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Guilherme Cesar Temp Schmidt REVISTA O DELTA : IDÉIAS E VOZ DA MAÇONARIA GAÚCHA (1916-1927) Passo Fundo 2006

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Gui lher me Cesar Temp Schmidt

REVI STA O DELTA:

I DÉI AS E VOZ DA M AÇONARI A GAÚCHA

(1916-1927)

Passo Fundo

2006

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Gui lher me Cesar Temp Schmidt

REVI STA O DELTA:

I DÉI AS E VOZ DA M AÇONARI A GAÚCHA

(1916-1927)

Disser t ação apr esent ada ao Pr ogr ama de

Pós-Gr aduação em H i st ór i a, do I nst i t ut o de Fi losof i a e Ciências Humanas, da Uni ver si dade de Passo Fundo, como r equi si t o par ci al e f i nal par a a obt enção do gr au de M est r e em H i st ór i a, sob or i ent ação da Pr of . Dr . Jai me Giolo.

Passo Fundo

2006

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_______________________________________________________________

S349r Schmidt, Guilherme Cesar Temp Revista O Delta : idéias e voz da Maçonaria gaúcha (1916-1927) / Guilherme Cesar Temp Schmidt – 2006.

103 f. ; 29 cm.

Dissertação (mestrado) – Universidade de Passo Fundo, 2006.

Orientação: Dr. Jaime Giolo.

1. Rio Grande do Sul - História. 2. Maçonaria. 3. Imprensa.

4. Igreja Católica. I. Giolo, Jaime, orient. II. Título.

CDU 981.65:061.236.6 _______________________________________________________________ Catalogação: bibliotecário Juliano de Lima Rodrigues - CRB 10/1642

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V i ct or Hugo – Os M i serávei s

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Para meus pai s,

A l do e Tai s,

por t udo.

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AGRADECIMENTOS

Meu primeiro agradecimento vai para três pessoas muito especiais em minha

vida, que me apóiam nesta caminhada iniciada à sete anos, minha família: Aldo, Taís e

Anelise, obrigado por tudo, amo vocês!

À Capes, pela bolsa a mim concedida, imprescindível para a realização deste

trabalho.

Aos amigos Lia e Astor. À prof. Eliane “Lia” Colussi, agradeço por aceitar-me

como orientando, acompanhando meu trabalho até a conclusão mesmo estando

desligada do PPGH, pelas aulas de história política e as orientações que sempre foram

muito bem vindas. Ao prof. Astor, pelos devaneios pela história e pela historiografia

através das conversas regadas à chimarrão e churrasco. Ao casal e as crianças, agradeço

a amizade, o carinho e a confiança.

Ao prof. Jaime Giolo, que me acolheu de braços abertos como orientador em um

momento turbulento do programa. Agradeço as orientações e conselhos sempre muito

pertinentes para o amadurecimento de meu trabalho.

Ao Grande Oriente do Rio Grande do Sul não tenho palavras suficientes para

agradecer abertura dos arquivos para minha pesquisa, assim como todo o apoio e

amparo. A todos os dirigentes da instituição que proporcionaram que este trabalho se

concretizasse, o meu fraterno abraço aos tios: Juracy Vilela de Souza, José Aristides

Firmino, Sylvio Bustamante, Edegar Vieira e Poty Odillon Berny.

Em especial o meu agradecimento e respeito a quatro senhores que convivem

quase que diariamente no subsolo do GORGS: ao tio Chico (Francisco Munhoz

Silveira), agradeço a atenção e a paciência em localizar os documentos do arquivo que,

sem a sua ajuda estaria até hoje perdido em meio as caixas. Ao tio Zé Luis Gonzáles

Montesdeoca, agradeço o acolhimento, as conversas e a forte amizade. Aos tios Dante

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Bosio e Ibrahim Nunes, exemplos de vida, pelas décadas de sabedoria expressas em

conversas no arquivo regadas a café.

À todos os tios da loja São João da Escócia de Santa Rosa, em especial ao Ven∴

Elton Von Borowsky, por toda a força, apoio e amparo.

Também um agradecimento especial para aqueles que me acolheram em Porto

Alegre no período das pesquisas no arquivo, os primos Ingo, Beatriz e Gabriel Goltz, e

também aos colegas Guto (Zimpel) e Tati (Zismman)

Ao amigo e irmão Diogo “Cego” Freisleben, pelas horas de conversas aleatórias,

às festas, aos momentos destílicos entre outros tantos vivenciados em Passo Fundo, o

meu abraço pelo respeito e a amizade que se fortalece a cada dia.

Aos amigos que conheci com a vinda à Passo Fundo, o meu sincero

agradecimento por estarem em minha vida e por trazerem tantas alegrias: Cristiano

Durat, Ivandro Pissolo, Chulé Hernandez, Batata, Gruma Burtet, Jamé Kives, Lari,

Gabila, Felipe Thomé, Bonfada, Junico, Gio Corso, Beto Zanoni e Claudinha Borella,

vocês são demais!!!

Em especial à três amigas de boa conversa e festa: Natália Bortholacci, Roberta

Zanardo e Karla Saraiva, três lindas mulheres, amigas que se perpetuarão em meu

coração.

À Karyne, por ter entrado em minha vida, pela paciência no final da dissertação

e por todos os bons momentos que vivenciamos em Passo Fundo.

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RESUM O

Em 1893 f o i cr i ado o Grande Or i ent e do Rio Gr ande do

Sul , obedi ênci a maçôni ca aut ônoma e soberana que se

consol i da em solo gaúcho. Em meados da década de 1910,

surge a rev i st a mensal O Del t a, usada como voz da

i nst i t ui ção e veícul o di f usor das i déi as promov i das pel a

i nst i t ui ção. O i nf or mat i vo t razi a em suas pági nas

i nf or mações rel aci onadas ao raci onal i smo, mi st i c i smo,

f i l osof i a, ci ênci a, hi st ór i a e o combat e ao cl ero cat ól i co,

dev i do ao conf l i t o ent re as duas i nst i t ui ções. O

ant i c l er i cal i smo, a educação l ai ca sem v ínculos com a

rel i gi ão, o raci onal i smo e o ci ent i f i ci smo são os t ópi cos

pr i nci pai s da rev i st a, que ci r cul ou durant e onze anos. O

present e est udo busca most rar o i deár i o maçôni co

reproduzi do e t ransmi t i do pel a r ev i st a aos maçons do Ri o

Grande do Sul .

Pal avr as – chave: M açonar i a, Rio Grande do Sul , I mprensa, I grej a

Cat ól i ca.

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A BST RA CT

I n 1893 i t was cr eat ed t he Gr ande Or i ent e do Rio Grande

do Sul , M asoni c obedi ence aut onomous and soverei gn t hat

consol i dat es i n gaucho soi l . I n t he mi ddl e of t he decade o f

1910, appears t he mont hl y magazi ne O Del ta, used as t he

voi ce of t he i nst i t ut i on and w i despread vehi c l e of t he

i deas promot ed by t he i nst i t ut i on. The i nf or mat i ve

brought i n i t s pages i nf or mat i ons rel at ed t o t he

rat i onal i sm, mi st i c i sm, phi l osophy, sci ence, hi st or y and

t he combat agai nst t he Cat hol i c cl er gy, due t o a conf l i t

bet ween t he t wo i nst i t ut i ons. T he ant i cl er i cal i sm, t he l ay

educat i on w i t hout l i nk w i t h t he r el i gi on, t he rat i onal i sm

and t he sci ent i f i c i sm are t he mai n poi nt s of t he magazi ne,

whi ch c i r cul at ed dur i ng el even year s. The present st udy

ai ms t o show t he M asoni c i deal s reproduced and

t ransmi t ed by t he magazi ne f or t he masons of t he Ri o

Grande do Sul .

K ey-words: Freemasonr y, Rio Grande do Sul , Pr i nt i ng

press, Cat hol i c Church.

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L I ST A DE A BREV I A T URA S E SI GL A S

GORGS Grande Or i ent e do Rio Grande do Sul

GOB Grande Or i ent e do Brasi l

I r∴ I r mão

I I r∴ I r mãos

M aç∴ M açonar i a

PPot ∴ Pot ênci as

OOf ∴ Of i c i nas

L oj ∴ L oj a

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SUM ÁRI O

I NTROD UÇÃO______________________________________________ 12

1. ESTUDANDO A I M PRENSA _____________________________ 18

2. DA GÊNESE ATÉ O SOL O RI OGRANDENSE _______________ 28

2.1. O Nasci ment o na E ur op a _____________________________ 28

2.2 Os Ped r ei r os- l i v r es chegam ao B r asi l ___________________ 34 2.3 Os neóf i t os chegam no Rio Gr ande do Sul _______________38

3. M AÇONARI A , I GREJA E EDUCAÇÃO ____________________ 42

3.1 M açonar i a v er sus I gr ej a C at ól i ca_____________________________42

3.2 O Del t a e o pr ogr ama ed ucaci onal M açôn i co _________________70

4. CI ENT I F I CI SM O E POL Í T I CA NAS PÁGI NAS DA REVI STA 82

4.1 Di scur so C i ent i f i ci st a__________________________________________82

4.2 O Del t a e a el ei ção pr esi denci al d e 1922 _____________________89

5. CONSI DERAÇÕES F I NAI S____________________________________ 97

6 BI BL I OGRAF I A _____________________________________________ 100

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I NT RODUÇÃ O

A M açonar i a sempre f o i uma i nst i t ui ção cercada de dúv i das,

mi st ér i os, l endas e mi t os, ref l exo da sua pecul i ar f or ma de

organi zação e at uação. Seu apareci ment o remont a há t empos

medi evai s, passando por mudanças em sua est rut ura e

f unci onament o no al vor ecer do século X V I I I e mant endo o est at uto

at é os nossos di as.

A M açonar i a cont i nua como um t ema quase que ausent e na

hi st or i ograf i a acadêmi ca, pr i nci pal ment e dev i do a i nacessi bi l i dade

das f ont es ref er ent es à ordem. É sedutor a quem pesqui sa na área

t er como obj et o de est udo uma i nst i t ui ção que desde a sua chegada

ao país em 1800 cr i ou l aços com a el i t e a pol ít i ca nacional ,

par t i ci pando de f or ma di r et a ou i ndi ret a em vár i os epi sódi os da

hi st ór i a brasi l ei ra.

Sua presença no i magi nár i o popul ar , f reqüent ement e

rel aci onada mi t os de sat ani smo e pagani smo, ou ao persi st ent e mi t o

de conspi ração mui t as vezes reproduzi dos em f i l mes ou l i v ros

f i cci onai s, onde a M açonar i a t er i a como segr edo um pl ano de

domi nação do mundo at ravés de gover nos l i berai s, ou ai nda

conspi rações mi rabol ant es, como sugere “ Os Protocolos dos Sábi os

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de Si ão” 1, l i vro ampl ament e di f undi do a par t i r da década de 1940

onde denunci a um possível compl ô maçom- j udai co-comuni st a par a

a domi nação do mundo at ravés dos mei os de comuni cação.

O mi st ér i o envol t o na maçonar i a at é os di as at uai s é t ambém

ref l exo da ausênci a de est udos acadêmi cos especí f i cos sobr e a

i nst i t ui ção, ocasionados pel o i mpedi ment o ao acesso dos arqui vos

da ordem por hi st or i adores não v i ncul ados à ordem,

i mpossi bi l i t ando t rabal hos acadêmi cos sobre o assunt o.

A ssi m, a pesqui sa sobre a hi st ór i a da maçonar i a f i ca nas mãos

soment e de hi st or i adores f i l i ados à maçonar i a, ger al ment e

est udiosos sem f or mação na ár ea, f azendo suas obras esbar rarem

em probl emas de cunho t eór i co, met odológi co e document al , mesmo

com amplo acesso aos arqui vos.

O maior ent rave da l i t erat ura maçôni ca escr i t a por maçons,

que chamamos de obras engaj adas dev i do seu envol v i ment o e

compromi sso com a i nst i t ui ção, é a const ant e mi st ura na hi st ór i a

do si mbol i smo maçôni co al i ado ao al t ruísmo do aut or para a

i nst i t ui ção, conf undi ndo real i dade e f i cção e reproduzi dos como

verdades.

Em out ro l ado encont ramos a obras engaj adas produzi das

pelos i ni mi gos da i nst i t ui ção, ger al ment e escr i t as por aut ores

l i gados à I grej a Cat ól i ca, t razendo em suas obras argument os para

a di f amação dos pedrei ros- l i vr es2, na grande maior i a das vezes no

di scurso da vei cul ação da ordem com sat ani smo e conspi r ação.

Quant o aos escassos t rabal hos de cunho acadêmi co, deve-se

j ust ament e ao encl ausurament o document al dos ar qui vos das

obedi ênci as maçôni cas, f azendo com que a ação da i nst i t ui ção que

par t i ci pou de moment os pol ít i cos deci si vos na hi st ór i a brasi l ei r a

do século X I X f i casse pr at i cament e no anoni mat o, per manecendo

1 A origem e o autor deste texto é desconhecido, mas foi publicado e organizado no país por: BARROSO, Gustavo. Os Protocolos dos Sábios de Sião. Porto Alegre: Editora Revisão, 5 reedição, 1991. 2 Pedreiro-livre pe a tradução para a palavra maçom , que vem do baixo latim “machio” , que significa aquele que executa ou dirige o trabalho de alvenaria. TEMPSKI-SILKA, Valton Sergio von. Historial da Franco Maçonaria. Curitiba: Juruá, 1999. pág 22.

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apenas na hi st or i ograf i a os epi sódios da I ndependênci a do Brasi l e

da Quest ão Rel i g i osa de 1872. É soment e a par t i r dos anos 90 que o

panorama muda, com hi st or i adores acadêmi cos preocupados com a

produção e est udos especí f i cos sobre a M açonar i a brasi l ei ra.

A s querel as do af ront ament o quase que cont i nuo ent re I grej a

Cat ól i ca e M açonar i a ai nda não se desf i zer am, mesmo após de

cerca de 300 anos de embat e e as i númeras t ent at i vas de

aprox i mação ent re as i nst i t ui ções, t ant o por par t e das organi zações

maçôni cas, quant o a al gumas t ent at i vas i sol adas do cl ero cat ól i co,

sem a per mi ssão expressa do V at i cano.

O conf l i t o cont i nua de manei r a ar r ai gada ai nda nos di as de

hoj e, sendo a aprox i mação das i nst i t ui ções bar rada no própr i o

Concí l i o do V at i cano I I , est e perpet uado pel a grande aber t ura da

I grej a em quest ões l i gadas à f é, à pol ít i ca e a moder ni dade. O

úl t i mo parecer da I grej a sobr e a M açonar i a é do ano de 1984,

assi nada pelo Pref ei t o da Congr egação da Dout r i na da Fé, Cardeal

Joseph Rat zi nger , at ual Papa Bent o X V I . No document o, di z que

todo maçom cont i nua sobre a pena de excomunhão, e que os padr es

e bi spos não est ão aut or i zados a decl ar ar nada sobr e a i nst i t u i ção.

A ssi m, acredi t amos que é necessár i o a desmi st i f i cação da

ação da maçonar i a na soci edade desde o seu pr i ncípi o, por est ar

l i gada às pr i nci pai s cenas pol ít i cas, t ant o nacionai s como regi onai s

dos séculos X V I I I e X I X do mundo oci dent al , e par a t al , é

necessár i a a urgent e aber t ura dos ar qui vos das obedi ênci as par a o

uso acadêmi co.

O que move a cur i osi dade de quem pesqui sa a maçonar i a?

Poder i a el encar vár i os f at ores, mas sem dúv i da é o ar de segredo e

mi st ér i o que el a ost ent a, j unt ament e com sua f or ma de

f unci onament o que há séculos assegura seu espaço para homens

mai s di st i nt os possívei s, agl ut i nando em seu quadro f i l i ados dos

mai s d i ver sos credos, raças, i deologi as, of íci os e i dades, t ornando-

se uma i nst i t ui ção cosmopol i t a por excel ênci a.

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O meu i nt eresse e a l i gação com M açonar i a vem à cerca de 20

anos, quando em uma “ conver sa ao pé do ouv i do” meu pai cont ou-

me que t i nha i ngressado na M açonar i a. Sabendo apenas que er a um

segr edo, não sabendo o que real ment e era a i nst i t ui ção ou o que o

meu pai desempenhava nel a, f i cou na l embrança dest e per íodo,

apenas a i magem dos abraços f rat er nai s ent re el e e al guns senhores

como se real ment e f ossem i r mãos ou ami gos de l onga dat a.

A l i ás, acr edi t o que esse sej a o úni co segr edo da M açonar i a.

Não consegui ent ender o que ex i st e ent re as suas col unas, para

f azer seus f i l i ados t rat arem- se e respei t arem-se como i r mãos. Não

ex i st e out ra i nst i t ui ção de al cance mundi al que f aça de uma

si mpl es i dent i f i cação at ravés do aper t o de mão t ransf or mar

rapi dament e meros desconheci dos em vel hos ami gos.

Para que essa pesqui sa se real i zasse, era necessár i a a ent rada

no arqui vo do Grande Or i ent e Rio Grande do Sul e, di ant e da

possi bi l i dade de ef et uar a pesqui sa, comecei a f azer cont at o com a

di r et or i a do GORGS, obt endo a aut or i zação do Grão-M est re Juracy

V i l el a de Souza e do Grande Secret ár i o Sy l v i o Bust amant e par a a

aber t ura t ot al do arqui vo da i nst i t ui ção para a pesqui sa, e j unt o o

pedi do que f osse dei xado de l ado questões rel at i vas ao embat e com

a I grej a Cat ól i ca, dev i do a at ual aprox i mação ent re o GORGS e o

arcebi spo met ropol i t ano de Por to A l egre, Dom Dadeus Gr i ngs.

M as com o decor rer do t rabal ho de arqui vo e anál i se dos

document os das l o j as do GORGS e do própr i o O Del ta, chegamos a

concl usão que é i mpossível dei xar de l ado o ent rave com a I gr ej a

Cat ól i ca.

Tamanha i mpossi bi l i dade é proporci onada exat ament e por ser

o ant i - cl er i cal i smo e a l i berdade de consci ênci a as pr i nci pai s

bandei ras l evant adas pel a maçonar i a naquel e moment o, per íodo

rel at i vo ao auge do conf l i t o ent re as duas i nst i t ui ções. De um l ado

uma I grej a conser vadora e reaci onár i a al i cer çada na pol ít i ca

ul t ramont ana e de out ro, uma M açonar i a onde o raci onal i smo e a

l i berdade de consci ênci a t ornam- se bandei ras of i ci ai s da

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i nst i t ui ção. A di ci one ai nda a busca de espaço , at uação e agr egação

das i nst i t ui ções par a o povo.

Não acredi t amos que haj a mot i vos para negar ou omi t i r os

f rut os dessa r el ação, poi s o passado não deve ser negado ou

omi t i do. Por conseqüênci a di sso, é i mpossível de t rabal har com O

Del ta ou qual quer obj et o da M açonar i a ref er ent e a est e moment o

sem f al ar do conf l i t o com a I grej a Cat ól i ca.

A pesqui sa di v i d i u- se em t rês par t es: no pr i mei ro moment o

el a se at eve à busca de f ont es pr i már i as par a o est udo, acar ret ando

a pesqui sa durant e t odo o ano de 2004 envol vendo uma semana por

mês dent ro do arqui vo do GORGS. Dent ro das cai xas separadas de

acordo com as l o j as, t i ve surpr esas um t ant o i nt r i gant es, ao const ar

document os que se ref er i am ai nda ao per íodo ant er i or à abol i ção da

escravat ura, ao per íodo de gover no do PRR, br i gas l ocai s ent re

maçons e párocos, ou car t as assi nadas à punho por pol ít i cos e

personal i dades como K ar l V on K ozer i t z e A nt ônio Borges de

M edei ros.

Ent re as cai xas com os papéi s vel hos das l o j as na maior i a

ador meci das3, encont rei uma cai xa cont endo os exempl ares da

rev i st a O Del ta, voz da M açonar i a gaúcha dur ant e quase onze anos.

Ent re as not íci as v i ncul adas ao j or nal , a def esa do raci onal i smo,

l ai ci smo e do ci ent i f i c i smo, sempre di reci onados a uma cr ít i ca

f er r enha à I grej a Cat ól i ca.

No segundo moment o da pesqui sa, f i zemos a cat al ogação de

todas a not íci as dos exempl ar es de O Del ta, ul t rapassando mai s

3.000 pági nas de mat er i al , grande par t e i nédi t o. Em um t rabal ho

penoso, todas as not íci as, ar t i gos e di scursos f or am f i chados,

proporci onando um panorama geral da rev i st a e conseqüent ement e

dos anseios da i nst i t ui ção, t ambém f aci l i t ando a const rução do

t ext o.

3 Termo para designar as lojas que não existem mais. Também pode ser usado o termo “abater colunas”

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A úl t i ma par t e at eve- se à busca e l ei t ura de obras ref erent es à

M açonar i a e o per íodo em que o per i ódi co se encont rava,

j unt ament e com a conf ecção da di sser t ação. É cl aro que os onze

anos de ex i st ênci a da rev i st a i mpede que sej am di scut i dos e

t rabal hados t odos os assunt os expressos nas pági nas da rev i st a em

apenas um t rabal ho, sendo escol hi das para t al as not íci as mai s

rel evant es para o ent endi ment o do que si gni f i cou O Del t a.

A ssi m, propomos nest e t rabal ho anal i sar o que o per i ódi co

v i ncul ou em suas pági nas em um moment o mar cado pel a perda de

espaço da M açonar i a f rent e a est rut uração e a expansão da I gr ej a

Cat ól i ca, t endo como cenár i o o Rio Grande do Sul . O l ei t or não

encont rará nas próx i mas pági nas a r evel ação de nenhum segredo

maçôni co, mas si m um t rabal ho sobr e o veícul o que repr esent ava a

voz da di reção do Grande Or i ent e do Rio Grande do Sul para seus

f i l i ados e si mpat i zant es.

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1. EST UDA NDO A I M PRENSA

A I mpr ensa é a voz de um t empo.. .

M edi ant e a um veícul o i nf or mat i vo em massa, podemos

remont ar o passado at ravés da anál i se do di scurso i ncl uso sej a em

suas not íci as ou ar t i gos. Um per i ódi co geral ment e ret rat a o per íodo

at ravés da i nf or mação, mesmo que nel a não est ej a reproduzi do o

cot i di ano ou a est rut ura da soci edade que a ret rat a.

M as para um hi st or i ador usar um veícul o de comuni cação em

massa como f ont e document al para a pesqui sa, deve ant es de t udo

t er o conheci ment o prév i o do cont ext o em que o meio de

comuni cação se ref ere, necessi t ando um est udo mi nucioso da

soci edade em que o per i ódi co ci r cul a para uma cont ext ual i zação,

sob o per i go de não o f azer de const rui r uma obra sobre f r acos

pi l ares.

Soment e assi m é que um meio de comuni cação de massa

ganha um pl eno si gni f i cado, t ransf ormando-se em uma f ont e

hi st ór i ca de el ement ar i mpor t ânci a. Tão i mpor t ant e quant o o

cont eúdo das f o l has i mpressas é o que acont ece ent orno do

per i ódi co, ou sej a, a soci edade que dá pl eno val or ao que real ment e

represent a a publ i cação.

Sendo est e um est udo sobr e a i mpr ensa maçôni ca do começo

do século X X , cabe pr i mei rament e ao hi st or i ador conhecer o

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ent orno do j ornal , que no caso, é a soci edade gaúcha. O per íodo

est udado car act er i za-se por el ement os conf l i t ant es que per mei am a

soci edade gaúcha, l evando em cont a a popul ação díspar , a adoção

de proj et o gover nament al úni co no país baseado em l i nhas

posi t i v i st as e aut or i t ár i as, e com a I grej a Cat ól i ca crescendo de

modo surpr eendent e, preocupada com a f or mação de uma sól i da

el i t e i nt el ect ual cat ól i ca.

A maçonar i a r i ogr andense (GORGS) , t eve cer t a pecul i ar i dade

em sua f undação, que ef et i vou- se at ravés do rompi ment o das l o j as

gaúchas com a pr i nci pal pot ênci a maçôni ca nacional , o GOB,

consegui ndo agl ut i nar em seu quadro uma el i t e i nt el ect ual e

f i nancei ra de manei ra sur preendent e, avançando e prosperando em

todo o Rio Grande do Sul . Desde a sua f undação, com a

preocupação em dar voz a sua el i t e i nt el ect ual e da sua di r et or i a, a

i mpr ensa sempre f o i um meio ut i l i zado pel a i nst i t ui ção em di vul gar

seu i deár i o e suas di r et r i zes, cul mi nando em 1917 com a f undação

do j or nal mensal O Del ta.

A cont ext ual i zação como aci ma é necessár i a (ai nda que

suci nt a, no decor rer do t rabal ho ser á mel hor cont ext ual i zado) par a

que o hi st or i ador t enha consci ênci a da si t uação da soci edade em

que o per i ódi co f az par t e, t ornando possível o uso dest e como f ont e

hi st ór i ca. No caso da maçonar i a gaúcha, f at ores como a busca por

maior espaço na soci edade, o maior al cance das i nf l uênci as da

i nst i t ui ção, o conf ront o di r et o ent re a I grej a Cat ól i ca j unt ament e

com a si t uação pol ít i ca, econômi ca e soci al da soci edade

r i ograndense é que t orna- se possível a anál i se do di scurso e do

i deár i o que per mei a o j or nal .

