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Manifesto contra a redução da idade penal Acesse a AJD via internet e-mail: [email protected] home page: www.ajd.org.br 1 JUÍZES PARA A DEMOCRACIA PUBLICAÇÃO OFICIAL DA ASSOCIAÇÃO JUÍZES PARA A DEMOCRACIA ano 5 nº 23 jan./mar. 2001 Constituição Federal de 1988 definiu a idade limite para a maioridade penal, classificando como inimputáveis penalmente os menores de 18 (dezoito) anos. O ECA, Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei Federal nº 8.069, de 13 e julho de 1990), em consonância com a Constituição, pro- pôs a responsabilização do adolescente (12 a 18 anos) autor de ato infracional, prevendo seis dife- rentes medidas sócio-educativas. Nos casos de mai- or gravidade, o adolescente pode cumprir medida sócio-educativa de privação de liberdade. O ECA não pro- põe a impunidade. Aproveitando o clima de insegurança disseminado no País frente aos crescentes ín- dices de criminalidade, trami- tam atualmente no Congresso Nacional vários projetos de lei que propõem a redução da idade penal. Os autores des- ses projetos têm procurado mobilizar a sociedade no sen- tido de que a imputabilidade penal seja reduzida dos atuais 18 para 16 anos. Com isso, os adolescentes, pessoas em pro- cesso peculiar de desenvolvimento, passariam a ser julgados pela Justiça comum e cumpririam pena no sistema penitenciário já a partir dos 16 anos. A redução da idade penal tem como conseqüên- cias: • a transformação do adolescente no "bode expiató- rio" responsável pelo clima de violência e insegu- rança social; • a criação de uma "cortina de fumaça", desviando a atenção da opinião pública das causas reais da vio- lência, que são a ausência do direito ao trabalho e ao salário justo; os apelos desenfreados do consu- mo; a impunidade e o fracasso dos mecanismos de controle social; a corrupção que atravessa todos os poderes públicos; a desresponsabilização do Esta- do, da escola e dos meios de comunicação de mas- sa pelas crianças e adolescentes; • a desqualificação do ECA como instrumento jurí- dico na regulação dos direitos e responsabilidades dos adolescentes, bem como do princípio constitu- cional que o sustenta. O limite fixado para a maioridade penal não pode ser confundido com a idéia de desresponsabilização da juventude: inimputabilidade não é sinônimo de impunidade. O critério de fixação da idade penal é essencialmente cultural e político, revelando o modo como uma sociedade lida com os conflitos e as questões da juventude, privilegiando uma lógica vingativo-repressiva ou uma lógica educacional. É uma ilusão achar que o sistema carcerário brasileiro poderá transformar adolescentes au- tores de atos infracionais em cidadãos que possam contri- buir produtivamente na so- ciedade. Portanto, posicionamo- nos contra a redução da idade penal. O adolescente autor de ato infracional deve ser responsabilizado por suas ações de acordo com as condições definidas pelo ECA, pois só desse modo estaremos formando cidadãos capazes de construir uma sociedade mais justa e solidária. Pro- pomos, portanto, que não se altere a Lei Federal nº 8.069, permanecendo a idade de responsabilização penal nos 18 anos; que as condições de cumprimen- to das medidas sócio-educativas promovam o res- gate da cidadania — direitos e deveres — de nossos adolescentes, um fator determinante no processo de inclusão social. No início do século XXI, continuamos sonhando que o Brasil seja o "país do futuro". Esse futuro só se tornará realidade quando houve um investimento real na educação e desenvolvimento de nossa ju- ventude. Associação Juízes para a Democracia e outras 27 entidades DEZ ANOS DO ECA DEZ ANOS DO ECA DEZ ANOS DO ECA DEZ ANOS DO ECA DEZ ANOS DO ECA DEZ ANOS DO ECA DEZ ANOS DO ECA DEZ ANOS DO ECA DEZ ANOS DO ECA DEZ ANOS DO ECA DEZ ANOS DO ECA DEZ ANOS DO ECA DEZ ANOS DO ECA DEZ ANOS DO ECA DEZ ANOS DO ECA A

Revista-o Mundo Encantado Da Teledemocracia

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Manifesto contra aredução da idade penal

Acesse a AJD via internet

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JUÍZES PARA ADEMOCRACIA

PUBLICAÇÃO OFICIAL DA ASSOCIAÇÃO JUÍZES PARA A DEMOCRACIA

ano 5nº 23

jan./mar.2001

Constituição Federal de 1988 definiu a idadelimite para a maioridade penal, classificandocomo inimputáveis penalmente os menores

de 18 (dezoito) anos. O ECA, Estatuto da Criança edo Adolescente (Lei Federal nº 8.069, de 13 e julhode 1990), em consonância com a Constituição, pro-pôs a responsabilização do adolescente (12 a 18anos) autor de ato infracional, prevendo seis dife-rentes medidas sócio-educativas. Nos casos de mai-or gravidade, o adolescente pode cumprir medidasócio-educativa de privaçãode liberdade. O ECA não pro-põe a impunidade.

Aproveitando o clima deinsegurança disseminado noPaís frente aos crescentes ín-dices de criminalidade, trami-tam atualmente no CongressoNacional vários projetos delei que propõem a redução daidade penal. Os autores des-ses projetos têm procuradomobilizar a sociedade no sen-tido de que a imputabilidadepenal seja reduzida dos atuais18 para 16 anos. Com isso, osadolescentes, pessoas em pro-cesso peculiar de desenvolvimento, passariam a serjulgados pela Justiça comum e cumpririam pena nosistema penitenciário já a partir dos 16 anos.

A redução da idade penal tem como conseqüên-cias:• a transformação do adolescente no "bode expiató-

rio" responsável pelo clima de violência e insegu-rança social;

• a criação de uma "cortina de fumaça", desviando aatenção da opinião pública das causas reais da vio-lência, que são a ausência do direito ao trabalho eao salário justo; os apelos desenfreados do consu-mo; a impunidade e o fracasso dos mecanismos decontrole social; a corrupção que atravessa todos ospoderes públicos; a desresponsabilização do Esta-do, da escola e dos meios de comunicação de mas-sa pelas crianças e adolescentes;

• a desqualificação do ECA como instrumento jurí-

dico na regulação dos direitos e responsabilidadesdos adolescentes, bem como do princípio constitu-cional que o sustenta.

O limite fixado para a maioridade penal não podeser confundido com a idéia de desresponsabilizaçãoda juventude: inimputabilidade não é sinônimo deimpunidade. O critério de fixação da idade penal éessencialmente cultural e político, revelando omodo como uma sociedade lida com os conflitos eas questões da juventude, privilegiando uma lógica

vingativo-repressiva ou umalógica educacional. É umailusão achar que o sistemacarcerário brasileiro poderátransformar adolescentes au-tores de atos infracionais emcidadãos que possam contri-buir produtivamente na so-ciedade.

Portanto, posicionamo-nos contra a redução daidade penal. O adolescenteautor de ato infracionaldeve ser responsabilizadopor suas ações de acordocom as condições definidaspelo ECA, pois só desse

modo estaremos formando cidadãos capazes deconstruir uma sociedade mais justa e solidária. Pro-pomos, portanto, que não se altere a Lei Federal nº8.069, permanecendo a idade de responsabilizaçãopenal nos 18 anos; que as condições de cumprimen-to das medidas sócio-educativas promovam o res-gate da cidadania — direitos e deveres — de nossosadolescentes, um fator determinante no processo deinclusão social.

No início do século XXI, continuamos sonhandoque o Brasil seja o "país do futuro". Esse futuro sóse tornará realidade quando houve um investimentoreal na educação e desenvolvimento de nossa ju-ventude.

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Um outro mundo é possível“Ella está en el horizonte.

Me acerco dos pasos, ella se aleja dos pasos.Camino diez pasos y el horizonte se corre diez

pasos más allá. Por mucho que yo camine, nuncala alcanzaré. Para qué sirve la utopía?

Para eso sirve: para caminar.”(Eduardo Galeano,

Las palabras andantes)

início deste milênio foi um março históricopara os que sonham com um outro mundo, umoutro planeta, como sonha a Associação Juízes

para a Democracia.No sonho não haverá lugar para a realidade que o

Banco Mundial informa atual-mente existir: dois terços dapopulação vivendo abaixo dalinha da pobreza; 2,8 bilhõesdos 6 bilhões de habitantes doGlobo Terrestre auferindo ren-da mensal inferior a US$ 60(1,2 bilhão ganhando menos deUS$ 30); mais de 25% de sereshumanos sem acesso a água po-tável.

Crianças do Quênia e de ou-tros países não estarão morren-do por não terem condições defazer uso do medicamento oci-dental para a AIDS, a um custode US$ 3.000 por ano, enquanto a mesma medica-ção, se genérica, poderia custar apenas US$ 350 aoano (Folha de S. Paulo de 28.2.2001, A9).

De outro lado, a riqueza não será dividida deforma a que 447 pessoas — ilustres privilegiadas!— tenham renda equivalente à da metade da popu-lação mundial e que apenas 04 norte-americanospossuam, juntos, o equivalente ao PIB de 42 na-ções, com uma população total de 600 milhões dehabitantes.

Utopia? Se a utopia ser-ve para caminhar, comoressalta Eduardo Galeano,o primeiro passo foi dado.Foi registrado em PortoAlegre, no Forum SocialMundial, que teve comopauta básica a relação en-tre riqueza e democracia.

As reflexões e discus-sões, naquele evento, ocor-reram sobre quatro eixosbásicos.

1 - A produção de rique-zas e a reprodução social,com o desafio dos seguin-tes questionamentos: Co-mo construir um sistema deprodução de bens e servi-ços para todos? Que co-mércio internacional que-remos? Que sistema finan-ceiro é necessário para as-segurar a igualdade e o de-senvolvimento? Como ga-rantir as múltiplas funçõesda terra?

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2 - O problema do acesso às riquezas e a sustenta-bilidade, desdobrando-se em: Como traduzir o de-senvolvimento científico em desenvolvimento hu-mano? Como garantir o caráter público dos benscomuns à humanidade, sua desmercantilização,assim como o controle social sobre o meioambiente? Como promover a universalização dosdireitos humanos e assegurar a distribuição de ri-quezas? Como construir cidades sustentáveis?

3 - A afirmação da sociedade civil e dos espaçospúblicos, sob os seguintes desafios: como fortalecera capacidade de ação das sociedades civis e a cons-trução do espaço público? Como assegurar o direitoà informação e a democratização dos meios de co-

municação? Quais os limites epossibilidades da cidadaniaplanetária? Como garantir asidentidades culturais e protegera criação artística da mercanti-lização?

4 - Poder político e ética nanova sociedade, reportando-seàs seguintes perguntas: Quaissão os fundamentos da demo-cracia e de um novo poder? Co-mo democratizar o poder mun-dial? Qual o futuro dos Estados-Nações? Como mediar os con-flitos e construir a paz?

Além dos quatro eixos hou-ve inúmeras oficinas que revelaram a pluralidade e ariqueza do Forum Social Mundial.

Convém lembrar que para os brasileiros, o proces-so de globalização adquiriu, por razões histórico-sociais, uma dimensão particularmente perversa.

A concentração de renda, entre nós, é das maisaltas do mundo. A renda dos brasileiros mais ricos(10%) é em média trinta vezes maior que a renda dosbrasileiros mais pobres (40%). Na França, a diferen-ça é de cinco vezes, Na Argentina, de dez vezes. Amiséria e a injustiça social são marcantes na estrutu-ra agrária do Brasil. Entramos no século XXI semresolver o problema da terra. A reforma agrária —que é muito mais que a mera distribuição de terras —está com um atraso de cem anos com relação aospaíses do primeiro mundo.

É de perguntar: Que espaço terá o povo pobrede um país pobre na disputa mercadológica de ummundo que se preconiza sem fronteiras para o ca-pital?

A corrupção endêmica, sobretudo a que grassa noseio dos governos, comprometendo a boa aplicaçãodos recursos em obras de cunho social, acentua osprivilégios da elite e a exclusão social das massaspopulares. Assistimos a esgarçamento do tecido so-cial em face de não ter o Estado tratado de dar verda-deira cidadania à população. Vivemos sob o domí-nio da “política” do é dando que se recebe, do com-padrio, dos favores pessoais, do socializar o prejuí-zo e privatizar o lucro.

