velha

ambição de uma mobilização em larga escala da

classe trabalhadora (orientada para a mudança

estrutural da sociedade); segundo, porque seria

nesse caso a própria sustentabilidade sindical e

o protagonismo das suas lideranças que ficariam

em causa (sendo que muitos dos atuais dirigentes

ocupam esses lugares há décadas).

No entanto, o exemplo da Autoeuropa pode

vir a ganhar maior significado, sobretudo se a unidade

continuar a mostrar o sucesso econômico que tem

exibido até agora. Mesmo atendendo ao tecido

empresarial português, o qual é maioritariamente

com posto de pequenas e minúsculas empresas e

marcado por uma mentalidade resistente à inovação,

a força simbólica desse caso pode estender-se e

influenciar toda uma rede de empresas modernas,

desde logo a começar pelas unidades fabris loca-

lizadas na zona industrial de Palmela e as muitas

empresas que fabricam componentes e prestam

serviços ao grupo Volkswagen.

No modelo produtivo e sistema de relações

industriais vigentes nessa fábrica, merecem

realce tais aspectos: 1) os processos de mudança

incremental e negociada entre todas as partes; 2)

uma cultura de respeito pela dignidade do trabalho;

3) um efetivo entendimento do conceito de

liderança; 4) uma perspectiva que tende a conceber

a empresa em toda sua pluralidade, ou seja,

enquanto espaço de relações de interdependência

e onde o conflito é a contraparte da negociação;

5) uma valorização da identidade coletiva das

equipes e da importância dos incentivos; 6) uma

conjugação equilibrada entre as competências

técnica, gestionária e social; 7) a conjugação

entre flexibilidade e segurança/estabilidade como

elementos nucleares na dinâmica da empresa.

No que diz respeito aos trabalhadores

e à cultura operária, a prática democrática e a

permanente tensão, por um lado, entre uma lógica

de defesa das regalias materiais e de condições

de trabalho e remuneração; e, por outro lado,

uma lógica identitária e de resistência perante

à crescente pressão e poder do capital (quer na

empresa quer no plano mais geral da economia)

predisposta a estimular a consciência social e

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R e v . F A E , C u r i t i b a , v. 15, n. 2, p. 6-23, jul./dez. 201219

o próprio protagonismo político do coletivo

operário e seus representantes, assumem-se como

dimensões estreitamente imbricadas.

Todavia, é também conhecida a dificuldade

em conciliar a luta sindical (setorial) mais geral com

a estrutura dirigente do comitê de fábrica. Essa

relação é hoje problemática na medida em que as

duas dinâmicas obedecem a orientações e vínculos

a forças partidárias distintas e, de algum modo

‘concorrenciais’: de um lado, o Partido Comunista

Português (o caso do sindicalismo da CGTP); e, do

outro, o Bloco de Esquerda (o qual é filiado e foi

deputado no Parlamento o principal líder do Comitê

de Empresa da Autoeuropa, António Chora). Caso

essas duas instâncias caminhem para uma maior

cooperação, isso poderia contribuir para um maior

equilíbrio entre democracia sindical/diálogo interno,

assegurado pela Comissão de Trabalhadores; e a

capacidade de enquadramento mais alargado e

sentido de luta social solidária, que os sindicados

podem proporcionar.

Um quadro bem distinto será o de uma

consumação do divórcio e aumento da rivalidade

entre essas duas orientações: ou o sindicalismo

do setor se torna mero instrumento de uma força

partidária, perdendo completamente o sentido

da realidade e da vida interna das empresas, ou

a Comissão de fábrica se torna mero ‘parceiro’

corporativista, despido de consciência política

e dependente de um sistema mais poderoso

imposto pela direção da empresa. Não é certo

que isso tenha de ocorrer, mas é um risco que se

pode tornar inevitável. A negociação sem conflito

é inócua; e o conflito sem negociação é ineficaz.

É entre esse jogo de poderes e de interesses

que podem ser estimulados, quer o êxito eco-

nômico da empresa, quer as potencialidades

transformadoras e emancipatórias da classe tra-

balhadora (ESTANQUE, 2007).

Conclusão

Sabemos hoje que o Estado social europeu

está ameaçado e ninguém espera que saia dessa

crise revitalizado. Quando muito, teremos uma

mo dalidade mitigada do que existiu no passado,

mas mesmo isso não é garantido. A globalização,

a força devastadora do mercantilismo, os efeitos

fulminantes do neoliberalismo, a internacionalização

e a competitividade global tiveram um impacto

devastador sobre o sistema produtivo e o mundo

do trabalho em geral.

E, hoje, na Europa, continuamos a assistir

à perda de viabilidade de muitas políticas sociais,

designadamente, os sistemas públicos de pre-

vidência social, apoios ao desemprego, rendi men-

to social de inserção, sistema de saúde e apo-

sentadoria (o que em Portugal se designa por

Segurança Social, garantida pelo Estado). Com

o fim da Guerra Fria, desfeita a ameaça de uma

‘alternativa’ ao capitalismo (o socialismo), abriu-se

uma nova oportunidade para uma desvalorização

ainda mais intensa do trabalho em benefício do

capital. Há, no entanto, outros aspetos a considerar.

As mais recentes tendências demográficas,

com o constante envelhecimento da população

e as previsões de agravamento nos países

europeus, irão, muito provavelmente, inviabilizar

a sustentabilidade financeira dos atuais sistemas

e políticas de solidariedade social8. Mas, se o

velho modelo laboral europeu (o fordismo) não é

recuperável, também é verdade que o capitalismo

financeiro, o paradigma neoliberal e monetarista e

a especulação bolsista — para além dos desastres

que está provocando nos países periféricos da UE,

entre os quais Portugal — parecem empurrar a

Europa para um bloqueio sistêmico prestes a fazer

implodir o projeto da Comunidade Europeia.

8 Hoje existe uma relação de um aposentado para cinco trabalhadores ativos, mas se calcula que em 2050 a relação será de um aposentado para dois ativos.

Page 22: Revista FAE Jul./Dez. 2012

20

Nesse quadro, importa que as instituições

e os cidadãos em geral não desistam de

procurar soluções no quadro democrático, no

reconhecimento e reforço, quer dos mecanismos

institucionais quer dos direitos efetivos dos

cidadãos e da sociedade civil no seu conjunto. Sem

perder de vista o legado progressista e humanista

que a Europa construiu ao longo dos últimos três

séculos, espera-se que ainda haverá mais mundo

para além da austeridade asfixiante que se abate

sobre os portugueses e europeus. Durante nove

séculos já suportamos muitas crises e soubemos

sobreviver; também as ultrapassamos com maiores

ou menores sacrifícios.

Apesar de se prever mais desemprego

em 2012, mais pobreza, mais precariedade e

mais conflitualidade, importa admitir que isso é

condição essencial para uma resposta à crise que

muitas empresas, em especial as de referência,

como a Autoeuropa, resistam e se renovem para

se ultrapassar o atual bloqueio.

As unidades que sobreviverem a atual crise

podem até ficar mais fortes, e espera-se que este-

jam em consonância com um novo paradigma e com

um novo sistema produtivo, condição imprescindí-

vel para voltarmos a crescer, a criar emprego e a

criar oportunidades de trabalho (em condições

dignas) para as atuais e futuras gerações.

Mesmo sabendo que as grandes estruturas

empresariais, como a Autoeuropa, representam

uma ínfima percentagem do tecido empresarial

português — e que, portanto, é uma gota de

água num enorme oceano de micro e pequenas

empresas, onde vinga o improviso, a precariedade

e em muitos casos a prepotência patronal,

fatores que se têm expandido nos últimos anos

(ESTANQUE, 2000; 2009) —, continua a ser

prioritário desenhar uma estratégia de inovação

organizacional que faça jus aos princípios da

‘responsabilidade social’. Espera-se e deseja-se

que as dificuldades que estamos atravessando

hoje obriguem para que seja repensado e altera-

do processos e estratégias comprovadamente fa-

lhados, como é o caso da aposta no baixo custo do

trabalho, na submissão absoluta do trabalhador,

na facilitação dos despedimentos imposta sem

contrapartidas.

Perante essa desregulamentação forçada,

é urgente seguir as orientações da OIT, recuperar

e implementar o trabalho digno, estimular a es-

tabilidade e a motivação dos trabalhadores no

local de trabalho, promover a cidadania laboral

e a aposta no diálogo social, na negociação

permanente: não importa muito que a luta

sociolaboral seja conduzida por sindicatos ou

comissões de trabalhadores. Importa, sim, que os

protagonistas sejam suportados por estruturas

autônomas, democráticas e representativas. Isso

pode não ser suficiente, mas será, certamente,

uma condição necessária para que continuemos

a acreditar no progresso e no desenvolvimento

ao serviço do bem-estar dos povos e de uma

repartição da riqueza e das oportunidades mais

justa e equilibrada.

• Recebido em: 19/12/2011

• Aprovado em: 16/04/2012

Page 23: Revista FAE Jul./Dez. 2012

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A abordagem estratégica adaptada por uma pequena empresa comercial: um estudo de casoThe strategic approach adapted by a small business: a case study

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A abordagem estratégica adaptada por uma pequena empresa comercial: um estudo de caso

The strategic approach adapted by a small business: a case study

José G. Lupoli Junior1

Resumo

Este texto apresenta o estudo de caso de uma pequena empresa

comercial que formulou e implantou estratégias competitivas e

funcionais, baseadas na concentração de seu sistema operacional

no desenvolvimento de atributos e capacidades que atendessem às

necessidades de um mercado-alvo definido. O intuito é descrever como

a estratégia e o planejamento estratégico podem fornecer as bases

teóricas necessárias para um esforço de formulação e de execução

prática de estratégias competitivas em pequenas organizações.

Palavras-chave: Estratégia Competitiva. Pequena Empresa. Segmen-

tação de Mercado.

Abstract

This text presents the case study of a small business that has formulated

and implemented competitive and practical strategies based on focusing

its operating system on developing attributes and abilities which meet

the needs of a specific target-market. The aim is to describe how strategy

and planning may provide the essential theoretical foundation for the

elaboration and execution of competitive strategies in small businesses.

Keywords: Competitive Strategy. Small Business. Market Segmentation.

1 Professor Doutor do Departamento de Marketing da Universidade de São Paulo e das Faculdades ALFA. E-mail: [email protected].

Page 28: Revista FAE Jul./Dez. 2012

26

O presente artigo pretende oferecer uma

pequena contribuição para minimizar esse estado

de coisas, tendo por objetivo apresentar um

estudo de observação que acompanhou o caso

de uma pequena organização comercial em um

processo de redefinição estratégica. Esse processo

baseou-se em uma abordagem de marketing

muito interessante para pequenos negócios, a

segmentação de mercado, voltada para as relações

business to business. Em suma, este trabalho

procura responder a seguinte pergunta: é possível

o arcabouço conceitual suportar um esforço

estratégico de uma pequena empresa comercial?

Para atingir o objetivo proposto, este tex-

to discute algumas referências teóricas sobre

o conceito de estratégia, segmentação e posi-

cionamento de mercado. Após, será apresen tado

alguns comentários sobre o método do estudo

de caso. Por fim, o caso é apresentado, incluindo

os seguintes pontos: a situação anterior da em-

presa, as mudanças realizadas e as dificuldades

enfrentadas pela organização, concluindo com

os principais resultados obtidos pelo processo

estratégico.

Introdução

O tema estratégia desperta grande interesse

da produção acadêmica. Dentre essas, a pesquisa

por meio da técnica dos estudos de casos reais

costuma ser muito utilizada por autores da área.

A aplicação do estudo de caso em tra-

balhos acadêmicos baseia-se em amplas virtudes,

por exemplo: efetuar generalizações sobre uma

observação realizada, testar na prática gene-

ralizações teóricas, verificar a validade de uma

teoria, explorar exemplos das melhores práticas

em administração, entre outras (MATTAR, 1996).

Infelizmente, grande parte dos trabalhos acadêmicos

que exploram o método do caso utiliza exemplos

que retratam adaptações perfeitas dos modelos

teóricos em organizações, sem considerar que na

vida real a transposição perfeita de modelos ao dia

a dia das organizações é algo extremamente difícil.

Isso, porém, não pode ser visto como uma

desqualificação de todo o arcabouço teórico e

científico que trata sobre a gestão das empresas.

Pelo contrário, o suporte conceitual ainda não

encontrou concorrentes para a função de promover

a evolução técnica das organizações. Se há alguma

crítica, essa recai sobre a forma de como alguns

autores produzem seus trabalhos explorando as

exceções, ou pior, utilizando-se de uma intencional

miopia para transformar experiências reais,

complexas e penosas, em verdadeiros ‘passeios’

de implantação de modelos teóricos à realidade

das organizações.

Acrescenta-se, ainda, o fato de que muito da

atenção acadêmica é devotada para os problemas

gerenciais das grandes corporações, deixando

de lado as pequenas empresas que enfrentam

desafios quase insuperáveis para aplicar modelos

gerenciais teóricos ao seu dia a dia. Dentre os

motivos que podem concorrer para essa situação,

pode-se citar a dificuldade de acesso aos recursos

de toda ordem e ausência de conhecimento

técnico de executivos e de empreendedores.

Page 29: Revista FAE Jul./Dez. 2012

R e v . F A E , C u r i t i b a , v. 15, n. 2, p. 24-41, jul./dez. 201227

1 Estratégia e Pequenas Empresas Comerciais

Moraes (1991) escreveu que o estado da

arte em estratégia é confuso, poise os conceitos

envolvidos são ambíguos, a literatura não é

uniforme, o argumento teórico não é testado e, ao

invés do acúmulo progressivo, a teoria tem sido

substituída com frequência.

Entre as diversas definições de estratégia,

Quinn, Mintzberg e James (1988) apresentam

uma interessante visão sobre o conceito. Para

esses autores, estratégia é a estrutura que

integra os objetivos, políticas e ações de uma

organização; uma boa estratégia ajuda a alocar

os recursos dentro de posturas viáveis, baseadas

nas competências, na antecipação de mudanças

externas, nos compradores e na concorrência. Em

outras palavras, Barney e Hesterly (2007) definem

estratégia como um conjunto de suposições e

hipóteses formalizadas sobre como a competição

em um setor tende a evoluir, e como essa evolução

pode ser explorada para se obter lucros.

De forma geral, autores estabelecem três di-

mensões hierárquicas no trato acadêmico da abor-

dagem estratégica: os níveis corporativos, competiti-

vos e o nível operacional ou funcional. Siqueira (1997)

descreve cada nível da seguinte maneira: estratégia

corporativa, estratégia compe titiva e estratégia ope-

racional ou funcional.

Na estratégia coorporativa os administradores

precisam coordenar as múltiplas unidades de

negócios. O foco de uma estratégia corporativa são

as decisões acerca do escopo da empresa. Andrews

(1988) acrescenta que a estratégia corporativa é

um modelo de decisões em uma companhia que

determina e revela seus objetivos ou propósitos;

produz as principais políticas e planos para atingir

tais objetivos.

A estratégia competitiva é a estratégia de

negócios, visa estabelecer e manter uma vantagem

sobre os concorrentes, ou diferenciação aos olhos

de seu segmento de mercado-alvo; e a estratégia

operacional ou funcional se preocupa em alocar e

coordenar recursos e atividades do cotidiano aos

objetivos estratégicos da organização.

Whittington (2002) escreve que o conceito

de estratégia é constantemente confundido com

planejamento estratégico. O autor ainda afirma que

planejamento estratégico é uma ferramenta admi-

nistrativa com características prescritivas sobre

como se deve planejar e implantar a estratégia. En-

tre as características do planejamento estratégico

são: a confiança excessiva na capacidade dos

gerentes, o planejamento racional, a hierarquização

da formulação da estratégia de cima para bai-

xo, rigidez e, segundo Whittngton (2002), a pior

das características, a suposição de que as variá veis

ambientais comportar-se-ão conforme o plane-

jamento rígido do gerente.

As limitações que cercam as pequenas e

microestruturas organizacionais sinalizam que há

grandes dificuldades para essas empresas atuarem

conforme as propostas prescritivas dos modelos

estratégicos tradicionais. Por isso, visões alternativas,

ou adaptações viáveis de propostas já consagradas,

precisam ser consideradas quando se pretende

abordar a pequena e média organização. A situação

parece se complicar ainda mais quando se aborda

as pequenas organizações comerciais. Talvez por

que, além de enfrentarem as dificuldades comuns

Estratégia é a estrutura que integra os objetivos, políticas e ações de uma

organização; uma boa estratégia ajuda a alocar

os recursos dentro de posturas viáveis, baseadas

nas competências, na antecipação de mudanças externas, nos compradores

e na concorrência.

Page 30: Revista FAE Jul./Dez. 2012

28

às pequenas empresas, essas companhias sejam

formadas por empreendedores que, em sua maioria,

não possuem formação técnica em administração e,

principalmente, na gestão estratégica de negócios.

O Relatório Executivo da pesquisa perió-

dica Empreendedorismo no Brasil, do ano de

2005, realizada pela Global Entrepreneurship

Monitor (GEM, 2006), retrata tal situação quando

descreve que:

— O Brasil ocupa a 15ª posição no ranking

mundial no quesito empreendimento

por oportunidade e a 4ª posição no

quesito empreendimento por necessi-

dade (GEM, 2006);

— 82,3% dos empreendedores iniciais

afirmam que nenhum de seus consu-

midores consideraria seu produto/

negócio novo (GEM, 2006);

— Além de não oferecer inovação, a

maioria dos empreendedores atua em

ambientes de alta concorrência (GEM,

2006); e

— Especialistas na área de Pequenas

Empresas apontam as deficiências de

educação e treinamento como uma

das principais dificuldades para o

sucesso do empreendedor no Brasil

(GEM, 2006).

Os quatro dados acima deixam claro que

ainda falta muito em termos de visão estratégica

de negócios para as pequenas organizações.

Embora os dados digam respeito aos pequenos

negócios de uma forma genérica, outra publicação

técnica, o Boletim Estatístico de Micro e Pequenas

Empresas (1º semestre de 2005) dá conta que o

comércio representa 52% das pequenas empresas

(SEBRAE, 2005).

1.1 Aspectos Conceituais da Estratégia Competitiva

Entre os três níveis da estratégia, Siqueira

(1997) observa que a estratégia competitiva é o

ponto fundamental para a unidade de negócios,

pois é o nível em que a empresa precisa buscar

uma resposta criativa à questão: como irá competir

dentro de cada um de seus negócios? Para res-

ponder a essa pergunta, a organização deve en-

tender como se diferenciará de seus concorrentes

em cada mercado-alvo e quais competências

diferenciadoras tentará atingir.

Na visão de Porter (1991), estratégia com-

petitiva é um conjunto de ações ofensivas para

criar uma posição defensável em uma indústria, e

para enfrentar, com sucesso, as cinco forças que

determinam a concorrência em um setor: entrada

de concorrentes, rivalidade entre os concorrentes

existentes, pressão de produtos e serviços subs-

titutos, poder de negociação dos compradores e

poder de negociação dos fornecedores.

Thomas (1978) argumenta que, no caso

específico de organizações prestadoras de serviços,

incluindo as empresas comerciais, administradores

pensam em estratégias em termos de orientação

para produtos, quando, na verdade, são requeridas

outras visões estratégicas. Isso porque o que deve

ser vendido é o serviço. Partindo desse princípio,

o autor escreve que várias questões precisam

ser respondidas por quem está pensando em

estratégia, a primeira é sobre o que é o negócio. No

caso do setor de serviços, a resposta é mais difícil

de encontrar em função do seu caráter abstrato. O

segundo grande problema é: como se defender dos

concorrentes? No caso dos serviços, uma pequena

companhia pode entrar na competição, reduzir

a economia de escala e reduzir a concentração

dos negócios. A última questão apresentada por

Thomas, 1978, diz respeito ao desenvolvimento

de novos serviços. Novas formas de se fazer as

coisas é um importante fator estratégico. A tarefa

de se introduzir serviços é diferente da introdução

de novos produtos. Serviço é abstrato, raramente

ocorrem inovações e as imitações são comuns.

Page 31: Revista FAE Jul./Dez. 2012

R e v . F A E , C u r i t i b a , v. 15, n. 2, p. 24-41, jul./dez. 201229

1.1.1 Aspectos conceituais da estratégia competitiva

A formulação da estratégia competitiva é um

exercício muito particular para cada organização,

em razão de sempre se relacionar com o ambiente

competitivo em que a empresa está inserida, suas

necessidades, seus objetivos, suas restrições e

potencialidades.

Reforçam a argumentação acima as críticas

de Mintzeberg (1994) ao Planejamento Estratégico

formal. Segundo o autor, o Planejamento Estra tégico

modelado por Igor Ansoff não traz os resultados

esperados por executivos por vá rias razões,

entre elas, o autor destaca, e que normalmente

não está integrado entre os níveis da empresa,

o conjunto de decisões de cima para baixo na

hierarquia da organização, limitando a flexibilidade

e a adaptabilidade às situações imprevistas da

realidade da implementação das estratégias.

Aguilar (apud LORANGE, 1982) escreve que

a formulação estratégica de negócios é uma tarefa

difícil, em função de que as mudanças estratégicas

dependem do envolvimento de pessoas diferentes,

seja por idade, experiência ou posição hierárquica.

A formulação estratégica de

negócios é uma tarefa difícil, em função de que as mudanças

estratégicas dependem do envolvimento de

pessoas diferentes, seja por idade, experiência ou posição hierárquica.

A estratégia envolve duas grandes características: a

ideia e o compromisso. Se uma pessoa na empresa

tem a ideia da transformação, outra precisa se

comprometer e comprometer os recursos com

a ideia. A grande dificuldade está na inexistência

dessas condições.

Operacionalmente, muitos dos esforços

estratégicos coordenados pelos executivos or-

ga nizacionais são inspirados nas estruturas

de classificação dos tipos de estratégias com-

petitivas. As classificações orientam como

um conjunto de ações pode ser configurado e

estruturado para formar uma estratégia iden-

tificável e aplicável para determinados fins

(CONANT; SMART; SOLANO-MENDEZ, 1993).

Segundo Porter (1991), são identificadas

três estratégias competitivas genéricas, usadas

isoladamente ou combinadas, para criar o que

o autor denomina de posição defensável em

ter mos de lucratividade e de retorno sobre o

investimento, sendo: liderança no custo total —

tornou-se bastante comum nos anos 1970, devido à

popularização do conceito de curva de experiência

ou de aprendizagem. Essa estratégia consiste em

atingir a liderança no custo total em um setor

por meio de políticas funcionais orientadas para

esse objetivo básico. Estratégia de diferenciação

do produto/serviço: oferecido pela empresa com

a criação de algo que seja considerado único ou

raro no âmbito de toda a indústria. E estratégia

de enfoque: baseia-se na concentração em um

determinado grupo comprador, um segmento de

linha de produtos, ou um mercado geográfico. Essa

estratégia visa atender muito bem ao mercado-alvo,

e cada política funcional é desenvolvida levando

isso em conta.

No caso específico das pequenas empresas

comerciais, as opções estratégicas em termos de

tipologia são restritas. As limitações de recursos

impedem a consecução de economias de escala,

necessárias à estratégia de custo total, restando,

portanto, como escolhas viáveis à diferenciação

e ao enfoque em diferenciação. Reforçando essa

visão, Beisel (1993) recomenda que as empresas

comerciais devem buscar atuar de forma dife-

Page 32: Revista FAE Jul./Dez. 2012

30

renciada de seus competidores. Segundo o autor,

a diferenciação é a única estratégia que preenche

um espaço não apenas de mercado, mas na mente

do comprador.

Com base nas opções estratégicas de em-

presas comerciais, Conant, Smart, Solano-Mendez

(1993) realizaram um estudo exploratório com uma

amostra de 600 pequenas empresas comerciais.

Nesse estudo, os autores identificaram dois

tipos estratégicos característicos para pequenas

organizações varejistas, denominados tipo comer-

ciante e especialista.

O comerciante é capaz de, simultaneamente,

desenvolver e enfatizar uma variedade de com-

portamentos estratégicos, possuindo diversas

competências distintas. Já o tipo especialista

possui maior foco em mercados específicos,

embora suas competências sejam restritas.

Comparando os dois tipos, os autores (CONANT;

SMART; SOLANO-MENDEZ, 1993) argumentam

que o tipo comerciante possui capacidades que

permitem obter alto desempenho em termos

de: atendimento ao cliente, layout, apresentação

de produtos, consistência de atendimento e

treinamento de recursos humanos.

Kim e Mauborgne (1997) contrapõem-se

às proposições acima, criticando as formulações

estratégicas que almejam competidores. Para os

autores, a estratégica competitiva deve subjugar

os concorrentes, criando uma lógica estratégica

voltada para o valor a ser criado para o cliente.

Gordon (2004) compartilha com essa visão

ao argumentar que o excesso de atenção na

concorrência apenas faz a empresa apresentar

desempenho próximo a seus competidores, o

passo à frente está em usar as atuais tecnologias

para entender o cliente potencial e desenvolver

soluções inovadoras para tais necessidades.

Essa linha de pensamento estratégico é muito

oportuna para as pequenas empresas comerciais,

tendo em vista que tais organizações enfrentam a

concorrência em condições desiguais e inferiorizadas

em relação a grandes concorrentes do setor.

1.1.2 Implementação de estratégias competitivas

Quando a pesquisa direciona-se para

modelos de implementação de estratégias com-

petitivas, observa-se que a maioria dos autores

converge para propostas muito próximas entre si,

baseando-se em modelos prescritivos, tipificados

em passos sequenciais, que variam de cinco a

dez, próximos a ’receitas de bolo’. Como se pode

verificar em Porter (1991); Walker Jr. e Heyes

(citados por Siqueira, 1997); Linneman e Kennell

(1977); Kotler e Keller (2006); Gilbert e Strebel

(1988); Christensen, (1997); Mason, Mayer e Ezell,

(1988), entre outros.

Embora genéricos, os modelos apresentam

dificuldades para serem operacionalizados por

pequenas organizações comerciais. Como exemplo

dessas dificuldades pode-se citar: sugestões de

análises ambientais amplas que podem ser inócuas

para uma pequena loja que atua em um setor

geográfico restrito, ou que podem exigir muita

capacitação do corpo gerencial dessas organizações;

a pouca relevância que os modelos dão aos

processos de segmentação e de posicionamento

de mercado, estratégias de marketing fundamentais

para empresas comerciais de pequeno porte; o

enfoque prescritivo dos modelos genéricos, que

pode levar gerentes ao viés de tentar adaptar a

empresa ao modelo, e não o contrário; e a pouca

ênfase no estudo do cliente potencial.

Bossidy e Charan (2005) argumentam que

planos estratégicos, em sua maioria, falham não por

serem mal formulados, mas por serem mal executa-

dos. Os autores defendem que o maior desafio das

empresas é implementar o que foi planejado sem

dei xar que as urgências das tarefas do dia a dia se

sobreponham às prioridades estratégicas. No con-

texto da execução, o primeiro passo a ser dado é

identificar o mercado-alvo da empresa, ou o seg-

mento a ser atendido pela organização.

Com respeito à segmentação de mercado,

Aaker (1995) defende que o processo é a chave

para desenvolver vantagens competitivas sus-

Page 33: Revista FAE Jul./Dez. 2012

31

tentáveis. Segmentação é definida por Engel,

Warshaw, Kinnear (1991; 1995) de duas maneiras:

a primeira, como o processo de dividir grandes e

heterogêneos mercados em menores seções de

pessoas ou negócios com similares necessidades

e/ou respostas para grupos de ofertas de mercado;

a segunda, como o processo desenvolvido para

produtos ou serviços que os tornam chamativos

para subgrupos específicos de um mercado total.

Para os interesses deste estudo, os aspectos

teóricos de maior relevância concentram-se na

segmentação de mercado organizacional, ou

segmentação industrial. Conforme se verá na

apresentação do caso, o direcionamento estratégico

da empresa foi voltado para relações comerciais

entre organizações, e não com consumidores.

Embora a maioria dos trabalhos na área discuta

profundamente a segmentação sob o ponto de

vista de mercado de consumo (características

e hábitos de pessoas), essas discussões não

atendem às necessidades de empresas que atuam

negociando com outras organizações. Segundo

Hlavacek e Ames (1986), uma das razões para isso

ocorrer é que a segmentação de consumidores

finais é facilmente identificada. Em contraste, a

segmentação industrial necessita se basear em

considerações econômicas, aplicações, uso e

necessidades concretas do cliente.

Kotler e Keller (2006) escrevem que, para

avaliar diferentes segmentos industriais, a empresa

deve examinar dois fatores: a atratividade global

do segmento, identificar se um segmento potencial

possui as características que o tornam atraente

e os recursos disponíveis; avaliar se faz sentido

investir recursos no segmento.

Sobre as bases de segmentação de clientes

institucionais, Grisi (1986, p. 74-92) sugere dois

critérios para basear um processo de segmentação.

Por benefícios: que identifica os benefícios

perseguidos pelo comprador, pressupondo a

existência de compradores que busquem conjuntos

similares de benefícios em suas demandas de

produtos e serviços. E por necessidades: que

postula que é impossível identificar benefícios

procurados se não puder defini-los em termos das

necessidades que os originam. Decorre dessas

definições que um segmento pode ser delimitado

como um grupo com necessidades comuns, cujas

reações ao benefício proporcionado pelo produto

ou serviço serão semelhantes.

Whitney (1996) propõe um método para

segmentar e avaliar clientes institucionais baseado

em dimensões como: importância estratégica,

significância e rentabilidade para a organização.

Segundo o autor, em cada uma das dimensões de

análise podem ser considerados diversos critérios,

conforme os interesses, potenciais e as restrições

da organização. Para a dimensão de importância e

significância estratégica, podem ser utilizados os

seguintes critérios de análise:

— Necessidade do segmento X capaci-

dade da organização (atual): avalia-se

a capacidade da empresa em recursos

e ativos é confrontada com a necessi-

dade de cada segmento;

— Capacidade da empresa X concorrên-

cia: avalia a possibilidade de atendimen-

to em comparação com a concorrência;

— Saúde do cliente atual: aqui se avalia o ris-

co financeiro de cada grupo de clientes;

Para avaliar diferentes segmentos industriais, a empresa deve examinar dois

fatores: a atratividade global do segmento

e os recursos disponíveis.

Page 34: Revista FAE Jul./Dez. 2012

32

— Saúde do cliente futura: estimam-se

as possibilidades futuras quanto ao

risco financeiro;

— Crescimento de mercado: estima-se o

potencial de crescimento de cada gru-

po de clientes; e

— Aprendizado para a empresa: o critério

dimensiona a possibilidade de apren-

dizado que cada segmento poderia

proporcionar se houvesse um esforço

deliberado em atendê-lo.

A dimensão rentabilidade para a organização

pode ser explorada com os seguintes critérios:

— Participação nas receitas: o montante

de recursos com que o grupo de cli-

entes contribui para o total de vendas

realizadas pela empresa;

— Margem bruta de lucros: diferença

entre vendas e o custo da mercado-

ria vendida, identificando o grau de

descontos que cada segmento exige

para comprar;

— Segurança contra inadimplência: nível

de risco para possíveis não pagamen-

tos;

— Simplicidade de atendimento: estima-

tiva de dificuldades para atender às ne-

cessidades dos clientes; e

— Atraso de pagamentos das faturas: o

nível de risco apresentado pelos seg-

mentos quanto aos atrasos de paga-

mento de compras efetuadas.

Como se pode observar, o modelo de

Whitney (1996) utiliza-se de conceitos de fácil

compreensão e operacionalização, o que o torna

uma ferramenta extremamente útil para pequenas

organizações que necessitam identificar e analisar

segmentos de mercado.

Não se pode, porém, perder de vista

que a segmentação de mercado comprador

apenas subsidia a formulação e a implementação

de estratégias competitivas, o processo de

implementação exige esforços muito mais inten-

sos, envolvendo departamentos e pessoas das di-

versas áreas da organização. As dificuldades nessa

fase da estratégia são reforçadas por Bock et al.

(1999), que argumentam que todas as empresas

desenvolvem estratégias, apesar disso, dados da

revista Fortune informam que apenas 25% das

estratégias planejadas são operacionalizadas.

Bossidy e Charan (2005) citam os se-

guintes fatores como causas que impedem

desenvolvimento de estratégias: desconhecimento

das capacidades das pessoas e da empresa; falta

de realismo; ausência de metas e prioridades

claras; baixo compromisso com o planejamento;

falta de investimentos em capacitação; e falta

de alinhamento entre recompensas funcionais e

objetivos estratégicos. Bock et al. (1999) escrevem

que, para evitar as deficiências, a empresa deve

ter consciência de que, tanto na formulação

como na execução das estratégias, precisa lidar

com questões que estão distantes da ‘certeza’ e

do ‘consenso’. O principal desafio é administrar a

incerteza predominante nos mercados e conseguir

harmonia entre os funcionários e a organização.

2 Aspectos Metodológicos da Pesquisa

Para maior segurança sobre a adequação

e a validade da técnica do estudo de caso para

este trabalho, é prudente aprofundar um pouco

mais nas argumentações e justificativas sobre o

emprego do método.

Gil (1988, p. 58) define o método do caso

como um estudo profundo e exaustivo de um ou

de poucos objetos, de maneira que permita o seu

amplo e detalhado conhecimento. Acrescenta

o autor que a maior utilidade do estudo de caso

é verificada nas pesquisas exploratórias. Possui,

ainda, outras vantagens que, segundo o autor,

seriam: a) Estímulo a novas descobertas — em

razão da menor formalidade, o pesquisador,

ao longo do seu processo, pode atentar para

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novas descobertas; b) Ênfase na totalidade — no

estudo de caso, o pesquisador volta-se para a

multiplicidade de dimensões de um problema,

focalizando-o como um todo; c) Simplicidade dos

procedimentos — os procedimentos de coleta

e análise de dados no estudo de caso, quando

comparados com os exigidos por outros tipos de

delineamento, são bastante simples.

Sobre a aplicação do método, Mattar (1996,

p. 84) escreve que não há critérios para a escolha

de um caso para ser estudado. Entre os exemplos,

o autor cita as situações que reflitam mudanças

e, particularmente, mudanças abruptas. Nóbrega

(1999, p. 72) relaciona o método de estudo de

caso com o estudo da estratégia. Segundo o

autor, estratégia requer pensamento original. A

melhor maneira de estudar estratégia é estudando

sucessos e fracassos dos outros.

Em função das diversas argumentações

apresentadas, pode-se perceber a aplicabilidade

do método para este estudo. Uma pesquisa que

destaca, entre seus pontos fortes, a intenção de

oferecer uma descrição detalhada de um processo

de formulação e implementação estratégica, que

ofereça subsídios, não só para pesquisas mais

estruturadas, mas também como referência para

aplicações empíricas dos conceitos abordados.

3 O Caso

A empresa do estudo, denominada de Lati-

cínios Morato, foi acompanhada durante três anos

pelo pesquisador, período em que se desen volveu o

processo estratégico.

Apresentando um rápido histórico, a

empresa foi fundada em 1974, como uma pequena

loja especializada no comércio de frios, laticínios,

conservas e especiarias, situada na cidade de

São Paulo. Após uma desastrada ampliação de

escopo, a empresa teve seu controle societário

transferido no início de 2000.

Com base na análise situacional, os novos

con troladores decidiram eliminar os negócios de-

fi citários, mantendo apenas as atividades rela cio-

nadas ao varejo e ao setor de vendas por atacado.

A condição precária enfrentada pela

organização exigia aporte urgente de recursos

financeiros. Algo que, naquela situação, apenas

seria possível com o desenvolvimento da própria

empresa no curto prazo. Nesse contexto, o

termo desenvolvimento estava relacionado com

o aumento de lucratividade nas operações —

aumento sensível das receitas com o mínimo de

investimentos e de custos correntes.

As dificuldades não recomendavam inves-

timentos nas atividades varejistas, visto que essas

exigiriam dispêndio desproporcional de recursos

em infraestrutura de futuras lojas. No entanto,

a estrutura atacadista existente oferecia, ainda,

capacidade para crescimento.

Um dos grandes óbices enfrentados por

pequenas empresas que atuam no setor atacadista,

é que nessa atividade, de uma forma genérica,

a competição baseia-se nos atributos: custos e

preços – estratégia de custo total (Porter, 1991).

Incapaz de competir em tais bases, a empresa

procurou identificar segmentos de compradores

que apresentassem outras necessidades que não

preços baixos, o que permitiria à organização

estabelecer um nível de competição por

diferenciação com maiores margens.

O processo de análise baseou-se na carteira

de clientes da empresa. Até aquele momento,

as ações comerciais eram dispersas, não havia

uma concentração em compradores específicos,

clientes de diversos segmentos compunham o

universo comercial da organização, resultando

em negócios de oportunidade e vendas com

margens apertadas.

Os segmentos analisados foram: hotéis, res-

taurantes, pizzarias/padarias, franquias e peque-

nos varejos. O modelo de análise de segmentos de

Whitney (1996) foi utilizado para esse fim. Os graus

5 (alto), 3 (médio), e 1 (baixo) indicam a probabili-

dade de cada segmento contribuir para ocorrência

do critério em avaliação. Os resultados indicaram

o segmento de hotéis como o mais interessante

(TAB. 1).

Page 36: Revista FAE Jul./Dez. 2012

34

TABELA 1 — Análise comparativa dos segmentos

Avaliação estratégica

Clientes atuais

Características Padarias Pizzarias Franquias Lojas Hotéis Restaurantes

1. Capac. x Neces.

Atual3 3 3 3 1 1

Em P. x Conc. Atual 1 1 1 1 1 1

Saúde do Cliente

Atual

Futura

1

1

1

1

1

1

3

1

3

5

5

3

Cresc. Mercado 1 1 5 1 5 3

Aprendizado para a

Empresa1 1 5 1 5 3

Cap. Atração Novos

Clientes1 1 5 1 5 3

TOTAL DE PONTOS 9 9 23 11 27 19

Significância para uma futura estratégia

Classificação pela primeira análise

Rentabilidade Hotéis Franquias Restaurantes Lojas Padarias Pizzarias

Participação nas

Receitas1 3 3 3 3 3

Margem Bruta de

Lucro5 3 3 1 1 1

Segurança quanto

à inadimplência5 3 3 3 1 1

Simpl. de

Atendimento1 3 3 3 5 5

Ausência Atraso de

Pagamento5 1 1 3 1 1

TOTAL 17 13 13 13 11 11

FONTE: O autor

Embora esse tipo de pesquisa possa apre-

sentar vieses importantes, se comparado com um

estudo quantitativo, como risco de análises tenden-

ciosas, amostra não representativa, assimetria de

informações etc., para as limitações de recursos,

comuns nas pequenas empresas, o modelo possi-

bilitou que a organização empreendesse um traba-

lho menos empírico, com características técnicas

um pouco mais consistentes.

Após a primeira análise realizada, os exe-

cutivos da empresa perceberam a necessidade de

aprofundar seus conhecimentos sobre o segmento

eleito, principalmente com relação às expectativas,

anseios e necessidades não atendidas pelos respec-

tivos fornecedores. Novamente, as restrições de

recursos da empresa surgiram como limitadores

para pesquisas mais aprofundadas.

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A solução para a deficiência de recursos

da empresa veio com a aplicação do conceito

denominado de ‘estudo de comprador líder’. Os

compradores líderes, segundo Aaker (1995), são

aqueles que mantêm um grau de exigência muito

acima da média das organizações pertencentes

ao segmento em estudo. Portanto, identificar e

compreender as necessidades e os anseios de um

comprador líder pode subsidiar uma organização a

se capacitar melhor para atender todo o segmento.

A pesquisa de campo foi empreendida junto

a um renomado hotel da cidade de São Paulo, por

meio de entrevistas com o responsável pela área

de compras de perecíveis e o responsável pelo

setor de alimentação do hotel, conhecido no meio

como ‘Chefe de Cozinha’.

A pesquisa identificou quatro deficiências

importantes na prestação de serviços dos

fornecedores tradicionais para o setor hoteleiro.

As principais reclamações foram: incapacidade

dos fornecedores em preencher os requerimentos

padronizados de compra de perecíveis; inflexi-

bilidade no atendimento de exceções e de

pedidos emergenciais; dificuldades em cumprir

compromissos de entrega, acordados com os

setores de compras; e alta variabilidade nos

resultados da prestação de serviços.

Com base nos dados obtidos no estudo,

os executivos da organização concluíram que

toda a ação estratégica deveria se concentrar em

capacitar a estrutura operacional da empresa para

atingir níveis de desempenho exigidos pelo setor

hoteleiro, superando as limitações observadas na

concorrência tradicional.

Inicia-se, então, a fase da planificação da

estratégia, assunto do próximo tópico.

3.1 Planejamento da Estratégia

Após a definição dos objetivos estratégicos,

iniciou-se o processo de planejamento da estratégia.

Entre as áreas da empresa que deveriam sofrer

intervenções, a de recursos humanos foi considerada

prioritária. Tais preocupações fizeram com que a

empresa procurasse definir com clareza as áreas

de maior impacto para o sucesso da estratégia e

definir os perfis e as habilidades humanas que

permitiriam o desempenho planejado. Os níveis

funcionais considerados como de maior relevância,

sob o aspecto de recursos humanos, foram: equipe

de vendas, pessoal de recebimento e expedição,

equipe de transporte e entrega.

A primeira vista, pode parecer exagerada

a preocupação com o desempenho de pessoas

em níveis operacionais. No entanto, na prestação

de serviços, os clientes relacionam-se com os

funcionários de linha e não com diretores e

gerentes (LOVELOCK; WIRTZ, 2006). No caso

do comércio atacadista de alimentos, a relação

concreta com o cliente dá-se por meio dos

motoristas e entregadores, os demais contatos

são, na maioria, virtuais.

Para tanto, a organização efetuou a análise

das operações e das tarefas, que consistiu em definir

que tipos de comportamentos os empregados

deveriam exibir para desempenhar eficazmente as

funções de seus cargos. Os meios utilizados para

capacitar os envolvidos foram reuniões expositivas,

debates interativos, simulações de possíveis vendas,

simulações das rotinas de separação de produtos,

acondicionamento, carregamento de veículo e

entregas simuladas. Outra técnica de treinamento

bastante interessante, aplicada nessa fase, foi a

dramatização, principalmente para capacitar a

equipe de vendedores.

A dramatização difere-se da simulação, no

sentido de que, na primeira, são criados cenários

e as pessoas representam papéis estranhos à

organização, como os de clientes, fornecedores etc.

Na técnica da simulação, os treinandos simulam as

suas próprias atividades em situações próximas ao

seu dia a dia.

Page 38: Revista FAE Jul./Dez. 2012

36

3.2 Recursos Materiais

As questões relacionadas aos recursos

materiais, principalmente, a dotação de equi-

pamentos, representam um adicional de dificul-

dades de grande relevância para as pequenas

organizações que, normalmente, estão envoltas

com restrições financeiras e dificuldades de acesso

aos financiamentos de bens de capital.

A empresa em estudo não fugiu a essa

situação, obrigando-se a recorrer a financiamentos

custosos como: arrendamento mercantil (leasing),

compras parceladas (financiamentos oferecidos

por fornecedores) e à utilização de recursos pró-

prios dos sócios, expedientes comuns adotados

por empresas de pequeno porte.

Um interessante aspecto observado na

empresa em estudo foi que ela se preocupou em

adquirir os recursos materiais concomitantemente

com o recrutamento e seleção dos funcionários,

objetivando capacitar os novos funcionários já

com os novos meios materiais.

3.3 Processos Operacionais

O primeiro passo da empresa nesse sentido

foi o desenvolvimento de um sistema gerencial

informatizado que integrasse o processo de

compras, a gestão de estoques, o suporte a

vendas e gestão da carteira de clientes, antes de

qualquer outra iniciativa. Os programas disponíveis

no mercado, para tanto, ou possuíam preços

inacessíveis, ou não integravam todas as funções

conforme as expectativas da organização; por

esses motivos, a empresa decidiu desenvolver um

sistema informatizado próprio.

O processo de desenvolvimento e validação

do sistema foi muito desgastante e caro, mostrando

que alternativas como adquirir um software de

integração gerencial e, posteriormente, adaptá-lo

às necessidades específicas da organização poderia

ser mais eficiente.

Com o sistema informatizado implantado,

foi possível estabelecer as rotinas operacionais

da área de atacado. Para isso, a organização

integrou as pessoas da área comercial e das áreas

de suporte para que todos pudessem se envolver

e contribuir com a estruturação dos processos.

O procedimento possuiu como objetivo criar o

comprometimento dos envolvidos com o processo

estratégico em andamento.

De acordo com as premissas estratégicas,

considerou-se que para se atingir o desempenho

planejado, os seguintes processos foram consi-

derados fundamentais:

— Vendas: o processo de comercialização

diferenciava clientes novos dos atuais.

A relação com os clientes atuais foi

baseada no sistema informatizado, que

alertava os dias de compras do cliente,

gerenciava e coordenava os setores

de estoque, expedição e faturamento

e entrega. No caso de clientes novos,

a participação das equipes era mais

intensa e, por isso, foram elaborados

procedimentos específicos de identi-

ficação do contato, apresentação dos

diferenciais da empresa, do processo

de expedição, da entrega e maior dedi-

cação nas atividades de pós-venda,

com o intuito de treinar o cliente para

a correta percepção do valor entregue

pela empresa;

— Gerenciamento e renovação de es-

toques: em razão das promessas am-

biciosas de disponibilizar produtos que

pertencessem, ou não, ao portfólio da

empresa e a de responder prontamente

às necessidades emergenciais que as

organizações hoteleiras normalmente

incorrem, os processos relacionados à

renovação e gestão de estoques foram

considerados fundamentais para o

sucesso do esforço estratégico. No

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R e v . F A E , C u r i t i b a , v. 15, n. 2, p. 24-41, jul./dez. 201237

entanto, a operacionalização desse

processo foi extremamente difícil e

penosa, percebeu-se, logo, que era im-

possível prometer a um segmento de

mercado a excelência de atendimento

e pronta resposta sem a segurança da

excelência no fornecimento. Para uma

grande empresa, há a possibilidade de

se prevenir contra tal dificuldade, por

intermédio de estoques elevados, mas

no caso específico da organização, ob-

jeto deste estudo, houve a necessidade

de optar por outro caminho, a capaci-

tação e treinamento dos fornecedores.

É importante observar que nem todos os

procedimentos e ações descritos foram pensados

na fase de formulação e preparação do projeto

estratégico, muitos deles foram elaborados durante

o processo de implementação da estratégia. Por

esse motivo, o acompanhamento próximo pela

gerência do processo em implementação foi de

suma importância para a identificação dos óbices e

para adoção das correções necessárias ao sucesso

do esforço.

3.4 Principais Resultados

Ao final do primeiro ano de execução da

estratégia, os primeiros resultados começaram a

surgir com a conquista de importantes clientes.

Desde o início do processo, a organização

suspeitava que o desempenho alcançado para

atender às necessidades do cliente-alvo do hotel

poderia também atender as demandas de outros

tipos de clientes como: hospitais, restaurantes

sofisticados e os grandes clubes de lazer, modelos

que possuem alguma semelhança com os hotéis.

Diante disso, a equipe de vendas avançou sobre

tais organizações, consoante com o trabalho já

desenvolvido junto aos hotéis. Os resultados foram

bastante interessantes.

A tabela comparativa abaixo ilustra a varia-

ção da composição dos clientes pertencentes à

carteira da unidade de atacado, em sua totalidade

e em proporção aos segmentos de mercado de

interesse da organização, no início do esforço

estratégico e no período final de análise.

TABELA 2 — Composição da carteira de clientes por segmento de mercado

Composição da carteira de clientes

Ano Hosp. Padaria Pizzaria Lojas Clubes Hotéis Rest. Outros TOTAL

2000 0 25 28 47 0 2 24 6 132

2003 17 6 13 35 18 54 33 26 202

FONTE: O autor

Pode-se observar que houve um aumento de clientes pertencentes aos segmentos de hospitais, clubes,

restaurantes. No caso dos clientes pertencentes ao grupo de hotéis e flats, o aumento foi considerável. O

esforço estratégico conseguiu promover ganhos consideráveis no número total de clientes da empresa. Essa

nova configuração da carteira também aumentou sensivelmente o faturamento geral da unidade de negócios.

Com o aumento das vendas, os lucros também apresentaram uma evolução importante no período

avaliado, crescendo a uma taxa de 34% do primeiro para o segundo ano e de 33,4% do segundo para o terceiro

ano de observação.

Page 40: Revista FAE Jul./Dez. 2012

38

Conclusão

Como é possível verificar no texto, a orga-

nização, objeto do estudo utilizou diversos con-

ceitos presentes na bibliografia sobre o tema da

estratégia. Mostrando claramente o quanto a abor-

dagem conceitual e metodológica pode ser útil e

aplicada, não apenas para grandes organizações

de onde vêm os principais exemplos, mas também

para a pequena empresa.

Claro que por se tratar de um estudo quali-

tativo com apenas um exemplo, possíveis generali-

zações não cabem serem feitas aqui. No entanto,

o processo estratégico descrito neste estudo des-

taca ensinamentos acadêmicos que devem ser

considerados por aqueles que atuam em peque-

nas organizações.

Em primeiro lugar, o estudo confirma a

argumentação de diversos autores que alertam

para a diferença de complexidade entre as duas

principais fases de um processo estratégico: a

formulação e a implantação de estratégias. O

caso ilustra a necessidade do acompanhamento

constante da execução por parte das lideranças.

Também são perceptíveis as limitações do

planejamento em antecipar as situações reais, o

que exige dos estrategistas o acompanhamento

próximo da implantação do processo estratégico.

O caso mostrou na prática a emergência de

situações caracterizadas por Mintzeberg (1994)

como ‘estratégias não planejadas’, óbices que difi-

cultam ou impendem a execução do planejamento

estratégico, exigindo a flexibilidade dos execu-

tores em adaptar e criar alternativas para atingir

os objetivos esperados. Nesse sentido, a falta de

recursos das pequenas empresas comerciais pa-

rece torná-las ainda mais sensíveis a esse tipo de

dificuldade.

Outro aspecto importante a ser destacado

relaciona-se com as características integrativas e

amplas de um processo estratégico. Pôde-se per-

ceber o quanto as inter-relações entre modelos de

marketing, como a segmentação e o posiciona-

mento de mercado, e as abordagens operacionais

devem ser íntimas, para aumentar as probabilidades

de sucesso de empreendimentos dessa monta.

Acrescenta-se, ainda, a importância dos

recursos humanos para o sucesso de um esforço

estratégico. O caso mostra que, para a or-

ganização em estudo, o sucesso dependeu do

desenvolvimento de dois atributos: o compro-

metimento e a capacitação das pessoas envol-

vidas no processo. Interessante destacar, também,

os caminhos seguidos pela organização para de-

senvolver tais atributos: o envolvimento das equi-

pes no planejamento e estruturação dos pro-

cessos, e a capacitação por meio de trei namentos

simulados e encenados, técnicas pouco custosas e

acessíveis às pequenas empresas.

Como última observação sobre os ensina-

mentos gerenciais que este estudo proporciona, é

que ele próprio se mostra como um exemplo ilus-

trativo da realidade enfrentada pelas pequenas

empresas, inseridas em ambientes de competição

intensa, e das possibilidades que a abordagem

estratégica pode promover. Como parece ser co-

mum em pequenos negócios, o interesse pela

abordagem estratégica da empresa estudada sur-

giu em decorrência das dificuldades enfrentadas

pela empresa, o que não parece ser a melhor alter-

nativa. Tais opções limitam o alcance da aborda-

gem estratégica ou podem torná-la inócua. Pode

ser um erro, portanto, pequenos empreendedores

abdicarem do pensamento estratégico no seu dia

a dia de negócios.

Para as preocupações acadêmicas, este tra-

balho pode contribuir como uma útil ferramenta

didática para o ensino da administração, uma área

que sofre muito com a limitação de subsídios empíri-

cos dedicados à formação de gestores, principal-

mente para aqueles que estudam com o objetivo de

empreender ou dirigir pequenos negócios.

Por fim, cabe aqui propor à academia uma

atenção maior com a pequena e micro empresa,

que, apesar de suas estruturas mais simples,

carecem de fontes bibliográficas para apoiá-las

diante das grandes dificuldades que enfrentam no

atual ambiente competitivo.

• Recebido em: 13/01/2012

• Aprovado em: 02/05/2012

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Mobilidade Sustentável como desafio do milênioSustainable Mobility as a millennium challenge

Marília Azevedo Bassan Franco da Rocha1

Resumo

Com o crescimento dos principais centros urbanos e com o investimento

do governo na indústria automobilística, o cenário da mobilidade

urbana vem se modificando no decorrer dos anos. O atual modelo

adotado gera consequências negativas para a população como:

congestionamentos, aumento da poluição, aumento do tempo nos

deslocamentos, entre outros. Nesse sentido, é preciso reverter o atual

modelo, integrando conceitos de gestão urbanística, sustentabilidade

ambiental, e voltando-se para a inclusão social. Este artigo tem como

principal objetivo apresentar uma reflexão sobre a mobilidade nas

cidades contemporâneas, buscando contribuir com o debate sobre os

desafios do milênio e estimular a formação de cidadão que zelem pelas

atitudes e comportamentos sustentáveis. Para tanto, utilizamos como

instrumentos de pesquisa levantamentos em fontes bibliográficas.

A pesquisa identificou possíveis alternativas para a resolução dos

problemas de mobilidade urbana, principalmente no que diz respeito

ao incentivo da diminuição das viagens motorizadas e investimentos no

transporte coletivo.

Palavras-chave: Mobilidade Urbana. Mobilidade Sustentável. Alterna-

tivas para Mobilidade Urbana.

Abstract

With the growth of major urban centers and the government’s investment

in the auto industry, urban mobility has been changing over the years. The

current situation generates negative consequences for the population

such as traffic jams, more pollution, more time spent commuting, etc.

Therefore, it is necessary to change this situation, incorporating concepts

of urban management, environmental sustainability and social inclusion.

This article aims to discuss mobility in contemporary cities, seeking

to contribute to the debate on the challenges of the millennium and

stimulate the formation of citizens who practice sustainable attitudes

and actions. The research was based on literature and it was possible

to identify alternative solutions for the problems of urban mobility,

especially with regard to reducing vehicle travel and investing in public

transport.

Keywords: Urban Mobility. Sustainable Mobility. Alternative Solutions

for Urban Mobility.

1 Pós-graduanda em Controladoria (FAE Centro Universitário). E-mail: [email protected].

Page 46: Revista FAE Jul./Dez. 2012

44

Introdução

De acordo com dados do Ministério das

Cidades, até a metade do século XX, o Brasil era

um país de economia majoritariamente agrícola. A

partir da década de 1950, governos considerados

desenvolvimentistas assumiram o poder, e, com

isso, um processo de industrialização intenso

se iniciou, cujo principal efeito foi um acelerado

crescimento dos principais centros urbanos,

resultantes da população que migrou do campo

para a cidade em busca de oportunidades nesse

novo Brasil que se desenhava.

Os motores a explosão e a expansão do

transporte rodoviário motorizado sobre pneus

modificaram, de forma decisiva e irreversível, a

vida e os costumes nas cidades, reformularam os

conceitos de espaço e geraram um novo padrão

de mobilidade (BRASIL, 2007). Após longo perío-

do sem uma atuação sistemática do governo

federal no tratamento do transporte urbano, o

cenário que se construía da mobilidade no País

se tornava cada vez mais preocupante: grande

aumento da utilização dos transportes individuais

motorizados, sobrecarga do sistema viário das

cidades e suas consequências em termos de

aumento de congestionamentos e deterioração

dos serviços de transporte coletivo (BRASIL, 2011).

A partir da década de 1990, as políticas

federais deixaram de tratar o transporte nas

cidades como uma questão eminentemente de

infraestrutura viária para tratá-lo como essencial

para as funções social e econômica dentro do

desenvolvimento urbano (BRASIL, 2011). Esse

momento exige uma mudança de paradigma: é

necessário reverter o atual modelo de mobilidade,

integrando conceitos e instrumentos da gestão

urbanística, sustentabilidade ambiental e voltando-

-se para a inclusão social (BRASIL, 2007).

Este artigo se propõe a apresentar uma

reflexão sobre a mobilidade nas cidades con-

temporâneas, buscando contribuir com o debate

proposto sobre os desafios do milênio e estimular

a formação de cidadãos que zelem pelas atitudes

e comportamentos sustentáveis. Assim, para uma

análise sobre a mobilidade como desafio no milênio,

serão analisadas cidades brasileiras contemporâneas,

após a década de 1950, período quando se inicia o

processo de urbanização no País.

Dessa forma, torna-se necessário, primei-

ramente, contextualizar por meio de uma breve

caracterização histórica a mobilidade e suas trans - formações ao longo das décadas. Além desta

introdução, a composição do modelo de mobilidade

adotado no Brasil está demonstrada no título 1. No

título 2, apresentam-se propostas para solução dos

atuais problemas de mobilidade verificados no Brasil

e, por fim, apresentam-se as considerações finais.É necessário reverter

o atual modelo de mobilidade,

integrando conceitos e instrumentos da gestão urbanística, sustentabilidade

ambiental e voltando-se para a

inclusão social.

Page 47: Revista FAE Jul./Dez. 2012

R e v . F A E , C u r i t i b a , v. 15, n. 2, p. 42-51, jul./dez. 201245

1 Modelo de Mobilidade Adotado no Brasil

A mobilidade se constitui de deslocamentos

cotidianos recorrentes, fruto da separação entre

lugar de trabalho e habitação, de movimentos

destinados às compras e ao lazer, entre outros

(BALBIM, 2004). Mobilidade sustentável, segundo

The World Business Council for Sustainable

Development (WBCSD), é: “atender às necessidades

da sociedade de se mover livremente, obter acesso,

se comunicar, comercializar e estabelecer relações

sem o sacrifício de valores humanos essenciais ou

ecológicos, hoje ou no futuro” (PRADO, 2008).

A política de mobilidade verificada na quase

totalidade das cidades brasileiras tem representado

desperdício de tempo em congestionamentos crô-

nicos; elevada mortalidade, devido aos aciden tes

de trânsito; degradação das condições ambi entais,

causando reduções nos índices de mobilidade e

acessibilidade (LIMA, 2008). Neste capítulo procura-

-se contextualizar as causas e as consequências

desses problemas no Brasil.

1.1 Causas e Consequências dos Problemas do Modelo de Mobilidade Adotado no Brasil

Um dos primeiros fatores que deve ser

levado em consideração quando da reflexão sobre a

mobilidade é o crescimento populacional, já que as

pessoas são apresentadas como sujeitos principais

dentro desse conceito. De acordo com o Censo 2010

(BRASIL, 2010), 84,35% da população (160.879.708

pessoas) vivia em situação urbana, enquanto

apenas 15,65% (29.852.986 pessoas), em situação

rural. Ainda, em 1º de agosto de 2010, 66,41% da

população (126.669.563 pessoas) habitava apenas

607 dos 5.565 municípios existentes.

Comprova-se, com essas informações, a

tendência para o crescimento das grandes cidades

e, com isso, a concentração populacional, conforme

demonstrada na TAB. 1.

TABELA 1 — População nas grandes cidades brasileiras (2010 e 2000)

MunicípioPopulação de acordo

com Censo 2010

População de acordo

com Censo 2000

Percentual de crescimento da pop. de 2000

para 2010, com base nos Censos Demog.

São Paulo - SP 11.244.369 10.434.252 7,76%

Rio de Janeiro - RJ 6.323.037 5.857.904 7,94%

Salvador - BA 2.676.606 2.443.107 9,56%

Brasília - DF 2.562.963 2.051.146 24,95%

Fortaleza - CE 2.447.409 2.141.402 14,29%

Belo Horizonte - MG 2.375.444 2.238.526 6,12%

Manaus - AM 1.802.525 1.405.835 28,22%

Curitiba - PR 1.746.896 1.587.315 10,05%

Recife - PE 1.536.934 1.422.905 8,01%

Porto Alegre - RS 1.409.939 1.360.590 3,63%

FONTE DE DADOS BRUTOS: Censo Demográfico 2000 e 2010 — IBGE

NOTA: O responsável pelos dados trabalhados é o autor desta pesquisa

Page 48: Revista FAE Jul./Dez. 2012

46

problema do transporte coletivo. Em segundo

lugar, com 38%, está o tempo de espera alto

entre os ônibus; e, com 18%, está o alto preço da

passagem (AZEVEDO, 2011). Além disso, segundo

pesquisa apresentada pelo Ipea, os ônibus, que

transportam 90% dos passageiros do transporte

público nacional, apresentam velocidades muito

baixas, cerca de 30% inferiores às que seriam

praticadas com sistemas adequados de prioridade

na circulação (BRASIL, 2011).

Uma consequência básica de todos esses

fatores é o aumento dos congestionamentos

urbanos: segundo dados da Pesquisa Nacional

por Amostra de Domicílios realizada pelo Instituto

Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), entre

1992 e 2008, o tempo médio de deslocamento casa-

-trabalho da população, nas dez principais regiões

metropolitanas do Brasil, subiu aproximadamente

6%. O percentual de pessoas que gastam mais de

uma hora nesse mesmo deslocamento também

subiu: de 15,7% para quase 19% (BRASIL, 2011).

Outro efeito é o aumento da poluição

decorrente do uso crescente de combustíveis

fósseis, apesar dos avanços de controle de emissões

regulamentadas desde 1986 pelo Programa de

Controle de Poluição Veicular (Proncove). Além

disso, os automóveis consomem 68% da energia

total usada nos deslocamentos realizados nas

cidades com mais de 60 mil habitantes, cabendo

apenas 32% ao transporte coletivo (BRASIL, 2011).

