35
Revista Filosófica de Coimbra Publicação semestral do Instituto de Estudos Filosóficos da Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra Director: Miguel Baptista Pereira Coordenação Redactorial: Francisco Vieira Jordão e António Manuel Martins Conselho de Redacção : Alexandre F. O. Morujão , Alfredo Reis, Amãndio A. Coxito , Anselmo Borges , António Manuel Martins , António Pedro Pita, Edmundo Balsemão Pires , Fernanda Bernardo , Francisco Vieira Jordão, Henrique Jales Ribeiro , João Ascenso André, Joaquim das Neves Vicente, José Encarnação Reis, José M . Cruz Pontes , Luísa Portocarrero F. Silva, Marina Ramos Themudo , Mário Santiago de Carvalho, Miguel Baptista Pereira As opiniões expressas são da exclusiva responsabilidade dos Autores A correspondência relativa a colaboração, pedidos de permuta, oferta de publi- cações, assinaturas, etc. deve ser dirigida a: Revista Filosófica de Coimbra Instituto de Estudos Filosóficos Faculdade de Letras P - 3049 Coimbra Codex Subsidiado pela J .N.I.C.T. e pela Fundação Calouste Gulbenkian

Revista Filosófica de Coimbra - saavedrafajardo.org · emparticular do Instituto de Estudos Filosóficos, ... não são independentes umdo outro mas dois ... pôr a prova a filosofia

Embed Size (px)

Citation preview

Revista Filosófica de Coimbra

Publicação semestral do Instituto de Estudos Filosóficos da Faculdade de Letras

da Universidade de Coimbra

Director: Miguel Baptista Pereira

Coordenação Redactorial: Francisco Vieira Jordão e António Manuel Martins

Conselho de Redacção : Alexandre F. O. Morujão , Alfredo Reis, Amãndio A.

Coxito , Anselmo Borges , António Manuel Martins , António Pedro Pita,

Edmundo Balsemão Pires , Fernanda Bernardo , Francisco Vieira Jordão,

Henrique Jales Ribeiro , João Ascenso André, Joaquim das Neves Vicente,

José Encarnação Reis, José M . Cruz Pontes , Luísa Portocarrero F. Silva,

Marina Ramos Themudo , Mário Santiago de Carvalho, Miguel Baptista

Pereira

As opiniões expressas são da exclusiva responsabilidade dos Autores

A correspondência relativa a colaboração, pedidos de permuta, oferta de publi-

cações, assinaturas, etc. deve ser dirigida a:

Revista Filosófica de CoimbraInstituto de Estudos FilosóficosFaculdade de LetrasP - 3049 Coimbra Codex

Subsidiado pela J .N.I.C.T. e pela Fundação Calouste Gulbenkian

Revista Filosófica de Coimbra

Publicação semestral

ISSN 0872-0851

Artigos

Miguel Baptista Pereira - Modernidade, Fundamentalismo e Pós--Modernidade ................................................................................ 205

J. Ma. Ga. Gomez-Heras - La Naturaleza Reanimada - Del Desen-cantamiento del Mundo en Ia Racionalidad tecnológica alReencantamiento de Ia Vida en Ia Utopia ecológica ................ 265

Amândio A. Coxito - Ainda o Problema da Filosofia Portu-guesa - Recordando Joaquim de Carvalho, no Centenário doseu Nascimento ............................................................................. 299

Francisco V. Jordão- Joaquim de Carvalho e Espinosa- O Acordode Intenções no Campo político-religioso ................................. 309

Joaquim Neves Vicente - Subsídios para uma Didáctica Comuni-cacional no Ensino-Aprendizagem da Filosofia ........................ 321

Estudo Crítico

Mário A. Santiago de Carvalho - Noção, Medição e Possibilidadedo Vácuo segundo Henrique de Gand ........................................ 359

Crónica ................................................................................................ 387

Recensões ............................................................................................ 389

CRÓNICA

FILOSOFIA E CULTURANO CENTENÁRIO DO NASCIMENTO DE JOAQUIM DE CARVALHO

Decorreu nas instalações da Academia Figueirense o colóquio Filosofia eCultura / No centenário de Joaquim de Carvalho, organizado pela Associaçãode Professores de Filosofia e submetido a um duplo objectivo: analisar a perti-nência das interpretações filosóficas, estéticas e culturais de Joaquim de Carvalhoe "fazer o ponto" dos conhecimentos actuais nos domínios favoritos do laborintelectual do ilustre mestre coimbrão. Três conferências e cinco mesas redondaspreencheram os quatro dias de colóquio, que se realizou de 10 a 13 de Junho de1992. Docentes da Universidade de Coimbra, quer da Faculdade de Ciências- como o Prof. Doutor António Amorim Costa - quer da Faculdade de Letras, eem particular do Instituto de Estudos Filosóficos, participaram activamente nainiciativa; é o caso dos Profs Doutores Carvalho Homem, Francisco VieiraJordão, Maria Luísa Portocarrero Ferreira da Silva, Amândio Coxito, FernandoCatroga, Carlos André e dos Drs. José Carlos Seabra Pereira e Ana LeonorPereira. Todos apresentaram comunicações a convite da entidade organizadora,num contexto multi disciplinar destinado mais a reflectir com (e a partir do )trabalho de Joaquim de Carvalho do que a tomá-lo como ponto de referênciaerudito. E, neste sentido, pode considerar-se que a reflexão produzida pelosparticipantes (cuja publicação conjunta se prevê) constitui um momento signi-ficativo na cena historiográfico-cultural.

O programa do colóquio procurou, de facto, articular de um modo coerenteas principais linhas de força do trabalho de Joaquim de Carvalho, atendendo,como pressuposto fundamental, a que reflectir sobre ele significa analisar atextura filosófica da historiografia das ideias.

A tese: "0 que somos, somo-lo pela história" conduz o Mestre de Coimbraa uma peculiar articulação entre Filosofia e História da Filosofia: dissipa aaparente "contradição que a história da filosofia parece conter intrinsecamente,ou seja a contradição entre o conceito de História como sucessão e diversidadede pensamentos, e o de Filosofia, como expressão da imutabilidade e eternidadeda verdade" (Prefácio a Introdução à História da Filosofia , Arménio AmadoEditor, Coimbra, 38 edição, 1974, p. 19); e, nessa linha, entende a Filosofia como"o conhecimento do sistema (ou da Ideia) que evolve" e a História da Filosofia,assim colocadas em relação com o necessário desenvolvimento da História, são

Revista Filosófica de Coimbra-2 (1992) pp. 387-388

388 António Pedro Rita

terreno de opinião: "a filosofia ( diz-se ainda no mesmo texto) é conhecer me-diante conceitos , não é opinar nem deduzir uma opinião de outra".

De posse desta intuição, que vai progressivamente explicitando , Joaquim de

Carvalho desenvolve um impressionante trabalho : começa por ser a elaboração

das possibilidades de urna 1listória da Filosofia em Portugal ( publicação de

fontes , reedição de textos básicos ); prossegue numa interpretação de alguns objec-

tos favoritos , entre os quais não será excessivo salientar a ideologia republicana,

a lógica interna do sistema de Espinosa e a descnvolução existencial e metal ísica

de Aulero: inclui unia abordagem do problema de uma " lilosoti:l portuguesa",

tornada questão relevante pelo trabalho sobre as condiçì es, os IcnIas e : is perso-

nalidades da Filosofia em Portugal ; clescinboca uuin:i elaboração te(iiica pró pria,

distanciada do labor hisloriogrífico , embora primitivamente diluída cm miloliogra-

tias sobre outros autores e em privilegiado diálogo com poetas (Anteio. Pascoaes).

Assim, reflectir sobre a obra de Joaquim de Carvalho e:

a) abordar os problemas da comunicação do teclo filosr^Jico ( trabalho exem-piar como professor , administrador da Imprensa da Universidade, direc-tor da Revista Filosófica e coordenador da Biblioteca Filosófica daAtlântida Editora);

b) reabrir a discussão ou tentar novas vias de debate para os filósofos damodernidade (Espinosa, Leibniz , Ilegel. Ilusserl , l)ilthey), para a ideo-logia republicana , para o problema da Ilistória da Filosofia em Por(ugal,para as possibilidades e resistências de uma verdadeira atitude científicaentre nós e para a importância da literatura como capítulo de urna históriadas ideias;

c) remeditar, no crepúsculo do paradigma moderno, o problema elo filosofare não tanto a questão da filosofia ("O que importa é o filosofar e não aadopção de uma filosofia").

Os trabalhos que decorreram na Figueira da Foz procuraram ir ao encontro,precisamente , destas temáticas . O Prof . J. V. de Pina Martins fez a inscriçãobiográfica do percurso especulativo de Joaquim de Carvalho, na sessão deabertura . O Dr. Joaquim de Montezuma Carvalho, ensaísta e filho do home-nageado, abordou o enraizamento concreto, existencial de qualquer filosofia eda atitude filosófica do Mestre. O Prof. Eduardo Lourenço , em comovidaevocação , analisou o problema de Portugal no pensamento de Joaquim deCarvalho. E os Profs Viriato Soromenho Marques , João Caraça e Ana LuísaJaneira , bem como os Drs João Luís Oliva, Cabral Pinto , Adelino Cardoso eManuel Dias Duarte, participaram, com os docentes da Universidade de Coimbrajá referidos , nas mesas -redondas.

Resultou , do conjunto de trabalhos , um Joaquim de Carvalho porventurainesperado , intérprete arguto mas discreto , elo insubstituível na compreensão ac-tual da cultura portuguesa moderna, analista pertinente das articulações internasdos pensamentos mais do que das vicissitudes externas dos pensadores , filósofoinconcluso a caminho da explicitação de uma atitude filosófica própria. Se nãohouve conclusões emergiu , talvez, a complexidade coerente de paciente paixão,perseverança militante e irreprimível aspiração ao voo especulativo.

António Pedro Pita

pp. 387 -388 Revista Filosófica de Coimbra - 2 (1992)

*til :$fiifl d^. f + 11iiN$1iRl^.dteila

, 'r,bs:xll^^ +i*weSs s pa a ,. :ilkilMlANgO ** . p

i ... r ¡ : ^,lgtkl n s 4Of ^Y 1, f ïdiktõWlgk^

\ 9h outkdMl 417 f. {9 1^t:^C /d. MgáwJ, ..+riM gP!!^cy " l^w,1k;1-^ggAW'.^.é^IMâ

t , 1M,1 d'' OW 'ia F +ry+HO ì a,}

RECENSÕES

WESSELL, Leonard P.: El Realismo Radical de Xavier Zubiri - Valo-raciónl Crítica. Ed. Univ. de Salamanca. 1992.

El Realismo radical de Xavier Zubiri - Valoraclón crítica tem como objectivoconfrontar o realismo de Zubiri com o idealismo de Josiah Royce , destacando num enoutro o que se oferece de mais específico e resistente às objecções da facção contrária,e mostrar que a dinâmica interna do realismo de Zubiri não permite concluir pela totalindependência da realidade em relação ao sujeito , sem o perigo de cair numa aporia: oreal é o que se dá por si mesmo ao sujeito cognoscente ; o real é o que permanece semprepara além do mesmo sujeito.

A obra consta de seis capítulos e cada um constitui uma etapa no processo de soluçãodo conflito que opõe o idealismo ao realismo . No primeiro capítulo , tomando como pontode referência a posição de N. Hartmann , o autor procura explanar a posição realista a partirdo conceito de "realidade" e conclui pela problematicidade radical deste conceito: "miinterpretación me fuerza a desafiar a todos los Ilamados defensores de Hartmann a queme expliquem , es decir , a que hagan compreensible a mi conciencia cognoscente,sentiente , etc., cuál es el carácter general , positivamente expressado , de Ia realidad, deesta realidad -en-si , que está absolutamnete mas allá de, o allende , toda experiencia" (p.55).No segundo capítulo, o autor desenvolve o conceito de realidade em Zubiri e defende queo dado determinante para a sua concepção consiste no modo como ela se dá na intelecção:"realidad es formalidad o, en otros términos, un modo de estar presente en Ia intelección"(p.74). O terceiro capítulo oferece- nos uma permenorizada exposição de qual é, segundoZubiri , o traço fundamental da realidade , o «de suyo» (o que lhe é próprio no dar-se àintelecção ), que constitui a essência da realidade, ou a realidade «simpliciter», a este únicotraço, Zubiri tende para um "nominalismo pluralista que se basa en un nominalismomonista , es decir, en Ia independencia absoluta y única que tipifica el «de suyo» en cuantorealidad transcendental y nada más" (p. 106). No quarto capítulo , é explanado o carácterproblemático do realismo de Zubiri , em virtude da impossibilidade de precisar o que estána base da intelecção , o "facto puro", ou realidade «simpliciter», concluindo que um talrealismo, ao defender a independência total da realidade , tal qual é, em relação aoconhecimento que o sujeito tem dela , nunca pode gerar qualquer segurança no conheci-mento : "si Ia conciencia o inteligencia no encuentra directa , inmediata y unitariamente

Ia realidad como es, no tenemos ni certidumbre ni seguridad de que Ias representacionesrepresenten Ia realidad verdadeira" (p. 144). O quinto capítulo é dedicado a mostrar quea capatação do "de suyo", ou da realidade «simpliciter", é impossível de descrever, peloque não se pode defender que na base da intelecção esteja um "acto puro", independentede todo o contexto envolvente e da acção do sujeito: "el «de suyo » no puede ser aprehen-dido (primordialmente o simplemente ) en absoluto como lo que es simpliciter" (p. 200).No sexto e último capítulo, a partir da reflexão de Royce sobre o idealismo, Wessell

Revista Filosófica de Coimbra-2 (1992) pp. 389-414

390 Revista Filosófica de Coimbra

conclui que realidade não é mais do que "o que está aí como dado à consciência", ou o

que se apresenta a uma apreensão ulterior e englobante: um «ex se-ad alium», bem

expressivo da relatividade de todo o conhecimento.

