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Junho2017 Revista Mensal • 2 Euros Parceiro do Plano Nacional de Saúde 2014 Dia de Portugal: "Uma ponte social, económica e ecológica entre Baguim do Monte e Cabo Verde" CCDRC, CHUC e IREFREA: "Centro do País promove Cidades Saudáveis" Copolad: "Assinado acordo de cooperação" Semana Digestiva 2017: "Gastrenterologia portuguesa no topo do mundo" 24-26 Outubro 2017 Centro e Congressos de Lisboa | Portugal

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Parceiro do Plano Nacional de Saúde 2014

Dia de Portugal:"Uma ponte social, económica

e ecológica entre Baguim do Monte e Cabo Verde"

CCDRC, CHUC e IREFREA:"Centro do País promove Cidades

Saudáveis"

Copolad:"Assinado acordo de cooperação"

Semana Digestiva 2017:"Gastrenterologia portuguesa

no topo do mundo"

24-26 Outubro 2017Centro e Congressos de Lisboa | Portugal

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3Dia Internacional contra o Abuso de Drogas e o Tráfico Ilícito

FICHA TÉCNICA Propriedade, Redacção,Direcção e morada do Editor: News-Coop - Informação e Comunicação, CRL; Rua António Ramalho, 600E; 4460-240 Senhora da Hora Matosinhos; Publicação periódica mensal registada no ICS

com o nº 124 854. Tiragem: 12000 exemplares. Contactos: 220 966 727 / 916 899 539; [email protected];www.dependencias.pt Director: Sérgio Oliveira Editor: António Sérgio Administrativo: António Alexandre

Colaboração: Mireia Pascual Produção Gráfica: Ana Oliveira Impressão: Multitema, Rua Cerco do Porto, 4300-119, tel. 225192600 Estatuto Editorial pode ser consultado na página www.dependencias.pt

Mensagem de António Guter-res Secretário-Geral das Nações Unidas

“No ano passado, na sessão especial da Assembleia Geral da ONU sobre o Problema Mundial contra Drogas (UNGASS), a co-munidade internacional tomou me-didas para mobilizar uma resposta coletiva multifacetada a toda a gama de questões relacionadas com abuso de drogas e o tráfico ilícito.

Os governos uniram-se para traçar um novo caminho que é mais eficaz e humano e não deixar ninguém para trás.

A UNGASS foi um momento inovador que forneceu um plano detalhado e prospectivo para ação. Juntos, devemos honrar os compromissos unânimes assumi-dos para reduzir o abuso de dro-gas, o tráfico ilícito e os danos causados pelas drogas e garantir que nossa abordagem promova a igualdade, os direitos humanos, o desenvolvimento sustentável e maior paz e segurança.

Eu sei por experiência pessoal como uma abordagem baseada em prevenção e tratamento pode produzir resultados positivos. Como primeiro-ministro de Portu-gal, usei a flexibilidade oferecida pelas três convenções internacio-nais de fiscalização de drogas para introduzir respostas não-cri-minais à posse de drogas para uso pessoal. Maiores recursos fo-ram alocados para programas de prevenção, tratamento e reinte-gração social, incluindo medidas de redução de danos.

Portugal agora tem uma das menores taxas de mortalidade por uso de drogas na Europa. Em 2001, Portugal teve a maior taxa

de HIV entre usuários de drogas injetáveis na região; Desde a in-trodução da nova política, essa taxa e as taxas de todas as doen-ças sexualmente transmissíveis diminuíram drasticamente. As ta-xas gerais de uso de drogas tam-bém caíram.

Estou orgulhoso desses resulta-dos e espero que essa experiência contribua para a discussão e incen-tive os Estados membros a conti-nuarem explorando soluções abran-gentes e baseadas em evidências.

O processo de acompanha-mento da UNGASS fornece-nos um quadro institucional para aprender uns com os outros e compartilhar as melhores práticas. É vital que examinemos a eficácia da abordagem da Guerra contra as Drogas e suas consequências para os direitos humanos.

Apesar dos riscos e desafios inerentes ao enfrentamento deste problema global, espero e acredito que estamos no caminho certo e que juntos podemos implementar uma abordagem coordenada, equilibrada e abrangente que leve a soluções sustentáveis.

Esta seria a melhor maneira possível de implementar as reco-mendações da UNGASS e ter um impacto positivo nas vidas de mi-

lhões de pessoas em todo o mundo”.

Palavras sábias de quem soube dar um passo para o progresso de um combate que, sendo de todos, eram poucos aqueles que genero-samente se dedicavam numa luta que parecia “impossível de ven-cer”… 15 anos depois da publica-ção da Estratégia Nacional de Luta contra a Droga e da Toxico-dependência, da autoria do Go-verno de António Guterres e do seu Ministro-adjunto José Sócra-tes, importa reflectir sobre a ex-tinção do IDT, um organismo que tutelava um modelo que produzia ganhos em saúde, que produzia conhecimento, que se aproxima-va das populações, que tinha uma intervenção baseada na pessoa humana, que respeitava integralmente os direitos huma-nos, que tinha uma intervenção de qualidade e avaliação dos re-sultados, que era constituído por uma equipa de pessoas preocu-pada com as pessoas e que, mesmo assim, soube “defender a camisola”. E que, ainda hoje, luta pela construção de um modelo que coordene, planeie, investigue e intervenha no combate à toxico-dependência, ao alcoolismo e a outras dependências com e sem substância, integrando as verten-tes da prevenção, da dissuasão, da redução de riscos, do trata-mento e da reintegração social, garantindo desta forma o prosse-guimento do “modelo Português”, internacionalmente reconhecido.

É por estas razões que os por-tugueses continuarão a prestar--lhe a devida homenagem…

Sérgio Oliveira, director

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4CCDRC, CHUC e IREFREA apresentam Projeto Noite Saudável das Cidades do Centro de Portugal, na Assembleia da República:

Centro do País promove Cidades Saudáveis

A CCDRC, em parceria com o CHUC (Centro Hospitalar e Uni-versitário de Coimbra) e o IREFREA (Instituto Europeu para o Es-tudo dos Fatores de Risco-Portugal), fizeram a apresentação do Projeto Noite Saudável das Cidades do Centro de Portugal, no Au-ditório Almeida Santos da Assembleia da República.

O Projeto, financiado pela CCDRC, tem como população alvo os jovens, a comunidade escolar, as famílias, os empresários e a popu-lação em geral, e pretende envolver, em especial, as autarquias e os poderes locais, com o objetivo de desenvolver com cada município da região Centro um conjunto de iniciativas de prevenção, capaz de promover mudanças positivas nos comportamentos e nos espaços de diversão noturna e criar uma rede de cidades com políticas notur-nas saudáveis, replicável noutras regiões do País, que se procurará inserir nas redes internacionais congéneres.

Os contextos recreativos noturnos desempenham um papel crescentemente importante na vida das cidades e dos jovens, mas têm em muitas situações uma ligação intrínseca com a rutura de hábitos de vida saudáveis e a associação a uma multiplicidade de fatores de risco em várias áreas (sexualidade, violência, consumo de álcool e de outras substâncias, condução rodoviária perigosa, etc.), cujas consequências põem em causa a saúde, a segurança e o bem-estar dos cidadãos. Trata-se pois, e acima de tudo, de um projeto de Cidadania e Saúde, que a Revista Dependências, dá conta nesta edição.

MANUEL DELGADO, SECRETÁRIO DE ESTADO DA SAÚDE

“Esta iniciativa rompe com os padrões tradicionais de combate a estes problemas”

“Queria começar por saudar esta iniciativa, à qual atribuo a maior relevância na promoção da saúde, na prevenção dos facto-res de risco para a saúde dos indivíduos e para a tranquilidade e bem-estar da sociedade em geral. De facto, a diversão e a alegria dos nossos concidadãos é um direito saudável que devemos aca-rinhar e promover. Aliás, costuma dizer-se, em jeito de brincadei-ra, que uma boa gargalhada por dia reduzirá certamente a factura em antidepressivos.

Mas estes contextos recreativos apresentam riscos crescentes e cada vez mais complexos, que atingem hoje populações cada vez

mais jovens e desprotegidas. Desde os acidentes de viação ao au-mento de casos de doenças contagiosas, passando pelos abusos de diversas substâncias, pela gravidez precoce indesejada, pela violên-cia sexual ou até física e gratuita, são fenómenos que, habitualmente, associamos a momentos nocturnos de diversão, relaxamento e pra-zer.

Esta iniciativa rompe com os padrões tradicionais de combate a estes problemas. Não se baseia na repressão de comportamentos e atitudes, antes opta pela dissuasão, pela consciencialização e pela educação dos mais jovens. Não é paternalista, orientando comporta-mentos ou instruindo as pessoas sobre o que devem ou não fazer. Pretende chegar à origem dos problemas, prevenindo riscos ou ac-tuando mais perto dos locais e das circunstâncias. A ideia de um selo de qualidade para as empresas que tome medidas para tornar os seus espaços mais seguros e saudáveis ou o apoio, através de uma acção concertada em projectos de prevenção na rua, são bons exemplos desta postura inovadora, criativa e que promove novos há-bitos e uma nova cultura de desfruto da noite, mais saudável e segu-ra.

Estão envolvidas neste projecto todas as entidades públicas e privadas relevantes da região centro do país: os municípios, as insti-tuições do SNS, as universidades, as escolas, as empresas, as for-ças de segurança, os investigadores, o turismo e um conjunto rele-vante de associações de intervenção social. Queria, em nome do Mi-nistério da Saúde, agradecer o vosso trabalho, a vossa iniciativa e o que ela pode representar para a saúde pública e para a qualidade de vida das populações.

Sabemos que, em saúde, um euro bem gasto em promoção e prevenção tem um efeito reprodutivo seis a sete vezes superior a um euro gasto em prestação de cuidados mas também sabemos que a pressão das doenças e a limitação de recursos nos impedem muitas vezes de dedicar à promoção e à prevenção os recursos que estas áreas bem precisam. Este projecto, com a supervisão das entidades envolvidas, tornará com certeza o sistema de saúde mais eficiente e os portugueses, não só do centro do país mas de todo o território na-cional, já que a perspectiva deste projecto é poder alargar-se às res-tantes regiões do país, ficarão mais saudáveis e mais felizes.

Podem por isso contar com o apoio permanente, atento e inte-ressado do Ministério da Saúde.

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5CATARINA MARCELINO, SECRETÁRIA DE ESTADO PARA A CIDADANIA E A IGUALDADE

“Este é um projecto que espero ver alargar-se ao país”

“A democracia faz-se nas diferenças. Nós temos muitos anos de pensamento sobre estas temáticas e estas diferenças de pen-samento são muito positivas porque nos confere uma maturidade muito grande quando se fala em consumos de estupefacientes, em prevenção, cidadania ou igualdade.

Julgo que este projecto tem uma componente que conside-ro, logo à partida, muito interessante, que é o facto de não ficar apenas pelo território de Coimbra ou pela região centro… E de ter a ambição e a visão de fazer a ligação internacional. Nós devemos sempre tentar ir buscar os bons exemplos que se fa-zem fora do país e, de facto, entre as experiências da OMS, das Nações Unidas, do Conselho da Europa, da UE, de um conjunto de redes que existem no âmbito municipal, existe um manancial enorme de coisas a acontecerem. É pois interessan-te percebermos o que se faz noutros territórios e adaptarmos à nossa realidade. E considero que este projecto também tem essa capacidade de perceber que existe um território e uma di-nâmica de pessoas que não é igual a outros territórios e, mes-mo dentro de Portugal, existe uma diversidade que devemos considerar. Agora, há uma base comum, que julgo que traz a preocupação a este projecto, que se pode disseminar por ou-tros locais.

Quando estamos a falar sobre prevenção na noite, contexto temporal que assume uma importante dimensão nas nossas vi-das, a parte simbólica e das representações não é de somenos importância. Quando falamos sobre a diversão nocturna, sobre a utilização dos espaços nocturnos, da saída, da rua, do ir para casa, do entrar no carro, tudo isto tem uma dimensão de repre-sentações da nossa vida do que é o ir de dia para a escola ou para o trabalho ou o estar no espaço da escola ou onde se tra-balha. E este imaginário da noite também encerra o risco, que cria adrenalina, revela-se interessante e apelativo… E acho que não temos que querer acabar com nada disto, até porque entendo que seria inglório. Temos é que trabalhar com os jo-vens e com quem cria as dinâmicas no espaço nocturno, com quem assegura a segurança nas ruas, com quem assegura a segurança nos espaços nocturnos, com quem tem responsabi-lidade sobre a iluminação das ruas… Temos que trabalhar com todas essas pessoas no sentido de que esse risco possa ser controlado por cordões de segurança.

E isto tem a ver com muito mais do que o consumo de drogas. Tem a ver com comportamentos violentos, com assédio, com pre-venção rodoviária e um conjunto muito alargado de questões. Creio que se educarmos para a cidadania e para comportamentos

saudáveis, estamos a prevenir todo o risco nas suas diferentes di-mensões. Jovens com os quais se trabalhe na perspectiva da pre-venção, dos seus comportamentos e forma de estar em socieda-de, que conheçam os seus limites, ser mais resistentes à frustra-ção e à pressão dos pares serão pessoas mais resilientes e capa-cidade de protecção e, por conseguinte, mais seguros na sua vida nocturna ou de diversão.

Costumo dizer que, na área da violência doméstica, estamos sempre a correr atrás do prejuízo… Nesta área, é o mesmo… Não investimos na prevenção no nosso país… Estamos sempre a falar disto, andamos há décadas a falar sobre prevenção mas, na ver-dade, mesmo quando olhamos para o sistema de ensino, acha-mos todos que é importantíssimo prevenir mas, quando chega-mos ao momento da decisão e de organizar a escola, fica sempre para segundo plano, convertendo-se em algo transversal e não obrigatório.

Dou por mim a pensar muito sobre isto, trabalho muito so-bre isto, tenho muita ambição de conseguir criar na escola a área da cidadania como parte integrante da organização esco-lar porque acredito profundamente que, se trouxermos pensa-mento crítico para dentro das escolas, se tivermos educação para a saúde, para a cidadania e para todos estes comporta-mentos de riscos, se falarmos com as crianças e com os jovens sobre estes temas, estaremos certamente a prevenir o futuro. Acho que falamos sobre isto há anos mas ninguém faz isto. E até vou mais longe: por que é preciso ter uma área de educa-ção para a cidadania nas escolas? Se todos os agentes da edu-cação trouxessem discussão e pensamento crítico para as suas acções e o quotidiano e a realidade para o ensino de tan-tas disciplinas, que todas permitem isto, se calhar era possível trabalhar estas áreas transversalmente na escola. Não sendo esta a realidade, precisamos de fazer um período de transição para que um dia possa ser assim.

Projectos como este permitem que possamos fazer a se-gunda parte deste processo na comunidade. Que consiste em trabalharmos com os jovens mas também com os agentes da noite e considero que aí é que o projecto se revela extraordiná-rio. Porque o projecto possibilita que olhemos para o espaço fí-sico envolvente aos espaços nocturnos na perspectiva da ob-tenção de maior segurança… Como podemos formar os profis-sionais que estão por detrás dos balcões, quem está à porta, o DJ… Há aqui caminhos novos e diferentes que este projecto encerra e confesso que gostava muito de vê-lo sair de Coimbra e adquirir um âmbito nacional. É sobretudo inovação social, numa visão mais holística da saúde, aposta na segurança e numa comunidade saudável. Por isso o considero extraordiná-rio, não se limitando às questões da saúde física ou mental, indo muito além, para o domínio dos valores que queremos ter enquanto comunidade.

Temos que pensar que sociedade estamos a criar. Todos so-mos responsáveis por esta sociedade e, por isso é muito impor-tante que surjam mais projectos como este, que aliem várias ver-tentes porque o nosso território é tudo isto: é saúde, é a área so-cial, é a educação, é a responsabilidade, os municípios têm uma responsabilidade importantíssima, bem como os transportes públi-cos… Em suma, acho que este é um projecto de grande desafio e que espero ver alargar-se ao país. E, publicamente, quero dispo-nibilizar todo o meu apoio ao projecto enquanto secretária de esta-do mas igualmente enquanto pessoa”.

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6ANA ABRUNHOSA, PRESIDENTE DA CCDR CENTRO

“Envolver todos num trabalho em rede”

Ser “mãe” de um projecto como este extravasa um pou-co o contexto tradicional das comissões de coordenação e desenvolvimento regional… Em que medida correspon-derá a uma regionalização conjunta da saúde e da edu-cação?Ana Abrunhosa (AA) – É usar o poder mobilizador de uma

instituição regional, que tem meios financeiros à sua disposição, para ajudar a implementar na região um projecto maravilhoso que, por falta de meios, ainda não se propagou mais. Já existem expe-riências, agora é dar-lhe dimensão e escala, usando apenas o nosso poder mobilizador e também financeiro, para conferir mais massa crítica e adensar a rede e torna-lo uma referência nacional e internacional.

Não será um objectivo demasiadamente ambicioso pro-mover uma noite saudável em cidades tão diferentes e com culturas tão distintas?AA – Não é. Estamos habituados a trabalhar respeitando as

realidades e contextos específicos. Portanto, o que o projecto vai permitir fazer é envolver as comunidades locais, aproveitar as di-nâmicas que já estão no território, criar e desenvolver metodolo-gia, sensibilizar e capacitar quem está no terreno. Até porque já existe muito conhecimento científico, como o que o IREFREA tem, que é importante passar para estas comunidades de trabalho. Aqui, o que vamos fazer é ajudá-las no seu dia-a-dia e coloca-las numa rede que só pode dar força e credibilidade ao seu trabalho, respeitando as especificidades e aproveitando o trabalho local que, em muitos municípios já está a ser feito com os jovens, com as dependências e também nesta área dos problemas da noite. Na CCDR também procuramos fazer o que aconselhamos: tam-bém trabalhamos em rede, também nos inspiramos nas boas ideias e, como temos uma grande experiência de gestão de pro-jectos, quando esta ideia nos foi apresentada, comecei logo a ima-ginar um projecto que teria que ser de base científica, de qualida-de e de referência mas que, obrigatoriamente, envolvesse os ac-tores que têm pode mobilizador, ou seja, as autarquias, por onde tudo passa, onde tudo começa e acaba.

FERNANDO MENDES, PRESIDENTE DO IREFREA PORTUGAL

“O que pretendemos é que os jovens tomem decisões informadas”

“As famílias e os contextos recreativos são áreas em que temos apostado muito, sendo que grande parte da produção científica tem passado por nós, com vários estudos nacionais e internacionais reali-zados em parceria. Temos chamado a atenção para algumas situa-ções complexas relacionadas com os contextos recreativos e com o que se está a passar nas nossas noites… Desenvolvemos projectos e acções destinados a professores, a técnicos afectos à área da saúde, a jovens e pais, a par de muita consultadoria e trabalho em equipa com colegas que nos procuram.

Um programa em que temos apostado em particular ao longo dos últimos anos é o Tu Decides, que adaptámos há muitos anos dos co-legas espanhóis e que trabalhámos no sentido de o implementar a ní-vel nacional. No final, o que pretendemos é que os jovens decidam por si próprios relativamente à opção de consumir. Trabalhamos no sentido de que possam decidir da melhor maneira… Outro projecto para nós especial é o Antes que te Queimes, que leva já dez anos de trabalho contínuo na Queima das Fitas e na Latada, com o apoio da ARS, da Escola de Enfermagem. No âmbito deste projecto, recebe-mos gente de Angola, Cabo Verde, Líbano, Eslovénia e da Eslová-quia, que nos procuraram e vêm aprender connosco. E sinto que tam-bém contribuímos para o grupo de Portugal e, de certa maneira, para o PIB…

Estas acções têm-nos levado um pouco a todo o lado. Temos per-corrido vários países, onde temos formado profissionais e, se nos pro-curam, é porque garantimos um selo de garantia de qualidade. Já or-ganizámos uma série de conferências nacionais e internacionais e, há dois anos, fomos convidados para organizar, no âmbito do Club Health, um evento mundial que trouxe gente de todo o mundo a Lis-boa para falar sobre contextos recreativos.

Desde sempre, ouvimos falar sobre a importância das famílias, dos pais, da escola e dos filhos mas não constatamos a existência de uma política específica para as escolas ou para as famílias e, então, iniciámos um trabalho de aproximação a pais e educadores, com a disponibilização de ferramentas que lhes permitam estar de maneira diferente, ver os filhos de maneira diferente e perceber algumas coi-sas…

Outro projecto europeu que teve grande impacto e que estamos a tentar implementar nalguns municípios tem a ver com o consumo de álcool em populações mais jovens. Desenvolvemos um projecto no concelho de Coimbra, em que percebemos que existem crianças em idade escolar com consumos e, nesse sentido, tentámos implementar uma estratégia que envolvia a escola, os pais, a associação de pais, professores, o centro de saúde, o hospital, as pessoas que vendem bebidas alcoólicas e mais um conjunto de parceiros. Esse projecto já foi avaliado e, certamente, também fará parte deste nosso próximo projecto.

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7Também desenvolvemos um manual destinado às pessoas da

noite, no âmbito do qual Portugal teve um work pacage específico para fazer o desenho e avaliação deste instrumento focado nos bar-mans, nos DJ, nos RP e toda uma série de profissionais que têm a ver com o contexto recreativo, que pode desempenhar um papel preven-tivo e estar atento e dar uma resposta diferenciada.

Para terminar, dar-vos-ia a ideia de que Portugal está envolvido em vários projectos europeus, destacando um ligado às questões re-lacionadas com a violência de género em contextos recreativos. Nes-te âmbito, Portugal está a organizar um módulo específico de forma-ção para as pessoas que trabalham na noite, no sentido de prevenir, por exemplo, violações ou tentativas de violação.

Finalmente, há três anos, quando fomos associados do Fórum e após a celebração de várias parcerias em Coimbra, surgiu a ideia des-te encontro. E no Fórum, fomos desafiados a desenvolvermos um projecto que mostrasse que seria possível fazer diferente. Conseguin-do alcançar as parcerias certas entre o sector público e o privado, al-cançaremos impacto, devidamente avaliado. Mais uma vez, espero que a região centro possa, muito em breve ser o espelho do nosso tra-balho e do empenho entregue a este enorme desafio”.