Também, a falta de incentivo ao transporte

não motorizado contribui com os baixos índices

de mobilidade nas cidades modernas. Em uma

pesquisa apresentada no 14º Congresso Brasileiro

de Transporte e Trânsito — no ano de 2003, em

Vitória, a qual é citada pelo Ministério das Cidades

em seu Caderno de Referência para Elaboração

de Plano de Mobilidade Urbana de 2007 —, foi

possível verificar que, nas cidades selecionadas, o

principal problema enfrentado pelos ciclistas em

seus deslocamentos é a falta de ciclovia, a falta

de bicicletários seguros e chuveiros públicos para

troca de roupa (BRASIL, 2007).

Outro importante fator a ser considerado é

o aumento do transporte individual em detrimento

da utilização do coletivo, verificado, principalmente,

por meio do aumento da frota de automóveis e

motos — em 2007, a frota circulante em cidades

com mais de 60 mil habitantes era de 20 milhões

de veículos, sendo 15,2 milhões de automóveis e

veículos comerciais leves (BRASIL, 2011).

De acordo com Vasconcellos, Carvalho e

Pereira (2011), os automóveis recebem até 90%

dos subsídios dados ao transporte de passageiros

do País, 12 vezes mais que o transporte público.

Nos últimos anos, os carros têm desfrutado de

redução da alíquota do Imposto sobre Produtos

Industrializados (IPI) pelo governo federal,

estacionamento gratuito em grande parte das

vias públicas, baixo preço do licenciamento e

do Imposto sobre a Propriedade de Veículos

Automotores — IPVA (BRASIL, 2011).

Além das políticas fiscais, o governo

também promoveu o encarecimento do preço do

diesel em relação ao da gasolina, a partir da quebra

do monopólio estatal sobre a exploração e a venda

de petróleo e derivados no fim da década passada,

o que vem estimulando o aumento de viagens

individuais. Podem-se citar, também, as políticas

de incentivo à produção de motocicletas na Zona

Franca de Manaus e a instalação de fábricas de

automóveis no País com grandes incentivos fiscais

(BRASIL, 2011)

As políticas voltadas ao estímulo do uso

do transporte individual, associadas às medidas

que acabam por encarecer o transporte público

coletivo, resultam no agravamento dos problemas

de mobilidade nos grandes centros, além de

também reforçar a exclusão social para aqueles

que não podem adquirir um veículo privado e

percebem que o transporte público vem perdendo

qualidade e ficando cada vez mais caro (BRASIL,

2011). De acordo com levantamento feito pela

Paraná Pesquisas, no início de 2011, para avaliação

do sistema de transporte de Curitiba, metade das

pessoas ouvidas apontaram a lotação como maior

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R e v . F A E , C u r i t i b a , v. 15, n. 2, p. 42-51, jul./dez. 201247

O modelo de mobilidade adotado pelo

Brasil, de acordo com Gomide (2006), alimenta

um círculo vicioso: a oferta inadequada de

transporte coletivo estimula o uso do transporte

individual, o que ocasiona aumento dos níveis

de poluição e congestionamento. Estes, por sua

vez, absorvem cada vez mais recursos para a

ampliação e construção de vias. Igualmente, a falta

de planejamento e controle do desenvolvimento

das funções sociais das cidades provoca a

expansão urbana horizontal, o que gera o aumento

das distâncias a serem percorridas e os custos da

provisão dos serviços para as áreas periféricas,

onde a oferta se torna deficitária. Com isso,

percebe-se que os custos socioeconômicos para a

sociedade brasileira de tal modelo são inaceitáveis

para um país que se pretende justo e sustentável.

2 Propostas de Soluções para Aprimoramento da Mobilidade Urbana no Brasil

Com base na introdução e na primeira

parte deste artigo, constata-se que o estudo

aprofundado das condições de mobilidade é

fundamental para avaliar a qualidade de vida nas

cidades e identificar políticas privadas e públicas

que possam reduzir os problemas urbanos rela-

cionados a esse assunto, dando maior eficiência

na movimentação de indivíduos e mercadorias

(IPEA, 2011). Nesta parte, serão apresentadas

pro postas de soluções para o aprimoramento do

modelo de mobilidade adotado no Brasil.

De acordo com Lincoln Paiva, idealizador

do projeto MelhorAr de Mobilidade Sustentável

(PRADO, 2009), para buscar alternativas para a

mobilidade, o primeiro passo é entender que esse

conceito envolve não apenas o setor de transportes,

mas também de trabalho, saúde, economia, finanças

e meio ambiente. Nesse sentido, Paiva cita que há

evidências no mundo de que os grandes centros

urbanos têm encontrado boas saídas para os

problemas relacionados à mobilidade. Um exemplo

disso é o CTR Board — Commute Trip Reduction Board — aplicado em Washington.

O estado norte-americano possui 6 milhões

de habitantes, abrigando a sede de grandes

empresas e sofrendo as consequências de um

trânsito caótico. Diante desse cenário, o governo

decidiu trabalhar em parceria com a iniciativa

privada, de modo que as empresas começassem

a se sentir responsáveis pelos deslocamentos

de seus funcionários, não somente pela ida ao

trabalho e volta para casa, mas também pela

locomoção durante o dia para visitar clientes,

participar de reuniões e eventos fora da empresa

ou fazer entregas. A partir disso, criou-se um

departamento de mobilidade, que por meio de

recursos financeiros, incentivava as empresas a

fazerem o mapeamento dos deslocamentos de

cada empregado. Os dados coletados serviram

para que o governo tivesse o diagnóstico de como

as pessoas se locomoviam e quais eram as suas

necessidades. Com isso, foram aplicadas iniciativas

de home office, horários flexíveis de trabalho,

construção de ciclovias, viabilização de caronas

compartilhadas, aumento da frota de ônibus

em determinados locais e horários, entre outros.

O conjunto de medidas reduziu o tempo que as

pessoas ficavam paradas no trânsito, o estresse

da população e os gastos com combustível, e

ainda tornou o transporte público mais eficiente.

Três anos depois de implementado, mais de 1.100

empresas investiam nesse projeto, pois notaram os

ganhos econômicos que tinham com a iniciativa.

De acordo com entrevista concedida por

Horácio Augusto Figueira, consultor de engenharia

de tráfego e transportes, uma das soluções para o

problema da mobilidade é o investimento a curto

prazo pelo Poder Público no transporte de ônibus

e, a longo prazo, em metrôs e trens (CRUZ, 2011).

Para Kazuo Nakano, arquiteto urbanista

do Instituto Pólis, o estímulo para que as pessoas

deixem o carro em casa e optem pela utilização

do transporte público está primeiramente na

ampliação da oferta deste meio, fazendo com que

ele atinja todos os pontos da cidade (CRUZ, 2011).

Ainda segundo o autor, o transporte também

precisa ser frequente, confiável, confortável e estar

integrado com as demais redes e linhas. Outra

ideia defendida pelo arquiteto é a criação do

Page 50: Revista FAE Jul./Dez. 2012

48

pedágio urbano, cobrado pelo uso do veículo que

circule, por exemplo, na área central das cidades

nos horários de pico. Porém, os pedágios podem

somente ser implantados após a conexão de todas

as regiões com o transporte coletivo e quando as

oportunidades de emprego migrarem do centro

para as áreas mais periféricas (CRUZ, 2011).

De acordo com entrevista concedida por

Lincoln Paiva, o transporte público não é, nem

pode ser a única solução para a mobilidade urbana

— se todas as pessoas passassem a utilizar ônibus

e metrôs, as cidades teriam um ônus enorme. Em

Londres, por exemplo, segundo Paiva, as pessoas

são incentivadas a andarem a pé e de bicicleta.

Ainda, a prefeitura recomendou às empresas que

adotassem a política de home office, resultando

em ação menos onerosa do que incrementar o

transporte público (PRADO, 2009). Em Paris,

segundo reportagem de Santos (2008), a cada

300 metros há uma estação de bicicletas pú-

blicas, onde é possível locá-las em uma estação

e deixá-las em outra.

Mesmo em países em desenvolvimento há

medidas nesse sentido. Bogotá, por exemplo, em

menos de seis anos, ganhou mais de 300 quilômetros

de ciclovias, equipadas com bicicletários. Além

disso, há também a integração do transporte

público com o estacionamento para bicicleta: ao

pagar a passagem de ônibus, o usuário recebe dois

adesivos com o mesmo número. Um deles é colado

na bicicleta, o outro fica de posse do usuário que

deve apresentá-lo na hora de retirar seu veículo

nos bicicletários instalados nos terminais de ônibus

(SANTOS, 2008).

De acordo com informações do Ministério das

Cidades (BRASIL, 2007), as seguintes soluções são

fundamentais para a melhora da mobilidade no País:

— sistema de informações com a realiza-

ção e divulgação de pesquisas sobre

mobilidade urbana;

— implantação de corredores estrutu-

rais de transporte coletivo urbano que

priorizem a circulação do transporte

coletivo em relação ao individual, in-

cluindo corredores exclusivos e de

transporte coletivo;

— implantação de sistemas integrados de

transporte coletivo urbano;

— apoio a projetos de sistemas de cir-

culação não motorizados, priorizando

a sua integração com os sistemas de

transporte coletivo;

— apoio a projetos de acessibilidade

para pessoas com restrição de mobili-

dade e deficiência;

— diminuir a necessidade de viagens

motorizadas, descentralizando os ser-

viços públicos, aproximando as opor-

tunidades de trabalho e a oferta de

serviços nos locais de moradia;

— priorizar o transporte público coleti-

vo e desestimular o uso do transporte

individual.

As alternativas citadas aqui visam ao

aprimoramento das condições de mobilidade e

acessibilidade urbana da população, o que contribui

para a concretização das políticas sociais, pois levam

as pessoas à igualdade de oportunidades de acesso

às estruturas básicas das cidades.

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R e v . F A E , C u r i t i b a , v. 15, n. 2, p. 42-51, jul./dez. 201249

Considerações Finais

O curso da história brasileira sempre se

encaixou em um processo maior da história

mundial, por exemplo, o Descobrimento do Brasil,

o Capitalismo Mercantil e a Independência do

Brasil, como decorrência dos estados absolutistas

europeus. Dessa forma, problemas vivenciados pelo

mundo fazem-se presentes também em território

brasileiro, permeados pelas particularidades cul-

turais do País.

Dentro desse contexto, emerge o problema

da mobilidade das cidades contemporâneas, bra-

sileiras e estrangeiras, conforme apresentado

neste artigo. Diante da globalização e da apoteose

dos sistemas de comunicação, atualmente é

permitido um intercâmbio de informações com

uma efetividade jamais vivenciada na história

da humanidade. Dessa forma, respeitando-se

as especificidades da realidade brasileira, há

uma enorme probabilidade de que ações bem-

-sucedidas, favoráveis à mobilidade urbana em

cidades estrangeiras, ajam de forma semelhante

em território brasileiro.

Assim, deve haver uma especial atenção

por parte da sociedade brasileira em pesquisar e

reter ações internacionais de sucesso em prol da

mobilidade, como as previamente mencionadas

no trabalho de implantação de pedágio urbano e

incentivo ao transporte coletivo.

A sociedade, atuando de forma conjunta

com os governos locais, deve agir no sentido de

adaptar essas medidas de sucesso para a realidade

brasileira, maximizando a eficiência das ações.

Nesse esforço conjunto, governo e sociedade

devem objetivar construir um modelo de mobilidade

urbana sustentável do ponto de vista econômico,

ambiental e social. A sustentabilidade traz um

conceito inovador para a mobilidade urbana:

“capacidade de fazer as viagens necessárias para a

realização de seus direitos básicos de cidadão, com

o menor gasto de energia possível e menor impacto

no meio ambiente, tornando-a ecologicamente

sustentável” (BOARETO, 2003, p. 49).

Com isso, conclui-se que a política de mobili-

dade sustentável deve estar associada às diretrizes

do planejamento urbano, considerando principal-

mente a preocupação com a sustentabilidade dos

sistemas, a qualidade de vida da população, o acesso

à moradia, saúde e oportunidades de trabalho, ge-

rando, assim, condições para o progresso das ci-

dades e, consequentemente, da sociedade brasileira.

• Recebido em: 08/12/2012

• Aprovado em: 23/03/2012

Page 52: Revista FAE Jul./Dez. 2012

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Qualidade e imagem na satisfação de clientes em concessionáriasQuality and image impact in consumer satisfaction in car dealers

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Qualidade e imagem na satisfação de clientes em concessionárias

Quality and image impact in consumer satisfaction in car dealers

Ieda Pelógia Martins Damian1

Edgard Monforte Merlo2

Resumo

A competição varejista está fazendo com que os serviços ocupem lugares

de destaque por agregarem valores aos consumidores e contribuírem com a

satisfação dos consumidores. Entender como a qualidade do serviço e a imagem

da loja influenciam na satisfação, a importância dos serviços automotivos e dos

relacionamentos entre os conceitos mencionados levou ao objetivo deste trabalho,

que foi analisar o papel da qualidade do serviço e da imagem da loja na satisfação

dos consumidores de serviços em concessionárias de veículos. A pesquisa de

campo foi realizada mediante o envio de questionários por meio eletrônico a uma

base selecionada de consumidores de serviços automotivos em concessionárias. Os

resultados obtidos demonstraram que, além dos aspectos da qualidade do serviço,

os aspectos relacionados à imagem da loja desempenham um importante papel na

formação da satisfação dos consumidores desses serviços. Os elementos de imagem

que mais influenciaram na satisfação dos consumidores foram os relacionados ao

prazer de compra, imagem de loja e preços. Os elementos associados à qualidade

foram: receber o serviço esperado, percepção de alta qualidade no serviço e o

atendimento dos funcionários (empatia e respostas claras).

Palavras-chave: Qualidade. Imagem. Satisfação. Serviço. Concessionária.

Abstract

Competition in the retail sector has highlighted the importance of services in

creating value for customers and contributing for their satisfaction. The wish

to better understand how service quality and store image influence consumer

satisfaction, and the importance of auto services and the relationship between

the concepts mentioned previously has led to the aim of this article, which is to

analyze the role of service quality and store image in consumer satisfaction in

car dealers. The field study was conducted by sending survey questionnaires via

e-mail to a selected database of customers who use services in car dealers. The

results showed that, besides the aspects related to service quality, the aspects

related to store image also play an important role in the formation of consumer

satisfaction. The image elements which most influenced in consumer satisfaction

were the ones related to purchase pleasure, store image and pricing. The most

influential quality aspects were: receiving the expected service, perception of

high quality service and the employees’ attitude (empathy and clear answers).

Keywords: Quality. Image. Satisfaction. Auto Services. Car Dealer.

1 Doutoranda em Administração de Organizações pela FEA-RP/USP. Professora universitária com experiência em Administração e Tecnologia da Informação, atuando nas seguintes áreas: administ-ração de varejo, sistemas de informação, comércio e governo eletrônico. E-mail: [email protected].

2 Doutor em Administração pela Universidade de São Paulo (2000). Professor associado da FEARP/USP, com experiência na área de Administração, com ênfase em Planejamento e Comportamento do consumidor. E-mail: [email protected].

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54

Introdução

O setor automotivo, de acordo com os

dados do Banco Nacional de Desenvolvimento

Social e Econômico (BNDES, 2008), desempenhou

um papel de grande importância na história recente

da indústria nacional, principalmente no início da

década de 1990, quando o setor foi emblemático no

processo de abertura comercial e modernização da

indústria; e em 1995, quando o governo anunciou

um conjunto de medidas e incentivos direcionados

ao segmento, o Regime Automotivo, iniciando-se

um ciclo de grandes investimentos para o setor.

O Brasil ocupa lugar de destaque no cenário

mundial quando se fala em setor automotivo:

está em ascensão tanto no ranking de maiores

mercados quanto no de maiores produtores de

veículos, configurando-se como um importante

player mundial. O desenvolvimento do mercado

automotivo brasileiro, acompanhado de incentivos

governamentais, fez com que mais pessoas

pudessem adquirir veículos.

Esse novo cenário despertou nas empresas

prestadoras de serviços automotivos o desejo de

trazer para suas carteiras de clientes esses novos

consumidores. Para tanto, é importante oferecer um

serviço que os deixem satisfeitos. A satisfação do

cliente em relação ao serviço que lhe foi oferecido

vem ocupando cada vez mais destaque tanto na

área empresarial quanto na área acadêmica.

Apesar de existir um grande número

de estudos que demonstram a importância da

satisfação dos consumidores, da qualidade do

serviço e da imagem da loja, poucos estudos

foram encontrados sobre a efetiva relação entre

esses conceitos e seu impacto sobre a satisfação

dos consumidores. A carência de estudos se torna

ainda maior quando se foca na área de serviços

em concessionárias de veículos, apesar de sua

importância tanto em âmbito nacional quanto

internacional. Essa escassez de pesquisas justificou

o propósito deste estudo, que foi o de avaliar o

papel da qualidade dos serviços e da imagem da

loja na satisfação de consumidores de serviços em

concessionárias de veículos.

Para que esse objetivo geral pudesse ser

alcançado, os seguintes objetivos específicos

foram estabelecidos: (1) identificar os principais

elementos que interferem na satisfação dos

consumidores de serviços automotivos de con-

cessionárias; (2) avaliar a importância da imagem

na satisfação dos consumidores de ser viços

automotivos de concessionárias; e (3) mensurar

o papel da qualidade do serviço para a formação

da satisfação dos consumidores de serviços

automotivos.

Com o intuito de alcançar os objetivos

pro postos por este estudo, foi construído um

questio nário cujas afirmações foram adaptadas

às características específicas dessa investigação,

utilizando-se, para tanto, as pesquisas de autores,

como Parasuraman, Zeithaml e Berry (1985) no to-

cante à qualidade do serviço. No tocante aos atributos

da imagem, foram utilizados os conceitos de Samli,

Kelly e Hunt (1998) e Thompson e Chen (1998).

Os resultados obtidos com esta pesquisa

permitiram verificar qual foi a influência da qualidade

do serviço e da imagem da loja na satisfação dos

consumidores de serviços em concessionárias de

veículos. Os elementos da qualidade do serviço que

mais influenciaram na satisfação dos consumidores

foram os relacionados aos serviços de alta qualidade,

o atendimento dos funcionários, receber o serviço

esperado, atendimento rápido e entregar o serviço

O Brasil ocupa lugar de destaque no cenário

mundial quando se fala em setor automotivo:

está em ascensão tanto no ranking de maiores

mercados quanto no de maiores produtores de veículos, configurando-se como um importante

player mundial.

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no prazo prometido; e os da imagem da loja foram

prazer de compra, imagem de loja e preços.

Por meio desses resultados, esta pesquisa

pretende contribuir tanto para o setor varejista

como para os pesquisadores dessa área, uma vez

que esse assunto é de interesse crescente devido

aos benefícios diretos a ele associados. Além disso,

este estudo pretende contribuir para despertar o

interesse para uma área que carece de estudos.

1 Referencial Teórico

A fim de alcançar os objetivos propostos

e para possibilitar um aprofundamento posterior

da discussão deste estudo, foi realizado um

levantamento bibliográfico sobre os principais

conceitos utilizados na pesquisa: qualidade

em serviços, imagem da loja, satisfação dos

consumidores e varejo e serviços no setor

automotivo brasileiro, assim como analisar os

resultados já alcançados por outras pesquisas,

mesmo que não tenham sido realizadas no setor

varejista de serviços automotivos.

1.1 Qualidade em Serviços

Em seu estudo sobre qualidade, Shewhart

(1931 apud CHEN; TING, 2002) sugeriu que a

qualidade poderia ser dividida em qualidade

objetiva e qualidade subjetiva: a primeira não

tem nenhuma relação com pessoas e sim com

o produto; já a segunda é a maneira pela qual

os consumidores percebem a primeira. Assim,

diferentes consumidores, complementaram Chen e

Ting (2002), não teriam necessariamente a mesma

percepção de qualidade subjetiva para os produtos

com as mesmas qualidades objetivas, o que mostra

que a qualidade está conectada com o consumidor.

Para que as empresas possam usufruir os

benefícios trazidos pela qualidade, é preciso levar

em consideração as diferenças entre produtos e

serviços que influenciam na avaliação de qualidade

do serviço. Essas diferenças são significativas e

causam impactos não apenas na avaliação da

qualidade do serviço, mas também na maneira

mais adequada de medir esse tipo de qualidade.

As pesquisas realizadas por Parasuraman,

Zeithaml e Berry (1985) indicaram que os con-

sumidores, basicamente, usam critérios similares

para avaliar a qualidade do serviço e, então,

esses critérios foram alocados em dez categorias

denominadas de determinantes da qualidade do

serviço, sendo elas: confiabilidade, responsabilidade,

acesso, cortesia, comunicação, credibilidade,

segurança, entendimento/conheci mento do cliente

e tangibilidade.

As características específicas dos serviços

em relação aos produtos que podem dificultar a

sua medição, exigindo instrumentos específicos

para tal fim, foram relatadas por Jonhson, Tsiros

e Lancioni (1995): a intangibilidade dos serviços

pode causar dificuldades de medição e muitos

fatores afetam a percepção do indivíduo da

qualidade do serviço. Os autores relataram que

nas primeiras tentativas para medir a qualidade

de serviço utilizaram as medidas modeladas pelas

indústrias de produtos e, assim, acabaram focando

principalmente no resultado final, negligenciando,

dessa forma, os componentes dos serviços que

Para que as empresas possam usufruir os

benefícios trazidos pela qualidade, é preciso

levar em consideração as diferenças entre

produtos e serviços que influenciam na avaliação de qualidade do serviço.

Page 58: Revista FAE Jul./Dez. 2012

56

possuem importantes parcelas sobre o resultado

final. A sugestão desses autores para a compreensão

do ponto de vista dos consumidores em relação ao

nível de qualidade foi considerar as percepções dos

serviços de entrada, os processos de serviço e as

percepções do serviço resultante.

Fitzsimmons e Fitzsimmons (2000) e

Lovelock (2004) relataram que existe uma grande

dificuldade de medir a qualidade dos serviços que,

ao contrário de um produto com características

físicas que podem ser objetivamente mensuradas,

contêm muitas características psicológicas e que

frequentemente se estende além do encontro

imediato, porque têm um impacto sobre a qualidade

de vida futura de uma pessoa.

Apesar de todas as dificuldades relacionadas

à mensuração da qualidade do serviço, Zeithaml

(2000) reforçou a importância dessa medição,

uma vez que a qualidade do serviço pode levar a

uma série de importantes benefícios.

De acordo com o estudo realizado por

Cronin, Brady e Hult (2000), os consumidores

de serviços mostraram dar mais importância à

qualidade do serviço do que aos custos associados

com a sua aquisição. Corroborando essa visão,

Lovelock (2004) e Berry (2009) afirmaram que

para surpreender e entusiasmar os clientes a

qualidade deve estar acima do nível desejado, o

que se considera como qualidade superior.

Uma das ferramentas mais utilizadas para

mensurar a qualidade dos serviços é o SERVQUAL

que, segundo Tan e Pawitra (2001), pode ser

descrita como uma técnica de diagnóstico para

descobrir amplas áreas de forças e fracassos na

qualidade de serviço de uma organização.

Ladhari (2009) realizou um extenso trabalho

no qual revisou 20 anos (1988-2008) de pesquisas

sobre a escala SERVQUAL para medir a qualidade

do serviço, identificando e resumindo numerosas

críticas teóricas e empíricas da escala baseadas

em uma seleção de 30 aplicações, e concluiu que

essa ferramenta continua sendo um instrumento

útil para a pesquisa de qualidade de serviços —

esse aspecto também foi ressaltado por Finn e

Kayande (2004) e Grönroos (1998).

Corroborando com Ladhari (2009), Yan e

McLaren (2010) utilizaram o SERVQUAL para cal-

cular a distância entre as expectativas dos clientes

e as percepções dos funcionários de uma conces-

sionária de veículos e concluíram que essa ferra-

menta é um meio simples e barato de avaliação de

qualidade de serviços.

Uma alternativa à ferramenta discutida

acima foi proposta por Jonhson, Tsiros e Lancioni

(1995), que se basearam na teoria do sistema

para a criação do SERVQUAL ampliado, o qual

considera as percepções dos serviços de entrada,

dos processos de serviço e das percepções do

serviço resultante, levando em consideração as

características específicas dos serviços que os

fazem diferentes dos produtos e que afetam a

percepção de qualidade deles.

Para o questionário utilizado neste estudo,

foram considerados os aspectos que compõem o

SERVQUAL ampliado proposto por Jonhson, Tsiros

e Lancioni (1995), uma vez que o questionário

leva em consideração todas as etapas da teoria

de sistema descritas acima. Além das afirmações

contidas no SERVQUAL ampliado, outras foram

incluídas no questionário para que a influência da

imagem da loja na satisfação dos consumidores

pudesse ser avaliada.

1.2 Imagem da Loja

Uma das primeiras definições de imagem

que se tornou um marco foi a de Martineau

(1958 apud OLIVEIRA, 2006), em que a imagem

foi definida como um conjunto de associações,

significados e características da empresa.

Para o estudo em questão, foi utilizada a

definição de imagem dada por Bloemer e Ruyter

(1998), que a expressaram como uma função dos

atributos mais marcantes — avaliados e ponderados

uns contra os outros pelos seus consumidores —

de uma determinada loja.

Os benefícios relacionados à imagem

são muitos. Para Aaker (1998), a imagem cria

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valor, contribuindo para a diferenciação e para

o posicionamento, além de criar um sentimento

positivo para a empresa ou para o produto,

gerando um incentivo à compra. Grönroos (1998)

incluiu a imagem em seu modelo de qualidade

percebida do serviço por acreditar que a imagem

de uma empresa funciona como um filtro que

influencia a percepção da qualidade, quer seja de

modo favorável, desfavorável ou neutro. Nessa

mesma linha, Ferrand e Vecchiatini (2002) também

afirmaram que os atributos simbólicos podem

influenciar mais fortemente na satisfação do que

os atributos funcionais.

Os conceitos de imagem aqui discutidos,

bem como os benefícios advindos dela podem

ser aplicados e usufruídos no âmbito varejo

e trazidos para a realidade do estudo em

questão, cujo universo diz respeito às lojas, mais

especificamente às concessionárias de veículos

que prestam serviços automotivos. Assim, se faz

necessário conceituar a imagem de uma loja, o que

para Wyckham (1969 apud SAMLI; KELLY; HUNT,

1998) é o somatório de todos os atributos que são

percebidos pelos consumidores a partir de suas

experiências com essa imagem.

Em relação aos atributos de loja ou carac-

terísticas que fazem parte da imagem global

da loja, Bloemer e Ruyter (1998) afirmaram que

vários autores têm distinguido diferentes atri-

butos e citaram importantes contribuições: (1)

Lindquist (1974) propôs nove elementos diferentes:

mercadoria, serviço, clientela, instalações físicas,

conforto, promoção, atmosfera da loja, institucional

e satisfação pós-transação; (2) Doyle e Fenwick

(1974) distinguiram cinco elementos: produto, preço,

sortimento, estilo e localização; e (3) Bearden (1977)

sugeriu as seguintes características: preço, qualidade

da mercadoria, sortimento, atmosfera, localização,

local de estacionamento e pessoal amigável.

A imagem da loja desempenha um papel

fundamental para o bom desempenho do setor

varejista. As principais ferramentas utilizadas

para medir a imagem são: escalas de avaliação,

técnicas abertas, escalas multidimensionais e

comparações de imagem. Nas escalas de ava-

liação é solicitado ao consumidor avaliar a ima-

gem da loja por meio de uma escala que pode

ser uma comparação numérica ou um diferencial

semântico ou ainda um posicionamento de escala

gráfico (MCGOLDRICK, 2000).

Além das adaptações realizadas na escala

SERVQUAL comentadas anteriormente, a técnica

de escalas de avaliação para mensuração da

imagem de uma loja foi a utilizada neste estudo

por ser a que mais se aproxima das demais

ferramentas que foram utilizadas para a medição

da qualidade dos serviços.

O propósito de elaborar afirmações rela-

cionadas à qualidade do serviço e à imagem da loja

foi poder avaliar a influência desses conceitos na

satisfação dos consumidores que se trata de um

assunto em crescente ascensão tanto por parte

dos acadêmicos quanto por parte dos gestores

de empresas.

1.3 Satisfação dos Consumidores

O conceito de satisfação de cliente foi

introduzido por Cardoso (1965 apud CHEN;

TING, 2002), e desde então tem tido diferentes

definições, umas relacionadas ao grau de realização

Os benefícios relacionados à imagem são muitos. A imagem cria valor, contribuindo para a

diferenciação e para o posicionamento, além

de criar um sentimento positivo para a empresa ou

para o produto, gerando um incentivo à compra.

Page 60: Revista FAE Jul./Dez. 2012

58

dos benefícios dos produtos que os consumidores

esperam, outras mais focadas na comparação de

recompensas dos resultados esperados com o

custo do investimento.

Conforme Matzler e Hinterhuber (1998) e

Levy e Weitz (2000), a satisfação expressa uma

preocupação crescente para muitas empresas

líderes no mundo todo e, cada vez mais, as empresas

têm utilizado cotações de satisfação como um

indicador de desempenho de produtos e serviços e

como um indicador do futuro da empresa.

A satisfação para Parker e Mathews (2001)

pode ser vista como o resultado de uma experiência

ou como um processo, e se complementa com outra

abordagem que se refere à satisfação como uma

atitude. As variáveis-chave que afetam a satisfação

do consumidor de acordo com a pesquisa desses

autores são: expectativas, desconformidades, de-

sempenho percebido e atitudes prioritárias.

Para Matsukuma e Hernandez (2007), a

formação da satisfação pode ser entendida por

meio de seus atributos e, assim, tomar decisões

estratégicas com maior segurança. Isso significa

que obter apenas a satisfação para cada um dos

atributos não é suficiente. É necessário identificar

a importância relativa de cada um dos atributos

para a satisfação. Do ponto de vista gerencial,

a implicação é clara: devem-se privilegiar os

atributos mais importantes em detrimento dos

menos importantes.

A contribuição dos autores é de grande

relevância para o desenvolvimento deste trabalho,

que busca avaliar os atributos da qualidade dos

serviços e da imagem da loja que influenciam a

satisfação dos consumidores de serviços auto-

motivos em concessionárias de veículos.

A importância e os benefícios relacionados

à satisfação dos consumidores também podem ser

notados pelas sugestões de McGoldrick (2000)

de avaliação do desempenho de marketing, feita

por meio de duas grandes categorias de análise:

uma que leva em consideração os indicadores

financeiros dos programas de marketing, e outra

que se preocupa com ações internas da empresa

voltadas à satisfação de seus consumidores com

a criação de indicadores para mensurar cada um

desses aspectos. Legitimando McGoldrick (2000),

Matsukuma e Hernandez (2007) afirmaram que

a satisfação é um índice que permite conhecer

os clientes e, em conjunto com outras análises,

indicar se o cliente é leal à empresa, se pretende

migrar para o concorrente, ou, ainda, se pretende

abandonar o mercado, além de afirmar que, se

bem utilizadas, as pesquisas de satisfação podem

auxiliar os profissionais de marketing a prever

situações de risco e tomar decisões para evitá-las

antes que aconteçam.

1.4 Varejo e Serviços no Setor Automotivo Brasileiro

O varejo, de acordo com Parente (2000),

consiste em todas as atividades que englobam o

processo de venda de produtos e serviços para

atender a uma necessidade pessoal do con-

sumidor final.

Os serviços, segundo Vargo e Lusch

(2004), podem ser definidos como a aplicação

de competências especializadas por meio de

atos, processos e desempenhos para benefício de

outra ou da própria entidade. Em geral, ainda de

acordo com esses autores, os consumidores não

precisam somente de mercadorias, eles precisam

de serviços que satisfaçam as suas necessidades.

Em relação aos serviços, Torres Jr., Miyake

e Pereira (2006) realizaram um estudo no qual

demonstraram a importância do desenvolvimento

de serviços para as organizações e ressaltaram

que, apesar da relevância do tema, esse aspecto

ainda permanece como uma área pouco estudada

na literatura de gerenciamento de serviços.

Essa afirmação justifica este estudo, o qual,

ao pesquisar os elementos da qualidade do

serviço e da imagem da loja na satisfação dos

consumidores de concessionárias de veículos,

enfoca a área de serviços.

Reforçando o exposto acima, Berry (2009)

ressaltou que os serviços criam valor para os

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clientes e valor superior, sendo a melhor maneira

de concorrer a qualquer momento e a única em

momentos de recessão. Um valor superior implica a

maximização dos benefícios e redução dos encargos

para os clientes. Superar as expectativas dos clientes

é a essência da qualidade do serviço. A avaliação

dos clientes da qualidade do serviço é uma avaliação

cumulativa, uma vez que cada nova experiência com

a organização combina com experiências passadas.

Mais especificamente, nos casos dos

serviços de assistência técnica oferecidos pelas

concessionárias, Pieritz (2003) relatou duas

situações distintas: (1) quando os serviços são em

garantia — nesse caso, pagos pela montadora,

o preço é determinado por ela mesma, sem a

participação da concessionária e o cliente é

apenas atendido pela concessionária; e (2) quando

os serviços são de manutenção, fora de garantia —

os preços são estabelecidos pela concessionária e

pagos pelo cliente que, nesse caso, é realmente um

cliente da concessionária.

De acordo com o grau de intensidade de

trabalho e o grau de interação e customização, os

serviços podem receber diferentes classificações.

Segundo Lambin (2000), as assistências técnicas

oferecidas pelas concessionárias podem ser

consideradas como lojas de serviços, porque as

interações e customizações são relativamente

baixas, mas com alta intensidade de trabalho.

Especificamente abordando a questão

dos serviços automotivos no Brasil, a Associação

Nacional dos Fabricantes de Veículos Auto mo-

tores (Anfavea) afirmou que esse segmento

impulsionou o Brasil a mudar de patamar

econômico. De acordo com a Federação Nacional

da Distribuição de Veículos Automotores

(FENABRAVE, 2008), o crescimento recente do

setor se deu devido à continuidade das facilidades

de crédito, com diminuição da taxa de juros e,

principalmente, devido ao aumento dos prazos

de pagamento. Adicionalmente, foi mencionado

o elevado crescimento da massa real de renda e

do emprego, ocorrido nos últimos oito anos na

economia brasileira.

No Brasil, segundo Popadiuk e Meinert

(2007), as montadoras optaram por seguir o modelo

convencional americano de utilizar empresários

locais para fazer a venda e a assistência técnica

nos veículos por elas fabricados. Tais empresários

têm contratos de concessão com as montadoras,

obtendo a exclusividade da representação da

marca em um território predefinido, e assumem a

responsabilidade por fazer a venda dos veículos

novos, prestar serviços de assistência técnica e

fornecer peças originais de fábrica.

De acordo com Beber e Rossi (2006), as

concessionárias normalmente dispõem de boa

estrutura para prestação de serviços, sendo res-

ponsáveis pela execução dos trabalhos referentes às

garantias dos fabricantes para os produtos novos.

2 Método de Pesquisa

Na presente pesquisa — de caráter quan-

titativo e com amostragem por conveniência —,

os dados foram coletados mediante questionários

estruturados (questões fechadas) com afirmações

utilizando escala de Likert de cinco pontos envia-

dos por meio eletrônico para um banco de e-mails

selecionado a usuários de serviços automotivos em

concessionárias.

A utilização de questionários auto admi-

nistrados, de acordo com Cooper e Schindler

(2003), tornou-se muito comum na vida moderna,

No Brasil, as montadoras optaram por seguir o modelo convencional americano de utilizar empresários locais

para fazer a venda e a assistência técnica nos veículos por elas

fabricados.

Page 62: Revista FAE Jul./Dez. 2012

60

uma vez que esse método permite ter contato com

respondentes inacessíveis de outra forma, pro-

porcionando uma maior cobertura geográfica sem

aumento de custos e com coleta de dados rápida.

A primeira parte do questionário foi construí-

da com o objetivo de caracterizar o entrevistado, a

partir de questões que permitiram classificá-lo por

faixa etária, sexo, estado e grau de escolaridade.

A segunda parte do questionário foi

composta por 25 afirmações que se propunham a

avaliar a influência da qualidade do serviço e da

imagem da loja na satisfação dos consumidores

de serviços automotivos em concessionárias.

Dentre essas afirmações, 13 estavam relacionadas

à qualidade do serviço, as quais estão descritas no

QUADRO 1, a seguir.

QUADRO 1 _ Afirmativas relacionadas à qualidade dos

serviços

QuestãoAfirmativas relacionadas à qualidade dos

serviços

2A empresa possuía equipamentos modernos

4As instalações físicas eram visualmente

atraentes

5 Os funcionários foram gentis

7Os funcionários responderam às perguntas com clareza

8Os funcionários prestaram atenção às minhas necessidades

9A empresa entregou os serviços no prazo prometido

10A empresa oferecia um horário de atendimento adequado

11 Eu recebi o serviço que esperava

12O serviço foi feito corretamente da primeira vez

13 A empresa ofereceu um serviço confiável

14 O desempenho do serviço foi variável

21Eu considero os serviços desta empresa de alta qualidade

23 O atendimento foi rápido

FONTE: Os autores

Além das afirmações acima mencionadas, 11

foram elaboradas com a finalidade de verificar os

atributos da imagem da loja na satisfação desses

consumidores. O QUADRO 2 traz as afirmações

relacionadas à qualidade dos serviços.

QUADRO 2 _ Afirmativas relacionadas à imagem da loja

Questão Afirmativas relacionadas à imagem da loja

1 Os produtos eram de boa qualidade

3 A empresa possuía boa localização

6 Os funcionários pareciam felizes com o

serviço

15 Os preços eram muito bons

16 As promoções eram muito boas

17 As opções de produtos eram muito boas

18 O ambiente da loja era agradável

19 Eu gostei de comprar nessa loja

20 Eu considero esta empresa muito

confiável

22 Eu considero que a imagem desta empre-

sa é muito boa

24 A empresa ofereceu facilidades de paga-

mento

FONTE: Os autores

A última afirmação que compunha essa

segunda parte do questionário dizia respeito à

avaliação geral da satisfação dos consumidores

em relação a esses serviços automotivos em

concessionárias.

Todas as 25 afirmações foram baseadas

em importantes estudos, dentro os quais se

deve destacar: Jonhson, Tsiros e Lancioni (1995),

Parasuraman, Zeithaml e Berry (1985) e Bloemer

e Ruyter (1998). Realizou-se um pré-teste com

cerca de 60 questionários e identificadas as

perguntas que poderiam apresentar problemas de

compreensão; após o pré-teste, uma questão foi

identificada como ambígua, sendo retirada.

Como o objetivo do estudo foi verificar o papel

da qualidade do serviço e da imagem na satisfação

dos consumidores de serviços automotivos

em concessionárias, tomou-se o cuidado de

considerar apenas as respostas dos respondentes

que tivessem utilizado serviços automotivos em

concessionárias credenciadas pelos fabricantes. A

identificação de qual concessionária o consumidor

estaria analisando não era obrigatório, porque isso

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não faria parte da análise, uma vez que a pesquisa

foi realizada em uma base nacional. A pesquisa foi

realizada no segundo semestre de 2009.

Foram obtidos 1346 questionários respon-

didos corretamente, que foram analisados por meio

de técnicas de regressão linear múltipla visando

identificar quais os elementos que apresentavam

maior influência na construção da satisfação

do consumidor. De acordo com Pallant (2001),

quando se utiliza do método de busca stepwise,

deve-se utilizar uma média de 40 casos para

cada variável independente. Considerando que as

análises estatísticas aqui desenvolvidas englobaram

24 variáveis independentes, seria necessário

ter, no mínimo, 960 questionários respondidos

corretamente. Esse número foi res peitado e

superado, uma vez que o estudo ana lisa os dados

de número superior, conforme contabilizado acima.

3 Resultados e Conclusões

Primeiramente, foi realizada uma análise

descritiva da amostra com o objetivo de obter um

perfil e, então, foi utilizada a análise de regressão.

A análise de regressão múltipla é uma técnica

estatística que pode ser usada para analisar

a relação entre uma variável, denominada de

dependente, e uma ou mais variáveis, chamadas de

independentes ou preditoras (HAIR et al., 2005).

Do total de respostas válidas, 52% eram

mulheres e 48%, homens. Analisando o perfil da

amostra obtida, identificou-se que 29% possuíam

até 27 anos; 34,7% se situavam entre 28 e 38

anos; 22,1% possuíam entre 39 e 49 anos e 14,2%

possuíam mais de 50 anos. Com referência ao

estado de origem dos respondentes, grande parte

da amostra originou-se do estado de São Paulo

(70,7%). Os demais estados citados representaram

29,3% da amostra.

De acordo com a soma das notas de cada

afirmação contida no questionário, verificou-se

que das cinco afirmações que receberam as maio-

res pontuações (melhores avaliações pelos

consumidores), duas diziam respeito à imagem

da loja e três estavam relacionadas à qualidade

do serviço. Esse aspecto ganha maior relevância

se considerado que o número de afirmações

relacionadas à imagem da loja é menor do que o

número de afirmações relacionadas à qualidade.

As afirmações relacionadas à imagem da

loja que receberam as maiores pontuações diziam

respeito à qualidade dos produtos e a localização

da concessionária de veículos. Em relação à

qualidade dos serviços, as afirmações mais bem

pontuadas estão relacionadas às concessionárias

possuírem equipamentos modernos, instalações

físicas atraentes e funcionários gentis.

Um aspecto a ser destacado foi no tocante ao

elemento preço, tanto na avaliação de promoções

quanto no aspecto preços: esses, conjuntamente,

obtiveram as piores avaliações. Diante dessas

pon tuações, pode-se concluir que a imagem que

os consumidores possuem das concessionárias

de veículos em relação aos preços e promoções

não é boa e representa, assim, um aspecto im-

portante que deve ser avaliado e gerenciado pe-

los varejistas do setor.

A seguir, foi realizada uma análise de cor-

re lação das 25 variáveis que, de acordo com

Stevenson (2001), tem por objetivo determinar a

força do relacionamento entre duas observações

emparelhadas.

Com base nos valores obtidos por meio da

análise de correlação, foi possível verificar que as

afirmações que apresentaram mais correlações

com a afirmação que representa a satisfação dos

consumidores foram as relacionadas com serviços

de alta qualidade e com o fato da empresa ser

muito confiável. Essa constatação é de suma

importância para este estudo, uma vez que a

partir dela é possível concluir que a qualidade

dos serviços e a imagem da loja podem ser

consideradas fatores diretamente relacionados

com a satisfação dos consumidores de serviços

em concessionárias de veículos.

Com a intenção de verificar qual a influência

da qualidade dos serviços e da imagem da

Page 64: Revista FAE Jul./Dez. 2012

62

loja na satisfação dos consumidores de serviços

automotivos em concessionárias de veículos, o que

foi o objetivo principal deste estudo, realizou-se

uma análise de regressão multivariada, que, de

acordo com Stevenson (2001), tem como objetivo

estabelecer uma equação para predizer valores de

uma variável dependente para valores dados das

diversas variáveis independentes.

De acordo com os resultados obtidos pela

análise de regressão multivariada dos dados,

a satisfação dos consumidores de serviços

automotivos pode ser definida por meio da

seguinte equação:

SAT = 0,273 + 0,242SAQ +0,121GTC + 0,0964FRC +

0,094RSE + 0,0805PSB + 0,080ATR + 0,052EPP

Em que:

SAT = Satisfação Global

SAQ = Eu considero os serviços desta empresa de

alta qualidade

GTC = Eu gostei de comprar nessa loja

PBQ = Os produtos eram de boa qualidade

FRC = Os funcionários responderam às perguntas

com clareza

RSE = Eu recebi o serviço que esperava

PSB = Os preços eram muito bons

ATR = O atendimento foi rápido

EPP = A empresa entregou os serviços no prazo

prometido

Dados adicionais do modelo escolhido:

R = 0,821; R2 = 0,674 ; R2 ajustado = 0,668*

* o valor de R2 ajustado pode ser considerado significativo, principalmente se considerado que se trata de uma aplicação voltada para ciências humanas.

Para a análise dos resultados obtidos,

considerou-se a coluna VIF, que, de acordo com

Cooper e Schindler (2003), mostra o índice de fator

de variância de inflação, a qual é uma medida de

outras variáveis independentes no coeficiente de

regressão. Valores de VIF iguais ou maiores do que

10 sugerem colinearidade ou multicolinearidade. No

caso específico deste estudo, todas as afirmações

analisadas apresentaram valores de VIF inferiores

a 10, indicando que não existem problemas de

colinearidade ou multicolinearidade.

Por meio da equação da satisfação dos

consumidores obtida pela análise de regressão

multivariada, foi possível verificar o que talvez seja

a maior contribuição deste estudo: a qualidade

dos serviços e a imagem da loja representam um

papel de extrema importância para a formação

da satisfação dos consumidores de serviços em

concessionárias de veículos.

De acordo com a equação obtida por meio

da regressão, a afirmação de maior relevância

está diretamente relacionada com o conceito de

qualidade percebida do serviço, que, de acordo

com Parasuraman, Zeithaml e Berry (1985), significa

o resultado da comparação que o cliente faz do

serviço esperado com o serviço percebido. Ainda

de acordo com esses autores, quando o serviço

esperado é equivalente ao percebido, a qualidade

percebida é satisfatória. Assim, demonstra-se qual

a importância em receber o serviço esperado tem

sobre a formação da satisfação do consumidor.

Essa importância foi percebida nesta pesquisa,

uma vez que a afirmação que dizia respeito a

receber o serviço esperado também fez parte da

composição da equação da satisfação.

A segunda afirmação de maior represen-

tatividade relaciona-se à imagem da loja e vem ao

encontro das contribuições de Firat et al. (1997),

que reforçaram o crescimento da importância

do simbólico sobre o funcional e o material; de

Ferrand e Vecchiatini (2002), cujo estudo de-

monstrou que os atributos simbólicos, como a

imagem, influenciam mais fortemente a satisfação

do que os atributos funcionais; e de Moura, Gomes

e Moura (2005), cuja pesquisa concluiu que o

atributo ‘imagem’ tem uma influência significativa

sobre a sa tisfação quando comparada com os

atributos funcionais.

O papel do funcionário para a satisfação

dos consumidores de serviços automotivos tam-

bém demonstrou ser de grande importância. Esse

aspecto aparece discutido em vários autores,

como em Dotchin e Oakland (1994) que afirmaram

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que o papel do empregado e sua conduta são

de grande importância devido à presença do

consumidor na produção do serviço.

A existência de bons preços está diretamente

relacionada com a satisfação dos consumidores

pesquisados. A grande representatividade do ele-

men to-preço pode ser verificada ao se constatar

que ele é citado como importante atributo de

imagem de loja por vários autores citados por

Bloemer e Ruyter (1998), conforme já demonstrado

neste trabalho.

Outra afirmação importante na equação

da satisfação do consumidor foi a rapidez no

atendimento. A importância da rapidez no aten-

dimento foi relatada por Strombeck e Wakefield

(2008) e Khauaja (2007). O estudo realizado por

Strombeck e Wakefield (2008) demonstrou que esse

tipo de demora pode fazer com que o consumidor

não enxergue uma excelente prestação de serviço,

ainda que o serviço tenha um desempenho

excepcional. Khauaja (2007), afirmou que como em

uma concessionária de veículos o serviço é realizado

na hora, a rapidez torna-se um atributo importante.

Além da rapidez no atendimento, outra

afirmação relacionada à qualidade do serviço

e também à dimensão tempo foi considerada

possuir um importante papel na satisfação dos

consumidores: entregar o serviço no prazo pro-

metido, essa dimensão desempenha um papel

importante em relação à qualidade dos serviços. No

modelo de Parasuraman, Zeithaml e Berry (1985),

a qualidade do serviço é mensurada comparando

as expectativas com as percepções. O efeito do

tempo é incorporado à avaliação final do serviço

pelo impacto sobre a capacidade de resposta

e acesso. A análise do impacto da duração na

qualidade do serviço pela medição da diferença

entre as percepções e expectativas provavelmente

é a análise mais comum encontrada na literatura e

tem sido aperfeiçoada constantemente (BITRAN;

FERRER; OLIVEIRA, 2008).

Considerações Finais

A confirmação de que não somente os

aspectos diretamente ligados à qualidade, mas

tam bém os que sofrem influências de aspectos

intangíveis, como a imagem de uma empresa,

devem ser considerados na compreensão da

satisfação dos consumidores.

Os resultados obtidos evidenciaram o

grande papel da qualidade percebida pelos

consumidores na obtenção da satisfação. Em

seguida, o papel relevante da imagem também

ficou claro, principalmente à obtenção de prazer

no processo de compra. Finalmente, aspectos

de gestão foram evidenciados mais diretamente

(produtos de boa qualidade, funcionários com

treinamento adequado).

O estudo realizado pôde comprovar uma

preocupação que guiou esta pesquisa, isto é,

evidenciar que a satisfação dos consumidores

não depende apenas do esforço da empresa em

atender aos aspectos da qualidade de um serviço,

mas também dos aspectos relacionados à imagem

juntamente com a percepção de qualidade se

mostraram os grandes fatores geradores da satis-

fação do consumidor.

As principais contribuições deste estudo

para área acadêmica estão relacionadas com a

necessidade de considerar os aspectos associados

à imagem de uma empresa conjuntamente às

variáveis de qualidade. Em relação à área gerencial,

é possível afirmar que este estudo ajudou a

destacar que os aspectos relacionados à imagem

da empresa devem receber os mesmos cuidados

de gestão como recebem os relacionados à

qualidade dos serviços prestados. Também fica

evidente a necessidade de a empresa prestadora

de serviços realizar com certa frequência trei-

namento/capacitação dos funcionários no to-

can te à qualidade, assim como dedicar uma

parcela importante de seu esforço com aspectos

associados com a imagem da empresa, como a

decisão de localização, de conjunto de produtos

ofertados, equipamentos utilizados, layout, área de

atendimento a clientes, entre outros.

Page 66: Revista FAE Jul./Dez. 2012

64

Limitações e Sugestões para Trabalhos Futuros

Uma limitação deste estudo se refere à amostra

da pesquisa que foi selecionada por conveniência

com a maioria de respostas pertencentes ao estado

de São Paulo (no total das respostas geradas). Esses

elementos, quando considerados conjuntamente,

restringem a capacidade de generalização dos

resultados obtidos.

Faz-se necessário ressaltar, também, que

o estudo foi orientado principalmente para a

satisfação de usuários de serviços automotivos de

concessionárias (rede credenciada).

A maioria dos estudos realizados na área de

qualidade ainda está relacionada principalmente

à área de produtos, aparecendo os serviços co-

mo elementos complementares. Nesse sentido,

considerando o importante papel que a área de

serviços vem desempenhando na economia mun-

dial, justifica-se que mais pesquisas na área de

qualidade de serviços sejam desenvolvidas.

Ainda que a imagem represente um

importante componente na formação da satisfação

dos consumidores de serviços, até o momento,

pouco se tem estudado essa relação que, então,

carece de mais trabalhos.

Os autores sugerem que o papel da

qualidade dos serviços e da imagem da loja na

satisfação, que neste estudo focou a área de

serviços automotivos, poderia ser replicado para

outros segmentos de varejo e serviços, para uma

maior avaliação do papel desempenhado por

elementos, como imagem e qualidade dos serviços

na satisfação do consumidor.

• Recebido em: 23/09/2012

• Aprovado em: 25/01/2012

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R e v . F A E , C u r i t i b a , v. 15, n. 2, p. 52-67, jul./dez. 201265

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Aprendizagem Organizacional: estudo de caso sobre o Ensino a DistânciaOrganizational Learning: a case study about Distance Education

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Aprendizagem Organizacional: estudo de caso sobre o Ensino a DistânciaOrganizational Learning: a case study about Distance Education

Rogério Faé1

Resumo

O desafio da aprendizagem organizacional se impõe sempre que a resposta

a uma dada situação organizacional, percebida como dificultadora do

alcance dos objetivos, exija que os atores que irão participar da busca

de soluções construam uma representação compartilhada da situação.

Um desafio que para ser adequadamente enfrentado requer trocas

intersubjetivas com vista à construção de sentidos comuns. Assim, o

objetivo do presente artigo se direciona para a compreensão sobre a

dinâmica do processo de aprendizagem organizacional, a partir de estudo

de caso realizado em uma grande empresa de ativos financeiros, a qual

disponibilizou aos administradores e funcionários um curso a distância

com a finalidade de experimentar novos métodos com maior abrangência

espacial do que as estratégias ‘tradicionais’ de formação. O referencial

teórico utilizado para a análise dos achados da pesquisa de campo tem

por base o modelo experimental, orientado para o desenvolvimento de

competências gerenciais, idealizado por Ruas (2001).

Palavras-chave: Aprendizagem Organizacional. Ensino a Distância.

Es tu do de Caso.

Abstract

The organizational learning occurs in a context where the people who

compose it find themselves in a problematic situation and, because

of that, are led to question and review their practices, building a

shared representation of the situation. In order to face such challenge

appropriately, those people must interact with each other and reach

a common ground of ideas. The objective of this article is to better

understand the organizational learning process based on a case study

involving a large finance enterprise which has offered its employees a

distance course aiming to try out new learning methods that are more

financially advantageous and far-reaching than the traditional methods.

The analysis was based on the experimental approach to the development

of management competences, as proposed by Ruas (2001).

Keywords: Organizational Learning. Distance Education. Case Study.

1 Doutor em Administração(UFRGS). Professor Adjunto na Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Email: [email protected].

Page 72: Revista FAE Jul./Dez. 2012

70

Introdução

A aprendizagem organizacional pode ser

vista como um processo no qual os indivíduos de

uma organização se deparam com um problema e,

a partir dele, passam a questionar e rever as suas

práticas. Tal reavaliação pode gerar alterações

na teoria em uso da organização — quando as

mudanças geradas visam à simples resolução do

problema —, ou na teoria esposada — quando

há uma revisão das crenças e/ou dos modelos

mentais subjacentes às práticas evidenciadas

(ARGYRIS; SCHÖN, 1996). Ruas e Antonello (2003)

ressaltam a natureza ‘processual’ da aprendizagem

organizacional e defendem que é preciso con-

textualizar a aprendizagem organizacional, já que

ela só passa a ter sentido para a administração

quando associada à mudança.

Uma das preocupações atuais no tema

aprendizagem organizacional tem sido com rela-

ção à forma como se dá o processo de apren-

dizagem, principalmente no que se refere aos

microprocessos de aprendizagem — referentes aos

diversos grupos/indivíduos existentes dentro da

organização —, em contraposição ao aprendizado

da organização como um todo (macroprocessos).

A partir da afirmação de que um maior

entendimento sobre os microprocessos pode

contribuir para a construção e proposição de

novas práticas que aperfeiçoem os processos de

aprendizagem nas organizações, Ruas e Antonello

(2003) utilizam categorias de análise, tais como

processos de grupos que contribuiriam para

reduzir as deficiências da literatura sobre a relação

entre aprendizagem individual e organizacional.

Os autores apontam, ainda, a necessidade de

novos estudos que aprofundem o conhecimento

teórico acerca do modo como efetivamente se dá

a aprendizagem organizacional.

O presente artigo, cujo foco é o processo de

aprendizagem organizacional em situações de en-

sino a distância — metodologia essa que vem sen-

do apresentada como eficiente meio de capaci-

ta ção —, tem por objetivo a compreensão sobre

a dinâmica do processo de aprendizagem orga-

nizacional a partir de um estudo de caso realizado

em uma grande empresa de ativos financeiros, que

disponibilizou aos administradores e funcionários

analistas um curso a distância, denominado Curso

Objetivos e Metas Organizacionais (COMO).

Objetivando a experimentação de novos

méto dos que estimulassem a aprendizagem orga-

nizacional e visualizando a possibilidade de dissemi-

nação de conhecimentos tidos como relevantes

para os funcionários — de forma rápida, pulverizada

e menos onerosa que as formas tradicionais de

capacitação —, a empresa dá início a processos

de ensino a distância. Iniciativa percebida como

oportunidade de, por um lado, estudar o modo como

ocorre o processo de aprendizagem organizacional

em situações de ensino a distância e, por outro,

testar a proposta experimental orientada para o

desenvolvimento de competências gerenciais, suge-

rida por Ruas (2001).

O método utilizado foi o estudo de caso,

operacionalizado por meio de entrevistas com três

executivos da área coordenadora e formuladora do

programa COMO, e cinco entrevistas com alunos

participantes do processo de aprendizagem. O

roteiro da pesquisa seguiu a proposta experimental

orientada para o desenvolvimento de competências,

sugerida por Ruas (2001).

Assim, o texto inicia com uma apresentação

de algumas das óticas sob as quais é pensada

a aprendizagem organizacional, aborda o tema

com pe tência, e apresenta, sucintamente, o ensino

a distância. Para, então, descrever o COMO, o

método de pesquisa, os resultados e, por fim, as

considerações finais.

1 Aprendizagem Organizacional

O conceito de aprendizagem, quando

apli cado ao ambiente organizacional, tem sido

diferenciado entre o processo de aprendizagem

em nível individual e em nível grupal. Níveis que

compõem a aprendizagem organizacional, a qual

indica orientação para a ação e que busca avaliar

a aplicação e funcionalidade dos processos de

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R e v . F A E , C u r i t i b a , v. 15, n. 2, p. 68-83, jul./dez. 201271

aprendizagem na organização (TSANG, 1997).

Entretanto, tal conceito ainda está em construção e

tem dado origem a acirrado debate (RUAS, 2003).

Antonello (2005) defende uma convergência

de definições na literatura em relação a três

componentes da aprendizagem organizacional: a)

é mais que a soma das aprendizagens individuais;

b) é uma forma de aprendizagem de ciclo duplo

ou meta-aprendizagem; e c) envolve processos

cognitivos e atividades organizacionais. A auto-

ra argumenta, ainda, que a aprendizagem orga-

nizacional engloba conhecimentos, habilidades e

atitudes em sua construção teórica.

Argyris (2005, p. 101) define como um

dos principais objetivos da aprendizagem or-

ga ni zacional que os indivíduos aprendam a

“assumir responsabilidades ativas pelos próprios

comportamentos, desenvolver e compartilhar

informações de primeira qualidade sobre seu tra-

balho e fazer bom uso do empowerment genuíno

para moldar soluções duradouras para problemas

fundamentais”.

Cabe salientar que, para Argyris e Schön

(1996), o processo de aprendizagem pode ser

diferenciado entre ciclo simples — single loop

— e ciclo duplo — double loop. O ciclo simples

caracteriza-se pela aprendizagem em nível

instrumental, e a aprendizagem de ciclo duplo

discute a mudança em relação aos valores que

embasam determinadas práticas instrumentais.

Esses pesquisadores diferenciam, ainda, os termos

teoria esposada de teoria em uso, identificando

a primeira ao discurso corrente que justifica

nossas ações, e a segunda às nossas ações reais,

embasadas em valores e crenças. A aprendizagem

em ciclo duplo tem por objetivo alternar, ou pelo

menos tornar conhecida, a teoria em uso. Enquanto

a reavaliação da teoria em uso da organização

pode levar a uma revisão das crenças e/ou modelos

mentais subjacentes às práticas evidenciadas.

Na mesma direção, Senge (1997) define

duas formas de aprendizado: o adaptativo e o

generativo. O aprendizado adaptativo lida com a

adequação ao ambiente e o generativo valoriza

a criação, a inserção de novos valores e crenças,

embasadas numa visão sistêmica de mundo. Senge

(1998) sugere cinco disciplinas que facilitariam o

processo de aprendizagem generativo:

a) domínio pessoal: embasa-se na cren ça

de que as organizações apenas apren-

dem por meio das pessoas, sendo,

então, necessário proporcionar aos inte-

grantes da organização condições para

formarem uma visão pessoal sobre os

eventos, bem como a manutenção de

certa tensão que provoque o movimento

pessoal na busca de alternativas aos

problemas enfrentados;

b) modelos mentais: podem ser iden tifi-

cados a valores, ideias ou imagens que

dão suporte à forma como interpretamos

o mundo, dos quais podemos ou não ter

consciência;

c) visão compartilhada: trata da cons tru-

ção de visões ou de objetivos comuns

a um determinado grupo, assim como

a definição de caminhos que serão

partilhados;

d) aprendizagem em equipe: é o processo

de aquisição coletiva de conhecimentos,

habilidades e atitudes que são coloca-

dos em prática e disseminados ao

macrossistema;

e) visão sistêmica: refere-se à possibilida-

de de enxergar o todo sem abrir mão

das partes e da valorização das inter-

-relações microssistêmicas.

Se a aprendizagem organizacional está pre-

dominantemente preocupada com o processo de

aprendizagem, as organizações de aprendizagem,

por sua vez, têm a atenção focada no entendimento

da construção, da aplicação funcional e da avaliação

da contribuição da aprendizagem no contexto

organizacional (TSANG, 1997). Nessa perspectiva,

Garvin (1999), com base em referências associadas

aos programas de qualidade total, afirma que a

aprendizagem é um requisito indispensável para a

melhoria contínua.

Page 74: Revista FAE Jul./Dez. 2012

72

Ao pensar a questão da aprendizagem,

Garvin (1999) define três fatores críticos a serem

considerados: a) definição do termo ‘organizações

que aprendem’ de maneira plausível, bem fun-

damentada e que seja conversível em ação e

facilmente aplicável; b) gestão, que se traduz em

orientações claras sobre aspectos práticos; e c)

mensuração, que está ligada à definição de ins-

trumentos que possam avaliar a velocidade e os

níveis de aprendizado da organização. O autor

aponta, ainda, que as organizações que aprendem

são hábeis em cinco atividades principais: a) solução

de problemas de maneira sistemática, que se embasa

na confiança em métodos estatísticos, insistência

em dados e utilização de ferramentas estatísticas

simples; b) experimentação, que é identificada com

a procura e a testagem de novos conhecimentos a

partir de métodos científicos e da solução de forma

sistemática dos problemas; c) aprendizado com as

próprias experiências, que se destina à análise dos

resultados organizacionais de maneira sistemática

e com o conhecimento de todos os envolvidos no

processo avaliado; d) aprendizado com outros, que

se refere à observação do ambiente externo com

vistas à identificação, adequação e incorporação de

práticas setoriais bem-sucedidas; e e) transferência

de conhecimentos, que se traduz na disseminação

do aprendizado com rapidez e eficiência por toda a

organização.