A maçonar i a, uma i nst i t ui ção que pr i ma pelo seu car át er

si gi l oso, onde o segredo é el o pr i nci pal de l i gação e uni ão ent re

seus f i l i ados, f az com que seu própr i o veícul o de comuni cação

car regasse uma car ga de compl ex i dades e i ncoer ênci as. M esmo

sendo um veícul o of i c i al , l egít i mo e dest i nado à maçons, o seu

dest i no er a não soment e ao povo maçôni co, mas t ambém a

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prof anos4 que se i nt er essassem pelo i deár i o, t endo ampl a

di st r i bui ção no est ado.

A compl ex i dade aument a ant es mesmo de usar o cont eúdo do

j or nal como f ont e propr i ament e di t a, ao quest i onar o porquê do

meio. Quem escr eve e o porque escr eve, quai s os propósi t os das

l i nhas escr i t as devem ser quest i onadas com v i gor e i nt ensi dade por

aquel e que o pesqui sa.

Se um j or nal operár i o é escr i t o por operár i os (se não, é por

al guém engaj ado no mov i ment o) , dest i na- se a um públ i co de

operár i os, com i deár i o a f avor de operár i os e v i sando sempr e

i nf or mar , mov i ment ar ou mesmo mani pul ar operár i os. O mesmo i r á

acont ecer em mei os de i mprensa maçôni cos, cat ó l i cos, prot est ant es

ou sej a qual f or a i nst i t ui ção que o veícul o est ej a engaj ado.

Um j or nal nada mai s é que a voz de seu amo, sej a el e crent e

ou descr ent e, l i beral ou comuni st a, de di rei t a ou de esquerda. O

papel de um j or nal , e ai nda mai s f al ando em uma i mprensa

engaj ada do i níc i o do século X X , é def ender o i deár i o que seu

propr i et ár i o ansei a. A t ravés da i mprensa, sej a el a engaj ada ou não

nunca consegui remos conhecer na pl eni t ude a opi ni ão públ i ca, j á

que est amos f al ando de pessoas ou grupos de pessoas que def endem

i déi as at ravés do veícul o.

Podemos repr esent ar os mei os de comuni cação como um

si st ema de “ gui a de consci ênci as” 5, onde o proj et o f i nal sej a

“ cat equi zar ” seus l ei t ores em al gum det er mi nado assunt o. Sem

mai s, nem menos, um gui a dout r i nador .

A M açonar i a brasi l ei ra mant eve ao l ongo da sua hi st ór i a no

Brasi l uma pr eocupação per manent e com a di vul gação de

i nf or mações e de i déi as, at ravés da i mprensa. Cont udo, f o i a par t i r

4 É usual na maçonaria chamar de profano todo aquele não iniciado na ordem. 5 FERNÁNDEZ, Celso Almuiña. Prensa y opinión pública La Prensa como fuente histórica para el estúdio de la masoneria. In: BENIMELI, José Antonio Ferrer(org.). Masoneria, Política y Sociedad I. Zaragoza: Centro de estudios historicos de la Masoneria española, 1989 . p. 252.

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de 1871 que el a consegui u mat er i al i zar uma propost a de j or nal que

passou a ci r cul ar si st emat i cament e a par t i r daquel e moment o.

O pr i mei ro veícul o de comuni cação l i gado à maçonar i a no

país f o i o denomi nado “ Bol et i m do Gr ande Or i ent e do Br asi l ” ,

publ i cado no Rio de Janei ro, era di st r i buído os maçons de t odo o

país. Foi a par t i r dest e modelo de i mpr ensa que as maçonar i as

regionai s e muni ci pai s est rut uraram seus própr i os veícul os de

comuni cação.

No caso do Ri o Gr ande do Sul , as i ni ci at i vas maçôni cas ou de

maçons para v i abi l i zar j or nai s e rev i st as própr i as se deparou com

i númer as di f i cul dades, sendo as de ordem f i nancei r as as mai s

f reqüent es.

No i níc i o do século X X , O Del ta ser á a voz at i va da el i t e

i nt el ect ual da maçonar i a gaúcha, e é i nst i gant e que a gr ande

maior i a escr i t ores col aboradores da rev i st a er am l i gados a l o j as

maçôni cas i nst al adas de Por to A l egre. Os t emas, i déi as e opi ni ões

expressas no per i ódi co não cor respondi am mui t as vezes as i déi as

que a grande maior i a dos neóf i t os acr edi t avam. O r ecur so de usar a

i mpr ensa como voz of i ci al da i nst i t ui ção nasce quase que

si mul t aneament e j unt o com a própr i a f undação do Grande Or i ent e

do Rio Grande do Sul .

A escassez de est udos especí f i cos sobr e a t raj et ór i a da

maçonar i a brasi l ei r a é uma const ant e. Na hi st or i ograf i a t radi ci onal ,

a maçonar i a é t rat ada esparsament e, sempr e em passagens r ápi das e

mui t as vezes quest i onávei s. Deve- se i sso à f al t a da aber t ura dos

arqui vos maçôni cos, que di f er ent ement e da maçonar i a européi a,

onde j á f oram aber t os os arqui vos à comuni dade acadêmi ca, a

maçonar i a br asi l ei r a ai nda encor t i na- se à f echar seus arqui vos à

acadêmi ca, dei xando um vast o mat er i al hi st ór i co na i nér ci a, que

com a sua aber t ura proporci onar i a vár i as rel ei t uras das passagens

da i nst i t ui ção na hi st ór i a brasi l ei ra, ref l exo do encl ausur ament o

document al que as obedi ênci as i nsi st em em mant er .

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A bar r ei ra l evant ada pel a academi a sobre o assunt o é

t amanha, sendo i r r i sór i a a quant i a de t eses e di sser t ações

produzi das especi f i cament e sobre a maçonar i a, f azendo de uma

i nst i t ui ção que per meou a pol í t i ca nacional em const ant es

moment os t ant o cor r i quei ros quant o i mpor t ant es do passado,

f i casse em t ot al escur i dão, esqueci mento e mi st ér i o.

A possi bi l i dade dest e t rabal ho ser real i zado deve- se a

aber t ura, ai nda que excepci onal par a a pesqui sa no arqui vo do

Grande Or i ent e do Rio Gr ande do Sul . No subsolo do prédio do

poder cent ral da i nst i t u i ção, encont r am- se cent enas de cai xas de

arqui vo- mor t o com document ações ai nda ant er i or es a f undação da

obedi ênci a, em 1893.

M as se f ont e par a hi st ór i a pode ser todo o mat er i al que

possi bi l i t a a r econst rução do passado, é necessár i o l embrar que

uma f ont e deve car regar uma sér i e de qual i dades, começando pel a

procedênci a do document o, passando pelo conheci ment o prév i o do

hi st or i ador sobr e o assunt o, e por f i m a anál i se do cont eúdo, que

most rará ver aci dade ou a f al si dade do que l he é t ransmi t i do.

A l i ás, uma i nf or mação f al sa em um per i ódi co quando

descober t a pelo hi st or i ador , poderá ai nda ser mai s rel evant e ao

t rabal ho que uma “ verdade absol ut a” . Queremos di zer que

i ndependent e do t i po de f ont e hi st ór i ca, sempr e t emos que

submet ê- l a a uma r íg i da cr ít i ca, t endo em ment e o hi st or i ador do

t i po de document ação que est á i nt er rogando e o que busca.

Quando reconst ruímos o passado, a ut i l i zação do per i ódi co

como f ont e deve ser v i st o não como uma f ont e qual quer , poi s a

suas par t i cul ar i dades e possi bi l i dades di f er em-se dos out ros t i pos

de document ações.

Cel so A l mui ña Fer nández6 em seu est udo sobre i mprensa

maçôni ca espanhol a, al er t a sobre o val or pol i ssêmi co do est udo

FERNÁNDEZ, Celso Almuiña. Prensa y opinión pública La Prensa como fuente histórica para el estúdio de la masoneria. In: BENIMELI, José Antonio Ferrer(org.). Masoneria, Política y Sociedad I. Zaragoza: Centro de estudios historicos de la Masoneria española, 1989. p. 248.

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sobr e a i mprensa. A i nf i ni t as possi bi l i dades de i nt er rogar sobre as

quest ões mai s di st i nt as que um per i ódi co l eva consi go. Somando a

mudança de di scur so, os al vos e públ i co durant e a sua ex i st ênci a,

f az do j or nal uma f ont e pol i ssêmi ca por excel ênci a r i ca, porém não

uni ver sal . Todo per i ódi co t em em sua essênci a uma det er mi nada

t i pol ogi a de l ei t ores especí f i cos. A ssi m, no t ranscor rer do t empo, a

soci edade organi zou os mai s var i ados t i pos de j or nai s, dest i nados

sempr e a al gum t i po de l ei t or em especi al . Podemos encont rar

per i ódi cos i mpressos vol t ados par a si t uação, para oposi ção, par a

f i éi s, para os assecl as de al guma i nst i t ui ção qual quer . Um mei o de

comuni cação em massa é uma f or t e ar ma de propagação de i déi as,

que desde sua própr i a gênese cr esceu de f or ma ver t i gi nosa.

Podemos af i r mar é o que todo o per i ódi co of er ece são pont os

de v i st a. É i mpor t ant e t er sempre em ment e, o quê o per i ódi co

anal i sado busca e o que el e def ende. E é essa busca/def esa de

i déi as que deve se t ransf or mar nas quest ões cent rai s que possam

ser i nt er rogadas. É esse o pont o f undament al do est udo de meios de

comuni cação em massa deve apresent ar . O que os homens que o

escrevem quer em ou pret endem al cançar at ravés do meio.

Dev i do as mai s di f er ent es pecul i ar i dades que um per i ódi co

of ereça, cada um deve ser sempre anal i sado de f or ma especí f i ca.

Um j or nal maçôni co gaúcho t erá pont os de encont ro com qual quer

out ro j ornal maçôni co, sej a el e brasi l ei ro ou est rangei ro. M as nem

por i sso devem ser anal i sados da mesma f or ma, poi s a época, o

l ugar , o i deár i o e o cot i di ano r ef l et em di r et ament e no meio de

i nf or mação.

Est as pecul i ar i dades est ão di ret ament e l i gadas a di mensão

soci al que o meio est abel ece. A t i pol ogi a dos l ei t ores e o di scur so

são f undament ai s para o conheci mento do al cance da di mensão

soci al que a publ i cação of erece.

Ref l exo di ret o de qual quer veícul o de i mpr ensa é o al cance e

a possi bi l i dade da mudança ou da rei t eração da opi ni ão públ i ca

daquel es que t em o acesso i nf or mat i vo. I ndi f er ent e de t empo e

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l ocal , a opi ni ão públ i ca nunca será est át i ca, sempr e osci l a pros

mai s di f er ent es l ados, o que i ndi ca sua const ant e mudança e

compl ex i dade.

Baseado ni sso, o hi st or i ador deverá sempr e quest i onar a

val i dade e a nov i dade em que um det er mi nado ar t i go publ i cado, se

vai de encont ro ou há um consent i ment o à est rut ura ment al

col et i va, como no nosso caso, o di scurso nem sempr e encai xa e é

consent i do pelos l ei t ores.

O per i ódi co, por sua essênci a, é o produto do meio que o

produz. Sendo el e engaj ado por uma i nst i t ui ção qual quer , ou ai nda

de uma i mpr ensa vol t ada a i nf or mação geral da popul ação, el a

sempr e será f rut o do meio em que ex i st e. Daí a i mpor t ânci a do

conheci ment o prév i o do pesqui sador do cont ext o em que o

per i ódi co f or a escr i t o. Caso cont rár i o, est aremos f adados a ut i l i zar

er roneament e essa f ont e.

Queremos rei t er ar a necessi dade l at ent e do est udo da

i mpr ensa, pel o val or que car r ega em anunci ar à det er mi nada

soci edade i déi as e opi ni ões. A credi t amos que sej a i mpossível par a

o ent endi ment o pl eno da soci edade e da própr i a r econst rução da

hi st ór i a, excl ui ndo a i mpr ensa como f ont e.

Por t ant o, não há como ent ender a soci edade cont emporânea

sem conhecer as i nst i t ui ções que ocuparam l ugar de dest aque no

Brasi l , e que ut i l i zaram como voz o uso de per i ódi cos: as

i nst i t ui ções rel i g i osas, o exér ci t o, os par t i dos pol ít i cos, os

si ndi cat os, cl ubes l i t erár i os et c.

O per i ódi co propost o para est e est udo nasceu em 1916, t endo

como propost a não t er nenhuma l i gação sect ár i a, quer sej a de

ordem ci ent í f i ca, f i l osóf i ca ou r el i gi osa, não assi m o procedendo,

v i st o as posi ções t omadas pelo O Del ta .

Durant e quase t odo o seu per íodo de ex i st ênci a, a sua di reção

f i cou a car go do j ornal i st a e maçom Paul i no D i ami co, um

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ant i c l er i cal conv i ct o que preocupou-se em di reci onar o j or nal ao

at aque e ao combat e ao ul t ramont ani smo7 cat ó l i co.

O Del ta se apr esent ava como uma rev i st a maçôni ca, mas

t ambém er a expost o em suas pági nas como um j or nal , por i sso, no

decor rer dest e t rabal ho i r emos nos r ef er i r ao per i ódi co das duas

f or mas.

Durant e t oda a sua ex i st ênci a, eram comuns colunas f i xas

sobr e det er mi nados assunt os, como ci ênci a, hi st ór i a, f i l osof i a e

si mbo l i smo maçôni co, al ém da par t e dest i nada ao expedi ent e do

própr i o Grande Or i ent e do Rio Grande do Sul .

Ent re os di versos assunt os propost os no j or nal , encont ramos

not íci as e ar t i gos sobre as obras f i l ant rópi cas da i nst i t ui ção, a

def esa da aut onomi a do sexo f emi ni no, a necessi dade da i nst i t ui ção

do di vórci o e ai nda apr esent ação de novas cor rent es i deológi cas,

ent re el as o mar x i smo. Era t ambém usual a r eprodução de ar t i gos e

repor t agens de out ros per i ódi cos, assi m como de di scursos

prof er i dos em sessões maçôni cas.

Homenagens póst umas à maçons i l ust res, geral ment e

acompanhada com a bi ogr af i a, o conf l i t o ent re o GORGS e o GOB

e a t ent at i va da uni ão, propagandas de cul t os de rel i g i ões

di f erent es à cat ól i ca t ambém era comum aparecerem em suas

pági nas.

A sua di st r i bui ção era soment e at ravés de assi nat uras, e seu

dest i no e al cance i a al ém dos f i l i ados da ordem, não sendo

dest i nado soment e aos maçons, mas t ambém aos si mpat i zant es da

Ordem. Hav i a a preocupação de l evar a M açonar i a gaúcha para os

7 U l t r amont ani smo desi gna uma or i ent ação/ pol í t i ca da I gr ej a Cat ól i ca onde er a a f av or de uma mai or concent r ação do poder ecl esi ást i co nas mãos do papado, mas t ambém cont r a uma sér i e de coi sas que er am consi der adas er r adas e per i gosas par a a I gr ej a. Ent r e est es “ per i gos” est avam o gal i cani smo, o j anseni smo, t odos os t i pos de l i ber al i smo, o pr ot est ant i smo, a maçonar i a, o deí smo, o r aci onal i smo, o soci al i smo e cer t as medi das l i ber ai s pr opost as pel o est ado ci v i l , t ai s como a l i ber dade de r el i gi ão, o casament o ci v i l , a l i ber dade de i mpr ensa e out r as mai s. Cf . V I EI RA , Dav i d Guei r os. O pr ot est ant i smo, a maçonar i a e a “ quest ão r el i gi osa” no Br asi l . 2ª. Edi ção, Br así l i a: UnB, 1981, p.33.

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out ros países e est ados brasi l ei ros, sendo mensal ment e rel at ado

para quai s obedi ênci as maçôni cas f oram env i ados os exempl ares.

Também acredi t amos que era comum o env io de exempl ar es

de O Del ta para prof anos, como denunci a uma car t a escr i t a por um

past or met odi st a da ci dade de Rio Pardo, onde requi si t ava a

di r eção do Gorgs al guns vol umes do O Del ta e j unt ament e pedi a

i nst ruções de como f undar uma l o j a maçôni ca em sua ci dade8.

Por t ant o, O Del ta a par t i r de 1916, al ém de voz da di ret or i a

do GORGS, ocupar á l ugar de dest aque na i mpl ement ação de novas

i déi as à soci edade gaúcha, t razendo aos seus l ei t ores i nf or mações a

respei t o ao i deár i o l i beral e l ai co ai nda não f i r mados no i níc i o do

século X X .

8 Arquivo Luiz Eugênio Véscio, Loja Fraternidade (45-13)

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Capa do periódico maçônico O Delta.

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2. DA GÊNESE A T É O SOL O RI OGRA NDENSE

2.1. O Nasci ment o na Eu r op a

A pal avra maçonar i a sempr e est eve envol t a em mi st ér i o. A o

decor rer de sua ex i st ênci a, esses mi st ér i os aument avam, mudavam

const ant ement e. Conspi rações pol ít i cas, sat ani smo, benesses

of ereci das aos seus f i l i ados ou at é mesmo à sua cr i ação f oram

mot i vos de di scussão e cont rovér si a, f or mando receios que se

est endem at é os di as de hoj e.

A o est udar maçonar i a at ravés da produção hi st ór i ca não

l i gada a academi a, ger al ment e produzi da pel os f i l i ados da ordem

ou mesmo seus adver sár i os, encont ramos as expl i cações da sua

f undação que vai das mai s pl ausívei s at é as mai s i mpossívei s e

i ncoerent es, como as que remet em a f undação da maçonar i a ao

per íodo das const ruções das pi r âmi des do Egi t o. Ou ai nda out ros

escr i t ores que com as suas mai s f ant ást i cas e i mprovávei s t eor i as,

af i r mam que a maçonar i a ser i a descendent e da sei t a secr et a dos

essênios, a qual o própr i o Jesus Cr i st o t er i a per t enci do.

Nest e t i po de l i t erat ura, mi t os e l endas que f oram absorv i das

como símbolos pel a i nst i t ui ção, são reproduzi dos por esses l i v ros e

l evados como verdades hi st ór i cas, porém i sent as de provas

document ai s e hi st ór i cas para a sua comprovação.

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Out ra t eor i a comument e encont rada é a descendênci a da

maçonar i a da Ordem dos Caval hei ros Templ ár i os, onde os

sobr ev i vent es da f oguei r a i nqui si t or i al dur ant e a I dade M édi a,

t er i am f undado a maçonar i a em um moment o post er i or . A

v i ncul ação da possível descendênci a t empl ár i a é comument e

ret rat ada em f i l mes9 ou na l i t er at ura f i cci onal . 10 Não acredi t amos

que haj a l i gação di ret a ent re a ordem dos t empl ár i os e a maçonar i a,

v i st o a di st ânci a cronológi ca que separam as duas i nst i t ui ções e a

ausênci a de provas document ai s que a supost a descendênci a.

O mai s p l ausível é que a maçonar i a no decor rer de sua

cami nhada como i nst i t ui ção especul at i va, i ncorporou em seu

arcabouço si mból i co mi t os e símbol os ref erent es ou ut i l i zados

pelos ant i gos caval hei ros t empl ár i os. Por ser uma i nst i t ui ção que

det ém um si mbol i smo mui t o própr i o e at ípi co, ao decor rer do

t empo f oram i ncorporados el ement os di ver sos, desde símbolos

gregos, egípci os, cr i st ãos, pagãos, ou ai nda ref er ent es à ast ro l ogi a,

numerologi a, si gnos do zodíaco ent re out ros t ant os.

V ol t ando à sua gênese, a t eor i a que acei t amos é a mesma

consi der ada por grande par t e dos maçonólogos acadêmi cos

europeus, onde a pesqui sa sobre a M açonar i a, ao cont rár i o do

Brasi l , ocor re com desenvol t ura. O nasci ment o da M açonar i a t er i a

si do dent ro de uma corporação de of íc i o durant e a I dade M édi a.

Descendent e da corporação dos pedrei ros- l i v res medi evai s

(daí o t er mo f ranc- mason ou f ree- mason) , el a t omou a sua f ei ção

at ual de f unci onament o na t ransi ção dos século X V I I para o X V I I I ,

quando dei xou de ser uma corporação operat i va para uma

i nst i t ui ção especul at i va. Dur ant e sua at uação como f or ma

operat i va, a i nst i t ui ção f unci onava como uma espéci e de si ndi cat o-

escola, onde a preocupação maior er a mant er os segredos do of íc i o

de pedr ei ro e arqui t et o e assegur ar a demanda do mercado. É nest e

per íodo que a hi erar qui a di v i di da ent re aprendi z, companhei ro e

9 Filme A lenda do tesouro perdido. Disney Vídeo, 2005. 10 BROWN, Dan. O Código da Vinci. São Paulo: Sextante, 2004.

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mest re f azi am a di st i nção ent re os pares de acordo com o grau de

conheci ment o t écni co.

M as a t ransi ção ent re maçonar i a operat i va e maçonar i a

especul at i va consumou- se a par t i r da perda de espaço das

corporações de of íci o para os prof i ssi onai s f or mados pel as novas

uni ver si dades que al ast ravam- se pel a a Europa. Nest e moment o, as

l o j as maçôni cas que ai nda at uam com f orma operat i va começam aos

poucos a abr i r seu espaço a prof anos11 que ansei am est udar e

i nt el ect ual i zar -se nos segredos da arqui t et ura.

A maçonar i a t oma novas f ei ções, não há mai s a necessi dade

de assegur ar a prof i ssão, a preocupação nest e moment o é de

consegui r l evar uma t radi ção secul ar de est udos e da perpet uação

da f r at er ni dade. E mai s, abr em seu espaço para a di scussão de

out ras ci ênci as e out ros assunt os em voga no cenár i o europeu,

chamando a at enção de nobres e novos burgueses que t i nham

condi ções f i nancei ras par a ent rar na i nst i t ui ção.

A t ransi ção da f or ma operat i va-especul at i va desencadeou em

doi s moment os-chave: o pr i mei ro no ano de 1717, com a f undação

da pr i mei ra obedi ênci a12 maçôni ca no mundo, a Grande L oj a da

I ngl at er ra f or mada por quat ro l o j as maçôni cas l ondr i nas. O

segundo moment o par a a conf i gur ação dessa nova M açonar i a é em

1723, com a f or mul ação, adoção e publ i cação da Const i t ui ção de

A nder son. Desenvol v i da por doi s pastores prot est ant es e maçons,

James A nder son e John T héophi l e Désagul i ers, essa const i t ui ção é

di v i di da em t rês par t es: a pr i mei ra, segundo o maçonólogo

espanhol Beni mel i , é uma “ abi gar rada nar r aci on pseudo hi st ór i ca

de l a A rqui t ect ura, si n gran val or ni i nt eres” 13.

11 Termo utilizado pela maçonaria para designar todos aqueles que não foram iniciados na instituição. Aquele que foi iniciado é chamado de Neófito. 12 Entende-se por Obediência ou Potencia Maçônica o poder central que as lojas devem ser filiadas. Uma loja maçônica para ser considerada regular, deve estar ligada à uma obediência. Para a fundação de uma nova obediência, entre outras coisas é necessário no mínimo a adesão três lojas. 13 BENIMELI, José Antônio Ferrer. Masoneria y Iglesia e ilustración. 4 vol, Madrid: Fundación Universitaria Española, 1976. Tomo 1. p. 54.

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A segunda par t e encont ra-se a essênci a da Const i t ui ção, e o

seu cont eúdo é de ext rema i mpor t ânci a para a maçonar i a at é os di as

de hoj e. É nest a par t e que se encont ram o códi go moral , as

di r et r i zes par a o seu f unci onament o e o di r ei t o di sci pl i nar das

of i c i nas; a úl t i ma par t e ref ere- se à r ef l exões f i l osóf i cas.

É na segunda par t e onde encont ramos a def i ni ção de que t odo

o maçom deve ser do sexo mascul i no, ser l i vr e, i ndependent e da

rel i gi ão que prof esse, da raça ou nacional i dade. A i nda t raz as

di r et r i zes para a f undação das l o j as e das obedi ênci as, e no seu

auge, expressa o art igo fundamental :

Todo masón está obl i gado, em vi r tud de su títul o, a obedecer a l ey moral ; y si comprende bi en el Arte, no será jamás um estúpi do ateo ni um i r rel i gi oso l i bert i no. Así como, en l os t i empos pasados, l os masones estaban obl i gados, em cada país, a prof esar la rel i gi on de su pátr ia ou naci ón, cual qui era que ésta f uera, em el presente no há pareci do más a propósi to el no obl i gar más que aquel la Rel i gi ón em la que todos l os hombres están de acuerdo, dejando a cada uno su opi ni ón part i cular . Esta consiste em ser hombres buenos y verdaderos, hombres de honor y probi dad, cualqui era que se ala denomi naci ón o creencias com que puedan ser di st i ngui dos. De donde se si gue que la masoner ía es el Centro de Uni ón, y el médi o de conci l i ar uma verdadera amistad entre personas que [ si n el l a] permanecer ían em una perpetua distancia.14

O ar t i go aci ma dei xa expl íc i t o que os i nt egrant es não

necessi t avam prof essar nenhuma rel i gi ão ou al guma f or ma

especí f i ca de cor rent e de pensament o, t ransf or mando a maçonar i a

em uma i nst i t ui ção à f rent e de seu t empo, poi s f i ca aci ma das

di v i sões pol ít i cas e r el i gi osas da época. Com a aut onomi a de

pensament o e f é per mi t i da aos seus i nt egrant es t ornou-se f ont e de

preocupação, e em segui da, de per segui ção da I grej a Cat ól i ca aos

pedrei ros- l i v res europeus.

