36
REVISTA DA SOCIEDADE BRASILEIRA DE HIPERTENSÃO REVISTA DA SOCIEDADE BRASILEIRA DE HIPERTENSÃO N o 2 2003 VOLUME 6 Ações fisiológicas da aldosterona Diagnóstico e tratamento do hiperaldosteronismo primário Caso clínico – Discussão de caso: hiperaldosteronismo primário Pressão arterial e risco cardiovascular A evidência definitiva Atualização na prevenção das doenças cardiovasculares O papel da monitorização ambulatorial da pressão arterial na avaliação de pacientes com hiperaldosteronismo primário Análise crítica do estudo ALLHAT: utilidade clínica questionável Genética molecular e hipertensão arterial Novos paradigmas, antigos problemas http://www.sbh.org.br

Revista Hipertensao

Embed Size (px)

Citation preview

REVISTA DASOCIEDADE BRASILEIRA DE HIPERTENSÃO

REVISTA DASOCIEDADE BRASILEIRA DE HIPERTENSÃO■ No 2 ■ 2003

■ VOLUME 6

••••• Ações fisiológicas da aldosterona

••••• Diagnóstico e tratamento dohiperaldosteronismo primário

••••• Caso clínico –Discussão de caso:hiperaldosteronismo primário

••••• Pressão arterial e risco cardiovascularA evidência definitiva

••••• Atualização na prevenção dasdoenças cardiovasculares

••••• O papel da monitorização ambulatorialda pressão arterial na avaliaçãode pacientes comhiperaldosteronismo primário

••••• Análise crítica do estudo ALLHAT:utilidade clínica questionável

••••• Genética molecular e hipertensão arterialNovos paradigmas, antigos problemas

http://www.sbh.org.br

43Volume 6 / Número 2 / 2003

EDITORIALEDITORIAL

Antigas novidades (cada vez mais modernas):aldosterona e controle da pressão arterial

O papel da aldosterona no desenvolvimento da hipertensão arterial edas lesões de órgãos-alvo vem sendo mais destacado nos últimos anos.Desde a descrição feita por Conn, em 1955, imaginava-se que ohiperaldosteronismo primário fosse uma causa rara de hipertensãoarterial, sendo responsável por menos de 2% dos quadros hipertensivos.Entretanto, mais recentemente, tem-se destacado que a contribuição daaldosterona na gênese da hipertensão arterial pode atingir cerca de 10%dos casos. No coração, a ação da aldosterona produz hipertrofia dosmiócitos e deposição intersticial e perivascular de fibrose.

Dessa forma, o presente número da revista HIPERTENSÃO enfoca asações fisiológicas da aldosterona, o diagnóstico e tratamento dohiperaldosteronismo primário e um interessante caso clínico bastanteilustrativo das dificuldades de se fazer o diagnóstico preciso dessaafecção.

Além disso, com a recente publicação do estudo ALLHAT, existem(mais ou menos) controvérsias quanto ao tratamento da hipertensãoarterial. Acreditamos que o tratamento do hipertenso tem o objetivo dediminuir a mortalidade e a incidência de eventos mórbidos e que esseobjetivo só poderá ser atingido com o uso da associação de váriosfármacos anti-hipertensivos, conforme mostram os resultados de todos osmais recentes estudos controlados.

No Brasil, o conhecimento da doença e seu tratamento apresentamnúmeros pífios. Devemos trabalhar para que um número cada vez maior debrasileiros receba tratamento adequado para hipertensão arterial(independentemente da droga “inicial”), pois, como salienta o Prof.Kohlmann, não houve diferença de mortalidade entre os grupos do estudoALLHAT, e o que realmente parece importar é o valor da pressão arterialatingido. Por isso tudo, a recente publicação das IV Diretrizes Brasileirasde Hipertensão Arterial (disponível na íntegra em nossa homepage,www.sbh.org.br) está cada vez mais atual, sendo importante a suaimplantação e utilização com o objetivo de atingir o estrito controle dosníveis de pressão arterial na população brasileira.

Dr. Dante Marcelo Artigas GiorgiEditor Convidado

44 HIPERTENSÃO

ÍNDICEÍNDICE

EXPEDIENTE

Produção Gráfica e Editorial - BG CulturalRua Ministro Nelson Hungria, 239 - Conjunto 5 - 05690-050 - São Paulo - SPTelefax: (11) 3758-1787 / 3758-2197. E-mail: [email protected]édico / Jornalista Responsável: Benemar Guimarães - CRMSP 11243 / MTb 8668.Assessoria Editorial: Marco Barbato, Eliane R. Palumbo.Revisão: Márcio Barbosa.

Ações fisiológicas da aldosterona ............................................................. 46

Diagnóstico e tratamento do

hiperaldosteronismo primário .................................................................... 50

Caso clínico – Discussão de caso:

hiperaldosteronismo primário .................................................................... 55

Pressão arterial e risco cardiovascular

A evidência definitiva ............................................................................... 58

Atualização na prevenção das

doenças cardiovasculares ........................................................................... 61

O papel da monitorização ambulatorial da

pressão arterial na avaliação de

pacientes com hiperaldosteronismo primário ............................................ 66

Análise crítica do estudo ALLHAT:

utilidade clínica questionável .................................................................... 69

Genética molecular e hipertensão arterial

Novos paradigmas, antigos problemas ....................................................... 72

Referência em resumo ............................................................................... 78

Agenda 2003/2004 .................................................................................... 82

HIPERTENSÃORevista da Sociedade

Brasileira de Hipertensão

EDITORADRA. MARIA HELENA C. DE CARVALHO

EDITORES SETORIAIS

MÓDULOS TEMÁTICOS

DR. EDUARDO MOACYR KRIEGERDR. ARTUR BELTRAME RIBEIRO

CASO CLÍNICO

DR. DANTE MARCELO A. GIORGI

EPIDEMIOLOGIA/PESQUISA CLÍNICA

DR. FLÁVIO D. FUCHSDR. PAULO CÉSAR B. VEIGA JARDIM

FATORES DE RISCO

DR. ARMÊNIO C. GUIMARÃES

AVALIAÇÃO DA PRESSÃO ARTERIAL

DRA. ANGELA MARIA G. PIERINDR. FERNANDO NOBREDR. WILLE OIGMAN

TERAPÊUTICADR. OSVALDO KOHLMANN JR.

BIOLOGIA MOLECULAR

DR. JOSÉ EDUARDO KRIEGERDR. AGOSTINHO TAVARESDR. ROBSON AUGUSTO SOUZA SANTOS

PESQUISA BIBLIOGRÁFICA

CARMELINA DE FACIO

As matérias e os conceitos aqui apresentados não expressam necessariamentea opinião da Boehringer Ingelheim do Brasil Química e Farmacêutica Ltda.

45Volume 6 / Número 2 / 2003

SBHS o c i e d a d eB r a s i l e i r a d eH i p e r t e n s ã o

DIRETORIA

Presidente

Dr. Ayrton Pires Brandão

Vice-Presidente

Dr. Robson A. Souza dos Santos

Tesoureiro

Dr. José Márcio Ribeiro

Secretários

Dr. Dante Marcelo A. Giorgi

Dr. Armando da Rocha Nogueira

Presidente Anterior

Dr. Osvaldo Kohlmann Jr.

Conselho Científico

Dra. Angela Maria G. PierinDr. Armênio Costa GuimarãesDr. Artur Beltrame RibeiroDr. Ayrton Pires BrandãoDr. Carlos Eduardo NegrãoDr. Celso AmodeoDr. Dante Marcelo A. GiorgiDr. Décio Mion Jr.Dr. Eduardo Moacyr KriegerDr. Elisardo C. VasquezDr. Fernando NobreDr. Hélio César SalgadoDr. Hilton de Castro Chaves Jr.Dr. João Carlos RochaDr. José Eduardo KriegerDr. José Márcio RibeiroDra. Lucélia C. MagalhãesDra. Maria Claudia IrigoyenDra. Maria Helena C. CarvalhoDr. Osvaldo Kohlmann Jr.Dr. Robson A. S. SantosDr. Wille Oigman

Sociedade Brasileira de HipertensãoTel.: (11) 3284-0215Fax: (11) 289-3279E-mail: [email protected] Page: http://www.sbh.org.br

46 HIPERTENSÃO

MÓDULO TEMÁTICOAções fisiológicasda aldosterona

Clovis de Carvalho FrimmMédico AssistenteEmergências Clínicas, LIM-51 – HC-FMUSP

Marcia Kiyomi KoikeBiologistaEmergências Clínicas, LIM-51 – HC-FMUSP

Endereço para correspondência:LIM–51, Faculdade de Medicina da USPAv. Dr. Arnaldo, 455 – sala 3.13401246-903 – São Paulo – SPTel.: (11) 3064-8756Fax: (11) 3066-7170

Autor: Resumo

A aldosterona é produzida pelas glândulas supra-renais elocalmente em diferentes tecidos. Ela participa da regulaçãoda pressão arterial, do volume sangüíneo circulante e tambémdo remodelamento cardíaco e vascular. Receptores demineralocorticóides conferem especificidade à aldosterona,cuja ação não-genômica começa a ser investigada.

Introdução

Seis classes diferentes de hormônios esteróides são co-nhecidas: os mineralocorticóides, os progestagênios, os an-drogênios, os estrogênios, os glicocorticóides e os derivadosda vitamina D. A principal, se não única, fonte de produçãosistêmica, tanto de mineralocorticóides quanto de glicocorti-cóides, são as glândulas supra-renais. Atualmente, sistemasteciduais com capacidade integral de produção de esteróidesvêm sendo associados a ações autócrinas e parácrinas.

O hormônio adrenocorticotrópico (ACTH), produzido nahipófise, é o estímulo principal para a secreção de glicocorti-cóides sistêmicos. Os níveis de cortisol circulante, por sua vez,exercem retroalimentação negativa sobre três estruturas dosistema nervoso central: o hipocampo, o hipotálamo e a pitui-tária, inibindo a produção de ACTH.

A síntese de glicocorticóides e de mineralocorticóides érealizada a partir do colesterol no córtex das supra-renais. OACTH regula a enzima P450, 11β-hidroxilase (11β-OHase),responsável pela formação de cortisona a partir dedeoxicorticisterona (DOC). Já a produção de aldosterona apartir de DOC é catalisada pela enzima P450, aldosterona-sintase, sob regulação da angiotensina II e dos níveis plasmá-ticos de potássio, com menor influência do ACTH.

A aldosterona regula o transporte de íons sódio e potás-sio em tecidos epiteliais, principalmente rins, cólon, glându-las sudoríparas e salivares. A ação da aldosterona permite aconservação de sódio, e, com ele, de água, com eliminação depotássio. A reabsorção de sódio dá-se pela ativação de canaisde sódio na membrana epitelial apical e da bomba de sódio namembrana baso-lateral de células do túbulo contornado distale do ducto coletor cortical renal1.

Em seres humanos, a aldosterona afeta a regulação neu-ral da pressão arterial, o apetite por sal, a regulação do volumesangüíneo circulante, a atividade simpática, e participa da re-gulação do eixo hipotalâmico-hipofisário-adrenal2. Tambémfoi descrita sua participação no aprendizado e na memória3.

47Volume 6 / Número 2 / 2003

Produção extra-adrenal demineralocorticóides

A existência de sistemas locais para a produção de aldos-terona e de corticosterona já foi demonstrada no coração, ondeas principais enzimas envolvidas estão presentes, tais como aaldo-sintase (CYP 11B2) e a 11β-hidroxilase (CYP 11B1),evidenciadas por RT-PCR nos átrios e ventrículos de ratosnormais4.

No cérebro também parece existir um sistema gerador dealdosterona fisiologicamente relevante. Por RT-PCR, foi de-monstrada a presença da enzima aldosterona-sintase no hipo-tálamo, no hipocampo, nas amígdalas e no cerebelo de ratos5.

Os receptores dosmineralocorticóides

A partir de 1983 passaram a ser identificados receptoresespecíficos dos mineralocorticóides (MRs) no coração, nosrins e intestinos de ratos, com afinidade comparável tanto paraaldosterona quanto para corticosterona6. Eles pertencem a umasuperfamília constituída por receptores de esteróides, de hor-mônios tireoidianos e de retinóides, e operam como fatores detranscrição nuclear, após ligação com seus mediadores. O MRhumano corresponde a uma proteína, já clonada e seqüenciada,constituída por 984 aminoácidos7.

Dada a competição entre a aldosterona e os glicocorti-cóides pelo mesmo receptor, a ocupação dos MRs dependeprincipalmente da enzima 11β-hidroxiesteróide dehidrogena-se (11β-HSD) tipo 2, presente nas células epiteliais e respon-sável pela conversão do cortisol e da corticosterona em 11-ceto cortisona e 11-dehidrocorticosterona, que não têm ativi-dade sobre os MRs8. A estrutura da aldosterona apresenta umgrupo aldeído único no carbono 18, em lugar de um grupometílico, tornando-a imune à 11β-HSD tipo 2, o que confereespecificidade da ação dessa enzima sobre os glicocorticói-des. Também contribui para maior ligação da aldosterona comos MRs e menor biodisponibilidade dos glicorticóides, que,em mais de 90%, circulam ligados à albumina e a outras pro-teínas plasmáticas. Mais ainda, a curva de dissociação entreos MRs e a aldosterona é, pelo menos, cinco vezes menor doque aquela observada entre os MRs e o cortisol9.

A ligação da aldosterona ao MR promove dissociação deproteínas chaperonas, o que ativa o receptor e expõe os sinaisde localização nuclear. No núcleo, o MR liga-se a seqüênciasespecíficas de DNA e, dessa forma, exerce regulação sobre aexpressão de genética10.

Enquanto a 11β-HSD tipo 2 tem ação fisiologicamenterelevante no coração, sua atividade e quantidade não parecemser significativas no cérebro5, de tal modo que aqui a capaci-dade de ligação da aldosterona aos MRs é comparável à docortisol.

No sistema nervoso central, a prevalência de receptoresde glicocorticóides (GRs) é bem maior do que a de MRs11. Dequalquer forma, em certas áreas do tecido nervoso observa-se

uma ligação preferencial de mineralocorticóides com os MRs:hipotálamo anterior, hipocampo, pituitária anterior e algunsnúcleos mesencefálicos12.

Os dados atualmente disponíveis indicam que os MRsparticipam da mediação da ação tônica dos glicocorticóidespara a manutenção da homeostasia, enquanto os GRs são res-ponsáveis pela resposta hemodinâmica para restauração dahomeostasia.

Ação não-genômicada aldosterona

Está se tornando claro que o modelo genômico clássiconão cobre adequadamente todos os aspectos da ação esterói-de. Já foi demonstrada no passado a ativação da bomba detroca sódio-próton em eritrócitos de cachorro, evidenciandouma ação não-genômica da aldosterona13. Tais ações foramreproduzidas posteriormente em leucócitos mononucleareshumanos, células musculares lisas e em cardiomiócitos de ra-tos14. Há ativação de sistemas de sinalização intracelulares comprodução de inositol-1,4,3-trifosfato (IP3) e de diacilglicerol(DAG)15,16, que liberam Ca2+ dos estoques intracelulares. Tan-to inibidores da tirosina-quinase quanto da fosfolipase C sãocapazes de bloquear os efeitos rápidos da aldosterona sobre aconcentração de Ca2+ intracelular17. Por outro lado, inibidoresespecíficos dos MRs e inibidores da transcrição ou da sínteseprotéica não bloqueiam tais ações.

Em seres humanos, o aumento da pressão arterial e daresistência vascular periférica é observado apenas cinco mi-nutos após a infusão de aldosterona18. Essa ação rápida e seusefeitos farmacológicos particulares extrapolam o conceito clás-sico de ação genômica dos esteróides.

Assim, um sistema integrativo exercido por dois meca-nismos distintos é atualmente reconhecido para osmineralocorticóides:

1) ligação a receptores de membrana (a serem identifi-cados), seguida de sinalização intracelular (ação não-genômica);

2) ligação a receptores intracelulares com a modulaçãoda transcrição genética.

Efeitos da aldosteronasobre o coração

Em modelos experimentais de hiperaldosteronismo pri-mário e secundário, foram observadas hipertrofia de miócitose deposição intersticial e perivascular de fibrose19,20. O apare-cimento da fibrose em ambos os ventrículos é consonante coma suposição de que a resposta fibrogênica cardíaca independede fatores hemodinâmicos. Ela pode ser evitada por doses sub-hipotensivas de espironolactona21.

Os mecanismos pelos quais a aldosterona produz fibroseainda não estão esclarecidos. Comprovou-se que, apesar da ele-

48 HIPERTENSÃO

Referências bibliográficas

1. NGARMUKOS C, GREKIN RJ. Nontraditional aspects of aldosteronephysiology. Am J Physiol Endocrinol Metab, v. 281, p. E1122–E1127,2001.

2. DE KLOET ER, VREUGDENHIL E, OITZL MS, JOELS M. Braincorticosteroid receptor balance in health and disease. Endocr Rev, v.19, p. 269–301, 1998.

3. DE KLOET ER, VAN ACKER AS, SIBUG RM, OITZL MS, MEIJEROC, RAHMOUNI K, DE JONG W. Brain mineralocorticoidreceptors and centrally regualted functions. Kidney Int, v. 57, p. 1329–1336, 2000.

4. SILVESTRE JS, ROBERT V, HEYMES C, AUPETIT-FAISANT B,MOUAS C, MOALIC JM, SWYNGHEDAUW B, DELCAYRE C.Myocardial production of aldosterone and corticosterone in the rat.Physiological regulation. J Biol Chem, v. 273, p. 4883–4891, 1998.

5. GOMEZ-SANCHEZ CE, ZHOU MY, COZZA EN, MORITA H,FOECKING MO, GOMES-SANCHEZ EP. Aldosterone biosynthesisin the rat brain. Endocrinology, v. 138, p. 3369–3373, 1997.

6. FUNDER JW. New biology of aldosterone, and experimental studieson the selective aldosterone blocker eplerenone. Am Heart J, v. 144,p. S8–S11, 2002.

7. ARRIZA JL, WEINBERGER C, CERELLI G, GLASER TM,HANDELIN BL, HOUSMAN DE, EVANS RM. Cloning of humanmineralocorticoid receptor complementary DNA: structural andfunctional kinship with the glucocorticoid receptor. Science, v. 237,p. 268–275, 1987.

8. FUNDER JW, PEARCE PT, SMITH R, SMITH AL. Mineralocorticoidaction: target tissue specificity is enzyme, not receptor, mediated.Science, v. 242, p. 583–585, 1988.

vação de angiotensina II não ser um fator decisivo19, o receptorAT1 pode representar um alvo adicional da ação para a aldostero-na, o que sugere uma potenciação das propriedades fibrogênicasda angiotensina II pela aldosterona22. Ao lado de sua ação diretasobre a síntese de colágeno em fibroblastos cardíacos23, a aldos-terona promove também necrose de miócitos24.

No remodelamento cardíaco após o infarto, a elevaçãode angiotensina II cardíaca associa-se a um aumento local dealdosterona4. Em contraste com o sistema cardíaco, o sistemaesteriodogênico adrenal não está ativado. A aldosterona localestimula a transcrição dos receptores AT1, resultando em au-mento de sua densidade cardíaca25.

Nesse modelo, a elevação do mRNA para a enzima al-dosterona-sintase e o aumento da produção de aldosterona ede angiotensina II no miocárdio remoto ao infarto são inibi-dos pelo losartan, mas não pela espironolactona26. Já a depo-sição de fibrose é prevenida por ambos.

Em seres humanos foi descrita uma correlação significa-tiva entre os níveis plasmáticos de aldosterona e a hipertrofiamiocárdica, independentemente da pressão arterial27. Em pa-cientes hipertensos, a combinação de espironolactona reduziumais a hipertrofia do que o uso isolado de um inibidor da en-zima conversora da angiotensina (ECA)28.

Na insuficiência cardíaca, a associação de espironolac-tona aos inibidores da ECA reduz o volume e a massa do ven-trículo esquerdo e melhora a função ventricular29. No estudoCONSENSUS, observou-se que as curvas de sobrevivênciatornam-se indistingüíveis entre placebo e enalapril, quatromeses apenas após o início da terapia30. No SOLVD, os efeitosbenéficos sobre a redução da mortalidade diminuíram pro-gressivamente com a continuidade do tratamento31.

O desenvolvimento de resistência aos inibidores da ECApode ser resultado de um escape na geração de angiotensinaII, por meio da ação de outras enzimas, como a α-quimase32.Outros mecanismos aventados são a estimulação da síntese dealdosterona pela elevação do potássio plasmático e a presençade retroalimentação positiva sobre a ECA vascular com eleva-ção local de angiotensina II33. Porém, o aumento da aldostero-na, e não da angiotensina II, parece ser determinante para aresistência aos inibidores da ECA. Tal mecanismo é sugeridopela ausência de benefício adicional da combinação de um

bloqueador AT1 com os inibidores da ECA34. Por outro lado,no estudo RALES, a adição da espironolactona acrescentoumais 30% à redução da mortalidade35.

Há evidências clínicas que sugerem que os efeitos bené-ficos da espironolactona na insuficiência cardíaca correspon-dem à inibição da fibrogênese. A sobrevivência é nitidamentemaior nos doentes em que o tratamento com espironolactonaassocia-se a uma redução dos níveis circulantes da porção N-terminal do percursor de procolágeno III36, indicando menorincorporação de colágeno tecidual. Conjectura-se ainda a par-ticipação da variabilidade da freqüência cardíaca37, da redu-ção de arritmias cardíacas38 e da menor prevalência de hipo-calemia39.

Efeitos da aldosteronasobre outros órgãos

No cérebro, a aldosterona pode exercer um papel fisio-patológico importante sobre a isquemia, por meio do remode-lamento vascular. Doses sub-hipotensivas de espironolactonasão capazes de prevenir o advento de acidente vascular cere-bral de ratos hipertensos suscetíveis ao infarto (SHRSP)40. Otamanho do infarto por oclusão experimental da artéria cere-bral média pode ser reduzido pela espironolactona41.

No sistema vascular, a aldosterona exibe efeitos nocivossobre o endotélio, reduzindo a produção local de óxido nítri-co42. Em SHRSPs, o bloqueio da aldosterona reduz as lesõesvasculares e glomerulares da microangiopatia trombótica43.

A aldosterona parece também exercer uma ação deletériasobre a fibrinólise. In vitro, foi demonstrado o aumento doinibidor do fator ativador do plasminogênio, PAI-144.