ELZA PAIS, DEPUTADA P.S.

“O modelo Português deve orgulhar a todos”

“Este é um projecto que não exclui, que integra, e ganhador por-que permite que todas as pessoas ganhem: ganham as pessoas que estão no projecto e as entidades envolvidas. Portanto, qualquer fi-nanciamento é, sobretudo, um investimento. E ganham ainda os po-líticos porque vêem que o trabalho, por vezes árduo, que se faz nesta casa, tem depois repercussões no terreno, na construção de estraté-gias saudáveis para os jovens e as suas famílias. Não posso deixar de referir o papel importante e pioneiro que Portugal representa para o mundo em matéria de dependências e este projecto quer pela sua dinâmica, quer pela envolvente municipal pode dar uma excelente resposta para um fenómeno que nos preocupa a todos. Nunca é de-mais referir o “modelo Português” que nos deve orgulhar a todos, pela intervenção centralizada no cidadão, pela inovação e avaliação das respostas. Ainda hoje está por perceber ao razões e os motivos que ditaram a extinção do IDT um organismo que tutelava um mode-lo que produzia ganhos em saúde e que rompia fronteiras, o tempo já mostrou que a decisão do governo anterior de extinguir o IDT foi uma medida impensada e com consequências gravosas para a saú-de individual, para a saúde publica, para a segurança percepcionada pelas populações, para os utentes, famílias, em resumo para a quali-dade de vida da nossa comunidade. Neste particular estou de acordo e associo-me ao meu colega deputado do PCP, é preciso reverter esta situação e criar uma nova estrutura, chame-se SICAD ou outra coisa qualquer mas que venha a repor os níveis de excelência na

coordenação e intervenção no combate à toxicodependência, ao al-coolismo e a outras dependências com e sem substancia , integran-do as vertentes da prevenção, da dissuasão, da redução de riscos, do tratamento e da reinserção social, pois só assim garantiremos uma resposta integrada ao fenómeno que hoje aqui estamos a tratar, e que espero e desejo que o projecto aqui apresentado para as cida-des da Região Centro tenha o maior sucesso e possa ser replicado em mais regiões do País”.

RICARDO BATISTA LEITE, DEPUTADO DO PSD

“Tolerância zero em relação à condução sob o efeito do álcool”

“Quando olho para projectos desta natureza, fico muito satis-feito por ver uma iniciativa a partir do local a mostrar um bom exemplo para o nacional. É claramente o que estamos aqui a veri-ficar. Existem aqui algumas palavras que saltaram claramente, como a questão da segurança, da violência, do álcool, das drogas, do sexo, do VIH/sida, das hepatites e das infecções sexualmente transmissíveis. E foi aqui levantado como isto nos toca a todos, seja por via dos filhos, sobrinhos ou amigos…

A noite, de facto, pode ter consequências positivas mas tam-bém negativas se não soubermos gerir essa relação com essa im-portante componente da nossa vida em sociedade. Como dizia a Dra. Elza Pais, é importante construirmos consensos e caminhos conjuntos para que possamos tirar lições daquilo que vai ser exe-cutado a nível local. E as autarquias têm que assumir também uma iniciativa, em colaboração com as forças de segurança, com-preendendo quais são os desafios que existem.

Depois, a questão do álcool é também particularmente sensível. Se, à escala global, houve um decréscimo do consumo, o que traduz uma boa notícia, a verdade é que Portugal continua, infelizmente, com os níveis mais elevados de consumo e devo dizer que, na legis-latura passada, passámos por uma situação surreal, que foi termos uma alteração da lei da idade mínima em duas fases… Mas o que in-teressa é que a idade mínima foi estabelecida pelo menos para os 18, sendo certo que álcool é álcool… E quando se fala de diversão nocturna, existem exemplos internacionais muito interessantes: quando olhamos, por exemplo, para o Canadá, as casas de diversão nocturna são co-responsabilizadas directamente caso haja algum acidente de viação associado ao consumo de álcool. Ou seja, a pes-soa tem que fazer o teste à saída do estabelecimento e a casa que vendeu álcool àquela pessoa é co-responsável caso não chame um transporte público ou não avise as autoridades. Por outro lado, ter-mos estabelecimentos que permitam um consumo continuado até às seis, sete ou oito da manhã, cria situações de risco que devem ser ti-das em conta, particularmente numa cidade como Coimbra. Algo que não consigo compreender é por que não temos uma política de tole-rância zero em relação à condução sob o efeito do álcool.

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8Depois, falou-se aqui na questão das drogas e, naturalmente, a

principal causa de morte continua a ser o tabaco. Houve importantes avanços nos últimos anos com a limitação e, embora percebamos que o número de fumadores em Portugal não diminuiu, constatamos que houve uma diminuição significativa dos cancros relacionados com o tabaco, o que indicia que os fumadores passivos deixaram de estar tão expostos ao fumo, o que traduz um avanço civilizacional que nos deve orgulhar. Por outro lado, tivemos a questão das smart shops, que proliferavam que nem cogumelos, em que a política proi-bicionista, neste caso, fez sentido. Depois, existem fenómenos mais antigos com os quais continuamos a ter dificuldade em trabalhar, como os casos da cocaína e da heroína, em que continuamos, sobre-tudo em zonas de elevado consumo, a não ter salas de consumo as-sistido, que poderiam ser ferramentas que potenciariam um acompa-nhamento na perspectiva da dependência como uma questão de saúde. E, por fim, a velha questão da cannabis, que insistimos em meter no mesmo saco e para a qual urge abrir o debate em torno da liberalização, sendo que o que me preocupa verdadeiramente é o consumo abaixo dos 21 anos de idade, fortemente associado a futu-ros episódios de esquizofrenia, assim como o aumento do consumo de cannabis de origem sintética, o que é natural num mercado sem qualquer tipo de regulação.

O que vejo de grande mérito nesta iniciativa é que são as pró-prias instituições, não apenas de saúde mas de toda a comunida-de, a juntarem-se e a dizerem de uma vez por todas que chega, basta e não vamos apenas reagir. Vamos agir, vamos ter um papel proactivo e, nesse sentido, temos até que repensar os modelos de financiamento que temos para a saúde pública em Portugal. Creio que podem ser um bom exemplo a partir do exemplo para o resto do país e que todos nós possamos aprender convosco”.

TERESA ANJINHO, DEPUTADA CDS-PP

“É um projecto de mobilização, e intervenção Municipal”

“Este é um projecto que não tem apenas o foco na promoção da saúde. Equivale a muito mais do que isso: à prevenção da doença, a ganhos da saúde e, ainda mais longe, à promoção do desenvolvimento individual e colectivo. Aliás, as intervenções de-monstraram-no quando trouxeram a linguagem económica, que não devemos ter medo de trazer a este tipo de debate, até porque são muitas vezes os números que abrem a porta do diálogo e da exposição.

Gostaria de saudar o projecto na sua essência e de dizer que é um exemplo claro da importância da mobilização, da interven-ção e do interesse municipal. A cidade é, sem dúvida o nível mais próximo do governo e, portanto, aquele que poderá ter mais de positivo, tanto do conhecimento dos casos como na maneira de in-fluenciar os factores que afectam a saúde. E se há uma área em

que é fundamental lidar bem com as percepções é esta. E é im-portante que estes projectos tenham e nos dêem essa capacita-ção porque nos vão treinar o olhar.

As políticas proibicionistas e restritivas podem ter e muitas ve-zes têm um papel muito importante, como sucedeu no contexto do tabaco mas também podem levar a desinvestimentos em matéria de prevenção. Por isso, considero fundamental, como foi aqui apresentado, a existência de um gabinete de monitorização por-que os números podem vir a justificar uma política de prevenção e de promoção da saúde mais a montante, capacitando e envolven-do indivíduos, famílias, escolas e comunidades”.

JOÃO RAMOS, DEPUTADO PCP

“Foi um erro acabar com o IDT”

“Pouco mais me cabe do que saudar este projecto e todos os seus envolvidos… No interior do país, de onde venho, estas questões eram mais colocadas ao nível da saúde mental dos vizinhos dos bair-ros, que não conseguiam dormir à noite… E a primeira abordagem das autarquias consistia em definir os espaços e em conciliar estas matérias com o funcionamento dos estabelecimentos, também impor-tantes para atrair os jovens para o concelho. Por isso, há aqui uma matéria relacionada com as autarquias e com o ordenamento do terri-tório, que não deixa de se cruzar com estas problemáticas, o que faz antever que a tarefa e o projecto que têm pela frente não se afigura fácil… Imagino que as vossas metas sejam ambiciosas e percebi que têm toda a vontade e empenho para as atingir.

O anterior Governo acabou com uma importante estrutura em matéria de droga e de toxicodependência, que era o IDT… Resolveu espartilhá-lo, nomeadamente atribuindo responsabilidades às ARS e nós e um conjunto alargado de profissionais que trabalhavam nestas matérias, entendemos que isto foi errado, porque resultou numa frag-mentação das respostas por parte dos serviços, o que levou, muitas vezes, à desmotivação na actuação. E, por isso, colocámos no âmbito do último Orçamento de Estado, o que foi aprovado, a possibilidade de uma estrutura fazer uma reavaliação que elegesse a possibilidade de surgir uma estrutura, traduzida numa entidade pública responsável pela coordenação, planeamento, investigação, intervenção e combate à toxicodependência, alcoolismo e outras dependências de forma in-tegrada. Por isso, as opções políticas também se cruzam muito com estas matérias”.

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9COPOLAD:

Assinado acordo de cooperação

O Coordenador Nacional e Diretor-Geral do SICAD, Dr. João Goulão, participou na Segunda Conferência Anual do Programa de Cooperação entre a América Latina, as Caraíbas e a UE sobre políticas de luta contra droga (COPOLAD), que teve lugar em Buenos Aires, nos dias 15 e 16 de maio. A Conferência deste ano debruçou-se sobre o tema “Uma abordagem eficaz de um dos grandes desafios em matéria de política de drogas: o uso da inter-net na venda ilícita de drogas e drogas sintéticas” e contou com a participação de 150 delegados oriundos de 45 países da América Latina, das Caraíbas e da UE. O Dr. João Goulão apresentou uma comunicação no âmbito da sessão sobre “Opções de políticas pú-blicas para enfrentar o desafio que representa o mercado ilegal de vendas de drogas na Internet”.

O evento teve como objetivo reforçar o estabelecimento de uma parceria entre os dois continentes em matéria de luta contra as drogas ilícitas, visando o reforço da troca de informação e coo-

peração entre as autoridades nacionais competentes responsá-veis pelas políticas de droga nas duas regiões. O Programa CO-POLAD teve início em janeiro de 2011 e encontra-se desde 2016 na segunda fase, continuando o SICAD a participar no COPOLAD enquanto membro do Consórcio, partilhando a sua experiência e know-how em matéria de luta contra a droga.

À margem da Conferência, teve lugar a assinatura do Memo-rando de Entendimento entre o Serviço de Intervenção nos Com-portamentos Aditivos e nas Dependências de Portugal (SICAD) e o Servicio Nacional para la Prevención y Rehabilitación del Con-sumo de Drogas y Alcohol do Chile (SENDA), através do qual se formalizou o desejo das duas entidades de promover relações de cooperação bilateral mais estreitas no âmbito da redução do con-sumo de substâncias psicoativas, da prevenção dos comporta-mentos aditivos e da diminuição das dependências, designada-mente através do intercâmbio de experiências e de boas práticas.

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10Fórum Saúde e Bem-Estar no Trabalho:

Município de Loures promove reflexão sobre saúde ocupacionalA Câmara Municipal de Loures organizou, no dia 30 de Maio,

o Fórum Saúde e Bem-Estar no Trabalho. O evento, que decorreu no Palácio dos Marqueses da Praia e Monforte, em Loures, resul-tou num espaço de reflexão e discussão sobre a segurança e saú-de no trabalho, com vista a identificar estruturas de intervenção adequadas ao cumprimento dos objetivos consagrados na Lei e nos códigos de boas-práticas, bem como a melhorar as relações sociais da saúde e do bem-estar no trabalho.

Este encontro teve ainda como objetivos promover uma refle-xão sobre novas práticas de gestão em saúde ocupacional e po-tenciar espaços de diálogo com vários intervenientes nestas ma-térias, incluindo dirigentes, trabalhadores e outros especialistas que permitam a confluência de visões e estratégias, para uma me-lhor saúde e bem-estar em contexto laboral.

O Fórum foi destinado a técnicos internos e externos com inte-resse na área, a dirigentes e chefias da Câmara Municipal de Lou-res, Serviços Intermunicipalizados de Águas e Resíduos de Lou-res e Odivelas (SIMAR), empresas municipais (GesLoures e Lou-res Parque) e das juntas de freguesia; comissões sindicais e es-truturas representativas dos trabalhadores.

Dependências esteve presente e recolheu depoimentos de Bernardino Soares, Presidente da Câmara Municipal de Loures e Carlos Silva Santos, Coordenador do Plano Nacional de Saúde Ocupacional, da Direcção-Geral da Saúde.

BERNARDINO SOARES, PRESIDENTE DA CM LOURES

“Procuramos responder aos problemas de saúde dos trabalhadores”

Falou em pioneirismo por parte do município de Loures no que concerne à preocupação com a saúde e o bem-estar dos trabalhadores… Pode apresentar alguns resultados sobre a temática?Bernardino Soares (BS) – O que temos feito é ir desbravando

áreas muito importantes, neste trabalho, desde logo porque fomos o pri-meiro município a ter um posto de saúde para os trabalhadores, depois porque temos um conjunto de especialidades que vão muito além da medicina do trabalho e daquilo a que estamos legalmente obrigados. Procuramos abranger um universo grande de trabalhadores, nomeada-

mente os afectos às juntas de freguesia ou os que detinham contractos de emprego e inserção do Centro de Emprego, que tinham acesso por igual aos cuidados de saúde. E vamos diversificando as nossas aborda-gens e a aproximação a estes temas, como sucede relativamente à área dos consumos excessivos, onde temos hoje um regulamento, ampla-mente discutido com os representantes dos trabalhadores, que nos per-mite fazer um rastreio aleatório mas eficaz e detectar situações que pre-cisam de ajuda. Julgo que estamos a trabalhar no sentido de melhorar as condições do trabalho e em que os trabalhadores exercem as suas funções. Penso que isso não se desliga também das responsabilidades do SNS, as dificuldades que temos são um reflexo das dificuldades do SNS, sendo a saúde mental um desses aspectos mais significativos e, nesse sentido, creio que este debate permitirá apontar novos caminhos ou o aprofundamento dos caminhos que já temos, no sentido de garan-tirmos melhores condições de trabalho, melhor saúde e mais bem-estar para os trabalhadores do município.

Recentemente, ouvimos reclamações por parte dos traba-lhadores da administração local face à existência de inúme-ros casos reveladores de problemáticas de saúde mental, com acusações de que os autarcas não se comportavam como tal mas antes como gestores de empresas, indiferen-tes aos problemas dos seus profissionais, chegando mesmo a afastá-los dos seus postos de trabalho… Que comentário lhe merece esta situação?BS – Isso não se passa neste município. Naturalmente, existem

mais trabalhadores do que desejaríamos com problemas de saúde mental e com dificuldades relacionais e conflitos nos seus locais de tra-balho. É uma matéria que temos vindo a acompanhar e, num universo tão grande, é inevitável que aconteçam alguns casos mas que têm me-recido uma grande atenção por parte do nosso serviço de saúde e com uma enorme disponibilidade da administração para sempre ouvir os tra-balhadores. Eu próprio os tenho recebido, e mesmo em situações em que se verifica que os trabalhadores estão numa situação de algum de-sequilíbrio emocional ou psíquico, temos acompanhado as situações, falado com as famílias e procurando criar um ambiente mais adequado à sua saúde e bom desempenho.

Referiu ainda a escassez de recursos para responder a tantas necessidades… Estaremos condenados a este carma?BS – Na verdade, existem sempre menos recursos do que ne-

cessidades. Assim sucede em qualquer actividade… Nós temos re-forçado muito esta área, não só com manutenção e contratação de pessoal clínico e de enfermagem adequado, quadro que poderemos alargar um pouco mais nos próximos tempos mas também com a criação de melhores condições de trabalho, sobretudo nas funções com maior peso de actividade física, em que temos feito investimen-tos que permitem amenizar esse peso. Penso que esta realidade me-

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lhorou a vida de muitos trabalhadores do nosso município e, entre-tanto, há muito caminho ainda por fazer.

Estamos no final de um ciclo legislativo… Quais foram as grandes dificuldades que encontrou ao longo dos últimos quatro anos de exercício?BS – Em primeiro lugar, grandes dificuldades financeiras no iní-

cio do mandato, que já conseguimos ultrapassar. Depois, deficiên-cias estruturais na organização da câmara e dos serviços, que reti-ram produtividade, duplicam esforços e diminuem a coordenação en-tre os vários serviços. Já fizemos algumas alterações no sentido de corrigir esses problemas que se foram acumulando ao longo dos anos e há muito ainda por fazer. Digamos que é um trabalho inaca-bado mas com bases para continuar a ser feito no futuro próximo.

Relativamente à rede social, que existe e está já enraizada, te-mos ouvido os autarcas a reclamarem um envelope financeiro adequado, que permita criar respostas eficazes…BS – A rede social é importante porque permite coordenar os es-

forços de uma série de instituições e fazer ligações entre elas, a câ-mara e outras entidades públicas, que muitas vezes ajudam a resol-ver problemas que, de outra maneira, seriam mais difíceis de resol-ver. Agora, o que temos é uma crescente ausência das entidades da administração central deste trabalho. Ainda recentemente, houve uma ameaça de retirada dos já muito parcos recursos, por exemplo, da Segurança Social nas Comissões de Protecção de Crianças e Jo-vens… Tem de haver, por parte da administração central, na área da saúde e na área social, um investimento maior em recursos humanos e em capacidade de apoio porque há um conjunto significativo de matérias cuja resposta não cabe nem pode caber às autarquias e, se não houver resposta por parte da administração central e dos seus organismos, designadamente a Segurança Social, muitas questões ficarão por resolver.

CARLOS SILVA SANTOS, COORDENADOR DO PLANO NACIONAL DE SAÚDE OCUPACIONAL, DA DIRECÇÃO-GERAL DA SAÚDE

“A doença e a dependência são factores de exclusão”

Como classifica o estado da arte da saúde ocupacional no país?Carlos Silva Santos (CS) – Penso que está de acordo com a

arte do país… A saúde ocupacional não é nada de fora, pertence ao

próprio desenvolvimento histórico dos trabalhadores, do seu trabalho e da saúde em geral. A saúde dos trabalhadores vai a par da sua saú-de. E a sua saúde vai a par do seu valor… Os trabalhadores, quando valem menos, a sua saúde não vale nada; quando valem melhor, há desenvolvimento, há pleno emprego, a saúde pula e avança. Portan-to, a saúde ocupacional está neste momento numa posição intermé-dia, é um custo, funciona em muitas empresas, é uma preocupação muito generalizada nas entidades patronais e sindicatos mas, na ver-dade, na situação de saída de crise que atravessamos, ainda é um custo, um agravamento e, como tal, é um investimento menor. A doença, o mal-estar, a dependência ou a deficiência são factores de exclusão. Só quando houver mudanças socioeconómicas nesse sen-tido, virá o tempo da inclusão.

Apesar de existirem, como admitiu, muitas leis e regula-mentos, os mesmos não parecem ser pensados para as pessoas…CS – A ideia de ter um regulamento com verificações, quantifi-

cações de álcool por ar expirado, medições e não sei que mais, servem apenas para processos disciplinares… Se for usado por serviços de saúde será para promover um acompanhamento ou um tratamento…

Uma das grandes preocupações dos interventores em meio laboral prende-se com os consumos abusivos, a par dos problemas de saúde mental que afectam milhares de trabalhadores… Será uma preocupação de agora?CS – É uma preocupação antiga, actualmente um pouco demu-

dada… Hoje, não temos falta de mão-de-obra e, por isso, podemos substituir. Até temos um regime liberal de contratos… A precaridade é isso mesmo. Se o trabalhador está a mais, teve uma queda, uma doença natural ou uma recaída, rua! E o ciclo é vicioso… Então, se estou precário, como me aguento? Depois, constatamos o consumo de antidepressivos e mesmo os produtos ilegais, é sempre a aviar… Pensemos nesta realidade: como há festa sem álcool? Vejam a noite de Lisboa, o negócio do turismo… cerveja a 50 cêntimos… A própria imposição societária, de uma sociedade desigual, desirmanada, cria-dora da injustiça da exploração… Isto também faz parte do capitalis-mo. Muita gente tem avisado e eu concordo que o capitalismo está a criar uma sociedade de doentes. A nossa esperança de vida saudá-vel aos 65 anos é das mais baixas…

Serão as pessoas ou o sistema que está deprimido?CS – Penso que as pessoas estão deprimidas mas isso é resul-

tante do sistema também… Independentemente de a doença menta ter o seu circuito próprio, autónomo, ligado com a vida e com o traba-lho, na verdade, o sistema tem colaborado muito para o negativismo. E o próprio sistema também está abaixo da necessidade terapêutica, ou seja, se o sistema produziu, depois devia tratar. O nosso sistema de tratamento em saúde mental continua a evidenciar uma arquitec-tura muito fraca. Somos dos países com menos estruturas de trata-mento, menor acessibilidade, com menos psiquiatras… E a maioria dos clínicos gerais não está à vontade para tratar…

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12Observatório Europeu da Droga e da Toxicodependência:

Dia Mundial contra o Abuso e o Tráfico Ilícito de Drogas assinalado

pelo EMCDDA em Lisboa

Por ocasião do Dia Mundial contra o Abuso e o Tráfico Ilícito de Drogas, que se celebra anualmente a 26 de Junho, o Observa-tório Europeu da Droga e da Toxicodependência realizou a habi-tual recepção ao Corpo Diplomático acreditado em Lisboa, convi-dando igualmente os parceiros e peritos nacionais, quer de orga-nismos públicos, quer da Sociedade Civil.

Usaram da palavra o Director da Agência, Alexis Goosdeel, e a Secretária de Estado dos Assuntos Europeus, Margarida Mar-ques.

