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REVISTA NOSSA TRIBO Nº 9 - MARÇO/ABRIL 2014

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Um Ponto de Vista Cultural

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no território

II Foto Varal SENAC

Foto: Divulgação

Termina no dia 30 de abril, quarta-feira, a exposição de fotos da turma de Introdução à Fotografia Digital do Senac Cabo Frio, que está sendo exposta no Terraço Fotográfico Cultural Noris Galiotto, na Avenida Teixeira e Sousa 1450, ao lado da Adega Galiotto. As fotos são de quali-dade e mostram o olhar variado e expressivo dos alunos do curso. Para qualquer outra informação deve-se ligar para o telefone do Terraço Cultural, (22) 2645-1041.

Lançamento de dois livros sobre o escritor Teixeira e SousaEmbora a Semana Teixeira e Sousa te-nha passado praticamente despercebida foram lançados dois livros sobre o escri-tor cabofriense, o primeiro romancista brasileiro.Um, da editora niteroiense Nitpress com o título “Teixeira e Sousa, o pai do romance brasileiro” (que faz parte da coleção Clássicos Fluminenses) organi-zado e apresentado pela professora Hebe Cristina da Silva. Outro, da cabofriense Rose Fernandes, “Um novo olhar sobre Teixeira e Sousa”, em que a pesquisadora apresenta novos dados sobre a vida do escritor cabofriense, entre eles que a data de nascimento de Teixeira e Sousa foi no dia 30 de março de 1812, e não no dia 28, como estava estabelecido. Rose Fernandes também descobriu onde Tei-xeira e Sousa chegou a morar no centro da cidade.

Gastronomia no SambaEncontro que deu certíssimo é a Gas-tronomia na útlima sexta-feira de cada mês, com a direção do casal Fernando Pinto e Naza-reth Moraes.

Na principal Avenida das Palmeiras, a Henrique Terra, Pa-trícia Cardinot acaba de inaugurar mais uma imobiliária no Bairro Novo Portinho (próximo ao Shopping Center).A expansão da empresa - que tem unidades na Praia do Forte e na Avenida Nilo Peçanha - reflete a credibilidade que Patrícia Cardinot Imóveis conquistou no mercado imobiliário.A empresa reúne profissionais qualificados, estrutura de atendimento e segurança para a realização dos investimen-tos. Escolha o imóvel que cabe em seu orçamento pelo site www.patriciacardinotimoveis.com.brVenha realizar o seu sonho da compra da casa própria e fazer seu investimento na Região dos Lagos.

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Ideias perigosasHá muito o que contar sobre o que representou o Golpe de 1964 para Cabo Frio. Há várias interpre-tações e muitas histórias. Neste número, apresenta-mos apenas duas. Uma, é a do então jovem secundarista Achilles Pagalidis que foi preso por içar a bandeira soviética na casa de sua mãe no centro de Cabo Frio no ano de 1977. Esta história simboliza o ambiente da época: a falta de liberdade e a repressão. Outra, é uma entrevista com Walter Bessa, que foi trabalhador da Álcalis e vereador pelo MDB. Ele lembra a atividade sindical daqueles anos e o clima do dia em que chegou a notícia de que os militares haviam tomado o poder e que os sindicalistas seriam presos.Mas este número tem mais: a arte fotográfica da jovem Lara Rothier e os textos da Rose Fernandes, Rossana Maria Papini e uma viagem deliciosa de trem feita por Edilson Duarte.

7NOSSOS CLÁSSICOS: “CANDANGO NO ARRAIAL DO CABO” DE ACCIOLY LOPES, DÁ DIMENSÃO À INSTALAÇÃO DA ÁLCALIS

4O ESTUDANTE CABOFRIENSE QUE LEVANTOU A BANDEIRA DA UNIÃO SOVIÉTICA EM PLENA DITADURA E FOI PRESO PELA MARINHA

6ENTREVISTA: WALTER BESSA FALA DE SUAS IMPRESSÕES SOBRE AS LUTAS DOS TRABALHADORES DA ÁLCALIS E O DIA DO GOLPE DE 64

UMA SABOROSA VIAGEM DE TREM DE NEVES A IGUABA GRANDE NOS ANOS DE 1920. NARRATIVA DE EDILSON DUARTE10

15ROSSANA MARIA PAPINI ESCREVEO TERCEIRO CONTO DA SÉRIE“A CIDADE E OS ERMOS”

CNPJ 17.924.249/0001-96

Circulação restrita aos membros da tribo.

NOSSA TRIBONOSSA TRIBOIdéia, Projeto Gráfico e Editoria: José CorreiaEndereço: [email protected] www.facebook.com/RevistaNossaTriboFechamento: Nômade Artes Gráficas, Cabo FrioImpressão: Grafline, Rio de Janeiro

ASSINATURADE NOSSA TRIBO: QUEROGARANTIR O MEU NÚMERO

6 (SEIS) números + entrega por R$ 30,00 (trinta reais).Como faço para pagar?Faça o depósito na seguinte conta:Banco do Brasil, Agência: 0150-3Conta corrente: 32182-6Mas não se esqueça:Envie um e-mail para [email protected] avisando o dia e a hora que pagou. Mande seu nome com endereço completo e CEP.

assu

ntos

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entrevista: Achilles Pagalidis1977: a bandeira da UniãoSoviética tremula em Cabo Frio

Em um dia de 1977, o jovem estu-dante cabofriense de 15 anos de idade, Achilles Pagalidis, içou a bandeira da União Soviética, símbolo do país comu-nista, na casa de sua mãe no centro de Cabo Frio. Ele não calculava a confusão que esse ato iria provocar. Foi detido e conduzido à Base Aero Naval de São Pedro da Aldeia, depois transferido para o 1° Distrito Naval no Rio de Janeiro, onde ficou preso com sua mãe durante dois dias por ser menor de idade. Achil-les Pagalidis (foto, com a família) tem 52 anos de idade, é professor e conta esta história nesta entrevista. (José Correia)

Marinha prendeu o estudante Achilles Pagalidis e sua mãe por dois dias

O que motivou você a levantar a bandeira da União Soviética, país símbolo do comunismo, na casa de sua mãe, no centro de Cabo Frio? Tinha consciência do que estava fazendo?