Com a sua interpretação do realismo de Zubiri pelo prisma do idealismo royciano,

com notável firmeza de argumentos, grande coerência nas deduções, clareza de linguagem

e precisão de conceitos, Wessell procura mostrar que, no acto primordial de apreensão,

não existe uma "actualidade comum", como defende Zubiri, mas uma simples correlação

intrínseca entre os dois polos, ou os dois momentos, tanto objectivos como subjectivos,

da apreensão : o que está consciente e o que foi dado à consciência

O que está em causa , para Wessell, é a possibilidade de conceptuali/ar a realidade

de qualquer índole, independentemente da consciência. A sua conclusão e a de que a reali

dade como alteridade - um "prius" objectivo - é sempre cunclauva ao aprcensãi - uni

"prius" subjectivo - interessado nela. No acto de intelecção, ha sempre dois ' pnoia que

não são independentes um do outro mas dois polos dum mesmo: a realidade e o que esta

presente na medida em que me dou conta da sua presença.

Wessell propôs-se "prescrutar" e, ao mesmo tempo, pôr a prova a filosofia de Zubiri.

Como sublinha Mariano Alvarez Gómez (Presentación, pp. 15-17), a conjugação destes

dois aspectos, investigação e prova, é um dos grandes méritos da obra de Wessell. Tra-

ta-se dum estudo de carácter valorativo. que resulta numa espécie de drama, com Zubiri

por protagonista e Royce por antagonista, em que aquele pretende reconquistar a base

autêntica da realidade , enquanto este se opõe tenazmente a este intento. Sem cair numa

apologética fácil ou na exposição repetitiva nem numa crítica vazia ou sem ponto de apoio,

Wessel desenvolve a tese de que, da realidade enquanto supostamente independente da

consciência , não é possível dizer seja o que for, porque, de modo geral. só se pode falar

com sentido do que se torna presente a nós e, por conseguinte, a realidade não pode ser

pensada como independente do pensamento: além disso, a realidade enquanto tal, para

ser pensada, tem de ser forçosamente algo discernido ou discernível por uma inteligência,

o que quer dizer que a sua independência da consciência não significa necessariamente

"fora de" ou para além de toda a consciência. No termo do seu estudo, Wessell constata

que o realismo de Zubiri não somente é impossível de se manter sem pressupostos idea-

listas, como , mais ainda , encerra uma dinâmica intrínseca tendente à sua transformaçãoem idealismo : se a realidade se torna presente na inteligência por impressões e a

inteligência se constitui nela como impressão de, a reflexão de Zubiri move-se no círculoidealista entre a consciência da realidade e a a realidade consciente.

Esta obra de Leonard Wessell, apesar do mérito que lhe reconhecemos para o escla-

recimento duma problemática sempre actual, a da possibilidade de atingir o que as coisas

são sem qualquer aportamento da actividade pensante, é susceptível de levantar algumasquestões : constituirá Royce a única alternativa a Zubiri, ou apenas o opositor mais bem

colocado para fornecer os argumentos da crítica feita a este? Não terá a consciêncianenhuma capacidade de se transcender e de afirmar algo como independente de si mesma?

Poderá dizer -se que o último possível de ser afirmado tem de ser restringido aos princípios,às categorias e aos conceitos inerentes ao funcionamento da mesma consciência? Nenhuma

distinção pode ser estabelecida entre a consciência enquanto consciência e a consciênciaenquanto algo? Estas e outras questões ficam em aberto na obra de Wessell, porque, maisdo que o problema da possibilidade de afirmar a independência do real em relação aosujeito cognoscente, como penso que é preocupação de Zubiri, a investigação foi-sedesenvolvendo no sentido de tornar dominante o problema de saber o que é que, nocontexto dos limites e dos princípios prévios ou subjacentes à actividade esclarecedorado sujeito , pode ser afirmado . O que equivale a dizer que a questão ontológica de Zubirié transformada por Wessell numa questão fundamentalmente gnosiológica.

Francisco Vieira Jordão

pp. 389-414 Revista Filosófica de Coimbra -2 (1992)

Recensões 391

DILTHEY, W.: Teoria das Concepções do Mundo, Trad ., Lisboa : ed.70,1991, 162 pp.

Publicados nos princípios deste século , acabam de ser editados entre nós, numatradução de A. Morão, os dois textos que constituem a Teoria das Concepções do Mundode W. Dilthey. Trata-se de dois ensaios da última fase do autor , que claramente revelamqual a sua grande preocupação: compreender o mundo da cultura como expressãosignificativa da vida histórica e concreta dos homens.

Que para além do mundo fáctico, neutro ou puramente natural , sabiamente exploradopela ciência e técnica modernas, existe um mundo vivido originário, o mundo sofrido esignificado , cuja textura simbólica ou intersubjectiva escapa a toda a lógica subsuntivada objectividade e universalidade - eis o contexto mais geral que nos permite entendera pertinência das reflexões desenvolvidas nestes dois ensaios . W. Dilthey , o teórico dasciências do espírito , eminente representante das filosofias da vida , na sua reacção contrao naturalismo abstracto da Modernidade científica , procura mostrar -nos ao longo de todaa sua vida como a imagética que sustenta a ciência e cultura humanas faz parte da própriaordem da vida vivida pelos homens dando precisamente origem a múltiplas visões ouconcepções do mundo . O mundo originário da vida é um mundo já sempre mediado pelaordem do sinal e da significação e, no entanto , sempre ainda por significar . Por isso, agrande tarefa de uma filosofia da vida é compreender as diferentes concepções do mundoque entretecem a nossa história , procurando simultaneamente estabelecer os fundamentosde uma nova gnosiologia , capaz de resolver o importante problema suscitado pelahistoricidade fundamental de todas as nossas imagens do mundo.

O antagonismo entre perspectiva histórica e pretensão de validade universalde qualquer concepção de mundo constitui , pois , o eixo central em volta do qualse desenrolam as meditações feitas por Dilthey nesta pequena obra . É que são várias emuito diferentes as visões do mundo que caracterizam a nossa história. O mundo dacultura não é um conjunto de formas estáticas ou ideias a priori . E, apesar de per-manecer a reinvindicação de universalidade de todas as visões humanas do mundo,todas elas acabam por se dissolver tragicamente no processo da história . A vida ultrapassaas suas próprias significações, apesar de nada ser sem elas. É um jogo inacabado deforça e significação . Por isso , só a autoreflexão histórica pode resgatar os ideaishumanos e suas múltiplas imagens do abismo do tempo e da inexorável marcha daevolução. Mas para que tal aconteça , é necessário descobrir , na "variegada multiplicidadedos sistemas , estruturas , conexões e articulações " ( 20). Por outras palavras : um mesmopressuposto deve ser encontrado por detrás de toda a luta entre as diversas mundividências.É, de facto, de ordem preconceptual a solução para a variedade das perspectivas queentretecem a história . Não exprimem elas apenas a dimensão semântica ou visíveldaquele enigmático poder que distingue o homem ou vida vivida do objecto puramenteinerte?

A capacidade evolutiva do homem, essa dimensão prospectiva que o caracterizaenquanto projecto, antecipação ou ser inacabado , tal é o núcleo da imagem, ou o miolodo tempo, motivo pelo qual é introduzida no mundo a perspectiva , a expectativa, asignificação ou imagem.

É, pois, a vida na sua inesgotável capacidade de simbolização ou referência(transcendência ) a raíz última de toda a visão de mundo . Por isso , muitas são aspossibilidades de o conceber. Por toda a parte, Religião, Filosofia e Poesia reflectemnomeadamente sobre o enigma da vida procurando torná- lo compreensível , na base demodelos, que transformam o que é confuso e absurdo numa conexão necessária deproblemas e soluções (118). Da reflexão sobre a vida nasce a experiência da vida, afirma

Revista Filosófica de Coimbra - 2 (1992 ) pp. 389-414

392 Revista Filosófica de Coimbra

o autor revelando -nos, deste modo, a dimensão eminentemente histórica e mediata de toda

a experiência humana.

A ordem das significações, integra a própria ordem da vida, é mesmo a sua real

condição - tal é a descoberta fundamental de Dilthey que o obriga a elaborar uma teoria

das concepções ou linguagens do mundo, que procure respeitar a ,ua inevitável

historicidade.

l.ui.sa l'ortocarrero F. Silva

SIMON, Josef: Filosofia da Linguagem. Trad. de A. Moi ãt). Lisboa,

Ed. 70, 1990, 244 pp.

Publicada em 1981, a obra Filosofia da Linguagens de J. Simon surge finalmente

entre nós, numa tradução de Artur Morão.

Neste texto interessante o autor analisa a inegável importância da linguagem no

pensamento contemporâneo, em ordem a poder situar a tarefa concreta de uma filosofia

da linguagem.

Se, de facto, a linguagem ocupou, desde cedo, a cena filosófica - como o atestam o

diálogo Crbtilo de Platão e a importante determinação aristotélica da linguagem como

logos semântico, dotado de um tríplice carácter, pragmático (ou retórico), poético e

apofântico - nem sempre os filósofos deram muita atenção aos problemas implicados namediação linguística do seu pensamento, considerando-a, em regra. como puro acidente

ou roupagem exterior. É, no entanto, já desde a crise nominalista dos universais e suacrítica ao conceito realista de linguagem que se prepara, no contexto da tradição filosófica

ocidental, todo um movimento de ordem marcadamente epistemológica, cujo resultado

foi a conversão linguística do filosofar iniciada por W. von Humboldt nos finais do

séc. XIX.

Com efeito, ao pôr em causa a pretensão directa de todos os nossos enunciadospredicativos, o movimento nominalista abre caminho a uma forte tendência para adesvalorização da linguagem natural, que acaba por ter como contrapartida necessária aposição transcendental do sujeito moderno. O divórcio entre pensamento puro e linguagemnatural consuma-se de um modo tal com a viragem transcendental da filosofia modernaque a questão da verdade - a questão filosófica por excelência - passa então a exigir umafundamentação extralinguística dos nossos enunciados. Só a referência dos conceitosuniversais à experiência (elevada a verdadeira instância de fundamentação )(34) permiteagora decidir da verdade ou não verdade dos nossos juízos. Mas a própria noção deexperiência - o novo modelo de referência - é, como nos alerta já Kant, uma noçãocomplexa, pois sem os conceitos que a ordenam (51) toda a observação humana épuramente caótica. O pensamento humano, os seus conceitos não têm um significado emsi geral , nem tãopouco derivam simplesmente da experiência. São por referência àexperiência , que ordenam e que, por sua vez, nada é sem eles. Tal foi o ensinamentofundamental da filosofia transcendental de Kant. Mas, Kant, diz-nos a este propósitoJ.Simon (45), parte ainda de um entendimento arquetípico, cujo pensar é plenamenteadequado , isto é , pressupõe a identidade do sujeito na sua referência às formas com quepensa, ideia que mais tarde será radicalmente contestada. Na verdade, o advento, noséc. XIX, da problemática das ciências humanas e toda a questo da sua radicallinguisticidade e historicidade, vai fazer-nos tomar consciência de que o pensamentohumano tem uma consistência linguística finita; de que nada existe onde falta a palavra

pp. 389 -414 Revista Filosófica de Coimbra- 2 (1992)

Recensões 393

e de que toda a linguagem é uma visão específica do mundo que "sobressai como umcomportamento interindividual"(79). A partir de W. von Humboldt e de toda a revisãoda autocompreensão filosófica ocidental proporcionada pela problemática da finitude ehistoricidade do existir humano, criam- se, pois, as condições que obrigam a Filosofia apensar , antes de mais, a sua mediação linguística.

Grande parte do filosofar do nosso tempo considera mesmo que uma teoria dossignos ( e da sua radical intersubjectividade) deve preceder a antiga teoria das coisas,concedendo assim à filosofia da linguagem o lugar outrora ocupado pela própriaMetafísica ou filosofia primeira . A filooofia da linguagem é, hoje, uma disciplina fun-damental, que reorganniza o filosoficamente pensável, não devendo , pois, confundir-se

com a mera análise linguística , desenvolvida com êxito e pertinência neste século, a partirde F. Saussure. Reflecte sobre a linguagem não para a tratar como um qualquer objectoparticular mas para, a partir dela , reinterpretar o nosso próprio modo de ser e pensar,na sua eterna referência ao ser das coisas . Nem o conhecimento puramente conceptual,nem o conhecimento puramente empírico ou sensista são, hoje , hipóteses possíveis. Para

o homem não existe de facto uma relação directa e imediata com o mundo e com os

outros homens. A descoberta da finitude e historicidade do existir mostrou-nos,justamente , que a nossa relação ao mundo não é de posse , espelhamento ou coincidência,

mas sim de referência , interpretação ou simbolização . Por isso , é hoje impossível sustentar

um discurso inequívoco sobre a referência.É o poder hermenêutico -intersubjectivo daprópria linguagem humana o objecto fundamental de uma filosofia da linguagem que

apresenta assim um escopo simultaneamente ontológico, ético e gnosiol6gico.

Luísa Portocarrero F. Silva

BOAVIDA, João: Filosofia - do Ser e do Ensinar, Coimbra, Centro dePsicopedagogia (I.N.I.C.), 1991 , 540 + XIV páginas.

O livro é constituído por quatro partes , distintas mas inter -relacionadas, que vamos

tentar resumir com vista à compreensão da obra.

A primeira ("Análise dos condicionalismos gerais postos pela Filosofia como domínio

específico") procura compreender não s6 as condições gerais do pensamento filosófico

como o seu "modus faciendi". Apesar da variedade quase ilimitada das suas manifestações,

poderá resumir-se a uma necessidade de entendimento e a uma exigência racional quanto

aos factores que o desencadeiam, a dois tipos de actividade intelectual, quanto ao modo

da actuação predominante (a análise e a síntese), e a duas formas de concretização

essenciais (o processo e o sistema).A segunda ("A adolescência como transformação e especificidade") procura justificar

o carácter particular do comportamento e do pensamento adolescentes, com o intuito de

compreender melhor o que se pretende ao nível do ensino/aprendizagem da Filosofia.

Apesar do carácter em grande parte cultural da chamada crise da adolescência, o livro

procura demonstrar que há efectivamente uma especificidade psico-afectiva e intelectual

que se coaduna muito bem com o tipo de actividade que a Filosofia dominantemente

exige. Ou seja, o livro pretende demonstrar que os alunos do ensino secundário têm em

geral boas condições para a aprendizagem e para a actividade filosófica, e que a razão

para a sua desmotivação frequente terá que encontrar-se em razões de natureza pedagógica

e psicológica e não no âmbito da Filosofia propriamente dita.

