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REVISTA PARANAENSE DE DESENVOLVIMENTO - IPARDES ... · e pelo espraiamento do processo de desenvolvimento na direção norte do Estado e ... cujos principais traços são, de um

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REVISTA PARANAENSE DE

DESENVOLVIMENTOE C O N O M I A E S T A D O S O C I E D A D E

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GoVERNo Do ESTADo Do PARANá

Governador RoBERTo REQUIÃo

SEcRETARIA DE ESTADo Do PlANEjAmENTo E cooRDENAçÃo GERAl

Secretário ÊNIo joSÉ VERRI

INSTITUTo PARANAENSE DE DESENVolVImENTo EcoNômIco E SocIAl

Diretor-Presidente cARloS mANUEl DoS SANToS

Revista Paranaense de Desenvolvimento / Instituto Paranaense de Desenvolvimento Econômico e Social. - n.82 - , 1994- . – Curitiba : IPARDES.SemestralEditor anterior: BADEP, n.1-81, 1967-1982.Revista indexada em GeoDados.

1. Desenvolvimento econômico. 2. Desenvolvimento social. 3. Planejamento. 4. Administração pública.

CDU 3(81) (05)

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No 113JULHO/DEZEMBRO

2007

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A REVISTA PARANAENSE DE DESENVolVImENTo

é uma publicação semestral do Instituto Paranaense de Desenvolvimento Econômico e Social (IPARDES), autarquia vinculada à Secretaria de Estado do Planejamento e Coordenação Geral do Estado do Paraná.

O conteúdo dos artigos é de inteira responsabilidade de seus autores e não exprime, necessariamente, a opinião do Conselho Editorial e das instituições patrocinadoras.

coNSElHo EDIToRIAlAmália Maria Goldberg Godoy (UEM), Carlos Alberto Piacenti (UNIOSTE/Toledo), Christian Azais (Université de Picardie), Cláudio Salvadori Deddeca (UNICAMP),Clélio Campolina Diniz (UFMG), Elizabeth M. M. Querido Farina (USP),Francisco de Assis Mendonça (UFPR), Francisco de B. B. de Magalhães Filho (UFPR),Guilherme Delgado (IPEA), Hermes Yukio Higachi (UEPG), Jaime Graciano Trintin (UEM),Jorge Accurso (FEE), José Alberto Magno de Carvalho (UFMG), José Antonio Fialho Alonso (FEE), José Gabriel Porcile Meirelles (UFPR), Juarez Rizzieri (USP), Luiz Cesar de Queiroz Ribeiro (UFRJ), Márcia R. Gabardo Camara (UEL), Márcio Pochmann (UNICAMP), Maria Teresa de Noronha Vaz (Universidade do Algarve), Mauro E. Del Grossi (UFV), Sachiko Araki Lira (IPARDES), Sérgio Aparecido Ignácio (IPARDES)

EDIToRAMarisa Valle Magalhães

ASSISTENTE EDIToRIAlJanaína Lindbech SecretáriaMarcia Aparecida Leite Ribeiro

EDIToRAçÃo

coordenaçãoMaria Laura ZocolottiRevisãoEstelita Sandra de MatiasProjeto gráfico, diagramação e capaRégia Toshie Okura FilizolaDiagramaçãoStella Maris GazzieroFormatação dos originaisAna Rita Barzick NogueiraNormalização bibliográficaDora Silvia HackenbergMaria Dirce Botelho Marés de Souza

circulação: março, 2009.

coNTATo com A RPD Telefone: (41) 3351-6338 - e-mail: [email protected]

A aquisição de exemplar avulso, pelo preço de R$ 15,00, é feita mediante solicitação ao:IPARDES/Núcleo de DocumentaçãoRevista Paranaense de DesenvolvimentoRua Máximo João Kopp, 274 - Centro Administrativo Regional Santa Cândida - Bloco 1 CEP 82630-900 - Curitiba/PR - Telefone: (41) 3351-6371 - Fax: (41) 3351-6347www.ipardes.gov.br [email protected] 759.548.91/0001-14 Inscrição Estadual - Isento

Nº 113 JULHO/DEZEMBRO 2007ISSN 0556-6916

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SUmáRIo

Artigos

REGImE TRIBUTáRIo Do IcmS NAS TRANSAçÕES INTERESTADUAIS - HARmoNIZAçÃo TRIBUTáRIA oU AUToNomIA ESTADUAl? 9

Gedalva Baratto e Mariano de Mattos Macedo

cAmINHoS DA AlImENTAçÃo EScolAR No BRASIl: análise de uma política pública no período de 2003-2004 31

Márcia Cristina Stolarski eDemian Castro

RElAçÕES SocIoEcoNômIcAS Em REDE: a governança no Arranjo Produtivo do Vestuário de cianorte no Estado do Paraná 59

Josil do Rocio Voidela Baptista eVictor Manoel Pelaez Alvarez

INVESTImENToS Em TRANSPoRTES, DESENVolVImENTo E o PAPEl Do ESTADo NA EcoNomIA PARANAENSE NA SEGUNDA mETADE Do SÉcUlo xx 83

Cilos Roberto Vargas eFabio Doria Scatolin

A coNcESSÃo DE RoDoVIAS PARANAENSES: um serviço público sob a ótica do lucro 103

Rejane Karam eWalter Tadahiro Shima

AS PolíTIcAS DE TRANSPoRTE No PARANá: uma análise do governo lerner - 1995-2002 129

Antônio Virgílio da Silva Neto eMaurício Aguiar Serra

A PlURIATIVIDADE NA mESoRREGIÃo mETRoPolITANA DE cURITIBA 147

Lenita Maria Marques eLuiz Antonio Lopes

NoRmAS PARA PUBlIcAçÃo DE ARTIGoS 175

SUmmARY

Articles

TAx REGImE IN INTERSTATE TRANSAcTIoNS: HARmoNIZATIoN oR STATE AUToNomY? 9

Gedalva Baratto e Mariano de Mattos Macedo

THE WAYS oF THE ScHool NoURISHmENT IN BRAZIl: an analysis of public policy in the 2003-2004 period 31

Márcia Cristina Stolarski eDemian Castro

THE SocIo EcoNomIc RElATIoN AND NETWoRKS: the governance in the cianorte clothing cluster 59

Josil do Rocio Voidela Baptista eVictor Manoel Pelaez Alvarez

INVESTmENTS IN TRANSPoRT, DEVEloPmENT AND THE RolE oF THE STATE IN PARANá EcoNomY IN THE SEcoND HAlF oF THE 20TH cENTURY 83

Cilos Roberto Vargas eFabio Doria Scatolin

THE coNcESSIoN oF PARANA HIGHWAYS: a public service from the point of view of profit 103

Rejane Karam eWalter Tadahiro Shima

TRANSPoRT PolIcIES IN PARANá: an analysis of lerner administration - 1995-2002 129

Antônio Virgílio da Silva Neto eMaurício Aguiar Serra

PlURIAcTIVITY IN THE mETRoPolITAN REGIoN oF cURITIBA 147

Lenita Maria Marques eLuiz Antonio Lopes

GUIDElINES FoR ARTIclE PUBlIcATIoN 175

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Adelar Fochezatto - PUC (Porto Alegre - RS)

Afonso Henrique Borges Ferreira - CEPE (Belo Horizonte - MG)

Ana Claudia de Paula Muller - IPARDES (Curitiba - PR)

Arion César Foerster - IPARDES (Curitiba - PR)

Armando Vaz Sampaio - UFPR (Curitiba - PR)

Áurea C. M. Breitbach - FEE (Porto Alegre - RS)

César Reinaldo Rissete - SEPL (Curitiba - PR)

Clóvis Ultramari - PUC (Curitiba - PR)

Daniel Nojima - IPARDES (Curitiba - PR)

Darcy Marzulo Ribeiro - Sec. Esp. de Corregedoria e Ouvidoria Geral do Estado do Paraná (Curitiba - PR)

Denis Alcides Rezende - PUC (Curitiba - PR)

Diócles Libardi - IPARDES (Curitiba - PR)

Fernando Salgueiro Perobelli - UFJF (Juiz de Fora - MG)

Gilmar Mendes Lourenço - IPARDES (Curitiba - PR)

Gracia Maria Viecelli Besen - IPARDES (Curitiba - PR)

Hermes Yukio Higachi - UEPG (Ponta Grossa - PR)

Jaime Graciano Trintin - UEM (Maringá - PR)

Janaína Gonçalves - IPARDES (Curitiba - PR)

Janaína Ruffoni Trez - UNICAMP (Campinas - SP)

Jorge Khalil Miski - TCE (Curitiba - PR)

José Gabriel Porcile Meirelles - UFPR (Curitiba - PR)

José Luiz Parré - UEM (Maringá - PR)

Josil do Rocio Baptista - IPARDES (Curitiba - PR)

Julio Takeshi Suzuki Junior - IPARDES (Curitiba - PR)

Lice Helena Ferreira - IPARDES (Curitiba - PR)

Maria Andrade Pinheiro - UEM (Maringá - PR)

Maria Lúcia de Paula Urban - IPARDES (Curitiba - PR)

Maria Luiza Marques Dias - IPARDES (Curitiba - PR)

Maria Salete Zanchet - IPARDES (Curitiba - PR)

Marisa Sugamosto - IPARDES (Curitiba - PR)

Marisa Valle Magalhães - IPARDES (Curitiba - PR)

Marley Vanice Deschamps - IPARDES (Curitiba - PR)

Nádia Zaiczuk Raggio - IPARDES (Curitiba - PR)

Nilson Maciel de Paula - UFPR (Curitiba - PR)

Paulo Roberto Delgado - IPARDES (Curitiba - PR)

Rodolfo Angulo - UFPR (Curitiba - PR)

Sandra Terezinha da Silva - IPARDES (Curitiba - PR)

Sérgio Aparecido Ignácio - IPARDES (Curitiba - PR)

Sérgio Schneider - UFRGS (Porto Alegre - RS)

Silmara Nery Cimbalista - IPARDES (Curitiba - PR)

Valéria Villa Verde Reveles Pereira - IPARDES (Curitiba - PR)

Vanessa Fleischfresser - IPARDES (Curitiba - PR)

Victor Manoel Pelaez Alvarez - UFPR (Curitiba - PR)

AGRADECIMENTO

A Editoria agradece aos pareceristas que colaboraram com a Revista Paranaense de Desenvolvimento ao longo do ano de 2007.

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NoTA DoS EDIToRES

O Paraná é um estado que tem sofrido profundas transformações nas últimas décadas. Na realidade, pode-se dividir o desenvolvimento da economia paranaense e sua inserção na economia brasileira em três períodos distintos: o primeiro, que se estende de meados do século XIX até o início do século passado, é caracterizado fundamentalmente pela extração e comercialização da erva-mate e madeira e, ao mesmo tempo, por uma atividade econômica concentrada espacialmente na região entre Paranaguá e Ponta Grossa. O segundo período, do começo do século XX a meados dos anos 1960, é marcado sobretudo pelo crescimento dos vínculos comerciais com a economia nacional e pelo espraiamento do processo de desenvolvimento na direção norte do Estado e oeste/sudoeste. Nesse contexto, o Paraná se afigura como uma economia periférica que produz matérias-primas, alimentos e produtos agrícolas em função da industrialização de São Paulo. E, finalmente, um terceiro período, que se inicia nos anos 1960 e alcança os dias de hoje, cujos principais traços são, de um lado, a industrialização e, de outro, uma maior integração do Paraná com a economia nacional.

De fato, durante os anos 1970 o governo militar lançou um ambicioso projeto de descentralização e integração produtiva nacional consubstanciado no Segundo Plano Nacional de Desenvolvimento (PND II). Nessas condições, a indústria paranaense transformou sua base produtiva, promovendo a modernização da agroindústria e, particularmente, o desenvolvimento da indústria metal-mecânica na Região Metropolitana de Curitiba (RMC). Em suma, é nesse período que a indústria paranaense se volta para as atividades com maior densidade tecnológica, de forma que aqueles setores tradicionais (como bens de consumo não-duráveis e alguns bens intermediários) perderam importância relativa na economia estadual.