14 BENIMELI, José Antônio Ferrer. Masoneria y Iglesia e ilustración. 4 vol, Madrid: Fundación Universitaria Española, 1976. Tomo 1, p. 55.

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É i mpor t ant e l embrar que na época em que a maçonar i a

at uava como corporação de of íci o, os membros er am obr i gados a

prof essar a rel i gi ão of i c i al de seu país, que at é a Ref or ma

Prot est ant e, er am cat ól i cos. Os maçons est avam obr i gados a

conf i ssão e a comunhão pelo menos uma vez por ano. Nos r i t uai s

maçôni cos do per íodo operat i vo, eram i nvocados a Sant íssi ma

T r i ndade, a V i rgem M ar i a, os Quat ro Sant os Coroados e o ai nda

at ual pat rono da i nst i t ui ção, São João Bat i st a.15

Com a adoção da Const i t ui ção de A nder son a r i t ual íst i ca

cat ól i ca dei xou de ser adot ada, per manecendo soment e o seu

pat rono, São João. Essa mudança f o i v i st a com desconf i ança pel a

I grej a Cat ól i ca, que perdendo a condi ção de rel i g i ão of i c i al da

corporação, cessa o cont rol e sobre el a, desencadeando em 1738 a

pr i mei ra condenação papal . 16 Essa rupt ura com a ent re I grej a

Cat ól i ca e M açonar i a f az os pedrei ros l i v r es t omem dest aque no

cenár i o europeu, coopt ando a el i t e i nt el ect ual européi a e ul t rapassa

os l i mi t es do vel ho cont i nent e, al ast rando as suas l o j as e seu

i deár i o com mui t a f orça no novo mundo.

Essa nova maçonar i a não const ró i mai s obras ar qui t et ôni cas,

sequer assegur a mai s o mer cado das const ruções; seus est udos

arqui t et ôni cos t ornam- se especul at i vos e aos poucos secundár i os,

t ransf or mando-se no pr i mei ro momento em escola, onde homens

com condi ções f i nancei ras suf i c i ent es par a a sua admi ssão,

i ngressam para i nt el ect ual i zar -se, e num segundo moment o, abr e

seus t emplos par a a di scussão avant gar d que f er v i l hava no cont ext o

europeu: o i l umi ni smo.

A maçonar i a t orna- se a i nst i t ui ção aber t a e aos poucos adept a

ao mov i ment o i nt el ect ual (e só depoi s revol uci onár i o) i l umi ni st a,

pr i nci pal ment e na França (a maçonar i a i ngl esa mant eve-se mai s

conser vadora e aut ocrát i ca) , onde os pensadores e adept os ao

15 BENIMELI, José Antônio Ferrer. Masoneria y Iglesia e ilustración. 4 vol, Madrid: Fundación Universitaria Española, 1976. Tomo 1, p. 40 16 A primeira condenação oficial é através da carta apostólica In eminenti, assinada pelo Papa Clemente XII em 28 de setembro de 1738. Disponível em: www.vatican.va acesso em 25/01/2006

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i l umi ni smo encont raram dent ro dos t emplos maçôni cos um l ugar

propíci o para a di scussão das i déi as das l uzes. 17

Foi assi m que a maçonar i a i ncorporou o di scur so e o i deár i o

l i beral , l ai co e ci ent i f i c i st a, t endo como l ema o mesmo que nor t eou

a Revol ução Fr ancesa “ L i ber té, I gual i t é e Fr ater ni t é” que

per maneceu na i nst i t ui ção at é os di as at uai s.

17 BENIMELI, José Antônio Ferrer. Masoneria y Iglesia e ilustración. 4 vol. Madrid: Fundación Universitaria Española, 1976.

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2.2 Os Ped r ei r os- l i v r es ch egam ao B r asi l

A i nt rodução da maçonar i a no Br asi l j á f o i mot i vo de

di scussão ent re os escr i t ores v i ncul ados á i nst i t ui ção, poi s

podemos encont rar na l i t er at ura maçôni ca possívei s ações dos

pedrei ros- l i v res no país ai nda no sécul o X V I I I .

Para al guns os hi st or i adores maçons a pr i mei ra l o j a maçôni ca

f o i o A reópago de I t ambé f undado em 1796 em Per nambuco na

di v i sa com a Paraíba, f undada pelo médi co e bot âni co por t uguês,

M anuel A r ruda Câmara18 mas, por mai s que sej a consi derada uma

l o j a maçôni ca, el a não era consi derada como regul ar .

Também encont ramos na l i t erat ura maçôni ca um possível

envol v i ment o de maçons durant e a I nconf i dênci a M i nei r a19,

possi vel ment e i ni ci ados na Europa e que t razem à r evol ução i deai s

l i gados ao i deár i o maçôni co. Não podemos di zer que a maçonar i a

par t i ci pou di r et ament e do epi sódio, mas é possível que maçons

t enham par t i ci pado de f or ma i sol ada e aut ônoma. A t é mesmo

T i radent es, már t i r da I nconf i dênci a é ref er i do em al gumas obras

como um neóf i t o, mas dev i do a f al t a de document ação, não

podemos af i r mar t al rel ação.

A l exandre M ansur Barat a, em sua t ese de dout orado t ambém

rel at a a possi bi l i dade do apoio maçôni co a durant e aquel a

I nconf i dênci a de 1789, e a possi bi l i dade da i ni ci ação de Joaqui m

José da Si l va X av i er , o T i r adent es, t er acont eci do em uma l o j a

maçôni ca do Rio de Janei ro.20

M as é bem possível que a M açonar i a at é o começo do sécul o

X I X t enha f unci onado no Br asi l , não de manei r a r egul ar como nos

mo l des propost os pel a sua const i t ui ção. A pr i mei ra l o j a

18 CASTELLANI, José. Os maçons que fizeram parte do Brasil. São Paulo: A Gazeta Maçônica, s/d. pág. 13. 19 CASTELLANI, José. Os maçons que fizeram parte do Brasil. São Paulo: A Gazeta Maçônica, s/d. pág. 57. 20 BARATA, Alexandre Mansur. Maçonaria, sociabilidade ilustrada e independência(Brasil, 1790-1822). Campinas: Unicamp, 2002. pág. 49.

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consi der ada como regul ar em solo brasi l ei ro é a L oj a Reuni ão,

f undada em N i t erói no Ri o de Janei ro, f i l i ada ao Grande Or i ent e da

I l e de France, i nst al ado a I l ha M aur i ce.21

A f undação da pr i mei ra obedi ênci a maçôni ca será no ano de

1813, at ravés de t rês of i ci nas bai anas, V i r t ude e Razão,

Humani dade e Uni ão22, t endo como Grão- mest re A nt ônio Car l os

Ri bei ro e A ndr ada e denomi nado Grande Or i ent e Brasi l ei ro. M as

dev i do as mazel as da Revol ução Per nambucana de 1817, est a

obedi ênci a f i nda sua at i v i dade no mesmo ano.23

A sua reorgani zação no Brasi l será em meados de 1822, no

Rio de Janei ro at ravés da ar t i cul ação de Joaqui m Gonçal ves L edo e

a f undação do Grande Or i ent e do Brasi l at ravés da di v i são da L oj a

Comér ci o e A r t es em out ras t rês: Comérci o e A r t e na I dade de

Ouro, Uni ão e T ranqüi l i dade e Esperança de N i t erói , sendo

acl amado como Grão- mest re José Boni f áci o de A ndr ada e Si l va.

Foi esse Grande Or i ent e que possi bi l i tou at ravés da aber t ura

de seu espaço para a di scussão e a organi zação da I ndependênci a

br asi l ei ra, ai nda que não f osse uma unani mi dade ent re seus

membros, como af i r ma Barat a:

N os pr i mei r os meses de 1822, a pr eponder ânci a do gr upo maçôni co de Joaqui m Gonçal ves L edo se f azi a per ceber nos debat es em t or no da necessi dade da convocação de uma assembl éi a Const i t ui nt e ou at r avés da apr ox i mação com o pr í nci pe r egent e, ao conceder - l he o t í t ul o de D ef ensor Per pét uo do Br asi l , apr ovado pel o Senado da Câmar a do Ri o de Janei r o. Em cer ta medi da, essa supr emaci a si gni f i cava o apr of undament o dos antagoni smos com o gr upo de José Boni f áci o que, na condi ção de mi ni st r o do Rei no e dos Est r angei r os, i ni ci ou uma v i ol enta r epr essão aos que se opunham a seu pr oj et o pol í t i co de

21 BARATA, Alexandre Mansur. Maçonaria, sociabilidade ilustrada e independência(Brasil, 1790-1822). Campinas: Unicamp, 2002. Pág. 78. 22 A Constituição de Anderson exige, para a formação de uma nova obediência maçônica, um mínimo de 3 lojas regulares. 23 BARATA, Alexandre Mansur. Luzes e Sombras: a ação da Maçonaria brasileira (1870-1910). Campinas: Editora da Unicamp, 1999. Pág. 62

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const r ução do Estado br asi l ei r o, baseado em uma M onar qui a ex t r emament e cent r al i zada, com bai x o ní vel de r epr esentat i v i dade e que v i sava gar ant i r os i nt er esses da cl asse senhor i al , sobr etudo das pr ov ínci as do Ri o de Janei r o, São Paul o e M i nas Ger ai s. 24

Para a consol i dação de seu proj et o pol ít i co, José Boni f áci o,

mesmo sendo Grão-M est re da maçonar i a br asi l ei r a, f unda em 1822

o A post ol ado da Nobre Ordem dos Caval hei ros da Sant a Cr uz, uma

soci edade pol í t i ca secr et a, e com r i t uai s pareci dos com o da

maçonar i a, mas organi zada sobre o i nt ui t o de def ender a f or ma de

gover no monár qui co e i mpedi r a expansão de i déi as republ i canas. 25

Em out ubro de 1822, ai nda f i l i ado à maçonar i a e rei nt egrado

ao mi ni st ér i o, e com v i t ór i a sobre o grupo de L edo, começa uma

ampl a per segui ção aos suspei t os de conspi r ação ao pont o da

supr essão dos t rabal hos maçôni cos e o ex í l i o de suas pr i nci pai s

l i deranças.

O cer ceament o dos t rabal hos maçôni cos será at é o ano de

1831, com a rei nst al ação do Grande Or i ent e do Br asi l novament e

sobr e a t ut el a de José Boni f áci o, e a f undação por um grupo de

maçons adversár i os de uma nova obedi ênci a: o Grande Or i ent e

Naci onal Brasi l ei ro, conheci do mai s t arde como Grande Or i ent e da

Rua do Passeio, que t i nha como pr i nci pal l i derança o senador

N i col au V erguei ro. A rel ação conf l i t uosa ent re as duas i nst i t ui ções

será duradoura, e só ameni za no epi sódio da Quest ão Rel i gi osa de

1872. 26

24 B A RA T A , A l ex andr e M ansur . Luzes e Sombr as: a ação da M açonar i a br asi l ei r a (1870- 1910) . Campi nas: Edi t or a da Uni camp, 1999. Pág 64. 25 Para saber mais sobre a estrutura de funcionamento ver: Maçonaria, sociabilidade ilustrada e independência(Brasil, 1790-1822). Campinas: Unicamp, tese de doutorado, 2002. 26 Para saber mais sob a organização das maçonarias brasileiras até o período de 1872 ver: COL USSI , El i ane L úci a. A maçonar i a gaúcha no sécul o XI X . Passo Fundo: Edi upf , 1998. pág. 79 à 158.

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Dev i do a expul são e excomunhão l ançadas aos maçons do

Pará e de Per nambuco que per t enci am a conf r ar i as rel i g i osas

cat ól i cas, a Quest ão Rel i gi osa de 1872 def i ni u a rupt ura t ot al ent re

a I grej a Cat ól i ca e a M açonar i a Brasi l ei r a, que at é o moment o

mat i nha em seus quadros t ant o padres e bi spos, assi m como era

nor mal a f reqüênci a de maçons à I grej a e à conf r ar i as cat ól i cas.

Os bi spos que l ançar am a condenação, Dom V i t al M ar i a

Gonçal ves de Ol i vei r a e Dom A nt ôni o de M acedo e Cost a, eram

j ovens e mov i dos pel a di ret r i z ul t r amont ana l ogo, def er i ram o

at aque aos pedrei ros l i v res, dev i do a bul a papal l ançada em Roma

em que excomungava os pedrei ros- l i v r es.

M as o i mpasse ef et i vou- se dev i do ao I mpér i o do Brasi l est ar

l i gado à I grej a Cat ól i ca at ravés do padroado, que dá ao regent e

br asi l ei ro poderes para cobrar , pagar , nomear e t ambém pl aci t ar as

bul as papai s, e dev i do a bul a que condenava a M açonar i a não t er

si do pl aci t ada pelo i mper ador Dom Pedro I I , t ransf or mou as

condenações l ançadas aos maçons pelos bi spos se t ornasse uma

quest ão de Est ado.

Na t ent at i va de resol ver o conf l i t o, uma comi ssão f o i f or mada

e env i ada Roma, conheci da como mi ssão Penedo, que ent rou em

acordo com o papa Pio I X que a M açonar i a brasi l ei ra não era

ant i c l er i cal como a européi a, por t ant o não dever i a est ar dent ro da

condenação. M as quando a mi ssão retornou ao país j á era mui t o

t arde, poi s os bi spos j á t i nham si do condenados à pr i são com

t rabal hos f or çados. 27

Sem dúv i da a Quest ão Rel i gi osa que envol veu a M açonar i a, a

I grej a e o Est ado, que proporci onou o i níc i o do rompi ment o ent re o

Est ado e o Cat ol i c i smo, e o aci r rament o do embat e ent re M açonar i a

e I grej a. É a par t i r dest e moment o que a maçonar i a br asi l ei r a

começa a t omar uma di nâmi ca cada vez mai s ant i cl er i cal , post ura

que i rá per manecer e aci r r ar no i níc i o do século X X .

27 VIEIRA, David Gueiros. O protestantismo, a maçonaria e a questão religiosa no Brasil. Brasília, Editora Universidade de Brasília, 2ª edição, 409p.

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2.3 Os neóf i t os chegam no Rio Gr ande do Sul

A introdução da Maçonar ia em solo gaúcho ocorrerá somente a

part i r da década de 1830, ou seja, cerca de t rês décadas após a fundação

da pr imeira loja regular no país.

Segundo Colussi , o atraso da inserção do movimento maçônico no

estado deve-se dentre outros fatores, às caracter íst i cas do espaço

geográf ico l igado ao mi l i tar ismo, o isolamento dos centros decisór ios e a

sua incorporação tardia ao terri tório nacional, mas “ sobretudo o atraso

cul tural que determinou a chegada tardia da maçonar ia em terras

gaúchas.” 28

Segundo a histor iadora, a pr imeira loja maçônica regular fundada

no Rio Grande do Sul foi a Loja Fi lantropia e L iberdade, na capital no

ano de 1831, f i l iada pr imei ramente em sua fundação pelo Grande Or iente

do Passeio mas logo em seguida sobre os auspícios do Grande Or iente do

Brasi l .29

Durante a Revolução Farroupi lha, conf l i to entre os produtores de

charque gaúcho e o I mpér io ocasionado pelo bai xo preço do produto

importado, toma feições republ icanas e revolucionár ias, fazendo com que

a maçonar ia abr isse os seus templos para a discussão das idéias em voga

na época e a grande admissão de chef es revolucionár ios ao quadros

maçônicos30.

Mas ainda nebulosa a ação da maçonar ia durante este per íodo,

visto ser um momento de conf l i to de armas ocasionando a ausencia de

documentos maçônicos do momento, mas a sua part icipação é

representada por outros indícios, como sal ienta Colussi :

28 COLUSSI, Eliane Lucia. A maçonaria gaúcha no século XIX. Passo Fundo: Ediupf, pág 186. 29 COLUSSI, Eliane Lucia. A maçonaria gaúcha no século XIX. Passo Fundo: Ediupf, pág 188. 30 Entre os chefes revolucionários estão Bento Gonçalves, David Canabarro, Bento Manuel Ribeiro, Giuseppe Garibaldi entre outros.

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A l iás, a ausência de comprovação de at i vi dades maçônicas no estado durante a f ase f arroupi l ha susci tou, por parte da histor i ograf ia que tratou da questão, outros i ndíci os comprobatór i os que poder iam relaci onar a maçonar ia à revolução gaúcha. A l i nguagem dos decretos, as expressões maçôni cas ut i l i zadas nos documentos, a i nclusão de símbol os maçônicos no brasão de armas f arroupi l has ser iam el ementos i nquesti onávei s deste víncul o.31

Também sabe-se que a iniciação da maioria dos revolucionár ios

farroupi l has deu-se durante a própr ia revolução, o que indica que no

per íodo do conf l i to que a inst i tuição cresceu e di fundiu seu ideár io no

seio dos chefes farrapos.

Mas essa maçonar ia ainda incipiente32 na durante o conf l i to, toma

forma e força no f inal do século X I X , mai s precisamente em 1893, com a

fundação do Grande Or iente do Rio Grande do Sul, tendo a Loja

Progresso da Humanidade tomado frente à cisão ao Grande Or iente do

Brasi l , juntamente com as Lojas Luz e Ordem e Luz e Progresso. A

forma de como se desencadeou a sua fundação não é consenso entre os

dois pr incipais maçonólogos acadêmicos gaúchos, Luiz Eugênio Véscio e

El iane Colussi .

Segundo Véscio, a fundação do GORGS é ref lexo do jogo pol ít i co

do PRR – Part ido Republ icano Riograndense, para ampl iar seu espaço na

sociedade t ransformando a inst i tuição em braço pol ít i co e cl ientel íst i co

entre os seus f i l iados e o governo.

O projeto cast i lhista/borgista baseado em diretr izes posi t i v istas de

Auguste Comte, t inha em seu projeto governamental , como pr incipal o

desenvolv imento urbano, não alcançando ampla acei tação pr incipalmente

31 COLUSSI, Eliane Lucia. A maçonaria gaúcha no século XIX. Passo Fundo: Ediupf, pág 196. 32 Nos referimos como incipiente devido ao seu funcionamento e organização neste período não obedecessem as normas impostas pelas Constituições de Anderson, que só acontecerá com o reestabelecimento da paz.

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em regiões l igadas economicamente ao campo, local izadas na região sul

e da campanha, locais onde a maçonar ia t inha se consol idado sobre os

auspícios do Grande Or iente do Brasi l .

Assim, a fundação do GORGS no ano de 1893, em meio a

Revolução Federal ista(1893-1895), é expl icada por Véscio da seguinte

forma:

A cr iação de uma potência maçôni ca autônoma no Ri o Grande do Sul pode também se expl i cada pela hábi l manobra empreendi da por Júl i o de Casti l hos, que tratou de preveni r-se contra uma art i culação de Si l vei ra M art ins e dos l i berais, através do Grande Ori ente do Brasi l , uma vez que o senador t i nha laços f or tes na M açonar ia do Ri o de Janei ro, tendo si do, i nclusi ve, Grão-M estre do Grande Ori ente Brasi l ei ro em 1883.33

Véscio também sal ienta a composição da diretoria da nova

potência eram de grande maior ia f i l iados ao PRR, sendo o sucessor de

Júl io Cast i lhos, o pol ít i co Antônio Borges de Medei ros também iniciado

à ordem. Através de uma vasta pesquisa documental , V éscio aponta que

após o momento do conf l i to, o GORGS tornou-se um dos pr incipai s

sustentáculos do governo do PRR, ocupando o papel dos ant igos coronéi s

do I mpér io, assist indo seus f i l iados através de favores assistenciai s

cl ientel i stas.

Colussi não descarta uma possível relação com o PRR, mas atr ibui

a fundação do Grande Or iente do Rio Grande do Sul ao movimento

federal ista maçônico que tomava força em todo o país, impulsionado pelo

advento da Repúbl ica de 1889. O movimento federal ista teve como ponto

inicial , a fundação do Grande Or iente de São Paulo como a pr imei ra

33 V ÉSCI O, L ui z Eugêni o. O cr i me do padr e Sór i o : M açonar i a e I gr ej a Cat ól i ca no Ri o Gr ande do Sul 1893- 1928. Sant a M ar i a: Edi t or aUFSM ; Por t o A l egr e: Ed. da UFRGS, 2001. pág, 123.

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obediência estadual autônoma, sendo seguido após pelos estados de

M inas Gerais e Rio Grande do Sul..34

A historiadora destaca que a ruptura das l ojas r iograndenses com o

poder central brasi lei ro deu-se pela indi ferença do GOB pelos maçons

gaúchos que atravessavam as mazelas da Revolução Federal ista, a guerra

civ i l mais sangrenta do país e que fora marcada pela crueldade das

degolas.

O discurso da i ndi ferença quanto a si tuação da guerra e a

necessidade da fundação do Oriente autônomo gaúcho também pode ser

visto nas páginas de O Del ta, em matér ia relat iva as homenagens aos 25

anos da I nst i tuição, aprovei tando para t razer em anexo as atas de

fundação e mani festos do Grande Or iente do Rio Grande do Sul 35.

É certo que a part i r da fundação do Grande Or iente do Rio Grande

do Sul, a maçonar ia gaúcha toma impulso e feições própr ias, ai nda que

considerada como espúr ia pelo Grande Or iente do Brasi l , toma força a

ponto de em 1898 ter 56 lojas f i l iadas36 e em 1902 ser reconhecida como

regular por quase todas as potências do orbe37, t ransformando na maior

obediência do Rio Grande do Sul até os dias de hoje.

34 COLUSSI, Eliane Lucia. A maçonaria gaúcha no século XIX. Passo Fundo: Ediupf, pág 242. 35 O Delta, Ano II, Junho/1918. Nº 12, p. 273. 36 COLUSSI, Eliane Lucia. A maçonaria gaúcha no século XIX. Passo Fundo: Ediupf, pág 260. 37 COLUSSI, Eliane Lucia. A maçonaria gaúcha no século XIX. Passo Fundo: Ediupf, pág. 253

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3. M A ÇONA RI A , I GREJA E EDUCA ÇÃ O

3.1 M açonar i a v er su s I gr ej a Cat ól i ca

A M açonar ia não ateou a f oguei ra que carbonisou João Huss, nem as que quei maram M i guel Servet, Gi ordano Bruno e mi l hares de outros i nnocentes; não at i rou Gal i l eu para o f undo de um calabouço; não estrangul ou Estevão Dodet, nem arrancou as entranhas de Pedro Ramus, arrastando-as pelas ruas; não arrancou a l íngua a Vani ni , nem i ncendi ou o mundo com as f oguei ras mal dictas da I nquisi ção. I sso tudo f oi obra do cathol i ci smo e contra tudo i sso revol taram-se e bateram-se os f i l hos de Hi ram.38

D’ O Del ta, M ai o de 1919 da EV.

No capít ul o ant er i or f al amos rapi dament e dos pr i mei ros

ent raves ent re a I grej a Cat ól i ca e a M açonar i a ai nda no sécul o

X V I I I . O ger me do conf l i t o nasce a par t i r da perda de espaço da

I grej a Cat ól i ca em conseqüênci a da Const i t ui ção de A nderson. Em

um per íodo onde a mor al , os cost umes e as i nst i t ui ções er am

cont rol adas pelo V at i cano, a per da de seu espaço dent ro da

maçonar i a f ora v i st a com preocupação, j á que é nest e moment o que

a maçonar i a perde seu carát er de Corporação de Of íci o par a t ornar -

38 O Delta, Ano III, Maio/1919. Nº 11, p. 222.

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se um espaço dest i nado à di scussão, soci al i zação e de

i nt el ect ual i zação de seus membros.

A f ei ção tomada pel a maçonar i a a par t i r de sua chegada na

A mér i ca L at i na, sob o peso da ver t ent e européi a l i beral ,

revoluci onár i a e i l umi ni st a, t raz em seu i deár i o e di scurso o peso

de concei t os como raci onal i smo, l ai c i smo, ci ent i f i ci smo ent re

out ros l i gados a dout r i na das l uzes. Todos esses concei t os ent ram

di r et ament e no embat e ent re a i nst i t ui ção e a I grej a Cat ól i ca,

t ransf or mando o per i ódi co maçôni co gaúcho como voz pr i nci pal

di f usora de suas i déi as.

