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Número 02 | Abril - 2010 Publicação educativa sem fins lucrativos IBGE amplia critérios para aferir raça- cor/etnia no Censo 2010 - pág. 38 Há mais livros sobre a África para crianças, mas abordagens são tradicionais - pág. 31 Experiências de implantação da lei 10.639 comprovam o impacto do ensino de história e cultura africana no combate à discriminação racial nas escolas - pág. 6 a 27 Transformação em marcha Esc Nação la

Revista Nação Escola

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Segunda edição da Revista Nação Escola, onde apresentamos um conjunto de experiências de implantação da lei 10.639/03, incluindo uma entrevista com a professora Nilma Gomes, atualmente ministra da SEPPIR (Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial) cujo eixo foi o balanço de como a lei tem sido encarada em todo o país.

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Número 02 | Abril - 2010Publicação educativa sem fins lucrativos

IBGE amplia critérios para aferir raça-cor/etnia no Censo 2010 - pág. 38

Há mais livros sobre a África para crianças, mas abordagens são tradicionais - pág. 31

Experiências de implantação da lei 10.639 comprovam o impacto do ensino de história e cultura africana no combate à discriminação racial nas escolas - pág. 6 a 27

Transformação em marcha

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Nação EscolaPUBLICAÇÃO EDUCATIVASEM FINS LUCRATIVOSNúmero 2 - ABR/2010ISSN 1678-0949Atilènde Editora.Publicação do Programa de Educação do Núcleo de Estudos Negros.

Conselho EditorialEdelu Kawahala, João Carlos Nogueira, Joana Célia dos Passos, Marcos Rodrigues da Silva, Vânia Beatriz Monteiro da Silva.Produção: Quorum Comunicação.Edição e revisão: Gastão Cassel.Reportagem: Claudio Lucio Augusto e Galeno Lima.Fotos: Arquivo, Claudio Lucio Augusto.Projeto Gráfico: Rafael de Queiroz Oliveira.Diagramação: Audrey Schmitz Schveitzer e Rafael de Queiroz Oliveira.Impressão: Alternativa Gráfica.Tiragem: 1.499 exemplares.Apoio: Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (Seppir) – Presidência da República.

Núcleo de Estudos Negros

Coordenadora GeralJoana Célia dos Passos

Secretária Executiva Lisiane Bueno da RosaCoordenador Administrativo-Financeiro José Nilton de AlmeidaCoordenador do Programa de Desenvolvimento, Trabalho e Cidadania Edelu KawahalaCoordenador do Programa de Justiça e Direitos HumanosVicente Francisco do Espírito SantoCoordenador de Programa de Educação José Nilton de AlmeidaConselho DiretivoEdelu KawahalaFábio GarciaFlávia Helena de Lima (licenciada) Joana Célia dos Passos José Nilton de AlmeidaJoão Carlos Nogueira (licenciado)Lisiane Bueno da Rosa Maria Aparecida Rita Moreira Marcos Rodrigues da Silva (licenciado)Mislene Nogueira da Silva MartinsRaquel Barbosa Vânia Beatriz Monteiro da Silva Vicente Francisco do Espírito Santo Valmir Ari de BrittoMembro Honorária:Dora Lúcia Bertúlio

Cartas, críticas e sugestões:Rua Moçambique, 897 - Bairro Rio VermelhoFlorianópolis (SC) - CEP 88.060-415Fones: (48) 9617-8644 ou 3269-8231 (com Joana) ou 9627-2288 (com José Nilton)E-mail: [email protected]: www.nen.org.brPermitida a reprodução parcial ou total das matérias e artigos, desde que citada a fonte. Os artigos assinados são de inteira responsabilidade dos autores.

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Sete anos depois de promulgada pelo presidente Lula, a Lei 10639/03 que alterou a Lei de Dire-trizes e Bases da Educação Nacional (9394/96) e estabeleceu as diretrizes curriculares nacionais para a educação das relações étnico-raciais e para o ensino de história e cultura afro-brasileira e afri-cana na rede de ensino começa a promover o resgate histórico da atuação de negros e negras na construção e formação da sociedade brasileira.

A Lei tem provocado mudanças no currículo das escolas. Cria para os professores um conjunto de desafios para introduzir a temática em suas disci-

Lei promove ampliação da cidadania pela educação

plinas, e trouxe desafios novos para gestores das escolas e do sistema de ensino.

Nesta edição da Nação Escola, apresentamos um conjunto de experiências de implantação da lei, em realidades tão distintas quanto as do Rio de Janeiro e Santa Catarina. Diversificadas, mos-tram alguns dos desafios enfrentados por pro-fessores e professoras que decidem tirar a lei do papel – quanto à qualificação, à interpretação das vivências pedagógicas, às necessidades ligadas ao material didático, entre outros temas.

Um balanço de como a lei tem sido encarada em todo o país é o eixo da entrevista com a professora Nilma Gomes, uma das principais especialistas no tema. Ela sintetiza os resultados de uma pesquisa que encontrou obstáculos à implantação das novas diretrizes curriculares na gestão das escolas e, mais amplamente, dos sis-temas estaduais e municipais de ensino.

No texto de apresentação das diretrizes curricu-lares nacionais, a então ministra-chefe da Secre-taria Especial de Políticas de Promoção da Igual-dade Racial (Seppir), Matilde Ribeiro, afirmou que é “papel da escola, de forma democrática e comprometida com a promoção do ser humano na sua integralidade, estimular a formação de valores, hábitos e comportamentos que respei-tem as diferenças e as características próprias de grupos e minorias”.

Os esforços para implantação da lei comprovam o compromisso de educadores com essa con-cepção democrática da educação. Mostram tam-bém o quanto o ensino é refém do preconceito, que se manifesta de inúmeras formas – todas elas resultando em resistências às mudanças no currículo e no conteúdo das disciplinas, ne-cessárias ao tratamento igualitário, ao respeito à diversidade etnicorracial. Mais que a tradição, é o preconceito que é duplamente combatido pelas iniciativas de implantação da lei: tanto no sistema de ensino, quanto no processo pedagógico.

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Índice

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28Abordagem interdisciplinar

valoriza diversidade

A lei 10.639 no Rio de Janeiro,

em Florianópolis, Blumenau, Criciúma e

Jaraguá do Sul

A experiência de ensino religioso chamada Força

Negra

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06Pesquisa identifica situação

do ensino da história e cultura afro-brasileira e

africana nas escolas

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Novos livros analisam a África e

sua herança

IBGE aprimora aferição de raça no

Censo 2010

Pesquisa com prefeituras é

tema de tese de doutorado

Há mais personagens

negros na literatura infantil

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NEN critica UFSC por inclusão de obra racista

entre leituras do vestibular

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Implantação da lei 10.639 esbarra na gestão do sistema

e das escolasA implantação da lei 10.639 representa avanços para a educação o país, mas tem esbarrado em re-sistências relacionadas à gestão das escolas e do sis-tema de ensino. A avaliação é da professora Nilma Lino Gomes, do Departamento de Administração Escolar da Faculdade de Educação e coordenadora do programa Ações Afirmativas da Universidade

Federal de Minas Gerais. Doutora em Antropologia Social (USP), ela coordenou pesquisa que fez um balanço das iniciativas de implantação da lei em todo o país. Nesta entrevista à coordenadora geral do NEN e doutoranda em educação pela UFSC, Joana Célia dos Passos, ela adianta os principais re-sultados do levantamento, ainda inédito.

A lei 10.639 se inscreve num contexto de incorporação das políticas públicas que indiscutivelmente traz desafios para a educação brasileira, quanto aos processos de conhecimento e à lógica da organização do sistema educacional. O que você considera como desafios e avanços nos sete anos em que vivemos a implementação dessa lei?

O que ainda falta?

O que considero como avanço é o fato de que, de alguma forma, a lei 10.639 e as suas diretrizes conse-guiram pautar a temática racial na educação básica. Essa é uma luta histórica do movimento negro, dos núcleos de estudos afro-brasileiros, de quem traba-lha com a questão racial. Mas a gente sempre teve muita dificuldade de penetrar no sistema de ensino, de incluir a temática racial na discussão do direito à educação, que vise ações afirmativas na educação básica, não somente na educação superior. Um avanço que a lei nos trouxe é o fato de ela ter conse-guido pautar, com todas as dificuldades que a gente tem, a temática racial hoje discutida na educação básica. Inclusive mobilizar, dentro do Ministério da Educação, via SECAD, que é a secretaria onde as dis-cussões da lei são colocadas, recursos públicos para pensar formação de professores, realizar pesquisas, editais. Um exemplo é o UNIAFRO, para mobilizar e potencializar núcleos de estudos afro-brasileiros que vêm realizando trabalhos com a temática racial na educação básica e em outros setores.

A lei é uma conquista também do movimento negro, não uma dádiva do Estado. Ela é uma resposta do Estado diante de demandas, lutas, denúncias, do movimento negro, de pesquisado-

res e órgãos do governo, tipo IPEA. Esse conjunto de agentes atesta que existe desigualdade racial, racismo, discriminação racial no Brasil e que isso tudo também está dentro da escola, na educação básica, na universidade e mais: falta essa discussão na formação dos professores, inicial e continuada. Esse é para mim um grande avanço no fato de a lei e as diretrizes existirem.

A gente não pode ter uma visão ingênua de que tudo está resolvido ou de que a lei conseguiu aten-der ao que demandávamos e ainda demandamos no que diz respeito à temática racial. Nosso desa-fio é fazer com que a lei seja agora enraizada nas escolas de educação básica, nas universidades, nos cursos de licenciatura, nos cursos de pedagogia, nos currículos, que a temática não seja esporádica. Ou seja, a lei pauta a discussão, faz com que ela entre, digamos assim, pela porta da frente, porque ela é uma alteração da LDB. Do ponto de vista histórico, da história da educação do negro no Brasil, isso é significativo. Mas o grande desafio é

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Nilma Gomes coordenou pesquisa que analisou o processo de implantação das novas

diretrizes curriculares para o ensino de história e cultura afro-brasileira e africana.

esse contexto das resistências, da democracia racial, de reco-nhecimento do racismo e do que o racismo significa na escola e na vida de pessoas negras e brancas que circulam pela escola pública brasileira. Esse contexto inviabiliza o enraizamento da lei. Juntamente com isso, ainda precisamos de políticas públicas mais efetivas que garantam a implementação da lei. Temos em nível macro iniciativas, mas as iniciativas em nível micro ainda deixam muito a desejar. Temos hoje o desafio de enraizar a lei nas práticas pedagógicas e na gestão, tanto no sistema de ensi-no, nas secretarias estaduais e municipais, quanto nas escolas. A gente tem conseguido alcançar mais professores e professoras do que aqueles que estão nos órgãos de decisão e de poder. Muitas vezes você tem práticas com professores mobilizados dentro de uma determinada instituição escolar, mas as decisões que tomam para implementação das leis e diretrizes são veta-das, inviabilizadas, ou não recebem apoio e, quando você vai ver, tem uma implicação da gestão da escola, da coordenação pedagógica ou da gestão do sistema. Lamentavelmente, a ques-tão racial ainda fica nesse âmbito em que as pessoas acham que podem concordar ou não com a discussão ou a implementação de práticas pedagógicas ligadas à temática, porque ainda levam a questão para um plano subjetivo, pessoal, ideológico.

Você coordenou em 2009 uma pesquisa nacional que focalizou as práticas pe-dagógicas com relações étnico-raciais na escola, na perspectiva da lei 10.639. O que você destaca dessa pesquisa?

Essa pesquisa foi encomendada pela SECAD e pela UNESCO e ainda está em andamento. Concluímos o trabalho de campo da pesquisa, e agora vamos fazer o relatório final. Temos alguns indícios. A importância de discutir a lei e as diretrizes, inclusive do ponto de vista de uma política educacional da obrigatoriedade de atendimento e cumprimento da lei pelos gestores dos sistemas de ensino, é uma sinalização que a pesquisa tem dado para nós. Em vários lugares do Brasil, você tem desconhecimento ainda sobre o que significa a lei, o que ela representa. Há algumas interpretações: por exemplo, de que a lei não tem que ser implementada nas escolas porque é uma lei dos negros, para os negros, não para a so-ciedade brasileira. Portanto, se a sua escola tem uma grande presença de alunos negros, aí faria sentido implementar a lei, mas, se não, não faz sentido. Isso é uma interpretação equivocada e com elementos do próprio racismo brasileiro, mas passa na cabeça de gestores, seja do sistema de ensino, seja de escolas.

O que a pesquisa tem sinalizado é a necessidade da discussão sobre a lei com os gestores de sistema de ensino e das escolas. Inclusive, além da discussão, um esclarecimento de que é obrigatório: não cabe a um gestor de sistema de ensino escolher se vai ou não implementar, cabe viabilizar aquilo que é dever dele como alguém que está ocupando um cargo público.

Outro indício da pesquisa é que existem práticas em to-das as regiões do país. São 36 estudos de caso. São seis estudos de caso em cada região, e dividimos a região Nordeste em dois, então fizemos lá doze estudos. A equipe das coordenações regionais ficou de uma sema-na até dez dias dentro das escolas observando as práti-cas, entrevistando os gestores, pedagogos, professores e alunos. A pesquisa traz a visão dos alunos. Esse é o objetivo central da lei também, não é? Não é só mudar a mentalidade dos professores: é transformar a prática pedagógica e o processo de ensino, para que passe a ser educativo no que diz respeito à temática racial.

A questão racial ainda não está colocada como um plano do direito à educação. A gente fala da lei não para enfatizar o caráter legalista; é por-que, num Estado democrático, entendemos a lei como uma garantia de direito. Dentro do direito à educação, o direito à igualdade racial, à dife-

rença, à diversidade, é uma pauta de discussão política do movimento negro, de intelectuais, e isso não é bem compreendido ou, quando é, recebe reações contrárias por parte de pessoas que estão hoje em órgãos de poder, na gestão dos sistemas, das escolas.

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A outra coisa que percebemos na pesquisa é o papel crucial que diretores e diretoras têm no pro-cesso de implementação. Uma gestão articulada, que se mostra democrática na prática, é importan-te para vários temas, mas no que diz respeito à te-mática racial é crucial. É crucial a capacidade de ar-ticulação com a comunidade, com os professores, pensar recursos financeiros dentro do orçamento da escola, calcular quanto vamos destinar para projetos e práticas ligadas à implementação da lei. Com todos os perfis diferenciados de gestores que temos, muitas delas ocupam uma liderança muito interessante na própria comunidade. Quando esse diretor ou diretora, independente de ser negro ou branco, ser militante ou não, entende o dever público dele de superação do racismo e de que a escola tem um papel crucial nisso aí, modifica. Observamos diretores que não concordavam com a implementação da lei saírem das escolas!

Outra sinalização interessante da pesquisa em termos de práticas pedagógicas é de que a gente ainda tem mais acúmulo de iniciativas de práticas no debate na questão racial e na afro-brasileira do que propriamente sobre a África. Há um desconhecimento muito grande ainda sobre a história da África, embora já existam trabalhos de desconstrução das ideias e discursos negativos sobre o continente. Na universidade e na formação de licenciados e pedagogos, os currículos, a temática africana... se a afro-brasileira já é difícil de entrar, a africana entra menos ainda. Na universidade, apesar de existirem grupos de pesquisa e pesquisa-dores que trabalham, por exemplo, com a história da África, não é uma quantidade significativa, se compara-da com outros campos da história. Nem sempre essas produções chegam para os profissionais da educação básica; muitas vezes dialogam com os pares acadêmi-cos, não com a escola e com a educação. O próprio Ministério da Educação deverá enfrentar as lacunas no que diz respeito ao investimento numa política para implementação da lei. Precisamos produzir materiais acessíveis para os profissionais da educação básica.

A pesquisa aponta que, para a gestão do sistema de ensino, não basta uma coordenação ou um núcleo da diversidade dentro de uma secretaria para que a implementação da lei aconteça. Há uma confi-guração muito diversificada, irregular e desigual do sistema de ensino brasileiro. Há municípios em que a secretaria municipal tem recursos, tem infra, e em outros é paupérrima, tem o secretário e mais três pessoas; isso inviabiliza não só a temática racial, in-viabiliza o trabalho dessa secretaria em geral. Muitas vezes esse núcleo existe, mas comporta todas as

Como você vê o papel do MEC e dos núcleos de estudos afro-brasileiros (Neabs)? Eles constituem uma infraes-trutura para informar da existência da lei, ajudam na implementação?