Foram enfatizados os principais desafios que se colocam na área das drogas e das toxicodependências, em particular os colo-cados pelo recrudescimento das mortes por overdose, que se têm verificado nos últimos anos, o problema das Novas Substância Psicoactivas, que continuam a aparecer no mercado a ritmo ele-vado, os problemas relacionados com novos opiáceos sintéticos (nomeadamente da família do Fentanil), bem como as ligações das redes de tráfico com o tema da segurança, designadamente com a actividade terrorista.

Estiveram presentes vários profissionais do SICAD, bem como o seu Director-Geral, João Goulão, também em representa-ção do Ministro da Saúde.

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13A sexta escola europeia de verão de drogas (EDSS) - “Dro-

gas ilícitas na Europa: procura, oferta e políticas públicas” – abriu, no dia 26 de Junho, em Lisboa, no Dia Internacional Con-tra o Abuso de Drogas e o Tráfico Ilícito. O curso de duas sema-nas (26 de Junho a 7 de Julho) é uma iniciativa conjunta da Agência de Drogas da UE (OEDT) e do Instituto Universitário de Lisboa (ISCTE-IUL) e é apoiada pelo Instituto Nacional de Abuso de Drogas (NIDA). Este ano, o EDSS atingiu a sua capa-cidade máxima com um recorde de 50 participantes inscritos em cerca de 25 países.

Através de uma abordagem multidisciplinar e interactiva do problema da droga, especialistas científicos do OEDT, acadé-micos líderes, palestrantes convidados e decisores políticos, prepararão os participantes para enfrentarem os complexos de-safios políticos neste campo. O tema em foco este ano será “Prevenção e redução da mortalidade”.

Discursando hoje em Lisboa, o Director do EMCDDA, Alexis Goosdeel, afirmou: “Estou encantado por abrir a nossa sexta escola europeia de verão de drogas e por receber um número recorde de participantes e palestrantes durante duas semanas de debate animado em torno da prevenção e da redução da mortalidade relacionada com as drogas. Como o nosso último Relatório Europeu sobre Drogas mostra, este tema é particular-mente relevante e oportuno, uma vez que as mortes por over-dose aumentaram pelo terceiro ano consecutivo e as preocupa-ções crescem em relação à ameaça representada por opióides sintéticos altamente potentes“.

Goosdeel acrescentou que, “hoje, as Nações Unidas estão a promover a sua campanha “Listen FIRST”, destinada a apoiar intervenções de prevenção baseadas em evidências como um investimento no bem-estar de crianças, jovens, as suas famí-lias e comunidades. Através de uma escuta cuidadosa, os pais, os professores, os decisores políticos e os interventores em prevenção podem desempenhar um papel vital na redução do desenvolvimento do uso de drogas e comportamentos de risco. Devemos também ouvir os utilizadores de drogas mais cróni-cos, que estão a tentar controlar ou reduzir o uso de substân-cias. É importante que possam exprimir as suas necessidades e descrever os obstáculos que enfrentam na mudança de com-portamento”.

A semana 1 da Escola de Verão, dedicada aos “Problemas das drogas: mercado, substâncias, uso e danos”, contará com pa-lestras sobre o fardo global dos problemas relacionados a drogas; Mercados de medicamentos na Europa; Prevenção e tratamento de drogas; Mortes relacionadas com drogas; Reduzindo os danos

causados por drogas e tendências de drogas novas e emergentes na Europa. Também serão abordadas as doenças infecciosas re-lacionadas com drogas e a toxicidade aguda de drogas em servi-ços de emergência hospitalar e pesquisa relacionada com drogas na Europa.

A Semana 2 será dedicada à “elaboração de políticas basea-das em evidências para questões relacionadas com drogas”; in-cluirá palestras sobre políticas de drogas (conceitos, questões e análise); O papel da UE na política internacional em matéria de droga; Monitoramento da redução da oferta e da fiscalização da droga; O custo da política de drogas; Leis da droga; A produção e a geopolítica das drogas; E a ligação entre evidências e tomada de decisão.

Ao longo das duas semanas, os estudantes participarão em visitas de estudo a unidades de outreach (unidade móvel de metadona, centro de redução de danos) e irão ter ainda um en-contro com membros da Comissão para a Dissuasão de Lisboa. Durante o curso, também participarão em workshops interacti-vos onde poderão discutir os seus próprios projectos e pontos de vista.

O processo encerrará com um debate aberto sobre o docu-mento final da UNGASS - O que vem de seguida? - apresentando discursos-gerais de João Goulão, Coordenador Nacional de Dro-gas e Owen Bowden-Jones, Presidente do Conselho Consultivo do Reino Unido sobre o Uso Indevido de Drogas (ACMD). Estes irão basear-se numa temática anterior “Colocar os compromissos em prática - o processo CND-conduzido pós-UNGASS”, pelo Em-baixador Moitinho de Almeida, nomeado pela Comissão das Na-ções Unidas sobre Estupefacientes como facilitador para assuntos pós-UNGASS.

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14C.M. Santo Tirso e Cri Porto Ocidental organizam I Jornadas Desafios para a Coesão Social:

“Dependências - Agora posso imaginar o que faço”

A Fábrica de Santo Thyrso recebeu, no dia 22 de Junho, as I Jornadas “Desafios para a Coesão Social”. Sob o tema “Depen-dências - Agora posso imaginar o que faço”, a iniciativa foi promo-vida pela Câmara Municipal em parceria com o Centro de Respos-tas Integradas Porto Ocidental (ARS Norte) e pela Rede Social de Santo Tirso.

Alertar para o trabalho em rede nas questões relacionadas com as dependências, saúde mental e sem-abrigo, foi o objetivo da primeira edição das Jornadas “Desafios para a Coesão Social”. Pelas 09h30, “O desafio do trabalho em rede em Santo Tirso” foi o tema em destaque na mesa redonda, com Rui Santos, Coordena-dor Técnico da Rede Social de Santo Tirso, Isabel Sarmento, res-ponsável pela Consulta Descentralizada do CRI Porto Ocidental e Carla Ferreira, Psicóloga da Casa do Meio Caminho. José Pedro Machado, vereador do pelouro da Coesão Social da Câmara Mu-nicipal de Santo Tirso modera o debate.

Joaquim Couto, presidente da Câmara Municipal, presidiu a sessão oficial de abertura, que contou ainda com a participação de João Goulão, Director Geral do SICAD, Adelino Vale Ferreira, coordenador DICAD e Júlio Roque, coordenador do CRI Porto Ocidental.

O evento contou ainda com a Conferência “Os Novos Desa-fios da Saúde-Serviços Especializados de Proximidade”, com par-ticipação de João Goulão e moderação de Júlio Roque. “Os novos paradigmas do trabalho em rede” constituíram o tema destaque numa Conferência moderada pela Directora Executiva do ACES Grande Porto/Santo Tirso/Trofa, Ana Tato.

De tarde, houve espaço para a música, com a actuação dos “Som da Rua”, projeto musical do serviço educativo da casa da música em parceria com a Liga para a Inclusão Social. De segui-da, debateram-se “Os desafios da Saúde em Prol da Coesão So-cial”, numa conferência com a participação de Luís Fernandes, Professor Associado e Investigador do FPCE da Universidade do Porto, moderada por Mari Carneiro, responsável pela área de tra-tamento do CRI Porto Ocidental.

Dependências associou-se ao evento e registou os depoimen-tos de Joaquim Couto, Presidente da Câmara Municipal de Santo Tirso, Isabel Sarmento e Júlio Roque, do CRI Porto Ocidental.

JOAQUIM COUTO, PRESIDENTE DA CÂMARA MUNICIPAL DE SANTO TIRSO

“A crise social e de emprego ainda não acabou”

O que representa a coesão social para o município de Santo Tirso?Joaquim Couto (JC) – A coesão social do município é algo

em que estamos muito apostados desde 2013 e que iremos conti-nuar a perseguir no próximo mandato porque a crise social e de emprego ainda não acabou, embora estejamos melhor e a ver a luz ao fundo do túnel com o actual Governo. Mas temos ainda muito caminho por percorrer e, portanto, as medidas de coesão social que adoptámos em 2013 são muitas. Para ter uma ideia, es-tamos em presença de mais de 50 medidas de coesão social no nosso município, viradas para toda a população e não apenas para os mais desfavorecidos. Porque as políticas nacionais e as políticas municipais deve ser gerais e universais, embora salva-guardem que a igualdade de acesso aos serviços do Estado e o acesso a uma vida digna sejam uma realidade. Portanto, a ajuda tem que ser maior onde se verifica maior necessidade.

Daí o epíteto de autarquia amiga das famílias e das em-presas…JC – Sim, porque dentro da coesão social e das questões

que interferem com a desregulação social, uma das questões fundamentais é o emprego. Ora, para criarmos emprego e para termos alcançado uma taxa de diminuição do desemprego de 52 por cento em três anos, algo inédito em Portugal, foi preciso

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15um grande investimento e trabalho. Particularmente num terri-tório onde o desemprego era muito elevado e onde a crise do sector têxtil pesado se prolongou por muito tempo e demorou até que surgisse a diversificação da têxtil informática, digital, da moda, do design, da exportação… Já existe, está a funcionar bem e a criar muitos postos de trabalho e riqueza para o país mas a ideia de termos um município amigo das empresas e das famílias resulta exactamente do facto de termos criado meca-nismos de apoio às empresas para que pudessem criar empre-go, num investimento entre 8 a 10 milhões de euros, assim como destinámos um significativo apoio às famílias, traduzido na oferta de vacinas às crianças, nos transportes, materiais e lanches escolares, no programa Santo Tirso Activo, destinado aos mais idosos, que já conta com mais de mil pessoas com idade superior a 60 anos… O município de Santo Tirso não tem hoje grandes empresas… Predominam as médias, pequenas e micro empresas, fortemente exportadoras, com cerca de 600 milhões de euros exportados ao longo do último ano e foram criados muitos postos de trabalho, ao que não será alheio o ins-trumento que criámos, o Invest Santo Tirso, uma instituição que criámos e transformámos numa divisão da Câmara Municipal, que capta investimento, acolhe o investidor, cria-lhe um corre-dor verde para a burocracia municipal, informa-o sobre fundos comunitários e oferece um conjunto de valências de apoio ao investidor e, numa fase mais avançada, quando a empresa é declarada de interesse municipal, aplicamos o regime de ex-cepção de isenção ou diminuição de IMT, de taxas e licenças. A par, no imobiliário, também criámos as Áreas de Reabilitação Urbana, em que o IVA é de apenas 6 por cento na construção…

Embora as redes sociais municipais suprimam muitas carências, a verdade é que muitos municípios conti-nuam a reclamar do Estado a afectação de um enve-lope financeiro que permita continuar a viabilizar esse esforço…JC – O Estado é o responsável pelas políticas de carácter na-

cional e existem muitas áreas em que este não as assegura, como a saúde, a acção social, ao nível empresarial e outros estratégi-cos, como a energia ou o mar. E vai delegando essas competên-cias, de um modo tácito ou legislativo, na sociedade civil organiza-da. No caso particular da coesão social, o Estado, ou não assumiu as suas responsabilidades nalguns casos e apareceram substitu-tos, como as IPSS, os municípios e outras organizações ou o Es-tado sentiu que falhou e contratualizou essas responsabilidades com os municípios e as IPSS. Mas há ainda um trabalho a fazer, que consiste em regularizar, normalizar e fiscalizar todo o sistema nacional das políticas ligadas à educação, à coesão social e ao emprego, de tal modo que o país seja um todo.

ISABEL SARMENTO, CRI PORTO OCIDENTAL

“O que nos une é o trabalho em rede”

Em que medida estarão a ser cumpridos os objectivos es-perados a partir deste encontro?Isabel Sarmento (IS) – Sim, penso que estão francamente a

ser cumpridos. E, sobretudo, ficou aqui plasmado o que nos une, a coesão e o trabalho em rede, de que Santo Tirso constitui exem-plo.

Estas parcerias que o CRI tem com a autarquia e as de-mais instituições é para continuar, é profícua ou poderá estar em causa face às dificuldades vividas?IS – Estas parcerias estão contratualizadas e são exemplo no

núcleo territorial que existe desde 2007, que reúne duas vezes por ano e formalmente e pontualmente quase todos os meses e que são para continuar porque estão coesas e sólidas no terreno.

Um dos exemplos hoje aqui salientados foi o da Casa do Meio Caminho, uma referência na reinserção de pessoas descriminadas e vetadas ao abandono… Que projecto é este?IS – A Casa do Meio Caminho é um projecto que começou em

2008, resultante de uma candidatura e financiado pelo ex IDT, tra-tando-se de uma residência para utentes em programa de trata-mento e com objectivos de reinserção. Começou como uma resi-dência semi protegida, diferindo nesse sentido de uma comunida-de terapêutica, com quatro residentes, neste momento tem seis, normalmente pessoas do município de Santo Tirso, identificados na consulta e que são canalizados para aquela estrutura, onde têm uma estadia mínima de seis meses. O nosso objectivo é que, quando saiam da casa, ou vão para a família já com um trabalho estruturado ou vão para uma residência própria.

Em suma, parece haver aqui um trabalho que contraria muitos casos: afinal, é possível a reinserção social…IS – Acredito que sim. Já cá ando há mais de 30 anos e acre-

dito porque os exemplos aparecem e vemo-los no dia-a-dia.

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JÚLIO ROQUE, COORDENADOR DO CRI PORTO OCIDENTAL

“A indefinição orgânica que temos vivido é preocupante”

“Hoje, estamos aqui a dar testemunho vivo da parceria que soubemos construir ao longo de mais de dez anos com a Câmara Municipal de Santo Tirso e a sua Rede Social na criação e desen-volvimento de uma resposta especializada de proximidade de tra-tamento na área dos comportamentos aditivos e dependências.

Este percurso assistencial já tem uma narrativa de mais de dez anos. Há época, na sequência de processos de monitorização regulares e sistemáticos, tendo em vista a actualização da realida-de diagnóstica relativa aos consumos e consumidores, ressaltou uma nova geografia territorial problemática. Com recurso a indica-dores de natureza socio sanitários pudemos então identificar e priorizar novas necessidades e problemas locais, que sugeriam uma resposta, tanto quanto possível de proximidade e especiali-zada que pudesse intervir sobre esta realidade.

Face a esta situação, a Câmara Municipal de Santo Tirso prontamente procurou soluções, tendo para o efeito contactado o então CAT da Boavista, iniciando este processo com o transporte semanal dos doentes às consultas ao Porto. Neste mesmo perío-

do, vivíamos uma grande transformação nos serviços públicos da área dos comportamentos aditivos e dependências, fusão do SPTT e do IPDT, IP no IDT, IP com a integração, incidências e pre-valência para os quais a equipa técnica procura diariamente estra-tégias cuidativas adequadas.

A indefinição orgânica que temos vivido nos últimos anos tem gerado preocupantes perdas no património do serviço, designada-mente ao nível do potencial humano, técnico, científico e organi-zacional, fazendo perigar a qualidade dos serviços prestados.

Espero que, tão em breve quanto possível e oportunamente, os poderes decisórios possam repor um modelo organizacional e assistencial susceptível de oferecer níveis motivacionais e de qua-lidade aos profissionais e, sobretudo, aos doentes que nos procu-ram.

Finalmente, gostaria de salientar que, independentemente das decisões que se avizinham, esta parceria de que hoje damos testemunho mantém perfeita actualidade, pertinência e valor de continuidade”.

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17Workshop NSP – Desafios, Estratégias e Resultados:

Tráfico e consumo de ecstasy cresce significativamente

O Laboratório de Polícia Científica da Polícia Judiciária organi-zou, no dia 1 de Junho, o Workshop NSP – Desafios, Estratégias e Resultados. O evento decorreu no Auditório 1 do Novo Edifício-Sede da Polícia Judiciária e serviu ainda para a apresentação do Relatório Anual de Combate ao Tráfico de Estupefacientes em Portugal.

Durante o workshop, foi evidente a preocupação dos especialis-tas do Laboratório de Polícia Científica, do Instituto Nacional de Medi-cina Legal, bem como dos investigadores da Faculdade de Farmácia da Universidade do Porto e da Faculdade de Ciências da Universida-de de Lisboa acerca do consumo e abuso destas substâncias.

Só durante o ano de 2016, o Laboratório de Polícia Científica identificou 70 novas substâncias psicoactivas ilícitas. 96 por cento do tráfico destas novas substâncias psicoactivas realiza-se na ‘deep web’, constatando-se uma pureza cada vez maior destes produtos.

Uma das novidades apresentadas no Relatório Anual de Comba-te ao Tráfico de Estupefacientes em Portugal prende-se com o au-mento das apreensões de ecstasy. Os órgãos de polícia criminal apreenderam, no ano passado, mais de 150 mil comprimidos, o que corresponde a um aumento de 200 por cento face ao ano passado, o que leva os responsáveis a concluir que o tráfico e consumo desta substância estão a aumentar. Por outro lado, as autoridades também constataram que Portugal se está a tornar uma placa giratória no trá-fico de ecstasy entre a Europa e a América do Sul.

Em 2016, PJ, a GNR, a PSP, a Autoridade Tributária e Aduaneira e a Direcção-Geral de Reinserção e Serviços Prisionais apreende-ram mais comprimidos de ecstasy do que nos quatro anos anteriores. Esta substância, indicam as autoridades, é produzida em laboratórios clandestinos da Holanda e da Europa Central, chegando a Portugal por via aérea ou terrestre, através de veículos automóveis.

De acordo com os responsáveis da PJ, o ecstasy é habitualmen-te transportado por correios humanos por via aérea mas também se verifica a sua chegada a Portugal e o posterior reencaminhamento para o Brasil, através de encomendas postais. Só no ano passado, foram apreendidos 49.643 comprimidos nos aeroportos nacionais, tendo como destino o Brasil. Lisboa é o distrito onde ocorreram mais apreensões de comprimidos de ecstasy, particularmente o Aeroporto Humberto Delgado, com perto de 133 mil comprimidos.

Águas residuais mostram aumento do consumoLisboa e Porto evidenciam aumentos do consumo de ecstasy,

como revelam as análises realizadas às águas residuais naqueles dois distritos. Os consumos cifram-se na ordem dos 26,9 miligramas diárias por 1000 pessoas em Lisboa e 10,8 miligramas no Porto. Ape-sar de o fim-de-semana continuar ser o contexto privilegiado, em Lis-boa o consumo aumentou também durante a semana.

De acordo com João Goulão, “temos a noção de que o consumo de ecstasy é significativo. Não existem muitos pedidos de ajuda para ultrapassar a dependência nem muitos episódios de urgências hospi-talares relacionados com o consumo desta droga mas, por outro lado, as pessoas que a consomem conhecem razoavelmente os ris-cos e tomam algumas precauções face a uma substância que, de certa forma, suprime a sensação de cansaço, sendo muito usada em contexto recreativo porque faculta a sensação de energia inesgotável mas que pode conduzir ao esgotamento sem que o corpo disso dê si-nais e trazer, entre várias outras, complicações cardíacas e danos na dentição.

De acordo com Helena Gaspar, presente no workshop em repre-sentação da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, “sur-gem, em média, duas novas substâncias psicoactivas por semana, sendo necessária a adopção de uma resposta mais célere para pre-venir os riscos de saúde pública associados ao consumo”.

Já Félix Carvalho, da Faculdade de Farmácia, responsável pelo Departamento de Toxicologia da Universidade do Porto, evidenciou os potencialmente nefastos efeitos dos canabinóides sintéticos e a imprevisibilidade dos efeitos destas novas substâncias, realçando o “elevado grau de toxicidade” e “os casos de morte registados”.

Referindo-se aos efeitos dos canabinóides sintéticos, Félix Car-valho evidenciou os pensamentos suicidas, psicoses, convulsões, alucinações, perda total de memória e até a morte. Félix Carvalho destacou que “ao passo que a sobredosagem dos canabinóides na-turais não provoca a morte, o consumo dos sintéticos pode fazê-lo”.

Já Carlos Farinha, director do Laboratório Polícia Científica da PJ, alertou para o elevado grau de mutabilidade das substâncias e para a potenciação dos efeitos das mesmas, considerando ser ne-cessário manter o nível de alerta: “É necessário reforçar a fiabilidade dos sistemas de detecção e parece pouco provável que, com o sim-

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18Conferência “Healthy work environment, active health promotion and disease prevention at workplace” realizou-se em Lisboa:

DGS e Comissão Europeia focadas na promoção da saúde e prevenção

das doenças no ambiente de trabalhoA Direcção-Geral da Saúde, em colaboração com a Agência

Executiva de Consumidores, Saúde, Agricultura e Alimentação da Comissão Europeia (CHAFEA), que faz a gestão do 3º Programa de Saúde 2014-2020, realizou a Conferência Healthy work envi-ronment, active health promotion and disease prevention at wor-kplace. O evento decorreu na Fundação Calouste Gulbenkian, em Lisboa, entre 8 e 9 de Junho e serviu para a apresentação dos projetos europeus desenvolvidos na área da promoção da saúde e prevenção das doenças no ambiente de trabalho. As sessões específicas elegeram como temas principais os locais de trabalho saudáveis no âmbito da saúde; a promoção da saúde no local de trabalho, envelhecimento e retenção no trabalho; a melhoria da capacidade de promoção da saúde da população activa; ambien-tes saudáveis: prevenção de doenças ao longo da vida; Intercâm-bio de boas práticas baseadas na evidência para abordar factores de risco relacionados com o álcool; Intercâmbio de boas práticas para a promoção da saúde e prevenção primária de doenças cró-nicas; Intercâmbio de boas práticas baseadas na evidência para a prevenção de doenças transmissíveis.

No final da sessão, entrevistámos Cinthia Menel Lemos, Co-missária da Agência Executiva de Consumidores, Saúde, Agricul-tura e Alimentação da Comissão Europeia

CINTHIA MENEL LEMOS, COMISSÁRIA EUROPEIA DA AGÊNCIA EXECUTIVA DE CONSUMIDORES, SAÚDE, AGRICULTURA E ALIMENTAÇÃO

“Portugal é um bom exemplo”

Em que consiste esta Agência Executiva de Consumido-res, Saúde, Agricultura e Alimentação da Comissão Euro-peia?Cinthia Menel Lemos (CL) – Nós somos uma agência execu-

tiva, que tem como responsabilidade a implementação do Progra-ma de Saúde Pública Europeu. Fazemos apelos de proposições em diferentes áreas temáticas e é igualmente nossa responsabili-dade a disseminação dos resultados produzidos a partir das ac-ções financiadas. Aqui, convidámos diferentes projectos e joint ac-tions, grandes projectos europeus, a apresentar os resultados que

foram obtidos, especialmente os projectos que trabalharam na promoção da saúde e prevenção das doenças ao nível do ambien-te laboral.