Torna-se necessário sublinhar dois aspectos importantes:

Essa mudança no perfil da estrutura industrial do Paraná foi viabilizada ��

através da construção de uma infra-estrutura básica e, ao mesmo tempo, com o concurso das agências de fomento, principalmente o Banco de Desenvolvimento do Estado do Paraná (Badep). Foi essa conjugação de forças que permitiu a mais rápida geração e a difusão de tecnologias em distintos segmentos da economia paranaense.

A estratégia paranaense de desenvolvimento, colocada em prática a partir ��

dos anos 1970, ao propiciar um novo dinamismo econômico regional, gerou, por outro lado, uma série de problemas, sendo a intensificação da migração rural-urbana a sua face mais conhecida.

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Independentemente das conseqüências negativas geradas pelo processo de expansão da industrialização no Paraná, o fato é que os laços sinérgicos entre a indústria paranaense e a nacional se intensificam cada vez mais a partir dos anos 1990. Tal fenômeno tornou-se ainda mais visível com a vigorosa reconfiguração produtiva experimentada pela economia paranaense. Nesse sentido, o Paraná de hoje mostra uma acentuada diversificação de sua base industrial e uma maior integração regional.

Este número da Revista Paranaense de Desenvolvimento traz artigos que têm o objetivo de mapear, diagnosticar algumas das principais mudanças sofridas pela economia paranaense nas últimas três décadas. A publicação dos artigos procura dar visibilidade a dissertações de mestrado produzidas no âmbito de uma parceria entre o Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Econômico da Universidade Federal do Paraná (PPGDE/UFPR) e o Instituto Paranaense de Desenvolvimento Econômico e Social (IPARDES), que, com o apoio da Fundação Araucária, ofertou uma edição do curso de Mestrado Profissionalizante em Desenvolvimento Econômico para técnicos do Serviço Público Estadual, no período de 2003 a 2005. Ambas as instituições contam com a tradição de estudos e análises na economia do desenvolvimento em geral, e na economia paranaense em particular, que propiciou esse esforço conjunto.

Esta edição especial contou com a coordenação editorial de Marisa Valle Magalhães, do IPARDES, e, como editores convidados, com Fabio Scatolin, José Gabriel Porcile e Maurício Serra, professores da Pós-Graduação em Desenvolvimento Econômico da UFPR.

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REGIME TRIBUTÁRIO DO ICMS NAS TRANSAÇÕES INTERESTADUAIS - HARMONIZAÇÃO TRIBUTÁRIA

OU AUTONOMIA ESTADUAL?*

Gedalva Baratto**Mariano de Mattos Macedo***

* Este artigo foi escrito em dezembro de 2005 com elementos da dissertação de mestrado “Alternativas para Tributar as Operações e Prestações Interestaduais e para Partilhar o Produto da Arrecadação”, defendida em junho de 2005 no Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Econômico - Mestrado Profissionalizante, do Departamento de Economia da Universidade Federal do Paraná (UFPR).

** Economista, mestre em Desenvolvimento Econômico pela Universidade Federal do Paraná (UFPR). Auditora Fiscal e Chefe da Coordenação de Assuntos Econômicos da Secretaria de Estado da Fazenda do Paraná. E-mail: [email protected]

*** Economista, doutor em Economia pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Professor Adjunto do Departamento de Economia da UFPR. E-mail: [email protected]

RESUMO

O ICMS é o imposto com a maior arrecadação no Brasil. A atribuição de competência aos estados para tributar imposto do tipo valor agregado lhes permite obter maior grau de autonomia, mas pode provocar distorções econômicas em virtude da característica nacional do tributo. Um de seus principais problemas reside na sistemática adotada nas operações e prestações interestaduais, mediante adoção de alíquotas interestaduais diferenciadas e inferiores às que são aplicadas nas operações e prestações dentro do estado, denominada princípio de tributação de origem restrita, e que tem por propósito partilhar o produto da arrecadação entre o estado de origem e o estado de destino. O objetivo do presente artigo é demonstrar que este sistema precisa ser alterado, verificando as conseqüências que a sistemática provoca na economia e no pacto federativo. Visa demonstrar que está sendo pago um preço muito alto e coloca em dúvida a eficácia do

ABSTRACT

The ICMS is a Brazilian value added tax regulated and charged by sub-national states. It is also a record tax in terms of revenue collection in Brazil. To empower sub-national states to regulate and charge ICMS at the one hand may ensure a greater degree of autonomy to them. On the other hand, it may cause a number of economic distortions. One of the problems of ICMS gives respect to its system applied to inter-transactions. Those are charged at lower rates than intra-states. Rates cans also differ according to the geographic region of the state of origin and of the state of destination. This system, which is known as principle of origin restrict, mixed or hybrid, aims at the sharing of revenue between the state of supply and the state of origin of goods and services. The main goal of the paper is to discuss the undesirable effects on Brazilian federalism and on Brazilian economy, and prove that there must be a change in the ICMS applied to interstate transactions. It also seeks

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to demonstrate that the current system has not even been successful in which concerns to that aim of dividing revenue between the origin and the destination state Its final purpose is to call attention to some solutions to ICMS, such an important Brazilian value added tax, taking into account the dilemma involved in making a choice between autonomy of sub-national states and economic neutrality. The ICMS is the largest tax collection in Brazil. The empowerment of sub-national states to levy value added tax type, such as ICMS, ensure them to achieve greater degree of autonomy, but it can cause economic distortions due to the national feature of the tribute. One important problem related to ICMS is the system used in interstate operations and services through adoption of interstate rates, which are different and lower than those applied to the operations and services within the state. This system, known as a principle of taxation of restricted origin, aims at sharing the revenue between the state of origin and the state of destination. The aim of this paper is to demonstrate that this system needs to be changed by showing that this systematic produces impacts on the Brazilian economy and on the Brazilian federalism as well. The paper also seeks not only to demonstrate that a very high price has been paid, but also to raise questions about the effectiveness of the model for sharing revenue between the state of origin and the state of destination. The analysis takes into account an inherent dilemma in the choice between autonomy of sub-national states and economic neutrality.

Keywords: ICMS; IVA; states; interstate transactions; rates; principle of origin; principle of destination; autonomy; neutrality; harmonization; fiscal war.

modelo para partilhar receita entre o estado de origem e o de destino. A análise leva em conta o dilema inerente à escolha entre autonomia federativa e neutralidade econômica.

Palavras-chave: ICMS; IVA; estados; operações interestaduais; alíquotas; princípio de origem; princípio de destino; autonomia; neutralidade; harmonização; ‘guerra fiscal’.

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Gedalva Baratto e Mariano de Mattos Macedo

INTRODUÇÃO

São decorridas quase quatro décadas desde que o Brasil instituiu o Imposto Sobre Circulação de Mercadorias (ICM), que, a partir da Constituição Federal de 1988 (CF/88), é denominado Imposto Sobre Operações Relativas à Circulação de Mercadorias e Sobre Prestações de Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comunicação (ICMS). O tributo1 ostenta a primeira posição no ranking de arrecadação no Brasil, com R$ 154,9 bilhões em 2005, o equivalente a 21,58% da carga tributária total do País e a 8,14% do Produto Interno Bruto.

O ICMS é imposto plurifásico porque incide em todas as etapas da produção e distribuição de bens e serviços (até alcançar o consumidor final); do tipo IVA (Imposto Sobre o Valor Agregado), pois permite que o imposto incidente sobre as compras (aquisições) seja deduzido do imposto debitado sobre as vendas (remessas) – método do crédito do imposto.2 Como imposto do tipo IVA, atende ao princípio da não-cumulatividade, resiste bem ao teste da neutralidade econômica, não provocando, teoricamente, distorções na organização ou entre os elos da cadeia de produção.

Em comparação com o tributo plurifásico cumulativo, o IVA possui a vantagem de ser neutro em relação à estrutura organizacional das empresas, entre outros fatores porque não induz à integração vertical. Comparativamente com o tributo monofásico não-cumulativo (tipo vendas a varejo), também apresenta vantagem porque não estimula o deslocamento do valor agregado para estágios não tributados do ciclo econômico.

Inerente à técnica plurifásica, grande parte da receita é arrecadada nos estágios pré-varejistas, de modo que, mesmo havendo evasão no estágio varejista, em que a fiscalização é mais difícil e pulverizada, o fisco terá assegurado uma boa parte da arrecadação nos estágios anteriores, nos quais a atividade econômica é tipicamente mais concentrada.

Quanto à fiscalização, e em comparação com os outros tributos sobre mercadorias e serviços, o IVA com método do crédito do imposto facilita o controle fiscal mediante cruzamento das informações prestadas pelos contribuintes, uma vez que o valor do crédito do comprador não pode ser diferente do valor que o vendedor lançou a débito na operação anterior, ou seja, o mecanismo de débitos e créditos forma uma trilha que pode ser seguida.

O primeiro país que adotou imposto não-cumulativo sobre transações com bens e serviços foi a França, mas o Brasil foi o primeiro a instituí-lo em todos os estágios econômicos (até o varejo), bem como a atribuir sua competência a uma esfera

1Tributo tem sentido mais amplo do que imposto. Pode ser: imposto, taxa, contribuição de melhoria, outras contribuições ou empréstimo compulsório.

2IVA designa de modo genérico os impostos sobre o valor agregado. Este artigo trata apenas de IVA submetido ao método do crédito do imposto, também denominado método indireto subtrativo ou das faturas. A norma jurídica refere-se ao IVA como imposto sobre transações, operações, circulação ou negócios, pois é o mandamento da não-cumulatividade que permite que o valor devido (débitos menos créditos) seja próximo ao que resultaria aplicando a alíquota diretamente sobre o valor agregado.

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subnacional de governo, os estados3, em que pese a boa técnica recomendar que seja atribuída à União4 a tributação de impostos sobre o valor agregado. A razão foi que, na organização político-administrativa da República Federativa do Brasil, os estados tradicionalmente tributam a expressiva base contributiva que o consumo de bens e serviços representa. O imposto tipo IVA irradiou-se como principal forma para tributar o consumo, com uma expansão impressionante nos últimos cinqüenta anos. São 132 países que o adotam recentemente (GUIMARÃES, 2004), nove das dez principais economias no mundo, com exceção apenas dos Estados Unidos da América.

Há muitas críticas dirigidas ao ICMS, alvo freqüente de propostas de reforma tributária5, ainda que estas não se restrinjam a alterações neste imposto e que fatores econômicos e políticos dificultem e até impeçam a sua aprovação.

As questões que referenciam essas críticas são de diversas ordens. Em primeiro lugar, podem ser considerados os fatores que modificaram o ambiente econômico no qual as empresas brasileiras passaram a operar a partir da década de 1990: a ampliação do processo de abertura econômica, que expôs as firmas a um ‘choque de competitividade’; intensificação no processo de ‘globalização’, que aumentou as relações internacionais de comércio; estabilidade econômica e monetária no Brasil, pós Plano Real, que estancou o processo inflacionário e possibilitou que as empresas voltassem a formar os preços com base nos custos de produção.

Em decorrência desses fatores, problemas, inadequações e ineficiências existentes no Sistema Tributário Nacional Brasileiro, ainda que antigos, tornaram-se mais visíveis e prejudiciais, de modo que a reforma tributária passou a ser um tema presente na agenda de discussões das políticas macroeconômicas no Brasil, logo depois de editada a CF/88. O ambiente político-institucional em que esta Constituição foi discutida não levou suficientemente em conta fatores que já se faziam visíveis, relacionados à nova ordem econômica mundial, antes tendo privilegiado o estabelecimento de um maior grau de autonomia financeira e política para as esferas subnacionais de governo. Tão logo editada, a CF/88 revelou-se inadequada à nova realidade que seria enfrentada pelas empresas.

Em que pese essa constatação genérica, sobre a qual é fácil obter consenso, a tarefa de uma reforma tributária para alterar o sistema revela-se hercúlea, sobrecarregada de desafios, obstáculos e resistências, em muitos aspectos considerados intransponíveis. Se no plano do discurso o consenso sobre a necessidade da reforma tributária é praticamente absoluto, na prática e no específico o dissenso é generalizado. Só tem sido possível aprovar aspectos pontuais ou alterações motivadas por premência de crises econômicas e dificuldades financeiras. O sistema tributário alicerçado na década de 1960, data da única reforma profunda e consistente que o Brasil teve, está cada vez mais distante e esboroado.