Em pacientes hipertensos, os níveis de aldosterona cor-relacionam-se negativamente com a complacência vascular45.

A injúria tecidual promovida pela aldosterona pode re-sultar não apenas de sua ação sobre o endotélio, mas tambémdo aumento do influxo de sódio nas células musculares lisas,da hipertrofia dessas células, da geração de radicais livres, dainibição da recaptura de noradrenalina, da hiper-regulação dosreceptores da angiotensina II e da estimulação da síntese deTGF-β146.

49Volume 6 / Número 2 / 2003

9. LOMBES M, KENOUCH S, SOUPE A, FARMAN N, RAFESTIN-OBLIN ME. The mineralocorticoid receptor discriminatesaldosterone from glucocorticoids independently of the 11 beta-hydroxysteroid dehydrogenase. Endocrinology, v. 135, p. 834–840,1994.

10. VERREY F, KRAEHENBUHL JP, ROSSIER BC. Aldosterone inducesa rapid increase in rate of Na, K-ATPase gene transcription in culturedkidney cells. Mol Endocrinol, v. 3, p. 1369–1376, 1989.

11. REUL JM, KLOET ER. Two receptor systems for corticosterone in ratbrain: microdistribution and differential occupation. Endocrinology,v. 117, p. 2505–2511, 1985.

12. ANDERSON NS III, FANESTIL DD. Cortisol receptors in rat brain:evidence for aldosterone receptor. Endocrinology, p. 676–684, 1976.

13. SPACH C, STREETEN TH. Retardation of sodium exchange in dogerythrocytes by physiological concentrations of aldosterone, in vitro.J Clin Invest, v. 43, p. 217–227, 1964.

14. CHRIST M, DUWES K, EISEN C, BECHTNER G, THEISEN K,WHELING M. Rapid effects of aldosterone on sodium transportin vascular smooth muscle cells. Hypertension, v. 25, p. 117–123, 1995.

15. WHELING M, ARMANINI D, STRASSER T, WEBER PC. Effect ofaldosterone on the sodium and potassium concentrations in humanmononuclear leukocytes. Am J Physiol, v. 252, p. E505–E508, 1987.

16. ARMANINI D, STRASSER T, WEBER PC. Characterization ofaldosterone binding sites in circulating human mononuclearleukocytes. Am J Physiol, v. 248, p. E388–E390, 1985.

17. FALKENSTAIEN E, CHRIST M, FEURING M, WHELING M.Specific nongenomic actions of aldosterone. Kidney Int, v. 57, p.1390–1394, 2000.

18. WHELING M, SPES CH, WIN N, JANSON CP, SCHMIDT BMW,THEISEN K, CHRIST M. Rapid cardiovascular action of aldosteronein man. J Clin Endocrinol Metab, v. 83, p. 3517–3522, 1998.

19. BRILLA CG, PICK R, TAN LB, JANICKI JS, WEBER KT.Remodeling of the rat right and left ventricles in experimental hyper-tension. Circ Res, v. 67, p. 1355–1364, 1990.

20. BRILLA CG, MATSBARA LS, WEBER KT. Anti-aldosteronetreatment and the prevention of myocardial fibrosis in primary andsecondary hyperaldosteronism. J Mol Cell Cardiol, v. 25, p. 563–575, 1993.

21. BRILLA CG, MATSUBARA LS, WEBER KT. Antifibrotic effects ofspirinolactone in preventing myocardial fibrosis in systemic arterialhypertension. Am J Cardiol, v. 71, p. 12A–16A, 1993.

22. ROBERT V, HEYNES C, SILVESTRE JS, SABRI A, SWYN-GHEDAUW B, DELCLAYRE C. Angiotensin AT

1 receptor subtype

as a cardiac target of aldosterone. Role in aldosterone salt-inducedfibrosis. Hypertension, v. 33, p. 981–986, 1999.

23. BRILLA CG, MAISCH B. Regulation of the structural remodeling ofthe myocardium: from hypertophy to heart failure. Eur Heart J, v.15, p. 45–52, 1994.

24. ROCHA R, STIER CT JR, KIFOR I, OCHOA-MAYA MR, RENNKEHG, WILLIAMS GH, ADLER GK. Aldosterone, a mediator of myo-cardial necrosis and renal arteriopathy. Endocrinology, v. 141, p.3871–3878, 2000.

25. ROBERT V, SILVESTRE JS, CHARLEMAGNE D, SABRI A,TROUVE P, WASSEF M, SWYNGHEDAUW B, DELCLAYRE C.Biological determinants of aldosterone-induced cardiac fibrosis inrats. Hypertension, v. 26, p. 971–978, 1995.

26. SILVESTRE JS, HEYNES C, OUBENAISSA A, ROBERT V,AUPETIT-FAISANT B, CARAYON A, SWYNGHEDAUW B,DECLAYRE C. Activation of cardiac aldosterone production inrat myocardial infarction: effect of angiotensin II receptorblockade and role in cardiac f ibrosis. Circulation, v. 99, p. 2694–2701, 1999.

27. SCLAICH MP, HILGERS K, SCHMIEDER RE. Impact of aldosteroneon left ventricular structure and function in young normotensive andmildly hypertensive subjects. Am J Cardiol, v. 85, p. 1199–1206,2000.

28. SATO A, SUZUKI Y, SARUTA T. Effects of spironolactone andangiotensin-converting inhibitor on left ventricular hypertrophy in pa-tients with essential hypertension. Hypertens Res, v. 22, p. 17–22,1999.

29. TSUTAMOTO T, WADA A, MAEDA K, MABUCHI N, HAYASHIM, TSUTSUI T, OHNISHI M, SAWAKI M, FUJII M,MATSUMOTO T, MATSUI T, KINOSHITA M. Effect ofspironolactone on plasma natriuretic peptide and left ventricularremodeling in patients with congestive heart failure. J Am Coll Car-diol, v. 37, p. 1228–1233, 2001.

30. CONSENSUS Trial Study Group. Effects of enalapril on mortality insevere congestive heart failure: results of the Cooperative NorthScandinavian Enalapril Survival Study. N Engl J Med, v. 316, p.1429–1435, 1987.

31. SOLVD investigators. Effects of enalapril on survival in patients withreduced left ventricular ejection fractions and congestive heart fai-lure. N Engl J Med, v. 325, p. 293–302, 1991.

32. LIAO Y, HUSAIN A. The chymase-angiotensin system in humans,biochemistry, molecular biology and potential role in cardiovascu-lar diseases. Can J Cardiol, v. 11, p. 13F–19F, 1995.

33. STRUTHERS AD. Pathophysiology of aldosterone and its antagonists.Fundam Clin Pharmacol, v. 14, p. 549–552, 2000.

34. COHN JN, TAGNONI G. A randomizaed trial of the angiotensin-re-ceptor blocker valsartan in chronic heart failure. N Engl J Med, v.345, p. 1667–1675, 2001.

35. PITT B, ZANNAD F, REMME WJ, CODY R, CASTAIGNE A, PEREZA, PALENSKY J, WITTES J. The effect of spironolactone onmortality in patients with severe heart failure. N Engl J Med, v. 341,p. 709–717, 1999.

36. ZANARD F, ALLA F, DOUSSET B et al. Limitation of excessiveextracellular matrix turnover may contribute to survival benefit ofspironolactone therapy in patients with congestive heart failure:insights from the randomized aldactone evaluation study (RALES).Circulation, v. 102, p. 2700–2706, 2000.

37. MACFADYEN RJ, BARR CS, STRUTTERS AD. Aldosteroneblockade reduces vascular collagen turnover, improves heart ratevariability and reduces early morning rise in heart rate in heart fai-lure patients. Cardiovas Res, v. 35, p. 30–34, 1997.

38. BARR CS, LANG CC, HANSON J, ARNOTT M, KENNEDY N,STRUTHERS AD. Effects of adding spironolactone to anangiotensin-converting inhibitor in chronic congestive heart failuresecondary to coronary artery disease. Am J Cardiol, v. 76, p. 1259–1265, 1995.

39. NOLAN J, BATIN PD, ANDREWS R, LINDSAY SJ, BROOKSBY P,MULLEN M, BAIG W, FLAPAN AD, COWLEY A, PRESCOTTRJ, NEILSON JM, FOX KA. Prospective study of heart ratevariability in chronic heart failure: results of the United Kingdomheart failure evaluation and assessment of risk trial (UK-HEART).Circulation, v. 98, p. 1510–1516, 1998.

40. DORRANCE AM, OSBORN HL, GREKIN R, WEBB RC.Spironolactone reduces cerebral infarct size and EGF-receptormRNA in stroke-prone rats. Am J Physiol Regul Integr Comp Physiol,v. 281, p. R944–R950, 2001.

41. DORRANCE AM, GREKIN R, WEBB R. Aldosterone antagonismreduces cerebral infarct size in normotensive rats. J Hypertens, v.18, p. 884, 2000. (Abstract).

42. FARQUHARSON CAJ, STRUTHERS AD. Spirinolactone increasesnitric oxide bioactivity, improves endothelial vasodilator dysfunctionand suppress vascular angiotensin I/angiotensin II conversion in pa-tients with chronic heart failure. Circulation, v. 101, p. 594–597,2000.

43. ROCHA R, CHANDER PN, KHANNA K, ZUCKERMAN A, STIERCT JR. Mineralocorticoid blockade reduces vascular injury in stroke-prone hypertensive rats. Hypertension, v. 31, p. 451–458, 1998.

44. BROWN NJ, KIN KS, CHEN YQ, BLEVINS LS, NADEAU JH,MERANZE SG, VAUGHAN DE. Synergistic effects of adrenalsteroids and angiotensin II on plasminogen activator inhibitor-1production. J Clin Endocrinol Metab, v. 85, p. 336–344, 2000.

45. BLACHER J, AMAH G, GIRERD X, KHEDER A, BEN MAIS H,LONDON GM, SAFAR ME. Association between increased plas-ma levels of aldosterone and decreased systemic arterial compliancein subjects with essential hypertension. Am J Hypertens, v. 10, p.1326–1334, 1997.

46. STRUTHERS AD. Aldosterone: cardiovascular assault. Am Heart J, v.144, p. S1–S7, 2002.

50 HIPERTENSÃO

MÓDULO TEMÁTICODiagnóstico e tratamento dohiperaldosteronismo primário

Catarina Brasil d’AlvaMédica Pós-graduanda da Disciplina deEndocrinologia da FMUSP

Alexander Augusto de Lima JorgeMédico Pesquisador da Unidade de Endocrinologia doDesenvolvimento e do Laboratório de Hormônios eGenética Molecular, LIM-42 da Disciplina deEndocrinologia da FMUSP

Berenice Bilharinho de Mendonça*Professora Associada da Faculdade de Medicina da USP

*Endereço para correspondência:Hospital das Clínicas, FMUSPAv. Dr. Enéas Carvalho de Aguiar, 155 – Bloco 6 – 2o andar – PAMB05403-000 – São Paulo – SPFax: (11) 3083-0626 – E-mail: [email protected]

Autores: ram uma maior freqüência de hiperaldosteronismo idiopático,igualando ou superando a freqüência dos adenomas5,6.

O hiperaldosteronismo glicocorticóide-supressível é uma doen-ça autossômica dominante causada pela formação de uma quimeragênica constituída pela região promotora do gene da 11β-hidroxilase(CYP 11B1) e pela seqüência codificadora do gene da aldosterona-sintetase (CYP 11B2) 10. A fusão desses dois genes homólogos cau-sa expressão ectópica da aldosterona-sintetase na zona fasciculadado córtex adrenal que está sob a regulação do ACTH11.

Apresentação clínica e laboratorial

Os achados clínicos do hiperaldosteronismo primário são ines-pecíficos. Alguns pacientes podem ser completamente assintomá-ticos, manifestando, inclusive, níveis pressóricos normais6,12. Mui-tos pacientes apresentam hipertensão moderada ou severa freqüen-temente resistente ao tratamento. Sintomas como poliúria, noctú-ria, fraqueza muscular, câimbras, parestesias ou paralisia muscularflácida intermitente podem ser decorrentes da hipocalemia. Aste-nia, embora inespecífica, é uma queixa freqüente9. Tendo em vistaos sintomas pouco específicos, grande parte dos casos de hiperal-dosteronismo primário é diagnosticada vários anos após o iníciodos sintomas (média de seis anos em nossa experiência). Os pa-cientes com adenoma produtor de aldosterona costumam apresen-tar as formas mais graves de hiperaldosteronismo, com hipocale-mia e hipertensão arterial mais pronunciadas13,14.

TABELA 1CLASSIFICAÇÃO DO HIPERALDOSTERONISMO PRIMÁRIO

ESPORÁDICO CARACTERÍSTICAS

Adenoma produtor de aldosterona Geralmente < 2 cm, benigno, cor amarelada

Hiperaldosteronismo idiopático Hiperplasia adrenal bilateral macroou micronodular

Hiperplasia adrenal primária Hiperplasia adrenal unilateral

Carcinoma adrenal produtor Raro, geralmente associado a produçãode aldosterona hormonal mista

Tumor extra-adrenal produtor Raro, tecido adrenal ectópico perirrenal oude aldosterona em ovário

ESPORÁDICO CARACTERÍSTICAS

Tipo I: glicocorticóide-supressível Doença autossômica dominante decorrenteda fusão dos genes CYP 11B1 e CYP 11B2

Tipo II Ocorrência familiar de adenoma produtorde aldosterona ou de hiperaldosteronismoidiopático, ou de ambos

Introdução

O hiperaldosteronismo primário é caracterizado por ex-cesso de produção de aldosterona de forma renina-indepen-dente, resultando em retenção de sódio predominantementepelos túbulos renais, expansão do líquido extracelular e su-pressão da produção de renina pelo aparelho justaglomerularrenal. Esse processo causa elevação da pressão arterial, hipo-calemia e alcalose metabólica, com seus conseqüentes sinaise sintomas1. A importância do diagnóstico se deve ao fato deque o hiperaldosteronismo primário representa uma forma po-tencialmente curável de hipertensão arterial.

Desde a descrição inicial por Conn em 19552, a prevalên-cia de hiperaldosteronismo primário tem sido estimada em0,5% a 2% dos pacientes hipertensos3,4. Entretanto, estudosrecentes que utilizaram a relação aldosterona (A) / atividadede renina plasmática (ARP) como exame de triagem mostra-ram aumento da prevalência para valores de 5% a 12% empopulações de pacientes hipertensos5–8.

A excessiva produção de aldosterona pode ter várias causas(tabela 1), sendo as principais o adenoma produtor de aldostero-na e o hiperaldosteronismo idiopático. O adenoma produtor dealdosterona sempre foi considerado a causa mais freqüente dehiperaldosteronismo primário (75% dos casos)9; entretanto, asmesmas casuísticas que mostraram o aumento da prevalência dohiperaldosteronismo primário em pacientes hipertensos relata-

51Volume 6 / Número 2 / 2003

Os achados laboratoriais sugestivos, embora não-obrigató-rios para o diagnóstico, são hipocalemia espontânea ou induzidapor diuréticos (K+ sérico < 3,5 mEq/L), caliurese inapropriadana vigência de hipocalemia (K+ urinário > 30 mEq/24h) e alcalosemetabólica. Porém, 7% a 38% dos pacientes com hiperaldostero-nismo primário apresentam níveis normais de K+ sérico15. Acha-dos eletrocardiográficos sugestivos de hipocalemia (ondas U, alar-gamento do QT e achatamento da onda T) podem ser encontra-dos, assim como intolerância à glicose e Diabetes insipidusnefrogênico (poliúria com baixa osmolalidade)9.

Diagnóstico

Diante da suspeita clínica de hiperaldosteronismo primá-rio, devem ser solicitados exames de triagem, confirmaçãodiagnóstica e diferenciação etiológica.

Exames de triagem

Determinação da relação A/ARPÉ o método de rastreamento de maior sensibilidade para

identificar pacientes com hiperaldosteronismo primário. Pre-ferencialmente, a amostra de sangue deverá ser colhida pelamanhã, sem uso de medicações que interfiram no eixo renina-angiotensina-aldosterona. Se o paciente estiver usando medi-cação anti-hipertensiva, a mesma deverá, idealmente, ser sus-pensa por duas a quatro semanas antes da avaliação. Nos ca-sos de hipertensão arterial severa, medicamentos comoprazosina, guanetidina, hidralazina ou antagonistas de canaisde cálcio poderão ser mantidos, pois não interferem na rela-ção A/ARP de forma significativa. O encontro de uma relaçãoA/ARP elevada na vigência de anti-hipertensivos que dimi-nuem a aldosterona (ACC diidropiridínicos, IECA, antago-nistas do receptor ATII) ou elevam a ARP (diuréticos tiazídi-cos) é altamente sugestiva de hiperaldosteronismo primário.Estudos recentes sugerem que a relação A/ARP poderia serfeita com manutenção de medicamentos anti-hipertensivos,sem prejuízo da acurácia diagnóstica de hiperaldosteronismoprimário1,16. Entretanto os betabloqueadores e a espironolac-tona devem ser suspensos, pois podem alterar o resultado darelação A/ARP: os betabloqueadores causando resultados fal-so-positivos e a espironolactona, falso-negativos17.

Uma relação A/ARP > 25 (a aldosterona expressa em ng/dLe a ARP em ng/mL/h), com nível de aldosterona ≥ 12 ng/dL,sugere o diagnóstico de hiperaldosteronismo primário, porémnecessita de testes confirmatórios subseqüentes18. Nos casos tí-picos com hipocalemia, caliurese inadequadamente elevada, al-dosterona sérica elevada e relação A/ARP > 40, o diagnósticoestá estabelecido sem necessidade de testes adicionais15.

Atividade da renina plasmáticaEmbora esteja suprimida em praticamente 100% dos pa-

cientes com hiperaldosteronismo primário, também está su-primida em 20% a 30% dos pacientes com hipertensão arte-rial essencial19,20, e por isso não deve ser usada isoladamenteno rastreamento do hiperaldosteronismo primário. A dosagem

direta da renina por ensaio imunorradiométrico está atualmentedisponível. No entanto, a correlação entre os valores de reni-na e ARP não está preservada quando a ARP tende a níveissuprimidos, indicando que os resultados da relação A/ARPnão podem ser extrapolados para a relação A/renina21.

Potássio séricoO achado de hipocalemia espontânea (K+ sérico < 3,5

mEq/L) com concomitante excreção urinária de potássioinapropriadamente alta (> 30 mEq/24h) em um paciente hi-pertenso sugere a presença de hiperaldosteronismo primário.Porém, a ausência de hipocalemia não afasta o diagnóstico(até 38% dos pacientes com hiperaldosteronismo primáriopodem apresentar níveis normais de K+ sérico)15.

Exames para confirmação diagnóstica

A autonomia da secreção de aldosterona deve ser confir-mada através da ausência da sua supressão por manobras quebloqueiem o eixo renina-angiotensina-aldosterona. O hiperal-dosteronismo primário, independentemente do subtipo, cursacom ausência de supressão da aldosterona durante esses testes.

Sobrecarga salinaÉ considerado o melhor teste para diferenciar hiperal-

dosteronismo primário da hipertensão arterial essencial (HAS).Entretanto, 7% dos pacientes com hiperaldosteronismo apre-sentam supressão da aldosterona após a sobrecarga salina15.

Pode ser realizado através da infusão de 2 L de soluçãosalina a 0,9% (ou 25 mL/kg peso) em um período de quatrohoras com coleta de sangue para dosagem de aldosterona an-tes e no final da infusão. Valores de aldosterona maiores que8,5 ng/dL no final da infusão confirmam o diagnóstico de hi-peraldosteronismo primário9.

A sobrecarga de sódio também pode ser feita por via oralatravés do acréscimo de 2 a 3 g de NaCl em cada refeição durantetrês dias. No terceiro dia, uma dosagem de aldosterona urináriamaior que 14 µg/24h, em vigência de sódio urinário superior a200 mEq/24h, confirma o hiperaldosteronismo primário15.

Teste de supressão com 9ααααα-fludrocortisonaÉ realizado pela administração oral de 9α-fludrocortiso-

na (Florinefe) na dose de 100 µg a cada seis horas durante

TABELA 2MEDICAÇÕES ANTI-HIPERTENSIVAS

E SEUS EFEITOS NO EIXO RENINA-ALDOSTERONA

MEDICAÇÃO EFEITODiuréticos: ↑ da renina e aldosteronafurosemida ou tiazídicos (hiperaldosteronismo secundário)

Espironolactona ↑ da renina (falso-negativo)

Betabloqueadores ↓ da renina (falso-positivo)

Inibidores da ECA ↑ da renina e ↓ da aldosterona

Antagonistas ATII ↓ da aldosterona

ACC (diidropiridínicos) ↓ da aldosterona

52 HIPERTENSÃO

quatro dias, seguida de coleta de aldosterona urinária no 4o

dia ou de aldosterona sérica no 5o dia1,6. O teste é consideradoconfirmatório de hiperaldosteronismo primário quando a al-dosterona sérica mantém-se acima de 5 ng/dL ou a aldostero-na urinária acima de 14 µg/24h.

Os testes confirmatórios podem ocasionar aumento dosníveis pressóricos e piora da hipocalemia, sendo indicada acorreção prévia da hipocalemia com manutenção da reposi-ção de K+ durante o teste de sobrecarga salina. A correção dahipocalemia é geralmente feita por via oral, exceto nos casosde hipocalemia grave associada a arritmias cardíacas. Gran-des quantidades de potássio (75 a 300 mEq/dia) são geral-mente necessárias. Ressaltamos que as medicações disponí-veis em drágeas ou xaropes contêm pequena quantidade deK+, geralmente 6–10 mEq, obrigando a utilizar grande núme-ro de drágeas. Portanto, a hipocalemia é mais facilmente cor-rigida com o uso oral de ampolas de KCL, que contêm 25mEq/10 mL. Em casos de hipertensão grave, devem ser man-tidos os anti-hipertensivos que menos interferem no eixo reni-na-aldosterona, tais como prazosina e guanetidina, assim comoa clonidina e os antagonistas dos canais de cálcio.

Diferenciação dos subtipos dehiperaldosteronismo primário

Após a confirmação do diagnóstico de hiperaldosteronis-mo primário, é necessário fazer a distinção entre os diversos sub-tipos, já que cada etiologia requer um tratamento específico.

