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http://revistaliteratas.blogspot.com Publicidade Maputo | Ano II | Nº40 | Julho de 2012 Conecte-nos no http://revistaliteratas.blogspot.com Eu não sei o que é a inspiração. Entrevista: José Luís Tavares | Pág. 11 Luis Kandjimbo VARIAÇÕES E TENDÊNCIAS DOS DISCURSOS CRITICOS AFRICANOS

Revista Literatas - edicao 40

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LITERATAS - Revista de Literatura Mocambicana e Lusofona. revistaliteratas.blogspot.com

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Maputo | Ano II | Nº40 | Julho de 2012 Conecte-nos no

http://revistaliteratas.blogspot.com

Eu não sei o que

é a inspiração. Entrevista: José Luís Tavares | Pág. 11

Luis Kandjimbo

VARIAÇÕES E

TENDÊNCIAS

DOS

DISCURSOS

CRITICOS

AFRICANOS

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Ficha técnica

Cartas | Comentários | Opiniões | Reações

Movimento Kuphaluxa através de Literatas

há 22 horas ·

Izidine Jaime Hehehehehehehehe essa crónica que possivelmente teve tantos assuntos sem o ter(?) carece de si mesma, isto 'e: Conceitos individuais não se generalizam antes porem de absorverem a plenitude total da razão. Ainda bem que não estou sujeito a aceitar ou

negar a sua opinião (em qualquer virtude sem idade), porque a razão não tem lados. 'E tudo uma questão de compreensão. Gostei

há 20 horas · Gosto

Mestre Lopito Feijóo dando a sua aula de sapiência sobre o SER POETA

Crónica: Um texto sem assunto para Jovens Poetas ~ Literatas revistaliteratas.blogspot.com

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Literatas no face-

book - debatendo

ideias e aconteci-

mentos.

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Receba às sextas-feiras Literatas em PDF e comenta sobre os assun-

tos retratados através do e-mail: [email protected]

Quarta-feira

Mauro Manhica Caros. Aprecio o trabalho que tendes feito nesta Literatas, que bem tem divulgado autores; jovens e consagrados, da melhor literatura que se tem feito nesta terra. Um pedido pessoal: Que estejam ainda mais atentos e divulguem os jovens valores que tem surgido; poetas, contistas e romancistas, pois estes tem menor exposição mediática comparativamente aos consagrados. Uma sugestão: Façam uma matéria/entrevista com Hélder Faife, grande vencedor da última edição do concurso literário TDM (2010). Venceu em 2 categorias; Poesia e Conto. É um talentoso escritor que nos seus poemas e contos aborda problemáticas dos jovens da sua geração e as suas obras estão nas principais livrarias de Maputo. Quando quiserem, passo-vos os contactos dele. Um abraço

Prezados Amigos da Lusofonia Revista Literatas Edição Nr 39 >>> Educadamente... Abaixo deixarei um comentário positivo! ... "Quem me dera encontrar o verso puro, O verso altivo e forte, estranho e duro, Que dissesse, a chorar, isto que sinto!! " Florbela Espanca, in Livro de Mágoas

Vovó Fina Eduardo Quive - Moçambique

>>> Apraz-me o respeito por quem escreve, na linha agnóstica ... Finalizando: "Deus que matou a mãe da Yolanda ainda cheia de vida, matou a tia Laurinda e ainda levou a minha irmã, mana Luizinha, o meu irmão, mano Orlando, o meu chará e o meu pai. Deus bandido. " ... Porquê tudo isto - Pergunto eu? ... Falta de Amor!? Sabemos quem governa o Mundo... é o deus do sistema de coisas (Iniquidade)... Um dia todos nós iremos ver a queda do «Sistema Iníquo» Porque o Deus Criador - E um Deus de Amor e de Benignidade Imerecida... Estou certo que no decorrer dos anos "Haja luz para o estimado escritor Eduardo Quive" - Acresce-lhe o Dom da escrita, mas com grande revolta! ... Dou os meus parabéns pela revista que me foi dada a conhecer através do meu amigo e Confrade "Samuel Costa" ... Em suma: - Gostei! Apelo para um bom sucesso literário e não há que temer a denuncia... A Poesia é um bem Universal! No Dia 15/7/12 colocámos em online dois Boletins: Nr 49 e o 50; os quais podem ser disponibilizados por download gratuito a todos os Confrades e Amigos!...

No site dos Confrades da Poesia - Clicar em Boletins e aí escolham os vossos

Nrs preferenciais... Cumprimentos poéticos

A Direcção

Pinhal Dias e Conceição Tomé

www.osconfradesdapoesia.com

Olá , pessoal, Quero parabenizar a toda a equipe pelo brilhante trabalho que vocês vem realizando através dessa revista. Fantástico mesmo!!! A entrevista com Alex Dau ficou muito interessante. Vocês , como sempre , direcionando bem . Ele também foi brilhante nos posicionamentos. Despertou muito o interesse em ler seu outro livro e também os outros autores moçambicanos. Como é bom saber que sempre surgem novos nomes na literatura desse país. É uma riqueza que ninguém pode tirar. E todos nós , amantes , estamos lucrando e muito com tudo isso. Como meu tempo diante do computador não é muito grande , estou até tendo que imprimir algumas revistas para ler nos ônibus ( transporte coletivo daqui), garantindo assim momentos de prazer para enfrentar o nosso trânsito caótico. Desejo a vocês, para o nosso bem também, muito sucesso nessa empreitada maravilhosa!

Abraços, Dôra Rosa-Brasil

CARÍSSIMO A. WA KA MUKHAVELE, KANI MAMBO MANINGUE E NÃO PRECISA DE ME CHAMAR DE MESTRE (eeheheh)... OS MESTRES JÁ PARTIRAM FAZ TEMPO NÓS FICAMOS COMO APRENDIZES DE "NYAM'SOROS"...E SEUS CONTINUADORES... 'MUDANDO DE PATO PARA GANSO...'(COMO SE DIZ NO PARANÁ-BRASIL)... ESTOU A RECOMPOR MEU BLOG SOBRE ARTES E LETRAS E REPAREI TER MUITO MATERIAL INÉDITO... DAÍ MEU APROACHE AO LITERATAS.. POIS GOSTARIA DE COLABORAR CONVOSCO NA MEDIDA DO POSSÍVEL COM ITENS INÉDITOS E TAMBÉM SOBRE A VIDA DE ALGUMAS FIGURAS INTELECTUAIS DE MUSSA IMBIQE DE JOÃO ALBASINE A RUI DE NORONHA (NUM PROJETO DE TRADUÇÃO DE POEMAS DO PORTUGUÊS PARA UMA LÍNGUA MUSSA MBIQANA)... OUTROS ASPETOS INÉDITOS DE MINHA CONVIVÊNCIA PRÓXIMA COM FIGURAS COMO EDUARDO MONDLANE, AMILCAR CABRAL E SOBRETUDO COM JOSÉ CRAVEIRINHA...(MEU TIO PATERNO MAIS NOVO E PAI DO ZECA E DO STÉLIO, E DA CARLA DE OUTRA MÃE). IDIOMAS BANTO DE MUSSA IMBIQE SOBRE A PRESERVAÇÃO DAS NOSSAS LÍNGUAS MATERNAS TENHO UM TPC PRONTO DE TRADUÇÃO DE PORTUGUÊS PARA RONGA DE POEMA DE RUI DE NORONHA QUE TENHO LIDO NA EUROPA E NO BRASIL DESDE 2001. FOI TRADUZIDO ENTRE 1998-99 POR UM PRIMO MEU (PHD POR UNIV. DE PARIS) COM QUE PARTICIPEI COM ALGUMAS SUGESTÕES DE ORTOGRAFIA ADAPTADAS AOS FALANTES DE PORTUGUÊS (POR ACASO ELE É MEU PRIMO DO LADO MATERNO RONGA, NÃO DO LADO DOS CRAVENS). ELE NA ALTURA ERA UM JOVEM BANTO DE 27 ANOS VERSADO EM IDIOMAS ESCRITOS EM XI-RONGA, XI-LENGUE (VULGO CHOPE), LINGALA DE KINSHASSA, GREGO CLÁSSICO, HEBRAICO CLÁSSICO, LATIM CLÁSSICO,PORTUGUÊS,ALEMÃO,INGLÊS,FRANCÊS,ITALIANO E PERCEBIA ZULO E SWAZI. PARECE NÃO EXISTIR UM MOÇAMBICANO COM ESSE NÍVEL...MAS EXISTE ESSA EXCEPÇÃO E HÁ OUTRA AINDA QUE NÃO SEI SEU PARADEIRO...ERAM PARA SER PADRES... MUITOS DE VÓS SÃO HERDEIROS DESSE LEGADO. NO QUE PUDER CONTEM COMIGO PARA VOS TRANSMITIR ISSO... OUTRA DE MINAHS ÁREAS TEM A VER COM ETIMOLOGIAS - ORIGENS DAS PALAVRAS EM DETERMINADO IDIOMA. TENHO ME DEBRUÇAADO NO ESTUDO COMPARADO ENTRE AS LÍNGUAS-MÃES DE MUSSA MBIQE. EX: ESCREVE-SE KANI MAMBO POR QUE O CONCEITO TEM A EVR COM KANI (DEFERÊNCIA) E MAMBO (GRANDE, CHEFE, ELEVADO POR EMPATIA). EM ÊMÁCUÁ O RADICAL KANI TAMBÉM ESTÁ PRESENTE E MAMBO TBM. TEM A VER COM A HERMENÊUTICA BANTO PROVENIENTE DO CONGO. EM SWAHILI MAMBO GANI= - + QUAL É O PROBLEMA? (MILANDO MUNI?) ET CETERA...A ETNO-ETIMOLOGIA E OS SOBRENOMES DAS PESSOAS (SWIVONGO SWA VANO VA KHALI) É MUITO IMPORTANTE...COMPROVANDO QUE TEMOS MAIS COISAS EM COMUM QUE DIFERENÇAS. ESSE É UM DOS "PERIGOS" DA DITA LUSOFONIA QUE PODE ACELERAR A ELIMINAÇÃO DA HERANÇA LINGUÍSTICA BANTO DE MUSSA MBIQE. POR OUTRO LADO... CONTRIBUIR PARA VOSSO ÊXITO É MEU TAMBÉM. ESSE É O MEU LEMA. PARA MIM NADA É MAIS IMPORTANTE QUE TRANSMITIR ÀS GERAÇÕES SEGUINTES O QUE FUI ADQUIRINDO PELA VIDA FORA. AO REFORMULAR, SINTETIZAR PARA VÓS ESTAREI REAPRENDENDO NA FORMA COMO MELHOR O FAZER. E NA LIGAÇÃO CULTURAL COM O BRASIL TAMBÉM TENHO MUITO MATERIAL RECORRIDO E ESCRITO DO TEMPO QUE VIVI LÁ EM VIAGEM DE ESTUDO DE 8 MIL KM PERCORRIDOS DO DF AO NORDESTE DESCENDO AO SUDESTE VIA ESTADO S.PAULO. ESTAVA BASEADO EM BRASÍLIA NA UNB - ASA NORTE - DF.(20 JULHO A 30 DEZEMBRO 2009). DESCULPE(M) A EXTENSÃO DESTE TEXTO. NDATENDA MANINGUE (xiNdao), TSAMA BUINO (xiNyungwue), KWAHERINI na oscuro sana (macua-naharra), HAMBANINE (xiRonga),Dzicomo KwaMbili (xiNyanja), dziBongile, na Bonga Piadide...muito grato (sena-pdozo), etc... NB: OS TEXTOS QUE ENVIE EM PDF SÃO UM BOM FORMATO PARA O LITERATAS?

Vai também ao blog da Literatas e comenta todos os dias

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Page 3: Revista Literatas - edicao 40

Sumário

DIRECTOR GERAL

Nelson Lineu | [email protected]

Cel: +258 82 27 61 184

DIRECTOR COMERCIAL Japone Arijuane | [email protected]

Cel: +258 82 35 63 201 | +258 84 67 29 929

EDITOR

Eduardo Quive | [email protected]

Cel: +258 82 27 17 645| +258 84 57 78 117

CHEFE DA REDACÇÃO

Amosse Mucavele | [email protected]

Cel: +258 82 57 03 750 | +258 84 07 46 603

CONSELHO EDITORIAL Eduardo Quive | Amosse Mucavele | Jorge Mui-anga| Japone Arijuane | Mauro Brito. REPRESENTANTES PROVINCIAS

Dany Wambire - Sofala Lino Sousa Mucuruza - Niassa Jessemuce Cacinda - Nampula

REVISÃO LINGUÍSTICA

Jorge Muianga

REPÓRTER Eurico Chichango COLABORADORES

Angola: Lopito Feijóo João Tala Cabo Verde Filinto Elísio Brasil: Rosália Diogo Marcelo Soriano Pedro Du Bois Samuel Costa

Portugal: Victor Eustaquio

Ficha técnica

COLABORAM NESTA

EDIÇÃO

Angola: Vitor Burity da Silva Jorge Arrimar Luis Kandjimbo Brasil: Alberto Pucheu Adelto Gonçalves Ricardo Bezerra Ronie Von Rosa Martins

Portugal: João Esteves Pinto

México: Vitor Sosa

Moçambique: Alex Dau Celso Munguambe Jacinta Saene- Juvenal Bucuane

PAGINAÇÃO

Japone Arijuane Eduardo Quive A revista Literatas é uma publicação electrónica idealizada pelo Movimento Literário Kuphaluxa para a divulgação da literatura moçambicana interagindo com as outras literatures dos paises da lusofonia. Permitida a reprodução parcial ou completa com a devida citação da fonte e do autor dos artigos.

Centro Cultural Brasil-Moçambique | Av. 25 de Setembro, Nº 1728 | Maputo | Caixa Postal | 1167 | Email: [email protected] | Tel. (+258): 84 57 78 117 | 82 35 63 201 | 84 07 46 603

Movimento Literário Kuphaluxa | http://kuphaluxa.blogspot.com | www.facebook.com/movimento.kuphaluxa

Cartas | Comentários | Opiniões | Reações

Nova fase, com 40 mil motivos para nunca desistir .

S ejam bem-vindos e pacientes. Pois, nesta edição 40, várias surpresas vos esperam. Com todos vos sabeis, já se foi um ano, aliás já temos

um ano. Um ano que contínua a ser para nós de muita maturidade, responsabilidade, e não só, um ano de muita dedicação, a cima de tudo. Prova disso é esta nova fase da Literatas que hoje inauguramos; esta fase é seguramente a fase das fases mais défices; pois decidimos que a partir desta edição 40, trazer ao estimado leitor uma maior e melhor revista; com mais números de páginas, passando das habituais 15 para 22. Esta é justamente a resposta encontrada para responder a imensa procura por parte dos colaboradores; motivo este que, de uma ou de certa forma, parece-nos arquitectado pela qualidade; não pela forma mas pelo conteúdo (independente), que esta vossa e nossa Literatas transborda: os dizeres e fazeres da literatura que todos sentimos. Todavia, para aliar a forma e o conteúdo, decidimos também dar retoques no Design gráfico. Por esta e muitas outras, velhas e novas razões, caros leitores; apresentamos esta nova e cada vez mais madura e profissionalizada revista. Revista esta, que pelo carácter editorial e o espaço (lusófono) que alberga, nada mais justo que uma resposta à altura. Esta é, realmente, uma resposta que abraça a Comunidade dos Países de Língua Portuguesa, na sua globalidade, apesar desta comunidade ser o que não deveria ser!, pois é esta, uma mera “política-agremiação”, onde as “agendas” internas de um país falam mais alto; como vimos recentemente a sucessão da presidência angolana sem presença do dono chefe dos angolanos; para, pelo menos, passar o testemunho a sua nova presidência, a moçambicana. Bom, apesar destes contrastes, cá está Literatas para dar asas e azos a língua que dizem ser de Camões, pois parece-me mais justo só e só ficarmos pela língua e para língua. Indo mesmo no que tange ao conteúdo aqui apresentado, nesta tão árdua e complexa edição; propomos uma eloquente viagem, em jeito de entrevista, com o poeta Cabo-verdiano José Luís Tavares, passando obrigatoriamente por desvendar os territórios ocultos da Guiné-Bissau, uma aventura feita na visão do poeta Hélder Proença. E sem querer fugir da (mal)dita CPLP, um ensaio de Adelto Gonçalves sobre António cabrita e futuro desta mesma (dês)organização política. Pouco para o fim a poesia encontra seu campo onde os velhos e novos embriagam-se do mesmo ópio. Feito isso, meus caros leitores, resta-nos dizer:

Boa leitura!

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Notícias pág. 5

Entrevista pág. 12 e 13

FCP e ABC/MRE lançam o Edital Conexão Brasil - África

Hélder Proença escritor de Guiné-Bissau

Personagem pág. 4

Malangatana, o homem que recusou odiar.

Por: João Esteves Pinto - Portugal pag. 19 e 22

Outras Artes pág. 18 e 19

Com José Luís Tavares poeta de Cabo-Verde

António Cabrita e o futuro da lusofonia.

