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m obra produzida por dois parceiros na vida pessoal e profissional, a exuberância dos ges- tos e o colorido tropical das festas populares brasileiras mereceram um ensaio sobre manifestações folclóricas, culturais, religiosas e profanas do povo brasileiro. Seus autores? Os fotógrafos Luciana Cat- tani e Gabriel Boieras. Ele começou a fotografar por acaso, já no curso de publicidade. Ela estudou design na Itália e, com o namorado, vem batalhando muito como freelancer. Entre uma encomenda e outra, o casal cai na estrada para mostrar com que roupa e com que cara o povo brasileiro faz a sua festa. O esboço O guru ou, como brincam os dois autores, o padrinho do ensaio é ninguém menos do que Valter Firmo, fotógrafo carioca que fundou e dirigiu o Ins- tituto Nacional de Fotografia da Funarte. A idéia do livro ganhou vida durante o curso Universo da Cor, ministrado por Firmo. A proposta inicial era traba- lhar com cromo, mas a preocupação com a técnica, aos poucos, foi conduzindo para a arte-final do tema: documentar festas populares pelo Brasil. As aulas acabaram, mas a viagem continuou. Lucia- na e Gabriel traçaram as pautas em cima de pesquisas. Desembarcaram em Pernambuco para fotografar o maracatu rural. Com as imagens desse carnaval amplia- das, o casal teve certeza de que estava com um projeto E FOTÓGRAPHOS 44 Ensaio FESTAS POPULARES AS CORES E O FOLCLORE DAS Festas Populares Conheça as festivas imagens de um Brasil que se orgulha de suas raízes folclóricas através do trabalho de dois fotógrafos paulistas. texto de Eduardo Oliveira fotos de Luciana Catttani e Gabriel Boeiras

revista FOTÓGRAPHOS | Festas populares

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m obra produzida por dois parceiros na vida pessoal e profissional, a exuberância dos ges-tos e o colorido tropical das festas populares

brasileiras mereceram um ensaio sobre manifestações folclóricas, culturais, religiosas e profanas do povo brasileiro. Seus autores? Os fotógrafos Luciana Cat-tani e Gabriel Boieras.

Ele começou a fotografar por acaso, já no curso de publicidade. Ela estudou design na Itália e, com o namorado, vem batalhando muito como freelancer. Entre uma encomenda e outra, o casal cai na estrada para mostrar com que roupa e com que cara o povo brasileiro faz a sua festa.

O esboçoO guru ou, como brincam os dois autores, o

padrinho do ensaio é ninguém menos do que Valter Firmo, fotógrafo carioca que fundou e dirigiu o Ins-tituto Nacional de Fotografia da Funarte. A idéia do livro ganhou vida durante o curso Universo da Cor, ministrado por Firmo. A proposta inicial era traba-lhar com cromo, mas a preocupação com a técnica, aos poucos, foi conduzindo para a arte-final do tema: documentar festas populares pelo Brasil.

As aulas acabaram, mas a viagem continuou. Lucia-na e Gabriel traçaram as pautas em cima de pesquisas. Desembarcaram em Pernambuco para fotografar o maracatu rural. Com as imagens desse carnaval amplia-das, o casal teve certeza de que estava com um projeto

E

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Ensaio F E S T A S P O P U L A R E S

AS CORES E O FOLCLORE DAS

Festas PopularesConheça as festivas imagens de um Brasil que se orgulha de suas

raízes folclóricas através do trabalho de dois fotógrafos paulistas.

texto de Eduardo Oliveira • fotos de Luciana Catttani e Gabriel Boeiras

Maracatu rural, ou maracatu de baque solto, em Nazaré da Mata (PE).O personagem da foto é o Cabloco de Lança.

Figura típica nesse tipo de evento. Sua função é defender o rei e a rainha da festa. A arma é toda enfeitada com fitas, a gola é bordada com lantejoulas e, por baixo, é colocado um conjunto de sinos que soam

conforme os passos do caboclo. Foto feita com uma Canon A2, 24 mm. Abertura de f/5.6 e

velocidade 1/15. Filme Provia 100

O boi-bumbá pode ser descrito como uma variação do bumba-meu-boi, dança dramática do ciclo natalino.

interessante às mãos e resolveu investir mais tempo e dinheiro no assunto.

Dando nome aos boisAssim que se enquadrou no visor das

câmeras de Luciana e Gabriel, o projeto foi denominado: Do Quarup ao Boi-Bumbá. As duas comemorações desde o início centralizaram o interesse dos autores que, no desenvolvimento dos trabalhos, capta-vam a cor local, as expressões corporais e a fisionomia dos povos.

Quarup é uma cerimônia de cunho religioso e social, em que os indígenas celebram a memória dos seus ancestrais.