Teste posturalFoi um dos primeiros testes usados na diferenciação en-

tre adenoma produtor de aldosterona e hiperaldosteronismoidiopático. Baseia-se no fato de que, apesar de autônoma, asecreção de aldosterona no hiperaldosteronismo idiopático semantém responsiva a pequenas elevações plasmáticas de an-giotensina II, havendo incremento de três a quatro vezes dovalor basal de aldosterona no final do teste20. Amostras de san-gue para dosagem de aldosterona e cortisol devem ser colhi-das em posição supina (ao acordar ou após uma hora de re-pouso no laboratório) e após período de duas a quatro horasem posição ortostática deambulando. O adenoma produtor de

aldosterona não responde ao estímulo postural já que, de ma-neira geral, suas células não possuem receptores para ATII(incremento de aldosterona < 30%)20. Os adenomas podemaumentar a secreção de aldosterona em resposta à variaçãocircadiana do ACTH, sendo necessária a mensuração do corti-sol sérico para a correta interpretação do teste. Se houver au-mento do cortisol, subtrai-se seu incremento percentual da-quele da aldosterona e, se ainda assim houver elevação da al-dosterona > 30%, considera-se o teste positivo, o que sugere apresença de hiperaldosteronismo idiopático. Entretanto, apro-ximadamente 20% dos pacientes com adenoma produtor dealdosterona são responsivos à angiotensina II. Dessa forma, aaplicação do teste postural na avaliação de pacientes com hi-peraldosteronismo primário é discutível18.

Imagem adrenalA tomografia computadorizada (TC) de adrenais é o mé-

todo de imagem de primeira escolha na avaliação de pacientescom hiperaldosteronismo primário, tendo sensibilidade de 70%a 90% na detecção de adenomas15. Entretanto, apenas 60%dos adenomas < 1 cm de diâmetro são detectados pela TC, e autilização da ressonância magnética não melhora tal sensibili-dade15. Por outro lado, o achado de um nódulo adrenal unila-teral ou de nódulos bilaterais não garante o diagnóstico deadenoma produtor de aldosterona, já que nódulos adrenais mui-tas vezes não-funcionantes são descobertos casualmente (in-cidentalomas) em 10% da população. No hiperaldosteronis-mo idiopático, as adrenais se apresentam normais ou bilate-ralmente aumentadas de tamanho.

Cintilografia adrenal com iodo-colesterolA cintilografia com 6β-¹³¹I-iodometil-19-norcolesterol rara-

mente permite a visualização de adenomas menores que 1,5 cm,tornando esse método de pouco auxílio na investigação de hiperal-dosteronismo (já que grande parte dos adenomas é < 1 cm)22.

Teste de supressão com dexametasonaConsiste na administração de dexametasona 0,5 mg por

via oral de 6 em 6 horas durante quatro dias, com dosagem dealdosterona e cortisol às 8h da manhã do 5o dia. A supressãoda aldosterona para valores inferiores a 4 ng/dL é classica-mente interpretada como diagnóstico de hiperaldosteronismoprimário glicocorticóide-supressível11. Entretanto, estudos queenvolveram maior número de pacientes compararam os resul-tados desse teste com o estudo genético e mostraram supres-são da aldosterona para valores < 4 ng/dL em 8 de 27 pacien-tes6 e para valores < 2 ng/dL em 6 de 60 pacientes com hipe-raldosteronismo primário, sem presença da quimera gênica (de-corrente de adenoma produtor de aldosterona, um caso, e hi-peraldosteronismo idiopático, cinco casos)23.

Dosagem dos esteróides 18-hidroxicortisol e 18-oxocortisol

Esses esteróides são produto da ação da aldosterona-sintetase sobre o cortisol, e podem ser medidos no plasma ouna urina. Estão elevados nos casos de adenoma produtor dealdosterona e de hiperaldosteronismo primário glicocorticói-

FIGURA 1

53Volume 6 / Número 2 / 2003

za pulsátil da secreção do ACTH. Pode-se também fazer o ca-teterismo sob infusão contínua de cortrosina (250 µg em cincohoras). Para a correta interpretação, calcula-se a relação aldos-terona/ cortisol (A/F) para cada amostra (“aldosterona norma-lizada”) com o objetivo de corrigir possíveis diluições do san-gue venoso adrenal e evitar erros na avaliação da origem dasecreção de aldosterona26. O diagnóstico de secreção unilate-ral baseia-se no achado de uma relação A/F entre os lados do-minante e não-dominante ≥ 4 e, além disso, o lado não-domi-nante deve apresentar valor A/F menor ou igual ao da veia cavainferior, já que essa adrenal está suprimida24. Outros autores uti-lizam como critério de lateralização uma relação A/F entre oslados dominante e não-dominante ≥ 213, ≥ 327 e ≥ 528. O diagnós-tico de secreção bilateral (hiperaldosteronismo idiopático) é fei-to diante de valores A/F superiores aos da veia cava inferior emambos os lados. Para confirmar a seletividade da cateterizaçãodas veias adrenais é utilizada a relação dos níveis de cortisol naveia adrenal/cortisol na veia cava inferior (Fadrenal/Fcava). Valoresde Fadrenal/Fcava entre 2 e 5 têm sido utilizados para confirmar aseletividade do cateterismo29,30. Estudo recente demonstrou quemesmo utilizando uma relação Fadrenal/Fcava ≥ 1,1 foi possível ob-ter uma acurácia de 80% no diagnóstico de adenoma13.

A constatação de secreção unilateral de aldosterona apontapara os diagnósticos de adenoma ou hiperplasia unilateral pro-dutores de aldosterona (ambos os diagnósticos com indicaçãocirúrgica), enquanto a presença de secreção bilateral faz o diag-nóstico de hiperaldosteronismo idiopático.

Tratamento

O tratamento apropriado do hiperaldosteronismo primáriodepende da correta identificação dos subtipos e tem como objeti-vo evitar a morbidade e mortalidade associadas à hipertensão ar-terial e à hipocalemia.

Pacientes portadores de adenomas produtores de aldoste-rona ou hiperplasia adrenal unilateral são melhor tratados comadrenalectomia unilateral (ou ressecção isolada do nódulo), oque pode ser feito por via laparoscópica31,32. Após a cirurgia,observa-se cura ou melhora da hipertensão arterial na maioriados pacientes. No período pós-operatório, há um risco aumen-tado de hipoaldosteronismo com elevação dos níveis de potás-sio, o que pode durar algumas semanas e impõe aumento dotempo de internação hospitalar. O uso de espironolactona nopré-operatório evita o hipoaldosteronismo pós-cirúrgico porpermitir a normalização dos níveis de renina e a conseqüenteliberação da secreção de aldosterona pela adrenal normal quese encontra suprimida. Com esse objetivo, recomenda-se o pre-paro pré-operatório de todos os pacientes com 50 a 400 mg/diade espironolactona por tempo variável até que haja normaliza-ção da renina plasmática, o que geralmente ocorre de 20 a 30dias após o início da medicação na dose adequada.

O hiperaldosteronismo idiopático deve ser tratado clini-camente, já que o efeito da adrenalectomia uni ou bilateralsobre a pressão arterial é desapontador. A espironolactona, an-tagonista do receptor de aldosterona, tem sido amplamenteutilizada no tratamento do hiperaldosteronismo primário emdoses que variam de 50 a 400 mg/dia, com controle efetivo da

FIGURA 2

de-supressível, sendo apontados por alguns autores como omelhor parâmetro bioquímico para diagnóstico do hiperaldos-teronismo primário glicocorticóide-supressível6,24.

Pesquisa da presença de quimera entre o genes da11βββββ-hidroxilase e da aldosterona-sintetase

É o exame de escolha para o diagnóstico do hiperaldoste-ronismo primário glicocorticóide-supressível, com 100% desensibilidade e especificidade25. Esse exame, porém, ainda nãoestá disponível em nosso meio.

Cateterismo de veias adrenais com coleta simultâneade sangue para dosagem de aldosterona e cortisol

Tem como objetivo identificar a origem da secreção dealdosterona, sendo considerado o exame de maior acurácia nadiferenciação dos diferentes subtipos de hiperaldosteronismoprimário. Está indicado sempre que os exames de imagemadrenal forem inconclusivos ou discordantes da suspeita clí-nica e dos testes bioquímicos.

Trata-se de um método invasivo e sujeito a dificuldades téc-nicas, principalmente em relação ao cateterismo da veia adrenaldireita, exigindo um radiologista experiente para sua execução. Aveia adrenal direita drena diretamente na veia cava inferior, emregião próxima à drenagem da veia renal, cujo fluxo pode difi-cultar a coleta de sangue seletivo da adrenal. A introdução doscateteres é feita através das veias femorais e são colhidas amos-tras de sangue das veias adrenais direita e esquerda e da veia cavainferior (VCI) simultaneamente para dosagem de aldosterona ecortisol. A necessidade de coleta simultânea deve-se à nature-

54 HIPERTENSÃO

hipocalemia e da pressão arterial, principalmente em associa-ção com outras medicações anti-hipertensivas. Entretanto, al-guns pacientes apresentam efeitos colaterais que limitam oseu uso, tais como ginecomastia, fadiga, impotência sexual esintomas dispépticos. A amilorida e o triantereno, que bloque-iam o canal de sódio no néfron distal, são alternativas adequa-das para o controle da hipocalemia em substituição à espiro-nolactona, mas geralmente é necessária a associação com ou-tros anti-hipertensivos para o controle da pressão arterial.

Um novo e mais seletivo antagonista do receptor de minera-locorticóide, eplerenone, está em desenvolvimento33. Essa drogaé um análogo da espironolactona que possui menor afinidade pelosreceptores de progesterona e de andrógenos, causando menosefeitos colaterais. Weinberger et al. mostraram diminuição dos

Referências bibliográficas1. KATER C. Rastreamento, comprovação e diferenciação laboratorial do hiperaldos-

teronismo primário. Arq Bras Endocrinol Metab, v. 46, p. 106–115, 2002.2. CONN JW. Primary aldosteronism, a new clinical syndrome. J Labor Clin Med, v.

45, p. 3–17, 1955.3. BERGLUND G, ANDERSSON O, WILHELMSEN L. Prevalence of primary and

secondary hypertension: studies in a random population sample. Br Med J, v. 2,p. 554–556, 1976.

4. STREETEN DH, TOMYCZ N, ANDERSON GH. Reliability of screening methodsfor the diagnosis of primary aldosteronism. Am J Med, v. 67, p. 403–413, 1979.

5. LOH KC, KOAY ES, KHAW MC, EMMANUEL SC, YOUNG WF JR. Prevalenceof primary aldosteronism among asian hypertensive patients in Singapore. J ClinEndocrinol Metab, v. 85, p. 2854–2859, 2000.

6. FARDELLA CE, MOSSO L, GOMEZ–SANCHEZ C, CORTES P, SOTO J, GOMEZL, PINTO M, HUETE A, OESTREICHER E, FORADORI A, MONTERO J.Primary hyperaldosteronism in essential hypertensives: prevalence, biochemicalprofile, and molecular biology. J Clin Endocrinol Metab, v. 85, p. 1863–1867,2000.

7. GORDON RD, ZIESAK MD, TUNNY TJ, STOWASSER M, KLEMM SA. Evidencethat primary aldosteronism may not be uncommon: 12% incidence amongantihypertensive drug trial volunteers. Clin Exp Pharmacol Physiol, v. 20, p. 296–298, 1993.

8. ABDELHAMID S, MULLER-LOBECK H, PAHL S, REMBERGER K, BONHOFJA, WALB D, ROCKEL A. Prevalence of adrenal and extra-adrenal Connsyndrome in hypertensive patients. Arch Intern Med, v. 156, p. 1190–1195, 1996.

9. GANGULY A. Primary aldosteronism. N Engl J Med, v. 339, p. 1828–1834, 1998.10. PASCOE L, CURNOW KM, SLUTSKER L, CONNELL JM, SPEISER PW, NEW

MI, WHITE PC. Glucocorticoid-suppressible hyperaldosteronism results fromhybrid genes created by unequal crossovers between CYP11B1 and CYP11B2.Proc Natl Acad Sci USA, v. 89, p. 8327–8331, 1992.

11. LITCHFIELD WR, NEW MI, COOLIDGE C, LIFTON RP, DLUHY RG. Evaluationof the dexamethasone suppression test for the diagnosis of glucocorticoid-remediable aldosteronism. J Clin Endocrinol Metab, v. 82, p. 3570–3573, 1997.

12. VANTYGHEM MC, RONCI N, PROVOST F, GHULAM A, LEFEBVRE J,JEUNEMAITRE X, TABARIN A. Aldosterone-producing adenoma withouthypertension: a report of two cases. Eur J Endocrinol, v. 141, p. 279–285, 1999.

13. ROSSI GP, SACCHETTO A, CHIESURA-CORONA M, DE TONI R, GALLINAM, FELTRIN GP, PESSINA AC. Identification of the etiology of primaryaldosteronism with adrenal vein sampling in patients with equivocal computedtomography and magnetic resonance findings: results in 104 consecutive cases. JClin Endocrinol Metab, v. 86, p. 1083–1090, 2001.

14. HIROHARA D, NOMURA K, OKAMOTO T, UJIHARA M, TAKANO K. Perfor-mance of the basal aldosterone to renin ratio and of the renin stimulation test byfurosemide and upright posture in screening for aldosterone-producing adenomain low renin hypertensives. J Clin Endocrinol Metab, v. 86, p. 4292–4298, 2001.

15. BRAVO EL. Primary aldosteronism. Issues in diagnosis and management. EndocrinolMetab Clin North Am, v. 23, p. 271–283, 1994.

16. GALLAY BJ, AHMAD S, XU L, TOIVOLA B, DAVIDSON RC. Screening forprimary aldosteronism without discontinuing hypertensive medications: plasmaaldosterone-renin ratio. Am J Kidney Dis, v. 37, p. 699–705, 2001.

17. SEIFARTH C, TRENKEL S, SCHOBEL H, HAHN EG, HENSEN J. Influence ofantihypertensive medication on aldosterone and renin concentration in thedifferential diagnosis of essential hypertension and primary aldosteronism. ClinEndocrinol (Oxf), v. 57, p. 457–465, 2002.

18. YOUNG WF JR. Pheochromocytoma and primary aldosteronism: diagnosticapproaches. Endocrinol Metab Clin North Am, v. 26, p. 801–827, 1997.

19. JOSE A, KAPLAN NM. Plasma renin activity in the diagnosis of primaryaldosteronism: failure to distinguish primary aldosteronism from essential hyper-tension. Arch Intern Med, v. 123, p. 141–146, 1969.

20. BRAVO EL, TARAZI RC, DUSTAN HP, FOUAD FM, TEXTOR SC, GIFFORDRW, VIDT DG. The changing clinical spectrum of primary aldosteronism. Am JMed, v. 74, p. 641–651, 1983.

21. PLOUIN PF, CUDEK P, ARNAL JF, GUYENE TT, CORVOL P. Immunoradiometricassay of active renin versus determination of plasma renin activity in the clinicalinvestigation of hypertension, congestive heart failure, and liver cirrhosis. HormRes, v. 34, p. 138–141, 1990

22. NOMURA K, KUSAKABE K, MAKI M, ITO Y, AIBA M, DEMURA H.Iodomethylnorcholesterol uptake in an aldosteronoma shown by dexamethasone-suppression scintigraphy: relationship to adenoma size and functional activity. JClin Endocrinol Metab, v. 71, p. 825–830, 1990.

23. MULATERO P, VEGLIO F, PILON C, RABBIA F, ZOCCHI C, LIMONE P,BOSCARO M, SONINO N, FALLO F. Diagnosis of glucocorticoid-remediablealdosteronism in primary aldosteronism: aldosterone response to dexamethasoneand long polymerase chain reaction for chimeric gene. J Clin Endocrinol Metab,v. 83, p. 2573–2575, 1998.

24. GOMEZ-SANCHEZ CE, GILL JR, GANGULY A, GORDON RD. Glucocorticoid-suppressible aldosteronism: a disorder of the adrenal transitional zone. J ClinEndocrinol Metab, v. 67, p. 444–448, 1988.

25. LIFTON RP, DLUHY RG, POWERS M, RICH GM, COOK S, ULICK S,LALOUEL JM. A chimaeric 11 beta-hydroxylase/aldosterone synthase gene cau-ses glucocorticoid-remediable aldosteronism and human hypertension. Nature,v. 355, p. 262–265, 1992.

26. MAGILL SB, RAFF H, SHAKER JL, BRICKNER RC, KNECHTGES TE, KEHOEME, FINDLING JW. Comparison of adrenal vein sampling and computedtomography in the differentiation of primary aldosteronism. J Clin EndocrinolMetab, v. 86, p. 1066–1071, 2001.

27. TOKUNAGA K, NAKAMURA H, MARUKAWA T. Adrenal vein sampling analysisof primary aldosteronism: value of ACTH stimulation in the differentiation ofadenoma and hyperplasia. Eur J Radiol, v. 2, p. 223–229, 1992.

28. DOPPMAN JL, GILL JR, MILLER DL, CHANG R, GUPTA R, FRIEDMAN TC,CHOYKE PL, FEUERSTEIN IM, DWYER AJ, JICHA DL et al. Distinctionbetween hyperaldosteronism due to bilateral hyperplasia and unilateralaldosteronoma: reliability of CT. Radiology, v. 184, p. 677–682, 1992.

29. YOUNG WF JR, STANSON AW, GRANT CS, THOMPSON GB, VAN HEERDENJA. Primary aldosteronism: adrenal venous sampling. Surgery, v. 120, p. 913–9;discussion 919–920, 1996.

30. BLUMENFELD JD, SEALEY JE, SCHLUSSEL Y, VAUGHAN ED JR, SOS TA,ATLAS SA, MULLER FB, ACEVEDO R, ULICK S, LARAGH JH. Diagnosisand treatment of primary hyperaldosteronism. Ann Intern Med, v. 121, p. 877–885, 1994.

31. MERIA P, KEMPF BF, HERMIEU JF, PLOUIN PF, DUCLOS JM. Laparoscopicmanagement of primary hyperaldos-teronism: clinical experience with 212 ca-ses. J Urol, v. 169, p. 32–35, 2003.

32. DUNCAN JL, FUHRMAN GM, BOLTON JS, BOWEN JD, RICHARDSON WS.Laparoscopic adrenalectomy is superior to an open approach to treat primaryhyperaldosteronism. Am Surg, v. 66, p. 932–935; discussion 935–6, 2000.

33. AUCHUS RJ. Aldo is back: recent advances and unresolved controversies inhyperaldosteronism. Curr Opin Nephrol Hypertens, v. 12, p. 153–158, 2003.

34. WEINBERGER MH, RONIKER B, KRAUSE SL, WEISS RJ. Eplerenone, aselective aldosterone blocker, in mild-to-moderate hypertension. Am J Hypertens,v. 15, p. 709–716, 2002.

níveis pressóricos com o uso da eplerenone em monoterapia (400mg/dia) por um período de oito semanas34.

O hiperaldosteronismo glicocorticóide-supressível podeser tratado com dexametasona na menor dose (0,25 a 0,75 mg)suficiente para suprimir o eixo hipotálamo-hipófise-adrenal;supressão que pode ser confirmada pelos níveis séricos de cor-tisol < 2 µg/dL. Nas crianças, deve-se dar preferência aos gli-cocorticóides de curta duração, como o acetato de cortisona(18 mg/m2 de superfície corpórea), com o objetivo de se evita-rem os efeitos adversos do excesso de glicocorticóide. Trata-mento com espironolactona e outros medicamentos anti-hi-pertensivos pode ser utilizado nessa forma de hiperaldostero-nismo, caso haja efeitos colaterais indesejáveis dos glicocor-ticóides15.

55Volume 6 / Número 2 / 2003

C Discussão de caso:hiperaldosteronismoprimárioCASO

LÍNICO

*Endereço para correspondência:Unidade de Hipertensão – InCorAv. Dr. Enéas Carvalho de Aguiar, 4405403-000 – São Paulo – SPTel.: (11) 3069-5084E-mail: [email protected]

Comentários:

Jusciano Marcio Bruno VidalMédico Residente em Cardiologia

Luiz A. Bortolotto*Médico Assistente-Doutor da Unidadede Hipertensão do Instituto doCoração do Hospital das Clínicas daFMUSP

Dante M. A. GiorgiMédico Assistente-Doutor da Unidadede Hipertensão do Instituto doCoração do Hospital das Clínicas daFMUSP

Apresentação

LSC, sexo masculino, 22 anos, par-do, natural de Vitória da Conquista, BA,foi encaminhado ao Ambulatório de Hi-pertensão Arterial do Instituto do Cora-ção do Hospital das Clínicas da Facul-dade de Medicina da Universidade deSão Paulo (InCor/HC-FMUSP) para ava-liação de hipertensão arterial (HA) dedifícil controle, diagnosticada havia trêsanos. Paciente refere que desde os 15anos de idade apresentava cefaléiaepisódica, associada a câimbras freqüen-tes nos membros inferiores, além de fra-queza e dores musculares. Há três anosapresentou quadro de perda da consci-ência, que durou alguns segundos, en-quanto praticava atividade física. Nessaocasião foi diagnosticada HA e cardio-megalia, sendo então encaminhado paraSão Paulo. Na ocasião da admissão hos-pitalar, estava usando atenolol 50 mg/dia,metildopa 500 mg 3x/dia, enalapril 20mg 2x/dia, amlodipina 10 mg/dia e hi-droclorotiazida 25 mg/dia. Apresentava,como antecedentes familiares, avós hi-pertensos e, como antecedente pessoal,história de hematúria na infância.

Ao exame admissional:

Exame físico geral:

• peso: 70 kg,

• altura: 1,77 m,

• IMC: 22,3 kg/m2,

• bom estado geral, eutrófico, co-rado, hidratado;

Exame físico específico:

• neurológico: sem alterações aoexame físico,

• fundo de olho: grau I de Keith-Wagener,

• pescoço: sem estase jugular, so-pros carotídeos ou bócio,

• aparelho respiratório: murmúriovesicular presente em ambos oscampos pulmonares, sem ruídosadventícios;

• aparelho cardiovascular:

- ictus palpável no 5o espaçointercostal esquerdo, a 2 cmda linha axilar média,

- ritmo cardíaco regular em2T, bulhas rítmicas e normo-fonéticas, sem sopros ou es-talidos,

- PA = 140/100 (MSD) e142/102 (MSE) em decúbi-to dorsal; 132/98 (MSD eMSE) na posição ortostáti-ca,

- FC = 80 bpm,

- pulsos presentes e simétricosem pescoço e membros su-periores e inferiores;

• abdome: plano, flácido, indolor,sem sopros, massas ou megaliaspalpáveis;

56 HIPERTENSÃO

• membros: sem edemas ou sinaisde trombose venosa profunda.