Nest e per íodo, o chef e da I grej a no est ado era Dom João

Becker , conheci do por sua post ura conser vadora baseada em

di r et r i zes ul t ramont anas, e por consegui r organi zar e consol i dar o

cat ol i ci smo no Rio Gr ande do Sul . A l ém di sso, com o seu proj et o

educaci onal a I grej a t omava f or ça e expr essão no i nt er i or do

est ado, assi m como prest ígi o por par t e dos gover nant es do est ado.39

O Del t a durant e a sua ex i st ênci a t rouxe em pr at i cament e em

todas as edi ções not íc i as rel at i vas à rel i g i ão, consi derado o

cl er i cal i smo como reaci onár i o e ret rógrado. Começando l ent ament e

as cr ít i cas brandas no pr i mei ro moment o, l ogo exacer bando de

manei r a of ensi va e at i va, at acando não soment e ao cl ero, mas os

dogmas cat ól i cos t ambém, cont i nuament e sal i ent ando a di ssonânci a

ent re a f é cat ól i ca e o mundo at ual .

A pr i mei r a not íci a r el at i va à rel i g i ão aparece na segunda

edi ção da rev i st a ai nda em 1916, onde reproduz um di scur so

real i zado na L oj a Or i ent ação de Por to A l egre, onde o orador

procura expressar sua concepção de rel i g i ão e sua f i nal i dade como

t al :

39 ISAÍA, Artur Cesar. Catolicismo e Autoritarismo no Rio Grande do Sul. Porto Alegre: Edipucs, 1998.

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A maçonar ia sabe que as di f erentes rel i gi ões ex istentes no mundo são necessi dades sociais; necessi dades do espír i to humano, que busca um mei o de mani f estar o seu tr i buto de grat i dão para com o autor de todas as cousas e o f az por estes di versos mei os, segundo o grau evol ut i vo ou a capaci dade mental de cada i ndi vi duo, de cada povo, de cada raça.40

Não at acando di ret ament e o cat ol i c i smo como f é, at r i bui ndo

ás di f er ent es r el i gi ões f or mas adver sas de ent ender Deus, di z que a

M açonar i a não t em nada cont ra à qual quer rel i gi ão, apenas t em

como i nt ui t o e o dever de combat er a hi pocr i si a do f al so sacerdot e,

a venda de gr aças espi r i t uai s, a prece paga, a at r i bui ção de perdoar

pecados, o f anat i smo que beat i f i ca a consci ênci a e o abuso de t oda

e qual quer rel i g i ão.

Sem ci t ar a r el i gi ão cat ól i ca, o di scurso nas ent rel i nhas é

vol t ado di r et ament e para Roma, poi s eram prát i cas comuns do cl ero

cat ól i co as at r i bui ções expressas no t ext o. No di scurso

reproduzi do, t ambém most ra a admi ração que a M açonar i a t em

aquel e que verdadei ro sacerdot e, que pr ega a dout r i na do

cruci f i cado, com j ust i ça e ver dade.

O pr i mei ro at aque f ront al à I grej a Cat ól i ca no O Del t a

aparece na quar t a edi ção da rev i st a, em um ar t i go i nt i t u l ado

M açonar i a41, i ni c i ando com a exal t ação das qual i dades da mesma e

l ogo i nvest i ndo cr ít i cas ao cl ero, desment i do o supost o at eísmo

maçôni co ger al ment e di vul gado pelos sacerdot es cat ól i cos.

Desmerecendo o of íc i o do cl ero, di z que qual quer sacrament o, f ei t o

por um homem de f é t em t ant o val or quant o de um padre, poi s

todos os homens, na i gual dade per ant e Deus, det ém o poder de

conceder os sacr ament os.

Também encont ramos mui t as not íc i as sobre at i t udes

i r regul ar es t omadas pel a I grej a, como o caso da per mi ssão da uni ão

mat r i moni al ent re parent es resol v i da por t axas, concedi am a

40 O Delta, Ano I, Agosto/1916. Nº 02, p. 18. 41 O Delta, Ano I, Outubro/1916. Nº 04, p. 49

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aut or i zação, que na v i são da r ev i st a era mai s uma das hi pocr i si as

asseguradas da I grej a. T er mi na o ar t i go, sal i ent ando o preconcei t o

cat ól i co di ant e das di f er enças rel i gi osas:

A M açonar ia não tem rancores, a M açonar ia não tem casti gos para os que morrem, a M açonar ia não f az di f f erença entre os que morrem de morte natural e os que procuram por suas mãos, a M açonar ia emf i m não tem códi go cr i mi nal para despoj os mortaes.42

É usual no decor rer dos ar t i gos à i nvest i da à I grej a, a

exal t ação da M açonar i a como l i ber t adora da consci ênci a, que

at ravés del a os homens poderão l i ber t ar -se das gar ras do

preconcei t o, da i gnorânci a e do obscurant i smo i mpost o pelo

cat ol i ci smo romano. Segundo o j ornal , at ravés da maçonar i a é

possível al cançar a pl ena l i berdade de consci ênci a, j á que os

própr i os maçons consi deram a i nst i t ui ção como “ Uni ver si dade de

A r t e Real e de Sci enci as Physi cas e et hi cas” . 43

Ret rat ando sempr e o cl ero como ardi l oso e sor rat ei ro, f al a

que a ação do papado sobre a soci edade é t amanha que f az- se

duv i dar de “ t udo que não l he est ej a chei r ando a i ncenso” 44. D i z

que as ar t i manhas prof essadas pelos senhores de bat i na conheci das

pelos espír i t os adi ant ados deve ser repel i da ao bem dos f racos. É aí

que encont ramos o est andar t e do di scurso maçôni co, assumi ndo o

papel de por t a-voz da verdade e represent ant e de uma parcel a

el i t i st a da soci edade, sendo dever do maçom aj udar , amparar e

t razer l uz aos mai s f r acos, di ant e do obscurant i smo i mpost o pela

I grej a.

Uma coluna sob o t i t ul o “ Car t as Conf i denci aes” publ i cada em

di ver sos números da rev i st a, at acava di r et ament e al gumas

42 O Delta, Ano I, Outubro/1916. Nº 04, p. 50. 43 O Delta, Ano I, Novembro/1916. N Y 5, p. 53. 44 O Delta, Ano I, Janeiro/1917. Nº 07, p. 102.

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personal i dades per t encent es ao cl ero cat ól i co gaúcho. A pr i mei r a,

di r i g i da ao pároco do Rosár i o, f al a que o v i gár i o passou a chef e da

I grej a Cat ól i ca do Rio Grande do Sul , desempenhando

acumul at i vament e as f unções de procurador geral da Companhi a de

Jesus. O ref er i do novo chef e da I grej a é D. João Becker , f er voroso

adept o ao ul t ramont ani smo e que ser á al vo de at aques per manent es

à sua pessoa pelo O Del ta, dev i do ao seu repúdio decl ar ado à

M açonar i a. 45

Em “ Um pl ági o do sr . D. João Becker ” 46, um panf l et o

di st r i buído em Por to A l egre e reproduzi do na rev i st a, ref er e-se à

nona car t a past oral em comemoração ao j ubi l eu sacerdot al do

arcebi spo met ropol i t ano, onde rel at a-se que dos 24 capít ul os da

car t a past oral , dedi ca 16 del es à arqui t et ura e apenas oi t o “ a coi sas

mai s ou menos espi r i t uaes, de manei r a que a gent e t em i mpressão

de est ar ant es a t rat ar com um const ruct or do que com um

arcebi spo.” 47 A r ev i st a al er t a que t al i nt eresse sobre arqui t et ura

vem para a preparação dos f i éi s para a const rução da nova cat edral

met ropol i t ana de Por t o A l egre.

M as a rev i st a sal i ent a que, al ém di sso, o bi spo pl agiou para a

sua car t a past oral t rechos da obra de L amar t i ne48, t razendo nas

pági nas de O Del ta par ágraf os e f r ases t ranscr i t as da car t a e ao

l ado, t rechos de L amar t i ne em l íngua f rancesa, denunci ando e

demonst rando aos l ei t ores o pl ági o do bi spo.

Exal t ando os val or es ensi nados por Cr i st o como o amor , o

perdão, a car i dade e a compai xão, di z que a I grej a nada di sso o f az,

mas exerce o oposto da dout r i na cr i st ã:

Emf i m, em face do i nteresse mater ial da i greja despreza-se tudo quanto ensi na o Evangel ho e prega-se o que i nst i tuiu o syl labus, que é a menti ra, a corrupção e o

45 O Delta, Ano I, Janeiro/1917. Nº 07, p. 105. 46 O Delta, Ano VI, Outubro/1921. Nº 04, p. 103 47 O Delta, Ano VI, Outubro/1921. Nº 04, p. 103 48 Escritor francês (1790-1869)

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mai or ul trage aos puros ensi namentos pregados pel o grande i ni ciado que f oi Jesus Chr i sto” .49

A l ém de most rar a I gr ej a como al hei a aos verdadei ros val ores

cr i st ãos, ar rebat a o Sy l l abus50 em sua cr ít i ca, t er mi nando por

exal t ar Cr i st o como um grande e ver dadei ro neóf i t o, t razendo ao

l ei t or a i magem de uma maçonar i a compromet i da com os pr i ncípi os

de verdade e j ust i ça.

A t é mesmo a ser vent i a do cl ero para a execução de

sacrament os é di scut i da no per i ódi co, como em um ar t i go ref er ent e

à encomendação maçôni ca em conseqüênci a da mor t e de um

i nf l uent e maçom por t o-al egrense, José d’ Ol i vei r a M arques.

A l egando a i gual dade ex i st ent e ent re t odos os homens perant e

Deus, o ar t i go f al a que como qual quer out ra prof i ssão, não é

preci so f or mação t eológi ca para a sacr ament ação de qual quer

pessoa, poi s:

...qual quer homem poder f azer a encommendação de um corpo, com o mesmo val or , com mais provei to, com mais si ncer i dade que o f az a egreja, por que i sso não é um pr i vi l égi o, é um acto de competência.51

Sendo uma pr át i ca comum nest e per íodo a negação de

sepul t ament o ou de sacrament os pelo cl ero cat ól i co aos i ni c i ados

na M açonar i a, o j or nal i gual a e desmerece o of íc i o dos padres. O

assunt o vem à t ona i mpul si onado ai nda pel a edi ção ant er i or a est a,

onde r el at a com i ndi gnação a negação de um padr e da ci dade

Taquar i de real i zar o r i t ual de encomendação de uma mul her ao

saber não era casada na rel i g i ão romana.52

49 O Delta, Ano I, Janeiro/1917. Nº 07, p. 105. 50 Documento papal que estabelece os ideais espirituais da Igreja. 51 O Delta, Ano I, Fevereiro/1917. Nº 08, p. 117. 52 O Delta, Ano I, Janeiro/1917. Nº 07, p. 112.

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A col una “ Car t as Conf i denci aes” de f everei ro de 1917, t raz a

cr ít i ca sobre uma not íci a v i ncul ada no j or nal cat ó l i co

“ A ct ual i dade” , que not i c i ou e condenou o sui cídi o de um j ovem

que ar r emet eu- se doi s t i ros na cabeça. D i zendo que os escr i t ores do

j or nal ao condenar e desr espei t ar a memór i a do at orment ado moço,

est ão esquecendo e repudi ando os subl i mes ensi nament os de Cr i st o,

e que um sui ci da sempre é um doent e ou obsedado. A provei t a O

Del ta e reproduz a not íci a do j ornal A Noi t e, de A l agoas, onde

di scor re sobre a t ent at i va de sui cídi o de um padr e com t rês

punhal adas no pei t o di rei t o, f i cando em est ado grave. No f i nal do

ar t i go, pergunt a- se ao arcebi spo por toalegrense como f i cará esse

sacerdot e perant e a sua I grej a. 53

A l ém de t ext os e ar t i gos cr i t i cando di r et ament e a ação do

cl ero cat ól i co, encont ramos nas pági nas do per i ódi co passat empos e

poemas di r eci onados à I grej a Romana e suas i nst i t u i ções,

geral ment e com humor t ocado pel a i roni a e ci ni smo, como pode ser

v i st o em um rel at i vo à const rução da Cat edral M et ropol i t ana

i nt i t ul ado “ Rumo ao f ut uro” :

- M amãe, o que é o abr igo nocturno? - É um casarão que estão construi ndo junto ao paláci o do governo meu f i l ho. - Aqui l l o não é a Cathedral ? - Não, meu f i l ho, a Cathedral vae ser f ei ta pela I ntendência quando sobrar di nhei ro para as cousas do céu; aqui l l o é do povo. - Não l he entendo! ... - Entender-me-as d’ aqui a dez anos quando a Cathedral est i ver prompta.54

Também vár i os poemas onde o al vo era a Companhi a de

Jesus, como podemos ver no poema i nt i t ul ado “ Cal embour ” de

aut or i a de Guer ra Junquei ro:

53 O Delta, Ano I, Fevereiro/1917. Nº 08, p. 121. 54 O Delta, Ano IX, Agosto e Setembro/1925. Nº 05 e 06, p. 48

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Ó Jesuítas, vós sois d’ um faro tão astuto, Tendes tal corrupção e tal vel har ia, Que é tal corrupção e tal vel hacar ia, Que é i ncr ível até que o f i l ho de M aria Não seja i nda vel haco e não seja corrupto, Andando há tanto tempo em tão má companhi a.55

Sendo consi der ada como arqui i ni mi ga da maçonar i a, a

Companhi a de Jesus sempre f or a v i st a como a congr egação mai s

per i gosa da I gr ej a Cat ól i ca, dev i do a sua par t i ci pação i nf l uent e em

gover nos e na f or mação educaci onal , mui t as vezes sendo usual o

t er mo j esuít a par a se r ef er i r ao cl ero cat ól i co em geral .

A i nda na mesma edi ção, a col una “ Car t as Conf i denci aes” , ao

f al ar sobre o l ançament o de um l i v ro escr i t o por um maçom sob o

t ít ul o “ Cronologi a da H i st ór i a Riograndense” , f az propaganda

ressal t ando da i mpor t ânci a da adoção dest e l i v ro em cont rapont o a

monopol i zação do ensi no pelo j esui t i smo, j unt ament e com o

descaso do poder públ i co à si t uação. D i z que a congregação que j á

f ora expul sa de vár i os países mai s ci v i l i zados, ai nda per manece em

nosso país, e os assecl as de L oyol a agem “ a sombra da nossa

excessi va t ol erânci a” 56. No ar t i go “ Já é t empo” , dest aca-se a

ref or ma pombal i na que expul sou os j esuít as de Por t ugal , que eram

donos da educação e t i nham ent rada l i vr e no gover no por t uguês,

mas f or am bani dos do país dev i do ao at raso por el es

proporci onados, rei t erando a necessi dade de t i r ar a educação das

mãos dos j esuít as. 57

Depoi s do v i gár i o da Sant a Casa at acar e condenar a

M açonar i a como per i gosa e i ndi gna em um ser mão, a col una

“ Car t as Conf i denci aes” do mês de mai o de 1917 exal t a a f i gura de

D. Sebast i ão L arangei ra, di zendo que el e não sendo j esuít a, nem

55 O Delta, Ano I, Março/1917. Nº 09, p. 142. 56 O Delta, Ano I, Fevereiro/1917. Nº 08, p. 144. 57 O Delta, Ano I, Junho/1917. Nº 12, p. 181.

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mesmo est rangei ro, t i nha val or mor al pel as v i r t udes e t al ent os. Um

di a mal aconsel hado, di z que o bi spo l ançou-se na l ut a cont ra a

M açonar i a, mas se v i u obr i gado a recuar para j amai s f azer

ref erenci a à Ordem M açôni ca.

Duv i dando da nacional i dade de D. João Becker , d i z que o

arcebi spo j unt ament e com seus prosél i t os est rangei ros são

per ni c i osos, e que el e f ez da Sant a Casa uma dependênci a do

arcebi spado, i nt er cedendo nos dest i nos da i nst i t ui ção, desv i r t uando

a ação benef i cent e da i nst i t ui ção que é apoi ada pel a maçonar i a e

por vár i os maçons por cont a própr i a. 58

A r el ação da Sant a Casa com a I grej a aparecer i a doi s anos

depoi s novament e, em o “ Hospi t al Rel i g i oso” onde i ndi gnadament e

f al a- se sobre o par ecer do j ornal O Cor rei o do Povo que decl arou

que o hospi t al era uma i nst i t ui ção rel i g i osa. Denunci ando que os

paci ent es que não comungavam eram mal t rat ados, O Del t a cl ama

que t al hospi t al f o i const ruído e mant i do pelo Est ado com di nhei ro

públ i co, por t ant o dever i a ser l ei go. D i z ai nda que Por to A l egre,

por abr i gar t ant as pessoas dos mai s di f erent es credos ou mesmo

i r rel i gi osos, acena uma urgent e necessi dade de um hospi t al

tot al ment e l ei go, “ do qual est i vessem bani das as mal f adadas

i nf l uênci as e pr ef erênci a sect ár i as.” 59

M ui t o bem v i nda f o i a not íc i a da abol i ção no M éx i co em

1917, do cul t o ext er no do cat ol i c i smo romano. Ent re a dest i t ui ção

do cl ero cat ól i co como f unci onár i os públ i cos, est e moment o v i st o

como gl or i oso pel a maçonar i a, i mpl i cava aos padres a proi bi ção do

uso de bat i nas no di a-a-di a, a proi bi ção de receber val or es por seus

ser v i ços rel i g i osos e a ext i nção da conf i ssão sob a pena de mor t e

para o padre que execut asse t al sacr ament o.60

Em 1926 vol t a o assunt o sobre a ref or ma da I grej a no

M éx i co, onde al ém de supr i mi r o cel i bat o, i nst i t ui u o cul t o em

58 O Delta, Ano I, Maio/1917. Nº 11, p. 171. 59 O Delta, Ano IV, Agosto/1919. Nº 02, p. 42. 60 O Delta, Ano II, Julho/1917. Nº 01, p. 20.

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l íngua espanhol a e admi ni st ração de sacrament os grat ui t ament e,

cr i ando a si t uação de os padres est rangei ros que não se suj ei t assem

às novas di r et r i zes, serem expul sos do t er r i t ór i o mex i cano. D i z que

t al at i t ude do gover no é gl or i osa par a o seu povo e para a l i v r e-

consci ênci a. 61 A di r et or i a do Grande Or i ent e do Ri o Gr ande do Sul ,

mandou um t el egr ama ao M i ni st ro pl eni pot enci ár i o do M éx i co

parabeni zando e se sol i dar i zando com a ação de l i ber t ar a

consci ênci a da “ per ni ci osa oppressão cl er i cal ” , pr i nci pal ent rave

do progresso dos povos cont emporâneos.

A r i xa ent re as duas i nst i t ui ções chegava ao pont o di scut i r a

f é at é mesmo dos consi der ados herói s f ar roupi l has. É o caso da

publ i cação de um l i v ro que f al ava que o Gener al Osór i o, maçom e

f ar r apo, que t er i a nos úl t i mos di as de sua v i da abj urado a

maçonar i a, mor rendo abraçado no cat ol i ci smo. O ar t i go, negando

t al a conversão, di z que é gol pe bai xo por par t e da i gr ej a se

ut i l i zar de uma f i gura t ão gl or i osa para se benef i c i ar , e aprovei t a

para sua a def esa as pal avras do f i l ho do Gen. Osór i o, o Dr .

Fer nando Osór i o t ambém f i l i ado à maçonar i a e que decl ar a que seu

pai nunca abj urou a Or dem, sendo cal uniosa a sua conver são

not i ci ada. 62

O conf l i t o da dual i dade em ser maçom e cat ól i co t ambém é

revel ado pel a r ev i st a, pr i nci pal ment e em not íci as rel at i vas à

negação de sacr ament os e encomendações por padres quando

descobr i am que o f i el era maçom. Por mai s que a maçonar i a

combat esse a ação cl er i cal na soci edade, di f i ci l ment e at acava f é

cat ól i ca, mas si m a I grej a sob o aspect o pol ít i co e comer ci al , como

f al amos ant er i or ment e.

Na pági na dest i nada à regi st ros, encont ramos a negação par a

a f amí l i a de uma mi ssa de f al eci mento ao I r∴ M ajor Cl ement i no

dos Sant os Croá. O ar t i go al er t a que t odo o maçom deve ser

consci ent e da pena de excomunhão di r i g i da pelo papa à t odos

61 O Delta, Ano X, Junho/1926. Nº 04, p. 82. 62 O Delta, Ano II, Setembro/1917. Nº 03, p. 57.

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per t encent es à Ordem, e al er t am aos f ami l i ar es dos maçons que

t enham cui dado ao pedi r qual quer ser v i ço da I grej a par a não

passarem por uma si t uação const rangedora. M esmo sendo pí f i a a

excomunhão l ançada pelo papa aos maçons, o ar t i go f al a que:

Os padres, recusando-se a rezar a mi ssa, f oram coherentes com o romanismo, si bem não procedessem chr i stãmente; a i ncoherencia esteve no lado da f amíl i a do nosso i rmão e, ref l examente, do lado del l e, o que mui to lamentamos.63

A responsabi l i dade do ocor r i do não f i ca soment e nas cost as

do cl ero, mas t ambém na f amí l i a do maçom f al eci do. Na

cont i nui dade, di scor re sob a ex i st ênci a de um r i t ual maçôni co,

denomi nado Pompa Fúnebre real i zado para a homenagem de i r mãos

f al eci dos, não necessi t ando f i car nas mãos do cl ero par a

homenagens póst umas. M ui t as vezes o sei o da f amí l i a do maçom

ent rava em conf l i t o, poi s a mai or i a das f amí l i as l i gadas à

maçonar i a eram cat ól i cas, f i cando pr i nci pal ment e a esposa mai s

suscet ível ao di scurso cat ól i co em r el ação à maçonar i a.

Em um out ro caso, uma f amí l i a ao prest ar as homenagens de

um f ami l i ar maçom na I grej a, i mpedi u que os I I r∴ f i zessem seus

r i t uai s em homenagem ao f al eci do, sendo dur ament e cr i t i cado pel a

rev i st a, pedi ndo caut el a aos maçons de consci ênci as l i v res, par a

que dei xem as suas f amí l i as sobre-av i so de caso de mor t e, de não

f azer as homenagens póst umas dent r o da I grej a. A provei t a para

vol t ar a f al ar das i ncoer ênci as da I gr ej a, dev i do ao i mpedi ment o da

encomendação de um cat ól i co pelot ense por est ar excomungado

pelo bi spo. A rev i st a quest i ona como se pode f azer a encomendação

de um maçom, sobre o qual pesa a excomunhão de um papa.

Também encont ramos not íci as de si t uações pi t orescas

rel at adas nas pági nas do O Del t a envol vendo o cl ero e os seus f i éi s

63 O Delta, Ano II, Novembro/1917. Nº 05, p. 20.

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no i nt er i or do Rio Gr ande do Sul e no Brasi l . Como na edi ção de

Fever ei ro de 1918, na ci dade de Taquar i , um padr e ao bat i zar uma

cr i ança f rut o de uma uni ão apenas f ei t a na par t e ci v i l , pr essi ona os

cônj uges a aprovei t ar em o momento e t ambém casar em no

rel i gi oso. Sendo rej ei t ado pel os pai s da cr i ança, v i st o que os doi s

est avam l egi t i mament e mat r i moni ados conf or me det er mi nam as

l ei s, e que eram f el i zes e amavam-se mut uament e, di sser am ao

padre que era desnecessár i a qual quer out ra f or mal i dade.

Sob a i nsi st ênci a pl ena do sacerdot e, o casal acaba cedendo

às j ust i f i cat i vas e acei t a o casament o rel i gi oso, mas na condi ção

que não pagar i am nem sequer um t ost ão para a cel ebração. O padr e

não acei t ou a propost a de não receber , causando i ndi gnação dos

present es ao bat i zado, cr i ando f uror ao passo de os f i éi s quer erem

dar uma t unda no padre, i mpedi dos pelo própr i o pai da cr i ança a

ser bat i zada. 64

A busca da desmoral i zação do cl ero era const ant ement e na

rev i st a, como podemos presenci ar pel a not íci a i nt i t ul ada “ Um padr e

al egr e” 65 onde f al a de um padre de Pasos de l os L i bres na

A rgent i na, que no i nsucesso da f undação de uma escol a naquel a

l ocal i dade, optou por se empregar em um cabaret recém i nst al ado

em Uruguai ana como di r et or da orquest ra e pi ani st a, f azendo

presumi r que o padr e, ut i l i zava seu t empo de óci o da I grej a par a

ensai ar t angos cr i oul os e “ t wo-st eps” em al gum pi ano da

v i z i nhança da I gr ej a.

Chamando de embust ar i a papi st a, di ant e as pr et ensões

i nf al ívei s da I gr ej a, a benção de um t i me j uveni l da ci dade de

Cax i as é l evado com humor ao saber que o t i me perdeu o j ogo.

Pergunt a a r ev i st a de que val e a bênçãos prof er i das pelo cl ero,

sendo que de nada adi ant am, sob a possi bi l i dade ai nda de acar r et ar

i nf or t úni os aos abençoados, exempl i f i cados pel a l oucura de Car l ot a

64 O Delta, Ano II Fevereiro/1918. Nº 08, p. 175. 65 O Delta, Ano II, Fevereiro/1918. Nº 08, p. 190.

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Joaqui na e de out ros personagens na hi st ór i a que t i veram

i nf or t úni os com suas bênçãos. 66

Toda e qual quer not íci a sob o envol v i ment o de padr es em

casos pecul i ares t ambém era r eproduzi do pel a rev i st a,

pr i nci pal ment e quando se ref er i a a quest ões morai s. Em uma

v i agem de t rem, um passagei ro se deu cont a da f al t a de um val i se

cont endo v i nt e cont os de réi s, que ao dar -se cont a do f ur t o, av i sou

ao agent e de I t abi r a que o roubo t er i a si do prat i cado pelo padr e

companhei ro de v i agem que, ao ser det i do pel a pol íc i a de M ar i ana,

f o i encont rado consi go a val i se, porém com apenas qui nze cont os e

ci nqüent a mi l r éi s.