Que principais conclusões retira desses resultados apre-sentados?CL – A importância de não somente trabalhar na parte da pre-

venção e segurança no trabalho mas também que o ambiente la-boral é um bom momento e ambiente para promover a saúde das pessoas em idade adulta. Tivemos aqui exemplos de como fazer a prevenção sobre o uso indevido do álcool ou a prevenção de doenças crónicas, a importância de saber identificar, tratar e ofe-recer serviços a pessoas que sofrem de problemas mentais rela-cionados com o trabalho repetitivo, cansativo ou mudanças do rit-mo de trabalho. Tivemos bons exemplos, que vimos que foram de-senvolvidos em alguns países e que poderiam ser adaptados e aplicados em outros.

Num momento em que vivemos com ritmos tão alucinan-tes, numa sociedade desenfreada, em que impera uma economia muito focada no lucro imediato e as pessoas não são tão vistas enquanto tal mas como recursos das empresas, será realmente possível sensibilizar as chefias para a importância da implementação destas estratégias?CL – Esse foi um dos pontos debatidos nesta conferência…

Na verdade, o que vemos é que a maioria dos países tem legis-lação que exige que os serviços de saúde laboral seja oferecido - pelo menos uma visita anual – e tivemos aqui também alguns instrumentos apresentados que poderiam ser utilizados pelos médicos que trabalham em saúde laboral para identificarem pessoas que tenham necessidades. E aí deveriam então poder oferecer serviços ou orientá-los para serviços especializados. Um projecto demonstrou ainda o benefício financeiro da pre-venção das doenças crónicas ao nível da população, quer para

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o indivíduo, quer para a sociedade, quer ainda para a econo-mia.

Sente esta temática como uma verdadeira preocupação da União Europeia?CL – Sim… Cada vez mais, temos que combinar a questão do

desenvolvimento económico, que é a União Europeia, uma união económica, com a sociedade. O sector social e os trabalhadores são a massa que permite o desenvolvimento económico e, como tal, é importante investir na saúde das pessoas em idade produti-va para permitir o desenvolvimento da economia dos países. Nos diferentes sectores, existem diferentes necessidades mas existem também programas efectivos e vimos hoje bons exemplos que fo-ram desenvolvidos em Portugal, na Finlândia, em Itália e Espa-nha, que podem ser aplicados também a nível europeu.

Hoje tivemos uma “mesa portuguesa” sobre intervenções no domínio do álcool… Pedia-lhe, por um lado, uma aná-lise aos dados apresentados nessa conferência e, por ou-tro, à realidade portuguesa.CL – Na verdade, não tenho uma percepção da realidade

portuguesa mas o que vi, nessa mesa, foram pessoas muito competentes, motivadas pelo trabalho que fazem e muitos, além do trabalho que exercem enquanto médicos, são também

professores universitários, o que nos dá a esperança de que o trabalho será replicado, divulgado e aplicado na prática. Por-que, formando médicos e outros profissionais da saúde ou mesmo pessoas que já estão a trabalhar como médicos nos serviços laborais e na saúde ocupacional, acredito que a men-sagem será recebida e aplicada.

Uma europa unida a uma só voz a este nível… será uma utopia ou um desejo concretizável?CL – Acredito que é uma meta atingível, mesmo que, como vi-

mos hoje, as condições, ao nível da assistência dos serviços, da capacidade e das necessidades, sejam diferentes. Não temos uma resposta única que seja aplicável a todos os países e em to-dos os sectores. Tem que ser adaptada. Mas também testemu-nhámos aqui a riqueza da troca de experiências e a transmissão e a aprendizagem a partir de experiências desenvolvidas noutros países.

Presumo que fará uma avaliação positiva da realização deste evento…CL – Sim, foi bastante interessante em termos de conteúdo.

Não é um assunto fácil mas as pessoas que trabalham estão mui-to motivadas. Esperamos contar com mais audiência no futuro mas creio que tivemos aqui um desenvolvimento positivo.

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20Dia de Portugal comemorado de forma especial em Baguim do Monte:

Uma ponte social, económica e ecológica entre Baguim do Monte e Cabo Verde

Na sequência da internacionalização da marca “Baguim do Monte”, formalizada através duma Geminação com o Município de São Domingos (Cabo Verde), a Junta de Freguesia de Baguim do Monte recebeu, no dia 11 de Junho, o Primeiro-Ministro da Repú-blica de Cabo Verde, Ulisses Correia e Silva, acompanhado pelo Embaixador de Cabo Verde em Portugal, Eurico Correia Monteiro. Baguim do Monte será uma importante plataforma de apoio à co-munidade cabo-verdiana, bem como apoiará empresas e empre-sários que queiram investir naquele país “irmão”. Durante esta vi-sita, o Primeiro-Ministro cabo-verdiano teve a oportunidade de re-ceber propostas de parcerias apresentadas pela Junta de Fregue-sia local, e pela Lipor no âmbito da formação de altos quadros e no desenvolvimento de um ambicioso programa que visa eliminar, em conjunto com uma associação internacional, todas as lixeiras existentes no mundo, especialmente em África.

O Primeiro-Ministro de Cabo Verde, Ulisses Correia e Silva, presidiu ainda, no dia 9 de Junho, ao acto de abertura oficial do I Fórum Económico Portugal Cabo Verde e, no dia 10 de Junho, ao ato de encerramento do I Encontro dos Investidores da Diáspora Cabo-verdiana, eventos realizados no Europarque, na Cidade de Santa Maria da Feira. Os dois eventos foram organizados pela Cabo Verde Global Business, em parceria com a Câmara Munici-pal de Santa Maria da Feira, com o apoio institucional da Embai-xada de Cabo Verde em Portugal, e propunham, com o I Fórum Económico Portugal Cabo Verde, incrementar as relações entre empresários e instituições de Cabo Verde e Portugal, promovendo a criação de uma plataforma de networking empresarial luso-ca-bo-verdiano. Com o I Encontro dos Investidores da Diáspora Ca-bo-verdiana, visou-se criar um instrumento que valorize a impor-tância económica da Diáspora Cabo-verdiana, com o objetivo de reunir em Portugal, emigrantes e filhos de emigrantes, com inte-resse em destacar oportunidades de negócios e investimentos em Cabo Verde. Pretende-se ainda, de acordo com a organização, criar um elo entre a Diáspora e a comunidade empresarial cabo--verdiana, através do networking, da partilha de informações e ex-periências.

O chefe do Governo deslocou-se a Portugal, chefiando uma missão especializada ligada ao sector económico e privado. Apro-veitando essa deslocação, à margem do evento, o Primeiro-Minis-tro visitou as futuras instalações do Gabinete de Apoio Consular e Captação de Investimentos em Cabo Verde, localizado na Fregue-

sia de Baguim do Monte, em Gondomar, onde se reuniu com em-presários e conheceu algumas empresas, como a Lipor.

Dependências acompanhou o périplo realizado por Ulisses Correia e Silva em Baguim do Monte e entrevistou o Primeiro-Mi-nistro de Cabo Verde, recolhendo ainda depoimentos do presiden-te da Junta de Freguesia de Baguim do Monte, Nuno Coelho, e Fernando Leite, CEO da Lipor..

ULISSES CORREIA E SILVA, PRIMEIRO-MINISTRO DE CABO VERDE

“A governação deve ser dirigida às pessoas”

Aquando da tomada de posse, afirmou que iria enveredar to-dos os esforços no sentido de realizar o sonho de todos os cabo--verdianos… Que sonho é esse?

É o sonho da felicidade, que todos os seres humanos alme-jam… A governação deve ser dirigida às pessoas e, por isso, quando dissemos que pretendíamos fazer com que a felicidade dos cabo-verdianos pudesse aumentar, foi no sentido de promo-ver o acesso ao emprego, um dos problemas que temos e que atinge particularmente a juventude, acesso ao rendimento, à inclu-são social e à perspectiva de futuro. Em suma, que as pessoas possam sentir-se bem no seu país e contribuir para o desenvolvi-mento

Também lançou o desafio de criar 45 mil novos empregos e retirar os cabo-verdianos da pobreza… Como se encontra esse processo?

Como referiu, é um processo… Evidentemente, o atingimento desses 45 mil novos empregos tem como horizonte temporal o fi-nal da legislatura mas posso afirmar que estamos com uma boa

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dinâmica de crescimento, primeiro é necessário assegurar que o país cresça a taxas mais elevadas e sustentáveis para poder de-pois gerar oportunidades de emprego mas estou confiante que ire-mos atingir essas metas.

A democracia cabo-verdiana é reconhecida como um exemplo no continente africano e o Sr. Primeiro-Ministro referiu que preten-dia transformar este exemplo africano numa referência mundial…

Estamos a desenvolver uma grande aposta a esse nível… Cabo Verde já tem uma cotação relativamente elevada ao nível da qualidade da sua democracia mas queremos caminhar para uma democracia perfeita para podermos colocar Cabo Verde não só como uma referência mais avançada em África mas também a ní-vel mundial. Temos poucos factores naturais de competitividade e os factores que temos que trabalhar, desenvolver e valorizar são a democracia, a estabilidade política e social, a credibilidade, a con-fiança e a qualificação dos recursos humanos.

Porque estamos no Dia de Portugal, de Camões e das Comu-nidades, o que levará os cabo-verdianos ausentes do país a ama-rem tanto a sua bandeira?

Acima de tudo, porque são cabo-verdianos… Assim como os portugueses, mesmo estando fora, não deixam de estar ligados ao país. É a língua, a gastronomia, a cultura que passa de gera-ção em geração… E são as famílias que fazem isto. É nesse sen-tido que nós, todos os cabo-verdianos que existem por este mun-do fora, nos orgulhamos. Manifestam-se enquanto tal, muitos de-les com dupla nacionalidade mas nunca esquecem o país.

Não é comum ver-se um primeiro-ministro visitar um território tão pequeno, como é a Freguesia de Baguim do Monte… O que sente ao faze-lo?

Confesso que gosto particularmente porque também já fui Presidente de Câmara e considero que são estes actos que tor-nam as pessoas felizes. A gestão de proximidade, a gestão de es-paços mais pequenos, como as Juntas de Freguesia fazem todo o sentido quando pensamos no desenvolvimento das nações. Por

isso, a minha preocupação não se limita às relações entre os go-vernos mas igualmente em potencializar as relações municipais, também ao nível das freguesias.

NUNO COELHO, PRESIDENTE DA JUNTA DE FREGUESIA DE BAGUIM DO MONTE

“Queremos partilhar saber e conhecimento”

“É uma honra ter o Sr. Primeiro-Ministro da República de Cabo Verde em Baguim do Monte e partilhar consigo uma mesa, tal como fizemos em São Domingos, onde tive o prazer de o conhecer e de falarmos em alguns projectos comuns, que serão certamente projectos com futuro. Na sua pessoa e na pessoa do Sr. Embaixador de Cabo Verde em Portugal, Dr. Eu-rico Correia Monteiro, dou as boas-vindas a todos os cabo-ver-dianos à freguesia de Baguim do Monte, concelho de Gondo-mar, distrito do Porto.

Saúdo a presença do Sr. Vereador da Câmara Municipal de Gondomar, José Fernando Moreira, saúdo a presença do Dr. Fernando Leite, Administrador-Delegado da Lipor e, ob-viamente, a presença de todas as instituições que aqui qui-seram partilhar connosco esta visita, que embora seja infor-mal, representa um acto de amizade que liga Baguim do Monte a Cabo Verde.

Este é o culminar das comemorações do Dia de Portugal, de Camões e das Comunidades Portuguesas em Baguim do Monte, de uma maneira excelente. Tivemos ontem, de manhã, uma sessão solene, em que tivemos a oportunidade e a honra de entregar algumas Medalhas de Mérito da Freguesia, distin-guindo alguns cidadãos, empresas e instituições desta comuni-dade; da parte da tarde, tivemos a apresentação de um livro de um autor local, também como forma de comemorar o Dia de Portugal e da língua de Camões e, agora, temos a honra de es-tar aqui, perante a presença do Sua Excelência o Sr. Primeiro--Ministro da República de Cabo Verde, Dr. Ulisses Correia e Sil-

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va, fazendo o encerramento das comemorações do Dia de Por-tugal. Ainda que não oficial, é para nós importantíssima a sua presença, uma vez que temos uma grande comunidade portu-guesa em Cabo Verde e também uma comunidade de cabo--verdianos em Portugal, inclusive um ex-funcionário desta Jun-ta de Freguesia, que foi recentemente colocado numa empresa que faz a gestão de todos os arruamentos do concelho de Gon-domar.

A Freguesia de Baguim do Monte é urbana, com cerca de 18 mil habitantes, inserida no concelho de Gondomar e no dis-trito do Porto. Somos caracterizados como uma zona que ofere-ce muita mão-de-obra aos concelhos vizinhos, nomeadamente à cidade do Porto e por termos alguma indústria local significa-tiva, que faz a dinamização de muito do tecido empresarial e comercial desta freguesia e que, obviamente, oferece aos nos-sos cidadãos inúmeros postos de trabalho. Também nesta fre-guesia temos a Lipor, uma empresa de referência na gestão dos resíduos do Grande Porto. Baguim do Monte é uma fregue-sia em expansão. Ainda vamos tendo jovens casais que esco-lhem Baguim do Monte para usufruírem de alguma tranquilida-de e solidariedade, alguma pacatez, para criarem família, raí-zes e aqui permanecerem durante as suas vidas, o que muito nos apraz referir.

Por último, gostaria de evidenciar que Baguim do Monte tem acolhido sempre muito bem todos os projectos que tenta-mos dinamizar em parceria e todos os cidadãos que vêm de fora e aqui querem radicar-se. Estamos sempre de braços abertos, tal como foi a recepção que tive em São Domingos, por parte dos autarcas locais e de V/ Exa.. Foi absolutamente espectacular e recordo com saudade. Numa intervenção que pude fazer, na altura da sessão solene comemorativa do 23º Aniversário do Município de São Domingos, afirmei que para além das Sete Maravilhas que São Domingos tem, existe uma Oitava, que são as Pessoas. Tal como em Portugal, as pessoas de São Domingos e de Cabo Verde são afáveis, simpáticas e sabem receber. Os cabo-verdianos são pessoas absolutamente fantásticas na recepção, no acompanhamento e na despedida. Deixam-nos saudades… Felizmente, voltarei brevemente a São Domingos e a Cabo Verde.

Nessa deslocação que fiz, pude levar um conjunto de empre-sários locais, um dos quais não se encontra hoje aqui porque gos-tou tanto de Cabo Verde que decidiu fazer as suas férias neste magnífico país. E está lá neste momento, com toda a família.

Estas relações humanas que se estabelecem entre os dois povos também sustentam a ligação entre Portugal e Cabo Verde, duma forma permanente e duradoura.

A geminação de Baguim do Monte com São Domingos é, para nós, fundamental. Para partilharmos conhecimentos mas, princi-palmente, para que esta freguesia possa trazer a alegria e a musi-calidade que o povo cabo-verdiano tem. E existem projectos a im-plementar quer em Baguim do Monte, quer em São Domingos, que considero benéficos para as duas autarquias. É para nós uma honra partilhar a cultura, a gastronomia e tudo aquilo que é belo e pode unir os dois povos.

Gostaria ainda de mencionar o projecto Lipor e o projecto Pasop, da Universidade Fernando Pessoa, no âmbito da saúde oral pública em ambulatório, que tem levado um conjunto de técnicos, que reali-zam rastreios no domínio da saúde oral e e outros ligados à saúde e bem-estar dos cidadãos, não só à freguesia mas a todo Portugal e até a Angola, pretendendo agora alargar a sua intervenção a Cabo Verde.

Por fim, realço que teríamos muito gosto que esta parceria e a passagem de V. Exa. tivesse um fruto… É importante deixar aqui uma semente para poderemos plantar uma árvore, resultante da ge-minação já concretizada entre Baguim do Monte e São Domingos, que se traduza no apoio aos cidadãos de Cabo Verde e cujos frutos sejam colhidos pelos cidadãos que mais precisam desse apoio e pe-los interessados em investir em Cabo Verde. Gostaríamos que Ba-guim do Monte fosse uma espécie de plataforma de apoio a tudo o que respeita a Cabo Verde, principalmente no zona Norte de Portu-gal, uma vez que cerca de 70% do investimento nacional em Cabo Verde é feito por empresas e empresários que se situam nesta parte do país. Por último, quero realçar o papel fundamental nesta gemina-ção do Dr. Martinho Ramos, aqui presente, e do meu (agora) amigo e colega Presidente da Câmara Municipal de São Domingos, Dr. Cle-mente Garcia, para quem mando desde já um forte abraço fraterno, extensível a toda a sua equipa autárquica. Baguim do Monte nunca mais se esquecerá deste dia. Obrigado. ”

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23FERNANDO LEITE, CEO DA LIPOR

“Temos uma academia certificada internacional-mente”

“Foi-me pedido que, em nome da Lipor, desse uma breve nota sobre a empresa, sediada em Baguim do Monte e pertencente em 100 por cento às oito câmaras municipais da região. O nosso objecto é essencialmente tratar e valorizar todos os resíduos produzidos na região, que tem um milhão de habitantes. Portanto, no que concerne ao seu dia-a-dia, a referência da Lipor consiste em tratar dos resí-duos de um milhão de habitantes, o que representa cerca de 500 mil toneladas de resíduos por ano.

Temos duas importantes fábricas sediadas em Baguim do Mon-te, outra na Maia; somos uma empresa com um património de cerca de 350 milhões de euros, como afirmei, totalmente pertencente às câmaras municipais; facturámos cerca de 40 milhões de euros anual-mente a partir de serviços que produzimos e vendemos, o que signi-fica que a empresa não depende do Orçamento Geral do Estado mas sim do que produz no seu dia-a-dia e tem já 35 anos de actividade. A partir do que produzimos diariamente, garantimos o fornecimento de electricidade a cerca de 50 mil habitações, o que significa que cerca de 150 mil pessoas são diariamente fornecidas por electricidade que produzimos numa das nossas fábricas; produzimos cerca de 12 mil toneladas de fertilizantes biológicos que fornecemos à agricultura; cerca de 50 mil toneladas de diversos produtos, desde papéis e car-tões, plásticos ou vidros e todo um conjunto de materiais que são re-colhidos pelas câmaras municipais no âmbito de iniciativas de reci-clagem e de valorização dos resíduos.

Esta é uma actividade que gera, obviamente, muita relação com outros países e, por isso, estamos muito bem relacionados com paí-ses a nível mundial.

Gostaria ainda de salientar que a Lipor tem uma academia certi-ficada nacional e internacionalmente e teríamos muito gosto em po-der oferecer à República de Cabo Verde a formação de altos quadros da República de Cabo Verde. Neste momento, estamos já com uma proposta a ser tramitada com a República de Angola e teráimso muito gosto de receber em oportuna altura um grupo até oito técnicos da República de Cabo Verde para estarem aqui connosco, no Porto, e poderem ser formados no seio das melhores tecnologias e levar de cá o máximo de informação, no sentido de, no seu dia-a-dia, gerirem melhor os resíduos em Cabo Verde.

O outro grande projecto que entregaremos no final ao Sr. Embai-xador de Cabo Verde em Portugal prende-se com a parceria da Lipor com a ISWA, no âmbito da qual estamos a desenvolver um programa mundial para a erradicação das lixeiras em todo o mundo. É um pro-jecto muito grande que estamos actualmente a tentar replicar no uni-verso da CPLP, pelo que entregaremos hoje um dossier, sendo que em Setembro, no âmbito da CPLP em Lisboa, faremos uma reunião com todos os Srs. Embaixadores e gostaríamos que Cabo Verde fos-se o primeiro país a ter um projecto desenvolvido por nós, totalmente gratuito, que possa resolver uma das possíveis lixeiras que existem no país.

Da nossa parte, poderá a República de Cabo Verde contar com todo o apoio no desenvolvimento e na modernização das suas infra--estruturas na área da gestão de resíduos”.

No âmbito da sua Estratégia de Internacionalização, a LI-POR oferece consultadoria técnica e especializada interna-cional, com base no Know How, o conhecimento e a expe-riência de 35 anos de atividade, na conceção, adoção e im-plementação de soluções customizadas de gestão de resí-duos!

Soluções desenhadas à medida é um fator diferenciador e de sucesso desta estratégia.

A cooperação assume especial relevância na estratégia da LIPOR, principalmente nos PALOP’S, por todas as razões inerentes aos laços existentes e a um passado comum, mas que se pretende perpetuar num futuro, também ele comum.

LIPOR e Cabo Verde representam o “casamento perfei-to”, uma vez que Cabo Verde é um dos Mercados Alvo da Es-tratégia de Internacionalização da LIPOR, tem um potencial enorme de trabalho a desenvolver na área da gestão de Resí-duos e a LIPOR, com a sua experiência amplamente reconhe-cida no que respeita à gestão de resíduos e o saber fazer, tem a capacidade e as competências para agilizar uma rápida im-plementação das soluções certas no terreno.

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24Instituição de referência no tratamento viveu um dia diferente:

João Goulão visitou a Clínica do Outeiro

O Director Geral do SICAD, João Goulão, visitou as instala-ções da Clínica do Outeiro, onde acompanhou as atividades e a forma como se vive mais um dia inserido num plano de reabilita-ção. Presenciou o desenvolvimento de actividades lúdicas, cultu-rais e ocupacionais dos utentes na Clínica e pôde verificar como são definidas e estruturadas as regras, os valores e objetivos rela-tivos a cada um dos utentes, tendo em vista a promoção da pes-soa e o respeito pelos seus mais elementares direitos.