Revista Filosófica de Coimbra-2 (1992 ) pp. 389-414

394 Revista Filosófica de Coimbra

A terceira ("A educação e a concepção educativa como processos em evolução")

procura, analisando o acto educativo , e a evolução a que tem vindo a ser sujeita a sua

concepção , realçar não só a sua dinâmica integrada, mas, digamos, a sua funcionalidade,

real e potencial . Passa ainda em revista os contributos psicológico e pedagógico para uma

concepção da actividade educativa que concorre, no seu ponto de vista, para a abordagem

que pretende para a Filosofia.

A quarta parte enfim ("Esboço de uma didáctica geral para a Filosofia") pretende

sintetizar os contributos das perspectivas anteriores (filosófica, psicológica e pedagógica)

no sentido de encontrar uma nova abordagem para a I ilusnfia e, simultaneamente, uma

didáctica diferente.

As razões e os argumentos aduzidos nas quatro partes valem cm si mesmos ruas,

numa segunda ordem, entrecruzarn -se numa espécie de conflucncia ou coeréncia orais

profunda, porque inter-relacionada. Quero dizer, desde a primeira paute que rios

apercebemos , tomando como ponto de partida a Filosofia, quer como interpretação/

fundamentação , quer como construção/interpretação, que a relação entre Filosofia e

Pedagogia tem aqui uma nova perspectiva, uma inter-relação que não é habitual ver-se.

Por um lado, a actividade filosófica é de natureza judicativa e oscila constitutivamente

entre a vocação para o sistema e a dinâmica do processo que o apela. Por outro, a

dimensão pedagógica, muito mais do que uma actividade complementar e extrínseca, surge

aqui como uma componente intrínseca ao processo, como elemento determinante. Na

medida em que a actividade filosófica real tem uma estrutura reconhecidamente

pedagógica, e a vocação profunda da pedagogia é muito mais do que a arte de transmitir

conceitos , as coisas alteram-se profundamente em relação ao que é habitual. Assim não

só será necessário alterar a relação pedagógica, mas também a actividade na aula, que

terá que passar a assentar na dinâmica do processo e não na estrutura do sistema. Não se

nega a sistematicidade implícita da Filosofia; simplesmente toda a pedagogia moderna,

do mesmo modo que alguns dos contributos mais significativos da Psicologia, apontam

no sentido da necessidade de não esquecer o processo, ou esquecer-nos-emos da própria

Filosofia.

A quarta parte, por outro lado, ao propor uma didáctica para a Filosofia que

corresponda " à natureza construtiva do processo filosófico", e depois de analisar numa

perspectiva nova o tão falado problema da "ensinabilidade filosófica", estabelece

pressupostos mínimos na concretização da actividade filosófica e na definição de

objectivos. A qual definição (cognitivos, psico-afectivos e psicomotores: gerais,

específicos, comportamentais) constitui uma solução suponho que original para esteproblema , visto que ao nível do ensino da Filosofia, sendo também indispensável adefinição de certas metas, para que se possam alcançar aquelas que realmente interessam

à Filosofia, é preciso dar-lhe, porém, uma formulação diferente e alterar a sua concepção,se não queremos ver de novo afastada a hipótese de uma iniciação filosófica adequada.

Sendo esses objectivos, justamente , os que partem do próprio processo filosófico. Todos

os outros se afiguram ilegítimos , pelo conteúdo que impõem e pela particularização (deescolas, de problemas) que, por este meio, imediatamente impõem à Filosofia. Quanto,enfim, aos objectivos capazes de proporcionar estas condições, reservamos aos leitores

da obra a tarefa de encontrar a resposta...

Na verdade , isto é apenas um esboço, e tendo a obra mais de quinhentas densaspáginas, só uma leitura completa e atenta a poderá revelar em todos os seus aspectossignificativos . Há, porém, desde já, e para incentivar os hesitantes, um aspecto que aprazregistar : mesmo nas passagens mais complexas, o autor procura sempre tornar claro o seupensamento . É sabido que não é a sinuosidade verbal que faz a boa filosofia, mas aindahá quem tenha dificuldade em o entender . E tratando-se de um livro que assumidamentedefende a ligação indissociável da Filosofia e da Pedagogia, o esforço é de louvár.

pp. 389-414 Revista Filosófica de Coimbra - 2 (1992)

Recensões 395

Licenciado em Filosofia , que leccionou no ensino secundário durante vários anos, oautor especializou - se depois na área da Psicopedagogia , estando diariamente em contacto,teórico e prático , com os respectivos problemas . Daí que esta obra não seja o resultadode uma qualquer "congeminação abstracta", e nem mesmo uma simples ( ainda queexcelente ) tese de doutoramento . Ela é antes o fruto, maduro , de parte de uma vidaapaixonada por estas questões.

J. A. Encarnação Reis

HARRIS, J. F. (Ed.): Logic, God and Metaphysics. (Dordrecht /Boston/London, Kluwer Academic Publishers, 1992) IX+151 pp.

A recepção do pensamento de A. N . Whitehead no continente europeu tem-selimitado a um conjunto muito limitado de investigadores embora esteja a aumentar onúmero de publicações sobre a filosofia do processo na Alemanha. Contudo, é, de facto,nos EUA que floresce uma teologia do processo bem como uma certa tradição de estudossobre Whitehead . O livro que J. F. Harris edita inclui um conjunto de dez ensaiospublicados pelo Grupo Kluwer como homenagem a Bowman L. Clarke, professoruniversitário que se distinguiu nas áreas da filosofia da religião, do estudo da filosofiade Whitehead e do "cálculo de indivíduos ". Por isso, os ensaios aqui reunidos reflectemprecisamente sobre estes três centros de interesse do homenageado e sua interpenetração.Daí, a justificação do título Lógica, Deus, e Metafísica.

Charles Hartshorne partilha com Bowman Clarke o interesse pelos grupos temáticospara que aponta o título deste volume . Contudo , divergem profundamente quer ao nível

da construção sistemática quer no domínio da reconstrução interpretativa das tesesfundamentais de Whitehead . Divergência que é explorada por Lewis S. Ford e confrontadacom as interpretações de John Cobb, Jr. e William Christian em torno da problemáticada concrescência divina (19-37). Trata-se de um tema complexo que envolve a difícil refle-

xão sobre o tempo e, muito particularmente, a análise da teoria do tempo desenvolvidapor Whitehead como possível resposta à célebre distinção de dois tipos de tempo (a sé-

rie-A e a série-13 baseada em relações de antes e depois) feita por J. M. E. Mc Taggart.

Rem B . Edwards retoma as divergências de fundo em torno das noções básicas de"Processo e Deus" (41-57). Referindo- se a um estudo de Bowman Clarke em que este

argumenta convincentemente que, apesar de Hartshorne defender a tese de que todas as

preensões implicam uma causalidade eficiente , Whitehead distinguia claramente entre dois

tipos de preensões, causais e presentacionais ( 54), R. E . Edwards conclui: "Clarke

convenceu -me de que Whitehead acreditava na existência de preensões físicas não-causais

de actualidades concretas . Não me convenceu de que tais preensões não-causais existem

realmente" (55).John T. Dunlop analisa outro tema sobre o qual Clarke e Hartshorne divergem: o

argumento ontológico (99-109). Neste ensaio de Dunlap , mais interessante do que a

exegese das posições dos dois autores citados, é a análise das dificuldades comuns a ambos

face a qualquer interpretação standard da lógica modal quer se trata do sistema T de Von

Wright ou dos sistemas S4 e S5 de Lewis (104-108). A única saída possível seria optar

por um sistema modal não-standard sabendo de antemão que estes sistemas são fracos.

A posição de Hartshorne que pretende manter a validade do argumento independentemente

de qualquer sistema formal, parece claramente insustentável.

Revista Filosófica de Coimbra -2 (1992 ) pp. 389-414

396 Revista Filosófica de Coimbra

James Harris, no estudo "Deus, eternalidade e a visão de parte nenhuma", examina

alguns dos problemas relacionados com o atributo clássico da etern(al)idade divina desde

a concepção judaico-cristã e o Primeiro Movente de Aristóteles até às concepções mais

características da Modernidade com realce para os autores da tradição anglo-americana.

Mas o objectivo principal de Ilarris é a avaliação da resposta whiteheadiana ao dilema

do Movente Imóvel resultante da adopção por Tomas de Aquino da argumentação

aristotélica para justificar a existência do Movente Imóvel (73-86). Mais urna vez, tudo

passa por uma reflexão sobre essa dimensão central e extremamente dificil de articular

que é a temporalidade.

Eugene 'Churras Long aborda a questão do " plurali in icligiov, e Jn fundamento

da fé religiosa " (87-97) a partir de um posição que se inspira no pens:unento de 1lcideggcr

e de John Macquarric (88). Trata-se, portanto de um estudo que não se insere na tradição

de que se reclama B. Clarke e a maior parte dos colaboradores deste volume. 1., sem

dúvida, um dos estudos mais interessantes deste conjunto e que nos leva a uma questão

que o leitor se pode colocar: qual dos quadros de referência, o heideggeriano ou o

whiteheadiano, preferir? Evidentemente, que esta pergunta pressupõe um mínimo de

abertura no horizonte de reflexão do leitor e uma reflexão minimamente estruturada a um

nível meta-filosófico.

Lucio Chiaraviglio escreve a partir de um contexto das ciências da computação e da

informação sobre "alguns problemas novos para a especulação construtiva" defendendo

a prioridade da metáfora do processamento da informação sobre a velha metáfora da

representação ou da figuração (111-119).

Lance Factor, no estudo "Regiões, limites e pontos" analisa criticamente a versão docálculo dos indivíduos desenvolvida por B. Clarke focando a sua atenção sobre as

consequências da substituição da noção primitiva de "overlap" de Goodman pela noção

whiteheadiana de "conexão" (121-131). L. Factor sublinha a importãncia do trabalho de

Clarke neste domínio uma vez que Whitehead não desenvolveu uma topologia nem

dispunha de qualquer cálculo dos indivíduos. Na IV Parte dç Processo e Realidade, tudo

o que se pode encontrar é um conjunto de definições e construções parciais bem comoalgumas sugestões . Daí a importância dos estudos de Clarke no desenvolvimento de umprojecto de inspiração whiteheadiana.

O último ensaio, de Bowman L. Clarke inclui a sua resposta a algumas das criticasà sua obra formuladas pelos colaboradores deste volume bem como a sua reflexão sobre

os aspectos principais da interpretação do pensamento de Whitehead que ainda requeremum esforço por parte daqueles que se interessam por este tipo de filosofia (131-149). Defacto, todos estes ensaios podem servir como exemplo de um modo peculiar de fazerfilosofia que não é certamente o modelo dominante mas que é adoptado por um grupominoritário da comunidade filosófica americana. Caracteriza-se, por um lado, pelareferência nuclear à obra de Whitehead e, por outro, pelo desenvolvimento de instrumentosde análise lógica e rigorosa dos construtos teoréticos.

Não é de forma nenhuma um livro adequado a uma introdução ao labirinto dafilosofia do processo mas pode ser interessante para quem já possuir uma boa formaçãoe informação filosófica e quiser explorar novos caminhos, confrontar pontos de vistadiferentes , por à prova a autenticidade do seu pluralismo e tolerância. Aliás, este pareceser o espírito que anima a colecção publicada pelo Grupo Kluwer em que se insere estevolume.

António Manuel Martins

pp. 389-414 Revista Filosófica de Coimbra - 2 (1992)

Recensões 397

ZEKL, Hans Günther : Topos. Die aristotelische Lehre vom Raum. EineInterpretation von Physik, 0 1-5. (Hamburg : Felix Meiner, 1990)VII + 289 pp.

H. G. Zekl tem consciência das dificuldades que se deparam a quem quiser ocupar--se hoje com a Física de Aristóteles e muito particularmente com a doutrina do lugar/espaço. Isto apesar de Heidegger ter caracterizado a Física, no seu conjunto , como "o livrofundamental da filosofia ocidental , ocultamente e por isso nunca suficientemente pensado"(Satz vom Grund , 112). Daí a necessidade de obter um horizonte a partir do qual sejapossível ainda hoje reflectir sobre a Física de Aristóteles em geral e sobre a sua doutrinado topos sem desembocar numa floresta de enganos . Zekl define sumariamente estehorizonte a partir de três caracteríticas fundamentais. Em primeiro lugar, o princípio daracionalidade : para Aristóteles , a sua reflexão sobre o topos insere - se num quadro deracionalidade metódica e crítica orientada pela observação e experiência e que não temnada que ver com qualquer misticismo topológico ou cabalístico . A segunda característicaseria a interdisciplinaridade dado que este tema exige como poucos o concurso damatemática , ciências da natureza e filosofia . A investigação interdisciplinar é apresentadahoje , muitas vezes , como um novo paradigma. Dentro dos seus limites, "a físicaaristotélica foi sempre interdisciplinar , no sentido de estar aberta e em comunicação comoutros methodoi aristotélicos como: lógica, dialéctica , doutrina dos princípios, da matériae suas transformações , astronomia , metereologia , psicologia , investigação sobre ocomportamento , anatomia , movimento e reprodução dos seres vivos e ainda ametafísica"( 2). A terceira dimensão do horizonte aqui esboçado seria a Alternativa não--cartesiana , tornada urgente pela falência do paradigma científico - técnico dominante naModernidade . Zekl parte da urgência de uma viragem , sublinhada, entre outros, porC. F. v. Weiszãcker . Não se trata aqui de reclamar um regresso acrítico a uma posiçãopré-moderna sob a forma de um retorno a Aristóteles mas sim de integrar a leitura dotexto aristotélico no quadro de uma reflexão exigente sobre modelos alternativos de umaforma de ciência de tipo não cartesiano ( 3). O presente estudo de H. G. Zekl insere-senuma linha programática de interpretação do texto aristotélico definida por O .Gigon comoa necessidade de dar prioridade a análises do texto aristotélico em que cada frase éinterpretada por si e em função do seu contexto imediato de forma a chegarmos àreconstrução interpretativa do contínuo de determinado texto. Trata- se, portanto de umamicroanálise do texto de Física 0 1-5 sobre o topos . Em rigor , nem Platão nem Aristótelesesboçaram qualquer teoria do espaço . A sua reflexão gira em torno da problemática dolugar dos corpos naturais. Daí a necessidade de situar o texto da Física sobre o lugar noquadro do pensamento aristotélico . Depois de uma série de considerações preliminaressobre o estado da questão (reconstrução do pensamento de Aristóteles , forma do texto,tema ), H. G. Zekl analisa a determinação fundamental do lugar/espaço nas Categoriasfazendo, em seguida, um contraste com a definição quasi lexicográfica de topos emMetafísica 13 (21-46 ). O resto do livro gira em torno da interpretação de Física Ml-5,texto que tem como tema o lugar físico enquanto determinação central da physis. Os

conceitos " infinito", "lugar", "vazio" e "tempo", contrariamente àquilo que sucede com

o de movimento ( Kinesis ), são problemáticos para Aristóteles no sentido em que há muitas

coisas que não são claras a seu respeito a começar pela questão de saber se existem

realmente ou não. Aliás, como é sabido, o vazio, por exemplo , não existe de acordo com

o texto da Física e Aristóteles explica porque é que ele não pode admitir a existência dovazio postulada pelos atomistas antigos . Assim , o texto da Física apresenta - nos a análise

aristotélica destes conceitos centrais em três momentos : existência (ou não), modalidade

da existência e definição . O texto de Phys. A 1-5 segue igualmente este esquema genérico

Revista Filosófica de Coimbra-2 ( 1992 ) pp. 389-414

398 Revista Filosófica de Coimbra

que vai servir de fio condutor à investigação minuciosa de H. G. Zekl. Numa primeira

aproximação , H. G. Zekl explora as antinomias físicas ligadas à tese da existência do

lugar . Dado que o texto aristotélico é muito sintético no que se refere ao enquadramento

histórico desta problemática (o que talvez não seja de admirar se nos lembrarmos que

Aristóteles pensava que também nesta matéria não tinha recebido qualquer legado digno

de nota ) tem particular interesse o Excursus sobre as opiniões dos antecessores de

Aristóteles (56-69).