Buscava- se com assi dui dade al er t ar aos pai s e mar i dos do

desr espei t o e da i moral i dade do quadro catól i co em rel ação às

mul her es e cr i anças, rel at ando pr i nci pal ment e assédi os e maus

t ratos. Como o de uma meni na per t encent e à cl asse de um convent o

espanhol , que v i u pel a f echadura de uma por t a um padre e uma

i r mã “ em t rages mai s que l i gei ros” 67. A meni na cont ou as col egas e

i nf or mou ao f at o à super i or a. A si t uação const rangedora chegou

aos ouv i dos do seu pai , que ao procurá- l a na escol a encont rou-a

com a boca sangr ando, ocasionado por um cor t e na l íngua.

A r t i gos envol vendo quest ões rel i gi osas, dogmát i cas e

concei t uai s t ambém t i veram espaço reser vado na rev i st a.

Reproduzi ndo um di scur so f ei t o em sessão pelo I r∴ Paul i no

D i ami co, i nt i t ul ado “ Rel i gi ão ou Cl er i cal i smo” 68 compar a a r el ação

ent re os doi s concei t os. A l egando que o cl ero consegui u f undi r a

i déi a de repr esent ant es di r et os da Rel i gi ão, f azendo que as pal avr as

I grej a e Deus v i rassem si nôni mos. D i z que é er rôneo acr edi t ar que

a maçonar i a é cont ra a r el i gi ão em si , poi s el a l ut a é cont ra a ação

sor rat ei ra do cl er i cal i smo que abusa de sua condi ção pr i v i l egi ada

na soci edade. Sendo consi derado um dos pr i ncípi os da maçonar i a a

66 O Delta, Ano III, Abril/1919. Nº 10, p. 201. 67 O Delta, Ano IX, Novembro/1925. No.08, pág. 100 68 O Delta, Ano II, Junho/1918. No.12, pág. 265..

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l ut a cont ra a hi pocr i si a, o aut or rei t er a que os pedrei ros- l i v res são

si m i ni mi gos do cl ero.

Dahi , comprehende-se o manej o. Cada membro do cl ero, adi vi nha em cada maçon um i ni mi go e, para l i vrar-se del l e aos ol hos dos f i ei s da sua egreja, convence a esses da sua i greja; de que devem fugi r de maçons e de M açonar ia, que são, el l es, herej es e atheus e el la, obra do Demo.69

E mai s adi ant e def ende a M açonar i a e i mpi edosament e agr i de

o cl ero di zendo que:

Quando vos disserem que os maçons são i ni mi gos da rel i gião, di zei - l hes: ‘ Não! É f al so! Não são i ni mi gos da rel i gião: são i ni mi gos do conf essi onár i o, onde pol luís e i nfamaes a vi rgi ndade, onde transviaes a as matronas, onde pervertei s a i nfância. Os maçons respei tam e acatam todas as rel i gi ões, mas f azem profunda e radical di st i ncção entre REL IGI ÃO e CL ERO; entre o cul to rel i gi oso e ao expl oração cl er i cal ; entre a aspi ração si ncera para Deus e a venda, por di nhei ro, de um sacramento qual quer, cr i mi nosamente f ei ta.70

É nít i do nest es doi s pequenos t rechos, que a cr ít i ca est endi a-

se não soment e à cobrança de sacr ament os, mas t ambém a quest ões

mor ai s exer ci das pelos padr es e ao conf essi onár i o v i st o como um

cont rol e às massas. Também denúnci a a demoni zação à M açonar i a

pelo cl ero, comum nos j or nai s cat ól i cos e nas pregações nos

púl pi t os.

Em out ro ar t i go71, O Del ta col oca em dúv i da a ver aci dade do

Novo Test ament o, que sempr e est eve nas mãos da I grej a e por t ant o

suscet ível a mudanças opor t uni st as, j á que a veraci dade do V el ho

69 O Delta, Ano II, Maio/1918. No.11, pág. 243. 70 O Delta, Ano II, Maio/1918. No.11, pág. 244. 71 O Delta, Ano V, Setembro/1920. Nº 03, p. 63

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Test ament o é assegurado pelo povo j udeu. Também repara a cr i ação

e a acei t ação de sant os e már t i res, as l endas dos brev i ár i os e a

ex i st ênci a de rel íqui as, ref er i ndo com humor que em Por t ugal , f or a

achada t rês l ínguas de Sant o A nt ônio, e todas f oram consi der adas

rel íqui as l egi t i mas.

O cel i bat o i mpost o ao cl ero era al v o de reprovação pel os

maçons, sendo consi der ado um cr i me cont ra os sent i ment os mai s

puros e humanos e, aprovei t ando os desl i zes “ l i ber t i nos” dos

padres para demonst rar a repul sa pelo cer ceament o sexual .

T razendo a not íc i a que o ex- padr e José Demet r i o de M i randa, que

ao se apai xonar pel a ent ão f ut ura esposa, l argou a bat i na

t ransf or mando o epi sódio em caso de pol íci a, a pedi do do arcebi spo

que não acei t ou a at i t ude do padre. O Del ta pede par que os padres

que ai nda não est ej am “ af f ect i vament e est erel i zados” 72 si gam est e

exemplo.

O ar t i go i nt i t ul ado “ Porque abandono o Cl ero” , de aut or i a do

ex-padre José A nusz, ant i go v i gár i o de A raucár i a/PR, ref l et e sobr e

o cel i bat o e out ras quest ões que f i zeram sai r do sacerdóci o:

“ Depoi s de mui t o pensar e ref l ect i r , resol v i t ornar - me homem

compl et o, ci dadão que cumpr e t odos os seus deveres: - Casei - me.” 73

Expl i cando que o cel i bat o é um cr i me hor r ível i mpost o pel a

I grej a aos seus sacerdot es, di z que essa mut i l ação ser ve para que

Roma mant enha um maior domíni o sobre seus assecl as, t ornando-os

ser vos excl usi vos e separ ados do povo. V ai mai s l onge ao di zer que

o catol i ci smo não é rel i gi ão, mas si m um si st ema i mper i al i st a que

t em por f i m de domi nar o mundo.

Em out ra edi ção, reproduzi ndo uma car t a de um ex-padr e

por t enho, Fr ei El i as Sugi smundo, rel at a-se o porquê sai u do cl ero.

D i zendo que a moral ecl esi ást i ca é hi pócr i t a e que a l i t ur gi a é uma

i nf ame comédi a, o ex-padre at aca f ront al ment e o Sy l l abus que

segundo el e, é a negação da l i ber dade i ndi v i dual , at ravés da

72 O Delta, Ano II, Abril/1918. Nº 10, p. 233. 73 O Delta, Ano III, Outubro/1918. Nº 04, p. 75.

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conf i ssão que torna o padre deposi t ár i o das honras das f amí l i as,

por t ant o um mecani smo de domi nação. A l ém da avar eza, cr i t i ca o

l uxo e a i mor al i dade dos convent os, uma i ndecênci a que segundo o

ex- f r ei deve ser bani da. Ter mi na a car t a di zendo:

Em vista do exposto, renunci o ao meu mi ni stér i o e, ao abjurar os meus erros, quero dedi car-me ao trabalho honrado e recuperar, pel o exempl o, o tempo que perdi occupando-me de uma rel i gião que é a negação mais audaz e f unesta da l i berdade humana.74

A rev i st a, at rel ava o cel i bat o i mpost o a um cr i me cont ra a

nat ureza humana, passando da i magem dos padres adept os do

cel i bat o f orçado como homens l i ber t i nos e per i gosos, f rut o da sua

condi ção i mpost a pel as l ei s da I grej a. A l er t a par a que os maçons

nunca dei xem suas mul her es e suas f i l has sozi nhas j unt o aos

conf essi onár i os. A t ent at i va de passar a i magem de i moral i dade

ocasionada pelo cel i bat o pode ser v i st o em not íci as ref erent es a

abusos sexuai s comet i dos pel o cl ero.

Como o caso do padre T heodor Rocha, v i gár i o de Pet rópol i s,

que seduzi u e desonrou uma menor , f i l ha do dr . M ai a M ont ei ro,

di r et or do prot ocolo do M i ni st ér i o do Ext er i or . O i r mão da v ít i ma,

ao encont rar o padre, desf echou- l he c i nco t i ros de revol ver er rando

o al vo e per mi t i ndo a f uga do v i gár i o. A os l ei t ores de O Del ta f i ca

o av i so par a não dei xar suas f i l has e esposas sozi nhas j unt o ao

conf essi onár i o. 75

A t é mesmo si t uações semel hant es sucedi das f or a do país eram

edi t ados na rev i st a como na I t ál i a, onde f ora desmascarado um

padre, mai s conheci do como o Rasput i n i t al i ano, por t er seduzi do

vár i as mul heres da ar i st ocraci a l ocal . A cusado de homi cíd i o de um

super i or , o padre sedut or f o i preso e na sua cel a no most ei ro f ora

74 O Delta, Ano IV, Abril/1920. Nº 10, p. 221 75 O Delta, Ano V, Janeiro/1921. Nº 07, p. 157.

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encont rada maços de car t as de senhoras da ar i st ocraci a e chaves de

al gumas casas conheci das de Roma.76

Também di z i a o ar t i go que os most ei r os são desde os t empos

mai s remot os verdadei ros ant ro de bandi dos, ao i nvés de ser um

mananci al de paz e amor a Deus. E o cel i bat o f orça-os a t erem os

i nst i nt os mai s f or t es, comet endo cr i mes cont ra a f amí l i a e a

soci edade, t ornando urgent e a necessi dade de ext er mi nar “ t al

espéci e de f er as” 77 sobre a t er ra.

A Const i t ui ção da Repúbl i ca de 1889 t ornou o Brasi l um

Est ado l ei go, sem uma rel i g i ão of i c i al , cor t ando os v íncul os l egai s

com a I grej a Cat ól i ca mant i dos pelo padroado. M as ai nda na década

de 1920, podemos encont rar r i t uai s cat ól i cos dent ro de espaços sob

t ut el a do Est ado que dever i am ser l ei gos, denunci ados at ravés do O

Del ta como i l egai s e af ront adores da Const i t ui ção brasi l ei ra.

Em um ser mão real i zado na i gr ej a da Cruz dos M i l i t ares, no

Rio de Janei ro, um padre def ende que o poder mi l i t ar est á aci ma da

própr i a const i t ui ção af i r mando que:

. . .a Pát r i a não er a só o t er r i t ór i o que habi t amos: er a a t r adi ção, er a a l í ngua, er a a r el i gi ão; e que, por i sso, o sol dado dev i a def ender a r el i gi ão em punho. 78

Di zendo ser uma pr át i ca comum do cl ero para i nsuf l ar e

mant er o poder de mando, o per i ódi co consi der a abusi vo esse t i po

de compor t ament o v i ndo de uma i nst i t ui ção rel i gi osa. É i mpor t ant e

l embrar que os mi l i t ar es ai nda er am uma gr ande f or ça pol ít i ca no

per íodo, e na di nâmi ca do di scurso de que os mi l i t ares est ar i am

aci ma da const i t ui ção, f az crer no consent i ment o e apoio cl er i cal à

uma event ual revol ução/ gol pe por par t e dos mi l i t ar es.

76 O Delta, Ano V, Março/1921. Nº 09, p. 213. 77 O Delta, Ano V, Março/1921. Nº 09, p. 214. 78 O Delta, Ano II, Maio/1918. Nº 11, p. 254.

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Cont i nuament e a rev i st a passava a i magem ao l ei t or dos

abusos comet i dos como desesper adores e per i gosos, poi s o cl ero

at uava aci ma das l ei s do Est ado. A separação ent re Est ado e I grej a

não t eve i nf l uênci a na rel ação ent re as duas, na v i são da r ev i st a,

poi s o romani smo cont i nuava benef i ci ando-se as cust as do est ado

al ém da af ront a cont ra a const i t ui ção v i gent e.

Como nos most ra a not íc i a que l eva a i roni a do t ít ul o “ M ai s

val e t arde do que nunca” 79 onde apont a que só após cerca de t r i nt a

anos de regi me r epubl i cano é que os padres del i ber am não casar

pelo r el i gi oso sem ex i bi ção do at est ado de casament o ci v i l . Tendo

em v i st a que i sso dever i a ser usual desde o di a segui nt e à

Procl amação da Repúbl i ca, most ram que essa at i t ude de não acat ar

as l ei s ref l et e o espír i t o da I grej a em por t ar -se aci ma do Est ado.

É o producto das relações i l l i ci tas de uma Repúbl i ca para a qual não ex istem as rel i gi ões, com uma egreja que não reconhece o di rei to de ex istência dessa Republ i ca; de uma pseudo-democracia emancipada de preconcei tos rel i gi osos e que mantém um representante seu, um mi ni stro, j unto á Santa Sé, ao Santo Padre, com uma rel i gião que, pel o seu credo, pela sua estructura interna, reputa i l l egal , clandest i na, a existência dessa democracia; de uma repúbl i ca que restr i nge à consci ência o campo da rel i gião e da crença, com uma rel i gião que al i menta como aspi ração máxi ma enf ei xar em suas garras adunca o poder temporal e o poder espi r i tual ! 80

Na seqüênci a da rev i st a, a próx i ma manchet e t ambém cl ama

sobr e a ação cl er i cal dent ro do Estado, em uma cer i môni a de

benção à Bandei r a Nacional no moment o de ent regá- l a ao

est andar t e aos corpos de t ropa recent ement e cr i ados. Sendo a

Bandei ra a r epresent ação da Pát r i a e expressão máx i ma de seu

povo, ni nguém, nem mesmo o presi dent e da repúbl i ca pode

79 O Delta, Ano III, Agosto e Setembro/1918. Nº 02 e 03, p. 52. 80 O Delta, Ano III, Agosto e Setembro/1918. Nº 02 e 03, p. 53.

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submet ê- l a a cer i môni as rel i g i osas, sendo um desrespei t o à

Const i t ui ção da Repúbl i ca. 81

Na edi ção de out ubro de 1918, uma cer i môni a de um bat i smo

de um bat al hão pelot ense com o benepl áci t o do própr i o comandant e

é not i c i ado com revol t a como most ra o t recho abai xo:

Um batal hão é consti tuído de ci dadãos brasi l ei ros, os quaes não f i cam obr i gados a prof essar nenhuma rel i gião pel o f acto de estarem ao servi ço da pátr ia, tanto mais que a Const i tui ção garante a mais ampla l i berdade com relação a matér ia de f é rel i gi osa82

Cont i nua o t ext o f al ando que é i l íc i t a a per mi ssão do

comandant e em possi bi l i t ar a cer i môni a, poi s f ere a Const i t ui ção

que deve ser obedeci da por todos e, pr i nci pal ment e el e como um

def ensor da pát r i a. Pede que os poderes públ i cos t omem

prov i dênci as enérgi cas cont ra est e t i po de abuso nos at os of i c i ai s.

Not íci as ref er ent es à ação cl er i cal at ravés de cer i môni as como a de

bênçãos de espadas será comument e v i ncul adas à r ev i st a at é o f i nal

de sua ex i st ênci a.

Um proj et o que t rami t ava no senado que regul ar i zav a

casament o ent re col at erai s at é o t ercei ro grau é revel ado como um

pl ano pra f aci l i t ar o casament o de um f i l ho de um deput ado

paul i st a, sr . Erasmo A ssumpção. Sendo est e mui t o r i co e sua

sobr i nha t ambém, a uni ão ser i a uma r el ação de mi l hões i mpedi das

pelo Código Ci v i l , mas a f ut ura aprovação ser i a uma demonst ração

de como “ a mal eável cera do nosso Códi go Ci v i l se amol ga

docement e sob a pr essão dos habi l íssi mos dedos da egrej a.” 83 Com

i sso t ent a-se most rar a ação de pol ít i cos a f avor da I grej a quando

necessár i o.

81 O Delta, Ano III, Agosto e Setembro/1918. Nº 02 e 03, p. 53. 82 O Delta, Ano III, Outubro/1918. Nº 04, p. 69. 83 O Delta, Ano IV, Julho/1919. Nº 01, p. 16.

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Também f o i v i st a com r epúdio a i nst i t ui ção como f er i ado

naci onal o di a 25 de dezembro, chamado na época de di a de Graças

a Deus, como most ra o t recho abai xo:

A att i tude assumi da pel os representantes r i o-grandenses na Câmara A l ta da Republ i ca em face do proj ecto ant i -republ i cano e ant i -const i tuci onal que estatue f er iado o dia 25 de Dezembro, dest i nado a render graças a Deus, pel os benef íci os f ei tos ao Brasi l , tem todo nosso apoi o e a nossa f ranca sol i dar i edade. Não se comprehende que em f ranco regi men democrát i co e republ i cano, como adoptado em nossa Pátr ia, onde a I greja nada te que vêr com o Estado, pretenda-se tão extraordi nár i o absurdo84

No t ext o são i nvocados t odos os val ores republ i canos e

const i t uci onai s, chamando de i ncoerent es os pol ít i cos que

per mi t i ram que o di a f osse i nst i t uído. No Est ado l ei go, não

soment e dei xa de ex i st i r uma rel i g i ão of i ci al , mas consi dera t odas

rel i gi ões e t odos os cul t os f enômenos que l he são est ranhos, desde

que não per t ur bem a ordem públ i ca. A i nda di z que é coerent e aos

cat ól i cos t er o di a do nasci ment o de Cr i st o reser vado para o seu

cul t o, mas é i nj ust o est ender a t odos os brasi l ei ros de out ras

rel i gi ões um f er i ado aquém de suas cr enças. Na mesma edi ção um

ar t i go i nt i t ul ado “ A l er t a! ” 85 cont i nua a di scussão sobre a

i nst i t ui ção do f er i ado, di zendo que os “ j esuít as de casaca” se

i nf i l t raram na admi ni st r ação brasi l ei ra, adver t i ndo à t odos que

f i quem al er t a às manobras cl er i cai s que est ão se ef et uando dent ro

da soci edade brasi l ei ra.

Em f everei ro de 1921 O Del ta t raz a pr i mei ra not íci a rel at i v a

a const rução do Cr i st o Redent or no Ri o de Janei ro. Em homenagem

ao cent enár i o da I ndependênci a do país, surgi u a i déi a de er i g i r

uma i magem de Cr i st o no al t o do Pão de A çúcar . Se é a

i ndependênci a pol í t i ca que ser á comemorada, o per i ódi co al er t a que 84 O Delta, Ano V, Agosto/1920. Nº 02, p. 48. 85 O Delta, Ano V, Agosto/1920. Nº 02, p. 50.

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a “ l i berdade rel i gi osa e o Est ado l ei go são das mai s bel l as e

sagr adas conqui st as da moder na educação pol í t i ca do mundo” 86 ,

não t endo Cr i st o nada a ver com a i ndependênci a brasi l ei ra.

O Del t a em 1921 j á al er t a, mas é em dezembro de 1923 vem a

est rondosa not íci a sobre a vot ação da l i ber ação da ver ba para a

const rução do Cr i st o Redent or . I ni c i ando o ar t i go di zendo que a

B íbl i a da Repúbl i ca dos Est ados Uni dos do Brasi l é a Const i t ui ção

de 24 de f ever ei ro de 1891, pede aos senadores para que não vot em

na l i beração de 200:000$ r éi s par a aux i l i ar a edi f i cação do ídol o de

bronze no Corcovado, poi s t al obra é i nconst i t uci onal 87.

A expressão “ pref er i mos no gover no um ‘ cat hol i co’ cr i t er i oso

a um ‘ l i v re-pensador ’ mar i o l at ra e padresco” 88 demonst ra a

i ndi gnação da M açonar i a quant o aos del i t os const i t uci onai s

comet i dos pel os gover nant es a f avor da I grej a Cat ól i ca. D i z que de

nada bast a um l i v r e pensador no poder que cede aos anseios

cat ól i cos, sendo pref er ível est ar no poder um cat ól i co que sej a

cr i t er i oso em rel ação as l ei s. E ai nda quest i ona o gast o v i st o a

decadent e si t uação f i nancei ra que passa o Est ado e o povo

br asi l ei ro, di zendo:

Aos nossos patr íci os, em mul t i dões, que pedem pão, o pão da verdade, o pão da i nstrucção, o pão da verdade, o pão da i nstrucção, o pão do l i vro, é um sarcasmo of f erecer- l hes as pedras e o bronze de um custoso monumento. Rel i gião sem luz, sem i nstrucção, é superst i ção, é f anat i smo, é decadência.89

Por f i m, per gunt a-se se o Brasi l necessi t a de uma benção

papal que será promov i da j unt o à const rução do Cr i st o, poi s as

bênçãos mui t as vezes se t ransf or maram em mal di ções, e como

exemplo most ra di ver sos de bênçãos que não f unci onar am, como a 86 O Delta, Ano V, fevereiro/1921. Nº 08, p. 188. 87 A construção do Cristo Redentor iniciou em 1926, e foi inaugurado em outubro de 1931. 88 O Delta, Ano VIII, Novembro e Dezembro/1923. Nº 05 e 06, p. 82. 89 O Delta, Ano VIII, Fevereiro/1923. Nº 08, p. 136.

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do ex-presi dent e Campos Sal es, que quando abençoado at é a sua

t ercei r a ger ação, o seu i r mão f o i assi nado e el e vai ado e per segui do

at é dei xar a pr esi dênci a” 90.

Também f o i reproduzi da durant e ci nco edi ções da rev i st a o

di scurso do maçom e est adi st a Ruy Bar bosa, real i zado em uma

conf er ênci a no Grande Or i ent e Uni do do Brasi l em Jul ho de 1876

i nt i t ul ado “ A I grej a e o Est ado” .91

O pol ít i co, aber t ament e reconheci do pel as suas qual i dades de

maçom e ant i cl er i cal i st a, f o i not ado dent ro da maçonar i a pel as

campanhas de abol i ção e na cr i ação de t roncos de benef i cênci a,

at aca ao l ongo de seu di scur so os dogmas da i nf al i bi l i dade, da

condenação pont i f i c i al aos maçons, a quest ão rel i gi osa e a uni ão

ent re est ado e i gr ej a ai nda ex i st ent e em 1876.

O dogma da i nfal l i bi dade pont i f ícia não é senão a supremacia perenne, i ncontrovert ível , omnipotente do papa sobre a autor i dade temporal . Não é uma crença rel i gi osa, é um estratagema pol ít i co.92

O rest ant e do di scur so durant e as ci nco edi ções, f i ca em vol t a

da di scussão da rel ação ent re o Est ado brasi l ei ro e o V at i cano, que

segundo Ruy Bar bosa, deve ser separados e o Est ado t omar car át er

l ei go. M ost ra que os dogmas da I grej a não t em nada a ver com

cr i st i ani smo ou rel i gi ão, mas de um pl ano pol ít i co para domi nar ,

como expresso no t recho aci ma.

Também vem a t ona nas pági nas da rev i st a o embat e ent re o

maçom A nt oni no X av i er Ol i vei ra, maçom e presi dent e do Hospi t al

de Car i dade de Passo Fundo. O ent rave deu-se por cont a da sua

candi dat ura ao cargo de i nt endent e daquel a ci dade, l ogo repel i da

pelo cl ero l ocal em v i r t ude do candi dat o ser maçom “ e prof essar

90 O Delta, Ano VIII, Novembro e Dezembro/1923. Nº 05 e 06, p. 84. 91 O Delta, Ano VIII, Setembro e Outubro/1923. Nº 03 e 04, p. 60. 92 O Delta, Ano VIII, Setembro e Outubro/1923. Nº 03 e 04, p. 65.

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i déas r eput adas host i s aos pr i ncíp i os da egr ej a romana” e t er

rompi do como presi dent e do hospi t al como o v i gár i o da paróqui a.

A pr essão da maçonar i a em t orno do desl i gament o do Est ado

ao V at i cano pode ser v i sual i zado na repor t agem “ O decl íni o do

V at i cano” 93, onde not i ci a que al ém da ext i nção pr i mei rament e da

embai xada f rancesa94 j unt o ao est ado papal , f o i a vez da v i z i nha

A rgent i na aprovar na Câmar a dos deput ados uma emenda

orçament ár i a mandando suppr i mi r a represent ação j unt o ao

V at i cano. No Brasi l , em moment os que a câmar a se empenha em

reduzi r os gast os, di z que é mai s que j ust i f i cável a supressão da

embai xada j unt o ao V at i cano, mas sabe que os pol ít i cos br asi l ei ros

não o cederão, poi s em épocas de el ei ções, nenhum pol ít i co quer

perder os votos do cl ero.

Segui dament e nos mai s di ver sos ar t i gos encont ramos cr í t i cas

ao sacrament o da conf i ssão, consi derado um ar t i f íc i o para o

cont rol e papal para os seus f i éi s, abr i ndo a v i da e as quest ões

pessoai s ao conf essor , aquel e que conf essa f i ca a mercê pessoal do

padre. O sacr ament o da conf i ssão t ambém f oi arduament e cr i t i cado

pel a rev i st a, como abai xo,

O conf i ssi onár i o não é o tr i bunal da peni tência, mas a rol ha das delações que se archi vam para occasi ões propícias; e, enf i m, o centro de vi olação de todas as garantias i ndi vi duais.95

O combat e pelo cl ero er a nor mal ment e j ust i f i cado pel a l ut a

cont ra o f anat i smo e a exploração rel i gi osa, dev i dament e agar rado

no di scurso de que não é cont ra rel i gi ão sequer , poi s a maçonar i a

t em em seus quadros a grande maior i a adept a à rel i g i ão papal .

