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Há dois anos no Núcleo do Bairro da Paz, Fabiane dos Santos, 10, Antônio Francisco, 11, Milena Santos, 15, e Laiza Souza, 10, são alunos do NEOJIBA. A reportagem especial mostra a estrutura, história e os planos desse projeto que ensina música de concerto para milhares de jovens. Música para TRANSFORMAR EDUCAÇÃO CEART Mário Gusmão leva arte para escolas municipais carentes dessa avidade. ARTE DIGITAL Oi Kabum ensina fotografia, produção de vídeo, design e computação gráfica. 20 8 12

Revista Novos Caminhos

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Novos Caminhos busca discutir o desenvolvimento da arte-educação, exibindo resultados obtidos por iniciativas civis buscam utilizar a arte como modo de promover a cidadania. A revista tem como linha editorial oferecer um espaço para o debate, envolvendo educadores, educandos em tempos e espaços diversos e o público leitor. Novos Caminhos tem seu nome baseado na possibilidade de transformação social de crianças, adolescentes e jovens integrados a um modelo curricular educacional, formal ou não formal, baseados no uso da arte como algo inerente à condição humana.

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Há dois anos no Núcleo do Bairro da Paz, Fabiane dos Santos, 10, Antônio Francisco, 11, Milena Santos, 15, e Laiza Souza, 10, são alunos do NEOJIBA. A reportagem especial mostra a estrutura, história e os planos desse projeto que ensina música de concerto para milhares de jovens.

Música paraTRANSFORMAR

EDUCAÇÃOCEART Mário Gusmão leva arte para escolas municipais carentes dessa atividade.

ARTE DIGITALOi Kabum ensina fotografia, produção de vídeo, design e computação gráfica.

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O desafio é bem claro: o uso da arte como meio de inclusão e integração social, para transformar crianças, adolescentes e jovens em protagonistas do seu próprio desenvolvimento. A partir disso, Novos Caminhos oferece um espaço ao debate, já que busca fomentar um diálogo entre instrutores, alunos e leitores acerca de novas propostas pedagógicas, conceitos e ações que trabalham com esse tema em Salvador.

Iniciativas elaboradas a partir de uma linguagem artística podem, sim, propor e estimular intervenções criativas em diversos contextos sociais. Todavia, o percurso é árduo. Imaginar a formação didática de meninos e meninas, quando esse trabalho ainda não constitui um valor ou disposição notável, só é possível através da mostra de potencial que esses projetos apresentem.

A “fórmula do sucesso” parece ser fomentar o desejo de aprender mediante ao estímulo da descoberta, criatividade, interação, além de desenvolver propostas metodológicas que respeitem o conteúdo de arte e a enquadrem dentro da realidade dos participantes.

Os estudos de casos selecionados baseiam-se em experiências reais e por isso, refletem não só aspectos bem sucedidos como problemas encontrados. Salienta-se, no entanto, que os depoimentos reproduzidos enfatizam a qualidade das iniciativas em detrimento do reconhecimento desses obstáculos.

Em todos os projetos citados, a arte é considerada essencial. No NEOJIBA, no CEART Mário Gusmão e na Oficina Viladança, essa função é concebida de forma “mágica”, relacionada a elementos da subjetividade humana (sentimentos, sensações, sonhos). Por sua vez, no Oi Kabum! é tida como uma representação simbólica, na qual a linguagem enfatiza também crenças e valores.

Paralelamente a esse caráter “romântico”, emerge, no Picolino e no Quabales, um conceito vinculado à ideia de autoconhecimento, já que os alunos escolhem o instrumento que vão tocar a partir da apreciação e do contato. Ali a arte é encarada como uma “joia” de observação.

Sem nenhuma dúvida, a concepção de arte como um meio e não como o fim une essas intenções. Em todas as suas concepções e possibilidades, mostra-se como uma ferramenta utilitária no desenvolvimento da juventude e contribui para sua atuação dentro da sociedade.

Distante de pretender esgotar esse tema, ressalta-se que mais do que um conceito rigoroso ou um modelo solidamente fundamentado em teorias educativas, sociais e artísticas, os locais visitados são espaços mobilizadores de reflexão, e sobretudo, de ação.

Boa Leitura!

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REPORTAGENSAndré MonteiroLucas CoutinhoMeryi SaenzVinicius Galiza

EDITORIALVinicius Galiza

CAMINHOS EM DEBATEMeryi Saenz

EDIÇÃO EPROJETO GRÁFICOLucas Coutinho

ORIENTAÇÃOClaudiane de OliveiraLilian Mota

Equipe de produção da Novos Caminhos:Lucas Coutinho, Vinicius Galiza, Meryi Saenz e André Monteiro

CAPA: NEOJIBA - Muito além do palco

ARTE EM FOTOS: Quabales, Oficina de Dança para Crianças do Viladança e Picolino

ENTREVISTA

EDUCAÇÃO

ARTE DIGITAL

CAMINHOS EM DEBATE

Yuri Azevedo: aos 23 anos, jovem maestro já rege a principal orquestra do NEOJIBA.

Crianças de escolas municipais sem ensino artistíco recebem visitas do CEART Mário Gusmão

Adolescentes aprendem fotografia, produção de vídeo, design e computação gráfica no Oi Kabum.

Um olhar colombiano sobre a arte-educação em Salvador.

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O Quabales é um projeto desenvolvido no Nordeste de Amaralina, bairro de Salvador marcado pela violência. Em parceria com a Brazil Foundation, o grupo oferece oficinas de percussão e violão para cerca de 40 crianças e jovens. As primeiras fotos foram feitas em um ensaio do grupo. As demais foram tiradas durante uma apresentação na inauguração da nova orla da Barra.

Fotos: Lucas Coutinho

QUABALES

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Criada no aniversário de 10 anos do Viladança, a atividade tem como objetivo promover a iniciação artística e fomentar o diálogo com o próprio corpo. O projeto atende 120 meninos e meninas duas vezes por ano, durante um período de três meses.