Por: Adelto Gonçalves– Brasil

Ensaio pág.20 e 21

Poesia pág. 14 e 15

Editorial | Japone Arijuane

Jorge Arrimar Ricardo Bezerra

Vitor Sosa Juvenal Matola

Page 4: Revista Literatas - edicao 40

Personagem

04 | 27 de Julho de 2012

N ascido em Bissau a 5 de Junho de 2009, Hélder Proença, foi

um escritor, professor e político da Guiné-Bissau, havendo lutado na guerra de independência do país, na década de 1970. Desde a adolescência que Proença escrevia poemas, àquele tempo sob a temática anti-colonialista, que resultou na publicação, em1977, da primeira antologia poética guineense, sob sua coordenação, entre outros, e que também prefaciou, intitulada "Mantenhamos Para Quem Luta!". Não concluiu os estudos, havendo participado das lutas pela independência do país. Mais tarde, completou a formação no Rio de Janeiro, integrando os quadros do Ministério da Cultura de seu país, e principiando o magistério em História. Havia, antes, sido o responsável pela educação de Bolama. Na política foi deputado na Assembleia Nacional Popular e membro do Comité Central do PAIGC (Partido único, de orientação marxista, que governou o país da

independência em 1974 até a democratização nos anos 1990). Ocupou, ainda, o cargo de Ministro da Defesa. Como escritor publicou em vários periódicos, como Raízes (de Cabo-Verde), África (Portugal), e os panfletários Libertação e O Militante, ligados ao PAIGC. Em 1982 publicou o livro "Não posso

Neste desdém... vida marcha num vaivém baloiçando criando origens desconjunturadas e tu badjuda n’a desdenhosamente marchando no «infortúnio da vida» Na certeza dos teus sonhos de jardins suspensos dum engate fixe do fim-de-semana e de altas curtições ao gosto de sol-praias dos convívios-boîte e do jazz-band excitando a confusão dos lábios, das luzes e do sexo: A-A-A-Ahh... baby O sabor drogante do teu destino badjuda n’a! mas continua... sepulta e bem sepultadinho a dignidade em alcatifas confortáveis (pelo menos sairá mais confortável, badjuda n’a) Deixa exalar não negues os bafos MINE COOPER e VOLVO não, não negues o exalo suave da prostituição clássica: O vestidinho te ajustará melhor, badjuda n’a! As calças apertadinhas chamarão mais clientes (e as fendas ficarão mais nítidas badjuda n’a) Terás uma Corte distinta Que magistral personalidade! E tuas pestanas azuis, verdes ou cinzentas tuas unhas de gato lagária — de luta e violácea e tua cara, aqui verde acolá azul que pintura catalogar an! extraordinária badjuda n’a! Sim falarás um português melhor — da Metropóle — e o deserto do teu sonho encherá de flores então poderás passar seguramente em todas as artérias góticas da ilusão que todos te admirarão e com mais descontracção subirás, subirás, subirás até entranhares crua e sangrenta nas vísceras do anonimato O jazz e a confusão das luzes te esperam. [1] Badjuda: menina, moça.

Às segundas-feiras saiba quem é a personagem da semana em: http://revistaliteratas.blogspot.com

Hélder Proença

BADJUDA N’A[1]

A morte de Proença foi anunciada pelo Ministro da Defesa guineense, horas depois do anúncio do assassinato por tropas oficiais do candidato a presidente Baciro Dabó. Segundo a versão oficial, Proença seria o protagonista dum golpe de estado e morrera em seu carro, junto ao motorista e um segurança, após troca de tiros com os soldados que iam prendê-lo. Já antes a imprensa mundial anunciara rumores de que o poeta também havia sido morto.

Quando te propus um amanhecer diferente a terra ainda fervia em lavas e os homens ainda eram bestas ferozes Quando te propus a conquista do futuro vazias eram as mãos negras como breu o silêncio da resposta Quando te propus o acumular de forças o sangue nómada e igual coagulava em todos os cárceres em toda a terra e em todos os homens Quando te propus um amanhecer diferente, amor a eternidade voraz das nossas dores era igual a «Deus Pai todo poderoso criador dos céus e da terra» Quando te propus olhos secos, pés na terra, e convicção firme surdos eram os céus e a terra receptivos as balas e punhais as amaldiçoavam cada existência nossa Quando te propus abraçar a história, amor tantas foram as esperanças comidas insondável a fé forjada no extenso breu de canto e morte Foi assim que te propus no circuito de lágrimas e fogo, Povo meu o hastear eterno do nosso sangue para um amanhecer diferente!

NAS NOITES DE N’DJIMPOL

Nas noites de N’djimpol vi a virtude dos homens sem amanhã... légua a légua conquistando o caudal do futuro. Vi-os nas ondas tenebrosas enfrentando e conquistando! Vi braços robustos e livres sonho campos loiros espigas dardejando ao sabor do vento brisas e pássaros cantando sol e flautas beijando o suor fecundante. Nas noites de N’djimpol Vi a virtude dos homens sem amanhã... légua a légua conquistando o caudal do futuro... Vi-os nas ondas tenebrosas enfrentando e conquistando Sim, Vi nas noites de N’djimpol sonho mamãe terra sonho compassos rítmicos no capinzal dilatando a fé do homem-terra o horizonte e o brilho das nossas mãos. Oiço o grito das brisas loiras... na imensidão farta dos campos sim mamãe terra firmemente sonho na certeza gritante de sermos loiros e fortes como espigas e o sol fortes e loiros… Mamãe terra Sonho mas juramos-te!

Assassinato

Page 5: Revista Literatas - edicao 40

Notícias

05 | 27 de Julho de 2012

“ A partir de hoje, a sociedade civil brasileira estará mais próxima do continente

que nos deu o sentido de brasilidade e de nação”. Foi com essa afirmação que o

presidente da Fundação Cultural Palmares (FCP), Eloi Ferreira de Araujo, deu início

à cerimônia de assinatura do Protocolo de Intenções e Programa de Parceria: Coop-

eração Sul-Sul Conexão Brasil-África, firmado entre a Palmares e a Agência Bra-

sileira de Cooperação do Ministério das Relações Exteriores (ABC/MRE).

O primeiro instrumento de implementação do Programa de Parceria é o Edital Con-

exão Brasil-África, que selecionará propostas de projetos de cooperação técnica

internacional com países africanos, latino-americanos e caribenhos, para início de

execução no próximo ano.

Eloi Ferreira de Araújo explicou que o Conexão Brasil-África, será um importante

instrumento para estreitar os laços culturais entre Brasil e o continente africano. “Ao

investir em cooperação técnica e capacitação, por meio do Edital, será possível in-

tercambiar nossos saberes e tradições, além de reafirmar a riqueza da cultura bra-

sileira”, afirmou.

Prioridades – Ao ressaltar a importância do Conexão Brasil-África para o Brasil, o

secretário executivo do Ministério da Cultura (MinC), Vitor Ortiz, afirmou que o Con-

exão Brasil-África passa a ser um dos programas prioritários do governo brasileiro.

“Não há dúvida de que a cultura tem um papel muito importante em nosso país, por

isso o Conexão Brasil-África passa a ser prioridade do Ministério da Cultura e do

governo brasileiro”, garantiu. “Não tenho dúvidas de que será o programa da Funda-

ção Palmares que mais investirá em cultura até 2014”, afirmou.(...)

F rancisco Joaquim Pedro Chuquela, Georgina Deodato Fuel e Or-lando José Penicela Júnior são os três vencedores do Concurso

“Eu Tenho Um Sonho”, recentemente promovido pela Embaixada do Gov-erno Americano, no país. De acordo com a Embaixada do Estados Unidos, o concurso Eu tenho Um Sonho promovido por aquela instituição governamental, no semestre pas-sado, foi acorrido por mais de 70 jovens moçambicanos. O mesmo tinha como objectivo explorar as perspectivas, os sonhos, bem como a visão dos moçambicanos em relação à sua vida social do seu país. Além de fazer um retracto da vida sociopolítica, económica e cultural de Moçambique, inspirados do discurso I Have a Dream de Martin Luther King Jr., nos seus discursos, Francisco Joaquim Pedro Chuquela, Georgina Deodato Fuel e Orlando José Pedro Penicela Júnior que, respectivamente, se posicionaram em primeiro, segundo e terceiro lugar aproveitaram a oportunidade para expressar os seus sonhos em relação à construção de um país melhor e de justiça social. Francisco Chuquela Por exemplo, no seu sonho, Francisco Chuquela que é estudante de litera-tura considera: “Eu tenho um (....) que a diferença entre pessoas estará simplesmente nos nomes, não nos padrões de vida. Os filhos dos gov-ernantes e dos governados vão frequentar o mesmo sistema de educação. Os hospitais terão mesmas clínicas para ministros e camponeses”. “(...) um sonho em que a equidade vai substituir o favoritismo na oferta de oportunidades. A verdade vai substituir a camaradagem na justiça. A trans-parência vai substituir a manipulação na exploração dos recursos do país. No meu sonho, o património colectivo vai servir a colectividade, não gru-pos restritíssimos”. Georgina Deodato Por sua vez, no seu sonho, Georgida Deodato que é estudante de Direito fala como mulher para considerar que “quero viver em um país, em que não sou tratada como um ser humano de segunda categoria, um ser hu-mano de capacidades limitadas, e do qual não se pode esperar muito! E no nosso país, os costumes, a tradição e a família constituem dos factores mais relevantes na distorção da apreciação objectiva das capacidades da mulher…as famílias tem a concepção de que o lugar das meninas é em casa, primeiro ajudando a mãe nas tarefas domésticas…e mais tarde cuidando do marido e dos filhos!”. Orlando Penicela “Às vezes, divagando pelo íntimo meu espírito, eu me pergunto: Porquê a liberdade, a igualdade e a fraternidade seriam tão atractivas ao homem contemporâneo a ponto de mover Revoluções e configurar Constituições á escala universal?”, é com esta pergunta que Orlando Penicela introduz o seu discurso para mais adiante considerar que “(...), nenhuma existência humana digna pode ser garantida fora de uma sociedade livre, igualitária e fraterna. Bem, esta parece uma resposta satisfatória, mas ela abre-me os olhos para uma realidade dura, para qual nenhum de nós pode fazer vista grossa ou ouvidos de mercador: as garantias da nossa condição de ci-dadãos livres”. E não lhe faltam argumentos: “Nós, moçambicanos, mais do que herdeiros de um sonho de liberdade, temos o privilégio de ser herdeiros legítimos de uma pátria livre. Sim, digo que somos herdeiros porque, era suposto que os frutos desta sublime herança, fossem usufruídos por todos os filhos da nação moçambicana, em princípio libertados pelo efervescente sangue negro derramado como preço da nossa identidade. Mas, a liberdade pode ser uma herança. E como todas as heranças, ela pode cair em mãos erradas impedindo que os seus legítimos beneficiários a recebam e dela usufruam. Receio que esse tenha sido o lamentável des-tino das aspirações dos homens e mulheres dos 500 anos de resistência e do sonho dos heróis dos 10 anos de luta.”

FCP e ABC/MRE lançam o Edital

Conexão Brasil - África

As notícias todos os dias em: http://revistaliteratas.blogspot.com

Personagem

Por Drielly Jardim

Fonte: www.palmares.gov.brconexaobrasilafrica

Conhecidos vencedores do concurso “Eu Tenho um

Sonho”

Anuncie aqui

+258 82 35 63 201 | +258 84 07 46 603

[email protected] | [email protected]

Page 6: Revista Literatas - edicao 40

06 | 27 de Julho de 2012

Viareggio perto de Pisa (Itália),

5 de Abril de 1903

P erdoe-me, caro e prezado senhor, o

lembrar-me só agora, com gratidão, de

sua carta de 24 de Fevereiro: estive todo este

tempo indisposto, embora não doente, mas

opresso por uma fraqueza parecida com

influenza, e que me tornou incapaz de fazer

qualquer coisa. Finalmente, não vendo melhoras,

vim para as margens deste mar do sul cuja

caridade já me valeu uma vez. Mas ainda não

estou bom; custa-me escrever e assim o senhor

deve tomar estas poucas linhas como se fossem

muitas mais.

Deve naturalmente saber que toda carta sua me alegrará. Mostre-se, porém, indulgente

com as respostas, que talvez o deixem mais de uma vez com as mãos vazias. Com efeito,

em última análise, é precisamente nas coisas mais profundas e importantes que estamos

indizivelmente sós, e para que um possa aconselhar ou mesmo ajudar o outro, muito deve

acontecer; muitos sucessos favoráveis devem ocorrer; toda uma constelação de eventos

se deve reunir para que uma única vez se alcance um resultado feliz.

Quero falar-lhe hoje apenas de duas coisas. Primeiro, da ironia.

Não se deixe dominar por ela, sobretudo em momentos estéreis. Nos momentos criadores

procure servir-se dela, como de mais um meio para agarrar a vida. Utilizada com pureza,

ela também é pura e não nos deve envergonhar. Ao verificar, porém, que se familiariza

demais com ela, temendo uma intimidade excessiva, volte-se para objectos grandes e

graves, diante dos quais ela se encolhe desajeitada. Busque o âmago das coisas,

aonde a ironia nunca desce; e ao sentir-se destarte como que à beira do grandioso,

examine ao mesmo tempo se essa concepção das coisas deriva de uma necessidade

de seu ser. Sob a influência das coisas graves, como efeito, a ironia ou o abandonará

por si mesmo (se tiver sido algo de ocasional) ou então se reforçará (caso lhe pertença

como coisa inata) num instrumentos sério, enquadrando-se no conjuntos dos meios

com o que o senhor deverá moldar a sua arte.

A segunda coisa que lhe queria dizer hoje é a seguinte:

De todos os meus livros só alguns me são indispensáveis, mas há dois que se

encontram entre meus objectos de uso por onde quer que ande. Tenho-os comigo aqui

também: a Bíblia e os livros do grande poeta dinamarquês Jens Peter Jacobsen.

Pergunto-me se os conhece. Pode facilmente adquiri-los, sendo que parte deles foi

publicada na colecção Reklam em ótima tradução. Adquira o volumezinho Seis novelas

de Jens Peter Jacobsen e seu romance Niels Lyhne e comece pela primeira novela do

primeiro volume intitulada Mogens. Um mundo se abrirá aos seus olhos: a felicidade, a

riqueza, a inconcebível grandeza de um mundo. Viva nesses livros um momentos,

aprenda neles o que lhe parecer digno de ser aprendido, mas, antes de tudo, ame-os.

Este amor ser-lhe-á retribuído milhares de vezes e, como quer que se torne a sua vida

vida, êle passará a fazer parte, estou certo, do tecido de seu ser, como uma das fibras

mais importantes, no meio das suas experiências, desilusões e alegrias.

Se eu tivesse de confessar com quem aprendi alguma coisa acerca da essência do

processo criador, sua profundidade e eternidade, só poderia indicar dois nomes: o de

Jacobsen, este poeta máximo, e o de Auguste Rodin, o escultor que não tem igual entre

todos os artistas de nossos dias.

Que tudo lhe suceda bem em seus caminhos.

Seu

Rainer Maria Rilke

Cartas A Um Jovem Poeta - Segunda Carta

Leituras Leituras Leituras Leituras Leituras Leituras Leituras Leituras Leituras

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“Sentimento do Fim do Mundo”

"[...] O "fim" pode ser o limiar da voz em muitos níveis, menos no da ingênua retórica dos profetas de plantão, tão repetitivos, tão óbvios, tão sem memória de outros pressupostos "fins". Ao "fim" liga-se, na nossa cultura, todo o senso comum de um momento especial que é o revelado apocalipse, mas, segundo a boa observação do poeta deste livro, o fim não é um futuro aventado. Ele diz respeito ao tempo presente de um "Mundo que se mundializa/ ferozmente" (Implosão Demográfica) e à nossa consentida indiferenciação frente à torrente de acontecimentos/notícias. [...] Willian Delarte inscreve-se no universo literário no fluxo do repertório de uma vastidão de poetas lidos, estudados e amados no curso de Letras e ao longo da sua vida de leitor, também oferece uma flagrante percepção subjetiva/objetiva que pode nos contagiar com outros nexos. Por isso, remeto o leitor ao início, à epígrafe que abre esta obra — "Se eu quisesse, enlouquecia", retirada do texto "Estilo", do poeta português Herberto Hélder. Enquanto nesse texto o personagem escritor diz não enlouquecer porque tem um estilo construído com a música de Bach e a matemática, apesar de simultaneamente ouvir os gritos loucos das crianças, o "eu" que se vai escrevendo na oferta com o "sentimento do fim do mundo" nos explicita a qualidade alucinada que é tentar resistir ao reino do "terrível normal inabalável" ("Caro Carlos"), ou, de outro modo, à desproteção do hipnótico medo que alguém sente quando decide publicar a sua poesia. Nessa condição, o destino de um livro é tão enigmático quanto um dia claro; a poesia escrita atrairá seus leitores e novos interlocutores e os desafiarão a pensar sobre seus modos de inexistência."

*passagens do prefácio escrito pela Profa Dra Mônica Simas (USP)

O livro de poemas “Sentimento do Fim

do Mundo”, de Willian Delarte, dialoga, ao seu

modo torto e particular, com a quase homônima obra de Drummond "Sentimento do Mundo" (1940), assim como, aqui e ali, com toda a sua obra. É, na verdade, uma

carta dirigida ao gauche de Itabira com notícias íntimas, poeticamente insanas, do "Nosso (líquido) Tempo" - este pós-moderno, globalizado, digital, que nos escorre pelos dedos.

«Triângulo» é o novo «thriller» de Pedro Garcia Rosado

S inopse: «Joel Franco, Rosa Custódio e

Jaime Paixão foram amigos e colegas na

Faculdade de Direito e, mais tarde, entraram

todos na Polícia Judiciária. Os seus caminhos,

entretanto, afastaram-se, até que um caso que

envolve um primeiro-ministro extremamente

colérico volta a uni-los. Porém, da pior maneira.

Triângulo segue-se a A Cidade do Medo e

aVermelho da Cor do Sangue (já traduzido em

Espanha) e faz do inspector Joel Franco uma

das personagens mais importantes do thriller

português, que, nesta obra, enfrenta o maior e

mais exigente desafio da sua vida.» Porta

Ana Cristina Silva lança a 31 de Agosto «O Rei do Monte Brasil»

S inopse: «Nos finais do século XIX, o oficial

de cavalaria Joaquim Mouzinho de Albuquerque interna-se, ao serviço do rei D. Carlos, no coração de África com o objectivo de subjugar as tribos à administração colonial portuguesa; para isso, porém, queima aldeias inteiras, mata os insubmissos e, desobedecendo a ordens superiores, captura com espectacularidade o detentor de um império vastíssimo, Gungunhana, que traz para Portugal como troféu e acaba exilado nos Açores até ao fim dos seus dias. Com uma alternância de vozes narrativas que nos oferecem duas versões muito distintas do mesmo conflito, O Rei do Monte Brasil explora as

memórias dos seus protagonistas às vésperas da morte, ilustrando-nos sobre a sua infância, as

suas paixões marcantes, as atrocidades para as quais encontram sempre justificação e, de certa forma, a reflexão sombria sobre a decadência e a glória

Page 7: Revista Literatas - edicao 40

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07 | 27 de Julho de 2012

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UMA MEMORÁVEL JORNADA LITERÁRIA

J.A.S. Lopito Feijóo K. - Angola

Depois de expirado o prazo da juventude, novas responsabilidades

nascem nos recém-adultos. O jovem ou a jovem cresce socialmente. Um

respeito merecido lhe é devido pelo resto da sociedade. Afinal, chegou a hora

de casar, ser dócil a esse mecanismo de ordenamento social. Sim, ele

dificulta a desordem, as promiscuidades sexual e social. Todos devem casar

para afugentarem desconfianças. Pois, depositada desconfianças é na pessoa

que em plena adultidade recusa-se a casar.