Achilles Pagalidis - Para quem não viveu os anos de 1970, não sabe dimensionar o que é passar sobre o domínio da censura e da repressão artística, política e intelectual no Brasil. No ano era 1977, o presidente na época chama-va-se Ernesto Geisel. Naquele ano, ele fechou o Congresso e baixou o famoso “Pacote de Abril”. O que significava isto? Com este ato, o governo encontrou uma maneira sór-dida de manipular o resulta-do das eleições, uma vez que tornava as eleições indiretas, tanto para governador como senador, para o pleito que seria realizado no ano se-guinte. Era o que chamaram de “eleição biônica”, termo alusivo ao personagem de se-riado americano “O Homem de Seis Milhões de Dólares”, de enorme sucesso da TV na época. Note que ainda é a mesma retórica utilizada por alguns segmentos da direita

brasileira, onde afirmam: “O povo, não sabe votar!”. Eram tempos ainda muito difíceis. Não nos esqueçamos que as mortes da estilista Zuzu An-gel e do jornalista Vladimir Herzog ocorreram em 1976, ou seja, apenas um ano antes.

Eu era um jovem secun-

darista de 15 anos. Sem di-mensionar o incômodo que estava causando aos militares da época, expus no alto de um mastro improvisado, o símbolo do país sede onde seria realizado o próximo evento olímpico, na cidade de Moscou (1980).

O que aconteceu?Achilles Pagalidis - A

minha prisão, que ocorreu numa segunda-feira logo após o meu horário da escola. No ano de 1977 fui detido e conduzido à Base Aeronaval de São Pedro da Aldeia por 6 fuzileiros navais, onde al-

Golpe de 64 50 Anos

Achilles Pagalidis com sua família.

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continua na página 6

gumas horas mais tarde fui transferido para o 1º Distrito Naval do Rio de Janeiro, na Praça Mauá. Por ser menor de idade, fiquei preso e inco-municável por dois dias junto com minha mãe. Embora estivesse trancado em um cubículo fechado de 4X4, como um contêiner, com apenas uma pequena janela na porta, fui interrogado onde felizmente não sofri nenhum tipo de agressão física. Con-sequências? A intimação de alguns professores e da dire-ção para prestar depoimentos, uma vez que acreditavam tratar-se de uma suposta “cé-lula comunista” na cidade, e cumprir diariamente durante o prazo de 1 mês a sanção punitiva de colocar o hino nacional todos os dias às 6h e cantar junto com a música, sob o risco de retornar a ser preso.

E o que o que levou você

a levantar a bandeira da União Soviética?

Achilles Pagalidis - Seria pelo temperamento irre-verente e contestador da idade? Não sei, era ainda um adolescente. Seria pela sim-patia às aulas de Ciências e História? Será que por gos-tar especificamente destas disciplinas, desenvolveu-se em mim um senso crítico mais apurado e, portanto, não estaria mais em con-formidade com o sistema vigente da época? Seria fruto de um aliciamento da escola ou dos meus pro-

Fui detido e conduzido à Base Aero Naval por seis fuzileiros navais. Achilles Pagalidis

fessores? Bem, a escola tinha uma proposta pedagógica de ensino tradicional, munida de professores disciplinado-res, e seguiam piamente os livros didáticos editados pelo MEC, baseados no “estudo

dirigido”. Mas, entre tantas “engrenagens perfeitas”, ha-via um diferencial nestas duas matérias que mexiam com o contexto. Elas além

Bandeira da então União Soviética, com a foice o martelo, símbolo da união entre o campo e a cidade.

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entrevista: Walter Bessa

O golpe gerou um clima de medo e atingiu as pessoas pobres

Walter Bessa (foto na página ao lado), que está completando 80 anos de idade em maio, começou a tra-balhar na Álcalis em 1958 e viveu toda a agitação do movimento ope-rário em suas linhas de organiza-ção e de greve. Em 1970, elegeu-se vereador de Cabo Frio pelo MDB e foi reeleito por mais três mandatos.

Nesta entrevista, Walter Bessa fala sobre o movimento operário da Álcalis e o dia em que chegou a notícia de que os militares estavam tomando o poder, de 31 de março para 1 de abril. Nesse dia, os marí-

de me interessarem eram ministradas por docentes que buscavam levantar em aula a análise e o debate em grupo. Isto era um contrassenso dentro da educação naqueles tempos! Afinal, aprendíamos a questionar e a refletir te-mas sociais e políticos sem nenhum tipo de censura ou temor. Debatíamos em aula aspectos do aborto, planeja-mento familiar, controle de natalidade, DST’s, capitalis-mo, sistema de governo e etc. Tudo isto numa época que era muito velado a exposição e o questionamento destes temas. Não tenho dúvida que grande parte da minha personalidade e do meu posicionamento político-fi-losófico de hoje foi moldado lá atrás, dentro do próprio ambiente escolar. Presto aqui um agradecimento especial às professoras Yone Nogueira (Francês) e aos professores Miguel (História) e Adoli-no (Biologia), pelo carinho, dedicação e ensinamentos prestados.

Walter Bessa conta a reação dos grevistas no dia da notícia do golpe

timos da Álcalis estavam em greve, reunidos no Sindicato dos Arruma-dores no centro de Cabo Frio.

Walter Bessa conta que houve uma debandada e o que se via era gente correndo na cidade para se refugiar, para esconder atas de reu-nião. “Um clima de medo que durou muito tempo.”

Walter Bessa faz uma observação importante: as pessoas que mais so-freram foram aquelas que lutavam pela classe trabalhadora porque eram pobres e não tinham como se defender. (José Correia)

Que sindicatos representavam os trabalhadores na Álcalis?

Walter Bessa - Tinha o Sindicato dos Trabalhadores na Indústria de Produtos Químicos para Fins Industriais de Cabo Frio e de Arraial do Cabo, cujo presiden-te na época era Altamiro José da Silva. Bem atuante, era um sindicato muito bem organizado e que foi responsável pela luta na conquista das férias remu-neradas, em dobro, e foi realmente uma grande conquista dos trabalhadores na época. Concomitantemente à luta desses trabalhadores do sindicato, ensejou que o Sindicato dos Marítimos, englobando aí mestre arrais, eletrecistas, carvoeiros, motoristas, marinheiros, também lu-tássemos para que alcançássemos essa reivindicação, que, mais tarde, com muita luta mesmo, conseguimos essa vitória, das férias gratificadas em dobro. Então, o Sindicato dos Trabalhadores teve muita importância na valorização dos trabalha-dores na indústria da Álcalis.

Golpe de 64 50 AnosFoto: Wolney Teixeira

No dia 24 de abril de 1964, uma grande manifestação da sociedade cabofriense em defesa do golpe militar de 1964, a Marcha da Família, passa pelo centro da cidade.

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NossosCLÁSSICOS

O teórico literário inglês Terry Eagleton defende que todo o texto literário tem um caráter ideológico. Ou seja, toda a criação literária sustenta, exprime, ou se aproxima, de uma visão de mundo represen-tativa de uma classe social, sendo o autor consciente ou não disso, mas cujo resultado é político, supervisionado por Sua Excelência, a História. Portanto, qualquer texto literário não possui um valor em si, autônomo, porque ele é transitório, na medida em que é motivado pela subjetividade, amarrado à temporalidade.