Fotos: Lucas Coutinho

OFICINAS DE DANÇA PARA CRIANÇAS DO VILADANÇA

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Fundada em 1985 pelos artistas Anselmo Serrat e Verônica Tamaoki, a Escola Picolino de Artes do Circo fica no bairro de Pituaçu e ensina a prática da arte circense a partir dos sete anos. Cerca de 75 alunos de toda a cidade são formados gratuitamente no Curso Básico de Circo e Cidadania. O Picolino também possui cursos profissionalizantes e de formação de instrutores.

Fotos: Lucas Coutinho

PICOLINO

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IMPULSIONAR a formação de jovens de comunidades populares, estudantes ou egressos da rede pública é o objetivo da Oi Kabum! Escola de Arte e Tecnologia, localizada no Largo Terreiro de Jesus, Centro Histórico de Salvador. Em parceria com o Instituto Oi Futuro e a Cipó Comunicação Interativa, o projeto busca propiciar um espaço de percepção e experimentação em produção de vídeo, fotografia, design e computação gráfica. A proposta é fazer com que os jovens se apropriem das tecnologias da comunicação e da informação em processos criativos, para, futuramente, atuarem nos campos de trabalho artístico e cultural.

Em 18 meses, 80 alunos vivenciam uma aprendizagem voltada para o desenvolvimento humano sobre suas relações interpessoais. No final do percurso, os educandos apresentam um produto em uma amostra final, que caracteriza e torna palpável todo o aprendizado durante o período. A coordenadora pedagógica Sandra Loureiro, chama a atenção para a divisão do curso em três módulos, nos quais são trabalhadas a identidade, a prática da arte estudada e a

relação entre o espaço e a aplicação, que consiste na amostra final: “O processo pedagógico acontece por meio de trabalhos em grupo e também pela multiplicidade de formas de aprendizado, principalmente, pela interação entre as disciplinas”, pondera.

Além do ensino das artes, os jovens são motivados a investir na leitura, produção textual e em atividades que ampliem o seu repertório cultural: “Eles vão a museus, espetáculos, cinemas, além de oficinas, palestras e encontros sobre questões socioculturais. Assim, são encorajados a reproduzir aqui a sua visão de mundo”, conta Loureiro. Como complemento do currículo técnico, eles também têm aulas de História da Arte e Tecnologia, Oficina da Palavra e Web. A aprendizagem acontece por meio de projetos, criação de produtos culturais, exposições e intervenções públicas.

Após os 18 meses, alguns jovens podem integrar o Núcleo de Produção para conceber novos projetos e realizar seus primeiros trabalhos profissionais. Foi o que aconteceu com Ellen Mayna Souza, 20, ex-aluna de fotografia e, hoje, uma das monitoras do curso. Ela lembra

TECNOLOGIAem favor da

ArteCriado em 2003, projeto Oi Kabum! possui programa de 18 meses para jovens

entrarem em contato com produção de vídeo, fotografia, computação gráfica e design.

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Ellen Mayana, 20 anos, ex-educanda de fotografia que se tornou monitora.

que fez a matrícula apenas pensando em ocupar o tempo vago, sem muitas pretensões. Não imaginava o quanto a Oi Kabum! poderia mudar a sua vida: “Além de conhecer muito mais sobre a fotografia, área que eu pretendo atuar profissionalmente, a Oi Kabum!, através da arte e de outras linguagens, me fez ser menos tímida, saber me colocar diante da sociedade e ser capaz de compartilhar aprendizados”, conta Ellen.

Nossa reportagem também conversou com Tatiane Lima, cuja participação no projeto a levou para o curso de design gráfico em uma universidade. No último semestre da graduação, seus principais interesses profissionais e de estudo estão concentrados nas áreas de animação 2D, ilustração, quadrinhos, impressos, diagramação e tipografia. Perguntada sobre sua passagem pelo projeto, ela se recorda de tudo com muita saudade: “Lembrar da Oi Kabum! é ser feliz de novo. Aprendi tantas coisas ali, principalmente, que o processo de reconquista da minha cidadania e de meu espaço no mundo depende unicamente de mim. Eles me ajudaram a aumentar meu repertório de experiências, comportamentos, linguagens. O Oi Kabum! é uma família.”

Responsável por um espaço do projeto chamado “Ser e Conviver”, Daiane Silva está há dois anos no local e conta que a proposta não é apenas contribuir para a inserção do jovem no mercado de trabalho, mas também para a melhoria de seu desempenho escolar, do seu relacionamento familiar e de sua consciência sobre valores e atitudes: “A nossa missão é usar as tecnologias da informação e da comunicação, aliadas à linha do Desenvolvimento Pessoal e Social (DPS), trabalhando com temas transversais como questões de autorreflexão”, diz Daiane.

Apesar do intuito inicial de beneficiar seus educandos, há, segundo Daiane, um discurso quase unânime na Oi Kabum! e na grande maioria das organizações

envolvidas com arte-educação. A educadoraafirma que elas pecam, muitas vezes involuntariamente, ao considerar a arte, mesmo sendo uma ferramenta de inclusão e integração social, como a solução para todas as mazelas que afligem a sociedade. "Muitas vezes os projetos, e eu incluo o que participo, estão mais ancorados em confirmar suas teses, do que em discutir o que está debaixo dos nossos olhos, novos desafios, em levantar hipóteses e oposições a tudo que está aí", completa.

Daiane acredita que os resultados apresentados pelo Oi Kabum! são indicativos de que existem iniciativas capazes de se organizar para propor e fomentar intervenções criativas a partir de necessidades e problemas sociais. Porém, ela pondera que deve-se utilizar a arte com capacidade crítica para além do entusiasmo, com expectativas mais realistas dos papéis que pode assumir para que a sua promessa possa se tornar uma realidade. “Aí eu digo a um jovem desse que no final do

FOTO: Lucas Coutinho

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Professor Fernando Figueiredo, auxilia seus alunos durante a aula de design gráfico.

curso ele vai ter um espaço no mercado detrabalho. E se ele não tiver esse espaço? Porém, se eu não disser no inicio do curso que ele vai ter, corremos o risco de perder esse jovem ou desestimulá-lo”.

Design Gráfico: Da imaginação à realização

No curso de design gráfico, os jovens são apresentados aos conceitos básicos de orientação sobre a elaboração e o desenho das mais diversas formas, desenvolvem e constroem seus próprios projetos. Como uma das propostas do curso é preparar para o mercado de trabalho, é imprescindível lidar com demandas externas, levando em conta as características de criação e produção, além do consumo profissional.