― Como é que vive sem mulher? Então está se metendo com as

nossas mulheres ― acreditam e dizem os homens de Fim-de-Mundo.

No resto, a festa de casamento, são longas horas de convívio, de

confraternização, de matanças de saudades, de descrição de contos

engraçados, de muita dança, de apetite excessivo, etc. Nos casamentos, os

que nunca teriam ingerido álcool, pela primeira vez ingerem, de modo abusivo

ou não. As outras pessoas comem o que jamais comeram. É festa.

Nestas festas, a música enxuga o sangue das pessoas, anima o

cérebro destas, fortifica seus superiores e inferiores membros, incitando-os a

mexer e remexer. É dança.

Os casais descasam-se momentaneamente. Mutuamente estão os

cônjuges autorizados a dançarem com outras companhias, partilharem sua

alegria com outros. É animação.

Enfim, tudo é lindo e infindo. Os noivos sorrindo, com olhos

apaixonados um pelo outro, sentem-se pessoas mais felizes do planeta.

No seguido, vem a lua-de-mel, ― a lua de sexo, se preferirem ― na

qual a vestimenta da noiva é violada, a noiva é afavelmente torturada,

acarinhada, amada, respeitada, elogiada e, por fim, suporta quilogramas

impesáveis do noivo, num movimento indescritível e espectacular de vaivém.

É amor.

Todavia, após dias, meses ou anos de intenso amor, seguem-se,

subjectivamente, a incompreensão, ausência de diálogo, de perdão exíguo, de

sacrifício impossível. Dá-se espaço a desentendimentos e sistemáticas

contendas entre os cônjuges e, quando prorrogados por longos períodos,

conduzem ao desmembramento do casal.

O divórcio quando está na iminência de acontecer, intervêm muitas e

diversas individualidades na tentativa de resolverem os problemas do casal:

casos do marido chegar tarde em casa por dias consecutivos; casos de

traição; casos de mútuos desacatos; etc. Mas, gorada de quaisquer êxitos.

Entrementes, é do senso comum ou comummente partilhada esta reflexão:

deviam as pessoas obter boas lições de amor, de convivência familiar antes

de terem atrevimento em consentir o casamento.

Croniconto O casamento e divórcio

Dany Wambire - Moçambique

E ste Maio africano foi, na verdade, imenso e de uma memorável jornada literária para alguns poucos autores dos Países Africanos de Língua Portuguesa (em Portugal) com maior incidência para Lisboa onde entre Abril e Maio aconteceu mais uma feira do livro no parque Eduardo VII. Registámos dentre outras actividades, lançamentos de livros, assinatura de autógrafos, mesas redondas, aulas abertas na Universidade de Lisboa, participação em tertúlias e contactos com o público ávido de saber de novidades.

Depois da passagem pela Universidade da Beira-Interior, que aqui tivemos já a oportunidade de reportar, assistimos ao lançamento e assinatura de autógrafos –no pavilhão da Câmara Municipal de Lisboa aberto na feira-, do livro intitulado JARDINS DE ESTAÇÕES do nosso jovem e novél confrade Nok Nogueira,

pseudónimo artístico de Emílio Miguel Casemiro, jornalista e escritor com colaboração dispersa pelo Semanário Actual e pelas revistas África Today e Vida, tendo colaborado também no suplemento semanal Vida Cultural do Jornal de Angola com textos poéticos e de análise crítica sobre diversos temas. Nok é autor de SÍNAIS DE SÍLABAS (2004) e TEMPO AFRICANO (2006), títulos poéticos editados em Luanda respectivamente pelo Instituto Nacional do Livro e pela União dos Escritores Angolanos, títulos que, em boa verdade, acabaram por passar despercebidos pela (in) existente crítica literária além fronteiras e até mesmo entre nós.

No seu mais recente título, Nok propõe-nos um inquieto poemário com cinco «estações» semeadas e sedimentadas num único «jardim» que ao mesmo tempo podemos encontrar em diversos sítios, localidades e lugares metaforicamente pronunciados e referenciados ao longo das cerca de 70 páginas do livro agora editado e apresentado pela nósSomos em Portugal.

Em nosso entender, estamos diante de um poemário com presença e presente assente num passado onde «as cinzas do tempo levam-nos a catalogar o sorriso» e com um futuro poeticamente visível pois, «no vértice das planícies (poéticas claro!) reside a ideia de sonho e de voo» mas, o que mais chama a nossa atenção é mesmo a consciência autoral do poeta resumida nesta magistral citação, do Saramago de A JANGADA DE PEDRA, com a qual nos identificamos pois: «Dificílimo acto é o de escrever, responsabilidade das maiores, basta pensar no extenuante trabalho que será dispor por ordem temporal os acontecimentos, primeiro este, depois aquele, ou, se tal mais convém às necessidades do efeito, o sucesso de hoje posto antes do episódio de ontem, e outras não menos arriscadas acrobacias, o passado como se tivesse sido agora, o presente como um contínuo sem princípio nem fim...».

Na feira do livro em Lisboa, houve igualmente oportunidade para presenciar e participar de uma mesa redonda -que como quase sempre era rectangular e extensa -, realizada no âmbito da V semana cultural da CPLP organizada pela direcção dos serviços culturais da comunidade dos povos falantes da língua portuguesa e que tem a frente um confrade e companheiro de tarimba que é o escritor Luís Kandjimbo.

Na mesa o tema rolava em torno das expressões da diversidade na História e literaturas de língua portuguesa, com excelente moderação do Professor Pires Laranjeira da Universidade de Coimbra que para tal deslocou-se propositadamente a Lisboa.

O leque de participantes assim o exigia e, aqui cito todos por ordem alfabética, antes que cometa o pecado intelectual do esquecimento de uns por somente referenciar outros. Aida Freudenthal, Alberto Oliveira Pinto, Armindo Silvestre Espírito Santo, Dina Salústio, Fernando Correia, Isabel Castro Henriques, José Luís Hopffer Almada, José Luís Tavares, Leopoldo Amado, Lopito Feijóo, Luís Carlos Patraquim, Luís Costa, Luís Kandjimbo, Maria Esther Maciel, Mário de Carvalho e Nok Nogueira.

Enfim e depois de várias intervenções foi Luís Carlos Patraquim de Moçambique, o Patraca... do escritório no Solar das Galegas, aquele que em jeito de conclusão,

(denunciando um alto grau de nervosismo apesar das toneladas de experiência acumulada) deixou a aplaudida reflexão segundo a qual neste nosso cultural mundo de tantos «açougues e açougueiros» o que reina e assistimos diariamente não é senão uma intensa «carniça devorática» em razão das (in) existentes políticas culturais. Em razão da escassa circulação dos agentes culturais e até mesmo em razão do comércio editorial.

Page 8: Revista Literatas - edicao 40

08 | 27 de Julho de 2012

Todos os dias os colunistas em: http://revistaliteratas.blogspot.com

Ideias

S omos feitos de pontes que nos fazem fonte

do nosso ser, numa nascente que se

desenhou em Berlim passando por cima de culturas, valores e evolução

histórica. Em busca duma identidade hoje legitimamo-la não como imposição,

mas dando-lhe um outro sentido autóctone; num leito que se quer

desequilibrado quando for condição para equilibrarmo-nos; a foz que faz

cruzar sonhos, dores numa corrente de amor não apenas por solidariedade

mas responsabilidades para o que assumimos em cada passo dado, cientes

em cada margem do nosso valor.

Assumindo que os nossos milhões de braços não nos fazem uma força,

deixamo-nos levar por uma que nos faz milhões de braços. Que se explica

por vários factores. Não devem ser sempre os Deuses e Deusas a

resolverem os nossos problemas, os nossos cânticos, tambores que se façam

ouvir, na melodia que o tempo ensinou-nos, testemunhadas pelas cicatrizes.

A união que faz a força não deve ser apenas nos pontos onde convergimos,

na divergência também pode estar o desencontro com o presente que ora

negamos ora aceitamos dependendo da posição em que encontramo-nos.

Essa posição que muitas vezes vem duma mão externa - esse ponto aqui não

é colocado para servir de desculpa como temos feito habitualmente, mas para

assumir a culpa onde somos culpados, não por adulação - aceitar determinar-

se por essa posição é perder a tão propalada auto-estima, ou seja amor-

próprio. O que acontece é que essa posição para muitos é o símbolo da tal

auto-estima, que entre nós nota-se mais nos discursos políticos – como

agenda politica - ou em figuras publicas que neles nota-se tudo menos ela.

Deste modo dá-se uma aula de como amar-se a si próprio, povo e pátria. Se

cada povo merece o seu governo como disse o sociólogo, quer dizer que

cada governo mercê o seu povo? Sendo assim o povo não seria pior? Em si é

motivo suficiente para ficar-se de braços cruzados?

Diariamente Semeiam-nos um devemos ser à queremos ser, sem nunca

passar do somos. Essa ignorância custa-nos entre outras coisas a esperança.

Conhecermo-nos traria como consequência conhecer o outro, que seria o

prolongamento do nosso ser, ultrapassando os partidos, ideologias, regiões e

religiões que até aqui só serviram para separar-nos e retardar a nossa

afirmação como nação; que hoje vê-se como necessidade não mero luxo, e

com ela uma construção de valores; numa construção e desconstrução de

saberes onde somos sujeitos activos e todos prontificados para protege-los,

os novos poli-los ou audaz e jovialmente reconstruindo de acordo com seus

tempos, sem nunca deixarmos de ser, inventando-nos para novos desafios,

desafiando-nos para novas invenções.

O passo certo

no caminho errado

Inventando-nos para novos desafios,

desafiando-nos para novas invenções.

Nelson Lineu - Maputo

Africanidades Repensar África à

escala global

Vais perder este

espaço de novo?

Assine e anuncie

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A cultura não é um património estático, o que leva a

concluir que determinados mitos e tabus que foram

necessários para regular a vida das comunidades em muitas áreas da África

subsariana deixaram de ter lugar na sociedade moderna. Por outras palavras, os

modelos de poder simbólico que orientavam a regulação da vida social estão a ser

objecto de um movimento de erosão, tanto endógeno como exógeno, a que não é

alheio o processo em constante evolução da troca de informações posto em

marcha com as novas tecnologias.

Mas as elites africanas estão divididas. E têm razão para isso. Sobretudo porque

ninguém sabe ao certo o que é uma sociedade moderna. Nem em África, nem fora

dela. Basta lembrar que modernidade e desenvolvimento não são necessariamente

conceitos convergentes. E o problema torna-se ainda mais complicado quando a

“aldeia global” não sabe o que fazer perante a acção das forças transnacionais que

têm um único objectivo: a reprodução do capital.

Ora, é nesta vocação para a expansão capitalista – um paradigma que não

conhece nem reconhece cor ideológica, ao contrário do que muitos defendem,

mesmo quando localizam os seus discursos formais na esfera dos

desenvolvimentismos de alinhamento marxista – que parece residir o essencial da

questão. Até para os países industrializados, supostamente beneficiários de etapas

de desenvolvimento mais avançadas e com dinâmicas sociais multidimensionais

completamente diferentes daquelas que se manifestam nas sociedades africanas.

Voltemos ao princípio: a cultura não é um património estático. Contudo, se as novas

tecnologias aceleraram a mutação e puseram em evidência o poder do capital

transnacional, a reconfiguração da mudança passou a ser tão local quanto global,

tanto mundializada como fragmentada, pelo que não basta dizer,

independentemente de com críticas ou aplausos, que certos aspectos culturais de

alguns grupos étnicos da África subsariana deixaram de fazer sentido devido ao

desenvolvimento e à marcha para a modernidade.

Numa palavra, o continente africano não pode olhar apenas para dentro quando

equaciona as vantagens e desvantagens de declarar guerra às culturas mais

tradicionalistas ou situar as suas problemáticas numa lógica de conflitualidade com

tudo o que é exterior ao mesmo. O risco é demasiado elevado: é que este já não é

o mundo imperialista da Conferência de Berlim, mas o mundo do oligopólio digital,

tão virtual como real nos efeitos que produz à escala global, sem fronteiras, entre

todos os fragmentos do planeta.

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Victor Eustáquio– Portugal

Page 9: Revista Literatas - edicao 40

Reportagem |

09 | 27 de Julho de 2012

Um ano depois da morte de Malangatana, a 5 de Janeiro, o consulado de Portugal

rendeu homenagem a essa figura como forma de imortalização e reconhecimento da

sua obra num evento que estiveram presentes dentre vários nomes das artes

moçambicanas, os escritores Calane da Silva, Luís Bernardo Honwana, António Forjaz,

o antigo primeiro ministro de Moçambique, Pascoal Mucumbe e o conceituado músico

de jazz, Morreira Chonguiça, que

lembraram de alguns momentos

que passaram com esse artista.

Ao por em pé a brochura que

tem os testemunhos de artistas

amigos de Malangatana Valente

Ngwenya e a sua biografia, o

Consulado Geral de Portugal em

Maputo,, no acto representado

ao mais alto nível pela respectiva

cônsul, Graça Gonçalves

Perreira, pretende contribuir para

que se conheça e se

compreenda a genialidade da

obra que Malangatana deixou

( da pintura a escultura,

literatura, cenários, painéis,

murais, desenho e pintura de

objectos diversos).

A brochura, contendo obras que

o mestre pintou dentro e fora de

Moçambique, inclui a sua ultima obra “A Italiana” na qual Malangatana pela primeira

vez pintou um carro.

Entretanto, a Fundação Malangatana, representada pelos filhos do malogrado, louvou a

iniciativa de se homenagear Malangatana e disse que eventos desta natureza deviam

acontecer mais vezes, como forma de valorizar não só esse artista, mas a cultura

moçambicana no geral.

Luís Bernado Honwana, um dos escritores que assina a obra, disse na ocasião que

Malangatana explorou, enquanto crescia como artista, todas formas alternativas de

Que se calhar a própria actividade nacionalista que levou as masmorras da PIDE não terá

deixado de construir, em certa medida, uma outra forma de fidelidade as raízes

antropológicas da sua arte. Antes dos seus murais foram as tentativas de teatro, os grupos

de dança, a música coral.

“ Uma vez, numa conversa na minha casa, com Malangatana, ele olhou para mim e disse

que sempre quis conhecer-me, pois,

sempre perguntava seus amigos “ mas

aquele xidjana onde é que foi estudar?

Este foi um dos momentos que mais me

marcaram na relação de amizade com

Malangatana, ele mostrava admiração

por mim e eu por ele.”

O Mestre Malangatana Valente

Ngwenya, além de artista plástico foi,

igualmente, ceramista, cantor, actor,

dançarino e poeta. Malangatana foi uma

presença assídua em numerosos

festivais, afirmando sempre a sua

origem africana e moçambicana. A sua

obra e reconhecida em todo mundo,

tendo participado em múltiplas

exposições individuais e colectivas,

integrando diversos júris em

Moçambique e no estrangeiro e

participando em múltiplos workshops.

Está representado em vários Museus,

em todo o mundo, bem como em inúmeras colecções particulares. A sua vida e obra têm

sido objecto de vários filmes e documentários. (excerto das declarações de Graça Perreira

– na brochura)

E é por este e vários outros motivos que Malangatana, um ano depois da sua morte, e

merecidamente homenageado pelo consulado de Portugal na presença de amigos,

familiares e admiradores.

Recorde-se que Malangatana Valente Ngwenya nasceu a 6 de Junho de 1936 em

Matalana, distrito de Marracuene, falecendo a 5 de Janeiro de 2011 em Matosinhos,

Ideias

O mestre das artes plásticas moçambicanas, Malangatana Valente Ngwenya, foi

homenageado no dia 23 de Julho de 2012 pelo consulado de Portugal em Maputo. A

homenagem que é resultado de uma iniciativa do Consulado Geral de Portugal em

Maputo e da Fundação Malangatana, contou com a presença de amigos e

admiradores que de perto ou de longe compactavam a sua obra em vida. Na

ocasião, foi publicada uma brochura com algumas das suas obras e mensagens

escritas por escritores, artistas plásticos entre outros amigos do já falecido pintor-

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TEXTO: Eurico Chichango| FOTO: Internet

Malangatana homenageado em Maputo

A última obra do mestre:

A Italiana

Page 10: Revista Literatas - edicao 40

10 | 27 de Julho de 2012

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INTRODUÇÃO

E m 1989 realizou-se em Dakar e pela primeira vez em África, o Congresso anual de uma das mais prestigiadas associações americanas de investigadores, críticos e professores

universitários especialistas de literaturas africanas.Participei desse evento e acompanhei com particular interesse os grandes debates sobre as literaturas do continente, que ali tinham sido concentrados por um período curto de três dias. No último dia ouvi uma sintética retrospectiva na alocução proferida pelo decano dos criticos africanos, o professor Eldred Jones da Serra Leoa, que num tom alegórico fazia a apologia da inserção de África no espectro semântico da crítica sobre as respectivas literaturas. Durante as sessões de trabalho várias intervenções faziam apelo a critérios que fossem os mais pertinentes para a análise dos textos literários africanos. Por outro lado, na década passada participei com alguma frequência em actividades organizadas por uma associação sediada em Paris, igualmente de investigadores e criticos das literaturas africanas. E a conclusão a que fui chegando resume-se nisto: o exercício efectivo do discurso crítico sobre as literaturas africanas vai gerando abordagens e problemáticas novas. Os debates sobre essa matéria vão-se multiplicando. E do mesmo modo as publicações, algumas das quais resultantes de trabalhos académicos. Com efeito, o ponto de referência e, ao mesmo tempo, o limiar desse processo de reflexão remonta aos fins dos anos 40, com a criação da revista Présence Africaine animada pelo senegalês Alioune Diop e publicada em Paris. Seguir-se-iam outras revistas que, por serem de âmbito geral, desempenharam um papel menor na história da crítica africana . Publicaram-se também um bom número de antologias. Igual destaque deve ser dado aos dois congressos de escritores negros realizados em Paris e em Roma, respectivamente em 1956 e 1959, que ajudaram de certo modo a sacudir a mornez ocidental na sua relação com a África. As décadas de 60 e 70 são marcadas por importantes factos políticos e culturais,

nomeadamente as independências das antigas colonias britânicas, francesas e belgas; e a

institucionalização dos estudos universitários. O ensino e a pesquisa das literaturas africanas

são introduzidas nas Universidades de alguns países africanos, designadamente na Faculdade

de Letras da Lovanium de Kinshasa; Faculdade de Letras e Ciências Humanas da Universidade

de Dakar; Universidade de Yaoundé; Universidade de Nsukka e Ibadan na Nigéria; Universidade

do Ghana que cria o primeiro instituto de estudos africanos; Universidade de Makerere, no

Uganda.