A resposta à primeira questão parece fácil, pelo menos a nível intuitivo. O facto de

os corpos naturais mudarem de lugar parece indicar que este e diferente de todos os corpos

que podem "estar nele". Aliás, a existência de seis direcções diferentes, suposta no texto,

implica urna teoria do movimento dos corpos naturais que vai no mesmo sentido (71-73).

Contudo, a introdução de urna componente cosmológica nesta análise do lugar vem

introduzir alguns factores de perturbação no quadro conceptual da 1 isica aristotélica. Num

universo esférico como é o aristotélico, as direcções para cima e para baixo ( ou na

linguagem problemática dos "lugares naturais": em cima e em baixo) podem ser de certa

forma reinterpretados em termos de periferia (em cima) e centro do todo (cm baixo). Foi

isto que fez a tradição de leitura irreflectida do texto aristotélico. partilhada pelos

defensores cegos do Estagirita e pelos seus adversários igualmente pouco dados a um

maior rigor hermenêutico. Esta reinterpretação já não é tão fácil de fazer - no universo

esférico de Aristóteles - com os pares esquerda/direita, à frente/atrás. H. G. Zekl chama

a atenção para alguns dos principais problemas que se colocam neste contexto (72-82).

O primeiro momento da análise aristotélica termina com a conclusão de que o lugar existe

e que todos os corpos naturais ocupam determinado lugar (88-89). Mas, mesmo que se

dê por positivamente resolvida a primeira questão, resta ainda a difícil tarefa de encontrar

uma resposta satisfatória à pergunta, o que é o lugar? Para chegarmos lá é necessário

passarmos pela análise do segundo momento da reflexão aristotélica. Em ordem aclarificar melhor o ductus do texto, H. G. Zekl começa por salientar uma série de seis

aporias relativas à definição e existência do lugar: tridimensionalidade, redução

geométrica, noções de elemento e de causalidade, o paradoxo de Zenão de Eleia e ocrescimento (90-100). Segue-se a análise do texto de 209a31-210al3 (101-118). Não setrata tanto de julgar os conteúdos objectivos adquiridos na análise como de salientar osprocessos argumentativos usados no texto. A análise das aporias permitiu encontrar umaprimeira resposta a duas questões colocadas no início do texto em apreço (208a28). Porum lado, é manifesto que o lugar existe e sem admitirmos a sua existência não se podecompreender adequadamente a estrutura fundamental da physis que é a mudança (kine-sis). Por outro lado, essas mesmas aporias mostram que não se pode aceitar acriticamenteum conceito de lugar(topos) que nos leve a pensar que a existência do lugar e o seu modocaracterístico são algo de imediatamente acessível e claro para todos. Daí que a tentativade definição (210b32-212a30) seja inseparável dos problemas levantados ao longo daanálise . H. G. Zekl faz uma análise minuciosa deste texto e dos pressupostos daargumentação aristotélica (136-210). Na última parte do livro, faz uma série de esclare-cimentos complementares e algumas considerações sobre as principais consequências daanálise aristotélica no âmbito da cosmologia e do quadro conceptual em que se desenvolvea física aristotélica (211-260). Estamos perante um estudo rigoroso do texto aristotélicoque se orienta pela letra do texto de Phys. A 1-5, como não poderia deixar de ser, masque não perde de vista o fio condutor principal que é o ductus da análise aristotélica dolugar . Por isso, é um livro que como o próprio autor sublinha, não se presta a uma súmulaque compendie os resultados da análise pois o que há de mais importante aqui reside naprópria investigação, no caminho penoso para a definição. Como H. G. Zekl diz, comalguma ironia , "aqui não existe a célebre escada que se pode deixar cair depois de comela ter atingido um nível superior" (262). Também não é, como o próprio título o indica,

pp. 389-414 Revista Filosófica de Coimbra - 2 (1992)

Recensões 399

uma análise completa do conceito de lugar no Corpus Aristotelicum . Tal não seria viávelse o autor quisesse manter o mesmo nível de análise e confinar - se a um número razoávelde páginas . Entre outras coisas, falta a análise de textos centrais para a concepção do lugarem De caelo A, B e Met. XII, 8. Tal análise revelar -nos-ia , para além de novos aspectosda dimensão cosmológica, os traços centrais da dimensão antropológica do lugar. Porém,o objectivo principal de H.G . Zekl era fazer uma análise detalhada dos momentos por quepassa a reflexão aristotélica em Phys . AI -S. Podemos dizer que a sua reconstrução foilevada a bom termo e de uma forma exemplar.

António Manuel Martins

HONNEFELDER, Ludger: Scientia transcendens. Die formale Bes-timmung der Seiendlleit und Realitcit in der Metaphysik desMittelalters und der Neuzeit (Duns Scotus - Suárez - Wolff - Kant -Peirce). (Hamburg: Felix Meiner, 1990) XXIII + 568 pp.

Ludger Honnefelder persegue neste trabalho uma intuição que já estava presente nasua dissertação sobre a metafísica de Duns Escoto, Ens inquantum ens (Münster, 1979)e que aparece muito claramente na parte final em que o autor procura situar historicamenteo projecto de Escoto definindo -o como a transformação da metafísica em ciência trans-cendental ( scientia transcendens - precisamente o título da obra que agora nos cumpreanalisar ) ( 396-404 ). Aquilo que naquelas páginas finais era simples alusão transformou--se agora em objecto principal de investigação . A prossecução de tal investigação inse-

re-se num quadro de articulação da ontologia medieval com a ontologia moderna. O nexo

entre as várias configurações históricas destas duas grandes épocas da história dopensamento é algo que está ainda muito pouco estudado . E o pouco que existe, pelos

limites e parcialidade inerentes , conduz facilmente a uma floresta de enganos. Honnefelder

aproveita toda a investigação por ele realizada sobre Duns Escoto e , recorrendo a toda

uma série de trabalhos publicados sobre os principais pensadores da Modernidade

designadamente sobre Kant, procura seguir as vicissitudes da recepção do conceito de

metafísica como scientia transcendens no pensamento moderno . É claro que não se trata

de simples recepção mas igualmente , em maior ou menor grau conforme os casos, de

transformação do ponto de partida inicial . Assim, torna-se decisivo para o horizonte da

investigação de Honnefelder a introdução da compreensão da realidade como a questão

central que pode polarizar um interesse de algum modo comum aos autores investigados.

Honnefelder desenvolve aqui um projecto paralelo mas de sentido inverso ao de Gilson

em L'être et 1'essence . Aceita-se, nos seus traços gerais , a linha de desenvolvimento da

influência da metafísica de Escoto em pensadores posteriores designadamente em Suárez

e Wolff. O que Honnefelder não aceita é a superioridade do projecto tomasiano reclamada

por Gilson . Pelo contrário , Honnefelder parte do pressuposto de que a definição da

metafísica como scientia transcendens em Duns Escoto é não s6 o conceito de metafísica

mais influente nos finais da idade média e princípio dos tempos modernos como aquele

que é, de facto, teoricamente mais aceitável . Portanto , a haver superioridade de algum

dos vários projectos de determinação da metafísica como filosofia primeira esboçados na

época medieval , ela pertenceria sem qualquer margem para dúvida ao esboço de Duns

Escoto . Esta é, de algum modo , a tese central de Honnefelder neste texto. A monografia

de Honnefelder está estruturada em quatro partes e uma conclusão . Na primeira parte

(3-199) desenvolve a concepção de Duns Escoto em que a metafísica teria sido definida,

Revista Filosófica de Coimbra - 2 (1992 ) pp. 389-414

400 Revista Filosófica de Coimbra

pela primeira vez, de forma clara, como scientia transcendens. Nesta configuração teórica,

o ente seria definido primordialmente como "non repugnantia ad esse". Daí a importância

crucial que assumem as modalidades e a necessidade de articular convenientemente a

relação entre ente, possibilidade e realidade para compreender o discurso de Escoto sobre

os "modi essendi ". Nesta primeira parte do seu trabalho, llonnctclder persegue dois

objectivos estratégicos essenciais . Em primeiro lugar, aproveitando os trabalhos

anteriormente realizados e as novas contribuições da literatura especializada, procura situar

a metafísica de Escoto no contexto histórico que a viu nascer. Escoto pertence a urna

segunda geração do confronto coar Aristóteles que levou a unia nova re(onnul:rçao da

filosofia primeira nos sécs. XIII e XIV. Escoto não se confronta apenas tom Aristotcles

e seus intépretes árabes mas também com os autores latinos que entretanto tinham

desenvolvido a recepção do conceito aristotélico de mctafisica em varas sentidos

Henrique de Gand, Godofredo de Fontaincs, Egidio Romano e Tontas dc Aquino. Mas o

que importa a Honnefelder sublinhar é que o conceito de mctafisica desenvolvido por

Escoto foi pensado para superar as dificuldades entretanto surgidas com os esboços dos

autores da primeira geração mantendo uma pretensão de validade que não limitasse a

intenção programática do texto aristotélico a ser uma interpretação do mundo e, por outro

lado, não tivesse implicações destrutivas para a teologia cristã designadamente tornando

a Revelação supérflua. Isto só poderia ser conseguido por uma metafísica que se

compreendesse como ciência transcendental e partindo de uma crítica da razão. O segundo

objectivo estratégico de que falávamos consiste precisamente na defesa especulativa do

ponto de vista de Duns Escoto, assim entendido, como o mais satisfatório. E este o sentido

da primeira parte desta monografia com uma análise sistemática dos principais temas e

conceitos da metafísica de Duns Escoto. Estabelecidas as bases do projecto com a

articulação e travejamento do edifício escotista, lonnefelder pode passar à segunda

estação do seu roteiro: Francisco Suárez, tema da segunda parte (200-294). Honnefelder

parte da constatação de que tanto Suárez como Wolff retomam quase literalmente as

formulações escotistas "hoc cui non repugnar esse" e "quod aptum natum est existere"

para definir "ens". Uma vez que a recepção daquelas fórmulas não parece meramenteacidental e ocorre em textos centrais pergunta-se até que ponto Suárez e Wolff aceitaram

e/ou transformaram o conceito de metafísica associado originalmente àquelas fórmulas.

Honnefelder sublinha a ausência de monografias que explorem esta problemática nosautores citados. O fio condutor da reconstrução da sistematização da metafísica em Suárezé o conceito de entidade como "aptitudo intrínseca". Apesar de todas as incertezas que afalta de estudos críticos semeiam , Honnefelder procura reconstruir o projecto suarezianode uma filosofia primeira retomando a tese defendida já em 1919 por Minges, contra

Grabmann , segundo a qual Suárez, nas questões centrais da metafísica, concorda com

Escoto mesmo nos passos em que o combate, tese que a investigação mais recente sobreEscoto confirmaria (205). Toda a segunda parte da monografia de Honnefelder consiste

numa análise do conceito de ens e sua explicação modal em Suárez que permitam umajustificação mais explícita e diferenciada daquela tese. A terceira parte, como não podiadeixar de ser , ocupa-se da transformação da metafísica em ontologia geral operada porChristian Wolff (295-381). Trata- se aqui de desenhar os contornos de uma filosofia

primeira que compreende a entidade como "não contradição". Para sublinhar a importânciahistórica de Wolff, Honnefelder recorda que, em 1735, nas escolas e universidades alemãshavia 112 lugares ocupados por fiéis discípulos de Wolff (298). Kant teria tomadocontacto com a tradição da metafísica clássica precisamente através destes discípulos deWolff. Daí a importância estratégica desta terceira parte dedicada a Wolff a que acresceo facto de Honnefelder não dedicar nenhum capítulo a Kant. Isto não significa que ofilósofo de Kõnigsberg esteja ausente da investigação de Honnefelder. Pelo contrário, éa figura de referência para todas as vias, aqui exploradas , de definir os contornos de uma

pp. 389-414 Revista Filosófica de Coimbra - 2 (1992)

Recensões 401

filosofia primeira como "ciência transcendental". Neste sentido , ele está presente ao longode todo o texto mas aparece de forma mais explícita a partir dos capítulos dedicados aWolff e sobretudo na conclusão (403-486 ) designadamente nas pp . 443-459 . A últimaparte da monografia de Honnefelder tem por objecto a análise do conceito de metafísicaem Charles S. Peirce (382-402 ). Peirce não se enquadra na linha de recepção do conceitoescotista de metafísica que liga Duns Escoto a Wolff. Contudo , na medida em que fazuma referência explícita ao conceito escotista de "realitas " pode - se legitimamenteperguntar até que ponto Peirce retoma aquele conceito de realidade e a determinaçãoformal de entidade que lhe está associada . Esta conexão Escoto - Peirce já tinha sidoexplorada anteriormente por alguns estudos . Contudo, Honnefelder espera contribuir comalgo de positivo para este debate fazendo uma reconstrução apoiada na investigação maisrecente sobre Escoto. Assim , explora a definição da metafísica em Peirce como "theoryof reality ". Realidade que é definida como objecto da "definite opinion" em Peirce.