O educador de design gráfico, Fernando Figueiredo, 33, destaca o poder da imaginação em sua disciplina, principalmente na avaliação do desenvolvimento social dos alunos. “O que é construído aqui é tão especial, que, muitas vezes, eles só percebem depois, quando estão no mercado de trabalho”. No mais, o educador também confessa que, neste ofício, ele ensina, aprendendo, pois, a cada encontro, os estudantes o ajudam a se reconstruir como ser humano.

Daniele Campos, 17, ratifica a afirmação do seu professor: “Ao entrar no Oi Kabum! a minha visão mudou. Eu consigo perceber coisas por trás da mensagem de um outdoor, por exemplo. A gente não enxerga mais nada do mesmo jeito. Tudo se torna experiência, tudo muda. A liberdade proporcionada aqui é incrível”.

Computação Gráfica: A fusão de percepção, imagem, ritmo e movimento

“O nosso grande desafio aqui é desenvolver clipes animados, vinhetas gráficas e efeitos especiais em tempos e espaços super limitados. Os alunos têm acesso a programas de animação em 2D e 3D, é feita uma pesquisa no mundo de linguagens e formas expressivas, aí você pode incluir música, audiovisual, design, além da aplicação em criações e em diferentes mídias”, afirma Fábio Farani, 39, professor de computação gráfica. Segundo ele, este aprendizado inclui acompanhar o que vem acontecendo de mais inovador no campo de atuação e nas artes digitais, já que um dos focos é o mercado de trabalho.

Amanda Gomes, 18, destaca a dinâmica das aulas: “Aqui o professor não fica no pé, ele dá a obrigação e a gente faz. Ele nos faz entender que só a gente mesmo pode se ajudar. Além disso, aqui eu me encontro todos os dias com jovens de vários lugares, e isso é bom porque ajuda, não só a mim, mas a todos nós percebermos o legal da diversidade”.

FOTO: André Monteiro

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Alunos debatem projetos durante a aula de vídeo.

Educanda da Oi Kabum!, Alana Ribeiro checa na câmera as fotos que fez durante a aula.

Vídeo: Linguagem aberta a todos os sentimentos

Entre a realidade e o vídeo, há inúmeras possibilidades de experimentação. Os alunos passam por todas as funções, para entender a diversidade de áreas de atuação no mercado: "Como eu os vejo quase todos os dias, acho que essa troca de funções faz eles se desenvolverem”, afirma Íris de Oliveira, 31, educadora de vídeo, e aluna de uma turma de vídeo há dez anos.

“Nas nossas aulas tem espaço para todo mundo: roteirista, diretor, produtor, editor, iluminador, câmera, operador de áudio, editor, profissional, amador, enfim. Para isso, buscamos conhecer e repensar os movimentos, formatos e gêneros”, conta Íris.

Alexsandro dos Santos, 18, estudante do curso de vídeo, descobriu a Oi Kabum! por acaso na internet. Artista de teatro, ele entrou no curso para aperfeiçoar o seu trabalho. “Minha visão sobre mim, o mundo e o mercado de trabalho é diferente, tudo ainda está diluindo devagar, mas já sou outra pessoa, já tenho outros pensamentos e ideias”, conta ele.

Fotografia – Mais que um clique, uma arte

Para um fotógrafo conseguir ir além de um registro amador e alcançar a criação artística, é necessário aprimorar e diversificar o olhar. Este olhar obrigatoriamente renovado como ponto de partida para profissionais criativos é o objetivo de Elza Abreu, professora de fotografia. “Aqui eles tornam-se produtores de conteúdo, saindo da posição de receptores para replicar aprendizados com seus amigos”.

Durante o curso, os alunos percorrem todas as fases de aprendizado, da foto na lata até a fotografia digital. Para o educando de fotografia Pedro Gabriel, 18, o projeto visa fazer com que os educandos prezem pelo valor da criatividade e da liberdade cidadã e profissional. Ele se descreve como “ex-cabeça fechada” e pensa em trabalhar com fotografia e design, mas sem esquecer sua origem: “Eu quero me formar, mas jamais perderei o laço com a Oi Kabum!, isso aqui é minha vida. É algo único ver o mundo como eu vejo hoje em dia.”

FOTO: Lucas Coutinho

FOTO: André Monteiro

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NEOJIBAalém dos palcos

APRENDER E COMPARTILHAR: sob essa perspectiva, mantida até a atualidade, 12 jovens baianos embarcaram em 2007 para passar duas semanas na Venezuela. Junto com eles, estava o pianista e maestro Ricardo Castro, fundador do NEOJIBA (Núcleos Estaduais de Orquestras Juvenis e Infantis da Bahia). O intuito era beber em uma fonte de inspiração que hoje possui 180 orquestras e mais de 350 mil crianças e jovens: o El Sistema, programa venezuelano que é referência internacional.

O projeto mantido pelo Governo do Estado, em parceria com o Instituto de Ação Social Pela Música (IASPM), se desenvolveu. Já são cerca de mil alunos, espalhados pelos núcleos do NEOJIBA em Salvador, Simões Filho e Feira de Santana, além dos 15 projetos parceiros em toda Bahia.

Pouco a pouco, a Orquestra Juvenil da Bahia, principal formação orquestral do projeto, começou a ganhar novos públicos. Em agosto de 2009, com apenas dois anos, o NEOJIBA fez uma turnê por cinco capitais do Nordeste. Posteriormente, o som do grupo também chegou ao sul e sudeste do Brasil. Voos mais altos eram

desejados, então o NEOJIBA cruzou o Atlântico e passou, em 2011, por países como Alemanha, Suíça, Portugal e Inglaterra, onde tocou no Queen Elisabeth Hall, em Londres.

Em 2014, além do lançamento do CD e DVD, foram realizadas duas turnês. A primeira, em fevereiro, aconteceu nos Estados Unidos, passando por 12 cidades dos estados do Arizona, Missouri, Indiana e Califórnia. Ao conhecer o projeto, os americanos ouviram os compositores consagrados internacionalmente, como Tchaikovsky e Stravinsky, mas também conheceram o trabalho dos brasileiros Villa Lobos e Wellington Gomes.