Neste período surgiram revistas especializadas que veiculavam alguns resultados de pesquisa e

sustentavam a actividade daquelas instituições do ensino superior. Por exemplo: Transition,

Okike, African Literature Today, Drum.

Realizam-se vários colóquios no quadro das actividades de algumas universidades. Assim, o colóquio de Dakar(1963), Freetown(1963), Abidjan(1969, 1970), Makerere(1962), Yaoundé(1973), Lumbumbashi (1975) , Lagos(1977)no âmbito do FESTAC, que no dizer de L.Mateso foi a consagração das teses de Yaoundé; Brazzaville(1981). A década que se segue aponta alguns sinais de ruptura, quer sob o ângulo

historiográfico, quer sob o ângulo teórico e crítico.

A tirania das metodologias ocidentais começam a ser objecto de dúvida

epistemológica. Já em 1968, Thomas Melone, num seminal artigo lançava o repto.

No seu entender, "a tarefa do critico, por se pretender técnica e criativa situa-se a

um outro nível. Tal é imposto ou sugerido pela problemática da linguagem, quer

dizer da estrutura profunda da obra" . Em termos metodológicos considera que "o

objectivo(...) é apresentar ao público mundial as obras mais significativas da nossa

literatura assente na nossa própria sensibilidade estética, da nossa própria

avaliação das civilizações negro-africanas, da nossa própria visão do devir

africano" .

Foi no Colóquio de Lumbumbashi que se constituiu a Associação de Críticos Literários Africanos, realizado de 24 a 27 de Março. Mas esta Associação teve vida efémera. Thomas Melone, "La critique littéraire et les problémes du langage: point de vue

d'un Africain", Présence Africaine nº73, 1º trimeste 1970,pp.3-19.

No entanto, quando se aborda hoje o discurso crítico sobre as literaturas africanas, o problema releva da demarcação dos seus limites e finalidades perante o fascínio subjacente à adesão aos métodos ocidentais. Por conseguinte, engendram-se imediatamente questões de ordem epistemológica. De acordo com P. Ngandu Nkashama, "o que é urgente neste momento tanto em crítica literária como em todos os discursos africanos, é a necessidade essencial de determinar os fundamentos e os postulados teóricos que satisfaçam qualquer exigência crítica. Sem estes aspectos preliminares, a crítica não pode operar senão como um mimetismo da palavra, sem influência real, quer sobre o texto, quer sobre o contexto que lhe subjaz" . Com este texto pretendo apontar algumas linhas que evidenciam a vitalidade das reflexões africanas e referir as formas típicas que caracterizam os diferentes pontos de vista dos críticos perante as literaturas dos seus países. Procuro igualmente detectar, algumas tendências que pela sua originalidade são susceptíveis de representar alguma ruptura. Além disso, pretendo despertar o público leitor angolano para a existência de um interessante debate envolvendo problemas associados aos critérios de apreciação estética e crítica de um modo

VARIAÇÕES E TENDÊNCIAS DOS DISCURSOS CRITICOS AFRICANOS

Luis Kandjimbo-Angola

Page 11: Revista Literatas - edicao 40

Entrevista |

11 | 27 de Julho de 2012

Maria João Cantinho – Começas o teu livro por um belo poema, “Limiar”, em que dizes assim: ―Descer – ao chão antigo,/ agreste, familiar; às ombreiras/sem brasão onde nem trompas/matinais nem plenipotenciária/voz de mando//Regressar – à vida rude, elementar(…)‖. Que limiar é este, de que aqui se fala? Regresso ou recomeço? José Luis Tavares – Tomemos limiar na acepção de ponto que marca a transição de um espaço, topológico ou simbólico, para outro. No caso vertente, sem cair na tentação auto-hermenêutica, diria que é uma espécie de para-texto que foi colocado para indicar uma deslocação de motivo, dado que no ordenamento dos livros inéditos «Paraíso...» vinha em segundo lugar. O primeiro, «Agreste Matéria Mundo», que vai sair no próximo semestre na Ed. Campo das Letras, na sua parte mais extensa, intitulada «a deserção das musas», é uma longa meditação sobre a condição do poeta e da poesia em pleno século vinte e um. Por outro lado, intentava ser uma forte restrição hermenêutica, dado que o motivo do livro, sendo o autor de onde é, podia prestar-se às costumeiras sandices que os especialistas da coisa debitam sempre que uma obra parece encaixar-se nos seus esquemas apriorísticos, sem cuidar da novidade que é o trabalho da invenção linguística. M.J.C. – Porquê o título "Paraíso apagado por um trovão"? Recusa da nostalgia, ruptura e choque como método poético? Se por um lado, o título me faz pensar isso, existem versos – que me levam no sentido inverso - como: Entrega-nos o sono, a essa luz/tão de outrora, os ressurrectos/nomes dos mortos. J.L.T. – O poemático é sempre a manifestação duma instabilidade. Daí que o mais importante não é rastrear-lhe as significações, mas apreendê-lo enquanto aquilo que é. Poeta não é aquele que está fora do mundo, mas o que demanda as fronteiras e os limites, atento aos vagidos da origem e aos estertores do aniquilamento. A ruptura, nunca, neste livro, está anunciado enquanto projecto, mas quem escava poços de sangue, revisita séculos de ignomínia e escassez, tem de encontrar um modo apropriado de o fazer , nos dois movimentos tencionais do poema – o prospectivo e o arqueológico - sob pena de soçobrar sob os escombros que tal fito acarreta. M.J.C. - António Cabrita salientou o teu livro como um ―dos melhores primeiros livros de poesia‖ que ele havia visto em anos. À luz desta afirmação, parece-me

que há um laborioso trabalho oficinal e uma maturidade que não é vulgar, nos poetas jovens. Como foi esse processo de crescimento entre o início da tua escrita e a publicação deste livro? Isto é, quanto tempo amadureceste este livro? J.L.T. –. Primeiro: não se é jovem poeta quando se publica aos 36 anos, com quase vinte anos de escrita sistemática por trás. Não creio que se tenha chamado jovem poeta ao António Osório quando em 1978 publicou o seu primeiro livro. Nem ao Manuel Gusmão quando em 1990 se estreou em livro. Quando muito, serei um novo poeta, e assim me considero, pelo menos no âmbito da literatura cabo-verdiana. Segundo: este livro tem uma história curiosa – em determinado momento, aí por meados dos anos noventa, relendo os meus poemas, com o fito de organizar uma colectânea, noto que há um motivo que atravessa alguns daqueles poemas. É a partir desse momento que a ideia deste livro se me impõe claramente, vindo a concretizar-se num conjunto de quarenta poemas em prosa, que viria a destruir por considerá-los completamente falhados. Passado algum tempo, vou visitar uma exposição da Graça Morais e vejo umas fotografias sobre cabo verde da Inês Gonçalves, publicadas no suplemento de um jornal lisboeta. Estes dois acontecimentos viriam a constituir o impulso detonador da retoma do projecto, vindo a saldar-se num conjunto de cerca de duzentos poemas que depois de retalhados, peneirados, montados – literalmente

montados, com o uso da cola e da tesoura, dado que só a partir do verão de 2003 passei a utilizar o computador – culminariam no livro que o leitor tem entre mãos. M.J.C - Suspeito aqui de muita leitura, muitas dívidas por

pagar. Concordas? J.L.T.- Nenhum poeta vem ou faz-se do nada. Desconfiai sempre do poeta que diz que não lê para não ser influenciado por aquilo que lê. Não é, manifestamente, o meu caso – eu pratico uma espécie de canibalismo poético, em que tudo aquilo que leio é digerido e transformado em carne (linguagem) própria. Um autor só o é quando possui uma individualidade própria e um timbre inequivocamente seu. No meu caso, se ainda não o encontrei, estou próximo disso, tanto que não temo que os envios, glosas, citações, pastiches, sejam reconhecidos. Se dívidas há – de certeza que as há – é no sentido de a leitura de todos os poetas me ter ajudado a ser o poeta que sou. E ser o poeta que sou é a minha maneira de saldar essas dívidas.

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Por Maria João Cantinho - Portugal | FONTE: http://www.storm-magazine.com

Poeta não é aquele que está fora do mundo, mas o que demanda as fronteiras e os limites, atento aos vagidos da origem e aos estertores do aniquilamento.

H á muito que José Luís Tavares, nascido em Santiago de Cabo Verde a 10 de Junho de 1967, residente em Portugal, onde estudou literatura e filosofia, escreve poesia. Dizer que começou a publicar tarde, aos 36 anos, é advertir o leitor para o processo de auto consciência que este autor realiza, face à sua escrita, depurada e rigorosa. José Luís Tavares, com o seu único livro publicado, «Paraíso Apagado por um Trovão», conquistou o prestigiado Prémio Mário António da Fundação Calouste Gulbenkian, juntamente com a poeta angolana Ana Tavares. Exigente para consigo próprio, José Luís Tavares possui uma voz peculiar e uma imagética intensa, que revelam uma sábia incorporação da tradição e uma mestria singular no modo como opera sobre a linguagem poética.

“Não sei o que é a inspiração”*

Page 12: Revista Literatas - edicao 40

Entrevista

12 | 27 de Julho 2012

M.J.C.- Mas esse processo de incorporação é lento, moroso. Foi fácil para ti encontrares essa individualidade? J.L.T.- Claro que não é fácil encontrar a individualidade poética, nem estou certo de tê-la encontrado já, porquanto, avesso a dogmas teóricos ou poéticos, o que me caracteriza enquanto poeta é uma permanente disponibilidade para a mudança, mantendo, no entanto, aqueles traços mínimos que permitem identificar um rosto. M.J.C.- Que poetas se atravessaram mais no teu caminho? J.L.T.- Para a formação de um poeta concorrem vários álveos, nem sempre fáceis de identificar. No entanto, posso dizer que os meus processos de escrita devem muito à leitura dos textos teóricos e poéticos do Ezra Pound, mesmo quando deles divirjo; Rilke é uma referência importantíssima; mas o meu universo tem mais a ver com Nemésio, Seamus Heaney ou João Cabral de Melo Neto. M.J.C.- Acaso se poderia encontrar na tua poesia a presença de um Herberto Helder? A força imagética de alguns poemas sugere essa leitura. J.L.T.- O rastrear de possíveis genealogias é um escrutínio a que está sujeito todo o poeta que publique o seu primeiro livro. Herberto é, porém, para mim, uma referência e não uma influência. A sua poesia é um dos lugares cimeiros de reinvenção desta língua que é minha, apesar dos tempos de dieta metafórica que se vivem em Portugal; o seu «Photomaton&Vox» é o mais notável livro de teoria literária que já se publicou em Portugal. A minha pulsão estilística, para meu desconsolo, corre por leitos bem menos magmáticos. M.J.C.- Sei que conheces muito bem a poesia portuguesa. Qual é tua opinião acerca da chamada «nova poesia portuguesa»? J.L.T.- Penso que a mais recente vaga de poetas veio quebrar alguns impasses que persistiam na poesia portuguesa. Nalgum deles avulta, aliás, um conseguimento prosódico e formal notável. Não devem é fechar-se num círculo em que o único critério é o de um gosto comum – não esqueçamos que alguns deste poetas são também

críticos de poesia – por um universo urbano em derrocada, onde crescem as mais niilistas pulsões. O gosto é apenas uma via de acesso, não critério de juízo. O juízo é de natureza estética, é esta que permite a universalidade do juízo. (Convém não confundir questões de estética com questões de poética). Mas a necessária universalidade do juízo não pode ser dada a partir de uma categoria vazia. Com isso se autorizaria o crítico a julgar a obra a partir de um critério externo e pré-suposto. A verdadeira avaliação da obra é a consideração dinâmica que dela se faz, isto é, o confronto da obra tal como ela é com a obra tal como ela própria queria ser. M.J.C.- Encontras algum diálogo na poesia cabo-verdiana com os poetas portugueses? J.L.T. – Nalguns poetas cabo-verdianos – e não são muitos – há rastos de leituras seminais de poetas portugueses como Pessoa ou Jorge de Sena. Isso, porém, não é o mais importante. O que importa é a boa poesia que ali se produz em português, e não só. É o caso do poeta João Vário que vem produzindo essa obra monumental a que deu o título de «Exemplos», ( indo já em doze volumes) à semelhança da «Poesia Vertical» do argentino Roberto Juarroz. O que me surpreende é a quase nula atenção que Portugal (e Cabo Verde) têm dedicado a esse notável criador. Espero que a atribuição próxima do prémio Camões venha pôr cobro, ainda que tardiamente, a tamanha distracção. M.J.C. – Acreditas na inspiração? Ou suspeitas dela? J.L.T. – Eu não sei o que é a inspiração. Se for um estado de luminosidade interior tal que nos tornamos apenas instrumento do ditado, não; mas se ela é tomada no sentido de estar obsediado pela coisa, à qual temos que dar expressão, aí sim, talvez a aceite. Sei, porém, que mesmo a mais consciente deliberação pode ter na base um obrar subterrâneo completamente imperceptível, dando razão àquele dito de Espinosa de que ninguém sabe o que pode um corpo. No meu caso, a inspiração é procurada no trabalho metódico e continuado, avesso de qualquer bênção divina, da qual descreio. M.J.C. - Este livro foi reconhecido pelo prémio Mário António da Fundação Calouste Gulbenkian. Que significado tem esse reconhecimento para ti? J.L.T. – Um prémio não transforma uma obra apenas estimável numa obra de mérito. Eu sempre achei que tinha hipóteses, sem, no entanto, dar nada como adquirido porque, para além da subjectividade própria dos elementos do júri, este prémio tem uma vertente institucional e de consagração bastante acentuada. Tanto estava convicto dos méritos deste livro que, não tendo encontrado editor para ele em Portugal, avancei para uma edição de autor, vindo a ter uma recepção crítica e de público que nunca imaginei, nem mesmo nos meus sonhos mais coloridos. Há ainda o lado material, que me vai permitir uma maior disponibilidade para os muitos projectos que tenho entre mãos e, provavelmente, tornar mais fácil encontrar editor para os próximos livros. M.J.C. – E que futuros projectos são esses?

J.L.T. – Dois livros de sonetos, sendo que um deles é a revisitação do universo de Paraíso apagado por um trovão, um livro de ficção e um libreto. M.J.C. - Faz sentido escrever livro de sonetos, actualmente? J.L.T. – Tal questão pressupõe a distinção entre forma e formado, que em poesia não

existe. Eu não quero dominar uma fórmula e repeti-la ad nauseam. Depois de três livros escritos queria fazer alguma coisa que me colocasse dificuldades novas. Nesse sentido, o soneto

pareceu a opção adequada. No entanto, bem vistas as coisas, esses poemas não são verdadeiros sonetos, mas contrafacções desta forma clássica (nos momentos mais auto-reflexivos, avulta um irrefreável desígnio paródico), na medida em que não me guio por um grande rigor métrico, mas sobretudo pela intuição prosódica. Se formos ver, esses aspectos formais, como as assonâncias, as rimas internas, as cesuras, os enjambements, ainda que de forma não sistemática, estão muito presentes na minha poesia. Perguntar se faz sentido escrever sonetos hoje em dia, é como perguntar se faz sentido pintar paisagens, figuras humanas ou naturezas-mortas depois do abstracionismo. Ninguém pode ser um inovador se não tiver o mais alargado domínio da tradição. M.J.C. – Como se dão o poeta e o ficcionista? Não são universos diferentes? A respiração entrecortada do poeta não se atrapalha na ficção? J.L.T. – Espero que não se atrapalhem. M.J.C. - Sei que vives há quinze anos em Portugal. Podes afirmar que és um poeta cabo-verdiano? Ou pode falar-se de um hibridismo, na tua obra? J.L.T. – Sou poeta e sou cabo-verdiano. O ser cabo-verdiano está subsumido na condição de poeta. Clandestino na ditadura do mundo, como o definiu Herberto Helder, o poeta nunca é de um só lugar, de uma só língua, de uma só tradição. Híbrida e viajante é a sua condição, e, no meu caso pessoal, ainda mais, em decorrência do ethos, das peculiaridades históricas e do longo afastamento do solo pátrio.

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O rastrear de possíveis genealogias é um escrutínio a que está sujeito todo o poeta que publique o seu primeiro livro. Herberto é, porém, para mim, uma referência e não uma influência.