Paralelamente, Garvin (1999) identifica três

estágios de mensuração em relação ao aprendizado

organizacional:

(1) a fase cognitiva, em que são oferecidas no-

vas ideias, objetivando a ampliação de conhe-

cimentos, e o foco de avaliação se concentra

na profundidade da compreensão e nas ati-

tudes, a partir da aplicação de questionários

e de entrevistas;

(2) a fase comportamental, que objetiva a

internalização de novas ideias e a alteração

do comportamento, na qual é acrescida

a observação do comportamento na

organização às formas de mensuração

previstas anteriormente;

(3) a fase de melhoria do desempenho,

na qual se espera obter maior eficiência e

eficácia no trabalho, por meio de melhorias

observadas nas etapas anteriores. Na

última etapa “a auditoria do aprendizado

efetivamente abrangente também mensura

o desempenho” (GARVIN, 1999, p. 76).

Os estudos acima referidos evidenciam

diferenças de percepção e abordagem entre

as distintas correntes que vêm tratando do

tema. Para Ruas e Antonello (2003), o conceito

de aprendizagem nas organizações ainda não

está completamente elaborado, razão pela qual

defendem a necessidade de uma abordagem

processual da aprendizagem organizacional.

2 Processo de Aprendizagem

Os processos de aprendizagem nas orga-

nizações são relevantes para as teorias de mudança

organizacional. Não só por reconhecerem a

tendência à mudança contínua nas organizações,

dada também a acirrada competição, bem

como por unirem diferentes níveis de análise,

do individual, grupal, ao organizacional (RUAS;

ANTONELLO, 2003).

As organizações possuem uma tendência

à estabilização, e a possibilidade de mudança

e de aprendizagem se dá quando emergem

problemas que movimentam os indivíduos, grupos ou a organização como um todo em busca de novos

momentos de estabilidade.

Page 75: Revista FAE Jul./Dez. 2012

R e v . F A E , C u r i t i b a , v. 15, n. 2, p. 68-83, jul./dez. 201273

A compreensão da forma como se dá o

processo de aprendizagem tem sido uma das

preocupações atuais nos temas relacionados à

aprendizagem organizacional. Compreensão que,

segundo Prange (2001), corresponde ainda a uma

lacuna nos estudos do tema, principalmente no

que se refere aos microprocessos de aprendizagem

que ocorrem nos diversos grupos/indivíduos que

compõem a organização em contraposição ao

processo de aprendizado da organização como um

todo (macroprocessos). Um maior entendimento

sobre os microprocessos pode contribuir para a

construção e proposição de novas práticas que

aperfeiçoem os processos de aprendizagem nas

organizações (RUAS; ANTONELLO, 2003). Como

é normalmente aceito, as organizações possuem

uma tendência à estabilização, e a possibilidade

de mudança e de aprendizagem se dá quando

emergem problemas que movimentam os indiví-

duos, grupos ou a organização como um todo em

busca de novos momentos de estabilidade. (RUAS;

ANTONELLO, 2003).

Nesse sentido, a possibilidade do aprendiza-

do pode ser pensada por suas vias: 1) em resposta

a problemas que surjam na prática diária; ou 2)

por meio de questões de forma cognitiva que

provoquem um repensar. A diferença entre elas está

na forma como o processo é desencadeado: se pela

vivência prática ou pela reflexão teórica.

Conforme proposto por Kolb (1997), a

assimilação de teorias ou o exercício de novas

práticas, quando ocorrem, levará a um processo

cíclico em que um influenciará o outro, a partir

da observação e reflexão e do teste em novas

situações dos postulados formulados, conforme

demonstrado na FIG. 1:

FIGURA 1 — Ciclo de aprendizagem vivencial

Observação e reflexão

Experiências concretas

Formação de conceitos abstratos e

generalizações

Teste das implicações dos conceitos em novas situações

FONTE: Kolb (1984)

Kolb (1997) define duas dimensões básicas

relativas ao processo de aprendizagem como

processos complementares e inseparáveis: a

experiência concreta de eventos e a conceituação

abstrata. O autor defende, por um lado, que a

possibilidade criativa é definida pela capacidade

de cada indivíduo em experimentar formas novas,

liberadas de conceitos abstratos anteriores, para

que na etapa seguinte possa haver a construção

de um sistema reflexivo interiorizado; por outro

lado, valoriza a abstração existente no processo de

aprendizagem, já que “[...] orientações altamente

ativas em relação a situações de aprendizagem

inibem a reflexão, impedindo, portanto, o desen-

volvimento de conceitos analíticos” (KOLB, 1997,

p. 324). O ciclo de Kolb permite verificar “[...] uma

constante sistematização da interação entre ação e

reflexão, experiências passadas e atuais num processo

de permanente feedback” (RUAS, 2001, p. 260).

Raelin (1997), por sua vez, busca entender o

processo individual de aprendizagem no trabalho

por meio da diferenciação entre conhecimento

e aprendizagem, principalmente a partir da in-

cor poração da dinâmica entre conhecimento ex-

plícito e tácito ao referencial de Kolb, que pres-

supunha relação entre teoria e prática em relação à

aprendizagem. Esse autor aportou uma significativa

contribuição epistêmica ao propor o exame das

intersecções entre as dimensões do conhecimento

(tácito x explícito) e da aprendizagem (teoria x

prática) nos níveis coletivo e individual. Em relação

ao conhecimento, é considerado tácito aquele ad-

vindo da prática, normalmente informal, e explícito

o adquirido de maneira formal, normalmente por

meio de um processo de aprendizagem estruturado

em base lógica.

Partindo dos pressupostos acima, tanto

Kolb (1997) quanto Raelin (1997) definem estilos de

aprendizagem conforme a predominância de uma

ou outra dimensão em cada contexto, considerando

que a variação se dá na predominância, não sen-

do possível a existência de apenas uma das

dimensões.

Para Ruas e Antonello (2003), o conceito de

aprendizagem é entendido como a aquisição, por

parte do indivíduo, de determinadas características

que poderão ou não ser externalizadas, depen-

Experiências concretas

Observação e reflexãoTeste das implicações

dos conceitos em novas situações

Formação de conceitos abstratos e

generalizações

Page 76: Revista FAE Jul./Dez. 2012

74

dendo das circunstâncias internas ao sujeito e das

características do ambiente, que tanto podem

facilitar a utilização dessas aquisições como

impedir seu aparecimento. No caso de interferência

do ambiente e da disposição para aplicação

da aprendizagem, devem ser consideradas as

competências adquiridas.

3 Competências

Com base na ‘escola francesa’, que relaciona

o conceito de competência à Sociologia e à

economia do trabalho, as competências devem ser

entendidas a partir de três elementos fundamentais:

a) saber — conhecimentos adquiridos ou herdados

por meio da cultura e/ou práticas vigentes; b)

saber-fazer — habilidades desenvolvidas por

meio do exercício de uma determinada prática;

e c) saber ser/agir — atitude crítica em relação

às próprias ações, a partir da percepção e/

ou antecipação do impacto provocado (RUAS;

ANTONELLO, 2003). Segundo esses autores,

uma determinada competência pode ser expressa

por meio da integração e utilização equitativa

de conhecimento, habilidade e atitude ou, ao

contrário, exigir que um desses aspectos atue de

forma predominante.

Em termos práticos, por exemplo, numa

reunião que tem por objetivo a discussão dos

pré-requisitos necessários à montagem de um

setor de telemarketing, ficarão em evidência

aqueles profissionais que tenham conhecimento

na área. Por outro lado, a forma de expressar esse

conhecimento (atitude) e a experiência anterior

(habilidade) estarão presentes no contexto e

poderão ser diferenciais na potencialização da

aprendizagem dos outros. Entretanto, sem pessoas

que tenham o conhecimento, a reunião perderia o

sentido. Nesse contexto, (i) algumas características

ligadas à noção de competência vincular-se-iam à

ação propriamente dita; (ii) estariam associadas

ao resultado da mobilização dos recursos; (iii)

ocorreriam em condições contextuais específicas;

(iv) tratariam daquilo que é esperado pelo estado

local e atual do trabalho (RUAS, 2003).

Com base em Ruas (2003), pode-se com-

preender que competência é vista como um

processo de aprendizagem, no qual determinados

conhecimentos, habilidades e/ou atitudes são

colocados, de forma conjunta ou não, à disposição

da organização. Tal competência será mais valo-

rizada se a organização necessitar resolver um

problema existente que, a partir de uma atitude

crítica, provoque o questionamento e revisão de

suas práticas. Essas situações podem abrir espaço

na organização para a introdução de inovações,

conforme defendido por Argyris e Schön (1996)

ao proporem os conceitos de teoria em uso e de

aprendizagem em ciclo duplo, que têm por objetivo

provocar uma revisão em relação às crenças e/ou

aos modelos mentais subjacentes.

É nesse contexto de desafio a inovações

contínuas que surgem os cursos de capacitação

a distância, apresentando-se como a opção do

momento para transferência de conhecimentos.

4 Ensino a Distância

Dado o ambiente empresarial, a proposta de

ensino a distância vem ganhando espaço no âmbito

organizacional, principalmente em organizações

com grande número de funcionários e/ou se esses

estão pulverizados em grande espaço territorial.

A competência é vista como um processo

de aprendizagem, no qual determinados

conhecimentos, habilidades e/ou

atitudes são colocados, de forma conjunta ou não, à disposição da

organização.

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R e v . F A E , C u r i t i b a , v. 15, n. 2, p. 68-83, jul./dez. 201275

Os defensores dos cursos de ensino a

distância apresentam como uma das principais

vantagens dessa modalidade de formação a

flexibilidade, na medida em que os discentes

podem assistir às aulas em horários convenientes

e sem necessidade de deslocamento. Facilidade

que tem incentivado a opção pelos meios virtuais,

tanto pelas empresas quanto por indivíduos que

têm dificuldade para frequentar cursos presenciais.

Beiler, Lage e Medeiros (2003) entendem que

o ensino a distância possibilita, ainda, aos alunos a

disponibilização do conhecimento sem interlocutores

diretos e fornece um grau de liberdade maior em

relação às formas presenciais de ensino estimulando,

assim, a criatividade dos alunos.

Senge (1998), por sua vez, propõe a abertura

de um espaço onde os vários grupos/equipes

entrem em consenso quanto às formas mais

efetivas de alcance dos objetivos a que se propõem.

Tal busca seria empreendida pela valorização dos

vários pontos de vista e da avaliação em relação

aos valores implícitos a determinadas práticas

existentes, principalmente quando esses valores

(ou modelos mentais) entram em choque com

as propostas explicitadas na organização. Esse

confronto levaria a uma conscientização, ao

menos parcial, dos modelos mentais praticados,

redefinindo rotas e valores organizacionais, sejam

eles grupais e/ou pessoais, em prol de novas

práticas que estejam mais harmonizadas com o

atual macrossistema.

Dessa forma, torna-se imprescindível que as

organizações que optarem pelo estilo de apren-

dizagem a distância, em ambiente virtual, desen-

volvam estruturas de suporte para a aplicação dos

conhecimentos, pois no ambiente virtual não estão

contempladas as habilidades e/ou atitudes, carac-

terísticas que são desenvolvidas e/ou aperfeiçoa-

das na prática e principalmente de forma relacional.

5 Curso Objetivos e Metas Organizacionais (COMO)

O COMO surgiu pela necessidade de com-

preensão em relação ao alinhamento estra-

tégico da empresa, ou seja, para que as metas

estabelecidas pelo órgão central da organização

possam ser acompanhadas em apenas um sistema

e de forma efetiva. O curso é complementado por

outros treinamentos vinculados às estratégias da

organização, tais como cursos presenciais e de gestão

de equipes que visam à melhoria de processos.

O objetivo geral de aprendizagem do curso

é aplicar os conhecimentos do acordo de trabalho

— no qual são definidos os objetivos e metas dos

diversos funcionários e unidades — para analisar

e melhorar o desempenho das unidades de

negócios. O público-alvo são os administradores e

os funcionários em todos os segmentos da unidade

estratégica de negócios. A carga horária do curso

é de dez horas, com enfoque instrumental.

O objetivo específico do curso é provocar

nos treinandos: a) a compreensão dos conceitos de

objetivos e metas organizacionais; b) a identificação

das perspectivas do COMO e seus respectivos

indicadores; c) a compreensão de que a participação

de todos os funcionários é indispensável para o

atingimento das metas traçadas para a unidade

de negócios; e d) o reconhecimento em relação à

importância do acom panhamento dos objetivos e

metas organizacionais.

O curso é oferecido por campanhas de

comunicação que apresentam seus objetivos e a

forma de aprendizagem. As unidades de negócios

indicam os participantes e o material é disponibilizado

O ensino a distância possibilita aos alunos a disponibilização

do conhecimento sem interlocutores diretos e fornece um grau de

liberdade maior em relação às formas presenciais

de ensino estimulando, assim, a criatividade

dos alunos.

Page 78: Revista FAE Jul./Dez. 2012

76

via intranet, em formado PDF. As unidades de

negócios montam turmas para fazer o curso, que é

disponibilizado em módulos e no qual o treinando

tem duas horas diárias, na própria organização, para

efetuar o processo de aprendizagem. O treinamento

é do tipo autoinstrucional.

6 Método de Pesquisa

O método utilizado foi o estudo de caso que,

segundo Gil (1999, p. 72-73), é “[...] caracterizado

pelo estudo profundo e exaustivo de um ou de

poucos objetos, de maneira a permitir o seu

conhecimento amplo e detalhado”. E, segundo

Yin (2001, p. 23), “... permite uma investigação

para se preservar as características holísticas e

significativas dos eventos da vida real”, sendo

utilizado com o objetivo exploratório, descritivo ou

explanatório.

FIGURA 2 — Proposta de Desenvolvimento de Competências Gerenciais

Preparação Etapa de desenvolvimento de competências

Precondições

Seleção dos membros do grupo

Seleção/definição dos temas e tipos de conhecimentos e

habilidades

Referências acerca das competências

desejadas

Definição de práticas gerenciais – veículos

do processo

Definição de conceitos e sistemáticas de AO a empregar no processo

Hom

ogen

eiza

ção

das d

ecisõ

es, c

once

itos e

noç

ões r

elac

iona

dos n

esta

eta

pa

Geração

de Competências

(Fases indivíduos)

Difusão de Competência

Sistematização de

Competências

Grupos e desenvolvimento

Miniprojetos de aplicação e exploração

de conteúdos

Relatórios, avaliações e novas propostas

Atitu

des,

proc

edim

ento

s e n

orm

as

conh

ecim

ento

s, op

iniõ

es

prin

cípio

s, va

lore

s

Fonte: Ruas (2001)

Utilizou-se a técnica de entrevista em

pro fundidade junto a três executivos da área

coordenadora e formuladora do programa COMO

e cinco entrevistas com alunos participantes do

processo de aprendizagem. As entrevistas foram

realizadas de forma direta e semiestruturada

(GIL, 1999).

Para a consolidação das respostas, utilizou-

-se a técnica de análise de conteúdo, uma vez

que os dados envolveram opiniões e expressões

subjetivas. Moraes (1999) sugere a codificação das

entrevistas e a inserção de descrições retiradas

diretamente dos depoimentos. Os entrevistados

são representados no texto pela letra (e) e pelo

número de identificação, sendo os de número 1, 2 e

3 os executivos e de 4 a 8 os alunos.

O roteiro da pesquisa seguiu a proposta ex-

perimental orientada para o desenvolvimento de

competências, sugerida por Ruas (2001), ilustrada

na FIG. 2:

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R e v . F A E , C u r i t i b a , v. 15, n. 2, p. 68-83, jul./dez. 201277

Segundo o autor, o modelo foi desenvolvido

com o objetivo de analisar: a) o impacto dos

programas de treinamento e formação sobre o

desenvolvimento de competências, e b) as difi-

culdades, no âmbito das organizações, de apropriar e

compartilhar as competências individuais e coletivas

significativas às empresas.

Assim direcionado, o modelo busca des-

crever três etapas para o alcance dos objetivos:

a) etapa de preparação, que se subdivide em

definição das precondições e seleção do grupo de

participantes, seleção/definição dos temas e tipos

de conhecimentos e habilidades, referências acerca

das competências desejadas, definição de práticas

gerenciais, e definição de conceitos e sistemática de

AO a empregar no processo; b) homogeneização

das decisões, conceitos e noções; e c) etapa de

desenvolvimento de competências, caracterizada por

um processo de geração/difusão de competências

(composta por grupos de desenvolvimento, minipro-

jetos de aplicação/exploração de conteúdos e

relatórios de avaliação ou novas propostas), e pela

sistematização de competências.

7 Resultados

7.1 Etapa da Preparação

O processo de desenvolvimento do curso

COMO teve as diretrizes traçadas no departamento

central da organização, em virtude da necessidade de

transmitir conhecimento sobre o acompanhamento

da evolução do planejamento estratégico.

“Surgiu, pela prática da assinatura do

contrato de gestão [...] no momento de elaborar

o planejamento estratégico para o ano [seguinte]

[...]” (e2). “Em função de ter ocorrido muita

modificação no acordo de trabalho do ano

[seguinte] surgiam dúvidas e [os administradores]

queriam saber mais sobre o assunto e sugeriram

se podíamos ir [às unidades de negócios] fazer

apresentação [do acordo de trabalho] para os

funcionários” (e3).

a) Definição das precondições e seleção do grupo

de participantes

As precondições e as atitudes necessárias

para participar do programa de aprendizagem

ficam mais evidentes no momento da “[...]

disponibilidade para aprender e para mudar sua

própria atitude diante dos desafios” (RUAS, 2001,

p. 256). O COMO credencia todos os funcionários

das unidades de negócios a fazer o curso, pois

se trata de assuntos ligados ao atingimento

das metas das unidades. Porém, a expectativa

inicial foi direcionar o curso, prioritariamente, aos

administradores.

“[Os administradores] são as pessoas que

fazem a análise propriamente dita dos indicadores do

acordo de trabalho. Então o foco nos [administradores]

foi mais forte, embora todos os funcionários pudessem

e possam fazer esse curso” (e1).

A seleção do grupo de participantes é

o momento de reunir “[...] pessoas de áreas de

atuação e formações diferentes, a fim de estimular

a diferenciação e as maneiras alternativas de

perceber e tratar as situações” (RUAS, 2001, p.

256). Os critérios de definição das equipes para

participar do COMO foram a necessidade de

treinamento para os funcionários e o desejo de

que todos conhecessem os objetivos e metas das

unidades de negócio.

“É definido pelo acordo de trabalho que

cada funcionário deve ter no mínimo [x] horas de

treinamento [...] por ser uma [unidade de negócio]

de número elevado de funcionários, são definidos

pelo [administrador] os cursos, de acordo com

a necessidade de cada funcionário. [...] o COMO

foi obrigatório para todos os [administradores] e

funcionários [...] prá conhecerem a expectativa [da

empresa], qual o produto, as metas que temos que

trabalhar para atingir o acordo de trabalho” (e4).

b) Seleção/definição dos temas e tipos de

conhecimentos e habilidades

Nesta seção trata-se de como ocorreu o

processo de seleção e definição dos conhecimentos,

habilidades e capacidades a serem desenvolvidos

Page 80: Revista FAE Jul./Dez. 2012

78

a partir do curso e que serão priorizados como

recursos de competências a serem desenvolvidos.

Segundo Ruas (2001, p. 257), os recursos

para o desenvolvimento de competências podem

tomar formas de determinados tipos de habilidades,

ou seja, “[...] o desenvolvimento de competências

pode estar centrado em mudança de ‘postura’

perante clientes ou fornecedores ou a outras áreas

da empresa”. Nesse aspecto, segundo um dos

entrevistados, o curso foi desenhado de forma a

auxiliar na ampliação das habilidades negociais

dos administradores e funcionários, a partir de uma

análise das dificuldades enfrentadas pelo público a

ser atingido pelo COMO.

Os principais recursos para identificação das

deficiências foram informações coletadas junto aos

gerentes das unidades-fim e relatórios de resultado.

c) Referências acerca das competências desejadas

É o momento da definição das competências

a serem desenvolvidas. É a definição prévia, nas

diretrizes da montagem do curso, do que deveria

“[...] constar nos perfis de competências desejados,

a fim de nos permitir avaliar sua efetividade para a

organização”. (RUAS, 2001, p. 257). É a definição

do que se deseja com o curso.

“O que queríamos mesmo era que ele

[funcionário] acessasse o acordo [de trabalho]

da [unidade de negócio] dele e percebesse o

conteúdo que tem ali dentro, e entender o porquê

daquela meta. Como atingir aquela meta. Mudar

as atitudes. Onde ele está, onde a [unidade de

negócio] deve chegar. Quanto falta para chegar lá.

Quanto esforço eu ainda preciso. Eu trabalhando

nesse ritmo, eu vou conseguir atingir a meta do

acordo?” (e2)

“A gente bateu muito na questão assim,

quando se tu não conhece a regra do jogo é

mais difícil tu sair vencedor da partida, então

conhecendo a regra do jogo vai ficar mais fácil o

time vencer” (e3).

d) Definição de práticas gerenciais — veículos do

processo

É a definição das práticas gerenciais por

meio das quais se desenvolve o processo de de-

senvolvimento de competências, ou seja, são “[...]

os elementos concretos pelos quais desdobrar-se-á

o processo de desenvolvimento de competências,

aos quais denominamos Práticas Gerenciais, e que

estabelecem os necessários nexos com o ambiente

real das organizações [...]” (RUAS, 2001, p. 257).

“O curso teve como objetivo capacitar

as pessoas, funcionários de todos os níveis, de

administradores a analistas no uso adequado

do sistema de acompanhamento do acordo de

trabalho, mas mais do que isso no uso adequado

das informações do acordo de trabalho que é

vinculado ao planejamento estratégico” (e1).

e) Definição de conceitos e sistemática de AO a

empregar no processo

É a definição dos princípios do processo de

aprendizagem organizacional (AO). O processo

de aprendizagem, assumido no COMO, foi o

Fazendo e Aprendendo (FAAP), cujos princípios

estão vinculados ao processo de crescimento

e aprendizado pessoal, denominado por Senge

(1998) de Domínio Pessoal e ao Modelo de

Aprendizagem com Base no Trabalho (RAELIM,

1997), que transita entre o conhecimento tácito e

o explícito, do individual ao coletivo e do teórico

ao prático.

“O fazendo e aprendendo é um curso para

ser feito no local de trabalho, então normalmente

tem um [funcionário] que a gente chama de

multiplicador que é a pessoa preparada para

conduzir um ensino aprendizagem e que tenha um

domínio do conteúdo. Normalmente ele reúne um

grupo de pessoas pequeno, 4 ou 5 pessoas, prá

conduzir o curso durante um determinado tempo

no ambiente de trabalho. No caso [COMO], como a

idéia era fazer um processo mais amplo de acesso

ao curso e nós não tínhamos multiplicadores

suficientes em diversas unidades da [empresa], tá,

nós desenvolvemos uma versão nova do fazendo

e aprendendo, que a gente chamou de FAAP

auto instrucional. Quer dizer que o material que o

aluno teria em mãos seria suficiente para orientá-

lo no sentido de conduzir o curso sozinho. [...] A

presença de um multiplicador foi dispensada, na

forma como nós montamos o curso” (e1).

Page 81: Revista FAE Jul./Dez. 2012

R e v . F A E , C u r i t i b a , v. 15, n. 2, p. 68-83, jul./dez. 201279

“O que a gente sugere no curso que ele

[aprendiz] entre, acesse, nós damos o passo a

passo para ele entrar no acordo de trabalho [da

unidade de negócios] dele. Então ele vai fazendo

e aprendendo mesmo. Vai acessando sozinho, não

tem dificuldade, e ele acaba desvendando que

o acordo de trabalho não é aquele monstro que

parece pintado. É mais simples. Claro, é complexo,

mas a maneira como a gente apresenta essa

introdução, via fazendo e aprendendo ele percebe

que não é tão difícil assim de entender aquele

conteúdo” (e3).

7.2 Homogeneização das Decisões, Conceitos e Noções Relacionados nesta Etapa

“Trata-se da primeira atividade do grupo de

gestores que vai vivenciar a experiência: organizar,

homogeneizar e sistematizar as decisões, conceitos e

noções definidos na etapa anterior” (RUAS, 2001, p.

258). No referido curso, a homogeneização tratou-se

da etapa de validação dos conceitos definidos.

“Depois [de formulado o curso] houve uma

reunião dos administradores que vieram aqui

[órgão central] e assistiram o material e discutiram.

Depois a responsável pelo desenvolvimento

foi à [unidade de negócio] e repassou para os

funcionários de lá. E aí foi aprimorando aquele

conteúdo que já existia. Depois passamos aqui

para o pessoal de todas as gerências de mercado e

núcleos da [unidade central] para eles darem suas

ideias e contribuições” (e2).

“Ele foi sendo montado a muitas mãos, foi

sendo criado assim, ah isso aqui é interessante, ah,

no mercado pessoa física seria interessante [...] e

aí cada um foi contribuindo com a sua experiência,

com o seu dia a dia” (e3).

7.3 Etapa de Desenvolvimento de Competências

Esta etapa se divide em três etapas: a)

geração de competências, fase em que o processo

é mais focado nos indivíduos; b) difusão de

competências, a ênfase está no compartilhamento e

difusão dos conhecimentos, habilidades e atitudes;

e c) sistematização de competências, quando

é o momento de agir, ou seja, as competências

assumem formas organizacionais (RUAS, 2001).

Segundo o autor, essas fases constituem um

recurso didático, pois na prática possuem forte

vínculo entre elas.

Na análise do COMO, observou-se que os

participantes do programa compartilharam o con-

teúdo no momento da aprendizagem, nas reu-

niões de trabalho e, ainda, de maneira informal ao

discutirem as metas estabelecidas pelo órgão central.

“Acho que em todas as reuniões de setores

sempre começam com acordo de trabalho.

Todos os [administradores] analisam o acordo de

trabalho antes de ir para as reuniões. Tem reuniões

semanais com todos os funcionários e é sempre

repassada a situação do acordo, o produto que

precisamos focar mais, o serviço, quais os produtos

que já estão com as metas cumpridas e sempre

trabalhando focado no acordo de trabalho” (e4).

“Nós discutimos as metas em reuniões

e extraformal, fora de reunião também, se for

necessário é discutida periodicamente, no mínimo

uma vez por semana” (e5).

“As metas passaram a ser mais discutida.

Quando a gente conversa com o pessoal aqui

sobre metas, a gente percebe que eles têm

conhecimento do que é esperado da [unidade de

negócio] e aí tá outro grande mérito [do curso],

na realidade as metas das [unidades de negócios]

passaram a ser as metas de todos e não a meta

que o [administrador] tem que apresentar. Acho

que essa é a grande valia do curso” (e6).

“As metas são discutidas pelos funcionários,

sempre, sempre. Nas reuniões com os [adminis-

tradores]. Três vezes por semana tem um comitê...

onde é discutido e depois é discutido nos setores

internos direcionados para cada segmento da

[unidade de negócio]. É discutido como atingir as

metas e as estratégias para produtos” (e7).

Page 82: Revista FAE Jul./Dez. 2012

80

a) Processo de geração e difusão de competências

Processo focado nos indivíduos com ênfase

no compartilhamento e difusão dos conhecimentos,

habilidades e capacidades.

a.1) Grupos de desenvolvimento

Quanto aos grupos de desenvolvimento,

o curso proporciona experimentos, simulações e

debates em grupos ou subgrupos.

“Curso é individual. As metas são discutidas

dia a dia para o fechamento do mês e são discutidas

semanalmente em reuniões” (e8).

“O momento [da montagem do curso]

imaginávamos ter um multiplicador na [unidade de

negócios] que conhecesse o acordo de trabalho

e repasse o conteúdo, mas a gente chegou no

momento que percebemos que nós não íamos

ter esses disseminadores. O acordo de trabalho

para as pessoas parecia algo tão complexo e

tão impossível de conhecer a fundo que nós

encontramos uma certa resistência. Então nós

partimos para uma coisa assim, mais fazendo e

aprendendo” (e2).

a.2) Miniprojetos de aplicação e exploração de

conteúdos

Quanto aos miniprojetos de exploração

de competências, observou-se que após o curso

tanto os administradores quanto os funcionários

analistas aplicaram, em suas respectivas ativi-

dades, os conhecimentos explorados durante a

aprendizagem, ou seja, começaram a transitar o

conhecimento entre o saber (conhecimento) e o

saber fazer (habilidade) para saber agir (DIGUID;

BROWN, 2001).

“Todas as reuniões semanais de setores

são focadas no acordo de trabalho. Às vezes

[os funcionários] comentam, não tem como não

comentar até porque a meta tu entra na [empresa]

sempre existe, não só pelo acordo, mas também

através de [mensagens internas] que comunicam

as metas que estão sendo focadas, as estratégias,

dicas de estratégias para aqueles produtos, então...

diariamente tu tá conversando sobre as metas,

acordo de trabalho” (e4).

“Os funcionários com certeza estão con-

vivendo mais com o acordo de trabalho, visualizando

e gostando de enxergar o resultado também. É

normal a gente ver ... quando estão no cafezinho ou

outra coisa, batendo um papo e o assunto é meta

— como a gente tá como a gente pode ficar, enfim

resultados. [Esse interesse pela metas] despertou

mais depois do curso, porque em função do curso a

gente cria a cultura do acordo de trabalho. Mudança

de cultura prá focar mais o resultado” (e5).

a.3) Relatórios, avaliações e novas propostas

Quanto aos relatórios, avaliações e novas

propostas, o curso, que teve seu início em 2004,

não prevê relatórios de acompanhamento de

aprendizagem nem avaliação sistemática dos

aprendizes. No entanto, passaria por remodelagem

em função das observações recebidas para sua

melhoria.

“O que nós fazemos dentro do sistema de

avaliação do programa é avaliar o impacto no

trabalho. Em termos de impacto de aprendizagem

[...] nós temos tido relatos de pessoas que fizeram

o curso, até porque buscamos esse tipo de

informação. Está muito longe de ser uma avaliação

sistemática e dizer olha o curso gerou impacto no

trabalho” (e1).

“Fizemos várias alterações ao longo do

tempo [programa] adequando às alterações que

os eles [funcionários] davam. [...] Era um projeto

bem restrito que cresceu à medida que foi sendo

elaborado [...] foi um projeto que todo mundo

participou [...] foi alterando o formato dele ao

longo do tempo, ele não tinha esse formato quando

começou” (e3).

b) Sistematização de competências — atitudes,

procedimentos e normas, conhecimentos,

opiniões, princípios e valores

O curso proporciona ao aprendiz a

visualização dos documentos estratégicos

organizacionais e faz uma ligação entre os

níveis mais complexos, que são os princípios da

organização — diretrizes estratégicas —, as regras

existentes, até chegar às atitudes organizacionais.

Page 83: Revista FAE Jul./Dez. 2012

R e v . F A E , C u r i t i b a , v. 15, n. 2, p. 68-83, jul./dez. 201281

Houve uma preocupação na montagem do

curso com a vinculação entre os documentos

estratégicos da empresa para demonstrar o ato

contínuo dos objetivos organizacionais.

“[Buscou-se] no primeiro módulo do curso,

fazer essa vinculação, esse relacionamento, entre

estratégia, os documentos estratégicos [...] e o

acordo de trabalho que é o documento tangível

para ele, pois ali está a meta, os indicadores, os

diversos produtos e serviços e atividades que ele

precisa realizar [...] e fazer com que ele tenha a

consciência de que há essa relação” (e1).

Considerações Finais

O processo de aprendizagem assumido no

Curso Objetivos e Metas Organizacionais (COMO)

foi o Fazendo e Aprendendo (FAAP), cujos

princípios estão vinculados aos modelos mentais

e ao desenvolvimento do pensamento sistêmico

(SENGE, 1998); ao modelo de aprendizagem

baseado no trabalho (RAELIM, 1997); e aos ciclos

de aprendizagem vivencial (KOLB, 1997).

Quanto aos modelos mentais e o desen-

volvimento do pensamento sistêmico, ob ser vou-se

que o elemento que apareceu mais fortemente,

entre as cinco disciplinas propostas por Senge

(1998), foi a do domínio pessoal, marcado pelo

processo de crescimento e aprendizado pessoal;

seguida pela visão compartilhada, quando todos os

funcionários se conectaram à condição de atingir

as metas estabelecidas e assumiram compro-

metimento mútuo com transferência de energia

para o atingimento dos objetivos.

Segundo Senge (1998), o ambiente or-

ga nizacional torna-se vital para que os conhe-

cimentos adquiridos possam efetivamente

ser aplicados na prática das organizações. O

autor defende a tese de que a organização que

aprende deverá, necessariamente, abrir espaço

para que as diferenças individuais surjam, sejam

trabalhadas e incorporadas de forma sistêmica ao

macroambiente.

Quanto ao modelo de aprendizagem basea-

da no trabalho, observou-se que houve com binação

das formas de conhecimento tácito e explícito, de

formas práticas e teóricas de aprendizagem, nos

níveis individual e coletivo. É a teoria junto com

a prática tornando a compreensão do aprendiz

melhor. O COMO seguiu o sugerido no modelo,

que é a interação entre o diálogo, o fazer e o

aprender. Observou-se, ainda, uma constante inte-

ração entre o conteúdo programático e a ação dos

aprendizes, da formulação dos conceitos abs tratos

à experiência concreta.

Sobre o processo de aprendizagem nas or-

ga nizações, é possível pensar, à luz do referencial

de Kolb (1997) e Raelim (1997), que o conhecimento

teórico/conceitual ao ser disponibilizado poderá ser

testado e readequado ao contexto no qual o aprendiz

está inserido, o que poderá gerar novas práticas,

que observadas e refletidas se transformariam em

novos conhecimentos e práticas a serem difundidos

pela organização. Dessa forma, estaria criado um

círculo virtuoso que levaria à incorporação sis-

têmica dos conhecimentos adquiridos, gerando,

em consequência, aprendizagem nos vários níveis

e, principalmente, poderia, em situações favoráveis,

ter por consequência o desenvolvimento da orga-

nização como um todo.

Finalmente, observou-se com a implantação

do COMO que ocorreu desenvolvimento de com-

petências e mudança cultural nas unidades de

negócios, no que diz respeito ao acordo de trabalho

e à vinculação dos objetivos e metas organizacionais

ao planejamento estratégico. Evidenciando-se, as-

sim, a importância da disseminação da informação

como fator potencial de desacomodação em

relação à unidade de aprendizagem e que, nesse

sentido, tem sido valorizada ao longo do tempo,

principalmente por empresas com grande número

de funcionários e/ou grande dispersão territorial.

Assim, práticas de ensino a distância possibilitam

a difusão da informação e do conhecimento

a um grande número de pessoas e em prazos

relativamente curtos e com custos menores.

• Recebido em: 08/11/2012

• Aprovado em: 23/03/2012

Page 84: Revista FAE Jul./Dez. 2012

82

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Análise dos fatores de bloqueio à criatividade no Projeto de Extensão Universitária ChiquitosAnalysis of factors of creativity block in the

Project Chiquitos

Page 87: Revista FAE Jul./Dez. 2012

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Análise dos fatores de bloqueio à criatividade no Projeto de Extensão Universitária ChiquitosAnalysis of factors of creativity block in the Project Chiquitos

Ana Santos1

Fabiano Goldacker2

Silvia R.P. de Quevedo3

Vania Ribas Ulbricht4

Resumo

Este trabalho apresenta uma pesquisa de campo realizada com integrantes

do Projeto Chiquitos, o qual resulta da parceria entre a Universidad Técnica

Particular de Loja (Equador) e a Universidad Católica Boliviana San Pablo —

Chiquitos (Bolívia), com foco na criatividade e no conhecimento. Utilizando

como instrumento de pesquisa um questionário, buscou-se detectar se entre

o grupo de pesquisadores houve algum tipo predominante de bloqueio

à criatividade. A pesquisa foi censitária e os resultados apontaram a não

existência de um tipo predominante de bloqueio à criatividade no grupo.

Palavras-chave: Criatividade. Bloqueios. Conhecimento.

Abstract

This paper presents a field research project involving members of the

Chiquitos Project, which results from the partnership between the

Universidad Técnica Particular de Loja (Ecuador) and the Universidad

Católica Boliviana San Pablo — Chiquitos (Bolivia), focusing the areas of

creativity and knowledge. A questionnaire was used for detecting whether

there was a predominant type of creativity block in the researched group. It

was a survey research and its results showed that there is no predominant

type of creativity block in that group.

1 Mestranda em Engenharia e Gestão do Conhecimento pela Universidade Federal de Santa Catarina. E-mail: [email protected].

2 Mestrando em Administração pela Universidade Federal de Santa Catarina. E-mail: [email protected].

3 Doutoranda em Engenharia e Gestão do Conhecimento pela Universidade Federal de Santa Catarina. E-mail: [email protected].

4 Doutora em Engenharia de Produção pela Universidade Federal de Santa Catarina. E-mail: [email protected].

Keywords: Creativity. Blocks. Knowledge.

Page 88: Revista FAE Jul./Dez. 2012

86

Introdução

Alcançar altos níveis de produtividade tem

sido cada vez mais importante para as organizações

corporativas, pois a competitividade a qual estão

submetidas adquiriu um caráter irreversivelmente

global na atualidade. No caso das empresas,

Nonaka e Takeuchi (1997) apontam o potencial

da criatividade e do conhecimento como fonte

de vantagem competitiva; porém, não apenas no

mundo corporativo, esses elementos estão na base

de uma organização que funciona, embora nem

sempre evidentes. Os autores reconhecem que toda

organização acaba criando novo conhecimento

e destacam o fato de que na maior parte das

ocorrências esse processo acontece de modo

“acidental, inesperado e, portanto, imprevisível”

(NONAKA; TAKEUCHI, 1997, p. 142).

Assim, características inerentes ao proces-

so criativo se fazem necessárias à gestão de

conhecimento, pois, embora nem toda ideia criativa

conduza à inovação, é certo afirmar, como De Masi

(2000), que a inovação requer o novo, aplicabilidade

e valor agregado. Por isso, o ato de mapear os

elementos inibidores da criatividade torna-se um

importante exercício para o desenvolvimento de

vantagens competitivas às organizações como

um todo, e, em particular, aos projetos ou demais

iniciativas, individuais ou coletivas. À medida que

tais bloqueadores são identificados, torna-se

possível eliminá-los para a possibilidade de inovar-

-se. Extirpar fatores bloqueadores da criatividade

permite desencadear melhorias com a finalidade

de atuar sobre os pontos fracos e ameaças

relacionadas à determinada ideia ou projeto.

Este artigo busca respostas para a veri-

ficação de eventuais fatores de bloqueio à

criatividade, observados no Projeto Chiquitos, que

acontece por meio de parceria entre a Universidad

Técnica Particular de Loja (UTPL), do Equador;

e a Universidad Católica Boliviana San Pablo —

Chiquitos (UCBCh), Bolívia. Implantado em 2001, o

projeto beneficia a comunidade de San Ignacio de

Velasco, na Bolívia, por meio de pesquisas aplicadas

às necessidades locais, como melhoria das técnicas

de processos agroindustriais, criação do banco de

conservação de sementes, implantação de sis-

temas agrários pastoris, entre outras medidas.

1 A Criatividade e a Gestão do Conhecimento

Na sequência, são apresentados alguns aspec-

tos que compõem a base teórica desta pesquisa.

1.1 O Conhecimento

O conhecimento é fonte de vantagem

competitiva para qualquer organização, mas para

que seja efetivamente uma vantagem, torna-se

estratégico desenvolver meios, a fim de que o

conhecimento seja criado, incorporado e utilizado.

Demo (2002, p. 30-31) estabelece uma

estreita ligação desse termo com a criatividade e

inovação, uma vez que “conhecimento só ‘conhece’

se for questionador e inovador.”

Boisot (1995, apud CHOO, 2003) buscou

construir uma tipologia, classificando ‘conhecimento’

em quatro grupos distintos:

a) Público: é codificado e divulgável. Pode

ser encontrado estruturado e registrado

em livros, boletins de pesquisa e outras

fontes formais e informais. No entanto,

o conhecimento público, lentamente,

entrelaça-se num denso tecido de fatos,

tornando-se difícil de modificar algum

contexto. Ou seja, adquire inércia.

b) De senso comum: também é dissemina-

do, mas muito menos codificado. É

o conhecimento adquirido ao longo

da vida, por meio de experiências

pessoais, e tidas como comprováveis.

Kerlinger (1980) classifica esse tipo de

conhecimento como algo guiado pela

experiência prática e observação.

c) Pessoal: nasce da experiência própria,

não acessível aos outros, tornando-o

mais difícil de articular. Sua disseminação

requer que experiências concretas sejam

partilhadas entre os indivíduos.

Page 89: Revista FAE Jul./Dez. 2012

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d) Privado: é o conhecimento desenvolvido

e codificado por conta própria dos

indivíduos, a fim de dar sentido a

determinadas situações. Embora seja

divulgável e codificado, pode não fazer

sentido a algumas pessoas, porque

a sua importância está limitada às

necessidades de quem o criou.

A partir de tal reflexão, é possível vislumbrar

que o conhecimento adquire validade à medida

que estiver próximo da ação, ou seja, a partir

do momento em que passe a viabilizar ações à

inovação e à geração de ativos que agreguem

valor. O que distingue o conhecimento de outros

ativos é que ele pode ser compartilhado e, ao

mesmo tempo, retido pelos indivíduos.

Santana (2005, p. 385) destaca que “para

ser considerado, o conhecimento individual deve ser

pertinente para a realização das atividades a que a

organização se dedica e ser percebido como tal por

cada objetivo que atinge”. Outra maneira de utilizar o

conhecimento como fonte de valor é a sua capacidade

de fazer frente às incertezas, especialmente tra tando-se

de sistemas mais fragilizados.

Nonaka (2008, p. 39) observa, por exemplo,

que “em uma economia onde a única certeza é a

incerteza, a fonte certa de vantagem competitiva

duradoura é o conhecimento”. Sua dinamicidade,

pois ele não é estático, pode torná-lo complexo.

A esse respeito Leite, Bornia e Coelho (2004,

p. 28) explicam que uma organização convive

com uma “permanente busca de flexibilidade, o

que lhe confere um aumento da complexidade,

caracterizada, por sua vez, pelo aspecto da

incerteza, da imprevisibilidade e da variabilidade”.

1.1.1 Conhecimento tácito e conhecimento explícito

Takeuchi e Nonaka (2008) afirmam que o

conhecimento é formado por dois componentes

dicotômicos e aparentemente opostos: o co-

nhecimento explícito e o tácito. Segundo esses

autores, “o conhecimento não é explícito ou tácito;

é tanto explícito quanto tácito. O conhecimento

é inerentemente paradoxal, pois é formado do

que aparenta serem dois opostos.” (TAKEUCHI;

NONAKA, 2008, p. 20), uma vez que está baseado

no conhecimento pessoal e formal.

Uma definição desses dois tipos de conceito

foi feita por Choo (2003, p. 189):

a) Conhecimento tácito: é o conhecimento

implícito usado pelos membros da

organização para realizar o seu tra-

balho. É o conhecimento pessoal, não

codificado e difícil de divulgar. É difícil

de verbalizar por ser expresso por

habilidades baseadas na ação, não po-

dendo ser reduzido a regras e receitas.

É aprendido durante longos períodos

de experiência e de execução de uma

tarefa. É vital para uma organização,

que só aprende e inova se estimular, de

algum modo, o conhecimento tácito de

seus membros;

b) Conhecimento explícito: pode ser ex-

pres so formalmente com a utili za ção de

um sistema de símbolos, podendo ser

facilmente comunicado ou difundido

(NONAKA, TAKEUCHI, 1997). Embora

todas as organizações trabalhem com

procedimentos-padrão, cada orga ni-

zação deve desenvolver seu próprio

repertório de rotinas, baseado em sua

experiência (CHOO, 2003).

O que distingue o conhecimento de outros

ativos é que ele pode ser compartilhado e, ao mesmo tempo, retido

pelos indivíduos.

Page 90: Revista FAE Jul./Dez. 2012

88

1.2 Criatividade

A criatividade passou a ser foco recente de

pesquisas acadêmicas com objetivo de explicar e

até sistematizar o pensamento criativo. Vanzin e

Ulbricht (2010, p. 29) afirmam que a criatividade

“tem sido estudada intensamente segundo

diferentes óticas, especialmente dentro da

interdisciplinaridade, em função da importância que

o mercado tem atribuído à inovação tecnológica.”

Uma consideração importante sobre o sur-

gimento das ideias que lideram o processo criativo é

o fato de elas aparecerem livre e espontaneamente

(TEIXEIRA, 1998). Para Teixeira (1998, p. 61), “a

ideia criativa surge quando deixamos que outro

eu processe livremente todas as informações que

arquivamos em nosso cérebro.” Com essa liberdade,

as informações colhidas do ambiente, misturadas às

ideias surgidas de forma espontânea, passam a gerar

uma condição altamente propícia à criatividade.

Barreto (1998) concorda que a criatividade

seja oriunda de pressupostos ambientais, mas avalia

que aspectos psicológicos internos e externos

ao indivíduo são fatores não menos importantes

para a gestão da criatividade. Segundo o autor, a

criatividade está antes ligada a um pensamento

mais primário, infantil e rudimentar do que um

pensamento teórico, ou seja, a criatividade consiste

em um dado psicobiológico da personalidade que

Um dos grandes desafios para as orga ni-

zações criadoras de conhecimento é a transformação

do conhecimento tácito em explícito, uma vez

que o primeiro é de difícil expressão. Takeuchi e

Nonaka (2008, p. 19) atribuem essa dificuldade ao

fato de considerarem que o conhecimento tácito

“está profundamente enraizado nas ações e na

experiência corporal do indivíduo, assim como nos

ideais, valores ou emoções que ele incorpora.”

Dessa forma, quando o conhecimento tácito

existe de modo abundante, mas não está codificado,

é provável que as pessoas e as organizações tenham

dificuldades em se comunicar com clareza no

intuito de gerar conhecimento. Além disso, Takeuchi

e Nonaka (2008) sustentam que a ênfase isolada

no conhecimento tácito pode ser perigosa, pois se

abre à possibilidade de adaptação excessiva aos

sucessos ou modelos passados, constituindo-se em

uma ameaça à inovação. Polanyi (1983) lembra que

o conhecimento tácito é composto pela percepção

do indivíduo. O alto grau de subjetividade e

intangibilidade desse tipo de conhecimento dificulta

sua transformação de tácito em explícito.

Segundo Stacey (2001), o conhecimento dos

indivíduos, que surge de maneira principalmente

tácita, traz consigo alguns problemas:

a) pessoas que detêm o conhecimento

podem deixar a organização ou grupo

levando-o consigo. É interessante que

o conhecimento tácito seja trans-

formado em explícito;

b) pessoas relutam em compartilhar o

conhecimento que possuem.

Como a base de todo o conhecimento é o

tácito, é importante que se encontrem maneiras

de codificá-lo, a fim de permitir que esse tipo de

conhecimento torne-se explícito, ou seja, que possa

ser transmitido às pessoas de forma sistemática.

Nesse sentido, Davenport e Prusak (1998, p. 117)

estabelecem uma ligação entre o conhecimento

tácito e a questão tecnológica, uma vez que “quanto

mais tácito for o conhecimento, mais tecnologia

deverá ser usada para possibilitar às pessoas com-

partilhar aquele conhecimento diretamente”.

Um dos grandes desafios para as

organizações criadoras de conhecimento é a transformação do

conhecimento tácito em explícito, uma vez que o primeiro é de difícil

expressão.

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R e v . F A E , C u r i t i b a , v. 15, n. 2, p. 84-103, jul./dez. 201289

não depende de inteligência. “A verdadeira escola

para o inventor é sua cabeça, aliada a sua vontade”,

acrescenta Martins (1997, p. 63).

Barreto (1998) agrupa o que chama de

ingredientes da criatividade em uma sigla: BIP, que

significa ‘bom-humor’, ‘irreverência’ e ‘pressão’.

Ou seja, conforme o autor, somente é capaz de

ter ideias quem está ‘de bem consigo mesmo’;

quem tem ‘jogo de cintura’ e, ao mesmo tempo,

conserva um ceticismo, sendo um pouco mais

passivo e, por fim, quem suporta bem a pressão

exercida por uma liderança, ou sabe liderar uma

busca pela valorização e motivação de pessoas.

Porém, embora a criatividade seja um

exercício ao alcance de todos, alguns fatores

podem bloquear o processo criativo. Ramos

e Ramos (2010, p. 240) citam a padronização

e a burocratização excessivas como fatores

inibidores da criatividade, pois “sempre existiram

pressões sociais para que as pessoas atuem de

forma padronizada”.

1.2.1 Bloqueios à criatividade

As pessoas nascem com muitas habilidades

criativas, mas, para Ayan (2001), a maioria dessas

pessoas começa a limitar suas capacidades de

busca por criatividade a partir dos primeiros anos

de vida, quando começam a surgir os bloqueios à

criatividade. Da mesma forma, é comum que no

nosso dia a dia se tenha contato com diversas ideias

que surgem por meio das interações feitas com o

ambiente, tais como a leitura, as viagens, a conversa

com outras pessoas. Contudo, Martins (1997, p. 72)

sustenta que “nem sempre aproveitamos essas

situações, e assim, aos poucos, abafamos o espírito

criador que nos dá aquele impulso e faz as ideias

aflorarem em nossa consciência”.

De acordo com a designação de Siqueira

(2011), os bloqueios à criatividade são classificados

em cinco grupos principais, relacionados a seguir:

a) Culturais: os bloqueios ao pensamento

e ao comportamento criativo advêm,

em primeiro lugar, da própria sociedade.

Segundo Weschler (1998, p. 121), “a

sociedade pune ou exclui o indivíduo

que é diferente. [...] O indivíduo que

diverge das normas da sociedade

incomoda, quebra as estruturas”.

b) Ambientais ou organizacionais: para

Silva e Rodrigues (2007, apud RAMOS;

RAMOS, 2010), podem ser relacionados

alguns fatores organizacionais que

servem como bloqueio à criatividade,

tais como a estrutura organizacional,

as características da chefia, as relações

interpessoais, a cultura organizacional,

a falta de recursos tecnológicos ou

materiais, as características das tarefas,

as influências político-administrativas,

volume de serviço, falta de treinamento,

salários e benefícios.

c) Intelectuais e de comunicação: para

falar com alguém, precisa-se conhecer

um pouco a forma dessa pessoa de

perceber o mundo e cativá-la baseado

em seus próprios conceitos de vida.

(TEIXEIRA, 1998, p. 29).

d) Emocionais: são barreiras que se trans-

formam em um grande impe dimen-

to à criatividade. Jones (1993 apud

WESCHLER, 1998) relaciona al guns

blo queios emocionais, como medo do

A ideia criativa surge quando deixamos que

outro eu processe livremente todas as

informações que arquivamos em nosso cérebro

Page 92: Revista FAE Jul./Dez. 2012

90

fracasso, de brincar, de perder o con-

trole, de exercer influência, medo do

desconhecido, miopia de recursos, receio

da frustração, imaginação empo brecida.

e) De percepção: a falta de percepção está

diretamente ligada “à incapacidade de

resolver problemas criativamente”, co-

mo observa Wechsler (1998, p. 123).

2 Projeto de Extensão Universitária Chiquitos

O Projeto Chiquitos é financiado pela cola-

boração entre duas universidades: a Universidad

Técnica Particular de Loja (UTPL), responsável pela

locomoção dos pesquisadores, e a Universidad

Católica Boliviana San Pablo — Chiquitos (UCBCh),

responsável pela hospedagem, alimentação e

imprevistos dos participantes do projeto. Lançado

em 2001, até junho de 2010 o projeto já havia

consolidado a participação de 58 estudantes

universitários e jovens recém-formados.

O projeto beneficia a comunidade de San

Ignacio de Velasco — Santa Cruz —, Bolívia, por

meio de pesquisas aplicadas para necessidades

locais. São desenvolvidas atividades, como

instalação de internet, criação de modalidade

de estudo a distância, planta de elaboração e

processamento de produtos lácteos e de carne,

melhora das técnicas de processos agroindustriais,

criação do banco de conservação de sementes,

implementação de sistemas agrários pastoris, entre

outras. Ao retornar ao Equador, os participantes

levam novos conhecimentos explícitos e tácitos

adquiridos na prática das atividades do projeto. O

processo é esquematizado na FIG. 1.

FIGURA 1 — Processos do Projeto Chiquitos

FONTE: Os autores

Os participantes do projeto, na maioria, profissionais recém-formados no Equador, são enviados pela

UTPL e mantidos pela UCB na localidade de Chiquitos pelo período de um ano. Ali, desenvolvem atividades e

pesquisas voltadas aos problemas da região. Assim, o projeto está integrado à sociedade, buscando atender

às necessidades práticas. Entre os participantes há criação de conhecimento.

Ao retornarem ao Equador, os integrantes do projeto deixam conhecimentos práticos para a região de

Chiquitos e levam novos conhecimentos, com a finalidade de aplicá-los em sua realidade de vida e trabalho.

Esse processo depende de um ambiente próprio que incentive a colaboração, o compartilhamento e criação

de conhecimento, visto que os participantes são voluntários.

Page 93: Revista FAE Jul./Dez. 2012

R e v . F A E , C u r i t i b a , v. 15, n. 2, p. 84-103, jul./dez. 201291

3 Método de Pesquisa

Este trabalho parte das conclusões obtidas

por Santos, Galdo e Machado (2010), a partir da

pesquisa realizada no Projeto Chiquitos, na qual foi

evidenciado que há a conversão de conhecimento

tácito em explícito e criação de conhecimento.

Nota-se que há um ambiente propício à criação

do conhecimento. Na percepção dos participantes,

houve um ambiente de interação e valores com-

partilhados, conversão de conhecimentos explícitos

e tácitos e criação de conhecimento, evidenciando a

importância do ambiente para o compartilhamento

e criação do conhecimento.

Tendo por base essa mesma pesquisa, sentiu-

-se a necessidade de se identificar a existência ou

não de bloqueios à criatividade, buscando rela-

cioná-los aos grupos explicados no item 2.2.1. Dessa

maneira, foi desenvolvido um instrumento de coleta

de dados (questionário) que buscou fazer uma

relação direta entre as perguntas com os tipos de

bloqueio à criatividade. O instrumento de coleta de

dados foi desenvolvido dessa forma para que se

torne possível identificar qual o tipo predominante

de bloqueio à criatividade no Projeto Chiquitos. O

QUADRO 1 resume as questões aplicadas e a sua

relação com os tipos de bloqueio à criatividade.

QUADRO 1 — Tipos de bloqueio à criatividade x perguntas do questionário

Tipos de bloqueio à

criatividadePerguntas

Culturais

a) Nesse projeto de extensão universitária são incorporadas novas ideias para resolver problemas?

b) As pessoas desse projeto estão abertas às mudanças de regras ou normas de funcionamento

tanto em nível laboral como de convivência?

c) Você é flexível para a mudança de atividade durante o trabalho nesse projeto?

Ambientais ou

organizacionais

a) O lugar onde trabalha lhe garante a segurança que necessita?

b) O ambiente de trabalho é agradável?

c) O líder ou responsável pelo projeto apoia e incorpora as suas ideias?

d).O grupo resolve os problemas em conjunto?

e) Você pede ajuda aos seus companheiros para resolver algum problema?

f) No grupo há espaço para realizar outras atividades que não sejam laborais?

g) Você recebe pressão por parte do líder pelos resultados do projeto?

h) Seu chefe imediato valoriza sua experiência profissional?

Intelectuais ou de

comunicação

a) Para iniciar um novo projeto ou atividade você tem fácil acesso à informação necessária?

b) Você se sente seguro para iniciar um projeto novo?

c) Quando você não sabe como iniciar um novo projeto ou atividade, busca apoio em especialistas,

mesmo que o acesso a eles não seja fácil?

d) Você acredita que os problemas na execução dos projetos têm mais de uma solução?

e) Você busca soluções aos problemas em conjunto com seus companheiros de trabalho?

f) Você pede sugestões ao líder do grupo para solucionar problemas?

g) Você apresenta com clareza as ideias ou soluções de um determinado projeto ou atividade ao

grupo?

Emocionais

a) Você gosta de pôr em prática novas ideias para melhorar os resultados do projeto?

b) Você prefere não se manifestar por medo de fazer papel de ridículo?

c) Se surge um problema no trabalho, você crê que é o único que pode solucioná-lo?

d) Quando o resultado esperado não ocorre, você tenta novamente com a segurança de que na

próxima vez o resultado será positivo?

e) Ao iniciar uma tarefa, você é consciente de suas limitações pessoais e profissionais?

f) Sabe diferenciar realidade e o que é fantasia?

De percepçãoa) As soluções que você propõe estão dentro das possibilidades de realização no seu contexto?

b) Você expressa suas ideias de forma clara e com palavras sinceras?

FONTE: Os autores

Page 94: Revista FAE Jul./Dez. 2012

92

Assim, esta pesquisa tem uma abordagem quantitativa, diante do tratamento estatístico dado às

respostas do questionário. Quanto à pesquisa quantitativa, Lima (2004, p. 26) lembra que ela “corresponde a

uma abordagem do fenômeno investigado envolvendo a realização de uma pesquisa de campo, na qual a coleta

de dados é feita por meio de aplicação de questionário e/ou formulário junto à população alvo da pesquisa”.

4 Apresentação e Discussão dos Resultados

Para atingir o objetivo geral da pesquisa, foi utilizado um instrumento de coleta de dados na forma de

questionário aplicado por censo. Cooper e Schindler (2003) consideram que o censo é adequado quando o

universo é pequeno. O universo total é de 30 participantes e o questionário foi respondido por 22 pessoas.

As questões presentes no questionário foram agrupadas em torno dos cinco tipos de bloqueio à

criatividade, conforme exposto no QUADRO 1. Assim, no que diz respeito às perguntas relacionadas aos

bloqueios culturais, a pesquisa apresentou os seguintes dados:

TABELA 1 e GRÁFICO 1 — Pergunta 1: Neste projeto de extensão universitária são incorporadas novas ideias para

resolver problemas?

Alternativas Quantidade Percentual

Nunca 2 9%

Quase nunca 5 23%

Às vezes 11 50%

Sempre 4 18%

TOTAL 22 100%

FONTE: Os autores

Observa-se que quase 70% dos pesquisados afirmam que as novas ideias sugeridas são frequentemente

incorporadas como parte do conjunto de soluções para resolver problemas, muito embora uma parte

considerável dos integrantes pesquisados afirme que essas novas ideias quase nunca são utilizadas.

TABELA 2 e GRÁFICO 2 — Pergunta 2: As pessoas deste projeto estão abertas às mudanças de regras ou normas de

funcionamento tanto em nível laboral como de convivência?

Alternativas Quantidade Percentual

Nunca 0 5

Quase nunca 7 32%

Às vezes 9 41%

Sempre 6 27%

TOTAL 22 100%

FONTE: Os autores

Page 95: Revista FAE Jul./Dez. 2012

R e v . F A E , C u r i t i b a , v. 15, n. 2, p. 84-103, jul./dez. 201293

Com relação à pergunta 2, apesar de as respostas demonstrarem que um terço dos pesquisados

afirmam ‘quase nunca’ há abertura para as mudanças das normas e regras, a maior parte afirma estar aberta,

eventualmente, às mudanças nas regras ou normas de funcionamento.

TABELA 3 — Pergunta 3: Você é flexível para a mudança de atividade durante o trabalho neste projeto?

Alternativas Quantidade Percentual

Nunca 0 0

Quase nunca 0 0

Às vezes 0 0

Sempre 22 100%

TOTAL 22 100%

FONTE: Os autores

A pergunta 3 mostra que todos os entrevistados afirmaram ser flexíveis à mudança de atividades

durante a execução do projeto.

No que diz respeito às perguntas relacionadas aos bloqueios ambientais ou organizacionais, a pesquisa

apresentou os seguintes dados:

TABELA 4 e GRÁFICO 3 — Pergunta 4: O lugar onde trabalha lhe garante a segurança que necessita?

Alternativas Quantidade Percentual

Nunca 0 0

Quase nunca 0 0

Às vezes 0 41%

Sempre 13 59%

TOTAL 22 100%

FONTE: Os autores

Nota-se que os entrevistados afirmam haver segurança para a realização dos trabalhos necessários, o

que permite que os pesquisados conduzam suas pesquisas com plenas condições de concentração exclusiva

nos seus objetivos.

TABELA 5 e GRÁFICO 4 — Pergunta 5: O ambiente de trabalho é agradável?

Alternativas Quantidade Percentual

Nunca 0 0

Quase

nunca3 14%

Às vezes 11 50%

Sempre 8 36%

TOTAL 22 100%

FONTE: Os autores

Page 96: Revista FAE Jul./Dez. 2012

94

Os resultados da pergunta 5 demonstram que grande parte dos entrevistados asseguram que o

ambiente de trabalho é agradável à realização dos trabalhos, sendo, também, um item favorável à atuação

dos pesquisadores.

TABELA 6 e GRÁFICO 5 — Pergunta 6: O líder ou responsável pelo projeto apoia e incorpora as suas ideias?

Alternativas Quantidade Percentual

Nunca 4 18%

Quase nunca 4 18%

Às vezes 6 27%

Sempre 8 37%

TOTAL 22 100%

FONTE: Os autores

Apesar da maior parte dos entrevistados mostrarem que o líder do projeto apoia e incorpora as

ideias sugeridas, pouco mais de um terço dos entrevistados afirma o contrário, o que pode acarretar numa

desmotivação dos pesquisadores do Projeto Chiquitos em participar com sugestões ao projeto.

TABELA 7 e GRÁFICO 6 — Pergunta 7: O grupo resolve os problemas em conjunto?