A turnê mais recente aconteceu em setembro, quando a Juvenil da Bahia passou por sete cidades italianas, além de Inglaterra, na volta ao Queen Elisabeth Hall, e Suíça, onde realizou cinco concertos e tornou-se a primeira orquestra brasileira a ser residente em um festival europeu. Durante cinco apresentações dessa turnê, o NEOJIBA apresentou-se junto com a consagrada pianista argentina Martha Argerich. O flautista Kevin Ferreira, 17, conta que o contato do grupo com Martha

FOTO: Lucas Coutinho

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Argerich foi de grandes aprendizados: “Ela ensinou muita coisa para gente, como por exemplo, que nunca devemos deixar de estudar. Com 73 anos, mesmo sendo considerada uma das melhores pianistas do mundo, ela estuda. Isso é inspirador.” Dentre os momentos marcantes para ele durante essa viagem, Kevin destacou a euforia da platéia em Merano, Itália, quando foram tocadas as peças de Ary Barroso, ‘Aquarela do Brasil’ e ‘Na Baixa do Sapateiro’.

Parte do crescimento do NEOJIBA é consequência de um trabalho de integração social, que, fora dos palcos, melhora a vida de crianças, adolescentes e jovens. Transformações que, ao serem notadas, motivaram uma mudança importante: em julho, a administração do projeto passou da Secretaria de Cultura (SECULT) para a Secretaria de Desenvolvimento Social e Combate a Pobreza (SEDES). A mudança gerou o surgimento do Setor de Desenvolvimento Social do NEOJIBA. De acordo com Joana Angélica, 38, assistente social que coordena o setor, a primeira ação foi fazer um recadastramento de todos os alunos, para que, a partir da dimensão total do quadro de educandos, pudessem ser adotadas novas ações. “Este setor tem um desafio pela frente, o de construir um olhar do integrante como um todo”, afirma Joana.

A mudança também motivou a criação do "NEOJIBA nos bairros", uma ação proposta pela SEDES, com o objetivo de levar apresentações das orquestras a doze bairros de Salvador e Região Metropolitana com bases comunitárias da Polícia Militar. Além disso, o programa passou a apoiar 17 projetos musicais comunitários, beneficiando com essa ação cerca de 1150 crianças, adolescentes e jovens. Gerente pedagógico do programa, Obadias Cunha, 42, conta que apesar do NEOJIBA ter ficado durante sete anos na

SECULT, ele não era um projeto cultural, e sim uma ação social que trabalha com cultura: “Nos instalamos na SECULT porque foi onde houve a oportunidade de começar, mas onde sempre deveriamos estar é nessa secretaria, tanto que o mesmo aconteceu na Venezuela”.

Uma complexa meta do projeto começou a ser concretizada em 2012: implantar um núcleo no Bairro da Paz, um populoso local que é marcado pela pobreza e pela criminalidade. O núcleo, que fica dentro de um espaço pertencente à Santa Casa de Misericórdia, aos poucos se tornou outro universo dentro do bairro. O projeto tem conquistado a comunidade e as famílias começam a enxergar a música como uma grande oportunidade para o futuro de seus filhos.

As aulas com instrumentos só começaram em janeiro de 2013, e nove meses depois, a Banda Sinfônica da Paz estreava, com sua primeira apresentação realizada no Teatro Vila Velha. Coordenador do Núcleo, Esdras Efraim, 27, conta que o evento gerou certo choque de realidades: “Eles saíram daqui em um ônibus executivo, receberam todo aquele tratamento de artistas, então chegaram lá e viram tanta gente sentada”, diz ele. O evento resultou em dezenas de pais e mães buscando inscrever seus filhos nos dias seguintes.

FOTO BP VILA VELHA

Apresentação da "Banda Sinfônica da Paz" no Teatro Vila Velha em setembro de 2013.

FOTO: Divulgação/NEOJIBA

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Sempre realizando apresentações para a comunidade e escolas da região, o Núcleo Bairro da Paz também enfrenta obstáculos. O primeiro deles é quando os educandos têm dificuldades de concentração e aprendizagem. “A instrução escolar que eles têm é muito baixa. Mas a gente está correndo atrás e fazendo acontecer”, conta Esdras. Além disso, a estrutura do local não permite uma ampliação para que sejam acrescentados instrumentos de corda.

Um cuidado rotineiro no Bairro da Paz é com a vida dos alunos além da música. Nesse ponto, aparece Valdinei Santos, conhecido como Tico, que faz o acompanhamento pedagógico dos alunos. Em contato constante com as famílias, ele realiza visitas domiciliares e ajuda no que pode, desde o agendamento para os educandos tirarem seus documentos até o direcionamento para consultas médicas no Sistema Único de Saúde (SUS). Filósofo que até dois anos atrás dava aulas sobre Aristóteles em colégios, Valdinei conta que hoje se sente realizado ao desenvolver esse trabalho: “É imensurável essa transformação que vem acontecendo. Em pouco mais de um ano e meio, o que era só utópico, hoje é real, já é palpável, graças à música”.

Clarinetista do NEOJIBA, Leandro Barbosa, 27, atua no Núcleo como monitor dos alunos iniciantes, e enxerga um grande crescimento na postura dos alunos: “Acho que eles conseguiram evoluir em todos os aspectos, como na educação, socialização e autoestima. Eles entram aqui e saem de cabeça erguida”.

A aluna Priscila Cruz, 18, conta que deseja ser oboísta. Ela acredita que o NEOJIBA a ajudou a desenvolver-se também na escola e fala que seus pais ficam animados e orgulhosos em vê-la evoluir artisticamente. “Eu me sinto uma musicista de verdade”, conta.

Na Península de Itapagipe, o NEOJIBA

possui um núcleo na Escola Comendador Bernardo Martins Catharino, administrada pelo SESI. O núcleo tem apenas estudantes da escola, que é gratuita, mas possui um concurso para admissão. Além de apresentações públicas que ocorrem ocasionalmente, a cada dois meses os alunos fazem uma apresentação interna no Teatro Castro Alves (TCA). “Isso motiva as crianças a seguirem em frente, sentindo-se capazes e com autoestima”, conta Elizane Priscila Santana, coordenadora do núcleo.