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Entrevista Entrevista

13 | 27 de Julho de 2012

M.J.C. - Por isso a melancolia do teu livro? Nostalgia como matriz fundamental? J.L.T. – Eu não coloco as coisas em dois planos: um, da anterioridade vivida, outro, da posteridade rememorada através da escrita. É evidente que há imagens, sons, cheiros, cores pregnantes, mas se a memória é o lugar onde as coisas acontecem pela segunda vez, na arte é o lugar onde acontecem pela primeira vez. Não é o plano do vivido, da Erlebnis, mas o plano da linguagem e da invenção que importa. Doutro modo, estaríamos a colocar a criação poética na dependência de um modelo de que ela seria apenas um eco contrafeito. M.J.C. – O poeta é, portanto, um taumaturgo, aquele que cria pela palavra? J.L.T. – Estás a dizer que escrever um poema é análogo ao fiat lux divino? Em todo o caso, eu tento situar-me, pelo menos teoricamente, no plano da pura imanência, de modo a que a experiência da forma e do sentido surja liberta da influência do teofânico. M.J.C. –Do que falas quando referes o ethos do poeta? Que função é a da poesia? Advertência? Insubmissão? J.L.T. – A arte, dado que ela é poesia na sua essência poetante, é a única figuração possível da existência, na medida em que o vivido comporta uma opacidade que só a distância artística pode iluminar. Daí o seu carácter paradoxal: a arte tem de se afastar da vida para poder ser a sua expressão mais autêntica, ao mesmo tempo que mergulha nela constituindo-a como seu substrato. No entanto, em tempos de indigência, a missão do poeta é poetar sobre a vocação poética e sobre a essência da poesia. Ele é quem faz as perguntas fundamentais, e é o único dentre os mortais que pode descer aos abismos onde repousam os deuses foragidos. M.J.C- Mas haverá ainda um lugar para o poeta na polis? J.L.T- O poeta é um sismógrafo que detecta, regista as mínimas oscilações; vê aquilo que ninguém mais pode ver, não que seja um iluminado em sentido órfico, mas porque há nele uma clarividência amarga e triste, e uma secreta intimidade com as coisas e os seres. Platão, que não era parvo nenhum, compreendeu bem a natureza da poesia – por isso a exilou da sua cidade ideal. Nessa condenação há um aspecto decisivo que não tem sido convenientemente explorado – o de que a soberania só reina sobre o que é capaz de interiorizar. Ainda hoje, cada ataque, cada mau juízo, apenas repetem os ecos dessa condenação primeira. Mas quer pensemos em termos de fundamento (Heidegger), quer em termos de afundamento( Deleuze); quer de um ponto de vista axiológico, quer de um ponto de vista ontológico, a poesia está sempre primeiro, porque sendo doação, fundação e excesso, comporta em si o carácter não mediatizado a que chamamos o princípio. M.J.C. – Aqui toca-se um aspecto caro à relação arte/vida. Concordas com a necessidade de um afastamento entre arte e vida? Isso não acarreta um desdobramento ou o contrário é que pode trazê-lo? J.L.T. – No acto da criação, tem que dar-se a dissolução do sujeito empírico ou trivial, para que haja uma intensificação de forças – que o transforma em sujeitos fictícios – transportando-o para além do plano da existência comum. Há sempre um devir múltiplo no acto da criação estética. M.J.C. – O poema deve, então, ser entendido como instância dramática? J.L.T. - Desde os antigos gregos, pelo menos, que sabemos que toda a poesia é dramática. Assim a entendeu Goethe, e também o modernismo, para quem o sujeito elocutório do poema é uma máscara (persona), uma personalidade assumida pelo poeta para através dela veicular uma identidade que, na sua distanciação, expressa ideias cuja existência se objectiva no plano do poema, sem uma correspondência

necessária com qualquer extravasamento da subjectividade pessoal do autor. A literatura, como intuiu Deleuze, só começa quando nasce em nós uma terceira pessoa que nos despoja do poder de dizer eu. M.J.C. – Portanto, já não é o poeta que fala, mas um eu cindido. J.L.T. – Exactamente. Em Hegel, por exemplo, a auto-consciência era a verdade da certeza de si mesmo. Hoje apenas significa a reflexão do eu como perplexidade, como percepção da impotência – saber que nada se é. É desta impossibilidade de dizer eu (o eu da escrita é imanente à obra; constitui-se pelo acto da sua linguagem), deste estilhaçamento do sujeito que nasce a arte. M.J.C. – As imagens poéticas que utilizas são muito intensas, como que procurando um correlato pictórico visceral. Outro aspecto é o modo como tangencias um certo surrealismo poético. Concordas? J.L.T – Eu não lhe chamaria surrealismo – aliás, a minha técnica poética é exactamente o contrário daquilo que convencionalmente se designa por esse nome – porque essas etiquetas são sempre perigosas. Posso dizer, no entanto, que há um processo de saturação, uma espécie de exasperação verbal que rompe com a gramática e faz a língua gaguejar. O professor Alberto

de Carvalho, da faculdade de letras de Lisboa, deu-se conta desse processo mas não conseguiu vislumbrar-lhe o alcance. M.J.C. – Para além da abundância imaginativa, há o uso de vocábulos raros, outros já mesmo desaparecidos, que conferem uma certa elevação aos motivos mais triviais e corriqueiros. J.L.T. – O ideal de grandeza e de elevação, que na arte é sempre um elemento ideológico, foi destruído desde que Van gogh pintou uma cadeira e uns simples girassóis. A partir daí tornou-se manifesto que autenticidade depende tão-pouco da grandeza suposta ou real do objecto da arte. Foi como que o abandono de uma estética do tema em favor duma estética

da expressão. Este é um dos perigos que espreita este livro, e para o qual não me canso de chamar a atenção. O que é decisivo na arte não é a imaginação tout court, nem sequer a imaginação criadora, a que damos o nome de

fantasia, mas a sua configuração. É o domínio dos meios de expressão (que não é prévio ao expresso) que confere grandeza ou menoridade ao artista. M.J.C. – Esta é uma visão claramente formalista. J.L.T. – Não, não é. A não ser que estejas a pensar na forma como estrutura externa que é colocada sobre um material inerte. Há uma co-determinação entre estes dois aspectos. A matéria da arte só é enquanto matéria formada, o seu devir-arte; e a forma só é siginificativa enquanto rosto plangente da obra. E, no entanto, é evidente que sem aquele elemento de espiritualidade imanente seria puro artesanato. M.J.C. – Voltemos um pouco atrás, para terminar: não é inevitável que a língua regresse sempre ao balbuciar de cada vez que é retomada pelo poeta? J.L.T. – Cada poeta funda uma língua particular dentro da língua que é a sua. O acontecimento poético, melhor: o acto poético, como acto abismal, abala a língua pragmática nos seus fundamentos despojando-a do poder da conjunção. Daí que a linguagem poética não é a mais elevada, mas a mais rasteira, por estar perto do princípio e da origem. Este ponto de vista relaciona-se com dois outros expendidos anteriormente. Primeiro: a verdade poética é uma verdade instável, sempre ligada ao seu acontecimento. Segundo: embora assumindo-se como fundamento, nega-se enquanto tal, devido ao seu carácter abismal.

* Título da nossa autoria

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Cada poeta funda uma língua particular dentro da língua que é a sua. O acontecimento poético, melhor: o acto poético, como acto abismal, abala a língua pragmática nos seus fundamentos despojando-a do poder da conjunção. Daí que a linguagem poética não é a mais elevada, mas a mais rasteira, por estar perto do princípio e da origem.

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Poesia |

14 | 27 de Julho de 2012

Eu aprendi que as diferenças fazem os Homens Eu aprendi que não gostar do que o outro gosta É a condição necessária para amar outrem Eu aprendi que a beleza não está no semblante Esta na alma

Eu aprendi que entrar em conflito Consigo mesmo, é abrir uma nova porta Para as tuas decisões Eu aprendi que não se pode forçar o destino A agir como queremos

Eu aprendi a lutar com unhas e garras Para alcançar os objectivos do meu coração Eu aprendi a conviver com os meus erros Eu aprendi a esperar a hora certa para fazer o certo

Eu aprendi a ignorar os que me ofendem Eu aprendi a ter fé e esperança Eu aprendi a amar e sofrer por paixão

Eu aprendi a ser eu mesmo Eu não aprendi, a não errar.

…Antes mesmo de ser um sorriso A alma já gritava de felicidade O meu era alegre mas de um jeito misto Sorrindo fora da realidade Antes mesmo do corpo beijar o chão Antes mesmo de Eva pecar em Adão Antes de saberem do sim e do não O sorriso existia em forma de tentação O silêncio mordeu a língua As lágrimas caíram pelos olhares tristes Os gritos escondidos explodiram cheios de raiva e mágoa E morremos tristes com saudades do antes…

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Vive em Muipiti A nossa história Decorada em Muralha

Vive em Muipite A nossa lenda Conservada em mobília clássica

Parte da história Do povo lusitano Encontra-se aqui conservada

Ilha dos Xpicos Que deixaram ao mundo Seus fragmentos Em poesia ou mesmo em versos

Ilha que inspirou Camões Nelson Saúte e Rui Knophlili Que inspirou o tufo E que guarda até a cultura islâmica

Ilha dos Jesuitas Ilha dos portugueses Ilha de Moçambique Ilha de África e do Mundo

Onde o pescador Parte ao alto mar E o poeta Casa com as letras

As mulheres de N’sunki E mussiro na face Os homens de cofió Circulam debaixo do sol de Muipite

O adine é o relógio Alah aki baru É hora de despertar

Ilha de Moçambique Onde embarcaram nossos parentes Para Açores, São Tomé e não sei aonde E acreditamos que haverão de voltar

Ilha da poesia Que me inspira sempre que a visito Aqui vai por ela o meu louvor

A Escola da Vida Celso Munguambe – Moçambique

Antes sorriso

Juvenal Matola – Moçambique

A Ilha da Poesia

Jessemusse Cacinda – Moçambique

Guarde muito bem o que te digo Nem sempre o que desejares é o que realmente desejas, E isto não é apenas uma dessas frases É o retrato de minha longa vivência Quis libertar-me e agora sofro, E tanto… E é duro não sentir o amparo, o alento de alguém que te quer bem, Não que esteje totalmente abandonada Só por não ter desabafado. Ter que me alegrar com o mundo e dividir sozinha minha solidão Quanto mais me retraio mais sofro E não sei como lutar contra tamanho sofrimento, Ou por onde começar. Porque será que todos fazem pouco da minha dor? Tantas dúvidas e nenhuma resposta, Ai…

Jacinta Saene – Moçambique

Foste silêncio de prata, hangar, noite ou defeito, neste corpo de pardal, foste o recreio fundido, foste tempo bem-vindo, a verdade mais profícua desta verdade inesquecível. Foste o meu riso contido, foste o meu peito calado, nessa noite de bordéis. Foste o abraço zangado, foste o jazigo quebrado de tantas noites à pele. Foste o meu futuro passado nesta mesa já cansada de tantos papeis por voar, inventando, escrevendo o fim afinal. Foste tudo de que sou feito, foste a zangada e eleita neste canto menor. Foste o meu beijo sacado, foste o meu abraço já seco dos tempos idos então. Foste pele de figurino, foste toda de papel neste sargaço de verdades. Foste fingida saudade, toda ela por verdade, ancorada neste meu sol de tantas noites. Foste recreio do tempo, foste gentil no meu tempo, inventada para me curar, foste raiz abstracta, foste verso calado, neste meu leito de ti, onde sem pudores, te beijei. Foste esculpida na tarde, vestida na ansia, pintada sem telas ou pinceis, o martelo do sonho que se desliza batendo devagar nesse corpo que vou criar, foste uma arma aguçada onde o tiro beijado era apenas amor, foste esta casa meio tudo, este canto sortudo, foste o armário onde me guardo, o canto onde me sento, o lenço onde espirro, o beijo matinal.

Vitor Burity da Silva-Angola

Tricotilomania lhe disseram que chamava o mal. Mas não o fazia por maldade senão por mal-estar, por nervosismo, por não saber aonde com suas mãos. Começou desde menina, quando o cabelo lhe chegou à omoplata, aos ainda impúberes mamilos. Arrancar mechinha produzia um prazer parecido à dor que a retraía ao endométrio. E logo urdi-lo em plica leibneziana, em talharim piloso, em sebáceo pai que não teve –segundo os ortodoxos de divã. Comê-lo e empurrá-lo (se chama tricofagia) esôfago para abaixo –até o manto clorídrico, até esses solavancos peristálticos– lhe dava a Gladis alegrias que nunca, nem com amaranto, nem com sal. “Estranha forma de vida” –disse em Lisboa sua tia–, mas a mãe –educada em falanstériosberkelianos– mussitou: “Que coma o que queira, que mais dá”. Dadas tais liberdades parentais, a pequena ingeriu cabelo até calvície, até bolo em mondongo, até prematura menopausa. O ventre, crescente, se constatava desde Catedral. Crendo-se trigêmeos, lhe abriram essa geba com machete e a matrona afundou seus três braçotes para sacar –fervente, fedorenta, agitando-se inquieta em seus folículos– uma bola tão grande como orbe que parecia, ao tato, palpitar. Uma cabeleira amontoada havia décadas aí, como se fosse charque já em sua flor. Tiveram que chamar, para remover o vulto, a peonada. Não o mostraram à mãe; o despenharam penha abaixo e arrastou em sua queda até os arraigados arvoredos, porta-retratos íntimos e toda a imisericórdia familiar.

O corpo tosco, ideológico, a bebida barata do bar da esquina, o olhar inerte sobre a toalha: a lembrança é mortalha viva do intelecto e o longo caminho percorrido no alongar o físico; o contacto contamina o todo destinado e aos ouvidos se rebelam sons inaudíveis; repete o gesto com que bebe o líquido, repete as vezes despretensiosas da saudade; reafirma ao homem da outra mesa a incerteza da sobrevivência: ideológico, destila o humor esbranquiçado da verdade: o homem ao lado faz de conta que não é com ele e bebe aos santos de todos os sábados.

( inédito)

Rudimentos 1

Pedro Du Bois– Brasil

Gladis come pelo

Vitor Sosa-México

Page 15: Revista Literatas - edicao 40

Poesia | Poesia |

15 | 27 de Julho de 2012

Entre nós, Ana Maria,

implantou-se uma bissectriz

que nos une

e faz-nos sentir

pelo lar que formamos

o mesmo calor

que a vida intensa nos fornece;

Entre nós, Ana Maria,

implantou-se o amor

encarnado nos nossos filhos

que corta em partes iguais

o espaço que nos separa

como lados de um ângulo,

mas atrai para a vida.

O amor, Ana Maria

encarnado nos nossos filhos

é a bissectriz que se ergue

entre o ângulo que tu e eu

abrimos para os acolher.

Maputo, Abril de 2005

1 Stressadas elas correm desvairadas Ao sabor das correntes do invisível Musas a meu encontro desgrenhadas

2 Fluidos dementes De sabor em dissabor Entrando em de repentes Esgotam o autor.

3 Dominado por essas insolentes Letras indomáveis das sextas-feiras Que nem mulheres fogosas Buscando gozadas múltiplas Em múltipla avalanche Num só cara.

4 P‟lo esforço desvitalizado Eu me rendo indolente. As danadas me esgotaram. E agora me mando, me deu fome.

5 Vou cozinhá vatapá com: Fubá, dendê, gengibre, cebola, côco ralado, amendoim, poty-camarão, sal grosso, limão, pimenta malagueta „marcriada,‟ castanha „dacaju‟… feijão preto mirim, arroz branco, e, muito amor tropical! Saravá! Viva o nosso Brasil afro-brasileiro e o Vatapá! [Com suco de acerola vai muito bem. Fórmula possante natural. Melhor que viagra ou pau-de-Cabinda!]

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A ilha ao acordar escuta sempre a monotonia que a solidão do mar canta. Assiste com os olhos dos xipocos que a namoram sem tréguas a uma velocidade da luz. A luz acende o amor que se esconde no poente das mãos do homem que esta aborto do xitarutaru a caminho da ilha. Nos remos transborda um sonho vulcânico que explodirá quando atingir o núcleo do destino. Onde flores tomam o brilho do sol que clareia as margens de um sentimento que sobrevoa no dócil olhar dos ilhéus. Onde a bravura do mar transformar-se-á num paraíso construído pelas sombras do amor, alegria, sob a alçada dos ramos do embondeiro que dão mel e maça (não proibida). No cais da ilha os homens e os animais esperam eufóricos pelo brilho da aliança. Cantam, dançam a mesma música agora com retoques do sopro do mosquito, e do árduo trabalho de fabricar prazer a cor do mel das abelhas. Batuques acompanham as ovações da multidão, com crianças no colo das mulheres que preservam a beleza com os lenços na cabeça. A noiva já não sente os pés no chão, mas vê o barco que se aproxima. Sente o futuro e a cor do vento do matrimónio a beijarem a sua face, e por último a mulher diz: É hoje que o carvão que arde no meu corpo. O mel que derrama na minha boca terá dono. Amor até que o mar nos separe.

xipoco- Fantasma

A Bissectriz

Juvenal Bucuane-Moçambique

Letras indomáveis das sextas-feiras, com vatapá

João Craveirinha

POEGRAFIAS

João Pessoa Terra do sol.

O Sol, Praia do Sol, luz irradiante, Adriana, Banda MM Show, Sol é praia do sol, inverno, Sol... é terra do Sol! * Publicado no Boletim da Ordem Nacional dos Escritores, Ano XX, Janeiro/Março de 2004, nº 01, São Paulo – SP.

Praia do sol

Ricardo Bezzera - Brasil

Malangatana:

A Noiva da Ilha (Acrílico Sobre Unitex, 19,45 x

3,56m)

Amosse Mucavele - Moçambique

Resistência*

Jorge Arrimar - Angola

Num maboqueiro três maboques À sombra do maboqueiro um luando Luanda um maboqueiro três maboques um luando três mabecos Na lua anda uma matilha de mabecos No luando resisto ao sono Um maboque dois maboques três maboques Acerto apenas num mabeco Em luanda no luando com três maboques resisto Um mabeco morto A lua andando lá no alto e no luando chupo o suco dum maboque e retempero as forças Agarro em dois maboques e espero

* In Revista Zunai

antes de acordar na página, batizada, ela faz sinal para o ônibus (assiste um assalto), recita um Pai-Nosso sem palavras, vai à feira, percebe o silêncio do asfalto amarrado no sol, caminha pela av. Rio Branco, não agüenta o soco das palavras desenraizadas. então, desmaiada, derrapa numa curva, e, capotando colina abaixo, presa por entre as ferragens da página, de repente, ela fala –

A POESIA PASSEIA PELO RIO

Alberto Pucheu—Brasil

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E ra um buraco. Um belo e escuro buraco. Sem medo enfiou a mão que se perdeu no outro mundo. Um belo buraco. Pensou.