93 O Delta, Ano IX, Julho/1925. Nº 02, 03 e 04, p. 21 94 Em junho de 1921, O Delta noticia juntamente com a santificação de Joana d’Arc, a criação da embaixada francesa junto ao Vaticano, visto como vergonhoso a República das Luzes ceder aos caprichos papais. O Delta, Ano V, Junho/1921. Nº 12, p. 282. 95 O Delta, Ano III, Outubro/1918. Nº 04, p. 84.

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Em 1914 ao ecl odi r a Grande Guer ra européi a que penou os

povos host i s no conf l i t o, a rev i st a apr ovei t a o moment o para at acar

o ul t ramont ani smo, t razendo ar t i go em que denunci a a omi ssão e a

neut ral i dade da I grej a Cat ól i ca quant o a paci f i cação.96 V ai al ém ao

f al ar da neut ral i dade, di zendo que o papado est ava aprovei t ando-se

da penosa si t uação, poi s os padres cont i nuavam at uando

f i r mement e nos pai ses bel i ger ant es. Com a f ome e a mi sér i a,

f aci l ment e pode- se mant er o poder sobre as massas popul ares, e na

condi ção de est ar present e em t odos os países, acr edi t a que a I gr ej a

l ucrará com a si t uação i ndependent e do resul t ado da v i t ór i a.

É i nt eressant e not ar a par t i cul ar i dade da rev i st a em

aprovei t ar nas suas pági nas not íci as das mai s di ver sas que cor rem

pelo mundo ret i radas de out ros j ornai s, mas sempre l i gando em

quest ões rel at i vas à Ordem ou ao i deár i o maçôni co, em especi al o

combat e à I grej a.

O conser vador i smo da I grej a quant o ao novo t ambém er a

const ant ement e r el at ado na r ev i st a. T endo em v i st a as descober t as

ci ent i f i cas da época, di z que o cat ol i c i smo sempr e condenou o novo

sob o medo de perder seu espaço. Condenando ci ent i st as e

descobr i dores à séculos, di z que a rel i gi ão como out ras coi sas deve

se adapt ar ao seu t empo e as novas t eor i as, possi bi l i t ando chegar

cada di a mai s per t o de Deus.

É i nt eressant e not ar a aber t ura rel i gi osa ex i st ent e dent ro da

maçonar i a. M esmo combat endo a ação do cl ero cat ól i co, a grande

maior i a dos maçons br asi l ei ros prof essavam a f é romana. Como

uma soci edade que car rega um cosmopol i t i smo pecul i ar , onde r aça,

rel i gi ão e pol ít i ca são concei t os consi derados de f oro ínt i mo e

pessoal , possi bi l i t a a presença das mai s di ver sas rel i g i ões dent ro

das l o j as maçôni cas, f azendo que o j ornal t ambém abr i sse cr ít i cas

a out ras rel i g i ões al ém da cat ól i ca:

96 O Delta, Ano III, Abril/1919. Nº 10, p. 201.

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Obj ectam os i ni mi gos das rel i gi ões, baseando-se na f órma exter i or de cul to ou na i nterpretação l i teral das escr ipturas e dos symbol os. No Occi dente, então, os sectár i os de uma das duas rami f i cações do Chr i st ianismo, (Protestant i smo e Cathol i ci smo), f azem cr i t i cas severas das rel i gi ões or i entaes, esquecendo que a rel i gião que qual quer povo prof essa é sempre a adaptação dos mesmos pr i ncípi os que também são os pr incípi os do chr i st ianismo à índol e da col l ect i vi dade em que f oram prejudi cados.97

Como podemos ver nest e t recho, a def esa pel a l i berdade de

rel i gi ão e de cul t o most rava o respei t o à di versi dade rel i g i osa

mant i da pel a maçonar i a, ao decl arar que qual quer out ra rel i gi ão

or i ent al é t ão verdadei ra quant o as oci dent ai s, v i st o que uma

rel i gi ão é uma const rução e adapt ação de pr i ncípi os.

Out ro f enômeno i nt er essant e é o apoio da maçonar i a à out ras

rel i gi ões ai nda i nci pi ent es dent ro do Rio Grande do Sul . Podemos

presenci ar ai nda no f i nal do século X I X , a t ent at i va do GORGS

cr i ar el os próx i mos com os l ut eranos na regi ão do Rio dos Si nos, e

no começo do século X X apoio aos met odi st as e pr i nci pal ment e ao

mov i ment o espír i t a-kardeci st a que f ora mui t o bem acei t o aos

pedrei ros- l i v res gaúchos.

O começo do ano de 1920 f o i br i ndado com sob t ít ul o de

“ Para t rás, réprobos! ” , a t ranscr i ção de um f o l het o publ i cado e

di st r i buído em Pelot as. T razi a pr i mei r ament e uma not íci a publ i cada

na rev i st a Ver i tas, órgão da I grej a Cat ól i ca paranaense, onde

al er t ava- se ao f i éi s do per i go da l ei t ura de romances europeus,

acusando a maçonar i a de di f undi r os mesmos no Brasi l .

...o romance corrompe a i ntel l i gencia e o espír i to, porque ensi na a ment i ra em l ugar da real i dade, sobre os f actos e as doutr i nas; i nventa a histor ia, sobretudo a

97 O Delta, Ano IV, Dezembro/1919. Nº 06, p. 125.

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histor ia da Egreja, não segundo os documentos, mas conf orme a i magi nação do romancista.98

Segue o t ext o com o parecer de O Del ta, t razendo al guns

ar t i gos da Const i t ui ção M açôni ca ref erent es à cr ença em Deus, a

l i berdade de consci ênci a e a devoção a pát r i a, j á no i nt ui t o de

desment i r sua rel ação de subver si v i dade à ordem publ i ca como

expresso no j or nal cat ól i co. Como respost a, t ext o escr i t o cont i nua

at ravés das pal avras de um maçom sob o pseudôni mo de H i r am:

Todas as vossas producções são dest i nadas á perversão desta humani dade, já tão sobrecarregada de víci os e desmoral i zação! Parae nesse afan de destrui ção, por que os padres precisam de mul heres vi r tuosas! Escrevei somente obras que se ref i ram á egreja cathol i ca, aconsel hando a conf i ssão e a esmola aos santos! Arrependei -vos, enquanto é tempo, da vossa mal dade e i de aj oel har-vos aos pés dos castos sacerdotes, rogando a sua absol vi ção que vos será dada medi ante módi ca contr ibui ção! 99

Uma not íci a do j ornal ul t ramont ano A Uni ão100, do Rio de

Janei ro, acusa o Grande Or i ent e do Rio Grande do Sul de se al i ar

j unt o aos espír i t as e prot est ant es para at acar a I grej a Cat ól i ca.

D i zendo que o t r i unv i rat o age ocul t ament e, at ravés das

organi zações de apoio à l i v r e consci ênci a, à mul her e ao di vórci o,

al ém de se apoder ar de obras cat ól i cas, como a abol i ção à

escravat ura. Em respost a, di z que a maçonar i a gaúcha não est á

al i ada aos prot est ant es e espír i t as, e def ende a l egal i zação do

di vórci o por ser um di r ei t o que t odos devem t er , nada t endo i sso de

i moral . Sob a abol i ção, di z que est a é obra si m da maçonar i a, que

at ravés de seus t roncos de benef i cênci a e sua ação na pol ít i ca

at ravés de maçons i l ust res como Gaspar da Si l vei r a M ar t i ns.

98 O Delta, Ano IV, Fevereiro/1920. Nº 08, p. 166. 99 O Delta, Ano IV, Fevereiro/1920. Nº 08, p. 166. 100 O Delta, Ano V, Agosto/1920. Nº 02, p. 48.

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Na busca de uma l egi t i mação hi st ór i ca, a l ut a por espaço

mui t as vezes caía na const rução de mi t os pel as as duas

i nst i t ui ções, t ant o a I grej a quant o a M açonar i a buscaram se

i dent i f i car como propul sores de epi sódios hi st ór i cos brasi l ei ros.

A l ém da abol i ção, encont ramos not íci as r el at i vas à I ndependênci a,

quando um j or nal cat ó l i co101 di z que t al obra f o i f rut o excl usi vo da

I grej a, poi s que f ora o cl ero que a i nspi rou.

O Del ta responde em suas pági nas que a hi st ór i a não ment e e

por i sso t odos sabem do valor e da i mpor t ânci a v i t al da M açonar i a

durant e a I ndependênci a, segundo a rev i st a podendo ser

comprovados pel os mai s sér i os hi st or i adores do país, como Osór i o

Duque de Est rada102, que af i r ma que o ato f ora f rut o da ação da

M açonar i a.

No mesmo ar t i go, segue di zendo que vár i os sacerdot es,

i l ust res a pont o de i nspi r ar veneração e respei t o, t ambém

par t i ci param do processo da I ndependênci a, mas num moment o em

que “ o cl ero não se submet t i a à i nt o l er ânci a do romani smo” 103 e que

não enxergava i ncompat i bi l i dades com a maçonar i a.

Rel at i vo a i sso t ambém era a publ i cação usual de f r ases e

di t os de padr es e bi spos, f i l i ados ou si mpat i zant es que exal t avam a

M açonar i a como a f rase do bi spo Sebast i ão Pi nho do Rego:

Jesus Chr i sto i nst i tui a Car i dade. A M açonar ia apoderou-se del la e const i tui -a sua mestra. É sob seus auspíci os que não morre a sua esperança e se robustece a sua f é. Bemdi cta seja esta i rmã da i greja na vi r tude104

Durant e a ex i st ênci a da rev i st a encont ramos vár i as f rases e

pareceres de padr es, na mai or i a i ni c i ados nos segr edos da A r t e

101 O Exemplo, Outubro de 1922. falta fonte mais completa ...... 102 Imortal da Academia Brasileira de Letras e autor do Hino Nacional do Brasil. 103 O Delta, Ano VII, Outubro e Novembro/1922. Nº 04 e 05, p. 142 104 O Delta, Ano VI, Dezembro/1922 e Janeiro/1923. Nº 06 e 07, p. 167.

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Real e que exal t avam a maçonar i a, mas geral ment e f i guras

ant er i ores ao epi sódio da Quest ão Rel i gi osa.

A pr eocupação com a ação do cl ero no país f o i paut a em

vár i os Congressos de V ener ávei s das l o j as sob j ur i sdi ção do

Grande Or i ent e do Rio Gr ande do Sul . O Del t a obser va que ser á

di scut i do no segundo congr esso a ação cl er i cal no est ado e como

f azer par a f rei a- l a, sob o per i go da perda das conqui st as l i berai s

real i zadas em 1889 com o advent o da Repúbl i ca. 105

O mesmo assunt o será paut ado no t ercei ro congresso

real i zado 1922, onde al ém de del i berar a publ i cação para a

di st r i bui ção grat ui t a de obra ant i c l er i cal , e do amplo apoio par a o

desenvol v i ment o do ensi no l ei go no Est ado, ai nda ansei a que sej a

real i zado:

Campanha de reacção não só contra o ‘ cl er i cal i smo’ , como também contra toda i mprensa que l he seja sympati ca e f avorável , negando- l hes os maçons qual quer apoi o, mater ial ou moral .106

A ssi m, dev i do a perda de espaço cr escent e que a Grande

Or i ent e do Rio Grande do Sul enf r ent ava f rent e à soci edade gaúcha

para a I gr ej a Cat ól i ca, O Del ta ser v i u como por t a voz do f er renho e

cada vez mai s crescent e ant i c l er i cal i smo adot ado pel a maçonar i a

gaúcha, v i ncul ando em suas pági nas not íci as e ar t i gos que

exal t avam o i deár i o M açôni co at rel ado sempre a cr ít i ca ao

romani smo, pr i nci pal ment e no que di z a sua post ura na soci edade,

desmoral i zando o cl ero em assunt os rel at i vos ao f oro pessoal ,

j ur íd i co e at é mesmo dogmát i co.

105 O Delta, Ano V, Maio/1921. No.11, p. 253. 106 O Delta, Ano VI, Maio/1922. No.11, p. 269.

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3.2 O Del t a e o p r ogr ama educaci on al M açôn i co

Nada mais tr i ste e desolador do que o analphabet i smo. A nação em cuj o mei o el l e i mpera é retrógrada, sem vi da, sem esperanças e sem futuro. O analphabet i smo tudo nega, tudo corrompe, tudo degrada, tudo ani qui la, porque quer as trevas onde vi ve envol to no seu manto negro de um obscurant i smo torpe e revol tante.107

D’ O Del ta, Junho de 1919 da EV.

Durant e a per manênci a do PRR f rent e à admi ni st ração do Ri o

Grande do Sul , o proj et o gover nament al adot ado baseado em

di r et r i zes posi t i v i st as de A ugust e Comt e, or i ent ava que as escolas

t i vessem carát er neut ro no ensi no pr i már i o e i deológi co no

segundo. O ensi no pr i már i o dever i a ser of ereci do a t odos at ravés

do própr i o est ado, f i cando o secundár i o em aber t o para i nst i t ui ções

que o qui sessem ger i r . L ogo, a I grej a Cat ól i ca soube se benef i c i ar

da si t uação const rui ndo uma est rut urada rede de ensi no na capi t al e

no i nt er i or do Rio Gr ande do Sul .

Jai me Giol o em sua t ese de dout orado f al a da expansão

cat ól i ca na educação no Rio Grande do Sul , mesmo t endo como

maior concor rent e o própr i o Est ado:

No campo do ensi no, os conf l i tos exemplares deram-se nas disputas pel o domíni o de sua cl i entela. Em relação ao ensi no secundár i o e super i or , o pr i ncipal obstácul o para as pretensões da I greja Catól i ca eram as i ni ciat i vas part i culares, mas em relação as pr i mei ras l etras o concorrente numero um era a escola públ i ca. Frente às escolas pr i már ias part i culares, a I greja Catól i ca, mui to

107 O Delta, Ano III, junho/1919. Nº 12, p. 14.

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cedo, abr iu uma grande vantagem e não f oi , daí por diante, di f íci l manter e ampl iar o campo conquistado.108

O GORGS que assi st i a com preocupação o di nâmi co

cresci ment o da rede de escol as cat ól i cas no est ado, se cont rapôs

pr i nci pal ment e at ravés de campanhas para a f undação de escol as

l ai cas e, at ravés de sua i mprensa abr e f ogo cont ra a i ni c i at i v a

cat ól i ca na f undação de novas escolas, at uando at ravés da

desmoral i zação do ensi no ul t r amont ano e cl amando aos gover nant es

a execução da l ei que ex i g i a que o ensi no f osse l ei go.

Desde o pr i mei ro número do per i ódi co, encont ramos not íci as

e i nf or mes ref erent es a si t uação educacional no Brasi l e sobre as

escolas f undadas pel a i nst i t ui ção. Foram poucas as escol as

mant i das pel a maçonar i a que consegui ram perpet uar por um t empo

det er mi nado, poi s a boa par t e dessas i ni ci at i vas eram de car át er

f i l ant rópi co, vol t adas ao ensi no adul to ou operár i o e acabavam

f echando na maior i a das vezes por di f i cul dades f i nancei ras.

Dev i do ao i nsucesso na perpet uação das escol as l i gadas à

i nst i t ui ção, a at uação maçôni ca em rel ação à educação f i cou

pr i nci pal ment e no campo das i déi as e do di scurso, mui t o bem

represent ado pel as f o l has de O Del t a, onde a def esa do ensi no l ai co

e raci onal i st a era habi t ual ment e ret rat ada.

Pel a ausênci a de uma rede de ensi no maçôni ca ou l ai ca, as

pági nas da r ev i st a nor mal ment e aconsel hava aos l ei t ores par a não

mat r i cul arem seus f i l hos em escol as cat ól i cas, aprovei t ando o

moment o para at acar o cl ero romano com pal avras e t ext os áci dos,

al egando que o cl ero era ret rógrado e i moral , não devendo est ar à

f rent e de um quadro negro ensi nando as cr i anças br asi l ei ras.

108 GIOLO, Jaime. Estado, Igreja e Educação no RS da Primeira República. São Paulo: Tese de doutorado - USP, 1997.

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Todo o mundo sabe que os padres f azem os mai ores esf orços para se apossarem da i nstrucção da i nfância, não com o l ouvável obj ect i vo de i l l umi nar a intel l i gencia da creanças, mas si m de i ncut i r -l hes a crença no dogma, o temor do i nf erno, a submissão ao papa; deturpa-lhes a al ma, f i nal mente.109

O proj et o educacional mant i do e admi ni st r ado pel a maçonar i a

que al cançou maior proj eção f o i o Gymnasio Pelot ense, na ci dade

de Pel ot as, f undado em 1902 por t rês l o j as l ocai s: a Rio Branco,

A nt unes Ri bas e a L eal dade. No gi nási o onde er a mi ni st rado o

ensi no el ement ar , médi o e secundár i o, t ambém f uncionava a

f acul dade de Far máci a e de Odont ol ogia, que segundo a rev i st a

“ di spõem de um corpo docent e dos mai s compet ent es e de

excel l ent es l aborat ór i os, sal as de chi mi ca, et c” . 110

O Gi násio f unci onou di r et ament e l i gado à maçonar i a l ocal at é

1917, quando O Del ta i nf or ma em suas pági nas que a escola ser i a

ent regue á pref ei t ur a de Pel ot as por mot i vos de ordem maior , mas

que:

Em vi r tude do acordo ref er i do, o Gymanasi o Pel otense será equiparado ao Col l egi o Pedro I I , obr i gando-se o municípi o a promover seu reconheci mento pel o Governo Federal . O Gymnasi o Pel otense cont i nuará como ent i dade j ur ídi ca, f i cando todos os seus bens e patr i môni o perf ei tamente garant i dos, de conf ormi dade com seus estatutos. 111

Segundo Colussi , o Gi násio mesmo com seus bens e a di reção

ent regues ao muni cípi o, e não est ando expl i ci t ament e l i gada “ a

maçonar i a pelot ense cont i nuou mant endo o poder sobre a di r eção

109 O Delta, Ano I, fevereiro/1917. Nº 08, p. 122. 110 O Delta, Ano I, Setembro/1916. Nº 03, p. 45 111 O Delta, Ano II, Agosto/1917. Nº 02, p. 32

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da escol a, do que é exemplo seu di r et or , em 1922, M anuel L ui s

Osór i o, or i undo de uma t radi c i onal f amí l i a l i gada à maçonar i a” . 112

A rel ação ent re o gi nási o e a maçonar i a t ambém pode ser

v i st a na ocasi ão do f al eci ment o do desembar gador James Ol i vei r a

Franco, Grão M est re do Grande Or i ent e do Rio Grande do Sul ,

sendo cel ebr ada pelos al unos do gi nási o uma homenagem ao maçom

f al eci do . 113

Um audaci oso proj et o proposto por um gr upo de l i v r e

pensadores por to-al egrenses e ampl ament e apoiado pel a di r eção do

Grande Or i ent e do Rio Gr ande do Sul f o i a cr i ação da Escol a

M oder na, na capi t al gaúcha em 1916. A escola adot ava o mét odo

raci onal i st a, cuj o ment or f ora o anarqui st a e maçom espanhol

Franci sco Fer rer .

A f undação da escol a f o i not i ci ada no pr i mei ro número da

rev i st a em rápi da passagem, t rat ando do mét odo ut i l i zado e

aconsel hando os i r mãos para que mat r i cul assem seus f i l hos na

escola. A escol a que era aber t a par a a f reqüênci a de ambos os

sexos, t i nha al ém das di sci pl i nas normai s de um col égio, aul as de

bordados e de f l or es ar t i f i c i ai s para as al unas e aul as de desenhos

para os al unos.

A s not íc i as da escol a M oder na eram geral ment e cur t as, na

maior i a das vezes l ocal i zadas na col una f i nal da rev i st a, onde era

regi st rado event os e ações da maçonar i a do est ado. Rapi dament e

rel at ava- se as at i v i dades da escol a como o encer rament o do ano

l et i vo, exposi ções, f est i vai s promov i dos pelos al unos e as f est as

promov i das pel a escol a.114 A i nda f azi a-se propaganda da escol a

A ‘ Escola M oderna’ é um i nst i tuto de ensi no que merece o apoi o f ranco e deci di do de todos que desej am ver a luz do conheci mento di f f undi da pelas classes menos

112 COLUSSI, Eliane Lucia. A maçonaria gaúcha no século XIX. Passo Fundo: Ediupf, pág. 449. 113 O Delta, Ano III, Julho/1918. Nº 01, p. 21. 114 O Delta, Ano I, janeiro/1917. Nº 07, p. 112

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f avoreci das da f or tuna e l i bertada a I nstrucção das pêas do f anati smo e sectar i smo rel i gi osos.115

Cur ioso é o i nf or me da edi ção de novembro, onde t raz à t ona

uma f est a real i zada na escola em comemoração do ret rato do

prof essor anarqui st a, f undador da pr i mei ra Escol a M oder na de

Barcelona116. A s not íc i as ger al ment e se reduzi am à rápi dos

i nf or mes, como na edi ção de j anei ro de 1918, que j unt ament e com

os i nf or mes de pr axe como o do encer rament o do ano l et i vo, f azi a

propaganda da vant agens dos mo l des adot ado pel a escol a, l onge de

“ prej uízos” rel i gi osos e genui nament e raci onal , como o mét odo

proposto pelo prof . Fr anci sco Fer rer . 117

A s l o j as do i nt er i or do est ado t ambém segui ram a or i ent ação

de f undar novas escol as, como em Sant a M ar i a, onde a prof essora

M argar i da L opes e o I r∴ Cícero Bar reto118, di r et ora e prof essor do

Col l egi o El ement ar , abr i r am uma escol a not urna grat ui t a dest i nada

à operár i os adul t os ou aquel es que quei ram est udar mas não o

podem dur ant e o di a. Houve a mat r ícul a de mai s de cem al unos,

denunci ando a necessi dade da aber t ura de escolas vol t adas à est e

públ i co.119

Em j unho de 1919, not i ci a- se a f undação da Escola L uz e

Ordem, er i gi da e mant i da por uma l oj a maçôni ca com o mesmo

nome, na ci dade de Caci mbi nhas. 120 A escol a ser á a gr ande vedet e

do O Del ta a par t i r daquel e momento, que quase mensal ment e

vei cul ará not íc i as sob a escol a est ampada em suas pági nas.

No mês segui nt e121 é t ranscr i t a a not íci a do j or nal 20 de

Set embro, de Pi r at i ni , onde se rel at a a i nauguração da nova escol a

115 O Delta, Ano I, fevereiro/1917. Nº 08, p. 125. 116 O Delta, Ano I, novembro/1916. Nº 05, p. 77 117 O Delta, Ano II, Janeiro/1918. Nº 05, p. 166. 118 Filiado na Loja Luz e Trabalho , era um maçom influente tanto na cidade de Santa Maria como junto ao Gorgs. 119 O Delta, Ano II, Outubro/1917. Nº 04, p. 92 120 Atualmente a cidade de Piratini. 121 O Delta, Ano III, Junho/1919. Nº 12, p. 212

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na v i l a v i z i nha, no prédio que a própr i a maçonar i a const rui u. D i z

que nova escol a que nasceu no di a t r i nt a de j unho era mi st a, seus

prof essores prov i ndos da capi t al e que não segui a nenhuma

or i ent ação rel i gi osa.

A t uando no campo das i déi as, as pági nas do per i ódi co

most ravam com i nsi st ênci a e preocupação a necessi dade do ensi no

l ei go e raci onal serem mi ni st r ados nas escol as, e j unt o desenvol v i a

a i déi a de que o ensi no at rel ado à I grej a era at rasado, aspect o

comum em t oda a ex i st ênci a da rev i st a. V ar i ados ar t i gos al er t avam

aos l ei t ores não só o obsol et o programa educacional cat ó l i co, como

t ambém escândalos prat i cados por padr es e f rei r as prof essores, nem

sempr e ocor r i dos em solo gaúcho, mas t ambém em out ros est ados

ou at é mesmo out ros países, como f orma de al er t a das nuances

obscuras do ensi no cat ól i co.

Pedi a- se que os maçons l evassem com preocupação a

ascendent e aber t ura de escol as v i ncul adas aos mai s d i ver sos credos

no Est ado, como al er t a o ar t i go chamado “ I nst rucção” 122, onde

al er t a não só o crescent e número de escol as cat ól i cas que se

espr ai am pelo est ado, mas t ambém o ensi no prot est ant e:

Ora, si os padres cathol i cos cerceiam o l i vre exame e anul lam a l i berdade de pensar, os protestantes lançam nas tenras al mas que l hes são conf iadas tal e tão i ntensa dose de i ntol erancia, que não sabemos de qual mais depressa f ugi r . 123

Concl ui r ei t er ando a necessi dade do ensi no t ot al ment e l ei go e

raci onal , l i vr e de t ent ácul os rel i g i osos quai squer , f azendo com que

as cr i anças consi gam cr escer com seus espír i t os l i v res e com a

compreensão cl ar a e pura dos f enômenos da nat ureza, l onge dos

mi t os rel i gi osos.