Exames complementares:

• ECG: sinais de sobrecarga ven-tricular esquerda importante;

• radiografia de tórax: aumento daárea cardíaca (VE);

• laboratório:

- uréia = 52 mg/dL,

- creatinina = 1,2 mg/dL,

- glicose = 86 mg/dL,

- sódio = 139 mEq/L,

- potássio = 3,2 mEq/L,

- TSH = 2,6,

- ácido úrico = 6,0 mg/dL,

- “clearance creat.” =106ml/min,

- urina I = normal;

• ecocardiograma:

- septo = 17 mm,

- parede posterior = 14 mm,

- DDVE = 56 mm,

- FE = 73%,

- AE = 42 mm,

- massa de VE = 260 g/m2.

O paciente foi internado para inves-tigar causa secundária de hipertensão ar-terial por apresentar hipertensão de difí-cil controle, já com comprometimento deórgão-alvo (HVE importante). Na inves-tigação realizou:

• cintilografia renal normal e an-giorressonância de artérias re-nais normal, excluindo hiperten-são renovascular,

• ácido vanilmandélico e metane-frinas normais, excluindo feo-cromocitoma,

• atividade de renina plasmática:< 0,1 ng/mL/h,

• aldosterona plasmática:50,2 ng/dL,

Com o diagnóstico funcional de hi-peraldosteronismo primário, foram rea-lizados procedimentos para avaliar a etio-logia:

• tomografia computadorizadacom cortes finos de supra-renais– não se evidenciaram imagensnodulares ou aumento de tama-nho das glândulas;

• teste de espironolactona – trata-mento com espironolactona 100mg/dia, sem modificação dosníveis de potássio sérico ou dapressão arterial.

Teste postural

• repouso:

- atividade de renina plasmá-tica: 0,2 ng/mL/h;

- aldosterona plasmática:39,5 ng/dL,

• após 2 horas, posição ortostáti-ca:

- atividade de renina plasmá-tica: 0,03 ng/mL/h;

- aldosterona plasmática:51,6 ng/dL.

Teste com dexametasona(tratamento com dexametasona,2 mg/dia, durante quatro dias):

• dia zero de dexa:

- atividade de renina plasmá-tica: 0,22 ng/mL/h,

- aldosterona plasmática:33,6 ng/dL;

• dia 04 de dexa:

- atividade de renina plasmá-tica: 5,3 ng/mL/h,

- aldosterona plasmática:< 2,5 ng/dL.

Após a introdução da dexametaso-na, o paciente referiu melhora dos sinto-mas, bem como houve uma melhora dosníveis de pressão arterial.

Discussão

Trata-se de um paciente com diag-nóstico de hipertensão arterial de difícilcontrole (em uso de mais de três classesde agentes anti-hipertensivos) antes dos20 anos de idade, com repercussão deórgão-alvo (HVE importante). Nessecaso faz-se necessária a investigação dehipertensão arterial secundária, formaque abrange cerca de 10% dos hiperten-sos.

Dentre as várias formas de hiperten-são secundária, as mais freqüentes são adoença renovascular e a nefropatia pri-mária, excluídas no caso do paciente de-vido à ausência de estenose de artériasrenais à angiorressonância e aos níveisde uréia e creatinina normais e de sedi-mento urinário também normal. Excluiu-se também feocromocitoma por causa dasdosagens de metanefrinas e ácidovanilmandélico normais. Na continuida-de da investigação foram solicitadas al-dosterona plasmática e atividade da reni-na plasmática (ARP) para rastreamentodiagnóstico de hiperaldosteronismo pri-mário (HAP), patologia que apresentaprevalência de 1% a 3,5% entre hiperten-sos, e segundo alguns autores pode atin-gir 10%. O diagnóstico de HAP é firma-do quando o paciente apresenta níveis deARP suprimidos (em geral < 0,1 ng/ml/h), aldosterona elevada (> 12 ng/dL) e umarelação ALDO/ARP maior que 25. No pre-sente caso, em todas as dosagens de repou-so o paciente apresentava ARP abaixo de1 ng/ml/h e aldosterona plasmática acimade 30 ng/dL, com uma conseqüente rela-ção ALDO/ARP acima de 200.

As causas mais comuns de HAP sãoo adenoma adrenal, usualmente menorque 2 cm de diâmetro, e a hiperplasia uniou bilateral. Existem alguns testes fun-cionais para tentar diferenciar o adeno-ma da hiperplasia, sendo o mais utiliza-

57Volume 6 / Número 2 / 2003

do o teste postural. Nesse teste, o estí-mulo de deambulação e permanência emposição supina durante duas horas elevaa aldosterona plasmática na hiperplasia,mas não modif ica os níveis nosadenomas. O paciente em questão nãoapresentou modificação dos níveis dealdosterona com o teste postural, suge-rindo a presença de adenoma. O adeno-ma em geral é diagnosticado por méto-dos diagnósticos de imagem, principal-mente a tomografia computadorizada decortes finos. Neste caso, a tomografianão evidenciou imagens nodulares suges-tivas nem aumento de adrenais.

Outras causas de HAP que apresen-tam características funcionais de adeno-ma adrenal, como hiperaldosteronismoidiopático (geralmente associado comhiperplasia adrenal micronodular), emenos comumente o carcinoma de adre-nal, também foram excluídas em relaçãoao paciente, pois além de não terem sidovisualizadas alterações nos exames deimagem, o paciente não respondeu aoteste terapêutico feito com espironolac-tona, um inibidor do receptor tipo I demineralocorticóide/glicocorticóide, efe-tivo no tratamento de hiperplasia adre-nal congênita e HAP idiopático.

Após descartar as etiologias acimadescritas, partiu-se para o diagnóstico deuma forma mais rara de HAP, mas quetem ganhado destaque nos últimos anosapós sua identificação genética: aldos-teronismo primário remediável por gli-cocorticóide. Essa entidade é uma sín-drome genética autossômica dominante,caracterizada pela expressão de um genequimérico, resultante da combinação dogene CYP 11B – que codifica a enzima11-β-hidroxilase, que participa da hidro-xilação do 11-deoxicortisol para formarcortisol na zona fasciculada – e o geneCYP 11P, que codifica a enzima aldos-terona-sintetase, presente exclusivamen-te na zona glomerulosa, e que converteo composto B em 18-OHB e em aldoste-rona. Esse gene quimérico resulta na ex-pressão ectópica da enzima aldosterona-sintetase na zona fasciculada, passandoa ser regulada apenas por ACTH, e nãomais pela angiotensina como quandoexpressa na zona glomerulosa. Assim, aformação excessiva de aldosterona nazona fasciculada controlada pelo ACTHacompanha o ritmo nictimeral do corti-sol e leva a conseqüente supressão daARP, hipocalemia e hipertensão. O pa-ciente, após receber dexametasona na

dose de 2 mg por dia, por quatro dias,obteve redução dos níveis de aldostero-na séricos e normalização da atividadeda renina plasmática, bem como eleva-ção do nível sérico do potássio e melhorcontrole dos níveis tensionais com omesmo número de drogas (quatro) queanteriormente ao teste. Além do teste dadexametasona, o diagnóstico pode serconfirmado pela dosagem urinária deesteróides hidroxilados na posição 18(18-OH e 18-oxocortisol) que são sinte-tizados em excesso com a aldosterona.A relação 18-OH/cortisol, que normal-mente é inferior a 5, é constantementeelevada, sendo freqüentemente multipli-cada por 5. Por fim, a detecção direta daanomalia genética a partir do DNA dopaciente confirma definitivamente odiagnóstico. Nesse paciente, o materialpara essas análises foi coletado, mas atéo momento da publicação os resultadosnão estavam disponíveis, pois são exa-mes não-realizados rotineiramente emnosso meio.

Recomenda-se, para o tratamento,iniciar com 0,5 mg/dia até atingir dosemínima suficiente para o bloqueio doACTH, sem prejuízo dos níveis de corti-sol.

58 HIPERTENSÃO

Flávio Danni Fuchs*Miguel GusRicardo ZaslavskyMatheus Silvestre Cruz

Unidade de Hipertensão do Serviço deCardiologia do Hospital de Clínicasde Porto Alegre

bro1 (figura 1). Como se pode ver na figura 1, o risco duplica-se a intervalos constantes de pressão arterial. O risco expressopor uma reta na figura 1A deve-se ao tratamento logarítmicoda ordenada vertical. Na figura 1B a escala de risco é a real.Por partir de patamares de risco mais elevados, a inflexão dacurva torna-se mais evidente ao redor de 90 mmHg de pressãodiastólica. Pequenos estudos de coorte, como o de Framingham,tinham identificado esse valor como aquele em que os riscosaumentavam substancialmente. A tradição médica decategorizar doenças em presentes ou ausentes terminou poreleger valores entre 90 e 100 mmHg de pressão diastólica comocritério diagnóstico de hipertensão arterial sistêmica. O resul-tado de outras análises de estudos de coorte, ao lado do clarobenefício propiciado pelo tratamento de pacientes somente compressão arterial sistólica elevada, demonstraram a importânciaequivalente desse parâmetro para o risco de desenvolvimentode doença cardiovascular. O valor diagnóstico, originado tam-bém do ponto de inflexão decorrente do aumento mais acentu-ado do risco, situou-se entre 140 e 160 mmHg.

Nos últimos anos publicaram-se os resultados de dife-rentes explorações matemáticas das relações entre pressão ar-terial e risco cardiovascular na coorte de Framingham. Emuma delas2, identificou-se que o risco conferido pela pressãoarterial diastólica era maior em indivíduos jovens, mas quecom o passar dos anos o risco tornava-se mais acentuado paraa pressão sistólica e, por fim, para a pressão de pulso (sistóli-

EPIDEMIOLOGIAPressão arterial erisco cardiovascularA evidência definitiva

Autores:

*Endereço para correspondência:Serviço de Cardiologia – Hospital de Clínicas de Porto AlegreRua Ramiro Barcelos, 2.35090035-003 – Porto Alegre – RSTelefax: (51) 3316-8420E-mail: [email protected]

O diagnóstico de hipertensão arterial foi predominante-mente forjado em estudos de coorte, a partir da observação deque indivíduos com valores elevados de pressão arterial esta-vam sob risco aumentado de apresentar eventos decorrentesde doença isquêmica do coração, do cérebro e da circulaçãoperiférica. Retrospectivamente, depois de se ob-servar que muitos pacientes com doença renal ter-minal também tinham pressão arterial elevada,atribuiu-se também aquela afecção a valores ele-vados de pressão arterial.

A viva questão de muitos anos foi se haveriaum ponto de corte em que o risco aumentaria maissubstancialmente. Na década de 80, constituiu-seum grupo de pesquisadores associados(“Prospective Studies Collaboration”), que se de-dicou a análise conjunta dos estudos de coorte queenfocavam o risco cardiovascular decorrente daelevação da pressão arterial e outros fatores de ris-co. Em sua primeira publicação, avaliando inúme-ros estudos de coorte e corrigindo a pressão arte-rial para o viés de regressão dilucional, demons-traram haver uma clara associação contínua eexponencial entre pressão arterial diastólica e ris-co para doença isquêmica do coração e do cére-

FIGURA 1RISCO RELATIVO PARA ACIDENTE VASCULAR ENCEFÁLICO

MacMahon et al. Lancet, 1990; 335: 765

59Volume 6 / Número 2 / 2003

FIGURA 4PA USUAL E RISCO PARA ACIDENTE VASCULAR ENCEFÁLICO

Prospective Studies. Lancet, 2002; 360: 1903

ca menos a diastólica). Em outra reanálise dos dados deFramingham, Port e associados3 sugeriram que o risco de pres-são arterial poderia ser melhor representado por modelos emque a associação varia na dependência dos valores da variávelcausal (“spline model”). Em outras palavras, por esse modeloa associação entre pressão arterial poderia ser nula até um valore se tornar positiva a partir dele (figura 2). Como se pode verna figura 2, o ponto de inflexão dependeria da faixa etária dosindivíduos. Ainda em outra análise dos dados de Framingham,demonstrou-se que o risco já seria detectado em valores depressão arterial aceitos como normais4.

O grupo de estudos prospectivos anteriormente referido(“Prospective Studies Collaboration”) confirmara, em 1995,a associação apresentada na metanálise de 19905. Nessa novarevisão demonstraram que o risco relativo era maior em indi-víduos mais jovens, mas que o risco absoluto era maior nosindivíduos mais idosos, visto que estes já partem de um pata-mar de risco basal mais elevado (figura 3).

No fim de 2002, esse mesmo grupopublicou a que pode ser considerada a maiorrevisão conjunta de estudos de coorte emtodas as áreas da Medicina6, e que pode serentendida como evidência definitiva sobrea associação entre pressão arterial e riscocardiovascular. Foram avaliados 61 grandesestudos de coorte, com um milhão de indi-víduos sob risco (12,7 millhões de pessoas/ano), que apresentaram uma incidência de56 mil mortes por evento cardiovascular. Poressa análise se confirma que a associaçãoentre pressão arterial e risco cardiovascularé contínua e exponencial, e que começa emvalores muito baixos de pressão arterial sis-tólica (115 mmHg) ou diastólica (75 mmHg)(figuras 4 e 5). Na figura 4, o eixo verticaltem transformação logarítmica, motivo peloqual a associação expressa-se por retas. Nafigura 5, o eixo vertical é o real. Nas figu-ras se observa que o risco absoluto varia porfaixa etária. Assim, indivíduos mais idosos,mesmo que sob risco relativo menos inten-so (inclinação das retas), têm repercussãoabsoluta decorrente de elevação de muitomaior magnitude da pressão arterial, poispartem de risco basal acentuadamentemaior. Indivíduos sob risco aumentado deapresentar um evento cardiovascular, comodiabéticos e pacientes que já apresentaramalgum evento prévio, têm risco equivalenteao dos indivíduos de faixas etárias maisavançadas.

Os achados descritos explicam os acha-dos de muitos ensaios clínicos de tratamen-to anti-hipertensivo. Nas faixas de hiperten-são severa, o clássico estudo dos veteranosdemonstrou um NNT de somente seis pa-cientes para prevenir um evento maior7. Nos

FIGURA 2ASSOCIAÇÃO ENTRE PRESSÃO ARTERIAL E RISCO DE

MORTE POR FAIXA ETÁRIA: MODELO NÃO-LINEAR

Port S et al. Lancet, 2000; 355: 175

FIGURA 3PA DIASTÓLICA USUAL E RISCOS ABSOLUTO E RELATIVO

Prospective Studies. Lancet, 1995; 346: 647

60 HIPERTENSÃO

também se explicam por esse modelo, pois ospacientes investigados, idosos e com alto ris-co basal decorrente de doença prévia ou dia-bete, tiveram benefício correspondente ao daredução da pressão arterial. No estudoPROGRESS só se observou efeito benéficocom a associação de dois anti-hipertensivos(perindopril e indapamida). No estudo HOPEimaginou-se que o efeito benéfico do rami-pril fosse independente do efeito sobre a pres-são arterial, mas posteriormente identificou-se que a redução da pressão arterial provavel-mente tinha sido maior do que a verificadaem consultório11.

Os dados comentados sugerem que sepode estar diante de um novo paradigma emtermos de prevenção de doença cardiovascu-lar12. Por ele, indivíduos jovens normotensosdevem lançar mão de todas as medidas não-medicamentosas preventivas de elevação dapressão arterial, especialmente em presença

de história familiar positiva de hipertensão arterial. Nos indi-víduos de alto risco, como os pacientes com diabetes e recu-perados de um evento cardiovascular, o tratamento estaria in-dicado independentemente dos valores pressóricos basais. Osindivíduos hipertensos sem diabetes ou evento cardiovascularprévio constituem outro grupo de risco beneficiário de trata-mento: os hipertensos tradicionais.

FIGURA 5PA USUAL E RISCO PARA ACIDENTE VASCULAR ENCEFÁLICO

Prospective Studies. Lancet, 2002; 360: 1903

1. MACMAHON S, PETO R, CUTLER J et al. Blood pressure,stroke, and coronary heart disease. I: prolonged differences inblood pressure: prospective observational studies corrected forthe regression dilution bias. Lancet, v. 335, p. 765–774, 1990.

2. FRANKLIN SS, LARSON MG, KHAN SA, WONG ND, LEIPEP, KANNEL WB, LEVY D. Does the relation of blood pres-sure to coronary heart disease risk change with aging? TheFramingham Heart Study. Circulation, v. 103, p. 1245–1249,2001.

3. PORT S, DEMER L, JENNIRICH R et al. Systolic blood pres-sure and mortality. Lancet, v. 355, p. 175–180, 2000.

4. VASAN RS, LARSON MG, LEIP EP et al. Impact of high-normal blood pressure on the risk of cardiovascular disease.N Engl J Med, v. 345, p. 1291–1297, 2001.

5. PROSPECTIVE STUDIES COLLABORATION. Cholesterol,diastolic blood pressure, and stroke: 13.000 strokes in 450.000people in 45 prospective cohorts. Lancet, v. 346, p. 647–653, 1995.

6. PROSPECTIVE STUDIES COLLABORATION. Age-specificrelevance of usual blood pressure to vascular mortality: ameta-analysis of individual data for one million adults in 61prospective studies. Lancet, v. 360, p. 1903–1913, 2002.

Referências bibliográficas

7. FUCHS FD, KLAG MJ, WHELTON PK. The classics: a tribu-te to the fiftieth anniversary of the randomized clinical trial.J Clin Epidem, v. 53, p. 335–342, 2000.

8. MEDICAL RESEARCH COUNCIL WORKING PARTY.MRC trial of treatment of mild hypertension: principal results.BMJ, v. 291, p. 97–104, 1985.

9. The Heart Outcomes Prevention Evaluation Study Investigators.Effects of an angiotensin-converting-enzyme inhibitor, ra-mipril, on cardiovascular events in high-risk pacients. N EngJ Med, v. 342, p. 145–152, 2000.

10. PROGRESS COLABORATIVE GROUP. Randomised trial ofa perindopril-based blood-pressure-lowering regimen among6105 individuals with previous stroke or transient ischaemicattack. Lancet, v. 358, p. 1033–1041, 2001.

11. SVENSSON P, FAIRE U, SLEIGHT P, YUSUF S,ÖSTERGREN J. Comparative effects of ramipril onambulatory and office blood pressures: a HOPE Substudy.Hypertension, v. 38, p. e28–e32, 2001.

12. FUCHS FD. Diuretics: drugs of choice for the initialmanagement of patients with hypertension. Exp Rev CardiovMed, 2003, (in press).

primeiros ensaios clínicos com hipertensos leves, o NNT che-gou a 850 pacientes para prevenir um AVC8, pois se investiga-vam hipertensos menos graves e mais jovens. O acentuadobenefício do tratamento de pacientes idosos se insere na pre-dição de benefício apontada pela metanálise de risco. O bene-fício de fármacos anti-hipertensivos em pacientes com pres-são arterial normal, como nos estudos HOPE9 e PROGRESS10,

61Volume 6 / Número 2 / 2003

FATORES DE RISCO

Autor:

Armênio Costa GuimarãesProfessor Titular de Cardiologia da Faculdade deMedicina da UFBA, Presidente da Liga Bahiana deHipertensão e Aterosclerose

Atualização na prevenção dasdoenças cardiovascularesComentários sobre asIII Diretrizes Brasileiras sobre Dislipidemias

Detecção laboratorial das dislipidemias

Na tabela 1 estão os valores atuais de referência para odiagnóstico das dislipidemias, a partir dos 20 anos de idade.Podemos observar que a tendência atual é de enfatizar a ne-cessidade de valores mais baixos de colesterol total (CT), LDL-C e triglicérides (TG) e mais elevados de HDL-C. Assim, osníveis de CT < 200 mg/dL e LDL-C < 100 mg/dL (a fração demaior poder aterogênico) são considerados ótimos. No casodos TG, as mudanças são mais evidentes, com o nível ótimo< 150 mg/dL e limítrofe entre 150 e 200 mg/dL. As vantagensda maior proteção dada por valores mais elevados do HDL-Ccolocam o mínimo em 40 mg/dL e destacam a proteção signi-ficativa associada a valores maiores que 60 mg/dL, classifi-cando-os como altos.

Endereço para correspondência:Av. Garibaldi, 1555 – conj. 706 – 7o andar40210-070 – Salvador – BATel.: (71) 245-6612Fax: (71) 245-6249E-mail: [email protected]

TABELA 1VALORES DE REFERÊNCIA PARA O DIAGNÓSTICO DAS

DISLIPIDEMIAS EM ADULTOS ( ≥≥≥≥≥ 20 ANOS DE IDADE)

LÍPIDES VALORES CATEGORIA(mg/dL)

Colesterol Total < 200 Desejável* – Ótimo•

200 – 239 Limítrofe≥ 240 Alto

LDL-C < 100 Ótimo•

100 – 129 Desejável130 – 159 Limítrofe

≥ 160 Aumentado*160 – 189 Alto•

≥ 190 Muito Alto•

HDL-C < 35 Baixo*≥ 40 Desejável•

> 60 Alto•

Triglicérides < 150 Ótimo•

150 – < 159 Limítrofe•

< 200 Desejável*≥ 200 Aumentado*

200 – 499 Alto•

≥ 500 Muito Alto•

* Valores do 2o Consenso, •valores das III Diretrizes1 3

A partir do final dos anos oitenta, o Programa Nacionalde Educação sobre o Colesterol do Instituto Nacional de Saú-de dos Estados Unidos publicou diretrizes, visando à detecçãoe ao manejo das alterações do perfil lipídico, com vistas àprevenção e ao tratamento da aterosclerose, com destaque paraa doença arterial coronária (DAC), de elevada morbi-mortali-dade1. Essas recomendações têm sido renovadas periodicamen-te em função da rápida dinâmica do conhecimento científicona compreensão do processo de aterosclerose, do lançamentode novos medicamentos para o controle do perfil lipídico e doresultado de estudos clínicos e epidemiológicos sobre a pre-venção e tratamento da DAC. O principal objetivo dessa práti-ca tem sido fornecer orientação aos profissionais de saúdequanto ao controle eficiente das dislipidemias, com base emevidências obtidas por estudos clínicos controlados, observa-cionais ou metabólicos, e pela experiência clínica de um gru-po de expertos2. Isso criou um paradigma internacional moti-vando o aparecimento de recomendações de outras socieda-des científicas, inclusive as da Sociedade Brasileira de Car-diologia, já nas suas III Diretrizes sobre Dislipidemias3.