“Candango no Arraial do Cabo”, de Accioly Lopes, é um livro ho-nesto porque em nenhum momento seu autor esconde sua natureza ideológica: foi escrito por um operário sindicalista para defender a luta dos trabalhadores que levantavam a Companhia Nacional da Álcalis, motivados pelo nacionalismo e pela defesa da luta dos direitos dos operários como força viva revolucionária do caráter nacional brasileiro (tema típico e caro ao pensamento político de esquerda dos anos de 1950). É um livro que defende o ideário mar-xista. Nesta honesta declaração de intenção de propósitos reside o seu valor ideológico. Quanto à realização dos elementos estéticos, como tipo de narrativa, enredo, a construção dos personagens, o livro passa longe.

Tenho uma ligação especial com esse livro porque no início dos anos de 1980 descobri que um dia ele fôra apreendido pelo golpe de 1964 e se encontrava enjaulado no Depósito do Fórum de Cabo Frio. O Juiz de Direito Leomil Antunes Pinheiro, de espírito democrático, liberou então os livros para mim para que eu então os distribuísse. Foi o que fiz. Os poucos que haviam no Depósito chegaram a Bibliotecas e a Sindicatos da Região.

O autor do livro, Accioly Lopes, já havia sido preso e torturado aos 20 anos de idade em Recife, por participar da sufocada revolução da Aliança Libertadora Nacional de 1935. Nos anos de 1950, ele se muda para Arraial do Cabo, animado pelo projeto nacionalista da construção da Companhia Nacional de Álcalis, que tornaria o Brasil auto suficiente na produção da barrilha. Aqui, participou ativamen-te das duas greves na empresa pública, a de 1960 e a de 1961, que reivindicavam melhores salários e direito à insalubridade.

O livro mostra as transformações que a construção da Álcalis causou na “pacatez medieval”, “na tranquilidade primitiva” (palavras do autor), de Arraial do Cabo. Símbolo da modernidade, a Álcalis provocava também a discussão qualitativa sobre o verdadeiro pa-pel do proletariado como classe e como agente revolucionário da sociedade. As dificuldades da formação do sindicato, a alienação de boa parte dos trabalhadores, as sabotagens que procuravam impedir a produção da fábrica, também percorrem o livro. Há histórias de gente da terra e de forasteiros. Algumas pitorescas que procuram traçar o jeito de ser dos cabistas. Mas é um livro em que o próprio autor define como esperançoso. Naquela época, a esquerda contava como seu maior aliado, um Deus chamado História.

José Correia

“Candango no Arraial do Cabo”, livro de Accioly

Lopes, lançado em 1963.

Havia muita atividade sindical na Álcalis?Walter Bessa - Na época, havia mais de dois

mil trabalhadores na Álcalis. Pela razão de ser uma indústria insalubre, em razão dos produtos que eram fabricados, os trabalhadores reivindica-vam melhorias. Às vezes, alguns alcançavam no setor em que trabalhavam, mais 10%, mais 15%, daquilo que recebiam, em razão da insalubridade. E os marítimos também ganharam insalubridade pelo trabalho na Lagoa. Alguns, como eu, que trabalhava em praça de máquinas, recebia uma gratificação pela insalubridade, em função da fumaça e outros fatores relacionados à praça de máquinas. Então, entendo que a grande conquista dos trabalhadores legalizados em sindicatos em Cabo Frio foi justamente essa maneira de chegar a seus objetivos respeitando direitos e deveres da própria classe patronal. Mas aquilo que o sindicato tinha condições de lutar, se lutava. E geralmente se conseguia alguma coisa.

No golpe, qual era o clima na cidade?Walter Bessa - Quando aconteceu o Golpe de 64,

é bom que se diga que um dos lugares mais visados pela Revolução eram os agrupamentos ligados aos sindicatos. Havia pessoas que isoladamente se sobressaíam, da maneira como defendiam suas idéias. Mas o foco eram os sindicatos. A parte motivada da revolução era pelo que se entendia ser a influência da União Soviética. A Guerra

Walter Bessa trabalhou

por 20 anos na Álcalis e foi vereador

pelo MDB por quatro mandatos

consecutivos. (Foto: José

Correia)

continua na página 8

O objetivo era exterminar aslideranças dos sindicatos. E conseguiram. Walter Bessa“

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Fria que refletiu muito nos países subdesenvolvidos, pela simpatia que a União Sovié-tica despertava. Muitos com-batiam os Estados Unidos, cujo imperialismo tinha por finalidade explorar os países subdesenvolvidos, fazendo-os de serviçais. Colocando fora de lei os sindicatos, ensejaria uma melhor caminhada da revolução para o Brasil. O objetivo era exterminar as lideranças dos sindicatos. E conseguiram.

Identificamos quem foi contra o golpe, como Wilson Mendes, símbolo dessa oposi-ção. Mas quem representou o novo governo?

Walter Bessa - Lembro-me muito do que representou para nós o jornal “A Voz Ope-rária”. Meu pai, era sindicali-zado. Todos os trabalhadores liam o jornal, com os artigos em suas páginas que traziam as lutas vitoriosas dos povos, informando como o Brasil conseguiria chegar a um patamar de independência quando os trabalhadores seriam valorizados. Acom-panhei muito isso e tenho lembrança. Até lendo esse jornal para o meu pai, que era sindicalizado, meu avós. O outro lado, sabíamos disso, é que haviam as pessoas contra. Eles não entendiam que só através da organização con-seguiriamos melhorar.

Como foi o clima do dia do golpe?

Walter Bessa - No dia em que estourou a Revolução, estávamos reunidos no Sin-dicato dos Marítimos. Está-vamos justamente em greve. E o sindicato que abriu as portas para que pudessemos ficar ali aguardando e discu-tindo as reivindicações foi o Sindicato dos Arrumadores de Cabo Frio, ali na Rua Ma-jor Belegard. Estávamos ali e na parte da tarde alguém chegou falando que estava começando um movimento

continuação da página 7

militar em Minas Gerais, através do general Mourão Fi-lho, e esse movimento vinha para combater os sindicatos, as idéias socialistas no Brasil. De repente, chegou outra pessoa falando que deveria-se fechar o sindicato. Todos se retiraram porque já vinham forças para a cidade de Cabo Frio. E a finalidade era pren-der quem estivesse reunindo em sindicatos. Isso eu lembro perfeitamente como se fosse hoje. Muita gente saiu corren-do pelas ruas da cidade, ali na Major Belegard, procurando se refugiar em suas casas, em outros lugares, porque já estava na cidade um grupo de pessoas para prendê-las. Como chegaram aqui, aí sim, havia pessoas na cidade que auxiliaram e indicaram os locais que eram fáceis de en-contrar esses trabalhadores.