3 Em todo o artigo, a referência aos estados deve ser entendida como extensiva ao Distrito Federal.4 União, governo central, governo federal e instância superior de governo são tratados de modo equivalente. 5 Para efeito didático, é utilizada a terminologia “reforma tributária” em sentido genérico, seja através de Emenda

Constitucional, seja no plano infraconstitucional.

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Gedalva Baratto e Mariano de Mattos Macedo

Uma segunda ordem de questões refere-se ao aumento da importância que a tributação da dita ‘base consumo’6 passou a representar para os governos a partir dos anos 1980. Desde então, as preocupações vêm se centrando na redução de tributos sobre a poupança e o investimento, paralelamente à ampliação dos limites para impor, sobre a renda pessoal, taxação elevada e com a progressividade que seria recomendável à eqüidade tributária e à solvência das finanças públicas. A imposição sobre a ‘renda ganha’ passa a ser substituída por aumento na tributação da ‘renda gasta’, a ‘base consumo’ (REZENDE, 1993). Nesse contexto, os tributos sobre esta base sofreram mudanças conceituais e estruturais, que, no geral, vieram a acentuar distorções em relação ao princípio da não-cumulatividade. De forma a manter a neutralidade econômica torna-se necessário harmonizar e simplificar os sistemas, reduzir as incidências cumulativas, presentes em todos os estágios das atividades econômicas pelo seu valor integral, que provocam a dita tributação em cascata, ou seja, a incidência de imposto sobre imposto. Nesse caso, a tendência de reformas é pela adoção de duas formas modernas e principais de tributação dos bens e serviços (BINS, 1999):

um imposto �� geral sobre as transações, plurifásico, não-cumulativo, com base ampla sobre o universo de bens materiais e imateriais, dotado de um número mínimo de alíquotas, avesso a desonerações e benefícios fiscais – o IVA;

um imposto �� especial sobre as transações, monofásico, também denominado de imposto específico ou seletivo, incidente sobre determinados tipos de bens.7

Uma terceira ordem de questões está relacionada à atribuição de competências tributárias e de encargos entre as diferentes instâncias de países federativos. Sempre há uma incompatibilidade entre os tributos que podem ser atribuídos à competência tributária de esferas subnacionais de governo, sem provocar graves distorções à economia, à alocação de recursos, à racionalidade dos tributos e às necessidades de gastos destes governos, pressionados com a tendência crescente à descentralização de encargos. A doutrina recomenda que, sempre que possível e que não implique distorções, deve-se atribuir às instâncias subnacionais a tributação de bens e serviços, pelas seguintes razões (MCLURE, 1998): a) diversificar as fontes de financiamento das instâncias subnacionais, de modo que seja possível reduzir sua dependência de transferências de instâncias superiores de governo; b) descentralizar a receita de forma a permitir que a sociedade associe mais diretamente os benefícios das funções públicas (gastos) à sua fonte de financiamento; c) ampliar a produtividade fiscal (arrecadatória), pois a arrecadação advinda de impostos sobre a renda e sobre o patrimônio é estreita

6A tributação de bens e serviços alcança, regra geral, a renda gasta, que se desdobra em bens de investimento (ativo imobilizado) e bens e serviços de consumo (consumo intermediário e consumo final). A depender da configuração dada a cada tributo, diferente pode ser o seu alcance e grau de abrangência.

7Características de amplo consumo, não-essencialidade, procura inelástica e produção oligopolizada propiciam a estes bens elevada produtividade fiscal.

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em países em desenvolvimento; d) a tributação de bens e serviços é mais compatível com as instâncias subnacionais do que os impostos diretos.

No Brasil, a competência tributária do ICMS atribuída aos estados8 dificulta a obtenção de níveis satisfatórios de harmonização tributária e coordenação. O objetivo deste artigo é demonstrar que os estados precisam alterar o regime tributário (modelo, mecanismo, sistema) aplicado às operações interestaduais (OIs) e adotar mecanismo alternativo mais adequado para a tributação, cobrança e repartição do produto da arrecadação incidente nestas operações.

Ainda que não seja possível analisar modelos alternativos para o ICMS das OIs no espaço que este artigo comporta, procura-se sinalizar que a tarefa é complexa, pois envolve inúmeras determinações, tanto no plano técnico quanto político. Informa-se que a questão deve ser analisada à luz do maior grau possível de autonomia federativa (um valor político) e do maior grau possível de neutralidade econômica (um atributo técnico). Além disso, é necessário reduzir a sonegação, restringir a guerra fiscal entre os estados e simplificar o imposto. São dilemas, princípios e objetivos interdependentes e antagônicos, que precisam ser conciliados, sinalizando por que é tão difícil aprovar uma reforma tributária.

Quanto à estrutura do artigo, primeiro analisam-se os conceitos vinculados ao princípio tributário de coordenação jurisdicional internacional e interestadual para a tributação de bens e serviços, através dos princípios de origem e de destino e suas combinações, uma vez que eles estão diretamente vinculados ao mecanismo de ICMS (ou IVA) para as operações interestaduais (OIs). Procuramos aprofundar o entendimento destes conceitos e trazer uma contribuição adicional a este assunto em particular.

Em seguida é explicitada a sistemática de ICMS vigente nas OIs, abordando brevemente a história da escolha pelo denominado princípio de origem restrita. Comentam-se alguns problemas e dificuldades para lidar com o ICMS, a afetação aos princípios da neutralidade e eqüidade, as dificuldades para obter harmonização tributária, enfatizando os entraves que advêm da sistemática vigente nas transações interestaduais, procurando demonstrar que a forma adotada é complexa, indutora de fraude e guerra fiscal, e não contribui para reduzir as desigualdades regionais no Brasil. No último tópico apresentam-se algumas conclusões.

1 COORDENAÇÃO INTERJURISDICIONAL DE TRIBUTOS SOBRE BENS E SERVIÇOS – PRINCÍPIOS DE ORIGEM E DE DESTINO E HARMONIZAÇÃO TRIBUTÁRIA

Este tópico analisa o princípio tributário de coordenação jurisdicional, de origem e de destino, em virtude do estreito vínculo com o mecanismo de ICMS aplicado às operações interestaduais (OIs).

8Vinte e cinco por cento do produto da arrecadação pertence aos municípios.

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As transações comerciais internacionais, bem como as transações interestaduais em federações, são regidas pelos princípios de jurisdição/ territorialidade/ não-discriminação. Isto é necessário para que não ocorram distorções no comércio, evitando que os produtos sejam duplamente tributados, ou seja, tanto pelo país/estado exportador quanto pelo país/estado importador. Visa também obter eqüidade na distribuição dos recursos tributários entre os países e instâncias da federação. Para que estes objetivos sejam atingidos, é necessária uma coordenação interjurisdicional dos impostos sobre bens e serviços.

O princípio de jurisdição fiscal é instrumentalizado por meio dos princípios de origem e de destino. A matéria é fiscal, circunscreve-se no campo do direito tributário, mas seu suporte teórico advém do direito econômico.

A operacionalização dos princípios de origem e destino para o caso da tributação de bens e serviços é feita através de ‘ajustamentos fiscais de fronteira’ (border tax adjustments). Em cada um dos princípios difere a forma como a arrecadação entre os países ou estados é alocada.

No princípio de origem, a competência para tributar as transações internacionais ou interestaduais é atribuída ao país ou estado de origem das mercadorias, abstendo-se o país ou estado de destino de gravar estas transações (BASTO, 1991). Em cada país ou estado a arrecadação guarda relação com a produção. Todavia, o princípio de origem exige harmonização. As alíquotas devem ser uniformes porque uma tributação menor no país ou estado de origem (exportador) do que a aplicada no país ou estado de destino (importador) sobre os bens e serviços produzidos internamente afeta a competitividade do país de destino e vice-versa.

Em processos de integração regional avançada ou em federações cuja competência tributária de bens e serviços é atribuída aos estados, é recomendável adotar o princípio de origem, ou seja, tributar e cobrar integralmente no estado de origem, mas veremos que isto requer instituir mecanismos para alocar o produto da arrecadação, no todo ou em parte, ao estado de destino. Uma grande vantagem da tributação de imposto tipo IVA no estado de origem, e que indica ser uma forma mais adequada para mercados integrados, reside em que não ocorre interrupção na cadeia normal dos débitos-créditos, que é a grande virtude deste tipo de imposto. Outra vantagem está no controle fiscal, pois as exportações tributadas permitem suprimir barreiras fiscais de fronteira.

No princípio de destino, desoneram-se as exportações e tributam-se as importações com carga tributária equivalente à que é aplicada ao produto nacional ou estadual (BASTO, 1991). A arrecadação de cada país ou estado guarda relação com o seu consumo. No comércio internacional esta sistemática requer ‘ajustes fiscais de fronteira’ por parte das jurisdições envolvidas (alfândega, aduana). Princípio de destino, então, é a solução própria para mercados não integrados, sendo a regra aplicada ao comércio internacional de um modo geral.

As diferenças entre os princípios de origem e de destino não se restringem ao controle alfandegário, à existência ou não de ajuste fiscal de fronteira. Do ponto de vista

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do princípio da eqüidade, é desejável que a receita de tributos sobre bens e serviços seja apropriada/ alocada/ atribuída ao país ou estado onde ocorre o consumo final dos bens e serviços, que é onde, preponderantemente, os consumidores demandam os serviços públicos.

Complicações ocorrem quando a competência de imposto do tipo IVA é atribuída a instâncias subnacionais de governo, no caso de países organizados politicamente sob regime federativo, pois a interferência das jurisdições umas nas outras é maior. Neste caso, além da coordenação internacional é necessário coordenar e harmonizar internamente o princípio de jurisdição fiscal, com a grande diferença de que nas transações interestaduais não existem barreiras alfandegárias entre as jurisdições9, para ajustar os distintos sistemas tributários. Sinteticamente, são apontadas duas formas para alocar o produto da arrecadação ao estado de destino:

a primeira reside em adoção de alíquota zero (na saída do estado de ��

origem) combinada com concessão de diferimento do pagamento do imposto (na entrada do estado de destino). Esta forma acaba por resultar em tratamento semelhante ao aplicado ao comércio internacional, com a grande diferença de que nas relações interestaduais não existe ajuste fiscal de fronteira, pois se está diante de um mercado integrado. Em decorrência, outro tipo de controle tem que ser adotado para evitar fraudes, como é o caso do cruzamento de informações, mudando a ênfase do controle de físico para contábil;

a segunda forma se dá pela cobrança integral do imposto no estado de ��

origem da transação, escolha que prescinde de ajuste fiscal de fronteira, mas que requer a instituição de mecanismos para atribuir o produto da arrecadação ao estado de destinação dos bens e serviços. Isto pode ser feito por diversos instrumentos: ‘câmara de compensação’, clearing house, instituição de fundos e sistemática de substituição tributária.

As duas formas para atribuir ao estado de destino o produto da arrecadação possuem vantagens e desvantagens. O relevante é que, em mercados integrados, a atribuição de receita ao estado de destino não requer obrigatoriamente que a cobrança ocorra no local de destino. É possível tributar e cobrar na origem e atribuir o produto da arrecadação ao destino.

Referimo-nos ao princípio da neutralidade econômica para que os tributos interfiram o menos possível nas decisões de alocação de recursos e sejam, portanto, eficientes economicamente. A harmonização tributária é um instrumento para obter neutralidade econômica e para cumprir objetivos de integração. Em decorrência, é mais difícil de ser alcançada em impostos de competência tributária estadual, pois restringe a autonomia estadual para estabelecer alíquotas e conceder benefícios fiscais. Quanto maior o grau de integração desejado, maior a necessidade de harmonizar o sistema ou determinado tributo.

9Postos fiscais são instrumentos de controle às fraudes, mas não fazem ‘ajuste fiscal de fronteira’.