Sendo a hipertensão arterial um dos maiores fatores derisco de DAC e freqüentemente associada a distúrbios meta-bólicos, dentre os quais se destacam as dislipidemias, é opor-tuno que a revista Hipertensão atualize o assunto, tendo comobase as recentes mudanças contidas nas III Diretrizes da SBC.

62 HIPERTENSÃO

Metas para a prevenção

Os valores desejáveis e ótimos representam, respectiva-mente, as metas para a prevenção primária e secundária daDAC a serem implementadas de acordo com a estratificaçãodo risco individual. Para a prevenção primária, essa estratifi-cação se baseia no escore de Framingham (EF), que prediz orisco de um evento coronário maior (morte súbita, IAM ouangina instável) nos próximos dez anos3. Esse escore é funda-mentado em seis variáveis – idade, CT, HDL-C, pressão arte-rial, diabetes e tabagismo –, cuja presença e valor são pontua-dos de acordo com a importância epidemiológica de cada umadelas. Na dependência do escore total, os indivíduos são clas-sificados em baixo risco, < 10%, médio risco, de 10% a 20%,e alto risco, ≥ 20%, de probabilidade de desenvolver um even-to coronariano maior nos próximos dez anos. Indivíduos commenos de 60 anos de idade podem ser considerados de altorisco se, extrapolando-se o seu escore atual para o correspon-dente aos 60 anos, o valor alcançar o percentual correspon-dente. Essa correção procura considerar o tempo de atuaçãoda variável de risco. Assim, num indivíduo de 40 anos, deter-minados valores de CT, HDL-C e PA podem ser compatíveiscom um escore de médio risco, mas que passaria a alto riscose o paciente tivesse 60 anos de idade.

As metas lipídicas para a prevenção primária de indiví-duos de baixo e médio risco são os valores desejáveis para oCT (< 200 mg/dL), LDL-C (< 130 mg/dL) e HDL-C (> 40mg/dL). Para pacientes de alto risco, o que inclui os diabéti-cos sem doença aterosclerótica, independentemente do seu es-core, as metas são os valores ótimos para o CT (< 200 mg/dL)e LDL-C (< 100 mg/dl). No caso dos TG, a meta é o seu valorótimo (< 150 mg/dL) para qualquer grau de risco. Para pa-cientes com DAC ou outro qualquer tipo de doença ateroscle-rótica (prevenção secundária), as metas são todos os valoresótimos e, no caso do HDL-C, pelo menos o desejável e, sepossível, o ótimo.

A valorização dos TG como fator de risco e a recomen-dação para mantê-los abaixo de 150 mg/dL tem fundamentoem aspectos metabólicos e clínico-epidemiológicos, como pas-samos a comentar considerando a síndrome metabólica.

Síndrome metabólica

A síndrome metabólica, de prevalência e incidência cres-centes, está associada ao acúmulo de tecido adiposo em tornoda cintura abdominal, o que teria relação com o desenvolvi-mento de resistência à insulina, sua alteração metabólica bási-ca4. A resistência à insulina, por sua vez, seria responsávelpelas alterações no metabolismo lipídico e dos carboidratos eno controle pressórico. Como descrito no quadro 1, as princi-pais características clínicas dessa síndrome incluem, além doaumento da cintura abdominal, valores de TG limítrofes ouelevados, HDL-C baixo para os homens e próximo ao limiteinferior para as mulheres, pressão arterial limítrofe ou eleva-da e glicemia em jejum elevada (110–125 mg/dL), indicativade intolerância à glicose4. A combinação de TG elevados e

HDL-C baixo constitui o que se denomina, atualmente, disli-pidemia aterogênica, importante fator de risco de DAC2. Ovalor limite de 102 cm para a cintura abdominal em homens(quadro 1) provavelmente está superestimado. Estudo recenteem 185 homens sadios, não-fumantes, revelou que cintura ab-dominal > 90 cm e TG ≥ 177 mg/dL se associaram significa-tivamente a concentrações plasmáticas elevadas de insulina,apoproteína B (apo-B) e de moléculas pequenas e densas deLDL (tipo B), consideradas de maior potencial aterogênico,constituindo a chamada tríade metabólica aterogênica5. Essefenótipo, quando aplicado a pacientes que se submeteram auma cineangiocoronariografia para avaliação de dor precor-dial retroesternal, mostrou uma probabilidade significativa-mente maior (OR = 3,6; CI 1,17–10,93; p < 0,03) de estarassociado a DAC obstrutiva (> 50%). É importante fixar, por-tanto, que todo paciente com aumento da circunferência ab-dominal, em decorrência do acúmulo de gordura, tem grandeprobabilidade de apresentar resistência à insulina e o seu riscode desenvolver DAC obstrutiva é alto.

TratamentoAs mudanças no estilo de vida (MEV) continuam a cons-

tituir a base da terapêutica e da prevenção das dislipidemias,em particular, e da prevenção das doenças cardiovascularesem geral. Essas mudanças incluem mudanças nutricionais,atividade física aeróbia regular, moderação no consumo debebidas alcoólicas e abandono do tabagismo.

Mudanças no estilo de vida

DietaMudanças no estilo alimentar constituem o fundamento

principal no tratamento das dislipidemias de qualquer tipo:hipercolesterolemia, hipertrigliceridemia, baixo HDL-C ou assuas combinações.

A tabela 2 contém a composição atual da dieta em ma-cronutrientes recomendada pela Associação Americana doCoração para o tratamento das dislipidemias2. A porcentagemde gordura saturada fixada em < 7% do valor energético total(VET) e a ingestão diária de colesterol em < 200 mg/dia vi-

QUADRO 1SÍNDROME METABÓLICA

CARACTERÍSTICAS CLÍNICO-LABORATORIAIS

Obesidade central = cintura >102 cm (H), > 88 cm (M)

TG > 150 mg/dL

HDL-C = < 40 mg/dL (H), < 50 mg/dL (M)

PA > 130/ > 85 mmHg

Glicemia em jejum > 110 mg/dL

H = homem, M = mulher

63Volume 6 / Número 2 / 2003

sam a facilitar a obtenção dos valores ótimos e desejáveis pre-conizados. Para a redução do LDL-C é necessário tambémdiminuir a ingestão de ácidos graxos do tipo trans, presentesno processo de saturação industrial das gorduras. Todavia, empacientes de baixo e médio risco, a dieta inicial poderá conter< 10% de gordura saturada e a ingestão de colesterol passar a< 300 mg/dia, adaptada posteriormente aos valores da tabela2, caso, após período de quatro a seis meses, as metas dosvalores desejáveis não sejam alcançadas. Para o controle dahipertrigliceridemia e elevação do HDL-C, é necessária a re-dução do total de calorias às custas da restrição de carboidra-tos, principalmente carboidratos simples, mono e dissacarídeos,e bebidas alcoólicas. Nesses casos, o percentual de gordura dadieta pode ser elevado até 35% do VET por meio do aumentono teor de ácidos graxos insaturados. Essas medidas podemcontribuir para a diminuição de 10% a 30% no valor dos TG eaumento de 5% a 15% no de HDL-C6.

Do ponto de vista qualitativo, o consumo de peixe e fru-tos do mar, óleos vegetais como oliva, soja e canola, grãoscomo grão de bico, feijão, lentilha e frutas e vegetais consti-tuem os principais ingredientes de uma dieta saudável. Doponto de vista quantitativo é fundamental o controle do VET,a fim de que seja controlado o peso corporal, evitando-se osobrepeso e a obesidade.

O uso de bebidas alcoólicas não constitui recomendaçãopreventiva, desde que pode levar ao alcoolismo e ter conse-qüências negativas sobre o fígado, miocárdio e sistema nervo-so. Se usado com moderação, o equivalente diário a 75 ml debebida destilada, 600 ml de cerveja ou 250 ml de vinho podeapresentar resultados positivos na redução do risco de doençacardiovascular, salvo contra-indicação específica, de ordempessoal. Para mulheres e homens de pequeno porte recomen-dam-se metade das doses indicadas. Lembrar que o uso debebidas alcoólicas em excesso pode elevar os TG e ser hiper-tensivo.

Exercício físicoDo tipo aeróbio, recomendado de três a seis vezes por se-

mana, com sessões de 40 minutos, em média. É benéfico para operfil lipídico, reduz a pressão arterial e o estresse psicológico eé fundamental para o controle do peso corporal. A maneira maissimples, de menor risco e de eficiência comprovada é a marchacom roupas leves e sapatos adequados em horário matinal ouvespertino, fora dos períodos de maior calor.

TabagismoA necessidade do seu combate tem sido mais ressaltada,

pois constitui um fator de risco importante, não somente dedoença cardiovascular, mas também de vários tipos de câncere de doença pulmonar obstrutiva crônica. O seu combate écomplexo, envolvendo aspectos psicológicos relativos ao aban-dono do vício. Medidas farmacológicas à base de reposiçãode nicotina (adesivos, goma de mascar, aerossol e inalador),dos antidepressivos bupropiona e nortriptilina e do anti-hiper-tensivo clonidina podem ser usadas em situações definidas,em indivíduos decididos a deixar o vício.

Tratamento medicamentoso

O tratamento medicamentoso está indicado quando asmetas lipídicas não forem alcançadas três a seis meses após aimplementação das MEV, no caso de indivíduos de médio oubaixo risco respectivamente. No caso de indivíduos de altorisco, o uso de medicamento deve ser simultâneo, exceto quan-do o LDL-C se situa entre 100 e 130 mg/dL e o critério clínicopermite uma espera máxima de três meses para a avaliaçãodos resultados das MEV. A tabela 3 contém as metas lipídicasa serem alcançadas com a introdução de farmacoterapia. Emindivíduos de baixo risco, a meta para o valor do LDL-C podeser representada por dois valores, a depender da presença deoutro fator de risco importante e não-contemplado pelo EF.Assim sendo, se o único fator de risco é a elevação isolada do

LDL-C, um valor entre 130 e 160 mg/dL podeser tolerado. Todavia, se existe hipertrigliceri-demia associada, não-contemplada na avalia-ção do risco pelo EF, então a meta de LDL-C <130 mg/dL deve ser perseguida com o uso defarmacoterapia, principalmente se a hipertrigli-ceridemia estiver associada às características dasíndrome metabólica – quadro 1. A mesma con-duta se aplicaria a um indivíduo com baixo ris-co e que apresentasse história familiar de doen-ça aterosclerótica precoce.

O tratamento farmacológico das dislipide-mias ainda está centrado no uso de vastatinas efibratos, cada um deles com uma indicação es-pecífica, dependendo do tipo de dislipidemia.As vastatinas estão indicadas no controle dashipercolesterolemias predominantes, e os fibra-tos, no controle das hipertrigliceridemias pre-dominantes. No tratamento dos quadros mis-tos, a escolha do tipo de hipolipemiante para o

TABELA 2DIETA DA ASSOCIAÇÃO AMERICANA DO CORAÇÃO PARA MEV* 2

MACRONUTRIENTES RECOMENDAÇÕES

Ácidos graxos saturados < 7% do total de calorias

Ácidos graxos monoinsaturados ≤ 20% do total de calorias

Ácidos graxos poliinsaturados ≤ 10% do total de calorias

Carboidratos 50% a 60% do total de calorias

Proteínas Cerca de 15% do total de calorias

Colesterol < 200 mg/dL por dia

Fibras 20 a 30 g por dia

Calorias Ajustadas para manter o peso adequado

*Mudanças no estilo de vida

64 HIPERTENSÃO

início da monoterapia pode ser orientada pela fração lipídicamais alterada: vastatinas, se hipercolesterolemia, ou fibratos,se hipertrigliceridemia. Após a titulação da dose do hipolipe-miante, por 6 a 12 semanas, já pode ser observada a tendênciade resposta do perfil lipídico: normalização global, respostade apenas uma das frações ou ausência de resposta satisfató-ria a todas. No caso das duas últimas possibilidades pode-setentar primeiro a troca do tipo de medicação e em seguida aassociação do fibrato com a vastatina. Essa associação deveser feita por especialista devido ao maior risco de intolerân-cia, a mais grave sendo a rabdomiólise, que pode ser fatal.Contudo, o uso de doses médias de ambos os medicamentos, aseleção adequada do paciente, em termos de idade e integri-dade das funções hepática e renal, e a vigilância, pelo menostrimestral, da TGP (ALT) e CPK, e do aparecimento de doresmusculares, fazem dessa conduta uma maneira eficiente e bemtolerada de controle das dislipidemias mistas. A terapêuticada hipercolesterolemia foi enriquecida recentemente pelolançamento do ezetimibe, um inibidor da absorção intesti-nal do colesterol e que pode ser útil nos casos em que aelevada absorção intestinal do colesterol é um fator impor-tante na manutenção da hipercolesterolemia. Casos de dis-lipidemias genéticas graves, resistentes ao tratamento ha-bitual, devem ser tratados em centros de cuidado terciário,onde, às vezes, é necessário o uso de tecnologia mais comple-xa, como a plasmaferese.

Resultados práticosApesar das sucessivas recomendações e de sua difusão

através de programas de educação continuada, a sua aplicabili-dade e a obtenção das metas ainda deixa a desejar em todo omundo7,8. Entre nós, os resultados são semelhantes. Um inqué-rito envolvendo 177 cardiologistas (73,1% dos especialistasexercendo a prática clínica no Estado da Bahia) mostrou queapenas 13,5% concordavam totalmente com as recomendaçõesdo 2o Consenso Brasileiro sobre Dislipidemias, 65% concor-davam parcialmente e 21,5% discordavam7. As conseqüênciasdesse comportamento foram avaliadas em 103 pacientes refe-ridos pelos entrevistados, em programa de prevenção secundá-

ria, para reavaliação das metas de con-trole. Somente 8,1% mostravam LDL-C < 100 mg/dL e 67,7% apresentavamLDL-C > 130 mg/dL7, dados semelhan-tes aos observados no EUROASPIRE8.As razões desse comportamento preci-sam ser mais bem avaliadas. Um dos as-pectos a considerar é quanto à clarezadas recomendações e seus objetivos eoutro é o treinamento do cardiologistapara lidar com as propostas das MEV.Assuntos como nutrição e dietoterapia,exercício físico e combate ao tabagis-mo ainda não fazem parte da educaçãoclínica graduada e pós-graduada do car-diologista e muito menos do clínico. Anecessidade da continuidade das MEVe da farmacoterapia ainda não é aceita

por muitos médicos e pacientes que, uma vez alcançados osobjetivos, relaxam as MEV e interrompem a farmacoterapia.Para outros, as metas parecem exageradas e há receio da admi-nistração de doses elevadas de vastatinas.

Considerações finais

As Diretrizes representam um grande avanço para a me-lhoria e atualização da prática clínica, sendo baseadas em evi-dências oriundas de estudos clínicos e metabólicos considera-dos de boa qualidade, mas cujo poder de recomendação de-cresce à proporção que o grau de controle sobre os seus obje-tivos é menos rigoroso. Assim, estudos randomizados com umgrande número de pacientes têm um poder afirmativo maiordo que aqueles não-randomizados e que incluem menores po-pulações. Estes últimos, por sua vez, se sobrepõem a estudosobservacionais e metabólicos, ficando, por último, as evidên-cias decorrentes de bem fundamentada experiência clínica, quepodem trazer contribuições impossíveis de serem obtidas como delineamento clássico dos estudos, dada às individualidadesdas questões em foco. Naturalmente, essa hierarquização dasevidências de acordo com a força do seu grau de afirmaçãogera uma seqüência de recomendações, que vai desde a indi-cação indubitável da conduta terapêutica até a sua negação, sefor o caso, passando pela sua aplicação, a critério pessoal.

A hierarquização também no processo decisório concor-da com a individualização que deve nortear a prática clínica,respeitando os fatores limitantes na transferência do conheci-mento obtido através de estudos clínicos. Assim, as popula-ções selecionadas para esses estudos não abrangem a variabi-lidade do quadro clínico, como ocorre na prática. Os pacien-tes com quadros mais graves e os idosos freqüentemente sãoexcluídos por questões éticas, o mesmo podendo ocorrer coma representatividade do gênero e da etnia. No resultado dessesestudos, a adesão e continuidade da conduta terapêutica, exi-gidas nos protocolos, deve ser valorizada, pois nem sempresão bem cuidadas na prática.

As Diretrizes constituem, portanto, um guia que permite ao

TABELA 3METAS LIPÍDICAS QUE PODEM EXIGIR TRATAMENTO MEDICAMENTOSO

DE ACORDO COM A ESTRATIFICAÇÃO DO RISCO CORONARIANO

RISCO* METASCT (mg/dL) LDL-C (mg/dL) HDL-C (mg/dL) TG (mg/dL)

BAIXO < 200 < 130* < 160** > 40 < 150

MÉDIO < 200 < 130 > 40 < 150

ALTO < 200 < 100 > 40 < 150

* Indivíduos com um fator de risco importante não-contemplado pelo escore de Framingham (vide texto)**Indivíduos sem outro fator de risco além da dislipidemia

65Volume 6 / Número 2 / 2003

profissional exercer a sua capacidade clínica de tratar o pacientecomo indivíduo, e não a doença e a sua faixa de risco como rótu-los padronizados de uma situação homogênea. Por exemplo, osdiabéticos são pacientes de alto risco, mas, dentro dessa faixa derisco, a sua vulnerabilidade às complicações da doença é variá-vel, requerendo que, a critério do julgamento clínico, o nível deLDL-C de alguns possa ser considerado satisfatório em torno de99 mg/dL, enquanto para outros, com complicações vasculares,seja conveniente o nível de 80 mg/dL ou menos, correspondendoa um CT em torno de 150 mg/dL.

Outro aspecto importante a levar em conta é que a apli-cabilidade do escore de Framingham, referencial para as me-tas lipídicas das atuais Diretrizes, se limita em função de sebasear em apenas seis variáveis de risco: idade, gênero, CT,HDL-C, PA, diabetes e tabagismo, não contemplando outrasvariáveis, como hereditariedade e algumas características dasíndrome metabólica (circunferência abdominal, nível dos TGe de glicemia) de valor mais atual. Assim, pacientes com asíndrome metabólica são de alto risco, independentemente doseu EF. Por outro lado, vale lembrar que pacientes de baixorisco e que apresentam apenas mais um FR, como preconiza-do, devem ter a meta lipídica para o LDL-C < 130 mg/dL,principalmente se este FR tiver o poder, por exemplo, de his-tória familiar de doença aterosclerótica precoce.

No que concerne às MEV, é importante salientar que amudança dos hábitos alimentares constitui um dos pilares dotratamento das dislipidemias e da prevenção das doenças car-diovasculares, mas não tem recebido a devida atenção dos pró-prios cardiologistas. Talvez pelas dificuldades na sua imple-mentação e pela valorização apenas do aspecto quantitativona redução das frações lipídicas. É comum ouvir-se o comen-tário de que a dieta reduz o LDL-C em apenas 5%, como seisto representasse um resultado terapêutico de segunda ordem.Contudo, vários estudos nutricionais de bom padrão têm mos-trado resultados até superiores àqueles com o uso de vastati-

nas. Exemplo maior é o Estudo da Dieta de “Lyon”, de pre-venção secundária, cuja redução de 70% na mortalidade glo-bal supera qualquer dos grandes estudos com a pravastatinaou sinvastatina9. O maior ensinamento desse estudo é que aobtenção desse surpreendente resultado não se relacionou auma redução significativa no valor das frações lipídicas, emrelação ao grupo controle. O que mudou foi o perfil plasmáti-co dos ácidos graxos, mais favorável no grupo sob interven-ção dietética, caracterizado, principalmente, por uma eleva-ção significativa na concentração dos ácidos alfalinolênico eeicosapentanóico, ácidos do tipo ômega 3. Estudo populacio-nal, prospectivo, realizado na Finlândia, mostrou que homenscom maior concentração plasmática de ácidos docosahexanói-co e docosapentanóico (dois ácidos graxos insaturados do tipoômega 3) apresentaram 42% de diminuição no risco de IAMfatal ou não-fatal10. As concentrações mais elevadas dessesácidos se relacionaram a um consumo maior de peixe. Portan-to, no caso da dieta, a modificação que pode acarretar mudan-ça no perfil plasmático dos ácidos graxos deve ser valorizadacomo fator de proteção. Certamente, no futuro, o perfil plas-mático dos ácidos graxos será uma maneira mais precisa deavaliar o risco lipídico e o resultado do tratamento dietético.

Dentre as MEV, as III Diretrizes não incluem a reduçãodo estresse psicológico. Todavia, em que pesem as dificulda-des atuais para a sua quantificação e para a sua abordagem, éfator de risco que não deve ser omitido. A sua importância edificuldades de avaliação e manejo devem ser ressaltadas, ser-vindo de estímulo para pesquisas e implementação de progra-mas nesse setor, visando ao aspecto individual e coletivo.

Finalmente, vale enfatizar que os instrumentos atuais deprevenção, se aplicados devidamente, podem garantir vida sau-dável, longeva e de boa qualidade. Vale sempre lembrar que amanutenção da saúde deve começar por um pré-natal de boaqualidade e continuar ao longo da vida, com as devidas adap-tações às suas respectivas fases11.

Referências bibliográficas

1. Report of the National Cholesterol Education Program Expert Panelon Detection, Evaluation and Treatment of High Blood Cholesterolin Adults: the Expert Panel. Arch Intern Med, v. 148, p. 36–69, 1988.

2. Third Report of the National Cholesterol Education Program (NCEP)Expert Panel on Detection, Evaluation, and Treatment of High BloodCholesterol in Adults (Adult Treatment Panel III). Final Report.Circulation, v. 106, p. 3145–3421, 2002.

3. III Diretrizes Brasileiras sobre Dislipidemias e Diretriz de Prevençãoda Aterosclerose do Departamento de Aterosclerose da SociedadeBrasileira de Cardiologia. Arq Bras Cardiol, v. 77, Supl 3, p. 4–48,2001.

4. REAVEN CM, LITHELL H, LANDSBERG GL. Mechanism of disease:hypertension and associates metabolic abnormalities. The role of insulinresistance and the sympathoadrenal system. N Eng J Med, v. 334, p.374–382, 1996.