Como já salientámos , o objectivo principal da monografia de Honnefelder consistena reconstrução crítica do projecto de uma filosofia primeira enquanto "scientiatrancendens " e da compreensão da determinação formal da realidade e entidade que lheestá associada em Duns Escoto. Quem tiver um conhecimento minimamente satisfatóriodo texto de Escoto sabe que as proposições metafísicas nele contidas se encontram esparsasna sua obra teológica e , por isso, saberá igualmente apreciar o mérito da síntese oferecidapor Honnefelder . O facto de esta problemática não se encontrar desenvolvida nabibliografia especializada para cada um dos autores citados levou o autor a desenvolverpequenas monografias sobre cada um deles a partir de um conjunto de textos relevantespara o tema . Contudo , verifica - se um esforço para não violentar o texto dos autoresanalisados procurando reconstruir , num primeiro momento , o ponto de partida caracte-rístico de cada um dos autores . Só num segundo momento se faz a comparação críticacom o ponto de partida de Escoto detalhadamente analisado na primeira parte da obra.No capítulo final , Honnefelder resume os principais resultados da sua investigação eprocura articular melhor alguns aspectos teóricos , refutar algumas críticas mais correntes

às posições dos autores estudados . O tema é interessante e este estudo contribuidecisivamente para explorar um possível horizonte comum às várias filosofiasrepresentadas pelos autores indicados no subtítulo a partir do qual será eventualmente

viável um diálogo . Seria talvez necessário , a partir daqui, ter mais presentes as diferençase ver até que ponto o diálogo pode ser frutuoso noutras direcções . Além de uma boa

bibliografia , o texto de Honnefelder inclui um índice de citações bem como índices de

temas e de nomes.

António Manuel Martins

BURNS, Linda Claire: Vagueness. An Investigation finto natural Lan-guages and lhe Sorites Paradox, Dordrecht/Boston/London, KluwerAcademic Publishers, colecção Reason and Argument volume 4, 1991,202 págs. + xii.

Integrado numa colecção dedicada a temas de Lógica iniciada nos fins dos anos 80

na editora multinacional Kluwer, o presente livro de L. C. BURNS aborda temas e

problemas semânticos que se levantam na análise das linguagens naturais. O grupo

disciplinar a que pertencem as suas investigações pode considerar-se o da Semântica das

Revista Filosófica de Coimbra-2 (1992) pp. 389-414

402 Revista Filosófica de Coimbra

Linguagens Naturais . A obra divide-se em duas partes. A primeira parte (Puzzles, Prob-

lems and Paradoxes ) investiga o conceito do vago, tal como ele surge perspectivado

directa ou indirectamente em G. FREGE, B. RUSSELL, L. WITTGENSTEIN, R. CAR-

NAP, D. DAVIDSON, D. LEWIS. A abordagem da autora não se limita ao histórico das

acepções do vago e propõe-se examinar este conceito não apenas em sede semântica, mas

também na pragmática , na psicológica e na ontológica. Esta parte contém três capítulos.

A segunda parte (The Sorites Parador) é constituída por seis capítulos. Aqui, o leitor

encontrará uma aplicação do conceito do vago da primeira parte à resolução dos paradoxos

semânticos que podem surgir de argumentos do tipo do Sorites. Um dos problemas básicos

com que se defronta a autora é o de saber se o vago e uma cararteristira das linguagens

naturais eliminável pela via da formalização lógica ou se o vago e irredutível a semântica

lógico-formal e é, para além disso, objecto de dilucidação no uso quotidiano das

linguagens naturais, na dependência de contextos válidos para interlocutores com

competência linguística e comunicativa. Esta forma de apresentação da questão do vago

leva a autora a encarar a abordagem pragmática como mais decisiva do que a estritamente

semântica , em concordância com a posição analítica de D. LEWIS. A serie argumentativa

em causa no Sorites exemplifica de um modo claro a utilização do vago no encadeamento

de raciocínios, que levam a conclusões inesperadas ou paradoxais.

Na primeira parte, L. C. BURNS começa por nos referir o carácter vago e impreciso

do próprio conceito do vago, o que pode enunciar-se dizendo que o vago "se diz de muitas

maneiras". O seu ponto de partida na tarefa de clarificação é a posição de G. FREGE, a

qual pensa o vago como uma imprecisão das linguagens naturais. L como um defeito de

significado (deficiency of meaning) que K. FINE descreve o vago. A caracteristica

distintiva deste fenómeno frente às indefinições, por exemplo, radica em que o vago se

aplica aos predicados das proposições e às condições de aplicação desses predicados a

casos e objectos possíveis. Podem assumir-se duas posições teóricas a partir da constatação

deste traço distintivo:

1. o vago é um fenómeno linguístico e é uma propriedade semântica de tipos de

expressão das linguagens naturais (FREGE, FINE): 2. o vago resulta dos usos da

linguagem , que são ou não considerados como vagos. Neste último ponto de vista, ele

não é uma propriedade semântica mas sim pragmática, ou conviria dizer melhor,

semântico-pragmática (F. WAISMANN, LEWIS). A atitude pragmática de D. LEWISconduz a uma situação do vago que a autora retém: o vago existe onde há tintamultiplicidade de linguagens precisas alternativas para falantes numa comunidade(pág. 9). Este enunciado leva implicado o pressuposto de que as linguagens naturais comocódigos linguísticos são indiferentes, em si mesmas, ao vago ou não vago das expressões

que os falantes possam realizar com base na sua competência linguística. Para LEWIS,

o vago depende de certas convenções linguísticas originadas numa população e dos hábitoslinguísticos dos falantes . O "segundo- WITTGENSTEIN abandona nas Investigações

Filosóficas as teses de FREGE sobre o carácter defeituoso das linguagens vulgares, quantoà sua capacidade para gerar expressões com significado coerente. O acento posto porWITTGENSTEIN no uso da linguagem , viria a recobrir a intenção semântica da definiçãodos termos a partir da relação entre os factos do mundo objectivo e os conceitos mentais,com a ideia de que a linguagem quotidiana possui mecanismos próprios de clarificaçãosemântico-pragmática dos termos, na dependência da conversação e do uso de regras. Mas,uma regra do uso de certos termos não pode ser entendida como uma fórmula infalívelpara a aplicação desses termos a todos os objectos possíveis, numa subsunção mecânica.

Uma outra ordem de problemas em torno das expressões vagas aparece-nos quandoligamos a linguagem a certos estados mentais . Daqui resulta a versão psicológica doproblema do vago. L. C. BURNS mostra toda a relevância da dimensão psicológica arespeito das crenças , em que o vago parece oscilar quanto a ser determinado pela natureza

pp. 389 -414 Revista Filosófica de Coimbra - 2 (1992)

Recensões 403

da realidade psicológica ou pela expressão linguística dessa realidade : vaga expressão deuma crença precisa ou expressão exacta de uma crença vaga?

A referência ontológica do vago é enunciada na proposição (d) da página 14, na ideiade que objectos, acontecimentos ou estados de coisas no mundo podem ser vagos. Aautora não se ocupa longamente com a tese do vago nas coisas e apresenta a refutaçãoliminar de D. M. ARMSTRONG, para a qual ser é ser determinado. No mesmo sentidoirá M. DUMMETT que afirma o carácter pouco inteligível de uma tese que defende ovago nas coisas actualmente existentes.

No ponto 1.3 do capítulo 1, a autora diferencia dois tipos , com base no que é com-monly supposed by philosophers: 1. a variedade do vago dos "casos de fronteira" (bor-derline case vagueness ), do tipo de FREGE, inerente às linguagens naturais e fonte deparadoxos; 2. o tipo das indefinições, que se funda tanto na linguagem como emfenómenos psicológicos. De um modo geral , o vago do tipo "borderline" e o vago típicodas indefinições distinguem -se pelo facto de no primeiro caso existir o vago se umaproposição contiver expressões ou termos com casos de aplicação do tipo "borderline".No segundo caso o vago acontece em graus . Aqui, uma proposição é tanto mais vagaquanto maior for a extensão da sua aplicação verdadeira a casos possíveis . Em qualquerdestes casos , estamos em presença de violações da Lei do Meio Excluído e do Princípioda Bivalência . O vago nestes dois tipos distingue -se ainda da ignorância (pp. 22-23). Comefeito, existem casos em que o valor de verdade de uma proposição não pode serinteiramente determinado por falta de conhecimento objectivo do referente dessaproposição. Mas este aspecto não pode comparar-se com o conhecimento vago actual queeu retiro de uma proposição. Os valores de verdade referentes à aplicação de um predicadoconsiderado vago a um caso podem, em certas circunstâncias , depender de decisões adhoc, no sentido do alargamento da verdade ou falsidade para o caso em questão.A introdução de decisões ad hoc é um caso particular de intervenção de convenções apropósito de indeterminação semântica . Outro caso de controlo da indeterminação épossível quando ocorre a explicitação de pressuposições de background, no uso de certaspalavras.

O capítulo 1 é decisivo na economia da obra para o esclarecimento das distinçõesoperatórias dos outros capítulos. É por isso que têm uma grande importância as páginasdedicadas aos sentidos "forte" e "fraco" do vago, na acepção do borderline case vague-ness (sobretudo pp. 24 e ss.). No sentido forte do vago do tipo "borderline", um predicadoé considerado vago se a linha de demarcação entre as condições positivas , negativas eneutras da sua aplicação para casos possíveis não tiver sido estabelecida com clareza. Nosentido comum do predicado "vermelho" não está disponível uma demarcação infalívelentre as coisas "vermelhas" e os casos "fronteira" em que o vermelho desliza para o"laranja", por exemplo. De acordo com o sentido forte , este predicado é considerado"vago". O conceito de vago que se encontrou a propósito da posição de FREGE aproxima-se deste sentido. No sentido fraco do vago existe indeterminação sobre até onde se devemestender os limites de aplicação de um predicado vago. Nesta acepção, as instânciasneutras da aplicabilidade dos predicados são instâncias potenciais e meramente potenciaisda extensão dos predicados. A ausência de incerteza actual seria um motivo suficientepara se considerar que não existe , como tal, o vago . Assim, o sentido fraco s6 podeconsiderar-se um conceito genuíno do vago se a classe neutra for considerada do mesmomodo que a extensão actual da incerteza quanto à aplicação do predicado.

Outro fenómeno linguístico associado e que permite atribuir toda a importância quemerece o conceito de FREGE é a existência de inconsistências. O que é umainconsistência? Uma inconsistência emerge no uso actual de uma linguagem natural,quando vários locutores dessa linguagem concordam com a existência de uma discordânciafundamental sobre a extensão de um ou mais predicados para um caso particular do uso

Revista Filosófica de Coimbra - 2 (1992) pp. 389-414

404 Revista Filosófica de Coimbra

desse(s) predicado(s). Os continua seriam determinantes a este respeito, na análise deste

tipo de casos : é necessária uma certa continuidade no uso de termos para distinguir. num

uso possível , quando um predicado ainda é ou deixa de ser aplicável a uma classe

determinada dos seus casos eventuais. A discussão do ponto 1.7 (The Evidence for

Fregean Vagueness) acaba por conduzir à afirmação positiva de que "uni termo é

intensionahnente vago se o seu significado permite a possibilidade de casos de fronteira'

(p. 29). Mas desta conclusão vão resultar ainda algumas proposições decisivas sobre o

vago no sentido de FREGE, que vale a pena agrupar: 1. onde existe o vago no sentido

da semântica intencional fracassa toda a tentativa de desenhar uma linha de demarcação

rigorosamente nítida da classe dos casos "borderline", pois ha sempm uni .uplemento de

outros casos "borderline", que não se incluiram na classe inicial e que a todo o momento

podem ser descobertos. A hipótese do vago no sentido fraco e aqui questionada. 2 A exis-

tência de uma open texture e decisiva na aceitação do conceito Iregeano-lorte do vago.

A open texture resulta da forma habitual como aprendemos os ternos, a partir de casos

exemplares da aplicação desses termos ou de estereotipos: —0 dominio da maior parte

dos termos vulgares é adquirido em situações nas quais eles são aplicados a altuns

objectos salientes, a partir dos quais o aprendiz está preparado para extrapolar para

tuna mais ampla classe de coisas" (p. 29). Mas esta extrapolação é possivel somente

porque o sentido dos termos aprendidos se não restringe ao contexto da sua aprendizagem.

Isto implica que a forma da aprendizagem não traz consigo uma regra infalível da

aplicação dos predicados a casos diferentes. 3. Se a regularidade no uso da linguagem

(das regras do uso dos termos) revela uma fundamentação normativa, a noção de open

lexture mostra que não possuímos regras de tal natureza, que governam o uso dos termos

para todas as circunstâncias imagináveis. 4. Mesmo os termos utilizados de acordo com

definições no campo das Ciências Naturais (natural sciences) mantêm uma margem de

indeterminação, que apenas pode ser limitada por critérios extra-semânticos. como oescopo do significado de tais termos em um estádio determinado da pesquisa nessas

ciências.

A legitimidade da relação entre certos usos linguísticos e certos termos nas linguagensnaturais , costuma ser identificada com o consensus gerado nas comunidades linguísticas

sobre esses mesmos significados. A ideia do consensos comunitário aparece como uma

"necessária idealização" da inconsistência no uso actual das línguas naturais. Estaconcepção foi alargada no trabalho de K. LEHRER (1984), que a autora cita (p. 33), a

um conceito matemático do consensus, com base num tratamento das "probabilidades

semânticas". A base empírica possível para se poder falar de um comportamentodiscursivo (speech behaviour) ligado a comunidades linguísticas é a regularidade no usode certos significados. Esta regularidade pode exprimir-se mesmo do ponto de vista

estatístico . As regularidades estatísticas sobre os usos habituais podem dar, também, aindicação da natureza e frequência dos usos vagos. A autora segue aqui M. BLACK nasua proposta de um "perfil de consistência". A apreciação quantitativa do vago pode

exprimir- se concretamente por intermédio de uma função. Esta será a função deconsistência da aplicação de predicados a objectos ou ocorrências e expõe-se na formageral : C(F, b), em que C designa a consistência, F o predicado e b o objecto. A quan-tificação exprime -se no limite min, em que "m" representa numa amostra de juízos, asocorrências positivas da aplicação de "F" a "b" e "n" representa para a mesma amostrao número de aplicações de -F. A autora exemplifica com abundância as possibilidadesde utilização desta fórmula . As tentativas de formalização e quantificação apenas revelam,todavia , como a noção do "falante competente" de uma linguagem natural é tão vaga evariável.