Esse clima de medo durou um bom tempo.

Waler Bessa - Durou. Por-que você sabe que com a edição dos atos institucionais, que foram cinco, o de 9 de

abril de 1964, uma semana depois, já no preâmbulo, nas justificativas, são de meter medo, porque a coisa foi fechada de tal maneira para combater quem fosse contra a Revolução que seria ba-nido. Isso gerou um medo em todos. Eram pessoas po-bres, sem defesa. Encontrei alguns líderes sindicais, até no Sindicato dos Carvoeiros da Marinha Mercante, cor-rendo com o livro de atas ali na Praça da Bandeira, procurando um local de amigo para esconder essas livros. O reflexo do pavor foi muito grande na cidade de Cabo Frio. Dessas pessoas que sofreram, lembro de Oswaldo Rodrigues, Manoel Corrêa, Chico Ribeiro, Moisés Bes-sa, Gino Vagalume, Walter Trindade, Wilson Mendes, que depois foi cassado, foram reflexo da luta que tiveram. Sobressaíram mais e foram presos.

Mas apesar de tudo isso o MDB fez uma carreira vitoriosa.

Cabo Frio: a mais politizadaPessoas na cidade auxiliaram as forças policiais a prenderem sindicalistas

Walter Bessa - Sim. Lem-bremos que passou a existir somente dois partidos, o MDB, que caminhava pelos princípios democráticos e a Arena, o partido do governo, que já dizia ser a renovação. O Brasil estaria passando por uma renovação. E o MDB seria a sustentação dos princí-pios democráticos. Portanto, uma continuação do PTB de Vargas. Na época, em Cabo Frio, a Arena fez apenas mais um vereador que o MDB. Eles fizeram cinco. Nós, quatro. Havia um equilíbrio na Câ-mara Municipal. E o MDB era um partido que tinha muitos simpatizantes em Cabo Frio. Tanto que depois conseguiu eleger Timinho em 1970. Apesar de depois haver a mudança das siglas, o ideal do MDB continuou.

Cabo Frio era o muni-cípio mais politizado, onde os sindicatos eram fortes, Cabo Frio estava na crista, com lideranças bem prepa-radas, procurando condições melhores de vida para os trabalhadores.

A Álcalis, que começou a produzir barrilha em 1960, representou um novo momento econômico para a Região e, portanto, uma nova etapa nas lutas sindicais de Cabo Frio. (Foto: Wolney Teixeira)

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Wilson Mendes defendia quedepoimento de Antonio Castro na Base sustentou sua cassaçãoCassação por 10 anos tirou Wilson Mendes da carreira política

Golpe de 64 50 Anos Histórias de Cabo Frio

Ao ter seu mandato de deputado estadual cassado em 1969 pelo AI-5, Wilson Mendes, estava com 44 anos de idade, e vinha fazendo uma carreira política promissora. Com a cassação, Wilson Mendes perdeu os direitos polí-ticos por 10 anos, o que comprometeu o seu retorno à vida política.

O que poderia motivar aquele ato discricionário? Wilson Mendes não tinha dúvida em afirmar de que era o depoimento do então prefeito de Cabo Frio, Antonio Castro, na Base Aero Na-val, quando, com intenções políticas, o acusou de liderar o “toma tudo” no dia 31 de março, na medida em que re-presentava em Cabo Frio o governador Badger Silveira.

Antonio Castro negava esta acusação e ainda dizia: “Não denunciei ninguém. E eu, o que pude salvar salvei com as verdades.”

Mas Wilson Mendes contra-atacava citando o que eram partes do depoi-mento de Antonio Castro e desafiava-o

O livro “A longa

marcha: a dominação política da

oposição em Cabo Frio

após o Golpe de 1964”

focaliza a cassação

de Wilson Mendes.

a negar suas acusações.“Fui o único político de Cabo Frio

com os direitos políticos cassados, alija-do da vida política, enquanto ele ficou livre, sem o grande adversário, pois havia, pouco antes, ganho as eleições [de prefeito] de mim por 51 votos. E, com esta infâmia, conseguiu me afastar da vida pública usando o próprio governo.”

Wilson Mendes começou sua vida política em 1945 pelo PTB.

Antonio Castro foi prefeito por duas vezes, pelo PSD e pela ARENA.

fato histórico

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Uma viagem de trem a Cabo

Para se deslocar de Niterói a Cabo Frio nos anos vinte [1920], enfrentava-se uma aventura que começava ao aman-hecer do dia e só terminava ao entardecer.

Iniciava-se na antiga Estrada de Ferro Maricá, situada em Neves, distrito do município de São Gonçalo, donde partia o trem para Cabo Frio às 6h30; transporte inaugurado em 1915, cuja ferrovia ia até vila de Iguaba Grande, distrito do município de São Pedro da Aldeia.

O comboio ferroviário era formado por um vagão de carga, um dos correios e dois outros de 2a. e 1a. classe para passageiros.

Os passageiros, com seus familiares que compareciam ao embarque, vestiam guarda-pó a fim de evitar que as fagul-has que eram expelidas durante a viagem pela chaminé da locomotiva, cujas caldeiras eram aquecidas por fornalhas a lenha, queimassem seus ternos e os vestidos das senhoras.

Dada a partida pelo chefe da estação, com aquele apito longo e estridente, eram feitas as despedidas para a longa viagem.

As estações de paradas se sucediam no andar pachor-rento do trem: Sete Pontes, Rio do Ouro, Raul Veiga, Cala Boca, onde havia uma caixa d’água para abastecer as caldeiras porque a subida da serra, o trecho mais perigoso do trajeto, exigia maior esforço da máquina. Conta-se que os passageiros ficavam calados vendo o refolegar do trem na difícil subida, numa marcha lenta, soltando fumaça e fagulhas porque a todos apavoravam.

Daí, parávamos em Inohan, Maricá, onde a demora era maior para desembarcar passageiros e carga. Vinha a seguir Manoel Ribeiro, Nilo Peçanha, Jaconé e Sampaio Correia, onde era servido um cafezinho pelando, que mal dava para sorver o primeiro gole e já o trem estava de partida. A chegada em Bacaxá se dava por perto das 11 horas e a demora permitia que se fizesse uma refeição no restaurante do Sr. Alfredo e às vezes bater um papo com o Prefeito de Saquarema, Segisfredo Rodrigues Bravo, que quase sempe se encontrava na estação.