O local também trabalha com crianças, adolescentes, jovens e adultos com deficiência intelectual e síndrome de Down. “Isso faz com que eles se sensibilizem com a questão da música, ganhando esse estímulo cultural que todo ser humano necessita”, conta Washington Nascimento, educador do grupo para pessoas com deficiência.

Além da Juvenil da Bahia, o NEOJIBA tem ainda dois grupos orquestrais em seu Núcleo Central. Um deles é a Orquestra Pedagógica Experimental (OPE), que atende diariamente 41 crianças de seis a 12 anos no Colégio 2 de Julho, no Garcia, ensinando-lhes tudo aquilo que precisam saber para que futuramente possam ingressar nas outras orquestras do projeto.

Ao chegarem, ainda sem saber muito

Alunos do Núcleo Bairro da Paz e o coordenador Esdras Efraim, no fundo ao centro.

FOTO: Lucas Coutinho

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sobre música, os alunos entram em contato com uma prática muito estimulada em todo projeto: o “quem aprende também ensina”. Coordenadora da OPE, a argentina Ana Paulin, 27, que veio morar no Brasil após se encantar com uma apresentação da Juvenil da Bahia, conta que as crianças gostam de aprender ajudando os colegas: “eles se sentem importantes em poder ensinar, acho que esse é o diferencial do NEOJIBA”.

Ao saírem da OPE os educandos chegam à Orquestra Castro Alves, a segunda principal formação do projeto, criada há dois anos, após a fundação do programa, e que também ensaia no TCA. São aceitos neste grupo adolescentes a partir dos 12 anos, desde que já possuam maturidade para avançar com um grupo que vai até os 20. Aqueles de avançado potencial podem sair mais cedo para a Juvenil da Bahia.

O grupo carrega consigo diferentes visões de mundo, contando com quem está saindo da infância até quem está próximo da vida adulta. Por esse motivo, o repertório da Orquestra é cuidadosamente escolhido, com o objetivo de ter uma visão pedagógica que estimule os alunos “de modo com que todos eles se sintam desafiados e capazes de crescer”, conta Aline Falcão, 27, coordenadora da OCA e pianista da Orquestra Juvenil da Bahia.

Ainda em Salvador, o NEOJIBA possui

Tendo a administração do projeto e os ensaios de suas duas principais orquestras no TCA, que também abriga o Balé do Teatro Castro Alves (BTCA) e a Orquestra Sinfônica da Bahia (OSBA), é uma meta da direção do NEOJIBA conseguir um novo espaço. “O TCA está ficando pequeno para a gente, porque tem poucas salas, e isso dificulta nosso trabalho. Eu agradeço muito a eles, pois eles nos abriram as portas, mas está na hora de encontrarmos nosso espaço e já estamos lutando por isso”, afirma Yuri Azevedo, 23, regente da Orquestra Juvenil da Bahia.

um Coro Juvenil no Colégio ICEIA, no Barbalho, além de parceria com o Projeto Estrelas Musicais, no Nordeste de Amaralina. Em breve implantará um novo núcleo no bairro de Mussurunga.

Ao chegarem à Juvenil, os jovens músicos, que por lá ficam até completarem 30 anos, tornam-se monitores, recebem uma bolsa-auxílio e tomam aulas de capacitação de planejamento e metodologia de ensino. Assim, o projeto cresce através um ciclo em que o educando aprende e simultaneamente ensina.

Jovem de boné acompanha concerto didático do NEOJIBA no Teatro Castro Alves.

Crianças ensaiam no Projeto Estrelas Musicais, parceiro do NEOJIBA no Nordeste de Amaralina

FOTO: Lucas Coutinho FOTO: André Monteiro

EM BUSCA DE UMA NOVA CASA

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TALENTO BAIANO EM BERLIM

Dentre as tantas histórias de transformação motivadas pelo NEOJIBA, uma delas é motivo de grande orgulho dentro do projeto. Durante o concerto do aniversário de seis anos, em 2013, o telão do Teatro Castro Alves recebia um depoimento gravado na sala da Orquestra Filarmônica de Berlim. Lá estava a violista Geisa Santos, 26, cumprimentando a “familia NEOJIBA” em um Teatro Castro Alves lotado.

Dez meses depois, a jovem, criada no Subúrbio Ferroviário de Salvador, estava de volta a sua cidade por poucos dias. Ela veio ensaiar com a Orquestra Juvenil da Bahia para a Turnê Europa 2014. Após um desses ensaios, Geisa conversou com a Novos Caminhos. Ela conta que a saudade da familia precisou ficar de lado: “Meu sonho sempre foi estar lá, agora que eu cheguei vou chorar com saudade de mainha? Tento desfrutar cada segundo daquele lugar”, afirma Geisa.

Em 2007, quando o NEOJIBA foi fundado, ela esteve entre os doze educandos que viajaram para Venezuela. Desde então, Geisa já esteve se apresentando na Noruega, em intercâmbio a convite de um músico local, na China, com a Orquestra Jovem das Américas, além de México, Estados Unidos, Suíça, Itália, Inglaterra e Portugal.

Após participar com o NEOJIBA de um Festival em Trancoso, no sul da Bahia, Walter Küssner, músico da Filarmônica de Berlim perguntou se ela tinha interesse em ir para Alemanha, e lhe mostrou que era capaz de conviver com as pessoas que ela apenas sonhava em assistir ao vivo. Já na Alemanha, lhe restavam apenas duas preocupações: as aulas e não desapontar

aqueles que a ajudaram a chegar até ali. Em um país que possui o inglês quase como segundo idioma, Geisa parou de estudar alemão em apenas um mês, e voltou suas atenções apenas para estudar viola. “Eu chorei no primeiro ensaio e na segunda música do primeiro concerto, realizado no mesmo dia do aniversário do NEOJIBA. Pensei: ‘Estou no céu!’”.