A abordagem que a obra faz das concepções pragmáticas de LEWIS tem, como frutosimediatos , as seguintes conclusões : 1. as noções no quadro da "Semântica Geral" de

pp. 389-414 Revista Filosófica de Coimbra - 2 (1992)

Recensões 405

LEWIS permitem uma fundamentação mais clara da ideia de linguagem comunal, do quea visão do consensus com base estatística; 2. permitem uma resposta ao desafio daclarificação do relacionamento entre linguagens naturais vagas e os seus modelos formaisprecisos e exactos; 3. a abordagem que ele fez da linguagem natural permite que o vagoseja tomado "mais a sério". Segundo LEWIS, existe uma linguagem natural desde quese reunam determinadas condições: uma possível linguagem L é a linguagem actual deuma população P de falantes, quando eles usam L para certos propósitos comunicativosem conformidade com a convenção (p.37). Toda a questão reside aqui em saber o que sedeve entender por Convenção. O conceito de convenção possui uma relação muito estreitacom a regularidade no uso. Uma convenção existe , aliás, se a ela corresponder algumaregularidade empírica. Mas uma regularidade só pode tornar-se no objecto de umaconvenção, se as condições de veracidade que são válidas para ela, coexistirem comcondições complementares de veracidade em outra linguagem, mas de um modoalternativo. Depois de analisar em 2.3 as teses de LEWIS sobre a convenção , a autoraaborda em 2.4 a tese de D. DAVIDSON sobre a relação entre as teorias semânticas e ateoria da verdade. O capítulo 3 destina-se, em larga medida, à apreciação da importância

da aplicação dos valores de verdade à questão do vago.Na parte II da obra sobre o Sorites, L. C. BURNS analisa , entre outras, as teses de

M. DUMMETT e de C. WRIGHT. Estas teses afirmam que se as linguagens naturais são

estruturalmente alicerçadas no uso de asserções e de predicados vagos, isso se deve a umacaracterística interna e não a uma ignorância de teorias semânticas que lhes seriam

aplicáveis, no sentido de as purificar do vago, da incoerência e do paradoxo. O Sorites

não poderia pura e simplesmente resolver-se, como paradoxo lógico, no quadro dasinconsistências essenciais das linguagens naturais . DUMMETT e WRIGHT parecem

ambos concordar em que é impossível afastar o vago das linguagens naturais.

Resumidamente, os argumentos destes dois autores ou levam à admissão do sentido

fregeano do vago (sentido forte) e, desde logo, à impossibilidade de resolver as séries

argumentativas do Sorites; ou à tese de que não há expressões genuinamente vagas.

Aqueles autores, se concordam com a posição de FREGE sobre o vago como fonte de

incoerência, dele discordam quando se trata de impôr a sua liquidação, em nome da

univocidade do significado. DUMMETT reafirma de um modo claro a tensão que existe

entre as posições de FREGE e WITTGENSTEIN a propósito do vago como fonte de

incoerência. Neste passo, a autora reconhece a sua concordância com a atitude de

WITTGENSTEIN, no sentido de que a linguagem de todos os dias possui uma profunda

coerência semântico-pragmática, não obstante a presença do vago. Coerência não

significará, portanto, univocidade.No Sorites, o princípio da série argumentativa é uma proposição cujo predicado deve

poder aplicar-se a uma corrente contínua de proposições até à conclusão. O Sorites traduz-

-se numa aplicação contínua de um predicado vago numa série argumentativa. De acordo

com o capítulo que conclui o presente livro (especialmente 9.2, pág. 177), o Sorites

implica casos do vago no sentido fregeano, quer dizer, ele ocorre quando certos termos

vagos se aplicam a um discurso, sem que seja possível traçar uma linha de demarcação

entre aplicações incorrectas e correctas do mesmo termo, no sentido de aplicações a casos

do tipo "borderline". Uma das questões que se pode colocar a respeito da aplicabilidade

em série do termo vago é a de saber qual o limiar de autenticidade e veracidade da

aplicação, isto é, qual a última proposição no interior da série, para a qual é correcto

aplicar certo termo (p.181). A autora defende a importância da relação entre contexto,

observador e interlocutor na determinação desta legitimidade. Assim, a opção pelo uso

de um termo a respeito de um novo membro da série no Sorites, depende não somente

do relacionamento entre conceito mental e estado de coisas objectivo, como mais

decisivamente da opção por parte dos falantes de modalidades de uso determinadas e

Revista Filosófica de Coimbra-2 (1992) PP• 389-414

406 Revista Filosófica de Coimbra

precisas dos mesmos termos em diferentes facetas da linguagem de uma comunidade

linguística . Este entendimento dos problemas semânticos que se levantam no quadro do

Sorites, não é um entendimento semântico mas pragmático. É nesta direcção que a autora

orienta as suas conclusões.

Edmundo Balsetnão

THOMPSON , Janna : Justice and World Order, 1.undun/Ncw Yurk,Routledge, 1992, 211 páginas.

Os acontecimentos políticos mundiais mais recentes, que abalaram as crenças das

gerações da Guerra Fria e da divisão do mundo em blocos, colocaram problemas ao

homem comum, ao jornalista , ao historiador; ao jurista e ao político; ao economista e ao

sociólogo; tal como ao físico preocupado com o alcance industrial-militar das suas

pesquisas , e ao biólogo interessado nos graves problemas ecológicos. Mas, o grau em que

estes acontecimentos perturbaram os filósofos é tão variável, quanto e diferente o alcance

que eles atribuem à sua própria actividade teórica.

O livro de Janna Thompson deve contar-se no número daquelas obras em que o

interesse pela Filosofia é tomado como indício de empenhamento na inteligibilidade de

tudo o que ocorre. Mas, ao mesmo tempo, mantém tal interesse no domínio da mais

rigorosa exigência teórica e argumentativa. As "relações internacionais" constituem o

objecto imediato da obra, no que se pode considerar um excelente texto de introdução

ao agrupamento disciplinar que se designa sob este título comum. Todavia, a intenção

filosófica da autora acaba por recobrir este domínio de investigação das pesquisas político-

jurídico -sociológicas com temas filosóficos iniludíveis, do ponto de vista da tradição da

Filosofia política, como são os da Justiça, da Comunidade Universal, da Paz, da Soberania,

da Democracia ; do Cosmopolitismo e do Nacionalismo; da Comunidade e da Sociedade.

A intenção filosófica aparece também ao leitor numa perspectiva histórica, nas abordagens

dos autores que a autora considera fundamentais: Hobbes, Locke, Rousseau, Fichte, Hegel,

Marx e Rawls.

O livro divide- se em duas partes, que coincidem com duas modalidades diferentesda aproximação ao mesmo género de problemas: parte 1 "De um ponto de vistacosmopolita" e parte II "De um ponto de vista comunitário". A parte 1 contém cincocapítulos e a parte II quatro. A Introdução e o capítulo 6 da parte II conheceram versõesanteriores , publicadas em revistas da especialidade.

Qual é o problema nuclear da presente obra? O de dar resposta às condições depossibilidade da justiça na ordem internacional . As diferentes questões que começam aabrir- se a partir desta sugestão genérica vão todas elas agrupar-se, como é natural, numconceito de Justiça "doméstico", que é, já por si, um conceito atormentado. Contudo,J. Thompson segue , no geral , a concepção dos "dois princípios da justiça", tal comoforam enunciados na obra de J. Rawis, A Theory of Justice (1971). Rawls foiparticularmente incisivo no seu enunciado (cf. A theory of Justice, 1. 2. § 11). O primeiroprincípio : cada pessoa deve ter um direito igual ao sistema o mais extenso de liberdadesde base iguais para todos, que seja compatível com o mesmo sistema para os outros.O segundo princípio: as desigualdades sociais e económicas devem ser organizadas, detal modo que , ao mesmo tempo; a) se possa razoavelmente esperar que sejam vantajosasa cada um e b) que se relacionem com posições e funções abertas a todos. Estes doisprincípios são, para Rawls , particularizações de uma concepção mais geral da justiça:

pp. 389 -414 Revista Filosófica de Coimbra-2 (1992)

Recensões 407

todos os valores sociais - liberdade e possibilidades oferecidas ao indivíduo , proventose riqueza, tal como as bases sociais do respeito de si mesmo - devem ser repartidosigualmente , a não ser que uma repartição desigual de um ou de outro destes valoresseja mais vantajosa para cada um. Este último conceito do justo "doméstico", quandoaplicado à ordem internacional tal como a conhecemos, coloca imediatamente osproblemas de uma distribuição da riqueza mais respeitadora da equidade . Na perspectivade J. Thompson, a justiça internacional tem de enfrentar problemas desta natureza, nãopodendo quedar- se numa orientação meramente formal, baseada nos princípiosconsagrados do respeito da soberania dos estados . Porém, não é só num plano doutrinalque se põem as dificuldades da adequação dos "dois princípios da justiça" às relaçõesinternacionais . O principal obstáculo reside na própria organização internacional. É pelofacto de admitir a organização internacional no terreno da própria teoria internacional dajustiça, que a autora pode submeter as doutrinas filosóficas a uma dupla mediação: a quese refere às instâncias político-práticas da assumpção internacional do justo , e a mediaçãopelo "utópico" que, nesta sede , significa a pré-figuração da "ordem mundial justa".

Logo na Introdução é feito o mapa doutrinal do percurso da obra , com base naqueladupla mediação. Aí se distinguem algumas doutrinas sobre a realidade internacional, umasmais divulgadas do que outras. O "realismo" na política internacional, por exemplo, é umadoutrina que nega possibilidades de aplicação dos princípios da justiça doméstica à ordemmundial dos estados . O "realismo" parte da visão da ordem mundial como de um cenário"pessimista" de afrontamento explícito ou previsível, regional ou global , entre potências.Para os autores "realistas " (de Tucídides a R. Aron) qualquer acto de um Estado que nãosuponha um cálculo sobre as suas próprias oportunidades em conflitos mais ou menosgeneralizados , é um acto inconsequente na política internacional desse Estado.

As críticas ao "realismo " partem de uma ideia mais "realista" da realidadeinternacional , desde logo naquilo que se refere à existência nas democracias liberais deum processo decisório determinado por normas constitucionais , sobre matérias relativasà guerra ou à "defesa nacional ". Este processo decisório nunca é completamenteindiferente a princípios morais , sobretudo em sociedades em que o horror à guerra estáhistoricamente implantado . Um estado de coisas mais ou menos violento no cenáriointernacional pode, também por esta razão , vir a constituir matéria para o juízo do público.Mas, as críticas ao modelo "realista" partem da própria natureza das "relaçõesinternacionais " no seu pluralismo . Tais relações não se limitam às políticas externas dosEstados. Deve supor-se ao lado destas últimas , as relações comerciais entre empresas, osnegócios entre particulares, as actividades das grandes companhias multinacionais, etc.É por isso que no grupo dos opositores das teses realistas se contam os liberais que, noséc. XIX, como J. S. Mill, apostavam decididamente no contributo das relações privadaspara um orbe pacífico, muito para além dos magros esforços dos estados soberanos paraum mundo livre de conflitos.

A concepção marxista não se pode considerar "optimista", como a visão liberal sobreos esforços dos particulares, mas o seu "pessimismo" não tem os mesmos fundamentosda atitude "realista". A análise da posição dos marxistas ocupa todo o capítulo 3 (pp. 62--73), onde de um modo que se afigura demasiado resumido , se mostram alguns dosmotivos que conduzem a ver na economia do capitalismo e no imperialismo as raízes dosgrandes conflitos internacionais , de Marx a Bukharine e a Lénine.

Partindo destas posições que podem considerar-se "descritivas " ("realismo ", posiçãoliberal e posição marxista), a autora investe progressivamente no terreno dos discursosde legitimação, mesmo que alicerçados nas posições anteriores . Isto acontece naIntrodução e na globalidade da obra, o que pode ser tomado como próprio do ritmo lógicoescolhido. Assim, as teorias da "Guerra Justa", cujos antecedentes medievais e renas-centistas não preocupam sobremaneira a autora , tendem a insistir nos princípios da

Revista Filosófica de Coimbra - 2 (1992 ) pp. 389-414

408 Revista Filosófica de Coimbra

"política das nações" e da diplomacia, quer dizer, no reconhecimento recíproco do valor

das soberanias nacionais , no respeito dos tratados internacionais e da liberdade individual,

tal como ela veio a ser pensada na Declaração Universal dos Direitos do Homem. A guerra

justifica -se quando um ou vários destes princípios são violados de uma forma flagrante,

pondo em risco as bases do respeito mútuo entre estados. As teorias da "Guerra Justa"

baseiam as intervenções de um ou mais estados na esfera da política soberana de outro(s)

estado ( s) na noção da legalidade e costume internacionais, que permitem uma linha de

demarcação suficientemente clara entre o "crime de agressão" e a "intervenção justa". As

teorias da "Guerra .Justa" podem ser tratadas, com alguma facilidade, como teorias

"conservadoras " da ordem internacional, incapazes dc integrar nos seu. quadros de

legitimação as guerras de libertação, a resistência a opressores, o surgimento de novas

nacionalidades a partir do florescimento da consciência nacional, os movimentos de

migração e certas políticas de colonatos e, sobretudo, a constante lonte de v iolcncia re-

gional que é o desequilíbrio económico mundial entre Norte e Sul.

A contrapartida das teorias da "Guerra Justa" proposta pela autora e um relativismo

de fundo cultural-nacional, que o leitor enquadrará, sem dificuldade, em um post-

modernismo de feição "comunitarista". Para os teóricos que se agrupam nesta tendência,

as comunidades nacionais são "incomensuráveis". Isto significa que a ordem internacional

não pode consistir na aplicação de um critério do "justo" a conflitos regionais fundan-

do-se em valores inteiramente alienígenas para as culturas em questão. As teses sobre a

"incomensurabilidade" das comunidades nacionais tornam-se especialmente agudas, no

que diz respeito aos juízos do público sobre a intervenção de potências ocidentais em

outros países, com base na sofismável defesa dos direitos humanos ou dos direitos das

minorias ameaçadas. Todavia, ainda para além das extraordinárias exigências que a defesa

da "incomensurabilidade" comporta no ideal de uma justiça para o universo, não é ela

mesmo um impedimento para uma teoria exequível da justiça, talvez, afinal, pelo excessode fascínio pelo diferente que põe num tema dominado pelo "terceiro homem" e pela

terceira instância ? Para a autora, o post-modernismo e o comunitarismo aprofundam acrise , já começada há muito, da justificação dos valores da política internacional com baseno Direito Natural clássico, de que os Direitos do Homem seriam uma consequência

histórica.