Durante a visita, João Goulão assistiu a diversas actividades desenvolvidas em simultâneo na Clinica do Outeiro, que incluíram grupo de prevenção de recaída, grupo de partilha e feedback, ate-lier de trabalhos manuais, atelier de movimento e expressão cor-poral e atelier de estimulação cognitiva. Acompanhado pelo Admi-nistrador da Instituição, António Ribeiro e pela equipa técnica e cli-nica, o Director Geral do SICAD foi reconhecido e aplaudido por dois utentes, que o conheceram do tempo em que foram seus pa-cientes e que agradeceram todo o empenho e dedicação a uma causa que muitos julgavam perdida… Eram pessoas diferentes que, por razões diversas e pela mudança de consumos, obriga-ram à adaptação a novos e exigentes modelos de intervenção, cada vez mais rigorosos e baseados na evidência científica mas sempre centrados na pessoa e nos seus direitos.

“Muitos destes doentes têm doença mental grave concomitan-te e, por isso, as respostas são adequadas ao perfil de cada um dos doentes, concentrando uma atenção especial da equipa técni-ca e da sua adaptação a cada um dos casos”. “Equilíbrio nem sempre fácil de alcançar mas presente a toda a hora como um de-safio que exige o máximo de cada um dos técnicos envolvidos”. “Independentemente do passado histórico de consumos e das doenças associadas, os utentes são acima de tudo pessoas e os principais agentes da sua própria mudança”…

Já no final da visita e após a fotografia de família, João Goulão foi agraciado pelos utentes com uma pintura, recebeu beijos e abraços de uma população tão “sofrida” quanto feliz por poder fa-lar e abraçar o “homem que faz parte da vida deles e que todos admiram…” “tire uma foto comigo para ficar com uma recordação sua”, diziam os utentes que queriam posar ao lado do Director Ge-ral do SICAD. ”Não se esqueça de nós”, foi a frase mais ouvida naquela curta visita…

CRISTIANO (NOME FICTÍCIO)

Fadista aos 6 anos

“O meu pai era fadista, eu era o filho mais velho e ele le-vava-me com ele para os tas-cos, nunca me dava sumos ou água, nunca me deu leite e, com seis anos de idade, co-mecei a consumir álcool. Apa-

nhei bebedeiras com essa idade e não me sentia bem mas, para ele e para os amigos, era normal consumir álcool… passei muita fome, não ia para a escola, era um “copito e mais outro”, até ficar perdido. Depois, comecei também a cantar o fado… até me cha-mavam o “Joselito do fado”. Ganhava 150 euros por noite, gastava quase tudo no álcool, não comia, porque o dinheiro era para o ál-cool. Um dia, disse à minha mãe que tinha que acabar e vim para a clínica. Estive aqui um tempo, deixei os consumos e voltei para casa. Como não sabia fazer mais nada, voltei para o fado e para o consumo do álcool. Saí da cidade e fui para outro lado, tive dois AVC e disse que tinha que deixar esta vida… mas não conseguia. Consegui entrar para a clínica, onde estou há alguns meses. Sin-to-me bem, estou muito feliz e contente e todas as manhãs dou uma volta pelo jardim da clínica e rezo para que um dia, quando sair daqui, encontre um lugar onde possa terminar os meus

dias…”

MOURINHO (NOME FICTÍCIO)

A música e o professor

“Professor de música, 58 anos. Comecei a consumir drogas tinha 17 anos. No iní-cio foi a erva -Liamba, que foi trazida pelos retornados de Angola. Depois, comecei a consumir haxixe. Na altu-

ra, tocava num conjunto de música Rock, tinha uma vida mais ou menos estável, não consumia bebidas alcoólicas e, talvez por isso, não tenha tido problemas mais graves… Tinha uma moto, era um jovem com uma família estável, casei e, durante muitos anos, não consumi nada. Depois, tive problemas com o

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meu casamento, não consegui superar a separação e, mais tar-de, o relacionamento com outra mulher… Comecei a faltar às aulas, a fumar muito tabaco e a beber “desalmadamente” até cair. Praticamente não comia nada. Só queria beber e fumar es-poradicamente haxixe… Procurei ajuda numa clínica, que tinha o modelo Minesota, mas não consegui integrar-me no grupo, não fazia o meu jeito e por isso vim para a Clínica do Outeiro. Estive uma parte do tempo em Gondomar e depois vim para Vila do Conde, que tem um processo terapêutico integrado e pessoal, onde cada um pode desenvolver as suas potencialida-des e capacidades. Fazem um trabalho diferente de pessoa para pessoa… eu era uma pessoa completamente desestrutu-rada e desgovernada a nível de higiene… Hoje sou outra pes-soa, sinto-me muito feliz e capaz de decidir da minha vida… Já fui duas vezes a Lisboa visitar a minha mãe, tenho família e casa e espero poder refazer a minha vida quando terminar o tratamento. Estou muito contente por estar aqui, são pessoas fantásticas, estão a fazer um excelente trabalho. Espero poder voltar a ensinar, fazer voluntariado e nunca mais beber…”

JORGE (NOME FICTÍCIO)

A arte e a agricultura

“Comecei a consumir ca-nábis com 14 anos de ida-de… as “drogas pesadas” vieram mais tarde. Eu era agricultor, plantava canábis e consumi esta substância

durante mais de 15 anos… Tinha a profissão de cozinheiro e de artes plásticas e pensava que podia usar o consumo da caná-bis em benefício do uso e efeito que as artes plásticas tinham em mim. Já deixei de consumir por diversas vezes, fiz muitas paragens no consumo, já estive em Inglaterra, num grupo de budistas e deixei de consumir todo o tipo de substâncias. Ago-ra, estou aqui porque comecei a consumir cocaína e fiquei com-pletamente agarrado. É uma droga terrível, deixa-nos comple-

tamente loucos e dependentes… se eu pudesse deixar uma mensagem aos jovens, dizia-lhes que a droga é um inferno que, depois de entrar, é muito difícil sair… Estou aqui há cinco meses e quero dizer que me sinto muito bem e feliz. As douto-ras são impecáveis, ajudam-nos muito e nós temos de aprovei-tar esta oportunidade. Já cá estive há 3 anos atrás, recaí e vol-tei. Hoje, a clínica está muito melhor, muito bem organizada, com muitos trabalhos ocupacionais, visitas, passeios, idas à praia, sou muito grato a esta gente, gosto muito deles e espero saber aproveitar o que aqui aprendi… Quero ter uma vida nor-mal, quero voltar para a minha namorada e reviver uma nova

história da minha vida”.

MARIBEL (NOME FICTÍCIO)

A encantada princesa

Ela é a cara linda, a sim-patia do grupo. Apesar da gravidade da doença, está sempre sorridente. Apesar de uma vida sofrida, sente--se que tem um grande cora-ção que a doença não con-

some… ninguém fica indiferente ao sofrimento interior da “prin-cesa encantada”, mãe de dois filhos, consumidora de erva e, mais tarde, cocaína. Entre cada pergunta, uma única e rápida resposta… Ficámos a saber que a distância percorrida entre o início dos consumos, a dependência e as consequências físi-cas e psicológicas destruiu completamente a vida de uma jo-vem que não foi capaz de fazer a escolha acertada. ”Esta é a minha família, tratam-me muito bem, dão-me carinho e apoio”, disse a princesinha. “Não sei se um dia sairei daqui mas não quero ir para a rua, não tenho casa mas gostava de ir viver para um apartamento mas o que recebo da minha reforma não che-ga… Por isso não sei nada. Aqui sempre tenho amigos, pas-seio, vou até a praia, faço artesanato, trabalhos manuais…sou muito feliz aqui!” Mas um dia vais ter de sair da clínica, adverti-mos… “Não sei, não quero!”

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26 JOÃO MARQUES DIRECTOR CLINICO DA CLÍNICA DO OUTEIRO “Se existissem estruturas que dessem continuidade a todo este trabalho, estaríamos perante a solução ideal”

Estamos numa unidade de saúde que acolhe um conjunto de doentes com graves patologias associadas… Que doen-tes são estes? São doentes devido à dependência ou à outra patologia, designada como comorbilidade?João Marques - Essa é uma excelente questão e poderia origi-

nar discussões de horas, em que poderíamos recorrer a conceitos como o de comorbilidade, duplo diagnóstico, patologia dual… Mas a realidade é olharmos para o que temos e, em concreto, estamos pe-rante dependentes de substâncias com doença mental grave conco-mitante. Esta é a nossa nova realidade e são os doentes que aqui te-mos. Prefiro este conceito mais simples…

Esse conceito mais simples não invalida que esta população apresente um quadro gravíssimo e represente dificuldades relativamente ao tratamento…João Marques - Sem dúvida! De facto, esta é uma população

muito particular porque tem, em concreto, um problema de depen-dência de uma substância e, em associação, uma doença mental grave. Em termos de palavras, até parece simples mas, na prática, não o é. Temos a repercussão marcada de uma história de consumos e da doença mental em si e, quando falamos em doença mental, re-ferimo-nos em concreto a esquizofrenias, psicoses crónicas, psico-ses tóxicas que se tornam posteriormente em psicoses funcionais, perturbações afectivas, doenças bipolares de longa data, com uma grande associação aos consumos e uma deterioração muito marca-da, não apenas pelo consumo nem apenas pela doença. A deteriora-ção é causada quer pela substância, quer pela doença mental em si. É quase um doente único. E isto não é fácil. É um paradigma diferen-te. Ao longo da nossa formação, isto não nos chega desta forma. Chega-nos tudo muito compartimentado e diferenciado, até mesmo no que concerne depois às abordagens terapêuticas. Mas isto leva a

uma mudança total do paradigma: primeiro, olhar de forma diferente e, depois, pensar como abordar.

Mas é ou não um doente toxicodependente?João Marques - É um doente que tem dependência de substân-

cias, sem dúvida nenhuma!

Durante esta visita, vimos um conjunto de pessoas que, face aos seus problemas de saúde mental, facilmente se distin-guem dos “outros” toxicodependentes, evidenciando pos-turas e comportamentos diferenciados… Na verdade, o que os distingue?João Marques - O que distingue este doente dos outros é a

sua história. Temos doentes com uma longa história de consu-mos que, a certa altura, apresentam sintomas de doença. E aqui é muito difícil definirmos o que começou primeiro. Grande parte, começou com consumos por volta dos 12 aos 14 anos de idade e, mais tarde, desenvolveu uma esquizofrenia. Sabemos que os sintomas da esquizofrenia só dão início no final da ado-lescência e no início da vida adulta… Portanto, fica um pouco difícil de perceber se tudo começou pelo consumo ou se, inde-pendentemente do consumo, o doente já desenvolvia uma es-quizofrenia. O que implica que, quando vamos acompanhar a evolução deste doente, vamos ter o processo da sua doença e a história do seu consumo de substâncias, que é diferente da história de consumo de um só dependente, sem doença mental grave.

Em muitos planos terapêuticos para o tratamento da toxi-codependência, afirma-se a questão temporal, garantindo--se resultados a três, seis ou oito meses… Enquanto clínico, consegue assegurar a “cura” de um doente num horizonte temporal tão curto ou estaremos a falar de doentes crónicos com difícil recuperação?João Marques - Sem dúvida que estamos a falar de doentes

com uma longa história de doença e que toda e qualquer abordagem não pode ser vista de uma forma limitada no tempo. Até porque a abordagem aqui, contrariamente à de há um tempo atrás, que se centrava apenas na substância, tem que ser multidisciplinar. Temos que delinear um programa em que interessa a questão do consumo e da abstinência mas também a incapacidade e a perda das capaci-dades daquele doente e implementar no programa a questão da tera-pia ocupacional, da parte social e familiar do doente, a sua deteriora-ção neuro-cognitiva… É um programa muito complexo, que versa to-

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27das estas áreas em conjunto e ao mesmo tempo. Por isso, nunca de-verá pressupor um tempo curto.

E após o tratamento… não beneficiando esta população de retaguarda familiar, o que lhe acontece?João Marques - Essa é uma questão muito bem colocada e

difícil de responder… Começa pelo que é feito aqui, que me faz todo o sentido, que consiste em pegar neste doente tão particu-lar e tentar abordar todas estas áreas, minorar os seus défices e dar-lhe cada vez mais capacidades para o que vem depois. E o que vem depois não começa no fim do programa terapêutico mas dentro do mesmo. Isto é ponderar a sua reinserção. É ver como o doente era antes de entrar aqui, como evoluiu, que capacidades e aptidões foi conseguindo adquirir e que estruturas teremos lá fora para podermos dar continuidade a todo o trabalho feito. Outra questão é que estruturas temos lá fora… De qualquer forma, todo o trabalho realizado tem que ter um objectivo e, neste caso, será promover ao máximo a capacidade deste doente para que se tor-ne o mais activo possível dentro da sua realidade. Em suma, opti-mizar as suas capacidades perdidas, de forma a que consiga, dentro de uma realidade adaptada, conviver ou viver o melhor possível. E a verdade é que os ganhos que conseguimos com eles é muito significativo. A solução não será esperar pelo fim mas en-contrar realidades mais adequadas à optimização das capacida-des prévias destes doentes. Claro que se existissem estruturas que dessem continuidade a todo este trabalho, estaríamos pe-rante a solução ideal.

Na sua perspectiva, que respostas seriam então necessá-rias?João Marques - Numa perspectiva muito pessoal, o ideal seria

podermos ter cuidados continuados nesta área. Faria todo o sentido, quer a possibilidade de prolongarmos a continuidade a um programa terapêutico, necessariamente limitado no tempo nestes contextos. E os cuidados continuados implicam ainda outras estruturas associa-das, que dariam suporte e apoio.

MARTA MONTEIRO E CATARINA TEIXEIRA, EQUIPA TÉCNICA DA CLÍNICA DO OUTEIRO

Partindo da componente clí-nica para a ocupacional com que servem cada doente, como se processa esta abor-dagem?

Marta Monteiro e Catari-na Teixeira - Não devemos

abordar as duas perspectivas de forma isolada… Temos que ser cada vez mais uma rede e trabalhar em equipa. Tem que coexistir o contributo de várias áreas para definirmos os objectivos de cada utente, constatarmos as suas potencialidades e perceber o que poderemos fazer por ele. Por outro lado, tal como o tratamento não é igual para todos, até porque cada um tem um plano especí-fico, também a abordagem que temos no seio de cada actividade é individualizada.

Nalgumas actividades, foi possível vermos alguns utentes a caminharem, a abraçarem-se, a transmitir afectos… Qual é o objectivo?Marta Monteiro e Catarina Teixeira - Estará certamente a referir-se

à sessão de movimento, uma actividade terapêutica cujo grande objecti-vo consiste em potenciar a vertente mais motora, contrariando o caracte-rístico sedentarismo. Basicamente, trata-se da transmissão de um estí-mulo da vertente física e das práticas saudáveis. Paralelamente, traba-lhamos as questões da interacção, da união e da comunicação, promo-vendo uma aproximação e o sentido de pertença a um grupo.

A expressão artística foi outra manifestação evidenciada pe-los vossos utentes… Existe alguma explicação que sustente o facto de esta vertente integrar o plano terapêutico?Marta Monteiro e Catarina Teixeira - Essa actividade integra o

atelier de trabalhos manuais e entendo que o facto de irmos ao en-contro dos interesses dos utentes, dando a oportunidade de experi-mentarem materiais e de verem um objecto do seu trabalho no final, proporciona-lhes um sentimento de realização pessoal, de contributo para a comunidade, de satisfação e de motivação acrescida. O mais importante nem é o produto final mas que sintam que estão a fazer algo que faz sentido para eles.

Como estruturam o trabalho ao nível da prevenção da recaída?Marta Monteiro e Catarina Teixeira - A prevenção da recaída

são actividades orientadas por psicólogos, pode ser feita em contexto individual ou em contexto de grupo. O principal objectivo destas acti-vidades é ensinar os utentes que estão em tratamento a identificar, antecipar e lidar com as pressões e problemas que podem levar a uma recaída. De acordo com a sua história de vida, procuramos que reflictam sobre os danos e consequências que o consumo teve mas também fortalecer o autoconhecimento como forma de antecipar o que poderá acontecer nas suas vidas.

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28Centro Social de Soutelo promove 2.º Encontro do PRI de Rio Tinto:

Um PRI que se iniciou numa freguesia e já é concelhio…

A iniciativa decorreu no dia 7 de Junho e contou com um vasto painel de convidados, que debateram o futuro das respostas integradas nos territórios identificados como prioritários no âmbito do PRI de Rio Tinto.

“As experiências de uma equipa de rua”; “O poder local das respostas integradas no território”; “O retra-to de reinserção no Rio de Janeiro”; “O papel das par-cerias num programa de respostas integradas” foram temas que subordinaram a realização de quatro mesas durante o dia, ao que se seguiu a apresentação do Pro-grama de Respostas Integradas do Eixo da Reinserção e da Redução de Riscos e Minimização de Danos.

O PRI de Rio Tinto engloba estes dois eixos e o trabalho desenvolvido pela reinserção, que visa a in-tegração da população-alvo ao nível familiar, social, económico e cultural.

O 2.º Encontro do PRI contou ainda com anima-ção da Oficina de Voz do PRI, Oficina de Teatro do PRI e Orquestra Som de Rua.

Dependências esteve presente no encontro e en-trevistou a Coordenadora, Lúcia Soares…

LÚCIA SOARES, COORDENADORA DO PRI DE RIO TINTO

“A arte consegue transpor sentimentos”

Que evolução constatou entre a primeira e a segunda fase do PRI de Rio Tinto?Lúcia Soares (LS) – No que concerne ao programa de hoje, ten-

támos envolver muito mais as parcerias. Essa foi precisamente uma das etapas que tínhamos colocado, uma vez que o primeiro PRI esta-va mais vocacionado dar a conhecer à comunidade em geral e aos parceiros, o que se fez desde que surgimos no território. Neste segun-do encontro do PRI, pretendíamos envolver os parceiros, fazê-los per-ceber a importância que representam para o Programa de Respostas Integradas e, para além das autarquias, que já estão envolvidas, inte-grar esta vertente da música, da arte, do teatro, das emoções.

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O que considera necessário mudar face a todo este per-curso e trabalho?LS – Creio que devemos continuar a trabalhar cada vez mais

porque a necessidade continua a existir. Na sua apresentação, a Isabel afirmou que em Rio Tinto, onde iniciámos a nossa interven-ção, em comissão social de freguesia, o problema das dependên-cias ilícitas passou para quarto lugar, o que é fruto de um investi-mento e de um trabalho de muitos anos. Não quer dizer que não continue a representar um problema, porque existe e a prova dis-so reside nos números de utentes que continuamos a atender e os que temos nos nossos grupos. E estamos a tentar alargar a inter-venção a outras freguesias…

O que faz a música e o teatro numa equipa de rua?LS – A música tem feito parte desta equipa há já oito anos com a or-

questra Som da Rua e tem tido um impacto fantástico ao longo destes anos. Para além dessa primeira experiencia, tive o privilégio de estar tan-to no coro como no teatro e de testemunhar todo o empenho e emoção que as pessoas dedicaram ao fazerem de raiz a música do PRI; no tea-tro, todas as histórias que estão ali são reais, as suas histórias de vida, a projeção das fotografias, o pano branco acompanhado pela música dos fantasmas do Pedro Abrunhosa, até à elevação da pessoa, a construção conjunta do tapete do PRI, acabando com o Boss AC, com um abraço…Tudo teve uma ligação…Foi um momento intenso, muito poderoso para todos. Começamos a ver que, através da arte, chegámos muitas vezes mais perto das pessoas, que acabam por sentir-se mais à vontade. Saí-mos de um contexto apenas formal, de gabinete ou até do contacto de rua para algo que mexe com as emoções. Foi sem dúvida um momento desbloqueador de grande impacto emocional tanto para nós como os utentes. Foi sem sombra de dúvida dois momentos muito marcantes, tanto o coro como o teatro. A minha grande conclusão é de que a arte consegue transpor sentimentos que muitas vezes o trabalho mais con-vencional não consegue.

Pelo que ouvimos hoje, esta é uma equipa de rua que não se limita a distribuir metadona ou seringas… Porquê esta dife-rença?

LS – Desde logo, porque não temos que ser apenas um ponto de distribuição de algo. E começo logo pela essência: se é criado um PRI a partir do Plano Operacional de Respostas Integradas, isto tem que pressupor proximidade, uma ligação às pessoas, o objectivo é a proximidade, é o chegar lá onde as estruturas mais pesadas do Estado não conseguem. Nós somos uma equipa de rua, não somos uma equipa apenas de gabinete. Vamos de encon-tro às pessoas e seria impensável, face às competências pessoais de cada um de nós, resumirmos o nosso trabalho à distribuição de algo. Para além disso é uma equipa muito especial da qual me or-gulho muito.

Trata-se do PRI de Rio Tinto mas estiveram aqui presentes todas as freguesias do concelho de Gondomar…LS – Sem dúvida. PRI de Rio Tinto porque foi onde começou a in-

tervenção, que logo se alargou, ao ponto de ter deixado de ser apenas o PRI de Rio Tinto… E se futuramente existir uma candidatura já será o PRI de Gondomar, o que faz todo o sentido ao fim de tantos anos. Além disso, o trabalho desenvolvido nesta freguesia abriu a porta para a necessidade de respostas também em outras freguesias.

Quais são os desafios para o futuro?LS – Primeiro temos que pensar na abertura das candidaturas

pois sem ela é impossível dar continuidade a este trabalho. O trabalho desenvolvido nesta candidatura tem por base o responder das neces-sidades do território. Necessidades estas que se depararam com um grupo alvo bastante complexo que são os indivíduos com problemas ligados ao consumo de álcool. Este grupo exige uma planificação bas-tante estruturada e que não são em dois anos de projecto que se al-cançam os objectivos propostos. Este será um grande desafio a mé-dio e longo prazo. No que diz respeito aos consumidores de substân-cias ilícitas o trabalho desenvolvido até agora deverá ser mantido. Tra-ta-se de uma população mais envelhecida cada vez mais associados à sua patologia, problemas orgânicos que exigem uma vigilância e seguimento cada vez mais próximos. O outro desafio será alargar para o eixo da prevenção a nossa intervenção, uma vez que os jovens surgem como o grupo alvo com maior necessidade de intervenção em várias freguesias do concelho.