Alternativas Quantidade Percentual

Nunca 1 5%

Quase nunca 4 18%

Às vezes 11 50%

Sempre 6 27%

TOTAL 22 100%

FONTE: Os autores

As respostas à pergunta 7 mostram que a maior parte dos entrevistados concorda que há um trabalho

em conjunto para a resolução dos problemas, o que se configura em um aspecto positivo do trabalho, pelo fato

de que a interação entre os participantes do Projeto Chiquitos pode resultar em melhores ideias e resoluções

dos problemas ocorridos.

TABELA 8 e GRÁFICO 7 — Pergunta 8: Você pede ajuda aos seus companheiros para resolver algum problema?

Alternativas Quantidade Percentual

Nunca 0 0%

Quase nunca 0 0%

Às vezes 8 37%

Sempre 14 63%

TOTAL 22 100%

FONTE: Os autores

Page 97: Revista FAE Jul./Dez. 2012

R e v . F A E , C u r i t i b a , v. 15, n. 2, p. 84-103, jul./dez. 201295

Observa-se que todos os pesquisados confirmam ser frequente o fato de pedir ajuda aos companheiros

na resolução de problemas. Essa resposta vai ao encontro do que foi evidenciado na pergunta 7, em que a maior

parte dos entrevistados afirma que os problemas são resolvidos em conjunto.

TABELA 9 e GRÁFICO 8 — Pergunta 9: No grupo há espaço para realizar outras atividades que não sejam laborais?

Alternativas Quantidade Percentual

Nunca 7 32%

Quase nunca 0 0%

Às vezes 7 32%

Sempre 8 36%

TOTAL 22 100%

FONTE: Os autores

As respostas à pergunta 9 chamam atenção pelo fato de um terço dos pesquisados afirmar que não

há espaço para a realização de outras atividades no Projeto Chiquitos, a não ser as laborais, ou seja, não há

espaço para ideias que não estejam diretamente relacionadas aos objetivos da pesquisa.

TABELA 10 e GRÁFICO 9 — Pergunta 10: Você recebe pressão por parte do líder pelos resultados do projeto?

Alternativas Quantidade Percentual

Nunca 2 9%

Quase nunca 3 14%

Às vezes 13 59%

Sempre 4 18%

TOTAL 22 100%

FONTE: Os autores

Essas respostas evidenciam que a maior parte dos entrevistados mostra que há pressão por parte dos

líderes do Projeto Chiquitos para com os resultados da pesquisa. Se analisarmos essas respostas em conjunto

com as respostas à pergunta 9, há indícios de um grande nível de cobrança sobre os pesquisadores do projeto.

TABELA 11 e GRÁFICO 10 — Pergunta 11: Seu chefe imediato valoriza a sua experiência profissional?

Alternativas Quantidade Percentual

Nunca 2 9%

Quase nunca 3 14%

Às vezes 7 32%

Sempre 10 45%

TOTAL 22 100%

FONTE: Os autores

Page 98: Revista FAE Jul./Dez. 2012

96

Nota-se que, embora exista uma pressão do líder para com os resultados do projeto, há também apoio às

ideias e experiências dos participantes. Pelo fato do ambiente de trabalho ser agradável, há uma cooperação

muito grande entre os integrantes do projeto, o que torna possível concluir que os fatores ambientais ou

organizacionais exercem um bloqueio muito fraco à criatividade no Projeto Chiquitos.

No que diz respeito às perguntas relacionadas aos bloqueios intelectuais ou de comunicação, a pesquisa

apresentou os seguintes dados:

TABELA 12 e GRÁFICO 11 — Pergunta 12: Para iniciar um novo projeto ou atividade você tem fácil acesso às informações

necessárias?

Alternativas Quantidade Percentual

Nunca 1 5%

Quase nunca 5 23%

Às vezes 12 54%

Sempre 4 18%

TOTAL 22 100%

FONTE: Os autores

As respostas à pergunta 12 mostram que a maior parte dos entrevistados consegue fácil acesso às

informações necessárias ao início de uma nova atividade, o que se configura em um importante aspecto para

toda e qualquer pesquisa, pois quanto mais facilitado o início de novas atividades, melhores poderão ser os

resultados da pesquisa.

TABELA 13 e GRÁFICO 12 — Pergunta 13: Você se sente seguro para iniciar um projeto novo?

Alternativas Quantidade Percentual

Nunca 0 0%

Quase nunca 1 5%

Às vezes 4 18%

Sempre 17 77%

TOTAL 22 100%

FONTE: Os autores

Essas respostas evidenciam que a quase totalidade dos entrevistados demonstra segurança para

iniciar novos projetos, o que vai ao encontro das respostas relativas à pergunta anterior. Isso permite concluir

que a facilidade de acesso às informações necessárias à execução de novos projetos dá mais segurança aos

pesquisadores do Projeto Chiquitos para iniciarem um novo projeto.

Page 99: Revista FAE Jul./Dez. 2012

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TABELA 14 e GRÁFICO 13 — Pergunta 14: Quando você não sabe como iniciar um novo projeto ou atividade, busca apoio em

especialistas, mesmo que o acesso a eles não seja fácil?

Alternativas Quantidade Percentual

Nunca 0 0%

Quase nunca 0 0%

Às vezes 6 27%

Sempre 16 73%

TOTAL 22 100%

FONTE: Os autores

As respostas à pergunta 14 mostram que os participantes do Projeto Chiquitos dedicam-se muito à

execução dos projetos, desde o seu início, pois os pesquisadores buscam apoio junto a especialistas para o

início de novos projetos.

TABELA 15 e GRÁFICO 14 — Pergunta 15: Você acredita que os problemas que surgem na execução dos projetos têm mais

de uma solução?

Alternativas Quantidade Percentual

Nunca 0 0%

Quase nunca 0 0%

Às vezes 5 23%

Sempre 17 77%

TOTAL 22 100%

FONTE: Os autores

Observa-se que as respostas à pergunta 15 evidenciam o otimismo dos pesquisadores do Projeto

Chiquitos em relação às alternativas possíveis à solução de problemas.

TABELA 16 e GRÁFICO 15 — Pergunta 16: Você busca solução para os problemas em conjunto com seus companheiros de

trabalho?

Alternativas Quantidade Percentual

Nunca 0 0%

Quase nunca 0 0%

Às vezes 12 54%

Sempre 10 46%

TOTAL 22 100%

FONTE: Os autores

Page 100: Revista FAE Jul./Dez. 2012

98

As respostas à pergunta 16 mostram que há uma interação importante entre os pesquisadores do

Projeto Chiquitos. Se analisarmos essa resposta em conjunto com as respostas à pergunta 15, pode-se inferir

que é essa interação que permite que surjam mais soluções para os problemas existentes.

TABELA 17 e GRÁFICO 16 — Pergunta 17: Você pede sugestões ao líder do grupo para solucionar problemas?

Alternativas Quantidade Percentual

Nunca 0 0%

Quase nunca 1 5%

Às vezes 6 27%

Sempre 15 68%

TOTAL 22 100%

FONTE: Os autores

Nas respostas à pergunta 17, pode-se observar que os entrevistados garantem que com frequência

buscam nos líderes do projeto as sugestões necessárias para resolver os problemas.

TABELA 18 e GRÁFICO 17— Pergunta 18: Você apresenta com clareza as ideias ou soluções de um determinado projeto ou

atividade ao grupo?

Alternativas Quantidade Percentual

Nunca 0 0%

Quase nunca 2 9%

Às vezes 4 18%

Sempre 16 73%

TOTAL 22 100%

FONTE: Os autores

Pode-se perceber que os participantes do Projeto Chiquitos são dotados de uma considerável

capacidade de cooperação e interação na busca da solução de problemas. Nota-se que a maior parte dos

participantes mostra-se segura com o início de novos projetos, ou ainda com a execução dos projetos que

estão em andamento. Percebe-se que o interesse pela busca das informações, ainda que elas não sejam de

fácil acesso, permite afirmar que não há bloqueios à criatividade do tipo intelectual ou de comunicação.

No que diz respeito às perguntas relacionadas aos bloqueios emocionais, a pesquisa apresentou os

seguintes dados:

Page 101: Revista FAE Jul./Dez. 2012

R e v . F A E , C u r i t i b a , v. 15, n. 2, p. 84-103, jul./dez. 201299

TABELA 19 e GRÁFICO 18 — Pergunta 19: Você gosta de pôr em prática novas ideias para melhorar os resultados do projeto?

Alternativas Quantidade Percentual

Nunca 0 0%

Quase nunca 0 0%

Às vezes 3 14%

Sempre 19 86%

TOTAL 22 100%

FONTE: Os autores

As respostas para essa questão mostram que os entrevistados costumam pôr em prática com muita

frequência suas novas ideias para melhorar os resultados de um projeto. A resposta de questão vai ao

encontro de outras perguntas, evidenciando que há abertura para dar e implantar as sugestões necessárias ao

desenvolvimento do projeto.

TABELA 20 e GRÁFICO 19 — Pergunta 20: Você prefere não se manifestar por medo de fazer papel de ridículo?

Alternativas Quantidade Percentual

Nunca 13 59%

Quase nunca 3 14%

Às vezes 6 27%

Sempre 0 0%

TOTAL 22 100%

FONTE: Os autores

Mais de dois terços dos entrevistados não abrem mão de se manifestar, ainda que possam considerar

que suas opiniões sejam entendidas como descabidas. Isso mostra que o ambiente no Projeto Chiquitos é

favorável às técnicas de estímulo à criatividade.

TABELA 21 e GRÁFICO 20 — Pergunta 21: Se surge um problema no trabalho, você crê que é o único que pode solucioná-lo?

Alternativas Quantidade Percentual

Nunca 8 36%

Quase nunca 6 27%

Às vezes 7 32%

Sempre 1 5%

TOTAL 22 100%

FONTE: Os autores

Page 102: Revista FAE Jul./Dez. 2012

100

É possível observar que a maioria dos entrevistados não se considera como a única pessoa apta a resolver

os problemas, muito embora um terço dos entrevistados manifeste que esse pensamento eventualmente

surge diante de um problema no trabalho.

TABELA 22 e GRÁFICO 21 — Pergunta 22: Quando o resultado esperado não ocorre, você tenta novamente com a segurança

de que na próxima vez o resultado será positivo?

Alternativas Quantidade Percentual

Nunca 0 0%

Quase nunca 1 5%

Às vezes 6 27%

Sempre 15 68%

TOTAL 22 100%

FONTE: Os autores

Os resultados dessa pergunta evidenciam que os participantes do Projeto Chiquitos são otimistas

quanto aos resultados das sugestões implantadas, pois mais de dois terços dos pesquisados afirmam sempre

esperar melhores resultados quando há implantação de novas tentativas para a resolução dos problemas.

TABELA 23 e GRÁFICO 22 — Pergunta 23: Ao iniciar uma tarefa, você é consciente de suas limitações pessoais e profissionais?

Alternativas Quantidade Percentual

Nunca 0 0%

Quase nunca 1 5%

Às vezes 8 36%

Sempre 13 59%

TOTAL 22 100%

FONTE: Os autores

Quase todos os entrevistados mostraram que frequentemente têm noção de suas limitações pessoais e

profissionais ao iniciar uma tarefa, o que pode ser encarado como um aspecto positivo se considerarmos que

essa noção os impele a buscar apoio e informações com os líderes e/ou pessoas mais experientes.

TABELA 24 e GRÁFICO 23 — Pergunta 24: Sabe diferenciar a realidade do que é só fantasia?

Alternativas Quantidade Percentual

Nunca 0 0%

Quase nunca 0 0%

Às vezes 1 5%

Sempre 21 95%

TOTAL 22 100%

FONTE: Os autores

Page 103: Revista FAE Jul./Dez. 2012

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A análise das questões relacionadas aos bloqueios emocionais demonstra que os participantes do Projeto

Chiquitos buscam adotar novas ideias ou tentam executar ideias já testadas na expectativa de encontrar as

soluções esperadas. Bem como a maioria dos entrevistados busca contribuir com o grupo, reconhecendo suas

limitações. Assim, não se considera que esses fatores consistam em bloqueios à criatividade.

No que diz respeito às perguntas relacionadas aos bloqueios de percepção, a pesquisa apresentou os

seguintes dados:

TABELA 25 e GRÁFICO 24 — Pergunta 25: As soluções que você propõe estão dentro das possibilidades de realização no

seu contexto?

Alternativas Quantidade Percentual

Nunca 0 0%

Quase nunca 1 5%

Às vezes 4 18%

Sempre 17 77%

TOTAL 22 100%

FONTE: Os autores

Ao responder que quase sempre as soluções apontadas são de possível implantação, os pesquisados

confirmam o fato de que entendem os problemas ocorridos, sugerindo soluções coerentes para resolvê-los.

TABELA 26 e GRÁFICO 25 — Pergunta 26: Você expressa suas ideias de forma clara e com palavras sinceras?

Alternativas Quantidade Percentual

Nunca 0 0%

Quase nunca 0 0%

Às vezes 6 27%

Sempre 16 73%

TOTAL 22 100%

FONTE: Os autores

A análise das questões relacionadas aos bloqueios de percepção evidencia que os participantes do

Projeto Chiquitos não apresentam dificuldades em contextualizar os desafios que surgem, permitindo que

as soluções se realizem. Da mesma maneira, percebe-se que essas soluções são expressas de forma clara e

objetiva aos demais participantes. Com base nisso, não se considera que existam fatores de percepção que

consistem em bloqueios à criatividade.

Page 104: Revista FAE Jul./Dez. 2012

102

Considerações Finais

A pesquisa realizada com os integrantes

do Projeto Chiquitos buscou identificar os

tipos de bloqueio à criatividade, possivelmente

presentes nesse grupo. A partir da percepção

dos participantes, verifica-se a existência de um

ambiente com elementos de pressão e cobrança,

mas que são plenamente gerenciáveis por meio da

cooperação e interação.

Ademais, como coloca Barreto (1998), a

pres são também é um elemento que impulsiona a

criatividade. Há um reconhecimento das limitações

dos integrantes do grupo, o que é compensado pela

predisposição das pessoas em buscar as informações

e conhecimentos necessários à execução dos projetos.

Essas evidências demonstram que há um

ambiente, ou um Ba, na visão de Nonaka e Takeushi

(1997), favorável à criatividade, não havendo

evidências concretas de bloqueios no Projeto

Chiquitos. Levando em conta a premissa do projeto,

de que os conhecimentos práticos adquiridos

e desenvolvidos em grupo sejam favoráveis ao

desenvolvimento da região de Chiquitos, pode-se

afirmar que a inexistência de bloqueios à criatividade

permite aos pesquisadores explorar ao máximo seu

potencial criativo, a fim de buscar as inovações

necessárias ao desenvolvimento da região.

O processo criativo permite às organizações

que seu crescimento seja sustentado por meio da

geração de ideias e do desenvolvimento da capa-

cidade de inovação. Isso possibilita aos integrantes

desenvolverem cada vez mais competências impor-

tantes ao desenvolvimento pessoal e profissional, o

que acaba promovendo o crescimento da organiza-

ção em que estão inseridos.

É o que se observa no Projeto Chiquitos

a partir da pesquisa realizada, uma vez que

os participantes procuram, de forma ampla e

integrada, envolver-se com a comunidade na busca

de soluções para os problemas que se apresentam.

A flexibilidade na mudança de atividades entre os

membros do grupo sugere grande versatilidade,

uma abertura a novas ideias e modos diferentes de

viver, não havendo obstáculos de ordem cultural,

principalmente, à criatividade. O fato resulta em

ganhos aos parceiros do projeto, tanto em relação

às duas universidades que efetivam o convênio

como no que diz respeito à população da pequena

cidade boliviana onde ele acontece.

• Recebido em: 12/09/2011

• Aprovado em: 13/10/2011

Page 105: Revista FAE Jul./Dez. 2012

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Fundo Constitucional do Norte como mediador do desenvolvimento regional: o caso da mesorregião de Belém do ParáThe North Costitutional Fund as a mediator for regional development: a

case study of the region of Belém do Pará

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R e v . F A E , C u r i t i b a , v. 15, n. 2, p. 104 - 125, jul./dez. 2012105

Jones Nogueira Barros1

Isabel Cristina dos Santos2

Raquel da Silva Pereira3

Resumo

Este artigo visa discutir a contribuição do Fundo Constitucional do Norte (FNO) ao desenvolvimento da mesorregião de Belém do Pará. Idealmente, o desenvolvimento de uma região deve gerar prosperidade às localidades do entorno, visando reduzir desigualdades sociais. Para tanto, é necessário o concurso de diferentes atores, com diferentes extensões de força. Há que se combinar o crescimento socioeconômico das localidades ao uso ecorresponsável dos recursos, bem como incluir a valorização do acervo natural e cultural que caracterizam a identidade da região. Este artigo foi desenvolvido a partir de uma pesquisa de caráter descritivo e os dados foram obtidos mediante pesquisa bibliográfica e documental. Os resultados do estudo indicam que, embora tenha sido uma fonte recorrente de financiamento das atividades econômicas regionais, o FNO, após 20 anos de sua implantação, não gerou patamares superiores de desenvolvimento regional. No que tange ao uso sustentável dos recursos naturais, mesmo após duas décadas de debate, observa-se que em uma das duas microrregiões estudadas, a sustentabilidade ambiental manteve-se ruim. Na região de maior volume de empréstimos, o desenvolvimento sustentável alcançou apenas o nível médio. Podemos verificar que não será em uma geração que o progresso econômico e social será alcançado na região, o que é compreensível face às disparidades históricas do desenvolvimento regional brasileiro e desigualdades sociais.

Palavras-chave: Fundo Constitucional do Norte. Desenvolvimento Regional. Desen-volvimento Sustentável.

Abstract

This article aims to discuss the contribution o the North Constitutional Fund (NCF) to the regional development of the area of Belém do Pará. Ideally, the economic development of a region must generate progress to its surrounding cities, aiming to reduce social inequalities. To accomplish this, it is necessary to associate different actors with different strength extensions, combining socioeconomic growth to the sustainable usage of natural resources, as well as value the natural and cultural assets that characterize the identity of the region. This article was developed based on a descriptive research, using documentary and bibliographic data collection techniques. The results pointed out that, despite the fact that the NCF has been the main source for funding economic activities in the region, twenty years after its implementation, its resources have not been sufficient to generate higher levels of regional development. In relation to the sustainable usage of natural resources, even after two decades of debate, in one of the two micro regions studied environmental sustainability remained at a low level of development. In the region of higher loan volume, sustainable development has reached only an average level. Therefore, it is possible to conclude that in the Northern region, particularly the region researched for this study, the aimed economic and social progress will not be reached during the period of one generation due to the historical Brazilian regional development disparities and social inequalities.

Keywords: North Constitutional Fund. Regional Development. Sustainable Development.

1 Mestre em Gestão e Desenvolvimento Regional na Universidade de Taubaté (UNITAU-SP). E-mail: [email protected].

2 Pós-Doutora em Gestão da Inovação Tecnológica e Economia da Inovação (ITA, São José dos Campos). Professora-pesquisadora no Programa de Pós-graduação em Administração da Universidade Municipal de São Caetano do Sul. E-mail: [email protected].

3 Doutora em Ciências Sociais (PUC-SP). Coordenadora e Pesquisadora no Programa de Pós-graduação em Administração da Universidade Municipal de São Caetano do Sul E-mail: [email protected].

Fundo Constitucional do Norte como mediador do desenvolvimento regional: o caso da mesorregião de Belém do ParáThe North Costitutional Fund as a mediator for regional development: a case study of the region of Belém do Pará

Page 108: Revista FAE Jul./Dez. 2012

106

Introdução

Desde o Congresso Mundial sobre o Meio

Ambiente, ocorrido no Rio de Janeiro em 1992,

a região Amazônica tem canalizado a atenção

da mídia global pela sua biodiversidade, única

no mundo, bem como pelas riquezas minerais

conhecidas e, mais recentemente, pela debatida

influência da Floresta Amazônica no equilíbrio

climático do Planeta.

Em meio ao debate sobre a sustentabilidade

planetária, teorias convergem para a preservação de

biosferas relevantes ao clima para o desenvolvimento

sustentável, economia solidária e do trabalho coope-

rativo, zoneamento territorial, desenvolvimento local

e reservas ambientais. Em suma, os debates ali-

nham-se em torno da necessidade de preservação

do espaço socioambiental. Contraditoriamente, as

políticas de desenvolvimento criadas para a Amazônia

são, quase sempre, planejadas a partir do objetivo

econômico, não refletindo, necessariamente, os as-

pectos conclamados sobre a relação entre o de-

senvolvimento social sustentado, com preservação

das características do meio ambiente.

O fator econômico tem sido determinante.

Em função dele, as ações de desenvolvimento

locais são planejadas na expectativa de que os

reflexos sociais, como o progresso social, sejam

decorrências naturais inexoráveis. Embora o pro-

cesso de industrialização seja um mecanismo

eficiente de geração de riquezas, ele é, ao mesmo

tempo, um meio eficaz de exaustão de recursos

naturais e de degradação ambiental, tanto mais

frágeis sejam os controles sobre as atividades e,

nem sempre, o processo é inclusivo ou democrático.

As disparidades regionais são cada vez mais

evidentes no Brasil, na medida em que são objetos

de discussão e pesquisa, são justificadas pela

ausência de planejamento por parte dos estados

ou regiões e de políticas de incentivo ou fomento

ao empreendedor a partir de suas especificidades

e potencialidades produtivas. Os fundos de

fomentos, como os gerenciados em países da

Europa, são recursos de suma importância para

incentivar o crescimento econômico com foco no

desenvolvimento local, especialmente em regiões

periféricas, em razão da ausência ou insuficiência

de recursos próprios do pequeno e médio

empreendedor.

Essa leitura da situação estabelece o ques-

tionamento que este artigo ambiciona debater: os

Fundos Constitucionais, criados no Brasil, como o

Fundo Constitucional do Norte (FNO), contribuem

para minimizar os gargalos do desenvolvimento

local? A resposta a essa questão exige análise

dos recursos concedidos vis-à-vis aos resultados

obtidos pela atividade empreendedora local, be-

neficiada pelo acesso aos recursos financeitos do

FNO, expressos nos dados socioeconômicos das

localidades.

O objetivo deste artigo é discutir a con-

tribuição do Fundo Constitucional do Norte como

mediador do desenvolvimento regional, tomando

por referência a análise dos recursos concedidos,

ao longo de 20 anos de operação do Fundo, na

mesorregião de Belém do Pará.

1 Revisão da Literatura

O referencial teórico apresentado reflete a

síntese dos autores pesquisados que, embora não

se tenha pretendido exaurir as opções de debate,

oferece uma perspectiva contemporânea sobre

a questão do desenvolvimento local e regional,

bem como a triangulação desses dois níveis de

desenvolvimento com a questão da sustentabilidade

socioambiental, entendida, neste texto, como uma

forma de se buscar o desenvolvimento sustentável,

envolvendo as dimensões econômica, social e

ambiental propostas por Elkington (2001).

1.1 Desenvolvimento Local

Sen (2000) evidencia o desenvolvimento

como um ganho de cidadania à medida que haja

crescimento econômico, permitindo ao indivíduo

experimentar, e exercer, um conjunto de liberdades

substantivas e instrumentais, o qual o autor

categoriza e explica como: 1) liberdades políticas;

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2) facilidades econômicas; 3) oportunidades so-

ciais; 4) garantias de transparência; e 5) segurança

protetora. A existência desse conjunto de liber-

dades propicia um aumento da autonomia e

capacidade de escolha dos indivíduos.

Segundo Sen (2000), o desenvolvimento

é gerador de liberdade humana e não pode

ser identificado meramente a partir dos dados

quantitativos acerca dos aspectos econômicos. Para

o autor, o desenvolvimento requer remoção das

principais fontes de privação de liberdade: pobreza

e tirania, carência de oportunidades econômicas e

destituição social sistemática, negligência dos serviços

públicos e intolerância ou interferência excessiva de

Estados repressivos (SEN, 2000, p. 18).

Sen (2000) evidencia a íntima relação entre

desenvolvimento e liberdade, observando que a

pobreza e a carência de oportunidades econômicas

se dão, também, pela falta de planejamento local,

que gera dependência em relação aos outros

espaços produtivos, impossibilitando a melhoria de

qualidade de vida pela geração de emprego e renda.

Para Santos (2005), a complexidade territo-

rial e urbana do Brasil aprofunda as diferenças

entre suas regiões, o que contribui para que ocorra

um desenvolvimento desigual, com oportunidades

desiguais de crescimento.

Sen (2000) e Santos (2005) comungam

que o desenvolvimento, pelo qual passam tanto

o espaço urbano quanto o rural, não pode

negligenciar as necessidades sociais locais com

a supremacia dos aspectos econômicos. O

desenvolvimento local vai muito além de ques-

tões econômicas, ele precisa estar associado

ao bem-estar da sociedade, com sua realidade

e possibilidade de um futuro melhor; o que para

Santos (2005, p. 130) “é formado pelo conjunto

de oportunidades e vontades”, complementando

que “alcançar intelectualmente o futuro não é

questão estatística, nem simples arranjo de dados

empíricos, mas questão de método.” O Plano de

Desenvolvimento Local oferece o método.

Dowbor (2008) destaca a necessidade de

uma Política Nacional de Apoio ao Desenvolvi-

mento Local, que deve ser inovadora e capaz de

induzir o desenvolvimento nacional a partir do

território, devendo ser assumida pela União, pelos

Estados e Municípios, sem viés centralizador,

dis pensando grandes orçamentos e estruturas

burocráticas.

No desenvolvimento local planejado, a

mudança se efetiva no decorrer do tempo e na

razão direta do envolvimento dos atores locais e

regionais. E esse processo não pode ser pensado

fora das necessidades locais e dos atores sociais,

privilegiando apenas o interesse econômico.

Ele deve inserir a dimensão social presente na

localidade e promover a interação entre economia

e sociedade que, gradualmente, estabeleça o

progresso social almejado. Contudo, a lógica

que envolve os estudos sobre desenvolvimento

A complexidade territorial e urbana do Brasil

aprofunda as diferenças entre suas regiões, o que contribui para que ocorra

um desenvolvimento desigual, com

oportunidades desiguais de crescimento.

O desenvolvimento local vai muito além de

questões econômicas, ele precisa estar associado ao bem-estar da sociedade,

com sua realidade e possibilidade de um

futuro melhor.

Page 110: Revista FAE Jul./Dez. 2012

108

planejado, no que diz respeito à região amazônica,

carece de um grande número de particularizações

e esclarecimentos.

Ab’Saber (1989, p. 5) considera que qualquer

estudo sobre a Amazônia exige o entendimento

amplo e integrado do “complexo natural da região,

incluindo o conhecimento da natureza dos seus

contrastes internos. Envolve uma metodologia

ecodesenvolvimentista para as questões básicas

de utilização dos espaços físicos e ecológicos”,

o que inclui o debate sobre a preservação dos

espaços e recursos naturais.

Segundo Ab’Saber (1989), é preciso conhecer

a região amazônica para então descrevê-la, bem

como o seu curso provável de desenvolvimento.

Ainda para o autor (1989, p. 5), para compreender

a região, ao nível propositivo, deve ser feito um

“cruzamento dos conhecimentos sobre os fatos

fisiográficos e ecológicos com os fatos da conjuntura

econômica, demográfica e social da região”. Um

pouco mais além desse conjunto de informações,

é necessário avaliar “o papel que as cidades e a

rede urbana preexistente podem desempenhar nos

processos de desenvolvimento incentivado”.

Para o pequeno e médio empreendedor

do setor primário da economia, é importante a

adoção de uma política de desenvolvimento que

oportunize o seu acesso aos diversos mecanismos

de apoio, a exemplo do que ocorre com as em-

presas de grande porte, inclusive os grandes

produtores rurais. Esses, segundo Dowbor (2008),

conseguem apoio financeiro não somente para

atividade principal, a de produção, mas também

a abertura de mercados no exterior, fomento

para a renovação da tecnologia utilizada. Para os

pequenos produtores, “existem iniciativas pontuais,

mas nada que possa se comparar, nada que possa

ser qualificado, efetivamente, como uma verdadeira

política nacional de apoio ao desenvolvimento

local” (DOWBOR, 2008, p. 7).

Pensar o desenvolvimento local é criar

condições para que as organizações empresariais,

de qualquer porte, possam fortalecer e competir

no mercado e, assim, contribuir para o crescimento

social. Todavia, os mecanismos de apoio citados

estão, principalmente, disponíveis às grandes or-

ganizações. Portanto, um efeito desencadeado do

apoio concedido às grandes empresas, deveria pri-

vilegiar o estabelecimento de parcerias, com pe-

quenos e médios empreendedores locais, crian do

um efeito de espiral do desenvolvimento. A parceria

entre as organizações e os atores locais contribui

para o crescimento da atividade produtiva e da

economia local, haja vista o desenvolvimento de uma

região ser possível a partir da adoção de uma política

participativa de desenvolvimento local planejada.

De acordo com Dowbor (2008), os entraves

ao desenvolvimento local no País apontam para a

solução dos seguintes problemas: financiamento

e comercialização; tecnologia; desenvolvimento

institucional; informação; comunicação; educação

e capacitação; trabalho, emprego e renda; e sus-

tentabilidade ambiental. Além desses, os efeitos

derivados dos fomentos poderiam ser melhor ava-

liados se houvesse uma base de dados consistente

sobre a aplicação dos recursos. Ao longo deste

artigo, será possível constatar que a precária, e

difusa, oferta de dados é, em si, um grande obstáculo

à avaliação dos benefícios dos fundos de fomento.

O desenvolvimento corresponde às ações

centradas na oferta de serviços e na garantia

de direitos humanos básicos para as pessoas,

na distribuição democrática dos benefícios do

progresso técnico, científico, econômico e financeiro,

cuja participação ativa das pessoas é um elemento

essencial para a construção do progresso social.

O desenvolvimento resulta da governabilidade

democrática e participativa (VIDAL, 2007).

Pensar em desenvolvimento regional significa

lidar com a diversidade territorial, estabelecer

estratégias de envolvimento dos atores que produzem

essa diversidade. Assim, o desenvolvimento regi-

onal demandaria, a priori, a formação de lideranças

comunitárias locais, com capacidade para com-

preender e discutir os principais aspectos da

temática do desenvolvimento sustentável (ARRAIS,

2007). O desenvolvimento fomenta novas forças

produtivas e a instauração de novas relações de

produção, promovendo um processo sustentável de

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R e v . F A E , C u r i t i b a , v. 15, n. 2, p. 104-125, jul./dez. 2012109

crescimento econômico que preserve a natureza

e redistribua os frutos do crescimento aos que se

encontram marginalizados da produção social e da

fruição dos resultados dessa produção (SINGER,

2004). O desenvolvimento local não pode ser

mais uma ação do Estado sobre uma dada região

sem que haja o engajamento dos diversos atores

da sociedade. Muito menos é concebível a adoção

de modelos que privilegiem apenas o crescimento

econômico e a acumulação de riquezas, de modo

concentrado (FURTADO, 2008).

Um projeto de desenvolvimento é intrin-

secamente um projeto pela paz, uma vez que o

desenvolvimento se estabelece sobre os vários

níveis da sociedade, visando reduzir os contrastes

locais entre pobreza absoluta e riqueza absoluta. O

que abriga, especialmente nas periferias, um esforço

de estabelecer relações produtivas pautadas pelo

respeito à cidadania e ao desenvolvimento pleno

dos indivíduos e da sociedade local.

O desenvolvimento local resulta dos

investimentos feitos tanto pelos agentes públicos

quanto pelos agentes privados, sendo que esses

últimos desempenham um papel efetivo na

distribuição das riquezas geradas pelo trabalho.

Esse efeito gerador de riquezas pode ser observado

em diversos países, nos quais foram adotadas

políticas de desenvolvimento local, pautadas por

intensos investimentos na produção industrial.

O caso chinês é emblemático. Orientado para

o crescimento econômico, baseado na formação

de indústrias, o governo chinês criou a Zona

Econômica Especial (ZEE), responsável pela difusão

de tecnologia e capacitação organizacional, o que

conferiu ao país capacidade para desenvolvimento

tecnológico local. Posteriormente, em razão da

formação das bases para crescente autonomia

tecnológica, a ZEE foi transformada em Zona de

Desenvolvimento Tecnológico (ETDZ), que esti-

mulou a entrada de investimentos estrangeiros e

promoveu o crescimento industrial. O território

chinês dividiu-se em três grandes regiões: a cos-

teira, que acolheria o modelo industrial; a central,

responsável pela produção agrícola e energética; e

a oeste, responsável pela produção pecuária e de

mineração. Em todas elas, buscou-se fomentar a

capacidade de produção (CEDEPLAR, 2010).

A utilização dos espaços geográficos para

fins economicamente planejados, sua ocupação e

exploração, além da criação de infraestrutura para o

escoamento da produção, são fatores importantes

para que o desenvolvimento regional ocorra. A

integração regional favorece e cria oportunidades

de abertura de novos mercados. Além disso, a

reorganização econômica mundial tem exigido

dos Estados a adoção de medidas políticas que

estimulem o desenvolvimento regional, com a

indução das localidades de entorno à formação

Um projeto de desenvolvimento é

intrinsecamente um projeto pela paz, uma vez que o desenvolvimento se

estabelece sobre os vários níveis da sociedade, visando reduzir os contrastes locais entre pobreza absoluta e

riqueza absoluta.

A utilização dos espaços geográficos para fins

economicamente planejados, sua ocupação e exploração, além da criação

de infraestrutura para o escoamento da produção,

são fatores importantes para que o desenvolvimento

regional ocorra.

Page 112: Revista FAE Jul./Dez. 2012

110

de competências complementares, formando o

ciclo virtuoso do progresso, expandindo-se sobre

o nível da atividade econômica local e regional.

O desenvolvimento regional deve apro-

priar-se dos aspectos valiosos da configuração

geopo lítica nacional. Pré-condições do desen-

volvimento, como instalação de infraestrutura

viária, portuária, de comunicação, oferta de energia,

devem ser providas como parte de um processo de

desenvolvimento integrado, visando o escoamento

da produção industrial e acesso ao comércio e aos

serviços, públicos e privados, oferecidos na região.

Observa-se que as políticas de desen volvi-

mento regional, pautadas na atividade in dus trial,

quando acompanhados de iniciativas educacionais,

sobretudo com a oferta de mão de obra tecnicamente

qualificada, são indutoras de crescimento econômico

e, por consequência, de progresso técnico e, ao

longo do tempo, tecnológico.

Nas relações cooperativas, i.e, quando há

coordenação entre o Governo, as Instituições

de Ensino Superior (IES) e as empresas locais, o

progresso alcançado tem o conhecimento técnico e

tecno lógico na sua base. Essa forma de aliança tem

se revelado um forte indutor de desenvolvimento

nas localidades, muitas das quais lograram atingir

reconhecimento como um polo econômico relevan-

te ao setor desenvolvido. Tem-se como certo que

o mesmo tipo de parceria é um recurso positivo

também na atividade primária.

Pesquisa apresentada por Santos et al. (2009)

descreveu a formação do aglomerado econômico

em torno do Instituto Nacional de Telecomunicações

(Inatel), em Santa Rita do Sapucaí, sul de Minas,

cujas origens remontam a instalação da Escola

Técnica de Eletrônica Francisco Moreira da Costa,

em 1959. Desde seu início, a escola ofereceu mão de

obra qualificada para o setor de serviços e para o

empreendedorismo local. Vários técnicos formados

abriram o seu pequeno negócio e prosperaram

em um ambiente cooperativo, criando as bases

dos Sistemas Locais de Produção compreendidos,

principalmente, pela indústria de bens e serviços

na área de Telecomunicações e Tecnologia da

Informação, o que trouxe reconhecimento à região

designada como o Vale da Eletrônica.

Outro estudo, conduzido por Santos e

Amato Neto (2009), revelou a inversão do perfil da

sociedade — de rural para urbana — gradualmente

ocorrida na cidade São José dos Campos, a

partir da instalação do Instituto Tecnológico da

Aeronáutica, nos anos 1950, por decorrência

da instalação das primeiras empresas de base

tecnológica da região.

Naturalmente, é importante relativizar os

exemplos citados em razão de fatores geográficos.

No caso de Santa Rita do Sapucaí, a distância dos

centros econômicos foi um fator de propulsão

da atividade no setor técnico e tecnológico

para a gradual mudança do perfil econômico da

cidade. Ao contrário de São José dos Campos,

que a proximidade com os centros econômicos

já estabelecidos nos arredores da capital paulista

permitiu à cidade apropriar-se do transbordamento

industrial, sendo essa proximidade um fator de

atratividade para a chegada das indústrias.

Contudo, é fato que o apoio governamental,

associado à instalação de escolas ou centros de

formação de mão de obra qualificada e a existência

de atividades industriais, em um processo coor-

denado, conduz a algum tipo de crescimento e

gera, ao longo do tempo, desenvolvimento so-

cioeconômico. Das experiências mundiais recen-

tes, infere-se que o desenvolvimento regional é

uma função derivada da ação coordenada entre

diferentes agentes que visam estabelecer progresso

socioeconômico, orientado para uso intensivo das

competências regionais.

1.2 Modelo Brasileiro de Desenvolvimento Local e Regional

A intensa competição entre países é um

aspecto relevante nos modelos de desenvolvimento

estudados. Em comum com a China, Espanha,

França e Estados Unidos, o Brasil apresenta grande

diversidade regional, embora essa diversidade

esteja sujeita a polarizações críticas na geração e

distribuição de renda resultantes da concentração da

atividade econômica pautada pelo modelo industrial,

e pela desconsideração das potencialidades re gi-

onais periféricas de desenvolvimento com cres-

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cimento econômico e social, em outros setores

econômicos de produção limpa.

O governo brasileiro criou na Constituição

Federal de 1988 os Fundos Constitucionais do

Norte (FNO), do Nordeste (FNE) e do Centro-

-Oeste (FCO), com o objetivo de possibilitar o

desenvolvimento regional. Os recursos desses

Fundos Constitucionais são oriundos de 0,6%

do produto da arrecadação do imposto sobre

a renda e proventos de qualquer natureza, e do

imposto sobre produtos industrializados. Eles

são destinados ao financiamento de atividades

econômicas, de modo a proporcionar o cres ci-

mento econômico com desenvolvimento.

De modo análogo aos programas de

desenvolvimento regional dos países supracitados,

o Fundo Constitucional do Norte (FNO), objeto

desta pesquisa, destina-se ao desenvolvimento

do Norte do País, com a ampliação das atividades

econômicas, geração de emprego e renda, inserção

de novos produtos e melhoria de qualidade de

vida da população.

O modelo de desenvolvimento regional

no Brasil foi fortemente apoiado em políticas de

inves timento em ações de caráter assistencialista.

Com isso, ao longo das décadas, essa abordagem

tem reforçado as desigualdades regionais, econô-

micas e sociais (IANNI, 2004), ao mesmo tempo

em que contribui para a concentração de riqueza

e crescimento industrial nas áreas de interesse

político, não necessariamente econômico ou social.

De acordo com Bandeira (2004), o modelo

de desenvolvimento regional até então adotado

começou a sofrer desgaste em função dos re-

sultados insatisfatórios. Alternativas vêm sendo

geradas no campo das políticas regionais, no

sentido de promover a competitividade por meio

da mobilização do potencial endógeno das áreas

menos desenvolvidas.

O Programa de Desenvolvimento Integrado

e Sustentável de Mesorregiões Diferenciadas, do

Ministério da Integração, por exemplo, propõe um

modelo de desenvolvimento pautado nos atores

locais. Assim, o modelo de desenvolvimento regi-

onal, ao considerar as bases sociais, possibilita

estabelecer um Plano de Desenvolvimento Local

que efetivamente promova o seu crescimento com

a valorização de suas peculiaridades e do modo de

vida e ao espaço regional (DINIZ; LEMOS, 2005). As

condições locais devem ser determinantes para o

planejamento regional e precisam ser consideradas,

de modo que os objetivos estabelecidos nas

localidades sejam alcançados. Uma vez alcançados

esses objetivos, a capacidade local de empreender

deve ser geradora de novos conhecimentos, o que,

na soma do esforço das localidades envolvidas,

tornará a região mais produtiva, inovadora, com

condições de ser competitiva interna e exter-

namente sem, contudo, colocar em risco os recur-

sos e o ambiente natural de cada uma.

1.3 Sustentabilidade

Há uma estreita relação entre o desen-

volvimento regional e a sustentabilidade ambi-

ental, tornando-se necessário que as discussões

sejam permeadas por ambos os temas em razão

do alto custo social envolvido quando as ações

relacionadas ao desenvolvimento regional são

desconectadas de suas consequências sobre o

ambiente natural.

Almeida (2007, p. 129) explica que “a

verdadeira sustentabilidade é subversiva. Sub-

verte a ordem estabelecida ao sacudir con ceitos

arraigados, redefinir hierarquias e trazer para frente

do palco temas e personagens antes relegados

aos bastidores.” O autor ainda acrescenta que a

“liberalização do comércio e as privatizações do

setor de infraestrutura nas últimas décadas do

século XX transferiram uma gigantesca parcela do

poder político, econômico e estratégico do Estado

para as empresas”, quase que estabelecendo uma

nova forma de governança em um “mundo de

poder tripolar” regido pelo governo, empresas e

sociedade civil organizada.

Um movimento inverso articula-se por

meio das empresas e do Estado, especialmente

nas regiões mais pobres do mundo, em liberar a

explo ração de suas riquezas regionais em favor de

Page 114: Revista FAE Jul./Dez. 2012

112

grandes grupos empresariais, sem adequada ên fa-

se ao desenvolvimento das sociedades locais, o que

contribui para o acirramento das diferenças regio-

nais. Uma ação socialmente inclusiva é imprescin -

dível para a recuperação das potencialidades

regionais que, em geral, são exploradas até o quase

esgotamento de suas riquezas. Trata-se de uma

equa ção difícil de ser resolvida.

Sachs (1993, p. 35) afirma que o “crescimento

quantitativo ilimitado da produção material não

pode ser sustentado para sempre dada a finitude

da espaçonave Terra”. Portanto, se efetivamente

desejarmos evitar o “inevitável esgotamento do

‘capital natural’, tanto como fonte de recursos

como sumidouro de resíduos, o processamento de

energia e de materiais deverá ser reduzido”.

Uma combinação de esforços acom-

panhada de um projeto de futuro, que insira

a sociedade local na sua elaboração, poderá

resultar em ações de desenvolvimento e cres ci-

mento econômico-social que respeitem a trans-

parência dos resultados, mantendo um plano de

intervenção ambiental acionável sempre que a

sustentabilidade ambiental esteja em risco.

Casaroto Filho e Pires (2001, p. 20) ava-

li am que a economia mundial aponta para

três gran des vetores: “a globalização, [...]; a

regionalização, [...] e a descentralização, pois

cada região necessita de flexibilidade para

arranjar seus fatores e tor nar-se competitiva”.

A integração dos mercados globais tem con-

tribuído para uma nova delimitação dos territórios.

A capacidade produtiva e a especialização regional,

combinada com uma política de descentralização,

gerariam conhecimento especializado e, em grau

compatível com a sua especialização, as capaci-

dades regionais geradoras de vantagens competi-

tivas sustentáveis.

Casaroto Filho e Pires (2001) citam o caso

da região de Emília Romagna, na Itália, como

modelo de desenvolvimento regional. Nesse caso,

as pequenas empresas da região associaram-se

para beneficiar-se da escala da marca regional, da

produção e de tecnologia, da escala da logística

e da vocação da região para serem competitivas

e lograr sucesso. Ainda que comparações nem

sempre sejam perfeitamente alinháveis, o fato

é que a região italiana de Emilia Romagna

oferece aos países na linha do desenvolvimento

uma perspectiva de que é possível atingir o

desenvolvimento de uma região de modo

integrado. E, com isso, oferecer à sociedade

um efetivo aumento na geração de empregos

e na renda, melhoria na qualidade de vida e

sustentabilidade das localidades envolvidas.

Um dos maiores desafios dos países da

América Latina é lidar com a intensa desigualdade

social e deterioração do meio ambiente, que

concentra parte substancial da renda em dez das

famílias mais ricas. No Brasil, a situação parece

ser mais crítica, pois a renda per capita dos 10%

mais ricos é, pelo menos, 32 vezes mais elevada

do que a renda de 40% dos mais pobres. A menor

diferença de renda entre classes latino-americanas

estão no Uruguai e na Costa Rica, países nos quais,

no mesmo grupo de análise, a diferença é de,

respectivamente, 8,8 e 12,6 vezes a renda dos 40%

mais pobres (DOWBOR, 2007).

A partir das questões levantadas, infere-se

que o caso brasileiro requer uma atenção especial.

O Brasil ainda apresenta uma forte concentração

de renda em poder de uma pequena parcela da

população, caracterizando desigualdades sociais

com efeitos, também, na degradação ambiental,

uma vez que essa riqueza resulta da exploração

dos bens naturais. Esse é o caso bastante peculiar

da região amazônica e de todo o norte do País.

1.4 A Região Amazônica

A região norte do Brasil compreende

uma área de quase 3,87 milhões de quilômetros

quadrados, com 8,3% da população brasileira — ou

em torno de 15,9 milhões de habitantes —, e apre-

senta densidade demográfica de 3,77 habitantes/

km2 (IBGE, 2010). Essa região é formada pelos

estados do Pará, Acre, Amazonas, Rondônia,

Roraima, Amapá e Tocantins, e, historicamente,

passou por várias políticas de indução do cres-

cimento, mas que nem sempre promoveram o

desenvolvimento.

Page 115: Revista FAE Jul./Dez. 2012

R e v . F A E , C u r i t i b a , v. 15, n. 2, p. 104-125, jul./dez. 2012113

De acordo com os estudos de Buarque,

Lopes e Rosa (1995), até o final da década de

1960, o comportamento econômico e espacial

da região Norte acompanhou as diferentes flu-

tuações do ciclo da borracha, principal fator da

dinamização e atração populacional.

Durante a Segunda Guerra Mundial, a re-

gi ão experimentou o último estágio da expan-

são cíclica do látex e da borracha, voltada

fundamentalmente para a exportação aos paí-

ses aliados. O ciclo da borracha se esgotou

definitivamente ao final da Guerra, depois de

reanimação decorrente do conflito pelo controle

estratégico da produção mundial do látex. A

economia regional sofreu uma prolongada esta-

gnação e relativo isolamento econômico, em

consequência da reorganização do mercado

internacional do látex, marcada pela concorrência

dos países asiáticos e pela mudança tecnológica

tida com o desenvolvimento de substitutos da

borracha natural. Apesar da expansão geral da

demanda, decorrente do desenvolvimento da in-

dústria automobilística mundial, a Amazônia não

teve condições tecnológicas e locacionais para

acompanhar a concorrência.

As diferentes frentes de ocupação eco-

nômica e humana da região Norte tinham duas

motivações: a) interesse geopolítico de controle

e domínio nacional das extensas fronteiras e das

riquezas regionais; e b) atratividade e potencial

econômico dos recursos naturais. Essas seriam as

justificativas para o governo brasileiro empreender

a ocupação do território amazônico, com interesse

especial na proteção, e exploração nacional, dos

recursos naturais.

Em relação à ocupação e à exploração da

região amazônica nas décadas de 1950 a 1980,

Buarque, Lopes e Rosa (1995) afirmam que a

intervenção pública estruturada e abrangente na

região amazônica se iniciou, efetivamente, no final

do primeiro governo de Vargas. A região ganhou

um corpo institucional e formal após a Segunda

Guerra Mundial, com a Constituição de 1945, que

definiu o Plano de Valorização Econômica da

Amazônia (SPVEA), correspondente a 3% das

rendas tributárias da União, estados e municípios,

para ser investidos na região.

Com a Constituição Brasileira de 1953, foi

criada a SPVEA, órgão de desenvolvimento regional

anterior à Superintendência de Desenvolvimento

do Nordeste. Contudo, os instrumentos e políticas

instaladas pela SPVEA foram modestos para a

dimensão do espaço amazônico e os mecanismos

constitucionais não funcionaram conforme o pre-

visto. A construção das rodovias Belém-Brasília

e Acre-Brasília propiciou um enlace da região,

contornando a hileia Amazônia oriental com o

centro da economia brasileira. A combinação

das teses geopolíticas com a proposta desen-

volvimentista dos militares conferiu à Amazônia

destaque muito especial: a ocupação do território

nacional e o aproveitamento das grandes riquezas

concentradas nas vastas extensões do espaço

regional amazônico.

Na virada da década de 1960 foram criados

os instrumentos de implantação da Zona Franca de

Manaus e ampliados, para a região, os mecanismos

e incentivos fiscais e financeiros já existentes no

Nordeste. Surgiu, então, a Superintendência do

Desenvolvimento da Amazônia (Sudam), da re-

de finição do Plano de Valorização Econômica

da Amazônia (SPVEA), e foi criado o Banco

da Amazônia S.A. (Basa), ambos baseados na

experiência do Nordeste brasileiro, e que passaram

a gerenciar os incentivos fiscais e financeiros, mais

tarde, inseridos no Fundo de Investimento da

Amazônia (Finam).

No início da década de 1970, foi criado

o Programa de Integração Nacional (PIN), do

qual derivou o primeiro programa de crédito

formalmente conduzido pelo governo, o Programa

de Redistribuição de Terras e Agroindústria do

Norte (Proterra). Esse programa tinha o objetivo

de facilitar a compra da terra e, assim, melhorar

as condições de trabalho rural e incentivar a

agroindústria na Amazônia e no Nordeste, tor-

nando possível redimensionar a estratégia de

desenvolvimento regional, como meio de correção

da pobreza. Contudo, os resultados obtidos não

foram expressivos (MAHAR, 1978).

Page 116: Revista FAE Jul./Dez. 2012

114

Entre 1975 e 1987, o governo criou o Pro-

grama de Polos Agropecuários e Agrominerais da

Amazônia (Polamazônia), investindo em infraes-

trutura básica para 15 polos de crescimento e para

a integração do Norte às demais regiões do Brasil,

com a abertura de rodovias. No entanto, mais uma

vez, os resultados alcançados foram frustrados,

em razão dos conflitos agrários e ambientais que

ainda marcam a região.

A partir de 1980, a região recebeu novos

investimentos para grandes projetos, espe cial-

mente na área da mineração, como o Programa

Grande Carajás (PGC), que demandou a cons-

trução de obras de infraestrutura para sua

implantação, o que causou sérios problemas de

ordem social e ambiental.

Buarque, Lopes e Rosa (1995) consideram

que o Programa de Integração Nacional (PIN) e

o Polamazônia criaram as bases para redefinição

do espaço regional. Em grande medida, a

integração fragmentada da região Norte resultou

dos investimentos realizados, diferenciando a

ocupação regional, criando os grandes eixos de

crescimento. De acordo com Varela (2001), os

investimentos diretos realizados pelo governo e

os induzidos pela iniciativa privada possibilitaram

crescimento horizontal da economia regional.

Esse crescimento não foi acompanhado de um

desenvolvimento com oferta de emprego, renda

e equidade social, tampouco possibilitou a região

a tornar-se competitiva com relação às demais.

Permaneceram, assim, as disparidades existentes.

Finalmente, a Constituição Federal de

1988 instituiria os Fundos Constitucionais de Fi-

nan ciamento do Norte (FNO), Centro-Oeste

(FCO) e Nordeste (FNE) para fomento das micro,

pequenas, médias e grandes empresas que

empreendam atividades nos setores mineral, in-

dustrial, agroindustrial, turístico, de infraestrutura,

comercial e de serviços, nos estados da região

Norte: Acre, Amapá, Amazonas, Pará, Rondônia,

Roraima e Tocantins.

O FNO oferece crédito a taxas de juros

que variam, em função do porte do mutuário, de

8,75% a 14% ao ano, para as operações relativas

aos setores industrial, agroindustrial, turístico, de

infraestrutura, comercial e de serviços. Essas taxas

de juros são reduzidas em 15%, como um bônus

de adimplência, para pagamentos até a data do

respectivo vencimento. O prazo dos empréstimos

é de até 12 anos, incluindo três anos de carência.

Trata-se, portanto, de uma importante fonte de

fomento, gerida pelo Banco da Amazônia S.A.

A associação entre os financiamentos

contratados e os indicadores socioeconômicos

poderá oferecer indícios acerca do progresso

social e econômico nas localidades investigadas.

1.5 Modelos de Desenvolvimento Local

A ideia da criação de indicadores de

sustentabilidade surgiu no evento denominado Eco

92. A proposta era definir padrões sustentáveis de

desenvolvimento e indicadores que permitissem

analisar as várias dimensões da sustentabilidade,

ou seja, ambiental, econômica, social, ética e

cultural (CAMPOS; RIBEIRO; SOUZA, 2008).

O QUADRO 1 apresenta uma síntese dos

modelos de análise de sustentabilidade.

Page 117: Revista FAE Jul./Dez. 2012

R e v . F A E , C u r i t i b a , v. 15, n. 2, p. 104-125, jul./dez. 2012115

QUADRO 1 — Síntese dos modelos de sustentabilidade

Pelas características descritas de cada

índice e ferramentas de análise mais utilizadas e

facilidade de acesso, a análise dos resultados será

complementada pelo uso do índice Dashboard,

disponível na rede mundial de computadores

como sistema livre, pelos motivos expostos no

tópico a seguir.

2 Metodologia

O método de pesquisa aplicado a este

trabalho segue a lógica empírico-indutiva, uma

vez que, por meio do levantamento particular,

cujo objeto de estudo são os financiamentos

FONTE: Adaptado de WWF (2010); Dias (2002); Campos (2008); Zgurovsky (2007); Siche et al. (2007) Benetti (2006); Fukuda-Parr et al.

(2000, apud SCARPIN, 2006); Environmental Sustainability Index: Benchmarking National Environmental Stewardship (2005)

contratados do FNO, detalhadamente apurados

e, neste caso, concedidos no período de 1989 a

2008, logra-se obter conclusões amplas sobre

o fenômeno estudado que, aqui, refere-se ao

desenvolvimento regional.

Dada a natureza do objeto e do fenômeno

estudado, optou-se pelo tipo de pesquisa des-

critiva, uma vez que este tipo de pesquisa per-

mite relacionar as características específicas de

uma determinada população ou fenômeno, e es-

ta belecer as relações entre as variáveis que com-

põem o objeto de estudo.

Assim, buscou-se delinear os recortes

de análise por porte de empresas e atividade

Índice / Dimensões / Indicadores Dificuldades / Limitações Aplicação

Pegada Ecológica

Utiliza vários tipos de espaços (áreas construídas, agrícola, pastagens, oceanos, florestas) e de consumo, como energia, habitação, bens e serviços, alimentação, transporte.

Os dados utilizados nem sempre estão disponíveis em bancos de dados, especialmente em estudos de localidades.

Estudos do impacto do homem sobre o meio ambiente. Tem sido usado em teste de simulação de Pegada Humana.

Índice de Sustentabilidade Ambiental — ESI

Congrega quatro componentes; 21 indicadores e 76 variáveis.

Difícil de aplicar. Exige enorme quantidade de dados primários para que sejam obtidas as variáveis e os indicadores.

É um índice robusto e laborioso de calcular. Difícil interpretação.

lndicadores de Desempenho Energético — EMPis

Para ser calculado leva em os aspectos considerados na produção: energia, matéria, dinheiro e informação.

Utiliza o critério de energia e um fator de conversão chamado de transformidade. Demanda muitos cálculos e os dados nem sempre são disponíveis.

Em estudos sobre uso de energia e impactos ambientais, para produção agrícola. Considerado de difícil interpretação.

Índice de Desenvolvimento Sustentável — ISD

Usa as dimensões social, econômica e ecológica, calculadas por seis índices globais.

Pouco conhecido, limita-se a três dimensões, embora considere indicadores como IDH.

Atende ao planejamento de políticas públicas. Tido como de difícil análise.

Dashboard

Usa quatro dimensões (econômica, social, ambiental e institucional) e 57 indicadores.

Embora global, possui limitações de uso em localidades que não possuem Banco de Dados Socioeconômicos.

Políticas públicas e planos de responsabilidade socioambiental. Permite a análise completa das dimensões e indicadores, inclusive os tratados pelo IDH.

Índice de Desenvolvimento Humano — IDH

Analisa três aspectos: educação, renda e longevidade.

Os dados são disponíveis junto aos órgãos de pesquisa, porém, em longos intervalos de tempo.

Em estudos de planejamento de políticas públicas e privadas. Uso global. Fácil aplicação e análise.

Page 118: Revista FAE Jul./Dez. 2012

116

econômica dos empreendimentos que contrataram

financiamentos do FNO, associando os indicadores

socioeconômicos dos municípios, estabelecendo

uma avaliação longitudinal, pelo período estudado

— de 1989 a 2008 —, o que permitiu descrever

os efeitos do Fundo Constitucional do Norte

no desenvolvimento social e econômico da

mesorregião estudada.

2.1 Problema de Pesquisa

Este estudo foi dirigido para obter resposta

ao seguinte problema de pesquisa: os fundos

constitucionais criados no Brasil, como o FNO,

contribuem para minimizar os gargalos do

desenvolvimento local?

Para responder ao problema de pesquisa,

foram analisados diversos relatórios de domínio

público acerca do FNO disponíveis no Banco da

Amazônia; e dados do Ministério da Integração

Nacional; do IBGE; da Conferência Nacional dos

Municípios (CNM); do IPEA e da Secretaria de

Planejamento Orçamento e Finanças (Sepof) do

Estado do Pará.

2.2 Tratamento dos Dados

Os dados foram analisados sob a ótica

histórico-documental, à luz dos fatos históricos.

Não houve interferência dos pesquisadores, uma

vez que o objetivo era o de analisar um fenômeno

(RICHARDSON, 2008; GODOI; BANDEIRA-DE-

MELO; SILVA, 2010).

Os dados obtidos dos municípios estudados

foram agrupados nas respectivas microrregiões que

compõem a mesorregião de Belém, no Pará. Assim

dispostos, no fito de tornarem-se informações

inteligíveis, os dados foram tratados com base

em fórmulas de cálculos simples, para obtenção

dos valores relativos aos montantes contratados

anualmente, e para o cálculo das variações de

índices socioeconômicos, em cada município e

cada região — municípios que compõem a região

de Belém e de Castanhal, possibilitando a análise

do resultado da mesorregião, de acordo com o

período estudado.

A análise do Índice de Sustentabilidade na

região foi baseada no Painel Dashboard, pois atende

as recomendações da ONU e do IBGE, e permite

avaliar as dimensões ambiental, social, econômica

e institucional. Foram utilizados 30 indicadores,

em razão da limitação de dados existentes dos

municípios que constituem a mesorregião de

Belém. Estudos anteriores, de outras regiões, como

de Benetti (2006) que utilizou 28 indicadores, e de

Campos (2008) que usou 31, validam esse intervalo

de indicadores como aceitável.

Foi pesquisada a evolução na contratação

do FNO por programas oferecidos e porte de

tomadores, considerando os pequenos, médios e

grandes empreendedores que receberam fomento

no período entre 1989 e 2008.

3 Resultados Obtidos

A mesorregião objeto de estudo está carac-

terizada pelos dados apresentados na TAB. 1,

que apresenta os municípios e seus respectivos

in dicadores socioeconômicos.

Page 119: Revista FAE Jul./Dez. 2012

R e v . F A E , C u r i t i b a , v. 15, n. 2, p. 104-125, jul./dez. 2012117

TABELA 1 — Área, população e IDH dos municípios da mesorregião de Belém

FONTE: IBGE (2010); CNM (2010)

Na TAB. 1, é possível examinar que a população da mesorregião de Belém, de 1991 a 2007, cresceu

47,41% em relação ao ano de 1991, em que se observa a implantação e uso inicial dos recursos do FNO, no

ano de 2007. Em particular, no período de 2000 a 2007, o crescimento populacional verificado foi de 14,57%,

evidenciando a atratividade da região sobre outras localidades do estado.

Outro dado que suporta a afirmação do aumento de atratividade e justifica o crescimento populacional

da mesorregião é o aumento das receitas do município, em grande parte resultantes da geração de valor

adicionado. A TAB. 2 mostra essa variação.

Indice de Desenvolvimento Humano - IDH

Área Crescimento Populacional Educação Longevidade Renda Municipal

(Km2) 1980 1991 2000 2005 20071991

(a)

2000

(b)

1991

(a)

2000

(b)1991 (a)

2000

(b)

1991

(a)

2000

(b)

Ananindeua

var % b/a185 65.878 88.151 393.569 482.171 484.278

0,871

5%0,913

0,683

15%0,767

0,645

0%0,647

0,733

7%0,782

Barcarena 1310 20.015 45.946 63.268 74.120 84.5660,771

13%0,870

0,709

13%0,800

0,606

5%0,635

0,695

11%0,768

Belem 1065 933.280 1.244.689 1.280.641 1.405.871 1.408.8470,883

5%0,928

0,710

7%0,758

0,708

3%0,732

0,767

5%0,806

Marituba 103 0 0 74.429 97.254 93.4160,791

11%0,880

0,612

11%0,679

0,544

7%0,581

0,649

10%0,713

S. Barbara 278 0 0 11.378 13.018 13.7300,761

11%0,847

0,604

10%0,664

0,491

11%0,546

0,619

11%0,686

Benevides 188 22.315 68.465 35.546 44.216 43.2720,782

12%0,875

0,575

15%0,664

0,501

19%0,595

0,619

15%0,711

Bujarú 1005 25.992 14.117 21.032 25.364 22.4850,615

24%0,761

0,673

9%0,732

0,508

-5%0,483

0,599

10%0,659

Castanhal 1029 65.246 102.071 134.496 154.811 152.1440,768

11%0,854

0,652

17%0,761

0,596

4%0,622

0,673

11%0,746

Sta. Izabel 718 24.044 33.329 43.227 50.543 51.7620,750

14%0,855

0,652

12%0,732

0,569

1%0,576

0,657

10%0,721

Sto. Antonio 538 11.460 17.128 19.835 21.531 24.8140,684

21%0,831

0,600

22%0,732

0,496

4%0,518

0,593

17%0,694

Inhangapi 471 7.333 6.668 7.681 8.316 9.5920,629

20%0,757

0,696

5%0,732

0,490

11%0,546

0,605

12%0,678

Page 120: Revista FAE Jul./Dez. 2012

118

TABELA 2 — Receitas geradas nos municípios da mesorregião

FONTE: IBGE (2010); CNM (2010)

No período entre 1989 e 2008, a aplicação de recursos do FNO, na mesorregião de Belém, representou

um montante de R$ 1.423.631.253,00, distribuídos em 12.644 contratos de crédito, nas atividades associadas à

agricultura e pecuária e indústria. Desse total de operações realizadas e do montante investido pelo FNO na

mesorregião em questão, 11.324 operações foram destinadas ao setor da agricultura e pecuária, correspondendo

13,46% dos recursos do FNO.