122 O Delta, Ano I, junho/1917. Nº 12, p. 190. 123 O Delta, Ano I, junho/1917. Nº 12, p. 190.

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É no mesmo ar t i go onde apar ece pel a pr i mei ra vez a

preocupação na i nst i t ui ção do ensi no pr i már i o obr i gat ór i o no país,

conseqüent ement e l ei go. Chama de l ouvável a at i t ude de t rês

câmar as muni ci pai s paul i st as124 que decret aram a obr i gat or i edade

do ensi no pr i már i o, conf i ando que at i t udes como essa r eduzi r i am

aos poucos a mazel a do anal f abet i smo.

No ar t i go i nt i t ul ado “ I nst rucção Publ i ca” 125 quest i ona um

proj et o apresent ado no Congresso Nacional pel o deput ado Faust o

Fer r az que propunha t ornar o t rabal ho obr i gat ór i o, devendo ant es

ser obr i gat ór i a a i nst rução escol ar . Se pode compel i r o ci dadão ao

t rabal ho, o Est ado deve t er a obr i gação de proporci onar - l he a

i nst rução e i mpô- l a quando recusada. A i nda acredi t a que “ só a

posse de cer t o gráo de i nst rucção póde conver t er o homem

t rabal hador ef i ci ent e e product i vo, e, si esse dever t em e para com

o ci dadão, mui t o mai s t em com a i nf ânci a” . 126

A f i r ma que só a educação será capaz de mudar a si t uação do

país no f ut uro e que o prol et ár i o, sem chance de aprender a l er e a

escrever , ser á et er nament e escravo da si t uação em que se encont ra,

com t rabal hos pesados e mal r emuner ados, sem esperança para um

f ut uro mel hor .

A i nst i t u i ção da educação obr i gat ór i a v i sar i a v i abi l i zar

t ambém aquel es que não t er i am condi ções f i nancei ras para vest i r e

cal çar seus f i l hos, ou ai nda al i ment á- l os. Ou ai nda para repel i r os

pai s gananciosos que usam os br aços de seus f i l hos para ganhar

mai s.

O di scurso da rev i st a de que soment e o acesso educacional

para t odos f ará que a pát r i a t enha homens de val or es e

t rabal hadores é ut ópi co e raso, poi s não expl i ca e nem propõem

uma manei r a de i nst i t u i r o ensi no obr i gat ór i o, nem de que manei r a

poder i a-se combat er o anal f abet i smo.

124 Procurar quais. 125 O Delta, Ano II, Setembro/1917. Nº 03, p. 55. 126 O Delta, Ano II, Setembro/1917. Nº 03, p. 55.

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A par t i r da edi ção de out ubro de 1917, é publ i cada uma sér i e

de repor t agens sob o t i t ul o de “ I nst rucção Pr i már i a” onde most ra

exemplos e a i mpor t ânci a do est abel eci ment o da educação

obr i gat ór i a no país. Na pr i mei ra repor tagem da sér i e, é apresent ado

um proj et o no Rio de Janei ro que decret ava o ensi no pr i már i o

obr i gat ór i o para cr i anças de 7 à 14 anos. Os pai s ou t utores que

não cumpr i ssem a l ei ser i am mul t ados no val or de 5$000 di ár i os,

enquant o não o cumpr i ssem. O proj et o det ermi nava ai nda a

const rução de 285 escolas pr i már i as, com aut or i zação de

assi st ênci a médi ca e o f or neci ment o de roupas aos al unos sem

condi ções. 127 A l er t a aos maçons gaúchos que:

Embora aqui no Ri o Grande do Sul não sur ja i ni ciat i va alguma para dar mais ampla di f f usão á i nstrucção pr i mar ia que os poderes públ i cos mi nistram, é encorajador ver como noutros Estados a mesma i dea se, concret i za em factos e marcha victor i osamente para a l i bertação da i nfância das garras aduncas do analphabet i smo.128

Em out ra edi ção, pede que os maçons do Rio Grande do Sul

mi r em-se no espel ho das at i t udes tomadas pel as ci dades que

i nst i t uíram o ensi no obr i gat ór i o e que se empenhem para a di f usão

da i nst rução pr i már i a. Pede que seus obr ei ros di scut am ampl ament e

nas l o j as, f azendo est udos sobre a resolução do probl ema, e que

dest a manei ra est arão engrandecendo o país al ém de est arem

real i zando o bem soci al , um dos f i ns propost os da M açonar i a. 129

Em novembro de 1917 é not i ci ada a cr i ação de uma Comi ssão

pró-ensi no130, que v i sava al ém da def esa de um ensi no raci onal , a

l ut a cont ra o anal f abet i smo e a resi st ênci a à escol as l i gadas à

i nst i t ui ções rel i gi osas.

127 O Delta, Ano II, Outubro/1917. Nº 04, p. 77. 128 O Delta, Ano II, Novembro/1917. Nº 05, p. 116. 129 O Delta, Ano II, Novembro/1917. Nº 05, p. 117. 130 O Delta, Ano III, Outubro/1918. Nº 05, p. 94.

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Fazi a um const rangedor pedi do para que as l o j as

subordi nadas ao Gorgs mandassem recursos f i nancei ros para que

cobr i sse o al t o cust o que a comi ssão demandava, das v i agens e dos

i mpr essos que i r i am ser produzi dos e di st r i buídos pel a comi ssão,

poi s não di spunha de renda própr i a.

Ser ia contr i stador em extremo que as L ojas da jur i sdi cção dei xassem cahi r no abandono e f racassar uma tão promissora i ni ciat i va, quer sobre o ponto de vi sta do progresso naci onal , quer sob o ponto de vi sta da real i zação dos mais genuínos pr i ncípi os maçôni cos.131

Na seqüênci a do ar t i go, O Del ta di z que est á conf i ant e no

apoio que as l o j as i r ão of erecer à comi ssão, v i st o o t rabal ho

gl or i oso que a mesma i rá ef et uará par a a popul ação. A i nda, dei x a

cl aro que se não houver t al apoio, não será possível que a comi ssão

t rabal he.

Tal pedi do de aj uda f i nancei r a não sur t i u ef ei t o no mei o

maçôni co, não só dev i do às d i f i cul dades f i nancei ras que as l o j as

at ravessavam, mas t ambém porque as l o j as est avam i ndi f er ent es

quant o a Comi ssão pró-ensi no, j á per f ei t ament e organi zada e af o i t a

para o t rabal ho. De f or ma mui t o cl ar a, expressa o

descont ent ament o di zendo:

É extremamente depl orável que as L ojas deixem cahi r assi m no esqueci mento e no abandono as mais promissoras i ni ciat i vas e que mui to contr ibuíram para o robusteci mento de sua vi da, para engrandeci mento da Ordem e para just i f i car a real i zação f reqüente de nossas reuni ões, que tanta vez, i nf el i zmente, resumem-se a assumptos de secundár ia i mportância. 132

131 O Delta, Ano III, Outubro/1918. Nº 05, p. 95. 132 O Delta, Ano III, Fevereiro/1919. Nº 08, p. 169

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Pel a f al t a de recursos, a comi ssão pró-ensi no cai u no

ost raci smo e esqueci ment o, não apar ecendo mai s not íci a al guma

sobr e a i ni c i at i va propost a pelo Grande Or i ent e do Ri o Gr ande do

Sul .

O Del ta t ambém agraci a o gover no est adual na cr i ação de 167

escolas em zonas habi t adas por popul ação i mi grat ór i a. A s escol as

ser i am dest i nadas ao ensi no de l íngua por t uguesa, a educação

cív i ca e ao ensi no de hi st ór i a e geograf i a do Brasi l . Com essa ação,

di z que o gover no est á pr epar ando verdadei rament e a def esa

naci onal e, como de praxe, di scor re em suas l i nhas sobr e a

i mpor t ânci a do ensi no l ei go.133

Eram rot i nei r as as cr ít i cas ao modelo cat ól i co de ensi no,

abr i ndo f ogo à crescent e r ede cat ól i ca que se al ast rava pel o

t er r i t ór i o gaúcho. A s f o l has do j ornal v i nham recheadas de

acusações mai s di f er ent es e pecul i ar es possívei s, de at os amorai s

comet i dos pelos padres dent ro de sal as de aul as e ref or mat ór i os,

passando pel a ret rógrada f or ma do pensar cat ól i co ou at é mesmo

em poemas134 que expr essavam repúdi o ao ensi no rel i g i oso ou

exal t am o l ai c i smo escol ar .

Como expresso no ar t i go i nt i t ul ado “ A Egrej a Romana e o

A nal phabet i smo” , onde al ém da exposi ção da necessi dade gr i t ant e

do ensi no l ai co, t raz uma t abel a comparat i va onde demonst ra o

di sparat e do anal f abet i smo gr i t ant e em países com a maior i a

cat ól i ca em compar ação aos países onde a maior i a é prot est ant e. O

que o aut or não l eva em cont a em sua anál i se é que a di f er ença na

t axa do anal f abet i smo t ambém é o ref l exo da condi ção soci al e da

t raj et ór i a hi st ór i ca que cada país comparado se encont rava.135

A f i r ma que é i mpossível que ai nda se def enda o ensi no

rel i gi oso escol ar , dev i do ao século em que a ci ênci a e razão

der rubam cada vez mai s as l endas e mi t os, e a verdade preval ece

133 O Delta, Ano III, Julho/1918. Nº 01, p. 21. 134 O Delta, Ano III, Fevereiro/1919. Nº 08, p. 167 135 O Delta, Ano III, Novembro/1918. Nº 05, p. 97

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sobr e os dogmas. “ Conser var Deus na escol a – Para que?! ” 136

quest i ona o própr i o t ít ul o do ar t i go, onde expl i ca a ex i st ênci a das

mai s d i ver sas manei ras de ver e venerar um ser supremo, sendo que

cada povo i nvent ou sua dei dade à medi da de suas t endênci as,

necessi dades e de seus cost umes.

A edi ção de Jul ho de 1919 r evel a a ação do cl ero cat ól i co

dent ro da pol ít i ca c i v i l , at ravés da apresent ação do I nt endent e do

Rio de Janei ro, A nt ônio Peni do, que per mi t i u que nas escol as

públ i cas f osse mi ni st r ado o ensi no rel i g i oso, “ que será dado

i ndependent ement e de qual quer r emuneração, pel os represent ant es

de cada cul t o, no edi f íc i o escol ar , si o requerer em, aos al umnos

cujos pai s o desej em( . . . ) ” . 137

Combat endo a surdi na ação cl er i cal no meio pol ít i co, pede

al er t a poi s t odos dever i am saber que a úni ca f é que ser á

benef i c i ada será a cat ól i ca, sendo i nexeqüível , mer ecendo repúdi o

das consci ênci as l i v res e das al mas sãs. No mês segui nt e138 a

rev i st a acusa novament e o i nt endent e do Rio de Janei ro de só

querer benef i ci ar a r el i gi ão romana, poi s out ras rel i gi ões t ent avam

per mi ssão para dar aul as e não eram benef i ci adas.

Reproduzi ndo uma not íci a r et i rada de um j or nal car i oca que

def ende os i nt eresses ul t ramont anos, onde f al ava da si t uação do

ensi no rel i g i oso nas escol as, rel at a com humor a t ent at i va de out ras

rel i gi ões na obt enção de aut or i zação para mi ni st rar aul as nas

escolas, sempr e negadas. Ent re os pedi dos de espír i t as ou de

rel i gi ões prot est ant es, di z que at é mesmo um homem decl arado-se

budi st a r equer i a aut or i zação para di f undi r os ensi nament os de Buda

nas Escol as.

O Del ta, ref er i ndo-se à not i ci a como vergonhosa, cl ama a

todos a grande necessi dade das escol as t erem car át er l ei go, l i v re de

136 O Delta, Ano III, Maio/1919. Nº 11, p. 241 137 O Delta, Ano IV, Julho/1919. Nº 01, p. 18. 138 O Delta, Ano IV, Agosto/1919. Nº 02, p. 44.

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qual quer cr edo. A v i sa que a at i t ude do i nt endent e Peni do f ora

ext ravagant e ocasionando resul t ados pi torescos.

A t ravés da her ança i l umi ni st a que l eva em seu i deár i o, a

M açonar i a t raz no seu di scur so a necessi dade da educação para o

f ut uro e o bem da nação. M ai s i mpor tant e que i sso é a necessi dade

de se cont rapor a cr escent e rede de escol as cat ól i cas que nest e

per íodo se al ast ra com desenvol t ura pelo est ado. Não podendo

i nst i t ui r escolas no mesmo nível e sust ent á- l as da mesma f or ma que

a I grej a Cat ól i ca, a at uação maçôni ca será execut ada

pr i nci pal ment e at ravés do O Del ta, usando suas pági nas como uma

voz que cl ama para que o Est ado par a que cumpr a o seu dever com

os ci dadãos e al er t a aos seus l ei t ores do per i go cat ól i co dent ro das

sal as de aul a.

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4. CI ENT I FI CI SM O E POL Í T I CA NA S PÁ GI NA S DA

REV I ST A

4.1 D i scu r so C i en t i f i ci st a

A moral e a sci encia têm seus domíni os própr i os que se tocam mas não se penetram. Uma nos mostra qual o f i m que devemos visar, a outra, dado o f i m, nos f az conhecer o mei o de att i ngi l -o. El las não se podem contrar iar por que não se podem encontrar . Não póde haver sci encia i mmoral , do mesmo modo que não póde haver moral sci ent i f i ca.139

D’ O Del ta, Outubro de 1918 da EV

A maçonar i a desde o pr i ncíp i o de sua at uação como uma

i nst i t ui ção especul at i va, abr i u espaço em seus t emplos para a

di scussão de novas i déi as que f l oresci am no cont ext o europeu.

Durant e f i nal do século X V I I I , o di scurso i l umi ni st a e l i ber al f or a

adot ado pel as l o j as européi as, em especi al na França, que at ravés

da Revol ução Fr ancesa f undi u seu novo i deár i o ao mov i ment o

maçôni co, i ncut i ndo t raços i l umi ni st as e l i berai s à i nst i t ui ção. Est e 139 O Delta, Ano III, Outubro/1918. Nº 04, p. 83.

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i deár i o per maneceu nas maçonar i as que f l or esci am por toda a

A mér i ca, f rut o das ver t ent es européi as que ent re seus t raços

revoluci onár i os, def endi a o arcabouço i l umi ni st a sendo adot ada a

ci ênci a e o raci onal i smo como f ont es para a expl i cação e

ent endi ment o de mundo.

O nosso est udo que compreende o i níc i o do século X X ,

encont ra o ci ent i f i ci smo como um dos gr andes pi l ar es da

i nst i t ui ção, sendo adot ado como bandei ra por toda a M açonar i a

naci onal , sob o di scur so de t razer a l uz para a soci edade brasi l ei r a

di ant e do obscurant i smo i nt el ect ual resul t ado da ação da I grej a

Cat ól i ca. No O Del ta, mant eve- se por vár i os anos uma col una

mensal chamada “ O Canhenho da Sci enci a” , onde ar t i gos ext raídos

de j or nai s europeus e nor t e-amer i canos mencionavam as novas

descober t as que o uni ver so acadêmi co/ci ent í f i co est ava

conqui st ando no moment o.

Na rev i st a, dei xa-se cl aro a i mpor t ânci a do poder da ci ênci a

para ent ender o mundo, e que soment e at ravés del a é que ser i a

possível o homem l i ber t ar -se da i gnorânci a e das expl i cações

míst i cas/ rel i g i osas par a o mundo.

A s mat ér i as publ i cadas na rev i st a sobre ci ênci a i am da mai s

pl ausível t eor i a e avanço t ecnológi co, passando pel as mai s

surpreendent es e i mpossívei s, que f azi am par t e do cont ext o

ci ent í f i co do começo do sécul o X X , como as expedi ções de procur a

à cont i nent es perdi dos como A t l ânt i da ou L emúr i a.

M at ér i as sobre as novas i nvenções mi rabol ant es como o

t al i ssi oscópio140, um t ubo de v i são acopl ado no casco de um bar co,

para f aci l i t ar o est udo da v i da mar i nha ou o motorscópio141,

aparel ho que dei xa o campo de v i são l i v r e em l ocomot i vas

i nf or mavam aos l ei t ores o que ex i st i a de novo em t er mos de

evolução t ecnológi ca para aj udar a ci ênci a.

140 O Delta, Ano I, Nº 03, p. 43 141 O Delta, Ano I, Nº 08, p. 118

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A preocupação da ordem par a a c i ênci a em r el ação à I grej a

Cat ól i ca pode ser v i st o no pr i mei ro número da rev i st a, em um

ar t i go i nt i t ul ado E por si , muove! 142 onde f al a da obr i gação de

Gal i l eu Gal i l ei de ret rat ar -se com a I grej a em cont a de suas

descober t as ser em condenadas como f al sas. Junt o f al a da

i mpor t ânci a da ci ênci a e do raci onal i smo, e ai nda a necessi dade de

despi r - se de preconcei t os.

Pesqui sas f ei t as com f ecundações ar t i f i c i ai s, f o i not i ci ada

como um gr ande avanço, ai nda que f ossem com our i ços mar i nhos

ou com ovos de gal i nha, é most rado com grande ênf ase e

i mpor t ânci a e pel a r ev i st a, poi s nest e cami nho ser i a possível

“ escl ar ecer o mai s prof undo dos myst er i os da nat ureza v i va, o da

f ecundação” 143, que at é o moment o não hav i a ai nda si do

compl et ament e compr eendi do.

O di scur so ci ent í f i co adot ado pela rev i st a não propunha nada

de novo por seus escr i t ores, apenas reproduzi a as not íci as na

maior i a das vezes v i ndas do ext er i or , i nf or mando aos l ei t ores os

novos concei t os c i ent í f i cos que af l oravam. A i nda eram comuns as

col unas com det er mi nados assunt os que perduravam durant e vár i as

edi ções.

É o caso do ar t i go i nt i t ul ado “ Os Temperament os e o

D i agnóst i co e sua rel ação com a Cromot erapi a” , que est endeu- se

por mai s de ci nco edi ções ao decor rer de 1917. Nel e, apont a- se a

i mpor t ânci a de um bom di agnóst i co médi co apoiado em ci ênci as

af i ns possi bi l i t adas pel a semiol ogi a.

Faz- se quest ão de f r i sar que a moder na ci ênci a se apói a em

ant i gos ensi nament os, que mesmo que esqueci dos, não v i rar am

obsol et os. Os ant i gos ensi nament os pagãos da Europa ou mesmo a

medi ci na ut i l i zada pelos índi os amer i canos at ravés de er vas, são

agora ut i l i zados pel a medi ci na de f or ma r aci onal , como o caso do

uso do pr i ncíp i o at i vo da f o l ha de coca usada pel os i ncas. A i nda

142 O Delta, Ano I, Julho/1916. Nº 01, p. 12 143 O Delta, Ano I, Nº 02, p. 29

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pergunt a-se como os ensi nament os índi os devem ser chamados,

v i st o que não são consi derados ci ent í f i cos na v i são oci dent al .

O per i ódi co t ambém most rava- se aber to à não i nt ransi gênci a

com as ci ênci as em geral , out ra f acet a encont rada nas pági nas do O

Del ta, como most ramos abai xo:

Cada sci encia tem seus methodos própr i os, e ni nguém está autor i zado a f ormular l ei s e concl usões geraes para todos os methodos. As escolas of f i ciaes só reconhecem sci ent i f i cos os methodos de i nvest i gação por el l as preconizados; entretanto, duvi do mui to que o cl i ni co moderno seja capaz de, á manei ra de Gal eno, tactear o pulso do i mperador M arco Aurél i o e A f f i rmar que a sede da doença era o estomago; predi zer a um senador que ia ter uma epistaxis e reconhecer pel o exame do pulso de um doente que este se purgára pela manhã; é assombroso, e tudo i sto não era si não o resul tado da prat i ca e da observação accurada que sabia dispensar o arsenal semi l ogi co moderno; com os mei os actuaes, ni nguém ter ia chegado a esse resul tado. 144

Nest e ar t i go, rel at a o novo mét odo de di agnóst i co at ravés da

f i si onomi a desenvol v i do por L ui z K uhne. Segundo o est udo, a

anál i se da expr essão f aci al dar i a subsídi os para o di agnóst i co de

doenças. A i nda no mesmo ar t i go, most ra est udos f ei t os pelo Dr .

Pi czel i sobre o di agnóst i co at ravés da ír i s, ai nda em uso nos di as

de hoje por t erapeut as hol íst i cos. D i z o ar t i go, que se est e t i po de

di agnóst i co não f or i nf al í vel , é pelo menos t ão respei t ável quant o

os out ros.

A pont a t ambém que o t emperament o humano é i nf l uenci ado

pel a ast ronomi a, como di zi am ant i gas ci v i l i zações. Um ser humano

equi l i br ado apresent a t raços de i nf l uênci as de um det er mi nado

grupo de pl anet as que o i nf l uenci a di ret ament e no seu

t emper ament o. A mi st ur a de ci ênci a e mi st i ci smo f az dessa col una

um t ant o pecul i ar , poi s demonst ra uma rel ação do f ut uro que ao ver

144 O Delta, Ano I, Fev/1917. Nº 08, p. 115.

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da maçonar i a é a c i ênci a j unt o ao respei t o à t radi ções arcai cas que

de nada t i nha de ci ent í f i co, mas si m míst i co, comum nos r i t uai s e

na si mbologi a maçôni ca.

Nest e ar t i go est endi do, é pouco ret rat ado o uso da

cromot erapi a em r el ação ao t emperament o, que ao ver da r ev i st a

deve ser v i st o com mai or at enção, “ pouco i mpor t ando- nos que

out ros não t enham v i st o essa rel ação” 145, ao pont o que no ano

segui nt e é publ i cado na rev i st a um sér i e de repor t agens especí f i cas

sobr e o assunt o, sob o t ít ul o de “ Os T ypos Physi ognomi cos, os

t emper ament os, as assi gnat uras pl anet ár i as e Zoodi ci ai s” .

Nest e ar t i go, que se est endeu por ci nco edi ções dur ant e o ano

de 1917, most ra a f i si onomi a humana em rel ação ao t emperament o,

um est udo que de cer t a manei r a er a novo e na moda no cont ext o

europeu. Ci t ando est udiosos europeus no assunt o di z que:

O estudo dos temperamentos nos permi tte aval iar as i ncl i nações, os gostos, os costumes, as aptidões, as paixões, as predisposições mórbi das do i ndi víduo e portanto a cor ou as cores astraes que el l e mais põe em j ogo e qual ou quaes os órgãos mais f aci l mente suj ei tos ás af f ecções. Os temperamentos são ci nco, o bi l i oso, o sangui neo, o l ymphati co, o mel anchol i co e o nervoso. 146

O ar t i go segue def i ni ndo cada um dos t i pos de

t emper ament os, as suas caract er íst i cas e a f or ma de t rat ament o. Em

1919 há o ret orno de repor t agens sobre o mesmo assunt o, em um

ensaio est endi do por 3 edi ções chamado “ Do emprego da l uz

col or i da na t erapêut i ca” , vol t ando a di scussão da ação da

cromot erapi a como ci ênci a e da ser vent i a de cada cor no uso

médi co- t erapêut i co e suas i mpl i cações t emper ament ai s.

M as o mai s marcant e sem dúv i da são os ar t i gos que proj et am

o f ut uro da ci ênci a e os que di scut em concei t os que perpassam pel a 145 O Delta, Ano I, Mai/1917. No.11, p. 166. 146 O Delta, Ano II, Julho/1917. No.1, p. 06.

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mor al , pel a ci ênci a e pel a rel i g i ão. Como expressa o ar t i go “ Da

Sci enci a e da V er dade” :

A moral e a sci encia têm seus domíni os própr ios que se tocam mas não se penetram. Uma nos mostra qual o f i m que devemos visar, a outra, dado o f i m, nos f az conhecer o mei o de att i ngi l -o. El las não se podem contrar iar por que não se podem encontrar . Não póde haver sci encia i mmoral , do mesmo modo que não póde haver moral sci ent i f i ca. 147

Ou ai nda no t ext o di v i do em t rês edi ções da rev i st a i nt i t ul ado

“ O Deus de amanhã” , onde o aut or t ent a proj et ar o Deus do século

X X I , que ao seu ver , ser á a c i ênci a, onde os homens t rocar i am seus

oratór i os pelos l abor at ór i os:

Nós passamos já o tempo das mythol ogias e das rel i gi ões. Há mui to já que passou a hora de todas as di vi ndades com f i guras mater iaes, quer tenham carrancas de ani maes, sorr i sos eni gmáti cos ou vontades humanas, capr i chosas e var iadas. Já não é Deus que arremessa os trovões, nem Jeovah que decreta o nasci mento e a morte. Já não é Jesus Chr i sto que i nspi ra as boas resoluções ou Satan que provoca as tentações mal dosas.148

Nos doi s t rechos aci ma, é nít i da a cr ít i ca às i nst i t ui ções

rel i gi osas, poi s a busca para o ent endi ment o da nat ureza não é mai s

baseada em ensi nament os cont i dos em l i v ros sagrados, mas si m na

nova ci ênci a que começa a se est abel ecer e a crescer de f or ma

di nâmi ca no cont ext o mundi al . Junt o, a cr i t i ca à I grej a Cat ól i ca

que ai nda resi st e na acei t ação das novas descober t as.