O que mais a pesquisa indicou?

temáticas consideradas diversas: gênero, campo, in-dígenas, questão racial. As pessoas que coordenam esse núcleo ficam sempre muito atarefadas, não sabem qual foco privilegiar ou muitas vezes esse nú-cleo existe, mas não há pessoas com competência, acúmulo de discussão sobre a questão racial.

Parece que em nível nacional nós teremos essa diferenciação: municípios e sistemas de ensino que realmente estão implementado a lei através das iniciativas mais variadas, e lugares que não pode-mos falar que está sendo implementada.

De uma forma ou de outra, o trabalho de núcleos de estudos afro-brasileiros tem alguma repercussão e também têm chegado às escolas publicações do MEC e da SECAD, inclusive materiais tipo “A Cor da Cultura”, projetos de âmbito mais geral, que conse-guem operar como suporte para algumas práticas.

O papel do Ministério tem que ser o de indutor do cumprimento dessa lei. Como? Através de políticas educacionais, pautando as questões da lei. Uma das formas de indução também é dire-cionar recursos públicos para que as ações pos-sam acontecer. Ele tem que induzir e juntar com secretários, universidades. O papel de disponi-bilizar recursos financeiros e cobrar, inclusive, o investimento desse recurso.

Pela extensão territorial, pela diversidade regional, pela diversidade étnico-racial do nosso país, nem sempre o material produzido e pensado para o sudeste tem aplicabilidade para o norte e nordeste. Esse é um grande desafio para pensar uma política educacional nacional para implementação da lei. Por isso, o Ministério não pode ficar como aquele

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que vai promover, sozinho. Ele tem que induzir, dar condições, cobrar, avaliar e conseguir parcerias.

Essas parcerias não têm sido com as universidades, porque nelas ainda há resistências enormes ao nosso trabalho. A lei implica a discussão de ações afirmativas e a gente sabe como essa discussão é feita nas univer-sidades, públicas sobretudo. Nas particulares muitas vezes essa discussão nem entra. Dentro das universi-dades, um dos parceiros têm sido os núcleos de es-tudos afro-brasileiros. Os núcleos são muito diferentes entre si, mas existem aqueles com uma constituição de intelectuais e pesquisadores que ou têm trajetória oriunda do movimento negro ou são parceiros da luta do movimento negro, independentemente de serem negros ou não, o que possibilita maior compreensão da complexidade dessa temática. Nessas parcerias

também não se pode desconsiderar o movimento negro. O diálogo com os movimentos sociais é sem-pre muito tenso. Em primeiro lugar porque muitas vezes se acha que o movimento social não tem que fazer intervenção no Estado; é uma leitura equivocada. Acho que o movimento existe para fazer uma inter-venção na sociedade e no Estado porque o Estado faz parte da sociedade, não é mesmo? Em outro sentido também, é lógico que o movimento negro, como um movimento social, sinaliza onde as coisas não estão dando certo, onde estão com maior dificuldade e o movimento tem que ser incisivo na sua luta. Muitas vezes o movimento tem que ser mais incisivo do que negociador. Cobra, é incisivo, cria o espaço, o fato po-lítico, e depois negocia. Isso para a política educacional é algo que o Brasil ainda começa a assistir.

Vocês perceberam nessa pesquisa qual a utilização, pelas escolas, dos materiais que o MEC tem distribuído nacionalmente?

O material produzido pelo Mi-nistério e por núcleos de estudos afro-brasileiros chega de maneira muito desigual às escolas nas diferentes regiões do país. Exis-tem escolas, por exemplo, no Pará, em que, para chegar, são doze horas de barco. Quando se chega, você tem bibliotecas com uma infraestrutura inadequada, escolas totalmente deterioradas. A implementação da lei é como se trouxesse luz para muitos ou-tros problemas da nossa política educacional. Ela exige, para fazer um trabalho sério e competente, que a escola e os educadores tenham condições não só físicas e de infraestrutura, mas de for-mação, de discussão.

Quando chegamos a uma escola em que os professores cotidia-namente não conseguem dar as suas aulas porque a enchente chega e aquilo mobiliza a cidade toda, esse professor acha que no pouco tempo que tem com os seus alunos deve ensinar ma-temática, português, geografia, história... e que qualquer outro tema, qualquer outra questão transversal, vai fazer com que a qualidade do ensino não seja boa. Como temos um sistema de ava-

liação nacional que tem cobrado muito em torno de aprendizagem e de conteúdo, sobretudo ma-tematização e alfabetização, isso entra também em choque com a implementação de uma lei como a 10.639 porque os professores acham que perdem tempo do ensino do que vai ser cobrado nos testes e nas avaliações. Nosso grande desafio talvez seja mostrar para esse professor que se pode trabalhar a temática racial com todos esses outros conteúdos, e muitas vezes ela pode enriquecer a compreensão dos alunos e a di-nâmica de trabalho do professor.

O material que tem chegado às escolas traz a discussão, mas existem reclamações de que muitas vezes são pensados muito mais para a graduação, para pes-soas que têm algum vinculo aca-dêmico, do que para aquele que está na prática, na sala de aula. É delicado fazer essa afirmação porque muitas pessoas dizem que estamos subestimando os professores da educação básica, dizendo que eles não têm capa-cidade de compreender. Não se trata disso. Estamos falando de espaços de atuação diferen-ciados. A educação escolar tem

uma imersão na prática muito concreta, e tem também que tornar compreensível o conheci-mento para sujeitos em idades, gerações, tempos da vida, muito diferenciados. Essa transposição didática é um grande desafio. O material, quando chega, é um suporte, não necessariamente compreensível para todos os educadores que lá estão.

A gente tem que ter um material mais focado e práticas significa-tivas, porque essa é uma boa forma de dialogar com aquele que está na prática. É mostrar que não é receita, mas que existe determinada prática que está sendo analisada, refletida, discutida. Quando isso chega ao profissional que também está na prática, ele consegue dialogar e compreender com mais rapidez.

A implementação dalei exige que a escola eos educadores tenham condições não só físicas, mas de formação, de discussão.

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A Lei 10.639 no espaço escolar

Duas experiências em uma escola de educação básica de Florianópolis (SC)Maria Aparecida Rita Moreira - Doutoranda em Literatura Brasileira pela UFSC. Membro do Programa de Educação do NEN

A lei n° 10.639, de 9 de janeiro de 2003, chegou às escolas do nosso país. A maioria dos professo-res conhece seu conteúdo, e igual maioria cala, se omite, não a inclui nas suas práticas diárias. Precisamos nos questionar se não fazemos parte da maioria que silencia. Precisamos divulgar nos-sas práticas, precisamos gritar que a lei precisa ser cumprida. Precisamos mobilizar nossos pares

para que a lei extrapole o papel e se concretize nas práticas educativas.

O relato de experiência que segue apresenta duas ações realizadas na Escola de Educação Básica Aderbal Ramos da Silva, em Florianópolis, relacio-nadas à construção de um espaço de implementa-ção dos artigos 26-A e 79-A da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional.

Precisamos mobilizar nossos pares para que a lei extrapole o papel e se concretize nas práticas educativas.

O cinema na perspectiva da Lei 10.639: uma proposta

pedagógicaA professora Maria Aparecida durante um bimestre trabalhou, com os alunos dos terceiros anos do Ensino Médio, questões relacionadas à diversidade. Temas di-ferenciados, relacionados a minorias, foram abordados através de textos de inglês com foco nas estratégias de leitura. Os últimos textos trataram de Malcolm X, Nelson Mandela e o Apartheid na África do Sul, Martin Luther King Jr e a luta pelos direitos civis nos Estados Unidos. Além de textos trazidos pela professora, os alunos realizaram pesquisas e debates tentando entender como estes temas estariam relacionados à diversidade e à conquista de espaços pelas minorias.

Para encerrar as atividades do bimestre, a profes-sora fez uma parceria com os professores de ou-tras disciplinas, realizando uma ação interdisciplinar que aconteceu num sábado pela manhã e teve a participação dos professores de Geografia, Inglês, Português, História e Sociologia.

A escolha da atividadeToda e qualquer atividade pedagógica precisa ter seus objetivos bem claros. Desta forma, primeira-mente definimos a atividade: exibição de um filme. Estabelecido o objeto, passamos à definição dos objetivos. Determinamos que o filme deveria ser capaz de: 1) fazer com que os educandos pudes-sem perceber a África como um continente com suas especificidades: cultura, língua, geografia, etc.; e 2) resgatar fatos estudados em sala de aula sobre a história dos afro-americanos.

Mural das atividades da IV Semana da Consciência Negra

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ConclusõesA atividade desenvolvida a partir do filme Amistad foi considerada pelos professores/as, além de um espaço de aprendizagem, um espaço de interação. Os alunos/as, na resolução das atividades propos-tas, demonstraram estar atentos às questões apre-sentadas. Avaliaram a experiência positivamente, percebendo a interdisciplinaridade da atividade. O filme proporcionou outros momentos de debate sobre as questões raciais no espaço de sala de aula e uma visão mais ampla do racismo e de seus des-dobramentos na sociedade atual.

A escolha do filmeO filme escolhido foi Amistad, de Steven Spielberg, que conta a história da revolta em um navio negreiro de nome Amistad, a interdição do navio por ame-ricanos e o julgamento dos africanos pela morte da tripulação do navio. Neste filme, é possível observar a atuação dos abolicionistas na defesa dos africanos.

Os professores/as participantes assistiram ao filme com antecedência e receberam um roteiro elabo-rado pela professora Maria Aparecida (ver quadro acima). Foi solicitado que os professores lessem e, caso considerassem necessário, fizessem alte-rações. Os professores não realizaram nenhuma modificação no roteiro.

Foi marcado com os alunos/as o dia para a exibi-ção do filme. Foram nove turmas convidadas para a exibição, sendo que os alunos deveriam se ins-crever anteriormente.

No dia da exibição, contamos com um público de 120 alunos, considerado excelente pelos professores envolvidos. Antes de iniciarmos o filme, o contextu-alizamos e relembramos os objetivos da sessão. Le-mos as oito perguntas; destas, cada aluno/a recebeu quatro, que deveria responder ao final da sessão.

RoteiroEscola de educação Básica Aderbal Ramos da Silva

Nome: Turma:Filme: Amistad Contexto

A escravidão, verdadeira chaga na história da humanidade, continua a existir ainda nos dias de hoje.

Amistad é um filme lançado em 1997, realizado por Steven Spielberg, escrito por David Franzo-ni. No elenco do filme, atores como Morgan Freeman e Anthony Hopkins; também se destaca Djimou Hounsou, queniano que atua no papel de Cinqué. A história remonta ao ano de 1839 e é baseada em fatos reais que ocorreram a bordo do navio homônimo do filme. Amistad relata a luta de um grupo de escravos africanos em território americano, desde a sua revolta até o seu julgamento.

O filme apresenta uma riqueza muito grande de dados históricos, geográficos, linguísticos e sociais, podendo, desta forma, ser abordado por diferentes disciplinas. Assista-o atentamente e responda às questões abaixo.

1. Qual a polêmica apresentada no filme em relação aos tripulantes do navio La Amistad?2. Quais países brigavam pela posse dos escravos?3. Os Estados Unidos viviam um conflito interno. Quais estados estavam envolvidos?4. Qual o papel dos ancestrais na cultura africana e como estes são mencionados no filme?5. Por que o advogado, Roger Baldwin, é agredido no filme?6. Como acontece a comunicação entre os africanos e os americanos?7. Quais fatos geográficos são importantes na construção da defesa dos africanos?8. Qual flor faz com que Cinqué sinta-se próximo de sua terra? O

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Grupo de Estudos Étnico-Racial – Igualdade para Todos

Em 2006, comecei a representar a escola no Grupo de Estu-dos Afrodescendentes da 18ª Gerência Regional de Educação de Santa Catarina. Assumi o compromisso de desenvolver ações no contexto educativo de modo a mobilizar meus pares a perceber a importância da Lei, aproveitando para repensar a escola como espaço pluriétnico.

A mobilização na escola começou pela leitura, feita por algu-mas professoras, da importância de implementar a Lei 10.639 não apenas em sua disciplina, mas também na construção de um projeto. A primeira a aderir o projeto foi Rosa Maria do Amaral P. Cortinaz, professora de português. Uniram-se a mim e a Rosa, as professoras Cleusa, Janilda e Odete, e iniciamos contato com os alunos e alunas para formação de um grupo de estudos. Todos os profissionais da escola foram convidados para participar.

Maria Aparecida e Fábio Garcia na abertura das atividades

A programação da IV Semana da Consciência Negra da Escola de Educação Básica Aderbal Ramos da Silva foi a seguinte:

Dia 16 – Abertura Oficial com a participação da artista Solange Adão, que declamou o poema “ZUMBI”– Palestra: A África no Currículo Escolar – que zumzumzum é este?

Dia 17 – O cinema na perspectiva da Lei 10.639: uma proposta pedagógicaDia 18 – Palestra: Escritores e poetas negros ao longo do século XIX e XXDia 19 – Exibição e debate do documentário Cidadão InvisívelDia 20 – Apresentação e debate de filme africano, com a participação do Grupo de Estudos Africanos da UFSC

– Apresentação e debate do documentário Malungo– Oficina de Capoeira– Palestra de encerramento: Propostas e encaminhamentos para aplicação da Lei 10.639

Em 9 de agosto de 2006, nasceu o Grupo de Estudos Étnico-racial da Escola de Educação Básica Aderbal Ramos da Silva – Igualdade para Todos (nome escolhido pelos alunos). A partir daquele ano, o cumprimento do artigo 79-B da LDB (9394/96) ficou garantido, e o dia 20 de novembro passou a fazer parte das datas come-morativas da escola.

O Grupo de Estudos Étnico-racial – Igualdade para Todos se tornou também um espaço de debate sobre as questões raciais. A partir da data de funda-ção, uma vez por semana, um grupo de professo-ras e alunos/as se reunia durante uma hora para ler textos relacionados à temática e contextualizá-los.

O grupo ganhou espaço no Projeto Político Pe-dagógico da escola, sendo suas ações socializa-das nas reuniões pedagógicas. As atividades do grupo saíram do espaço da sala onde os encon-tros aconteciam, interagindo com a comunidade escolar e seu entorno.

De 2006 a 2008 o grupo realizou atividades não apenas em novembro, mas também em

março (dia 21, dia Internacional Contra a Dis-criminação Racial); atividades com todos os alu-nos/as da escola, refletindo sobre o 13 de maio; panfletagem na frente da escola; palestras com diversos convidados; teatro; oficinas; gincanas; publicação de informativo; participou das mos-tras realizadas pela 18ª Gerência de Educação; apresentou uma comunicação oral no III Semi-nário de Educação, Relação Raciais e Multicultu-ralismo, realizado pelo NEAB/UDESC.

O grupo ganhou espaço no Projeto Político Pedagógico, e suas ações foram socializadas. As atividades saíram da sala onde os encontros aconteciam, interagindo com a comunidade.

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Em 2009, na reunião de planejamento do início do ano, conversei com os professores, lem-brando que a Lei deixa claro que os conteúdos devem fazer parte do currículo e que, neste ano, cada professor deveria procurar inseri-lo dentro de sua disciplina. O Grupo de Estudos Étnico-racial – Igualdade para Todos teria cumprido seu papel de apresentar a Lei à comunidade escolar: era momento de cada um fazer sua parte. Infeliz-mente, apenas as professoras que já trabalhavam com a temática deram continuidade. Muitos bons professores/as permaneceram calados.

Para garantir que pelo menos o artigo 79 da LDB fosse cumprido, a escola contou com a partici-pação do historiador e professor Fábio Garcia. Juntamente comigo, com Rosa, com alguns ex-integrantes do Grupo de Estudos Étnico-racial – Igualdade para Todos e com o apoio da direção da escola, realizamos a IV Semana da Consciên-cia Negra da Escola de Educação Básica Aderbal Ramos da Silva, intitulada “A África no Currículo Escolar: que zumzumzum é este?”, no período de 16 a 20 de novembro de 2009 (ver quadro). A Semana foi aberta a toda a comunidade esco-lar, sendo convidados também os professores/as das escolas públicas da grande Florianópolis.