Muitas pessoas ilustradas, que se julgam bempensantes, formadoras de opinião, estão ensimesma-das, só pensando em sua vida: no seu desempenhoprofissional, não como fator de aprimoramento dasociedade em que vivem, mas como mera expressãode seu ego; no seu sucesso social; em suas viagens aMiami. �

É de perguntar:Que espaço teráo povo pobre deum país pobre nadisputa mercadológicade um mundo quese preconizasem fronteiraspara o capital?

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CONSELHO DE ADMINISTRAÇÃO:Kenarik Boujikian Felippe

(Presidente do Conselho Executivo)Marcelo Semer

(Secretário do Conselho Executivo)Sylvia H. Figueiredo Steiner

(Tesoureira do Conselho Executivo)Marcos Pimentel TamassiaAngélica M. Mello de AlmeidaAntonio Celso Aguilar CortezUmberto Guaspari Sudbrack

SUPLENTES:Hélio Egydio de Matos NogueiraDora Aparecida Martins de MoraisAntonio Jurandir Pinoti

CONSELHO EDITORIAL:Dyrceu Aguiar Dias Cintra JuniorEmanoel Tavares CostaKenarik Boujikian FelippeMarcos Pimentel TamassiaAngélica M. Mello de AlmeidaSylvia H. Figueiredo SteinerAntonio Celso Aguilar CortezDora Aparecida Martins de MoraisMarcelo SemerRoberto Caldeira BarioniAry CasagrandeRanulfo de Melo Freire

JORNALISTA RESPONSÁVEL:Suely Hiromi Furukawa (MTb nº 14.183/52/57)

PERIODICIDADE: bimestralPRODUÇÃO GRÁFICA: Ameruso Artes Gráficas - Tel.: (11) 215-3596Fax: (11) 591-3999 - E-mail: [email protected]ÁFICA: Ativa Editorial Gráfica - Tel./Fax: (11) 3277-9181TIRAGEM: 20.000 exemplares

Os artigos assinados não correspondem, necessariamente,ao entendimento da AJD, e todo o material publicado pode

ser reproduzido desde que citada a fonte.

Rua Tabatinguera, 140 - conj. 912 - CEP 01020-000 - São Paulo - SPFone: (11) 3105-6751 - Fax: (11) 3105-3611

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JUÍZES PARA ADEMOCRACIA

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Não é à toa que no mesmo mo-mento em que a globalização econômi-ca permite e incentiva que a elite moreem Miami, levando para aquele lugar ariquezas que acumularam no Brasil,brotam denúncias de corrupção envol-vendo estas mesmas pessoas (políticos,empresários, juízes) e multiplicam-seas CPIs que, quase sempre, buscam in-formações sobre o sumiço de dinheiropúblico brasileiro na Flórida e em suasadjacências caribenhas.

O interesse dos que ganham com aglobalização é despolitizar as pessoas.Incentivadas a se preocupar com nadamais que o mundo em volta do próprio

umbigo, elas se esquecem que existealgo maior que é a sociedade, o interes-se coletivo, o bem estar de todos. Aca-bam alimentando processos de cor-rupção, consciente ou inconsciente-mente.

O “desmonte” do Estado a que assis-timos obedece a uma lógica perversa:se o Estado está afundado em incompe-tência e corrupção querem os neolibe-rais que os que fomentam a incompe-tência em benefício próprio, corrupto-res e corruptos, tomem conta da socie-dade e descartem o Estado.

É preciso reagir. Sempre houve cor-ruptos e corruptores. Mas, hoje, emtempos de privatizações, chegada decapital estrangeiro, terceirizações e fle-xibilizações de direitos sociais, os ní-veis subiram alto e a marca da impuni-dade já se torna insuportável.

Mas que controle de corrupção sepode esperar de Estados sem verdadei-ra soberania, submissos que estão aosinteresses do capital internacional?

O gigantesco encontro que consti-tuiu o Forum Social Mundial, por feli-cidade realizado no Brasil, em Estadoque sempre se distingüiu pelas lutas so-ciais e pela aguda politização e organi-zação do povo, nos deu um alento.Criou-se um espaço aglutinador das lu-

O interesse dos queganham com aglobalização édespolitizar as pessoas.Incentivadas a sepreocupar com nadamais que o mundoem volta do próprioumbigo ...

tas, caracterizado pela diversidade epluralidade de experiências, anuncian-do que rechaça o pensamento único,que tem o mercado como mola propul-sora do mundo.

A pluralidade de pensamento tem

um ponto de convergência: a dignida-de da pessoa, que só pode estar garanti-da sob o alicerce da fraternidade, liber-dade e igualdade.

O Forum Social Mundial abriu aporta para a prazerosa luta por um mun-do em que as pessoas usufruam o atri-buto da dignidade. Os encontros serãoanuais, mas o trabalho para a democra-cia e socialismo é diuturno.

A pluralidade depensamento temum ponto deconvergência: adignidade da pessoa,que só pode estargarantida sob o alicerceda fraternidade,liberdade e igualdade.

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ramitam no Congresso Nacionalvárias propostas de emenda àConstituição que visam conferir

nova redação ao artigo 228 da CF, re-baixando a idade de responsabilidadepenal para dezesseis anos.

Tais propostas não podem ser apro-vadas não só porque a maioridade pe-nal está incluída entre as cláusulas pé-treas, mas também porque o País estarávivendo um retrocesso em matéria dedireito da criança e do adolescente eserá um atestado da incompetência dopaís na implementação de uma lei mo-derna e de acordo com tratados e con-venções internacionais sobre a matéria,os quais se fundamentam no princípioda proteção integral da criança e doadolescente.

Primeiramente, há que se destacarque as propostas apresentadas de emen-da à constituição encontram óbice le-gal, já que a maioridade penal está in-cluída entre os direitos e garantias indi-viduais e, por isso, corresponde à cláu-sula pétrea, prevista no artigo 60, inci-so IV, da CF. Neste sentido vale trans-crever opinião do ilustre Procurador deJustiça Olympio de Sá Sotto MaiorNeto, em tese apresentada no IV Con-gresso da Associação dos Magistradose Promotores da Infância e Juventude, aqual foi aprovada por unanimidade, inverbis:

“O primeiro ponto que deve ser res-saltado — e que importa, na prática,fulminar com qualquer proposta deemenda constitucional direcionada àdiminuição da imputabilidade penal —contempla a conclusão de que a impu-tabilidade penal somente a partir dosdezoito anos, trazida à condição de câ-none constitucional pela AssembléiaNacional Constituinte de 1988, corres-ponde a cláusula pétrea e, por isso mes-mo, insuscetível de modificação porvia de emenda, conforme comando doart. 60, § 4º, da Constituição Federal(assim: “Não será objeto de delibera-ção a proposta de emenda constitucio-nal tendente a abolir: ... IV - os direitose garantias individuais”). Embora topo-graficamente distanciada do art. 5º, daConstituição Federal (pois, afinal, pelaprimeira vez em nossa história consti-tucional destinou-se um capítulo ex-clusivo para tratar da família, da crian-ça, do adolescente e do idoso), não hádúvida de que a regra doa rt. 228, daConstituição Federal, apresenta nature-za análoga aos direitos, liberdades e ga-rantias (como anota Gomes Canotilho,“os direitos de natureza análoga são di-reitos que, embora não referidos no ca-tálogo dos direitos, liberdades e garan-tias, beneficiam de um regime jurídicoconstitucional idêntico aos destes” ou,na observação de Alexandre de Moraes,“a grande novidade do referido art. 60

Redução da idade penalestá na inclusão, entre as limitações aopoder de reforma da Constituição, dosdireitos inerentes ao exercício da de-mocracia representativa e dos direitose garantias individuais, que por não seencontrarem restritos ao rol do art. 5º,resguardam um conjunto mais amplode direitos constitucionais de caráterindividual dispersos no texto da CartaMagna”). Vale dizer, os menores de de-zoito anos a quem se atribua a práticade um comportamento previsto na le-gislação como crime ou contraven-ção têm o direito fundamental (que setraduz também em garantia decorrentedo princípio constitucional da prote-ção especial) de estar sujeito às normasdo Estatuto da Criança e do Adolescen-te (recebendo, se for o caso e como res-posta à sua conduta ilícita, as medidassocio-educativas) e afastados, portan-to, das sanções do Direito Penal. É este,inclusive, o pensamento do ForumDCA (Forum Nacional de Defesa daCriança e do Adolescente).”

Analisando pelo lado político e so-cial, observa-se que os autores e defen-sores dessas emendas acreditam que,com essa nova ordem legislativa, en-contraremos a tão sonhada diminuiçãoda criminalidade juvenil, o que se tra-duz em equívoco.

Caso seja aprovada alguma dasemendas constitucionais acima citadas,o país estará vivendo um retrocesso emmatéria de direito da criança e do ado-lescente e será um atestado da incom-petência do País na implementação deuma lei moderna e de acordo com trata-dos e convenções internacionais sobrea matéria, os quais se fundamentam noprincípio da proteção integral da crian-ça e do adolescente.

A sociedade deve posicionar-se con-trária a modificações constitucionaisque visam apenas apresentar soluçõessimplistas e que não resolverão a ques-tão da criminalidade juvenil no País.Ao revés, deve discutir as verdadeirascausas da violência entre os jovens ecobrar das autoridades responsáveis aimplementação do Estatuto da Criançae do Adolescente, principalmentequanto às medidas sócio-educativas aliprevistas.

Os argumentos mais comuns à defe-sa do rebaixamento da idade penal re-ferem-se à crença de que os adolescen-tes são os responsáveis por grande par-te da violência praticada no país e a deque os adolescentes infratores ficamimpunes em face das disposições doECA.

Alguns dados estatísticos mostramque os adolescentes são responsáveispor menos de 10% das infrações regis-tradas, sendo que deste percentual73,8% são infrações contra o patrimô-nio e 50% são furtos. Já os crimes con-

tra a vida representam apenas 8,46%.(Caderno1 DCA - SNDH - MJ - Atendi-mento ao adolescente em conflito coma lei - Coleção Garantia de Direito).

Outro argumento amplamente divul-gado contra a manutenção da idade pe-nal aos dezoito anos é o de que nadaacontece com os jovens que praticamatos infracionais. Ao contrário, o ECAprevê responsabilização dos adolescen-tes que praticam ato infracional, sub-metendo-os à ação sócio-educativa,que ao final poderá resultar na aplica-ção de uma das medidas previstas noartigo 112 do ECA, inclusive com a pri-vação total ou parcial da liberdade portempo indeterminado. Na verdade, asmedidas sócio-educativas de semiliber-dade e internação, em muitas vezes, sãomais eficazes do que as penas privati-vas de liberdade em regime fechado ousemi-aberto, em face dos projetos peda-gógicos ali desenvolvidos.

Várias experiências bem sucedidasem cidades brasileiras mostram que adiminuição da criminalidade entre ado-lescentes depende de uma aplicaçãoeficiente das medidas sócio-educativas,por intermédio de um esforço conjuntodo Poder Judiciário, Ministério Públi-co, Poder Executivo local, em parceriacom organizações não governamentaise universidades.

E foi pensando nisso que a Agênciade Notícias do Direito da Infância e daJuventude - ANDI, Fundação EducarDPaschoal, ILANUD, BNDS e UNICEFcriaram o Prêmio Socio-educando, quevem reconhecendo o trabalho de pes-soas e organizações que se destacam naaplicação criativa das medidas socio-educativas em meio aberto, demons-trando sua viabilidade e eficácia emconsonância com a CF-88 e normativanacional e internacional de proteção àcriança e ao adolescente.

Dentre as experiências acima cita-das, vale destacar a medida socio-edu-cativa de Liberdade Assistida Comu-nitária que foi adotada em algumascidades brasileiras, que conta com acontribuição de voluntários da comu-nidade ou universitários, previamen-te cadastrados e capacitados, os quaisacompanham o adolescente e sua fa-mília, promovendo-os socialmente(inclusão na escola e qualificação pro-fissional, colocação no mercado de tra-balho, etc).

Outro argumento utilizado pelosdefensores da mudança da idade pe-nal é o de que os jovens de dezesseisanos já possuem discernimento sufi-ciente para responder por seus atos,citando como exemplo a capacidadepara o voto.