A possibilidade estava dada. O buraco o olhava. Olho de escuro brilhante e sedutor. Profundidades abissais, aventuras inenarráveis. Os lados. Observou. O vazio da vida real. Nada. Só o mesmo. De sempre. Coisas e mais coisas. Pessoas e mais pessoas. Coisas de pessoas. Reações de pessoas. Sentimentos de pessoas. Muito chato. Um mundo dominado e resumido pela pessoalidade. Não havia laranja, nem a cerca do vizinho. Estava só. No campo. Ele e o buraco enorme. Olho que refletia a intensidade de seu prazer e curiosidade. China? Diziam que todo buraco ia dar na China. Sorriu ao pensar em visitar a China, aquele mundo amarelo cheio de gente amarela com aqueles sorrisos enormes cheios de dentes “né?”. Mas e se não gostasse? E se fossem uns bobalhões e só quisessem comer arroz? Tinha horror de arroz. Só se fosse com batatinha frita, feijão e bife. Mas só arroz? Vai ver que era por isso que eram amarelos. Mas pra ser amarelo deveriam comer milho, e não arroz. E se fosse um túnel para um outro mundo. Um reino encantado cheio de fadas e gnomos. Todo mundo andando com aquelas calças coladinhas na bunda e de botinhas. Tudo verde. E de bonezinho. Seria piada para toda a rua. Não, não queria virar gnomo, sem essa de calça apertadinha. Estufou o peito. Era um homem. Tinha sete anos. Ia pegar muito mal

Conto

16 | 27 de Julho de 2012

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para a sua reputação. O que iam dizer lá no jardim. Que era maricas? Teria que brigam com o Paulinho Toca-flauta. Ele tava sempre se arriando neste ou naquele. Ia apanhar. O Toca-flauta era enorme e mau. Ele é que devia entrar no buraco e ir pra China. Se empanturrar de arroz até estourar. Sorriu ao pensar no menino inchando com a boca cheia de arroz. De pois cada vez que enxergava o Toca-flauta caia na risada. Levara até uns tapas do outro, mas não adiantara nada. Acabou que quando Paulinho avistava o menino, dava um jeito de se esquivar. O resto da gurizada percebeu as tramóias de escape do Toca-flauta e acabaram trocando o apelido do Paulinho para Paulinho Tô-fora, pois cada Vez que encontrava o menino, dava um jeito de sair de fininho. Mas voltamos ao buraco. Entrou. De cabeça. Escuro. Apertado. O coelho da Alice abanou para ele. Ele sorriu. Lembrava da história. A avó contava. Lia um livro antigo. Cheio de desenhos. Gostava do coelho. Mas gostava mais do Chapeleiro Maluco. Será que existiam mesmo? A vó contara que a Alice acordou e percebeu que tinha sonhado. Ele sorriu. Ninguém sonha assim tão bem. Nem a Alice. Nem mesmo a Emília. Aquela boneca de pano. E o Visconde. Paraou. Pensou. Até que o Visconde e o Chapeleiro ... será que eram irmãos. Não. Não podiam. Ou podiam? Mas as pernas não podiam. A cabeça queria entrar além, mais fundo. Invadir a terra, conhecer as entranhas. Mas as pernas presas na superfície não permitiam. Correntes que o mantinham neste mundo de cá. Tentou voltar. A cabeça cheia de terra. O nariz sujo. A roupa imunda. Preso. Preso no buraco. Entre dois mundos. E agora? O choro veio. De mansinho, logo se transformando em fúria e pânico. Pernas encenando todo o seu desespero. Só sentiu quando algo segurou suas pernas e o puxou para fora. Ainda chorando. A mãe o segurou no colo. Sentada na grama. Depois deitados em abraço comovente. Um sorriso que era o mesmo descansava tranqüilo no rosto de mãe e filho.

Ronie Von Rosa Martins - Brasil

Filho Pródigo Alex Dau – Moçambique

Guri no Buraco

O moribundo soergueu sofrivelmente, e procurou balbuciar algo, sem conseguir, voltou a adormecer seu sono doente.

Parentes atónitos olhavam-no cheios de piedade. Preces intermináveis eram rogadas silenciosamente. Todos clamavam misericórdia para com o enfermo que se debatia pela vida. Os dias sucediam-se e a família partilhava pacientemente a dor de Bucande que gemia perdidamente no seio leito. Nhessene, a esposa lacrimejava triste e era amparada pelos dois filhos, Massembe, o mais velho e Dimbo o mais novo. Ambos escutavam calados a dor do pai, que já haviam levado a todas instâncias da medicina convencional ao seu alcance recorreram mesmo a medicina tradicional sem no entanto alcançar resultados positivos. O enfermo continuava internado na sua agonia deixando os demais entregues a um desespero interminável. Mário Bucande, homem modesto de cinquenta e três anos, abandonara sua terra natal, Kuala no centro do país para a cidade capital quando tinha dezoito anos. Desde então nunca mais voltou. Conheceu Nhessene e cheios de paixão casaram-se, criando assim uma nova família. Deu sustento a mulher e aos filhos com os proventos oriundos de seu emprego numa fábrica. A sua degradação do género irreversível iniciou-se com sonhos misteriosos que vinha tendo com os falecidos pais. Primeiro acontecimento nefasto que surgiu foi a perda de emprego na fábrica. Dias depois caiu doente, devaneava morbidamente sentindo o espírito transferir-se do corpo para um espaço recôndito. Mário já não reconhecia o meio em que se encontrava inserido, por vezes ficava com os olhos esbugalhados divisando o vazio. Sua esposa era arrebatada vezes sem conta por uma opressão cruel que a desesperava, vigiava regularmente o marido esperando ver qualquer reacção no corpo imóvel deste. Os filhos firmes em levar avante o tratamento do velhote aplicavam suas economias com médicos que não sabiam diagnosticar a enfermidade de Bucande. Em contrapartida, curandeiros de todos escalões eram unânimes em afirmar que o doente não havia cumprido com os compromissos tradicionais para com os seus mortos. – Ele não foi nem ao enterro do pai nem da mãe, ainda mais não cerimoniou os falecidos. Agora, eles estão muito zangados! – leu convictamente Yambe o curandeiro mais afamado da cidade e arredores nos dados mirabolantes que se encontravam espalhados no chão. – O que podemos fazer para salvar o nosso pai? – consultou penosamente Massembe. – Nada, os mortos do seu pai são muito confusos, ele não escapa! – sentenciou friamente o curandeiro. Exasperado com os acontecimentos, Massembe embrenhou-se numa enorme solidão que lhe desatinava o espírito, e não foi suficientemente corajoso para dizer a mãe o juízo final proferido por Yambe. Já a noite emprestava uma densa escuridão, que a lua não dissipava e no quarto do paciente, o “Xiphefo” espraiava debilmente sua luz, lá fora uma coruja emitia seu pio augurando a noite infernal dos Bucande‟s. O doente agitava-se febrilmente, deixando sair dos poros suor cálidos que escorria para o lençol fedendo todo o quarto, mas os parentes mesmo sufocados suportavam aquele mau cheiro. Delírios troaram dos lábios trémulos do paciente, que procurava titubear algo: – Eu morrer...Kuala! – tartamudeou por fim o moribundo. Gatos excitados miavam num acto de orgia perturbando orações que eram emitidas para o todo-poderoso. Bucande gemia descompassadamente libertando sangue que jorrava da boca, esperneou preguiçosamente, os olhos reviraram-se procurando um antídoto algures, desesperou-se dando o último suspiro. Nhessene a esposa do falecido, assinalou seu luto chorando e emitindo gritos, os

filhos prantearam silenciosamente. Sem delongas, os preceitos fúnebres foram tratados para o dia seguinte. Em casa do falecido, decorriam as cerimónias inerentes ao facto, Nhessene tétrica, lastimava com sinceridade a morte do marido, ela era consolada carinhosamente pelos filhos. O cortejo fúnebre seguiu silenciosamente, por picadas encharcadas até ao cemitério, rezas foram proclamadas seguindo-se depois a inumação. Belas flores coloriam o túmulo improvisado de areia. A família enlutada regressou a casa ficando na companhia de amigos, vizinhos e parentes. Massembe bastante estafado, acomodou-se na sua cama. Mal fechou os olhos, enxergou através de uma visão, a imagem distorcida do falecido pai, solicitando que fosse desenterrado e translado de urgência para Kuala, pois sentia-se estranho entre espíritos desconhecidas. Assustado, Massembe abriu os olhos e sacudiu a cabeça procurando afastar aquelas imagens perturbadoras, mas quando de novo fechou os olhos voltou a deparar com a mesma situação. Levantou-se bastante conturbado e resoluto, caminhou a procura de Yambe. – O espírito do velho diz que quer para a sua terra – afirmou Massembe sereno, esperando atentamente o resultado da consulta que o curandeiro fazia. – Faça-lhe a vontade sem demora – determinou Yambe olhando fixamente para Massembe. Uma assembleia familiar foi convocada para discutir e acertar a vontade do espírito viajar de regresso as suas origens. No dia seguinte, segundo orientações de Yambe, Massembe e Dimbo escalaram o cemitério depois de completarem toda a burocracia e corajosamente procederam ao desenterro do caixão contendo os restos mortais do pai, que de seguida foi transportado por um “tchova” para sua antiga residência. Logo pela manhã quando o sol espalhava molemente os seus raios solares, já a viajem, havia sido preparada ao pormenor, o ataúde foi colocado dissimuladamente numa carrinha alugada. Massembe e Dimbo despediram-se penosamente da mãe e tomaram os seus lugares na carroçaria ladeando a féretro do pai. A carrinha partiu levando o corpo de Bucande a sua terra natal, Nhassene bastante comovido dispensava um olhar terno de último adeus ao marido. O veículo funerário distanciou-se de sua origem percorrendo numerosos quilómetros, os irmãos entreolharam-se calados. Do céu descoberto da manhã, um bando de corvos planava bem alto bem duas filas indianas escoltando o carro funerário. Depois de uma longa viagem rica em percalços, primeiro foi um pneu dianteiro que estourou e por pouco o motorista não perdeu o controlo da viatura, depois foi o motor que aqueceu bastante e tiveram que parar o veículo até o motor arrefecer, finalmente alcançaram exausto o destino. Um manto nublado cobria os céus de Kuala quando a comitiva fúnebre chegou, Massembe e Dimbo foram recebidos por Tsango irmão mais novo de Bucande, que sabia antecipadamente da vinda do corpo do irmão, através de um comunicado anunciado pelos espíritos. Tsango auto apresentou-se aos sobrinhos passando a expor os mandamentos dos espíritos do falecidos pais. – Temos que sepultar ainda esta noite – proferiu Tsango enrugando a testa. – Que assim seja! – consentiu Massembe. Um pequeno grupo acompanhou solenemente o cortejo até ao cume de um monte onde iria ficar sepultado o corpo de Bucande. Sons de um cântico tradicional fizeram-se ouvir dando início ao acto cerimonial, batuques rugiram vigorosamente ritmando na noite. Um grupo de donzelas virgens e de tronco nu dançavam eufóricas ao ritmo da batucada e cantavam de ânimo leve acompanhadas por dois mochos que piavam enquanto um homem dotado de poderes sobrenaturais purificava com sangue de serpente o fundo onde iriam ficar sepultados os restos mortais de Bucande. O ataúde foi inserido no fundo da cova e coberto primeiro com um plano vermelho e areia de seguida. Atearam um archote junto ao túmulo que ardia fortemente cativando com o seu poder ígneo a atenção de todos os presentes. A cerimónia terminou quando começou a chover torrencialmente, mas o archote teimava em arder. – Já foi cumprido a vontade dos espíritos, por isso chove – afirmou Tsango Os irmãos, estupefactos com todo aquele ritual, consentiram calados.

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Conto

E sses dias entrei em uma polémica danada, com um colunista político conservador, „‟tá‟‟ ligado meu, mas deixa isso para lá, o assunto não é

bem esse, ainda não esse, está verde e vou amadurecê-lo mais tarde. É que vendo o noticiário, fiquei bronqueado com a explosão de violência na minha cidade. Uns ítalo-brasileiros, ligados ao mundo da droga, decidiram vingar um dos seus, resultado? A cidade vive um clima de Chicago e Detroit dos anos 20 e 30. Fala sério! Até quando ... Ver mais vamos ser passivos esse massacre diário? Ai fiquei pensando o que coloca uma arma na mão de um Zé Mané desses? Um Zé Mané que dispara contra o filho ou filha de alguém. Dinheiro fácil? Adrenalina? Não sei! Ai... lembrei de uma cena, também na televisão, uma tiazinha já meio idosa chorando, seu neto saiu para brincar no campinho de „‟football‟‟, mantido pelo poder público municipal, o moleque acabou atingido na cabeça pela trave, cheia de ferrugem, acabou morrendo de traumatismo craniano. O poder público abandonou esse „‟aparelho‟‟ recreativo localizado, na dita zona periférica da cidade, ou como queiram, na favela. Digo isso não para justificar o massacre que bandidos promovem na minha cidade, massacre patrocinado pelo pó e pedras. E sim como o poder público actual vê a periferia, ou melhor, a favela. Que outra polémica com outro conservador, que actualmente detêm um alto cargo público, disse nas redes sociais que abrir as escolas nos fins-de-semana é uma puta de uma roubada. Porque o povo esfomeado da periferia, ou melhor, da favela, vai só para comer e acaba quebrando tudo. Talvez isso explique o motivo dessa tal explosão de violência e abandono que as zonas periféricas, ou melhor, as favelas vêm ocorrendo na actualidade. E retomando o raciocínio do começo desse texto, a pequena escaramuça „‟inútil‟‟ que travei essa semana, com esse tal colunista político conservador e de direita, sim ainda existe direita e esquerda desse mundo. O carinha também detêm um alto cargo no governo, com um alto salário e regalias, me passou um baita sabão, me deu de dedo e só faltou de chamar de excomungado. Segundo essa coisa mais querida, por eu ser afro-descendente, e com o agravante de ser morador de uma zona periférica, ou melhor, a favela, eu não me poderia possar em uma situação de vítima da sociedade. Eu deveria ir à luta, e não pensar que pelo fato de viver na pós-escravidão, deveria ir à luta e não cobrar favores do poder público. Que nós minorias de poder na actualidade estamos abusando das benesses do Estado. Em suma, se quero ter lazer, educação e cultura que fosse ao mercado liberal ou neoliberal e com o suor do meu trampo, conquistar essas coisas com o meu trabalho. E que não é papel do Estado ser mão de alguém. Pensei no alto salário que o poder público para essa figura conservador detentora de um cargo comissionado, não concursado. E como estar sobre as benesses do Estado, ou melhor, do poder público, dever muito, muito e muito bom. Pois prega uma coisa e fazer outra bem diferente no meu dicionário se chama de demagogia. Talvez o fato da cidade estiver, com suas zonas periféricas, ou melhor, as favelas, abandonadas com tanta gente assim no poder público pensando dessa forma e ganhado altos salário em cargos de confiança, não concursados. E que estamos em pleno período pré-eleitoral o poder público municipal está asfaltando as zonas periféricas, ou melhor, as favelas, com asfalto vagabundo e reformando algumas pracinhas. A verdade „‟o maluco‟‟ é que a minha cidade é assim: fica meia dúzia em um tal de senadinho, uma lanchonete, ali no centro da cidade, aonde alguns donos da verdade ficam ditando a política da cidade, alguns deles detentores de cargos comissionados, não concursados. No tal do senadinho elegem e reelegem e condenam ao ostracismo os políticos da cidade, ao sabor de petiscos, bebidas alcoólicas, muita soberba e arrogância. Condenam e absolvem pessoas e instituições. Apontam erros e acertos, falhas e virtudes. Loucos? Vai saber o maluco, cada um na sua verdade, e cada qual com sua cruz. Se „‟neguinho pira‟‟ eu não tenho culpa. Só que nesse ano, de eleição, lembro que o mote de um candidato para o cargo maior da cidade, era que a cidade iria voltar a sorrir. Daí volto a outro noticiário, um tal Centro de Internamento Provisório para menores infractores, da cidade está em ruínas. E enfrentou fugas diárias e actualmente está sendo reformado, vai ser reformado, vai virar um baita modelo de presídio para menores. Novidades? Nenhuma! Qual a solução dos velhos do senadinho? Digo velho em pensamento não em idade. Pelo menos é que dizem as bocas pequenas e irrequietas. Uma guarda municipal armada, a solução nego velho, é tirar dinheiro, que é pouco, da educação, saúde, moradia popular e afins, para fazer uma força repressiva, uma polícia municipal arma. Uma Gestapo, ou KGB dependendo da visão política de cada um, para por no coreto em ordem. Tenho pena da minha cidade e o rumo que ela está tomando. Quero sim voltar a sorrir, mas com espaços de lazer, cultura e desporto para não mais ver noticiários com quadrilhas se matando em trave enferrujada matando crianças inocentes. Samuel da Costa é morador de uma zona periférica, ou melhor, a favela. PS: Volta mais tarde com maiores ou melhores notícia da minha bela cidade.