Como o leitor verá, a tentativa de J. Thompson consiste na ultrapassagem dadicotomia imposta pela alternativa entre uma base moral com vocação universal, mas comum berço cultural particular, cujo centro é a defesa da inviolabilidade da liberdade indi-vidual; e uma séria defesa da identidade das "comunidades", como raízes dos própriosindivíduos. A estas duas posições francamente divergentes no ponto de partida cabem asdesignações de "cosmopolitismo" e "comunitarismo", respectivamente. Em torno de taloposição concentram - se os recursos histórico-filosóficos das duas partes da obra, domesmo modo que os princípios teóricos hauridos na obra de Rawls.

Resumindo as perspectivas históricas da obra, com Hobbes e Kant é possível testara hipótese do duplo estado de natureza (doméstico e internacional) e verificar em queresidem as condições de possibilidade da Paz. Se. para Hobbes, o estado de naturezainternacional não pode ser ultrapassado mediante a mesma solução contratual da políticainterior e, por isso , os Estados se comportam uns com outros, como os indivíduos sem opoder soberano e o império da lei, já para Kant é possível que a congruência mundialdos estados , na sua forma "republicana", tenha como conclusão um contrato social uni-versal e a paz perpétua (pp.48 e 54). O conceito kantiano de "república" significa a formade Estado que obedece a princípios legais comuns a um povo e à "regra da lei', pelomenos tal como é usado no artigo de 1795 sobre a "Paz Perpétua—. O equivalentecontemporâneo da "república" kantiana é a democracia liberal, independentemente dofacto de se exprimir mediante formas monárquicas ou republicanas. Pelo facto de o tipo

pp. 389 -414 Revista Filosófica de Coimbra - 2 (1992)

Recensões 409

de contratualismo de Kant conter a dimensão teleológica do aperfeiçoamento histórico,que lhe empresta a visão da História "do ponto de vista cosmopolita", não pode o contratosocial entender-se como um acto empírico , mas como prius regulador da história políticadas nações e seu recurso justificador. A tendência da história política é, para Kant, arealização de uma comunidade supra - nacional dos estados -repúblicas , de modo a impedira guerra. A evolução de que aqui se trata é apoiada, na história factual dos povos, nopapel educativo da lei moral e civil , gradualmente introduzindo hábitos de vida social epolítica, que acabam por tornar preferível a vida no "estado social" regida por leis, àexistência anárquica do "estado de natureza".

O que faz de Hobbes e de Kant pensadores do tipo "cosmopolita" é o facto de o seuponto de partida comum ser o indivíduo, independentemente da sua pertença a"comunidades" com "formas de vida" próprias, determinantes das características dos seusmembros.

Os capítulos 4 e 5 da obra estão voltados para uma apreciação do grau de extensãoda justiça em sentido cosmopolita, numa versão federalista ou na versão do "estadomundial". A lógica que a autora segue no cap . 4 para a evolução dos tratados de integraçãosupra-nacional , guia-se pela história recente do empenhamento progressivo das nações dacomunidade europeia na "construção europeia". Segundo esses esquemas , o movimentoda integração far-se-ia, num primeiro momento , de um ponto de vista estritamenteeconómico, seguindo- se uma união política parcial , com base nas políticas externas e dedefesa , para finalmente dar lugar a um estado com os poderes de uma administraçãocentral de uma federação (p. 86). Esta narrativa pretende mostrar , na sequência da visão

kantiana do contrato social e para a ordem mundial , que o hábito da decisão conjunta eda geração de consensos produz, no tempo , as necessidades associativas e comunitáriasligadas a esses mesmos hábitos, tal como também pretende Rawls com a noção de "over-

lapping consensus". O capítulo 5 avança decididamente a tese de que a visão cosmopolitaplena terá de corresponder aos ideais do Estado planetário e do cidadão do universo,

depois de caracterizar o conceito de cosmopolitismo e a defesa dos direitos individuais

no mundo. Mas, ao mesmo tempo, os "cosmopolitas " colocam frente ao seu próprio ideal

alguns obstáculos de ordem prática, que podem resumir - se a cinco aspectos , a que autora

dá uma importância desigual : 1. o carácter excessivamente complexo de um governo

mundial, com a consequente tendência para reduzir a complexidade por meio dosmecanismos burocráticos; 2. o facto de a participação eleitoral de um indivíduo perder a

sua força num "oceano" de outras expressões eleitorais , com uma tão grande diversidade

de interesses e de problemas; 3. a possibilidade de um aumento preocupante da

passividade política e um desenvolvimento substitutivo dos grupos de pressão, num

sistema democrático constitucional que não pode subsistir sem participação popular; 4.

um desvio das forças disponíveis na participação política no sentido de comportamentos

anómicos ou num uso alienante dos recursos tecnológicos existentes na ocupação dos

tempos livres; 5. o perigo da deriva totalitária num mundo politicamente apático. O

governo mundial pode bem não ser o meio próprio da defesa dos indivíduos no mundo,

como deveria segundo a base doutrinal e política dos "cosmopolitas." Mas outras

dificuldades bem mais decisivas se colocam à noção do estado mundial . Em primeiro lugar

podem existir nações que, simplesmente , não estejam interessadas em constituir o "grande

estado" e, em segundo lugar , o estado planetário incipiente pode evitar desenvolver

políticas económicas que favoreçam a distribuição igualitária ( segundo o "princípio da

diferença" de Rawls, que é consequência obrigatória do "segundo princípio" da justiça),

como modalidade de uma justiça distributiva mundial. Perante estes obstáculos é possível

concluir que os "cosmopolitas" só aceitarão o estado mundial se este for uma solução

preferível a qualquer outra para a defesa do indivíduo. Caso contrário, ela deve ser uma

solução abandonada. É a este propósito que a oposição entre "comunitaristas" e

Revista Filosófica de Coimbra-2 (1992) pp. 389-414

410 Revista Filosófica de Coimbra

"cosmopolitas" vem à superfície, pois para aqueles, a solução do estado mundial não pode

aceitar -se em si mesma, na medida em que o valioso reside, para eles, na pertença histórica

dos indivíduos às comunidades nacionais em que se formaram.

A parte II é dedicada à análise das diferentes posições do "comunitarismo". Logo o

capítulo 6 é dedicado à concepção hegeliana do Estado como realidade orgânica,

continuando os laços internos que unem os indivíduos desde o espaço familiar, passando

pelas corporações até à comunidade política propriamente dita. De acordo com as

interpretações mais correntes dos Princípios da Filosofia do Direito, a autora vê em l legel

um defensor radical da soberania dos estados, pois para ele a liberdade dos indivíduos

só tem pleno florescimento na unidade dialéctica racional-real do 1?stadn. Nu plano da

política internacional ou ainda no que se chama a "soberania para o exterior". Ilegel

considera os estados como indivíduos separados, dotados de vontades autonomas. ('onio

cada estado realiza a unidade orgânica do todo e das partes, us relações enue estados

devem compreender-se como relações semelhantes às do reconhecimento entre as

consciências , tal como a Fenonrenologia do Espírito as pensou. quer dizer, envolvendo

uma luta. A História não é mais do que esta evolução do reconhecimento entre estados

na cena mundial, de que a guerra é uma das mais importantes expressões. As análises docapítulo seguinte dedicadas a Rousseau estabelecem uma comparação com Hegel, do

ponto de vista, contudo, de uma noção democrática das comunidades nacionais. Os

desenvolvimentos centram-se aqui nos conceitos do "contrato social", de "vontade geral",

na ideia não representativa da democracia, nos limites demográficos e territoriais das

comunidades ideais em Rousseau. A autora reserva também algumas páginas (138-146)

aos autores que continuam Rousseau na perspectiva contemporânea do "comunitarismo"de pequena escala. O tema comum é sempre o de que uma ordem supra comunitária não

pode garantir a expressão do enraizamento mais profundo dos indivíduos nas suascomunidades de origem. Claramente, o "comunitarismo" substitui um pluralismo dosindivíduos por um pluralismo das comunidades. No seu horizonte, as questões referentesa uma justiça mundial não dispensam o valor da incomensurabilidade das comunidades.

O capítulo 8 trata de um tipo particular de comunidade - a nação. Aqui se expõemos rudimentos do nacionalismo, tal como aparece na obra de Fichte e na de Mazzini.Depois de estabelecer uma distinção operatória entre Estado e Nação (p. 147), a autoramostra como a nação é um conceito "fuzzy" (p. 157), que retira grande parte do seusentido do reconhecimento pelos indivíduos de uma participação num fundo de valoressedimentado historicamente e que se exprime num ideal e numa forma de vida comuns.Foram propostos vários índices exteriores da individuação das nacionalidades, como porexemplo o uso de uma determinada língua (Fichte), a pertença a uma mesma raça (teóricosdo séc . XIX) ou a uma mesma cultura , mas todos estes signos fracassam se forem tomadoscomo motivos da obrigação ética dos indivíduos para com as comunidades nacionais,renovando -se, a este propósito, a antiga questão da descontinuidade entre facto e obrigaçãoética . O carácter problemático do nacionalismo em termos de política prática advém doideal da "auto -suficiência" axiológica da nação. É aqui que vai ancorar toda a intençãoimperialista do nacionalismo, em tudo contrária, todavia, à vocação do nacionalismoromântico, que tomava essa "auto-suficiência" como argumento contra as grandespotências dominantes na política europeia nos princípios do século passado. No capítulo9 repõe-se a dúvida sobre se a nação e as relações inter-nacionais estritas são os conceitosmais indicados para pensar uma ordem mundial justa e regressa-se à ideia de um"consenso por sobreposição" ( Rawls ), para propor o princípio (tido por "não utópico")de uma "sociedade mundial de comunidades interligadas" ["World Society of Interlock-ing Communities" (pp. 168, 171, 184-185, 187)], que consistirá numa sociedade deindivíduos (mantendo - se a perspectiva cosmopolita) dotados de compromissos comu-nitários de diversa índole ( tal como tende a sublinhar o "comunitarismo"). A interligação

pp. 389-414 Revista Filosófica de Coimbra - 2 (1992)

Recensões 411

das diferentes obrigações comunitárias dos diferentes indivíduos será a tarefa permanenteda ordem mundial. A tese da autora não se pode desvincular de um conceito optimistada modernidade , sobretudo no que se refere à "modernização" das comunidadestradicionais , factor este decisivo no envolvimento de todas as comunidades do mundo,sem excepção , na sociedade mundial . Não deixa de ser importante notar o facto de que areferência à ordem justa mundial se associa ao conceito de uma sociedade e não apenasao de um governo mundial . Naturalmente que a tarefa da sua realização não fica entreguea um decisionismo momentâneo , mas é um ideal regulativo que pode , desde já , funcionarno palco mundial como inspiração na resolução dos conflitos inter-comunitários e nosconflitos gerados entre indivíduos e comunidades . A conclusão da obra aponta nestadirecção ( pp. 188 - 196), do mesmo modo que para um prolongado período de gestaçãoda autêntica "nova ordem mundial".

Para terminar , algumas questões podem ser colocadas a respeito da obra.Em primeiro lugar, as referências históricas não ultrapassam os autores da

modernidade , sendo ainda aqui os contratualistas os mais privilegiados . Para estapreferência não se encontram justificações , excepto aquela que decorre da "semelhançade família" entre Rawls e essa tradição . Uma abordagem histórica mais profunda nãopoderia deixar na sombra a concepção grega da "Polis " e as linhas divisórias que introduz,a ideia estóica da unidade do género humano e a noção de Império, tal como a visãomedieval da cristandade e as ideologias das conquistas da nova época. Trata-se, no fundo,dos membros de uma genealogia do Direito Natural do Ocidente, com a qual a autoranão chega a defrontar-se.

Em segundo lugar , a imagem de uma Sociedade Mundial emergente da confluênciaplanetária das comunidades e das diferentes obrigações individuais , segundo o idealdemocrático - liberal e como efeito do alargamento progressivo do modelo político damodernidade ocidental a sociedades tradicionais ou neo - tradicionais , não possui umacorrespondência suficientemente clara no plano da política prática . É difícil não colocarcertas conclusões nos planos do utopismo ou da futurologia . Mas o leitor encontrará nestepequeno livro muitos outros motivos de inspiração e esclarecimento.

Edmundo Balsemão

LEVINAS, Emmanuel: Transcendência e Inteligibilidade, Lisboa, Edi-ções 70, Biblioteca de Filosofia Contemporânea, 1991, 53 páginas(Transcendance et Intelligibilité, Genève, Labor et Fides - CentreProtestant d'Études, 1984, 69 páginas) Tradução do francês por JoséFreire Colaço, revisão da tradução por Artur Morão e revisãotipográfica de Artur Lopes Cardoso.

Emmanuel Levinas não é um autor desconhecido no meio filosófico do nosso país,

depois de, em 1988 , ter sido traduzida e editada uma das suas obras mais relevantes,

Totalidade e Infinito, nas edições 70. Ainda de Levinas, publicou-se nesta mesma editora

e na mesma colecção o texto de uma conferência realizada em 1983, em Genebra, seguido

do registo de uma conversa-debate. Na presente publicação, o autor teve a preocupação

de distinguir entre os dois tipos de textos oferecidos ao leitor. O texto da conferência

pretende ser, segundo as palavras da Introdução, "rigorosamente filosófico", enquanto que

o registo escrito da conversa-debate releva de um diálogo no campo teológico, entre

representantes de diferentes confissões religiosas. O cuidado desta diferenciação não afecta

Revista Filosófica de Coimbra - 2 ( 1992) pp. 389-414

412 Revista Filosófica de Coimbra

somente este livro , mas é visível ao longo da actividade literária do filósofo, logo na

escolha das casas editoras que lhe publicam as lições e comentários talmúdicos e aquelas

que veiculam a sua produção filosófica. Quando os cruzamentos temáticos e conceptuais

se estabelecem entre o "teológico" e o "filosófico" - o que não raramente acontece - a

necessidade dos enlaces manifesta-se já no interior da obra filosófica, na sua arquitectura

conceptual e nos seus desígnios de fundo. No presente livro, o leitor deparara, por isso,

com preocupações distintas a nível temático, embora dependentes de um traço de união.