Primeiramente, há de se considerarque a lei brasileira fixa diversos parâ-metros etários para o exercício de di-

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reitos civis. Somente se adquire a ca-pacidade plena aos vinte e um anos deidade. As exceções existentes advêm dedecisões legislativas de caráter políti-co e nada têm a ver com o amadureci-mento. É bom lembrar que o direitopolítico de voto aos dezesseis anos éfacultativo, ou seja, apenas aqueles quese sintam preparados exercem o referi-do direito. No entanto, os adolescentesnão são elegíveis e não podem exercercargos públicos de qualquer natureza,sendo que para alguns se exige inclusi-ve idade superior. Isso demonstra que olegislador não atribuiu capacidade dediscernimento plena aos menores de de-zoito anos.

É preciso salientar também que osadolescentes infratores em sua grandemaioria não têm qualquer consciênciaquanto ao direito de voto e muito me-nos quanto aos atos civis que podempraticar. Alguns não possuem sequercertidão de nascimento. Sendo assim,fica esvaziada a discussão quanto aodiscernimento para o exercício de taisdireitos, já que não o exercem e sequertêm consciência deles.

Argumenta-se também que essesadolescentes têm acesso a inúmeras in-formações, trazendo-lhes, portanto,amadurecimento e capacidade de en-tendimento de seus atos. É verdadeque os jovens atualmente recebemmais informações, mas elas são rece-bidas quase sempre pela televisão,que é o meio de comunicação de mas-sa de maior alcance. O argumento nãoprevalece na medida em que a televi-são divulga informações sem qual-quer preocupação com a formaçãodesses jovens. Os programas televisi-vos banalizam o sexo e a violência embusca de gigantescos lucros e os jovensabsorvem essas informações sem o juí-zo crítico necessário, prejudicando suaformação. Na verdade não se pode afir-mar que o amadurecimento dos adoles-centes advém do acesso a essas infor-mações.

Isso não significa que o jovem me-nor de dezoito anos não possua cons-ciência da ilicitude de uma condutaque eventualmente venha a praticar.Qualquer criança de seis ou sete anostambém já tem capacidade de distin-guir o que é certo ou errado. Ocorreque a atual normativa constitucional,que fixa a idade penal em 18 anos,não leva em consideração apenas acapacidade de discernimento, mastambém a inadequação do sistemaprisional para recuperação de um jo-vem que ainda está em processo deformação de sua personalidade. Por suacondição peculiar de pessoa em desen-volvimento, o adolescente deve rece-ber tratamento diferenciado de umadulto. O jovem nessa idade é muitomais susceptível a mudanças em seucomportamento, em face de sua maiorpotencialidade em responder positiva-mente a um processo pedagógico, po-

dendo modificar sua trajetória de vida.Se colocado em um presídio conviven-do com adultos criminosos, dificilmen-te será recuperado.

É necessário ressaltar também que osistema penitenciário brasileiro nãoestá preparado para receber essa parce-la de infratores entre dezesseis e dezoi-to anos. É de conhecimento públicoque a superpopulação carcerária corres-ponde hoje a três vezes mais do que adisponibilidade de vagas do sistema.Isso sem computar os mais de trezentosmil mandados não cumpridos. Comotodos sabem, essa superpopulação car-cerária e a falta de investimentos na re-educação do preso resultaram em ambi-entes prisionais promíscuos, violentose com total desrespeito aos direitos hu-manos, não havendo qualquer chancede ressocialização de um adulto. Me-nos sucesso ainda terá no trabalho comos adolescentes, que apresentam carac-terísticas singulares por estarem em de-senvolvimento.

Outra questão que merece ser consi-derada é que a redução da idade penalirá atingir basicamente os adolescentesque são vítimas de um sistema de ex-clusão social e sofrem com a miséria eo abandono. A experiência na Promo-toria de Justiça da Infância e da Ju-ventude do DF comprova que a maio-ria absoluta dos adolescentes infrato-res é oriunda das camadas menos privi-legiadas, cujas famílias têm pouca ounenhuma fonte de renda para a sobrevi-vência. Além disso, vários desses ado-lescentes são vítimas de violência físi-ca e moral dentro de seus próprios lares,pois provêm de famílias desestrutura-das, acabando por reproduzir essescomportamentos na sociedade.

Conclui-se, portanto, que, antes dese discutir a redução da idade penal, épreciso cumprir o que determina o arti-go 4º do ECA, que é uma reproduçãodo artigo 227 da CF, que dispõe que édever de todos — Família, Sociedade ePoder Público — assegurar os direitosfundamentais das crianças e adolescen-tes, com absoluta prioridade. Já o pará-grafo único explicita em que consisteessa prioridade, consignando, entreoutras, a preferência na formulação ena execução das políticas sociais pú-blicas e na destinação privilegiada derecursos públicos nas áreas relaciona-das com a proteção à infância e à ju-ventude.

O Brasil nunca priorizou os investi-mentos necessários à efetivação dos di-reitos das crianças e adolescentes, pre-vistos no artigo 4º do ECA e artigo 227da CF, não cabendo exigir que os filhosdas classes baixas tenham o mesmo dis-cernimento dos jovens que vivem empaíses desenvolvidos que recebem porparte do Estado, da sociedade e da fa-mília os cuidados necessários a um de-senvolvimento em condições de digni-dade, tal como exigido no artigo 3º doECA, mas solenemente ignorado pelos

responsáveis pela sua implementação.Ora, se não lhes possibilitaram o exer-cício pleno de seus direitos fundamen-tais, como cobrar-lhes o respeito aosdireitos dos demais cidadãos?

O Departamento da Criança e doAdolescente, da Secretaria Nacionaldos Direitos Humanos, realizou ma-peamento do atendimento socio-edu-cativo ao adolescente autor de ato in-fracional, em todo país, em agosto/97, apresentando os seguintes dados:7,12% são analfabetos e 71,01% nãoconcluíram o ensino fundamental,dos quais 45,97% estão cursando o 1ºgrau menor e 25,04% o 1º grau maior.Vale destacar também que em todo opaís apenas 3,96% dos adolescentessob medida sócio-educativa concluí-ram o ensino fundamental. (Caderno1DCA - SNDH - MJ - Atendimento aoadolescente em conflito com a lei - Co-leção Garantia de Direito).

A falta de vontade política dos go-vernantes na implementação de políti-cas básicas é um dos fatores responsá-veis pelo aumento da criminalidade emtodas as faixas etárias. Por outro lado,não se pode esperar outra conseqüên-cia senão o aumento da violência urba-na em um país com uma péssima distri-buição de riquezas, onde há uma con-centração absurda da renda nas mãos depoucos, sendo que grande parte da po-pulação fica marginalizada, ou seja,sem efetivamente usufruir das riquezasproduzidas pelo país. Não se pode es-perar resultado diverso em um país quevive atolado em miséria, fome, desem-prego, onde a grande maioria do jovemnão tem acesso a atividades de lazer,cultura e esporte, permanecendo todo otempo na ociosidade e, como conseqü-ência, acabam desviando-se para a cri-minalidade.

Por outro lado, a própria sociedadetem se mostrado omissa não só quantoà cobrança do papel do Estado, comotambém a questionar as verdadeirascausas do aumento da criminalidade.Diante do crescimento da violência, asociedade prioriza soluções imediatis-tas, as quais não vão sanar as causas doproblema.

Por fim, conclui-se que o Estatuto daCriança e do Adolescente oferece ins-trumentos eficazes para a ressocializa-ção dos infratores, desde que as medi-das sócio-educativas sejam bem apli-cadas e que para a efetiva redução dacriminalidade juvenil é necessária aadoção de medidas políticas e adminis-trativas capazes de possibilitar o aces-so das crianças e adolescentes às políti-cas sociais públicas, bem como de me-didas judiciais garantidoras do princí-pio da prioridade absoluta, estampadano artigo 227 da CF.

Cleonice Maria Resende eHelena Rodrigues Duarte

Promotoras de Justiça do MPDFT

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JUÍZES PARA A

DEMOCRACIA

ndubitavelmente segurança públicaé uma das pautas mais cotidianasdos cidadãos brasileiros, mormente

daqueles que residem em grandes cen-tros urbanos e convivem com a violên-cia diuturnamente. Muitos discursossão elaborados buscando uma soluçãoquiçá mágica ou imediata para o referi-do problema.

As respostas que o Executivo vemoferecendo no sentido de ampliar a ca-pacidade do sistema prisional tem mos-trado pouco ou nenhum resultado. Nagestão Mário Covas dezenas de com-plexos penitenciários foram construí-dos gerando impacto zero na diminui-ção da criminalidade. Dados da Secre-taria Penitenciária e Secretaria da Se-gurança Pública indicam que a despei-to das mencionadas obras, a populaçãocarcerária do Estado de São Paulo cres-ceu de 55.021 em 1994 para 90.039 emjulho de 2000, provando que capaci-dade prisional não reduz a criminalida-de, tampouco pacifica a população car-cerária. (vide o triste episódio do mo-tim coordenado ocorrido na totalidadedas mencionadas instituições dia 18 defevereiro).

O contradiscurso diametralmenteoposto que sustenta que o crime é frutoda má distribuição de renda tampoucoacena com possibilidades de soluçõesanteriores à construção de uma socie-dade igualitária e justa.

Outras respostas surgem entre esta eaquela. Uma delas insiste numa refor-ma sistemática do Código Penal ampli-ando a pena ou então engrossando orol dos crimes hediondos. Inclua-senessa linha a defesa da pena de morte eprisão perpétua. Uma outra, centralnessa análise, é a diminuição da maio-ridade penal para dezesseis anos.

Todas as respostas supramencio-nadas partem de um pressuposto extre-mamente questionável: a prisão é amelhor reação estatal para o indivíduotransgressor das normas penais.

Inúmeros argumentos de ordem cri-minológica poderiam ser invocados.

Poder-se-ia questionar o caráter resso-cializador da pena; poder-se-ia discutiro estigma de delinqüente de que oegresso não consegue se desvencilhar,conduzindo a reincidir; poder-se-ia fi-nalmente questionar a real necessidadede tutelar determinados bens jurídicosque ainda conduzem à prisão.

Valhamo-nos, porém, da observaçãode índices sintomáticos: a reincidênciaabala fortemente o mito da ressociali-zação da pena. Nada menos que 47%dos egressos do sistema penitenciárioreincidem. A tese se reforça quando ob-servamos como os índices de reinci-dência caem absurdamente nos casosde penas alternativas: a porcentagemcai para 12,5 %. O índice de reincidên-cia da Febem é de 7,5% o que provaque, por pior que seja, essa instituiçãonão é pior que a cadeia.

Derrubado o mito, atentemos maisuma vez ao motim supramencionado:cadeia não é lugar para adolescentesem conflito com a lei estarem. É bemverdade que a Febem não responde asua finalidade. Não podemos, entretan-to, aceitar o argumento de que, por de-veras estar profundamente maculadaem sua estrutura, a Febem seja menos

Algumas reflexões acercada redução da maioridade penal

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JUÍZES PARA ADEMOCRACIA

É bem verdade quea Febem não respondea sua finalidade.Não podemos,entretanto, aceitaro argumento de que,por deveras estarprofundamentemaculada em suaestrutura, a Febemseja menos efetivaque a prisão.

efetiva que a prisão. Considere-se queo Estatuto da Criança e do Adolescenteencontra-se em seu quase 11º aniversá-rio e ainda é extremamente desconhe-cido pelas instâncias formais de podere não pôde mostrar sua capacidade realde impacto em jovens transgressores. Abem da verdade não houve uma absor-ção do Estatuto. Ainda assistimos àaplicação dessa carta na filosofia doCódigo de Menores, ou seja, direitopenal do menor. O ECA é um diplomaextremamente bem elaborado, comple-xo (em face da confluência de diversosramos do Direito) e suficientementeamplo para que as instâncias formaisde controle ajustem a composição deconflitos pesando as particularidadesda gênese criminal e das disfunções so-ciais orgânicas e institucionais queafligem a sociedade brasileira notada-mente de grandes centros urbanos. Nãose trata de estender o Código Penal aosjovens; ao contrário, trata-se de um mo-delo revolucionário sobre o qual osoperadores do direito ainda não se de-bruçaram devidamente. Afinal, o nú-mero de jovens internos é infinitamen-te menor que o de reclusos, facilitandoum tratamento especializado para estesque a colocação dos mesmos num sis-tema com 90000 adultos padecendo deproblemas específicos.