Seguia-se a viagem até a próxima parada que era Ponte dos Leites e daí a Araruama, terra dos Vasconcellos, Alves Branco, Valadares, Bragança, Lessa, Castanho e Raposo, onde era maior o número de passageiros a desembarcar e a demora era grande. Partia-se para o final da grande jornada e chegávamos a Iguaba Grande por volta das 14 horas, nos

aventura no tempo

Roteiro da viagem

1 - Partida em Neves, São Gonçalo, às 6h302 - Uma caixa de água abas-tecia as caldeiras do trem em Cala Boca3 - Primeira parada, Inohan, Maricá4 - Segunda parada, Sampaio Correia, para se tomar um cafezinho5 - Terceira parada, Bacaxá, às 11h, onde se fazia uma refeição6 - Quarta parada, Ponte dos Leites7 - Quinta parada, Araruama, onde o trem demorava mais8 - Fim da viagem de trem, Iguaba Grande, às 14h9 - Para Cabo Frio, a viagem continuava em lancha, com chegada entre 16h e 17h

Edilson Duarte

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últimos arrancos e resfolegos da máquina de ferro com seus estertóricos apitos.

De Iguaba Grande até Cabo Frio, a viagem era feita pela lagoa Araruama em lanchas de propriedade do Sr. Alberto Mazur, que fez este transporte desde o início da linha de ferro até 1917 e desta data em diante sob a direção do Sr. José Paes de Abreu, que possuía as lanchas Cometa, Palestina e Liana.

A viagem transcorria normalmente, quando não havia mau tempo, e a lagoa mansa e tanqüila dava para se apre-ciar a beleza de suas margens, a limpidez de suas águas e o saltitar das tainhas nos ganchos ao se passar pelo Baixo Grande. Ocasiões havia, quando ventava o sudoeste, as ondas cresciam e ameaçavam a embarcação que jogava de um lado para o outro, causando pânico entre os passageiros e com muita dificuldade alcançava-se Cabo Frio. A viagem terminava ao entardecer entre 16h e 17h.

Mais tarde, em 1927, a viagem de Iguaba Grande a Cabo Frio não mais era feita em lanchas, passou-se a fazer o transporte de passageiros, cargas e malas do correio, em pequenos ônibus “jardineiras”, com as laterais abertas como um bonde com um reboque onde eram colocadas as bagagens. De Iguaba, seguia-se por uma estrada de barro em péssimas condições, aos solavancos, até Sepetiba, e daí alcançava-se a Praia da Aldeia, beirando a lagoa por uma estrada de areia, onde muitas vezes o ônibus atolava. Era preciso que os passageiros saltassem para que ele pudesse sair e chegávamos a São Pedro da Aldeia, onde depois de alguma demora, seguíamos viagem para Cabo Frio, passan-do pelo Porto do Carro e alcançávamos a ponte Feliciano Sodré de onde descortinávamos a cidade.

O ponto de chegada era na Praça Porto Rocha, onde já aguardavam os parentes dos passageiros e pessoas con-hecidas em busca dos jornais da Capital e indagando se o filme tinha vindo para a sessão cinematográfica à noite no Cinema Recreio.

Em 1937 foi inaugurada a estação do trem no Passage-iro, do outro lado da ponte, com a presença do Ministro da Viação, José Américo de Almeida, sendo Presidente do Estado, o Almirante Protógenes Guimarães.

Mais tarde, o serviço de transporte de passageiros foi melhorando com uma linha regular de automotrizes que saía de Neves às 16h é chegava às 21h. Com o advento da estrada de rodagem, o transporte ferroviário foi desativado e as estações de trem abandonadas.

Edilson Duarte era advogado

e professor. Foi prefeito de Cabo

Frio em 1947 por sete meses, sucedendo seu

cunhado Francis-co Paranhos. Ele-

geu-se prefeito pelo PTB para o

período 1958/62. Era casado com Arlete Marques da Cruz, de tra-dicional família

cabofriense. Mor-reu aos 72 anos de idade no dia

16 de outubro de 1988. Esta crôni-

ca foi publicada pela primeira vez

no jornal “Aqui” em setembro de

1981.

Quem foi o autor

Frio (uma história dos transportes)

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viagem sentimental

perfil

Diocleciano da Cunha Duarte

Em número anterior de “Nossa Tribo”, escrevemos um artigo, localizando a casa de Teixeira e Sousa, o cabo-friense autor do primeiro romance brasileiro, e o seu possível comprador Dio-cleciano da Cunha Duarte, cujos descendentes continu-am como proprietários do imóvel.

Diocleciano da Cunha Duarte é um nome pouco conhecido para a grande maioria dos cabo-frienses, um nome que aprendi a respeitar e admirar por sua contribuição para a história de Cabo Frio.

Ao longo dos anos de minhas pesquisas, o contato com seus manuscritos foi tão frequente que em certo momento era como se ele estivesse falando comigo, não somente através dos seus relatos e pela forma com que narra o assunto, como tam-bém pela escrita clara, pou-co comum naquela época. Como se dizia antigamente, possuía uma “letra de moça”.

Podemos notar em seus relatórios, a dedicação e ca-rinho com que exercia a sua função de escriturário.

Diocleciano da Cunha Duarte e sua esposa, D. Maria Amélia Moreira Duarte, fotografados na Rua do Ou-

vidor, RJ, em torno de 1875. Uma foto típica da época, após o casamento.

Além de secretário de Câmara, foi bibliotecário e exerceu o mandato de vereador no final do século XIX; foi também proprietário da casa onde morou Teixeira e Sousa

Rose Fernandes

O convívio com os seus manuscritos me despertou um sentimento de gratidão, pois os seus relatos facilita-ram, e muito, o meu trabalho de pesquisa. A maneira de se expressar, a sua grafia e assinatura, se tornaram para mim tão familiar que cheguei a criar em minha mente a sua imagem, mas uma imagem sem rosto.

Estas pesquisas iniciaram-se no Arquivo da Câmara Municipal de Cabo Frio no ano de 2000, quando en-contrei o Diocleciano pela primeira vez como secretário da Câmara, um cargo ofere-cido pelo governo provincial a homens competentes, res-ponsáveis e respeitáveis, onde permaneceu como escrivão de 1870 a 1903. Durante esse período foi também bibliotecário, suplente de juiz, e exerceu o mandato de vereador nas legislaturas de 1892 a 1900.

O Dr. José Antônio Porto Rocha, presidente da Câ-mara em vários mandatos, declarou que Diocleciano era seu fiel auxiliar e dedi-cado amigo de 50 anos. Seus contemporâneos diziam que

o modo correto e digno como desempenhava o cargo de escrivão era atestado por todos aqueles que ocupavam as cadeiras no legislativo, que sempre tiveram a necessida-de de seus sábios conselhos e de uma orientação em seus trabalhos.