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Para obter harmonização, imposto do tipo IVA deve ser integralmente tributado e cobrado ‘no’ e ‘pelo’ estado de origem da operação. Isto porque o princípio de origem é o mais adequado para mercados integrados ou que desejem aumentar o grau de integração (no caso de blocos regionais de comércio), principalmente em contexto de ausência de ajustes fiscais de fronteira. Dissemos que no comércio internacional vigora como regra de jurisdição o princípio de destino, mas há que se levar em conta que a presença das aduanas (alfândegas) permite manter sob (relativo) controle as fraudes fiscais. Em que pese o ajuste fiscal de fronteira representar entrave e embaraço ao comércio internacional, tem havido crescimento no comércio mundial e o sistema funciona relativamente a contento. Segundo Araújo (1999, p.9):

Não há fronteiras fiscais entre as unidades que compõem um mesmo nível de governo (ou uma confederação), o que torna amplo o escopo para que os impactos de uma dada política tributária sejam exportados de uma jurisdição para outra. A movimentação interestadual de mercadorias e de capitais é livre de restrições legais de modo que, se a questão da autonomia é levada ao extremo e não há harmonização entre as práticas tributárias subnacionais, são grandes as chances de que as decisões dos agentes econômicos e a distribuição geográfica da produção sejam distorcidas por motivos essencialmente tributários.

Vimos que mudanças impostas pelo novo contexto internacional têm como conseqüência que os impactos de determinada política tributária não mais se circunscrevem às fronteiras do território nacional, impondo limites até mesmo às nações. Então é possível que limitações devam ser impostas também à autonomia dos estados, como é o caso da competência legislativa de imposto tipo IVA (do qual o ICMS é espécie), em favor de grau mais elevado de harmonização tributária, para obter neutralidade econômica.

1.1 DISTINÇÃO CONCEITUAL RELEVANTE QUANTO AOS PRINCÍPIOS DE ORIGEM E DE DESTINO NA TRIBUTAÇÃO

Quando os bens e serviços são tributados e cobrados ‘no’ e ‘pelo’ estado de destino e a receita a ele pertence, é certo que se está diante do princípio de destino puro, afinal ‘tudo’ é destino (competência tributária, local de cobrança, titularidade da receita). Trata-se da desoneração integral das exportações, modelo mais simples e automático para obter o princípio de destino puro.

Não obstante, os instrumentos da imunidade, da isenção e da alíquota zero, nas exportações para outros países ou estados, não são as únicas alternativas para alcançar o princípio de destino para alocar o produto da arrecadação. Tributar e cobrar no estado de origem não significa que o titular do produto da arrecadação deva ser o estado de origem. Princípios de origem e de destino quanto à tributação e cobrança são questões que se reportam ao titular da competência tributária, o sujeito ativo. A cobrança em geral também é feita pelo próprio titular da competência, embora a tarefa possa ser delegada. Origem ou destino quanto à alocação (atribuição, repartição, partilha) do produto da arrecadação é uma outra questão, relacionada ao Ente Político titular da

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receita, o que não precisa estar no campo do direito tributário, pois pode ser tratado administrativamente, no campo do direito financeiro.

Quando a obrigação tributária estipula como norma que a cobrança é no estado de origem e que a arrecadação pertence ao estado de destino, está-se diante de que princípio? Primeiro é necessário identificar se a escolha tem implicações no campo do direito tributário – se o mecanismo requer a atuação do contribuinte para produzir os resultados desejados – ou se está no campo do direito financeiro – se o mecanismo de partilha, posterior ao ingresso do tributo, afeta os cofres do detentor da competência tributária, o sujeito ativo. As alternativas são várias, algumas delas exemplificadas a seguir.

QUADRO 1 - ALGUNS MECANISMOS PARA OPERACIONALIZAR OS PRINCÍPIOS DE ORIGEM E DE DESTINO

CAMPO DO DIREITO TRIBUTÁRIO

Adoção de alíquota zero nas transações interestaduais: princípio de destino, tanto em relação à tributação e cobrança quanto em relação à alocação do produto da arrecadação.

Alíquota interestadual inferior à interna (é o caso do ICMS): princípio de origem restrita (ou misto) com tributação e cobrança parte na origem e parte no destino, com alocação de receita proporcional às respectivas cobranças.

Sistemática de substituição tributária, em que a tributação e cobrança ocorrem no estado de origem por parte do estado destinatário (sujeito ativo é o estado de destino): princípio de origem quanto à tributação e cobrança e princípio de destino para alocar o produto da arrecadação.

CAMPO DO DIREITO FINANCEIRO

Criação de Fundo para repartir o produto da arrecadação segundo critério proporcional ao consumo das jurisdições = princípio de origem quanto à tributação e cobrança e princípio de destino para alocar o produto da arrecadação.

Câmara de compensação ou “encontro de contas” para que a jurisdição de origem compense a jurisdição de destino pelos créditos de imposto que esta última suporta em decorrência de imposto cobrado na jurisdição de origem: princípio de origem quanto à tributação e cobrança e princípio de destino para alocar o produto da arrecadação.

FONTE: Os autores

Em mercados integrados recomenda-se que seja adotado o princípio de origem para tributar e cobrar – campo do direito tributário – e o princípio de destino para alocar o produto da arrecadação, sendo que esta última escolha pode afetar o campo do direito tributário ou do direito financeiro, a depender do modelo operacional. A receita deve pertencer ao estado de destino, integralmente ou em elevada proporção, para que a receita disponível de cada estado guarde relação com o tamanho de seu mercado consumidor, o que é mais compatível com o lugar em que o cidadão demanda os serviços públicos, minimizando, assim, a competição fiscal entre as jurisdições.

Com os referenciais teóricos a respeito dos princípios de origem e de destino, parte-se para a análise da coordenação jurisdicional interestadual aplicada ao ICMS.

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2 REGIME TRIBUTÁRIO DO ICMS NAS OPERAÇÕES10 INTERESTADUAIS – PRINCÍPIO DE ORIGEM RESTRITA

Como o ICM (Emenda Constitucional 18/1965 à Constituição de 1946) foi atribuído à competência tributária dos estados, desde a sua instituição foi necessário estabelecer o princípio interjurisdicional, ou seja, o tratamento para as transações interestaduais, tendo-se inicialmente optado pelo princípio de tributação ‘no’ e ‘pelo’ estado de origem. Em 1967, no início de sua vigência, o ICM era um imposto harmonizado. A alíquota era de 15%, uniforme em todo o território nacional, inclusive nas operações interestaduais (OIs) e de exportação. Então percebeu-se que se a alíquota interestadual fosse inferior à aplicada dentro do estado haveria uma partilha mais eqüitativa de receita entre o estado de origem e de destino e, assim, a alíquota interestadual poderia ser reduzida para menos que 15%. Foi o início da saga entre estados ‘consumidores’ e estados ‘produtores’.

Não era factível que o titular da receita das OIs fosse integralmente o estado de origem, pois concentrava a arrecadação nos estados ‘produtores’. Neste aspecto as divergências eram menores. O que os especialistas procuraram alertar foi a respeito da forma proposta (utilizada até hoje) para aumentar a receita dos estados ‘consumidores’. A solução brasileira não foi a de criar câmara ou fundo de compensação, ou mesmo outro mecanismo alternativo para carrear receita ao estado de destino. Para não enfrentar um conflito federativo distributivo, a opção foi a de atribuir ao contribuinte (campo do direito tributário) a partilha de receita entre origem e destino. O Senado deve fixar as alíquotas interestaduais e o faz de modo que as OIs são em parte tributadas no estado de origem e em parte no estado de destino, inclusive com critérios distintos quanto à destinação: se a operação é oriunda do Sul e Sudeste, exclusive Espírito Santo (S/SE-ES), com destino ao Norte, Nordeste e Centro-Oeste, inclusive Espírito Santo (N/NE/CO+ES), a alíquota é inferior à aplicada para as demais OIs11. O princípio é de origem, mas, como financeiramente há uma repartição do produto da arrecadação entre origem e destino, tem sido denominado de princípio de origem restrita (ou misto).

O risco de distorções econômicas e de aumento da sonegação fora alertado por Wilberg (1972) já no início da polêmica ‘estados consumidores versus estados produtores’. A autora demonstra matematicamente a distorção na formação dos preços das empresas, comprovando que uma menor alíquota nas OIs daria maior poder de competição aos produtos oriundos de outros estados em detrimento da oferta interna de similares, bem como um desinteresse pela industrialização dentro do estado. Assim, o remédio apontado para melhorar a distribuição de receita de ICM entre os estados promoveria uma contradição entre a comercialização interna e a interestadual. A autora conclui que a adoção de alíquotas menores nas OIs relativamente às internas constituía

10 Neste artigo, considerem-se ‘operações’ e ‘transações’ extensivas a ‘prestações de serviços’.11 As alíquotas interestaduais devem ser inferiores às internas. É possível que sejam iguais às internas, em vista do

princípio da seletividade nas alíquotas a partir da CF/88, mas trata-se de exceção à regra.

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paliativo financeiro de curto prazo que prejudicaria a economia dos próprios estados consumidores futuramente.

Como na década de 1970 as diferenças entre as alíquotas internas e as interestaduais eram baixas, foi possível conviver com a sistemática. Contudo, as diferenças foram sendo gradativamente elevadas, com a Resolução do Senado 07/1980, com a Emenda Constitucional 23/1983 e com a Resolução do Senado 22/1989. Nesta última, as operações do S/SE-ES com destino ao N/NE/CO+ES são sujeitas a alíquota de 7%; em todas as demais OIs (exportações e importações por vias internas) é aplicada alíquota de 12%.

As alíquotas interestaduais prevalecem nas operações entre contribuintes. Nas que destinem bens e serviços a consumidor final é aplicada a alíquota interestadual quando o destinatário é contribuinte do imposto12 e a alíquota interna vigente no estado de origem quando o destinatário não é contribuinte do imposto (art.155, § 2°, VII, “a” e “b”, CF/88).13

Importante exceção a esta regra (ao princípio de origem restrita) é que o imposto não incide sobre OIs relativas a energia elétrica e petróleo – inclusive lubrificantes e combustíveis líquidos e gasosos dele derivados – quando destinados à industrialização ou à comercialização (art. 155, X, “b”, CF/88). Nestes casos vigora o princípio de destino puro. O assunto é polêmico, entre outros fatores, porque mercadorias cuja produção também é altamente concentrada em alguns estados, favorecendo suas arrecadações, não foram excetuadas da regra geral, o princípio de origem restrita.14

Na importação e na prestação de serviço iniciado no exterior incide a mesma e respectiva alíquota vigente nas operações internas, em consonância com o princípio de destino, mediante o qual desoneram-se as exportações e tributam-se as importações. Nas saídas para o exterior, desde o advento da Lei Complementar 87/1996, vigora o princípio puro do país de destino, ou seja, as exportações estão integralmente desoneradas de ICMS.

Quanto ao mérito, é esperado que as alíquotas interestaduais permitam aos estados mais pobres – ditos consumidores – auferir um saldo maior de ICMS, resultante de uma menor proporção de crédito de imposto suportado por aquisições em outros estados. Com alíquota interestadual inferior à interna o estado de destino suporta valor menor de crédito de imposto que incidiu no estado de origem e, em decorrência, resulta um saldo maior de imposto na operação subseqüente (e.g., destinada para consumidor final). Como os estados do N/NE/CO+ES compram dos estados do S/SE-ES com alíquota de 7%, inferior à incidente nas demais OIs (12%), o crédito do imposto suportado pelos primeiros e advindo dos últimos é ainda menor e o efeito distributivo de receita

12 Hipótese em que cabe ao estado de destino o imposto correspondente à diferença entre a alíquota interna e a interestadual (art. 155, § 2°, VIII, CF/88).

13 Esta constitui uma das razões pela qual as alíquotas internas não podem ser inferiores às interestaduais, entendidas estas pelo piso de 12% e não de 7%, que é exceção à regra.

14 Uma outra exceção é a Resolução do Senado nº 95/1996, que estabelece em 4% a alíquota aplicável às prestações de serviço aéreo interestadual de passageiro, carga e mala postal.

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é potencializado. Este é o objetivo da adoção de alíquotas interestaduais inferiores às internas, fácil de ser comprovado do ponto de vista matemático (financeiro), pois em tese a carga tributária final com alíquotas uniformes ou diferenciadas é a mesma, diferindo, todavia, a apropriação de receita entre os estados nas operações intermediárias, a favor do estado de destino, vis-à-vis o princípio de origem pura.