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30Entrevista com Indalécio Carrera e Carlos Vasconcelos, no VII Congresso Nacional de Patologia Dual:

Metadona e Suboxone: Dual(idades) em debate…

A Associação Portuguesa de Patologia Dual - APPD, organizou, nos dias 22 e 23 de Junho, o VII Congresso Nacional de Patologia Dual. Durante dois dias, cerca de 300 médicos psiquiatras, outros médicos, enfermeiros, psicólogos, assistentes sociais, professores, familiares e doentes, tiveram a oportunidade de reflectir e discutir problemas de alto impacto na vida social e no bem-estar da população, enriquecendo os profissionais, melhorando o conhecimento e capacidade crítica, com-batendo o estigma associado a estes quadros clínicos. Aproveitando a presença no evento, Dependências entrevistou Indalécio Carrera e Carlos Vasconcelos…

Comecemos por abordar um tema, que corresponde a uma

tradicional questão: quando se administra um opiáceo num trata-mento de substituição, está a recorrer-se a uma droga ou a um medicamento?

Indalécio Carrera (IC) – Na minha opinião, a questão é clara: fala-mos de doentes, portanto, falamos de medicamentos. Se calhar, afina-mos mais o conceito se falarmos de terapias de manutenção com me-dicação opióide, seja ela a metadona ou o Suboxone, para falar do que temos disponível em Espanha, onde nos últimos tempos temos sido deparados com uma maré de gente para iniciar este tipo de tratamento, sendo doentes que procediam de unidades da dor e dos cuidados pri-mários com dependência de medicação opioide para a dor, sobretudo o Fentanil, extremamente difícil de controlar. Nesse aspecto, o Suboxone apresenta muitas mais vantagens porque, depois de estabilizados os utentes em metadona, são passados para Suboxone e assim se procu-ra uma saída para a sua incorporação social, evitando-se a cronificação do problema e favorecendo a normalização do estilo de vida dos uten-tes ao não ter que ir aos CRI, com a conseguinte estigmatização social, podendo recolher o seu medicamento em qualquer farmácia.

Citando Miguel Casas, um psiquiatra com larga experiência nesta área, que afirmava que algo que o perturbava era estar ainda hoje a prescrever um medicamento do tempo do nazis-mo, a metadona, pergunto-lhes o que pensam sobre esta op-ção? Carlos Vasconcelos (CV) – Na realidade, a metadona nunca

teve uma grande utilização no tempo do nazismo… Os alemães têm um trabalho de investigação a nível dos opióides que começa no sé-culo XIX e se prolonga no século XX. Curiosamente também desco-briram a heroína. Na prática quem desenvolveu a metadona foi os americanos, pois quando ocuparam a IG Farben (a mesma empresa que desenvolveu o Zyklon B, usado nas câmaras de gás), descobri-ram os planos e patente da metadona, que levaram para os EUA e alguns anos mais tarde lançaram com o nome de Dolophine, pelo Laboratório Lilly, como um medicamento para a dor. A metadona tem inegáveis vantagens pois é bem absorvida por via oral, em contraste por exemplo com a morfina; o tempo de semivida de 24 a 36 horas, permite uma toma diária, embora quando usada como analgésico implique duas a três tomas. A metadona teve um percurso ao longo

dos anos, havendo alguns estudos clínicos em dependentes de he-roína. Mas só com Dr. Vincent Dole e Dr.ª Marie Nyswander no final dos anos 60 do século passado ficou demonstrada a sua utilidade clínica em programas de manutenção de longa duração para heroi-nodependentes. O Dr. Vincent Dole, que era internista, teve um pa-pel muito corajoso, numa altura em que a maior parte dos investiga-dores correu o risco de prisão pelo DEA dos EUA, que considerava que a questão da dependência era um problema da vontade, que as pessoas se podiam curar pela via do reforço da vontade e que a me-tadona era uma droga igual à heroína. Nós sabemos que quando baseamos os nossos tratamentos nas desintoxicações e abstinên-cia, temos doentes a recair sucessivamente. A metadona permite parar com esse processo. Quanto à questão de a metadona ser um medicamento, as novidades em termos da compreensão biológica do fenómeno da adição à heroína, dizem-nos que existe também um problema do cérebro. E hoje, começamos a entender que para além das causas psicossociais, a adicção à heroína é uma doença do cé-rebro crónica e recidivante. A metadona ajuda a regular todos aque-les circuitos que acabam por ficar desregulados com o uso intensivo da heroína e das outras drogas. Hoje, sabemos que tratamentos muito curtos não têm grande impacto ao nível do equilíbrio do cére-bro. Têm que ser tratamentos mais longos pois esses são os mais eficazes. Gostava de acrescentar, a talhe de foice, que este ano se completam 40 anos de experiência clínica em Portugal com progra-mas de manutenção opióide com metadona.

IC – Não acho justo que se pretenda “demonizar” um medicamen-to como a metadona, que não esqueçamos contribui a estabilizar aque-la pandemia do HIV/SIDA nos anos oitenta-noventa do século passado e portanto a salvar muitas vidas e continua a faze-lo hoje em dia.

Ontem integraram uma mesa que versou as boas práticas dos modelos de substituição… Em que medida poderá estar implí-cita na opção por esta discussão a existência de más práticas nestes tipos de modelos? IC – Uma das coisas que comentámos, mesmo para além da dis-

cussão nessa mesa, foi o facto de estarmos demasiadamente fixados em termos como “alto e baixo limiar” e esquecermos que tratamos pes-soas, tratamos doentes… E cada doente é diferente, pelo que isso não funciona de forma tão restrita… Há gente que está em baixo limiar mas que pode perfeitamente estar, num curto período de tempo, noutro li-miar, portanto, a nossa orientação tem que ser sempre o doente e as suas necessidades.

CV – Sim, diria que se trata de uma espécie de armadilha mental, sobre a qual criamos um esquema de tratamento, que tem algumas im-plicações do ponto de vista prático e criamos uma tipologia específica de utente que, na realidade percebemos que não existe. Eu sigo uten-tes numa unidade móvel, alguns dos quais acabam por ter mais acom-panhamento do ponto de vista médico, psicológico e social (e que estão abstinentes) do que muitos outros que já não estão com necessidade

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tão grande de acompanhamento e que estão com uma dose estabiliza-da de metadona, os quais vejo três a quatro vezes por ano.

IC – O programa de metadona não pode resumir-se, à troca da pro-cura da heroína não sei onde, pela procura de metadona num ponto fixo, administrada por pessoal da saúde. Um programa de manutenção não é isso. Compreende um conjunto de intervenções baseadas nas necessidades “bio-psico-sociais” diagnosticadas na pessoa afetada por esta doença cerebral que é a adição/dependência. A metadona é apenas uma parte, tal como a insulina para a diabetes.

Em que medida continuará a metadona a ser o medicamento dos pobres, como durante muito tempo sucedeu com os por-to-riquenhos nos EUA? CV – Não. Nós ainda não conseguimos, do ponto de vista científi-

co, criar critérios suficientemente válidos que nos permitam saber a priori que a metadona é mais indicada no doente a ou b. Agora, se ana-lisarmos o nosso grupo de utentes, constatamos que estão presentes todas as classes sociais, alguns deles até com profissões bastante so-fisticadas. Como temos os outros, que estão sem abrigo, não têm tra-balho e que se encontram numa situação muito precária do ponto de vista da saúde.

IC – A experiência na Galiza reflecte que, para um utente entrar num programa com Suboxone com cobertura da Segurança Social, deve passar previamente pela metadona (o que eu coloquialmente de-nomino como “evidência administrativa” que não científica, mas ás ve-zes mais contundente). Essa visão da metadona para os pobres e do Suboxone para os ricos tem a ver com a comparticipação da Seguran-ça Social para este medicamento. Num estudo realizado na rede gale-ga de adições com um grupo de pacientes onde se comparavam vanta-gens/desvantagens entre metadona e Suboxone, publicado á cerca de um ano na revista Heroin Addiction…, a principal e única vantagem que concluímos resultar do tratamento com metadona, tinha precisamente a ver com a condição de gratuitidade da mesma. E durante esse estu-do, houve quatro utentes que tiveram que reverter para a metadona por insuficiência financeira…

Qual é a real diferença entre a metadona e a buprenorfina? CV – A diferença que encontro é entre o agonismo total sobre o re-

ceptor µ, caso da metadona e o agonismo parcial no caso da buprenor-fina. A buprenorfina tem também um efeito antagonista κ, útil no trata-mento da depressão. Iremos conhecer outros medicamentos mais efi-cazes para a adicção (como por exemplo as vacinas). Penso que, na fase actual, a metadona não é substituível na totalidade dos utentes pela buprenorfina e que o inverso também é verdadeiro.

IC – Continuaremos a ter doentes para a metadona e para a bupre-norfina, para a naloxona ou para o suboxone… O problema que me é

colocado, ao nível da prática atinge até uma dimensão ética. Não é um problema clínico. Muitas vezes, os profissionais sabemos que determi-nada pessoa seria mais indicada para Suboxone, mas não lho posso oferecer porque não há dinheiro. Isto nem é justo nem ético! Se houves-se equilíbrio na comparticipação, provavelmente, chegaríamos aos in-dicadores franceses, em que existem tantos doentes a serem tratados com metadona como com suboxone. Agora, aqui, tens muito mais me-tadona do que suboxone por mero critério económico, não clínico.

Existirão que têm apenas uma patologia, catalogada pelo seu consumo, ou terão forçosamente que ser condenados a uma segunda doença? IC – A única mais-valia que vejo no termo patologia dual, “inventa-

da” pelo Dr. Miguel Casas, revejo-a na justificação que o próprio lhe dava, quando afirmava que esta não seria mais do que uma espécie de rede para puxar os doentes para o campo da rede sanitária normaliza-da de saúde mental. E pretendendo que, depois, a patologia dual se ex-tinga como vocábulo… Ou seja, o problema das drogas é um, depois pode coexistir um problema depressivo ou psicótico, ou qualquer outra comorbilidade psiquiátrica conformado a categoria nosológica de pato-logia dual.

CV – Por essa via, o doente com hepatite C ou com Sida também é dual…

IC – Sim e por vezes o que estamos a falar é geralmente de pato-logias plurais e isso é que faz sentido, mas o “gancho” da designação patologia dual, consiste em conseguir aproximar estes doentes estig-matizados para um ambiente socio-sanitário mais normativo.

Quando falamos de terapêuticas de substituição, referimo--nos, até ao momento, a uma substância, a heroína… CV – Sim, para já… Mas é pensável que, por exemplo, ao nível dos

dependentes de canabinóides, possa também existir um dia uma tera-pia desse tipo, de manutenção.

IC – Lembremo-nos de uma coisa: a raiz do problema não é ape-nas a heroína. O último paciente que inseri no programa em que traba-lho foi uma pessoa que veio da unidade da dor de um hospital, que tra-zia sete opióides para a dor, dentro de um corolário de mais de 20 me-dicamentos… Cinco fentanilos… Os programas de manutenção tam-bém vão ser resposta para estas novas dependências, que estamos a criar com esta facilidade de receitar medicação opioide para tratamento da dor.

CV – Eu vou abordar no Lisbon Addictions, o fenómeno que afecta maioritariamente uma população de terceira idade com dor crónica, à qual foi induzida dependência opióide através do tratamento com opioi-des fortes e que, depois, tem de ser tratada com metadona ou com bu-prenorfina.

INDALÉCIO CARRERA

“A nossa orientação tem que ser o doente”

CARLOS VASCONCELOS

“Tratamentos muito curtos não têm grande impacto ao nível do equilíbrio do cérebro”

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32Semana Digestiva 2017:

Gastrenterologia portuguesa no topo do mundo

Cerca de 600 profissionais essencialmente afectos à área da Gastrenterologia e Hepatologia assistiram, em Albufeira, no Palá-cio de Congressos do Algarve, entre os dias 7 e 10 de Junho, à Semana Digestiva 2017, um congresso que marca a agenda na-cional no que respeita ao panorama científico.

Sendo este o grande fórum da Gastrenterologia portuguesa, resulta de uma organização conjunta entre a Sociedade Portugue-sa de Gastrenterologia (SPG), Sociedade Portuguesa de Endos-copia Digestiva (SPED), Associação Portuguesa para o Estudo do Fígado (APEF) e as Secções Especializadas da SPG (Núcleo de Neurogastrenterologia e Motilidade Digestiva, Clube Português do Pâncreas, Grupo de Estudos Português do Intestino Delgado e Grupo Português de Ultrassons em Gastrenterologia).

Entre os temas abordados ao longo do evento, destacaram-se os tumores digestivos, a hipertensão portal de causa não cirrótica, as vantagens associadas ao tratamento das doenças hepáticas, a doença inflamatória intestinal, a doença de refluxo e a abordagem do nódulo sólido do pâncreas. Foi ainda possível assistir a ses-sões dedicadas às publicações da Gastrenterologia portuguesa no estrangeiro, às experiências de formação e trabalho de colegas em centros de outros países.

O Curso Pós-Graduado foi este ano organizado pela SPED, subordinando-se ao tema da Imagem em Endoscopia. Teve tam-bém lugar a reunião anual da “Associação Portuguesa de Enfer-meiros de Endoscopia e Gastrenterologia – APEEGAST e um Cur-so de Actualização para Médicos da Medicina Geral e Familiar.

Dependências esteve presente no evento e recolheu os de-poimentos do Secretário de Estado da Saúde, Manuel Delgado e de Rui Tato Marinho, gastroenterologista e hepatologista do Hos-pital Santa Maria.

MANUEL DELGADO, SECR ETÁRIO DE ESTADO DA SAÚDE

“Hoje temos mais 700 mil portugueses com médico de família”

“É com muita honra que, em nome do Sr. Ministro da Saúde, me associo a esta Semana Digestiva, um fórum médico de vital importância para a formação médica, neste caso na área gas-troenterológica. O número de participantes, o volume e diversida-de das comunicações e o prestígio dos intervenientes auguram, com certeza, umas jornadas de elevado conteúdo científico e sen-tido prático para a profissão e, sobretudo, para a prática clínica portuguesa nesta área. Os meus parabéns por isso a todos, parti-cipantes e organizadores.

O país vive hoje, depois de um ciclo governativo de empobre-cimento, um período de optimismo e esperança generalizados, graças aos resultados económicos que temos vindo paulatina-mente a consolidar. Fim do procedimento por défice excessivo, re-cuperação de salários, mais emprego, crescimento ímpar do PIB, o maior da democracia portuguesa, controle rigoroso do défice pú-

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33blico e confiança robusta por parte de todos os agentes económi-cos. Esta trajectória de crescimento económico e de consolidação das contas públicas exige de todos nós uma postura responsável que evite o deslumbramento fácil, que nos conduza, infelizmente, a curto prazo, a uma nova crise e a um novo ciclo de ajustamento.

No sector da saúde e em particular no SNS, o percurso tem sido similar. Gostaria de dizer que, de 2010 a 2014, na governação ante-rior, o orçamento inicial do SNS desceu sucessivamente até um valor comparativo inferior a mil milhões de euros por ano. Mil milhões de euros a menos, no ministério da saúde, em cada ano! Em 2012, tal-vez por força disso, o governo anterior fez um reforço extraordinário de regularização de dívidas na ordem dos 2,1 mil milhões de euros… Claro que isto resolveu momentaneamente o problema em 2012 mas, quando tomámos posse no fim de 2015, a dívida já ia outra vez nos 400 milhões de euros a fornecedores. Só a partir de 2015 e já com este governo, nos anos de 2016 e de 2017, o orçamento para o SNS retomou uma trajectória de crescimento, ainda que de forma discreta, na casa dos 200 milhões de euros a mais, em média, por ano. Podemos dizer que o actual governo encontrou, em finais de 2015, um ajustamento, passe o eufemismo, que representou um cor-te equivalente a 12 por cento dos valores inscritos no orçamento de 2010… São menos recursos para responder a mais doentes, um per-fil epidemiológico mais severo, uma população extremamente enve-lhecida e um desafio tecnológico e de inovação permanentes. Entrá-mos, por isto, numa situação crítica, traduzida pela falta frequente de meios humanos e materiais em diversos pontos do país, com situa-ções dramáticas, de ausência de acesso de muitos cidadãos a cuida-dos de saúde necessários, o que transtornou a vida de muitos profis-sionais e doentes.

Começámos a inverter esta situação, ainda que limitados por recursos financeiros escassos. Em 2016, as despesas com o pes-soal do SNS subiram 5 por cento face a 2015, correspondendo a um valor global de despesa na ordem dos 43 por cento. O número de médicos aumentou em 2016 em cerca de mil e mais cerca de 1700 em 2017, num acréscimo total próximo dos 2700 médicos re-lativamente a 2015.

Os gastos públicos com meios complementares de diagnósti-co e terapêutica realizados em entidades subcontratadas e con-vencionadas é hoje muito idêntico aos gastos com medicamentos hospitalares e medicamentos vendidos em farmácias. Ou seja, cada uma destas três rubricas representa um custo anual para os portugueses na casa de 1300 milhões de euros. E os meios com-plementares cresceram 7 por cento em 2016 e estão a crescer de uma forma alarmante em 2017. Concretamente na endoscopia gastroenterológica, realizada em entidades convencionadas, a despesa saltou de 11,5 milhões de euros em 2012 para 44 mi-lhões de euros em 2016 e o crescimento brutal em 2017, na casa dos 16 por cento, é dos primeiros quatro meses…

Este conjunto de despesas representa o esforço significativo do SNS para dar resposta às necessidades dos doentes e às necessidades técnicas dos serviços. No caso dos médicos, este esforço foi adicionado com a reposição do valor das horas extraordinárias que, a partir de 1 de Dezembro deste ano, serão 100 por cento repostas. A criação da figura do descanso compensatório remunerado, os incentivos para atrairmos médicos que se disponibilizem a fixar-se nas zonas carenciadas do país, a contratação de médicos aposentados e ainda o trabalho médico pres-tado por empresas de trabalho temporário… Gostaria de abrir aqui um parêntesis para responder directamente a algo que o Sr. Bastonário da Ordem dos Médicos referiu e que está a fazer um caminho de mentiras

e falsidades: os 35 por cento a que se referiu não representa cortes na despesa com pessoal mas cortes na despesa de trabalho temporário face a um despacho que permite pagarmos mais pelo número de horas extraordinárias e, com isso, incentivar que os médicos façam horas ex-traordinárias e simultaneamente dispensar o trabalho de empresas de trabalho temporário. Gostava que ficasse claro que o que está aqui em causa é que o corte de 35 por cento é exclusivamente no trabalho de empresas de trabalho temporário que, temos todos que concordar, não é o que queremos no SNS.

Aumentámos, em 2016 e agora em 2017, todas as linhas de ac-tividade clínica do SNS: as consultas, as cirurgias, os internamentos, os hospitais de dia, etc. Felizmente, em 2017, conseguimos reduzir o número de urgências, uma tendência que nos agrada porque é con-sistente, na casa dos 6 por cento, o que revela que o SNS está a me-lhorar nas respostas a montante e nas respostas programadas. Refi-ra-se, a propósito, que o facto de hoje termos mais 700 mil portugue-ses com médico de família poderá justificar, em parte, esta redução da procura de serviços de urgência.

Claro que, sabemos todos, há ainda muitas coisas para fazer nas estruturas, nos recursos, na organização e nos investimentos. Gostava de fazer uma nota sobre a questão dos investimentos: encontrámos um SNS exaurido em termos de equipamentos. Mui-tos não foram substituídos no momento próprio de vida e novos não foram adquiridos quando eram necessários. Estamos também nesta matéria a fazer um esforço hercúleo para conseguirmos cumprir a missão de modernizar o SNS.

Temos, evidentemente, muitos players do sector, desde profis-sionais à indústria farmacêutica e outras indústrias insatisfeitos… Os fornecedores de bens e serviços porque temos acumulado pa-gamentos em atraso e os profissionais, que viram crescer as suas expectativas e a sua esperança com este governo.

Queria reconhecer publicamente o contributo dos médicos portugueses, decisivo e essencial para a recuperação do SNS e para a actualização permanente da prática clínica e dos sucessos obtidos junto dos doentes. Queria também reafirmar que o nosso caminho é melhorar paulatinamente e à medida que as condições económicas o vão permitindo o estatuto profissional dos médicos e das outras profissões de saúde, definindo prioridades com a sensatez necessária. Precisamos por isso também contar com a disponibilidade e colaboração dos diferentes agentes do sector, profissionais, indústria, avaliadores, etc., criticando naturalmente quando é preciso, reconhecendo os avanços conseguidos e con-tribuindo com propostas e soluções que permitam aperfeiçoar as respostas, as competências e a qualidade dos nossos serviços.

Do lado do Governo, podem contar sempre com uma atitude de abertura, em que o diálogo e o trabalho serão alicerces funda-mentais para reconstruirmos um SNS próspero e moderno e que vá a par das expectativas e do orgulho dos nossos cidadãos”.

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34O que traz esta Semana Digestiva de positivo para o panorama da formação contínua dos médicos em Por-tugal?

Manuel Delgado (MD) – Eu acho que estamos numa área particularmente relevante para a saúde pública por-que a componente digestiva tem muito a ver com a com-ponente de comportamento e de atitude das pessoas pe-rante a vida, designadamente os seus hábitos alimenta-res. E todos sabemos que as consequências de uma má prática alimentar podem ter um impacto grande na saúde mais gastroenterológica. Portanto, estes profissionais da gastroenterologia são extremamente importantes para a vida das pessoas; em segundo lugar, é uma área com grandes avanços tecnológicos, quer no domínio do diag-nóstico, quer das terapêuticas e, como tal, é uma área em que a inovação e o conhecimento estão sempre a evoluir. Aliás, um dos tópicos destas jornadas é precisamente a inovação e penso que é sempre importante, até para dis-seminar o conhecimento novo, fazer fóruns desta nature-za, para que os mais novos, os mais velhos e aqueles que trazem experiência e conhecimento de outros países con-sigam comunicar e fazer passar a mensagem do que se pratica melhor e aumentar, ao fim e ao cabo, o estado da arte dos profissionais portugueses. Independentemente da área clínica em causa, os médicos portugueses são de grande qualidade do ponto de vista do conhecimento e da formação. As universidades portuguesas formam muito bem os seus médicos e todos os médicos formados en-tram no SNS para fazer o seu ano comum. E não haverá muitos países no mundo com esta capacidade de interna-lizar os alunos saídos das universidades… A partir daí, existem as especialidades, cujas vagas abrimos de acor-do com a acreditação da Ordem dos Médicos, o que, te-mos que convir, representa um custo brutal para o SNS mas também traz um grande enriquecimento para a mo-dernização, para a actualização e a estabilidade da oferta de cuidados de saúde em Portugal.