ConclusõesO projeto Grupo de Estudos Étnico-Racial – Igualdade para Todos aconteceu de 9 de agosto de 2006 a dezembro de 2008, e em 2009 os participantes do grupo auxiliaram na organização da Semana da Consciência Negra da escola.

O número de alunos/as participantes do grupo durante esses anos nunca atingiu um patamar muito alto. Os motivos para a pouca participação estiveram relacionados ao fato de os encontros

Rute apresenta o documentário do projeto Malungo

acontecerem, semanalmente, das 12h30 às 13h15 e ao fato de grande parte dos alunos/as estarem participando do projeto de bolsa de trabalho (trabalhavam no período oposto ao das aulas, não podendo permanecer na escola após as aulas, ou tendo dificuldade para chegar mais cedo). Dos alunos/as que integraram o grupo, foi possível perceber grande interesse e participação nas atividades desenvolvidas.

Apesar das dificuldades (horário em que aconte-ciam os encontros, desinteresse da maioria dos professores em conhecer e participar do projeto, falta de verbas para compra de materiais que dinamizassem os encontros, etc.), pode-se dizer que o projeto deu visibilidade à Lei 10.639 na escola e em seu entorno.

O número de participantes nunca atingiu um patamar muito alto, porque grande parte dos alunos/as trabalhava no período oposto ao das aulas

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Diversidade étnico-racial: uma proposta de

auxiliares de ensino da Rede Municipal de Florianópolis

Karina de Araújo Dias1 e Paulo Roberto Ricardo2

Desempenhar a função do auxiliar de ensino é, no mínimo, uma tarefa desafiadora e que requer uma ação pedagógica intencional, centrada em um pla-nejamento coerente e articulada com a proposta pedagógica da unidade educativa.

Nesse sentido, em cumprimento às leis 10.639/03 e 11.645/08, que regulamentam o ensino da História da África e da cultura afro-brasileira e indígena, os autores buscam situar a sua proposta de trabalho, entendendo a relevância da temática e a necessidade de buscar novos elementos para a discussão com as alunas, preferencialmente dife-renciados em relação aos conteúdos comumente trabalhados pelos professores-regentes.

Com a inclusão da diversidade étnico-racial no projeto político pedagógico da Escola Desdobrada Antônio Paschoal Apóstolo, no ano de 2007, este tema passa a ser alvo de discussões e reflexões por parte dos docentes, buscando encontrar no currí-culo a inter-relação com o tema, tendo os sujeitos como referência, tal como sugerido na Proposta Curricular da rede, onde buscava-se “ressaltar a importância do currículo escolar como instrumen-to capaz de atuar nas transformações que se fazem necessárias à eliminação das práticas sociais racis-tas” (FLORIANÓPOLIS, 2008, p. 193).

Aliada a essas ações, houve a participação da autora na formação continuada promovida pelo programa de diversidade étnico-racial da Secretaria Municipal de Educação de Florianópolis e a sua participação em eventos como relatora de experiência no Tic & Educação (2006), III Seminário de Diversidade ét-nico-racial da Prefeitura Municipal de Florianópolis (2007) e Mostra Escola promovida pela Escola do Legislativo de Santa Catarina (2007).

É necessário pontuar que a temática já se encon-trava presente na proposta de trabalho dos autores antes desse período, no entanto ela vem a se efe-tivar de forma mais consistente a partir de 2008, quando o autor passa a fazer parte do quadro de docentes da citada unidade educativa, trazendo

sua experiência profissional no trato com o tema iniciada na Escola Básica Luiz Cândido da Luz.

No ano de 2008, contamos com a palestra de sensibilização, tal como denominada pela consul-tora, professora Joana Célia dos Passos3, quando foi possível problematizar as ações pedagógicas e apontar novos caminhos na construção de uma proposta que pudesse contemplar toda a escola.

Partimos do pressuposto de que vivemos em uma sociedade capitalista e, por consequência, desigual, onde as oportunidades obedecem às diversas variantes: econômicas, políticas, sociais, culturais, étnico-raciais e tantas outras. Nesse sentido, em detrimento de uma pseudodemo-cracia racial, evocam-se os ideais “politicamente corretos” na forma de discursos contrários à ótica

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O racismo no Brasil age de forma silenciosa e sutil. Podemos educar para transformar as relações étnico-raciais.

1 Pedagoga e Especialista em Psicopedagogia - Auxiliar de Ensino efetiva na Rede Municipal EDM Antônio Pas-choal Apóstolo. Mestranda em Educação (UFSC).

2 Pedagogo e Especialista em Práticas pedagógicas interdisci-plinares - Auxiliar de Ensino efetivo na Rede Municipal EDM Antônio Paschoal Apóstolo e EBM Maria Conceição Nunes.

3 Doutoranda pela UFSC e autora de diversos trabalhos, membro do NEN (Núcleo de Estudos Negros) e mãe de aluno da escola.

4 Sociólogo francês e teórico da corrente intitulada Micro-sociologia.

5 Mestre pela UFSC e consultora do Centro de Estudos das Relações de Trabalho e Desigualdades e Membro Titu-lar do Ministério da Educação, autora de diversos trabalhos.

do preconceito e do racismo. O Brasil concentra o maior contingente negro fora da África, a cha-mada diáspora africana. O racismo no Brasil está imbricado nas instituições públicas e privadas, e age de forma silenciosa e sutil.

A escola é um espaço privilegiado, onde pode-se e deve-se discutir as questões ora colocadas, con-tribuindo efetivamente para um novo paradigma educacional, no qual podemos educar para trans-formar as relações étnico-raciais.

Nesse sentido, a relevância da temática é com-preendida como motivadora da proposta que, aliada à experiência profissional dos autores, vem a cumprir as leis 10.639/03 e 11.645/08.

Dentre as várias correntes teóricas que discursam sobre a temática (intercultura, multiculturalismo, plura-lidade cultural, entre outras) sem, no entanto, chegar a consenso, elencamos alguns autores que traçam dire-trizes e permitem a reflexão que orienta a proposta.

Pierre Bourdieu4 trabalha com a perspectiva dos “Excluídos do interior”, e a partir da análise de experiência das escolas francesas traça um para-lelo com o Brasil, discutindo que, mesmo após a democratização do acesso à escolarização básica, ainda perpetuam-se os processos de exclusão, dessa vez no interior da escola. A hierarquização dos saberes escolares e a prioridade dada a de-terminadas habilidades, capacidades e conteúdos

perpetua os processos de seleção e exclusão. Nesse ínterim, salientamos o chamado “embran-quecimento” do currículo e a negação efetivada pela omissão de determinadas culturas nas pro-postas curriculares das escolas.

Joana Célia dos Passos e Jeruse Romão5 apontam para a necessidade de a prática pedagógica permi-tir a construção de identidades étnicas e políticas, visando romper com o embranquecimento do currículo, bem como a urgência em compreender e respeitar as diferenças entre os grupos étnicos e as diversas culturas que os perpassam.

Nossa proposta tem como objetivos: favorecer o reconhecimento das identidades étnicas, promover a visibilidade dos diferentes grupos, através das ma-nifestações culturais e dos valores civilizatórios, bem como valorizar e disseminar o respeito às diferenças, buscando educar para novas relações étnico-raciais.

Isso significa reconhecer que a sociedade brasileira é formada por pessoas que pertencem a grupos étnico-raciais distintos, que possuem cultura e histó-ria próprias, igualmente valiosas e que em conjunto constroem, na nação brasileira, sua história (Diretri-zes Curriculares Nacionais). Sendo assim, a prática pedagógica deverá estar pautada na igual valorização das diferentes etnias que compõem esta nação.

Pensar cultura no Brasil significa considerar a formação social que resultou num peculiar modelo de sociedade

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multirracial e pluriétnica. Para tanto, precisamos identificar na nossa prá-tica pedagógica o preconceito, que se materializa através de um conjun-to de valores e crenças estereotipadas que levam um indivíduo ou um grupo a alimentar opiniões negativas a respeito de outro, com base em informações incorretas, incompletas ou por ideias preconcebidas.

Nesse sentido, o racismo está nas estruturas de poder, baseadas na ideologia da existência de raças superiores ou inferiores. Pode evidenciar-se na forma legal, institucional e também por meio de mecanismos e de práticas sociais focados na visão de que o eurocentrismo deva ditar os padrões culturais da sociedade, con-siderando os demais grupos inferiores.

Mitos, lendas, fábulas e contos são partes integrantes dos valores civilizatórios comuns a africanos e indígenas; saber dos “velhos”, tradição oral, propriedade coletiva e harmonia com a natureza são valores passados de geração a geração, contribuindo para valorização e perpetuação da cultura desses dois povos.

Poucas coisas mudaram no mundo nos últimos cem mil anos. Naquela época, os primeiros seres humanos modernos surgiam na África e co-meçavam a se espalhar por outros continentes. Eles eram praticamente idênticos aos mais de seis bilhões de pessoas que habitam hoje o pla-neta. De lá para cá, os únicos retoques que nossa espécie sofreu foram pequenas adaptações aos diferentes ambientes, mudanças exteriores para lidar melhor com lugares mais frios, secos ou com ventos mais fortes. O lado triste dessa incrível capacidade de adaptação é que as diferenças físicas foram usadas para avaliar pessoas à primeira vista e atribuir-lhes qualidades e defeitos. Milhões foram escravizados, mortos ou discriminados por causa da aparência física (Kenski, 2003).

No Egito, berço da civilização, existem verdadeiras maravilhas, como as pirâmides. Com construções perfeitas, esses monumen-tos oportunizam um amplo estudo de física e matemática, demons-trando assim que a produção cultural aconteceu historicamente em todas as civilizações, portanto todas devem ser respeitadas.

Acreditamos que o ato de contar histórias para os alunos favorece a construção de conhecimentos e valoriza a cultura negra e indí-gena. Os filmes e documentários são instrumentos que nos auxi-liam na discussão do tema, provocando debates que com certeza contribuirão para a formação de sujeitos que poderão intervir na sociedade buscando um mundo mais justo.

Igualmente, as manifestações artísticas, como desenho, pintura, releitura de obras, confecções de panôs com símbolos africanos, entre outras, são momentos significativos nos quais as crianças podem elaborar conceitos e desenvolver suas habilidades por meio de trabalhos práticos, como a confecção de pirâmides e a produção de máscaras africanas.

A leitura e a produção de diferentes gêneros textuais, como po-emas, textos informativos e literários, igualmente contribuem na alfabetização e produção textual dos alunos.

Priorizamos o diálogo e a interação nessa proposta, com a qual buscamos identificar o que os alunos sabem sobre a temática, para que a intervenção pedagógica avance de acordo com a necessida-de. O trabalho em grupos contribui para a interação e a troca de experiência, e as crianças têm a oportunidade de conversar com os colegas sobre o que aprenderam.

Referências

FLORIANÓPOLIS, Prefeitura Municipal de. Secretaria Municipal de Educação. Departamento de Educação Fundamental. Proposta Curricular / Prefeitura Municipal de Florianópolis. Florianópolis, 2008.

LIMA, I. C. ; ROMÃO, J. ; SILVEIRA, S. M. (orgs.) Os negros, os conteúdos escolares e a diversidade cultural II. Série Pensamento Negro em Educação. Florianópolis: NEN, 1998.

MEC. Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana. Brasília-DF, 2004.

NOGUEIRA, J. C. (org.) Multiculturalismo e a Pedagogia Multirracial e Popular.Série Pensamento Negro em Educação. Florianópolis : Atilènde – NEN, 2002.

PASSOS, J. C. dos (org.) Negros em Santa Catarina. Série Pensamento Negro em Educação. Florianópolis: NEN, 2006.

Contar histórias para os alunos favorece a construção de conhecimentos e valoriza as culturas negra e indígena.

Paulo Roberto Ricardo: a leitura ajuda a produzir um mundo mais justo

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O projeto “Baobá: gênero e africanidades na sala de aula” foi uma estratégia de intervenção numa escola pública do municí-pio de Nova Iguaçu4, região metropolitana do Rio de Janeiro. O projeto foi uma das ações de extensão do LEAFRO – La-boratório de Estudos Afro-Brasileiros/NEABi, da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, apoiado pelo Decanato de Extensão e vencedor do Edital nº 002/2007 – Programa de bolsas institucionais de extensão. A equipe visava aplicar a Lei 10.639, que altera a LDB nº 9.394/96 e determina a inserção dos conteúdos de História da África e Cultura Afro-brasileira no currículo da educação básica, bem como atender às Di-retrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-Raciais (Parecer 003/2004), além de abordar a questão da hierarquia de gênero no cotidiano escolar.

O projeto Baobá foi desenvolvido nos turnos manhã e tarde, com alunos e alunas do primeiro segmento do ensino fundamental. A equipe era composta da coordenação, equipe de apoio e três estudantes bolsistas do curso de Pedagogia. Através de atividades pedagógicas variadas, como oficinas de dramatização, de con-tadores de história, lendas africanas, leituras de imagens, arte-educação, produção de textos, músicas, projeções de filmes, de-senhos, recreação e cultura, as bolsistas provocavam o debate e despertavam o interesse sobre os temas do projeto. A equipe do projeto, articulada com a equipe técnica-pedagógica e a direção da escola, organizaram três grandes eventos: Semana da Mulher, Maio dos Trabalhadores e I Semana da Consciência Negra.

Consideramos que os resultados alcançados pelo projeto aten-deram, em parte, às metas inicialmente previstas de formação pedagógica dos educadores e educandos. Cerca de 50 profissio-nais, entre professores e orientadores, participaram do Encontro Pedagógico e oficina de formação e cerca de 45 turmas foram atendidas pelo projeto, na perspectiva da arte, história e cultura afro-brasileira, valorização da identidade racial e da pluralidade. Ao discutir tais questões com os docentes e discentes, buscou-se contribuir, mesmo que modestamente, com a escola em sua missão formadora e oferecer subsídios conceituais para esses sujeitos históricos se posicionarem com equilíbrio em um mundo de diferenças e de infinitas variações, para que possam refletir so-bre o acesso de todos/as à cidadania e compreender que, dentro dos limites da ética e dos direitos humanos, as diferenças devem ser respeitadas e promovidas e não utilizadas como critérios de

Baobá: gênero e africanidades na

sala de aulaCláudia Regina de Paula1, Mariângela Campos Dias 2, Danielle Milioli

Ferreira 3, Dandara de Oliveira Ramos e Camila Bezerra Barbosa

1 Técnica em Assuntos Educacionais da UFRuralRJ/Institu-to Multidisciplinar/Coordenadora do projeto de extensão: Baobá: gênero e africanidades na sala de aula”, integrante do LEAFRO/Neabi da UFRRJ. Doutoranda em Educação pelo PROPEd/UERJ, mestre em Política Social pela Uni-versidade Federal Fluminense/UFF, pedagoga, especialista em Relações Raciais e Educação pelo PENESB – Progra-ma de Educação sobre o Negro na Sociedade Brasileira/UFF, [email protected]

2 Técnica em Assuntos Educacionais da UFRural/Instituto Multidisciplinar, integrante da equipe do projeto. Mestre em Ciência e Tecnologia de Alimentos pela UFRRJ. [email protected]

3 Alunas bolsistas do curso de Pedagogia responsáveis pelo desenvolvimento do projeto na E. M. Monteiro Lobato.

4 De acordo com o censo de 2000, Nova Iguaçu tinha uma população de 754.519 habitantes, correspondentes a 7,0% do contingente da Região Metropolitana, com uma propor-ção de 93,8 homens para cada 100 mulheres. Sua popu-lação estimada em 2005 era de 830.902 pessoas, sendo 55,3% afro-descendentes (42,6% pardos, 12,7% pretos), 43,2% de brancos, 0,2% amarelos, 0,3% indígenas e 1,1% sem declaração. O número de católicos é de 43%; 29% evangélicos; 22% sem religião e 6% de outras religiões.

Casa típica do Quilombo São José (em Barra Mansa, RJ)

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Eventos do Projeto Baobá

Consciência negra

“Afro-cine”: “Kiriku e a feiticeira” para os alunos do primeiro do primeiro segmento e “Vista minha pele” para os alunos do segundo segmento

Concurso de bonecas e bonecos negros (alunos e alunas do 1º seg)

Concurso de beleza negra (alunas e alunos do 2º seg.)