Para a indústria, foram destinados 86,54% dos recursos, ou seja, torno de R$ 1.232 bilhões, em 1.320

operações. O valor médio das operações de financiamento para o setor agropecuário foi de R$ 16.921,65

contra R$ 933.341,28 da indústria. A TAB. 3 apresenta os valores concedidos por porte das empresas

tomadoras de recursos:

Receitas do Município Variação

2000 (a) 2005 2007 (b) b/a

Ananindeua

Var. % b/aR$ 74.694.898 R$ 141.515.827 R$ 211.623.695 2,83

Barcarena R$ 28.463.014 R$ 102.216.724 R$ 131.086.826 4,61

Belem R$ 461.259.970. R$ 884.651.373 R$ 1.218.800.122 2,64

Marituba R$ 8.870.978 nh R$ 67.599.369 7,62

S. Barbara R$ 4.152.008 R$ 5.103.583 nh Indisponível

Benevides R$ 7.636.778 R$ 17.630.845 nh Indisponível

Bujarú R$ 5.327.990 R$ 14.275.960 R$ 19.673.421 3,69

Castanhal R$ 25.905.373 nh R$ 108.314.473 4,18

Sta. Izabel R$ 12.184.801 R$ 22.676.835 R$32.315.204 2,65

Sto. Antonio R$ 7.897.373 R$ 14.077.843 nh Indisponível

Inhangapi R$ 2.559.294 nh R$ 6.428.369 2,51

Page 121: Revista FAE Jul./Dez. 2012

R e v . F A E , C u r i t i b a , v. 15, n. 2, p. 104-125, jul./dez. 2012119

TABELA 3 — Distribuição dos recursos do FNO, entre 1989 e 2008, por porte de empresa

A análise das operações e valores evidencia uma forte concentração dos volumes de empréstimos

concedidos na cidade de Belém (54,50% do total), para as atividades industriais de grande porte, com 54,73%

dos recursos financiados. Seria de se esperar que houvesse uma correlação entre o aumento do emprego

formal na mesorregião e essa concentração de recursos.

A região Norte ainda é fortemente orientada para a atividade agropecuária de pequeno porte, fortemente

baseada na unidade familiar como recurso produtivo. Contudo, à medida que se observa a empresa de grande

porte como grande tomadora de recursos, em volume de financiamento, seria de esperar, mencionando

novamente, que a maior concentração de novos empregos ou mesmo de variação da taxa de emprego se

desse na indústria de grande porte. A TAB. 4 apresenta o balanço de empregos gerados.

Financiamentos concedidos pelo FNO nas atividades agricultura e indústria (1989 - 2008) na Mesoregião de Belém

Municípios Cooperativa PRONAF Mini e Micro Pequeno Médio Grande Total % Total

Ananindeua R$ 0 R$ 1.500 R$ 6.587.345 R$ 169.764.278 R$44.597.973 R$93.036.477 R$ 313.987.573 22,06%

Barcarena R$ 0 R$ 142.177 R$ 2.916.314 R$ 4.584.753 R$ 3.589.153 R$ 105.258.243 R$ 116.490.640 8,18%

Belém R$ 2.149.000 R$ 106.500 R$ 44.436.318 R$ 74.223.016 R$156.333.863 R$ 498.579.295 R$ 775.827.992 54,50

Marituba R$ 0 R$ 39.500 R$ 364.055 R$ 790.330 R$15.662.540 R$ 14.852.791 R$31.709.216 2,23%

Sta. Bárbara R$ 364.936 R$ 322.500 R$ 143.322 R$ 420.713 R$2.985.900 R$ 2.186.886 R$6.424.257 0,45%

Benevides R$ 479.270 R$ 28.500 R$ 1.662.102 R$ 2.632.874 R$ 4.015.342 R$ 14.931.202 R$23.749.290 1,67%

Bujarú R$ 0 R$ 0 R$ 1.833.112 R$ 459.107 R$ 824.297 R$ 85.800 R$3.202.316 0,22%

Castanhal R$ 3.513.541 R$ 22.750 R$ 20.374.921 R$ 10.143.823 R$28.604.794 R$ 38.767.673 R$ 101.427.227 7,12%

Sta Izabel R$ 0 R$ 593.660 R$ 5.292.728 R$ 5.636.809 R$ 7.016.461 R$ 9.390.714 R$27.930.372 1,96%

Sto. Antonio R$ 0 R$ 16.500 R$ 5.560.250 R$ 5.255.834 R$ 1.829.624 R$ 200.003 R$ 12.862.211 0,90%

Inhangapi R$ 0 R$ 25.500 R$ 4.643.083 R$ 1.286.792 R$ 2.139.059 R$ 1.925.725 R$10.020.159 0,70%

Total R$ 6.506.747 R$ 1.298.812 R$ 93.813.550 R$ 275.198.329 R$267.599.006 R$ 779.214.809 R$1.423.631.253 100%

% Total 0,46% 0,09% 6,59% 19,33% 18,80% 54,73% 100%

FONTE: BASA (2009)

Page 122: Revista FAE Jul./Dez. 2012

120

TABELA 4 — Empregos formais gerados na mesorregião de Belém, de 1989 a 2008

FONTE: IBGE (2009)

O quantitativo de empregos formais criados

na mesorregião nos setores da agropecuária,

indústria e serviços refletem os investimentos nos

municípios que compõem essa mesorregião.

No detalhamento, por município, observou-se

que aqueles que mais recursos receberam do Fundo

foram os que mais geraram empregos formais. O

que pode ser considerado inexato enquanto valor

absoluto, porém, destaca-se em termos relativos,

pois a indústria tende a gerar maior número de

registros em Carteira do Trabalho do que os setores

de serviços e o agropecuário. De qualquer forma

é relevante, pois as atividades agropecuárias e

industriais contribuem para, gradualmente, remodelar

o tradicional perfil da região emblematicamente

cunhado extração mineral, que há muito marca a

região como sendo essencialmente exportadora de

commodities primárias.

Outra expectativa com relação ao aumento

da atividade econômica, independentemente do

setor seria uns aumentos nos indicadores do desen-

volvimento econômico-social apontado — PIB per

Ano / Setor Agropecuário Indústria Serviços Subtotal %

1989 2.964 61.061 40.593 106.607 4,47

1990 3.002 55.149 36.292 96.433 4,04

1991 3.695 49.449 34.793 89.928 3,77

1992 2.739 45.100 33.978 83.809 3,51

1993 3.742 44.449 37.591 87.775 3,68

1994 6.525 43.998 37.787 90.304 3,79

1995 6.105 40.167 41.945 90.212 3,78

1996 6.943 40.042 45.129 94.110 3,95

1997 5.600 69.156 46.916 123.669 5,18

1998 4.520 42.433 50.281 99.232 4,16

1999 5.117 42.917 53.393 103.426 4,34

2000 4.702 46.760 57.368 110.830 4,65

2001 5.338 50.972 61.603 119.914 5,03

2002 4.966 50.738 68.634 126.340 5,3

2003 4.877 50.217 76.095 133.192 5158

2004 5.486 58.018 86.313 151.821 6136

2005 5.485 59.916 94.567 161.973 6,79

2006 6.456 65.262 101.792 175.516 7,36

2007 7.376 69.454 69.454 148.291 6,22

2008 7.125 70.059 112.680 191.872 8,04

Page 123: Revista FAE Jul./Dez. 2012

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capita e IDH — em relação aos demais municípios

da mesorregião. Contudo, os investimentos do

FNO foram aplicados em períodos alternados

de maior e menor valor, fator que pode ter sido

consequência de diversos fatores como: maior

rigidez orçamentária, inadimplência, plano de

investimentos com prioridades em outras áreas do

estado ou região e a crise econômica mundial.

Os resultados apontaram para o crescimento

do PIB per capita e IDH dos municípios das duas

microrregiões, com destaque para os municípios que

mais recursos investidos obtiveram: Ananindeua,

Barcarena, Belém, Marituba e Castanhal. Porém,

os dados não permitem afirmar que esse

desenvolvimento garante sustentabilidade.

O QUADRO 2 apresenta a avaliação do Índice

de Desenvolvimento Sustentável (IDS), elaborada

segundo a técnica e indicadores previstos no

Dashboard, para as duas microrregiões que

perfazem o estudo de campo.

QUADRO 2 — Apuração do IDS das microrregiões inseridas na mesorregião de Belém

FONTE: Os autores

Considerações Finais

O presente trabalho procurou contribuir para

o debate do Fundo Constitucional do Norte (FNO)

como mediador do desenvolvimento da mesorregião

de Belém, no Pará, região Norte do País.

A pesquisa verificou que o planejamento

e os investimentos das atividades agropecuárias

e agroindústrias na mesorregião de Belém deve-

riam ocorrer simultaneamente em ambas as mi-

crorregiões: Belém e Castanhal.

As operações e investimentos feitos pelo

FNO apresentam oportunidades de melhoria no

sentido de potencializar a vocação dos municípios

para a produção especializada com estímulo à

inovação e verticalização da produção.

Observou-se a necessidade de o FNO focar

melhor suas ações de modo que atendam o objetivo

a que ele foi criado, priorizando os municípios e

segmentos cujo processo de produção induza o

crescimento com desenvolvimento econômico e

social da localidade de maneira sustentável, com

maior crescimento do PIB per capita e IDH.

A análise de sustentabilidade na mesorregião

de Belém pelo método Dashboard possibilitou

constatar que ele é viável para a mensuração da

sustentabilidade local.

Os resultados da pesquisa comparados às

teorias de Sen (2000), de Elkington (2001) e de

Dowbor (2008) confirmam que o planejamento

das políticas públicas ou privadas, a exemplo da

aplicação de recursos públicos, deve contemplar

a análise de sustentabilidade local para garantir

Microrregião Dimensão Pontuação Classificação Coloração

Belém

Natureza 446 Médio

Econômica 457 Médio

Social 519 Médio

Institucional 519 Médio

IDS 468 Médio

Castanhal

Natureza 395 Ruim

Econômica 487 Médio

Social 500,6 Médio

Institucional 485 Médio

IDS 452 Médio

Page 124: Revista FAE Jul./Dez. 2012

122

uma melhor aplicação dos recursos e um desen-

volvimento mais justo que leve à liberdade.

O IDS Médio da mesorregião deve ser um

alerta para os gestores públicos e a sociedade civil

organizada: torna-se necessário planejar ações

mais eficazes de controle e análise frequentes

de mobilização social em defesa de uma ruptura

com velhas práticas do uso da terra, visando

o surgimento de novas formas de garantir a

sobrevivência sustentável.

A ausência de um Banco de Dados So-

cioeconômicos dos municípios da mesorregião foi

um fator de grande limitação da análise e, futura-

mente, impactará na dificuldade de analisar os

efeitos das melhorias que, por ventura, possam ser

promovidas.

Conclui-se que, em 20 anos de existência,

os investimentos do FNO contribuíram com o

crescimento dos municípios da mesorregião de

Belém, mas não maximizaram esse crescimento

em virtude da concentração dos recursos em

alguns municípios, setor e porte, gerando um

desenvolvimento desigual na região.

Sugere-se que o Basa, por meio do FNO,

priorize investimentos nos empreendimentos

de minimicro e pequeno porte, bem como de

cooperativas, planeje e invista simultaneamente

nos setores da agropecuária e agroindústria, com

estímulo à verticalização da produção, geração de

empregos, trabalho e renda, contribuindo para o

desenvolvimento econômico e social sustentável.

Uma limitação deste estudo refere-se à

dificuldade de coletar informações que estão

distribuídas em diferentes agentes institucionais. A

falta de um método de monitoramento sistemático

da evolução desdobrada dos investimentos é,

talvez, a causa da dificuldade mencionada.

Novas pesquisas podem ser feitas a partir

desta, especialmente aquelas que combinem a

pesquisa documental e a pesquisa de campo,

mediante a condução de entrevistas, que possa

mensurar a percepção dos sujeitos quanto ao nível

de progresso atingido, pois a liberdade substantiva

perpassa a análise subjetiva, especialmente em

regiões periféricas.

Recomenda-se que, no futuro, sejam con-

duzidas análises comparativas entre regiões, para

que se possa avaliar se há, ou não, similaridade

com resultados decorrentes do acesso de fundos

constitucionais em outras regiões do País.

• Recebido em: 06/02/2012

• Aprovado em: 02/05/2012

Page 125: Revista FAE Jul./Dez. 2012

R e v . F A E , C u r i t i b a , v. 15, n. 2, p. 104-125, jul./dez. 2012123

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O Balanced Scorecard como ferramenta estratégica de gestão da qualidadeThe Balanced Scorecard as a strategic tool for quality management

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Patrícia Rodrigues Quesado1

Lúcia Maria Portela de Lima Rodrigues2

Beatriz Aibar Guzmán3

Resumo

A melhoria do desempenho organizacional tem sido um dos principais

objetivos das organizações. A procura da racionalização na gestão dos

recursos e a necessidade de melhorar a qualidade dos produtos e serviços

prestados motivaram a aplicação nas organizações públicas e privadas

da ferramenta de Contabilidade de Gestão Balanced Scorecard (BSC)

e do modelo de excelência EFQM (European Foundation for Quality

Management). O EFQM e o BSC são dois modelos de gestão amplamente

aceitos na gestão empresarial atual para alcançar a inovação, a aprendizagem

e a melhoria contínua. Assim, este artigo tem como objetivo proporcionar

algumas ideias acerca da importância do desenvolvimento de programas de

gestão da qualidade total (TQM), destacando as principais características,

as semelhanças e as diferenças entre os modelos BSC e EFQM, bem como

apresentar um modelo de integração das duas filosofias de gestão.

Palavras-chave: Balanced Scorecard. Contabilidade de Gestão. TQM. EFQM.

Abstract

Improving organizational performance has been one of the main objectives

of organizations. The search for rational management of resources and the

need to improve the quality of products and services led to the application

in private and public organizations of the management accounting tool

Balanced Scorecard (BSC) and the EFQM Excellence Model (European

Foundation for Quality Management). The EFQM and the BSC are two widely

accepted models of management in the current business management to

achieve innovation, learning and continuous improvement. Thus, this article

aims to provide some ideas about the importance of developing programs

of total quality management (TQM), highlighting key features, similarities

and differences between the BSC and EFQM models, and presenting a

model of integration of the two management philosophies.

Keywords: Balanced Scorecard (BSC). Accounting Management. Total Quality

Management (TQM). European Foundation for Quality Management (EFQM).

1 Doutora em Ciências Económicas e Empresariais, Universidade de Santiago de Compostela (Espanha). Professora Titular da Faculdade de Ciências Económicas e Empresariais da Universidade de Santiago de Compostela (USC), Espanha. E-mail: [email protected].

2 Doutora em Ciências Empresariais, Universidade do Minho (Portugal). Professora Associada da Escola de Economia e Gestão da Universidade do Minho (UM), Portugal. E-mail: [email protected].

3 Doutora em Ciências Económicas e Empresariais, Universidade de Santiago de Compostela (Espanha). Professora Adjunta da Escola Superior de Gestão do Instituto Politécnico do Cávado e do Ave (IPCA), Portugal. E-mail: [email protected].

O Balanced Scorecard como ferramenta estratégica de gestão da qualidadeThe Balanced Scorecard as a strategic tool for quality management

Page 130: Revista FAE Jul./Dez. 2012

128

Introdução

Desde muito tempo que uma das preo-

cupações fundamentais das empresas prende-

-se com a produção de produtos e prestação de

serviços com qualidade, desenvolvendo esforços

para melhorar a qualidade, bem como identificar

e desenvolver sistemas de gestão da qualidade,

como forma de obter clientes satisfeitos e leais, com

reflexos em seus resultados. Essas preocupações

são, atualmente, mais evidentes frente ao contexto

de globalização e de grande competitividade em

que nos encontramos. Todos esses elementos são

fundamentais na determinação da estratégia mais

adequada às necessidades da organização e do

ambiente organizacional e no planejamento das

ações a ser desenvolvidas. Assim, podemos dispor

de uma ferramenta permanentemente atualizada

e amplamente reconhecida e validada no mundo

empresarial.

Dentre os diferentes sistemas de avaliação

do desempenho desenvolvidos, mereceu especial

destaque na literatura o modelo de excelência EFQM e

o BSC, desenhado para possibilitar, respectivamente,

a autoavaliação e a medida e melhoria dos proces sos

de negócio. O EFQM, à semelhança do BSC, registou

um grande desenvolvimento e divulgação nos

últimos anos, sendo aplicado por todas as empresas

europeias, excelentes no sentido de possibilitar uma

avaliação do desempenho próxima da estratégia e

uma visão de longo prazo.

O presente artigo tem como objetivo pro-

porcionar algumas ideias acerca da importância e

características do BSC na gestão da qualidade. De

acordo com esse objetivo, estruturamos o trabalho

da seguinte forma: inicialmente se expõe brevemente

alguns aspectos teóricos relativos às características

do BSC e aos princípios de gestão da qualidade

total, analisando as reestruturações a serem rea-

lizadas em relação às perspectivas propostas por

Kaplan e Norton (1996). Posteriormente, realiza-se

uma comparação entre os modelos EFQM e BSC,

destacando as principais semelhanças e diferenças

entre eles. Com essa base, apresentamos um modelo

de integração do EFQM e do BSC. Finalmente,

apresentamos as considerações finais resultantes da

adoção desses modelos.

1 Objetivos, Justificativa e Metolodogia

1.1 Objetivo Geral

O presente artigo caracteriza-se por um

estudo exploratório que tem por objetivo principal

proporcionar algumas ideias acerca da importância

do desenvolvimento de programas de gestão

da qualidade total (TQM) e a sua relação com a

ferramenta de Contabilidade de Gestão BSC.

1.2 Objetivos Específicos

Como objetivos específicos pretende-se

evidenciar a relação entre o BSC e os princípios

da gestão da qualidade, destacando quais as

principais características, as semelhanças e dife-

renças entre os modelos BSC e EFQM, assim

como as reestruturações realizadas a partir das

perspectivas propostas por Kaplan e Norton (1996),

apresentando um modelo de integração das duas

filosofias de gestão.

1.3 Justificativa e Metodologia

As empresas necessitam programar no vos

sistemas de medidas de desempenho que possi-

bilitem o alinhamento das medidas às estratégias,

complementando os tradicionais indicadores finan-

ceiros com indicadores de natureza não financeira.

Entre os referidos sistemas, destacamos o

BSC dado o seu reconhecimento, seja no âmbito

acadêmico, ou no âmbito empresarial, como uma

poderosa ferramenta de gestão. Igualmente, a

gestão da qualidade passou a ser considerada

um aspecto crítico para garantir a sobrevivência

organizacional. Dessa forma, o BSC e a gestão da

qualidade (em particular o modelo de excelência

Page 131: Revista FAE Jul./Dez. 2012

R e v . F A E , C u r i t i b a , v. 15, n. 2, p. 126-145, jul./dez. 2012129

EFQM) aparecem no panorama empresarial como

poderosas ferramentas para enfrentar a forte

concorrência, resultante das grandes mudanças

registadas na economia mundial.

Tal indagação colocou em destaque o se-

guinte problema: estarão as empresas acompa-

nhando essa evolução? Isto é, estarão as empresas

cientes da necessidade de utilizar essas ferramen-

tas no âmbito do seu processo de gestão?

Com o intuito de responder a essa questão,

esboçam-se outras questões passíveis de abordagem:

(1) Qual a relação entre o BSC e os prin-

cípios da gestão da qualidade total?

(2) Quais as principais características,

se melhanças e diferenças entre os

modelos BSC e EFQM?

(3) Quais as reestruturações a serem re a-

lizadas ao nível das perspectivas pro-

postas por Kaplan e Norton (1996)?

(4) É possível integrar o BSC e o modelo

EFQM?

Para responder a essas questões, fez-se

uma investigação qualitativa a partir da realização

de uma revisão exclusivamente bibliográfica de

trabalhos anteriores realizados sobre o assunto.

Não pretendemos desenvolver um novo modelo

ou uma nova teoria, mas recorrer à literatura

existente a respeito dessa temática, de forma a

resumir, explorar, analisar e ajudar na compreensão

dessas questões, proporcionando um olhar crítico

sobre elas, de forma a suscitar pesquisas e novas

perspectivas teóricas.

2 O BSC e a Total Quality Management (TQM)

2.1 O BSC e os Princípios da Gestão da Qualidade Total

No atual ambiente competitivo, a qualidade

é um fator-chave para o êxito e sobrevivência das

organizações. Assim, a TQM assumiu um papel

crucial ao destacar a importância da integração

de indicadores ou medidas não financeiras nos

sistemas de Contabilidade de Gestão, tendo como

objetivo a melhoria contínua da satisfação dos

clientes internos e externos, procurando que o

produto e serviço resultem otimamente adequados

às suas necessidades. Além disso, o compromisso

da gestão de topo, a relação com a concorrência,

a cultura organizacional, a melhoria dos processos

e a inovação são fatores-chave inerentes à filosofia

da qualidade (SHOLIHIN; LAKSMI, 2009; MODELL,

2009; AL-OMIRI; ALMOATAZ, 2008; JOVANOVIC;

VUJOVIC; KRIVOKAPIC, 2008; HOQUE, 2003;

SOLANO et al., 2003; KANJI; SÁ, 20014; VAIVIO,

1999; MARTÍNEZ; ZARDOYA, 1999; MCADAM;

O’NEILL, 1999; HOQUE; ALAM, 1999).

O BSC e a gestão da qualidade (em particular o modelo de excelência

EFQM) aparecem no panorama empresarial

como poderosas ferramentas para enfrentar

a forte concorrência, resultante das grandes

mudanças registadas na economia mundial.

4 Esses autores integraram os princípios da TQM no BSC, denominando o seu modelo por Kanji’s Business Scorecard.

Page 132: Revista FAE Jul./Dez. 2012

130

Autores como Hoque (2003), Hoque e Alam

(1999), McAdam e O’Neill (1999), Chenhall (1997)

e Johnson (1994) defendem que as organizações

devem desenvolver os seus programas de TQM

juntamente com sistemas de avaliação e gestão

do desempenho.

Segundo Hoque (2003) e Hoque e Alam

(1999), o BSC é um seguimento natural dos

princípios da TQM, possibilitando a vinculação

de suas práticas com a estratégia organizacional.

Assim, se a organização pretende a melhoria

contínua do seu desempenho, ela deverá conjugar

essas duas metodologias, identificando indicadores

financeiros e não financeiros adequados para

motivar os empregados na realização dos re-

sultados desejados e favorecendo o feedback das

áreas que podem ser melhoradas.

Nesse sentido, McAdam e O’Neill (1999)

referem que tanto o BSC como a TQM defendem

a vinculação da estratégia com os objetivos do

negócio; no entanto, o BSC representa mais um

meio para medir a estratégia do que para decidir

com respeito a ela. Os dois modelos consideram

que a compreensão e satisfação do cliente são

aspectos vitais, entretanto, o BSC não indica como

novos clientes e mercados devem ser identificados.

O BSC e a TQM também requerem a compreensão

e participação do pessoal em todos os níveis,

contudo, certos objetivos podem tornar-se

bastante fragmentados nos níveis mais baixos,

tornando demasiada ténue a compreensão do

scorecard corporativo. Por outro lado, tanto o BSC

como a TQM advogam a implicação e consistência

da gestão de topo, apesar de o BSC não incorporar

nenhum modelo de liderança. Finalmente, ambos

os modelos consideram a organização como um

conjunto de processos, no entanto, na opinião

dos autores citados, a organização deve ser vista

como uma mistura de funções e processos.

Marín e Ruiz-Olalla (2006) defendem que

as empresas que finalizam processos de gestão da

qualidade total devem utilizar o BSC na valorização

de seus intangíveis. Para os autores, tanto a TQM

como o BSC perseguem um objetivo comum:

são modelos estratégicos de criação de valor a

partir de ativos intangíveis e intelectuais, que

visam à melhoria contínua mediante o controle

e avaliação da satisfação dos clientes. Além disso,

as áreas-chave de êxito empresarial, definidas

no BSC, refletem os fatores críticos de controle

na TQM, e, portanto, o BSC permitirá alinhar a

estratégia com os intangíveis implicados na TQM.

Russo (2009) chama a atenção para o fato

de ser frequente as empresas que conjugam o

BSC com o Sistema de Certificação da Qualidade,

uma vez que existem vários aspectos comuns,

sobretudo o desenvolvimento formal (explícito) da

estratégia, a gestão dos processos internos e das

relações com os clientes. Como assinala o autor,

as empresas que exibem uma Certificação de

Qualidade adotam, em princípio, comportamentos

de gestão mais racionais, iniciativas para melhorar

a qualidade, orientações mais articuladas entre a

estratégia existente e as atividades desenvolvidas,

alguma formalização das áreas funcionais e dos

seus procedimentos, assim como uma gestão mais

eficiente dos processos internos. Não obstante,

refere que o BSC concentra-se no delineamento

e na prossecução de uma estratégia única, capaz

de diferenciar a empresa da concorrência e de

acrescentar valor, e não propriamente na otimização

de processos e na redução de custos, segundo

metodologias padronizadas. Assim, para Andersen,

Lawrie e Shulver (2000), enquanto os Sistemas de

Qualidade visam à padronização de estratégias,

modelos e relações de causalidade, idênticos para

todas as empresas, o aspecto fundamental do BSC

é a implementação de uma estratégia, processos e

relações de causa-efeito únicas.

Face ao exposto, é possível constatar que

a contribuição do BSC para a consecução da

filosofia da TQM é muito positiva, na medida em

que (MARÍN; RUIZ-OLALLA, 2006):

• Facilitaaimplementaçãodaestratégia

criada a partir dos intangíveis, relacio-

nados com a gestão da qualidade, e o

seu controle;

• Contribui para a criação de valor a

partir dos fatores críticos de êxito, à

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R e v . F A E , C u r i t i b a , v. 15, n. 2, p. 126-145, jul./dez. 2012131

medida que alinha com a estratégia

os intangíveis ligados à TQM;

• Facilitaamediçãodosintangíveisliga­

dos à TQM, assim como da estratégia

empresarial, a partir da definição

de um conjunto de indicadores de

controle eficientes na gestão dos

fatores-chave de êxito empresarial;

• Orienta a empresa para a melhoria

contínua no tempo, possibilitando a

vinculação entre a estratégia baseada

na qualidade e as ações a curto prazo;

• Complementaotradicionalsistemade

gestão orçamental, ao facilitar o proces-

so de tomada de decisão, destacando

os aspectos onde a em presa deve con-

centrar os seus es forços, em concreto,

os seus recursos humanos e financeiros

(orçamento operacional) para concluir

iniciativas centradas tanto no alcance

de objetivos táticos como na satisfação

dos clientes como objetivo prioritário

na gestão da qualidade. Assim, vin-

cula a estratégia de longo prazo com o

planejamento e controle orçamental de

iniciativas de curto prazo.

2.2 As Perspectivas do BSC e as Atividades-Chave da Gestão da Qualidade Total

Hannula, Kulmala e Suomala (1999) consideram que o BSC é um conceito mais amplo que abarca a TQM, uma vez que enquanto a TQM se centra nos clientes e nos processos internos, não enfatizando de forma explícita a perspectiva financeira e de aprendizagem e crescimento, o BSC inclui todas essas dimensões. Além disso, a TQM fornece um conjunto de instrumentos concretos para aumentar a satisfação dos clientes e o desempenho global da organização (abordagem estática), enquanto o BSC requer uma compreensão dos fatores críticos de êxito e dos processos da organização, funcionando como um marco de

planejamento estratégico (abordagem dinâmica).

Para os autores, a TQM é a filosofia da

qualidade e o BSC é das relações de causa-efeito.

Nesse âmbito, de acordo com Kaplan e Norton

(2001), as operações da perspectiva interna do

BSC podem refletir as iniciativas para melhorar

a qualidade, capacidade de resposta e eficiência

dos processos internos, no sentido de ampliar

os princípios da TQM ao processo de inovação

e às relações com os clientes. Não obstante, o

BSC supõe mais que a projeção dos princípios da

TQM, reforçando a efetividade e tornando mais

estratégicos os seus programas como resultado da

identificação e do estabelecimento de prioridades

em relação àqueles processos internos nos quais

as melhorias sejam mais críticas e vitais para o

êxito estratégico, ou seja, identifica as áreas nas

quais a melhoria dos processos deve-se centrar.

Assim, a interação das perspectivas do BSC com

a TQM permite “forçar os gestores a explicar

a relação que une a melhoria dos processos

operacionais com os grandes resultados para

clientes e accionistas […], e a articular como

traduzirão as melhorias da qualidade em mais

receitas, menos activos, menos pessoal e menos

gastos” (KAPLAN; NORTON, 2001, p. 407-408).

A TQM fornece um conjunto de instrumentos concretos para aumentar a satisfação

dos clientes e o desempenho global da organização,

enquanto o BSC requer uma compreensão dos fatores

críticos de êxito e dos processos da organização,

funcionando como um marco de planejamento

estratégico.

Page 134: Revista FAE Jul./Dez. 2012

132

Segundo Hoque (2003) e Hoque e Alam (1999), a TQM não considera a satisfação dos empregados

no processo de melhoria contínua e a sua contribuição para a identificação dos processos com mais impacto

nos resultados. Aspecto que é completado pelo BSC, em concreto, a partir da perspectiva de aprendizagem

e crescimento. Assim, será possível sincronizar a estratégia, visão, operações e recursos humanos e finalizar

um processo de melhoria contínua. Nesse sentido, de acordo com Oteo, Pérez e Silva (2002, p. 11), “quando

as organizações decidem por uma abordagem de mudança orientada ao desenvolvimento de um projecto de

TQM, de redesenho de processos ou de empowerment dos seus empregados, precisa-se de um instrumento

que possibilite uma visão integrada dos objectivos estratégicos”. Para os autores, nesse contexto de inovação

organizacional, o BSC refletirá os esforços e resultados da organização, ajudando por meio de uma linguagem

comum a definir, comunicar e avaliar os objetivos e prioridades, tanto aos gestores como aos empregados.

No QUADRO 1, apresentamos a inter-relação entre as atividades-chave da TQM e as perspectivas do BSC.

QUADRO 1 — Combinação do BSC com a TQM

Atividades-chave da TQM Perspectivas do BSC

Implicação dos executivos e habilidades de gestão Aprendizagem e CrescimentoProcessos Internos

Relações com clientes ClientesFinanceira (Shareholders)

Relações com fornecedores Processos Internos

Benchmarking Processos InternosFinanceira (Shareholders)

Formação e competências do pessoal Aprendizagem e Crescimento

Cultura ‘aberta’, menos burocracia e delegação de poderes ClientesAprendizagem e Crescimento

Desenvolvimento de programas de qualidade (cultura de

zero defeitos)Processos InternosClientes

Melhoria dos processos internos de negócio e inovação

fabrilProcessos InternosFinanceira (Shareholders)

FONTE: Adaptado de HOQUE (2003)

3 O BSC e o Modelo de Excelência da European Foundation for Quality Management (EFQM)

3.1 O Modelo de Excelência da EFQM

Com o objetivo de promover a excelência

sustentável nas organizações europeias, aju -

dan do-as a melhorar o desempenho, a EFQM, em

conjunto com outras organizações, desenvolveu,

em 1991, o Modelo de Excelência da EFQM como

fundamento do Prêmio Europeu de Qualidade,

cujo objetivo é premiar aquelas empresas que

conseguiram alcançar a excelência empresarial com

recurso à gestão da qualidade total. Esse modelo

foi introduzido como uma ferramenta preliminar

para a avaliação e melhoria das organizações,

possibilitando o alcance de vantagens sustentáveis.

Além disso, proporciona às organizações uma

linguagem de gestão e ferramentas comuns,

facilitando a partilha de ‘boas práticas’ entre

organizações de diferentes setores em toda a

Europa e se apoia num esquema lógico de melhora

contínua, conhecido por RADAR5, que estabelece

o que uma organização necessita realizar para

alcançar a excelência, em particular os resultados

que se pretendem alcançar e a forma como se

pode alcançá-los (LAMOTTE; CARTER, 2000;

ANDERSEN; LAWRIE; SHULVER, 2000). 5 Results; Approach; Deployment; Assessment; Review.

Page 135: Revista FAE Jul./Dez. 2012

R e v . F A E , C u r i t i b a , v. 15, n. 2, p. 126-145, jul./dez. 2012133

Para Lascelles e Peacock (apud

WONGRASSAMEE; GARDINER; SIMMONS, 2003),

o Modelo Europeu de Excelência não só apoia os

gestores a incrementar o processo de tomada

de decisão e as capacidades de liderança, como

também des taca aquelas áreas onde se devem

concentrar os esforços de mudança de forma a

maximizar a sa tisfação dos distintos stakeholders.

De acordo com Trullenque e Liquete (2002,

p. 29), o modelo proporciona orientações e não

soluções. Assim, trata-se de

um modelo descritivo e global de avaliação e apren-

dizagem da excelência na gestão […], que recolhe

através de uma estrutura lógica tanto o conjunto de

fatores que afetam a gestão das organizações como as

relações que estes têm entre si, com o fim de as orientar

para a excelência.

Para Membrado (2002) e Martínez e

Zardoya (1999), esse modelo de gestão (e não

de qualidade) supõe muito mais, permitindo a

introdução da inovação e melhoria contínua pela

autoavaliação6 das empresas, possibilitando a

identificação dos pontos fortes e fracos (suscetíveis

de afetar negativamente a qualidade) e das áreas

que terão que ser melhoradas, possibilitando

um processo contínuo na procura da excelência

empresarial e do benchmarking e incrementando

o desenvolvimento de reuniões na busca de

soluções para os problemas. Segundo Oteo, Pérez

e Silva (2002, p. 9), o modelo de excelência da

EFQM, imerso na filosofia da TQM, “constitui um

marco de referência para a gestão da empresa,

fomentando desde uma visão global uma cultura

de inovação, tanto no sistema organizacional como

nos processos directivos e gestores”.

3.2 Critérios e Subcritérios do Modelo de Excelência da EFQM

Na essência do modelo EFQM está um

conjunto de procedimentos orientados por um

catálogo de critérios gerais e subcritérios individuais,

que possibilitam a avaliação e verificação dos re-

sul tados da empresa, no sentido de uma gestão

total da qualidade — não se centra apenas na

qualidade do produto, mas em todas as áreas da

empresa (MORA; VILLAREJO, 2006; HORVÁTH &

PARTNERS, 2003).

O EFQM é constituído por nove elementos ou

critérios, segundo o princípio de causa-efeito entre

facilitadores e resultados, cuja ponderação contribui

para a obtenção de um nível de qualidade excelente

(MCADAM, 2000; LAMOTTE; CARTER, 2000).

Wongrassamee, Gardiner, Simmons (2003) e Alvarez

(1998) resumem tais critérios da seguinte forma:

• Liderança: a postura, implicação e

compromisso dos gestores e diretores

frente à melhoria da qualidade;

• Gestão do pessoal: até que ponto

os empregados estão motivados e

formados no processo de melhoria

contínua na procura da excelência

empresarial;

O Modelo Europeu de Excelência não só apoia

os gestores a incrementar o processo de tomada de decisão e as capacidades

de liderança, como também destaca aquelas áreas

onde se devem concentrar os esforços de mudança de forma a maximizar a satisfação dos distintos

stakeholders.

6 Entendida como o exame global, sistemático e regular das actividades e dos resultados de uma organização frente a um modelo de excelência.

Page 136: Revista FAE Jul./Dez. 2012

134

• Políticaeestratégia:comoosobjeti­

vos de qualidade estão planejados e

como serão objeto de controle. Como

a organização implementa sua visão

e missão por meio dos conceitos de

qualidade total e melhoria contínua;

• Recursos:comoserãootimizados(por

exemplo, pelo benchmarking);

• Processos:comoaorganizaçãodese­

nha, gera e melhora as suas atividades

e processos para satisfazer os clientes

e outros stakeholders;

• Satisfaçãodopessoal:comoosníveis

de motivação e integração estão sen-

do analisados;

• Satisfaçãodocliente:qualograude

satisfação e de lealdade dos clientes

e como se mede;

• Impacto social: aspectos relacio­

na dos com o meio ambiente e a

responsabilidade social. Como a or-

ga nização satisfaz as necessidades

e expectativas da sociedade local,

nacional e internacional;

• Resultados do negócio: benefícios,

rentabilidade e suas tendências.

O modelo representado na FIG. 1 distingue

entre agentes facilitadores, que inclui aqueles

critérios que a organização pode manejar e que

se ocupam ‘do que fazer’, refletindo como a

organização atua (direção; política e estratégia;

orientação dos trabalhadores; recursos e processos),

e a área dos resultados, que inclui aqueles critérios

que a empresa pretende alcançar e que se ocupam

‘do que se conseguiu’ (satisfação dos clientes;

satisfação dos trabalhadores; responsabilidade

e imagem social e resultados do negócio). Esses

critérios podem ser utilizados em conjunto ou de

forma independente para avaliar o progresso da

organização no alcance das metas de qualidade

(MCADAM, 2000). Assim, os agentes facilitadores

mostram como se alcançaram os resultados,

enquanto os resultados são os critérios que indicam

tanto o que conseguiu a empresa como o que está

a conseguir (CABAL; ARELLANO, 2001).

De acordo com o modelo, os resultados nos

clientes, nas pessoas e na sociedade, conseguem-

-se pela liderança que, por meio de uns processos

estabelecidos, conduz uma política e estratégia,

motive umas pessoas, e serve de uns recursos e

alianças, levando, finalmente, à excelência nos

resultados-chave da organização (MEMBRADO,

2002; SALGUEIRO, 2001).

Liderança

(100)

Políticas (80)

Estratégia

Recursos (90)

Alianças

Agentes Facilitadores Resultados

Processos

(140)

Resultados

(150)

Resultados (90) de Pessoas

Resultados de (200) Clientes

Impacto (60) na

Sociedade

Pessoas

(90)

FIGURA 1 — O modelo de excelência da EFQM

FONTE: Adaptado de Salgueiro (2001)

Page 137: Revista FAE Jul./Dez. 2012

R e v . F A E , C u r i t i b a , v. 15, n. 2, p. 126-145, jul./dez. 2012135

3.3 Comparação dos Modelos EFQM e BSC

O BSC e o EFQM, embora sejam modelos ou

instrumentos de gestão originados em contextos

distintos e que utilizam processos diferentes na

medição e gestão do desempenho organizacional,

são ferramentas complementares amplamente

difundidas e adotadas nos últimos anos que

utilizam medidas de desempenho para conduzir a

organização até a melhoria contínua, destacando

as carências no desempenho das equipes de gestão

(JALALIYOON; TAHERDOOST; ZAMANI, 2011;

DROR, 2008; SHULVER; LAWRIE, 2007; HORVÁTH

& PARTNERS, 2003; TRULLENQUE; LIQUETE,

2002; ANDERSEN; LAWRIE; SHULVER, 2000;

LAMOTTE; CARTNER, 2000). Assim, vislumbra-

-se a possibilidade de sua integração no sentido

de permitir uma gestão da qualidade, tornando

mais compreensível a estratégia organizacional

e facilitando o processo de tomada de decisão.

Como tal, é possível melhorar o conhecimento

sobre os aspectos-chave que conduzem a um

bom desempenho organizacional.

Para Membrado (2002), tanto o BSC,

pela “realimentação” que vai permitir melhorar

a estratégia e o seu desdobramento, como o

EFQM, por meio da autoavaliação, são excelentes

ferramentas para melhorar a gestão e os resultados

das organizações. O EFQM e o BSC ajudam a

compreender aspectos estratégicos, como a

missão e visão organizacional e seus impactos

sobre a sociedade, levando os participantes a

assumir como seus os objetivos organizacionais e

a participar no processo de desenvolvimento da

estratégia (pelas informações e sugestões). Além

disso, permitem vincular os aspectos estratégicos

com atividades de melhoria contínua das

operações organizacionais, concentrando-se nas

necessidades dos clientes e no desenvolvimento

de sistemas sofisticados para sua medição. Assim,

o BSC não é um substituto do EFQM, na medida

em que satisfazem necessidades diferentes. O

EFQM é um método de ajuda para a melhoria

contínua ou global da organização, mas não é uma

ferramenta de gestão.

As principais funções e características des-

ses modelos encontram-se resumidas no QUADRO

2, abaixo.

BSC EFQM

Objetivo Determinação e seguimento dos objetivos estratégicos (controle); fomento do discurso estratégico.

Análise do statu quo; eliminação dos pontos fracos; aspiração ao prémio europeu de qualidade.

Conteúdos

Os poucos, mas decisivos, objetivos por meio dos quais se pretende manter perante a concorrência (princípio da abordagem para a determinação de pontos-chave).

Ampla análise de todas as prestações da empresa, tanto se se trata de fatores básicos ou de procuras de prestações no sentido da estratégia (princípio global da avaliação das prestações).

Referência com a estratégia Muito marcada. Mais escassa.

Responsabilidade (num caso normal)

Desenvolvimento; planejamento da empresa; controle.

Gestor da qualidade.

Aplicação Fixação duradoura na comunicação, no planejamento, no sistema de relatórios, no consenso sobre objetivos etc.

Análise ad hoc, por exemplo, em círculos Kaizen, garantia da execução de ações relevantes para a qualidade.

Filosofia

Gestão estratégica: remarcar com força as nossas características de diferenciação, manutenção de standards sensatos para as demais.

Ser constantemente melhores em tudo o que fazemos.

QUADRO 2 — Comparação entre o BSC e o EFQM

FONTE: Adaptado de Horváth & Partners (2003)

Page 138: Revista FAE Jul./Dez. 2012

136

3.3.1 Semelhanças entre os modelos

EFQM e BSC

À primeira vista, podemos ter a impressão

que o EFQM e o BSC são dois modelos con-

traditórios que podem levar à duplicação de

trabalhos, uma vez que o EFQM fomenta um

pensamento multidimensional, baseado em pers-

pectivas e indicadores, exigindo ações estratégicas.

Na realidade, existem princípios básicos comuns e

diferenças nos dois modelos.

Quanto às semelhanças, ambos os modelos

perseguem um mesmo fim e compartilham uma

mesma filosofia respeito à gestão (aspirações e

conceitos similares), ou seja, dotar a organização

de um conjunto de ferramentas e de informações

que facilitem uma adequada gestão e tomada

de decisão, promovendo uma ampla melhoria no

rendimento empresarial (HORVÁTH & PARTNERS,

2003; LAMOTTE; CARTNER, 2000).

Como referem Andersen, Lawrie e Shulver

(2000), ambas as metodologias foram desenhadas

para permitir à equipe de gestão a identificação de

um número limitado de medidas de desempenho,

informando sobre o desempenho para cada área

de responsabilidade. Efetivamente, os modelos que

partilham características são sistemas de medição;

favorecem o diálogo acerca da melhoria do de-

sem penho e a mudança e a ação; estabelecem

relações de causa-efeito; possibilitam a revisão, a

aprendizagem e o feedback; e o seu êxito a longo

prazo depende da implicação de pessoas-chave

para a organização (LAMOTTE; CARTNER, 2000).

Cabal e Arellano (2001) acrescentam a

esses princípios a flexibilidade de adaptação de

ambos os modelos às necessidades concretas de

cada organização. Consideram que atendendo à

informação obtida pelo processo de autoavaliação, e

tendo sempre presente a estratégia organizacional,

é possível o estabelecimento de medidas de

ação, cujos efeitos poderão ser seguidos com

recurso ao BSC, no qual também serão incluídas

variáveis críticas sobre a organização e o ambiente

organizacional.

Martínez (2000) destaca que, embora o BSC

distinga resultados econômicos (que asseguram

lucros a curto prazo) de resultados não econômicos

(que garantem a sobrevivência a longo prazo),

e o EFQM distingue critérios de resultados (o

que conseguimos) de critérios agentes (como o

fazemos), tal divisão é, conceitualmente e em termos

práticos, idêntica. Assim, “os resultados actuais

podem ser bons, mas é a nossa forma de obtê-los

(resultados não económicos, agentes facilitadores),

o que nos pode assegurar a sobrevivência no futuro

[…]” (MARTÍNEZ, 2000, p. 208).

Em resumo, segundo Wongrassamee,

Gardiner e Simmons (2003) os dois modelos

contêm distintos objetivos-chave centrados em

áreas específicas, no entanto, estão vinculados

a sistemas de prêmios e incentivos (embora

só o BSC sugira que o sistema de incentivos

deve estar vinculado às medidas estratégicas

do desempenho), que implicam a seleção de

um conjunto de medidas adequadas, não se

estabelecem metas específicas para os diferentes

níveis de desempenho, não se referem a métodos

explícitos para uma implementação bem-sucedida,

deixando liberdade aos gestores para selecionar as

suas próprias medidas, proporcionam uma visão

clara do processo de gestão e colocam a ênfase na

melhoria do desempenho a longo prazo.

Trullenque e Liquete (2002) resumem os

princípios básicos comuns aos dois modelos ao

seguinte:

• Orientação para os resultados: equi­

líbrio e satisfação de todos os grupos

de interesse importantes para a

organização;

• Orientação para o cliente: as

percepções e comportamentos dos

clientes, na cadeia de criação de valor,

são fundamentais para determinar a

qualidade do produto/serviço;

• Gestão por processos: a informação

proporcionada pelas percepções

de todos os grupos de interesse é

essencial na gestão das atividades, as

quais devem estar organizadas por

processos;

Page 139: Revista FAE Jul./Dez. 2012

R e v . F A E , C u r i t i b a , v. 15, n. 2, p. 126-145, jul./dez. 2012137

• Desenvolvimentoeimplicaçãodaspes-

soas: centrar a atenção na partilha de

valores e na criação de uma cultura de

confiança em que as responsabilidades

assumidas por cada um fomentam o

nível de compromisso de todos;

• Aprendizagem e melhoria contínua:

visa à adaptação constante às alte-

rações registadas no ambiente que

rodeia a empresa, fomentando-se na

aprendizagem e melhoria contínua dos

processos.

3.3.2 Diferenças entre os modelos

EFQM e BSC

No que respeita às diferenças entre os

modelos, enquanto o EFQM é um instrumento

de diagnóstico e autoavaliação, o BSC é um

instrumento de controle. O primeiro modelo,

segundo Horvárth & Partners (2003, p. 416-

417) “procura uma verificação ampla, regular e

sistemática de actividades e de resultados de

uma empresa através de um modelo excelente

de orientação à qualidade […], o que se pretende

é conseguir melhorias em todas as áreas da

empresa”; o segundo modelo pretende “iniciar

e executar alterações maiores para incrementar

a efectividade da empresa. Isto é, indica-se a

direcção na que deve mover-se a empresa.”

Nesse sentido, Andersen, Lawrie e Shulver

(2000) entendem que o BSC constitui uma melhor

base para o desenvolvimento de um instrumento

para a gestão estratégica de uma organização.

Assim, as principais diferenças entre as duas

metodologias respeitam ao processo de desenho,

ou seja, à forma como as medidas transmitidas

são selecionadas e ao processo de gestão, isto é, à

forma como a ferramenta é integrada no processo

de gestão da organização.

No que concerne ao primeiro aspecto, o

processo de desenho do BSC é mais complexo

e dinâmico, já que favorece uma ênfase clara nas

estratégias específicas adotadas pela organização,

descrevendo e refletindo como e por que um

conjunto de iniciativas possibilita o alcance dos

objetivos estratégicos específicos da organização,

articulando uma visão estratégica partilhada e

identificando as áreas-chave e prioritárias de

desempenho que necessitam ser acompanhadas

pela equipe de gestão (implicando toda a

organização no alcance dos objetivos estratégicos).

Nesse processo, recorre-se com frequência aos

mapas estratégicos. Por outra lado, o desenho do

EFQM implica um processo mais simples, estático

e standard, baseado em prioridades estratégicas

genéricas, uniformes e preestabelecidas para

todas as organizações, facilitando o processo de

desenho e o benchmarking dos resultados entre

distintas organizações.

Quanto ao segundo aspecto, o EFQM

funciona mais como uma ferramenta de diagnóstico

de processos genéricos, não indicando as melhores

iniciativas a serem desenvolvidas para equilibrar

meios e fins. Por sua vez, o BSC possibilita a

vinculação contínua das atividades e dos recursos

à estratégia e planejamento do negócio. Desse

modo, o EFQM necessita do BSC para alinhar a

A combinação do BSC com o EFQM possibilita

um diálogo profundo sobre o desempenho

desde a estratégia até as operações e os processos de qualidade; no entanto,

cada abordagem tem uma história distinta, um

desenvolvimento diferente e proporciona resultados e

benefícios distintos.

Page 140: Revista FAE Jul./Dez. 2012

138

visão, missão e estratégia da organização, e o BSC

necessita do EFQM para avaliar até que ponto a

organização o utiliza adequadamente.

Nas palavras de Lamotte e Carter (2000),

a combinação do BSC com o EFQM possibilita

um diálogo profundo sobre o desempenho desde

a estratégia até as operações e os processos de

qualidade; no entanto, cada abordagem tem uma

história distinta, um desenvolvimento diferente

e proporciona resultados e benefícios distintos.

Assim, o BSC não tem como primeiro objetivo

a qualidade, mas é desenhado para comunicar

e estabelecer o desempenho estratégico, asse-

gu rando a implementação da estratégia e com-

provando sua validade por meio de um pro ces so de

aprendizagem contínuo; enquanto o EFQM colo ca

a ênfase na adoção de boas práticas e processos

em todas as atividades de gestão da organização,

evi denciando as áreas que a organização necessita

melhorar significativamente, as que trabalham

adequadamente e as áreas que superam os

benchmarks ideais. Todavia, não possibilita uma

percepção das áreas prioritárias ou de que

melhorias terão maior impacto no desempenho e,

por conseguinte, nos resultados. É precisamente

nesse contexto que o BSC atua, proporcionando a

identificação de áreas prioritárias de atuação e de

imputação de recursos, completando o processo

de autoavaliação ine rente ao EFQM.

Para Wongrassamee, Gardiner e Simmons

(2003), o EFQM baseia-se nos princípios da TQM,

enquanto o BSC enfatiza o alinhamento da estraté-

gia com medidas de desempenho, sendo diferen-

tes os métodos no que diz respeito ao processo de

feedback e à maior flexibilidade do BSC, na sua apli-

cação em áreas específicas ou funções organizacio-

nais, comparativamente ao EFQM.

No QUADRO 3, resumem-se os principais

pontos fortes e fracos das duas metodologias.

BSC EFQM

Pontos fortes

Tem várias dimensões; seguimento consequente da execução da estratégia; concretização dos objetivos estratégicos e decisivos frente à concorrência para o controle da empresa; dispõe de relações de causa-efeito dos objetivos como ajuda para o controle; é um processo de comunicação interdisciplinar e que abarca todas as hierarquias; cria “cascatas” nos níveis de hierarquia até ao BSC pessoal.

Tem várias dimensões; é um princípio universal; está formado por uma hierarquia de critérios; é quantificável (determinação do índice); contém “categorias de facilitadores”; possibilita o benchmarking; é útil para a reflexão pessoal; reforça a coincidência com a qualidade.

Pontos fracos

Não representa uma substituição para a determinação da estratégia, não é essencialmente um instrumento de análise (exceção: correlações); existem poucos standards para a determinação dos objetivos; é muito difícil comparar os conteúdos com outras empresas porque pretende criar (conscientemente) soluções individuais e não standards para os sectores; não existe um processo fortemente formalizado para a aplicação; não dispõe de diretrizes para a qualidade, para a estrutura do BSC nem para a implementação, assim como para o funcionamento da empresa.

Não existe estabelecimento de prioridades, não existem relações; os critérios não são específicos para empresas, não existe possibilidade de diferenciação; não é um instrumento estratégico de controle (determinação sistemática e seguimento de objetivos), portanto, não é adequado para a implementação da estratégia; não é apropriado para a comunicação no seio de toda a empresa; tendência para a burocracia.

QUADRO 3 — Pontos fortes e fracos do BSC e do EFQM como conceito de controle

FONTE: Adaptado de Horváth & Partners (2003)

Page 141: Revista FAE Jul./Dez. 2012

R e v . F A E , C u r i t i b a , v. 15, n. 2, p. 126-145, jul./dez. 2012139

3.4 Os Critérios e Subcritérios do EFQM e as Perspectivas do BSC

Martínez (2000) e Martínez e Zardoya

(1999) referem que o EFQM nos indica que a

satisfação dos clientes, do pessoal e o impacto

na sociedade deriva de um processo de liderança

capaz de conduzir a estratégia e o planejamento,

a gestão do pessoal e dos recursos e os sistemas

de qualidade e processos atingindo a excelência

nos resultados financeiros e não financeiros da

empresa. Embora esses autores não procurassem

estabelecer uma relação entre esse modelo e

o BSC, em nossa opinião podemos facilmente

retratar a filosofia inerente ao BSC, em particular

às suas perspectivas, nessas palavras. Assim,

pelo EFQM podemos descobrir indicadores para

essas perspectivas. Nesse sentido, Membrado

(2002) efetuou um estudo no qual compara as

perspectivas do BSC com os critérios e subcritérios

do EFQM, procurando destacar as semelhanças

entre esses dois modelos. As principais conclusões

do estudo podem resumir-se ao seguinte:

• Arelaçãoentreaperspectivafinanceira

encontra-se refletida nos subcritérios:

4b — gestão dos recursos econômicos e

financeiros; 9a — resultados econômicos

e financeiros e 9b — indicadores-chave

de economia e finanças;

• Verificou­se uma coincidência entre

a perspectiva dos clientes e os

subcritérios: 1c — implicação dos líderes

com os clientes7; 2a — necessidades e

expectativas atuais e futuras dos grupos

de interesse; 5e — gestão e melhoria das

relações com os clientes e critério 6 —

resultados com os clientes;

• A perspectiva dos processos internos

está representada nos subcritérios: 2d —

desdobramento da estratégia através de

um esquema de processos-chave e 9b

— indicadores chave relacionados com

processos e no critério 5 — processos

(com os respectivos subcritérios);

• Finalmente,identificou­seaperspectiva

de aprendizagem e crescimento nos

critérios: 3 — pessoas; 4 — alianças e

recursos e 7 — resultados com o pessoal

e no subcritério 9b — indicadores-chave.

Wongrassamee, Gardiner e Simmons (2003)

também efetuaram uma comparação entre os

critérios do EFQM e as perspectivas do BSC,

conforme se pode verificar no QUADRO 4:

7 O primeiro critério do EFQM é a liderança, considerado um elemento impulsor do modelo. De forma semelhante, o BSC considera a liderança e o compromisso da gestão de topo como um fator determinante do êxito organizacional. Implícito nos dois modelos, está a consideração de que os gestores deverão despender um considerável tempo em todo o processo (MCADAM, 2000).

QUADRO 4 — Os critérios do EFQM e as perspectivas do BSC

FONTE: Adaptado de Wongrassamee; Gardiner; Simmons (2003)

Perspectivas BSC Financeira Clientes Interna Aprendizagem e

Crescimento

Critérios EFQMResultados do

negócio

Satisfação dos

clientes Impacto na

sociedade

Recursos Processos

Resultados não

financeiros do

negócio

Liderança Política e

estratégia Gestão do

pessoal Satisfação do

pessoal

Page 142: Revista FAE Jul./Dez. 2012

140

A área da gestão da qualidade pode ser uma maneira de fornecer medidas mais relevantes em termos

das perspectivas de clientes e de aprendizagem e crescimento, de fato, para medir a satisfação dos clientes

e empregados (LAGROSEN, 2001). Para Trullenque e Liquete (2002) a construção de um mapa estratégico

possibilita uma visão mais explícita da integração dos critérios e subcritérios próprios do modelo EFQM nas

distintas perspectivas do BSC (FIG. 2).

FIGURA 2 — Integração dos critérios e subcritérios do modelo EFQM no mapa estratégico

FONTE: Adaptado de Trullenque e Liquete (2002)

3.5 Modelo de Integração do EFQM e do BSC

O projeto de desenvolvimento de um

modelo integrando o EFQM e o BSC foi liderado

pela empresa de consultoria Strategy & Focus, em

colaboração com o Clube de Gestão da Qualidade

(representante da EFQM). A utilização conjunta

desses modelos, tanto em organizações públicas

como privadas, permite maximizar as forças

e minimizar as debilidades resultantes de sua

utilização isolada (JOHNSON, 2003)8.

O EFQM permite que os gestores com-

preendam os princípios das organizações excelentes

e os princípios de causalidade subjacentes no BSC,

melhorando a atenção aos clientes e ao pessoal,

colocando a ênfase nos processos internos a serem

geridos a partir de uma liderança efetiva. Por outro

lado, o BSC define e clarifica a estratégia para que

todos a compreendam e se centrem no desempenho

futuro. Nesse sentido, a ausência de uma direção

estratégica no modelo EFQM é compensada pelo

modelo BSC.

8 O autor apresenta os casos das empresas Siemens Communications; Swedish Customs; Northern Ireland Electricity e Royal Sun Alliance, que utilizaram as duas metodologias em conjunto.

Clie

ntes

Proc

esso

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idad

es

& R

ecur

sos

Fina

ncei

ra

Crescimento Rendibilidade Investimento Risco

Clientes (segmentação e proposição de valor ao

cliente)

Sociedade (proposição de valor à sociedade)

Desenho e desenvolvimento

de produtos e serviços

OperaçõesGestão de

relações com clientes

Gestão de relações com a sociedade

Liderança

Pessoas

Alianças

Recursos

económicos e

financeiros

Edifícios, equipas e m

ateriais

Tecnologia

Informação e

conhecimento

BSC EFQM

Lide

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Pes

soas

Alia

nças

Rec

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Page 143: Revista FAE Jul./Dez. 2012

R e v . F A E , C u r i t i b a , v. 15, n. 2, p. 126-145, jul./dez. 2012141

Nos últimos anos, desenvolveu-se uma

investigação a respeito da integração do EFQM

com o BSC. Assim, por exemplo, Cabal e Arellano

(2001) e Andersen, Savi e Lawrie (2004a, 2004b)

realizaram uma pesquisa para avaliar as possíveis

vantagens que podem resultar da aplicação

combinada do EFQM e do BSC. Malmi (2001)

obteve evidência empírica de que as empresas

finlandesas utilizam o BSC como uma ferramenta

que permite gerir os programas de qualidade,

facilitando a obtenção de prêmios de qualidade.

O estudo de McAdam e O’Neill (1999), na empresa

Northern Ireland Electricity, destaca a limitação

do EFQM como uma abordagem estratégica,

demasiado burocrática e complicada para que os

empregados compreendessem as prioridades da

organização. Desse modo, a introdução do BSC

possibilitou a identificação dos temas estratégicos

e favoreceu uma melhor comunicação das

prioridades estratégicas aos níveis mais baixos da

hierarquia organizacional. Não obstante, o EFQM

realçou as atividades a ser alteradas para finalizar

a estratégia, e o processo de autoavaliação

permitiu analisar o progresso em relação aos

temas estratégicos.

Em 2000, Martínez (2000) analisou a

metodologia de trabalho conjunto entre o EFQM

e o BSC, considerando que a integração entre

esses modelos se pode fazer de duas formas: a

partir do EFQM e integrar o BSC, ou vice-versa.

Embora considerando que as duas alternativas são

válidas para alcançar a melhoria contínua, o autor

optou pela primeira forma, uma vez que o EFQM

se caracteriza por ser “um sistema de gestão

integral, que alcança todos os âmbitos da empresa

e que exige o compromisso de todo o pessoal,

e que em princípio parece um modelo mais

facilmente assimilável e assumível” (MARTÍNEZ,

2000, p. 208). O autor ainda defende que antes

de se implementar o BSC, deve-se efetuar uma

autoavaliação da empresa, a qual deve ser

apoiada pelo modelo EFQM, que dará os primeiros

passos no sentido de comprometer o pessoal da

organização nesse processo, cuja satisfação é

fundamental na obtenção da qualidade.

Segundo Cabal e Arellano (2001), dispor de

um BSC que concentre a estratégia adotada e as

áreas de melhoria é extremamente útil, ao alertar

para a linha de atuação seguida pela empresa e

para a sua coerência com a estratégia. Desse modo,

Wongrassamee, Gardiner e Simmons (2003, p. 21)

consideram que a integração é crucial na medida

em que o EFQM apenas indica as áreas que devem

ser examinadas, mas “não fornece sugestões sobre

que estratégias ou planos devem ser adoptados

para promover a melhoria contínua”.

Para Horváth & Partners (2003), a apli-

cação desses conceitos deverá atender a dife-

rentes tipos de integração, em concreto, à in-

te gração por processos (é importante que a

au toavaliação inerente ao EFQM se produza antes

da determinação da estratégia e da elaboração

do BSC); à integração organizacional (inter-rela-

ção entre as equipes de trabalho); à integração

instrumental (relatórios, indicadores e bases de

dados comuns) e à integração de conteúdos (de-

fi nição clara de pontos de interseção, de rela-

ções input/output, aproveitamento de pessoal,

perspectivas e indicadores na obtenção de

sinergias). Em relação a esse último aspecto, o BSC

tem em conta, durante a seleção dos objetivos

mais importantes da empresa, todos aqueles temas

estratégicos que vão surgindo ao longo da autoavaliação

da EFQM […], definindo o resultado final da autoavaliação

no modelo EFQM como indicador no BSC. (HORVÁTH &

PARTNERS, 2003: 419)

Assim, evita-se que pequenas medidas

individuais sejam solucionadas sem se transferir

para o sistema estratégico do BSC. Frente ao

exposto, facilmente se comprova que existe um

conjunto de contribuições do EFQM e do BSC para

um modelo integrado, segundo o QUADRO 5.