5. LEMIEUX I, PASCOT A, COUILLARD C et al. Hypertrigliceridemicwaist. A marker of the atherogenic metabolic triad (hyperinsulinemia;hyperapoliprotein B; small, dense LDL) in men? Circulation, v. 102, p.179–184, 2000.

6. DENKE MA. Dietary prescriptions to control dyslipidemias.Circulation, v. 105, p. 132–135, 2002.

7. LADEIA AM, GUIMARÃES AC. Cardiologists’ attitude towardsecondary prevention of coronary heart disease in Bahia, Brazil. CVDPrevention, v. 2, p. 273–280, 1999.

8. EUROASPIRE Study Group. EUROASPIRE-European Society ofCardiology Survey of secondary prevention of coronary heart disease.Eur Heart J, v. 18, p. 1569–1582, 1997.

9. 2o CONSENSO BRASILEIRO SOBRE DISLIPIDEMIAS. Detecção,avaliação, tratamento. Arq Bras Cardiol, v. 67, p. 1–16, 1996.

10. DE LORGERIL M, RENAUD S, MAMELLE N, SALEN P et al. Me-diterranean alpha-linolenic acid-rich diet in secondary preventionof coronary heart disease. Lancet, v. 343, p.1454–1459, 1994.

11. RISSANEN T, VOUTILAINEN S, NYYSONEN K et al. Fish oil-derived fatty acids, docosahexanoid acid and docosapentanoid acid,and the risk of acute coronary events. The Kuopio ischaemic heartdisease risk factor study. Circulation, v. 102, p. 2677–2679, 2000.

12. GUIMARÃES AC. Prevenção das doenças cardiovasculares no século21. Hipertensão, v. 5(3), p. 103–106, 2003.

66 HIPERTENSÃO

AVALIAÇÃO DA PRESSÃO ARTERIALO papel da monitorizaçãoambulatorial da pressão arterialna avaliação de pacientes comhiperaldosteronismo primário

Angela M. G. Pierin*Professora Livre-Docente, Departamento deEnfermagem Médico-Cirúrgica, Escola de Enfermagemda Universidade de São Paulo

Décio Mion Jr.Professor Livre-Docente, Chefe da Unidade deHipertensão do Hospital das Clínicas, Disciplina deNefrologia da Faculdade de Medicina da Universidadede São Paulo

*Endereço para correspondência:Rua Heitor Penteado, 250 – apto. 6305438-000 – São Paulo – SPTelefax: (11) 3066-7564E-mail: [email protected]

A monitorização ambulatorial da pressão arterial (MAPA)permite avaliar a pressão arterial durante 24 horas, em inter-valos predeterminados, normalmente a cada15 ou 20 minutosdurante o dia e 15 ou 20 minutos à noite, no ambiente habitualdo paciente, enquanto ele executa suas atividades rotineiras.Possibilita, portanto, identificar o padrão de comportamentoda pressão arterial, as médias das pressões durante o períodode vigília, sono e nas 24 horas, a variabilidade tensional aolongo do dia e as cargas pressóricas, refletindo os efeitos dasatividades física e mental durante o trabalho, na residência edurante o sono. As principais indicações para a realização damonitorização ambulatorial da pressão arterial apontadas pe-las III Diretrizes para o Uso de Monitorização Ambulatorialda Pressão Arterial1 são:

n hipertensão do avental branco;

n hipertensão arterial resistente;

n hipertensão episódica;

n avaliação do efeito da terapêutica anti-hipertensiva;

n sintomas de hipotensão.

As vantagens citadas relacionam-se à obtenção de múlti-plas medidas nas 24 horas; avaliação da pressão arterial du-rante as atividades cotidianas, inclusive durante o sono; ava-liação do padrão circadiano da pressão arterial; avaliação dasmédias, cargas e variabilidade pressóricas; identificação dareação de alarme; avaliação do efeito anti-hipertensivo nas 24horas e possibilidade de estratificação de risco.

Em normotensos e em muitos hipertensos essenciais ocor-re queda significativa da pressão arterial durante o período desono. Durante o sono a pressão arterial tende a atingir os valo-res mais baixos para se elevar novamente ao despertar, sendodesejável que no sono a redução seja de pelo menos 10%.

O perfil circadiano da pressão arterial é resultado das in-terações complexas de sistemas neurológicos e hormonais edos efeitos da atividade física, mental e da postura. Na litera-

Autores:

67Volume 6 / Número 2 / 2003

tura internacional tem-se adotado a terminologia “dipper” paraaquelas pessoas com queda normal da pressão durante o sonoe “non-dipper” para aquelas com declínio menor ou ausênciade queda, apesar dessas categorias não estarem muito bemdefinidas. O’Brien et al.2, em 1988, analisaram em 123 pa-cientes hipertensos a redução da pressão arterial durante o sonocom o uso da MAPA e verificaram que 17,1% não apresenta-vam diferença de pelo menos 10/5 mmHg entre a média dapressão sistólica e diastólica no período de vigília e sono.Pickering3 aponta que na maioria dos pacientes hipertensos opadrão de vigília e de sono está preservado, com maiores va-lores pressóricos durante a vigília e menores durante o sono.Porém, foram Staessen et al.4 que elucidaram o assunto estu-dando a redução da pressão durante o sono em 7.320 hiperten-sos e normotensos. Os resultados mostraram que a redução dapressão sistólica/diastólica durante o sono foi de 16,7 ± 11 /13,6 ± 8 mmHg; a redução foi maior:

n nos hipertensos limítrofes e hipertensos mantidos doque nos normotensos;

n nos homens do que nas mulheres;

n nos europeus do que nos indivíduos de outros conti-nentes;

n nos registros realizados com aparelhos oscilométri-cos do que com os auscultatórios;

e a redução foi menor nos idosos do que nos jovens.Empregando a relação noite/dia, definida como a divisão

da pressão noite/dia multiplicada por 100 e que expressa a pres-são noturna como uma porcentagem da diurna, foi verificadoque 2,5% dos normotensos, 4,4% dos hipertensos limítrofes e4,4 dos hipertensos mantidos apresentavam relação noite/diaigual a 100% para sistólica e diastólica, indicando ausência deredução da pressão durante o sono para as duas pressões5.

Outro aspecto que merece destaque é que a ausência deredução da pressão arterial durante o sono correlaciona-se com

lesões de órgãos-alvo, tais como microalbuminúria, infartoslacunares e hipertrofia de ventrículo esquerdo6–9.

A extensão da queda da pressão durante o sono é afetadapor vários fatores, como idade, qualidade do sono e presençade outras doenças. Por exemplo, nas situações de excesso decatecolaminas, insuficiência renal crônica, síndrome deCushing e diabete melito podem se associar atenuação ou au-sência de queda da pressão arterial durante o sono. Outra con-dição questionada é se pacientes com hiperaldosteronismoprimário têm um perfil circadiano normal.

No aldosteronismo primário a hipertensão arterial estádiretamente relacionada à expansão de volume, com excessode aldosterona plasmática e diminuição da atividade de reninaplasmática. Além disso, verificou-se variação circadiana daaldosterona plasmática nessa condição semelhante à de pes-soas normais, o que resultaria em variação circadiana da pres-são arterial também similar à de normotensos10. Porém, ava-liando o assunto, um estudo realizado no início da década de80 mostrou alteração da variação circadiana da pressão arte-rial em pacientes com aldosteronismo primário. Tanaka et al.11

avaliaram o ritmo circadiano da pressão arterial em 11 pa-cientes com aldosteronismo primário e em 15 com hiperten-são renovascular unilateral. Foi usado o método Cosinor paraavaliação da variação circadiana. Os resultados mostraram quenos pacientes com aldosteronismo primário as pressões sistó-lica e diastólica aumentaram no início da noite. A amplitude eacrófase do rítmo circadiano para a sistólica foram 7,3 (5,3 a9,3) mmHg e 20:47 (19:42 a 21:52) h, respectivamente, e paraa diastólica 2,6 (1,3 a 3,9) mmHg e 21:34 (19:40 a 23:28) hrespectivamente. Mais recentemente, outro estudo12 tambémavaliou o rítmo circadiano da pressão arterial em 22 pacientescom aldosteronismo primário, 22 com hiperaldosteronismoidiopático e 33 com hipertensão essencial. Os achados evi-denciaram atenuação significativa (p < 0,05) da queda da pres-são sistólica durante a noite no primeiro grupo e da sistólica ediastólica no segundo grupo em comparação com os hiperten-sos essenciais. Em outro estudo, que incluiu pessoas normo-tensas (176), hipertensos do avental branco (42), essenciais(490) e com hipertensão secundária (254 – 12 com hiperal-

TABELA 1ESTUDOS COM PACIENTES COM HIPERALDOSTERONISMO PRIMÁRIO E QUEDA DA PRESSÃO ARTERIAL DURANTE O SONO

Referências N o pacientes Idade Adenoma/Hiperplasia Queda (mmHg) – Sist/Diast

Imay et al.15 23 42 23/0 9/7

Veglio et al.16 8 50 0/6 3/15

White e Malchoff17 1 43 1/0 -2/4

Penzo et al.18 11 52 9/2 11/10

Speiker et al.19 7 45 7/0 15/14

68 HIPERTENSÃO

dosteronismo primário), a queda da pressão arterial durante operíodo de sono foi diversificada. Os resultados mostraramque nos pacientes com hipertensão e distúrbios endócrinos nãohouve uniformidade na queda da pressão arterial durante osono. Pacientes com hipertireoidismo, hiperaldosteronismoprimário e síndrome de Cushing apresentaram redução da pres-são arterial significativamente menor (6/8, 4/7 e 3/6 mmHgrespectivamente)13.

Por outro lado, na maior parte da literatura disponívelsobre o assunto observa-se que os pesquisadores concluemque seus estudos apontam para achados sem alteração no rit-mo circadiano da pressão arterial em pessoas com hiperaldos-teronismo primário (tabela 1).

Reforçando tal aspecto, Mansoor e White14 analisaram avariação circadiana da pressão arterial em pacientes com hi-peraldosteronismo primário, comparando com hipertensos es-senciais. Foram estudadas 16 pessoas de cada grupo. As dife-renças da pressão entre os períodos de vigília e sono foramsimilares às dos hipertensos essenciais (15 ± 3 / 14 ± 2 vs. 14

Referências bibliográficas

1. III DIRETRIZES PARA O USO DA MONITORIZAÇÃO AM-BULATORIAL DA PRESSÃO ARTERIAL. I DIRETRIZPARA O USO DA MONITORIZAÇÃO RESIDENCIAL DAPRESSÃO ARTERIAL. Rev Bras Hipertensão, v. 8, p. 143–155, 2001.

2. O’ BRIEN E, SHERIDAN J, O’ MALLEY K. Dippers and non-dippers (letter). Lancet, v. 2, p. 397, 1988.

3. PICKERING T. The clinical significance of diurnal blood pressu-re variations (dippers and non-dippers). Circulation, v. 81, p.700–702, 1990.

4. STAESSEN JA, BIENIASZEWSKI L, O’BRIEN et al. Nocturnalblood pressure fall on ambulatory monitoring in a largeinternational database. Hypertension, v. 29, p. 30–39, 1997.

5. STAESSEN J, BULPITT C, O’BRIEN E, COX J, FAGARD R,STANTON A et al. The diurnal blood pressure profile: apopulation study. Am J Hypertens, v. 5, p. 386–392, 1992.

6. BIANCHI S, BIGAZZI R, BALDARI G, SGHERRI G,CAMPESE V. Diurnal variations of blood pressure and mi-croalbuminuria in essential hyper tension.Am J Hypertens, v. 7, p. 23–29, 1994.

7. KUWAJIMA I, SUZUKI Y, SHIMOSAWA T et al. Diminishednocturnal decline in blood pressure in elderly hypertensivepatients with left ventricular hypertrophy. Am Heart J, v. 67,p. 1307–1311, 1992.

8. VERDECCHIA P, SCHILLIACI G, GUERRIERI M. Circadianblood pressure changes and left ventricular hypertrophy inessential hypertension. Circulation, v. 81, p. 528–536, 1990.

9. SHIMADA K, KAWAMOTO A, MATSUBAYASHI K et al.Diurnal blood pressure variations and silent cerebrovascualrdamage in elderly patients with hypertension. J Hypertens, v.10, p. 875–878, 1992.

10. BORTOLOTTO LA. MAPA na hipertensão secundária. In: MionD Jr, Nobre F, Oigman W. Monitorização ambulatorial da pres-são arterial. 2o ed. São Paulo: Atheneu, 1998. p. 231–245.

11. TANAKA T, NATSUME T, SHIBATA H, NOZAWA K, KOJIMAS, TSUCHIYA M, ASHIDA T, IKEDA M. Circadian rhythmof blood pressure in primary aldosteronism and renovascularhypertension – analysis by the cosinor method. Jpn Circ J, v.47, p. 788–794, 1983.

12. ZELINDA T, WIDIMSKY J. Twenty-four hour blood pressureprofile in subjects with differents subtypes of primary hyper-tension. Physiol Res, v. 50, p. 51–57, 2001.

13. MIDDEKE M, SCHRADER J. Nocturnal blood pressure innormotensive subjects and those with white coat, primary andsecundary hypertension. BMJ, v. 308, p. 630–632, 1994.

14. MANSOOR A, WHITE WB. Circadian blood pressure variation inhypertension patients with primary hyperaldosteronism.Hypertension, v. 31, p. 843–847, 1998.

15. IMAY Y, ABE S, SASAKI S et al. Circadian blood pressurevariation in patients with renovascular hypertension or primaryaldosteronism. Clin Hypertens, v. A14, p. 1141–1167, 1992.

16. VEGLIO F, PINNA G, MELCHIO R. Twenty-four hour power spectralanalysis by maximum entropy method of blood pressure inprimary hyperaldosteronism. Blood Press, v. 2, p. 189–196, 1993.

17. WHITE WB, MALCHOFF C. Diurnal blood pressure variabilityin mineralocorticoid excess syndrome. Am J Hypertens, v. 5,p. 414–418, 1992.

18. PENZO M, PALATINI P, ROSSI GP et al. In primary aldosteronismthe circadian blood pressure rhythm is similar to that in primaryhypertension. Clin Exp Hypertens, v. 16, p. 659–673, 1994.

19. SPEIKER C, BARENBROCK M, RAHN KH, ZIDEK W. Circadianblood pressure variations in endocrine disorders. Blood Press,v. 2, p. 35–39, 1993.

± 3 / 9 ± 2 mmHg, p > 0,05). As prevalências de pacientes“dipper” e “non-dipper” (queda < 10% para pressão sistólicae diastólica respectivamente) também foram similares (11/5vs. 8/8). Após intervenção, com terapêutica anti-hipertensivaou cirúrgica, nos pacientes com hiperaldosteronismo primá-rio, a MAPA foi repetida e mostrou redução significativa nosníveis pressóricos. Os achados desse estudo mostram que avariação circadiana foi preservada em pacientes com aldoste-ronismo primário comparados com hipertensos essenciais.

Salienta-se que nos estudos destacados não há uniformi-dade nos critérios de análise da variação circadiana da pressãoarterial, na definição do período de sono real, além de havernúmeros reduzidos de pacientes em cada estudo, o que pode-ria explicar os achados diversos. Talvez estudos posterioresque considerem essas variáveis tragam respostas mais conclu-sivas sobre o assunto. Concluindo, a MAPA não apresenta ca-racterísticas peculiares no hiperaldosteronismo primário, maspode ser útil para avaliação mais apurada dos níveis tensio-nais e variação circadiana da pressão arterial.

69Volume 6 / Número 2 / 2003

TERAPÊUTICA

*Endereço para correspondência:Rua Borges Lagoa, 96004038-002 – São Paulo – SPTel.: (11) 5087-8045 – Fax: (11) 5579-2985E-mail: [email protected]

Tratamento

Autores:

Osvaldo Kohlmann Jr.*

Artur Beltrame Ribeiro

Hospital do Rim e Hipertensão,Disciplina de Nefrologia,Universidade Federal de São Paulo,Escola Paulista de Medicina, SP

O estudo ALLHAT1,2, com patrocínio exclusivo de fontegovernamental e cuja proposição seria a definição, entre qua-tro classes farmacêuticas, do melhor tratamento inicial para opaciente hipertenso, terminou por não atingir adequadamenteseu objetivo e mostrou mais uma vez as limitações e distor-ções metodológicas em estudos desse tipo. Trata-se de um gran-de estudo com cerca de 42 mil pacientes, randomizado, du-plo-cego, prospectivo e comparativo, com duração média de4,9 anos, desenhado para determinar se a incidência do desfe-cho primário, isto é, doença coronariana fatal e infarto não-fatal, em hipertensos seria diferente caso o tratamento anti-hipertensivo fosse iniciado com uma das seguintes opções:um diurético (clortalidona), um antagonista de cálciodiidropiridínico (amlodipina), um inibidor da ECA (lisinopril)ou, ainda, um bloqueador alfaadrenérgico (doxazosina). Ospacientes recrutados tinham acima de 55 anos (média de 67anos), eram hipertensos estágio 1 ou 2, em tratamento anti-hipertensivo ou não, e todos tinham pelo menos mais um fatorde risco cardiovascular. Pacientes com história clínica de ICCou com fração de ejeção do VE menor que 35% foram exclu-ídos do estudo. Vários problemas são facilmente detectáveisquando se analisa a publicação dos resultados desse estudo.

Análise crítica da metodologia,resultados e conclusões do estudo

n Esquema terapêutico: não-usual e desbalanceado

l O esquema terapêutico consistia de doses crescen-tes de clortalidona (12,5 a 25 mg/dia), amlodipina(2,5 a 10 mg/dia), lisinopril (10 a 40 mg/dia) edoxazosina (1 a 8 mg/dia). Visando à meta de re-duzir a pressão para níveis inferiores a 140/90mmHg, foram utilizadas como drogas de segundaetapa (em associação) simpatolíticos centrais (clo-nidina e reserpina) ou betabloqueador (atenolol),e na 3a etapa o vasodilatador direto (hidralazina).Aqui temos o primeiro problema potencial e quepode ter influenciado os resultados: por uma ques-tão de desenho de protocolo as drogas utilizadaspara segunda e terceira etapas do tratamento se-qüencial tinham reconhecida sinergia com uma dasdrogas de comparação (o diurético clortalidona),mas não com o antagonista de canal de cálcio amlo-dipina, ou com o inibidor da ECA lisinopril. Por-

Análise crítica do estudo ALLHAT:utilidade clínica questionável

70 HIPERTENSÃO

tanto, esse desenho favorecia um dos grupos (diu-rético) e explica a maior redução da PA observadaentre os pacientes tratados com o diurético, crian-do assim um desbalanço. Esse desbalanço torna-se mais aparente quando se considera a populaçãoétnica negra, que representa cerca de um terço dospacientes do estudo. É importante comentar queesse ponto pode ter sido crucial nos resultados, umavez que 58,8%, 64,1% e 74,1% dos pacientes dosgrupos clortalidona, amlodipina e lisinopril, res-pectivamente, foram tratados com associações demedicamentos. Além disso, é bastante questioná-vel a importância dos resultados, uma vez que asassociações de hipotensores empregadas, especial-mente para os grupos lisinopril e amlodipina, nãorefletem a prática clínica e não são recomendáveis,a não ser para o grupo clortalidona, no qual as as-sociações foram sinérgicas.

l Outro aspecto importante a ser considerado no de-senho do esquema terapêutico do ALLHAT, poistem grande potencial de influência sobre os resul-tados, refere-se à ausência, a não ser em casos deindicação absoluta, de um período de descontinua-ção do tratamento anti-hipertensivo prévio. A pas-sagem direta de um tratamento para outro pode tergerado sinais e sintomas capazes de serem inter-pretados erradamente como um desfecho previstono estudo e, portanto, uma falsa incidência dessedesfecho. Esse fato pode explicar, por exemplo, adiferença na incidência de novos casos de ICC,especialmente para o grupo de pacientes tratadoscom o lisinopril, que desaparece quando se consi-deram apenas os casos de ICC internados ou fataise que, portanto, passaram por um crivo maior docomitê de avaliação dos eventos. Assim, tal situa-ção pode ser sugestiva de que pelo menos partedos casos considerados como ICC eram erros dediagnóstico.

n Redução da pressão arterial: influência sobre osdesfechosQuando avaliamos a resposta da pressão arterial aosdiferentes esquemas terapêuticos, alguns aspectos cha-mam a atenção:

l O alto percentual de pacientes (60% a 75%) nostrês grupos que necessitaram do uso associado dehipotensores para atingir e manter a meta de redu-ção da pressão arterial. Esses resultados estão deacordo com vários estudos prévios e apontam anecessidade do uso associado de hipotensores paraa manutenção da meta de redução da pressão arte-rial, inclusive para pacientes com hipertensão ar-terial estágio I, como é o caso deste estudo. Essatalvez seja a informação mais relevante advindado ALLHAT.

l Os níveis da pressão arterial sistólica durante otratamento foram significativamente mais baixosno grupo clortalidona. Para o grupo como um todo,essa diferença foi ligeiramente superior a 2 mmHg,sendo que para a população negra a diferença sesituou entre 4 e 5 mmHg. Publicação recente deuma metanálise com 61 estudos observacionais eprospectivos envolvendo um milhão de indivíduosadultos3 demonstra que diferenças pressóricas se-melhantes às aqui observadas têm forte impactosobre a incidência de acidente vascular cerebral ede mortalidade cardiovascular e geral, e podemexplicar totalmente as diferenças encontradas.Outro argumento forte a favor dessa explicação éo fato de que a redução de 15% na incidência deAVC no grupo clortalidona é totalmente devida àredução de 40% desse evento na população negra,na qual a diferença de pressão sistólica situou-seem 4 a 5 mmHg. Na população não-negra nãohouve nenhuma diferença (RR de 1,00). Possivel-mente para a população não-negra não tenha sidoobservada diferença na pressão arterial, mas essainformação não foi disponibilizada pelos autoresdo ALLHAT. Desse modo, não se pode afirmarque o tratamento com base no diurético clortali-dona é superior aos esquemas terapêuticos comlisinopril ou amlodipina, uma vez que os níveistensionais atingidos diferiram, possivelmente,como já discutido anteriormente, devido ao em-prego de associações não-sinérgicas de hipoten-sores nos grupos amlodipina e lisinopril.