O Deus do amanhã, não t erá f unção de expl i car a nat ureza ou

o mundo, poi s i st o será f ei t o à cargo da ci ênci a. O Deus do f ut uro é

147 O Delta, Ano III, outubro/1918. No.4, p. 84. 148 O Delta, Ano V, janeiro/1921. Nº 07, p. 166

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a própr i a ex i st ênci a cósmi ca, o i nf i ni to, será sempr e aqui l o que o

homem não poderá expl i car at ravés da ci ênci a. D i z que o homem no

f ut uro não preci sar á se submet er a i dol at rar ídol os e i magens,

mui t o menos f azer sacr i f íci os desprov i dos de sent i do.

A pós ret rat ar como será o Deus do f ut uro, a úl t i ma par t e do

ar t i go não poupa-se pal avr as para at acar o cl ero cat ól i co.

A cusando-os de hi pócr i t as, di z que os most ei ros não passam de um

ant ro l ot ado de bandi dos, que na cal ada da noi t e at ent am cont ra a

honra al hei a, resul t ado de um cel i bat o i r raci onal .

Podemos di zer que o di scurso ci ent i f i ci st a do j ornal pode ser

di v i do em duas f aces: a pr i mei ra, a preocupação de t razer aos

l ei t ores i nf or mações do mundo ci ent i f i co, mesmo sendo not íci as

que most ram- se absurdas aos di as de hoj e, el as ret rat am o cont ext o

das novas descober t as e aspi rações do homem. A out ra é que

di scut e concei t os que envol vam f é e r aci onal i smo, acr edi t ando que

soment e a ci ênci a ser á a l i ber t adora dos homens.

Nas ent rel i nhas do est andar t e ci ent í f i co da maçonar i a, est á a

f er r enha cr ít i ca à I grej a Cat ól i ca, onde o at aque não se di r i ge par a

o cat ol i ci smo em si , mas ao cl ero cat ól i co, que na v i são maçôni ca é

ret rógrado e sempr e cont ra o novo, consi derando o pr i nci pal

cul pado do at raso da soci edade e dos homens.

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4.2 O Del ta e a el ei ção p r esi den ci al d e 1922

A M açonar ia, pois, quando resol ve tomar parte act i va em uma acção pol ít i ca qual quer, não o f az absolutamente com um caracter part idar i o, mas unicamente por jul gar que assi m é necessár i o para o progresso social em j ogo.149

D’ O Del ta, Agosto de 1921 da EV

A el ei ção presi denci al para a escol ha do sucessor de Epi t áci o

Pessoa f o i marcada pel a t ent at i va da rupt ura da chamada pol ít i ca

caf é- com- l ei t e. No i níc i o de 1921, os est ados de São Paulo e de

M i nas Gerai s l ançaram como candi dat o o governador mi nei ro

A r t hur Ber nardes.

Denunci ando o conchavo ent re São Paulo e M i nas Gerai s, o

Rio Gr ande do Sul at ravés do governador Borges de M edei ros

apresent ou a prát i ca dos doi s est ados para assegur ar val or do caf é

enquant o o país ansi ava por equi l íbr i o nas f i nanças. A o Rio Grande

do Sul , al i aram- se os Est ados da Bahi a, Rio de Janei ro,

Per nambuco e Bahi a, f or mando a Reação Republ i cana e l ançando

como candi dat o o maçom N i l o Peçanha.

A r t hur Ber nardes era aber t ament e apoiado pel a I grej a

Cat ól i ca, que at ravés da i mprensa e de seus púl pi t os, prest ava f or t e

apoio ao candi dat o não soment e com propaganda, mas nos

consel hos aos f i éi s e l ançando at aques ao oposi t or N i l o Peçanha,

v i st o que est e era maçom e consi derado um ant i cl er i cal .

A maçonar i a sempre decl arou-se apol ít i ca, não ex i g i ndo de

seus membros ser em l i gados à al gum par t i do ou cor rent e

i deológi ca. M esmo assi m, não acredi t amos na apol i t i c i dade da

i nst i t ui ção, poi s as maçonar i as l at i no-amer i canas t omaram f ei ções

149 O Delta, Ano IV, Agosto e Setembro/1921. Nº 02 e 03, p. 82.

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pol ít i cas e revol uci onár i as, sendo conheci da a sua at uação em

moment os pol ít i cos i mpor t ant es no país, como a I ndependênci a do

Brasi l , a Quest ão Rel i g i osa de 1873 ou ai nda a abol i ção da

escravat ura em 1888.

O própr i o Grande Or i ent e do Rio Grande do Sul denunci a a

l i gação e a preocupação com a pol ít i ca pel a i nst i t u i ção, j á que a

sua f undação est á l i gada em um moment o pol ít i co t urbul ent o na

hi st ór i a gaúcha, a Revol ução Feder al i st a.

M as a ação maçôni ca na pol ít i ca brasi l ei r a é conheci da na

hi st ór i a pel a sua di scr i ção na at uação e pel a t ent at i va de uma ação

apar t i dár i a. A j ust i f i cat i va dada pel a i nst i t u i ção sobre a sua

at uação pol ít i ca é v i sando o bem do povo e da nação, não t endo

como i nt eresse i deologi as par t i dár i as sect ár i as.

A ssi m, a campanha i ni c i ada em 1921 causou f uror dent ro dos

t emplos maçôni cos não só em solo gaúcho, mas na gr ande maior i a

das pot ênci as nacionai s. O combat e ao cl ero e a def esa de um

est ado l ei go, i nst i t uído pelo advent o da repúbl i ca que na prát i ca

ai nda est ava preso à I grej a Cat ól i ca, f i zer am as M açonar i as

apoi arem aber t ament e o candi dat o N i l o Peçanha.

Em j unho de 1921, O Del ta publ i ca uma pági na com uma f ot o

do I r∴ N i l o Peçanha e uma breve bi ograf i a sal i ent ando a sua

educação republ i cana e l i beral e suas qual i dades como

admi ni st r ador . A provei t a o moment o ai nda par a j ust i f i car o apoi o

ao candi dat o f ace à i nst i t ui ção ser apol ít i ca:

A M açonar ia, embora não se envol va em l utas de caracter part i dár io e i ndi f f erente ao credo pol i t i co de cada um de seus membros, é uma i nst i tui ção que ex i ge de todos os que penetram em seu sei o o mais puro patr iot i smo.150

150 O Delta, Ano V, junho/1921. Nº 12, p. 274

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A ssi m, sem se af ast ar da or i ent ação que sempre adopt ou

at ravés de t odo o seu gl or i oso passado e i nspi r ada uni cament e no

desejo de bem ser v i r á Pát r i a, t endo em consi deração os mér i t os e o

grande val or do i l l ust re candi dat o Dr . N i l o Peçanha, congr at ul a-se

com a Nação por t ão acer t ada escol ha.

Nest e ar t i go, uma espéci e de l ançamento do nome de Peçanha

à presi dênci a, não é j ust i f i cado o porquê do apoio do candi dat o e

nem mesmo é ci t ado a sua condi ção de maçom. Nas pági nas

segui nt es do mesmo per i ódi co, é reproduzi da uma ent rev i st a

real i zada pelo j or nal cat ó l i co A Uni ão concedi da pelos doi s

candi dat os à presi dênci a sob o t ít ul o de “ Os doi s candi dat os” . 151

Começando pelo candi dat o A r t hur Ber nardes, el e dei xa cl aro

que f or a educado na r el i gi ão cat ól i ca e que, como homem de

gover no, conhece a i nf l uênci a benéf i ca da I grej a, e a i mpor t ânci a

da f or mação moral do povo e da educação da i nf ânci a brasi l ei r a,

at ravés do cl ero. Quando quest i onado sobr e o ensi no rel i g i oso nas

escolas públ i cas, most ra-se à f av or poi s não há nada de

i nconst i t uci onal desde que ex i g i da pelos pai s e mi ni st r adas nas

horas não dest i nadas ao ensi no escol ar .

Def ende que a I grej a t em si do uma grande col aboradora dos

gover nos e que o Est ado embora em r egi me de separação não

desconhece a I grej a como i nst i t u i ção e como uma gr ande pot ênci a

mor al . Quest i onado se par a a quest ão soci al el e pref er i a a sol ução

anarqui st a e soci al i st a ou a sol ução cr i st ã responde: “ – Oh! Não há

menor duv i da: a chr i st ã. ” 152

Ber nardes ai nda di z que acompanha com si mpat i a o

mov i ment o cat ól i co no país, e é agraci ado pelo j or nal pel a

col ocação de cruci f i xos nas escol as mi nei ras, que segundo o

candi dat o é uma homenagem aos devot os cat ól i cos que são maior i a

151 O Delta, Ano V, junho/1921. Nº 12, p. 279 152 O Delta, Ano V, junho/1921. Nº 12, p. 280.

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naquel as escol as. E se o candi dat o era f i l i ado à M açonar i a,

responde: “ – Não sou maçon; nunca me f i l i ei á maçonar i a” . 153

A ent rev i st a f ei t a à N i l o Peçanha começa quest i onando a

posi ção quant o a i mi gr ação de j aponeses e chi neses pel o l ado

ét ni co, rel i gi oso e soci al , decl arando que o país necessi t a

urgent ement e de homens t rabal hadores, dev i do ao i nt er i or do Brasi l

ser um gr ande deser t o, mas que vê a i mi gr ação dos povos amarelos

com cer t as rest r i ções.

Quando quest i onado sobre o espi r i t i smo, di z que o gover no

não pode persegui r crenças f i l osóf i cas ou rel i g i osas, sendo a

l i berdade de cul t o i nst i t uída por l ei . Quant o o ensi no rel i g i oso nas

escolas, responde:

Sou um l iberal , que não tem medo da l i berdade. A mi nha pol ít i ca é a da Consti tui ção. El la não é órgão de nenhuma crença revelada, mas não i mpede que a rel i gião seja uma necessi dade f undamental da consci ência humana. Quero que a l i berdade i l l umi ne a todos os espír i tos e por i sso nada de peias ou const rangi mentos dentro da Const i tui ção da Repúbl i ca.154

A posi ção de um pol í t i co l i ber al é demonst rada na mesma

pergunt a f ei t o ao oposi t or , se pref er i a a sol ução soci al i st a ou a

sol ução chr i st ã, responde: “ Só se dar á a paz no mundo quando nas

nossas consci ênci as, nas nossas f abr i cas, nas nossas usi nas, nos

nossos campos, f i zer mos har moni a do capi t al e do t rabal ho . 155

Ni l o Peçanha ai nda dei xa cl aro que é cat ól i co, que na

separação ent re I grej a e Est ado o catol i ci smo nada perdeu, mas

como presi dent e, t erá que respei t ar a Const i t ui ção, dando ampl a

to l erânci a e l i ber dade a t odas rel i gi ões e sei t as.

153 O Delta, Ano V, junho/1921. Nº 12, p. 280. 154 O Delta, Ano V, junho/1921. Nº 12, p. 281. 155 O Delta, Ano V, junho/1921. Nº 12, p. 282.

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Na edi ção bi mest ral r ef er ent e a agost o e set embro, o ar t i go

“ Candi dat uras Presi denci aes” r eproduz as cr ít i cas do pensador

cat ól i co Jackson de Fi guei r edo ao candi dat o N i l o Peçanha sobr e a

ent rev i st a concedi da ao Jor nal “ A Uni ão” . Fal a que o candi dat o não

consegui u d i sf ar çar o seu sect ar i smo ant i - cat ól i co at ravés de suas

“ phrases dúbi as e i nsi ncer as, com que o candi dat o di ssi dent e qui s

acender uma vel a a Deus e out ra ao di abo” . 156

Faz ai nda uma ampl a def esa de A r t hur Ber nardes, poi s

at ravés de suas conv i cções cat ól i cas, é um democrat a que é

si mpát i co à l i ber dade rel i g i osa, poi s i nt eressa aos “ cat hol i cos que

na pr esi dênci a da Republ i ca est ej a quem respei t e os di r ei t os

rel i gi osos e sai ba pr est ar à I gr ej a o prest ígi o a que el l a t em

di r ei t o.” E vol t a a cr i t i car N i l o Peçanha, di zendo que o candi dat o é

sect ár i o poi s é “ l i gado por compromi sso que o obr i gam a host i l i zar

sempr e que l he f or possível o cat hol i c i smo, o candi dat o di ssi dent e

é, e não pode dei xar de ser , um i ni mi go da rel i gi ão nacional . ” 157,

dando a ent ender a l i gação do candi dat o com a ordem maçôni ca.

O Del t a, pede a t odos os maçons que mant enham- se al er t as

sobr e a sucessão presi denci al poi s o romani smo est ava de t odas as

f or mas host i l i zando N i l o Peçanha, e pede apoio e sol i dar i edade ao

candi dat o, v ít i ma de acusações nef ast as e i r reai s. D i z, que não é

uma quest ão de par t i dar i smo, mas se o candi dat o A r t hur Ber nardes

assumi r a presi dênci a o j esui t i smo t r i unf ará est endendo “ sobr e

nossa Pát r i a o mant o negro de todas as per f ídi as” . 158 A l er t a que se

na Repúbl i ca t odas as rel i g i ões e sei t as se i gual aram e, se o

candi dat o cat ól i co vencer , as sacr i st i as e conf essi onár i os i rão

esmagar a l i berdade de pensament o.

M as é na edi ção segui nt e que o candi dat o da Reação

Republ i cana é i dent i f i cado como maçom, em um ar t i go que

denunci a a l ut a aber t a do cl ero cat ól i co ao candi dat o maçom. T raz

156 O Delta, Ano VI, agosto e setembro/1921. Nº 02 e 03, p. 79 157 O Delta, Ano VI, agosto e setembro/1921. Nº 02 e 03, p. 79 158 O Delta, Ano VI, agosto e setembro/1921. Nº 02 e 03, p. 80

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t rechos de not íci as sobre os at aques ao candi dat o recol hi dos em

j or nai s de t odo o país, como do j or nal O Di a do RJ, que revel a o

apoio do A rcebi spo da Bahi a ao candi dat o A r t hur Ber nar des e o

pedi do que suf raguem nas ur nas o nome de N i l o Peçanha.159

A i nda rel at a que em sessão comemor at i va ao di a 7 de

Set embro, a L oj a Rio Branco 3ª f ez uma homenagem ao candi dat o

N i l o Peçanha, demonst rando f ranco apoio a sua candi dat ura e

repul sa à persegui ção prof er i da pel o cl ero cat ól i co.

O ano de 1922 começa com uma mudança nít i da na post ura da

rev i st a quant o às el ei ções. Nos ar t i gos ant er i or es, a pr eocupação

era de def ender o I r∴ N i l o Peçanha do at aque cat ól i co e denunci ar

o apoio dado pel o cl ero ao candi dat o oposi ci oni st a. O Del ta agora

preocupa- se em at acar f ront al ment e o candi dat o oposi t or :

O snr. Bernardes jul ga que se agarrando ás batinas dos cl ér i gos e se aj oel hando hypocr i tamente atraz das sacr i st ias gal gará as escadas do Cattete.160

Ter mi na o ar t i go i nci t ando que os maçons dêem amplo apoio

à N i l o Peçanha, candi dat o de grande valor moral e de espír i t o cul t o

e l i beral , ao cont rár i o do ret rógrado e cl er i cal adversár i o. Nas

pági nas segui nt es, é t ranscr i t o um di scur so prof er i do em L oj a161,

onde o orador di scor re sobre a si t uação do país e a necessi dade do

apoio a Peçanha para a i nt egr i dade da nação brasi l ei ra. Com

pal avr as áci das e i rôni cas, di z que o candi dat o Ber nardes “ t em em

seu der redor t udo quant o há de pequeno, de v i l , de i nt eressei ro em

nossa col l ect i v i dade” , e que se ent regou de pés e mãos at adas ao

159 O Delta, Ano VI, outubro/1921. Nº 04, p. 100 160 O Delta, Ano VI, janeiro/1922. Nº 07, p. 159. 161 O Delta, Ano VI, janeiro/1922. Nº 07, p. 167 – Discurso Pronunciado pelo Ir∴ João Nunes Ferreira na Aug∴ Loj∴ Philantropia e Progresso Itaquiense, em sessão de 16 de Dezembro de 1921 e mandado publicar pela referida Loja.

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cl er i cal i smo, e a sua v i t ór i a ser i a a mor t e do br i o e da honra

br asi l ei ra, e al er t a aos i r mãos para não ceder em di zendo:

Quem votar em Ni l o Peçanha i ncorre em excomunhão mai or, pel o si mpl es f ato do i l l ustre varão ser maçon. M ui tos i ndi vi duos já sentem f raquejar suas convi cções pol ít i cas, seus desej os pessoaes, para que so i nteresses da egreja cathol i ca sejam assegurados162.

Na sessão dest i nada ao regi st ro de acont eci ment os do

GORGS, é of ereci do um br i nde em homenagem à N i l o Peçanha em

um banquet e promov i do pel a L oj a Fi del i dade e Fi r meza. A i nda

j ust i f i ca que o dando apoio ao candi dat o não se est á f azendo

pol ít i ca, uni cament e est á cumpr i ndo o seu dever como

i nst i t ui ção.163

No pl ei t o que ocor rera em M ar ço, o candi dat o A r t hur

Ber nardes sai u v i t or i oso, al cançando 466 mi l vot os cont ra os 377

mi l f ei t os por N i l o Peçanha, para a decepção da M açonar i a

br asi l ei ra. O Del ta nada decl ara sobr e a v i t ór i a de Ber nar des,

soment e publ i ca em abr i l a reprodução de uma car t a i nt i t ul ada

“ Pal avras di r i gi das ao povo do Est ado de São Paulo pelo emi nent e

est adi st a Pod∴ I r∴ Dr . N i l o Peçanha” , que t em como pr i mei ra

f rase: “ – A guer r a não f i cou no ul t i mo t i ro de canhão” . 164

Como um úl t i mo suspi ro do candi dat o der rot ado, decl ara- se

um i nt r ansi gent e ami go do di r ei t o e da propr i edade, e decl ara- se

sol i dár i o e preocupado com a cl asse operár i a brasi l ei ra. Com um

t ext o marcado de al egor i as, não pr opõem nada concret ament e,

apenas f az uma r ef l exão super f i c i al da necessi dade de amparar os

f racos.

162 O Delta, Ano VI, janeiro/1922. Nº 07, p. 167 163 O Delta, Ano VI, janeiro/1922. Nº 07, p. 176. 164 O Delta, Ano VI, abril/1922. Nº 10, p. 242.

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O apoio dado à Peçanha pel as maçonar i as brasi l ei r as é o

ref l exo do conf l i t o cl er i cal que na década de 1920 ai nda é

ef et i vament e aci r rado. Pel a busca de espaço de at uação na

soci edade br asi l ei r a, o apoio maçôni co ao candi dat o N i l o Peçanha é

ref l exo do medo de uma possível hegemoni a cat ól i ca no gover no

f ederal , j á que no Rio Grande do Sul , esse per íodo é mar cado pel a

l ent a decadênci a da i nf l uênci a do Grande Or i ent e do Rio Grande do

Sul no est ado e da crescent e ascendenci a cat ól i ca no gover no

Borges de M edei ros at ravés de D. João Beck er .

Como um epi sódi o esqueci do, o Del ta nada ref l et e aos

l ei t ores sobre a perda das el ei ções do candi dat o apoi ado, o nome de

N i l o Peçanha soment e i rá apar ecer em suas pági nas na homenagem

em conseqüênci a de sua mor t e em 1924165, com uma vast a bi ograf i a

t raçando a v i da i nt el ect ual , pol í t i ca e maçôni ca do est adi st a,

rel at ando que na el ei ção de 1922 sof rera uma t er r ível e v i r ul ent a

oposi ção pel o cl ero cat ól i co.

165 O Delta, Ano VIII, abril/1924. Nº 10, pág. 189.

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5. CONSI DERA ÇÕES FI NA I S

Como f al amos no i níc i o dest e t rabal ho, um veícul o de

i mpr ensa é a voz de um t empo e de seu amo. Est a f r ase cabe mui t o

bem para represent ar o que O Del t a desempenhou como órgão

of i c i al do Grande Or i ent e do Rio Gr ande do Sul . A t ravés de suas

pági nas, podemos v i venci ar não soment e o i deár i o maçôni co em si ,

mas a t ambém v i são da M açonar i a gaúcha sobre o mundo e suas

t ransf or mações.

Sua at uação não f o i soment e como órgão i nf or mat i vo, mas

pr i nci pal ment e como voz da i nst i t u i ção, t endo como al vo l ei t ores

não soment e v i ncul ados à maçonar i a gaúcha, mas t ambém prof anos,

ci r cul ando pelo país e pel o ext er i or , pr eocupação v i sível da di reção

em espal har o i nf or mat i vo pelo mundo.

A rev i st a mensal t rouxe est ampada em suas pági nas durant e

os onze anos de sua ex i st ênci a não soment e as del i ber ações da

di r et or i a do GORGS quant o às quest ões i nt er nas da ordem, mas

t ambém sua rel ação e o apoio a out ra obedi ênci as nacionai s e

i nt er nacionai s.

Em col unas sobre a hi st ór i a da i nst i t ui ção, encont ramos

sempr e um di scur so al t ruíst a, onde é exal t ado o val or da ordem

para a soci edade, seus f ei t os e sua verdade, na t ent at i va de

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perpet uar e consol i dar sua ex i st ênci a, a grande par t e das mat ér i as

eram equi vocadas e f ant asi osas, ao rel aci onar a sua t raj et ór i a com

l endas de essênios, A t l ânt i da ou mesmo Jesus Cr i st o. A s poucas

mat ér i as r el at i vas a sua at uação no Brasi l , eram geral ment e

rel aci onadas à i ndependênci a e à abol i ção da escr avat ura, mui t as

vezes repet i das sob a t ent at i va de f azer de sua i magem a

l i ber t adora do povo.

A s not íci as da campanha presi denci al de 1922, consegui mos

demonst rar que a apol i t i c i dade da i nst i t ui ção f i ca soment e no seu

di scurso, v i st o o amplo apoio do Grande Or i ent e do Rio Grande do

Sul ao candi dat o N i l o Peçanha, sob a al egação de o oposi t or

mi nei ro A r t hur Ber nar des est ar recebendo amplo apoio da I grej a

Cat ól i ca. A ssi m, a maçonar i a gaúcha, não é di f erent e do f enômeno

das maçonar i as l at i nas, onde a sua apol i t i c i dade vai at é onde f or

consi der ada necessár i a.

O debat e educaci onal t eve ampl o espaço nas pági nas da

rev i st a, apresent ando-se de manei ras di ver sas, desde di scussões

sobr e a urgênci a do ensi no l ei go, a f al ha t ent at i va na organi zação

de uma comi ssão pró-ensi no l ai co, e necessi dade gr i t ant e da

i nst i t ui ção da educação obr i gat ór i a.

Foi possível acompanhar pel o per i ódi co o i nsucesso na

t raj et ór i a das escol as f undadas por l oj as maçôni cas e pelo Gr ande

Or i ent e do Rio Grande do Sul , em cont rapont o à i nvest i da cat ól i ca

na educação do Rio Grande do Sul , que consegui u se consol i dar e

perpet uar . A s escolas maçôni cas exal t adas nas pági nas do O Del ta,

f i ndavam sua ex i st ênci a ger al ment e por quest ões f i nancei r as, sendo

poucas que t i veram sucesso e l ongo t empo de v i da.

O debat e sobr e o raci onal i smo e a ci ênci a t ambém f oram

honrados em vár i as edi ções da rev i st a. A ci ênci a er a v i st a como o

Deus do f ut uro, e que at ravés do desenvol v i ment o del a é que o

homem expl i cará o mundo à sua vol t a, rompendo com mi t os e

concepções rel i g i osas. A s Not íci as rel at i vas à c i ênci a eram

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geral ment e acompanhas com al f i net adas à I gr ej a Cat ól i ca,

most rando est a como i ni mi ga da ci ênci a e do progresso.

Com a per da do espaço para a I grej a Cat ól i ca no i ni ci o do

século X X , O Del ta t ornou-se ao mesmo t empo por t a-voz e ar ma

para o at aque ao ul t r amont ani smo. Nas pr i mei r as edi ções da

rev i st a, a cr ít i ca aparece si ngel ament e nas ent rel i nhas, mas com o

passar dos anos el a t orna- se pesada, agressi va e cont ínua, chegando

as ul t i mas edi ções t er em quase na tot al i dade de suas pagi nas

cr i t i cas ao cl ero cat ól i co.

A credi t amos que O Del ta t rouxe valor es a f rent e de seu

t empo, propi ci ado não só pel a i deologi a maçôni ca, mas

pr i nci pal ment e pelo ent rave ent re a M açonar i a e a I grej a Cat ól i ca,

t razendo em suas pági nas rei v i ndi cações para a soci edade gaúcha

como l i berdade rel i g i osa, a busca do ent endi ment o do mundo

at ravés da ci ênci a e do raci onal i smo, e a preocupação com a

i gual dade propost a pel a Const i t ui ção, anseio ai nda hoj e não

conqui st ado em sua pl eni t ude pel a soci edade brasi l ei ra.

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