O ritual acontece uma vez por ano, com o objetivo de integrar as tribos e reduzir os conflitos. Troncos de árvores, simbo-lizando os mortos, são homenageados em um ritual mágico-religioso pelos xamãs, sacerdotes tribais. A festa termina com uma competição de huka-huka, prova de força muito parecida com o sumô.

Já o boi-bumbá pode ser descrito como uma variação do bumba-meu-boi, dança dramática do ciclo natalino, carregada de sincretismo religioso, cujo personagem central, o boi, morre e ressuscita durante a festa. A figura do animal é presa ao corpo de um homem que dança e interpreta a

Imagem de São João nas festasjuninas de Caruaru (PE). Registro feito com uma Canon 20D em formato RAW e ISO 200. Exposição em f/4.5 e velocidade de 1/4s.

Festa de São Benedito, na cidade de Aparecida do Norte (SP). Câmera Canon 20D, objetiva de 17–40 mm. A exposição foi feita com abertura de f/11 e obturador em 1/350s.

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F E S T A S P O P U L A R E S Ensaio

mitologia popular. Esse boi foi difundido por todo o Brasil, com uma variedade de nomes que compõem uma verdadeira manada: boi-calemba, boi-de-matraca, boi-de-melão, boi-de-zabumba, boi-pin-tadinho, boi-surubi e muitos outros.

“O boi é um símbolo que aparece no Brasil inteiro. Em Parintins, tem o boi-bumbá; ainda dentro da Amazônia, tem

o bumba-meu-boi. Já em Santa Catarina, existe o boi-de-mamão. Em qualquer canto do país, tem um boi fazendo festa”, relata Gabriel.

No caso de Parintins, os bois são dois e têm personalidades e nomes próprios: Caprichoso e Garantido que, nas cores azul e vermelho respectivamente, dividem e en-louquecem os milhares de simpatizantes.

Huka-huka, tribo Kamayurá em competição pelo Quarup, no Mato Grosso (MT). Câmera Canon A2, objetiva de 70–200 mm (2.8) com filme Velvia 100. A exposição desta imagem foi de 1/350s, com abertura f/5.6.

Procissão das Almas Penadas na Sexta-Feira da Paixão, em Mariana (MG). Registro feito com uma Canon A2, objetiva grande-angular de 24 mm (2.8). Fotômetro ajustado em velocidade 1/6s e abertura f/4.5.

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Cavalhadas de Pirenópolis (GO), durante a Festa do Divino no Pentecostes. As Cavalhadas remontam a conquista dos mouros pelos cristãos. Na cena, aparece a confraternização final no último dia de batalha, todos os cavaleiros, azuis e vermelhos, vão à igreja e dão tiros ao ar com suas garruchas saudando a festa. O longo tempo de exposição da imagem foi ajustado em 2s. Objetiva de 17–40 mm e filme Provia 100.

Dos lugares por onde passaram, só trouxeram como lembrança as feições de alegria, a folia e os gestos de carinho.

Descobrindo o BrasilCruzar o país fotografando é uma

aventura que faz a cabeça de incontáveis fotógrafos, mas, para esses dois, trata-se de missão um pouco mais especial. Luciana e Gabriel não aceitam os estereótipos de tristeza que insinuam a história de vida das famílias que moram em cidades pe-quenas do Nordeste. Dos lugares por onde passaram, só trouxeram como lembrança as feições de alegria, a folia e os gestos de carinho. Para Gabriel, “o olhar tem que trazer a vibração de cada momento. Essa, talvez, seja a única maneira de mostrar um Brasil que ele próprio desconheça. O país de uma cara alegre, sem sofrimento, que não fale tanto daquela história de fome. Na maioria dos lugares que cobrimos, não encontramos fome, violência e medo. Mui-to pelo contrário. São pessoas humildes, claro, mas miseráveis nunca”.

De cidades pequenas a vilarejos, Lu-ciana e Gabriel foram descobrindo um novo Brasil. Fizeram contato com traços culturais até então inimagináveis. Em Belém, as pessoas comem açaí com faro-fa. Mas o principal intercâmbio cultural ocorreu quando foram cobrir a Procissão do Fogaréu, em Goiás Velho (GO). Lá dividiram a casa com uma senhora que alugava dormitórios para aumentar a renda da família. “Isso é muito bom, porque sen-távamos à mesa com eles, tomávamos café e conversávamos sobre tudo. Aprende-se muito com esse tipo de experiência.”

Atrás do novoLuciana e Gabriel têm uma única

preocupação ao pautar o roteiro de suas imagens. A linha básica que determina se uma festa merece ou não ganhar um espaço na agenda é o caráter de novidade. A meta é sempre mostrar o novo, o que até então não tem um rosto, uma imagem inu-sitada para traduzir que significam essas manifestações no imaginário popular.