Apresentação do grupo hip hop “Enraizados” e do grupo de capoeira

Maio dos Trabalhadores

• I Concurso de Redação e Poesia• Temas: • Dia do Trabalhador• Trabalho Infantil• Trabalho Voluntário• Desemprego • Diferenças salariais entre

homens e mulheres• Diferenças salariais entre negros

e brancos• O primeiro emprego • Profissões: homens e mulheres.

Destinado aos alunos e alunos do quinto ano de escolaridade

As redações foram publicadas em um LIVRO GIGANTE exposto na biblioteca

Gincana e mostra de talentos

Semana da Mulher

A história do Oito de Março; Personalidades Femininas;Mulher e Saúde; a Lei Maria da Penha (Lei 11.340/2006); Mulheres no mercado de trabalho.

Exibição do curta: Acorda Raimundo, Acorda!Debate

Oficina: Menina Bonita do Laço de Fita

Buscamos atender à formação de nossas alunas nessa ação, como sujeitos, autônomos e críticos, com vistas à construção de uma sociedade em que as diferenças raciais, de gênero e outras não condicionem os resultados escolares.

exclusão social e política. Percebemos a resistência de alguns docentes na participação das ativida-des, sobretudo na organização da I Semana da Consciência Negra. A recusa e resistência foram vencidas, em parte, em razão do engajamento de outros profissionais (da História, das Artes e da Pedagogia). Destaco o fato de alguns desses serem oriundos do curso de extensão “Afro-brasileiros, desigualdades raciais e educação no Brasil”, pro-movido pelo LEAFRO.

Buscamos atender à formação de nossas alunas nessa ação de extensão, como sujeitos, autôno-mos e críticos, conhecedores da diversidade da sociedade brasileira com vistas à construção de uma sociedade em que as diferenças raciais, de gênero e outras não condicionem os resultados escolares. Nossas bolsistas tiveram apoio teórico para fundamentar suas práticas e participaram de diversas atividades, entre elas: apresentação do projeto na I Jornada Leafro; visita ao Quilombo São José (Barra Mansa-RJ), em festa realizada pela comunidade; XIII Bienal do Livro, no Riocentro, na palestra “Diversidade e Ações Afirmativas” or-ganizada pelo CEAP - Centro de Articulação das Populações Marginalizadas; participação no Fórum Mundial de Educação de Nova Iguaçu, em 2008; e outras atividades pertinentes à formação.

Esperamos ter colaborado para a desconstrução dos mitos e estereótipos que permeiam o senso comum, realizando leituras mais atentas de imagens e mensagens explicitas ou implícitas no cotidiano, além da reelaboração da práxis pedagógica com-prometida com o combate à discriminação. Acredi-tamos ter contribuído um pouco para a implemen-tação da Lei 10.639 além de fomentar o debate em torno das relações de gênero naquela escola, mas sabemos que ainda há muito o que fazer.

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Projeto Cultura Afro leva capoeira e

hip-hop à escolaLuis Fernando Olegar - Professor de Educação Física.

Membro do Movimento de Consciência Negra do Vale do Itapocu (MOCONEVI) em Jaraguá do Sul

Capoeira nas aulas de educação física, forma de implementar a lei 10639/03

Grupo de canto afro: Taina, Rodrigo, Deise, Suelym, Lia, Claudiana

Na escola, valores morais e sociais são trabalhados com ações educacionais objetivando uma postura crítica que leve a uma melhora da sociedade. É nela também que preconceitos, estereótipos e discriminações são reforçados de forma impercep-tível. Foi com esta preocupação que em março de 2008 organizamos na Escola Municipal de Ensino Fundamental Rodolpho Dornbusch, em Jaraguá do Sul, o Projeto de Inclusão da Cultura Negra nas aulas de educação física, através de aulas de capoeira, e posteriormente com a inclusão do Hip Hop, da música africana e do maculelê.

O projeto, que, ao ser apresentado em reunião pedagógica, passou a ter abrangência em toda co-munidade escolar, tinha como objetivo inicial incluir a lei 10.639/03 na disciplina de educação física.

Durante o ano, organizamos atividades estratégi-cas marcantes na execução do projeto. No mês de Abril acontece a 3ª edição do seminário de liderança e diversidade, onde pessoas negras e índias podem expor aos alunos como chegaram a exercer um cargo ou situação de liderança e qual a importância da diversidade em todos os setores da sociedade. Este evento dá início aos trabalhos que são realizados durante o ano enfocando questões relativas à cultura afro-brasileira nas turmas de jar-dim ao 9° ano do ensino fundamental.

O III° Seminário de lideranças e diversidade tem como objetivo discutir a importância da diversi-dade étnico-racial nas situações de lideranças e nos cargos de poder. Para isso são convidadas várias personalidades que irão transmitir suas experiências na luta por maior equidade em nossa sociedade.

Nas edições de 2008 e 2009 tivemos a honra de termos a participação de Jorge Luiz da Silva Souza, presidente da Fundação Cultural de Jaraguá do Sul; Júlia Américo, diretora da EMEF Max Schubert; Marlene Rosa, presidente do Moconevi (Movi-mento de Consciência Negra do Vale do Itapocu);

Imagens do seminário de Lideranças e diversidade

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Atividades Realizadas no Dia de Consciência Negra na escola

Maria Lúcia Richard, Supervisora de Ensino da Se-cretaria de Educação do Estado de Santa Catarina e primeira vereadora negra do Vale do Itapocu; Francisco Valdecir Alves, primeiro vereador negro no município de Jaraguá do Sul; Sandra Helena Maciel, professora e primeira presidente do Mo-conevi; e Rosa Nilva de Melo, professora da Escola Almirante Tamandaré.

Em 2009, a atividade que obteve maior visibilidade foi o grupo “Quarteto de Seis”, formado pelos alunos Claudiana, Deise, Taina, Lia, Suelyn e Ro-drigo. O Grupo, que canta música africana e afro-brasileira, participou de várias atividades na escola e na comunidade apresentando parte do projeto na Conae (Conferencia Nacional de Educação) nas fases municipal e regional, no I° Seminário Inter-nacional de Cultura e Desenvolvimento e Diver-sidade Religiosa na América Latina, na cidade de Blumenau, no Encontro das Etnias de Jaraguá do Sul, além de apresentações em várias escolas das redes municipal, estadual e particular de Jaraguá.

A culminância do trabalho anual acontece em 20 de novembro, Dia Nacional de Consciência Negra, evento que relembra na escola a saga de Zumbi, último rei de do Quilombo dos Palmares. Esta atividade, além de pedagógica, é um momen-to de valorização da cultura, pois são organizadas diversas oficinas com pessoas que vivem a cultura africana e afro-brasileira em grande diversidade de manifestações culturais. Atividades nas áreas de culinária, estética, música, dança, teatro, reli-giosidade, capoeira angola e regional, maculelê, rap, grafite, máscaras africanas são apresentadas aos alunos, que têm a oportunidade de vivenciar e valorizar as atividades e os próprios artistas que encontraram na arte afro-brasileira a forma de expressar todo seu talento.

Tran

ça A

froG

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acul

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A cultura africana e afro-brasileira tem grande diversidade de manifestações, nas áreas de culinária, estética, música, dança, teatro, religiosidade, capoeira angola e regional, maculelê, rap, grafite, máscaras africanas...

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Abayomi (bonecos)

O projeto Escola para Todos tem o objetivo de criar o gosto pela leitura na turma do primeiro ano do ensino fundamental na Escola Rodolpho Dornbusch, em Jaraguá do Sul, como também de oportunizar que as crianças percebam a diversidade que carac-teriza a espécie humana. Formar cidadãos que res-peitem e valorizem as diferenças humanas é um dos desafios na educação para a diversidade. Durante o ano, os alunos, junto à família, terão um momento de reflexão ao participar deste trabalho junto à escola.

A cada três dias, o aluno é sorteado, tendo a opor-tunidade de levar uma sacola para casa. Dentro da sacola há o livro de história “Menina Bonita do Laço de Fita”, um caderno de registro e a compa-nhia de uma boneca de origem africana. O aluno deverá realizar a leitura do livro com a família, na companhia da boneca que recebeu do grupo em 2009 o nome de Kenia. As crianças podem brincar com a boneca de pano em casa.

No caderno de registro, o aluno desenvolve uma atividade pedagógica relacionada ao tema, e sua fa-mília deixa registrada a mensagem que guardou em seu coração depois da leitura do livro Menina Bonita do Laço de Fita, de Ana Maria Machado.

Ao contar histórias, estamos vivenciando um momen-to de troca, de comunicação que estimula a curiosi-dade por novas histórias e é também um potente instrumento de estímulo a outras leituras. Um dos pais enviou o seguinte recado: “Parabéns a todos os professores, foi muito importante a visita da Kenia. Assim a minha filha entendeu por que tem famílias brancas, morenas e negras, porque ela não gosta de ser morena.” E um aluno relatou o seguinte à profes-sora: “Brinquei muito com a Kenia e assisti à televisão com ela. Ela dormiu comigo. Mostrei a casa para ela.”

A boneca Kenia ajuda pais e alunos a

entender as diferençasProfessora Terezinha Torezani

Ao contar histórias, vivenciamos um momento de troca, de comunicação que estimula a curiosidade por novas histórias e é também um potente instrumento de estímulo a outras leituras.

A cada três dias, um aluno é sorteado para levar a boneca para casa

Projeto estimula a diversidade em escola de Jaraguá do Sul

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Cultura e religiosidade

africanas nas aulas de ensino religioso

Morche Ricardo Almeida1

Os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs) em seu volume 10 (BRASIL, 1998) abordam acerca da constituição da pluralidade cultural no Brasil e situa-ção atual. Apresentam, como sugestão de trabalho, a diversidade religiosa e cultural ampla. Esta, por sua vez, fora trazida pelos imigrantes, embora também encontrada na América. Apresenta ainda que essa diversidade religiosa nem sempre foi bem recebida pelo sistema dominante, em razão do nacionalismo exacerbado e da aculturação imposta.

Poder-se-ia falar sobre as histórias das diversas reli-giões que devem ser conhecidas pelos docentes em seu período escolar. Mas a proposta é alertar sobre a necessidade de garantir o conhecimento das histó-rias das religiões –conhecidas como tradicionais; em especial, as derivadas das matrizes africanas.

A escola deve estar aberta para receber e conce-ber as diversas religiões que são professadas não tão-somente por educandos, mas também por docentes. No dia-a-dia, entretanto, não é esta a realidade em que se vive. Comemora-se a Páscoa, dia de Nossa Senhora Aparecida, São João, Na-tal, dentre outras manifestações religiosas, todas voltadas ao cristianismo e, em especial, ao catoli-cismo. Na elaboração dos conteúdos e nos PPP s̀ registra-se que são todos iguais e com os mesmo direitos; mas, na prática, isto não ocorre.

Falar em Candomblé, em Umbanda, em Xangô, em Xambá, em Batuque e tantas outras manifesta-ções religiosas preservadas no Brasil em sala de aula é terreno perigoso. Ao menos em algumas unida-des escolares. A imagem que docentes e educandos em grande maioria têm de um terreiro ou de uma

casa-de-santo é a imagem de um espaço proibido. O melhor é não falar sobre o assunto. Muitos não conhecem nada sobre a história e os valores des-tas religiões e preferem trabalhar a questão moral e ética a mostrar aos seus alunos a grande diver-sidade religiosa existente na sociedade brasileira. Talvez, esta seja a forma de manter na memória da sociedade a construção elaborada durante séculos contra o afro-descendente e sua história.

Com maestria, com manifestação de sapiência e intelectualismo, cita-se a mitologia grega e romana, até algumas pinceladas se dá em torno da egípcia. A mitologia da África negra, porém, não se conhece e não se discute em nenhum momento. É como se, na realidade, não existisse. Parece até que a história do Brasil não está construída na cultura e religião africa-nas – história de homens e mulheres que deixaram sua terra natal contra a sua vontade, trazidos ao Brasil em navios negreiros de comerciantes de gente, de seqüestradores, conforme cantou o maior poeta brasileiro, Castro Alves, em Tragédia no Mar.

Trama de saberesA proposta de trabalhar o conhecimento das histórias das religiões de matriz africana surgiu devido à execu-ção do Projeto África, na Escola Básica Municipal Ma-chado de Assis, em Blumenau (SC). Foi apresentado aos educandos do último ano no Ensino Fundamen-tal, que já estavam vivenciando nas outras disciplinas a história e cultura da África e afrodescendentes. O primeiro contato dos educandos com o tema foi por meio do texto Religião Tradicional Africana, com o qual tiveram o momento de discutir o porquê da denominação “religiões tradicionais”, aproveitando a

1 Morche Ricardo Almeida é graduado em História, na FURB, e pós-graduado em Pedagogia Gestora com ênfase em Administração, Supervisão e Orientação, na FACEL e em Enfrentamento a Violência Contra Crianças e Adolescentes - PUC/PR. Mestrando em Ciências da Educação pela Universidad del Mar/Chile.

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Dever de Casa

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Lei 10.639/03, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional, para incluir no currículo oficial da rede de ensino a obrigatoriedade da temática “Histó-ria e Cultura Afro-brasileira”.

Durante a execução das atividades, os educandos tiveram a oportunidade de entender que no con-tinente africano, além de suas religiões tradicionais, destacam-se o islamismo, o cristianismo e o hin-duísmo, sendo abordada a religião tradicional dos africanos negros; além de incluir os ritos e elemen-tos que fazem parte das religiões africanas. Procu-rou-se entender por que é tão difícil para nossa mentalidade compreender as religiões tradicionais. A partir daí, fez-se um paralelo entre a religião dos africanos e a religião dos nativos da América.

Depois de concluídas as etapas iniciais, prosse-guiram-se os estudos, agora com o auxílio de retroprojetor e transparência. Foram abordados, para situar o educando no contexto da história do Brasil, a miscigenação étnico-cultural e religiosa, os grupos de linhagem, a diversidade religiosa em vir-tude dos vários povos que formaram a população. Debateu-se a tolerância religiosa e a importância de mitos e rituais para as religiões.

Na sala de informática, os educandos pesquisa-ram na Internet o panteão do Candomblé e suas relações com os santos católicos. Em seguida, elaboraram murais com gravuras relativas a suas pesquisas. Em sala, discutiram-se as diferentes concepções acerca de religiosidade. A partir dos debates em sala, buscou-se compreender o sin-cretismo religioso observado no Brasil.

Na etapa final, os educandos assistiram a vídeos que tratavam da mitologia religiosa africana: A espada justa de Ogum; A ponte entre o Orum e o Aiyê; A porção humana dos orixás; No tabuleiro de Iansã; O sopro sagrado de Olorum; Omolu dança só; Ossaim, o malabarista das folhas. Durante os debates, concluí-ram que a mitologia africana nada deve à grega, ro-mana, hebraica, chinesa, indiana, dentre outras. Na conclusão do trabalho percebeu-se que o educando conseguira ser capaz de questionar, criar, interpretar o mundo, conviver com as transformações, de en-tender o outro, o mundo e a si mesmo.

Considerações finaisEstudar em Ensino Religioso a diversidade das religiões brasileiras e suas afinidades com o berço em terras africanas possibilita romper com o pre-conceito, a discriminação e o racismo no que se refere à cultura e à religião dos afrodescendentes. Vencendo este estereótipo, podem-se vivenciar outras possibilidades em sala de aula e, por con-seguinte, na sociedade. Foi ao que se propôs este

trabalho com educandos do Ensino Fundamental: valorizar a presença da cultura afro-brasileira em seu cotidiano e refletir sobre o espaço ocupado pelas religiões no contexto de insurgência da iden-tidade afro-descendente no Brasil.

Com esse modelo de busca do conhecimento, os educandos descobriram que a história da religião e cultura africana é tão rica quanto a de outros conti-nentes. Aprenderam a respeitar o modo de ser e de viver de cada grupo religioso, independente de cor, de raça, de grupo étnico. Conheceram a história dos orixás, entenderam a necessidade dos negros africanos em substituir as suas divindades por santos católicos e, apesar disto, preservar a sua religiosida-de, mesmo sofrendo mazelas para que apagassem suas tradições culturais e religiosas e adotassem as tradições culturais e religiosas dos colonizadores.

A propósito da Lei 10.639/03, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional, para in-cluir no currículo oficial da rede de ensino a obri-gatoriedade da temática “História e Cultura Afro-brasileira”, docentes e discentes têm a possibilidade de aproximarem as histórias culturais e religiosas da África e do Brasil. Resgata-se, deste modo, o valor do ser humano, independente de origem étnica, cultural ou religiosa.