Antes de reproduzir um modeloque está estrangulado e visivelmentepremente de reforma para os jovensde nosso país, é mister nos valermosdos instrumentos jurídicos já exis-tentes bem como de experiências bemsucedidas nessa matéria no Brasil eno Mundo. Ainda não explorou-se acontento as medidas sócio-educati-vas em meio aberto bem como proje-tos de tratamento real e efetivo dosjovens que delinqüem.

Definitivamente o futuro de nossoPaís não merece prisão.

Davi de Paiva Costa TangerinoInstituto Sou da Paz

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JUÍZES PARA A

DEMOCRACIA

O mundo encantado da teledemocracias novas tecnologias de comunica-ção têm modificado nossa maneirade pensar. Até os anos 70, nossa

mente não fugia muito do escolasticismointrojetado pela educação escolar. Tínha-mos um raciocínio dialético, alternandotese, antítese e síntese.

Agora, com a Terceira Revolução, a dacibernética (a primeira foi a agrícola, quedurou 50.000 anos; a segunda, a industri-al, eclodida há 100 anos), começamos apensar a partir das noções de redes, para-doxos, simulações, interatividade, inclu-sive entre o ser humano e a máquina.

Vivemos a era da convergência entre otelefone, a informática e o sistemarádiotelevisivo. A compressão numéricapermite-nos dispor, num mesmo termi-nal, de variado leque de imagens, sons edados. Podemos, assim, ver TV no com-putador e, por telefone, enviar mensagensescritas e/ou visuais (fax/e-mail) e deci-dir o enredo dos programas televisivos(ex: Você decide).

Descontextualização

Nesse cipoal de novas tecnologia decomunicação, vence a imagem. Sua su-premacia tende a reduzir a função do jor-nalista como intermediário entre o fato eo público.

A CNN, ao mostrar as bombas “made inUSA” sobre o Iraque ou, em outubro de1993, o ataque das tropas de Ieltsin contrao parlamento russo, não fez nenhum co-mentário. Limitou-se a exibir imagens,evocando a onipresença do telespectador.Algo semelhante ocorreu quando a em-

baixada japonesa em Lima foi invadidapelas tropas que derrotaram os guerrilhei-ros do Tupac Amaru e libertaram os reféns.

Esse processo de mera visualizaçãodos fatos reforça uma tendência perigosada mídia: a descontextualização. Embo-ra a tecnologia funcione em redes, a no-tícia tende a ser ancorada apenas na ima-gem. Sem análise jornalística, mostran-do os antecedentes e as implicações, otelespectador fica desprovido de contex-tualização. O “Quem? Onde? Como?Quando? Por quê?” dos meus tempos dealuno do curso de Jornalismo da Univer-sidade do Brasil, no Rio, tem lá a suautilidade.

A TV é uma realidade virtual. Ela nostraz a sensação de estar presentes aos acon-tecimentos, sem risco de ser afetados poreles, exceto em nossa sensibilidade. Issofavorece novos comportamentos, comorestringir a participação na vida social àmera informação. Engajada, outrora, erauma pessoa inserida num dos canais demediação política da sociedade (movi-mentos sociais, sindicais, partidários,culturais, ideológicos, religiosos etc).

Hoje, basta “saber das coisas”. Isso detal modo faz parte da consciência e dohábito do emissor, que ele chega a se sen-tir muito incomodado quando os fatos oobrigam a alterar a programação previa-mente estabelecida.

O desafio da mídia, hoje, é fazer dotrivial espetacular. É o modo de conquis-tar leitores e audiência. Não interessa tan-to nos fazer refletir. Importam o fantásti-co, o inusitado, o maravilhoso, o parado-xal. Nossas emoções são o alvo, não nos-

Asa cabeça. Assim, somos convocados aoVocê decide de situações virtuais, român-ticas, hipotéticas, pois não convém cen-trar o debate público em torno dos salá-rios, da reforma agrária, da recessão e dogoverno.

A teledemocracia ainda é restrita aomundo encantado do entretenimento.Está mais para Disneycracia. Salvo rarís-simas exceções, de publicações e progra-mas de rádio ou TV, ainda estamos longede uma mídia que dê conta de suas cincofunções, sem excluir nenhuma: 1) infor-mação; 2) entretenimento; 3) transmis-são do patrimônio cultural; 4) aprimora-mento da consciência e do espírito; 5)mobilização (em função de uma causa oude um produto, de um candidato ou deuma utopia).

Quanto ao que realmente interessa,perdura a ditadura do consenso. Não ha-verá, pois, plena democracia enquantonão houver democratização dos meios decomunicação, de tal modo que os recep-tores tornem-se também emissores. Nessesentido, devem merecer todo o nossoapoio iniciativas como as rádios e TVscomunitárias; a organização da socieda-de civil para controle da qualidade da TVaberta (não confundir com censura); arevisão, conforme o previsto em lei, dasconcessões públicas de rádio e TV; tribu-to aos cofres públicos sobre o montantearrecadado em publicidade por rádios eTVs etc.

Frei BettoEscritor, autor do romance Entre todos os

homens (Ática) e outros livros.

ão vingou a emenda constitucio-nal que buscava instituir uma pro-teção concreta ao direito à honra

e à imagem das pessoas.Articulou-se inteligentemente a Mí-

dia atrás da expressão “Lei da Morda-ça” para sugerir que a sua instituiçãoimplicaria um retorno à ditadura. So-mou (dentre outros segmentos) políti-cos de todas as tendências e o que cha-mou, cinicamente, no Rio Grande doSul, de “bravos juízes”. Saiu-se mais vi-toriosa no seu negócio lícito de vendernotícia, mas também no negócio ilícitode fazê-lo diuturna, apressada e vili-pendiosamente, à custa da imagem ehonra de pessoas e, agora (?), mais doque nunca, para além do beneplácito deautoridades legalmente investidas,transveste algumas dessas autoridadesem protagonistas de “shows” sensacio-nalistas de lesões de direitos de todaordem que, justamente, a emenda bus-cava impedir. Em última análise, saiu-se vitoriosa e ainda mais desafiadora nasua busca insaciável do que Noam

Lei da Mordaça: expressão e conteúdo (II)Chomsky denominou de “consenti-mento manipulado”.

A desproteção do direito à honra e àimagem das pessoas está a produzir, apartir dessa Mídia, alguns resultados:no atacado, não apenas ela ajuda amanter a ideologia discriminatória daexclusão social mas vem a consolidar,cada vez mais, uma instância concor-rente de julgamento com o Poder Judi-ciário, onde não há lugar para garantiasconstitucionais e em cuja condenaçãonão há recurso; no varejo, além de fazeraparecer e cumpliciar-se com as autori-dades-show, elege e discrimina o cida-dão a condenar — quase sempre o de-sassistido material e intelectualmente— ou, quando o faz sobre o material-mente assistido, escolhe justo aqueleque não compromete a produção dojornal (expressão de amplo sentido) ecuja indenização por dano moral passaa ser contabilizada na conta “lucros eperdas”.

A proteção desses direitos humanosindividuais de honra e imagem — refe-

rência de identidade a toda pessoa —não deve excluir e nem ser excluídapelo direito de informar e de ser infor-mado, equivalendo dizer que tais direi-tos não se repelem.

Quem sabe, além de uma discussãosocial mais ampla sobre o assunto, mes-mo com a derrota da Lei da Mordaça,não se mostram eficazes campanhas go-vernamentais e não governamentaisem prol do direito à honra e imagemdas pessoas, e, mais fundamentalmen-te, campanhas em prol da ética paraquem detém a concessão do serviçode informar; a advocacia gratuita am-pliada aos desassistidos na defesadesses direitos, e, finalmente, umacondenação ao infrator levando-se emconta a importância desses direitos ci-vis para a construção de uma cidadaniaigualitária.

João Abílio de Carvalho RosaJuiz de direito aposentado no RS,

Mestre em direito pela Universidadede Londres e Membro da AJD

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JUÍZES PARA A

DEMOCRACIA

ntre os projetos de reforma do Có-digo de Processo Penal, encami-nhados pelo Ministério da Justi-

ça à Presidência da República, ressal-ta-se o da “Investigação Policial”substituindo o capítulo “Do InquéritoPolicial”.

Nele, a Exposição de Motivos ex-plícita, “ao Ministério Público, des-tinatário da Investigação Policial,atribui função de supervisão e con-trole, hoje conferidas ao juiz; e a estecontempla com o papel de juiz de ga-rantias, imparcial, eqüidistante, sen-do de sua exclusiva competência aconcessão de medidas cautelares”. Emais à frente: “Sobressai, como autên-tica novidade, neste particular, a ne-nhuma interferência da autoridadejudiciária quanto à formulação daacusação ou à promoção do arquiva-mento, toda ela processada no âmbitodo Ministério Público”.

A tônica da propositura é a transfe-rência de algumas atribuições de con-trole e supervisão, hoje próprias da Ma-gistratura, para o Ministério Público,inclusive o arquivamento do inquéritopolicial. Aliás, alguns doutrinadores emesmo alguns magistrados têm insisti-do na tese do afastamento dos juizescriminais da primeira fase da persecu-tio criminis.

Será que a Carta Magna realmentedeseja um juiz eqüidistante da investi-gação policial? Discordamos da linhapreconizada pela Comissão em nomeda defesa da cidadania e do respeito aLei Maior.

A Constituição de 1988, no dizer deFlávia Piovesan, “elege o valor da dig-nidade humana como um valor essen-cial que lhe dá unidade de sentido. Istoé, o valor da dignidade humana infor-ma a ordem constitucional de 1988, im-primindo-lhe uma feição particular”(1).

O papel do juiz criminalna investigação policial

Ela determina o papel do Judiciário napartição dos poderes.

A apuração das infrações penaisocorre numa fase preliminar, pré-judi-cial e os juízes acompanham de pertoos procedimentos apuratórios, exami-nando os autos, concedendo prazos,expedindo mandados, inclusive osque limitam a liberdade individual,evitando abusos e violações de direi-tos. A exclusão preconizada não secompadece com o legislador de 88,em face da obrigatória participaçãodo magistrado, nos termos dos diver-sos incisos do artigo 5º da Constitui-ção Federal.

O inciso XI trata da inviolabilidadedo domicílio, consagrando uma reser-va jurisdicional, a obrigatoriedade daexpedição de mandado judicial, apósdetida análise da hipótese fática, sope-sando a necessidade e avaliação do re-levante valor dos direitos envolvidosno pleito.

O XII, da mesma forma viabiliza ainterceptação telefônica por determina-ção judicial especificamente para finsde “investigação criminal”. A impor-tância da proteção da privacidade, daintimidade das pessoas, obriga o ma-gistrado a uma preocupação maior aodeferi-la, pela possibilidade de viola-ção de outros preceitos constitucio-nais envolvidos. Na matéria, dissen-timos de Luiz Flávio Gomes que de-fende; “presentes todos os seus pres-supostos e requisitos o juiz devedeterminá-la”(2), pois em nossa visãoo prudente e criterioso arbítrio da au-toridade judiciária é que deve ser a tô-nica da interpretação legal.

Na mesma esteira o inciso LVI deter-mina que “são inadmissíveis, no pro-cesso, as provas obtidas por meios ilí-citos”. É claro que na esfera criminalestas provas são quase sempre colhi-das durante a investigação policial,havendo necessidade do julgador co-nhecer a sua origem e a forma comofoi colhida, para admiti-las e introdu-zi-las no processo.

A proteção da liberdade individu-al e o seu controle é o tema dos inci-sos LXI, LXII e LXV. O dispositivoconstitucional explícita as diversasformas de prisão. A prisão temporáriae preventiva são decretadas, quasesempre, na fase policial, e a análisede suas circunstâncias ensejadorasobriga o juiz criminal a debruçar-sesobre elas, esmiuçando o pleito paradecidir ao final, identificando a con-veniência e oportunidade e até con-trolando os prazos prefixados na pri-são temporária.

Maior controle é preconizado quan-do da lavratura da prisão em flagrantedelito, exceção à regra da determina-ção judicial. O legislador constitucio-nal não só obriga a comunicação daprisão mas também o local do recolhi-mento, e acrescenta a obrigatoriedadedo detido exame da legalidade do autode prisão em flagrante, visando umeventual relaxamento.

A legislação infraconstitucional (lei4898/65, artigo 4º, “d”) prevê consti-tuir abuso se autoridade “deixar o juizde ordenar o relaxamento da prisão oudetenção ilegal que lhe seja comunica-da”, tal é a responsabilidade cominada.