No arquivo da Câmara, conheci o Diocleciano como homem público, contribuin-do para o melhoramento do município. Mas em outras fontes documentais encon-trei o Diocleciano se dedican-do a ações beneficentes como benemérito da Banda de Mú-sica Euterpe Cabo-friense e incorporado à Irmandade de Nossa Senhora da Assunção como escrivão, à Irmandade de Santa Isabel como con-sultor e da Venerável Ordem Terceira de São Francisco.

Desde 2012, venho fazen-do a recuperação do arquivo da Ordem Terceira, quando

chegou às minhas mãos al-guns livros, atas e documen-tos organizados e escritos por Diocleciano. Neste arquivo, conheci parte de sua vida particular.

Diocleciano nasceu em Vitória no Espírito Santo, em 1842, e chegou em Cabo Frio, ainda menino. Aos 32 anos, casou com Dona Maria Amé-lia Moreira, 22 anos, natural de Cabo Frio, em 23/05/1874. Com ela teve 6 filhos: Euge-nio Diniz, José Diniz, Mariana Ignácia, Maria Ignácia e Dio-cleciano e Rosendo (falecidos ainda criança).

Diocleciano professou na Ordem Terceira em 1864, com 22 anos, e no ano se-guinte já participava da mesa administrativa da Ordem. Foi eleito ministro por várias vezes e, conforme o regula-mento da Ordem, recebeu o título de Ministro Jubilado em 1884.

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no alto do Morro da Guiahorizonte coagulado de corescomo lençol estendido no azulmistério nas pedras revelasulcos em perfeiçãomágico cinzel de cinzasfeito de imaginaçãohá muito muito tempomensagem oculta deixou

pedras sulcadas por quemafrontam desafio da esfingedecifra-me oumas o véu de Isis cobre o misterioso segredono alto do Morro da Guiaas pedras sussurram ao ventomistério descansa em poesia

pedras sulcadas por quemcarcomidas pelo abandonoruínas que o tempo engolegritam silêncio de pedra mistério que ouvidos moucosclamam ao último guerreiro tamoiomas nem o mitológico Pai Suménessa porção do tempoem que se vive agoraenferrujado de maresia é capaz de revelar o segredono alto do Morro da Guia

e o vento leva pra longeincansável repetiçãoa se perder na distância

no alto do Morro da Guiatem um segredo encerradoem cima de cada pedracom desenho sulcadoem cima de cada pedrade cada pedrasegredopedrapedra

Morreu em 8 de Junho de 1905, aos 63 anos de idade e por sua dedicação à comuni-dade e àquela fraternidade, teve o privilégio de possuir um jazigo perpétuo em local especial, dentro da Capela de São Francisco, escolhido pelos membros da Ordem Terceira, a qual, com a colaboração da Câmara Municipal, mandou fazer no Rio de Janeiro uma pedra em mármore branco com inscrições para a cober-tura do jazigo.

Como parte dos trabalhos do Arquivo, fazendo um levantamento nas sepultu-ras do cemitério da Ordem Terceira, auxiliada pelo Seu Cid, funcionário da Ordem, encontramos o retrato de Diocleciano na sua sepultu-ra, desconhecido até de sua família. Foi um momento de muita emoção, aquela emoção que recompensa qualquer dificuldade.

Com autorização da Mi-nistra da Ordem, Regina Francisca, e de um membro da família, Francisca Mureb (Titixa), retiramos o que restou de um porta retrato muito danificado torcendo para uma possível restaura-ção. Felizmente, com muito trabalho e paciência, conse-guimos restaurá-lo.

Em 2012, estava progra-mado uma homenagem a

Diocleciano e a devolução do seu retrato ao local de origem, mas a Capela de São Francisco entrou em obras de restauração e a homenagem foi adiada para junho, quando serão comemorados os 109 anos de sua morte.

Diocleciano da Cunha Du-arte merece ser lembrado e homenageado por sua família e pelos cabo-frienses por seu legado que nos possibilitou a construção de nossa memória cultural.

Diocleciano da Cunha Duarte tinha uma caligrafia bonita e expunha os assuntos de forma clara.

Jazigo Perpétuo de Diocleciano da Cunha Duarte. Falecido em 8

de junho de 1905 com 63 anos de idade. (Foto: César Mattos, 2012)

Mistério daspedras sulcadas

Paulo Orlando dos Santos

poesia

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Luiz Carlos da Cunha Silveira

As singularidades de CABO FRIO

Você sabia? ... Que Cabo Frio já foi governa-da por um morto?

Ao longo dos 134 anos de existência da capitania real secundária de Cabo Frio (1615-1749), esta foi governada por doze capitães-mores, sendo alguns figuras históricas de importância até internacional, como o segundo deles (Martim Correia de Sá), a par de outras, ilustres desconhe-cidos, a saber:

1) Estevão Gomes (1616-1617)2) Martim Correia (1617-1618)3) Duarte Correia Vasqueanes (1619-1630)4) João Varela (1631-1661)5) Domingos da Silva Agrella (1662-1681)6) Luiz Barbalho Bezerra (1682-1694)7) Cristóvão de Almeida Gamboa (1695-1699)8) Mateus de Faria (1700-1704)9) João Leite Barreto (1705-1713)10) João Prestelo (1714-1717)11) Jerônimo Osório (1718-1744)12) Aniceto da Cunha Castelo Branco (1745-1749)

A lista acima constitui a única referência disponível e completa da sequência, com nomes e datas, daqueles go-vernantes coloniais de Cabo Frio – de acordo com o livro “Memórias Históricas do Rio de Janeiro”, de autoria do mon-senhor José de Souza Azevedo do Pizarro e Araújo, publicado em 1820 – e também um claro exemplo da precariedade das tão decantadas fontes históricas, no que se refere a Luiz Barbalho Bezerra, um daqueles grandes vultos históricos mencionados, o qual, nascido em Pernambuco, foi um dos principais líderes da resistência à ocupação holandesa no Nordeste (combateu-os de Sergipe ao Suriname) e braço direito do rei Dom João IV, quando da restauração da inde-pendência portuguesa em 1640, após 60 anos de domínio espanhol, tendo sido ainda governador da capitania geral do Rio de Janeiro (portanto, indiretamente, da capitania secundária de Cabo Frio, subordinada aquela), cargo no exercício do qual faleceu em 1644.

Assim sendo, como poderia ter assumido a capitania ca-bo-friense entre 1682 e 1694, quando já se encontrava morto meio século antes? Esta contradição histórica, conforme tantas outras, deverá ser jamais esclarecida, por absoluta carência de textos, documentos ou testemunhos de qual-quer natureza, persistindo assim o mistério sobrenatural do morto que governou Cabo Frio.