Bem recebida pelos alemães, Geisa já tem confirmado pelo menos mais um ano na Academia da Filarmônica de Berlim. “Cada concerto que faço com eles é como se fosse o primeiro. É muita adrenalina tocar com aquele pessoal”. Quando o período na Alemanha se encerrar, ela pretende voltar ao NEOJIBA: “O restante da minha vida eu vou passar aqui. Quero ser uma multiplicadora e ver esse projeto mudar mais vidas. Quero fazer o que fizeram por mim”.

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FUTURO REGENDO O FUTUROAos 23 anos e com um talento reconhecido nacionalmente, o maestro Yuri Azevedo, regente da Orquestra Juvenil da Bahia, do NEOJIBA, conversou com a Novos Caminhos.

UM GRANDE BANNER, em frente ao Teatro Castro Alves (TCA), no Campo Grande, em Salvador, anunciava que a noite daquele dia 17 de outubro seria importante para Yuri Azevedo, 23. Às 20h, sob sua regência, um concerto comemorativo festejaria os sete anos do NEOJIBA (Núcleos Estaduais de Orquestras Juvenis e Infantis da Bahia). Algumas horas antes, no teatro que se tornou sua segunda casa, ele conversou com a Novos Caminhos.

A celebração aconteceu em um palco que Yuri passou a ir visitar sozinho aos 13 anos, quando saía do bairro do Doron para assistir apresentações no local que enxergava como um templo. Musicalmente eclético, ele já participou de uma banda de rock, mas também aprendeu a tocar percussão na Escola de Música, aos 12 anos. A admiração pela regência vem do tempo do Colégio Militar, quando participava de

um coral: “Tinha um maestro, eu achava aquilo ali uma figura fantástica”, conta ele.

Atualmente uma das principais figuras do projeto, Yuri entrou no NEOJIBA aos 15 anos, acreditando que o projeto se resumiria a uma orquestra. “Naquele primeiro instante, eu não tinha a noção da dimensão do programa, que teria vários núcleos e toda uma ideia de transformação.”

Yuri participou de todas as turnês do NEOJIBA no Brasil e no exterior. Em 2012, ele venceu o Prêmio Eleazar de Carvalho, do 43º Festival de Inverno de Campos do Jordão, considerado o mais importante festival de música clássica da América Latina. Voando alto, com a batuta na mão, ele atribui ao programa um mérito que lhe fez ir longe: “Nunca me disseram que algo era difícil ou que é impossível. Então eu estou achando que tudo é fácil”.

FOTOS: Divulgação/NEOJIBA

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NOVOS CAMINHOS: Quando começou sua história com o NEOJIBA?

YURI AZEVEDO: Em 2007, eu ingressei tocando percussão, mas na verdade sempre gostei de música de concerto, só que na Bahia é difícil você poder penetrar nesse universo de uma forma fácil quando jovem. Eu ouvia porque já existia internet, mas um pouco sozinho. Nesse meu caminho de buscar essa música, eu ouvi que tinha um concerto de Ricardo Castro, um recital dele aqui no TCA, ele iria tocar Chopin. Então eu chamei meus pais para virem, era um domingo de manhã. No dia, tinha um papel de inscrição dizendo que estava se formando uma orquestra jovem, e aquilo para mim foi fantástico. Imediatamente me inscrevi, e vim fazer uma audição aqui no TCA. Passei para primeira a formação de orquestra que ia ter do programa.

Você já estava na Juvenil da Bahia tocando percussão aos 15 anos e aos 20 já regeu a Orquestra no TCA. Foi tudo muito rápido?

Olha, em nosso trabalho aqui às vezes a gente não tem a dimensão da velocidade que as coisas acontecem, porque nós só temos 7 anos e já conquistamos uma série de coisas. Nosso trabalho tem sido espantosamente rápido em vários setores. Mas eu acho que foi consequência do esforço mesmo, eu não senti que era algo precipitado, porque eu fui crescendo junto com os músicos, aprendi, e ainda aprendo muito com eles. Foi um processo natural.

Como você se tornou regente?Quando eu entrei no NEOJIBA, veio

o Manuel Lopes Gomez, um maestro venezuelano, para preparar o primeiro concerto desse novo projeto. Aí ele perguntou quem queria reger. Eu falei que queria tentar, mas eu não tinha a absoluta noção do que era isso. Eu fui lá e ele me entregou a partitura, que é bem complexa para quem nunca estudou nada. Então eu li aquilo, mas não tive medo, pelo contrário, tive uma sensação boa, de querer saber mais. Ricardo Castro (diretor-fundador do NEOJIBA) achou que eu poderia continuar. Apesar de estar tudo errado, ele achou que eu tinha certo jeito e então eu continuei. Foi uma coisa espontânea.”

Você já foi regente da Orquestra Castro Alves (grupo do NEOJIBA com músicos dos 11 aos 20 anos). Como esse período foi importante na sua formação?

Foi fantástico, uma escola para mim. Estávamos todos aprendendo juntos. Eu tinha que estudar o dobro, porque você tem que ensinar um violista, por exemplo, não sendo instrumentista de viola. Eu recomendo para qualquer regente, é realmente muito bom. Foi um período mágico e uma oportunidade incrível.

Você participou de todas as turnês do NEOJIBA. Qual foi a importância dessas viagens para você e para a formação dos músicos que compõem a Juvenil?

Uma viagem qualquer que seja, com um grupo desses, tem uma potencialidade de entrosamento incrível, a orquestra se transforma. E também dá uma visibilidade para o NEOJIBA, que é fundamental para se manter enquanto projeto, e afirmar a qualidade do trabalho, além de contribuir para a autoestima das pessoas envolvidas.

Teve algum momento dessas turnês que foi mais marcante?

Um momento da última turnê, quando tocamos com a pianista Martha Argerich. É equivalente a um grupo de jogadores jovens atuando com Pelé. Agora fazemos parte da história, porque tocamos com ela. Martha é muito exigente com seu trabalho, e saiu feliz do palco. Foi um momento muito bom, ver que essa grande artista gostou do nosso trabalho.

Yuri Azevedo regendo a Orquestra Juvenil da Bahia na Suíça durante a Turnê Europa 2014.

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Qual a sua maior inspiração no NEOJIBA, na música, na vida?