E, por derradeiro o inciso LXVIII quetrata do habeas corpus, retratado porAndrei Koerner(3) numa evolução his-tórica desde o Brasil Império, com per-fil analítico do papel do Poder Judiciá-rio no processo de mudança política esocial do país, através de uma aceita-ção mais ampla ou restrita do habeascorpus como instrumento de proteçãosocial finalizando com proposta detorná-lo mais eficaz, fortalecendo seusefeitos difusos, a cargo do Poder Judi-ciário.

Como se vê, a Carta Magna, emcláusulas pétreas, quer a efetiva par-ticipação do juiz na investigação po-licial, como garante do direito inafas-tável do cidadão sujeito a investiga-ção pelo Estado. Como diz FábioKonder Comparato, “a independênciado judiciário é estabelecida exclusiva-mente em benefício do povo enquantotitular da soberania política, e para aproteção dos direitos humanos. O judi-ciário atua, nesse sentido, como umcontra poder, uma espécie de freio ins-titucional à tendência incoercível aoabuso, que se manifesta em todos osórgãos do Estado”(4).

Da mesma forma, o arquivamento doinquérito policial. A autoridade po-

E

Será que a CartaMagna realmentedeseja um juizeqüidistante dainvestigação policial?Discordamos da linhapreconizada pelaComissão em nome dadefesa da cidadania edo respeito a Lei Maior.

A Carta Magna,em cláusulas pétreas,quer a efetivaparticipação dojuiz na investigaçãopolicial, comogarante do direitoinafastável do cidadãosujeito a investigaçãopelo Estado.

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JUÍZES PARA A

DEMOCRACIA

licial ao instaurá-lo age por estímu-lo próprio como agente estatal ou pro-vocado por delatio criminis, e, em am-bas as hipóteses, com interesse visandoeventual jus puniendi do Estado. O ar-quivamento pelo Ministério Público,destes autos pode causar frustração àsexpectativas de interesses contraria-dos. Sem o crivo do Judiciário, tal de-cisão contrasta com a norma constitu-cional prevista no inciso XXXV, domesmo artigo 5º que ressalta o princí-pio da acessibilidade ampla ao PoderJudiciário que deve dizer sobre aexistência ou não de uma eventuallesão ao direito individual. Chancelajurisdicional que deve estar sujeita aprevisão de eventuais recursos. Discu-tível, ainda, a criação, como propõe aExposição de Motivos, de um órgãorecursal superior, dentro do MinistérioPúblico, para as hipóteses de arquiva-mento, organismo estranho aos quadrosde nossos tribunais e sem previsãoconstitucional.

Não vemos a exclusão do Poder Ju-diciário na investigação policial comocompatível com os preceitos maioresda legislação pátria, pois qualquer di-minuição do sistema de controle e fis-calização nesta seara representa umaperda substancial na luta pela defesa

� dos direitos impostergáveis do cida-dão. Acresça-se, também, a visão dosdocumentos internacionais (Conven-ção Americana sobre Direitos Humanos- Pacto de San José da Costa Rica,

1969; Pacto Internacional de DireitosCivis e Políticos - Nova Iorque, 1966;Carta dos Direitos Humanos da As-sembléia Geral das Nações Unidas,1992; Convenção sobre a Proteçãodos Direitos dos Homens e das Liber-

dades Fundamentais - Roma, 1950)que Canotilho denomina de “direitointernacional individualmente refe-renciado, tendo por objetivo alicer-çar uma nova dimensão de vinculati-vidade na proteção dos direitos do ho-mem”(5).

Por tudo, parafraseamos Alberto daSilva Franco que repete José Régio:“Não sei por onde vou, não sei para ondevou! Sei que não vou por aí!”(6)

Bibliografia(1) PIOVESAN, Flávia. "Direitos humanos e o

Direito Constitucional Internacional", MaxLimonad, 1996.

(2) GOMES, Luiz Flávio e CERVINI, Raúl. "In-terceptação Telefônica", Ed. Revista dos Tri-bunais, São Paulo, 1997, p. 197.

(3) KOERNER, Andrei. "Habeas Corpus - Prá-tica Judicial e Controle Social", IBCCRIM,SP, 1999, p. 237.

(4) COMPARATO, Fábio Konder. Juízes para aDemocracia, Boletim nº 18, p. 17.

(5) CANOTILHO, José Joaquim Gomes. "Di-reito Constitucional", Coimbra, Almedina,1993, p. 682.

(6) RÉGIO, José. "Cântico Negro", apud RBC-CRIM, nº 31, p. 119.

Roberto Maurício GenofreDiretor da Academia de Polícia Civil e

professor da PUC-SP

Discutível, ainda, acriação, como propõe aExposição de Motivos,de um órgão recursalsuperior, dentro doMinistério Público, paraas hipóteses dearquivamento,organismo estranho aosquadros de nossostribunais e semprevisão constitucional.

violenta e chocante rebelião dosadolescentes internos de uma dasunidades da Febem de Franco da

Rocha, na Grande São Paulo, acontecidano último dia 11, insere-se na cotidiana edesgastante rota de falência múltipla dosórgãos estaduais de atenção à criança e aoadolescente. Não pode, pois, ser entendi-da fora do contexto da absoluta falta deprioridade do governo Covas/Alckminpara esta área, cujo atestado de incompe-tência maior foi firmado no ano passado,com a entrada em funcionamento dessasduas unidades em Franco da Rocha e areforma do antigo presídio de Parelhei-ros, na zona sul da capital, para internaçãode adolescentes em conflito com a lei.

A Febem está falida, é o que dizemtodos os paulistas, o governo inclusive.No entanto, nenhuma atitude foi tomadaaté agora para substitui-la por um novosistema de políticas públicas, sintoniza-das com o cumprimento do Estatuto daCriança e do Adolescente (ECA) e dasresoluções dos Conselhos Nacional(Conanda), Estadual (Condeca) e Muni-cipais da Criança e do Adolescente. Aocorrência de 52 rebeliões em unidadesda Febem apenas no ano 2000 e o agrava-mento das relações de violência entre osinternos e funcionários e destes com fami-liares dos internos e defensores dos direi-tos humanos são apenas a ponta do ice-berg em que se choca o Titanic do gover-no do Estado.

Crônica de uma rebelião anunciadaEm vida, Covas nunca soube o que

fazer para mudar esse quadro. Admitiu aderrota de suas políticas para a Febem,trocou secretários e presidentes, inves-tiu recursos sem diretrizes claras e assu-miu a responsabilidade pessoal e de seugoverno pela inviabilização da Funda-ção. Num gesto grandiloquente, man-dou demolir a unidade da Rodovia Imi-grantes, palco, no final de 1999, de umarebelião que colocou à mostra as vísce-ras da degradação interna da instituição.Anunciou um pacote de medidas, base-adas na idéia da descentralização e daconstrução de pequenas unidades de in-ternação, atendendo a reclamos da soci-edade civil.

No entanto, a falta de perspectivas dessegoverno gerou os monstros de Franco daRocha e Parelheiros. Na verdade, o gover-no do estado não eliminou o complexo daImigrantes da Febem. Apenas o transferiupara Franco da Rocha. Duas unidades,com capacidade para 960 adolescentes,construídas a toque de caixa com dispen-sa de licitação pela emergência da necessi-dade de vagas, ao preço absurdo de quase14 milhões de reais. A empreiteira, carioca,gabava-se de ter construído o complexo deBangu, de segurança máxima, e reproduziuem linhas gerais o modelo de presídio deadultos para uma unidade de internação deadolescentes infratores.

A desmoralização veio em pouco tem-po, com fugas e rebeliões constantes co-

Alocando à prova não só a credibilidade daempresa paga mais que regiamente, emmais um episódio a ser esclarecido emnome da moralidade administrativa, comotambém do próprio governo do Estado. Enão se diga que a administração estadualerrou por falta de propostas da sociedadecivil e da oposição. Nunca se produziutantos documentos, das mais variadasorigens, que convergem na necessidadede extinção da Febem, da valorização daprevenção à criminalidade juvenil compolíticas sociais integradas no municí-pio, de prioridade às medidas executivasem meio aberto (como liberdade assisti-da, prestação de serviços à comunidade esemiliberdade, programas que têm mos-trado índices promissores de ressociali-zação do adolescente infrator), de estímu-lo à construção de novas unidades regi-das pelo ECA e pelas resoluções doConanda. Na outra ponta da sociedadecivil, o governo do Estado já gastou riosde dinheiro com consultorias variadas queconcluem pelo mesmo caminho.

A continuidade dessa política, agorana gestão de Geraldo Alckmin, será a con-tinuidade das rebeliões e do esgarçamen-to da Febem. A verdadeira crônica denovas rebeliões anunciadas.

Renato SimõesDeputado estadual (PT/SP) e presidente da

Comissão de Direitos Humanos da AssembléiaLegislativa do Estado de São Paulo

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JUÍZES PARA A

DEMOCRACIA

A democratização do poder mundialI

Os Princípios

A legitimidade democrática funda-seem dois princípios: soberania popular erespeito integral aos direitos humanos.

A soberania do povo não se reduz ape-nas, como afirmou o pensamento libe-ral, à eleição periódica dos governantes.A experiência histórica tem demonstra-do que o mecanismo eleitoral pode serhabilmente manipulado pela classe do-minante, de modo a fazer do povo merofigurante na cena política. Povo sobera-no é aquele que mantém a competênciaexclusiva para decidir as questões fun-damentais de organização do Estado eas grandes diretrizes da ação estatal.

Mas a soberania popular, em regimedemocrático, nunca é absoluta. O respei-to integral aos direitos humanos vem tra-zer-lhe uma limitação evidente, na me-dida em que o povo não está nunca au-torizado a tomar decisões que violem adignidade humana. A democracia é, pelasua própria natureza, um regime de limi-tação de poderes.

Esses mesmos princípios de legitimi-dade democrática devem aplicar-se, nareorganização do poder mundial.

No plano internacional, a soberaniahá de pertencer aos povos, não aos go-vernantes dos Estados, menos ainda aosgrupos econômicos multinacionais.

Tal como no plano nacional, a sobe-rania dos povos nas relações internacio-nais não pode ser absoluta. Ela deve res-peitar os três grandes princípios do sis-tema de direitos humanos, a saber, a li-berdade, a igualdade e a solidariedade.

LiberdadeCom base no princípio da liberdade,

reconhece-se aos povos, em primeiro lu-gar, o direito à existência, com o corolá-rio da repressão internacional do crimede genocídio. Reconhece-se, ademais, atodos os povos o direito de determinarlivremente o seu estatuto político, e aassegurar de modo autônomo o seu de-senvolvimento econômico, social e cul-tural, tal como declarado nos Pactos In-ternacionais sobre Direitos Civis e Polí-ticos, e sobre Direitos Econômicos, So-ciais e Culturais, de 1966.

IgualdadeDa mesma forma que todos os ho-

mens, como proclama a DeclaraçãoUniversal de Direitos Humanos, sãoiguais em dignidade e direitos, assimtambém os povos têm direito ao reco-nhecimento de sua igual dignidade,não obstante as pronunciadas diferen-ças existentes entre eles, em matériade riqueza e poderio militar.

SolidariedadeEnfim, o conjunto dos povos da Terra

forma um todo solidário. É com base nes-sa solidariedade biológica e cultural quese reconhece, hoje, a existência de direi-tos da humanidade, tais como o de pro-teção do meio ambiente planetário, ob-jeto de várias convenções internacionais;o direito à proteção do patrimônio natu-ral e cultural do mundo, conforme o es-tatuído na convenção patrocinada pelaUNESCO em 1972; bem como o direitoà exploração das riquezas dos fundosmarinhos e oceânicos e seu subsolo, ouà preservação dos recursos vivos do meiomarinho, na conformidade das disposi-ções da Convenção sobre o Direito doMar, celebrada em 1982. É ainda combase no princípio da solidariedade quese definiram crimes contra a humanida-de, e que se criou, em 1998, um tribunalpenal internacional, com competênciapara julgar e punir os responsáveis.

IIAs Instituições

A construção de uma democracia deâmbito planetário deve ser erigida sobreos alicerces já existentes; ou seja, ela háde fazer-se mediante a ampliação dospoderes de natureza legislativa, execu-tiva e judiciária das Nações Unidas.