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Dissertativa

A força negra no ensino religioso

Adriana Candido Delphino e Cleusa Schmidt Krüger - Professoras de Ensino Religioso

O Ensino Religioso é um componente curricu-lar e uma área do conhecimento. É de matrícula facultativa, parte integrante da formação básica do cidadão e constitui disciplina nas escolas públicas de ensino fundamental, assegurado o respeito à diversidade cultural religiosa do Brasil, vedadas quaisquer formas de proselitis-mo. Portanto, sua ênfase deve estar no diálogo intercultural e inter-religioso, de abertura e de respeito mútuo à identidade e à alteridade de cada ser humano (MARKUS, 2002).

Essa disciplina é um espaço onde pode ocorrer a descoberta progressiva do outro ser, numa atitude de respeito, justiça e solidariedade. Também é um espaço democrático de apren-dizagem mútua, pois no encontro com o dife-rente percebemos que culturas e religiões têm experiências e sabedorias peculiares que são relevantes para os demais e vão enriquecer não só o projeto do Ensino Religioso, mas toda a comunidade escolar.

De acordo com Markus (2002), propiciar a aber-tura à alteridade, pelo espírito inter-religioso e pelo diálogo, contribui para que ocorra a elimina-ção de preconceitos e se desencadeie o respeito

mútuo, que podem conduzir à solidariedade, à justiça e à dignificação da vida. Corroborando com o autor no que concerne à eliminação de preconceitos, Ribeiro e Ribeiro (2008) afirmam que “proporcionar uma educação com vistas a interromper a reprodução de práticas discrimi-natórias e racistas é o desafio posto a todos os educadores e educadoras, além de expressar o comprometimento com uma escola de qua-lidade, centrada no respeito às diferenças e na diversidade das crianças e adolescentes”.

A partir do desafio de interromper a reprodução de práticas discriminatórias religiosas e racistas, foi desenvolvido nas aulas de Ensino Religioso da es-cola Rodolfo Dornbusch, de Jaraguá do Sul (SC), o projeto: Diversidade Religiosa Brasileira: A Força Negra. O projeto teve os seguintes objetivos:

a. conscientizar os alunos acerca da liberda-de religiosa no Brasil e compreender o direito do outro de expressar a sua fé;

b. identificar a raiz africana em nossa cultura; ec. introduzir o conhecimento do candomblé

e da umbanda, suas origens, práticas, mi-tos e sua contribuição cultural.

Ao desenvolvermos o tema Diversidade Re-ligiosa Brasileira nas turmas do 4º ao 9º ano, enfatizamos a contribuição dos negros na diver-sidade religiosa em nosso país. O projeto teve início com a abordagem do tema e dos objetivos através de exposição dialogada. Em seguida, utili-zamos o livro Declaração Universal dos Direitos Humanos (Adaptação de Ruth Rocha e Otávio Roth) para a contação da história.

Estudamos o texto “Todas as pessoas têm o direito de pensar como e o que quiserem... Elas têm o direito de trocar suas idéias e praticar a sua fé em público ou em particular”, que resu-me o artigo XVIII da Declaração Universal dos Direitos Humanos.

Após esse momento, assistimos ao DVD De-claração Universal dos Direitos Humanos (12 minutos), para discutirmos sobre o direito da liberdade religiosa. Realizamos o estudo de um

O ensino religioso é um espaço democrático de aprendizagem mútua, pois no encontro com o diferente percebemos que culturas e religiões têm experiências e sabedorias peculiares e enriquecedoras.

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Dissertativa

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texto intitulado “Diversidade Religiosa e Direi-tos Humanos”, com o objetivo de aprofundar teoricamente o tema.

Com a intenção de avaliarmos a aprendizagem dos educandos, propusemos atividades nas quais deveriam escrever frases ilustrativas sobre a im-portância da diversidade e da liberdade religiosa.

Visando aprofundar a temática, trabalhamos a contribuição do negro na diversidade religiosa brasileira assistindo ao DVD Pluralidade Cultural, abordando o tema “Mojubá – A Cor da Cultura”.

Estudamos alguns aspectos da história, mitos, símbolos e práticas do Candomblé e Umbanda de forma diferenciada nas turmas do 4º ao 9º ano.

Com os conhecimentos adquiridos pelos educandos, fizemos diversas atividades de aprendizagem, como confecção de cartazes, maquetes e máscaras. Tais produções foram usadas para a avaliação da aprendizagem, e ex-postas no dia da Consciência Negra na Escola, 20 de Novembro de 2008.

As atividades de aprendizagem não ocorrem espontaneamente. O educador é responsável pela seleção e problematização de temáticas interessantes e necessárias ao pleno desenvol-vimento dos educandos, a partir dos educandos e de seu cotidiano, sinalizando finalidades para sua execução e consequente aprendizado. Isso pode ser compreendido a partir do que é explicitado na Proposta Curricular de Santa Catarina (2000), a qual afirma que atividade de aprendizagem é a atividade pedagógica na qual o educando percebe motivo e finalidade para aprender algo, uma relação do assunto/tema a ser aprendido com a sua vida.

No evento, foram proporcionadas aos educandos diversas atividades, dentre as quais a oficina “Di-versidade Religiosa Brasileira: A Força Negra”, de Ensino Religioso, organizada com a ajuda da mãe de santo Maria de Lurdes Vieira Rosa, da “Tenda de Umbanda Estrela do Oriente”, localizada no bairro em que a escola está situada. Obtivemos

a ajuda também de Cristiane Müller, dona da loja de produtos religiosos “Estrela Raio de Luz”, que nos emprestou materiais religiosos. Organizamos a oficina com alguns símbolos religiosos, vesti-mentas, revistas, músicas da Umbanda e com alguns dos trabalhos realizados pelos educandos.

Esta oficina despertou interesses e curiosidades dos educandos, pois participaram com vários questionamentos. Destaca-se o respeito com o qual os educandos vivenciaram este momento. A repercussão foi tamanha, ao ponto de despertar curiosidades até nos educandos que não estavam inscritos nesta oficina. Infelizmente, alguns deles tiveram atitudes discriminatórias.

Estas atitudes podem ser entendidas a partir do pensamento de Souza e Souza (2008), ao afir-marem que “o preconceito relativo às práticas religiosas afro-brasileiras está profundamente ar-raigado na sociedade brasileira por estas estarem associadas a um grupo historicamente estigmati-zado e excluído, os negros”.

As diferentes manifestações religiosas perce-bidas pelos educandos com atitudes discrimi-natórias, de certa maneira são compreensíveis pelo fato de que o “diferente” pode nos causar estranheza e rejeição. Para nos desvincularmos desses preconceitos, será necessário conheci-mento do “diferente”, bem como de sua histó-ria, e isto não se constrói com a realização de apenas um projeto. Talvez sejam necessários muitos, muitas aulas no espaço escolar e na es-cola da vida, ou até mesmo circunstâncias que nos fazem ver o outro e a religiosidade deste, também de forma sagrada.

Nelson Mandela (2009) afirma que “a educação é a arma mais forte que você pode usar para mu-dar o mundo”. O Ensino Religioso é componente curricular e área e conhecimento da educação. E pode ser agente de mudança. Por esse motivo, sonhamos com um mundo em que as pessoas compreenderão que não se pode enquadrar o transcendente, e que o sentimento religioso transcende qualquer denominação religiosa.

O preconceito relativo às práticas religiosas afro-brasileiras está profundamente arraigado na sociedade.

“ “

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Curriculum Vitae

Como trabalhar a diversidade afro

A E.E.B. João Frassetto, localizada no bairro Santa Luzia, em Criciúma (SC), é uma das maiores e mais antigas escolas da região. Por ser uma escola cuja maioria dos estudantes é afro-descendente e por este grupo sofrer quase que diariamente discriminação racial, a escola, em 2001, iniciou um trabalho com o objetivo de combater ao racismo no contexto escolar. Como a figura do professor é extremamente importante devido à responsa-bilidade que detém no processo de socialização cognitiva, primeiramente, teve-se a necessidade de realizar uma sensibilização com o corpo docen-te da escola, pois alguns educadores negavam o racismo que permeava a comunidade escolar.

Após os estudos feitos com os educadores, iniciou-se o desenvolvimento dos trabalhos com os alunos em sala de aula. Em um dos encontros pedagógicos da escola, ficou estabelecido que cada educador, dentro de sua disciplina, elaboraria uma prática pedagógica que contemplasse a questão racial. Surgiram várias idéias que, após discussões, foram desenvolvidas em oficinas. As oficinas foram distri-buídas nas salas de aula, cada qual com o tema tra-balhado nas suas respectivas disciplinas. Eram elas:

a. oficina de artes intitulada: máscaras afro;b. oficina de ciências: doenças que afetam espe-

cificamente a população negra;c. oficina de matemática: estatística gráfica da

evasão da população negra na escola; pes-quisa sobre o número de alunos negros em relação aos brancos na E.E.B.João Frassetto;

d. oficina de português: Contos Africanos;e. oficina de história e geografia: História da

África e o Continente Africano;f. oficina de religião: os orixás;g. oficina de língua: a linguagem Ioruba;

h. oficina de educação física: capoeira, hip-hop, street dance, MCs;

i. oficina infantil: a literatura afro-infantil; ej. oficina da estética negra: beleza negra.

Cada oficina foi conduzida por um professor regente, um grupo de alunos e alguns parceiros da comunidade que tinham conhecimento em algumas modalidades. A fim de organizar a vista às oficinas, a escola fez um rodízio e oportunizou a todos os envolvidos a possibilidade de apreciarem os trabalhos expostos.

As oficinas, além de contribuírem para a sociali-zação da cultura afro na U.E, foram fundamentais para revelar talentos das mais variadas modali-dades artísticas, que anteriormente não eram manifestados/percebidos no espaço escolar. Com isso, surgiu a ideia de criar um Show de Valores na

Profª Adriana Fraga

“Acredito que depois que comecei a trabalhar e desen-volver este tema aqui na escola, não somente os alunos ficaram mais esclarecidos e mais orgulhosos de suas raças: eu também.”

Profª Adriana Cabral

“A semana da Consciência Negra em nossa escola tem sido muito importante tanto para os alunos quanto para os professores, pois estes sentem-se mais interessados por esta questão, pois antiga-mente não existia esta preocupação por parte deles. Eu vejo que os professores ficam muito entusiasmados com que aprendem.”

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Curriculum Vitae

As oficinas, além de contribuírem para a socialização da cultura afro na escola, foram fundamentais para revelar talentos das mais variadas modalidades artísticas, que anteriormente não eram manifestados ou percebidos.

escola, no qual os diversos talentos pudessem ser vistos. Surgiu ainda a criação de um grupo musical afro denominada Banda Dendê que, atualmente, se apresenta em vários eventos da região carboní-fera e proximidades.

Percebeu-se que, com estas ações, a discriminação racial tornou-se mais amena, mas ainda precisa-se dar continuidade ao trabalho para se ficar mais pró-ximos do ideal.

Relatos dos professoresA cada ano, um grupo de professores – Estela Machado (inglês), Adriana Fraga (matemática), Gilda Silvano (ciências), Adriana Cabral (história), Rodnei Anacleto (artes), Eduardo Nazareno Car-valho (assistente técnico pedagógico) e Jeane Katia (geografia) – fica responsável pela organização de atividades em que os alunos e professores negros e não negros possam viver num mesmo ambiente de forma igual. Estas atividades são desenvolvidas sempre na semana que antecede o dia 20 de no-vembro. Este período é denominado Semana da Consciência Negra e, a cada edição, ganha uma roupagem nova com direito a palestras dirigidas por entidades do Movimento Negro e outros, estudos com base na história do negro no Brasil e na região em que vivemos, relatos em sala de aula a respeito da convivência dos alunos negros e brancos, formação de regras da sala de aula consi-derando o fator cor, leituras de histórias e reconta-gem, filmes, músicas, paródias, entre outros.

Profª Estela Machado

“A semana da Consciência Negra foi um avanço para nós, da comunidade escolar, pois sentíamos que muitos dos problemas de nossa escola deri-vavam da discriminação racial. Com o desenvolvimento destas atividades, começamos a perceber uma grande mudança no comportamento dos alunos e também dos professores. Os problemas se tornaram bem mais amenos e nossas práticas pedagógicas, mais ricas e prazerosas.”

Profª Gilda Silvano

“Houve uma mudança significativa a partir da Semana da Consciência Negra. Os alunos mudaram bastante, participam ativamente e gostam das atividades realizadas.”

Prof. Rodnei Anacleto

“É importante a Semana da Consciência Negra, porque é uma forma de representar os valores étnicos da nossa sociedade, para que os alunos se valorizam e se respeitam na sua forma de vida coletivamente.”

Prof. Eduardo Nazareno Carvalho

“A semana da Consciência Negra não representa somente o ato reflexi-vo de uma cultura que foi marginalizada e amordaçada durante séculos no nosso país, mas também a oportunidade de mostrar a contribuição que esta etnia, dentre outras, oferece à sociedade.”

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Conversa Paralela

NEN contesta uso de livro racista no vestibular da UFSC

Carta Aberta ao Reitor da Universidade Federal de Santa CatarinaExcelentíssimo Senhor Reitor Prof. Dr. Álvaro Toubes PrataUniversidade Federal de Santa Catarina - UFSC

Cumprimentando-o cordialmente, tomo a liberda-de de manifestar minha apreensão, consternação e indignação pela indicação, seleção e publicização do livro “O Presidente Negro” ou “Choque das Raças”, de Monteiro Lobato, como obra prevista para o Concurso Vestibular 2010, com um agravante sério, a recusa em rever tal decisão mesmo em face de seguidas ponderações às instâncias competentes. Aliás, estes não são sentimentos particulares, mas de outros tantos militantes de movimentos negros,

de mulheres e de afirmação de direitos, como os das pessoas com deficiência, que prontamente con-tataram nossa organização, o Núcleo de Estudos Negros/NEN, desejosos de uma posição coletiva.

Este livro, escrito e editado em 1926, ainda que de modo ficcional, não só expressa, mas reafirma um ideário racista e racializado, sexista e eugênico presente em um contexto da sociedade brasileira, que exaustivamente vem sendo esmiuçado por

A Comissão Perma-nente do Vestibular (COPERVE), órgão responsável pela ela-boração do concurso vestibular da Universi-dade Federal de Santa Catarina, define todos os anos as obras lite-rárias que deverão ser lidas para a prova. No Vestibular 2010, entre as oito obras selecionadas, estava o livro “O Presidente Negro”, único roman-ce de Monteiro Lobato, publicado originalmente em 1926. A escolha deste livro foi questionada dentro das instâncias legais da universidade, sem resultados, e por isso o Coordenador do Progra-ma de Educação do NEN, José Nilton de Almeida, enviou carta ao reitor pedindo providências.

No texto, que foi enviado com cópia ao ministro da Educação e ao ministro da Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (Seppir), José Nilton resgata a história do autor, Monteiro Lo-bato, ativista da causa eugênica e racista declarado. Uma citação, feita enquanto Lobato penava para encontrar uma editora norte-americana para seu livro, ilustra a posição política do autor: “Acham-no

[o livro] ofensivo à dignidade americana (...) Errei vindo pra cá tão verde. Deveria ter vindo no tempo em que eles linchavam os negros”. Embora não se conteste as qualidades literárias de Monteiro Lobato, o que é contestado é a mensagem política que está oculta na história, que pode ter influência nefasta, especialmente sobre os estudantes que não tiverem uma orientação adequada.

A história do livro se passa durante as eleições pre-sidenciais norte-americanas do ano 2228, com três candidatos principais: um negro, uma mulher e um branco. No romance de Lobato, assim como na vida real no caso da eleição de Barack Obama, o negro vence o pleito. Mas a história do livro é, na verdade, uma distopia: há um esquema de esterilização em massa da população negra, e é exaltado o pensa-mento eugênico de que a raça negra seria inferior. Aproveitando-se da coincidência, com a eleição de Obama, a editora Globo, que está relançando a obra de Lobato, reeditou o livro no início de 2008.

A escolha dessa obra contraria a finalidade institu-cional da universidade de “produzir (...) a reflexão crítica (...) na perspectiva da construção de uma sociedade justa e democrática”. Por isto, a carta ao reitor listou algumas reivindicações, entre elas a revisão do papel da COPERVE.