Noutro âmbito em que também se intervém sobre ati-tudes e comportamentos, refiro-me concretamente à área dos comportamentos aditivos e das dependên-cias, já existirá alguma luz visível ao fundo do túnel no que concerne à definição de uma nova orgânica para o SICAD?

MD – Como é sabido, esse assunto é da responsabili-dade do Sr. Secretário Adjunto e da Saúde mas estamos a trabalhar nisso e penso que teremos novidades ainda este mês. Não tenho datas indicativas mas penso que estará para breve uma solução.

RUI TATO MARINHO, PRESIDENTE DA COMISSÃO ORGANIZADORA

“Sabemos que é muito difícil mudar comporta-mentos”

Na sua comunicação, sobressaíram alguns indicadores preo-cupantes quanto à saúde dos portugueses nesta área…Rui Tato Marinho (RM) – Não são preocupantes… É uma realida-

de. Podemos melhorar alguns indicadores mas as pessoas têm que ter a noção que temos um sistema de saúde dos melhores da Europa, te-mos tecnologia, temos excelentes profissionais mas temos também que gerir melhor os recursos, que são finitos, tal como o dinheiro e as pessoas têm que adoptar melhores comportamentos em relação à saú-de… Mas sabemos que é muito difícil mudar comportamentos…

Que objectivos mediaram esta organização?RM – A organização obedece a dois objectivos: um deles prende-

-se com a vertente científica, divulgando trabalhos científicos que faze-mos durante o ano, as publicações e inovações, que são brutais em to-dos os campos da medicina e, depois, promover o intercâmbio. Muitas vezes, numa conversa de corredor, surgem projectos para o futuro, o que representa mais-valias para nós, profissionais e para as pessoas.

Também contam aqui com uma significativa presença de cole-gas de outros países…RM – Sim, temos pessoas de nove países, desde brasileiros a líde-

res europeus, temos Angola, Moçambique, Holanda, Espanha…

Como está vista no mundo a gastroenterologia portuguesa?RM – Acho que estamos no topo… Pode fazer sempre melhor e di-

ria que países como a Alemanha ou a Holanda estarão melhor organi-zados. De qualquer forma, somos 500 gastrenterologistas, temos exce-lentes aparelhos, técnicos e muitos portugueses nas estruturas euro-peias, alguns até dirigentes, onde se centra o método científico… Eu próprio faço parte da Assembleia Geral da União Europeia de Gas-troenterologia, somos o segundo país em número de trabalhos, a se-guir ao Japão e o primeiro em termos de trabalhos produzidos per capi-ta… Estamos muito bem mas, obviamente, queremos melhorar.

E quanto ao acesso dos portugueses aos cuidados de gas-troenterologia?RM – Queremos mais colonoscopias, queremos um melhor aces-

so… queremos ser mais bem geridos…

Que significado retira da presença do Secretário de Estado da Saúde neste evento?RM – Foi uma honra muito grande ter cá um dos dirigentes da saú-

de, o que mostra que estão atentos. Por outro lado, é uma forma de re-forçar a atenção em relação a esta especialidade. Quanto melhor traba-lharmos e contactarmos uns com outros melhor será para os portugue-ses, que contarão com melhores médicos, mais motivados e melhor formados. E nós precisamos de ser bem tratados.

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35II Ciclo Temático de Formação em Alcoologia da U.A. Coimbra:

Fígado e(m) álcoolRui Tato Marinho foi o profissional convidado pela Unidade de

Alcoologia de Coimbra para, no dia 19 de Junho, desenvolver nova acção de formação no âmbito do II Ciclo Temático de Forma-ção em Alcoologia que aquela entidade tem vindo a desenvolver ao longo do ano. “Fígado e(m) álcool foi o tema” que orientou a prelecção de Rui Tato Marinho, hepatologista do Hospital Santa Maria, em Lisboa, entrevistado por Dependências…

RUI TATO MARINHO, HEPATOLOGISTA DO HOSPITAL SANTA MARIA

“Somos dos países do mundo que mais bebe”

O que nos trará a esta nova formação da Unidade de Alcoolo-gia de Coimbra?

Rui Tato Marinho (RM) – Pediram-me para falar sobre álcool e fí-gado, o que, no fundo, traduz um pouco da minha experiência de qua-se 30 anos a lidar com os problemas relacionados com o álcool. Vou falar sobre a dinâmica global do álcool, procurando apresentar factos e números e numa experiência muito significativa que tive no início da minha carreira, em que vi morrer muita gente na estrada porque traba-lhava em Abrantes e os mortos iam para o hospital… Aí, percebi clara-mente o que significava este fenómeno, na altura 400 por cento mais nefasto do que é hoje. E outro aspecto que me marcou particularmente no âmbito da formação foi ter feito um parecer para o Governo, no ano 2000, sobre a questão da redução da alcoolémia. No fundo, acabo por ter uma visão muito global relacionada com o álcool, que acho que pouca gente tem…

Passados 17 anos, esse parecer ainda faz sentido?RM – Sim, faz… Desde logo, porque era baseado em dados

científicos muito fortes e, por vias travessas, está a aplicar-se hoje aquilo que eu e o Professor Rui Pereira recomendámos na altura. Aconteceu a redução da taxa limite de alcoolémia na con-dução, pelo menos para os profissionais e para os jovens; acon-teceu algo que defendíamos muito, talvez até mais importante para a desejada redução da mortalidade, que foi a aplicação efectiva da lei, ou seja, o reforço da lei. As leis podem existir mas, se as autoridades não as aplicarem, de nada valem e, na verdade, nota-se agora que muitos amigos e conhecidos ficam sem carta ou têm que repetir o exame ou vêem-lhes retirados pontos na carta… E tudo isso contribuiu para reduzir a mortalida-de na estrada. De qualquer modo, estamos hoje com os níveis

de mortalidade que a Suécia, que é o melhor país do mundo, apresentava há vinte anos.

No entanto, noutros domínios, essa evolução não tem sido tão notória…RM – Sim, nomeadamente no consumo de alguns jovens.

Existe uma percentagem significativa de jovens que consome de uma maneira que lhes deixará marcas no futuro. Assim como su-cede relativamente ao consumo feminino.

E quanto à população em geral?RM – Somos dos países do mundo que mais bebe… E as con-

sequências estão há muitos anos no terreno. Mas este consumo é aceite pela sociedade. Aliás, somos um país onde se produz muito vinho e se bebe muita cerveja, existem muitos interesses…

O que se poderá fazer para inverter este ciclo negativo?RM – Duas coisas: informar e formar de uma maneira séria. E

isso tem que ser feito pelas autoridades governamentais. A indús-tria faz o seu papel e fá-lo bem… A par, a aplicação de medidas controladoras da lei.

Tal como sucede relativamente ao consumo de outras substâncias psicoactivas, não estarão muitos consumi-dores excessivos de álcool a assumir um risco de forma consciente e informada?RM – Acredito que muitos não estão informados… Mas isto é

a questão das adições e o álcool é uma adição, tal como o tabaco, a comida, o andar depressa… As pessoas sabem-no mas o vício é muitas vezes mais forte.

Porque falamos de formação e de informação, existe ál-cool bom e álcool mau?RM – Desde logo, a consumir, que se opte por bebidas de

marca. Depois, a grande questão prende-se com a quantidade. O início do consumo só devia ocorrer aos 18 anos mas a grande questão é a quantidade. Se uma pessoa apenas beber uma bebi-da por dia e não conduzir nem trabalhar, o risco é mínimo.

Estão na forja algumas alterações orgânicas no or-ganismo que já tutelou as respostas no terreno em matéria de drogas e álcool, o SICAD, projectando-se uma provável saídas de unidades como a UA de Coim-bra do foro das ARS e a sua reintegração no SICAD… O que lhe parecem estas alterações, se vierem a ser concretizadas?RM – Não me querendo meter muito nesse âmbito, o que te-

nho notado por parte das pessoas de alcoologia com quem tenho contactado é uma insatisfação face a esta integração nas ARS. Se as pessoas que estão no terreno e conhecem muito bem a ques-tão do álcool não estão satisfeitas têm que ser ouvidas. E se vai mudar é porque alguma coisa não estava perfeita…

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36Universidade Fernando Pessoa já realizou mais de 163 mil rastreios gratuitos:

PASOP: acesso à saúde ao virar da esquina

Pensado pela Universidade Fernando Pessoa (UFP), no co-meço dos anos de 2000, como um projecto de extensão comunitá-ria, essencialmente vocacionado para “trabalho de campo” dos alunos finalistas dos cursos de Medicina Dentária, de Enferma-gem, de Fisioterapia, de Terapêutica da Fala e de Análises Clíni-cas e Saúde Pública, da Faculdade de Ciências da Saúde (FCS), permitindo-lhes uma aprendizagem em contacto com realidades sociológicas dificilmente imaginadas em contexto de sala de aula, o PASOP acaba de completar 15 anos de actividade ininterrupta, por variados caminhos e espaços nacionais e até internacionais.

Se do ponto de vista pedagógico e didáctico – finalidade pri-meira do projecto – o PASOP tem sido importante como comple-mento prático da formação dos alunos que preparamos para o exercício de profissões com enorme impacto e responsabilidade social, apraz-nos também sublinhar que o projecto ganhou dimen-sões suplementares, de alguma forma inopinadas, como meio de sobressalto cívico e formação cidadã, confrontando os alunos com situações sociais para eles impensáveis, de vidas difíceis su-portadas com enorme precariedade e praticamente à margem duma sociedade democrática com o mínimo de dignidade pes-soal.

Esse sobressalto permitiu, e tem permitido ainda ao projecto, ganhar também uma outra dimensão suplementar, desta feita, de impulso ao empreendedorismo jovem e qualificado, sendo exem-plo paradigmático disso a ONG “Mundo a Sorrir”, inspirada pelo PASOP a um conjunto de médicos dentistas formados na UFP que viveram a experiência enriquecedora do projecto, enquanto alu-nos finalistas. Aliás, a inspiração do PASOP, cujo símil o Reitor da UFP foi buscar à experiência gratificante da sua infância- adoles-cência com as carrinhas da biblioteca ambulante da Fundação Calouste Gulbenkian, tem servido a outras iniciativas, para além do território académico da UFP.

Outra dimensão suplementar que o PASOP teve, e tem, dada a sua actuação em todo o território nacional e, por vezes, em lugares de profunda interioridade, foi, e ainda é, contribuir para o conheci-mento dos alunos da geografia física e cultural do país e para o au-mento da sua literacia política, pelo contacto directo com a governa-

ção autárquica e com o suporte que é dado ao funcionamento do país pelas Juntas de Freguesia e pelas Instituições Particulares de Solidariedade Social como os Centros Sociais e Paroquiais e as Mi-sericórdias com as quais o projecto muito tem colaborado.

Actuando em todo o território nacional, como se disse, e envol-vendo-se, nestes quinze anos de vida, no apoio a iniciativas culturais e desportivas, como romarias, exposições-feiras de educação orga-nizadas por municípios e escolas, a Volta a Portugal em Bicicleta; a manifestações religiosas como as peregrinações a Fátima, com pres-tação de cuidados aos peregrinos, o PASOP tem possibilitado tam-bém o desenvolvimento do espírito de voluntariado e de solidarieda-de entre os alunos da UFP, futuros profissionais ao serviço da melho-ria das condições de vida das comunidades, donde provieram para a universidade ou aonde irão organizar a sua vida activa.

Alguns dos alunos tiveram também a possibilidade de viver com o PASOP experiências internacionais, como aquela que o projecto teve na Corunha e, em especial, aquela que lhes foi dado viver em Angola, onde, durante mais de um mês, puderam não só realizar os rastreios de higiene oral, de osteoporose, de glicemia, de pressão arterial e de patologias de aquisição e de desenvolvi-mento da linguagem, mas também envolverem-se em intensas acções pedagógicas de educação para a saúde e de formação de técnicos de saúde locais, a convite do Ministério da Saúde angola-no.

Durante os 15 anos de actividade, o PASOP já realizou mais de 160 mil rastreios e constituiu uma base de dados preciosa, para trabalhos de investigação de alunos e professores quer no domínio da epidemiologia e da saúde pública quer nos domínios da psicologia social e do comportamento, da demografia e da so-ciologia do desenvolvimento humano, tendo envolvido mais de 600 finalistas dos cursos de saúde acima referenciados, acompa-nhados por uma equipa multidisciplinar de profissionais da medici-na dentária, da enfermagem, da fisioterapia, da da fala e das aná-lises clínicas, todos formados pela UFP, que funcionam como au-xiliares de ensino, devidamente sintonizados com os professores das diferentes disciplinas em prática pedagógica e trabalho de campo, no projecto.

Nos últimos 5 anos, realizámos perto de 60 mil rastreios, ten-do sinalizado umas centenas de situações que foram encaminha-das ou para os médicos de família ou para as próprias clínicas pe-dagógicas da UFP, onde as pessoas necessitadas de tratamento dentário, de fisioterapia e de terapia da fala puderam receber os cuidados de que precisavam a custos praticamente residuais para elas.

A sustentabilidade financeira do projecto tem sido garantida maioritariamente pela Fundação Fernando Pessoa, entidade titu-lar da UFP e, de há quatro anos, também do Hospital-Escola da universidade em que o PASOP também se apoia. O projecto tem conseguido complementar o esforço da Fundação Fernando Pes-

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37soa com patrocínios significativos como o foram o da Fundo “José Fernandes” gerido pela Fundação Rockfeller, e o da Ratiopharm, uma multinacional de medicamentos genéricos. Infelizmente, es-tes dois importantes apoios, devido à conjuntura económica dos últimos 5 anos, não puderam continuar com o mesmo grau de en-volvimento. Fomos, entretanto, conseguindo alguns apoios da BP (essencialmente em combustíveis para as 2 unidades móveis do projecto, devidamente equipadas com consultórios dentários e sa-las de atendimento de enfermagem e de fisioterapia), dos Delta Cafés e da Roche Diagnostics, entre outros menos relevantes.

O orçamento anual do PASOP ultrapassa ligeiramente os 60 mil euros, destinados a aquisições de consumíveis e meios de diagnóstico e ajudas de custos das deslocações dos 5 enfermei-ros, 4 médicos dentistas e 4 terapeutas da fala, que constituem a equipa de profissionais auxiliares de ensino, que acompanham os alunos finalistas e supervisionam e orientam a sua aprendizagem.

Dependências foi conhecer o projecto, apresentado pelos seus intervenientes…

JACINTO DURÃES, UFP

“Temos cerca de 163 mil rastreios efectuados”

Como surgiu este projecto, o PASOP?Jacinto Durães (JD) – O Sr. Reitor estava à procura de alguém

que o ajudasse a concretizar um projecto que havia definido há mui-tos anos, quando se deparou com umas carrinhas da Gulbenkian que levavam livros às populações… Na altura, imaginou que, se al-gum dia assumisse alguma responsabilidade nalguma área, sobretu-do na saúde, lançaria algo do género… Então, convidou-me para este projecto, definindo as suas linhas gerais e, numa primeira reac-ção, não hesitei em aceitar. Levámos um ano a equacionar todo este projecto, até porque, há 16 anos, não havia nada semelhante no país, e criámo-lo de raiz. Na altura, tive a sorte e o engenho de, a par-tir de uma pesquisa, identificar possíveis mecenas que apoiassem a Fundação Ensino e Cultura Fernando Pessoa neste projecto. Apre-sentei o projecto a dezenas de empresas e a Ratiopharm e a Funda-ção Rockefeller agarraram-no. A primeira clínica de que dispusemos resultou da oferta dos laboratórios Ratiopharm e, paralelamente a isso, celebrámos um protocolo no seio do qual recebíamos um valor anual para publicidade. Então, criei uma equipa formada por um mé-dico dentista e pelas valências de enfermagem. Entretanto, descobri que, em Montijo, havia uma empresa que trabalhava em transforma-ção de viaturas… A Ratiopharm comprou a carrinha, que com o auxí-lio dessa empresa, foi transformada, com o respectivo consultório médico e assim avançámos com o projecto. Foi inaugurado no nosso pólo universitário de Ponte de Lima e, nesse ano de lançamento, numa primeira fase, fez um périplo por todas as freguesias de Ponte de Lima e, posteriormente, por todos os concelhos do distrito de Via-

na do Castelo. Entretanto, o projecto foi avançando. No terceiro ano, verificámos que não teríamos grandes hipóteses de, apenas com aquela clínica, abarcar toda a gente que nos convidava… Em 2004, fomos convidados a acompanhar a Volta a Portugal em Bicicleta, uma experiência fantástica. Nos territórios onde parava a Volta, a nossa equipa estava presente, realizando rastreios. A segunda fase do projecto surge quando a Fundação Rockefeller se associa ao pro-jecto enquanto apoiante, realidade que se verificou ao longo de seis anos. Significa isto que a Ratiopharm e a Fundação Rockefeller esti-veram na génese do projecto e na sua implementação.

Ao fim de três anos e após tantos alunos terem passado pelo projecto, propus ao Sr. Reitor que esses alunos, que já estavam li-cenciados, fossem convidados a integrar as diversas valências. E as-sim sucedeu, designadamente nas valências de enfermagem, tera-pia da fala, fisioterapia e medicina dentária, que passaram a ser re-presentadas por ex-alunos e licenciados pela UFP. Trata-se, ainda hoje, de uma das condições para que o PASOP continue a funcionar.

Como é assegurada a sustentabilidade do PASOP?JD – Este projecto tem um orçamento já muito razoável, assen-

tando em medicina dentária, enfermagem (colesterol, diabetes, ten-são arterial e osteoporose), terapia da fala, fisioterapia e nutrição. E tem dois custos inevitáveis: os consumíveis e as remunerações dos clínicos. Portanto, o orçamento deste projecto ronda os 60 mil euros por ano, sempre compensado pelos seus apoiantes. Quando não existem mecenas, a Fundação Fernando Pessoa assegura o finan-ciamento. Tem sido um projecto sustentável e continuará a sê-lo na medida em que assumi pessoalmente o compromisso com o Sr. Rei-tor de que o PASOP seria para sempre.

Porquê para sempre?JD – Para sempre, desde logo porque este projecto tem uma

base de dados que, cientificamente, é das mais completas do país. Cada clínico tem um tablet e coloca todas as informações online, a partir das quais são produzidos relatórios posteriormente entregues às instituições e pessoas envolvidas.

Sendo este um projecto de proximidade que leva a saúde aos mais diversos territórios do país, não faria sentido ter também como parceiros os autarcas locais?JD – Sim, em algumas circunstâncias faz sentido… Noutras

nem tanto… E digo-lhe com um misto de alegria e de frustração que, salvo raras excepções, não temos empresários nem autarcas com sensibilidade filantrópica. Nesses casos excepcionais revela-dores de sensibilidade, celebramos protocolos, quer com autar-quias, quer com empresas. Fizemos protocolos com as Câmara Municipal de Gaia, de Gondomar, de Matosinhos e de Santo Tirso, e algumas juntas de freguesia. Confesso que tenho que fazer uma pesquisa constante das empresas que são sensíveis a que o PA-SOP seja exequível.

Que resultados tem o PASOP produzido a partir desta di-versidade de valências?JD – Quantitativos, temos cerca de 163 mil rastreios efectua-

dos. Encontrámos resultados muito palpáveis e estamos em con-dições de afirmar qual é a predominância de cada valência em ter-ritórios como Campo Maior, em Melgaço, em Ponte de Lima ou em Gondomar e qual é a razão por que tal sucede. Tivemos um proto-colo com um health club, em que realizámos um levantamento

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38epidemiológico, isolando uma amostragem de 50 pacientes em cada ano, repetindo-os durante quatro anos. E percebemos o que foi mudando em cada valência e se houve melhorias ou agrava-mentos na medida em que seguiam ou não os conselhos que lhes eram dados por cada clínico. Temos três outras situações que de-vem ser aferidas: estivemos a apoiar o Euro 2004, em Guimarães, na artéria principal que dá acesso ao estádio, onde realizámos o rastreio de colesterol, diabetes, tensão arterial e ´glicémia… Nes-se contexto, surgiu-nos um indivíduo que, após alguma resistên-cia, acabou por aceitar fazer o rastreio… e em boa hora o fez, pois apresentou resultados absolutamente alarmantes, a tal ponto que o impelimos a não assistir ao jogo, chamando de imediato o 112 e acompanhando-o ao Hospital de Guimarães. Foi-lhe feito um elec-trocardiograma e verificou-se que o utente estava prestes a sofrer um AVC… Ainda hoje, pelo Natal, recebemos um cartão de boas--festas deste senhor, que nos diz ainda estar vivo e a nós o de-ver… Outro caso complicado foi o que testemunhámos na fregue-sia de Ramalde, um indivíduo que surgiu para fazer um rastreio de medicina dentária, a quem a médica sugeriu que retirasse a placa para fazer o exame… Qual não foi a surpresa quando o indivíduo afirma que não pretendia tirar a placa, que já tinha há mais de 20 anos, sem nunca a ter retirado ou lavado. Quando o fez, tivemos que fazer uma desinfecção à clínica, tivemos que o encaminhar para a clínica dentária da UFP e constatámos que o homem apre-sentava problemas muito sérios… O outro caso revela também a oportunidade e importância destes rastreios: também na valência de medicina dentária, um indivíduo queixava-se que tinha uma afta na língua que, apesar de recorrer frequentemente à farmácia, se mantinha e até agravava. Depois de ter sido observado e enca-minhado para a Faculdade de Medicina Dentária da UFP, um es-pecialista nessa área diagnosticou-lhe um carcinoma na língua… São três casos que registámos e que nos dão a possibilidade de afirmar por que deve este projecto existir.

Em que medida é avaliado o trabalho desenvolvido pela equipa do PASOP?JD – Obviamente que sim! Por cada valência, temos um coor-

denador científico, designadamente em medicina dentária a pro-fessara Sandra Gavinha, em Enfermagem o professor Germano Couto, em análises clinicas professora Carla Coutinho, em Nutri-ção professora Raquel Silva, e os clínicos de cada valência são observados pelo responsável e procuram melhorar ou inovar o que for considerado necessário. Por outro lado, há uma dupla res-ponsabilidade desta equipa, que acompanha alunos finalistas de cada valência e produz informação sobre o desempenho desses alunos na preparação dos rastreios, quer na vertente científica, quer pessoal. Por outro lado, vão surgindo momentos em que te-mos que tirar pessoas da equipa e renová-la, ou porque determi-nado clínico aceitou outro desafio profissional ou porque chega-mos à conclusão que não está a ter o perfil que consideramos adequado. Em suma, esta equipa do PASOP é muito bem “penei-rada” para termos a certeza que, quer eticamente e moralmente, quer cientificamente, são bem formados.