Uma medida importante para o refor-ço do poder legislativo mundial das Na-ções Unidas poderia ser adotada em ma-téria de convenções sobre direitos hu-manos, votadas pela Assembléia Geral.

Como sabido, a partir de 1966, os Es-tados Unidos vêm se recusando, siste-maticamente, a assinar ou ratificar con-venções internacionais sobre direitos hu-manos, sob o argumento de que elas li-mitam a sua soberania. A grande potên-cia hegemônica da atualidade põe-se as-sim, afrontosamente, fora do direito in-ternacional, e comporta-se, e, termos ob-jetivos, como inimiga da humanidade.

A aplicação, às convenções direitoshumanos, do sistema comum de ratifica-ção individual pelos Estados-Membrosrepresenta um anacronismo. Em sua obrafundadora do direito internacional (Deiure belli ac pacis, livro II, capítulo XII,§§ III e IV), Grócio salientou que as con-venções entre Estados, analogamente aoscontratos do direito privado, podem clas-sificar-se em duas grandes espécies: asbilaterais e as multilaterais. As primei-ras, disse ele, dirimunt partes, isto é, se-param os interesses próprios das partescontratantes, ao passo que as segundascommunionem adferunt, vale dizer, cri-am relações de comunhão. Ora, esse ob-jetivo comunitário é mais acentuado nocaso de convenções multilaterais vota-

das no seio de uma organização interna-cional, cujas decisões, tal como no âm-bito das sociedades ou associações dodireito privado, são normalmente toma-das por votação majoritária e não porunanimidade. O argumento de que a as-sinatura de um tratado internacional, oua adesão a ele, é ato do Estado e nãosimplesmente do governo não colhe nocaso, pois o ingresso do Estado na orga-nização internacional já foi objeto de ra-tificação pelo seu Parlamento, e esta im-plicou, obviamente, a aceitação de suasregras constitutivas.

É de inteira justiça, portanto, que aaprovação de convenções sobre direitoshumanos seja incluída na categoria deassuntos a serem decididos por uma mai-oria de dois terços, referidos no artigo18, terceira alínea, da Carta das NaçõesUnidas, dispensando-se no caso a ratifi-cação individual dos Estados-Membrospara a sua entrada em vigor.

Uma grave carência de capacidadegovernativa é observada quanto ao exer-cício do que se poderia caracterizarcomo o Poder Executivo nas NaçõesUnidas.

As duas principais funções da ONU,por determinação da Carta de 1945, são,de um lado, a manutenção da paz e dasegurança internacionais, e, de outro, acooperação de todos os povos em maté-ria econômica e social. Para o exercícioda primeira função, criou-se o Conselhode Segurança; para o desempenho da se-gunda, o Conselho Econômico e Social.Entre esses dois órgãos, porém, o dese-quilíbrio de poderes é gritante. Enquan-to o Conselho de Segurança foi dotadode competência decisória para exerceruma “ação pronta e eficaz”, como se dizno artigo 24 da Carta, ao Conselho Eco-nômico e Social somente incumbe a atri-buição de “fazer recomendações à As-sembléia Geral, aos membros das NaçõesUnidas e às entidades especializadas in-teressadas” (art. 62).

Mesmo essa “ação pronta e eficaz” doConselho de Segurança tem sido, comose sabe, freqüentemente paralisada pelopoder de veto, atribuído aos seus mem-bros permanentes. Ademais, uma das prin-cipais atribuições do Conselho de Segu-rança, qual seja, a de formular “os pla-nos a serem submetidos aos membros dasNações Unidas, para o estabelecimentode um sistema de regulamentação dosarmamentos” (art. 26), jamais foi cum-prida, pois ela se choca com os interes-ses nacionais das grandes potências quesão membros permanentes do órgão.

Como se não bastasse, os EstadosUnidos e seus aliados europeus, mes-mo após o desaparecimento da União So-viética, insistem em manter e ampliar �

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a Organização do Tratado do Atlân-tico Norte, utilizando-a como instru-mento de intervenção militar, fora doalcance do Conselho de Segurança dasNações Unidas.

O caminho para a instituição de umgoverno mundial democrático no seiodas Nações Unidas desenha-se com niti-dez, a partir desse diagnóstico. É misterabolir o caráter oligárquico do Conse-lho de Segurança, suprimindo-se os car-gos permanentes com poder de veto. Éindispensável dotar o Conselho Econô-mico e Social de competência decisória,atribuindo-se-lhe ademais um poder desupervisão e direcionamento das ativi-dades das agências especializadas dasNações Unidas em matéria econômica esocial: a FAO - Organização da Alimen-tação e Agricultura, a OMS - Organiza-ção Mundial da Saúde, e a UNCTAD -Conferência das Nações Unidas para oComércio e o Desenvolvimento. Enfim,é preciso integrar nas Nações Unidas asorganizações econômico-financeirasatualmente dominadas pelos EstadosUnidos, singularmente ou em conjuntocom os países da União Européia e o Ja-pão, como o Fundo Monetário Interna-cional, o Banco Mundial e a Organiza-ção Mundial do Comércio.

Mas um governo democrático não dis-pensa, como é óbvio, a instituição de umPoder Judiciário forte e autônomo. Nes-se sentido, parece indispensável abolir-se a cláusula de reconhecimento facul-tativo da jurisdição da Corte Internacio-nal de Justiça, tal como o fez o Protoco-lo nº 11 à Convenção Européia de Direi-tos Humanos, no tocante ao Tribunal deEstrasburgo. A nenhum membro das Na-ções Unidas seria, então, lícito subtrair-se à jurisdição da Corte, de modo a so-brepor o seu interesse próprio à realiza-ção da justiça no plano internacional.

Ainda quanto às funções judiciáriasno seio das Nações Unidas, seria precisocompletar a obra iniciada com a Decla-ração Universal de Direitos Humanos, em1948, e com os dois Pactos Internacio-nais de 1966. Na sessão de 16 de feve-reiro de 1946 do Conselho Econômico eSocial, ficou assentado que esses docu-mentos normativos constituiriam etapaspreparatórias à montagem de um apare-lhamento institucional adequado, paraassegurar o respeito universal aos direi-tos humanos e tratar os casos de sua vio-lação. A implementação dessa terceiraetapa tem sido postergada, primeiro emrazão da “guerra fria” e, em seguida, pelaoposição decisiva dos Estados Unidos.

É indispensável reforçar os poderes in-vestigatórios da Comissão de DireitosHumanos das Nações Unidas, bem comocriar-se, ao mesmo tempo, um tribunalinternacional com ampla competênciapara conhecer e julgar os casos de viola-ção desses direitos pelos Estados-Mem-bros, nos moldes do Estatuto de Romade 1998, que instituiu o Tribunal PenalInternacional.

IIIConclusão

Chegamos agora, na passagem do mi-lênio, a um ponto crítico na evolução dahumanidade. Trata-se de saber se a suaunidade será forjada pela força da tec-nologia, do dinheiro e das armas, com airrecuperável divisão entre ricos e pobres,entre fortes e fracos; ou se, ao contrário,saberemos enfim construir a civilizaçãoda cidadania mundial, em que todos osseres humanos, em qualquer parte da Ter-ra, possam nascer e viver sempre livres eiguais, em dignidade e direitos.

Fábio Konder Comparato

Professor Titular da Faculdade de Direito daUSP e fundador da Escola de Governo

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Urbanização no Brasil:a modernização excludente

a década de 40, quando apenas 31%da população brasileira era urbana,as cidades eram vistas como o lado

moderno e avançado de um país predo-minantemente agrário e atrasado. De1940 a 1980 o PIB brasileiro cresce a 7%ao ano, o que é um crescimento excepci-onal, sob qualquer ponto de vista. O pro-cesso de urbanização e industrializaçãoparecia representar um caminho para aindependência de séculos de dominaçãoda produção agrário exportadora e demando coronelista.

No final do século XX, quando 80% dapopulação do país é urbana, a imagem dascidades, especialmente das metrópoles,se apresenta bastante diversa daquela desessenta anos antes. Violência, enchen-tes, poluição do ar, poluição das águas,favelas, desmoronamentos, infância aban-donada, etc, etc. Em apenas nove metró-poles moram 50 milhões de pessoas. Maisdo que a população da maior parte dospaíses da Europa ou da América Latina.Em 50 anos a população urbana brasileiracresceu mais de 100 milhões de indivídu-os. A sociedade apenas começa a se darconta de que o avassalador processo deurbanização foi acompanhado da moder-nização no modo de vida, no ambienteconstruído, nas comunicações, sem dei-xar entretanto de reproduzir seu lado ar-caico. Isto é, a modernização, assim comoa cidadania e os direitos, é para alguns enão para toda a sociedade.

Não se trata de alimentar a noção dacidade dual ou fraturada. Ela pode serutilizada para facilitar a compreensão dasegregação e da exclusão mas pode con-duzir a uma falácia: a de que o atual mo-delo de desenvolvimento poderia ser es-tendido a todos. Há uma relação biuní-voca entre esse moderno e esse arcaico.Os aparelhos eletro-eletrônicos chegamàs favelas antes da unidade sanitária com-pleta (e evidentemente antes da moradiadigna). A relação de favor e o clientelis-mo continuam a mediar as relações soci-ais como há séculos. A aplicação da leise subordina às relações de poder. A ques-tão fundiária urbana é um nó não desata-do, como sempre o foi no campo, ao lon-go dos séculos. A aplicação da funçãosocial da propriedade encontra obstácu-los de várias origens: pela via do judici-ário, pela correlação de forças local, pelaprecariedade dos cadastros.

Durante os anos 80 e 90, sob novasrelações internacionais, a desigualdadese aprofunda. O desemprego cresce e aspolíticas sociais recuam. Aumenta expo-nencialmente o número de favelas comomostra o IBGE, (embora de forma bastan-te subdimensionada). Aumentam a popu-lação de rua e as crianças abandonadas.

Levantamentos científicos comprovam oque nossos olhos constatam diariamente.Talvez a maior novidade esteja na explo-são de um novo tipo de violência: a cha-mada violência urbana. Alguns indicado-res sociais continuam a ter uma evoluçãopositiva desde os anos 40. Dentre os maisimportantes podemos citar a queda damortalidade infantil e o aumento da espe-rança de vida ao nascer. Mas, nos anos 90,o aumento no número de homicídios pas-sa a influir até mesmo a expectativa devida dos homens, em nível nacional, emespecial dos jovens, pretos e pardos.

A relação entre habitat e violência édada pela segregação territorial. Regiõesinteiras são ocupadas ilegalmente. Ilega-lidade urbanística convive com a ilega-lidade na resolução de conflitos: não hálei, não há julgamentos formais, não háEstado. À dificuldade de acesso aos ser-viços de infra-estrutura urbana (transporteprecário, saneamento deficiente, drena-gem inexistente, difícil acesso aos servi-ços de saúde, educação, cultura e creches,maior exposição à ocorrência de enchen-tes e desabamentos) somam-se menoresoportunidade de emprego, maior expo-sição à violência (marginal ou policial),difícil acesso à justiça oficial, difícil aces-so ao lazer. discriminação racial. A ex-clusão é um todo: social, econômica,ambiental, jurídica e cultural.

No meio urbano, o investimento pú-blico orientado pelos lobbies bem or-ganizados alimenta a relação legislação/mercado imobiliário restrito/ exclusãosocial. É nas áreas desprezadas pelo mer-cado imobiliário, nas áreas ambiental-mente frágeis cuja ocupação é vetadapela legislação e nas áreas públicas, quea população pobre vai se instalar: en-costas dos morros, beira dos córregos,áreas de mangue, áreas de proteção aosmananciais..., etc. Na cidade a invasãode terras é uma regra, e não uma exce-

ção. Mas ela não é ditada pelo desape-go à lei ou por lideranças que queremafrontá-la. Ela é ditada pela falta de al-ternativas. Senão vejamos.

Metade da população do Rio de Ja-neiro ou São Paulo mora ilegalmente (fa-velas, loteamentos ilegais ou cortiços).Nas maiores cidades brasileiras, mais de1/5 dos habitantes mora em favelas. EmSalvador e Fortaleza a cifra chega a 1/3,e em Recife, 40% da população mora emfavelas (ou áreas invadidas).