Page 144: Revista FAE Jul./Dez. 2012

142

De acordo com Trullenque e Liquete (2002, p.

32), a integração desses modelos permite “a criação

de um único modelo de gestão que integre os

conceitos de excelência na gestão com a necessária

orientação estratégica que deve alinhar toda a

organização numa única direcção cujo objectivo

é a liderança na criação de valor”. Nas palavras

dos autores, permite “transformar a estratégia em

acção excelente”. Nesse sentido, permite passar

de uma visão descritiva e global (característica do

EFQM) para uma visão prescritiva e centrada capaz

de orientar os recursos organizacionais na mesma

direção, conduzindo ao cumprimento da missão e à

realização dos objetivos.

Portanto, recomenda-se que a imple men-

tação de um modelo integrado deva ser gradual,

QUADRO 5 — Contribuições do EFQM e do BSC para um modelo integrado

FONTE: Elaboração própria, a partir de Trullenque e Liquete (2002)

EFQM BSC

Potenciação da liderança como elemento fundamental de orientação e coesão organizacional.

Ferramentas avançadas de implementação e gestão estratégica.

Cultura de inovação na gestão e partilha de conhecimentos dentro da organização.

Abordagem de desdobramento estratégico na organização a partir de uma arquitetura estratégica definida.

Desenvolvimento de alianças baseadas na confiança, o conhecimento partilhado e a integração.

Integração de estratégia, medição, estabelecimento de metas e ação.

Responsabilidade social, adotando-se uma abordagem ética de compromisso social com uma abordagem a longo prazo.

Sistemas de estabelecimento de prioridades estratégicas, de medidas, ações e recursos.

Orientações estratégicas de toda a organização por meio da participação e do seguimento participativo e integrado de todos os elementos de gestão.

Seguimento Integrado

Indicadores

MetasIniciativas

Mapas estratégicos

Marco Estratégico

Alinhamento económico e

pessoal

Estratégia

Operações

Valor sustentável

Alinhamento Modelo EFQM & BSC

organizacional

Rea

limen

taçã

o

Alin

ham

ento

FIGURA 3 — Elementos básicos do modelo integrado

EFQM e BSC

FONTE: Adaptado de Trullenque e Liquete (2002)

paulatina e equilibrada, devendo centrar-se sobre

aspectos como a detecção e tratamento de barreiras

à mudança, comunicação e formação, já que leva a

uma alteração cultural para a excelência. Com efeito,

as organizações que já tinham implantado o BSC,

ao integrá-lo com o EFQM, iniciam um processo de

reflexão sobre o seu conteúdo, orientação, gestão e

implementação da estratégia, capaz de evolucionar

versões iniciais do BSC baseadas em indicadores até

um modelo de gestão mais avançado. Além disso,

para as organizações que ainda não implantaram

o EFQM e o BSC, o modelo integrado oferece

uma resposta global, estrategicamente centrada e

orientada à melhoria do seu modelo de gestão.

Os elementos básicos do modelo integrado

EFQM e BSC apresentam-se na figura seguinte.

Page 145: Revista FAE Jul./Dez. 2012

R e v . F A E , C u r i t i b a , v. 15, n. 2, p. 126-145, jul./dez. 2012143

Considerações Finais

Num mercado globalizado, em que as empresas enfrentam um ambiente cada vez mais competitivo, com mais desafios e com uma sociedade procurando a excelência econômica, a procura da qualidade como vantagem competitiva é crucial para oferecer à empresa um contributo valioso na sua gestão. Desse modo, a qualidade é uma variável estratégica que as organizações não podem ignorar. Por outro lado, a evidência empírica obtida nos trabalhos desenvolvidos por Kaplan e Norton demonstrou que o BSC se desmarca dos sistemas tradicionais de avaliação e controle dos resultados, considerando-se o alinhamento entre os indicadores de gestão e a estratégia da organização como uma das chaves do êxito na sua implantação.

Em termos gerais, no decorrer da revisão de literatura efetuada, observamos que existe uma perfeita coerência entre o BSC e os princípios de gestão da qualidade total. Assim, a TQM e o BSC são filosofias amplamente discutidas não apenas no mundo acadêmico, como também no mundo dos negócios, em organizações públicas e privadas, com metas e objetivos similares para a melhoria do desempenho da organização (HANNULA; KULMALA; SUOMALA, 1999). Não obstante, distintos autores salientam que o BSC é um conceito mais amplo que a TQM ao completar a dimensão de clientes e de processos internos que a caracterizam, com perspectivas financeira, de aprendizagem e de crescimento.

Por um lado, foi possível constatar que o modelo EFQM partilha os fundamentos da TQM, isto é, a orientação ao cliente, as relações de associação com os fornecedores, o desenvolvimento e vinculação das pessoas, a melhoria contínua e a inovação, a liderança e a coerência nos objetivos estratégicos e a avaliação dos resultados. Por outro, existe uma estreita relação entre o EFQM e o BSC no âmbito da satisfação e compreensão das necessidades dos clientes (o BSC tem uma perspectiva de clientes e o EFQM tem critérios relacionados com os resultados dos clientes), assim como pela participação dos empregados (refletida na perspectiva de aprendizagem e crescimento do BSC e no processo de autoavaliação e nos critérios de resultados do EFQM).

Apesar de algumas diferenças significativas, ambos os instrumentos foram desenvolvidos desde os conceitos análogos, proporcionando uma visão geral do desempenho organizacional e superando um conjunto de limitações dos tradicionais sistemas de medição do desempenho. Como afirmam Marín e Ruiz-Olalla (2006, p. 100), a criação de valor, a longo prazo, no âmbito empresarial, pode-se gerir a partir de modelos estratégicos como a TQM e o BSC, “contribuindo para melhorar o estilo de gestão da empresa […], ambos participam num objetivo comum: alcançar a satisfação dos clientes da empresa, o que implica melhorar continuamente”.

Não obstante, ambos os modelos reque-rem capacidades e experiência em diferentes funções, envolvendo alguns elementos formais e, em consequência, alguma burocracia, o que pode difi cultar a sua implementação nas pequenas e médias empresas. Além disso, o EFQM e o BSC atribuem particular importância à perspectiva dos processos de negócio e à necessidade de esta-belecimento de um conjunto de passos para a sua definição, gestão e melhoria (MCADAM, 2000). Assim, à semelhança de Cabal e Arellano (2001), entendemos que a integração entre o EFQM e o BSC é importante porque podemos utilizar o EFQM para determinar os pontos fortes, os pon-tos fracos e as áreas de melhoria e o BSC para re-unir num único documento todos os indicadores capazes de determinar o grau de execução das medidas que se decidiu adotar e se produzem os resultados desejados.

Em suma, o importante é que a organização tenha conhecimento da razão para utilizar esses modelos e que seja capaz de gerir o seu desenvolvimento e implementação adequadamente, procurando relacionar as perspectivas do BSC com os critérios e subcritérios identificados no EFQM (LAMOTTE; CARTER, 2000).

• Recebido em: 09/03/2012

• Aprovado em: 04/04/2012

Page 146: Revista FAE Jul./Dez. 2012

144

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Page 148: Revista FAE Jul./Dez. 2012

Retorno acionário e grau de alavancagem operacional: evidências sob novas abordagens metodológicasStock return and degree of operating leverage: new evidences under

new methodologics subjects

Page 149: Revista FAE Jul./Dez. 2012

R e v . F A E , C u r i t i b a , v. 15, n. 2, p. 146-161, jul./dez. 2012147

Paulo Roberto Barbosa Lustosa1

José Antonio de França2

Resumo

Este artigo avança sobre o estudo de Dantas, Medeiros e Lustosa (2006) para

apresentar novas evidências da resposta do mercado ao Grau de Alavancagem

Operacional – GAO. O GAO foi calculado empiricamente como a relação entre a

margem de contribuição e o lucro operacional, sendo aquela obtida por uma regressão

do custo do produto vendido contra a receita operacional líquida. Além disso, foram

adicionados novos modelos relacionando o retorno trimestral de mercado com o

GAO tanto no sentido contemporâneo, em um mesmo trimestre, como defasado em

um trimestre. Os retornos foram considerados em termos normais, isto é, o próprio

retorno divulgado, como em condições não esperadas, ou anormais, o que levou à

definição de um modelo para a antecipação do retorno pelo mercado. Considerando

a relativa estabilidade do GAO, utilizou-se modelos naïve, do tipo random walk,

para o cálculo do GAO e do retorno não esperados. Os resultados indicam que: (i)

o GAO médio mostrou-se relativamente elevado, sinalizando possível ociosidade

das firmas no período amostral; (ii) o crescimento trimestral médio da receita das

firmas, no mesmo período, foi relativamente pequeno; (iii) como consequência de (i)

e (ii), houve relação significativa e inversa entre o retorno normal contemporâneo e

o GAO defasado de um trimestre, bem como do retorno anormal com o GAO não

esperado também defasado; e (iv) houve relação significativa e direta entre o retorno

contemporâneo de t e o GAO não esperado do próprio trimestre.

Palavras-chave: Grau de Alavancagem Operacional (GAO). Retorno não Esperado.

GAO e Ociosidade.

Abstract

This article elaborates on the study of Dantas, Medeiros and Lustosa (2006) to present

new evidence of market response to the Degree of Operating Leverage (DOL). The

DOL was calculated empirically as the relationship between the contribution margin

and the operating profit, the former being obtained by a regression of the cost of the

product sold against net operating revenues. In addition, new models have been added

relating the quarterly market return with the DOL in both contemporary (in the same

quarter) and outdated (throughout a quarter) terms. The returns were considered

both in normal terms, that is, the return itself, and as expected or abnormal, which

led to the definition of a model for the anticipation of the return from the market.

Considering the relative stability of the DOL, naïve models such as ‘random walk’ were

used for calculating the DOL and unexpected returns. The results indicate that: (i) the

average DOL proved to be relatively high, signaling possible idleness of companies in

the sample period; (ii) the quarterly average revenue growth of the companies was

relatively small in the same period; (iii) as a result of (i) and (ii), there was a significant

inverted relationship between the normal contemporary return and the DOL from a

previous quarter, as well as the abnormal return with the unexpected outdated DOL;

and (iv) there was a direct and significant relation between the contemporary return

of t and the unexpected DOL of the same quarter.

Keywords: Degree of Operating Leverage (DOL). Unexpected Return. DOL and

Idleness.

1 Doutor em Ciências Contábeis (USP), Professor Titular da Universidade de Brasília. E-mail: [email protected]

2 Doutor em Ciências Contábeis (UNB), Professor Adjunto da Universidade de Brasília. E-mail: [email protected]

Retorno acionário e grau de alavancagem operacional: evidências sob novas abordagens metodológicasStock return and the degree of operating leverage: new evidence for contemporary association

Page 150: Revista FAE Jul./Dez. 2012

148

Introdução

Esta pesquisa se inspira no estudo de

Dantas, Medeiros e Lustosa (2006) para verificar se

há relação contemporânea, no mercado de capitais

brasileiro, entre o comportamento das ações e a

alavancagem operacional de empresas do segmento

de manufatura. Quando a alavancagem operacional

é utilizada em estudos empíricos na área contábil, o

pesquisador geralmente faz uma série de escolhas

relacionadas com a definição e mensuração desse

conceito, pois as demonstrações financeiras

publicadas não segregam a estrutura de custos da

empresa de modo a permitir a quantificação direta

do grau de alavancagem operacional pela relação

entre a margem de contribuição e o lucro.

A alavancagem operacional representa

o efeito multiplicador das vendas no lucro, um

con cei to que está bastante documentado nos

livros-texto de contabilidade gerencial, como em

Garrison e Noreen (2001). A extensão dessa ala-

vancagem, causada pelo nível de investimentos

em ativos fixos, é representada pelo Grau de Ala-

vancagem Operacional (GAO), definido pela rela-

ção entre a margem de contribuição e o lucro, um

número adimensional que traduz o tamanho do

efeito ala vanca ou a sensibilidade do lucro às vari-

ações da venda. Assim, para um dado nível de ven-

das, se esta variar de x, um GAO igual a k implicará

a multiplicação do lucro, para cima ou para baixo,

por kx, conforme as vendas cresçam ou diminuam.

O desafio, nos estudos empíricos sobre

esse tema, é como medir o GAO a partir das

demonstrações financeiras publicadas. Dantas,

Medeiros e Lustosa (2006) utilizaram o modelo

originalmente formulado por Mandelker e Rhee

(1984), no qual o GAO é aproximado pelo

coeficiente angular do lucro numa regressão

logarítmica do lucro operacional com a receita

de vendas. Esse modelo tem uma racionalidade

interessante, pois o coeficiente da receita líquida

que resulta da regressão é a variação marginal do

lucro para cada unidade de variação da receita, em

linha com o conceito de alavancagem operacional.

Conquanto a abordagem de Mandelker

e Rhee (1984) seja a mais utilizada para a

mensuração empírica do GAO, sendo exemplos

adicionais Darrat e Mukherjee (1995) e Griffin e

Dugan (2003), esta pesquisa inova ao mensurar

o GAO de forma diferente em uma amostra de

empresas industriais. Primeiro, o custo variável

unitário de cada empresa-trimestre é obtido pelo

coeficiente angular da receita líquida, por meio de

uma regressão linear do custo do produto vendido

contra a receita líquida de vendas. Em seguida,

esse estimador é multiplicado pela receita líquida

da empresa em cada trimestre, obtendo-se, assim,

uma aproximação do seu custo variável total de

produção, que adicionado à despesa variável de

vendas, divulgado nas demonstrações financeiras,

resulta no custo variável total. Com isso, se apura

a margem de contribuição e, na sequência, o

GAO. A fundamentação desse modelo, e sua

formulação matemática, serão apresentadas na

seção de metodologia.

Assim, o objetivo deste artigo é avançar

sobre a pesquisa de Dantas, Medeiros e Lustosa

(2006) buscando identificar as relações entre o

comportamento das ações e o GAO sob novos

enfoques metodológicos, que abrangerão: (i)

inovação na mensuração empírica da alavancagem

operacional; (ii) amostra restrita a empresas

industriais; e (iii) teste da associação contemporânea

do retorno com o GAO, pois a natureza

relativamente estável da capacidade instalada, em

bases trimestrais, fornece fundamentos teóricos

para testes não defasados e com os valores reais

dessas duas variáveis. Mesmo assim, serão rodados

testes adicionais com valores não esperados, com

projeção dos valores esperados por um modelo

naïve, a fim de se estabelecer um diálogo, em bases

comparáveis, com o trabalho de Dantas, Medeiros e

Lutosa (2006).

Este trabalho contribui para vitalizar o

debate empírico das pesquisas sobre alavancagem

operacional, ainda bastante incipiente no Brasil.

Além disso, abre uma avenida para a continuidade

dessa linha de pesquisa em bases condicionais,

com o exame da reação do mercado à alavancagem

operacional sob controle das vendas, uma vez

que o efeito alavanca é bom quando as vendas

crescem, mas é ruim se as vendas decrescem.

Page 151: Revista FAE Jul./Dez. 2012

R e v . F A E , C u r i t i b a , v. 15, n. 2, p. 146-161, jul./dez. 2012149

Na continuidade deste artigo, a próxima

parte apresenta os fundamentos teóricos da

alavancagem operacional e revê pesquisas

relacionadas ao tema. A terceira parte detalha o

desenho metodológico da pesquisa. O capítulo

quatro analisa os resultados, e a última parte

apresenta os marcos conclusivos do trabalho.

1 Fundamentos Teóricos e Revisão da Literatura

Discussões em torno da utilidade do GAO,

em estudos empíricos, embora ainda relativamente

poucos, visam descobrir se as oscilações do GAO

sinalizam mudanças de comportamento do mercado

em relação ao valor das ações das empresas, como em

Dantas, Medeiros e Lustosa (2006), que estudaram

a reação do mercado às oscilações do GAO. Nesse

estudo, os autores calcularam o GAO utilizando o

modelo sustentado em logaritmo natural concebido

por Mandelker e Rhee (1984), descrito como lnLOj,t=

aj+b

j lnROL + ɛ

j,j , onde ln = logarítmo natural; LO =

lucro operacional; ROL = receita operacional líquida;

j = empresa; e t = período. Adicionalmente, Dantas,

Medeiros e Lustosa (2006) calcularam o GAO não

esperado, denominado GAONE, descrito como

GAONEj,t = GAO

j,t – E

j,t(GAO

j,t ). A conclusão desse

estudo sinalizou que o GAO é estatisticamente

relevante para explicar o comportamento do re-

torno das ações.

A conclusão do estudo de Dantas, Medeiros

e Lustosa (2006) está de acordo com o estudo

efetuado por Jorgensen et al. (2009), no qual

investigaram o efeito do crescimento das vendas

sustentado na utilização da capacidade produtiva.

Nesse estudo, os autores observaram que o

comportamento das vendas em empresa com

utilização plena da capacidade instalada é inverso

ao comportamento da margem de lucro, pois as

vendas crescem nessa condição pressionando

os custos e, em consequência, a margem de

lucro se reduz sinalizando a necessidade de mais

investimento. Para a obtenção dessa confirmação,

os autores fizeram o controle de variáveis como

despesa de capital e margem de lucro, e ainda

consideraram que se as empresas divulgassem o

nível de utilização de sua capacidade produtiva

isso poderia ser relevante para o valor de mercado

de suas ações.

Para medir a margem de lucro, os autores

utilizaram a seguinte modelo:

PMi,t = αi,t + βi∆Salesi,t-1 + γiTCUi,t-1 + δi∆Salesi,t-1TCUi,t-1 + ɛi,t,

onde PM = margem de lucro; ∆Sales = variação de

vendas; TCU = capacidade de utilização; ɛ = termo

de erro; e i = empresa; e t = período.

De fato, Jorgensen et al (2009) corroboram

que a alavancagem operacional se relaciona com o

comportamento do lucro no curso da capacidade

instalada geradora de custo fixo, por meio da

maximização do volume de vendas, considerando

que o volume de produção é adequado à planta

fabril. Nesse sentido, conforme observa O’brien e

A alavancagem operacional se relaciona com o

comportamento do lucro no curso da capacidade

instalada geradora de custo fixo, por meio da

maximização do volume de vendas, considerando que o volume de produção é adequado à planta fabrilalavancagem operacional pode ser entendida como

a ampliação de um período curto de incerteza de lucro

relativo à incerteza das vendas.

Page 152: Revista FAE Jul./Dez. 2012

150

Vanderheiden (1987), a alavancagem operacional

também pode ser entendida como a ampliação

de um período curto de incerteza de lucro relativo

à incerteza das vendas. Os autores sugerem o

cálculo do GAO por meio do modelo DOL = {[Xt/

E(Xt)] – 1}/{[S

t/E(S

t)]-1}, onde DOL = grau de

alavanca gem operacional; X = lucro operacional

do período; S = vendas do período; E = valor

esperado; e t = período.

Ocorre que o pesquisador deve observar

que o GAO, em relação à empresa, é uma variável

endógena, e nessa condição absorve os efeitos das

políticas, práticas e modelos contábeis utilizadas

no reconhecimento e valoração de ativos, receitas

e despesas que impactam a mensuração do lucro

(MAYO, 2009). Por ser o GAO uma função de

variáveis como lucro (π), margem de contribuição

(λ) e custo fixo (k), GAO = ƒ(π, λ, k), e o lucro

ser impactado pelo viés das políticas, práticas

e modelos contábeis de cada empresa, o GAO

também está exposto a esse viés.

A discussão sobre políticas, práticas e

modelos contábeis transcende décadas, como em

Kiger e Williams (1977) que, ao darem continuidade

ao estudo de Paton e Littleton (1940), exploram

o conceito emergente da apresentação do

lucro e mostram as divergências conceituais de

mensuração, confrontando os métodos all-inclusive

e current-operating-performance. O primeiro mé-

to do considera que toda transação que provoque

mudança no capital dos proprietários deve ser

reconhecida no resultado do exercício, enquanto

o segundo exclui da apuração do resultado tran-

sações não relacionadas com o período corrente e

itens extraordinários, tratando-os diretamente no

patrimônio líquido.

Essas discussões relativas à mensuração

do GAO orbitam em torno do conceito de

Ponto de Equilíbrio Operacional que, no viés da

Contabilidade, leva em consideração a linearidade

dos custos e receitas. Nessa visão, à medida

que o desempenho da empresa se aproxima do

Ponto de Equilíbrio Operacional, tanto pela direita

quanto pela esquerda, o lucro tende a zero, e a

relação entre a Margem de Contribuição e a soma

de Custo e Despesas Fixas Totais tende a 1, em

função da igualdade de custos e receitas como em

Horngren, Sundem e Stratton (1996, p. 44).

A segregação dos custos em fixo e

variável, necessários para obtenção do GAO e

requerida para determinar o Ponto de Equilíbrio

Operacional, é normalmente difícil de ser feita por

meio de informação externa da Demonstração

do Resultado e, em razão disso, é comum definir

o GAO como uma medida de elasticidade da

mudança de percentagem nos lucros antes de

juros e tributos (EBIT), para uma dada mudança na

demanda unitária, como em Lord (1998) e Dugan e

Shriver (1992).

Na parte empírica, as pesquisas sobre a

Alavancagem Operacional têm sido dedicadas

ao desempenho e comportado metodologias

distintas de mensuração, como em Huo e Kwansa

(1994), que estudaram os efeitos do risco de

empresas que exploram atividades de restaurante

e hotel nos Estados Unidos, no período de recessão

ocorrido em 1990 e 1991, concluindo que o risco

dos restaurantes se apresentou maior do que o

risco dos hotéis.

Para esse estudo, modelaram o GAO como

DOL = S - VC / S - VC – FC, onde DOL = Grau de

Alavancagem Operacional; S = vendas; VC = custo

variável; FC = custo fixo.

Ainda no segmento empírico, Li e Li (2004)

investigaram a existência de efeito portfolio da

alavancagem microeconômica nas firmas listadas

na bolsa chinesa em 2001 e 2002, utilizando a

modelagem , onde EBIT é o lucro antes

de juros e tributos diretos sobre o lucro e F é a

despesa operacional fixa. Os autores concluíram

que a Alavancagem em seus domínios operacional

e financeiro pode contribuir para balancear o risco

sistemático.

Concluindo, pode-se inferir que, em termos

cartesianos, quando o desempenho da empresa

se aproxima do ponto de equilíbrio operacional

pelo lado esquerdo, o GAO tende a menos infinito,

em função da redução do prejuízo. Quando essa

aproximação ocorre pelo lado direito, o GAO tende

Page 153: Revista FAE Jul./Dez. 2012

R e v . F A E , C u r i t i b a , v. 15, n. 2, p. 146-161, jul./dez. 2012151

a mais infinito, em função da redução do lucro.

Logo, o GAO varia de menos infinito a mais infinito

(-∞ ≤ GAO ≤ + ∞), com a restrição de não poder

assumir o nível zero. Essa restrição caracteriza a

função GAO como descontínua no ponto em que

a Margem de Contribuição se iguala aos Custos e

Despesas Fixas e, em consequência disso, nesse

ponto a função não é derivável.

2 Metodologia

2.1 Modelo Geral

Nas pesquisas empíricas que relacionam

informações contábeis com o comportamento das

ações no mercado de capitais, uma premissa comum,

derivada da Hipótese de Eficiência do Mercado,

é a de que o mercado antecipa as informações

contábeis antes delas serem divulgadas. O pilar

central do modelo de mensuração contábil – de

confrontar o custo expirado dos ativos com a

receita realizada – contribui para esse processo,

pois torna as informações contábeis mais estáveis

e previsíveis, favorecendo a antecipação delas nos

preços nas datas de fechamento dos balanços,

com ajustes posteriores ao longo do período que

antecede a divulgação. Por essa razão, a maioria

das pesquisas empíricas que analisam a reação do

mercado às informações contábeis é modelada

na forma Ʋ=Xβ+ ɛ, onde: Ʋ é um vetor coluna de

retornos anormais, ou retornos não esperados,

com m linhas, para a ação de cada empresa; X é

uma matriz m x k (m linhas e k colunas) de valores

não esperados das variáveis contábeis para

cada empresa; β é um vetor coluna com k linhas,

que representa os estimadores, ou coeficientes

de respostas das variáveis independentes,

empiricamente obtidos ao se rodar a regressão

linear; e ɛ é um vetor coluna de erros residuais,

com m linhas, também empiricamente gerado.

Contudo, a natureza da alavancagem

operacional abre possibilidade teórica para um

novo tipo de modelagem, em que a relação

contemporânea do comportamento das ações com

essa variável não se dê em termos de valores não

esperados, mas pelo próprio valor real, na data do

fechamento do balanço, entre o retorno e o GAO

de cada empresa. Quando o estudo é conduzido

para períodos curtos de tempo, no caso desta

pesquisa, trimestrais, é possível imaginar que o

mercado só reagiria às informações de capacidade

instalada quando essas se alterassem com novos

investimentos em ativos fixos, ou alienação deles.

Nessas condições, o que estaria produzindo a

alteração do GAO seria o nível de produção, pois

esse é definido pelo uso da capacidade instalada.

Dessa forma, é possível que os preços reajam a

essa informação concomitante à produção e por

isso o seguinte modelo será testado:

ri,t=β

0+β

1 GAO

i,t+ε

i,t (1),

onde:

ri,t = retorno normal da empresa i, ao fim do

trimestre t;

GAOi,t = Grau de Alavancagem Operacional

da empresa i, ao fim do trimestre t;

β0 e β

1 = estimadores da regressão,

respectivamente, o coeficiente linear e angular da

reta de regressão r = f(GAO);

ɛi,t = erro residual de estimação, da empresa

i, ao fim do trimestre t. Assume-se ɛ ≈ N(0; σ2).

Mas, como há a possibilidade de o mer-

cado antecipar-se à informação da produção e,

por extensão, do GAO, será rodado também o

seguinte modelo:

Ʋi,t=β

0+β

1 GAONE

i,t+ε

i,t (2),

onde:

Ʋi,t = retorno anormal (ou não esperado) da

empresa i, ao fim do trimestre t;

GAONEi,t = Grau de Alavancagem

Operacional Não Esperado da empresa i, ao fim

do trimestre t;

Demais parâmetros como na equação (1).

Page 154: Revista FAE Jul./Dez. 2012

152

2.2 Obtenção das Variáveis

Retorno da Ação – Na equação (1), o retorno

normal, ri,t, da ação i ao fim do trimestre t, será

obtido assumindo capitalização contínua dos

preços, conforme equação (3) a seguir:

ri,t=ln ( )=ln(p

i,t) — ln(p

i,t-1) (3),

onde, ln é o operador de logaritmo natural; e pi,t

e pi,t-1

são, respectivamente, o preço da ação da

empresa i no fim do trimestre corrente, t, e do

trimestre anterior, t-1.

Na equação (2), o retorno anormal (ou não

esperado) da empresa i, ao fim de cada trimestre

t, Ʋi,t, é a diferença entre o retorno real, r

i,t, e o que

fora antecipado, no trimestre anterior, t-1, para o

retorno em t, Et-1

(ri,t), isto é:

Ʋi,t=r

i,t — E

t-1 (r

i,t) (4)

Uma escolha importante do pesquisador,

quando ele trabalha com retornos anormais, é qual

será o modelo para projetar os retornos esperados,

Et-1

(ri,t). Dantas, Medeiros e Lustosa (2006)

utilizaram em sua pesquisa o modelo de mercado

(market model). Neste trabalho, utilizaremos um

modelo naïve.

Períodos trimestrais de observação e a

premissa de eficiência do mercado, que impede a

possibilidade de ganhos anormais continuados, são

fundamentos razoáveis para justificar que um bom

preditor do retorno para o trimestre corrente é o

retorno verificado no trimestre anterior. O caráter

parcimonioso dessa especificação tem a vantagem

de livrar o pesquisador da discricionariedade da

escolha de uma janela de estimação e periodicidade

dos retornos para rodar o modelo de mercado.

Assim:

Et—1

(rt)=r

i,t-1→Ʋ

i,t= r

i,t—r

i,t-1 (5)

Grau de Alavancagem Operacional

(GAO) – A especificação mais comum para

obter empiricamente o GAO é regredir o lucro

operacional (LO) contra a receita líquida de

vendas (RL).

Esse modelo parece ter sido formulado

originalmente por Mandelker e Rhee (1984) e,

desde então, vem sendo utilizado por outros

pesquisadores, sendo exemplos Gahlon e Gentry

(1986), Huffman (1989), Chung (1989), Dugan e

Shriver (1992), Darrat e Mukherjee (1995), e Griffin

e Dugan (2003).

No Brasil, Dantas, Medeiros e Lustosa (2006)

reproduziram essa mesma especificação, em série

temporal para cada empresa, com uma janela

de estimação fixa em quantidade de trimestres,

mas móvel ao longo da janela de projeção, com

abandono do último trimestre da série de estimação

à medida que novos trimestres eram incorporados.

Isso resultou em novos estimadores β1 para

cada trimestre, por empresa, um refinamento

metodológico que contribuiu para uma maior

acurácia do GAO trimestral empiricamente obtido,

no caso, o próprio coeficiente de resposta β1.

Matematicamente:

ln(LOi,t)=β0

i,t+β1

i,t ln(RL

i,t)+φ

i,t.

Nesta pesquisa, inova-se na apuração

empírica do GAO, com a seguinte especificação:

CPVi,t=β0

i,t+β1

i,tRL

i,t +φ

i,t (6),

Períodos trimestrais de observação e a

premissa de eficiência do mercado, que impede a possibilidade de ganhos

anormais continuados, são fundamentos razoáveis para justificar que um

bom preditor do retorno para o trimestre corrente é o retorno verificado no

trimestre anterior.

Page 155: Revista FAE Jul./Dez. 2012

R e v . F A E , C u r i t i b a , v. 15, n. 2, p. 146-161, jul./dez. 2012153

onde:

CPVi,t = custo do produto vendido, da

empresa i, no trimestre t;

RLi,t = receita líquida de vendas, da empresa

i, no trimestre t;

β0 e β

1 = estimadores da regressão,

respectivamente, o coeficiente linear e angular da

reta de regressão CPV = f(RL);

φi,t = erro residual de estimação, da empresa

i, no trimestre t. Assume-se φ ≈ N(0; σ2).

A equação (6) permite extrair, de dentro

do custo do produto vendido, o custo variável

unitário médio trimestral da empresa, representado

pelo coeficiente β1. Quando esse coeficiente é

multiplicado pela receita líquida (RL) da empresa

em cada trimestre, obtém-se a parcela do custo

variável de produção que está dentro do custo

do produto vendido, que uma vez adicionada à

despesa variável de vendas (DV), fornecida pelas

demonstrações financeiras, resulta no custo variável

total (CVT). Assim:

CVTi,t

= β1i,t

RLi,t

+ DVi,t (7)

O GAO de cada trimestre da empresa é sua

margem de contribuição, mensurada pela receita

líquida (RL) menos o custo variável total (CVT),

obtido como mostrado em (7), dividida pelo lucro

operacional (LO), isto é:

GAOi,t= (8)

Obtidas as variáveis pela sequência de

equações (3) a (8), são rodadas as regressões

(1) e (2). Na linha das argumentações aqui

desenvolvidas, espera-se que o mercado reaja à

informação contemporânea do GAO tanto no seu

valor real, como mostrado em (1), quanto na sua

formulação não esperada, como mostrado em (2).

Além disso, para estabelecer um diálogo com o

trabalho de Dantas, Medeiros e Lustosa (2006),

as equações (1) e (2) também serão testadas com

a variável independente defasada de um período

trimestral:

ri,t=β_0+β_1 GAO

i,t-1+ε

i,t (9)

e Ʋi,t=β

0+β

1 GAONE

i,t-1+ε

i,t (10)

2.3 Hipótese da Pesquisa

Espera-se, pelos argumentos aqui coloca-

dos, que haja associação significativa entre o

GAO e o retorno da ação, tanto em termos con-

temporâneos, como observado em (1) e (2), como

quando a variável GAO estiver defasada de um

período trimestral, como observado em (9) e

(10). Contudo, não é possível antecipar o sinal do

coeficiente de resposta, pois, para isso, a resposta

do mercado ao GAO terá que ser analisada em

conjunto com o comportamento das vendas da

empresa, uma análise que deve ser continuada em

futuras pesquisas.

Assim, a hipótese central desta pesquisa,

formulada de modo alternativo, é:

H1: β1 =/= 0

2.4 Amostra

A amostra total compreende dados finan-

ceiros trimestrais de empresas do segmento de

manufatura, de 1996 a 2008, num total de 52

trimestres. O banco de dados para a realização

desta pesquisa cobre o período do 1T00 ao 4T08,

com o período de 1T96 ao 1T00 utilizado como

janela inicial de estimação. Foi utilizada uma janela

móvel de 17 trimestres fixos: a inicial do 1o trimestre

de 1996 ao 1o trimestre de 2000, e as seguintes

abandonando-se o último trimestre da janela e

incluindo-se o trimestre seguinte até o último

trimestre de 2008, para estimar os custos variáveis

totais por meio das equações (6) e (7) descritas na

metodologia. O período de 17 trimestres fixos para

a estimação empírica dos custos variáveis totais

foi escolhido após a plotagem em um gráfico

cartesiano das variáveis CPV e RL indicar que

rupturas importantes da tendência de linearidade

ocorriam, em média, a cada quatro anos.

Todos os dados, contábeis e de mercado,

foram extraídos da base de dados da consultoria

Economática. Os dados estão expressos em moeda

de 31/12/2008. A amostra inicial totalizou 226

RLi,t—CVT

i,t

LOi,t

Page 156: Revista FAE Jul./Dez. 2012

154

empresas. O primeiro critério de seleção considerou

apenas as empresas que apresentassem dados

contínuos de receitas e custos, o que reduziu

a amostra para 165 empresas. Após rodadas

regressões para obtenção empírica do GAO, por

meio das equações (6), (7) e (8), foram eliminadas

as empresas com GAO menor do que 1, pois para

essas situações o lucro é menor do que zero, o

que distorce a informação do GAO. Com isso, a

amostra final resultou em 94 empresas.

No processo de obtenção empírica do custo

variável total, para fins de cálculo da margem de

contribuição e do GAO trimestral, foram rodadas

5.940 regressões envolvendo as 165 empresas

que resultaram após o primeiro critério de

seleção. Feitas as eliminações dos GAO menores

do que 1, restaram 1.940 observações trimestrais

para as 94 empresas da amostra final. Os dados

foram organizados em painel e as regressões

especificadas nas equações (1), (2), (9) e (10)

foram rodadas sem efeitos, no modo pooled data,

e com efeitos fixos.

3 Resultados

3.1 Estatísticas Descritivas

A tabela 1, a seguir, mostra as estatísticas

descritivas das principais variáveis utilizadas nesta

pesquisa. O lucro operacional (LO), que aqui se

apresenta escalado pelo Ativo Operacional Médio,

e a Variação da Receita Líquida de Vendas (∆RLV),

são variáveis primárias obtidas diretamente das

demonstrações financeiras. As demais variáveis da

tabela são secundárias, obtidas a partir de cálculos

sobre as variáveis primárias. Outras variáveis

primárias, como o custo do produto vendido

(CPV) e as despesas variáveis de venda (DV) foram

omitidas da tabela, mas se encontram presente,

indiretamente, nas variáveis GAO e GAONE.

Sendo que r = retorno (real, normal) trimestral

da ação, calculado por capitalização contínua (r =

ln(pt/pt-1); Ʋ = retorno anormal da ação, calculado

pela diferença entre o retorno real e o esperado para

cada trimestre. Adotado modelo naive, Ʋ = rt – r

t-1;

GAO = Grau de Alavancagem Operacional, apurado

pela divisão da margem de contribuição de cada

empresa (obtida empiricamente) pelo seu lucro

operacional divulgado; GAONE = GAO trimestral

não esperado, obtido pela diferença entre o GAO

do trimestre corrente e o GAO do trimestre anterior,

sob a premissa de que um preditor aceitável

para o GAO do trimestre t é o GAO verificado

no trimestre anterior; ∆RLV = variação da receita

líquida de vendas, medida pela diferença relativa

entre a receita do trimestre atual e a do trimestre

anterior (∆RLV = (RLVt – RLVt-1)/RLVt-1 ; LO = lucro

operacional, escalado pelo ativo operacional médio.

O retorno médio trimestral para as em-

presas da amostra final, no período 2000 a 2008,

foi de 4,4%, mas houve grandes oscilações, com

o máximo retorno atingindo níveis de 166,1%, e

o mínimo, uma perda de 174,2% no trimestre.

Tamanha amplitude entre valores extremos explica

r Ʋ GAO GAONE LO ∆RLV

Média 0,044 0,000 9,178 2,186 0,037 0,072

Mediana 0,023 0,008 5,590 -0,020 0,031 0,027

Máximo 1,661 2,888 94,260 83,240 0,749 5,098

Mínimo -1,742 -2,405 1,010 -824,270 -1,989 -3,384

Desvio-Padrão 0,267 0,357 11,577 31,619 0,062 5,627

N 1903 1903 1903 1903 1903 1903

TABELA 1 — Estatísticas descritivas das principais variáveis da pesquisa

FONTE: Os autores

Page 157: Revista FAE Jul./Dez. 2012

R e v . F A E , C u r i t i b a , v. 15, n. 2, p. 146-161, jul./dez. 2012155

a elevada dispersão em torno da média, verificada

pelo desvio-padrão de 26,7%, aproximadamente

seis vezes maior do que a média. O retorno

trimestral mediano, de 2,3%, ligeiramente menor

do que a média, mostra uma leve assimetria à

direita na distribuição de frequências do retorno,

indicando uma quase normalidade da distribuição.

A elevada dispersão dos retornos propagou-

-se para os retornos anormais (ou retornos não

esperados), Ʋ, pois também apresentou extremos

positivo e negativo bastante elevados e um

desvio-padrão de 35,7%, quase 400 vezes maior

do que a média trimestral dos retornos anormais,

que, com três casas decimais, apresenta-se com

valor zero. Aqui, devido ao processo utilizado para

obtenção dos retornos anormais, como primeira

diferença entre o retorno do trimestre t e o retorno

do trimestre t-1, houve uma inversão na assimetria,

pois como a média é menor do que a mediana,

embora essa diferença seja de pouca magnitude,

constata-se uma leve assimetria à esquerda,

mas que também não contraria a premissa de

normalidade da distribuição de frequências, para

fins das operações de regressão linear.

O GAO médio trimestral, de 9,178 vezes,

revela, numa primeira aproximação, que as

empresas da amostra apresentaram-se no período

amostral com ociosidade importante, embora

isso deva ser explicado pela presença de grandes

valores extremos, já que a mediana, de 5,590, pouco

acima da metade da média, revela uma distribuição

de frequências assimétrica à direita, mas com

concentração de valores no intervalo entre 1

(exclusive) e 6. A média está bastante influenciada

pelo valor extremo de 94,26, e por alguns outros

poucos outliers de elevada magnitude, responsáveis

também pelo desvio-padrão um pouco maior do

que a média, mas preferiu-se mantê-los na amostra

para não influenciar artificialmente os resultados.

É importante observar que se os valores extremos

à direita fossem retirados da amostra, a média se

aproximaria mais da mediana, e o desvio-padrão

seria reduzido, revelando que no período de 2000 a

2008 as empresas da amostra apresentaram-se com

ociosidade média moderada, com concentração

em torno de 5 ou 6.

De fato, não se deveria esperar grandes

oscilações no GAO, pois a alteração deste, sob

padrões de custos e receitas operacionais mais

ou menos estáveis, se daria apenas quando a

empresa fizesse novos investimentos importantes

em ativos fixos, e, apoiado nessa premissa, este

estudo adotou o modelo naïve, random walk

para apurar o GAO não esperado (GAONE) como

primeira diferença (GAOt menos GAOt-1) dos

GAOs trimestrais, mesma abordagem utilizada

por Dantas, Medeiros e Lustosa (2006). E o lucro

operacional (LO), síntese das receitas e despesas

operacionais, aqui apresentado escalado pelos

ativos operacionais médios, o que lhe confere um

significado de retorno sobre os investimentos em

ativos operacionais (ROI), confirma um processo

de relativa estabilidade, posto que sua média

é praticamente igual a mediana (3,7% e 3,1%,

respectivamente), com um desvio-padrão de

aproximadamente duas vezes a média.

A amplitude do ROI, no entanto, é bastante

considerável, observando-se que houve empresas

que apresentaram um ROI máximo de 74,9% no

trimestre, e outra com retorno trimestral negativo

sobre o investimento de 198,9%. Todavia, o expurgo

dos valores negativos de GAO da amostra fez com

que os retornos operacionais negativos dos ativos

não se propagasse para as medidas empíricas

do GAO. Isso evidencia que o alto desvio-padrão

da medida do GAO deriva dos outliers positivos

elevados que se decidiu por manter na amostra.

Assim, a interpretação das estatísticas des-

critivas da variável GAO não esperado (GAONE),

uma vez que obtidas pela diferença simples entre

os GAOs trimestrais, é similar à que foi feita para o

GAO, por isso não será aqui repetida.

Por fim, as estatísticas descritivas da variável

Variação da Receita Líquida sobre Vendas (∆RLV)

revelam algumas características interessantes so-

bre o comportamento das vendas das empresas

da amostra.

Em primeiro lugar, a média e a mediana

dessa variável são positivas (0,072 e 0,027, respec-

tivamente), indicando uma assimetria importante à

direita na distribuição de frequências dessa variável.

O desvio-padrão 5,627 é 78,15 vezes maior do que

Page 158: Revista FAE Jul./Dez. 2012

156

a média, mostrando uma grande dispersão nos valores dessa variável, como pode ser constatado também pela

grande amplitude entre os valores extremos, mínimo de -3,384, e máximo de 5,098. Por outro lado, a mediana

4,5% menor do que a média (0,072 – 0,027), em valores absolutos, revela uma maior quantidade de quedas nas

vendas de um trimestre para o outro, mas tais quedas não foram capazes de prevalecer sobre os aumentos tri-

mestrais de receitas da série, provavelmente de valores absolutos maiores do que os da receita, já que o efeito

final foi um aumento médio trimestral de 7,2% nas receitas das empresas da amostra.

A seguir, na TAB. 2, é apresentada a matriz de correlações de Pearson das variáveis que serão testadas

por meio das equações (1), (2), (9) e (10), com o objetivo de obter-se insights sobre os prováveis resultados

dos testes.

Em relação à TAB. 1, foram acrescentadas as variáveis GAOt-1 e GAONEt-1, objeto dos testes especificados

nas equações (9) e (10), e suprimidas as variáveis LO e RLV por não interessar diretamente aos testes.

3.2 Matriz de Correlações de Pearson

Como esperado, existe alta correlação

(aproximadamente 58%) contemporânea entre

o GAO e o GAONE do trimestre corrente, uma

vez que o GAONE, pelo modelo o adotado neste

estudo, deriva diretamente do GAO, sendo aquele

a primeira diferença deste. Por essa mesma razão,

a correlação do GAO defasado em um trimestre,

GAOt-1

, com o grau de alavancagem operacional

não esperado do trimestre corrente (GAONEt), tem

o mesmo valor da correlação do GAOt x GAONE

t,

mas com o sinal trocado (-58%).

A razoável correlação positiva, de 33,12%, do

GAO do trimestre corrente (GAOt) com o GAO do

trimestre anterior (GAOt-1

), confirma a expectativa

de que a medida do GAO é relativamente estável

trimestre a trimestre, posto que alterações

importantes nessa medida, para além daquelas

que decorressem das flutuações das vendas e

melhorias na eficiência de produção, demandaria

investimentos em ativos fixos, decisões que

TABELA 2 — Matriz de correlações de Pearson das variáveis das equações (1), (2), (9) e (10)

FONTE: Os autores

r Ʋ GAOt GAOt-1 GAONEt GAONEt-1

r 1

Ʋ 0,6636 1

GAOt -0,0253 0,0247 1

GAOt-1 -0,0762 -0,0367 0,3312 1

GAONEt 0,0440 0,0531 0,5782 -0,5784 1

GAONEt-1 -0,0460 -0,0681 0,0629 0,5781 -0,4455 1

ocorrem em prazos bem mais longos do que a

periodicidade trimestral da série. O resultado da

correlação GAOt x GAO

t-1, de 33,12%, indica que um

terço do GAO do trimestre anterior persiste para

o período corrente. Não é um número desprezível,

quando se pondera que, numa série em painel,

como a realizada neste estudo, os investimentos

das empresas em ativos fixos, mesmo que não

recorrentes no curto prazo, podem ocorrer em

diferentes trimestres entre as empresas da série.

Infere-se, portanto, que a persistência do GAO

para uma empresa tomada individualmente deve

ser significativamente superior à que foi revelada

para a amostra de empresas deste trabalho. Este

é um ponto que merece ser explorado em futuras

pesquisas empíricas.

A correlação elevada entre os retornos

correntes, normal e anormal ou não esperado, r e

Ʋ, de 66,36%, decorre do método adotado para o

cálculo do retorno não esperado como primeira

Page 159: Revista FAE Jul./Dez. 2012

R e v . F A E , C u r i t i b a , v. 15, n. 2, p. 146-161, jul./dez. 2012157

diferença dos retornos normais. Conquanto seja positiva, com magnitude de 5,31%, a correlação contemporânea

entre o retorno não esperado, Ʋt, e o grau de alavancagem operacional não esperado, GAONE

t, é interessante

observar que as correlações entre o retorno normal, r, e o grau de alavancagem operacional, contemporâneo

(GAOt) ou defasado (GAO

t-1), embora de baixa magnitude, são negativas: -2,53% e -7,62%, respectivamente.

Também é negativa, com magnitude um pouco maior que essas duas anteriores, a correlação entre o

retorno não esperado do trimestre corrente, Ʋt, e o grau de alavancagem operacional não esperado do trimestre

anterior, GAONEt-1

: -6,81%. Talvez essas correlações negativas decorram de o mercado estar penalizando as

empresas por apresentarem-se, no período amostral, simultaneamente ociosas e com baixo crescimento das

receitas, conforme descrito no capítulo anterior. Resta verificar se essas correlações de sinal negativo entre o

retorno e o GAO são significativamente associadas.

3.3 Testes Estatísticos de Significância

Eq. Especificação R2ajust

Inclin. (β) Stat t Stat F DW Obs.

1 ri,t=β

0+β

1 GAO

i,t+ε

i,t0,0001 -0,0006 -1,1049 1,2208 1903

2 Ʋi,t=β

0+β

1 GAONE

i,t+ε

i,t0,0023 0,0014 2,3195(**) 5,3801 1903

9 ri,t=β

0+β

1 GAO

i,t-1+ε

i,t0,0053 -0,0018 -3,3333(***) 11,1109 1903

10 Ʋi,t=β

0+β

1 GAONE

i,t-1+ε

i,t0,0041 -0,0018 -2,9770(***) 8,8625 1903

TABELA 3 — Testes estatísticos da relação trimestral entre retorno de mercado e o grau de alavancagem operacional,

normal e inesperado, em momentos contemporâneo e defasado de 1 trimestre

(**) significativo a 5%;

(***) significativo a 1%.

FONTE: Os autores

Como esperado, é negativo o estimador do coeficiente angular (β= inclinação da reta de regressão)

em três dos quatro modelos lineares especificados para testes contra o retorno de mercado. Isso significa

que o mercado penalizou, na média, de certo modo, as empresas da amostra, por apresentarem-se abaixo do

ponto de eficiência produtiva máxima, já que se encontravam alavancadas operacionalmente (GAO médio de

12,43, considerando outliers; e em torno de 6 se os outliers fossem excluídos), mas com uma situação de baixo

crescimento trimestral da receita (conforme TAB. 1, média de 7,2%, e mediana de 2,7%).

No modelo 1, o estimador β, apesar de negativo, sinalizando relação contemporânea inversa do retorno

com o GAO, não se mostrou estatisticamente significativo (stat t = -1,1049). Mas nos modelos 9 e 10, essa

relação foi significativa a 1%, em um teste uni-caudal, indicando que não se pode rejeitar a hipótese alternativa

H1 apresentada, de que β1 é realmente diferente de zero. Além disso, os modelos 2, 9 e 10 mostraram-se

significativos como um todo, conforme indica as respectivas estatísticas F, todas significativas a 1%. Por outro

lado, na regressão 1, do mesmo modo que não foi significativo o coeficiente de resposta, o modelo como um

todo também se mostrou insignificante.

Uma vez que esta pesquisa se propôs a avançar sobre o estudo de Dantas, Medeiros e Lustosa (2006),

os resultados e características de cada estudo serão agora sumariados no QUADRO 1, a seguir:

Page 160: Revista FAE Jul./Dez. 2012

158

QUADRO 1 — Comparação de metodologias e resultados com a pesquisa de Dantas et al (2006)

Elemento Dantas et al (2006) Esta Pesquisa Efeito

Obtenção do

GAO

O GAO trimestral foi obtido

empiricamente usando o

tradicional modelo de Mandelker

e Rhee (1984), no qual o GAO é

o coeficiente bj na regressão do

Lucro Operacional (LO) contra

a Receita Operacional Líquida

(ROL): ln(LOjt) = a

j + b

jlnROL

jt

+ ejt

O GAO trimestral foi obtido

dividindo-se a margem de

contribuição pelo lucro

operacional. Os custos variáveis

por unidade de receita, para

o cálculo da margem de

contribuição, foram obtidos

empiricamente em uma

regressão do Custo do Produto

Vendido (CPV) contra a Receita

Operacional (Líquida).:

CPVi,t=β0

i,t+β 1

i,tROL

i,t+φ

i,t

Para melhorar o ajuste, a

regressão CPV = f(ROL) desta

pesquisa foi rodada com um

período móvel de estimação

de 17 trimestres fixos, em que

o acréscimo de cada novo

trimestre do período amostral

era acompanhado do abandono

do trimestre inicial da série.

Obtenção do

retorno não

esperado (RNE

ou Ʋ)

Utilizado o market model,

conforme Soares, Rostagno e

Soares (2002), para a estimação

dos retornos esperados, a partir

do qual foi obtido o RNE pela

diferença entre o retorno real e o

retorno esperado.

Utilizado o naïve model (random

walk), em que o retorno não

esperado é a diferença simples

entre o retorno de t e retorno

de t-1, assume-se, nesse modelo,

que o retorno de t-1 é um bom

estimador do retorno de t.

O random walk para retornos

trimestrais pode ser um

procedimento mais frágil do que

o modelo de mercado, mas o

objetivo da pesquisa é também

verificar se os resultados obtidos

por Dantas, Medeiros e Lustosa

(2006) se mantém sob novas

escolhas metodológicas.

Obtenção

do GAO não

esperado

(GAONE)

Modelo naïve, do tipo random

walk, em que o GAONE é a

diferença entre o GAO de t e o

GAO de t-1.

Mesmo modelo utilizado na

pesquisa de Dantas, Medeiros e

Lustosa (2006), ressalvado que

o GAO foi calculado de modo

diferente nos dois estudos.

Diferente apenas no que diz

respeito ao cálculo do GAO.

Modelos para

teste

RNEijt = αij + βij (GAONEij, t–1 )

+ εij, t

ri,t=β

0+β

1 GAO

i,t+ε

i,t

Ʋi,t=β

0+β

1 GAONE

i,t+ε

i,t

ri,t=β

0+β

1 GAO

i,t-1+ε

i,t

Ʋi,t=β

0+β

1 GAONE

i,t-1+ε

i,t

(*)

(*) semelhante ao modelo

utilizado por Dantas et al

(2006).

Três novos modelos foram

adicionados nos testes desta

pesquisa.

continua

Page 161: Revista FAE Jul./Dez. 2012

R e v . F A E , C u r i t i b a , v. 15, n. 2, p. 146-161, jul./dez. 2012159

continua

Elemento Dantas et al (2006) Esta Pesquisa Efeito

Estatísticas

descritivas

e matriz de

correlações

entre as

variáveis

Não apresentadas no artigo.

Apresentadas as estatísticas

descritivas e matriz de

correlações das variáveis, que

revelaram importantes aspectos

dos dados. O GAO médio indica

ociosidade, que, contrastado

com o baixo crescimento médio

da receita trimestral, pode

explicar a predominância de

relação inversa entre o retorno

e o GAO.

Merecem destaque as

correlações negativas entre

o retorno e o GAO, que pode

ser devida a uma condição de

elevada ociosidade com baixo

crescimento da receita.

Resultado dos

testes

Verificado significância

estatística e direta, a 1%, em

painéis sem efeitos, com efeitos

fixos e com efeitos aleatórios. Os

resultados se mantiveram para

amostras com e sem a inclusão

de outliers.

Resultados apresentados

referem-se a regressões rodadas

apenas em painéis sem efeitos

(pooled data). Os resultados

se mantiveram (embora não

apresentados no trabalho)

para painéis com efeitos.

Resultados de três das quatro

especificações econométricas se

mostraram significativos, dois a

1% com associação inversa, e um

a 5%, com associação direta.

A associação inversa nas

especificações 1, 9 e 10, embora

a 1 não seja significativa, pode

ter resultado da combinação

preocupante entre GAO

elevado e baixo crescimento

da receita, durante o período

amostral. Esse é um ponto que

merece ser investigado com

mais profundidade em futuras

pesquisas.

Marcos Conclusivos

O tema alavancagem operacional é objeto

de interesse em muitas pesquisas no exterior,

sendo exemplos apenas de estudos mais recentes:

Jorgensen et al (2009); Li e Li (2004); Griffin e

Dugan (2003).

Para ilustrar essa afirmação, registre-se que

o estudo de Dantas, Medeiros e Lustosa (2006),

transcrito para a língua inglesa e disponibilizado

no repositório SSRN – Social Science Research

Network –, teve mais de 800 downloads na versão

completa, e mais de 4,4 mil vezes o abstract,

posição outubro/2011, por pesquisadores de

todo o mundo. No Brasil, contudo, afora o citado

estudo de Dantas, Medeiros e Lustosa (2006),

as pesquisas sobre esse tema têm sido residuais.

Justifica-se, portanto, avançar nessa área, como

fez este estudo.

O ponto central desta pesquisa foi verificar

se os resultados obtidos no estudo de Dantas,

Medeiros e Lustosa (2006) se mantinham com a

mudança de alguns procedimentos metodológicos

relacionados: (i) com uma nova abordagem para o

cálculo empírico do GAO; (ii) com a substituição do

tradicional modelo de mercado (market model) por

um simples processo random walk para o cálculo

conclusão

FONTE: Os autores

QUADRO 1 — Comparação de metodologias e resultados com a pesquisa de Dantas et al (2006)

Page 162: Revista FAE Jul./Dez. 2012

160

dos retornos não esperados trimestrais; e (iii) com

a investigação da associação contemporânea do

retorno simples de t com o GAO de t, sem se deixar,

contudo, de observar a associação defasada de

um trimestre (retorno de t com o GAO de t-1) e

o comportamento dos retornos não observados

com o GAO não esperado de t e t-1, este último

exatamente como feito no estudo de Dantas,

Medeiros e Lustosa (2006).

Na análise dos resultados desta pesquisa,

contudo, ocorreu uma situação curiosa, que levou

a uma constatação que não fazia parte do objetivo

inicial, um processo que na literatura estrangeira

é conhecido como serendipity: mirar uma coisa

e descobrir outra. As estatísticas descritivas

revelaram que, na média, as empresas da

amostra apresentaram um grau de alavancagem

operacional trimestral relativamente elevado, da

ordem de 12 com a presença de outliers e em torno

de 6 a 8 sem a presença dos outliers.

Ao mesmo tempo, o crescimento médio da

receita, no mesmo período foi da ordem de 7,2%

no trimestre, ou 2,34% ao mês. Essa combinação

de ociosidade, revelada pelo GAO elevado, com

baixo crescimento da receita, permitiu antecipar

que o mercado poderia penalizar o desempenho

das empresas, o que veio a ser constatado pela

correlação negativa predominante entre os

retornos, normais e anormais, com o GAO, normal

e não esperado, de magnitude suficiente para

descartar um processo meramente aleatório,

conforme evidenciado pelos testes estatísticos,

em que se verificou uma associação inversa

e significativa, no nível de 1%, entre o retorno

normal do trimestre corrente t com o GAO do

trimestre anterior, t-1, bem como entre o retorno

anormal ou não esperado de t com o GAO não

esperado do trimestre anterior, t-1. Da mesma

forma, foi negativa a associação entre o retorno

normal de t com o GAO do mesmo trimestre, t,

embora o respectivo teste não tenha apresentado

significância estatística. Ressalve-se, contudo,

que a associação contemporânea entre o retorno

não esperado de t com o GAO não esperado do

mesmo trimestre, t, mostrou-se positiva, embora

com significância menor (5%), em linha com os

resultados encontrados por Dantas, Medeiros e

Lustosa (2006).

Tais resultados abrem oportunidades para

novas pesquisas de associação entre retorno e

GAO, com controle da variação da receita, pois

se espera que haja uma relação inversa entre o

nível de GAO com o comportamento da receita.

Assim, empresas com baixo (alto) GAO, mas com

alta (baixa) variação positiva da receita tendem a

apresentar desempenho menor (maior).

• Recebido em: 01/11/2011

• Aprovado em: 07/03/2012

Page 163: Revista FAE Jul./Dez. 2012

R e v . F A E , C u r i t i b a , v. 15, n. 2, p. 146-161, jul./dez. 2012161

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Page 164: Revista FAE Jul./Dez. 2012

A hipótese de eficiência de mercado e a performance dos fundos de ações brasileirosThe efficient markets hypothesis and the evaluation of the performance

of brazilian mutual funds

Page 165: Revista FAE Jul./Dez. 2012

R e v . F A E , C u r i t i b a , v. 15, n. 2, p. 162-183, jul./dez. 2012163

A hipótese de eficiência de mercado e a performance dos fundos de ações brasileiros

The efficient markets hypothesis and the evaluation of the performance of brazilian mutual funds

Marcus Vinicius de Oliveira e Silva1

Marcos Roberto Gois de Oliveira2

Resumo

Este trabalho teve como objetivo avaliar a performance dos fundos de

ações brasileiros referenciados ao Ibovespa, abrangendo o período de

janeiro de 2000 a março de 2007. Essa avaliação foi feita pela ótica do

investidor, tendo como referência as premissas da Hipótese de Eficiência de

Mercado (HEM). Os resultados apontaram que os fundos passivos tiveram

desempenho inferior ao Ibovespa, enquanto os fundos ativos conseguiram

rendimentos próximos ao Ibovespa. Os resultados dos fundos passivos

e ativos apresentaram desempenho próximo ao que seria esperado,

de acordo com a HEM, quando considerados os custos envolvidos. Ao

mesmo tempo, os fundos ativos alavancados apresentaram rendimentos

notadamente superiores ao do Ibovespa, ficando em desacordo ao que se

poderia esperar pela HEM e pelos níveis de risco apresentados.

Palavras-chave: Mercado Eficiente. Séries Temporais. Testes de Hipótese.

Avaliação de Performance de Fundos de Ações.

Abstract

This work aims to evaluate the performance of the Brazilian mutual funds

referenced by the Ibovespa index, in the period from January 2000 to

March 2007. This evaluation was made from the investor’s perspective and

had as reference the premises of the Efficient Markets Hypothesis (EMH).

The results show that the passively managed mutual funds underperformed

in relation to the Ibovespa index, while the actively managed mutual funds

performed similarly to the Ibovespa index. The results of the passively as

well as the actively managed mutual funds performed close to what should

be expected by the EMH, when costs were taken into consideration. During

the same period, leverage actively managed funds had a performance

clearly superior to the Ibovespa index, which is not compatible with the

EMH, when their risk level is taken into account.

Keywords: Efficient Markets. Time Series Analysis. Hypothesis Testing.

Mutual Funds Performance Evaluation.

1 Mestre em Economia (UFPE). E-mail: [email protected] Doutor em economia (UFPE). Professor da Universidade Federal de Pernambuco.

E-mail: [email protected].

Page 166: Revista FAE Jul./Dez. 2012

164

Introdução

A Hipótese de Eficiência de Mercado

(HEM) é um dos fundamentos da Moderna Teoria

de Finanças. Elton et al (2004) afirmam que a

HEM supõe que os preços dos títulos refletem

integralmente as informações disponíveis. Bodie,

Kane e Marcus (2000) comentam que, de fato,

se os movimentos nos preços das ações fossem

previsíveis, seria uma evidência contundente

da ineficiência do mercado acionário, porque a

habilidade de prever preços indicaria que todas as

informações disponíveis não estariam embutidas

nos preços das ações.

As premissas que dão sustentação à hipótese

têm motivado muitos e intensos debates. Nesse

sentido, afirma Damodaran (2001, p. 201) que:

a eficiência do mercado foi testada em centenas de

estudos ao longo das últimas três décadas. As evidências

destes estudos têm sido às vezes contraditórias, pois

os pesquisadores examinaram as mesmas questões de

várias formas diferentes, utilizando diferentes técnicas

estatísticas e períodos de tempo para seus testes. O

pêndulo da opinião de consenso tem se movimentado

entre a visão de que os mercados são, em sua grande

maioria, eficientes e, a visão de que há ineficiência

significante nos mercados financeiros.

A maioria dos estudos empíricos confirma,

ou pelo menos não conseguem refutar, a HEM.

Entretanto, diversos estudos têm apresentado

resultados que contradizem as premissas da HEM.

As causas desses resultados contraditórios têm

sido chamadas de ‘anomalias’.