Desde o início, então, só foi levado em conta o efeito matemático/ financeiro esperado no curto prazo, sem uma reflexão cuidadosa sobre as conseqüências econômicas, apesar do alerta dos especialistas. Demonstraremos que os estados foram tomados por uma ‘ilusão tributária’, terminologia que emprestamos de Pedrosa (1999, p.8).

3 ALGUNS PROBLEMAS DECORRENTES DA SISTEMÁTICA DE ICMS NAS OPERAÇÕES INTERESTADUAIS

É claro que se o ICMS fosse de competência da União seria possível obter maior neutralidade fiscal, pois para um imposto de competência do governo central não há o problema da coordenação jurisdicional interestadual. Dado que nesta circunstância o imposto opera igualmente em todo o território nacional, apenas nas relações comerciais com outros países é necessário considerar o princípio de jurisdição. Mas se assim fosse, o que dizer da autonomia estadual? Nossa posição é pela manutenção da competência estadual para o ICMS (ou IVA) no Brasil, então é preciso encontrar e adotar formas mais adequadas para a sistemática do imposto. Tendo presente que não existe imposto neutro15, o grau possível de neutralidade que pode ser obtido com atribuição de competência aos estados é menor do que se a competência do imposto fosse federal. Não há que se negar o preço pago pela sociedade por um arranjo federativo.

Vimos que há aproximadamente 35 anos os estados “se meteram no mato sem cachorro” ao optarem por um mecanismo de partilha de receita que delega ao contribuinte a tarefa de cumprir uma obrigação tributária que pretende resultar em uma adequada repartição do produto da arrecadação entre o estado de origem e o estado de destino. Em virtude da fragilidade histórica no federalismo fiscal brasileiro, nunca houve confiança, cooperação e segurança para criar um sistema de partilha que só envolvesse os estados, prescindindo da atuação do contribuinte. O modelo atual traz uma série de conseqüências, com afetação à neutralidade econômica.

Um dos problemas é que há implicações em conciliar política econômica externa e interna utilizando princípios diferentes de tributação, qual seja: nas relações com o exterior, por inexorável, adota-se o princípio de destino; e, nas relações interestaduais, o princípio de origem restrita. É a realidade econômica de uma escolha que já foi feita em nível global que requer compatibilizar os dois princípios jurisdicionais, independentemente da escolha que venha a ser feita no plano operacional, relativamente ao local de tributação e cobrança.

15 É inevitável a influência do imposto sobre a composição do preço. “Imposto neutro será o que, provocando – como qualquer imposto não pode deixar de provocar – efeitos de rendimento, é isento, porém, de efeitos de substituição.” (BASTO, 1991, p.29).

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Em que pese o modelo atual ser frágil desde quase o início do ICM, foi possível conviver com a sistemática por um longo período, podendo-se mesmo dizer que o arranjo brasileiro apresentava vantagens, pois permitia gerenciar de forma relativamente satisfatória o conflito inerente aos princípios da autonomia federativa e da neutralidade econômica. Mas a abertura da economia, o aumento da interdependência entre as economias, a concorrência no plano internacional, a estabilidade monetária que obriga as firmas a formarem preços a partir de seus custos de produção são fatores que impedem “empurrar” as ineficiências para os preços.

Exposto à competitividade, o contribuinte cada vez mais se vale da fragilidade do modelo de ICMS nas OIs para sonegar. Como o mecanismo perdeu sua funcionalidade e vai contra a lógica econômica, os estados empregam várias atitudes para ‘desmanchar’ os seus efeitos. Tanto as firmas como os estados, portanto, se defendem da sistemática como podem, conforme exemplos ilustrativos que seguem.

Os contribuintes também perceberam que poderiam ‘brincar’ com as alíquotas, para fazer planejamento tributário, operação triangular, praticar preços de transferência e toda sorte de manipulações que um IVA não-neutro enseja, valendo-se das alíquotas interestaduais mais baixas para, ao fim e ao cabo, suportarem uma carga tributária efetiva de ICMS menor. Um tipo de sonegação encontra-se nas OIs simuladas: a mercadoria fica no próprio estado de origem, com imposto equivalente a uma alíquota menor do que a que incide nas operações dentro do respectivo estado. A arrecadação resulta menor no estado de origem e a diferença não vai para o estado de destino, ficando com o contribuinte sonegador. Se a destinação for mesmo outro estado, também pode ocorrer de o imposto da diferença de alíquota não ser recolhido ao estado de destino, desta feita porque a diferença é muito elevada e, acrescida da margem de lucro do revendedor, induz o contribuinte do estado destinatário a não escriturar a entrada da mercadoria, mesmo renunciando ao crédito do imposto, para não escriturar a saída na operação subseqüente.

A diferenciação de alíquotas interestaduais, mais a variedade de alíquotas aplicadas às operações intra-estaduais – em virtude do princípio da seletividade em razão da essencialidade dos bens e serviços –, por si sós já resultam em uma variedade de alíquotas que provoca uma situação extremamente diversificada, complexa e imprevisível em termos de tributação. Além das dificuldades para os contribuintes e para o fisco e de servirem de estímulo à sonegação, potencializam as distorções no comércio interestadual e na localização de investimentos produtivos. Adicionalmente, levando em conta os benefícios fiscais nas suas mais diversas modalidades, o resultado é a ocorrência de infinitas alíquotas efetivas. Na discussão do Projeto de Emenda Constitucional 41/2003, a imprensa publicou que o Brasil teria 44 alíquotas de ICMS. Ocorre que o número de alíquotas ‘efetivas’ é incontável quando se consideram as reduções na base de cálculo, as alíquotas reduzidas, os créditos presumidos e outorgados. Pois bem, multiplique-se esta diversidade de benefícios pelas alíquotas legais praticadas nos 27 estados e

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veja-se o número de alíquotas efetivas possíveis. Assim, a diversidade de alíquotas é uma realidade, ainda que não seja correto afirmar que existe uma legislação de ICMS para cada estado, pois a Lei Complementar que regula o imposto é uma só e apenas os regulamentos estaduais são diferentes.

Com a sistemática atual, o contribuinte tem que formar um preço diferente para cada destinação, o que fica ainda mais complicado pelo fato de o ICMS integrar sua própria base de cálculo.16 Como na prática a firma não tem como formar tantos preços, em geral ele é determinado tomando por referência a (maior) alíquota interna e não a (menor) alíquota interestadual. Em decorrência, os contribuintes dos estados do N/NE/CO+ES pagam imposto incluído nos preços dos bens e serviços adquiridos no S/SE-ES com uma alíquota equivalente à das operações internas vigente nestes últimos, inviabilizando a cobrança eficiente, pelo respectivo estado de destino, da diferença de alíquota e do valor agregado às mercadorias e serviços, na operação subseqüente.

Isenção, redução de base de cálculo, crédito presumido, anistia, remissão só podem ser concedidos mediante lei específica do Ente Político ao qual compete instituir o tributo (art. 150, § 6º, CF/88; art. 97, VI, Código Tributário Nacional). Dada a característica de imposto nacional do ICMS, os benefícios devem ser aprovados por deliberação dos estados (art. 155, § 2º, XII, “g”, CF/88). A Lei Complementar 24/1975, recepcionada pela CF/88, regulamentou a forma de deliberação do Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz), sendo necessária a unanimidade dos representados para a aprovação das concessões e quatro quintos para a revogação. Os convênios podem ser impositivos ou facultativos e, após ratificação nacional, devem ser acatados por todos os estados.

A variada tipologia de benefícios e incentivos fiscais por si só é o bastante para afetar a neutralidade e a simplificação tributária do ICMS e as chances de harmonização tributária no contexto do Mercosul. Contudo, um aspecto preocupante é que se tornou comum conceder benefícios à revelia do Confaz, no contexto da denominada ‘guerra fiscal’ (BINS, 1999, p.60). O equilíbrio e a neutralidade que se espera do ICMS são afetados, renuncia-se à vantagem de um tributo que, por ser não-cumulativo, pode ser economicamente neutro.

Como há uma contradição entre a comercialização interna e a interestadual, dissemos que os estados adotam medidas para ‘desmanchar’/neutralizar o efeito da alíquota interestadual menor que a interna. Por exemplo: o sistema prevê que o estado A (do N/NE/CO+ES) venda para o estado B (também do N/NE/CO+ES) com alíquota de 12%. Mas o estado A renuncia à vantagem inerente ao modelo e razão de sua existência, edita norma para vender a 7%, à revelia do Confaz (guerra fiscal), para poder competir no mercado dos estados do N/NE/CO+ES, caso contrário os contribuintes neles localizados preferirão comprar com alíquota de 7% nos estados do S/SU-ES.

16 Como o ICMS incide sobre ele mesmo, a alíquota é aplicada “por dentro”, e.g., para uma alíquota legal de 17% tem-se uma alíquota efetiva de 20,48%, ou seja, 17% / (100% - 17%).

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Um problema da alíquota interestadual menor que a interna é quando o contribuinte adquirente, no estado de destino, não é submetido ao regime normal do imposto, como é o caso de contribuintes enquadrados em regimes simplificados de pagamento – microempresas e empresas de pequeno porte – sobre os quais incidem alíquotas (baixas) sobre o faturamento. Nestes casos não ocorre o efeito recuperação (no estado de destino) do imposto menor incidente no estágio anterior – no estado de origem. Em conseqüência, não acontece a partilha de receita em favor do estado de destino. Como estes contribuintes não podem apropriar os créditos do imposto incidente nas compras, pois no regime simplificado há um rompimento na cadeia normal de débitos-créditos, contribuintes destes regimes preferem comprar em outro estado com alíquota de 12% ou 7% (a depender da origem) do que dentro do próprio estado.

Outra modalidade que os estados empregam para lidar, melhor dizendo, para neutralizar o efeito das alíquotas interestaduais inferiores às praticadas nas operações intra-estaduais, para que o contribuinte não prefira comprar em outro estado, é a adoção do regime do diferimento17 nas operações intra-estaduais praticadas entre contribuintes, com o objetivo de equiparar a carga tributária interna à interestadual. O diferimento com este objetivo equivale a adotar alíquotas ‘efetivas’ uniformes nas operações internas e interestaduais, anulando a contradição entre os dois comércios, todavia só pode fazê-lo nivelando as alíquotas por baixo. Operacionalmente e como exemplo, para uma alíquota intra-estadual de 18% é concedido diferimento de 33,33% do ICMS, de modo que a alíquota efetiva resulte em 12%, sendo a diferença de tributação deslocada para incidir em estágio posterior de circulação, por ocasião da saída destinada a não-contribuinte do imposto e para consumidor final (último estágio).

Logicamente, o diferimento deve ser encerrado em determinado estágio da circulação, para que a parcela da carga tributária diferida seja recuperada. O mecanismo deve ser automático, pois no estágio em que se encerra o diferimento o contribuinte tem um débito maior do que o crédito por entradas, resultando em maior saldo devedor de imposto do que aquele que resultaria na ausência do diferimento em qualquer dos estágios.

Contudo, nem sempre o efeito recuperação acontece. Não ocorre se contribuintes enquadrados em regime simplificado de pagamento puderem comprar com tal diferimento, pois na operação posterior eles não são sujeitos a alíquotas normais e sistemáticas de débitos-créditos, conforme antes referido. Dispensados do pagamento da parcela de imposto que foi diferida, o efeito é de isenção. Perdas de arrecadação também podem ocorrer porque o estágio em que a parcela de imposto diferido deve ser recuperada é mais exposto à sonegação, por ser mais pulverizado, pois em geral trata-se de estabelecimentos do comércio varejista.

Esse tipo de diferimento demonstra o malabarismo dos estados para contornar a verdadeira ‘barreira alfandegária às avessas’ que representa a sistemática de ICMS nas OIs, com alíquotas menores que as intra-estaduais.

17 Diferimento equivale ao regime de substituição tributária para as operações antecedentes.

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Outro problema é a afetação nas decisões sobre a localização das unidades produtivas. Como o princípio de origem restrita vigente aloca proporção significativa do produto da arrecadação ao estado de origem da operação, é indutor de uma verdadeira ‘guerra fiscal’ travada entre os estados.