O Forum Social Mundial reservoupara a questão urbana (“Como construircidades sustentáveis?”) o mesmo statusdas demais questões sociais, econômi-cas, ambientais, consideradas prioritá-rias, o que é uma novidade no campo dautopia socialista. Podemos dizer que osmovimentos que se consolidaram a par-tir dos anos 60 — contra a discrimina-ção racial, pelos direitos da mulher, pelapreservação ambiental — trouxeram no-vos temas para os atores que buscam ummundo mais democrático e igualitário.A questão urbana entrou definitivamen-te nessa agenda política internacional.Contra o “pensamento único interna-cional”, o Forum Social Mundial res-pondeu com um significativo númerode atores sociais (mais de 16.000 inscri-tos de 130 países) marcados pela diver-sidade, criatividade, solidariedade, ale-gria, e indignação. Diferentemente doque a mídia em geral deu a entender,não foi o retrato da antiga esquerda masde algo novo.

Como primeira tarefa na construçãode metrópoles sustentáveis está a toma-da de consciência de sua realidade(aperfeiçoar os diagnósticos) e o des-monte das construções ideológicaserigidas pelo urbanismo vigente, muitoinfluenciado por modelos bastante di-versos do nosso. Defendemos como pro-posta um Plano de Ação embasado emuma nova normatividade, que persiga ocasamento entre lei e gestão o que im-plica no controle dos investimentos pú-blicos (de acordo com o plano) e na re-formulação do poder de polícia (fiscali-zação do uso e da ocupação do solo)hoje marcado pela corrupção e inépcia.A viabilidade de tal plano depende daexistência de alternativas de moradiapara grande parte da população hojeexcluída tanto do mercado privado le-gal quanto das políticas públicas dehabitação. Mas isso já é conversa parauma próxima oportunidade.

Erminia MaricatoProfessora Titular e Coordenadora do

Curso de Pós Graduação da Faculdadede Arquitetura e Urbanismo da USP

A relação entre habitate violência é dada pelasegregação territorial.Regiões inteiras sãoocupadas ilegalmente.Ilegalidade urbanísticaconvive com ailegalidade na resoluçãode conflitos: não há lei,não há julgamentosformais, não há Estado.

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m sinistros de trânsito com vítimas,quando ao agente, a quem é debita-da a culpa pelo evento lesivo da

integridade física alheia, também falta-va habilitação legal para a condução deautomotor, na via pública, tem ocorrido,por parte de alguns delegados de políciaapressados, uma equivocada “separaçãode procedimentos”: enquanto aguardameventual representação do ofendido, paralegitimar a persecução pelo crime culpo-so, encaminham ao Forum, desde logo,termo circunstanciado, referente à faltade habilitação do agente.

Há, aí, grave engano, que precisaser coartado, pois, se fluir “in albis” oprazo decadencial para representaçãodo ofendido (Lei nº 9.099/95, art. 88,combinado com com os arts. 291, pa-rágrafo único, do CTB e 103 do Códi-go Penal), fato extintivo da responsa-bilidade penal pelo crime culposo,com ela também fenecerá pretensãopunitiva da falta de habilitação, comose verá para logo.

No direito anterior, ocorria acendradaquerela sobre a contravenção do art. 32da LCP ficar ou não absorvida pelo cri-me culposo, em virtude da aplicação doprincípio da consunção. Três correntesse formaram, uma vedando a absorção epregando o concurso material, outra afir-mando a consunção e uma terceira, ad-mitindo-a apenas quando concorresseimperícia, como modalidade de culpa,no desfecho lesivo da integridade cor-poral alheia. Por isso, no repertório dejurisprudência, encontram-se inúmerosjulgados sobre a subsistência do crimemenor (na época, a contravenção ao art.32 da LCP), quando absolvido o agenteda infração mais grave, o crime culposode trânsito.

Trata-se, porém, de entendimento queo direito novo não mais permite.

Com efeito, ao editar o CTB, objeti-vando aumentar a censura à conduta dequem dirige sem ser habilitado legalmen-

O crime de lesão corporal culposae a falta de habilitação para dirigir veículo

te, o legislador além de erigi-la a crimecontra a segurança viária (Código deTrânsito Brasileiro, art. 309), colocou-a,também, como causa de majoração dapena dos crimes culposos de trânsito(idem, arts. 302, parágrafo único, I e 303,parágrafo único) e como agravante ge-nérica das demais infrações penais de trá-fego (idem, art. 298, III).

Resolveu-se a pendência, medianteopção legislativa, pela qual o tipo maisleve, funciona como agravante ou causade aumento da pena de outro, punidomais severamente.

O resultado dessa opção há de ser omesmo, para todas as hipóteses: o crimede dirigir automotor sem habilitação le-gal, em constituindo agravante ou causade aumento da infração maior, não podesubsistir autonomamente quando ficarextinta a punibilidade do crime culposode trânsito.

Logo, não se pode pensar na sua apli-cação subsidiária, por força do princí-pio “accessorium sequitur suum prin-cipale”.

Efetivamente, fatos como o figuradosubsumem-se no art. 303, parágrafo úni-co, combinado com o inciso I, do pará-grafo único, do art. 302 do Código deTrânsito Brasileiro, porque, além da cul-pa pelo desate lesivo à integridade físi-ca da vítima ser debitada ao autor do fato,ele não tinha habilitação legal, para aconduzir automotores.

Portanto, se concorresse representa-ção do ofendido, ao cabo de uma açãopenal, o réu não poderia responder pelasduas infrações em concurso, pois a me-nos grave foi eleita causa especial deaumento da mais grave.

Ainda, se à representação do ofendi-do, sobreviesse composição dos danoscivis ou transação penal, causas extinti-vas da punibilidade do crime culposo,com a deste feneceria também a punibi-lidade da sua causa de aumento.

E porque razão seria diferente, quan-do não houver preenchimento daquelacondição de procedibilidade?

Se a falta de representação da vítimado crime culposo tem o mesmo efeito deextinção da punibilidade do agente, “ve-nia concessa”, não se pode cogitar dorenascimento da majorante, como crimeautônomo, somente com a finalidade deimpor sanção ao agente.

Pelo art. 108 do Código Penal, a ex-tinção da punibilidade de crime que écircunstância agravante de outro não seestende a este. A “contrario sensu”, a ex-tinção da punibilidade do crime agrava-do há de abarcar a do que lhe constituicircunstância agravante.

Em recentíssimo julgado, de casoidêntico ao figurado, por aplicação doprincípio da subsidiariedade, o Egrégio

Supremo Tribunal Federal deixou sacra-mentada a impossibilidade de ser instau-rada a persecução penal:

“Crimes de trânsito: CTB, arts. 303, §único e 309. Concurso aparente de nor-mas e ação penal. O crime de perigo — aexemplo daquele de dirigir veículo sempermissão ou habilitação (CTB, art. 309)— é absorvido, conforme o princípio dasubsidiariedade, pela ocorrência do cri-me de dano — qual o de lesões corporaisculposas na direção de veículo (CTB, art.303) —, convertendo-se então a falta dehabilitação do agente em simples causaespecial de aumento da pena (CTB, art.

303, parágrafo único); por isso, nessa hi-pótese — que não se confunde com a decrime complexo, prevista no art. 101 doCódigo Penal — firmou-se acertadamentea jurisprudência do STF em que — dadaa extinção da punibilidade pelo crimeprincipal, pela renúncia ou a decadên-cia a que condicionada a ação penal porlesões corporais culposas (CTB, art. 291,parágrafo único) —, não cabe a persecu-ção do agente, mediante ação pública,pelo delito subsidiário de dirigir semhabilitação” (HC nº 80.339-3/MG, Pri-meira Turma, rel. o Ministro SepúlvedaPertence, j. 05.09.2000, v.u., DJU13.10.2000, p. 163, apud, Boletim IBC-CRIM nº 97-dezembro/2000, p. 500).

Em suma, extinta a punibilidade doagente pelo crime culposo, com ela, ex-tingue-se também a do crime contra asegurança viária, porque este foi postopelo legislador, como circunstância agra-vante daquele.

Por via de conseqüência, inadmissí-vel o procedimento apontado no intrói-to, sob pena de ficar vergastada a garan-tia constitucional do devido processolegal.

Antonio Fernando Scheibel PadulaJuiz de direito em Rio Claro-SP

e membro da AJD

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Se à representação doofendido, sobreviessecomposição dos danoscivis ou transaçãopenal, causas extintivasda punibilidade docrime culposo, com adeste feneceriatambém a punibilidadeda sua causa deaumento.

O crime de dirigirautomotor semhabilitação legal, emconstituindo agravanteou causa de aumentoda infração maior, nãopode subsistirautonomamentequando ficar extinta apunibilidade do crimeculposo de trânsito.

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nspirado nos protestos de Seattle(em dezembro de 1999), de Davos(em janeiro de 2000) e de Praga (em

setembro de 2000), o Forum SocialMundial realizado em Porto Alegre sig-nifica um avanço decisivo para a cons-trução de um espaço de reflexão críticae propositiva no cenário da globaliza-ção econômica. Este parece ser o maiortrunfo do Forum Social: não se limitarao repúdio ou à resistência ao neolibe-ralismo, mas permitir sejam desvenda-das estratégias e alternativas de inclu-são social. Não teve o Forum qualquerpretensão de gerar a formação de umconsenso, mas de lançar luz e voz à mul-tiplicidade de experiências, nas áreasmais diversas e nas regiões mais distin-tas, permitindo formas de articulaçãonas esferas local, regional e global, vol-tadas a priorizar o desenvolvimento hu-mano com justiça social.

Ao todo, no período de 25 a 30 dejaneiro, foram realizadas mais de 16grandes conferências, mais de 400 ofi-cinas (promovidas por organizações emovimentos sociais) e 12 sessões detestemunhos, além de uma extensa pro-gramação cultural, congregando a ex-periência de mais de 121 países e aparticipação de cerca de 10.000 depessoas. Em debate estavam temasque envolviam desde a produção edistribuição de riquezas, a atuação dasociedade civil, a democratização dopoder mundial, o futuro dos Estados-nações, os direitos econômicos, soci-ais, culturais e ambientais, os direitosdas mulheres, das crianças e adoles-centes, da população negra, dos po-vos indígenas, violência e exclusãosocial, políticas de inclusão contem-porâneas, responsabilidade social dasempresas, meios de comunicação, in-tegração regional, comércio interna-cional, dentre outros, sob a perspecti-va de um desenvolvimento humanomais justo e eqüitativo.

Um breve balanço do Forum Social

O legado de Porto AlegreMundial já permite arriscar seis con-clusões:1) o fortalecimento da sociedade civil

como especial protagonista da or-dem contemporânea, capaz de inven-tar, ampliar e monitorar a agenda po-lítica, incluindo novas pautas, naheterogeneidade e pluralidades desuas ações e demandas;

2) a necessidade de redefinir o papeldo Estado na era da globalização, re-forçando sua responsabilidade naimplementação de políticas públi-cas, de forma a promover a igual-dade social, compensar os desequi-líbrios criados pelos mercados eassegurar os direitos sociais, eco-nômicos e culturais, especialmen-te às populações mais vulneráveise e marginalizadas (observe-se queo impacto excludente da globali-zação econômica foi a tônica co-mum da abertura dos Fóruns deDavos e de Porto Alegre);

3) a necessidade de acentuar a respon-sabilidade social do setor privado,especialmente das empresas multi-nacionais, na medida em que consti-tuem as grandes beneficiárias doprocesso de globalização, bastandocitar que das 100 maiores economiasmundiais, 51 são empresas multina-cionais e 49 são Estados nacionais;por exemplo, encorajar empresas aadotarem códigos de direitos huma-nos relativos à atividade de comér-cio; demandar sanções comerciais aempresas violadoras dos direitos so-ciais; adotar a “taxa Tobin” sobre osinvestimentos financeiros interna-cionais;

4) a urgência de incorporar a agendasocial na pauta da integração regio-nal de blocos econômicos, bemcomo na nova arquitetura financei-ra internacional; a dimensão socialdeve permear a política macro-eco-nômica, envolvendo a política fis-cal, a política monetária e a políti-ca cambial (como já advertiu umeconomista, o comércio e a políti-ca cambial podem ter maior impac-to nos direitos das crianças que oorçamento dedicado à saúde e àeducação);

5) a importância de identificar, incor-porar e ampliar políticas sociaisexitosas, de âmbito local ou interna-cional, como é o caso dos programasde economia solidária, que garantemo acesso ao crédito para a populaçãode baixa renda (a exemplo do Bancodo Povo, na Índia); programas de ren-da mínima; bolsa-escola; orçamentoparticipativo; políticas públicas dediscriminação positiva no mercadode trabalho em favor dos grupos so-

cialmente vulneráveis; e dos progra-mas de construção de espaços públi-cos de lazer e cultura especialmentenos lugares mais carentes (quanto aestas políticas e tantas outras, oForum Social Mundial proporcionouo mais amplo panorama de experiên-cias, programas e ações vividas, cadaqual ao seu modo, por uma multipli-cidade de atores sociais, nas mais di-versas localidades e países);

6) a interdependência entre democra-cia, desenvolvimento e direitos hu-manos, na medida em que a democra-cia não se limita ao exercício dos di-reitos civis e políticos, mas requer opleno exercício dos direitos sociais,econômicos e culturais, sob a pers-pectiva de gênero, raça e etnia, sobpena de se ter a democracia sem ci-dadania.