17 | 27 de Julho 2012

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Verdade da rua

Samuel da Costa-Brasil

Conto |

Conto contigo

O mês era Março, corriam rumores no seio de nós os de cá e os de lá, de uma provável bienal de poesia em Lunda; na qual dois membros iriam

representar-nos, nomeadamente Amosse Mucavele e Eduardo Quive; este último chegou mesmo a efectuar esta tenebrosa viagem a Luanda. Tenebrosas sim, no final seremos unânimes. Cogitei em fazer algo pouco comum nos nossos dias; que digam - como no antigamente, quando escrever uma carta era moda; pois, pensei, - esta efeméride seria a oportunidade de voltar no tempo, e quem sabe?, oportunidade única de corresponder-me com o escritor Manuel Rui. Já havia lido e relido o livro “Quem me dera ser uma onda”, como é hábito e costume nosso: ler, ler e sempre ler; principalmente quando se trata de escritores como é o caso do Madala Rui. Bom, enverguei por esta via; diferentemente do passado, coloquei as mãos nos teclados do único e obsoleto computador que edita a Revista Literatas. Mas a carta assim

como o intermediário nunca chegaram a aterrar em Luanda; como diz o título. Pois, como disse - a viagem foi mesmo tenebrosa; não só pelos vistos exorbitantes, mas os adiamentos, e vários adiamentos, e por vezes, o mais triste dos adiamentos sem justa causa e sem pré-aviso; motivos estes claros da desorganização, aliás, a organização da desorganização desta Angola, que dizem ser país irmão, chega mesmo a assustar. À dias conversando com alguém, virtualmente, garantiu-me, o que não posso categoricamente a firmar; que ouve um festival de teatro da lusofonia em Luanda que foi simplesmente um autêntico fiasco. Bom, o que não posso negar é a irmandade de Moçambique e Angola, pois a desorganização nestes países parece-me ser uma doença crónica. Uma doença que se mostra cada vez mais perigosa e mortífera, quando eventos como festival da cultura em Moçambique, seja o que não deveria ser, e não só, e muitos outros eventos em Luanda e em Maputo são feitos por cima do joelho, improvisados; chamo isso de Luso-vergonhiices africanas. Voltemos a carta que não pude enviar ao Manuel Rui; se não esta que fique claro que não pude enviar por motivos alheios a vontade alheia. Passo a citar a carta:

Carta ao Poeta Manuel Rui Quem me dera ser eu uma onda, quem me dera... do Indico ou mesmo do atlântico, talvez a essa hora por ai testemunharia as mais más bio-devastações humanas aos inocentes marinhos; mas não o sou; sou isto, mais alguma coisa que não sei! Escrevo isto só para tentar cruzar essas águas oceânicas que hoje em dia parecem-me mais distantes. Cresci ouvindo com A mais B, que nós, os de cá (indico) somos irmãos com os de lá (atlântico), que Angola é um país irmão de Moçambique, argumentos mais celebres outorgam votos a língua; e de quanto me lembro, aliás, nos lembramos, esta língua foi nos dada de maneira desumana, e se ambos, cremos nisso, então, ao mesmo tempo, deixamos a paternidade a mercê dos portugueses! Que na minha opinião é lastimável. Não quero em nenhum momento dizer que Moçambique e Angola não são países irmãos, são sim! Mas não tem só na língua o ADN de semelhança, mas pelos traços culturais, mais fortes, mais idênticos que semelhantes. E isto, caro ilustre, cidadão angolano, escritor, poeta, não sei de qual prefixo ouso em usar para prestar a sua atenção, vive-se nas nossas literaturas, exemplo concretíssimo é, sem sombras de dúvidas o seu simplesmente clássico livro, “Quem me dera ser uma onda‖, no qual, pela distância, cada vez mais distante que no tempo de Samora e Neto; foi o único que tive acesso. Na altura quando digeria a cultura, a angolanidade, que o pequeno-grande livro aborda, eu cá, doutro lado do indico, via os mesmíssimos problemas deste “meu” país, que outros aglutinam, enfrenta. As imagens das sujeiras dos prédios, as praias até as ruas, não imaginas... caro confrade das letras… se por acaso isto valesse um troféu, sem sombras de dúvida, aliás de lixo, nós aqui o vencíamos. Bom, deixemos para lá a disputa de imundície; como se diz por aqui: são coisas da nossa terra; gozo da ocasião para dizer: são coisas das nossas terras. Caro ilustre, pela qualidade literária, Manuel Rui, romancista, poeta angolano, cidadão acima de tudo; como já percebeu, eu sou… não sei bem o que sou, mas alguns chamam-me de Jovem poeta, pois, eu nem jovem sou, muito menos um poeta, de nome carrego letras tal e qual: Japone Arijuane, pertenço a um movimento literário “Kuphaluxa” no qual o poeta Lopito Feijoó, seu patrício, conhece minimamente bem, pois, passou bons e poucos momentos, no qual um desses poucos momentos lançou a sua mais recente obra: “Lex & Cal Doutrina‖, na qual

tive a ousadia de tecer algumas palavras em forma de ensaio. Madala Rui, se me permita que assim o chame; não imagina o que seria alegria para mim… mas penso eu - ver realizem-se frequentemente intercâmbios literários entre Angola e Moçambique seria uma das maiores alegrias, se não a maior, apesar de difícil ser detectar uma alegria num poeta africano numa África cada vez mais colonizada que outrora. Penso que basta, mas se o poeta acha que a ilusória via de estarmos juntos não te rouba muito tempo, aqui tem os meus endereços:

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A carta que não pude enviar ao escritor Manuel Rui

Page 18: Revista Literatas - edicao 40

Malangatana, Ayué!

S obre a areia mais fina do que o pó, mais vermelha do que o sangue. Os passos do alferes caminhavam para o caniço nas noites disponíveis de sábado, mascavavam persistentes para lá do último machimbombo, bem depois da Av. 24 de Julho, do Alto Maé, bem já dentro do Xipamanine. Areia fina, cansativa, exigente. – O Malanga está? Abria a Gelita. – Entra. O Mário dorme no abandono da esteira. – Malangatana, ayué! Soba soberano da noite; os pincéis, os óleos, todas as cores revelavam imagens, gestos, composições, interrogavam um mundo como interroga o mar um marinheiro que navega nas primeiras aventuras entre a admiração e as perguntas que se movem no seu íntimo. – Ilhikani, Jacaré! – Ilhikani, Mulungo! As borboletas dançavam mágicas contra as lâmpadas, exorbitavam de emoções no seu fulgor. – Onde está o Oblino? Incendiavam-se sobre a tela olhos fixos de leopardos, os dentes, as garras, os gumes, mãos, lábios, ventres. A Percina dança! A areia rubra, depois do cacimbo, há-de ficar mais viscosa e plástica do que o óleo de holanda. O Chissano lutou toda a noite com a madeira, as camarinhas escorreram sobre os olhos fixos e tensos, até que daquele tronco informe se soltou um chicova que voou para espantar os maus presságios da noite, e assim ficou com as pupilas desorbitadas, as asas abertas, grandes, assim ficou, como eu vi, definitivo, já na madrugada. A Percina dança e canta! – Quem não gosta da Percina? Quem? O Paulo Comé foi buscar a distância absoluta lá para Benfica,na Estrada de Moçambique, que aponta ao Norte pelo caminho de Marracuene e de Vila Luísa. Eh! Paulo! A palavra suave, a longa sabedoria de um cocuana, a palavra com que se urde a amizade que fica para lá dos tempos, a lâmina mais exigente e dúctil que algum dia esculpiu em Moçambique!Paulo Come da tribo dos Mariqueles – aqueles que andam, que vão pelo caminho; disse-mo como quem diz porque é que tinha ido morar para tão longe, empurrado pelos outros, pelos das tribos dominantes; disse-o como quem liberta da madeira as aparas que estão a mais e que são inconvenientes à perfeição. – E ele sabia o que era a perfeição, caramba! Olha esta estátua que obriga à contemplação sem tempo e sem reparo! Mercado do Xipamanine! O Mankew sentou-se diante da feiticeira para, também ele, pintar! A Percina dança, canta, assobia. – Ayué! Éh! Éh! Éh! Éh! O Mankew sentou-se agora, ali onde mora, junto do mercado, onde se vendem capulanas, frutas, legumes, carvão, peles de animais, ossos com que se faz feitiço, lugar onde há sempre gente que se move em todas as hipóteses de um destino. Veio o tempo das chuvas e das torrentes.O Mankew começou a pintar a feiticeira. Veio o tempo das chuvas e das torrentes; já não há areia; só há matope rubro e viscoso, por onde tudo se agarra, escorrega e ensopa. Vou para lá da 24 de Julho, do Alto Maé, do Xipamanine. – Gelita, o Malanga está? O Manguiza já anda, come papaia. As mãos, os ventres, os corpos, os olhos fitam-nos e interpelam-nos sobre a tela, impõem-se para lá do silêncio e do chá que tomamos juntos. Onde vamos buscar palavras? Lindo Lhongo chamou o Norberto Barroca e disse: – Isto é teatro! – Está bem, vamos então ensaiar teatro. Foi no Avenida; congregou todos no “Lobolo” e até tu, Malangatana, arredaste os pincéis e foste dançar no palco quando os

tambores do batuque celebraram a festa, narraram emoções e, no imprevisto, carpiram o drama!; e depois, quando tudo parou, o coro dos homens ressoou em vozes densas de baixos, exigindo o silêncio; o coro advertiu a plateia, sagrou-se num som solene que revelou a verdade daquele alfabeto que foi por todos entendidos porque se abriu no lugar certo para aquelas vozes e para aqueles ouvidos na plena verdade do instante. – E quem não ouviu então as vozes feridas das mulheres nos seus gritos?. A Percina, Éh! Éh Éh! A Percina grande, gorda, mamana do som e do ritmo, dilui a capulana no delírio da dança e das palmas, esvaziou as palhotas, já não há ninguém que não participe, até as crianças andam por ali no som ritmado da noite. – Moçambique!! A Maria e o Pedro nasceram por esse tempo. – Lindo Lhongo, e, depois das “Trinta mulheres do Muzeleni”, que outras peças vieram a seguir? Malanga, agora são os azuis e a cor quente do caju, a fome e o amor, súmula essencial da humanidade. A caligrafia das cores expande-se sem restrições, impõe sobre a tela o seu som, a cor, a forma, o ritmo, o mistério, a alegria.e a dor. – Eh!? Vai embora?! Vai embora?!… Perguntou três vezes o Oblino antes de me largar a mão com o espanto das coisas impossíveis. – Sim, vou.Venho despedir-me. – E quando volta? Quando? – Não sei dizer. Creio que nunca mais vou voltar. – Não pode! – Não pode mesmo! – Não sei dizer palavras, Oblino. – Eh! Malanga! Olho os teus quadros: estão na minha parede. Os meus filhos sabem de um mundo fantástico de que eles são o documento exigente e impulsivo. Milhares de pessoas o saberão com eles. Por tudo isto, a exposição que fizeste em Lisboa na SNABA foi necessária porque ela representou – única – na linguagem superior da arte, os laços, o tempo irrepetível de pessoas, de povos, que andaram sobre a gramática da História, de uma história conturbada, mas real porque vivida, sofrendo os dramas, inventando o sonho, fazendo a vida.

II E decorreram mais de 30 anos sobre as palavras escritas aquando da tua

18 | 27 de Julho 2012

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Ideias| Debates e Reflexões

João Esteves Pinto - Portugal

Malangatana, o homem que recusou odiar

Page 19: Revista Literatas - edicao 40

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Ideias| Debates e Reflexões

19 | 27 de Julho de 2012

Uns anos depois da exposição, fizeram-te uma homenagem no ISPA; a teu lado, na tribuna, ficou a esposa do arquitecto Pancho Guedes. Os oradores falaram sobre o que o programa anunciara e depois tu, com o teu atropelo de palavras de sempre, sem qualquer atropelo de ideias, evocaste a tua infância e adolescência – afinal quando tudo nasce –, e disseste: que o Pancho te contratou para mainato depois de te ver pintar no Núcleo de Arte de Lourenço Marques, mas que também te daria todo o tempo do mundo para que pintasses na sua garagem e que também te daria tempo para brincares com os seus filhos; e disseste: que vocês faziam tolices como todas as crianças e jovens, e que a esposa do arquitecto Pancho Guedes se zangava como qualquer mãe zelosa quando as crianças se portam mal, e que os filhos dela levavam tareias sempre que as mereciam, e tu tinhas que ouvir ralhetes que eram só para ti, por actos de que foras cúmplice e autor muitas vezes, e que a frequência dos ralhos acompanhava a frequência dos vossos desmandos, até que um dia não ouviste apenas ralhos e levaste também umas palmadas. E tu, nesse dia – disseste –, tu sentiste que eras exactamente igual àqueles irmãos e que eras ,afinal, já filho daquela família! E tu, perante aquela assembleia reunida em cerimónia, tu choraste convulsivamente e a tua voz já não gaguejou mais, porque se calou de emoção comovida. Os anos passaram – passam sempre e sem remédio – e eu fui, não há muito (ou há já uma eternidade?) fui ver-te com a minha mulher ao Hospital de Santa Maria e tu estavas aparentemente como de costume, e falámos longamente com silêncios que ficaram incómodos naqueles instantes; recordámos o António Quadros, que tu consideravas o melhor pintor de Moçambique, e que também era Grabato Dias quando se exprimia pelos seus poemas inventivos; e recordámos que ele faltou ao último almoço combinado, recordaste que, de súbito, ele morreu. Recordámos o Paulo Come e a sua sabedoria, a sua escultura dúctil de inspiração rara, que, tão jovem, morrera já também. – Ainda estará em tua casa a escultura do curandeiro que me pediste para ele te vender? Recordámos o Chissano e a sua personalidade impulsiva, o seu trabalho agreste, afirmativo, sobre a madeira; recordámos a sua estranha e mal explicada morte e também o seu funeral com uma pele de leopardo sobre o seu corpo nu, por determinação sua, tal como um guerreiro ronga. Agora desejo que a Percina nos lembre a todos e, se já não puder dançar, nos lembre com os seus cânticos mágicos e os seus braços a avantajarem-se no ar; e espero que o Oblino não deixe de tocar aquela melodia de guitarra e alterne ainda com o som sonoro e rápido dos tambores.

Porque recordámos então a morte de tantos? – Que estranha e forte presença, a dessas ausências! Já não lembrámos nem os teus tempos de prisão nem, depois, os tempos em que foste desterrado para seres "reeducado" em Nampula. Não, isso já não lembrámos.

III

Mas eu quero testemunhar-te que Portugal se lembrou de ti e que te honrou com actos fúnebres solenes no Mosteiro dos Jerónimos, lá, onde tem os seus maiores – aqueles que são indiscutíveis na grandeza e que souberam execrar o ódio. E deixa-me dizer sem palavras, porque elas seriam sempre imperfeitas, deixa-me dizer-te que muitos dos de então hão-de recordar-te como se estivesse noite e ouvissem as músicas rituais, frementes, que se ouvem em lugar incerto no tempo escuro da lua nova. Todos eles lembrarão agora a Gelita, que há-de estar desolada e só, ela e os vossos filhos, que, com os olhos dilatados dos teus quadros, hão-de estar a interrogar o silêncio.

Glossário:

ILhikani – Boa tarde

Mainato – Criado, empregado doméstico

Lobolo – Cerimónia do casamento

Mamana – Mãe, matriarca

Cacimbo – Estação da seca

Matope – Terra molhada e viscosa, lama

Machimbombo – Autocarro

Ronga – Tribo do sul de Moçambique

Mulungo – Branco.

Chicova – Coruja

Cocuana – Velho, ancião

Capulana – Pano de vestuário das mulheres africanas, parecido com o sari

indiano

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Page 20: Revista Literatas - edicao 40

Ensaio

I

A África não dorme. Vive em eterna vigília. Essa é a metáfora que explica A maldição de Ondina, do português-moçambicano António Cabrita (1959), livro que

tem tudo para empolgar o leitor brasileiro não só por suas qualidades literárias como pelas marcas de várias culturas afins ao Brasil que impregnam suas páginas. Como toda boa metáfora, o título A maldição de Ondina tem duplo sentido. Ou seja, explica o fenómeno que faz parte da natureza intrínseca dos golfinhos, mamíferos que não podem dormir jamais, já que, para sobreviver, necessitam vir à tona de cinco em cinco minutos para respirar. E, portanto, não podem esquecer a condição em que vivem, sob o risco de desaparecerem. Não se pode esquecer que a referência à Ondina, ninfa das águas na mitologia germânica, serve também para qualificar uma rara síndrome – em 2006, havia apenas 200 casos conhecidos no mundo –, cujas formas graves exigem que a pessoa receba ventilação mecânica 24 horas por dia. Ou seja: vigília ininterrupta. Mas explica também o sentir e o estar africano ao longo dos séculos. Um povo – feito de muitas nações, etnias e tradições milenares – que está condenado à permanente vigilância, diante daqueles povos que se mantêm sempre à espreita para espoliá-lo, como fizeram os europeus por séculos a fio. E, agora, ao que parece, fazem os chineses, os colonizadores do século XXI, que estão a explorar as florestas do Norte de Moçambique até o ponto de transformá-las em vasto deserto. Sem esquecer aqueles que saem do próprio povo africano – que, afinal, é resultado de muitas e distintas etnias – e que, no poder, acabam também por espoliá-lo. Mas essa não é uma característica do

africano, mas da espécie humana, seja lá qual for a sua matiz de cor. Portanto, não se quer dizer aqui que, se a África tivesse ficado imune à presença do europeu e de povos como indianos, hindus, goeses, mouros, cojás e tantos outros que a assolam desde tempos avoengos, teria tido um destino melhor. Ou que, hoje, seria um continente sem problemas, um paraíso terrenal em que Deus pudesse passear tranquilo no jardim pela viração do dia. Pelo contrário. É provável que estivesse imerso em mais obscurantismo, ao menos sob o prisma da visão eurocêntrica que nunca iremos perder. Não é isso o que se contesta aqui: até porque essa é uma opção irremediavelmente perdida na História. E que remete ao lamento do poeta Manuel Bandeira (1886-1968) sobre a vida que podia ter sido – e que não foi. A África é o que é hoje. E ponto final. Entrecruzamento de raças e etnias, suas mazelas – a miséria de muitos povos, a falta de perspectivas para muitos, a opressão de uma classe sobre outras – são iguais às de todos os homens que vivem na Terra – uns mais, outros menos. Uma espécie de Brasil nenhum pouco às avessas. Se aqui o partido que se dizia de esquerda e defendia os oprimidos chegou ao poder pelas vias da democracia chamada burguesa e, naturalmente, não o quer largar, ainda que tenha de recorrer a meios inconfessáveis, ao estilo das antigas máfias napolitanas, lá o partido dos oprimidos, a Frente de Libertação de Moçambique (Frelimo), alcançou o poder pela força das armas, depois de ter, primeiro, colocado o colonialismo para correr e, em seguida, em meio a anos de contendas e mortandades, destruído pelos fuzis adversários que tinham os mesmos objectivos. No poder, num congraçamento entre “marxistas-leninistas arrependidos” e oportunistas incrustados nas máquinas partidárias, tanto lá como cá, os partidos e seus dirigentes logo esqueceram os miseráveis que tanto defendiam, deixando-se levar pelas delícias do dinheiro fácil das grandes corporações nacionais e internacionais, que, afinal, ninguém é de ferro e a vida é uma só e tem de ser vivida à larga, ainda que à custa da dilapidação do património público, da corrupção generalizada, do gangrenamento da vida da nação e da destruição dos bens naturais do país. Tudo em troca de “consultorias”, “sobras de campanhas” ou “numerário não contabilizado”, conhecidos eufemismos brasileiros para a maldita taxa de corrupção e outras formas de enriquecimento ilícito. Obviamente, sempre revestidas por “bazófias patrióticas”, como diria o autor. É o que se pode sentir neste romance de Cabrita, um retrato de uma África pouco conhecida no Brasil, mas facilmente reconhecível, que se desenha na vida de meia-dúzia de personagens: César, luso-moçambicano, professor e escritor de romances policiais; Raul, amigo de César, policial; Beatriz, mulher de César e professora universitária na área de Literaturas Africanas; Argentina, concubina de César por dez anos e gestora numa ONG; Aurora, antiga ama-seca de César e sua cozinheira; e Filipa, irmã de César e médica. Além de outros personagens secundários apenas citados, como a famosa atriz Rita Hayworth (1918-1987), estrela de Gilda (1946), que, entre outros casamentos, viveu com o príncipe Aly Khan, de 1949 a 1953, num palácio na Ilha de Moçambique, para quem, no romance, Aurora – provavelmente, macua ou maconde – teria prestado serviços culinários. Por trás de tudo, um pano de fundo facilmente reconhecível: uma estrada de terra batida é aberta só para que presidentes (das câmaras) de duas cidades e secretários do partido se visitem; um presidente da câmara de Maputo é atropelado de modo acidental, mas ninguém acredita na versão oficial; enfim, crimes que nunca se explicam, como aquele com o qual o

policial Raul se vê às voltas com investigações a respeito de pessoas que desviaram dinheiro para o partido, mas para os quais o partido volta as costas. Como nesse tipo de regime o agente policial anda sempre sobre o fio da navalha, dependendo das facções que estão no poder, Raul trata de colocar as barbas de molho, pois teme que o seu fim possa estar próximo. E pede a César, que nunca teve filhos, que leve o seu “miúdo daqui para fora”, pois não quer que fique com a mãe, em Quelimane, pois “isso seria condená-lo a uma vida medíocre...”.