Os problemas anteriores descritos também podem ser caracterizados como instrumentos da guerra fiscal, a depender da interpretação que se dê ao fenômeno. Do ponto de vista jurídico, sempre que é concedido benefício à revelia do Confaz está-se diante do fenômeno da guerra fiscal. Muitas são as batalhas e as armas utilizadas, a munição parece ser infindável, tamanha é a criatividade dos estados para as estratégias da ‘guerra’, sendo impossível descrever tudo neste artigo.

Há um vínculo muito estreito entre a ‘guerra fiscal’ e a atribuição de competência estadual para imposto do tipo IVA no Brasil, notadamente com adoção do princípio de origem restrita e alocação do produto da arrecadação. Como a apropriação de receita do imposto fica fortemente vinculada ao local da produção, o estado de localização da atividade produtiva, torna-se bastante conveniente para o estado atrair a instalação do maior número possível de empresas, bem como estimular a expansão das empresas já existentes, concedendo benefícios fiscais.

A crise econômica e o esvaziamento dos recursos federais destinados a políticas regionais acirraram a ‘autofagia’ entre os estados. Na ausência de uma política regional de desenvolvimento, os dirigentes públicos lançaram mão do único instrumento de que dispunham, o ICMS.

Quanto às ‘armas’ da ‘guerra’, em uma primeira dimensão pode-se separar os benefícios concedidos pela via orçamentária (despesa pública) e pela via da receita. Benefícios previstos no orçamento público são mais transparentes, sempre existirão, e não provocam graves distorções no funcionamento do imposto (cadeia normal de débitos-créditos). Não obstante, esta alternativa tem sido evitada pelos estados devido à limitada margem de manobra orçamentária, decorrente de excessivas vinculações. Então resta a via da renúncia de receita, mediante concessões de benefícios fiscais, tais como os que:

a) reduzem o débito do imposto: redução de alíquota, isenção, redução de base de cálculo;

b) aumentam o crédito do imposto: crédito presumido ou outorgado;

c) reduzem o saldo devedor do imposto: diretamente (desconto sobre o valor nominal ou real devido) e indiretamente (recolhimento em prazo maior que o normal, sem correção monetária e sem juros, ou com correção monetária parcial).

A sangria das batalhas foi (relativamente) contida pela Lei Complementar 24/1975, enquanto o contexto político era ditatorial. Em contexto democrático esta lei não é cumprida, pois ela não estabelece punições eficazes para a nova realidade. Ainda que um estado impetre ação direta de inconstitucionalidade (ADIN) no Supremo

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Tribunal Federal e ganhe a causa, quando isto ocorrer o dano na economia já terá sido feito e, não raro, é irreversível. Como no Brasil as instituições legais são historicamente frágeis no sentido do cumprimento das normas, é necessário que elas sejam aderentes à lógica econômica para aumentar a chance de serem acatadas.

A Lei Complementar 24/1975, que já tem mais que 30 anos, não é cumprida e ninguém é punido. Há que se concluir que a realidade está se impondo ao formal/legal. É inerente às características do ICMS a sua utilização como instrumento de política econômica. Enquanto os governantes visualizarem na guerra fiscal vantagens políticas e econômicas, a lei dificilmente será cumprida. Segundo Varsano (1997), a nação precisa fazer uma escolha: ou convive com a guerra fiscal ou muda a sistemática de tributação do ICMS nas OIs. Com o tributo vinculado à capacidade de produção fica difícil condenar a atitude dos dirigentes públicos, ainda que se identifique o caráter predatório e autofágico da guerra. Na falta de um articulador nacional, talvez uma instância supraestadual que regule, policie, fiscalize e puna, o jogo acaba mesmo sendo conduzido na base do ‘quem pode mais chora menos’.

O princípio da autonomia tributária é sempre invocado para justificar a manutenção do modelo atual de ICMS nas OIs. Considera-se que não vale a pena uma autonomia que obstaculiza a integração do mercado nacional, favorece importações do exterior em detrimento de aquisições em outros estados, impõe mais restrições ao comércio interestadual do que ao comércio internacional, distorce os preços relativos da economia em virtude de assimetrias de natureza tributária, favorece a concorrência desleal entre contribuintes – que se valem de toda sorte de planejamento e elisão tributária em prejuízo de contribuintes idôneos –, fragiliza as relações federativas e prejudica os estados mais pobres.

Conciliar autonomia federativa versus neutralidade econômica (harmonização tributária) impõe escolhas, identificar o ponto de equilíbrio. Ganho em neutralidade provoca perda em autonomia. Conciliar significa identificar e informar até onde deve ir um princípio para não invadir o outro, quanto é necessário abrir mão de um para assegurar o outro.

4 ALTERAÇÃO DO MODELO ATUAL DE ICMS APLICADO ÀS OPERAÇÕES INTERESTADUAIS – GANHADORES E PERDEDORES

Uma ordem de problemas para que os estados se livrem da sistemática atual de ICMS das OIs é que o regime atual resulta em situações altamente diferenciadas. O perfil das balanças comerciais interestaduais indica diversas situações, como as que se seguem, que permitem problematizar as dificuldades existentes para alterar o modelo vigente:

a) estados das regiões N/NE/CO+ES, tanto superavitários na Balança Comercial Interestadual quanto extremamente deficitários, encontram-se na mesma regra de tributação, ou seja, comprando a 7% do S/SE-ES e vendendo a 12% para todos os estados. Assim, para o estado do N/NE/CO+ES superavitário

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na Balança Comercial Interestadual, do ponto de vista financeiro, a regra atual é mais vantajosa do que se fosse a do princípio de destino puro quanto à repartição de receita. Estes estados, a rigor, não poderiam estar classificados na condição de ‘consumidores’;

b) para alguns estados médios do N/NE/CO+ES, com déficits baixos na Balança Comercial Interestadual, a sistemática atual do ICMS também lhes é conveniente porque compram a 7% do S/SE-ES e vendem a 12% para todos os estados, ou seja, são deficitários na Balança Comercial Interestadual, mas são superavitários no saldo de imposto das OIs (débitos menos créditos);

c) o modelo não protege justamente quem deveria, que são os estados pequenos, com elevados déficits na Balança Comercial Interestadual, e que seriam favorecidos com o princípio de destino integral quanto à repartição de receita.

Portanto, quando se afirma que deve haver solidariedade entre os estados, ou que São Paulo é contra o princípio de destino para alocar a receita, é bom ter presente que há estados do N/NE/CO que desejam que as coisas fiquem como estão. Vários estados precisam livrar-se da “ilusão tributária” que o modelo de ICM/ICMS nas OIs provoca, em favor de uma alternativa mais justa de equalização de receitas na federação e mais lógica para a economia.

Não é possível analisar neste espaço informações da Balança Comercial Interestadual dos estados, mesmo porque os estudos são sigilosos e não têm divulgação autorizada pelo Confaz. Apresentam-se apenas uns poucos indicadores da dimensão do fluxo interestadual. O Sistema Integrado de Informações Econômico-Fiscais (SINIEF) indica que o comércio interestadual representou 25,5% do comércio total com bens e serviços em 2002 (67,5% foram operações intra-estaduais e 7% foram destinadas ao exterior). Trata-se de valores contábeis, nas operações e prestações de saída, declaradas por contribuintes do ICMS. Valores contábeis incluem operações não tributadas, tais como imunidades, isenções, reduções na base de cálculo e outros benefícios fiscais. No que se refere aos valores base de cálculo do ICMS, apenas operações e prestações de saídas interestaduais tributadas, em 2001, 30,5% foram destinadas a estados do N/NE/CO+ES e 69,5% a estados do S/SE-ES.

CONCLUSÃO

Problematizamos que o sistema atual de ICMS aplicado às transações interestaduais precisa ser alterado. Dissemos que a sistemática é complexa, afeta as relações comerciais dos agentes econômicos (pois não há harmonização legislativa e neutralidade tributária), é indutora de guerra fiscal entre os estados, geradora de tensões federativas e fragiliza o pacto federativo. O preço tem sido muito alto, suficiente para justificar a necessidade de mudança, havendo um agravante adicional. Demonstramos

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que a sistemática não tem sido eficaz para reduzir as desigualdades estaduais no Brasil e, em decorrência, não assegura eqüidade horizontal na partilha de recursos do ICMS, que é o objetivo do modelo de adoção de alíquotas interestaduais inferiores às aplicadas às operações intra-estaduais.

Nos debates que antecederam e que sucederam a CF/88, enfatizou-se a conveniência de se adotar o princípio de destino no que diz respeito à alocação de receita como um caminho importante para se dar à tributação sobre o valor agregado no Brasil a natureza de imposto de consumo, mas as condições políticas então prevalentes não permitiram alterar a sistemática (PEDROSA, 1999).

A adoção do princípio de origem para tributar e cobrar, e de destino para alocar o produto da arrecadação, embora mais do que comprovada no plano técnico (pelo menos desde a CF/88), não consegue produzir convencimento no plano político para que o modelo atual nas OIs seja alterado. Vários estados apegam-se aos cálculos de perdas, sem levar em conta que no longo prazo um mecanismo de melhor qualidade produz ganhos para todos. No modelo atual quem ganha é o contribuinte, pois o que acaba por prevalecer é a alíquota interestadual, porque os estados foram obrigados a lançar mão de um variado cardápio de mecanismos e benefícios na tentativa de salvaguardar seu mercado interno e seus anseios de crescimento. Acaba por prevalecer a alíquota de 12%. É possível obter carga tributária mais elevada nas hipóteses que ficam protegidas do modelo de ICMS aplicado às OIs, como é o caso do ICMS sobre combustíveis, energia elétrica e serviços de comunicação, que a rigor se aproximam mais de um imposto seletivo do que de um imposto do tipo IVA e para as quais já vigora o princípio de destino na atribuição de receita. A produtividade fiscal também é preservada para o caso de produtos submetidos ao regime de substituição tributária, que está mais para um imposto monofásico do que para um imposto plurifásico.

Uma das alternativas, já conhecida dos estudiosos – e que passou a ser contemplada na maioria das propostas de reforma tributária desde 1995 –, reside na uniformização das alíquotas do ICMS nas operações entre os estados, por meio da eliminação da alíquota interestadual reduzida e diferenciada. Trata-se de adoção do princípio de tributação exclusivo no estado de origem, o mais indicado para mercados integrados, seja em contextos federativos, seja em países que integram blocos regionais e que visam obter níveis mais elevados de integração, com eliminação de fronteiras fiscais. A adoção do princípio de tributação exclusivo no estado de origem comporta diversos mecanismos alternativos para que os estados deficitários nas OIs sejam compensados pelo imposto cobrado integralmente no estado de origem, ou seja, para que o produto da arrecadação seja alocado ao estado de destino dos bens e serviços (integral ou na maior proporção). Neste aspecto, como o que está em jogo é uma divisão horizontal de receitas (entre os estados), fica-se diante de uma opção política, vinculada a determinados atributos e escolhas que diferem em cada país em particular organizado como uma federação, ou seja, qual proporção de receita deve pertencer

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ao estado de origem e ao de destino é questão que dificilmente pode ser resolvida por critérios puramente econômicos. Enfim, como o modelo teórico recomendável difere da alocação que deve ser dada ao dinheiro, é necessário dissociar uma coisa da outra. Para melhorar o imposto a cobrança deve ser na origem; para melhorar a repartição de renda o dinheiro deve pertencer o mais próximo possível do local em que o cidadão reside e demanda serviços públicos.

Procuramos demonstrar que os modelos alternativos para alterar a sistemática vigente precisam levar em conta e conciliar autonomia federativa versus neutralidade fiscal (harmonização e simplificação tributária). De um lado, um princípio de natureza político-institucional e, de outro, requisitos vinculados à eficiência econômica. São objetivos e valores que, ao mesmo tempo em que são interdependentes, portam um maior ou menor grau de conflito e antagonismo. Conforme Viol (1999, p.5), as federações sempre precisam enfrentar o dilema que envolve o trade-off centralização versus descentralização, competências tributárias próprias versus participação em tributos centralizados, autonomia versus neutralidade (harmonização e coordenação).