Em uma das viagens, os fotógrafos cobriram as festas juninas em Campina Grande (PB) e em algumas outras cidades de Pernambuco, mas, mesmo dentro dos grandes centros culturais do Nordeste brasileiro, o olhar se debruçava sobre sig-nos folclóricos, detalhes pequenos, porém ricos em significado, como o pau-de-sebo e a quadrilha matuta.

No Círio de Nazaré, a festa que a cada

ano atrai quase dois milhões de pessoas às ruas centrais de Belém do Pará, a popula-ção extravasa sua alegria nos brinquedos confeccionados com a bucha retirada do caule do miriti ou meriti, variantes do conhecido buriti-do-brejo, palmeira que chega a medir até 50 metros de altura, encontrada em abundância nos arredores da capital paraense. Com essa bucha, cuja leveza tornou o material conhecido como o isopor na-tural da Amazônia, fabricam-se modelos reduzidos de casas, barcos ou outros objetos que, nos folguedos, são usados como se fossem chapéus. É um gesto tradicional, inserido na grande festividade do Círio, de que o fiel se vale para externar seu agradecimento pelo sonho con-cretizado no ano que passou.

“Conversando com as pessoas, des-cobrimos Abaetetuba (PA), a cidade onde eles são produzidos. Fomos até lá e achamos uma associação de artesãos. Conseguimos fotografar dentro de casas erguidas sobre palafitas, no meio da mata.O segredo é este mesmo: ir fuçando até achar os temas legais”. Gabriel continua: “Essas informações são difíceis de en-

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contrar. Quando você chega à Secretaria de Cultura de alguma dessas cidades e pergunta sobre a quadrilha matuta, por exemplo, ninguém sabe informar onde tem. Corremos atrás sozinhos e isso aca-bou tornando-se a marca da linguagem do projeto. Sabíamos o que deveria ser mostrado e saímos atrás desse olhar.”

Folia de coresA saturação das imagens de Luciana

e Gabriel é registrada quase toda em pe-lículas positivas (cromo). Como dica, os autores sugerem escolher o filme de acordo com a iluminação. “Depende muito da luz e do contraste da cena, mas, em algumas situações, é bom estar com um filme ne-gativo à mão”, garante Gabriel.

O casal trabalhou com uma SLR digi-tal nas últimas festas – São João e São Benedito, na Aparecida do Norte (SP), mas o resultado não lhe agradou. Para Gabriel, a tecnologia digital perde muita informação em cor quando comparada ao filme positivo e o limite de definição é um obs-táculo árduo para uma imagem que merece ser publicada em página dupla.

EquipamentoA objetiva encaixada no corpo da

câmera de Gabriel é, na maioria dos eventos, uma Canon 17–40 mm. Só uma objetiva grande-angular consegue captar o calor da cena. Na versão do fotógrafo, em muitos instantes, ele próprio torna-va-se cúmplice do evento. Suava com os festeiros e sentia o som dos tambores arrepiar os pêlos do braço.

Luciana também gosta de invadir a cena, mas costuma ficar a alguns passos atrás, com uma objetiva de 24 mm fixa. Isso quando não acha que é o instante decisivo de tirar a Leica M6 de 50 mm da mochila e deixar a qualidade óptica do equipamento contar a história do fato.

Documentar festividades, em geral, resulta em um trabalho muito dinâmico. Personagens e cenas passam pelo visor rapidamente. Por isso, é importante estar sempre com o foco automático acionado. Apenas em situações especiais vai ser necessário ajustá-lo manualmente.

País em festaA primeira parte do trabalho, que pode

ser conferido no site www.brasilemfestas.com.br, percorre o País multiplicando-se em imagens que passam pelo carnaval de rua no Pelourinho em Salvador (BA) pelo maracatu rural em Nazaré da Mata (PE), pela Semana Santa em Goiás Velho e Ouro Preto.

O trajeto traçado no primeiro volume levou três anos até ser publicado e conta apenas com uma parte das imagens.

Festas Populares do Brasil – Tradiction Brazilian Festivities integra a Coleção Imagens do Brasil, da Editora Manole e promete ser o pontapé inicial de um trabalho que os autores esperam render ainda outros volumes. Seria, como se diz nas melhores obras, o primeiro de uma sé-rie. O que não parece nada impossível no país em que festa é o que não falta. ■

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Ensaio F E S T A S P O P U L A R E S

“Corremos atrás sozinhos e isso acabou tornando-se a marca da linguagem do projeto. Sabíamos o que

deveria ser mostrado e saímos atrás desse olhar.”

Procissão do Domingo de Páscoa, na Semana Santa, Ouro Preto (MG).Canon A2 com uma objetiva de 24 mm (2.8) e filme cromo Provia 100. A grande profundidade de campo foi garantida com uma abertura de 16 e a velocidade do obturador foi ajustada em 1/125s.