As fotos abaixo são dos anos de 1980. Aonde foram tiradas? A constatação é que Cabo Frio mudou muito.

[1] Pessoas representativas em Cabo Frio lideram protesto contra a onda de crimes na cidade. Que local é esse?

[2] Curral em área urbana? Veja que está em frente à Rodoviária de Cabo Frio. É isso mesmo. Que local é esse?

[3] A praia cartão postal de Cabo Frio já teve linha contínua à avenida. A duna Boa Vista ao fundo... esta é fácil.

Resposta: 1- Final da praça Dom Pedro II, centro da cidade. Lá embaixo se vê o Cine Recreio, ao lado da Matriz. 2- Aonde está hoje instalada a Engeluz. 3 - Praia do Forte. (Fotos: José Correia)

veja se localiza?

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A cidade e os ermos (3)

Rossana Maria Papini

Deixa eles lá! Preferia já apagar-se por ali, no seu canto de Praia querida, a deslumbrar as canoas, os amigos.

Foto: José Correia

A velha vivia há muito sozinha lá pelas bandas do Morro dos Macacos, num sítio à beira da lagoa. Gastava seu tempo a cultivar a terra, plantando o que dava ali, mandioca, pouqui-nho de milho, coisinha ou outra. A casa antiga, meio capenga, tinha sempre o fogo vivo, o lastro de fumaça na chaminé. Tinha dia que ficava feliz, divisava a chegada da canoa vindo lá da Praia do Siqueira, do outro lado do enorme espelho d’água, trazendo um filho e a família da mulher, seus pais e as crianças, as meninas. O marido morrera, sisudo, a fazer os quadros, mestre-salineiro que era, orgulhoso de sua raça portuguesa, da sapiência nas medidas: nos cristalinos sempre dava o sal, era só soprar o vento certo e a grande engenhoca se punha a girar, a fabricar a riqueza dos novos donos da terra. Porque os antigos donos ela sabia bem quem era, o povo miúdo que andava por ali, com olhos amendoados, os lisos cabelos negros, mansos, sabendo de outras artes, como as pescarias de lagoa, os ganchos, covos, redes de tucum, fa-brico de canoas, os descendentes dos índios. Agora ninguém queria se dizer mais índio, era desvantagem, rótulo infame, mas ela os via em toda parte, povo que conhecia a terra e seus usos, a natureza; entendia eles, quem quereria ser índio ali? Só se fosse tolo, dado o preconceito do povo, dos de mando, dos homens bons, aqueles que eram os donos dos costumes e tinham decretado que a aldeia estava extinta por falta de índios (a antiga Aldeia de São Pedro dos Índios não era muito longe dali), até para utilizar as terras, na cobiça das salinas, o ouro branco da região. Bem, pior era ser negro, vira bem nas poucas vezes que fora na cidade, eles a viverem apartados, a estarem ali e ao mesmo tempo separados. Nas salinas era a maioria que ia pro eito dos quadros, a penarem nas poucas vezes por ano que vinha a colheita do sal.

Nem lembrava mais direito de Matosinhos, a cidadezinha ao norte de Portugal, sua aldeia de pescadores, saíra de lá tão moça, já com alguns filhos, outros nascidos aqui, em Figueira, onde viveu por anos com o marido, homem rude, de fibra, sua companhia que partira de súbito, os filhos casados e ela a querer voltar a ter algo de seu, a sair do meio dos quadros – estes a cegavam, não dava para plantar nada, era uma casa aqui e outra depois de quilômetros de salinas – sempre se ressentiu com isso; queria plantar, ter suas árvores, sua pró-pria casa, pois lá era tudo dos salineiros. Mas de Matosinhos vinha a clareza da diferença nos métodos de pesca, os remos de voga, o tipo de embarcações, a arte xávega, de brancos, tão maravilhosa. Tudo aqui era diverso, com a marca inde-lével da cultura indígena, que ninguém parecia ver. O filho queria lhe levar para o povoado, para viver com ele e suas filhas, mas não, preferia ficar ali. Lá na Praia, aonde o filho vivia, era melhor, povoadozinho de poucas ruas de chão,

lugar de camaroeiros, de pescadores de tainhas, a armarem ganchos – a armadilha circular de estacas e redes fincadas no fundo da lagoa a espera do peixe que vinha de longe, dos oceanos sem fim para desovar na grande laguna. O povo pequeno dominava o lugar e ele alto, russo, no meio deles, a misturar seu sangue lusitano aos seres daquelas paragens, ao simples do lugar.

Lá na Praia vivia o sogro de seu filho, velhinho, a ter sua esposa junto a si, homem de coração bom, tão bom que já ro-lavam lendas, como a do gato que via seu dono no desamparo e ia roubar o peixe das eiras e levar para o velho, a deixá-lo ao seus pés. Este sentia saudades das filhas a irem para o outro lado, para longe, e eles no apego à velha casa, ao vento doido que rodava por ali, aos trocadinhos dos consertos das redes; não, não iria viver na casa do genro, homem de outra cultura, do além-mar, rude, bom, mas rude, o russo. Deixa eles lá! Preferia já apagar-se por ali, no seu canto da Praia querida, a deslumbrar as canoas, os amigos.

A velha portuguesa do outro lado e o velho do lado de cá, cada qual com sua teima, com seu preferir viver no que parecia o abandono, entretanto era a preferência, a afirma-ção de si nos estertores da vida, o gosto pelos sossegos, pelas pequenas coisas que faziam a vida parecer valer a pena.

Ela sabia estar sendo apagada, indo pros ermos dos ermos das memórias dos vivos, daqueles que um dia pudessem imaginar sua existência, mas naquele dia de sol, a netinha, uma linda menina, a pegar camarões de risco, enfiando eles num pauzinho e trazendo para a grelha do fogão, nada disso importava, era só o presente, infinito, mágico, que a vida ainda lhe proporcionava.

conto

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{Sob nossa MIRA}Feira de livros

Rock Humanitário

“A felicidade não é um ideal da razão, mas sim da imaginação.”Immanuel Kant

Ó poeta do amor!Ó poeta das flores,Que viveu um tempo de esplendor,Entre amores.

Colheu frutas silvestres e floresNa imensa restinga,Mas apreciava o azul da lagoa,Quando passava uma linda canoa.

Suas palavras ditas ao ventoEram levadas... serenas,Algumas até animadasPelo bom pescador,Na terra de Santa Helena!

A tarde caía, toda vaidosa,O coração como rosa,Do Zé Tarrafeiro, sendo o primeiro,Era perfeito.

Só a Senhora Saudade, comovida,Lembra um jovem talentoso,Como sendo o primeiro poeta mo-dernista,Nesta terra querida, O escritor Waldemir Terra Cardoso,Que fica na memória do turista.