José Nilton de Almeida

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Como é possível a indicação de uma obra que faz apologia da pureza de raça e defende abertamente a eliminação da raça negra?

nazi-facistas instauradas entre os anos finais de 1930 e os iniciais de 1940, e que teve sua maior expressão na II Guerra Mundial, ser escolhida para um concurso de Vestibular, em 2009?

Como é possível a indicação de uma obra que expressa declara-damente a apologia da pureza de raça; que defende abertamente a eliminação da raça negra pela esterilização por ser considerado um ser inferior ; que é capaz de apresentar as mulheres como mesquinhas, incapazes de uti-lização da inteligência, volúveis, enfim, “she are as water”, como será dito em algum momento; que professa a eliminação física dos deficientes físicos logo após o nascimento, a eutanásia para os doentes e a supressão física dos pobres? Afinal, como é possível uma obra que tece loas ao eu-genismo, propaga preconceitos de diferentes naturezas, enaltece a supremacia de raça branca e difunde discriminação racial pode fazer parte da indicação e seleção de concurso de uma instituição pública que proclama em sua

Estatuinte como finalidade insti-tucional: “produzir, sistematizar e socializar o saber filosófico, científico, artístico e tecnológico, ampliando e aprofundando a formação do ser humano para o exercício profissional, a reflexão crítica, solidariedade nacional e internacional, na perspectiva da construção de uma sociedade justa e democrática e na defesa da qualidade de vida” (grifo nosso)? Não é o caso aqui tecer ilações sobre o metier próprio da crítica literária, mas se o livro foi indicado e selecionado tomando-o por si mesmo, considerando estri-tamente seu conteúdo, estilo e autor, como é possível permitir uma obra que agrida frontalmente a integridade e os princípios de direitos humanos e constitu-cionais dos sujeitos (homens e mulheres, negros e não-negros, e pessoas com deficiências) que estarão participando do concurso vestibular? Uma agressão grave aos princípios de isonomia e de razoabilidade. Se a sua indicação e seleção foram em alusão ao recente pleito e eleição do Presi-dente dos Estados Unidos, Barack

Obama, como o é comumente referenciado, só devemos lastimar pelo primarismo e oportunismo crassos, que desconhecem fronteira e juízo. Se a obra é tomada pelo seu aspecto ficcional por que a referência a uma realidade social, política e histórica contemporânea? Se aceita afirmativamente a res-posta a tal interrogação por que não seriam menos ou mais verdadeiras as ilações e juízos de valores sobre eugenia, eutanásia, sobre racismo, sexismo e todas as práticas permissivas, cruéis e abomináveis associadas à intolerância, presentes no livro.

Por certo, podemos encontrar muitas opiniões controvertidas sobre os alcances preconceituosos e racistas destilados por Monteiro Lobato neste livro (há outros emblemáticos do autor, como Urupês, de 1918, e Memórias de Emília, de 1936, que sugerem que o autor discorria estes temas com natural desenvoltura). Algumas encontram fortes e contundentes indícios, outras nem tanto que me-reçam destaque, como há, ainda, aquelas que não são capazes de encontrar algum indício que cause suspeição. Entretanto, nenhuma delas deixará de

se sentir tão desconfortável diante das próprias palavras ‘sinceras’ de Lobato ao escrever para Go-dofredo Rangel, escritor e amigo íntimo, falando do livro e da reiterada recusa de sua edição nos EUA:

“Meu romance não encontra editor. (...) Acham-no ofensivo à dignidade americana, visto admitir que depois de tantos séculos de progresso moral possa este povo, coletivamente, cometer a sangue frio o belo crime que sugeri. Errei vindo cá tão verde. Devia ter vindo no tempo em que eles linchavam os negros.” (grifo nosso).

Novamente, muitos podem identificar puro ci-nismo, outros somente o exercício da ironia e alguns – mais uma vez - nada de mais. Mas o que é mais estarrecedor é como existem sujeitos que insistem em não querer ver o que Lobato jamais quis esconder. Lobato não foi um homem alheio ao seu tempo. Ele esteve ativa e envolvidamente presente nos debates de seus contemporâneos. Assim, num cenário social tão próximo a Machado de Assis, Lima Barreto, Luis Gama, Cruz e Souza, entre outros, Lobato assinar a ficha de associado

pesquisadores e estudiosos de diferentes campos de conheci-mento, da sociologia à educação, da antropologia à biologia, da his-tória à literatura. Neste conjunto, nenhum motivo é capaz de expli-ca o sentido e o significado de sua seleção e indicação para constar entre os livros previstos para o vestibular. Como é possível uma obra anterior à Proclamação dos Direitos Humanos, de 1948, que guarda estreita e inequí-voca relação como as práticas

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da sociedade eugênica de São Paulo, criada em 1917 e a primeira organização desta natureza na América Latina, era somente um modo particular do tomar partido das disputas mais acirradas de sua época: afirmação da supremacia racial, miscige-nação e mestiçagem como degeneração da raça, ideologia do embranquecimento e por aí afora. Talvez, muitos dos comentadores de Lobato têm sua parcela de responsabilidade ao fazer assepsias de sua biografia escondendo suas incongruências ideológicas e racistas. Mas quantos cadáveres se-rão ainda capazes de esconder nos armários da vida social para conceder ao autor do consagrado Sítio do Picapau Amarelo, a paz de espírito dos mortos? Mesmo assim, querer ver em Lobato o que jamais quis ou pensou de si mesmo, só será compreensível como produto, tomando as pala-vras de Saramago, de uma “insolência cínica”. Em resumo, ouso dizer a V.Ex.ª que diante dos fatos, a oportuna e razoável decisão de retirada do livro de Monteiro Lobado da bibliografia prevista para o Vestibular e, consequentemente, a exclusão de qualquer questão referente ao conteúdo do livro, torna-se um questão menor. As decisões imperio-sas que se quer ver assumem dimensões maiores às reivindicações citadas:

• rever o papel, função e atribuições da Comissão Permanente do Vestibular/COPERVE em face de tomar decisões que agridem e ferem os princípios nucleares constitucionais e de Direitos Humanos como os princípios norteadores da finalidade de uma universidade pública, demo-crática e plural. A COPERVE não está acima de qualquer suspeita, tampouco à margem das instâncias institucionais, como Conselho Universitário e Reitoria.

• identificar e responsabilizar a quem de direito pelo processo de escolha e seleção de uma bi-bliografia que não condiz com valores e direitos sociais e humanos construídos e consagrados nas sociedades democráticas atuais.

• reconhecer como grave a escolha, seleção e publicização desta obra particular de Lobato e expressar publicamente desculpas à sociedade e às pessoas que de alguma forma se sentirem ofendidas, injuriadas e discriminadas.

Devemos reconhecer, que apesar de aquém do rit-mo desejado, são louváveis os esforços, e com eles os avanços, que a sociedade brasileira tem obtido nas políticas de educação de ensino superior com a ampliação do atendimento de jovens – homens e mulheres –, como a ampliação da diversidade sócio-econômica e étnico-racial. As universidades públicas, em articular as universidades federais, têm dado sinais auspiciosos quanto à democratização de acesso, à vitalização de seu estatuto de instituição social como bem público e produtora de conheci-mentos de qualidade e excelência sociais.

Em face disto, não é possível esperar menos da Universidade Federal de Santa Catarina. Se de-sejarmos consagrar o lugar social que ela ocupa, devemos – todos/as – ser vigilantes contra toda e qualquer agressão que não condiz com o ideário de uma sociedade justa, democrática e plural. Para tanto, é imprescindível que todas as formas de discriminação, racismos e intolerâncias sejam abominadas e enfrentadas.

Por fim, assumo o risco de confessar a V.Ex.ª mi-nha crença de que as grandes decisões humanas, aquelas que decididamente fizeram diferença para vidas das pessoas e sociedades, foram produtos de coragens singulares que ousaram enfrentar o que se cria estar fora de lugar. Esta idéia poderia ser capturada, com lirismo, numa expressão do rapper estadunidense, Jay-Z: “Rosa Parks sentou-se para que Martin Luther King pudesse andar: Luther King andou para que Obama pudesse correr: Obama está correndo para que nós possamos voar.”

Não basta a indignação com os fatos, é preciso dizê-la, por isso também se deseja de V. Ex.ª ação e a proclamação das providências ao pleito.

Atenciosamente,

Florianópolis, 12 de novembro de 2009.

JOSÉ NILTON DE ALMEIDA

Doutorando do Programa de Pós-Graduação em Educação – PPGE/UFSC e membro do Núcleo de Estudos Negros/NEN, onde exerce a função

de Coordenador do Programa de Educação

C/Cópias:

Exmo Sr. Fernando Haddad, Ministro da Educação.

Exmo Sr. Edson Santos, Ministro da Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial.

Exma Sr.ª Nilcéa Freire, Ministra da Secretaria Especial de Políticas paras as Mulheres.

Exmo. Sr.ª Maria Paula Dallari Bucci, Secretaria da Educação Superior/Ministério da Educação.

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A literatura infantil e a temática africana

e afro-brasileiraEliane Santana Dias Debus - Professora no Centro de Educação da UFSC

Este texto busca problematizar e fazer refletir sobre a publicação e a circulação mercadológica de livros de recepção infantil que trazem a temática da cultura africana e afro-brasileira, em especial a partir da demanda promovida pela Lei nº 10.639/03, que instituiu a obrigato-riedade do ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana no currículo escolar do ensino fundamental e médio.

Nesse contexto, as Diretrizes Curri-culares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira (julho/2004a), importante documento que especifica os encaminhamentos para a implementação da Lei, trazem, entre os muitos artigos, um que nos in-teressa de forma mais evidente, aquele que insere a literatura juntamente com o ensino de História e Artes como protagonistas da inserção dessa temá-tica no currículo escolar.

Assim, a literatura, que, muitas vezes, tem papel de coadjuvante no cenário escolar, é convidada para atuar num dos papéis principais. Restaria ago-ra indagar: teríamos, no mercado editorial brasileiro, uma produção literária de recepção infantil e juvenil que apresentasse o tema da cultura africana e afro-brasileira? As editoras, que, a partir da implementação dos Parâmetros Curriculares Nacionais, na década de 1990, começaram a

apresentar seus títulos orientados pelos Temas Transversais - é neces-sário lembrar que muitos dos títulos que apresentavam em suas páginas a cultura africana e afro-brasileira eram contemplados no tema da Pluralidade Cultural - têm no início do novo milê-nio outra exigência a ser cumprida.

A pergunta formulada no parágrafo anterior levou esta pesquisadora a se de-bruçar sobre o assunto a partir do ano de 2006, quando desenvolvemos o projeto “A representação do negro na literatura brasileira para crianças e jovens: nega-ção ou construção de uma identidade?” (DEBUS, PUIP/2006), o qual tinha como objetivo principal o mapeamento dos títulos a partir de sete catálogos editoriais (Ática, Companhia das Letrinhas, DCL, FTD, Paulinas, Salamandra e Scipione1), referentes ao ano de 2005/2006.

Nessa primeira inserção sobre o as-sunto, pudemos verificar que, do total de 1.785 títulos levantados, 79 traziam a temática da cultura africana e afro-brasileira, e, das editoras, as que mais tinham dado visibilidade à temática eram a DCL e a Paulinas. Os escri-tores Rogério Andrade Barbosa, Joel Rufino dos Santos, Júlio Emílio Brás e as escritoras Georgina Martins e Heloisa Prieto eram os que possuíam mais títulos dedicados ao tema. Outro dado interessante que veio à tona foi a recorrência aos contos africanos2.

1 No ano de 2001 realizamos pesquisa, na ocasião sobre outra problemática, nos catálogos dessas editoras (DEBUS, 2006).

2 Esses dados culminaram com o projeto “As histórias de lá para leitores daqui: os (re)contos africanos para crianças pelas mãos de escrito-res brasileiros” (DEBUS, PUIP/2007), tendo como foco de análise os títulos de literatura infantil de Rogério Andrade Barbosa, Joel Rufino dos Santos e Júlio Emílio Braz, autores que (re)contam narrativas da literatura oral africana e das literaturas afro-brasileiras, analisando a importância dessas narrativas para a construção de uma identidade étnica

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Ao observar o quadro, constatamos que os dados dos catálogos de 2008 das editoras Salamandra e FTD não foram tabulados, pois a pesquisa ainda se encontra em fase de mapeamento. Já os catálogos analisados das editoras Mazza e Pallas foram toma-dos como material para coleta de dados somente na segunda pesquisa e são exclusivamente de temática africana e afro-brasileira. No caso especí-fico da Companhia das Letrinhas, percebemos um dado diferente no total de títulos, pois o catálogo de 2005 tinha como foco somente a literatura in-fantil, já o de 2008 trazia os títulos infantis e juvenis no seu conjunto.

Paralelamente ao mapeamento, temos realizado a leitura dos títulos, no total de 71 até o presente momento. Os livros têm sido resenhados a partir de estrutura já adotada em pesquisas anteriores (1989), com algumas adaptações. Assim, nos debruçamos sobre a representação dos papéis sociais e as caracterizações físicas das persona-gens afro-brasileiras que apresentam estereótipos e uma visão preconceituosa, ou não, trazendo à tona títulos que instalam, ou não, a discussão da pluralidade cultural brasileira.

Podemos dividir esses títulos em cinco grandes blocos:

1. A representação folclórica do negro: Saci Pe-rerê, Butija de ouro, Negrinho do Pastoreio;

2. Contos e re-contos africanos;3. Representação do negro no período escra-

vocrata e pós-escravocrata;4. Personagens (crianças e adultos) contempo-

râneas em situações cotidianas; e5. Narrativas de caráter informativo, embora

estejam nos catálogos de literários.Alguns livros infantis trazem as personagens negras por meio da ilustração, sem que no texto apare-çam registrados aspectos étnico-raciais, como é o caso d’O menino Nito... então homem chora ou não? (PALLAS), de Sonia Rosa; ou de Ana e Ana (DCL), de Célia Cristina, ilustrado por Fê. No entanto, em sua grande maioria, os títulos que apresentam personagens negras o fazem numa perspectiva de enfretamento étnico-racial.

Outro dado interessante é que muitos títulos, mesmo que bem intencionados, apresentam um viés preconceituoso – (re)velando preconceitos, seja nas ilustrações seja na caracterização das per-

Por constatar que, embora ainda pequeno, o número de títulos tem se ampliado, iniciamos, em 2008/2, a orientação da pesquisa, ainda em andamento, “A cultura africana e afro-brasileira na literatura de recepção infantil e juvenil: um diálogo singular em pluralidades”, junto à acadêmica do Curso de Pedagogia Margarida Cristina Vasques, com apoio de bolsa PIBIC/CNPq.

Comentando alguns resultados sobre os dados,mesmo que provisórios

Essas pesquisas têm como meta dar visibilidade às leituras literárias destinadas ao público infantil e juvenil, que enfatizem o tema étnico-racial, ou, ainda, títulos que incluam a real participação de per-sonagens negras, costumes afro-brasileiros e infor-mações culturais produtoras de identificação entre o leitor e a narrativa, contribuindo, assim, com as mudanças atuais na história da educação brasileira.

2005/2006 2008

Catálogos Total Temática Total Temática

FTD 257 7 Não tabulado ainda

Ática 565 14 577 20

Companhia das Letrinhas 332 13 566 24

Salamandra 187 5 Não tabulado ainda

Scipione 341 8 386 15

DCL 137 18 234 26

Paulinas 342 14 400 22

Mazza Não entrou nos dados 14 títulos (catálogo específico)

Palla Não entrou nos dados 20 títulos (catálogo específico)

Mapeamento dos catálogos de 2005/2006 – 2008/2009

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sonagens; ao mesmo tempo, encontramos títulos que alcançam a alteridade na representação do Outro – desvelando preconceitos.

Os termos “moreninho(a)”, “mulato(a)” aparecem com frequência nas narrativas e, em sua grande to-talidade, para amenizar os enfrentamentos. Essas terminologias se enquadram no que Sousa (2005) denomina de “pacto de convivência” por conferir ao imaginário social “uma posição mais sociável ao sujeito”, mascarando a identidade negra, e colabo-rando mais para a discriminação racial do que para a promoção da igualdade étnico-racial.