n DesfechosA informação mais importante de um estudo de des-fecho clinicamente relevante é o resultado sobre o des-fecho primário, para o qual o poder estatístico foi ajus-tado. No estudo ALLHAT não se observou nenhumadiferença significativa entre os grupos, portanto ostrês tratamentos não diferiram, apesar de o tratamentocom base na clortalidona ter reduzido mais a pres-são arterial sistólica. Assim, cabe neste ponto umapergunta: qual seria o resultado se a pressão arte-rial tivesse sido reduzida igualmente nos três gru-pos? Talvez o resultado até fosse favorável às duasoutras drogas e mostra mais uma vez o ponto fracodesse estudo. Entre os desfechos secundários, tal-vez o mais importante a ser avaliado é o que se re-fere à mortalidade total e principalmente cardio-vascular. Novamente não se observou nenhuma di-ferença entre os três grupos, quer para a mortalida-de total ou para a cardiovascular. Portanto, as dife-renças observadas nos desfechos secundários, AVCe insuficiência cardíaca, entre os regimes terapêuti-cos, com todas as reservas de interpretação já comen-tadas, se situam mais no campo da morbidade do queda mortalidade. Novamente, no que se refere à mor-talidade cabe o mesmo questionamento anterior, isto

71Volume 6 / Número 2 / 2003

é, qual seria o resultado se a redução da pressão arte-rial tivesse sido semelhante?

n Alterações de parâmetros laboratoriais: seguran-ça e prognóstico futuroComo era esperado, os pacientes do grupo tratado como diurético clortalidona apresentaram maior freqüên-cia de alterações no perfil de lípides, da glicemia enos níveis séricos de potássio.

l As alterações do perfil lipídico, embora discretas,foram significativas e poderiam inclusive ter sidode maior magnitude caso boa parte dos pacientesnão tivesse recebido pravastatina em decorrênciado desenho do estudo (braço vastatina).

l Em relação ao potássio plasmático, não só os ní-veis séricos foram significativamente menores nogrupo clortalidona em relação aos demais como aincidência de hipocalemia (K+ < 3,5 mEq/l) foimuito maior no grupo clortalidona, cerca de cin-co a dez vezes mais que o observado nos gruposamlodipina e lisinopril. Esse dado é de relevânciaclínica e implicará a instituição de medidas visan-do à reposição desse íon, pois é importante lem-brar que existem estudos clínicos e experimentaisque associam menores níveis séricos de potássioa maior morbidade e mortalidade cardiovascular.Assim, se tal alteração não for corrigida, é possí-vel que ao longo do tempo (período maior que aduração do estudo e habitual para o paciente hi-pertenso) exista aumento de morbidade e mortali-dade especialmente cardiovascular, tamponandoparte do benefício observado.

l Também, como era esperado, os pacientes do gru-po clortalidona apresentaram níveis glicêmicosmédios um pouco maiores que os dos demais, prin-cipalmente em comparação com o grupo lisino-pril. Mais ainda e seguramente de maior relevân-cia é a observação de que o tratamento com basena clortalidona se acompanhou do aparecimentode novos casos de diabetes (isto é, pacientes que

1. The ALLHAT Officers and Coordinators for the ALLHAT CollaborativeResearch Group. Major outcome in high-risk hypertensive patients toangiotensin-converting enzyme inhibitor or calcium channel blocker vs.diuretic. The Antihypertensive and Lipid-Lowering Treatment to PreventHeart Attack Trial (ALLHAT). Jama, v. 228, p. 2981–2997, 2002.

2. The ALLHAT Officers and Coordinators for the ALLHAT CollaborativeResearch Group. Major cardiovascular events in hypertensive pati-

Referências bibliográficas

ents randomized to doxazosin vs. chlortalidone. The Antihyperten-sive and Lipid-Lowering Treatment to Prevent Heart Attack Trial(ALLHAT). Jama, v. 283, p. 1967–1975, 2000.

3. Prospective Studies Collaboration. Age-specific relevance of usualblood pressure to vascular mortality: a meta-analysis of individualdata for one million adults in 61 prospective studies. Lancet, v. 360,p. 1903–1913, 2002.

apresentaram valores glicêmicos de jejum normaise que durante o estudo atingiram níveis superioresa 126 mg/dL): cerca de 43% a mais que o grupolisinopril e 18% a mais que o grupo amlodipina.Esses resultados estão de acordo com observaçõesde estudos prévios que mostraram que terapêuti-cas com os anti-hipertensivos mais antigos (diuré-tico e betabloqueador) se acompanham de maiorincidência de novos casos de diabetes. O apareci-mento desses novos casos, associado ao uso de umdeterminado tratamento, é de alta importância clí-nica, pois seguramente implica, ao longo do tem-po, o prognóstico do paciente, além de acrescentarnovas medidas terapêuticas farmacológicas e não-farmacológicas ao esquema de tratamento. É am-plamente reconhecido que a instalação de diabetemelito aumenta de forma muito significativa o ris-co cardiovascular do paciente. Desse modo, existechance razoável de que se o período de seguimen-to do estudo ALLHAT fosse maior – por exemplo:dez anos – os resultados seriam bem diferentes,com uma taxa de morbidade e mortalidade cardio-vascular maior no grupo clortalidona comparadocom os demais, em decorrência do impacto dessasalterações metabólicas e iônicas.

n Considerações econômicasÉ no mínimo questionável fazer considerações eco-nômicas levando em conta o custo das medicações eapenas os desfechos observados no período de segui-mento médio do ALLHAT, sem considerar a possibi-lidade de que complicações decorrentes das altera-ções metabólicas e iônicas induzidas podem afetar ataxa de eventos num período mais prolongado, que éo usual para o paciente hipertenso. O custo do trata-mento dessas alterações e complicações advindas, tan-to no que se refere à necessidade de adição de novosmedicamentos ao esquema terapêutico como ao sur-gimento de necessidades de propedêutica clínico-la-boratorial adicional e especializada, bem como cus-tos hospitalares, entre outros, deve seguramente fazerparte da equação quando estamos avaliando o impac-to econômico de um tratamento a longo prazo.

72 HIPERTENSÃO

BIOLOGIA MOLECULARGenética molecular ehipertensão arterialNovos paradigmas, antigos problemas

Luiz A. BortolottoMédico Assistente-Doutor da Unidade de Hipertensãodo Instituto do Coração (InCor)do Hospital das Clínicas da FMUSP

Alexandre C. PereiraPesquisador do Laboratório de Genética eCardiologia Molecular, Instituto do Coração doHospital das Clínicas da FMUSP

José Eduardo Krieger*Professor Livre-Docente da FMUSP, Diretor doLaboratório de Genética e Cardiologia Molecular,Instituto do Coração do Hospital das Clínicas daFMUSP

*Endereço para correspondência:Laboratório de Genética e Cardiologia Molecular,Departamento de Clínica Médica, Instituto do Coração doHospital das Clínicas da FMUSPAv. Dr. Enéas Carvalho de Aguiar, 4405403-000 – São Paulo – SPTel.: (11) 3069-5068Fax: (11) 3069-5022E-mail: [email protected]

Autores: Definindo hipertensão

A pressão arterial de um indivíduo ou população é um traçoquantitativo altamente variável. Em estudos populacionais a distri-buição da PA se assemelha a uma distribuição normal, sendo leve-mente desviada para a direita. Além disso, existe uma correlaçãopositiva entre os níveis de PA de um indivíduo e a incidência dedoenças cardiovasculares, renais e mortalidade no mesmo, mesmoque esse indivíduo tenha sua PA na faixa dita de normalidade. Umavez que não existe um nível definido a partir do qual os valores dePA passam a aumentar o risco cardiovascular, a definição de hiper-tensão arterial é arbitrária, estabelecida operacionalmente por razõespráticas para avaliação de risco e tratamento de um indivíduo.

Dessa maneira, o JNC VI (“Sixth Report of the Joint NationalCommittee on Prevention, Detection, Evaluation, and Treatment ofHigh Blood Pressure”) define e classifica a hipertensão em adultoscom base na média entre duas medidas de PA sistólica e diastólicaem pelo menos três visitas ao médico. Com a utilização dessa defi-nição, estima-se que aproximadamente 20% da população mundialseja classificada como hipertensa1.

Dessa maneira, já se delimita o primeiro problema no estudodos definidores da hipertensão arterial. Como utilizar uma defini-ção operacional, não necessariamente vinculada a alterações fisio-patológicas específicas, para a determinação dessas mesmas altera-ções? A despeito da prevalência de hipertensão arterial ser aproxi-madamente constante nas mais diferentes populações humanas, afreqüência dessa condição varia dependendo de uma série de fato-res, como idade, etnia, padrões geográficos, sexo ou status socio-econômico. Novamente aqui se delimita um novo obstáculo a esteestudo, trazendo à tona o problema da validade externa de cada umdesses estudos (isto é, indivíduos hipertensos de uma população po-dem não possuir um mesmo conjunto de alterações do que hiperten-sos de outra população, ainda que a média pressórica de ambos osgrupos seja exatamente igual).

Dessa maneira, a hipertensão arterial pode ser considerada umadoença complexa, multifatorial, na qual diferentes pacientes podemapresentar diferentes fatores causais para o traço, fatores que podemser tanto ambientais quanto genéticos22.

Como então dissecar um traço tão complexo, delimitando demaneira específica cada um dos componentes?

Fatores etiológicos para hipertensãoarterial: definindo a equação

Vários fatores implicados no aumento da pressão arterial já fo-ram claramente identificados; por exemplo: obesidade, resistência àinsulina, consumo aumentado de álcool, consumo aumentado de sal(pelo menos em indivíduos sal-sensíveis), idade, sedentarismo, es-tresse, baixo consumo de potássio e cálcio, entre outros2. O reconhe-cimento desses fatores de risco pode levar a um diagnóstico mais pre-

Resumo

A hipertensão arterial sistêmica (HAS) é um dos mais impor-tantes fatores de risco para as doenças cardiovasculares. Aqui, enfa-tiza-se como abordagens baseadas em Biologia e Genética Molecu-lar podem aumentar o conhecimento dos fatores determinantes donível pressórico de um indivíduo, assim como das variáveis predito-ras de uma boa resposta à terapêutica escolhida para seu tratamento.Abordam-se alguns dos aspectos metodológicos existentes e quais osproblemas atuais para a interpretação dos dados gerados a partirdessas abordagens. Espera-se que num futuro não muito distante al-goritmos para o diagnóstico e a determinação de um perfil de respos-ta terapêutica mais específicos possam estar disponíveis para clíni-cos e pacientes. O entendimento dos fatores genéticos relacionados aesses perfis será de fundamental importância para que tanto a morbi-dade quanto a mortalidade causada pela hipertensão arterial pos-sam ser minimizadas por modalidades não apenas terapêuticas, mastambém preventivas, mais específicas e custo-efetivas.

73Volume 6 / Número 2 / 2003

coce, à instalação de medidas de prevenção não-farmacológicas, ou aum melhor tratamento, quando da condição já instalada.

Postula-se, ainda, que variações genéticas podem contribuir paraa determinação dos níveis de pressão arterial de um indivíduo. Esseconceito não se deve apenas à herdabilidade elevada da pressão arte-rial definida como um fenótipo ou ao caráter quantitativo de suadistribuição populacional, mas também ao grande impulso que tra-balhos envolvendo modelos animais de hipertensão, estes, sim, ge-neticamente determinados, deram ao estudo desses determinantes.Não se deve subestimar, ainda, a contribuição dos fatores genéticosna própria definição de outros fatores de risco considerados ambien-tais, como diabetes, obesidade ou mesmo consumo de álcool. Outroaspecto importante que deve ser levado em conta nesse complexomodelo são as possíveis interações, aditivas ou mesmo sinérgicas,entre fatores de risco ditos ambientais e fatores de risco genetica-mente determinados6.

É justamente a elucidação de quais são as variáveis genéticasimportantes nessa enorme equação que pode ajudar médicos a me-lhor diagnosticar e tratar seus pacientes. Dessa maneira, definir quea hipertensão de um indivíduo se deve sobremaneira à presença deresistência à insulina, obesidade, idade e à interação dessas condi-ções com outros tantos fatores de risco genéticos pode ser muitomais importante no futuro para o manejo clínico de um paciente doque conceituá-lo unicamente como hipertenso essencial.

Herdando níveis depressão arterial

A identificação de variantes gênicas (alelos) que contribuempara o desenvolvimento da hipertensão é ainda complicada pelo fatode a hipertensão arterial ser, como fenótipo, o resultado de uma sé-rie de outros fenótipos intermediários. Ou seja, a hipertensão arte-rial de um indivíduo nada mais é do que o resultado final do sistemade homeostase de uma série de sistemas fisiológicos operantes nomomento da medida da PA.

Nesse sentido, toma fundamental importância a capacidade dedissecarmos um fenótipo complexo, desmembrando-o em sucessi-vos fenótipos mais simples (e muitas vezes mais específicos) no in-tuito de, operacionalmente, melhor definirmos as variáveis atuantesnesses chamados fenótipos intermediários4,25. Assim, o estudo dosdeterminantes de outros sistemas fisiológicos relacionados à home-ostase pressórica toma proporções cada vez mais relevantes. O estu-do do sistema nervoso autônomo, de hormônios vasopressores/va-sodilatadores, estrutura e função cardíaca e dos vasos, função renal,homeostase de líquidos, assim como vários outros, poderia, dessamaneira, auxiliar na definição dos determinantes gênicos do fenótipoinicial mais complexo; neste caso, a pressão arterial.

Mas quais são as evidências de que realmente existem deter-minantes genéticos para a pressão arterial?

Diversos estudos demonstraram a agregação familiar de valo-res de hipertensão arterial, tanto entre irmãos quanto entre pais efilhos5. Existe uma associação mais importante entre os níveis pres-sóricos de irmãos biológicos, comparados com o de irmãos adoti-vos. Além disso, estudos com gêmeos mostram uma concordânciamaior entre gêmeos monozigóticos do que com gêmeos dizigóticos,outra evidência de que os níveis de pressão arterial são, em parte,geneticamente determinados. Aplica-se aqui a mesma observaçãoantes realizada. Esses estudos podem subestimar a colaboração defatores genéticos, uma vez que padrões comportamentais como obe-sidade ou uso excessivo de álcool também podem ser modulados porfatores genéticos.

Outra evidência para a existência de fatores genéticos determi-nando os níveis de pressão arterial de um indivíduo é a existência deuma série de modelos animais para hipertensão arterial. Aqui, clas-sicamente se destacam os modelos animais existentes em ratos, comoo SHR, o SHR-SP ou o Dahl, em que características ligadas à hiper-tensão arterial são geneticamente determinadas7. Importantes avan-ços no entendimento da fisiopatologia e dos determinantes dos ní-veis pressóricos devem-se a investimentos em estudos com aborda-gens de localização e isolamento gênico nesses modelos animais8.

Talvez, no entanto, a maior evidência de que variantes genéti-cas podem influenciar os níveis pressóricos de um indivíduo advenhado estudo de famílias que apresentam segregação clássica (nos pa-drões mendelianos) dos valores de pressão arterial. Uma série demutações em diferentes genes participantes dos sistemas de home-ostase de sal e água já foi caracterizada em famílias com formasmonogênicas de hipertensão arterial (isto é, famílias que apresenta-vam padrão de herança mendeliano para o valor da pressão arterialde seus membros)23.

Definindo os determinantesmoleculares na hipertensão:aspectos metodológicos

Tradicionalmente a identificação de genes relacionados a doen-ças vem sendo realizada através de modelos de análise genéticosdescritos já no início da década de 50, mas que tiveram crescimentoexponencial de seus usos e aplicações com o advento do ProjetoGenoma Humano.

A identificação de um gene causador de determinada patologiapassa, fundamentalmente, por uma de duas abordagens distintas: sualocalização através de clonagem posicional, na qual um gene mutantecausador de uma doença é identificado a partir de sua posição no geno-ma, ou a inferência da associação desse gene com uma doença atravésde estudos associativos nos quais genes candidatos a causadores da doen-ça são testados em diferentes estudos em busca de uma associação posi-tiva com a mesma. A seguir, descrevem-se de forma resumida as princi-pais características e usos desses dois tipos de estudos.

Doenças monogênicas eestudos de ligação

Quando estudamos uma doença que segue os padrões de he-rança genética descritos por Mendel, dizemos que essa doença émendeliana quanto a sua herança genética. Denominamos doençasmonogênicas aquelas que são causadas por apenas um gene mutan-te. As doenças mendelianas, por serem monogênicas, podem ter seupadrão de herança definido através da análise do heredograma defamílias afetadas, ou através do estudo de várias famílias em estudosde segregação. Uma vez definido o tipo de herança genética (autos-sômica dominante, recessiva ou ligada ao X), o pesquisador podeutilizar métodos de pesquisa mais específicos na busca do gene cau-sador da patologia.

Esses métodos, denominados paramétricos, são exemplificadospelos estudos da ligação.

O fenômeno de ligação genética deriva do fato de que genescoexistem num mesmo cromossomo. Em seres humanos existem 22pares de cromossomos autossômicos e um par de cromossomos se-xuais. Durante a meiose, os dois cromossomos de um par segregam,de forma que apenas um cromossomo de cada par é transmitido para

74 HIPERTENSÃO

um gameta. Os vários cromossomos segregam de forma independen-te, assim os alelos localizados em diferentes cromossomos tambémsegregam de forma independente. Isso significa que dois traços defi-nidos por alelos em diferentes cromossomos serão herdados de formaindependente numa família. Da mesma maneira, dois traços defini-dos por alelos que estejam localizados num mesmo cromossomo po-dem não ser herdados independentemente um do outro e sim seremtransmitidos juntos ao gameta. Teoricamente, poderíamos supor quedois alelos no mesmo cromossomo sempre seriam transmitidos jun-tos aos gametas, uma vez que estão no mesmo cromossomo. Contu-do, na disjunção meiótica os cromossomos não permanecem intactos:“crossing-over”, ou recombinação gênica, ocorre entre cromossomoshomólogos de um mesmo par. Quando um evento de recombinaçãoocorre entre dois loci genômicos, situados contiguamente num mes-mo cromossomo, estes serão segregados de maneira independente,como se estivessem em cromossomos diferentes. A freqüência comque eventos de recombinação ocorrem entre dois loci depende funda-mentalmente da distância cromossômica que separa esses dois loci:quanto maior a distância, maior a chance de que ocorra recombinaçãoentre ambos. Assim, para dois loci próximos, eventos de recombinaçãoserão raros, para dois loci distantes num cromossomo, praticamenteuma certeza. Denominamos, ainda, fração de recombinação à propor-ção de todos os gametas que tiveram recombinação genética entredois loci de interesse. Dessa maneira, se dispusermos de um númerogrande de loci no genoma, dos quais conheçamos a exata localização,poderemos, no contexto de uma família, estudar a fração derecombinação entre estes loci conhecidos (marcadores genéticos) comrelação ao locus em que se encontra o gene mutante causador da doen-ça, ou traço, que pretendemos estudar. É a esse estudo que denomina-mos estudo de ligação (se a fração de recombinação entre um marca-dor genético e o locus da doença for pequena, ambos devem estarpróximos (ligados quanto à segregação) no genoma e a clonagemposicional deste passa a ser possível).

De maneira simplificada, em estudos de ligação procuramosestudar o padrão de segregação do gene mutante, e sua conseqüenteidentificação, através da construção de densos “mapas” genéticosde cada membro da família. Após a construção desses mapas, procu-ramos determinada região dos mapas que esteja segregando juntocom a doença estudada. Em outras palavras, procuramos uma regiãoque esteja presente apenas nos indivíduos afetados dessa família eausente nos não-afetados. É nessa região cromossômica que o genemutante causador da doença deverá se localizar.

Num segundo momento, procede-se ao estudo detalhado daregião identificada em busca da identificação precisa do gene mutado(clonagem posicional).

Estudos de ligação, apesar de descritos e propostos já nos anos50, tiveram seu uso historicamente limitado pela falta de marcado-res genômicos definidos. Eram limitados a marcadores essencial-mente fenotípicos, como sexo e polimorfismos protéicos. Essas li-mitações foram recentemente superadas com a descrição de um gran-de número (milhares) de marcadores genéticos, tarefa especialmen-te facilitada pelo Projeto Genoma Humano. Durante os últimos anosesses marcadores foram utilizados com grande sucesso em estudosde ligação de um grande número de doenças mendelianas. Em Car-diologia não foi diferente: as formas familiares de cardiomiopatiashipertrófica e dilatada, doenças cardíacas congênitas, síndrome deMarfan e as arritmias congênitas foram definidas geneticamente como uso de estudos de ligação.

Algumas limitações, contudo, existem quanto ao uso desse tipode estudo. Em primeiro lugar é necessário que se conheça o tipo deherança envolvido; são geralmente necessárias grandes famílias afe-tadas pela doença (o que nem sempre é possível devido à raridade e

alta mortalidade encontradas); fenômenos como a penetrância redu-zida, a heterogeneidade genética ou a variabilidade na expressão clí-nica de determinado defeito podem também reduzir a aplicabilidadedesses métodos. Ainda assim, uma vez superados esses problemas,estudos de ligação são o desenho de estudo de escolha na aborda-gem genética de doenças monogênicas9.

Formas mendelianas de hipertensão:o canal epitelial de sódio e asíndrome de Liddle como modelo

Em 1963, Liddle e colaboradores descreveram uma síndromeautossômica dominante associada a hipertensão moderada a severa,hipocalemia, alcalose metabólica e níveis plasmáticos suprimidosde renina e aldosterona. A correção, tanto da hipertensão quanto dahipocalemia, através do uso de amiloride sugeria que um dos poten-ciais candidatos a ser o causador da síndrome de Liddle, como pas-sou a ser conhecida, era o canal epitelial de sódio (CENa) renal. Em1994, Shimkets e colaboradores foram os primeiros a descrever mu-tações na região carboxiterminal da subunidade beta do CENa asso-ciadas à síndrome de Liddle.

Através da regulação via aldosterona e vasopressina, o canalepitelial de sódio (CENa) localizado no néfron distal é um dos deter-minantes primários da absorção renal deste íon. Esse canal compos-to por três subunidades é membro da superfamília de genes dos ca-nais epiteliais de sódio, que inclui mais de 20 proteínas homólogas.As proteínas dessa superfamília compartilham uma estrutura carac-terística: dois domínios transmembrana interligados por uma alçaextracelular e com domínios carboxi e aminoterminais localizadosno intracelular. A alça extracelular é o local de acoplamento da dro-ga amiloride, e a região carboxiterminal um “hot spot” para muta-ções que alteram a função do canal em humanos. No néfron distal, oCENa é uma proteína heterotetrâmica, composta por três diferentessubunidades homólogas: duas subunidades alfa, separadas por umasubunidade beta e outra gama, sendo todas necessárias para o fun-cionamento normal da proteína.