Uma leitura minimamente atenta permite notar que os conceitos de pensamento e de

religião, associados aos de intc'li,çihilidade e transcende-nn-ia ì oostilue o todo o conteudo

problemático da conferência e do debate.

O tema da conferência é a "Inteligibilidade do Transcendente.", junção de termos cuja

trama o filósofo faz remontar às raízes metafisicas da interpretaçao do pensar como saber

e da Filosofia como saber da "presença do Ser'', aias que por onuo lado, tanibem deveria

fazer sinal para um novo entendimento do Transcendente. A conferência dedica-se à

investigação desta última possibilidade - a de uni sentido novo para a lntelrgibilidade e

o pensar do Outro. O autor começa com o questionamcnto da noção do psiquismo como

sede do saber e do saber como essência do psiquismo. A "filosofia que nos é transmitida"

(p. 13) ter-se-ia baseado, logo na sua origem, na confluência não problematizada entre

auto-consciência , saber e psiquismo, de modo que este último não reservaria para a

Filosofia nenhum outro segredo, para além da dimensão do conhecimento. O ser

consciente de si na modalidade reflexiva de um saber de qualquer coisa é o conceito de

Espírito, a partir do qual a mesma Filosofia entreviu a possibilidade da experiência. Assim,

pensar significa saber e nesta identificação jogam-se determinações antropológicasdecisivas, como a socialidade e a revelação em sentido religioso. Na primeira, o "outro

homem" apareceria ao lado de tantas outras manifestações do mundo e como correlato

de uma intenção do eu, como mostrou a fenomenologia da V Meditação cartesiana deHusserl ; na segunda , Deus surgiria ou como o correlato do acto de crer, cuja teleologiaelevaria a intenção para além do nosso mundo visível ou como o efeito de experiênciasreligiosas colectivas, que encontrariam a sua explicação na imanência de um mundo dacultura . Tanto a alteridade pessoal como Deus estavam prometidos à tentação

omniexploratória do "querer saber', cujo coroamento doutrinal se dá no hegelianismo ena fenomenologia (p. 17), momentos do fausto filosófico do Espírito como saber do Outro.

A identificação filosófica entre psiquismo e saber tem uma correspondênciaontológica na unidade entre Ser e presença do presente. Esta unidade representa paraLevinas um esquecimento da corrente do Novo, que prende a alteridade ao tempo. Esta"alter-acção " que é tempo, foi descoberta por Bergson no seu conceito de "durée pure",em que o Novo haveria de irromper com o incessante brotar da energia criadora, em tudodiferente da monótona insistência no mesmo, que constitui o espaço e as relações dascoisas no espaço . Ainda a respeito da associação entre o saber e a presença, tematiza oautor o privilégio filosófico do conceito, que indica um "agarrar" ou um "prender", umaassimilação e um "tornar próprio" (p. 14). No plano da realização do conhecimento, acaptação da exterioridade por um sujeito designa a motivação mais profunda dadependência do conhecer em relação à re-presentação. Mas a exterioridade de que falaLevinas não é a exterioridade dos factos empíricos que, na sua forma de objectos doconhecimento se sincronizam na experiência do tempo imanente, na synopsis dos extases.A ordem da imanência que é, ipso facto, ordem minha, a "Jemeinigkeit do Cogito" (p.24), não possibilita um acesso à dimensão do pensamento que não se inclui nas diferentesmodalidades do conhecimento, desde o conhecimento vulgar, ao conhecimento científicoe ao conhecimento metafísico , dimensão a que já Kant fizera referência no seu conceitode Razão Prática . A exterioridade do outro-homem e a exterioridade pressentida naRevelação do Deus bíblico não podem deixar de se referir a um Absoluto, quer dizer, a

pp. 389 -414 Revista Filosófica de Coimbra- 2 (1992)

Recensões 413

um Outro que não pode sincronizar -se, na corrente do tempo , numa intuição do que seriao seu próprio presente , a sua própria manifestação, abertura ou verdade . Mas o que é umpensamento irredutível ao conhecer e que se abre a essa novidade do Absoluto? A respostaque o autor dá é inicialmente interrogativa : "seria para tal necessário um pensamento quenão fosse construído como relação ... seria necessário um pensamento em que deixaria deser legítima a própria metáfora da visão e da visada?" ( Note-se que a tradução portuguesacorrompe o sentido da frase , ao tirar o ponto de interrogação que consta do original).

A concepção cartesiana da ideia do Infinito não é utilizada por Levinas a um títulomeramente ilustrativo , nesta conferência ou em textos anteriores onde o Infinito é temanuclear, como em La Philosophie et I'Idée de 1'Infini (Revue de Métaphysique et deMorale, 1957) e Totalité et Infini (1961). O infinito na interpretação levinasiana deDescartes significa o princípio de uma afecção do psiquismo por uma exterioridade, quenão se reduz nem à imanência desse psiquismo , nem à ordem do mundo . Com efeito, aideia do infinito é, na "ordem das razões", um momento de separação e distinção no egocogito daquilo mesmo que não poderia ter provido do pensar finito, embora nele se revelee a ele afecte . Esta descontinuidade entre o continente da revelação e a fonte da revelaçãopermite encontrar no psiquismo , não já um acto que se desdobra desde si até ao seuconteúdo reflexo, mas uma passividade que, na obra de 1974 , se exprimia mediante osrecursos estilísticos de uma ênfase da sensibilidade e da afectividade (Autrement qu'êtreou au-deld de 1'essence, 86 e ss .). Numa significação reflexiva e filosófica , o infinito dasMeditações de Descartes é a modalidade pela qual Deus "vem à Ideia", mas já no quechamamos religião e na socialidade se formula , para Levinas , o paradoxo de um Deusque não aborda de face , mas na modalidade do mandamento do "amor do próximo", istoé, na forma de uma transcendência duplicada que, ao longo das obras do autor, se vemexprimindo no conceito de Rosto do outro-homem. O "religioso" vive - se comotranscendência na socialidade e não pode caracterizar -se nas formas da relação com o serou nas formas da relação com o mundo . O "religioso " é rigorosamente afastado da gestaontológica da anfibologia do ser e dos entes , para além da "diferença ontológica" e dassuas potencialidades teológicas , tão bem investigadas por J . L. Marion (Cf. L'Idole et IaDistance , Paris, 1977). E se a realidade da religião comandada pelo "amor do próximo"é o próprio Bem, ela não representa , todavia , uma relação com um ser ou com umaexistência superior , diferente das existências finitas porque perfeita , embora ainda segundoos predicados da finitude ; ainda de outro modo que aquilo que se viesse a implicar desuperlativo nas teologias superlativas ou de alteridade negativa na negação das teologiasnegativas . O convite do autor consiste em nos franquear o acesso ao Reino de um Deussem Ser , sem que isso implique um Nada, alternativa em que nos quereria encerrar, ainda,a forma ontológica de perguntar por Deus desde a existência . Na religião contém-se apossibilidade de pressentir Deus na oscilação entre verdade e mistério , o que as provasfilosóficas da Sua existência não permitem manter, não obstante todo o seu virtuosismodialéctico . Mas, não é verdade que o religioso monoteísta só poderia ter nascido daprevenção dos homens contra o "humano, demasiado humano" dos deuses pagãos, o quetalvez implique uma secreta aliança entre cepticismo e monoteísmo? Gesto este de umaimanência inquietada pelo Transcendente ! O conceito de "enigma", que Levinas introduziunum artigo de 1965 ["Enigme et Phénomène" in Esprit, 33 (1965)] fala-nos, justamente,desta hesitação no ser, de um peut-être que é o modo primitivo como Deus aborda umpsiquismo satisfeito e ateu. Ateísmo que é, afinal, a única possibilidade que resta ao Deusúnico de afectar uma subjectividade liberta de encatamentos e de "mistérios", de feitiçariae do "mau" sobrenatural.

O logos que compõe a palavra teologia só pode compreender-se mediante este esforçode ultrapassagem do que resume o Divino à iniciativa cognoscitiva do "eu penso", nosquadros do seu sincronismo teo-onto-gnosiológico, na direcção positiva da socialidade,

Revista Filosófica de Coimbra- 2 (1992) pp. 389-414

414 Revista Filosófica de Coimbra

do "amor do próximo" e no "temor pela morte do outro": "socialidade que, por oposição

a todo o saber e a toda a imanência - é relação com o outro enquanto outro e não com o

outro, pura parte do mundo" (p. 24). Mas, comoção do ateísmo: um Deus que provém

"de fora" num mundo que se basta a si mesmo e em si encena as leis da sua possibilidade

é, segundo a afectividade da adoração e da prece, um Deus que sú um mundo laico pode

receber, aliás pelo seu puro "desinteresse" pela questão da existência de um hiper-mundo,

de um além. Com efeito, Deus num mundo laico apenas pode significar na modalidade

mesma da rigorosa transcendência e do Novo.

A segunda parte deste livro reúne os contributos de Levinas e dos seus interlocutores

num debate sobre os cnntcúdos da conferência (lean I lalperin: o ;mlitrià(i, Marc I aessler,

Esther Starohinski-Safran, David Banon, Jean Burel, (jabriclle Duluur e I.aurent Adert).

A pretensão do debate foi a de reunir representantes de dilerentes cunfrssCes religiosas

(judeus, católicos e protestantes) e de submeter o exercicio Glusolieu da cunlcrcncia a

prova da multiplicidade do "religioso". Como seria de esperar, novas noçoes e temas

surgiram e o tipo de literatura evocado deixou de ser "estritatnentc lilusol ico", para passar

a incluir referências ao texto bíblico e ao Talmude, à obra do Rabi llaïm de Volozina e

à de Chouchani. Um dos temas que me pareceu mais decisivo neste debate, foi o de"Kénosis". Este termo grego que na forma verbal significa literalmente esvaziar, evacuar

ou fazer sair, recebe interpretação teológica na ideia de uma descida-despojamento do

Divino. Entre Jean Borel e Levinas desenvolve-se um diálogo sobre a universalidade dotópico da "Kénosis", que no plano filosófico tem especial interesse para a compreensão

da transcendência na socialidade. Com efeito, sem a dimensão de uma "descida" ou

"humildade" de Deus [o termo hebraico é anarvah e surge a propósito de Moisés emNúmeros 12, 3 (p. 43)], não é possível ver na epifania do Rosto do outro-homem a Traça

do Ele Divino. A mesma insistência no tópico da "descida', da chegada ou da "visita' écomum à interpretação levinasiana de certos passos da Escritura com apoio talmúdico eao Cristianismo, que toma a figura de Jesus Cristo como a objectivação do `despojamento"e "humildade' do Divino, na unidade da encarnação, do sacrifício e da bondade. A inter-pretação da "kénosis" ocupará ainda Levinas num artigo mais recente e de grandeimportância no quadro dos seus textos teológicos. Trata-se de "Judaistne et Kénose"[publicado inicialmente em Archivio di Filosofia n°. 2-3 (1985) e integrado no livroA l'Heure des Nations, Paris, 19881 onde, a propósito da obra de Rabi Haïm de Volozinainspirada na Kabala de Safed, se pensa a articulação entre a "descida' e a "elevação" noDivino, ultrapassando o valor cosmológico das teses do Rabi, num sentido ético.

O leitor vai encontrar neste livro um grande número de problemas em aberto, desugestões de estudo e investigação mas, talvez o mais importante: um novo modo deinterrogar a alteridade pessoal e a alteridade do Divino. Só é pena que a presente traduçãoencerre por vezes erros que corrompem o significado das proposições, o que um leitordesprevenido pode tomar como a própria intenção do autor. Certas gralhas fazem esperarum maior cuidado na revisão tipográfica que, neste caso, até teve um responsável.

Edmundo Balsemão

pp. 389 -414 Revista Filosófica de Coimbra-2 (1992)

ÍNDICE 1992

Nota de apresentação ........................................................................ 5

Artigos

Fernanda Bernardo, O Dom do Texto: a Leitura como Escrita - oPrograma gramatológico de Derrida ......................................... 155

Amândio A. Coxito, A Crítica do Inatismo segundo Luís A. Vernei 51

Ainda o Problema da Filosofia Portuguesa. RecordandoJoaquim de Carvalho, no Centenário do seu Nascimento ....... 299

J. Ma. Ga. Gomez-Heras, La Naturaleza Reanimada - Dei Desen-cantamiento dei Mundo en Ia Racionalidad tecnológica aiReencantamiento de Ia Vida en Ia Utopia ecológica ................ 265

Francisco V. Jordão, Natureza, sentido e liberdade em Kant........ 63

Joaquim de Carvalho e Espinosa. O Acordo de Intençõesno Campo político- religioso ........................................................ 309

Miguel Baptista Pereira, Do Biocentrismo à Bioética ou da Urgên-cia de um novo Paradigma holístico .......................................... 5

Modernidade, Fundamentalismo e Pós-Modernidade ...... 205

José Reis, Sobre o Conceito de Ser .................................................. 97

Luísa Portocarrero F. Silva, Da Fusão de Horizontes ao Conflito deInterpretações: a Hermenêutica entre Gadamer e Ricoeur ..... 127

Marina R. Themudo, Solipsismo: Viagens de Wittgenstein à voltade uma Questão ............................................................................ 83

Joaquim Neves Vicente, Subsídios para uma Didáctica Comuni-cacional no Ensino-Aprendizagem da Filosofia ........................ 321

Estudo Crítico

Mário A. Santiago de Carvalho, Noção, Medição e Possibilidadedo Vácuo segundo Henrique de Gand ....................................... 359

Crón ica ................................................................................................ 387

Recensões .................................................................................... 191, 389

BOLETIM DE ASSINATURA

Assinatura anual (2 números) ........................ 3.000$00

Assinatura de apoio .................................... 5.000$00

Desejo assinar a Revista Filosófica de Coimbra

a partir do n.°

Nome

Morada

Código Postal

Junto envio cheque n .° , sobre o

Banco

na importância de $

pagável à ordem de Revista Filosófica de Coimbra.

Data Assinatura

Execução gráfica

da

TIPOGRAFIA LOOSANENSE, LDA.

em Outubro de 1992

Depósito legal n .° 51135/92

Tiragem : 500 ex.