Onde se lê conclusão, que também pode ser

inquietação do inconclusoConstatamos um aumento, mesmo que ainda tímido, na produção de títulos com a temática afri-cana e afro-brasileira e poderíamos, num primeiro momento, acreditar que o aumento de narrativas que apresentam personagens negras seja uma estratégia política de dominação, concedida pela cultura dominante e a ela atrelada, por isso negá-la deveria ser uma prerrogativa.

No entanto, esse eco das “vozes das margens”, nesse caso específico na literatura para crianças, é resultado do que Stuart Hall (2003) nomeia “de políticas cultu-rais da diferença, de lutas em torno da diferença, da produção de novas identidades e do aparecimento de novos sujeitos no cenário político e cultural” (p. 320). Desse modo, caberia a nós, pesquisadores, estudar essa emergência e não abandoná-la.

A representação de uma personagem negra em um livro para crianças não garante que este dis-curso trará noções de pertencimento (afirmação de uma identidade), principalmente porque ronda, ainda, na produção literária de recepção infantil, um discurso de caráter utilitário, vinculado aos pa-

drões moralizantes e pedagógicos, sem compro-metimento com o estético, incapaz de despertar o leitor para o prazer do texto. Ou, pior ainda, uma literatura travestida de um “utilitarismo às avessas” (PERROTTI, 1986), que, com pretensões de rom-per com a tradição do gênero, acaba colocando, de forma implícita, os padrões discursivos tradicio-nais. “O recurso utilizado é, então, a manipulação dos registros (narrativa/discurso), criando no leitor a ilusão de que não se trata de um ensinamento, até o final, quando este já está dado e o jogo pode explicitar-se” (PERROTTI, 1986, p.125).

Compreendemos que a investigação sobre temas que apontem para a história e para a cultura afro-brasileira e africana é de grande relevância para toda a sociedade brasileira, uma vez que essa é uma questão política e social que deve fazer parte do processo educativo, trabalhando a favor da for-mação democrática de cidadãos atuantes no cen-tro de uma sociedade multicultural e pluriétnica.

Por outro lado, este tipo de pesquisa, acreditamos, contribui para o reconhecimento e a disseminação da produção literária sobre o tema, ao mesmo tempo em que exige do mercado editorial um olhar mais crítico sobre os títulos publicados para a infância e para a juventude.

ReferênciasBRASIL. Ministério da Educação. Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana. Brasília, jul. 2004.

DEBUS, E.S.D. A literatura infantil contemporânea e a temática étnico-racial: mapeando a produção. Anais do 16º Congresso de Leitura do Brasil – Seminário de Literatura Infantil e Juvenil, 2007.

_____. A representação do negro na literatura para crianças e jovens: negação ou construção de uma identidade? In AZEVEDO, Fernando (Org). Imaginário, identidades e margens: estudos em torno da literatura infanto-juvenil. Nova Gaia, Gaialivros, 2007.

HALL, Stuart. Que “negro” é esse na cultura negra? In: -----. Da diáspora: identidade e mediações culturais. Trad. Adelaine La Guardiã Resende et all. Belo Horizonte: UFMG, 2006

PUCRS, Centro de Pesquisas Literárias. Guia de Leitura. São Paulo: Cortez; [Brasília, DF]: INEP, MEC; Porto Alegre: CPL, PUCRS, 1989.

PERROTTI, Edmir. O Texto Sedutor na Literatura Infantil. São Paulo: Ícone,1986.

SOUSA, Francisca Maria do Nascimento. Linguagens escolares e reprodução do preconceito. In: Educação anti-racista: caminhos abertos pela lei federal n. 10.639/03. Secretaria da Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade. Brasília: Ministério da Educação, SECAD, 2005.

Constatamos um aumento na produção de títulos com a temática africana e afro-brasileira. Mas a representação de uma personagem negra não garante que o discurso trará noções de pertencimento

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Uma proposta

para a África

A fusão entre blocos econômicos e políticos poderá ser um elemento de integração racial para empurrar o continente africano para fora da situação de pobreza, sugere Joel Aló Fernandes, autor de Integração para o Desenvolvimento da África (editora Unijuí, 294 páginas).

Joel tem um olhar cuidadoso sobre o continente, sua terra natal. Durante dois anos, trabalhou na dissertação de mes-trado em Direito da Universidade Federal de Santa Cata-rina que deu origem ao livro, lançado em novembro de 2009. A pesquisa foi orientada pela professora de Direito Penal e Teoria das Relações Internacionais, pós-doutora Odete Maria de Oliveira.

O estudo evidencia as etapas do curso histórico da integra-ção do continente africano. Analisa diferentes tentativas de criação de blocos econômicos com vista à consolidação de uma Comunidade Econômica Africana e seu desenvolvimen-to sustentável, com a finalidade de trazer nova esperança a milhões de africanos. Os povos do continente enfrentam quadro de extrema pobreza, somado a falta de rede elétrica e infraestrutura viária, de acesso a educação e saúde, e a índices consideráveis de subnutrição e desemprego.

O autor reconhece a necessidade da fusão dos dois prin-cipais blocos econômicos regionais - Comunidade Econô-mica dos Estados da África Ocidental (CEDEAO) e União Econômica e Monetária do Oeste Africano (UEMOA) -, como corolário de possível estabelecimento da Comunida-de Econômica Africana, argumentando que tal fenômeno poderá servir de modelo a outras regiões (África Austral, África Central, África do Norte e África Oriental).

Para que esse processo se consolide, ele acredita que a participação e a pressão popular sejam fundamentais. “Eu penso como um africano. O nosso pensamento deve trans-por para um pensamento que ajude a fazer algo pela África”.

Joel é natural de Guiné-Bissaú (África), graduou-se pela Faculdade de Direito de Bissau (FDB) e foi advogado e professor de Ciência Política e Direito Constitucional na Universidade Colinas de Boé (UCB). Atualmente é douto-rando em Direito na UFSC.

Joel tem esperança de que a globalização ajude a reduzir a pobreza na África

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África-BrasilA Coleção África-Brasil é formada de resultados de pesquisas, cujas temáticas contribuem para a visibilidade da população negra em Santa Catarina e podem fortalecer a implementação da lei 10.639/03 e das Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-raciais e para a História e Cultura Afro-Brasileira e Africana.

Foi organizada pelo Núcleo de Estudos Afro-Brasileiros da UDESC, por meio de parceria com o Ministério da Educação, através do Programa de Ações Afirmativas para a População Negra nas Universidades Públicas Brasileiras (UNIAFRO II).

Dez volumes

De R$ 20,00 a R$ 30,00 cada

Mais informações em: http://www.editoracasaaberta.com.br/

Kabengele MunangaOrigens africanas do Brasil Contempo-râneo, de Kabengele Munanga, aborda a história e a beleza da África antes da exploração e da dominação a que os africanos foram submetidos pelos coloni-zadores, revelando “as origens, as línguas, as culturas e as civilizações que vivem em cada um de nós”. Munanga nasceu em 1942, na República Democrática do Congo (antigo Zaire), naturalizando-se brasileiro aos 43 anos. Professor titular do Departamento de Antropologia da Uni-versidade de São Paulo, onde se douto-rou em 1977, realiza pesquisas nas áreas de Antropologia Africana e Antropologia da População Afro-Brasileira.Editora Global, R$ 45,00

Africanidades catarinensesA África está em nós: história e cultura afro-bra-sileira - africanidades catarinenses, organizado por Jeruse Romão, apresenta as riquezas da história, da cultura, as resistências e contribuições negras na formação de SC. O livro foi adquirido em 2010, pela Secretaria de Educação de Santa Catarina, que vai distribuir 114.750 volumes para as escolas de educação básica e profissional da rede pública estadual. A Secretaria também vai repassar às unidades de ensino seis mil coleções “A África está em nós”, para uso pelos alunos das séries iniciais e finais do Ensino Fundamental e séries iniciais do Ensino Médio. A coleção é composta de cinco vo-lumes para as atividades em sala de aula e manual do professor. Na aquisição de todos esses livros, a Secretaria Estadual investiu R$ 5,2 milhões.

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Aumenta pesquisa científica sobre negros

e educação em SCTemas relativos à população negra foram objeto de pelo menos cinco dissertações do programa de mestrado em Educação da Universidade Federal de Santa Catarina desde 2005. Os resultados das pesquisas contribuem para ampliar o entendimen-to sobre os obstáculos à promoção da igualdade racial nos espaços pedagógicos.

Em “A (in)visibilidade da contribuição negra nos grupos de capoeira em Florianópolis”, Valmir Ari Brito parte do princípio de que a capoeira não se explica por ela mesma, mas é composta por entre-meios e interfaces que necessitam de um diálogo aprofundado sobre fatores históricos e categorias que a constituem. Ele interpretou os diálogos entre mestres e alunos de dois grupos de capoeira e con-cluiu que “os mestres dedicam o maior tempo das aulas às práticas corporais, reservando um tempo mínimo para a história do negro e sua contribuição para a história da capoeira”, em geral ao final das aulas. “Apesar do grande número de elementos da cultura negra que formam o universo da capoeira (como: a filosofia negro-bantu, as cantigas, a ances-tralidade, os instrumentos musicais e outros), todos esses elementos continuam invisíveis diante dos olhos dos seus mestres”. Tal invisibilidade “distancia os praticantes da compreensão e reflexão sobre ela e sua importância no cenário nacional e internacio-nal”, assegura Valmir, que é capoeirista, no trabalho defendido em outubro de 2005.

Investigar a constituição do autoconceito das crian-ças negras a partir das relações sociais com outros moradores de uma comunidade pobre e na única escola pública do município, que agrega diversas cul-turas e classes sociais, foi o objetivo da dissertação de Gisely Pereira Botega. A pesquisa “Relações raciais nos contextos educativos: implicações na constitui-ção do autoconceito das crianças negras moradoras da comunidade de Santa Cruz do município de Paulo Lopes/SC” é um estudo de caso etnográfico. Baseou-se em observações realizadas em uma sala da primeira série do ensino fundamental, nas aulas

de educação física, nos intervalos e recreios e em entrevistas semi-estruturadas com professores e avós negras e brancas moradoras da comunidade.

Os resultados apontam para dificuldades de rela-cionamento e interação entre as crianças negras e brancas. “Os professores apresentaram um discur-so que aborda as dificuldades de aprendizagem das crianças negras e os conflitos raciais enfrentados em suas aulas, demonstrando que suas intervenções baseiam-se no reforço da noção de igualdade”, afirma Gisely. Contudo, os professores constata-ram que as crianças negras têm mais dificuldades de aprendizagem do que as brancas, no que se refere à concentração, escrita e leitura, e baixa auto-estima. “A maioria delas reprovou ao final do ano letivo”. “O autoconceito também se constrói pelo olhar do outro, dos diferentes discursos sobre as crianças negras. Não é algo fixo e imutável, mas transitório, provisório, podendo ser transformado nas relações a partir dos espaços de convivência”. O trabalho foi concluído em abril de 2006.

No mês seguinte, Sandra Regina Adão defendeu “Movimento hip hop: a visibilidade do adolescente negro no espaço escolar”. A pesquisa analisa, com o instrumental dos estudos culturais, a produção da identidade por jovens negros vinculados ao movi-mento hip hop em uma escola de uma comunidade pobre de Florianópolis. “Os adolescentes, com seu jeito despojado, alegre, fizeram-me perceber que o hip hop traz orgulho para eles. Por ser originado das necessidades de sociabilidade das periferias de grandes centros urbanos, o hip hop oferece ao es-paço urbano elementos de identificação e formação para adolescentes, que se traduzem na resistência à ideologia dominante, discriminadora e mercadológi-ca, que constitui a indústria cultural e seus símbolos. O corpo é valorizado pelos adolescentes não como mercadoria, mas como sendo belo e harmonioso”, analisa Sandra. “Os adolescentes periféricos são idealizadores, são sonhadores, belos, ingênuos e, portanto, vítimas do sistema social”.

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As dissertações estão disponíveis para download no site da Biblioteca Central da UFSC (www.bu.ufsc.br).

Sentinela e MalungoO Programa Sentinela foi criado pelo governo federal para atendimento de crianças e ado-lescentes vítimas de alguma forma de violência (abuso/violência sexual, psicológica, doméstica e negligência). Analisar as relações raciais, a partir da categoria raça-cor nos prontuários dos aten-dimentos realizados pela equipe especializada de profissionais que trabalham de maneira inter-disciplinar no programa foi o objetivo de Raquel Barbosa, na dissertação defendida em 2007.

Em “A questão do quesito raça/cor nos pron-tuários do Programa Sentinela”, a autora busca compreender como as profissionais produzem intervenções nos casos que envolvem crianças e adolescentes negros inseridos em contextos de violências. A pesquisa procurou identif icar, em fontes documentais, se havia categorias específicas para a coleta dessa informação e o tipo de abordagem realizada para obtê-la junto às vítimas. Também buscou sistematizar, partir dos discursos das profissionais, suas interpre-tações quanto a relação entre raça, racismo, discriminação, preconceito racial e violências.

Os resultados apontam para a inexistência de produção de dados quantitativos em relação ao quesito raça-cor, na prática cotidiana do Programa Sentinela: este quesito não é pre-enchido nos prontuários pelas profissionais. A inexistência dessa informação impede o Estado de intervir com maiores resultados junto aos casos de crianças negras envolvidas em con-textos de violências, e a responsabilidade é da rede de atendimento. “Por não serem negras, por não vivenciarem as implicações do racismo e das discriminações, as profissionais acabam por pautar suas ações nas justificativas das desinformações sobre a relevância do quesito raça-cor para o atendimento das crianças inseri-das em contextos de violências. Há ausência do encontro entre instituição e sujeitos atendidos, limitando as concepções e os procedimentos oriundos das políticas públicas traçadas para essa população”, critica a autora.

LançamentosUma experiência de implantação das determi-nações da lei 10.639/03 em uma escola foi o objeto da atenção de Rute Miriam Albuquerque. “Malungo: itinerário plural de relações com os saberes”, dissertação defendida em setembro de 2009, teve como objetivo compreender, a partir das percepções de profissionais da educação, as contribuições percebidas e incluídas em suas trajetórias docentes, decorrentes das vivências no projeto pedagógico.

A pesquisa baseou-se no Projeto Malungo, de-senvolvido numa escola durante os anos letivos de 2006, 2007 e 2008. Os dados foram consti-tuídos por meio de entrevistas semi-estruturadas, com seis professoras atuantes na escola. “Os resultados apontam para ressignificações im-portantes quanto às relações com os saberes, constituindo-se em itinerários plurais”, destaca a autora. “Foi possível perceber, por meio da recolha das falas, o quanto a experiência contri-buiu positivamente para a educação das relações étnico-raciais. Foi possível, igualmente, perceber o distanciamento do poder público, pela ausência na promoção de ações de implementação da lei 10.639/03. O acesso aos saberes relacionados às culturas africanas, como propõe a política cur-ricular de educação das relações étnico-raciais, se mostrou necessário, envolvente, ‘muito rico’, cativante, interferidor assertivo dos processos de desconstrução da subalternidade, porém, ainda insuficiente para dar conta da invisibilidade que atinge a população negra.”

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IBGE prepara Censo 2010 com estudo sobre

classificação étnico-racial da população

O próximo Censo traz uma grande novidade: o quesito cor ou raça será desdobrado em várias perguntas do questionário. Isso permitirá a reali-zação de uma série de estudos para a construção de indicadores sociais relacionados à raça em níveis mais desagregados.

Com o objetivo de qualificar esses indicadores, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) realizou em 2009 uma pesquisa sobre classificação racial baseada em um questionário com mais de 20 perguntas, elaborado após vários seminários com pesquisadores e participantes de movimentos sociais, inclusive integrantes do Mo-vimento Negro. Nessa pesquisa, o Instituto levou em consideração critérios de classificação social com base na aparência e na origem, procurando identificar as diferentes formas de percepção do entrevistado sobre a sua identificação étnica ou racial. A pesquisa foi realizada com uma amostra de 15 mil domicílios em seis unidades da federa-ção: Amazonas, Paraíba, Mato Grosso, São Paulo, Rio Grande do Sul e Distrito Federal.