Comprovada a necessidade de mudança, caberia partir para a análise das alternativas para alterar o sistema, especificar para um dos modelos, detalhar os mecanismos operacionais mais adequados para a tributação, cobrança e repartição do produto da arrecadação do ICMS incidente nas OIs. Dada a complexidade e variedade de alternativas, esta tarefa não pode ser enfrentada neste texto. Retenha-se apenas que todas as alternativas têm virtudes e defeitos e que a opção não requer apenas estudos para visualizar as implicações, mas também discussão e amadurecimento político-institucional, para ter chance de ser assimilada. Apenas oferecemos uma tipologia útil para classificar os vários modelos para o ICMS (ou IVA) nas operações interestaduais, tipologia esta que privilegia o grau de autonomia que pode ser obtido pelo detentor da competência legislativa do ICMS ou IVA:

a) competência tributária (legislativa) da União;

b) competência tributária compartilhada entre a União e os estados;

c) competência tributária dos estados com cobrança integral no estado de destino;

d) competência tributária conjunta dos estados com cobrança no estado de origem, bloco este que comporta tanto modelos em que o sujeito ativo é o estado de origem (com a cobrança também no estado de origem) quanto modelos em que o sujeito ativo é o estado de destino (todavia a cobrança é no estado de origem).

O leitor interessado pode encontrar a explicitação desta tipologia, bem como a análise de modelos de ICMS (ou IVA) para as OIs, na dissertação referida no início deste artigo.

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Encerramos dizendo que em uma federação marcadamente desigual como a brasileira é necessário buscar um melhor equilíbrio entre autonomia e harmonização, ou seja, discutir em que grau é possível preservar a autonomia federativa dos estados em face das pressões por harmonização tributária. Uma vertente da discussão é a de como imprimir um caráter menos competitivo e mais cooperativo ao federalismo fiscal brasileiro, sendo a guerra fiscal travada entre os estados o exemplo mais emblemático das manifestações recorrentes de antagonismo e de ausência de estímulos à cooperação.

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CAMINHOS DA ALIMENTAÇÃO ESCOLAR NO BRASIL: análise de uma política pública

no período de 2003-2004*

Márcia Cristina Stolarski**Demian Castro***

* Este artigo sintetiza os principais pontos abordados na dissertação “Caminhos da Alimentação Escolar no Brasil: Análise de uma Política Pública no Período de 2003-2004”, defendida em 19 de julho de 2005 no Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Econômico – Mestrado Profissionalizante, do Departamento de Economia da Universidade Federal do Paraná (UFPR).

** Nutricionista, mestre em Desenvolvimento Econômico com ênfase em Políticas Públicas pela UFPR, especialista em Gestão de Projetos em Alimentação e Nutrição do Setor de Ciências da Saúde da UFPR, coordenadora do Programa Estadual de Alimentação Escolar no Estado do Paraná na Secretaria de Estado da Educação (SEED). E-mail: [email protected]

*** Doutor em Economia pelo Instituto de Economia da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Professor Adjunto do Departamento de Economia da UFPR. E-mail: [email protected]

RESUMO

O Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE) é uma política pública presente no cenário nacional há mais de 50 anos e representa um dos maiores programas de alimentação e nutrição do mundo. O PNAE é viabilizado com recurso federal, repassado mensalmente pelo Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE) aos estados, municípios e Distrito Federal. Seu gerenciamento é complexo, em virtude de estarem diretamente envolvidos no processo União, estados, municípios, Conselhos de Alimentação Escolar e estabelecimentos de ensino. O processo de descentralização do PNAE teve início em 1993 e, a partir daí, estados e municípios tomaram caminhos diversos, criando cenários próprios na alimentação escolar do País. O presente trabalho pretende realizar uma análise comparativa das formas de execução do PNAE nas 27 unidades da federação e respectivas capitais, no período 2003-2004, com o intuito de avaliar a eficácia, eficiência e efetividade em relação aos objetivos preestabelecidos do programa. A pesquisa

ABSTRACT

The National Program of School Nourishment (PNAE) is a public policy in the national scene for over 50 years and represents one of the largest food and nutrition programs in the world. The federal resources make the PNAE viable insofar as they are allocated monthly by the National Fund for the Development of Education (FNDE) to states, municipalities and Federal District. Its management is complex because the Federal government, states, municipalities, Councils of School Nourishment and educational establishments are directly involved in the process. The process of decentralization of PNAE began in 1993 and since then, states and municipalities have taken different paths, creating their own scenarios in the country’s school nourishment. The main objective of this paper is to carry out a comparative analysis of the forms of implementation of PNAE in 27 units of the federation and its respective capitals during the 2003-2004 period in order to assess the effectiveness, efficiency and effectiveness in relation to pre-established goals of the program.

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discorre sobre os modelos de gestão adotados, gargalos observados na operacionalização e inovações implementadas. A metodologia adotada combinou questionário enviado aos coordenadores estaduais e das capitais e dados do Censo Escolar 2004. Os principais resultados revelam que as administrações estaduais e das capitais adotam quatro formas de gestão: centralização, escolarização, mista e terceirização. Entre os principais gargalos estão o baixo valor per capita repassado, a não inclusão dos alunos do ensino médio e ensino de jovens e adultos na base de cálculo do repasse, a falta de complementação ou complementação insuficiente de recursos pelos governos estaduais e municipais, a ausência de infra-estrutura nas escolas, a falta de merendeiras, e equipe insuficiente para monitoramento.

Palavras-chave: merenda escolar; alimentação escolar; política pública.

The research deals with the management models, bottlenecks observed during the process and innovations implemented. The methodology combined questionnaire sent to coordinators of states and capitals and the 2004 School Census data. The main results show that the state and capital administrations fostered four kinds of management: centralization, school, mixed and outsourcing. Among the main bottlenecks are the low value per capita transferred, the non-inclusion of the high school students and training of young people and adults on the basis of calculating the transfer, the lack of complementation or insufficient complementation of resources for state and municipal governments, the lack of infrastructure in schools, the lack of school cooks, and insufficient staff for monitoring.

Keywords: school lunch; school nourishment; public policies.

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Márcia Cristina Stolarski e Demian Castro

INTRODUÇÃOHá mais de 50 anos nascia no Brasil o Programa Nacional de Alimentação

Escolar (PNAE), política pública contínua que representa um dos maiores programas de alimentação e nutrição do mundo e o maior na América do Sul. Em 2008, a clientela atendida diariamente em todo o País ultrapassa 36 milhões de alunos, com um investimento da ordem de 1,6 bilhão de reais por ano.

O objetivo principal do programa é distribuir uma refeição/aluno do ensino fundamental da rede pública de ensino nos 200 dias letivos de forma universalizada, suprindo as necessidades nutricionais referentes ao período em que o mesmo estiver na escola. Desta forma, pressupõe-se que a alimentação escolar propicie ao aluno um estado fisiológico adequado à aprendizagem, ao mesmo tempo em que é criado um forte atrativo à freqüência deste.

Este artigo pretende realizar análise comparativa das principais questões e formas de execução do PNAE nas 27 unidades da federação e respectivas capitais no período 2003-2004 e avaliar sua eficácia, eficiência e efetividade em relação aos objetivos preestabelecidos. Para este levantamento, os autores utilizaram questionário encaminhado a todos os gestores estaduais e das capitais, bem como o resultado do Censo Escolar 20041, que nesta edição incluiu questões específicas sobre o funcionamento do PNAE.

O gerenciamento do PNAE mostra-se complexo em virtude de estarem diretamente envolvidos no processo União, estados, municípios, Conselhos de Alimentação Escolar e estabelecimentos de ensino, bem como pela existência de características regionais e diversidade na clientela, na infra-estrutura e nos hábitos alimentares.

O Programa Merenda Escolar, como é mais conhecido, é viabilizado com recurso federal, repassado mensalmente pelo Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE) aos estados, municípios e Distrito Federal. Em tese, aos estados, o recurso federal destina-se ao atendimento da rede estadual de ensino, e, aos municípios, ao atendimento da rede municipal e filantrópica. No período deste estudo o valor per capita/aluno/dia repassado pela União era de R$ 0,15.

De acordo com o FNDE (1999, p.15), constam como objetivos do PNAE:

i) Suprir parcialmente as necessidades nutricionais dos alunos beneficiários por meio do oferecimento de, no mínimo, uma refeição diária adequada;

ii) Formar bons hábitos alimentares – educação alimentar;

iii) Melhorar a capacidade de aprendizagem dos alunos;

iv) Evitar a evasão e a repetência escolar.

O gerenciamento do Programa adquiriu características próprias com a descentralização do PNAE ocorrida a partir de 1993, bem como pela disponibilidade ou não de complementação deste recurso (contrapartida estadual ou municipal) e outros

1 Trata-se de questionário oficial do Ministério da Educação, respondido anualmente por mais de 200 mil escolas públicas e privadas de todo o País, com o intuito de levantar informações para subsidiar o planejamento das políticas públicas na área educacional e na distribuição de recursos públicos.

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fatores que promoveram o surgimento de diversos cenários e modelos de gestão na alimentação escolar de nosso país.

1 IMPORTâNCIA DA AvALIAÇÃO DE POLíTICAS PúBLICAS

Pode-se definir avaliação como o mecanismo de análise mais adequado para verificar a forma de implementação de determinada política, uma vez que constata a distância entre os resultados almejados e os obtidos.

Castro (1989, p.6) complementa a definição:

a avaliação de processos busca examinar as políticas governamentais tomando como base os critérios de eficácia, com o objetivo de avaliar as disparidades entre metas atingidas e metas propostas e o grau de adequação entre os meios utilizados na implementação e os objetivos definidos originalmente, na etapa de formulação da política. Pode também referir-se à avaliação da relação custo/benefício, tomando como parâmetro o critério de eficiência, ou seja, o grau de otimização dos recursos disponíveis, tanto econômicos como políticos.

Por outro lado, a forma como a implementação de determinada política interfere e altera quantitativa e qualitativamente as condições de vida da população, tendo por base o critério de efetividade, é estudada pela avaliação dos impactos (CASTRO, 1989).

Castro (1989) alerta para a possibilidade de obtenção de dados importantes que subsidiem alterações de curso, uma vez que a implementação de políticas sociais “é parte de um processo de interação”. Considerando a avaliação como ferramenta para subsidiar alterações de curso nas políticas públicas, tem-se o policy learning, ou seja, o aprendizado constante na implementação de uma política pública.

Dessa forma, o conceito de trajetória preestabelecida deve ser substituído pela contínua reformulação. Para os autores Silva e Melo (2000, p.11), “a implementação e avaliação de políticas devem ser entendidas como testes de modelos causais sujeitos à corroboração ou ao abandono”.

Os referidos autores alertam que a baixa efetividade das políticas sociais no País é resultante, em grande parte, da ausência de um sistema de avaliação de seus programas e políticas sociais.

A articulação entre as esferas de governo pressupõe constantes negociações que garantam consensos mínimos. Se, de um lado, envolve a capacidade de criar mecanismos de ajuste, coordenação e compensação, de outro, esta relação caracteriza-se por indução, pressão e resistência (COSTA, 1998).

2 DESCENTRALIzAÇÃO DAS POLíTICAS SOCIAIS NO BRASIL

A descentralização consolida-se no País a partir da Constituição de 1988, e previa a redistribuição de recursos, competências e responsabilidades para as três esferas de governo, a ampliação do controle social e dos atores participantes, a inclusão da possibilidade de escolha e de veto.

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Segundo Arretche (2000), a descentralização das políticas sociais no Brasil e o processo de reforma do Estado são altamente complexos, uma vez que há a participação de um Estado federativo de dimensões consideráveis, caracterizado por expressivas desigualdades estruturais de natureza econômica, social, política, bem como na capacidade administrativa para a gestão de políticas públicas.

Cartioffi (1995), por sua vez, pondera que a descentralização total das políticas públicas nem sempre causa aumento da eficiência na prestação dos programas sociais, uma vez que jurisdições mais pobres encontram maiores dificuldades para viabilizarem gestão eficiente, quando comparadas às mais ricas. O autor assegura que muitas vezes a descentralização pode ocasionar a ampliação das desigualdades regionais.

Se considerarmos que o Brasil apresenta significativo percentual de municípios pequenos, com reduzida densidade econômica, alta dependência de transferências fiscais e reduzida tradição administrativa e burocrática, é possível concluir que esses fatores, necessariamente, tornam mais elevados os custos para a transferência de atribuições (ARRETCHE, 2000).