O PASOP é um projecto nacional, regional ou local?JD – É, antes de mais, um projecto nacional porque, de Mel-

gaço a Tavira, percorremos todo o país. É regional porque, em cada região, vamos a vários territórios. E é local porque, dentro dos concelhos, abrangemos o nível da freguesia.

Em que medida poderia este projecto ser replicado inter-nacionalmente, designadamente nos PALOP?JD – Terá certamente a oportunidade de verificar através de

registos fotográficos que estivemos em Angola em 2006, durante um mês, a convite do governo local. Previamente à deslocação da equipa, estive duas semanas no território para proceder ao levan-tamento das carências evidenciadas e concluí que eram de facto muitas, na medida em que os três hospitais que visitei revelavam uma enorme escassez de medicamentos e de meios para que pu-déssemos desenvolver a acção pretendida. Quando cá cheguei, informei o Sr. Reitor… A nossa função seria dar formação a médi-cos dentistas licenciados, enfermeiros e fisioterapeutas. Propus que oferecêssemos uma cadeira ontológica e que, entretanto, quando chegássemos, tivéssemos já a clínica montada e assim fosse possível os nossos médicos dentistas desenvolverem o seu trabalho de formação e de rastreio às populações. Alguns labora-tórios ofereceram-nos um contentor de medicamentos, que enviá-mos em devido tempo. Quando chegámos a Angola, para nossa surpresa, tudo o que tínhamos enviado estava ainda no aeropor-to… Por nossa acção, foi feito o levantamento e distribuição dos medicamentos pelos hospitais carenciados mas a cadeira não ti-nha sido montada porque não dispunham de técnicos para o efei-to. De qualquer modo, oferecemo-la e, mais tarde, viriam a montá--la… E visitámos o Hospital Maria Pia, que tinha cinco consultórios de medicina dentária, onde nos propusemos desenvolver o nosso trabalho, o que nos foi negado, uma vez que o presidente da repú-blica ainda não tinha inaugurado aquele hospital, que havia sido restaurado pelos chineses… Então, fomos para o Hospital Agosti-nho Neto, que possuía uma clínica de medicina dentária que, em-bora muito incipiente, serviu para fazermos o curso àqueles profis-sionais. Mas já antes tínhamos estado na Corunha, onde fizemos um rastreio à população com a nossa clínica móvel a convite da Fundação Corte Inglês. E estamos em fase de preparação, com o primeiro-ministro de Cabo Verde, de uma possível ida àquele país.

E por onde passará o futuro do PASOP?JD – Acredito que este projecto, dada a forma como foi recebi-

do e a carência que encontra em muitas populações, é irreversí-vel. Não pode parar. Por conseguinte, temos projectadas algumas alterações ao PASOP. A partir de Outubro, incluiremos psicologia. Por outro lado, uma vez que já percorremos o país durante três anos seguidos na Volta a Portugal em Bicicleta, pretendemos que o PASOP seja agora mais focado na cidade do Porto e nas cida-des que a rodeiam.

“Este projecto tem uma componente científica”

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39ANDREIA MACEDO, COORDENADORA ADMINISTRATIVA DA UFP

“Encontramos graves problemas na população adulta”

“Com 15 anos de projecto, nós recebemos os convites das instituições por carta ou email, as instituições explicam-nos sobre que valências e públicos incide o seu interesse e, nesse sentido, preparo as saídas e a equipa e respondemos favoravelmente à instituição.

A equipa do projecto é constituída pelos colaboradores, que são ex-alunos da UFP já formados, sendo que cada um leva con-sigo alunos finalistas para que beneficiem desta experiência antes de terminarem o curso.

Feito o diagnóstico à população, numa questão de dias, envia-mos com toda a confidencialidade exigida um registo de ocorrên-cias às pessoas que foram rastreadas, com toda a informação e os resultados encontrados. Caso seja necessário, cada colabora-dor fornece conselhos ou observações à pessoa. Ao enviarmos esse registo, poderemos sugerir uma ida ao médico de família.

O projecto sobrevive, até hoje, com patrocínios, não só de me-cenas mas igualmente de outras pessoas que se identificam com o PASOP e nos auxiliam, não só financeiramente mas também através da oferta de consumíveis e de outros materiais que utiliza-mos.

Tentamos incentivar as pessoas a tratarem da própria saúde, o que nem sempre se revela fácil face à situação financeira que, infelizmente, afecta até zonas próximas da cidade do Porto, onde temos encontrado casos muito difíceis. Paralelamente, constata-mos muita carência de informação que afecta as populações, so-bretudo ao nível da medicina dentária. Também na população adulta, encontramos graves problemas, particularmente nos ido-sos e, ultimamente, temos sido surpreendidos com os altos resul-tados evidenciados por jovens ao nível da osteoporose e da os-teopenia, algo que, segundo a nossa equipa de enfermagem, se deve em boa parte à má alimentação”.

RITA ALEGRIA, COORDENADORA CIENTÍFICA E PEDAGÓGICA DO CURSO DE TERAPIA DA FALA

“Fomos a escolas mostrar o que fazemos”

“O meu papel consiste em distribuir os profissionais que vão para a carrinha amarela. Como docente da Faculdade, divido entre se-mestres os profissionais destacados para a carrinha e coloco os alu-nos que vão em conjunto com eles.

Basicamente, o que fazem é um estágio, em que colocam em prática o que adquirem na componente teórica. Infelizmente, a te-rapia da fala não é tão chamada, sobretudo quando comparada com valências como a fisioterapia, as análises clínicas ou a medi-cina dentária. Neste momento, já estamos a preparar formações dirigidas a médicos e professores. Fomos a escolas mostrar o que fazemos para sensibilizarmos estes públicos para a importância da terapia da fala e para que nos chamem mais vezes. A verdade é que abrangemos várias áreas e públicos, desde o recém-nasci-do ao idoso e, se calhar, cabe-nos chamar mais a atenção para a importância e abrangência da nossa área”.

SARA OLIVEIRA, TERAPEUTA DA FALA

“Muito do insucesso escolar poderá ser atribuído a problemas relacionados com a fala”

“A terapia da fala é uma área muito vasta, abrangendo desde crianças a adultos, engloba várias patologias e é um complemento de reabilitação às áreas médicas.

Quando as crianças nascem, são sempre feitos despistes a nível auditivo e de articulação e, hoje em dia, existem várias solu-ções, mesmo para casos graves, como os implantes cocleares ou as próteses auditivas, bem como a língua gestual ou a reeduca-ção oral, porque existem pais que não aceitam estes meios alter-nativos e pretendem que comuniquem por um meio normal, pela fala, sendo feito um investimento nessa área quando assim os pais o defendem.

Normalmente, nos AVC acontecem lesões graves, a maioria irreversíveis e, por falta de informação, as pessoas habitual-mente apenas recorrem à fisioterapia e não à terapia da fala. O que entendo é que existe sempre um meio alternativo de os conseguirmos pôr a comunicar. O problema é que, como sai da

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40norma, ainda por cima em adultos, que conhecem o padrão dito normal, não procuram tanto essas alternativas. Ao que se pode juntar a falta de informação das famílias, que não procuram aju-da.

Muito do insucesso escolar poderá ser atribuído a problemas relacionados com a fala. A maioria dos casos, principalmente arti-culatórios tem influência ao nível da leitura e da escrita. Se falo mal, entre aspas, vou escrever exactamente como digo e também não compreenderei correctamente o que estarei a ler. Há terapeu-tas nas escolas, nomeadamente para as unidades de autismo e de multideficiência… Infelizmente, não há esta procura de intervir-mos nestes casos considerados mais ligeiros, que não deixam de ser tão importantes e que têm uma influência enorme no percurso escolar de qualquer criança”.

JOANA MONTEIRO, ENFERMEIRA

“É importante apostarmos na prevenção”

“O enfermeiro está sempre próximo da comunidade e fazer parte deste projecto… defino numa expressão: ser pau para toda a colher…

É importante apostarmos na prevenção. Actualmente, a car-reira de enfermagem está algo estagnada e tem um papel funda-mental no tratamento da doença mas temos que apostar ainda mais na prevenção da doença. E são projectos como este da Uni-versidade Fernando Pessoa que podem fazer a diferença porque, apostando na prevenção, poderemos diminuir custos associados às complicações das doenças.

Todos nós, que integramos este projecto da carrinha, somos profissionais de saúde e, além de darmos bons conselhos para uma vida saudável, também os praticamos. Contactamos com muitos jovens, desde logo porque este projecto assume uma ver-tente pedagógica. Temos muitos alunos voluntários que, depois de um primeiro contacto com o projecto, se identificam e passam a estar connosco.

Algumas valências, como a terapia da fala ou a saúde oral, são mais solicitadas para a parte de pediatria, enquanto a enfer-magem é mais direccionada aos adultos”.

ANA PAULA PEREIRA, MÉDICA DENTISTA

“Este projecto tem uma componente científica”

“Sou médica dentista, licenciei-me na Universidade Fernando Pessoa em 2005 e integrei o projecto em 2006. Na altura, fi-lo a convite do Sr. Jacinto Durães para fazer parte da disciplina de es-tágio em medicina dentária, que consistia em que os alunos fizes-sem essa disciplina no projecto e tivessem contacto com a medici-na dentária no campo.

Este projecto tem uma componente científica para que os alunos coloquem em prática tudo o que aprenderam no curso e, simultaneamente, tem uma função social e de ajuda para com instituições que a solicitem, desde centros de dia, lares, esco-las… Vamos até todo o tipo de população que precise de nós, através das diferentes valências que integramos. Paralelamen-te, também nos aproximamos do público em geral, como já su-cedeu através da nossa participação em feiras de saúde e ou-tros eventos.

No caso da medicina dentária, é preenchido um inquérito com a anamnese detalhada e, depois, é feito um exame clínico, onde se detecta se existem cáries ou outros tipos de patologias e, pos-teriormente, em função da gravidade dos casos, poderão ser infor-mados e encaminhados para tratamento”.

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41Redemut:

Organizações da economia social debatem economia da droga

A Redemut foi o local escolhido para falar de Drogas e Depen-dências. Jesus Cartelle, Coordenador Científico da Clínica do Ou-teiro, João Curto, Presidente da Associação Portuguesa de Adic-tologia e Jorge Barbosa, Coordenador do CRI Porto Oriental, constituíram o painel de especialistas que foram confrontados por Sérgio Oliveira, Director da Revista Dependências, que lançou o repto para que a tertúlia se centrasse nos cerca de 250 milhões de pessoas usavam drogas em 2015 no mundo. Desse total, cerca de 29,5 milhões — ou 0,6% da população adulta global — usavam drogas de forma problemática e apresentam transtornos aditivos, incluindo a dependência… mas pouco ou nada se sabe ou discute sobre o mercado e da economia da droga.

Sabe-se que o ópio, morfina, heroína e derivados sintéticos apresentam os maiores riscos de danos à saúde, representando 70% do impacto negativo associado ao consumo de drogas no mundo mas não se fala dos 150 grandes grupos que organizam o tráfico de drogas a partir do Afeganistão para a Rússia, que conta com cerca de 1.900 gangues, com mais de 20 mil membros liga-dos ao crime organizado.

As redes de comunicação móvel oferecem novas oportunida-des para os traficantes, enquanto a “darknet”, as redes secretas de comunicação acessíveis somente por softwares específicos, permitem aos consumidores comprar drogas anonimamente por meio de moedas criptografadas, como o bitcoin.

Apesar de o tráfico de drogas na “darknet” ainda ser pequeno, houve um aumento de cerca de 50% nas transações de drogas entre setembro de 2013 e janeiro de 2016, de acordo com um es-tudo. Os compradores típicos são pessoas que usam drogas para fins recreativos, tais como cannabis, ecstasy, cocaína, alucinogé-nios e NPS.

“As redes sociais estão a ser utilizadas para passar publicida-de e fazer ‘marketing’ sobre o uso benéfico de drogas para o trata-mento de doenças com resultados positivos para a saúde”, alertou João Curto, presidente Associação Portuguesa de Adictologia, uma opinião partilhada por Jorge Barbosa, coordenador do Centro de Respostas Integradas Porto Oriental, do Serviço de Interven-ção nos Comportamentos Aditivos”.

“Quando se diz que mais vale fumar um charro de vez em quando do que cigarros, isto significa que algo está em marcha para passar uma mensagem. São ideias falseadas, mas que são muito difíceis de negar. Muito complicado, porque mesmo com da-dos e evidências não se consegue”, observou Jesus Cartelle, coordenador científico da Clínica do Outeiro.

Jorge Barbosa referiu ainda que “no âmbito da política atual para os comportamentos aditivos estão a ser discutidas três políti-cas, designadamente a reorganização de um serviço nacional, vertical e especializado na área dos comportamentos e dependên-cias, com o objectivo de repor a excelência das respostas e a cen-tralidade e qualidade na intervenção, a regulação da ‘cannabis’ e

ainda a discussão sobre a necessidade ou não da implementação de salas de consumo assistido, a extinção do Instituto da Droga e da Toxicodependência (IDT) foi um retrocesso na articulação para a prevenção”.

Os dados, conhecidos e divulgados, devem merecer sempre uma análise cuidada. Os consumos variam muito de país para país, mesmo que nos digam que mais de um quarto da população já experimentou drogas ilícitas pelo menos uma vez na vida. Ou que a cannabis é a droga mais experimentada, seguida da cocaí-na, ou que houve um acréscimo de consumo de MDMA e que o consumo de anfetaminas é preocupante. Não podemos descurar o consumo abusivo das substâncias legais, como o álcool e o ta-baco, que são socialmente aceites e cujos dados são alarmantes e ainda temos que repensar nas dependências sem substância, que apresentam já sinais preocupantes que não se pode descurar.

O debate centrou ainda um conjunto de preocupações face aos dados apresentados pelo Observatório Europeu da Droga e da Toxicodependência, nos quais Portugal está ao lado da Holan-da, entre os 10 países europeus acima da média, no tratamento de substituição de opiáceos para consumidores de alto risco, mas o número de doentes tratados baixou 25% desde 2010, o que pode representar uma diminuição no número de doentes crónicos. O que se mantém preocupante é o número de novas drogas dete-tadas. Portugal esta também no top 10 das apreensões de droga no que diz respeito a cocaína e resina de cannabis, o que se expli-ca por ser um dos pontos de entrada de droga no velho continen-te.

Em 2016, o Sistema de Alerta Rápido da União Europeia de-tetou 66 novas substâncias desconhecidas, o que dá uma média superior a uma nova droga por cada semana do ano. Falamos de drogas cada vez mais potentes e perigosas, que não são abrangi-das pelo controlo internacional e que incluem uma vasta gama de substâncias sintéticas, geralmente produzidas a granel por empre-sas químicas e farmacêuticas da China.

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42Congresso Nacional da Economia Social 2017 chegou agora a Mangualde:

Economia social projecta transformação positiva

Mangualde acolheu, no dia 2 de Junho, o Congresso Nacional da Economia Social 2017. Sob a temática “Novos conceitos, mo-delos de organização e de governança”, a sessão teve lugar na Bi-blioteca Municipal Dr. Alexandre Alves. A iniciativa foi promovida pelo Conselho Nacional para a Economia Social e contou com o apoio da Câmara Municipal de Mangualde e da Caixa de Crédito Agrícola.

A sessão de abertura foi proferida por João Azevedo, Presi-dente da Câmara Municipal de Mangualde e Eduardo Graça, Pre-sidente da CASES – Cooperativa António Sérgio para a Economia Social. “Saúde e Economia Social” foi o tema da conferência pro-ferida por Maria de Belém, com apresentação de Jorge Coelho, ambos Membros da Comissão de Honra do Congresso. Seguiu-se o painel “A Economia Social e Solidária – novos conceitos, origens e designações no debate nacional e europeu”, que contou com a intervenção de Henrique Rodrigues – Assessor da CNIS – Confe-deração Nacional das Instituições de Solidariedade, João Salazar Leite – Membro da Comissão de Honra do Congresso, Jorge de Sá – Presidente do CIRIEC Portugal e Rogério Roque Amaro – Professor do ISCTE – IUL, com moderação de Sílvia Ferreira – Professora da FEUC. Da parte da tarde, realizou-se a mesa re-donda “Economia social e desenvolvimento socioeconómico – ac-tualidade e mudança”, com a participação de representantes dos partidos políticos e moderação de Marco Domingues – Presidente da ANIMAR – Associação Portuguesa para o Desenvolvimento Local. O Painel “Economia Social – novos modelos de organiza-ção, governança e financiamento” contou com a intervenção de Filipe Almeida – Presidente da Portugal Inovação Social, José Al-berto Pitacas – Vice-Presidente do CIRIEC Portugal, Licínio Pina – Presidente do CAE da CCCAM e Susana Ramos – Coordenado-ra Nacional dos EEA Grants. Foi moderado por Clementina Henri-ques – Conselheira Nacional da CPCCRD. O encerramento con-tou com a intervenção de Francisco Silva – Presidente da Comis-são Organizadora do Congresso. Durante todo o dia assistiu-se ainda a vários momentos de debate.

Dependências entrevistou Eduardo Graça, Presidente da CA-SES – Cooperativa António Sérgio para a Economia Social

EDUARDO GRAÇA, PRESIDENTE DA CASES – COOPERATIVA ANTÓNIO SÉRGIO PARA A ECONOMIA SOCIAL

“As pessoas estão no centro das nossas preocupações”

Porquê um congresso descentralizado na economia social?

Eduardo Graça (EG) – A principal razão de termos tomado esta opção enraíza no próprio conceito da economia social. Trata--se de uma economia praticada por um conjunto de entidades que têm como característica fundamental lidarem com pessoas e a proximidade das suas práticas com as comunidades locais e re-gionais. Portanto, as cooperativas, as mutualidades, as misericór-dias, as associações, fundações, IPSS, todas as organizações que integram este sector da economia social desenvolvem activi-dades que têm essas características e seria estranho que nós, ao organizarmos um debate aprofundado sobre este sector, não o aproximássemos também das comunidades, em sintonia com a natureza das organizações que o integram.

Não serão demasiadas organizações sob o mesmo “guar-da-chuva”?EG – Essa é a realidade concreta do sector por definição…

Ou seja, em Portugal temos, segundo dados de 2013, um pouco mais de 61 mil entidades formais, resultantes da vontade dos cida-dãos. Porque uma das características do sector da economia so-cial é ser constituído por entidades que resultam da iniciativa dos cidadãos. Ora, se os cidadãos, por vontade própria e em face da

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legislação vigente e dos princípios históricos que enformam este sector, decidem organizar-se para desenvolverem determinadas actividades em benefício dos seus interesses e da comunidade, não há nada a fazer.

Como é gerir instituições tão diversificadas e até com pro-pósitos de intervenção de certa forma diferentes dos que tradicionalmente caracterizam a economia social?EG – Temos aqui questões de vários níveis: temos o nível da

gestão de cada uma das entidades, que têm as suas estruturas próprias e os seus dirigentes e que, portanto, estão a evoluir no sentido de profissionalizarem a gestão sem perder a característica do voluntariado que está muitas vezes presente na sua actividade; temos outra questão, relacionada com o sector no seu conjunto, que debate hoje, em concreto, a sua própria refundação ou reor-ganização enquanto movimento associativo. Cada uma das famí-lias, por si própria e o conjunto das famílias, no seu todo. Portanto, é uma questão de ganhar outra escala e expressão enquanto or-ganização associativa de cúpula para poder dialogar com os po-deres e ser melhor reconhecida pela sociedade.

Na sua apresentação, destacou os 6,1 por cento de em-prego que o sector representa e nos vários milhares de entidades formais existentes… Mas, na verdade, a econo-mia social continua a não ser parte no que concerne às grandes decisões do país, como sucedeu relativamente à concertação social…EG – Existe uma efectiva sub-representação, que resulta de

questões históricas diversas mas temos que recuperar desse défi-ce de reconhecimento e de representatividade porque o sector, em si próprio, tendo consagração institucional e legal e constituin-

do uma realidade económica e social muito importante no nosso país, tem que fazer corresponder a essa importância o reconheci-mento e a representação. E é esse o trabalho que está a ser feito quando debatemos neste congresso.

Em que medida constituirá então o sector social uma so-lução para problemas como o desemprego?EG – É efectivamente uma oportunidade para que, quer os ci-

dadãos, a comunidade e a sociedade em geral, quer o Estado, possam encontrar uma alavanca para combater um conjunto de problemas que estão perfeitamente identificados.

Que contribuição efectiva poderá dar a economia social para um país melhor, mais fraterno, solidário e inclusivo?EG – A maior contribuição passa por ser um sector que, em

princípio, encarna valores e princípios em que as organizações trabalham para as pessoas. Têm a pessoa e não o capital no cen-tro das suas preocupações, daí que seja uma grande escola de ci-dadania, de liberdade e de democracia. Este sector, historicamen-te e no presente, resultou de um movimento do associativismo li-vre e que se projectará no futuro como uma continuidade desse associativismo livre. Em suma, é um sector que promove as liber-dades, a democracia, a solidariedade e a cooperação, o que não é nada pouco.

O que aprendeu o Dr. Eduardo Graça a partir destes con-gressos descentralizados?EG – Aprende-se e conhece-se a realidade das regiões, co-

nhecem-se as preocupações dos dirigentes autárquicos dos con-celhos onde se desenvolvem as actividades, das entidades que têm enraizamento local, aprende-se acerca dos problemas e criam-se melhores condições para encontrar as melhores solu-ções.

E o que poderemos esperar do congresso final?EG – O congresso final será o culminar de um debate que está

a ser desenvolvido com enfoques em várias matérias e questões específicas, de onde se espera que resulte uma transformação do próprio sector, quer do ponto de vista do reconhecimento de si próprio enquanto sector, quer do ponto de vista do reconhecimen-to público e político.