O Forum Social Mundial refletiu, so-bretudo, o desafio da construção de umnovo paradigma, pautado por umaagenda de inclusão, capaz de assegurarum desenvolvimento sustentável, maisigualitário e democrático, nos planoslocal, regional e global. Eis aqui o lega-do de Porto Alegre: traduzir a vitalida-de de um espaço marcado pelo vigor dacriatividade, da ousadia, da esperança edo poder transformador daqueles/as queacreditam que o mundo não está em or-dem e que a criação de uma nova ordemhá de celebrar o encontro dos valores dademocracia e do desenvolvimento, ins-pirado na crença da absoluta prevalên-cia da dignidade humana.

Flávia PiovesanProcuradora do Estado de São Paulo,

professora doutora de Direito Constitucional ede Direitos Humanos da PUC/SP, membro da

Comissão Justiça e Paz e do Comitê LatinoAmericano e do Caribe para a Defesa dos

Direitos da Mulher

Este parece ser omaior trunfo do ForumSocial: não se limitar aorepúdio ou à resistênciaao neoliberalismo, maspermitir sejamdesvendadasestratégias ealternativas deinclusão social.

O Forum Social Mundialrefletiu, sobretudo,o desafio da construçãode um novo paradigma,pautado por umaagenda de inclusão,capaz de assegurarum desenvolvimentosustentável, maisigualitário edemocrático,nos planos local,regional e global.

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A mulher advogada e o Direitoté a década de 60, especialmente,no Brasil, a profissão mais con-corrida e procurada pelas mulhe-

res — de classe mais abastada — foi ade bacharel em Direito. Obviamente,formar-se em Direito não correspondiaà obrigatoriedade de prosseguir na pro-fissão. A formação em Direito proporci-onava àquelas moças uma cultura gerale descomprometida que lhes conferiauma postura mais "firme" diante deseus maridos. Era comum ouvirmos noscorredores de faculdade que freqüentaro curso de Direito era o caminho certopara "arranjar marido". É claro que asexceções sempre existem.

A partir de meados da década de 70,em decorrência do processo histórico epolítico que o Brasil atravessava ecomo conseqüência da luta das mulhe-res que vinha ganhando maior visibili-dade e respeito, as profissionais do Di-reito passaram a exercer a profissãonuma atuação sempre crescente e com-petente.

Assim como todas as mulheres, asadvogadas passaram pelo crivo da rea-lidade masculina, fruto do machismocontemporâneo e milenar, onde a es-colha para a outorga de poderes de re-presentação na defesa de direitos sevoltava ao homem advogado. Era eleo mais conhecido. Era ele quem de-monstrava mais firmeza e conheci-mento. Isto era uma norma de condu-ta social e dizia respeito a qualquerprofissional liberal. Quanto mais emrelação aos/as assalariados/as. Então,era o homem advogado, somente,quem reunia os qualificativos necessá-rios para exercer a profissão.

Neste sentido, a luta da mulher ad-vogada para existir enquanto mulher eprofissional tem sido, ao longo do tem-po, resistente, persistente e constante,

Aassim como ocorre na luta da mulherdeste nosso tempo.

Em 1988, a Constituição da Repú-blica Federativa do Brasil enumera en-tre outros fundamentos que constituemo Estado Democrático de Direito, a dig-nidade da pessoa humana. Adianteelenca como um de seus objetivos fun-damentais a construção de uma socie-dade livre, justa e igualitária. Diz ain-da que todos são iguais perante a lei eque todos temos direito à vida, à liber-dade, à segurança e à propriedade.

Sabemos que o Movimento de Mu-lheres, cuja atuação foi determinanteno processo de formação da Lei Maior,em conjunto com diversas forças soci-ais, garantiu várias conquistas expres-sas de direitos, especialmente, no exer-cício da cidadania.

Nós cidadãs, operadoras do Direito,temos que a lei é instrumento. Reflete opacto social. Abre caminhos desde quese garanta com efetividade sua aplica-ção. Desde que possa ver refletido nasociedade e na Justiça os anseios dopovo. Desde que possam ser vividos in-dividual e coletivamente os preceitosda dignidade e da igualdade. Desde quese possa considerar uma "nova culturajurídica" que incorpore e dimensioneas relações de gênero existentes na so-ciedade brasileira. Que se revele, comclareza, as diferenças do feminino emasculino, as quais não são desigual-dades nem desigualdades hierárquicas.Enfim, é a lei uma ferramenta para aconstrução de uma vida melhor para asmulheres e para todos.

No entanto, não é digno nem tam-pouco igual o retrato da vida lá fora.Saímos das páginas da Constituição epasseamos pelas esquinas de São Pauloem cujo tempo de semáforo vermelho,as crianças e adolescentes pedem vida.Passamos pelo mercado de trabalho everificamos que "o rendimento crescemais para mulheres, mas a diferençapermanece grande" — remuneração fe-minina equivale a 64,3% da masculi-na — (fonte: Fundação Seade. Pesquisade Condições de Vida). Passamos aindasobre discussões e estabelecimentos devalores sobre direitos das mulheres emdecidir sobre sua imagem e corpo. Ondenão se prevê o crime de assédio sexual.Onde o estupro e suas conseqüênciasrecaem sobre a própria condição femi-nina, como se a mulher fosse culpadapor ser mulher. Passamos pela exigên-cia de maternidade e paternidade res-ponsável. Passamos pela valorizaçãoda família em suas diversas expressões.E assim, como se saltasse sobre o assun-to, chegamos a difícil participação damulher nos poderes de sustentação doEstado brasileiro: Executivo, Legisla-

tivo e Judiciário. É mais fácil e garanti-da para uma parcela da população, paraoutra não. Evidentemente, é mais fácile garantida a participação masculina.Se for branco, com maior razão.

Não acontece diferente nos órgãosrepresentativos da sociedade brasilei-ra. E nós mulheres, mulheres advoga-das, avançamos nessa luta. Lutamospara que de fato e de direito sejamosiguais e que haja respeito nas diferen-ças. Lutamos, nós advogadas ou nãopara que o instrumento legal esteja aserviço de nossas reivindicações. So-mos cidadãs desta época. Interferimosnas idéias, debates e conclusões. Deter-minamos igualmente aspectos especí-ficos sim, de tal forma que também ga-rantam a defesa dos aspectos gerais quesustentam nossa sociedade. Refletem-se na falta de educação para todas/os,de moradia para todas/os, de vida dig-na para todas/os: sem fome, violência edesigualdade econômica e social. Uto-pia? Talvez. Mas é para isso e nessesentido que caminha o Direito. E só as-sim, a luta da mulher advogada terámaior sentido e maior sentido terá a le-gislação brasileira se estiver a serviçode seu povo: cidadãs e cidadãos.

Diante de tudo, é preciso que tenha-mos, como disse, certa vez, a saudosajurista Forisa Verucci: "... uma consci-ência permanente e aguda da nossa vi-vência de mulher em toda a históriapassada, no tumultuado presente deum mundo em transição e visando aofuturo, onde mulheres e homens parti-lhem a vida, ou seja, o amor, o trabalhoe o poder".

Maria das Graças Perera de MelloAdvogada e presidenta da Comissão da

Mulher Advogada da OAB/SP

Assim como todas asmulheres, as advogadaspassaram pelo crivo darealidade masculina,fruto do machismocontemporâneo emilenar, onde a escolhapara a outorga depoderes derepresentação nadefesa de direitos sevoltava ao homemadvogado.

Que se revele, comclareza, as diferençasdo feminino emasculino, as quaisnão são desigualdadesnem desigualdadeshierárquicas.Enfim, é a lei umaferramenta para aconstrução de umavida melhor paraas mulheres epara todos.

Page 16: Revista-o Mundo Encantado Da Teledemocracia

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JUÍZES PARA A

DEMOCRACIA

ilhares de Medidas Provisórias têmsido editadas em nosso País sem pré-vio conhecimento da sociedade, sal-

vo alguns poucos brasileiros, beneficiadoscom “vazamento de informações”. Até mes-mo sobre variação cambial já houve investi-gação em CPI do Congresso Nacional, aindaque se tenham alcançado conclusões poucoclaras quanto aos responsáveis.

O historiador Boris Fausto relata que,ao contrário das demais, os projetos deleis sociais sempre tramitaram por longosanos no Parlamento brasileiro. As primei-ras leis sobre limitação da jornada de tra-balho foram debatidas por quase uma déca-da, sendo aprovadas ao final com limitebem tímido, ou seja, dez horas por dia, emalgumas situações especiais. O mesmo ilus-tre historiador relata que na França já ocor-reu de um projeto sobre o tema tramitar pormais de duas décadas.

Atualmente, o projeto dos deputadosfederais Paulo Paim, do Rio Grande do Sul,e Inácio Arruda, do Ceará, sobre redução dolimite semanal de trabalho de quarenta equatro para quarenta horas tem encontradoresistências conservadoras, apesar de to-dos sabermos da enorme contribuição quetraria no combate ao desemprego, eis queforçaria a contratação de mais uma turma detrabalho por muitas empresas.

Leis Sociais MundiaisNo Forum Social Mundial viu-se a

urgência de muitas medidas legais e jurí-dicas, num sentido mais amplo. Convida-dos de inúmeros países estiveram presen-tes nas Oficinas Jurídicas organizadaspor quase vinte associações de juízes,promotores, procuradores, advogados,servidores, peritos, fiscais, inspetores eoutros profissionais da área.

Em debate realizado na Associação dosMagistrados do Trabalho, examinou-seaté mesmo proposição de convidado fran-cês, Patrick Stalens, com algumas noçõesincipientes de busca de igual ganho paraempregados de uma mesma empresa, ain-da que trabalhem em países diferentes.Ora, se a economia é “globalizada”, seriarazoável começarmos a pensar em algu-ma legislação sobre equiparação salarialaos empregados da mesma empresa, dis-persos no mundo.

Além de novos e futuros avanços,muitos já são possíveis hoje. A presençade convidados do Argentina e Uruguai,entre outros o ex-Senador Helios Sarthou,nos lembrou que a legislação trabalhistados países do Mercosul é semelhante emmuitos itens. Repouso semanal e férias,sendo estas com peculiariedades e gradu-ações conforme o tempo do contrato es-pecialmente no Uruguai, gratificação

anual ou décimo terceiro, horas extras comadicional e limites, proibição de trabalhodo menor, têm regras similares, cujas con-seqüências econômicas, percentualmen-te, não são muito diversas nos países doMercosul. Tão somente, o salário mínimono Brasil é que destoa, com expressivainferioridade.

O Direito do Trabalho será fortalecidocom tantos debates entre estudiosos detodo o Mundo, valendo salientar a cons-trução de um mural eletrônico no endere-ço www.fsm2001juridica.cjb.net. Desdejá, vislumbra-se que estes encontros ocor-ridos nas sedes da AMATRA-RS e AJURIS,ao início deste novo Século, ficarão re-gistrados na história. A partir de agora,um número cada vez maior de pessoas jápercebe que “a desvalorização do traba-lho, imposta pelo Neoliberalismo, instaurana pós-modernidade crise ética sem pre-cedentes na civilização ocidental, quedesnuda por inteiro a autodestrutividadedo capital”, conforme afirmativa do JuizJubilado José Fernando Ehlers de Moura,em prefácio de um dos livros jurídicoslançados no momento.

Ricardo FragaJuiz do Trabalho no RS, delegado no

Forum Social Mundial e membro da AJD

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