Muitas pessoas, uma delas, claro, Ricardo Castro, que eu tenho como um pai musical. Ele inspira todo mundo aqui pelo trabalho que faz e como ele se dá para esse trabalho. Toda vez que ele toca comigo eu aprendo um bocado. E claro, tem grandes regentes que eu gosto e admiro muito, como Claudio Abbado (1933-2014), que era um grande mestre e um grande inspirador da juventude. Tem outros maestros também como Carlos Kleiber (1930-2004), que foi uma lenda. Também Gustavo Dudamel (1981), que inspirou toda uma geração de novos regentes, como eu.

Você falou que Ricardo tem sido seu pai na música. Como tem sido seu contato com ele?

Sempre positivo. Ele é muito ocupado, claro, mas realmente é uma pessoa inacreditável, pela forma como trabalha várias coisas ao mesmo tempo, e por ser um músico fantástico. É um privilégio nós termos esse acesso a ele, por tudo que ele aprendeu durante toda a carreira e tenta nos passar.

Hoje você irá reger a Juvenil da Bahia no aniversário de sete anos do NEOJIBA. O que isso significa para você?

Uma responsabilidade muito grande. Eu não tenho pensado muito no que significa, porque a gente tem que levar com tranquilidade, né? Mas é uma grande alegria, não só pelo fato de reger, mas por reger e ver pessoas maravilhosas ali na minha frente ajudando o projeto a crescer.

Na sua visão, o que o NEOJIBA tem de melhor e que poderia ser aprendido para outras ações de transformação social através da arte?

Eu acho que a noção do NEOJIBA de disciplina, de comprometimento e de transformação através de um trabalho em conjunto. Isso é um fator especial.

Em 2012, você venceu o Prêmio Eleazar de Carvalho do 43º Festival de Inverno de Campos do Jordão, considerado o mais importante festival de música clássica da América Latina. Como foi isso para você?

Para mim foi uma surpresa, eu realmente não esperava ganhar, mas ao mesmo tempo foi uma honra incrível e uma oportunidade maravilhosa, por ter a oportunidade de trabalhar com a Orquestra Sinfônica de São Paulo (OSESP). Essa premiação foi um resultado que reflete o quanto eu melhorei, não do quanto eu já estava bem lá.

O diretor artístico da OSESP e do Festival, Arthur Nestrovski, em uma entrevista à Folha de S. Paulo, afirmou que você é o próximo grande maestro brasileiro. Como você recebeu esse elogio?

Eu procuro nem ouvir (risos). Eu acho que foi um elogio em relação ao quanto eu melhorei, à capacidade de melhorar cada vez mais. Eu fico meio assim sem saber o que dizer, sabe? Eu não sei se eu gostaria de ser o maior regente brasileiro, senão fica um só, seria bom se tivessem vários também.

Quais os seus sonhos para o futuro em relação à sua carreira e ao NEOJIBA?

Continuar trabalhando em prol do NEOJIBA. Eu também quero crescer muito na profissão, ainda tenho um bocado de coisa para aprender e para ver. Penso em ficar em contato com isso aqui tudo, porque o meu sonho também é paralelo ao sonho do NEOJIBA, de ver isso tudo crescer. Estamos agora em um processo de expansão e também temos uma proposta de trabalho de iniciação musical para menores infratores, através da música popular, que é uma coisa trabalhosa, mas que vai dar certo.

Ricardo Castro ao lado de Yuri Azevedo no concerto do 7º aniversário do NEOJIBA.

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Eles merecem mais arteA Novos Caminhos acompanhou ações do Centro de Arte, Educação e Cultura Mário Gusmão. Elas amenizam a falta de ensino artístico em escolas e espaços educativos da Prefeitura de Salvador.

CRIADO EM 2006, com endereço fixo em Amaralina, o Centro de Arte Educação e Cultura Mário Gusmão (CEART Mário Gusmão), vinculado à Secretaria Municipal de Educação de Salvador, tornou-se itinerante em 2010 por ausência de infraestrutura.

Assim, o CEART passou a realizar nas terças e quintas-feiras o “Mário Gusmão vai às Escolas”, atendendo, na maioria das vezes, estudantes do Fundamental I (do 1º ao 5º ano) em instituições municipais. Uma ver por mês, sempre às quartas-feiras, o grupo visita um dos Centros Municipais de Educação Infantil (CMEIs). Já sem contar com sua sede para as atividades com as crianças, os arte-educadores ainda precisam contar com ajuda dos locais que visitam, utilizando

os materiais dessas unidades de educação.Assim, eles necessitam adaptar sua metodologia de trabalho à realidade do que lhes é oferecido.

Com o objetivo de utilizar as linguagens artísticas como forma de fazer os alunos comunicarem seus pensamentos e sensações, o CEART visita as escolas do Fundamental I com nove arte-educadores. Nas idas aos CMEIs, seis instrutores participam. Nossa reportagem acompanhou duas ações do CEART: a primeira, do “Mário Gusmão vai às Escolas”, foi realizada na Escola Municipal Tertuliano de Góes, no Alto das Pombas. Foram atendidas, por uma hora e meia, 40 crianças de três salas de educação infantil e 16 em uma turma do 1º ano do Fundamental I.

A visita começou com os alunos

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assistindo uma breve apresentação de dança realizada pelos arte-educadores. Entretidos ao vê-los dançar, as crianças voltaram empolgadas para a sala de aula, onde aconteceram as atividades artísticas. Lá, elas tiveram contato com literatura, teatro, música, dança e artes plásticas, mas as linguagens trabalhadas variavam em cada sala. “As crianças entendem a vulnerabilidade social em que estão expostas e esse contato com a arte proporciona um alento na vida delas, aflorando a imaginação”, afirma Maria Anunciação Sá, diretora do CEART Mário Gusmão.

Diretora da escola, Tahi Cristina dos Santos, reconhece o trabalho do CEART como de grande relevância, por possibilitar às crianças da Educação Infantil um contato com a arte que não acontece antes do Ensino Fundamental: “Essa ação do CEART Mário Gusmão está cobrindo um buraco muito grande, mas não resolve toda a demanda das crianças. A expressão de linguagem artística possui papel fundamental no desenvolvimento cognitivo, psicomotor, social e afetivo”, afirma. A diretora acredita

que a prefeitura “tem negado” o direito à arte das crianças de três a cinco anos.