O poeta modernistaLindberg Albuquerque Brito

Acontece no dia 19 de abril, sex-ta-feira, a sexta edição do Festival de Rock Humanitário que reunirá 17 bandas. O Festival será na Praça de Eventos aberto às 15h pela banda Deck 35, de Tamoios. Com dois pal-cos de apresentação, a previsão é de 10 horas de rock. Plebe Rude será a última banda a subir ao palco.

Entre outras bandas convidadas estão Korzus, Ratos de Porão e Dead Fish. A expectativa é que 7 mil pessoas estarão no Festival que exige que cada pessoa leve pelo menos dois quilos de alimentos não perecíveis. Calcula-se que serão arrecadados 15 mil tonela-das de alimentos.

Termina no dia 15 de abril, terça-feira, a Feira de livros da Associação Brasileira de Livros, em Cabo Frio. Este ano, a Feira foi para um novo local, a Praça Santo Antonio. A levar em consideração a opinião de alguns vendedores e populares, a Feira fica melhor na Praça Porto Rocha.

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poesia

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“Com as minhas escolhas, eu preten-do alcançar o mundo. Tenho muita vontade de ser grande e de ter uma influência significativa de alguma forma. Acredito fielmente que a Arte pode vir a mudar as pessoas e o mundo.”O pensamento é de Lara Rothier, 18 anos de idade, que fotografa desde os 15 anos, “graças a meu pai”, como afirma. Carioca de Botafogo, ela mora em Cabo Frio com seus pais.“Eu percebi que a fotografia era o meu grande amor!”

arte: Lara Rothier

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Luminosidades de vida

Meu Diário

2011: 18 de junho, sábadoO dia está lindo. Céu azul, tempera-

tura agradável, luminosidade suave, vou com Márcia, minha mulher, e Júlia, minha filha, visitar Carlos Mendonça. Desço do carro em frente à casa do artista plástico no Portinho, chamo algu-mas vezes pelo nome dele, nada, penso em desistir. São 11h e finalmente ele responde. Vem em nossa direção vaga-rosamente e explica que estava deitado. Se queixa de depressão. Anda tomando remédios. Entramos e nos sentamos na varanda ao fundo da espaçosa casa. Mendonça chama a mulher, a professo-ra Vilma. Puxo a conversa informando que Julia está estudando desenho e tem habilidades na pintura. Mendonça faz um breve retrospecto da sua história de artista plástico (foi criado pelos tios, mas foi o presente de sua mãe, um estojo com material de pintura, que despertou nele as artes plásticas) e recomenda a Julia a se libertar das regras, a valorizar a imaginação e a achar seu próprio caminho. Vilma nos oferece café. Fico surpreso em ver que Julia colocou café em sua chícara. Mendonça lembra de artistas plásticos de Cabo Frio, como Scliar, que ajudava quem iniciava, desde que acreditasse nele, como foi o caso de

Carlos Lima. Vilma me diz que Men-donça envelheceu de repente. Falamos um pouco de Gerson Tavares que anda aí pelos 84 anos de idade. Vilma defende que Gerson se preparou para a velhice, cuida bem da saúde há muitos anos. Também acho. Mendonça nos leva a seu atelier. Mostra-nos alguns quadros de diferentes estilos. Há alguns desenhos de Mendonça, desconhecidos, que ele mesmo pensa que valeriam a pena ser expostos. Júlia gosta do que vê. Ao nos despedirmos, Vilma nos diz que nossa visita fez bem a Mendonça. Também nos fez muito bem.

24 de junho, sexta-feiraÀ noite participo da vernissage de

Torres do Cabo no Museu José de Dome. José Antonio e Helena organizaram a exposição. A Secretaria de Cultura publicou um folder no projeto “Nossos valores a gente nunca esquece” home-nageando Torres que está com 80 anos de idade. Praticamente se forma um círculo no salão do Charitas e muitas pessoas prestam um depoimento, eu, Célio Mendes, José Casimiro, José Antonio, entre outros. A homenagem mais faiscante é do único irmão de Torres. Ele conta que quando criança

o piso da casa de seus pais, e de muitas habitações da cidade, era de cimento e era frio. Sua mãe pegava areia na praia e jogava sobre o chão, a fim de quebrar a friagem. Torres do Cabo, então, com o dedo, desenhava na areia do piso. Ao final, todos aplaudem Torres do Cabo, que, com um pequeno chapéu na cabeça, agradece sorrindo com a jovialidade moleque que sempre o identificou.

1 de julho, sexta-feiraEncontro pela manhã em uma

fila de Banco, Ricardo Massa, filho de Dr. Hilton Massa. Não puxo conversa porque acho que o silêncio é uma moe-da preciosa que valorizamos depois de um certo tempo de nossa vida. Penso isso em respeito a Ricardo, porque nem sempre queremos conversar. Ainda mais para inevitavelmente perguntar a ele o que todos lhe perguntam: como está Dr. Hilton Massa? E ao que muito tarde admiti para mim mesmo: tenho ojeriza a conversa. Embora goste de falar, não tenho a menor satisfação em dialogar. Acho uma perda de tempo. Adoto aquela boutade: um falando é monólogo, dois conversando são dois monólogos. A fila. Silenciosos estávamos até que ao se aproximar a minha vez para ser atendido pelo caixa me lembro que tenho con-vites para a inauguração da exposição de Wolney Teixeira na segunda-feira, no Rio de Janeiro, na Caixa Econômica Cultural. Puxo do envelope um convite, viro para trás, e o entrego para Ricardo Massa, dando as informações básicas, completando: “se seu pai estivesse aqui bem que gostaria de entregar a ele o convite.” Imediatamente Ricardo Massa puxa do bolso seu “touch-screen” e me mostra fotos de Dr. Hilton Massa no CTI do Hospital São Vicente, no Rio de Janeiro. Há 45 dias Dr. Hilton Massa está hospitalizado. Apesar dos 95 anos de idade está lá com a fisionomia luminosa, melhor do que eu poderia calcular pelas vicissitudes da idade e das complicações da saúde. Mas o rosto de Dr. Hilton Mas-sa é um ponto, um detalhe espremido no que se sobressai: um respirador sobre seu peito bombeia seus pulmões, um tubo prende-se ao seu pescoço por onde é canalizada a hemodiálise e invadindo o nariz condutos injetam mais sobrevivên-cia. Pergunto se ele tem momentos de lucidez. Ricardo Massa diz que sim. Dr. Hilton Massa sabe que está lutando pela vida. Isto é comovente.

José Correia

Centelhas de Carlos Mendonça, Torres do Cabo e Hilton Massa

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