Análises de outras famílias já identificaram mutações em se-qüências ricas em prolina das porções carboxiterminais dassubunidades beta e gama. Estudos de mutagênese permitiram anali-sar algumas dessas mutações e mostrar que elas levam a proteínasconstitutivamente ativadas. Além disso, várias evidências sugeremque mutações causadoras da síndrome de Liddle levam tanto à ex-pressão de um número maior de canais de sódio quanto a um aumen-to da probabilidade de abertura dos mesmos. Dois mecanismos sãopropostos para explicar tal fenômeno. Mutações em regiões ricas emprolina nas subunidades beta e gama, mas não alfa, podem levar auma diminuição da endocitose dessas proteínas, aumentando assimsuas meias-vidas. A regulação da meia-vida dessas proteínas pareceestar ligada à ubiquitinação de porções carboxiterminais dassubunidades alfa e gama do CENa. Esse processo depende da açãode ubiquitina-ligase de uma outra proteína, Nedd4. Embora muta-ções em Nedd4 ainda não tenham sido descritas como personagensde desbalanços da homeostase pressórica, alterações em CENa nosítio de ação dessa enzima parecem contribuir para o fenótipo deaumento de meia-vida observado na síndrome de Liddle.

A síndrome de Liddle pode ser tratada através da restrição sali-na e do uso de amiloride (um diurético inibidor seletivo desse canalde sódio). Estudos com pacientes portadores dessa síndrome podemtrazer maiores esclarecimentos para o fenômeno da hipertensão sal-sensível, assim como definir formas terapêuticas ainda mais especí-ficas para essa e outras formas de hipertensão arterial10,11.

75Volume 6 / Número 2 / 2003

Hipertensão arterial essencial comodoença complexa: interações gene-ambiente e estudos de associação

A epidemiologia genética tem se tornado progressivamente maisimportante no estudo dos determinantes moleculares das doençascomplexas. Denominam-se doenças complexas aquelas que têm suagênese e desenvolvimento dependente de uma série de diferentesfatores genéticos e ambientais. Assim, diferentemente das doençasmonogênicas descritas anteriormente, as doenças complexas são cau-sadas por um grande número de alelos gênicos e por diferentes inte-rações desses alelos com influências ambientais. O conceito da inte-ração gene-ambiente torna-se central nesses tipos de estudo e noacesso das causas dessas doenças em populações humanas.

Uma série de diferentes tipos de estudos vem sendo proposta eutilizada nesse sentido. Uma vez que a preocupação central dessesestudos não é a de localizar a mutação causadora da doença nem estu-dar seu padrão de herança, e sim a de procurar melhor entender aetiologia e patofisiologia dessas afecções através da quantificação dorisco de indivíduos em uma população, modelos de análise não-paramétrica vêm sendo preferencialmente utilizados. Esses modelos,diferentemente dos estudos paramétricos (por exemplo, estudos deligação) não pressupõem o conhecimento do tipo de herança genéticada doença a priori sendo, assim, ideais para o estudo de doenças comoo diabetes, a hipertensão e a aterosclerose que, apesar de se agrega-rem em famílias, não têm um modelo de segregação facilmentedeterminável. Outra vantagem do uso de modelos não-paramétricosna análise de dados é que eles oferecem ao pesquisador maior sensi-bilidade para a identificação de alelos que aumentem apenas modera-damente o risco relativo de um indivíduo ao desenvolvimento de umapatologia. Uma vez que se acredita que as doenças complexas sãocausadas por um número grande de alelos deletérios que, individual-mente, confeririam um risco pouco aumentado ao indivíduo portadordo mesmo, a análise dessas doenças através de estudos paramétricosprovavelmente não identificaria tais alelos como de risco.

Estudos epidemiológicos clássicos nocontexto das interações gene-ambiente:

Se entendermos as interações gene-ambiente como o controlegenético da sensibilidade de um indivíduo às exposições ambien-tais, e fatores genéticos como uma das características de seus porta-dores, então essas interações poderiam ser analisadas através do usode desenhos de estudos epidemiológicos clássicos, como estudos decoorte e caso-controle.

Em um estudo tipo caso-controle os marcadores genéticos pos-tulados a participarem em algum aspecto da doença estudada e fato-res ambientais supostamente relevantes são estudados individualmen-te como preditores independentes de doença, assim como de manei-ra conjunta. Nos estudos de coorte, as exposições ambientais e osfatores de risco genéticos são mensurados para todos os indivíduosno início do estudo e depois durante avaliações subsequentes.

Apesar de esses estudos terem se tornado bastante populares,principalmente por serem já de uso corrente nas investigações deepidemiologia clínica, bastante sensíveis e permitirem a análise devários tipos diferentes de exposição e interações gênicas com o de-senvolvimento de determinada patologia, eles apresentam alguns pro-blemas metodológicos que têm diminuído o interesse de pesquisa-dores pelo seu uso.

Dentre esses problemas se destacam a difícil escolha de contro-les (as freqüências dos diferentes marcadores estudados são altamen-te dependentes do grupo étnico e da estrutura populacional estudada);erros na quantificação da exposição ambiental (inerente a todos ostipos de estudos epidemiológicos; quando do estudo das interaçõesgene-ambiente esse tipo de erro pode produzir grandes equívocos naestimação das interações estudadas, uma vez que essas são dependen-tes do valor total da exposição, assim como dos valores relativos aotempo de exposição e período da exposição – por exemplo, intra-úte-ro); erro na classificação genotípica (enquanto não se definirem todasas variantes funcionais de um gene numa população, pode-se estarpesquisando as variantes funcionais “erradas”, ou seja, aquelas quenão conferem risco, apesar do gene em questão estar envolvido nagênese da patologia); tamanho das amostras (muitas vezes grandesamostras são necessárias para determinados tipos de estudo, princi-palmente quando os alelos estudados são pouco freqüentes e o tipo deexposição também é pouco freqüente ou apenas moderado)9.

Estudos epidemiológicosnão-tradicionais:

Dúvidas quanto à escolha do melhor grupo controle para estu-dos do tipo caso-controle levaram ao desenvolvimento de uma sériede abordagens não-tradicionais nos estudos de associação genética.Destacam-se três diferentes abordagens que permitem contornar osproblemas de variação populacional e étnica quanto aos marcadoresgenéticos utilizados: estudos que somente utilizam casos; estudosdo tipo caso-familiar e estudos do tipo caso-irmão (“sib-pair”).

Em estudos que se utilizam apenas de casos não existe um gru-po controle e o pesquisador parte do princípio de que o genótipo deum indivíduo e sua exposição ambiental são variáveis independen-tes. Várias limitações existem nesse tipo de desenho:

n a escolha dos casos é ainda sujeita aos biases usuaisdesta escolha, como em estudos caso-controles;

n a assunção de que as exposições são independentesdo genótipo não são válidas para todos os genes;

n esse tipo de desenho não permite ao investigador ava-liar os efeitos, ou da exposição ou do genótipo, deforma independente;

n assim como em estudos do tipo caso-controle, a asso-ciação encontrada pode ser apenas por desequilíbriode ligação (no qual o alelo estudado não é o “causa-dor” da associação e sim apenas “próximo” genetica-mente do alelo realmente importante).

Em estudos que utilizam casos e familiares, estes últimos sãoutilizados como grupo controle na procura de marcadores genéticosque poderiam estar associados a um aumento do risco para o desen-volvimento da doença. O método requer o conhecimento das infor-mações genotípicas dos pais dos indivíduos-casos. Em sua formamais simples, esse tipo de teste compara os alelos transmitidos deindivíduos afetados com os alelos não-transmitidos. Os alelos não-transmitidos formam um grupo de alelos controles. A análise é con-duzida de forma condicional aos genótipos dos pais, com cada “trio”familiar sendo considerado uma unidade à parte. Uma das limita-ções desse método é que o grupo controle pode não ser representati-vo da população em risco para a patologia estudada, especialmentequando alguns dos genótipos estudados podem interferir com a ca-pacidade reprodutora. Além disso, a necessidade dos pais dos indi-

76 HIPERTENSÃO

víduos-casos pode constituir um grande empecilho para o uso dessemétodo, especialmente quando se estudam patologias crônicas, maisprevalecentes numa faixa etária mais avançada.

O terceiro tipo de método epidemiológico não-tradicional aquidescrito é o de caso-irmão. Nesse tipo de análise o investigador determi-na se cada unidade caso-irmão compartilha 0, 1 ou 2 alelos em um locusde interesse. A segregação mendeliana ocorre de forma aleatória e achance de que dois irmãos compartilhem 0, 1 ou 2 alelos é, respectiva-mente, de 25%, 50% e 25%. Desvios dessa distribuição falam a favor deque existe uma ligação entre os alelos estudados e a doença. Diferente-mente dos desenhos previamente discutidos, esse modelo testa para aexistência de ligação, ou seja, adiciona ao modelo de análise associativao fator segregação, ponto central dos estudos em genética.

Uma série de variantes dos modelos propostos vem sendo de-senvolvida. Uma maior capacidade técnica para a geração de dadosgenotípicos associada a um maior poder estatístico advindo de no-vos algoritmos e modelos matemáticos prometem revolucionar a áreado estudo das doenças complexas e auxiliar não apenas em seu en-tendimento, mas também no tratamento e na prevenção12,13.

Determinantes moleculares dahipertensão arterial essencialou primária

Apesar dos vários avanços na caracterização molecular de di-versas formas monogênicas de hipertensão, as alterações genéticasresponsáveis pelo componente herdado dos níveis de pressão arterialnos casos de hipertensão essencial são ainda desconhecidas. Estudosem famílias sugerem que uma série de fenótipos intermediários po-dem estar diretamente relacionados com hipertensão, como alto con-tra-transporte sódio-lítio, baixa excreção urinária de calicreínas, altasconcentrações plasmáticas de insulina, alto índice de massa corpórea,entre outros. Jeunemaitre et al. foram os primeiros a reportar a asso-ciação entre um polimorfismo gênico e a hipertensão arterial numapopulação humana. Esse polimorfismo se encontra no gene do angio-tensinogênio e é a substituição de uma timidina por uma citosina naposição 704 do gene. Essa alteração gênica leva a uma alteração deaminoácido na proteína, caracterizada pela substituição de umametionina por uma treonina na posição 235. A presença dessa altera-ção se associa com maior concentração plasmática de angiotensino-gênio. Essa variante parece se encontrar em desequilíbrio de ligaçãocom outra alteração, presente na região promotora do gene. Estudoscom o promotor do gene sugerem que a presença desta segunda alte-ração muda a taxa basal de transcrição do gene, podendo assim justi-ficar o achado de níveis plasmáticos mais altos de angiotensinogênionas pessoas portadoras da variante14.

Muitos estudos foram publicados, desde então, sobre a associaçãoentre esse polimorfismo e a hipertensão arterial em diversas popula-ções humanas, apresentando resultados bastante discordantes15–17. Pri-meiramente, tal polimorfismo parece explicar apenas uma pequenafração da variação da PA (aproximadamente 6%). Além disso, as con-centrações plasmáticas de angiotensinogênio, apesar de maiores empessoas com o polimorfismo, claramente se sobrepõem às de pessoasnormais. Dessa forma, ainda não existe consenso sobre qual o papeldessa variante na determinação dos níveis de PA em humanos.

O caso do angiotensinogênio expõe algumas das principais di-ficuldades na definição dos determinantes genéticos primários dapressão arterial. Uma série de polimorfismos e mutações em outrosgenes, como da enzima conversora de angiotensina I, receptores be-taadrenérgicos, alfaaduccina, subunidades de proteína G, fator atrial

natriurético e receptor de insulina já foram também associados ini-cialmente ao desenvolvimento de pressão arterial, mas subseqüente-mente não-confirmados em outros estudos. Espera-se que aborda-gens mais robustas de delineamento metodológico, assim como autilização de uma maior capacidade de geração de dados, possamajudar a vencer alguns desses novos desafios21.

Tratamento da hipertensão arterial:moldando a terapêutica ao paciente

O objetivo do tratamento anti-hipertensivo é o de reduzir o ris-co cardiovascular de um indivíduo e, assim, as taxas de morbidade emortalidade. Em um paciente, a decisão de iniciar tratamento é de-terminada por uma série de fatores, como a magnitude da elevaçãoda PA, o acometimento de órgãos-alvo e a presença de outros fatoresde risco cardiovascular. Nos últimos anos, uma série de alteraçõesnos paradigmas desse tratamento ocorreram. Essas mudanças foramrefletidas em consensos recentes, como o JNC VI e o “Guideline” daOMS – Sociedade Internacional de Hipertensão. Nestes, sensíveisalterações puderam ser percebidas:

n os critérios para início de tratamento não dependemapenas do nível da PA, mas, como já foi citado, dorisco cardiovascular total do indivíduo em questão;

n um tratamento mais agressivo é recomendado paraalguns pacientes em particular, como diabéticos oupacientes com insuficiência renal crônica;

n houve melhor definição da importância da aborda-gem múltipla de vários fatores de risco simultanea-mente. Todas essas alterações remetem, no entanto, auma mudança mais importante, também enfatizadaem ambos os consensos: a busca pela individualiza-ção do tratamento18.

Nesse sentido, a identificação dos fatores ambientais e genéticosresponsáveis pela elevação na PA e pelo acometimento de órgãos-alvoou morte por eventos cardiovasculares em um indivíduo pode levar àdefinição de formas farmacológicas e não-farmacológicas de preven-ção, tratamento e até mesmo cura da hipertensão mais específicas.

Atualmente, por exemplo, existem evidências de que altera-ções no estilo de vida, como diminuição de peso, menor consumo deálcool ou aumento no consumo de potássio e cálcio podem levar areduções significativas nos níveis de PA. No entanto, essas altera-ções são particularmente mais eficientes em alguns indivíduos. Atual-mente já se identificam indivíduos com maior ou menor resposta adeterminada modalidade terapêutica anti-hipertensiva19. A identifi-cação precisa de quais indivíduos irão responder a qual tipo de inter-venção se configura no cerne desse novo paradigma.

Farmacogenética e hipertensão

Quais fatores podem determinar o risco individual de desen-volvimento de uma reação adversa, um efeito colateral ou a falhaterapêutica de uma medicação?

Fatores já citados para explicar a resposta individual de um indiví-duo a determinada modalidade terapêutica são as interações entre dife-rentes drogas, a idade do paciente, outras doenças associadas (hiperten-são + diabetes, hipertensão + osteoporose, hipertensão + dislipidemia,por exemplo) e o estilo de vida do paciente (tabagismo ou etilismo, por

77Volume 6 / Número 2 / 2003

exemplo). No entanto, ainda mais importante na determinação indivi-dual da resposta são fatores herdados capazes de alterar a cinética e adinâmica de uma série de drogas20. Assim, variações genéticas em genesresponsáveis por enzimas metabolizadoras de drogas, receptores de dro-gas e proteínas transportadoras de drogas, já foram associadas com avariabilidade individual na resposta ou toxicidade às drogas. Se existemvariações gênicas em determinada população numa freqüência maiordo que 1%, tais variações são denominadas polimorfismos gênicos. Po-limorfismos gênicos podem explicar por que determinado indivíduo seencontra em maior risco para uma pior resposta ou ao desenvolvimentode uma reação adversa a determinada droga.

As primeiras descrições de reações adversas a drogas relacio-nadas a variantes de enzimas metabolizadoras datam da década de50. Curiosamente, a identificação genética de uma dessas enzimas(uma das enzimas participantes do sistema metabolizador do cito-cromo P450 – CYP 2D6) foi auxiliada pelo estudo de pacientes queapresentavam hipotensão ortostática com o uso da droga anti-hiper-tensiva debrisoquina. Atualmente muitas variantes gênicas em enzi-mas metabolizadoras, receptores e transportadores já foram descri-tas e vêm sendo estudadas como determinantes da resposta à terapiaanti-hipertensiva24.

São exemplos, nesse sentido, variantes gênicas no gene daalfaaduccina, associadas à resposta a diuréticos tiazídicos; o poli-morfismo D/I do gene da enzima conversora da angiotensina I, asso-ciado à resposta à terapêutica com inibidores da mesma enzima; va-riantes da enzima do citocromo P450 CYP 2C9 e um efeito anti-hipertensivo menor do losartan e variações no gene da N-acetiltransferase e o desenvolvimento de lúpus eritematoso sistêmi-co secundário ao uso de hidralazina. Esses e novos exemplos certa-mente irão se beneficiar de esforços conjuntos na geração de novosdados genéticos em larga escala e da consolidação de novas aborda-gens matemáticas e computacionais que vêm sendo desenvolvidas.Ressalte-se, no entanto, que esses estudos devem ser alvo das mes-mas críticas antes feitas ao estudo dos determinantes primários dapressão arterial e ainda necessitam reprodução em estudos de maiordimensão.

Ainda assim, espera-se que, num futuro não muito distante,algoritmos para o diagnóstico e o traçado de um perfil de respostaterapêutica mais específicos possam estar disponíveis para clínicose pacientes e que com isso tanto a morbidade quanto a mortalidadecausada pela hipertensão arterial possam ser minimizadas por mo-dalidades não apenas terapêuticas, mas preventivas mais específicase custo-efetivas.

Referências bibliográficas

1. The Sixth Report of The Joint National Committee on Prevention,Detection, Evaluation, and Treatment of High Blood Pressure.Arch Intern Med, v. 157, p. 2413–2446, 1997.

2. CARRETERO OA, OPARIL S. Essential hypertension. Part I:definition and etiology. Circulation, v. 101, p. 329–335, 2000.

3. GUO SW, LANGE K. Genetic mapping of complex traits: promises,problems, and prospects. Theor Popul Biol, v. 57, p. 1–11, 2000.

4. GINER V, POCH E, BRAGULAT E, ORIOLA J et al. Renin-angiotensin system genetic polymorphisms and salt sensitivityin essential hypertension. Hypertension, v. 35, p. 512–517, 2000.

5. HAVLIK RJ, GARRISON RJ, FEINLEIB M, KANNEL WB,CASTELLI WP, MCNAMARA PM. Blood pressure agregationin families. Am J Epidemiol, v. 110, p. 304–312, 1979.

6. HARRAP SB. Hypertension: genes versus environment. Lancet,v. 344, p. 169–171, 1994.

7. WARDEN CH, FISLER JS. Integrated methods to solve thebiological basis of common diseases. Methods: a companion tomethods enzymol, v. 13, p. 347–357, 1997.

8. JACOB HJ, KRIEGER JE, DZAU VJ, LANDER ES. Geneticdissection of hypertension in experimental animal models. In:MOCKRIN SC (ed.). Molecular genetics and gene therapy of car-diovascular diseases. New York: 1996. p. 293–319.

9. PEREIRA AC, KRIEGER JE. Diabete e aterosclerose: até onde agenética molecular pode nos levar? Rev Soc Cardiol Est SãoPaulo, v. 5, p. 1025–1032, 1998.

10. LIFTON RP. Molecular genetics of human blood pressure variation.Science, v. 272, p. 676–680, 1996.

11. GABERS DL, DUBOIS SK. The molecular basis of hypertension.Annu Rev Biochem, v. 68, p. 127–155, 1999.

12. RISCH N. Evolving methods in genetic epidemiology. II. Geneticlinkage from an epidemiologic perspective. Epidemiol Rev, v.19, p. 24–32, 1997.

13. LANDER ES, SCHORK NJ. Genetic dissection of complex traits.Science, v. 265, p. 2037–2048, 1994.

14. CORVOL P, JEUNEMAITRE X. Molecular genetics of humanhypertension: role of angiotensinogen. Endocr Rev, v. 18, p. 662–677, 1997.

15. BRAND E, CHATELAIN N, KEAVNEY B, CAULFIELD M,CITTERIO L, CONNELL J, GROBBEE D, SCHMIDT S,SCHUNKERT H, SCHUSTER H, SHARMA AM, SOUBRIERF. Evaluation of the angiotensinogen locus in human essentialhypertension: a European study. Hypertension, v. 31, p. 725–729, 1998.

16. VASKU A, SOUCEK M, ZNOJIL V, RIHACEK I, TSCHOPLOVAS, STRELCOVA L, CIDL K, BLAZKOVA M, HAJEK D,HOLLA L, VACHA J. Angiotensin I-converting enzyme andangiotensinogen gene interaction and prediction of essentialhypertension. Kidney Int, v. 53, p. 1479–1482, 1998.

17. KIEMA TR, KAUMA H, RANTALA AO, LILJA M, REUNANENA, KESANIEMI YA, SAVOLAINEN MJ. Variation at theangiotensin-converting enzyme gene and angiotensinogen geneloci in relation to blood pressure. Hypertension, v. 28, p. 1070–1075, 1996.

18. CARRETERO OA, OPARIL S. Essential hypertension. Part II:Treatment. Circulation, v. 101, p. 446–453, 2000.

19. HE JIANG, WHELTON PK. Selection of initial antihypertensivedrug therapy. Lancet, v. 356, p. 1942–1943, 2000.

20. EVANS WE, RELLING MV. Pharmacogenomics: translatingfunctional genomics into rational therapeutics. Science, v. 286,p. 487–491, 1999.

21. KRIEGER JE. New contributions to clinical hypertension frommolecular biology. Curr Opin Cardiol, v. 13, p. 312–318, 1998.

22. DZAU VJ, KRIEGER JE, HUTCHINSON H. Molecularmechanisms in hypertension. In: HARBER E (ed.). Molecularcardiovascular medicine. New York: Scientific American, 1995.p. 225–241.

23. CUSI D, BIANCHI G. A primer on the genetics of hypertension.Kidney Int, v. 54, p. 328–342, 1998.

24. MEYER UA. Pharmacogenetics and adverse drug reactions. Lancet,v. 356, p. 1667–1671, 2000.

25. GRATZE G, FORTIN J, LABUGGER R, BINDER A, KOTANKOP et al. Beta adrenergic receptor variants affect resting bloodpressure and agonist induced vasodilation in young adultcaucasians. Hypertension, v. 33, p. 1425–1430, 1999.