A coordenadora pedagógica do CEART Mário Gusmão, Marilu Coelho, afirma que a pouca frequência dessas atividades em unidades municipais de educação é uma deficiência governamental. “A regularidade da arte na escola amplia todas as possibilidades de aprendizado. Se esse tipo de trabalho fosse constante, eles estariam mais concentrados, com a parte sensorial e motora muito mais desenvolvidas. Eles teriam uma forma diferenciada e bem mais sensível de viver o mundo”.

O CMEI Álvaro Bahia, que atende 77 crianças de um a quatro anos, no Conjunto Almirante Tamandaré, em Paripe, foi o segundo espaço em que a Novos Caminhos acompanhou a ação do CEART Mário Gusmão. O local passou previamente por uma pesquisa identitária com o objetivo de compreender a rotina de atividades e o perfil das classes estudantis. A instituição já estava há mais de três meses na lista de espera para receber essa ação.

Durante as oficinas é possível notar que

Abertura da visita aprendeu atenção das crianças da Escola Municipal Tertuliano de Góes.

Empolgadas após a apresentação dos arte-educadores, as crianças se dirigiram a suas salas.

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os monitores buscam explorar das crianças o que elas são capazes de fazer sem auxílio, mas também voltam olhares para sua capacidade de aprender com outras pessoas. Assim, são trabalhados com leveza temas como o valor da diversidade cultural, identidade e o incentivo ao abraço.

Segundo Maria Augusta, educadora do local, a visita da equipe do Mário Gusmão é fundamental também para os professores: “Com esse auxílio, nós acabamos desenvolvendo conhecimentos e incorporamos à nossa prática cotidiana essas experiências”. Ela lembra ainda que esses momentos são imprescindíveis ao encadeamento didático, já que é necessário promover, desde o início do regime educacional, o prazer pela arte: “É importante que estejamos a todo o momento induzindo esse gosto por apreciar a diversidade artística, criando situações que não sejam tão rígidas e exageradamente técnicas”.

A diretora do CMEI Álvaro Bahia, Ana Beatriz Gonzaga, afirma que os CMEIs e outras unidades escolares municipais não dispõem de uma educação artística de qualidade, por esta não ser uma atividade prioritária da Secretaria Municipal de Educação: “A gente cobra muito do governo uma implementação e a consolidação de

uma lei em favor da arte-educação”. Ana, porém, contrapõe a afirmação lembrando que o Poder Público não prioriza isso por não ser uma demanda efetiva da população.

Na visão de Marilu Coelho, Maria Augusta e Ana Beatriz, é necessário legitimar qualquer espécie de diálogo einiciativa no campo da arte-educação, principalmente para as crianças de zero a cinco anos, atendidas nos CMEIs. Elas também acreditam ser necessária uma maior formação de profissionais aptos para desenvolver atividades de arte-educação nos CMEIs. “Lá na sede do CEART Mário Gusmão nós temos contato com experiências diferentes, que podem agregar qualidade à nossa prática educacional. Eu fico muito feliz com o trabalho deles, eu considero toda essa atividade de suma importância”, finaliza a professora Maria Augusta.

Procurada pela Novos Caminhos, a Secretaria Municipal de Educação, até o fechamento dessa reportagem, optou por não se manifestar sobre o não fornecimento de materiais para as atividades do CEART Mário Gusmão. A Secretaria também não respondeu de que forma procura inserir a arte na rotina da educação infantil.

Chamou atenção da Novos Caminhos o fato de, no inicio das atividades no CMEI Álvaro Bahia, as crianças ficarem sem suas camisas por utilizarem tinta. Posteriormente, foram providenciados aventais.

FOTOS: André Monteiro

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Um olhar colombiano sobre a arte-educação em Salvadorpor Meryi Saenz

SEMPRE ME FALARAM que novas vivências mudam a forma de vermos o mundo, cria em nós atitudes e comportamentos novos. Hoje posso dizer que isso é verdade, após ter vivido uma das experiências mais lindas e transformadoras da minha vida. Uma dessas mudanças foi passar a acreditar que, quando existe o desejo de crescer e tornar-se alguém melhor, atitudes podem fazer a diferença.

Nunca imaginei que graças a um trabalho acadêmico poderia testemunhar tão de perto como a arte transforma vidas. Durante as visitas a esses projetos de inclusão social, vi crianças, adolescentes e jovens serem os atores principais de suas próprias histórias de transformação. Ao acompanhá-los na aprendizagem de vários gêneros da música, dança, teatro, pintura, cinema, fotografia e arte digital, vi mais que a formação de artistas, presenciei cidadãos surgirem.

Muitos deles chegaram ali por decisão própria. Outros foram convidados por amigos, que já tinham vivenciado a transformação impulsionada pela arte, ou por educadores, que buscam contribuir na formação de pessoas com bases sólidas para criarem uma sociedade melhor.

Vi muitos instrutores em entrevistas seemocionarem ao serem perguntados sobreo que os motiva a estar em iniciativas nem sempre bem remuneradas. A resposta está no sorriso de milhares de crianças que vêem no trabalho deles uma grande oportunidade.

A maioria dos projetos atende ao máximo possível de pessoas. Em alguns casos, a infraestrutura necessita ser melhorada para que os educandos sejam recebidos em boas condições. Além disso, também existem planos de expansão de atividades que não saem do papel por falta de recursos.

Ao suprir uma necessidade que o Estado não dá conta, essas organizações deveriam receber recursos encaminhados pelos governos para manterem suas atividades com dignidade. Certamente grande parte dos recursos públicos seriam melhor aproveitados nesses projetos, gerando novas possibilidades às crianças e jovens.

Dentre as muitas coisas que aprendi neste trabalho, está o valor das coisas simples. Que uma pequena atitude pode mudar a vida de muitas pessoas. Terminado este trabalho de conclusão, levo comigo os sonhos daqueles que lutam por uma vida digna. A arte também me transformou.

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Essa revista faz parte de um trabalho de conclusão de curso apresentadoao curso de Comunicação Social com ênfase em Jornalismo do Centro Universitário Jorge Aamado