Dadas as diferentes características dos ativos

e das carteiras de ativos, os testes de verificação

da existência da HEM necessitam de um modelo

de precificação do objeto da análise que leve em

conta as características de risco, ocorrendo, então,

a chamada hipótese conjunta, o que configura uma

dificuldade adicional. Isso decorre de que eventuais

discrepâncias entre o previsto e o realizado podem

ser decorrentes da inexistência de eficiência em

relação ao ativo analisado, ou ser resultante de um

modelo de precificação inadequado, ou ainda, pelas

duas razões.

A partir de pesquisa bibliográfica, foram

encontrados alguns trabalhos que avaliam a

performance dos gestores de fundos de ações

no Brasil, tais como Minardi (2001), Fonseca et

al. (2007), Gonzalez e Matsumoto (2005), Varga

(1999), Souza et al (1997) e Securato, Oliveira e

Castro Junior (2004). Não foram encontrados

trabalhos de avaliação de fundos brasileiros que

tenham usado o modelo desenvolvido por Jensen

(1967) e testes de hipótese.

Assim, entende-se ser de interesse, uma

avaliação dos gestores dos fundos de ações uti-

lizando um período mais recente, que abrange a

estabilização da economia e um maior desenvolvi-

mento do mercado de ações brasileiro.

Neste trabalho procurou-se verificar, sob

a ótica de um investidor, a validade da HEM nos

fundos de ações brasileiros. Essa análise foi baseada

no modelo desenvolvido por Jensen (1967),

considerado na literatura um dos primeiros e dos

mais utilizados modelos de avaliação de carteiras,

o qual será, de forma resumida, apresentado aqui.

1 Referencial Teórico

1.1 A Hipótese de Eficiência de Mercado – HEM

De acordo com Fama (1970), o mercado de

capitais tem o objetivo fundamental de possibilitar

a alocação eficiente dos capitais de uma economia.

Essa alocação de capitais será tão mais eficiente

quanto melhor os preços retratarem os valores das

diversas alternativas de investimento. Para Fama

(1970), o mercado de capitais ideal seria aquele

em que os preços fornecessem informações

adequadas para a melhor alocação dos recursos,

ou seja, onde as empresas pudessem tomar

as decisões de produção e investimento e os

investidores pudessem escolher entre as ações

das empresas, considerando que os preços, em

Page 167: Revista FAE Jul./Dez. 2012

R e v . F A E , C u r i t i b a , v. 15, n. 2, p. 162-183, jul./dez. 2012165

qualquer tempo, refletiriam todas as informações

disponíveis. Um mercado com essas características

seria considerado eficiente.

Em relação aos mercados acionários, a

abordagem tradicional de estudo tem se baseado na

HEM. Segundo essa hipótese, os preços das ações

oscilariam constantemente, de forma aleatória, em

torno do valor intrínseco dessas ações. Tendo por

base os trabalhos de Samuelson (1965), Fama (1965)

e Roberts (1967), Fama (1970) apresenta uma revisão

da teoria e de evidências da HEM, classificando-a,

sob o aspecto informacional, em três formas: fraca,

semiforte e forte.

Como dito, a HEM não invalida a existência

de distorções localizadas, de sub ou sobre reações

a novas informações. O que a HEM considera é que

não é possível a um analista a utilização rotineira

de distorções de mercado que lhe possibilitem

ganhos extraordinários.

Segundo Damodaran (2001), as definições

de eficiência de mercado têm de ser específicas,

não apenas com relação ao mercado que está

sendo considerado, mas também quanto ao grupo

de investidores compreendido. O autor também

afirma que é improvável que todos os mercados

sejam eficientes para todos os investidores, mas é

factível que um mercado específico, seja eficiente

com respeito ao investidor médio.

1.2 Modelo Básico de Formação de Preços de Ativos

Segundo Bruni e Famá (1999), em 1958,

James Tobin ressaltou a importância do ativo livre

de risco no processo de escolha do investidor. A

taxa de juros deveria representar um prêmio pelo

risco corrido e não apenas uma recompensa pelo

não consumo. Dependendo do grau de aversão ao

risco de um investidor, este poderia dividir seus

investimentos, aplicando-os no ativo livre de risco

e/ou num conjunto otimizado de ativos com risco,

de acordo com Markowitz (1952).

Dimson e Mussavian (1998) comentam que

com o desenvolvimento do modelo de precifica-

ção de ativos por Treynor (1961) e Sharp (1964),

ficou claro que o CAPM poderia fornecer um

benchmark para análises de performance. O pri-

meiro desses estudos foi um artigo de Treynor,

em 1965, seguido de um artigo de Sharp, em 1966.

Essas pesquisas levaram ao desenvolvimento de

modelos que visam descrever e predizer a estru-

tura de correlação entre ativos. A técnica mais

utilizada pressupõe que a variação entre ações é

devida a uma única influência.

Elton et al. (2004) afirmam que a observação

do comportamento dos preços das ações, sugerindo

que um dos motivos pelos quais os retornos dos

ativos são correlacionados poderia ser uma resposta

comum a variações do mercado, e que uma medida

útil dessa correlação poderia ser obtida ao se

relacionar o retorno de uma ação ao retorno de um

índice do mercado de ações.

Assim, o retorno de uma ação poderia ser

escrito do seguinte modo:

RaR miii .β+= (1)

Mercado de capitais tem o objetivo fundamental

de possibilitar a alocação eficiente dos capitais

de uma economia, tal alocação será tão mais eficiente quanto

melhor os preços retratarem os valores das diversas alternativas de

investimento.

Page 168: Revista FAE Jul./Dez. 2012

166

onde:

a i

é o componente do retorno do título

i que é independente do desempenho

do mercado, em si mesma uma variável

aleatória;

Rm

é a taxa de retorno do índice de

mercado;

β­i é o parâmetro que mede a variação

esperada de Ri dada uma variação de R

m.

Representado por α i, o valor esperado de a

i e

ei, o componente aleatório de a

i, a equação (1) pode

ser escrita como:

eRR imiii ++= .βα (2)

Lembrando que Rm e e

i são variáveis

aleatórias, Elton et al. (2004) afirmam que é

conveniente que os ei sejam não correlacionados

com os Rm, o que significa que a capacidade da

equação (2) de descrever o retorno de qualquer

título independe de qual é o retorno do mercado.

σe.i­e σ

m são, respectivamente, os desvios padrão

de ei .e R

m.

A equação de qualquer ponto sobre a linha

de mercado de capitais será dada por:

( )RRRR FmiFi −+= .β (3)

que é a forma mais frequente de ser escrito o

CAPM, onde:

RF rendimento do ativo livre de risco,

que é a remuneração recebida pelo

investidor, pelo tempo de ‘aluguel’ dos

seus recursos;

( )RR Fmi −.β é a remuneração pelo

risco do investimento.

Relly e Brown (2003, p. 240) comentam

que, embora o desenvolvimento do modelo de

precificação de ativos em geral seja atribuído a

William Sharp, tendo inclusive sido concedido

a ele o Prêmio Nobel, Lintner e Mossin3 desen-

volveram teorias similares independentemente.

Por essa razão, esse modelo é ocasionalmente

chamado de modelo de precificação de ativos de

Sharp-Lintner-Mossin.

2 Metodologia

2.1 Fundos de Ações Considerados

Neste trabalho, as informações sobre os

fundos de ações foram fornecidas pela empresa

PR&A Financial Products, que as obteve pelo

sistema SI-ANBID. Foram utilizados os rendimentos

mensais correspondentes ao período de janeiro de

2000 a março de 2007 (portanto, 87 meses).

Tendo por base o estabelecido na literatura

sobre os estudos de avaliação de carteiras de

investimentos, bem como sobre a análise de

regressão linear, considerou-se que os rendimentos

mensais para o período considerado, apresentam

um número de amostras suficiente para a análise.

Foram utilizados, neste estudo, os fundos

de ações que atendiam aos requisitos:

— existência em todo o período de análise

(jan/2000 a mar/2007). Essa restrição

permite que os resultados possam ser

melhor comparados, além de aumentar

a segurança das conclusões, pela

quantidade de observações (meses)

utilizadas;

— que no início do período de análise

(jan/2000) o fundo já tivesse um

3 LINTNER, Jonh. Security Prices, Risk and Maximal Gains from Diversification, Journal of Finance 20, n. 4 (December 1965), 587-615; MOSSIN, J. Equilibrium in a Capital Asset Market, Econometrica 34, n. 4 (October 1966), 768-783.

Page 169: Revista FAE Jul./Dez. 2012

R e v . F A E , C u r i t i b a , v. 15, n. 2, p. 162-183, jul./dez. 2012167

patrimônio superior a R$ 1 milhão. Isso

se dá em virtude de que, às vezes, são

abertos fundos para alguma utilização

específica, e enquanto essa utilização

não acontece, o fundo fica com

um pequeno valor de patrimônio e

possivelmente com uma administração

atípica, não representando, assim, os

fundos do mercado4;

— que fosse referenciado ao Ibovespa.

Na análise que será feita por meio

de regressões, será utilizado o

rendimento de um fundo de mercado

como referência, para o qual será

considerado como proxy o Ibovespa.

Assim, considerou-se que seria

adequada a utilização apenas dos

fundos referenciados ao Ibovespa.

A Associação Nacional dos Bancos de

Investimento (Anbid) classifica os fundos de ações

referenciados ao Ibovespa em três grupos, com as

seguintes definições: fundos passivos referenciados

ao Ibovespa; fundos ativos referenciados ao

Ibovespa; e fundos ativos alavancados referenciados

ao Ibovespa.

Em consequência dos requisitos descritos

anteriormente e da classificação da Anbid, foram

utilizados, neste trabalho, fundos, conforme apre-

sentado a seguir:

4 Esses fundos são chamados, às vezes, de ‘fundos de prateleira’.

Quantidade de Fundos

Tipo de fundoExistentes

no mercadoCom histórico

no períodoUtilizadosno estudo

Passivo 31 16 15

Ativo 96 46 41

Ativo com alavancagem 59 19 18

QUADRO 1 _ Número de fundos do mercado e utilizados

FONTE: Elaboração própria com base em informações da Anbid

2.2 Análise de Regressão

Para a análise de regressão, foram con-

siderados os rendimentos mensais dos fundos se-

le cionados, bem como do Ibovespa.

No estudo, feito com base no modelo de

Jensen (1967) e utilizando análise de regressão, é

utilizada a expressão apresentada a seguir:

).( FtMtFtt RRRFundo −+=− βα (4)

Em relação a essa expressão, surgem duas questões:

— Qual é a melhor carteira de mercado

(RMt)a ser utilizada?

— Qual a melhor carteira livre de risco

(RFt) a ser utilizada?

— Qual o risco dos fundos analisados (β)?

Page 170: Revista FAE Jul./Dez. 2012

168

A Carteira de Mercado considerada no

modelo CAPM e no modelo desenvolvido por

Jensen (1967), conforme Relly e Brown (2003)

e Elton et al. (2004), deveria ser composta por

todos os ativos existentes, cada um considerado

na proporção do seu valor de mercado. Como essa

carteira não pode ser observada, como afirmou Roll

(1977); e segundo Damodaran (2001), foi utilizado

como proxy o rendimento do Ibovespa, índice da

carteira teórica da Bovespa (Bolsa de Valores de

São Paulo).

Um aspecto negativo da utilização do

Ibovespa como proxy do índice da Carteira de

Mercado, é que pela definição dessa Carteira de

Mercado em equilíbrio, ela é composta por todos

os ativos com risco, cada um deles na proporção

do seu valor de mercado. O Ibovespa, por sua vez,

é composto pelas ações mais negociadas, cada

uma delas na proporção de sua negociação no

quadrimestre anterior (e não na proporção do seu

valor de mercado). Esse fato, conforme afirmam

Sanvicente e Mellagi Filho (1996), pode provocar um

viés de especificação. Em relação à Carteira Livre

de Risco surge a questão sobre qual é o índice que

melhor representaria o rendimento dela, podendo

ser consideradas, por exemplo, a variação da Taxa

Selic; da Caderneta de Poupança; e zero.

Procurou-se na realização deste trabalho

verificar o efeito da utilização de cada uma das

três alternativas de ativo livre de risco discutida.

Por fim, realizou-se a análise de risco. Para tal,

considerou-se o risco sistemático mensurado pelo

β na Equação 4. Tendo como referência o β da

carteira de mercado igual a 1, caso esse seja menor

do que 1, trata-se de um fundo com características

conservadoras, caso maior que 1, fundo agressivo.

2.3 Testes de Hipótese

No caso específico deste trabalho, con-

siderando que o teste será bi-caudal, que a amostra

possui 87 elementos (número de meses das séries

de rendimentos), e considerando ainda o nível de

significância de 5% para a soma das duas regiões

de rejeição.

Considerando a existência da HEM, os

gestores dos fundos de ações não deveriam obter

rendimentos diferentes dos obtidos pelo índice

de mercado. Assim, com essa consideração, o α

para a população de rendimentos de cada fundo

de ações deve ser nulo (a reta da regressão passa

pela origem).

Em consequência, o teste de hipótese para

o α, deve ser:

H0 : α = 0

H1 : α ≠ 0

De forma semelhante, de acordo com a

HEM, para o teste de hipótese do β tem-se:

H0 : β = 1

H1 : β ≠ 1

O Ibovespa, é composto

pelas ações mais

negociadas, cada uma

delas na proporção

de sua negociação no

quadrimestre anterior,

e não na proporção

do seu valor de

mercado.

Page 171: Revista FAE Jul./Dez. 2012

R e v . F A E , C u r i t i b a , v. 15, n. 2, p. 162-183, jul./dez. 2012169

3 Resultados

3.1 Resultados para Fundos Passivos Referenciados ao Ibovespa

Os resultados dos fundos passivos referenciados ao Ibovespa, com a poupança como ativo livre de

risco, são apresentados na TAB. 1 a seguir:

TABELA 1 _ Avaliação de fundos passivos referenciados ao Ibovespa - RF = Poupança

Código do Fundo

Teste de Hipótese para o αH

0: α = 0

Teste de Hipótese para o βH

0: β = 1

Rentabilidade Comparação com o índice - num. de

semanasPeríodo Mensal

Intercepto

Estatística t-1,9884

< valor < 1,9884

Prob> 0,05

Rejeita H0

ValorDesvioPadrão

Estatística t-1,9884

< valor < 1,9884

Rejeita H0

IBV = 168,0 IBV = 1,93 F > IBV F < IBV

P_IBV_1 -1,017 -9,665 0,000 S 0,988 0,133 -0,087 N 10,25 0,12 13 74

P_IBV_2 -0,259 -2,378 0,020 S 1,003 0,014 0,197 N 120,06 1,38 32 55

P_IBV_3 -0,385 -1,773 0,080 N 0,881 0,027 -4,350 S 86,36 0,99 36 51

P_IBV_4 -0,131 -1,405 0,164 N 1,005 0,012 0,431 N 153,08 1,76 35 52

P_IBV_5 111,62 1,28 28 59

P_IBV_6 -0,244 -2,477 0,015 S 1,009 0,012 0,753 N 116,48 1,34 27 60

P_IBV_7 116,52 1,34 28 59

P_IBV_8 -0,051 -0,490 0,626 N 0,981 0,013 -1,469 N 165,46 1,90 41 46

P_IBV_9 -0,172 -1,860 0,066 N 0,970 0,012 -2,585 S 136,30 1,57 33 54

P_IBV_10 -0,291 -3,218 0,002 S 0,982 0,011 -1,613 N 107,53 1,24 27 60

P_IBV_11 -0,204 -2,263 0,026 S 1,000 0,011 0,003 N 133,98 1,54 30 57

P_IBV_12 -0,119 -1,326 0,188 N 1,001 0,011 0,054 N 151,87 1,75 32 55

P_IBV_13 -0,197 -2,176 0,032 S 0,983 0,011 -1,520 N 137,66 1,58 31 56

P_IBV_14 137,75 1,58 29 58

P_IBV_15 -0,102 -1,100 0,275 N 1,007 0,012 0,632 N 144,86 1,67 36 51

MÉDIA -0,264 0,984 121,99 1,40 31 56

MEDIANA -0,200 0,994 133,98 1,54 31 56

FONTE: Os autores

Page 172: Revista FAE Jul./Dez. 2012

170

— o valor médio para o intercepto foi de -0,264. Como visto anteriormente, o modelo utilizado

considera que se os fundos tivessem um comportamento semelhante à Carteira de Mercado, o

seu valor médio deveria ser nulo. Nesse caso, dos 12 fundos analisados, para seis deles o valor

do intercepto foi negativo de modo estatisticamente significante a 5%. Ao mesmo tempo, para

outros seis fundos, embora os interceptos calculados tenham sido também negativos, não foram

diferentes de zero de forma estatisticamente significativa;

— apenas dois fundos tiveram o β significativamente menor que 1, os demais foram igualdade estatís-

tica ao Ibovespa;

— o rendimento médio no período foi de 121,99%, enquanto a correspondente variação acumulada

do Ibovespa foi de 168%;

— nenhum fundo teve rendimento acumulado no período, superior ao Ibovespa;

— em média, os fundos tiveram rendimentos superiores ao Ibovespa em 31 meses, enquanto durante

56 meses, em média, os rendimentos foram inferiores.

Os resultados dos fundos passivos referenciados ao Ibovespa, quando foi variado o ativo livre de risco estão

apresentados em resumo a seguir.

TABELA 2 _ Resumo dos resultados dos fundos passivos referenciados ao Ibovespa

Tipo do Ativo

Livre de Risco

Quantidade

Total

Quantidade

utilizada

nos Testes

Teste de Hipótese para o α

H0: α = 0

Teste de Hipótese para o β

H0: β = 1

Rejeita H0

α < 0Não Rejeita

H0

Rejeita H0

α > 0Rejeita H

0

β < 1Não Rejeita

H0

Rejeita H0

β > 1

RF + SELIC 15 12 8 4 0 2 10 0

RF = POUPANÇA 15 12 6 6 0 2 10 0

RF = 0 15 12 7 5 0 2 10 0

FONTE: Os autores

Essa tabela mostra que:

— em nenhum teste de hipótese para o intercepto (α), a hipótese nula foi rejeitada por ser

significativamente maior que zero, tendo ocorrido em diversos casos dela ser rejeitada por ser

menor que zero;

— o número de casos em que a hipótese nula foi rejeitada, sendo α menor que zero (21), foi maior que

o número de casos em que a hipótese nula não foi rejeitada (15);

— a não rejeição da hipótese nula do risco em 10 dos 12 fundos demonstra que os gestores dos

fundos estavam acompanhando o Ibovespa em relação ao risco.

Tendo por base as premissas da HEM, observa-se que esses fundos, em média, apresentaram resultados

inferiores aos que poderiam ser esperados, demonstrando incapacidade dos gestores em obter resultados

semelhantes ao Ibovespa.

Nessa Tabela, pode ser observado que para os fundos passivos referenciados ao Ibovespa:

Page 173: Revista FAE Jul./Dez. 2012

R e v . F A E , C u r i t i b a , v. 15, n. 2, p. 162-183, jul./dez. 2012171

Os fundos passivos têm por meta um

rendimento semelhante a do índice ao qual são

referenciados. Esses fundos chamados ‘passivos’,

de fato poderiam se chamar de algo como ‘pouco

ativos’. No caso particular dos fundos referenciados

ao Ibovespa, isso decorre do seguinte:

— A carteira teórica da Bovespa, utilizada

para a definição do índice Bovespa,

é redefinida a cada quadrimestre, no

período de setembro a dezembro de

2007, composta por 63 ações, cada

uma delas com uma participação

definida em função da sua negociação

nos 12 meses anteriores;

— Não é considerada nenhuma despesa

de administração nessa carteira teórica,

bem como os ajustes que são feitos a

cada quatro meses, são realizados sem

que sejam considerados os custos de

transação;

— Esses fundos, embora sejam classificados

como passivos e tenham por meta um

rendimento semelhante ao do Ibovespa,

em geral, possuem uma variedade de

ações bem menor do que a daquela

carteira teórica. Assim, se a carteira

teórica Ibovespa atualmente possui 63

ações, é razoável esperar que um fundo

passivo referenciado ao Ibovespa não

possua mais que 20 daquelas 63 ações;

— Esse menor número de ações decorre

da baixa liquidez das ações com menor

participação naquele índice, bem

como do fato de que o gestor deve

procurar compensar, a partir da aposta

no rendimento futuro de um ou mais

papéis, ou pela aplicação em derivativos,

a redução de rendimento decorrente

dos custos de transação e da taxa

administrativa cobrada;

— Os gestores dos fundos também

precisam manter parte do patrimônio

em aplicações de renda fixa ou em

depósitos à vista, visando fazer face às

aplicações e resgates, o que também

pode prejudicar o rendimento do fundo.

Em defesa dos administradores dos fundos

passivos referenciados ao Ibovespa, pode-se

argumentar que as premissas da definição da

HEM estabelecem que não devem existir custos de

transação, nem para a obtenção de informações.

Esse fato, que é verdadeiro para o cálculo do

Ibovespa, não ocorre com os fundos de mercado.

Nesse aspecto, o ideal seria fazer uma verificação

a partir da simulação das regressões e testes de

hipótese, sem considerar os custos existentes nos

fundos passivos. Ocorre que não são disponíveis

todos os custos incorridos por esses fundos.

Assim, simplificadamente, buscou-se uma

avaliação da consideração dos custos, repetindo

as análises de regressão e testes de hipótese, com

outro índice correspondente à Carteira de Mercado,

representado pelo Ibovespa descontado de despesas

correspondentes a 1,5%5 ao ano, visando representar

o que poderia ser a taxa de administração e as

despesas necessárias à adequação da carteira, que

é feita a cada quatro meses.

O cálculo do efeito desse custo de 1,5%

anual foi feito considerando que:

RB - rendimento bruto;

RL - rendimento líquido;

PBF - patrimônio bruto final;

PLF - patrimônio líquido final;

Pi - patrimônio inicial;

TA - taxa de administração (mensal) =

12 .anualtx

5 Estimou-se que 1% ao ano poderia ser uma taxa de administração razoável para um fundo passivo com essas características, e que 0,5% ao ano seria o equivalente aos custos necessários para a adequação da carteira a cada quatro meses, conforme é feito na carteira teórica da Bovespa.

Page 174: Revista FAE Jul./Dez. 2012

172

O rendimento de um mês será dado por:

1−=

P

PLR

i

FL

(5)

Tem-se também que:

PBF = P

i . (1 + R

B) (6) e PL

F = PB

F . (1 - T

A) (7)

Substituindo (43) em (44) e, posteriormente, em (42), tem-se:

PLF = (1 + R

B)(1 - TA) - 1 (8)

Os resultados dessa verificação, com um Ibovespa a 1,5% a.a. de despesas, estão apresentados a seguir:

TABELA 3 _ Resultado dos fundos passivos referenciados ao Ibovespa, com o rendimento do Ibovespa reduzido por uma

taxa de 1,5% a.a.

Código do Fundo

Teste de Hipótese para o αH

0: α = 0

Teste de Hipótese para o βH

0: β = 1

Rentabilidade Comparação com o índice - num. de

semanasPeríodo Mensal

Intercepto

Estatística t-1,9884

< valor < 1,9884

Prob> 0,05

Rejeita H0

ValorDesvioPadrão

Estatística t-1,9884

< valor < 1,9884

Rejeita H0

IBV = 140,6 IBV = 1,62 F > IBV F < IBV

P_IBV_1 -0,894 -8,501 0,000 S 0,990 0,013 -0,781 N 10,25 0,12 16 71

P_IBV_2 -0,133 -1,226 0,224 N 1,004 0,014 0,287 N 120,06 1,38 38 49

P_IBV_3 -0,275 -1,267 0,209 N 0,882 0,027 -4,305 S 86,36 0,99 39 48

P_IBV_4 -0,006 0,059 0,953 N 1,006 0,012 0,538 N 153,08 1,76 43 44

P_IBV_5 111,62 1,28 32 55

P_IBV_6 -0,117 -0,194 0,236 N 1,011 0,012 0,854 N 116,48 1,34 33 54

P_IBV_7 116,52 1,34 32 55

P_IBV_8 0,072 0,702 0,485 N 0,982 0,013 -1,372 N 165,46 1,90 48 39

P_IBV_9 -0,050 -0,546 0,586 N 0,971 0,012 -2,478 S 136,30 1,57 40 47

P_IBV_10 -0,168 -1,861 0,066 N 0,983 0,011 -1,503 N 107,53 1,24 33 54

P_IBV_11 0,079 -0,874 0,385 N 1,001 0,011 0,113 N 133,98 1,54 33 54

P_IBV_12 0,007 0,074 0,941 N 1,002 0,011 0,166 N 151,87 1,75 41 46

P_IBV_13 -0,074 -0,818 0,416 N 0,984 0,011 -1,410 N 137,66 1,58 42 45

P_IBV_14 137,75 1,58 40 47

P_IBV_15 0,024 0,264 0,793 N 1,009 0,012 0,739 N 144,86 1,67 42 45

MÉDIA -0,128 0,985 121,99 1,40 37 50

MEDIANA -0,062 0,995 133,98 1,54 39 48

FONTE: Os autores

Page 175: Revista FAE Jul./Dez. 2012

R e v . F A E , C u r i t i b a , v. 15, n. 2, p. 162-183, jul./dez. 2012173

Observa-se, que:

— o valor médio dos interceptos, ainda é negativo;

— alguns fundos (4) tiveram rendimentos acumulados no período, superiores ao índice (Ibovespa

descontado de 1,5% a.a.);

— alguns fundos (4) apresentam intercepto positivo, embora nenhum deles de forma estatisti-

camente significante;

— o rendimento acumulado do índice (140,6%) ainda foi maior que a média dos rendimentos dos

fundos (121,99%).

TABELA 4 _ Comparação dos testes de hipótese para os fundos passivos referenciados ao Ibovespa – Ibovespa com e

sem a consideração de despesas.

Consideração

sobre o

Ibovespa

Quantidade

Total

Quantidade

utilizada

nos Testes

Teste de Hipótese para o α

H0: α = 0

Teste de Hipótese para o β

H0: β = 1

Rejeita H0

α < 0Não Rejeita

H0

Rejeita H0

α > 0Rejeita H

0

β < 1Não Rejeita

H0

Rejeita H0

β > 1

Sem despesas 15 12 7 5 0 2 10 0

Com despesas

1,5% a.a.15 12 1 11 0 2 10 0

FONTE: Os autores

Na TAB. 4, pode-se observar que a consideração das despesas de 1,5% ao ano, para o Ibovespa, levou a

redução dos casos em que a hipótese nula para o intercepto foi rejeitada, por ser o α significativamente menor

que zero, que passou de 7 para 1 apenas. Apesar disso, continuou sem ocorrer nenhum caso em que a hipótese

nula foi rejeitada, por ser o α significativamente maior que zero.

TABELA 5 _ Comparação de outros resultados dos fundos passivos referenciados ao Ibovespa — Ibovespa com e sem a

consideração de despesas

Consideração

sobre o

Ibovespa

Quantidade

Total

Quantidade

utilizada

nos Testes

Valores médios Rentabilidade

acumulada

Ibovespa

Número de meses

α β rentabilidade acumulada

F > IBV F < IBV

Sem despesas 15 12 -0,264 0,984 122,0 168,0 31 56

Com despesas

1,5% a.a.15 12 -0,128 0,985 122,0 140,6 37 50

FONTE: Os autores

Na tabela acima, comparando-se os dois casos, observa-se que mesmo considerando o Ibovespa com

uma redução de rendimento equivalente a despesas de 1,5% ao ano, ainda assim, os fundos passivos, em

média, tiveram um desempenho inferior ao índice. O fato de incluir as despesas não teve impacto significante

nos riscos medidos pelo β (TAB. 4).

Page 176: Revista FAE Jul./Dez. 2012

174

3.2 Resultados para Fundos Ativos Referenciados ao Ibovespa

Os resultados dos fundos ativos referenciados ao Ibovespa, com a poupança como ativo livre de risco,

são apresentados na tabela a seguir:

TABELA 6 _ Avaliação de fundos ativos referenciados ao Ibovespa - RF = poupança

Código do Fundo

Teste de Hipótese para o αH

0: α = 0

Teste de Hipótese para o βH

0: β = 1

Rentabilidade Comparação com o índice - num. de

semanasPeríodo Mensal

Intercepto

Estatística t-1,9884

< valor < 1,9884

Prob> 0,05

Rejeita H0

ValorDesvioPadrão

Estatística t-1,9884

< valor < 1,9884

Rejeita H0

IBV = 168,0 IBV = 1,93 F > IBV F < IBV

AT_IBV_1 0,109 0,700 0,486 N 0,959 0,020 -2,077 S 222,00 2,55 48 39

AT_IBV_2 0,143 0,937 0,352 N 0,959 0,019 -2,152 S 199,65 2,29 48 39

AT_IBV_3 -0,244 -1,277 0,205 N 0,962 0,024 -1,581 N 114,18 1,31 36 51

AT_IBV_4 0,100 0,569 0,571 N 0,970 0,024 -1,245 N 190,86 2,19 44 43

AT_IBV_5 -0,458 -2,441 0,017 S 0,951 0,024 -2,081 S 77,82 0,89 31 56

AT_IBV_6 0,218 0,651 0,517 N 0,844 0,042 -3,684 S 205,49 2,36 46 41

AT_IBV_7 -0,220 -1,339 0,184 N 0,997 0,021 -0,166 N 133,24 1,53 37 50

AT_IBV_8 -0,329 -2,220 0,029 S 0,977 0,019 -1,211 N 100,12 1,15 36 51

AT_IBV_9 -0,086 -0,407 0,685 N 0,896 0,027 -3,915 S 142,00 1,63 38 49

AT_IBV_10 281,33 3,23 53 34

AT_IBV_11 -0,304 -1,196 0,235 N 1,025 0,032 0,789 N 100,87 1,16 44 43

AT_IBV_12 -0,517 -3,383 0,001 S 0,922 0,019 -4,064 S 68,77 0,79 30 57

AT_IBV_13 -0,005 -0,028 0,978 N 0,903 0,020 -4,766 S 145,94 1,68 39 48

AT_IBV_14 0,032 0,216 0,830 N 0,950 0,019 -2,661 S 172,06 1,98 48 39

AT_IBV_15 -0,376 -2,719 0,008 S 0,972 0,017 -1,628 N 113,10 1,30 33 54

AT_IBV_16 -0,260 -1,654 0,102 N 0,978 0,020 -1,110 N 136,46 1,57 38 49

AT_IBV_17 0,419 1,683 0,096 N 0,925 0,031 -2,383 S 272,34 3,13 53 34

AT_IBV_18 0,367 1,479 0,143 N 0,880 0,031 -3,825 S 253,97 2,92 54 33

AT_IBV_19 1,087 4,278 0,000 S 0,854 0,032 -4,557 S 555,50 6,39 54 33

AT_IBV_20 0,383 1,669 0,099 N 0,862 0,029 -4,773 S 259,34 2,98 44 43

AT_IBV_21 549,40 6,31 45 42

AT_IBV_22 382,85 4,40 47 40

AT_IBV_23 0,108 1,041 0,301 N 0,984 0,013 -1,256 N 192,63 2,21 47 40

AT_IBV_24 327,77 3,77 49 38

AT_IBV_25 0,383 2,605 0,011 S 0,972 0,018 -1,500 N 269,20 3,09 50 37

AT_IBV_26 0,266 1,681 0,096 N 0,975 0,020 -1,283 N 251,54 2,89 48 39

AT_IBV_27 326,19 3,75 49 38

AT_IBV_28 0,378 1,903 0,060 N 0,860 0,025 -5,592 S 260,37 2,99 49 38

AT_IBV_29 79,47 0,91 39 48

continua

Page 177: Revista FAE Jul./Dez. 2012

R e v . F A E , C u r i t i b a , v. 15, n. 2, p. 162-183, jul./dez. 2012175

A TAB. 6 apresenta para os fundos ativos referenciados ao Ibovespa estudados:

— o valor médio para o intercepto (α) foi de 0,072;

— o valor médio do (β) foi de 0,938;

— a média dos rendimentos acumulados no período foi de 214,43%, portanto superior aos 168%

obtidos pelo Ibovespa;

— tiveram em média rendimentos superiores ao Ibovespa em 44 meses, enquanto em 43 meses, em

média, os rendimentos foram inferiores.

Os resultados dos fundos ativos referenciados ao Ibovespa, quando variado o ativo livre de risco, são

apresentados a seguir:

TABELA 7 _ Resumo dos resultados dos fundos ativos referenciados ao Ibovespa

Tipo do Ativo

Livre de Risco

Quantidade

Total

Quantidade

utilizada

nos Testes

Teste de Hipótese para o α

H0: α = 0

Teste de Hipótese para o β

H0: β = 1

Rejeita H0

α < 0

Não Rejeita

H0

Rejeita H0

α > 0

Rejeita H0

β < 1

Não Rejeita

H0

Rejeita H0

β > 1

RF = SELIC 41 32 4 25 3 17 15 0

RF = POUPANÇA 41 32 4 25 3 17 15 0

RF = 0 41 32 4 25 3 17 15 0

FONTE: Os autores

AT_IBV_30 0,249 1,574 0,119 N 0,983 0,020 -0,853 N 266,91 3,07 50 37

AT_IBV_31 0,399 2,135 0,036 S 0,876 0,024 -5,288 S 268,22 3,08 48 39

AT_IBV_32 178,85 2,06 42 45

AT_IBV_33 -0,095 -0,605 0,547 N 0,980 0,020 -1,036 N 172,63 1,98 43 44

AT_IBV_34 0,214 1,298 0,198 N 0,965 0,021 -1,692 N 218,34 2,51 50 37

AT_IBV_35 -0,052 -0,317 0,752 N 0,947 0,021 -2,546 S 165,90 1,91 42 45

AT_IBV_36 -0,162 -0,508 0,613 N 0,769 0,040 -5,767 S 116,56 1,34 43 44

AT_IBV_37 303,86 3,49 49 38

AT_IBV_38 0,048 0,235 0,815 N 0,964 0,025 -1,427 N 174,36 2,00 44 43

AT_IBV_39 0,219 1,364 0,176 N 0,935 0,020 -3,233 S 178,60 2,05 48 39

AT_IBV_40 124,08 1,43 39 48

AT_IBV_41 0,279 1,893 0,062 N 1,025 0,019 1,328 N 239,01 2,75 47 40

MÉDIA 0,072 0,938 214,43 2,46 44 43

MEDIANA 0,104 0,959 192,63 2,21 46 41

FONTE: Os autores

Código do Fundo

Teste de Hipótese para o αH

0: α = 0

Teste de Hipótese para o βH

0: β = 1

Rentabilidade Comparação com o índice - num. de

semanasPeríodo Mensal

Intercepto

Estatística t-1,9884

< valor < 1,9884

Prob> 0,05

Rejeita H0

ValorDesvioPadrão

Estatística t-1,9884

< valor < 1,9884

Rejeita H0

IBV = 168,0 IBV = 1,93 F > IBV F < IBV

conclusãoTABELA 6 _ Avaliação de fundos ativos referenciados ao Ibovespa - RF = poupança

Page 178: Revista FAE Jul./Dez. 2012

176

Nessa Tabela, pode-se observar que os fundos ativos referenciados ao Ibovespa apresentaram,

aproximadamente, os mesmos números de testes em que a hipótese nula foi rejeitada, por ser o α

significativamente maior ou menor que zero, sendo que, na maioria dos casos, a hipótese nula (α = 0) não

pôde ser rejeitada.

Os resultados obtidos para o conjunto dos fundos ativos referenciados ao Ibovespa ficaram muito

próximos do que se poderia esperar de acordo com as premissas da HEM, visto que:

— o α médio ficou próximo a zero;

— o número de testes em que “H0” foi rejeitada foi aproximadamente igual para α > 0 e também α <

0. Como já comentado, a HEM não nega a possibilidade de ocorrerem casos com α > 0 e α < 0. A

HEM diz apenas que essas probabilidades devem ser semelhantes e fruto do acaso;

— alguns fundos (um pouco mais de 50%) conseguiram um risco menor que a carteira teórica dos

fundos ativos;

— as médias dos números de meses com rendimentos superiores e inferiores ao Ibovespa foram

semelhantes (44 e 43).

3.3 Resultados para Fundos Ativos Alavancados e Referenciados ao Ibovespa

Os resultados dos fundos ativos alavancados referenciados ao Ibovespa, com a poupança como ativo

livre de risco, são apresentados na tabela a seguir:

TABELA 8 _ Resumo dos resultados dos fundos ativos referenciados ao Ibovespa

Código do Fundo

Teste de Hipótese para o αH

0: α = 0

Teste de Hipótese para o βH

0: β = 1

Rentabilidade Comparação com o índice - num. de

semanasPeríodo Mensal

Intercepto

Estatística t-1,9884

< valor < 1,9884

Prob> 0,05

Rejeita H0

ValorDesvioPadrão

Estatística t-1,9884

< valor < 1,9884

Rejeita H0

IBV = 168,0 IBV = 1,93 F > IBV F < IBV

AT_A_IBV_1 186,96 2,15 47 40

AT_A_IBV_2 0,520 2,703 0,008 S 0,938 0,024 -2,569 S 311,50 3,58 53 34

AT_A_IBV_3 0,590 3,006 0,004 S 0,970 0,025 -1,219 N 369,21 4,24 57 30

AT_A_IBV_4 0,243 0,820 0,415 N 0,925 0,037 -2,016 S 295,76 3,40 52 35

AT_A_IBV_5 0,727 1,859 0,067 N 0,776 0,049 -4,554 S 360,49 4,14 45 42

AT_A_IBV_6 0,615 2,219 0,029 S 0,980 0,035 -0,586 N 349,07 4,53 54 33

AT_A_IBV_7 0,709 2,404 0,018 S 0,953 0,037 -1,265 N 374,65 4,31 52 35

AT_A_IBV_8 199,31 2,29 42 45

AT_A_IBV_9 -0,110 -0,770 0,444 N 1,005 0,018 0,300 N 130,12 1,50 40 47

continua

Page 179: Revista FAE Jul./Dez. 2012

R e v . F A E , C u r i t i b a , v. 15, n. 2, p. 162-183, jul./dez. 2012177

FONTE: Os autores

A TAB. 8 mostra que para os fundos ativos alavancados referenciados ao Ibovespa:

— o valor médio do intercepto­α­foi de 0,458, ou seja, bem superior a zero;

— o β médio foi de 0,937;

— a média dos rendimentos acumulados no período foi de 298,28%, em comparação aos 168% obtidos pelo Ibovespa;

— em média, num maior número de meses (48) obtiveram rendimentos superiores ao Ibovespa, tendo obtido rendimentos inferiores, em média, em 39 meses.

AT_A_IBV_10 -0,165 -0,877 0,383 N 1,019 0,024 0,821 N 147,01 1,69 42 45

AT_A_IBV_11 1,070 2,862 0,005 S 0,980 0,048 -0,426 N 448,81 5,16 55 32

AT_A_IBV_12 1,296 3,242 0,002 S 0,779 0,050 -4,398 S 646,10 7,43 50 37

AT_A_IBV_13 209,02 2,40 45 42

AT_A_IBV_14 0,512 2,391 0,019 S 0,935 0,027 -2,431 S 307,03 3,53 51 36

AT_A_IBV_15 0,375 1,517 0,133 N 0,909 0,031 -2,968 S 316,57 3,64 48 39

AT_A_IBV_16 0,262 1,475 0,144 N 0,950 0,022 -2,262 S 252,18 2,90 45 42

AT_A_IBV_17 -0,016 -0,087 0,931 N 0,975 0,023 -1,112 N 161,10 1,85 43 44

AT_A_IBV_18 0,243 0,892 0,375 N 0,970 0,035 -0,852 N 259,23 2,98 51 36

MÉDIA 0,458 0,937 298,28 3,43 48 39

MEDIANA 0,512 0,953 301,40 3,46 49 38

Código do Fundo

Teste de Hipótese para o αH

0: α = 0

Teste de Hipótese para o βH

0: β = 1

Rentabilidade Comparação com o índice - num. de

semanasPeríodo Mensal

Intercepto

Estatística t-1,9884

< valor < 1,9884

Prob> 0,05

Rejeita H0

ValorDesvioPadrão

Estatística t-1,9884

< valor < 1,9884

Rejeita H0

IBV = 168,0 IBV = 1,93 F > IBV F < IBV

conclusãoTABELA 8 _ Resumo dos resultados dos fundos ativos referenciados ao Ibovespa

Page 180: Revista FAE Jul./Dez. 2012

178

Ao contrário dos fundos passivos, os fundos ativos alavancados referenciados ao Ibovespa não tiveram

nenhum caso em que a hipótese nula foi rejeitada por ser o intercepto (α) significativamente menor que zero,

e diversos casos em que a hipótese nula foi rejeitada por ser o α significativamente maior que zero.

No tocante aos riscos, os fundos alavancados tiveram um aumento do risco de forma marginal em

relação aos fundos ativos, uma vez que um pouco menos da metade dos fundos tiveram um β inferior a 1.

3.4 Avaliação do Risco dos Fundos

Visando uma comparação dos níveis de risco dos diversos fundos, representados pelos respectivos

betas, esses índices foram calculados de acordo com a expressão:

( )( )R

RR

m

mjj

σβ

2

,cov=

­­­­­­­­­­(9)

Não foram utilizados os betas calculados pelas regressões, visto que:

— em diversos casos, para ser obtida a distribuição normal dos resíduos, foram utilizadas variáveis dummy,

que tinha como consequência desconsiderar um ou dois pontos extremos das séries de dados;

— a expressão utilizada nas regressões, como apresentado na equação (4), não era exatamente a

do CAPM.

Os resultados dos fundos ativos alavancados referenciados ao Ibovespa, quando variado, o ativo livre de

risco é apresentado a seguir:

TABELA 9 _ Resumo dos resultados dos fundos ativos alavancados referenciados ao Ibovespa

Tipo do Ativo

Livre de Risco

Quantidade

Total

Quantidade

utilizada

nos Testes

Teste de Hipótese para o α

H0: α = 0

Teste de Hipótese para o β

H0: β = 1

Rejeita H0

α < 0

Não Rejeita

H0

Rejeita H0

α > 0

Rejeita H0

β < 1

Não Rejeita

H0

Rejeita H0

β > 1

RF = SELIC 18 15 0 8 7 7 8 0

RF = POUPANÇA 18 15 0 8 7 7 8 0

RF = 0 18 14 0 6 8 6 8 0

FONTE: Os autores

Page 181: Revista FAE Jul./Dez. 2012

R e v . F A E , C u r i t i b a , v. 15, n. 2, p. 162-183, jul./dez. 2012179

TABELA 11 _ Comparação dos desvios-padrão e variâncias dos fundos

A TAB. 11 também não mostra que os fun-

dos que se propõem a ser mais agressivos, de

fato, apresentaram maior risco. Existe uma dis-

cussão no mercado financeiro, em relação aos

fundos de ações, sobre qual a melhor opção de

investimento, se fundos passivos ou ativos. Al-

guns analistas acham que existem vantagens em

ser feitas aplicações em fundos ativos ou ativos

alavan ca dos. Outros, que esses fundos não são

boas opções, visto que a eventual diferença de

rendimentos não é suficiente para compensar o

risco adicional envolvido.

Em relação a essa discussão, e levando em

conta os valores apresentados nas Tabelas 10 e

11, fica claro ter sido mais vantajosa a aplicação

em fundos mais agressivos. Esses resultados não

devem ser considerados como podendo dar um

DescriçãoDesvio Padrão

(média)

Variância

(média)

Ibovespa 7,97 63,5

Fundos Passivos 7,93 62,9

Fundos Ativos 7,52 57,7

Fundos Ativos Alavancados 8,00 64,3

FONTE: Os autores

O resumo desses valores calculados é apresentado a seguir:

TABELA 10 _ Comparação dos cálculos dos betas para cada tipo de fundo

Cálculo dos betas

Tipo de fundo Média Mediana Desvio-Padrão

Passivo 0,974 0,977 0,031

Ativo 0,916 0,939 0,067

Ativo alavancado 0,932 0,936 0,071

final à discussão, pelas restrições de período de

análise e conjunto de fundos analisados. Também

pode ter contribuído para esses resultados o bom

desempenho do Ibovespa nos últimos anos.

3.5 Limitações dos Resultados Obtidos pela Análise de Regressões

A avaliação dos gestores dos fundos

de ações, pela análise de regressões de séries

temporais, utilizando o modelo desenvolvido por

Jensen (1967), realizada neste trabalho, possui

limitações, tais como:

FONTE: Os autores

A TAB. 10 mostra que as médias e as medianas dos β não indicam que os fundos mais agressivos

correram maior risco. Apenas os desvios padrão dos β apresentaram valores proporcionais ao que seria

esperado para os riscos corridos pelos fundos. Por outra forma de avaliar o risco corrido pelos fundos, a seguir

são apresentados os valores médios dos desvios padrão e das variâncias do Ibovespa e dos três tipos de fundos.

— viés de sobrevivência: foram estu-

dados fundos que existiam em todo

o período de análise, de janeiro de

Page 182: Revista FAE Jul./Dez. 2012

180

2000 a março de 2007. Assim, a não

consideração dos fundos que deixaram

de existir no período acarreta numa

distorção que aumenta os resultados

obtidos pelos administradores;

— viés de especificação: como a car teira

de mercado é definida como sendo

composta por todos os ativos com

risco cada um deles participando na

proporção de seu valor de mercado,

e como, diferentemente, cada ativo

que compõe o Ibovespa tem uma

participação proporcional a sua nego-

ciação no período anterior, esse fato

pode contribuir para incorreções nos

resultados;

— o modelo de índice único: o modelo

desenvolvido por Jensen (1967), base-

ou-se no modelo de índice único

CAPM. A exemplo da grande discussão

existente entre os que defendem e os

que refutam a HEM, também existe

um debate acalorado entre os que

defendem e os que criticam o método

CAPM. A simplicidade do método CAPM

é, ao mesmo tempo, razão de defesa

da sua utilização por uns, e crítica por

outros. Assim, tendo em vista a grande

dificuldade enfrentada pela análise de

eficiência de mercado, decorrente da

hipótese conjunta, pode-se questionar

o modelo de índice único baseado no β,

em favor de outros modelos;

— modelo com índice constante: outra

característica do modelo CAPM básico,

é a consideração de que o β é constante

em todo o período de análise. As

rápidas mudanças nos mercados de

ações podem não ser avaliadas ade-

quadamente ao ser utilizado um modelo

com índice constante.

Conclusões

Este trabalho buscou avaliar os gestores dos

fundos de ações referenciados ao Ibovespa, sob

a ótica do investidor, no período compreendido

entre os meses de janeiro de 2000 a março de

2007, verificando como se comportavam, tendo

como referência premissas da HEM. Assim, pelos

comentários anteriores, que se baseiam em

uma grande quantidade de estudos empíricos, é

importante salientar que as conclusões não podem

ser generalizadas.

Por tudo o que já foi comentado, fica claro

que a avaliação dos fundos de ações, sob a ótica da

HEM, não deve ter apenas rigor matemático, sendo

aconselhável serem feitas também avaliações

qualitativas e comparativas. Das três análises reali-

zadas (fundo passivo, ativo e alavancado), duas

corroboraram a HEM e uma a refutou.

Feitas todas essas ressalvas, considera-se

que os resultados obtidos pelas análises de re-

gressão de séries temporais, utilizando testes de

hipótese e o modelo de avaliação de carteiras de-

senvolvido por Jensen (1967), mostraram para os

fundos e períodos analisados, que:

— os fundos passivos referenciados

ao Ibovespa tiveram, em média, um

desempenho inferior ao índice de mer-

cado utilizado — que foi o Ibovespa

—, corroborando, dessa forma, com

a Hipótese de Eficiência de Mercado.

Esse fato significa que os gestores, por

meio de sua atuação, não conseguiram

compensar os custos administrativos e

de transação incorridos pelos fundos.

Ressalta-se que nenhum fundo passivo

apresentou rendimento superior ao

mercado (medida pelo valor do in-

ter cepto da reta de regressão), de

forma estatisticamente significante.

Mesmo quando foi considerado como

rendimento da Carteira de Mercado,

um índice fictício resultante de ser

descontado dos rendimentos do

Page 183: Revista FAE Jul./Dez. 2012

R e v . F A E , C u r i t i b a , v. 15, n. 2, p. 162-183, jul./dez. 2012181

Quando são analisados os riscos associados

a cada tipo de fundo, conforme apresentado nas

TAB. 10 e TAB. 11, observa-se que não há mudança

significativa nos níveis de risco entre os diversos

tipos de fundos, variando apenas a dispersão

desses valores. Considera-se que esse fato pode

decorrer de uma ou mais das seguintes razões:

— os gestores dos fundos ativos e ativos

alavancados conseguiram compensar

os riscos assumidos por meio de outras

operações de proteção;

— os betas, calculados a partir dos rendi-

mentos mensais, não conseguiram tra-

duzir o eventual maior risco assumido;

— no período analisado, não ocorreram

eventos de desvalorização dos ativos,

como seria possível pelas operações de

maior risco.

• Recebido em: 22/08/2011

• Aprovado em: 23/04/2012

Ibovespa, o equivalente a uma taxa de

administração de 1,5% ao ano, os fundos

passivos apresentaram resultados infe-

riores ao índice e, portanto, compatíveis

com a HEM. Em resumo, esses gestores

não conseguiram fornecer aos clientes

os rendimentos que tinham por meta;

— os fundos ativos referenciados ao

Ibovespa apresentaram, em média, um

desempenho próximo, ou até melhor,

ao que seria esperado pelas considera-

ções da HEM. Nesse caso, mesmo com

os custos de administração e de transa-

ções, a maioria dos fundos obteve re-

sultados semelhantes ao mercado e o

número de fundos, cujos rendimentos

foram superiores ao mercado, foi pró-

ximo ao número dos que obtiveram

rendimentos inferiores ao mercado, am-

bos de forma estatisticamente signifi-

cante, considerando-se os valores dos

interceptos. Assim, se na análise não

fossem considerados os custos de ad-

ministração e das transações, os resul-

tados seriam um pouco superiores ao

que se esperaria de acordo com a HEM.

Vê-se que a meta de bater o Ibovespa

foi parcialmente atingida;

— os fundos ativos alavancados refe-

renciados ao Ibovespa apresentaram,

em média, rendimentos notadamente

superiores aos obtidos pelo Ibovespa,

caracterizando, para esses fundos e no

período analisado, um comportamento

não compatível com a HEM. Diversos

fundos tiveram um rendimento superior

ao Ibovespa (valor do intercepto) de

forma estatisticamente significante,

enquanto nenhum apresentou um

rendimento inferior ao Ibovespa de

forma estatisticamente significante,

apesar das despesas administrativas

e de transação. Nesse caso, pode-se

considerar que os gestores conseguiram

atingir a meta de bater o Ibovespa.

Page 184: Revista FAE Jul./Dez. 2012

182

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Um olhar sobre o jovem atual: como a Geração Y lida com recursos monetáriosA financial view of youth today: how the generation Y deals with money

Page 187: Revista FAE Jul./Dez. 2012

R e v . F A E , C u r i t i b a , v. 15, n. 2, p. 184-197, jul./dez. 2012185

Um olhar sobre o jovem atual: como a Geração Y lida com recursos monetários

A financial view of youth today: how the generation Y deals with money

Luiz Carlos Augusto de Carvalho1

Márcia Maria dos Santos Bortolocci Espejo2

Resumo

Este trabalho versa sobre o comportamento financeiro do jovem atual,

classificado como geração Y — composta por pessoas nascidas após

1980. O estudo teve por objetivo identificar traços do comportamento

financeiro do jovem contemporâneo, mais precisamente os aspectos de

consumo, poupança e doação. Dessa forma, elaborou-se um levantamento

bibliográfico sobre educação financeira e sobre os grupos geracionais

formados ao longo do século XX. No que tange à metodologia utilizada,

essa investigação pode ser caracterizada como descritiva, quantitativa e

survey. Foram entrevistados 180 estudantes dos cursos de pós-graduação

em finanças de uma universidade pública do estado do Paraná. Os

resultados mostraram que essas pessoas que possuem interesse por

educação financeira buscam qualidade ao comprar um produto de uso

habitual, têm práticas conservadoras relacionadas aos investimentos e

têm por hábito realizar doações.

Palavras-chave: Finanças Pessoais. Educação Financeira. Geração Y.

Abstract

This paper discusses the financial behavior of young people today, who

are referred to as generation Y - people who were born after 1980. This

study aimed at identifying characteristics of the financial behavior of

contemporary young people, especially in relation to consumption,

saving and donating. Therefore, it involved researching literature

about financial education and generation groups which were formed

throughout the 20th century. Regarding the methodology, this research

can be characterized as descriptive, quantitative and survey. The

participants were 180 students of finance postgraduate courses from

a public university from Paraná. The results showed that those young

people who have an interest in financial education look for quality

when buying a usual product, have conservative attitudes in relation to

investments and have the habit of making donations.

Keywords: Personal Finance. Financial Education. Generation Y.

1 Especialista em Finanças e Contabilidade (UFPR). E-mail: [email protected] Doutora em Controladoria e Contabilidade (FEA-USP). Coordenadora do Programa de

Pós-Graduação em Contabilidade da UFPR. E-mail: [email protected].

Page 188: Revista FAE Jul./Dez. 2012

186

IntroduçãoIntrodução

O comportamento dos jovens modernos

é resultado de uma sociedade globalizada,

competitiva e tecnológica. A ‘Geração Y’, como

é conhecida, caracteriza-se pela facilidade e

interesse por inovações tecnológicas, necessidade

de estabelecer relacionamentos — especialmente

por meio de redes sociais online, qualificação

elevada, facilidade de compreensão de outras

línguas e um enorme desejo de aproveitar a vida

(ROBBINS, 2005; LANCASTER, STILLMAN, 2005;

LOMBARDIA, STEIN, PIN, 2008; KHOURY, 2009;

OLIVEIRA, 2010). A origem da denominação dessa

geração como ‘Y’ se deve ao fato da influência que

a extinta União Soviética exercia sobre os países

comunistas. Isto é, definia-se a letra inicial dos

nomes das crianças nascidas naquele período. Na

década de 1980, escolheu-se a letra Y, o que deu

origem ao termo Geração Y (OLIVEIRA, 2010).

é fundamental, não apenas para compreensão

das mudanças pelas quais as sociedades passam,

mas também para que organizações e governos

possam atender adequadamente os anseios e

expectativas dessa geração.

Portanto, com o objetivo de contribuir com

esse propósito, a pesquisa em questão busca

compreender como uma parcela dessa população

se comporta em relação ao dinheiro. Para Claudino,

Nunes e Silva (2009), a exploração acadêmica

do tema deve ser incentivada não apenas para

despertar o interesse por educação financeira

como também para estimular a criação de novos

estudos do gênero. Logo, este trabalho dará ênfase

ao estudo do comportamento financeiro da Geração

Y, focando em dois fundamentos: o desenvolvi-

mento da educação financeira e o entendimento de

como esse grupo de pessoas de comportamento

pe culiar lida com o dinheiro. Adicionalmente, o

estudo pode contribuir para o entendimento de

suas características de forma a possibilitar o apri-

moramento da educação financeira.

Levando em conta o contexto apresentado

sobre finanças pessoais e grupo citado, a questão

que se pretende investigar é a seguinte: como

a Geração Y lida com o dinheiro em relação ao

consumo, poupança e doação?

Existem indícios de que parte da população

brasileira tem dificuldades em administrar suas

finanças (SOUSA; TORRALVO, 2004). Aliado a

isso, o crédito farto e a própria tecnologia facilitam

o acesso da população aos produtos financeiros,

e, diante de tantas opções, o consumidor pode

acabar sendo impulsivo no ato da compra.

Assim, muitas vezes, esse comportamento pode

levar ao endividamento pessoal, acarretando

na desestruturação de muitas famílias e vidas

(CLAUDINO; NUNES; SILVA, 2009).

Se ao atingir pessoas experientes, as

dívidas se tornam um grave problema, quando

alcança os mais novos, que em geral possuem

menor maturidade e capacidade financeira, elas

provocam sérias consequências. Fato é que esse

mal tem atingido os jovens, principalmente por

que as instituições financeiras, visando fidelizar

Com a chegada da Geração Y ao

mercado de trabalho e, consequentemente,

aos postos de liderança, cada vez mais os rumos da sociedade podem ser influenciados

pelos ideais dessas pessoas.

De modo geral, cada geração é resultado

de seu contexto social e histórico, possuindo seus

próprios conjuntos de valores, comportamentos

e atitudes. Com a chegada da Geração Y ao

mercado de trabalho e, consequentemente, aos

postos de liderança, cada vez mais os rumos da

sociedade podem ser influenciados pelos ideais

dessas pessoas. Assim, entender esse grupo social

Page 189: Revista FAE Jul./Dez. 2012

R e v . F A E , C u r i t i b a , v. 15, n. 2, p. 184-197, jul./dez. 2012187

desde cedo os clientes, vêm desenvolvendo

produtos voltados a adolescentes e universitários.

Essas pessoas, em sua maioria, não tiveram

instrução adequada para lidar com cartões ou

limites de créditos durante os anos de escola.

Isso é resultado da lacuna existente no ensino

básico tradicional que, de forma geral, não aborda

economia doméstica em seus currículos.

Os jovens contemporâneos têm carac-

terísticas totalmente diferentes das demais ge-

rações, especialmente por terem sido marcados

pelo acesso mais fácil e interação com a tecnologia.

Eles são capazes de realizar diversas atividades

simultaneamente e que estejam interligadas à

tecnologia, por exemplo: assistir à TV e ouvir

música enquanto acessam a vários sites ao mesmo

tempo, conversam com os amigos no MSN e enviar

SMS pelo celular. (OLIVEIRA, 2010). Exemplos

como esses são comuns na maioria dos lares e

empresas do Brasil que possuem jovens em seu

cotidiano. Segundo pesquisa realizada pelo grupo

DMRH/Cia. de Talentos (2010), publicada na HSM

Management, a geração dos nascidos após 1980

- denominada de Y, deseja independência para

decidir os rumos de sua carreira, ter agenda flexível,

modificar as regras, serem ouvidos, ter acessos à

tecnologia avançada e a ampla rede de contato,

além de crescer rapidamente na empresa (CIA DE

TALENTOS, 2010).

Pelo exposto, a carência de educação

financeira no País, somada à ascensão de uma

nova parcela de consumidores com características

diferentes das tradicionais — torna relevante não

só o estudo de finanças pessoais, bem como o

desenvolvimento de produtos financeiros para

esse público de forma responsável.

Sendo assim, visando preencher lacunas exis-

tentes sobre finanças pessoais aplicadas à Geração Y,

esse trabalho procura evidenciar aspectos obscuros

sobre o assunto, buscando um conhecimento mais

profundo da forma como essas pessoas lidam com

o seu dinheiro, mais precisamente no que aos jovens

da cidade de Curitiba.

Este trabalho será apresentado em 05

(cinco) seções. Nesta primeira, apresentar-se-á o

assunto a ser estudado, bem como informações

sobre a pesquisa. Na segunda será apresentada

uma revisão da literatura referente aos dois

principais assuntos em estudo: finanças pessoais

e Geração Y. Na terceira parte serão expostos os

procedimentos metodológicos que nortearão a

condução da pesquisa a ser realizada. Finalmente, as

duas seções seguintes versarão, respectivamente,

sobre a análise e interpretação dos dados e sobre

as conclusões e recomendações.

1 Referencial Teórico-empírico

Após a estabilização econômica advinda

com o Plano Real, o brasileiro passou a viver uma

nova realidade, pois o período hiperinflacionário,

que resultava em remarcações de preços diários,

tinham ficado para trás. O brasileiro não estava

acostumado a adotar comportamentos financeiros

adequados, talvez devido à inexistência do

aprendizado de educação financeira no ensino

formal (SOUSA; TORRALVO, 2004).

1.1 Educação Financeira no Brasil

A educação financeira no Brasil ainda é

pouco desenvolvida. O sistema escolar nacional

prepara os jovens para se tornarem bons operários,

pois reforça paradigmas da era industrial na qual

Os jovens contemporâneos têm

carac terísticas totalmente diferentes das demais

ge rações, especialmente por terem sido marcados

pelo acesso mais fácil e interação com a

tecnologia.

Page 190: Revista FAE Jul./Dez. 2012

188

havia uma grande necessidade de trabalhadores

(EBERLE, 2009). Assim como o ensino tradicional,

a literatura sobre educação financeira é pouco

explorada no Brasil. De forma geral, as universidades

ainda exploram pouco o assunto, e, via de regra,

limitam-se a oferecer disciplinas isoladas dentro

de algum curso de graduação ou em MBAs com

ênfase em gestão de investimentos (SOUSA;

TORRALVO, 2004). Também são raros os artigos

acadêmicos cujo foco principal trate de finanças

pessoais. Geralmente, o tema acaba sendo citado

como coadjuvante de outro em destaque.

Conforme Claudino, Nunes e Silva (2009),

para gerir adequadamente os recursos financeiros,

as pessoas deveriam possuir habilidade de lidar

com um grande número de informações, pois uma

população educada financeiramente — aquela

que sabe interpretar índices, praticar o consumo

consciente e elaborar um planejamento — garante

para si um futuro equilibrado por meio de seus

investimentos. Outra atitude necessária é a elabo-

ração de um planejamento financeiro pessoal.

Em muitos casos a inadimplência ocorre não por

escassez de recursos, mas simplesmente pela falta

de um planejamento adequado, porque a maior parte

dos brasileiros ainda não aprendeu a pensar a longo

prazo e acaba administrando seus rendimentos na

base do improviso.

Sousa e Torralvo (2004) afirmam que pelo

planejamento financeiro pessoal pode-se definir

objetivos e tomar decisões eficientes. Depois de

realizado o planejamento pessoal de médio e longo

prazo é necessário elaborar um planejamento de

curto prazo: o orçamento pessoal. Um orçamento

nada mais é do que tomar decisões sobre o destino

das receitas auferidas em um determinado período

de acordo com algum tipo de diretriz.