II

Observador arguto do linguajar moçambicano, Cabrita constrói os diálogos com fidelidade à oralidade, o que permite suspeitar que, em pouco tempo, o idioma de Camões estará totalmente substituído pelo de Shakespeare não só

em terras que foram do sultão Mussa Bin-Mbiki como em todo o antigo e vasto império Monomotapa e nas antigas terras do reino do Ndongo, cobrindo todo o “mapa cor-de-rosa” imaginado, um dia, pelos colonialistas lusos. Até porque a Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP), como organismo internacional, não passa de uma bela fantasia. E, até prova em contrário, pouco faz em defesa da lusofonia. Que o digam os rebeldes da Casamansa, província do Senegal, que desde 1982 empreendem uma inglória guerra de guerrilha para se livrar da opressão do governo de Dakar e virar país independente na órbita da CPLP. Cabrita nasceu português de quatro costados, pois é do Pragal, freguesia do concelho de Almada, cidade do distrito de Setúbal, que fica à entrada do rio Tejo, em frente a Lisboa.

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TEXTO: Adelto Gonçalves - Brasl| FOTO: Eduardo Quive

20 | 27 de Julho de 2012

António Cabrita e o futuro da lusofonia

… Cabrita constrói os diálogos com fidelidade à oralidade, o que permite suspeitar que, em pouco tempo, o idioma de Camões estará totalmente substituído pelo de Shakespeare não só em terras que foram do sultão Mussa Bin-Mbiki como em todo o antigo e vasto império Monomotapa e nas antigas terras do reino do Ndongo, cobrindo todo o “mapa cor-de-rosa” imaginado, um dia, pelos colonialistas lusos.

António Cabrita

Page 21: Revista Literatas - edicao 40

Ensaio

Ensaio

Mas, como muitos de seus ascendentes, achou de tentar descobrir na África, não a árvore das patacas dos quinhentistas, porém outra maneira de viver. Quem sabe, menos morna e asséptica, porque sob o sol africano e em meio a ameaças físicas e até contagiosas. Como gosta de viver na contramão, foi para Maputo há poucos anos, a uma época em que raros lusos se dispõem a ir para a África e os que de lá retornaram choram até hoje o “império colonial derramado”. Não se arrependeu, pois encontrou material, o chamado “tecido da vida”, para escrever novas e surpreendentes histórias como estas que o leitor brasileiro tem a oportunidade de conhecer.

III

O que se lê neste romance, para quem conhece a vida nas favelas e subúrbios das grandes e médias cidades brasileiras, não haverá de surpreender. Talvez uma ou outra expressão autóctone que o escritor esclarece devidamente em notas de rodapé. Um personagem era bem visto pela comunidade porque colocara a filha a estudar – já estava na 11ª classe –, ainda que o seu verdadeiro negócio fosse o tráfico. Outro, que exibia uma cara da ratazana, tinha duas mulheres e nove filhos e vivia de biscates. Um terceiro, professor primário, fora abandonado pela mulher, depois de tê-la espancado até quase à morte, com oito meses de gravidez, por causa de ciúmes do pastor. Em meio a uma natureza paradisíaca, a violência doméstica é corriqueira em algumas aldeias, onde o isolamento parece enlouquecer os homens. “As pessoas catanavam-se à primeira, por medo, cativos. À mínima tensão o marido acusava a mulher de feitiço e a família dele acabava por cataná-la, a cobro da noite (...)”, diz Beatriz. Catanavam-se, ou seja, cortavam-se com facão. O estilo de Cabrita é de fácil e envolvente leitura, ainda que os capítulos em flash nem sempre permitam acompanhar o foco da narrativa ou o fio-condutor da trama com facilidade, exigindo novas e detidas leituras. O texto, porém, vale por si mesmo, pois não deixa de explorar todas as técnicas desenvolvidas pelos grandes mestres da literatura. Com mestria, Cabrita recorre ao discurso indireto livre sempre que pode: “(...) A sua mãe, farta daqueles modos, resolvera voltar a casa e levar as crianças, advertindo-a na porta, esta gente não presta, se armarem confusão fala com o polícia do sétimo”. A história, porém, é conduzida em torno de César, uma espécie de alter ego do autor, professor, intelectual que vive rodeado de livros, casado com Beatriz, mas que teve uma amante com o sugestivo nome de Argentina. Filho de “boa família portuguesa”, que é como se diz daquelas famílias que conseguiram amealhar um bom património e dinheiro no banco, César não hesita em chantagear o pai, em troca de que este o deixe levar consigo a amante negra para com ele estudar em Lisboa. Afinal, o pai sabe que ele sabe de sua segunda mulher, “a quem instalara casa nas Torres Vermelhas, em Maputo”. O silêncio vem “em troca de uma passagem para Argentina e de um aumento chorudo na mesada”. Se não conseguiu entrar no curso de Direito como o pai ansiava, enquanto Argentina concluía o de Economia,

César ganhou fama com seu primeiro romance policial, a que se seguiram outros. Quando se sentia secar por dentro, retornava a Moçambique em busca de reciclagem e renovação. Depois de anos com Argentina como amante, resolve casar a sério com a professora Beatriz, talvez em busca de uma união estável. Mas aqui não há como deixar de pensar que, para ele, as “pretas” só servem como amantes, ainda que Argentina seja uma mulher extremamente culta. Ranço do racismo colonialista, quem sabe. Mas, quando o casamento com Beatriz entra na fase morna, César volta a Moçambique, atrás novamente de Argentina, que, a essa altura, também voltara para a África de olho num mestrado no Zimbabué. Quando está às vésperas de reatar com Argentina, quem sabe para finalmente constituir uma família e uma velhice tranquila para ambos, o destino o leva para outro rumo. Por lealdade a Raul – morto numa cilada em Quelimane, provavelmente por um colega de profissão, vítima de alguma intriga política –, terá de assumir o filho do outro para colocá-lo longe da África. E garantir-lhe uma vida melhor. Eis a metáfora de volta: na África nunca ninguém pode dormir, o que significa que não se pode esquecer o passado, essa assombração que vai aonde quer que se vá. Em outras palavras: como não podem esquecer o que lhes fizeram, os africanos não conseguem superar o ressentimento e atingir o perdão. Nem perdoar os outros nem a si mesmos. Essa é a maldição que paira sobre a África. A maldição de Ondina.

IV

António Cabrita publicou Oblíqua Visão de um Cristal num Gomo de Laranja ou Perene o Sangue que Arrebata os Anjos Vingadores (1979), Tormentas de Mandrake e de Tintin no Congo (Teorema, 2008), Carta de Ventos e Naufrágios (Teorema, 1998) e Cegueira de Rios (Relógio de Água, 1994). Parte considerável da sua obra

poética está reunida em Arte Negra, livro de 2000 publicado pela Editora Fenda. Crítico literário e de cinema de 1988 a 2004 no semanário Expresso, de Lisboa é também editor das edições Íman, director da revista Construções Portuárias, autor de contos e argumentos para o cinema.

_________________________________

(*) Posfácio do livro A Maldição de Ondina, de António Cabrita (Taubaté-SP, Letra Selvagem, 2011).

E-mail: [email protected]

Site: www.letraselvagem.com.br

(**) Adelto Gonçalves é doutor em Literatura Portuguesa pela Universidade de São

Paulo e autor de Gonzaga, um Poeta do Iluminismo (Rio de Janeiro, Nova Fronteira,

1999), Barcelona Brasileira (Lisboa, Nova Arrancada, 1999; São Paulo, Publisher

Brasil, 2002) e Bocage -- o Perfil Perdido (Lisboa, Caminho, 2003).

21 | 27 de Julho de 2012

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O estilo de Cabrita é de fácil e envolvente leitura, ainda que os capítulos em flash nem sempre permitam acompanhar o foco da narrativa ou o fio-condutor da trama com facilidade, exigindo novas e detidas leituras.

Page 22: Revista Literatas - edicao 40

[23-29 DE JULHO 2012]

CALENDÁRIO DE LANÇAMENTOS __________________________________________________________________ 1. Dia 23 – Dia abertura da Feira - livro KICOLA - Estudos sobre a Literatura Angolana no Século XIX - volume I Hora: 18H00 Local: Feira do Livro de Benguela - Largo de África-Benguela Sobre o Livro: Kicola é uma palavra extraída a um dos poemas estudados neste livro. Significa proibição, tabu: “não pode ser”. KICOLA - Estudos sobre a Literatura Angolana no Século XIX é o primeiro volume de uma série de estudos aprofundados sobre a literatura e a cultura escrita em Angola no século XIX. Mais tarde se publicará uma antologia de poemas, uma pesquisa desenvolvida sobre os livros que foram lidos pelos nossos antepassados e uma literária sistemática da obra fundacional de José da Silva Maia Ferreira, Espontaneidade da minha alma. __________________________________________________________________ 2. Dia 24 – Livro Cinco Dedos de Vida (contos) Hora:18H00 Local: Feira do Livro de Benguela - Largo de África-Benguela Sobre o Livro: O livro Cinco Dedos de Vida apresenta-nos cinco contos lindos como; a Profetisa da Verdade, o Diário do Man João Trinta, o Nosso Soba, a Dama de Vermelho e os Três magníficos da Bola. __________________________________________________________________ 3. Dia 25 – Livro Caminho para a paz e Reconciliação Nacional − de Gbadolite à Bicesse – [1989-1992] Hora: 18H00 Local: Feira do Livro de Benguela - Largo de África-Benguela Sobre o Livro: Hoje, a uma convivência pacífica e harmoniosa no mesmo espaço nacional. Mesmo assim, o grande sonho não foi ainda totalmente concluído sobre o período estudado mas as bases fundamentais em que assenta Angola foram tratadas nos seus alicerces para que a paz não escape mais, para que em Angola não haja mais guerra.

Sobre o Autor: __________________________________________________________________ 4. Dia 26 – Livro Ética Profissional de Jornalismo Hora: 16H00 Local: Anfiteatro da Rádio Benguela Sobre o Livro: Problemas aquém da lei e da técnica ligados à calúnia, difamação e injúria, à privacidade e intimidade, à liberdade de consciência, ao anonimato e ao sigilo profissional de jornalismo encontram nesta obra princípios e critérios claros de solução pragmática. ___________________________________________________________________ 5. Dia 27 – Livro Aliança Matrimonial - Segredos Para Manter A Felicidade No Lar – Reflexões Hora:16H00 Local: Anfiteatro da Rádio Benguela Sobre o Livro: Aliança Matrimonial – Segredos para manter a felicidade no lar – Reflexões; é um livro de auto-ajuda que se apoia na urgente necessidade e esforço do Governo da Província de Benguela, na luta pelo resgate de valores morais, atribuindo responsabilidades à família como base social, à escola, à Igreja e às comunidades como facilitadores na transmissão de saberes, costumes, tradições e valores supremos e úteis na formação das gerações vindouras, como futuros cônjuges, pais e encarregados de educação. ______________________________________________________________________ 7. Dia 28 – Livro O Calvário de Joceline (romance) Hora: 18H00

Local: Feira do Livro de Benguela - Largo de África-Benguela Sobre oLivro:

O romance apresenta as vicissitudes por que passam três mulheres detidas na cela da DNIC na

véspera da derrocada do edifício. No que respeita a personagens, destacam-se Samy e o General

Barbosa que personificam o mal com particular incidência para a arrogância, a violência e a

intolerância.

__________________________________________________________________

8. Dia 28 – Livro O Catador de Bufunfa (romance) Hora: 18H00

Local: Feira do Livro de Benguela - Largo de África-Benguela Sobre o Livro: Esta é a história, contada em primeira pessoa, de Nazaré dos Relâmpagos de Abril, um estafeta e autodidacta, que pede uma licença sem vencimento no órgão público em que trabalha, para tentar a sua sorte como trabalhador por conta própria. __________________________________________________________________ 9. Dia 29 – Livro Aliança Matrimonial – Segredos para manter a Felicidade no Lar – Reflexões Hora: 09H00 Local: Pavilhão Gimnodesportivo “Acácias Rubras” Aliança Matrimonial – Segredos Para Manter A Felicidade No Lar – Reflexões; é um livro de auto-ajuda que se apoia na urgente necessidade e esforço do Governo da Província de Benguela, na luta pelo resgate de valores morais, atribuindo responsabilidades à família como base social, à escola, à Igreja e às comunidades como facilitadores na transmissão de saberes, costumes, tradições e valores supremos e úteis na formação das gerações vindouras, como futuros cônjuges, pais e encarregados de educação.

Conto

E ntretanto, não foi possível apurar de imediato quem foi o autor material

daquele delito. Sabe-se, porém, que foi um homem de características

façanhas, fora do comum! Mesmo essa informação veio de um anúncio colado no

jornal do povo, misteriosamente sem que se saiba quem originara tal coisa que

agora aterroriza desde os mais jovens homens às mais adultas mulheres. Eis o

que dizia o imprudente

anúncio publicitário:

A azáfama instalou-se

na zona. Uma neblina

levara o sossego das

gentes que encheram-

se no mural, a procura

de alguma verdade

sobre aquele panfleto

em forma de dejecto

que, curiosamente,

estava em frente do

muro do lado da casa

do tio Gonçalves. Como pode? Verdade que fosse dita, pelo que logo de seguida,

alguém apareceu para esclarecer a dúvida dos montões de gente que se tinha

constituído por cada portão das casas, isto porque ninguém tinha a mais falta de

vergonha para aproximar-se da casa que ostentava a publicidade. Contudo,

estavam com certeza, as atenções prestadas ao lado da estrada.

Ficou a saber-se que de facto Dr. Hassane tinha chegado ao bairro Patrice

Lumumba, trouxe consigo o obscurantismo que salvaria homens e mulheres dos

mais temidos espíritos do mal, principalmente os que roubam dinheiro que seria

para as mulheres nos bolsos dos homens; os que causam desemprego e pobreza

material; solteirice, penes pequeno e insensibilidade sexual. Quem não quer

resolver esses problemas? Havia curiosidade por parte de todos. Mas como um

homem de tal espécie chegara a tão pacato bairro e habitara na casa dos mais

conservadores vizinhos que tínhamos? Essa era outra pergunta sem resposta.

A verdade é que tio Gonçalves de pois de mandar embora os últimos inquilinos,

cedeu a casa ao tal Hassane Dr. Que já comia não só do suor dos homens, mas

do bom que lhe davam as mulheres, afinal, Hassane, era um homem baixinho,

cabeça redonda, rabo justo, braço forte, músculo na perna arqueada e pronúncia

nortenha. Isto é, Dr. Hassane era um jovem senhor e que se diga, elegante e

cheio de lábia, além do dinheiro que vinha da demanda que se tinha do seu

consultório.

Que o diga mano Diogo que viu sua ex-namorada que ainda amava, a mana

Delta, ser seduzida por aquele manguito, Hassane. Aliás, a história de que a

mana Delta andava às fornicações com o Dr. Hassane, espalhou-se por todo o

bairro, as crianças das quais não me excluo, levaram os rumores para todas as

partes da zona.

Eis que um dia a fatal notícia invadiu os ouvidos do mano Diogo. Estava içada a

bandeira negra. Triste notícia para um ex-namorado ainda escravo da paixão.

Mortal notícia que não o quis poupar dessa desgraça. Foi como se tivesse entrado

um molho de lâminas na barriga do jovem que era o mano Diogo. Deu para ver as

suas veias a esverdearem-se de raiva pela vergonha que já imaginava ter que

passar pela fama de cornudo. Morreu de irritação tal como morria de amores pela

mana Delta que já lhe tinha dado o sabor da paternidade.

Todos já sabíamos que a história não terminaria no sossego. Muita tinta correria.

Porque não conseguia engolir a ira, nem se quer sabia onde por os olhos quando

andasse pela rua descalço como era do seu costume, mano Diogo decidiu honrar

o seu bom nome de ex-madjermane sem greve a maneira dos bons

machanganas. Saiu da sua casa decidido a matar Hassane, aquele Dr que

vitimara muitas mulheres e que o levara o amor da sua vida.

Chegado à estrada onde, coincidentemente se encontrara na tranquilidade Dr.

Hassane, mano Diogo que já não se cabia de raiva, possuído pelas altas

percentagens de álcool que tem a Tentação, lançou um soco para cara do

homem.

Mano Diogo, mano Diogo, mano Diogo… cantávamos felizes com o mbinga, que

assistíamos de graça. Afinal não era o mano Diogo o autor das boas cacetadas,

era o Dr. Hassane que o estrangulava como um verdadeiro pugilista. Foi porrada

a dor, para o coitado mano Diogo. Contudo os gritos da malta não paravam, a rua

toda já se instalara diante da casa do tio Gonçalves, o mano Diogo, afinal, vinha

gritando que naquele dia o filho de alguém morreria sem dizer adeus aos seus

pais. Mas o que estava prestes a acontecer, era a sua morte, cuja sepultura que

se consumara com aquele K.O de Hassane. Hassane era mesmo bom. Esmagou-

o como um verdadeiro pugilista de luta livre. Claro, sem falar dos cornos que já lhe

tinha pregado ao levar-lhe a mana Delta, sua magna ex-namorada, mãe da sua

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Retalhos

Dr. Hassane

Eduardo Quive - Moçambique

FEIRA DO LIVRO DE BENGUELA