“A iniciativa do IBGE é um passo importante porque as estatísticas são fundamentais para orientar as políticas públicas”, avalia a professora Moema De Poli Teixeira, doutora em Antropo-logia Social pela Universidade Federal do Rio de Janeiro e pesquisadora do Instituto. Moema foi convidada para falar sobre “Classificação de Cor/Raça e Políticas Públicas” durante o encontro de formação político-cultural para debater justiça social da Semana da Consciência Negra, ocorrida na Universidade Federal de Santa Catarina e or-ganizada pelo PET/Pedagogia, Núcleo de Estudos Africanos e Afro-Brasileiros da UFSC e o Núcleo de Estudos Negros (NEN).

Em 1980, a pesquisa sobre a cor retornou ao questionário do Censo (essa categoria não fez par-te do Censo em 1970). Estudos então realizados permitiram, a partir da construção de alguns indi-cadores sociais, ampliar o conhecimento sobre a

questão racial no Brasil. Um exemplo da evolução foi verificado na pesquisa das famílias negras no Brasil. Nos EUA, as famílias negras eram compos-tas, em sua maior parte, por mulheres e filhos: os homens eram personagens itinerantes. Ao obser-var isso, a pesquisadora Moema realizou um estu-do para entender como essas relações ocorriam no Brasil. A partir dos dados do Censo foi possível verificar que as famílias negras no Brasil seguiam os arranjos-padrão das demais famílias brasileiras.

Um dos fenômenos observados por Moema é que ainda na década de 80 identificou-se um con-senso entre os moradores de favela ao afirmar que não existiam famílias inteiramente formadas por negros. A situação foi estudada no Rio de Janei-ro. “Eles me falavam: - Família é tudo misturado”.

Antropóloga defende estatísticas mais precisas, como instrumento para transformar a sociedade

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Para entender a situação, Moema foi buscar o motivo da autodefinição. ”As pessoas usavam os termos claro e escuro, em substituição ao branco ou negro”, explica.

Segundo Moema, tais categorias são escolhidas para o manejo das relações sociais. A definição entre branco ou preto só era usada para falar do outro, ou seja, com “quem não faz parte das minhas relações”. Os entrevistados remetiam a esses termos uma lembrança do passado – do negro como escravo. Embora a afirmação fosse de que as famílias eram misturadas, na prática uma mãe desaprovaria o casamento da filha ne-gra com um homem branco, por entender que sofreria preconceito. Existia uma ambiguidade, nessas nuances de discurso, que ao longo da pes-quisa foram evidenciadas.

Moema explica que a dinâmica de classificação da cor é relacional. Ela percebeu isso nos diálogos com os entrevistados. “Quando alguém fala na primeira pessoa, utiliza o termo escuro, mas ao falar da mãe utiliza o termo preta”, comenta. Para Moema, os estudos sobre a classificação racial no Brasil permitem que se faça a distinção de cinco níveis de classificação que podem ou não ser coin-cidentes entre si: a visão do indivíduo sobre si; a visão do indivíduo sobre alguém que é próximo (familiar); a visão do indivíduo sobre um desco-nhecido baseado tão somente na aparência deste último; a visão de um indivíduo como é percebido pela sociedade; a descrição de como um indivíduo quer ser percebido num dado contexto. “Em se tratando de política pública, é importante não só saber quem eu sou, mas como sou reconhecido socialmente”, destaca a pesquisadora.

A autoclassificação do entrevistado mediante pergunta aberta foi testada pelo Instituto em duas pesquisas anteriores – na Pesquisa Nacio-nal por Amostra de Domicílios (PNAD) de 1976 e na Pesquisa Mensal de Emprego (PME) de julho de 1998. Os dados revelaram que, depois

da categoria “branca”, a categoria que mais apa-recia era “moreno”. “É o termo de preferência da mistura”, destaca Moema. “Com o moreno, o Brasil fica conhecido como o país que resol-veu o problema da cor”.

Nos Estados Unidos, o preconceito é de origem, enquanto no Brasil o preconceito é de marca. “Cor é marca”, explica Moema. De acordo com o IBGE, quando as perguntas foram deixadas em

Em se tratando de política pública, é importante não só saber quem eu sou, mas como sou reconhecido socialmente

““

aberto nos questionários de teste para o Censo 2010, chegaram a serem levantadas mais de 136 categorias diferentes para classificar a cor. Entre-tanto, 95% das respostas estavam dentro das ca-tegorias que o IBGE utiliza para fazer a classificação (branco, preto, pardo, amarelo e indígena).

O que foi percebido é que um terço da população queria ser moreno. “Moreno não é uma alternativa para o pardo. Ele é ideológico, o lugar confortável em que qualquer um pode entrar”, critica Moema. Em estatística, o moreno não serve porque não cria indicadores sociais confiáveis. A pesquisadora explica que um dado não serve para nada quando todo mundo se enquadra nele.

O mesmo problema da década de 80, com o termo moreno, ocorreu no ano de 2000. Sur-ge a categoria afrodescendente, um reflexo da mudança da classificação que estava ocorrendo nos EUA. O IBGE realizou uma prova piloto para

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testar algumas perguntas, na qual incluiu o termo afrodescen-dente. “Fizemos os testes e percebemos que não deu em nada”, comenta. A pesquisadora aponta para uma nova maneira de classificação. A multi-identificação está se tornando comum em Censos pelo mundo. Os pesquisados poderão se classificar em mais de uma categoria.

As ações afirmativas fizeram as pessoas se classificarem de acor-do com aquilo que elas acreditam ser a sua origem. O IBGE percebeu que deveria pesquisar outra dimensão da identificação – a origem. O Brasil fez o movimento contrário ao dos EUA. Enquanto o Brasil caminha para buscar a classificação na origem, os EUA passaram a identificar pela cor. Mas, outra vez, no caso brasileiro a origem causa problema para a pesquisa. “Em teste realizado pelo IBGE na PME de julho de 1998, do ponto de vis-ta da origem, 75% dos pesquisados disseram: sou brasileiro, a exemplo de moreno”, comenta Moema.

A pesquisadora conta que nos últimos anos aumentou o núme-ro de pessoas que se classificam como negras no Brasil. Isso é percebido principalmente nas respostas dos cidadãos com maior grau de escolaridade. “O fim do preconceito passa pela escolari-zação”, sugere Moema.

Ações afirmativas demandam mais dados sobre os negros

Pesquisadora do IBGE afirma que estatísticas são fundamentais para a criação de políticas públicas

Durante os estudos para o doutorado, a pesquisadora Moema De Poli Teixeira levantou uma discussão sobre a classificação racial. O objetivo era entender como se dava a ascensão dos negros na sociedade a partir da universidade. Era início dos 1990 e as universidades tinham pouca informação sobre o assunto. A pesquisadora precisou construir e decodificar os dados.

Moema avalia que vive um dilema: como pesquisadora do IBGE busca encontrar uma classificação racial para representar as pes-soas e para construir, a partir das informações, indicadores sociais relevantes sobre as condições de vida do brasileiro. Em paralelo, como antropóloga, precisa entender a complexidade e as dife-rentes dimensões que essa questão coloca para os indivíduos em diferentes momentos de sua trajetória de vida.

Quem é?

Moema De Poli Teixeira é doutora em Antropologia Social pelo Museu Nacional -Universidade Federal do Rio de Janeiro. Nos últimos anos, é pesquisadora titular do Instituto Brasileiro de Geo-grafia e Estatística (IBGE), com trabalhos desenvolvidos em torno da Antropologia das Relações Interétnicas. Em anos de atuação com pesquisa, Moema fez o levantamento de dados estatísticos fundamentais para a elaboração de políticas públicas.

Para ela, é preciso promover o diálogo constante entre os dois conhecimentos adquiridos e igual-mente legítimos, vindos da pesqui-sa estatística – comprometido com a generalização, imprescindível para a construção de políticas públicas – e das pesquisas de campo antro-pológicas, imprescindíveis para o aprofundamento e o entendimento das dimensões mais relevantes da vida dos sujeitos, a partir do seu próprio ponto de vista.

Na pesquisa de campo para o doutorado, Moema verificou mais de 8.700 fichas de alunos univer-sitários. Pretendia analisar também as fichas dos professores, mas, so-zinha, teria uma tarefa desumana. Realizou então mais de 100 entre-vistas incluindo professores negros de vários cursos de graduação. No meio de tudo isso, percebeu pouco conflito entre a autoclassificação do entrevistado e a classificação dada pelo pesquisador.

“Isso me levou a crer que o crité-rio mais importante é a marca – a aparência”, conta Moema. Por isso, a pesquisadora destaca a im-portância da amplitude das pesqui-sas. Quanto maior a quantidade de entrevistados numa pesquisa de campo (qualitativa), mais histó-rias diferentes se consegue. “Notei que todos tinham uma história de rede que pode ou não passar pela família”. O ponto-chave é a rede, não a família. Alguns professores entrevistados revelaram que ti-

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veram de fazer uma escolha entre a família e o estudo. “Se tivesse entrevistado poucas pessoas, com certeza não teria conseguido ver isto”, ex-plica Moema. O tamanho da pesquisa de campo também é importante para conseguir perceber certos aspectos da realidade.

Mecanismos sociais fazem com que os indivíduos neguem o destino social traçado. “Eu tenho cer-teza que as pessoas buscam mecanismos de rede para implementar seus projetos de vida”, afirma Moema. Ela explica que os sujeitos fazem uma leitura da vida, em que obstáculos têm que ser ultrapassados, e se apegam a elementos de suas trajetórias, vistos como problemas que precisam ser superados. “Isso para mim reforça o sentido das ações afirmativas”, explica.

A ação afirmativa, estabelecida para a democra-tização, funcionaria como um elemento da rede, tornando-se uma maneira de ascender para a população negra. Para a antropóloga, o momento é de olhar as pesquisas e os dados de maneira a utilizá-los para transformar a sociedade.

Há 70 anos o IBGE estuda as características dos

agrupamentos sociais no BrasilO IBGE é a entidade mais abrangente em estudos sobre classificação das categorias raciais na Améri-ca Latina. Para o Instituto as questões raciais têm uma dimensão importante na sociedade, sendo necessário compreendê-la para que seja possível entender a dinâmica de toda a população. O pri-meiro dado estatístico sobre o assunto foi realiza-do em 1872 - época da escravidão. A população

Saiba mais: Censo 2010

A coleta de dados inicia no dia 1º de agosto de 2010 e o início da divulgação dos resultados ocorre em dezembro do mesmo ano. O Censo percorrerá 5.565 municípios em todo o Território Nacional, em aproximadamente 58 milhões de domicílios. Serão contratadas 230 mil pessoas para coleta, supervisão, apoio e administrativo. O orçamento previsto é de R$ 1,4 bilhão. O próximo Censo traz uma grande novidade: o quesito cor ou raça fará parte do questionário do universo ou não-amostra. Isso permitirá a realização de uma série de estudos com a construção de indicadores sociais em níveis mais desagrega-dos como o de municípios.

(Fonte: www.ibge.gov.br)

escrava foi classificada como pardos e pretos. De-pois em 1890, ano do segundo Censo, o pardo é substituído por mestiços.

O IBGE surgiu em 1938 e o primeiro Censo foi realizado em 1940. A partir deste ano, o Censo passou a ser realizado oficialmente a cada 10 anos. O Censo de 1940 teve a preocupação com a questão da imigração. Nessa década, entra no Censo também o termo amarelo. Esse Censo fez o levantamento das imigrações e a distribuição pelo país, além de avaliar o embranquecimento da população brasileira.

Nos anos 1950, surge um estudo das Nações Unidas sobre a situação racial no país. São en-viadas ao Brasil delegações de pesquisadores da UNESCO, concentrados na Universidade de São Paulo (USP). São realizados os primeiros grandes estudos científicos, usando as mais avançadas me-todologias. Entre eles, são feitas pesquisas sobre o preconceito e a discriminação em sala de aula e a segregação espacial do negro nos bairros.

Em 1970, o IBGE cria uma comissão de espe-cialistas. Eles decidem não fazer o Censo sobre raça enquanto não se soubesse como fazer. “Foi uma decisão política”, relembra a antropóloga Moema De Poli. Para preparar o Censo de 80, o Instituto realizou a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD). Em 76, o IBGE utilizou o PNAD para saber se os termos utiliza-dos em suas pesquisas eram os mesmos que as pessoas utilizariam para se autoclassificar. “Isso foi importante para mostrar se as categorias que o IBGE utilizava eram as que a população se reconhecia”, afirma Moema.

o momento é de olhar as pesquisas e os dados de maneira a utilizá-los para transformar a sociedade“ “

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Coluna do NEN

Ação do NEN sobre lei 10.639 é tema de doutorado na UnB

Entre o final de 2007 e o início de 2008, o Núcleo de Estudos Negros (NEN) recolheu as respostas de 133 gestores municipais, de todas as regiões brasileiras, so-bre o cumprimento do artigo 26A da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. O artigo determina: “Nos estabelecimentos de ensino fundamental e de ensino médio, públicos e privados, torna-se obrigatório o estudo da história e cultura afro-brasileira e indígena”. Essa ação do NEN, em conjunto com a União de Dirigentes Municipais (Undime), foi objeto de pesquisa de doutorado de Renísia Cristina Garcia Filice, “Raça e classe na gestão da educação básica brasileira”. Con-forme a autora, a atuação do NEN revela a clivagem entre a formulação e a implementação de uma política educacional, e as diferentes formas articuladas por um coletivo negro para contornar a fragmentação e a des-continuidade e fazer valer suas convicções sobre igual-dade racial, social e democracia, tendo como principal mecanismo de atuação a educação e a informação. O estudo de Renísia foi aprovado em março de 2010 no Doutorado em Educação da Universidade de Brasília.

O artigo 26A da LDB foi alterado pela lei 10.639, de 2003, que orientou a ação pública para minimizar as desigualdades raciais e sociais a partir da promoção de uma educação antirracista e antidiscriminatória. “Trata-se de uma política educacional controversa, pois exige situar-se num movimento contraditório e complexo que comporta diferentes direções, a saber: os registros e os dados estatísticos comprovam a existência da desigualdade racial; estudos desvelam a existência do racismo individual e institucional; mas as práticas do

Três grupos de questões foram enviadas pelo NEN aos municípios brasileiros em 2008:

1) Como está a implantação da Lei no 10639/03? Quando começou sua aplicação? Quais as principais dificuldades enfrentadas? Como esta política tem impactado a rede de ensino?

2) Os professores têm sido capacitados para o ensino e a história da população afro-brasileira e africana? Qual a carga horária de formação con-tinuada tem sido possibilitada aos professores?

3) O município tem disponibilizado material di-dático para as escolas atuarem com a educação das relações étnico-raciais?

racismo são constante-mente negadas, em-bora praticadas pela sociedade brasileira”, afirma Renísia.

A autora faz um ba-lanço da história do NEN e de sua contri-buição para o comba-

te à discriminação no Brasil. “No caso do racismo, o NEN assumiu o protagonismo da sua história e assou a atuar por dentro do sistema, como gestor de políticas públicas, e imprimiu outro rumo às orientações das instâncias federais”, afirma.

Na análise das respostas dos municípios ao ques-tionário sobre a LDB, Renísia observa os limites das argumentações que focam no econômico, na classe social, e minimizam os impactos da categoria raça na análise das desigualdades que assolam os sistemas de ensino. “Nesse universo, o conceito de cultura negra se evidenciou sob diferentes faces. Como afir-mação do pertencimento étnico-racial se apresenta como cultura afrobrasileira (mormente recuperadas na memória social do período escravocrata) e nos signos reverenciados da negritude que atravessam os séculos (vestimenta, dança, alimentação e outros); na sua versão proibitiva, como cultura do racismo, se mostra, de diversas formas, na recusa aos indicado-res da desigualdade racial, e, no cotidiano escolar, se materializa no preconceito e na discriminação racial e interfere na permanência e no sucesso de crianças e adolescentes negros nos ambientes educacionais. A cultura negra se infiltra, pois, nos sistemas de en-sino, sem, no entanto, nublar a crença no mito da democracia racial. E, como prática racista e ideologia está imbricada no imaginário coletivo e interfere na implantação de políticas antirracistas para a Educação Básica. Enfim, a cultura negra tanto aponta a cultura do racismo que remete a leituras sobre a negação do ser negro; quanto registra situações em que o ter se apresenta maior que o ser. Daí, as análises de classe, da desigualdade de renda, nublar a desigual-dade racial, e outras leituras, em especial, que raça antecede à classe no Brasil. Perspectiva importante para não se correr o risco de considerar a cultura do racismo descolada da conjuntura econômica.”

Renísia Cristina Garcia Filice

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