Um orçamento bem elaborado deve prever

alguma quantidade de recursos para formação de

uma reserva financeira. No Brasil, grande parte da

população destina suas economias para produtos

bancários de baixo risco, como a poupança. Porém,

quem tem algum conhecimento na área financeira

sabe que essa aplicação tem retornos muito baixos

a longo prazo e, não raro, acaba perdendo até para

inflação (SOUSA; TORRALVO, 2004).

Consequentemente, conhecer os diversos

tipos de aplicações financeiras (investimentos) é

importante para escolha daquela que melhor atende

às expectativas do agente em relação ao risco,

prazo e retorno esperado. Os custos envolvidos

nas aquisições das aplicações também devem ser

objetos de análise por parte do investidor, para que

as despesas envolvidas nas transações, como taxas

e tributos, não prejudiquem a rentabilidade do título.

Conforme Claudino, Nunes e Silva (2009)

poupar não é apenas deixar de consumir agora para

consumir no futuro, mas é obter a remuneração

adequada no presente a fim de atingir a importância

desejada no futuro para que se possibilite a conquista

de seus sonhos. Outro fator a considerar na hora

de realizar uma aplicação é o tempo de resgate

do investimento. Poucos indivíduos compreendem

que para formação de poupança de longo prazo

o mais indicado é a renda variável. Por outro lado,

quando o horizonte para regate for menor, o ideal

para garantir o principal — seria aplicar em renda

fixa (HALFELD, 2001).

Quando o indivíduo consegue elaborar um

planejamento e formar uma reserva de capital, ele

consegue reduzir seu risco de ficar inadimplente.

O endividamento pessoal traz consequências que

muitas vezes vai além do indivíduo, por exemplo,

Para gerir adequadamente os recursos financeiros, as pessoas deveriam possuir habilidade de lidar com um grande

número de informações, pois uma população

educada financeiramente garante para si um futuro equilibrado por meio de

seus investimentos.

Page 191: Revista FAE Jul./Dez. 2012

R e v . F A E , C u r i t i b a , v. 15, n. 2, p. 184-197, jul./dez. 2012189

comprometendo a família. Dependendo do caso

o problema pode se estender do devedor para

o trabalho e amigos próximos. Além disso, uma

situação de inadimplência pode levar as pessoas

a contrair novos empréstimos, normalmente com

juros mais elevados, complicando ainda mais a

situação. À medida que a dívida aumenta o indivíduo

tende a perder o controle da situação e, muitas

vezes, essa situação leva-o ao superendividamento

ou falência (CLAUDINO; NUNES; SILVA, 2009).

Os fatores que provocam o endividamento

são os mais variados. Em algumas situações ele é

oriundo de causas alheias à vontade do indivíduo,

por exemplo uma doença pessoal, perda do

emprego ou óbito na família. Entretanto, percebe-

-se que algumas vezes esse problema também

atinge indivíduos que possuem um bom padrão

de vida e que não sofreram a influência de fatores

externos. Nesses casos, o endividamento pode ser

originário de maus hábitos de consumo.

Nesse sentido, deve-se ressaltar que o

modelo consumista presente na sociedade atual e

a facilidade de acesso ao crédito são fatores que

contribuem para o endividamento dos indivíduos.

Ainda, as campanhas de marketing, cada vez mais

influentes, e a valorização da imagem pessoal —

na qual aparência vale mais que a essência —,

estimula os indivíduos a elevar seu nível de vida

além de suas possibilidades, conforme ilustra a

FiG. 1 (DAYTON, 2002).

Poupar não é apenas deixar de consumir agora para consumir no futuro,

mas é obter a remuneração adequada no presente a

fim de atingir a importância desejada no futuro

para que se possibilite a conquista de seus

sonhos.

FIGURA 1 — Modelo consumista atual

FONTE: DAYTON (2002)

Page 192: Revista FAE Jul./Dez. 2012

190

1.2 As Gerações do Século XX

O envelhecimento da população mundial

proporcionado pelos avanços da Medicina fez

com que pelo menos quatro gerações diferentes

convivam ou colidam diariamente no globo.

Essas pessoas foram influenciadas pela época

em que nasceram e pelo contexto histórico em

que cresceram os quais refletem em sua visão de

mundo. Conge (1998) afirma que “As gerações

são frutos de fatos históricos que influenciam

profundamente os valores e a visão de mundo de

seus membros.”

Apesar de existirem certas variações sobre

a denominação e início de algumas delas, a maioria

dos artigos internacionais citados nos estudos

brasileiros classificam as gerações do século XX

em: Tradicionalistas ou Veteranos (antes 1945),

Baby Boomers (1945-1960), Geração X (1960-

1980), Geração Y (1980-1995) e Geração Z (1995

em diante). Não existe uma data certa que define

o início de cada geração, mas há certo consenso

sobre elas, mesmo porque a divisão serve apenas

para efeito de estudo, pois busca identificar ca-

racterísticas predominantes no comportamento dos

indivíduos nascidos em certa época. Isso significa

que poderá haver pessoas que pela faixa etária

sejam classificadas em um grupo geracional cujas

características pessoais sejam diferentes da sua

(ROBBINS, 2005; LANCASTER; STILLMAN, 2005;

LOMBARDIA; STEIN; PIN, 2008; KHOURY, 2009;

OLIVEIRA, 2010; ORSI; GALENI; MEIRA, 2010).

1.2.1 Veteranos

Como citado anteriormente, as deno mi-

nações das gerações variam entre os estudiosos

do tema. Lombardia, Stein e Pin (2008) e Oliveira

(2010), denominam essa geração de tradicionais.

Esses possuem como características: ser diligente

no trabalho, respeitar às regras e às autoridades, ter

disciplina, honra e sacrifício.

No trabalho de Khoury (2009), essa geração

foi batizada de geração Schwarzkopf. Segundo

o autor, em homenagem ao general americano

Norman Schwarzkopf. O militar possuía um

estilo de liderança que caracteriza a geração, ou

seja: assuma o comando e faça o correto! Essas

pessoas se sentem confortáveis com hierarquias e

cumprimento de normas.

Para Robbins (2005), os Veteranos foram

influenciados pela Grande Depressão, Segunda

Guerra e pela construção do Muro de Berlin.

Atualmente, são formados pelas pessoas que

possuem mais de 65 anos. Tendem a valorizar

a segurança familiar e uma vida confortável. As

características principais desse grupo são: o grande

respeito a figuras de autoridades, a lealdade a suas

empresas, o trabalho árduo e o conformismo.

1.2.2 Os Baby Boomers

Os Baby-Boomers, literalmente explosão

de bebês, são formados pelas pessoas que hoje

têm entre 45 e 65 anos. Foram influenciados pelos

Beatles, pela Guerra do Vietnã e pelo movimento dos

direitos civis nos EUA. Compartilham o otimismo

do fim da década de 1960, preocupam--se com

a família e com o autodesenvolvimento, tendem

a permanecer muito tempo no mesmo emprego,

onde trabalham duro e nutrem certa desconfiança

da liderança. Seus principais valores são a busca

pelo sucesso, realização, ambição e lealdade à

carreira (KHOURY, 2009; ROBBINS, 2005).

1.2.3 A Geração X

A terceira geração do século passado é a ‘X’.

Segundo Oliveira (2010), essas pessoas nascidas

após 1960 cresceram num mundo conturbado

por guerras (Vietnã, Guerra Fria), crises e

revoluções. Sua denominação vem do ativista

americano Malcom X, que lutava pelos direitos

sociais dos negros nos EUA, assassinado em 1965.

Movimentos estudantis e de hippies floresceram

nessa época, buscando contrariar tudo o que

fosse convencional. Assim, a Geração X foi forçada

a crescer num mundo mais instável. Ela assistiu à

separação dos pais, o que gerou vários conflitos

Page 193: Revista FAE Jul./Dez. 2012

R e v . F A E , C u r i t i b a , v. 15, n. 2, p. 184-197, jul./dez. 2012191

para essas pessoas. Essa instabilidade, fruto da

realidade social da época, acabou formando um

grupo mais individualista e cético (OLIVEIRA,

2010; KHOURY, 2009).

1.2.4 A Geração Z

O grupo de pessoas mais novo na

sociedade moderna é a Geração Z. Segundo Orsi,

Galeni e Meira (2010), essa geração é formada por

pessoas de idade na faixa dos 17 anos, atualmente

cursando o Ensino Médio, nascida na era digital,

as quais passam horas conectadas na internet,

especialmente, utilizando-se de várias mídias

sociais. Portanto, são os adolescentes atuais,

pessoas que estão em fase de formação, alguns

deles ingressando no mercado de trabalho.

1.2.5 A Geração Y

Quando os jovens na faixa dos 20 anos

começaram a chegar às organizações no início do

século XXI, os gestores começaram a perceber que

algo estava mudando no ambiente de trabalho.

Pela primeira vez, pessoas de quatro gerações

diferentes passavam a conviver no ambiente

empresarial. Influenciados pelo contexto social em

que cresceram, cada geração carregava consigo

visões de mundo diferentes.

Agora, Veteranos, Baby Boomers, Geração

X e Geração Y estavam juntos na mesma arena.

Dessa forma, estava montado o palco para os

conflitos, pois se duas gerações dentro de uma

mesma casa já produzem desentendimento de

sobra, quatro dentro de uma empresa são uma

bomba relógio (ROBBINS, 2005; LANCASTER;

STILLMAN, 2005; LOMBARDIA; STEIN; PIN, 2008;

KHOURY, 2009; OLIVEIRA, 2010).

Sobre a Geração Y, Oliveira (2010) afirma

que, apesar das características atribuídas à esses

jovens, é necessário se aprofundar no estudo deles

para que se evite qualquer estereótipo. Apesar da

impaciência e superficialidade serem sempre citadas

como características, os comportamentos mais

marcantes desses jovens é a necessidade constante

de feedback, a busca pela ampliação dos seus

relacionamentos, o gosto por padrões informais e a

individualidade como expressão própria.

Segundo Khoury (2009), a Geração Y é

formada, sobretudo, por jovens otimistas, am-

biciosos e que desejam ‘fazer a diferença’. Eles têm

elevada autoestima e autoconfiança, gostam de

expressar suas opiniões, preocupam-se em construir

uma sociedade mais tolerante, valorizam a educação

formal e o trabalho em equipe. Para Carneiro (2010),

as principais características dos jovens dessa gera-

ção é o predomínio da comunicação virtual, o

espírito empreendedor e a inovação, a criatividade,

o engajamento e a facilidade de expressão. Por outro

lado, precisa de orientação constante, apresentando

traços de imaturidade e acomodação.

Os jovens atuais possuem problemas

em reconhecer a hierarquia, pois em seus lares

tiveram forte participação nas decisões familiares.

Seus pais da Geração X buscaram uma educação

participativa, e em alguns lares o grau de igualdade

é tão alto que é normal os filhos se referirem aos

pais pelo primeiro nome.

Esse comportamento acaba sendo

transferido para as empresas, onde os ‘Ys’

veem seus chefes como ‘iguais’. Além disso, por

possuírem boa formação e domínio da tecnologia,

podem acabar tendo mais habilidades que

seus líderes, os quais, só serão respeitados caso

tenham competência, ou seja, algo a ensinar. No

entanto, eles esperam que a gestão contribua para

seu crescimento a partir de feedback constante

(LANCASTER; STILLMAN, 2005; LOMBARDIA;

STEIN; PIN, 2008; KHOURY, 2009; OLIVEIRA,

2010; CARNEIRO, 2010).

Page 194: Revista FAE Jul./Dez. 2012

192

2 Metodologia

Referente à metodologia utilizada, a inves-

tigação pode ser caracterizada como descritiva,

quantitativa e survey. Segundo Freitas et al. (2000,

p. 105), “a pesquisa survey pode ser descrita

como a obtenção de dados ou informações

sobre características, ações ou opiniões de um

determinado grupo de pessoas, indicados como

representantes de uma população-alvo, por meio de

um instrumento de pesquisa”. Complementarmente,

também será verificado o interesse desses jovens

por temas relacionados às finanças pessoais.

Para isso, desenvolveu-se um questionário, o qual

foi aplicado com alunos da Pós-Graduação do

Departamento de Contabilidade da UFPR.

Como o objetivo deste estudo é aprofundar

o conhecimento do comportamento financeiro da

Geração Y, ou seja, de modo geral, uma grande

parte dos jovens atuais definiu-se como população

a ser estudada, os alunos das turmas dos cursos

de Pós- Graduação lato sensu ofertados pelo

Departamento de Contabilidade (DECONT) da

Universidade Federal do Paraná — UFPR.

Essa decisão baseia-se no fato de haver nas

turmas de pós-graduação uma grande concentração

de jovens e, por conseguinte, a probabilidade de

encontrar integrantes da geração retrocitada era

significativa. Por isso, a amostra é não probabilística,

por conveniência e intencional. Assim, contando

com a colaboração dos coordenadores de cada

curso, foi realizada a aplicação dos questionários

nos intervalos das aulas entre os dias 17 de junho a 02

de julho de 2011, nas seguintes turmas: duas turmas

do curso de Especialização em Contabilidade e

Finanças (40,3% dos entrevistados), duas turmas

do curso de Especialização em Controladoria

(26,7% dos entrevistados), uma turma do curso de

Especialização em Gestão de Negócios (17% dos

entrevistados) e uma turma do curso de MBA em

Auditoria Integral (15,9% dos entrevistados). No

total, foram aplicados 180 questionários, havendo

apenas quatro que foram descartados por mau

preenchimento.

O questionário aplicado tinha o objetivo

de encontrar parâmetros para entender o

comportamento financeiro da Geração Y. Ele foi

estruturado em cinco blocos, a saber: bloco 1 —

educação financeira; bloco 2 — poupança; bloco 3

— doação; bloco 4 — consumo; e bloco 5 — perfil.

Em seguida, foi realizada a tabulação e tratamento

de dados utilizando os recursos do aplicativo

Microsoft Excel®.

3 Análise e Interpretação dos Dados

Nesta seção é apresentada e discutida a

análise dos dados coletados buscando identificar

o comportamento do integrante da Geração Y em

relação ao consumo, poupança e doação.

3.1 Perfil dos Entrevistados

Conforme mencionado anteriormente, foram

entrevistados 180 alunos dos cursos de especialização

ofertados pelo DECONT. Em seguida, foi realizada

uma seleção visando identificar os integrantes

da Geração Y. Para isso, consideraram-se como

parâmetro as idades indicadas pelos respondentes,

sendo descartados os questionários daqueles que

tinham mais de 31 anos até 02 de julho de 2011, data

final da realização das entrevistas. Assim, foram

analisadas as respostas de 132 entrevistados. Mais

detalhes quanto ao perfil dos entrevistados podem

ser consultados na TAB. 1, a seguir.

Page 195: Revista FAE Jul./Dez. 2012

R e v . F A E , C u r i t i b a , v. 15, n. 2, p. 184-197, jul./dez. 2012193

TABELA 1 _

Características dos entrevistados

Indicador Freqüência Percentual

Sexo

Feminino 69 52,27%

Masculino 63 47,72%

Estado Civil

Solteiro 86 65,15%

Casado 41 31,06%

Divorciados 01 0,75%

Outros 04 3,03%

Renda Familiar

Até 02 sm 03 2,27%

Entre 02 e 04 sm 33 25,00%

Entre 04 e 10 sm 62 46,97%

Entre 10 e 20 sm 27 20,45%

Acima de 20 sm 06 4,54%

Trabalha

Sim 126 95,45%

Não 06 4,54%

FONTE: Dados da pesquisa (2011)

3.2 Estatística Descritiva

Com relação à Educação Financeira, quando

perguntados se haviam participado de eventos

de finanças pessoais, a maioria dos entrevistados

(73%) afirmaram já haver participado de eventos

relacionado às finanças (Palestra, Encontros,

Workshops, etc.). Houve ainda um número signi-

ficativo de entrevistados (26%) que ainda não

haviam participado de eventos do gênero, mas

possuíam o desejo de participar. Esses dados

estão detalhados no GRÁF. 1.

GRÁFICO 1 _ Participação em eventos

FONTE: Dados da pesquisa (2011)

33%

40%

26%1%

Sim, mais de 3 eventos Sim, até 02 eventosNão, mas tenho interesse Não, nem tenho interesse

Também foi perguntado se o tema ‘finan-

ças’ era conversado em família, observa-se que

um pouco mais da metade (54%) afirma ter

participado de discussão sobre finanças em seus

lares. Da amostra selecionada, 90% afirmaram ter

o costume de conversar sobre investimentos ou

finanças pessoais com amigos e parentes.

Quanto ao hábito de realizar um orçamento

ou planejamento financeiro, 74 entrevistados, ou 55%,

afirmaram que faziam algum tipo de planejamento

financeiro. No entanto, eles nem sempre conseguem

cumpri-lo. Outros 34% afirmaram realizar algum

planejamento e conseguem cumpri-lo.

Sobre hábitos de poupança, quando per-

guntados se possuíam algum tipo de inves timento,

a maioria (72%) afirmou ter algum tipo de reserva

financeira, conforme o GRÁF. 2.

Page 196: Revista FAE Jul./Dez. 2012

194

GRÁFICO 2 _ Posse de investimentos

FONTE: Dados da pesquisa (2011)

Aos que possuíam algum tipo de investimento,

foi perguntado quais tipos de aplicações possuíam.

Conforme o GRÁF. 3, a caderneta de poupança, com

48%, foi indicada como principal aplicação escolhida

pelos jovens. Em seguida, aparecem a previdência

privada (21%) e o CDB (16%). A renda variável é a

opção escolhida de uma pequena parcela dos

entrevistados (8%). Índice idêntico foi alcançado

pelas aplicações em títulos de capitalização, os

quais, tecnicamente, não são investimentos, porém

são considerados como tal pelos leigos.

Dos pesquisados que não possuíam ne-

nhum tipo de poupança, a maior parte (65%)

disse que o salário ainda é muito baixo, e devido a

isso nunca sobrava dinheiro para investir. Outros

21% afirmaram não ter poupança, pois estavam

endividados.

GRÁFICO 3 _ Onde aplicam os recursos

FONTE: Dados da pesquisa (2011)

Em relação ao interesse pela renda variável e,

consequentemente pelo risco, 66% afirmaram estar

interessado nessa modalidade de investimento.

Dessa porcentagem, 23% têm interesse em

aumentar sua rentabilidade no curto prazo, e 43%

a desejam para formar patrimônio de longo prazo.

Com relação especificamente a doações,

na questão introdutória, foi perguntado aos

participantes se tinham o costume de realizá-las

a pessoas ou instituições. A análise dos resultados

mostrou que 45% dos entrevistados têm o hábito

de realizar doações, independente de campanhas

ou solicitações, contra 20% que as fazem quando

se inicia alguma campanha. No entanto, 30%

afirmaram que raramente faziam doações. Quando

perguntados se realizavam algum tipo de serviço

voluntário, a maioria (83%) respondeu que não

praticavam nenhum tipo de voluntariado, conforme

GRÁF. 4 abaixo.

GRÁFICO 4 _ Trabalho voluntário

FONTE: Dados da pesquisa (2011)

Sobre hábitos de consumo, perguntou-se

aos entrevistados sobre a elaboração de lista

de compras numa ida ao supermercado. No que

tange aos resultados desse questionamento,

observou-se que 38% fazem uma lista de

compra, mas não realizam pesquisas. Por outro

lado, 33% afirmaram não fazer nenhum tipo de

lista de compras. Outros 12% apenas compram

após fazerem listas de compras, pesquisas de

preços e de promoções. Há ainda 11% que fazem

listas de compras, mas não a seguem e acabam

comprando por impulso. Apenas 6% afirmaram

cumprir rigorosamente a lista que elaboram.

Também foi perguntado aos participantes

como realizavam o pagamento de um artigo

de valor mais elevado. Conforme o GRÁF. 5, os

resultados indicaram que 50,4%, realizam pesquisa

de preços e compram parcelado no cartão ou

no crediário. Outros 44,4% fazem pesquisa, mas

economizam para comprar à vista.

GRÁFICO 5 _ Comportamento no pagamento

FONTE: Dados da pesquisa (2011)

72%

28%

SIM NÃO

48%

8%16%

21%

8%

0%

10%

20%

30%

40%

50%

Poupança Título Cap CDB Previdência Rendavariável

17%

83%

SIM NÃO

44,4%

5,3%

50,4%

0 00,0%

10,0%20,0%30,0%40,0%50,0%60,0%

Economiza(a vista)

Faz lista epesquisas

Parcelado(pesquisa)

Parcelado(sem

pesquisa)

Comprasem

planejar

Page 197: Revista FAE Jul./Dez. 2012

R e v . F A E , C u r i t i b a , v. 15, n. 2, p. 184-197, jul./dez. 2012195

Questionados sobre o critério de escolha na

compra de um produto habitual, a maioria (84%)

apontou a qualidade do produto como critério de

escolha; há ainda 8% que decidem com base no preço;

e outros 7% que decidem pela marca do produto.

Considerações Finais

Este estudo procurou compreender o

comportamento financeiro da Geração Y. Conforme

proposto, investigaram-se as atitudes do público-alvo

em relação aos seus comportamentos de consumo,

poupança e doação. Com objetivo complementar,

também se verificou o interesse desses jovens por

temas relacionados às finanças pessoais.

Os resultados mostraram que o interesse

por temas relacionados às finanças pessoais é

considerável, pois a maior parte dos entrevistados

participou de eventos e costumam conversar

sobre o assunto. Dessa forma, vislumbra-se a

possibilidade de explorar o interesse por finanças,

aliada à facilidade de interação com a tecnologia

e internet, para estimular a educação financeira

e desenvolver produtos específicos para essas

pessoas por meio de sites, blogs, redes sociais,

jogos online, dentre outras ferramentas do gênero.

Os bons resultados do binômio serviço-tecnologia

foram verificados no estudo de Pereira, Andrade e

Faria (2011), o qual identificou uma propensão da

Geração Y na utilização de serviços online, como o

da Nota Fiscal Paulista — NFP.

No que tange aos hábitos de poupança, a

maioria possui alguma reserva financeira. No entanto,

de modo geral, esses jovens investem seus recursos

em aplicações de baixo risco, como a poupança.

Contudo, verificou-se o interesse pelo mercado de

ações, mas a falta de conhecimento desse mercado

parece inibir o investimento. Aparentemente, eles

possuem um entendimento limitado sobre o tema,

talvez resultado da superficialidade na utilização de

informação. Esse fato corrobora com os trabalhos

de Lombardia, Stein e Pin (2008) e Oliveira (2010),

nos quais afirmam que os ‘Y’ fazem análises pouco

sólidas, devido ao excesso de informações as quais

estão expostos.

Também foi verificado que os integrantes

da amostra apresentam tendência à generosidade,

mas não desejam se comprometer diretamente no

auxílio ao próximo pelo voluntariado. Isso pode ser

devido ao perfil da amostra a qual foi formada por

profissionais da área de negócios, portanto, mais

individualistas.

Relativo ao comportamento de consumo,

quando desejam adquirir um produto de maior valor,

a maioria procura fazer pesquisa de preços, optando,

em seguida, pelo parcelamento ou pagamento

à vista, respectivamente. Diariamente, os jovens

tendem a comprar produtos pela qualidade.

Deve-se ressaltar que esses resultados não

podem ser generalizados para toda a Geração

Y, nem se pretende esgotar o estudo sobre o

tema, mesmo porque existem limitações devido à

metodologia utilizada, tamanho e perfil da amostra.

Futuras pesquisas podem buscar verificar aspectos

desses jovens que possibilitem o desenvolvimento

de produtos financeiros, aspectos relacionados à

exposição ao risco na decisão de investimento,

bem como seu comportamento financeiro sob a

ótica ds Finanças Comportamentais.

• Recebido em: 03/02/2012

• Aprovado em: 29/02/2012

Page 198: Revista FAE Jul./Dez. 2012

196

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Page 200: Revista FAE Jul./Dez. 2012

Reconhecimento de padrões na avaliação de distúrbios vocais em docentesPattern recognition in the evaluation of vocal

disorders in teachers

Page 201: Revista FAE Jul./Dez. 2012

R e v . F A E , C u r i t i b a , v. 15, n. 2, p. 198-210, jul./dez. 2012199

Reconhecimento de padrões na avaliação de distúrbios vocais em docentesPattern recognition in the evaluation of vocal disorders in teachers

Divanete Maria Bitdinger de Oliveira1

Maria Teresinha Arns Steiner2

Deise Maria Bertholdi Costa3

Resumo

O objetivo deste artigo é apresentar uma metodologia para a avaliação de

distúrbios vocais em docentes, tomando por base dados de docentes de uma escola

localizada no município de Curitiba (PR). Para tanto, foram analisados registros

históricos de cem docentes, cada um deles com dez informações (atributos), bem

como suas respectivas classificações (sugestão para: aumentar, diminuir ou manter

a carga horária, visando à saúde e ao bem-estar desses profissionais). Com a

utilização do processo KDD (Knowledge Discovery in Databases, ou Descoberta de

Conhecimento em Bases de Dados), primeiramente, os atributos foram codificados

e, em seguida, na etapa de Data Mining (ou Mineração de Dados), foram utilizadas

duas técnicas para o Reconhecimento de Padrões. Essas técnicas, Redes Neurais

Artificiais (RNAs) e da Função Discriminante Linear de Fisher (FDLF), tiveram

as suas acurácias comparadas apresentando 91,35% e 72,12%, respectivamente.

Dessa forma, a especialista (fonoaudióloga da escola) terá um respaldo adicional,

a partir das RNAs, para o problema aqui analisado, e para o diagnóstico quanto à

classificação de novos padrões (docentes).

Palavras-chave: Processo KDD. Mineração de Dados. Redes Neurais Artificiais.

Função Discriminante Linear de Fisher.

Abstract

The goal of this paper is to present a methodology for evaluating the severity of

vocal disorders in teachers, based on data from a school located in the city of

Curitiba (PR). The research was based on the analysis of historical data about 100

teachers, considering ten attributes for each of them and also their respective

classification (as suggested: to increase, to reduce or to maintain to workload,

aiming to improve the teachers’ health and wellbeing). By using the Knowledge

Discovery in Databases (KDD) process, firstly the attributes were codified and

then, in the stage of Data Mining, two pattern recognition techniques were used.

Those techniques _ Artificial Neural Networks (ANNs) and the Fisher Linear

Discriminant Function (FLDF) _ had their accuracy levels compared, presenting

91.35% and 72.12% respectively. Therefore, the expert will have additional support,

by using ANNs for the problem under analysis, for diagnosing and classifying new

patterns (in teachers).

Keywords: KDD Process. Data Mining. Artificial Neural Networks. Fisher Linear

Discriminant Function.

1 Mestre em Métodos Numéricos em Engenharia pela UFPR. E-mail: [email protected] Doutora em Engenharia da Produção pela UFSC. Pós-doutorado no ITA. Professora Associada da UFPR

(1978-2010). Professora da PUC-PR no Programa de Pós-Graduação em Engenharia de Produção e Sistemas (PPGEPS). E-mails: [email protected]; [email protected].

3 Doutora em Engenharia da Produção pela UFSC. Professora da UFPR do Departamento de Expressão Gráfica e Programas de Pós-Graduação em Métodos Numéricos em Engenharia (PPGMNE) e de Engenharia de Produção (PPGEP). E-mail: [email protected].

Page 202: Revista FAE Jul./Dez. 2012

200

Introdução

A saúde pode ser entendida como o estado

dinâmico de equilíbrio entre os seres humanos e

seu meio físico, biológico e social, compatível com

as atividades funcionais. A saúde no trabalho, de

forma análoga, é um estado de equilíbrio entre o

trabalhador e os meios de produção com os quais

ele interage (PACHECO et al., 2005).

Segundo Rua et al. (2010), são muitos os

trabalhos que exigem ritmo acelerado — horas extras

não remuneradas, pressão hierárquica, instabilidade

no emprego, uso excessivo da voz, dentre outros

—, provocando fadiga, sofrimento mental, estresse,

desmotivação, anulando a capacidade de raciocínio

e de criatividade do trabalhador.

A voz é um importante instrumento de

comunicação e, para os docentes, ocupa lugar

de destaque, já que influencia na relação entre

professor e alunos. Segundo Jardim (2006), várias

pesquisas têm mostrado prevalência de disfonia

em professores. Esses resultados reforçam a

necessidade de melhorias nas condições ambientais

e organizacionais das escolas, além da análise de

fatores externos.

Existem muitos fatores de risco para a voz

aos quais os docentes estão suscetíveis, e dentre

esses riscos se podem destacar os seguintes: a

não hidratação do organismo e falar em ambientes

secos e empoeirados; falar com ataques vocais

bruscos; tossir excessivamente ou pigarrear; falar

em ambientes ruidosos ou abertos (competição

vocal); utilizar tom grave ou agudo demais; falar

excessivamente durante quadros gripais ou crises

alérgicas; dentre outros.

Assim, a orientação preventiva, sob super-

visão médica e fonoaudiológica, torna-se fator

imprescindível para a saúde vocal dos docentes.

Além disso, as atividades mais indicadas para

quem utiliza a voz profissionalmente são: a natação,

caminhadas, ginástica sem impacto, exercícios de

alongamento e ioga, ou seja, atividades em que não

há nenhuma movimentação violenta que causaria

tensão muscular nas regiões do pescoço, ombro,

tórax e costas.

O objetivo principal desse trabalho é en-

contrar uma técnica capaz de classificar o grau de

distúrbio vocal de um docente com a maior precisão

possível, a partir de dados coletados de docentes

preliminarmente classificados. Desse modo, ter-

se-á um respaldo adicional ao diagnóstico da

especialista na área, no caso, de uma fonoaudióloga,

em cumprir para com o interesse da escola de

prevenir e/ou detectar precocemente possíveis

disfonias em seus docentes.

Buscando alcançar esse objetivo, foram

utilizadas duas técnicas bastante consagradas na

literatura, as Redes Neurais Artificiais (RNAs) e

a Função Discriminante Linear de Fisher (FDLF),

com a intenção de comparar seus resultados

verificando qual delas oferece o menor percentual

de erros, ou seja, a que apresenta o melhor

desempenho em realizar tal classificação.

A voz é um importante

instrumento de comunicação e, para os docentes, ocupa lugar de destaque, já que influencia na relação entre

professor e alunos.

Page 203: Revista FAE Jul./Dez. 2012

R e v . F A E , C u r i t i b a , v. 15, n. 2, p. 198-210, jul./dez. 2012201

1 Aspectos Gerais sobre a Fonaudiologia

O objetivo da fonoaudiologia é a manutenção

ou o retorno a uma função vocal normal, e, para isso,

todas as causas devem ser analisadas. Segundo

Behlau e Pontes (1995), a voz é produzida na

laringe que, por sua vez, é constituída por pregas

vocais; assim, ao inspirar, o ar entra nos pulmões

e as pregas vocais se afastam, e ao expirar, o ar

sai dos pulmões e, passando pela laringe, causa

a vibração das pregas vocais. Nesse momento,

é produzido um som de pequena intensidade

que é amplificado nas cavidades de ressonância

(laringe, faringe, boca e nariz) e se transforma em

diversos sons da fala por meio dos movimentos

dos órgãos miofuncionais (boca, língua, lábios,

bochechas, mandíbula, dentes e palato). Assim

sendo, para que o som seja produzido com boa

qualidade, há necessidade da integridade dos

sistemas respiratório e digestivo, assim como de

toda musculatura envolvente neste processo.

Além desses aspectos, a carga afetiva

também influencia na alteração da voz, sendo

assim, cada pessoa possui uma qualidade vocal

individual e, portanto, algumas pessoas são mais

suscetíveis às disfonias do que outras. A voz é

adquirida e vai se formando conforme nosso

crescimento físico e emocional.

Segundo Pinho (1997), muitos utilizam

a voz de forma inadequada em sua profissão,

podendo danificar os tecidos da laringe e produzir

um distúrbio vocal. Por isso, orientações sobre o

mecanismo de produção da voz, noções de higiene

bucal e técnica vocal são indispensáveis para auxiliar

esses profissionais na manutenção da qualidade da

própria voz.

Dessa forma, é importante determinar o

comportamento vocal do professor, as situações

de abuso vocal e os possíveis agentes prejudiciais

à voz, assim como a influência de fatores

psicológicos e de estresse, pois todos esses dados

são importantes para a orientação e o tratamento

das alterações vocais.

2 Coleta de Dados

Os dados utilizados para o desenvolvimento

deste trabalho foram obtidos junto a uma

instituição de ensino da cidade de Curitiba (PR),

cuja fonoaudióloga forneceu os critérios de cem

docentes, já avaliados e, consequentemente, já

classificados. O objetivo da escola é de, a partir

da análise dos dados de cada docente, determinar

o seu grau de distúrbio, podendo sugerir a carga

horária que lhe será mais adequada.

No QUADRO 1, apresentado mais abaixo,

têm-se os dez critérios e suas respectivas variáveis

utilizados pela escola para a classificação da

gravidade de distúrbios vocais de seus docentes.

A pontuação contida na terceira coluna desse

quadro, definida pela fonoaudióloga da escola,

varia de zero (menor impacto sobre a voz) até

7 (maior impacto). A forma atual utilizada pela

fonoaudióloga para a classificação do distúrbio

vocal do docente, apresentada no QUADRO 2, é de

acordo com a soma acumulada pela pontuação.

A fim de se tentar obter um desempenho

mais apurado das técnicas utilizadas (RNAs e

FDLF), os critérios contidos no QUADRO 1 foram

tratados de duas formas. Na primeira, os dez

critérios definem as ‘entradas’ para as técnicas,

A carga afetiva também influencia na

alteração da voz, sendo assim, cada pessoa

possui uma qualidade vocal individual e, portanto, algumas pessoas são mais

suscetíveis às disfonias do que outras.

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202

cujos valores variam de 0 a 7; na segunda, as

variáveis são, primeiramente, transformadas

em coordenadas binárias que formaram, então,

as ‘entradas’ para as técnicas, conforme dados

ilustrativos de um exemplo contidos na quarta

coluna do QUADRO 1. Assim, se o docente possui

‘tempo de docência’ (critério 8) ‘de até 5 anos ou

acima de 20 anos’, ele terá uma pontuação igual

a ‘2’ como entrada para o primeiro caso; já para o

segundo caso, ele terá uma entrada igual a ‘1’.

Já com relação às saídas (‘valores

desejados’ ou grupos ou classes, na aplicação de

ambas as técnicas, RNAs e FDLF), apresentadas

no QUADRO 2, trabalhou-se de diversas formas,

visando o melhor desempenho possível.

Tais formas estão detalhadas a seguir:

— apenas uma saída pertencente ao in-

tervalo (0; 1). Nesse caso, os padrões

pertencentes ao grupo 1 (caso leve)

deverão ter uma saída pertencente ao

intervalo (0; 0,25); ao grupo 2 (caso

leve a moderado), saída no intervalo

[0,25; 0,5); ao grupo 3 (caso modera-

do), saída no intervalo [0,5; 0,75); e ao

grupo 4 (caso grave), saída no inter-

valo [0,75; 1);

— da mesma forma, com apenas uma

saída pertencente ao intervalo (0;

1), mas com diferente interpretação.

Nesse caso, a saída contida no inter-

valo de (0; 0,5) indicará que o docente

se enquadra em um dos quatro grupos,

e a saída contida no intervalo de [0,5;

1) se enquadra nos demais três grupos.

Nesse caso, ambas as técnicas deverão

ser aplicadas quatro vezes, uma para

cada grupo de classificação. Posteri-

ormente, ao se testar um novo padrão,

este deverá ser testado quatro vezes

(uma vez para cada grupo) e per-

tencerá ao grupo que fornecer o maior

valor (o mais próximo de ‘1’);

— análoga ao caso 2 anterior, mas com

duas saídas. Nesse caso, a saída (1; 0)

indicará que o docente se enquadra

em um dos quatro grupos e a saída (0;

1), que se enquadra nos demais três

grupos;

— com quatro saídas. Nesse último caso,

os padrões pertencentes ao grupo 1

deverão ter uma saída do tipo (1; 0; 0;

0); ao grupo 2 (0; 1; 0; 0); ao grupo 3

(0; 0; 1; 0); e ao grupo 4 (0; 0; 0; 1).

QUADRO 1 _ Critérios (atributos) e suas respectivas variáveis utilizadas pela escola

Critério VariáveisPontuação para

as variáveis

Variáveis com

codificação

binária

1. Fatores de risco

1. Ausentes

2. RGE / ou suspeita de RGE

3. Atopia / ou suspeita de atopia

4. Tabagismo

0

3

3

3

0

1

1

0

2. Medidas de Prevenção:

aquecimento vocal e ingestão

de água

5. Cumpre os 2

6. Cumpre só 1

7. Cumpre nenhum

0

1

2

0

1

0

3. Fonoterapia

8. Não necessita / Alta fonoterápica

9. Realiza regularmente

10. Interrupção / Realiza irregularmente

11. Não realiza, apesar da indicação

0

1

3

5

0

1

0

0

continua

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R e v . F A E , C u r i t i b a , v. 15, n. 2, p. 198-210, jul./dez. 2012203

FONTE: Adaptado dos Balanços Sociais

4. Sintomas vocais

12. Ausentes

13. Não associados a patologia

14. Associados a patologia

0

3

5

1

0

0

5. Patologia

15. Ausente

16. Adquirida

17. Congênita

0

3

5

0

1

0

6. Cirurgia

18. Não necessita

19. Indicada, mas não realizada

20. Realizada há menos de um ano

21. Realizada há mais de um ano

0

4

3

2

1

0

0

0

7. Carga horária total atual

(semanal)

22. até 25 horas/aula

23. de 26 a 35 h/a

24. de 36 a 45 h/a

25. de 46 a 55 h/a

Acima de 55 h/a

1

2

4

5

7

0

1

0

0

0

8. Tempo de docência26. Até 5 anos ou acima de 20

27. 6 a 19 anos

2

1

1

0

9. Outra profissão da voz — não

docente (exemplo: cantor)

Não

Uso profissional da voz esporádico

Uso profissional da voz freqüente

0

1

4

1

0

0

10. Uso de microfonedocência28. Sim

29. Não

0

1

1

0

QUADRO 2 _ Pontuação utilizada pela escola (classificação atual)

Pontuação Classificação Sugestão de Carga Horária

0 a 10 Caso leve Aumentar até 10 h/a

11 a 15 Caso leve a moderado Aumentar até 5 h/a

16 a 25 Caso moderado Manter carga horária

26 ou mais Caso grave Reduzir carga horária

FONTE: Dados da Pesquisa

FONTE: Dados da Pesquisa

3 Metodologia

Com a finalidade de analisar, discriminar

e classificar esses dados, utilizou-se o processo

KDD (Konowledge Discovery in Databases, ou

seja, Descoberta de Conhecimento em Bases

de Dados) que, segundo Fayyad et al. (1996), é

composto de cinco etapas: seleção dos dados;

pré-processamento e limpeza dos dados;

transformação dos dados; mineração de dados

(Data Mining ou reconhecimento de padrões —

principal etapa do processo KDD); interpretação e

avaliação dos resultados, conforme FIG. 1.

conclusãoQUADRO 1 _ Critérios (atributos) e suas respectivas variáveis utilizadas pela escola

Critério VariáveisPontuação para

as variáveis

Variáveis com

codificação

binária

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204

FIGURA 1 — Etapas do Processo KDD

FONTE: Fayyad et al. (1996)

Segundo Lemos, Steiner e Nievola (2005),

o processo de KDD começa com o entendimento

do domínio da aplicação e dos objetivos finais a

serem atingidos. A partir dessa etapa, os dados são

selecionados de acordo com os critérios definidos;

na etapa de pré-processamento ou limpeza dos

dados, são removidas as informações julgadas

desnecessárias. Os dados pré-processados devem,

ainda, passar por uma transformação que os

armazena adequadamente, facilitando o uso das

técnicas de Data Mining. Para o presente trabalho,

as três primeiras etapas do processo KDD foram

detalhadas na seção 3 anterior, em que já se

realizou a seleção e a limpeza dos dados, assim

com a sua codificação (binária).

Após essas etapas, chega-se à fase de

Data Mining, que começa com a escolha das

ferramentas (algoritmos) a serem utilizadas, essa

escolha depende fundamentalmente do objetivo

do processo de KDD: classificação, agrupamento,

associação ou outras dos padrões. Essas

ferramentas deverão procurar por padrões no

comportamento dos dados.

Como o presente trabalho objetiva a

classificação de padrões, na etapa de Data

Mining foram utilizadas duas técnicas, conforme

já comentado: a FDLF e as RNAs. Essas duas

técnicas tiveram seus desempenhos comparados,

com o objetivo de se utilizar, a técnica com melhor

acurácia para a classificação de novos padrões.

Ao final do processo, o sistema de Data

Mining gera um relatório das descobertas, o qual será

interpretado pelos analistas, no caso, a fonoaudióloga

da escola. Após essa interpretação, encontra-se

conhecimento. Vale salientar que a utilização de tais

técnicas objetiva fornecer um respaldo adicional aos

especialistas das mais diversas áreas, detentores de

toda a experiência e intuição.

4 Redes Neurais Artificiais (RNAs)

Baseado nos estudos do cérebro, nas ideias

de redes de neurônios e nos modelos dos neurônios,

foram propostas as estruturas de redes neurais

ou redes de neurônios artificiais. No entanto, uma

RNA pode ter centenas ou milhares de unidades de

processamento, enquanto o cérebro de um mamífero

possui bilhões de neurônios (OLIVEIRA, 2002).

Segundo Tonsig (2000), as primeiras infor-

mações sobre neurocomputação surgiram em 1943,

em artigos do neurofisiologista Warren McCulloch,

do Instituto Tecnológico de Massachusetts, e do

matemático Walter Pitts, da Universidade de Illinois.

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Ambos fizeram uma analogia entre células nervosas vivas e o processo eletrônico, simulando o comportamento do

neurônio natural, no qual o neurônio possuía apenas uma saída, a qual era uma função da soma de valor de suas

diversas entradas, conforme ilustrado na FIG. 2.

FIGURA 2 — Neurônio Artificial projetado por MCCulloch e Pitts

FONTE: Tonsig (2000)

Na FIG. 2, o vetor x representa um conjunto

de p entradas, que multiplicado por um vetor

peso w nos fornece o produto p = x w, aplicado

aos canais de entrada do neurônio. A função

de ativação, F(x), que produz o sinal de saída y

do neurônio (binária ou contínua), é dada pela

expressão (1):

sendo que o parâmetro é o bias ou vício,

que aumenta o número de graus de liberdade

disponíveis no modelo, permitindo que a RNA tenha

maior capacidade de se ajustar ao conhecimento a

ela fornecido.

Todo o conhecimento de uma RNA está

armazenado nas sinapses que são os pesos

atribuídos às conexões entre os neurônios.

Segundo Tatibana e Kaetsu (2009), de 50% a

90% do total de padrões deve ser separado para

o treinamento da RNA, escolhidos aleatoriamente

para que a rede realmente ‘aprenda’ as regras. O

restante dos dados apenas é apresentado à RNA

na fase de testes, a fim de averiguar a capacidade

de generalização da rede, ou seja, o quanto a rede,

de fato, ‘aprendeu’.

Ainda segundo Tatibana e Kaetsu (2009),

existem seis passos necessários para o desen-

volvimento de aplicações utilizando RNAs. Os dois

primeiros passos do processo para o treinamento

de RNAs são, conforme já comentado, a coleta de

dados relativos ao problema e a separação desses

dados em um conjunto de treinamento e outro de

testes.

O terceiro passo é a definição da confi-

guração da rede, que pode ser dividida em três

etapas: seleção do paradigma neural apropriado à

aplicação, determinação da topologia da rede a ser

utilizada — o número de camadas e o número de

unidades em cada camada — e a determinação de

parâmetros do algoritmo de treinamento e funções

de ativação. Esse passo tem grande impacto no

desempenho do sistema resultante.

O quarto passo é o treinamento da rede.

Nessa fase serão ajustados os pesos das conexões,

nas quais, geralmente, os valores iniciais são

números aleatórios uniformemente distribuídos,

em um intervalo definido. Uma escolha adequada

dos valores iniciais dos pesos da rede pode diminuir

o tempo necessário para o treinamento; por outro

lado, a escolha errada desses pesos pode levar a

uma saturação prematura.

O treinamento deve ser interrompido quando

a rede apresentar uma capacidade apropriada

de generalização e quando a taxa de erro for

suficientemente pequena, ou seja, menor que um

erro admissível. Assim, deve-se encontrar um ponto

ótimo de parada com erro mínimo e capacidade de

generalização máxima.

O quinto passo é o teste da rede, sendo

que o desempenho é uma boa indicação do

Page 208: Revista FAE Jul./Dez. 2012

206

desempenho real. Durante essa fase, o conjunto de

teste é utilizado para determinar o desempenho

da rede com padrões que não foram utilizados

durante o treinamento. Finalmente, com a rede

treinada e avaliada (testada), pode-se integrá-la a

um sistema do ambiente operacional da aplicação.

Esse é o sexto passo: integração.

São muitos os modelos de RNAs, dentre os

quais se pode citar: o Perceptron, Redes Lineares

e Redes de Múltiplas Camadas, que são as mais

comuns; e outras, como Redes de Base Radial,

Redes Recorrentes, Redes de Hopfield, Redes de

Kohonen e Redes Construtivas. O modelo que

foi utilizado nesse trabalho foi o das Redes de

Múltiplas Camadas.

As Redes de Múltiplas Camadas, ou também

chamadas de Redes Feed-Forward (alimentadas

para a frente), formam um sistema artificial composto

de células elementares — neurônios — organizadas

em camadas sucessivas que são conectadas entre

si. Essas redes foram criadas generalizando a regra

de aprendizagem de Windrow-Hoff para redes

de múltiplas camadas e funções de transferência

diferenciáveis não lineares, podendo ser treinadas

com o algoritmo de treinamento back-propagation,

dividido em duas fases: as propagações forward e backward, cujos vetores de entrada e saída

são usados para treinar a rede até que ela possa

aproximar uma função que classifique os vetores de

entrada de maneira apropriada.

Essas redes frequentemente usam função

de transferência sigmoidal, que gera saídas no

intervalo (0, 1) para entradas variando no intervalo

e, em geral, possuem três camadas:

a de entrada, cujos padrões são apresentados à

rede; a intermediária ou oculta, na qual é realizado

o processamento; e a de saída, que apresenta

os valores de saídas da rede. Cada uma dessas

camadas é totalmente conectada à camada

seguinte e à anterior. O sinal que chega à camada de

entrada se propaga, camada a camada, até a saída.

Os valores de saída para cada um dos padrões são

comparados com os valores desejados para os

padrões e o erro E é calculado. Com base no valor

do erro, os pesos da rede são ajustados.

Dessa forma, os parâmetros que caracterizam

uma rede multicamada são os seguintes: número de

camadas, número de neurônios por camada, escolha

dos valores iniciais para as conexões (pesos), tipo

de funções de ativação dos neurônios e valores

iniciais aos parâmetros (taxa de momento) e

(taxa de aprendizagem), assim como a forma de

ajuste desses dois parâmetros.

A propriedade mais importante das RNAs é

a habilidade de aprender a partir de seu ambiente

e, com isso, melhorar seu desempenho. Modelos

de RNAs podem lidar com dados imprecisos e

situações não totalmente definidas. Uma rede

treinada tem a habilidade de generalizar quando é

apresentada a entradas que não estavam presentes

nos dados já conhecidos por ela.

5 Função Discriminante Lçinear de Fisher (FDLF)

O método estatístico abordado nesse

trabalho, a FDLF, pode ser apresentado da se-

guinte forma: dadas duas populações de obser-

vações multivariadas com certa dimensão n, a

ideia de Fisher foi transformar essas observações

mul tivariadas em observações univariadas, tal que

estejam separadas tanto quanto possível. Devem-se

determinar variáveis que melhor discriminem esses

grupos, utilizando essas variáveis para criar funções

discriminantes que serão utilizadas para alocar

novos indivíduos, objetos ou observações no grupo

mais adequado (a função discriminante otimiza a

alocação de novos padrões). Outro fator importante

é que esse método é de fácil cálculo, pois utiliza a

combinação linear das observações multivariadas

para criar as observações univariadas.

Segundo Johnson e Wichern (1998), foi

Ronald A. Fisher que introduziu a terminologia

‘discriminar’ e ‘classificar’ no primeiro tratamento

moderno dos problemas de separação de conjuntos

na década de 1930. O objetivo básico do método

de Fisher é separar populações, além de também

poder ser usado com o propósito de classificar.

Esse método pode ser usado tanto para duas

populações quanto para diversas populações.

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6 Resultados

De cada docente (padrão), foram obtidas

dez informações (critérios) contidas no QUADRO 1

e, a partir delas, 33 variáveis (2ª coluna do QUADRO

1). Dentre os cem docentes, nenhum apresentou o

critério 9 (outra profissão da voz — não docente),

nem o critério 7 (acima de 55 h/a), sendo então

retirados. Assim, têm-se nove critérios e 29 variáveis.

Os algoritmos (RNAs e FDLF) foram

programados no MATLAB e, em ambas as

técnicas utilizou-se o procedimento de avaliação

holdout, que separa dois terços dos dados para

o treinamento das técnicas e um terço para os

testes das técnicas. Além disso, a amostragem foi

estratificada, assegurando que cada grupo seria

representado de forma proporcional nos dois

conjuntos de dados (treinamento e teste).

Ao mesmo tempo, com a finalidade de

avaliar as técnicas utilizadas, calculou-se a Taxa

Aparente de Erro (APER) para cada um dos

resultados apresentados. Segundo Mendes, Fiúza

e Steiner (2010), essa taxa é definida como sendo

a fração das observações no treinamento amostral

referente ao reconhecimento errôneo pela função

obtida, e deve ser interpretada como a proporção

de observações classificadas incorretamente. Essa

taxa é calculada pela Matriz de Confusão que

apresenta a situação real das observações nos

grupos comparando-a com o reconhecimento

apresentado pelo modelo encontrado.

Para o treinamento das RNAs, utilizou-se o

algoritmo back-propagation e foram desenvolvidas

oito redes, alterando o número de neurônios

das camadas de entrada, escondida e de saída.

Serviu-se apenas de uma camada escondida, pois,

segundo o Teorema de Kolmogorov (KRÖSE; VAN

DER SMAGT, 1993), uma RNA com apenas uma

camada oculta pode calcular uma função arbitrária

qualquer a partir dos dados fornecidos.

Foram utilizados dois tipos de entradas:

nove entradas, referente aos nove critérios e 29

entradas, que se referem às variáveis; redes de

uma saída, duas saídas e quatro saídas (conforme

já explicitado anteriormente) e, a camada oculta

com número de neurônios variando de zero a 20

neurônios, tendo-se, assim, quatro testes (testes

de I a IV no QUADRO 3, a seguir).

O treinamento da FDLF foi feito de forma

semelhante. Nesse caso, foram desenvolvidos dois

programas, um para o caso de duas amostras

(dois grupos a serem discriminados), e outro para

mais de três amostras (utilizado para o caso de

discriminação dos quatro grupos). Então, foram

realizados dois testes (testes V e VI no QUADRO

3). Em ambas as técnicas, os melhores resultados

foram encontrados no caso de se ter dois grupos a

serem discriminados, conforme se pode observar

no teste IV para as RNAs e teste VI para a FDLF,

no QUADRO 3. Esse quadro mostra os melhores

resultados de todos os treinamentos realizados,

especificando a topologia, as classes, o número de

neurônios nas camadas de entrada, escondida e de

saída, e o percentual de acerto em cada simulação.

Page 210: Revista FAE Jul./Dez. 2012

208

QUADRO 3 _ Melhores resultados obtidos através das duas técnicas utilizadas

Técnica Teste Classes EntradaNeurônios

OcultaSaída

% de

Acertos

RNAs

I

II

III

III

III

III

IV

IV

IV

IV

1; 2; 3; 4

1; 2; 3; 4

1 e 2; 3; 4

2 e 1; 3; 4

3 e 1; 2; 4

4 e 1; 2; 3

1 e 2; 3; 4

2 e 1; 3; 4

3 e 1; 2; 4

4 e 1; 2; 3

29

9

9

29

29

9

29

9

9

9 e 29

6

16

16

12

7, 9, 15

0

0

5

12

4, 10, 11, 13,

18, 19

1

4

1

1

1

1

2

2

2

2

75

60,71

96,15

88,46

57,69

92,31

100

96,15

80,77

88,46

FDLF

V

VI

VI

VI

VI

1; 2; 3; 4

1 e 2; 3; 4

2 e 1; 3; 4

3 e 1; 2; 4

4 e 1; 2; 3

9

9

9

9

9

-

-

-

-

-

4

2

2

2

2

57,14

84,62

53,85

69,23

80,77

FONTE: As autoras

Conclusão

Como se pôde observar no QUADRO

3, as RNAs e a FDLF apresentaram um melhor

desempenho nos testes IV e VI, respectivamente,

ou seja, ao se ter dois conjuntos a serem discri-

minados. Conforme já mencionado, esses dois testes

foram realizados em quatro etapas: I) sepa rou-se

os padrões em dois grupos (um grupo contendo

os padrões da 1ª classe — caso leve —, e o outro

contendo os padrões das demais três classes, 2ª, 3ª e

4ª classes); II)separou-se novamente os padrões em

dois grupos (um contendo os padrões da 2ª classe

— caso leve a moderado —, e o outro contendo os

padrões das demais três classes: 1ª, 3ª e 4ª classes).

E, assim, procedeu-se para as outras duas etapas.

Para cada uma dessas quatro situações do

teste IV (RNAs; melhores resultados dentre as duas

técnicas abordadas), os pesos foram devidamente

registrados. Assim, ao se apresentar um novo

padrão (docente), com as suas respectivas 29

variáveis devidamente codificadas, teremos de

avaliar cada uma dessas quatro situações para esse

docente, verificando em qual delas o seu percentual

será maior. Tal situação, que fornece o maior

percentual, será, então, a classe desse novo padrão.

A acurácia média será de 91,35%, obtido pela média

das acurácias do teste IV do QUADRO 3.

Como esses resultados do QUADRO 3

foram satisfatórios, conclui-se que as técnicas aqui

apresentadas podem ser utilizadas com segurança

pela fonoaudióloga da escola, auxiliando-a na

classificação dos docentes quanto aos distúrbios

vocais. Assim, tem-se um respaldo adicional quanto à

decisão/sugestão se os docentes poderão aumentar,

manter ou diminuir sua carga horária de trabalho.

Pode-se tornar este estudo, em um trabalho

futuro, mais abrangente, realizando a avaliação dos

riscos do uso da voz na ação profissional como um

todo, não somente para o âmbito da docência.

• Recebido em: 07/01/2012

• Aprovado em: 16/04/2012

Page 211: Revista FAE Jul./Dez. 2012

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210

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211R e v . F A E , C u r i t i b a , v. 15, n. 2, p. 211-214, jul./dez. 2012

Orientações aos Colaboradores da Revista da FAE

Page 214: Revista FAE Jul./Dez. 2012

212

Histórico e Missão

A Revista da FAE, existente desde 1998, é um espaço

para divulgação da produção científica e acadêmica de temas

multidisciplinares, que enfoca, principalmente, as áreas de Ad-

ministração, Contabilidade, Economia, Direito, Engenharia, Edu-

cação, Sistemas de Informação, Psicologia e Filosofia, com o

intuito de discutir o posicionamento das organizações e o de-

senvolvimento local.

Pela sua missão ser a de fomentar a produção e a dis-

seminação de conhecimento em áreas correlatas à discussão

sobre a gestão de negócios e o posicionamento das orga-

nizações no processo de desenvolvimento local, entre nossos

leitores, encontram-se professores, alunos de graduação e pós-

-graduação, consultores, empresários e profissionais de empre-

sas públicas e privadas.

Já com o tema organizações e desenvolvimento, o ob-

jetivo é analisar o papel e a interação da organização, qualquer

que seja sua origem ou situação societária, no processo de

sustentabilidade econômica, social, ambiental e política.

Além de trabalhos puramente teóricos, serão acei-

tos para apreciação artigos resultantes de estudos de casos

ou pesquisas direcionadas que exemplifiquem ou tragam ex-

periências fundamentadas teoricamente e que contribuam

com o debate estimulado pelo objetivo da revista.

Enfatiza-se a necessidade de os autores respeitarem

as normas estabelecidas nas Notas para Colaboradores,

especialmente as referentes ao limite de tamanho. Os

trabalhos serão publicados de acordo com a ordem de

aprovação, porém será priorizado o conteúdo multidisciplinar

do debate.

Todos os artigos estão disponíveis para download, ex-

ceto a última edição.

Objetivo

O objetivo da Revista da FAE é promover a publicação

de temas relacionados à gestão de negócios e à inserção das

organizações no processo de desenvolvimento local.

A Revista da FAE deseja motivar e instigar os seus

leitores a compreenderem o papel das organizações no pro-

cesso de desenvolvimento local, tendo acesso à discussão de

temas atuais e relevantes para definição estratégica e ope-

racional das organizações.

Assim, será dada prioridade à publicação de artigos

que, além de inéditos, nacional e internacionalmente, versem

sobre o papel das organizações no desenvolvimento local

e discutam sobre temas contemporâneos da gestão de

negócios.

Orientação Editorial

Os trabalhos selecionados pela Revista da FAE serão

aqueles que abordem temas relacionados ao seu objetivo, ou

seja, que se refiram a ferramentas técnicas e teorias relacio-

nadas à gestão de negócios e à função das organizações no

processo de desenvolvimento local.

Com o tema gestão de negócios, visa-se contri-

buir com o debate sobre sistemas de gestão de produção

e gestão econômica de sistemas produtivos, com o intuito

de discutir o processo de desenvolvimento da organização.

Trata-se de uma visão holística sobre a gestão de negócios, a

partir de uma abordagem multidisciplinar das áreas de Ciên-

cias Sociais Aplicadas (Administração, Contábeis e Econo-

mia), Jurídica (Direito) e Exatas (Engenharias).

Focos

O principal requisito para publicação na Revista da

FAE consiste em que o artigo represente, de fato, uma con-

tribuição científica. Tal requisito pode ser desdobrado nos

seguintes tópicos:

• O tema tratado deve ser relevante e pertinente

ao contexto e ao momento e, preferencialmente,

pertencer à orientação editorial.

• Oreferencialteórico-conceitualdeverefletiro

estado da arte do conhecimento na área.

• Odesenvolvimentodoartigodeve ser consis-

tente, com princípios de construção científica

do conhecimento.

• Aconclusãodeveserclaraeconcisaeapon-

tar implicações do trabalho para a teoria e/ou

para a prática administrativa.

Espera-se, também, que os artigos publicados na

Revista da FAE desafiem o conhecimento e as práticas esta-

belecidas com perspectivas provocativas e inovadoras.

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213R e v . F A E , C u r i t i b a , v. 15, n. 2, p. 211-214, jul./dez. 2012

Escopo

A Revista da FAE tem interesse na publicação de

artigos de desenvolvimento teórico e trabalhos empíricos.

Os artigos de desenvolvimento teórico devem ser

sustentados por ampla pesquisa bibliográfica e devem

propor novos modelos e interpretações para fenômenos

relevantes com relação à gestão de negócios e à interação

das organizações no desenvolvimento local.

Os trabalhos empíricos devem trazer avanços ao

conhecimento na área, por meio de pesquisas metodologi-

camente, bem fundamentadas, criteriosamente conduzidas,

e adequadamente analisadas.

referências bibliográficas completas deverão

ser apresentadas em ordem alfabética no final

do texto, de acordo com as normas da ABNT

(NBR-6023).

• Diagramas, quadros, figuras e tabelas devem

ser numerados sequencialmente, apresentar

título e fonte, bem como ser referenciados no

corpo do artigo.

Permuta

A Revista da FAE faz permuta com as principais

faculdades e universidades do País.

Assinatura

Periodicidade: Anual

Valor: R$ 65,00

• Para assinar, favor entrar em contato pelo

telefone (41) 2105-4093 ou [email protected].

Envio de Artigos

Os artigos deverão ser encaminhados para:

FAE Centro Universitário

Núcleo de Pesquisa Acadêmica

Rua 24 de Maio, 135

80230-080 Curitiba/PR

E-mail: [email protected]

Fone: (41) 2105-4093 - Fax (41) 2105-4195

Agradecemos o seu interesse pela Revista da FAE e espera-

mos tê-lo(a) como colaborador(a) frequente.

Notas para Colaboradores

A Revista da FAE está aberta a colaborações

do Brasil e do exterior. A pluralidade de abordagens e

perspectivas é incentivada.

Podem ser publicados artigos de desenvolvimento

teórico e artigos baseados em pesquisas empíricas (de 5 mil

a 8 mil palavras).

A aceitação e publicação dos textos implicam a

transferência de direitos do autor para a Revista. Não são

pagos direitos autorais.

Os textos enviados para publicação são apreciados

por pareceristas pelo sistema blind review.

Os artigos deverão ser encaminhados para o

Núcleo de Pesquisa Acadêmica (NPA) com as seguintes

características:

• Na folha de rosto deverão constar o título

do trabalho, o(s) nome(s) completo(s) do(s)

autor(es), acompanhado(s) de um breve cur-

rículo, relatando experiência profissional e/ou

acadêmica, endereço, números do telefone e

do fax e e-mail.

• A primeira página do artigo deve conter o tí-

tulo (máximo de dez palavras), o resumo em

português (máximo de 250 palavras) e as pa-

lavras-chave (máximo de cinco), assim como

os mesmos tópicos vertidos para o inglês (title,

abstract, keywords).

• A formatação do artigo deve ser: tamanho A4,

editor de texto Word for Windows, margens 2,5

cm, fonte times new roman 13 e/ou arial 12 e

espaçamento 1,5 linha.

• Asreferênciasbibliográficasdevemsercitadas

no corpo do texto pelo sistema autor-data. As

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