Arretche (1996, p.57) complementa que, se por um lado a proximidade contribui para proporcionar maior transparência às ações governamentais, por outro interfere no “uso clientelista de recursos públicos, historicamente associados à natureza das relações entre burocracias públicas e partidos políticos”.

De acordo com Martins (2004, p.2), “a indefinição de competências, a dispersão de esforços e recursos, as dificuldades para se responsabilizar as diferentes esferas executivas pela inexistência ou inadequação da prestação de serviços têm sido as características do processo descentralizador no Brasil”.

Outras dificuldades na implantação da descentralização para o aparelho social do Estado são apontadas por Draibe (1993): burocracia excessiva; bloqueio à formulação e implantação de planos gerais para cada setor da política social nacional; ausência de mecanismos públicos de controle e superposição de programas e clientelas.

3 PANORAMA NUTRICIONAL E IMPORTâNCIA DA ALIMENTAÇÃO ESCOLAR

A imagem do contraditório e da complexidade também pode ser constatada em relação ao perfil nutricional da população brasileira. Segundo Consea (2004, p.9),

o perfil da população brasileira é marcado pela coexistência de doenças relacionadas a quadros de carência, como desnutrição, anemias e deficiências de vitaminas, com doenças provocadas pelo excesso de alimentos, como sobrepeso, obesidade, diabetes, hipertensão arterial.

A este quadro, que apresenta ora característica de país periférico, ora característica de país desenvolvido e que pressupõe uma evolução, Monteiro et al. (1995) denominaram transição nutricional.

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O fato é que, segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), a situação nutricional decorrente da alimentação insuficiente, excessiva ou desequilibrada representa atualmente o principal problema de saúde pública do mundo.

Collares e Moysés (1985) comentam sobre a chamada “fome do dia” e que o conseqüente déficit energético dificulta o aprendizado, pois interfere diretamente nas atividades físicas e mentais do indivíduo.

Diante dessa realidade, Abreu (1995) pondera que estudos têm demonstrado que a merenda escolar, mesmo sem promover mudanças no estado nutricional da clientela, interfere positivamente no rendimento escolar, pois, ao agir sobre a “fome do dia”, aumenta a capacidade de concentração nas atividades pedagógicas.

A Pesquisa de Orçamentos Familiares - 2002-2003, realizada pelo IBGE, concluiu que a quantidade de alimento consumido era “habitualmente ou eventualmente insuficiente” para 47% das famílias entrevistadas. Nas áreas rurais, observa-se um incremento neste percentual: 56,9% das famílias relatam a mesma insuficiência. Outra informação constante do estudo refere-se ao grau de insatisfação com o tipo de alimento consumido. Na região urbana o percentual representa 73% das famílias, e na região rural os valores chegam a 84% (IBGE, 2004).

É fato inquestionável que, em virtude das dificuldades econômicas que o País atravessa, é significativo o número de alunos que vão à escola em jejum ou mal alimentados, podendo a merenda escolar representar, para muitos deles, a única refeição do dia.

Para minimizar esse quadro, muitos países têm efetuado investimentos em água potável, saneamento, tratamento contra parasitoses, alimentação escolar, entre outros (UNESCO, 2005). Corroborando com este posicionamento, o Relatório de Desenvolvimento Humano - 2003 salienta que programas de alimentação escolar contribuem decisivamente para atrair e manter o aluno na escola. Os investimentos em educação são essenciais nos países periféricos, pois funcionam como instrumento de saída das armadilhas da pobreza e, conseqüentemente, de possibilidade para o crescimento econômico.

4 PROCEDIMENTOS METODOLógICOS

Para a realização desta pesquisa, cujo objetivo é efetuar uma análise comparativa do PNAE nos 27 estados e 26 capitais, foram utilizados dois instrumentos: questionários enviados aos 27 coordenadores estaduais e 26 coordenadores das capitais e dados extraídos da Consolidação do Bloco 23 do Censo Escolar – 2004.

Os dados primários referentes à clientela atendida, modelos de gestão, custo dos cardápios, dificuldades operacionais e inovações implementadas foram obtidos diretamente dos questionários enviados aos coordenadores estaduais e municipais.

Os dados secundários, por sua vez, foram extraídos do Bloco 23 do Censo Escolar – 2004. Excepcionalmente na edição de 2004 foram apresentadas 28 questões específicas para diagnosticar a realidade do PNAE nas escolas de todo o País. Com o

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intuito de complementar as informações repassadas pelos gestores e apresentar o cenário da alimentação escolar pelo viés da escola, incluiu-se no presente artigo a análise de três questões integrantes do Censo Escolar 2004, ou seja:

1. Quem é o responsável pela preparação da merenda?

2. A educação alimentar e nutricional foi realizada pela escola?

3. A merenda deixou de ser servida, ainda que por um dia?

Optou-se por reunir os números referentes às redes estadual e municipal de cada estado, uma vez que, em relação à dependência municipal, as informações não se restringiam apenas às capitais, mas à rede municipal de todos os municípios pertencentes a cada unidade federada.

5 PNAE – O OLHAR DO gESTOR

As diferenças regionais no País são facilmente constatadas em várias situações. No contexto da merenda escolar, além da seleção dos gêneros em função dos hábitos alimentares regionais, outras particularidades são verificadas e podem interferir no aumento de complexidade da operacionalização e na eficiência do PNAE, entre elas: clientela, infra-estrutura dos estabelecimentos, número de estabelecimentos, condições de acesso e distância entre as escolas, características dos alimentos utilizados (perecíveis e não-perecíveis), pessoal disponível para preparo da merenda, dimensionamento da equipe administrativa e técnica responsável pelo gerenciamento do programa, entre outras.

5.1 CLIENTELA ATENDIDA PELA ALIMENTAÇÃO ESCOLAR

É importante destacar, a priori, que a base de cálculo utilizada pelo Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE) para o repasse de recursos do PNAE aos estados e municípios considera apenas os alunos matriculados nos ensinos infantil e fundamental.

Em relação ao atendimento estadual do PNAE para diferentes segmentos de ensino, este ensaio constatou diferenças nas unidades federativas. Em 12 estados o atendimento ocorre apenas para alunos do ensino fundamental: Acre, Alagoas, Espírito Santo, Goiás, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Minas Gerais, Pernambuco, Piauí, Rio Grande do Sul, Roraima e Santa Catarina. Em 12 estados o atendimento também é estendido ao Ensino de Jovens e Adultos: Amapá, Amazonas, Bahia, Ceará, Maranhão, Pará, Paraíba, Rio Grande do Norte, Rondônia, São Paulo, Sergipe e Tocantins. No Distrito Federal, o atendimento também ocorre para 7 escolas de magistério e uma escola profissional. Em apenas 2 estados – Paraná e Rio de Janeiro – o atendimento do PNAE é universalizado, ou seja, são contemplados alunos dos ensinos fundamental e médio e a educação de jovens e adultos.

Entre as capitais observou-se que em 13 delas o atendimento do PNAE restringe-se, efetivamente, ao ensino fundamental e creches: Macapá, Salvador, Vitória,

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Cuiabá, Campo Grande, Curitiba, Teresina, Rio de Janeiro, Porto Velho, Florianópolis, São Paulo, Aracaju e Palmas. Em Recife, são também contemplados alunos do Programa de Erradicação do Trabalho Infantil e Ensino Profissionalizante. Nas outras 12 capitais, o atendimento ainda é estendido à educação de jovens e adultos.

Ao confrontar os dados anteriores fornecidos pelos gestores com as informações consolidadas do Censo 2004 repassadas pelas próprias escolas, têm-se como média, para o Brasil, os seguintes resultados: 54,6% das escolas serviram merenda apenas para o ensino fundamental; 40,9% serviram-na para todos os alunos, inclusive do ensino médio e EJA, professores, merendeiras e demais funcionários; 4,2% serviram-na para os alunos dos ensinos fundamental, médio e EJA; e 0,4% serviram-na para todas as opções anteriores e membros da comunidade.

Em relação à questão sobre quem consome a merenda, os dados do Censo 2004 possibilitam conclusões com dois enfoques. O primeiro considera o objetivo restrito do programa, ou o atendimento exclusivo aos alunos beneficiários oficiais, ou seja, a clientela do ensino fundamental. Por este ângulo, destaque-se o Distrito Federal, com atendimento de 96% de suas escolas. Se for considerada, no entanto, a necessária isonomia de atendimento entre os alunos, ou seja, proporcionar igual tratamento aos ensinos fundamental, médio e de jovens e adultos, bem como aos funcionários e professores integrantes do ambiente escolar, ressaltam-se as coberturas proporcionadas pelos Estados do Rio de Janeiro, Paraná, Rio Grande do Norte e Acre (61 a 65% de suas escolas).

A realidade estampada nos dados obtidos revela que, na prática escolar, fica muito difícil deixar de atender de forma isonômica aos alunos, principalmente quando estes se encontram no mesmo turno escolar. Como não entregar o prato com arroz, feijão e carne a um aluno do ensino médio, se o colega do ensino fundamental está sendo atendido? Por outro lado, como os alunos do ensino médio e do EJA não constam da base de cálculo para repasse do recurso - PNAE, o atendimento na escola pode ser seriamente prejudicado.

5.2 DESvENDANDO OS MODELOS DE gESTÃO

No levantamento efetuado com coordenadores estaduais e municipais do PNAE, verificou-se a adoção de quatro diferentes modalidades de gestão: centralização, escolarização, modelo misto e terceirização. Estes modelos são descritos sucintamente a seguir, com o intuito de demonstrar as etapas da operacionalização e os diferentes graus de complexidade.

5.2.1 Centralização

No modelo centralizado, a equipe técnica efetua o planejamento dos cardápios e a programação da aquisição, considerando a meta nutricional, aceitabilidade dos alimentos e, principalmente, o recurso disponível. Este recurso pode ser oriundo apenas do governo federal, ou pode apresentar complementação estadual ou municipal, de acordo com cada situação.

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Na seqüência, é instaurado o procedimento licitatório para aquisição de gêneros alimentícios nas modalidades de pregão (presencial ou eletrônico), registro de preço, concorrência, tomada de preço ou convite, atendendo às disposições da Lei 8.666/93. Após a adjudicação e a homologação das empresas vencedoras, fazem-se a publicação do resultado final, o empenho e a contratação.

As etapas seguintes compreendem o recebimento dos gêneros, conforme a especificação constante do edital, e a coleta de amostras de cada lote dos gêneros, para realização do controle de qualidade laboratorial (etapa presente somente em alguns estados e municípios).

Caso o produto seja aprovado no controle de qualidade, as notas fiscais são encaminhadas para pagamento. Em caso de reprovação, o fornecedor tem a prerrogativa de efetuar a imediata substituição ou solicitar a reanálise do produto. A reanálise será acompanhada, obrigatoriamente, por um perito técnico, representante do fornecedor. Considerando que na reanálise o produto seja aprovado, ocorre o pagamento ao fornecedor; caso contrário, ocorre a substituição.

Quando todos os gêneros adquiridos já se encontram aprovados, inicia-se o processamento das guias de remessa2 para distribuição dos gêneros, por escola e por município.

A logística de distribuição é efetuada através de frota própria, ou por transportadoras contratadas. No caso dos estados da Região Norte, grande parte da distribuição é viabilizada por via fluvial.

A escola, ao receber os gêneros, realiza a conferência dos itens e quantitativos entregues, com a especificação constante da guia de remessa. Em seguida, ocorre o acondicionamento dos alimentos em depósito específico ou outro local improvisado. Os passos finais são atribuídos às merendeiras, que transformam os gêneros em refeições.

Os CAEs3 (Conselhos de Alimentação Escolar) estaduais e municipais devem participar do acompanhamento de todas as fases deste processo.

Segundo gestores estaduais consultados, este ciclo completo consome, na melhor das hipóteses, 120 dias.

5.2.2 Escolarização

Na gestão escolarizada, após a transferência do recurso federal para estados e municípios, ocorre a replicação do repasse às escolas. De acordo com estados e municípios que se utilizam desta modalidade, o número de parcelas pode variar entre 2 e 10 por ano, com complementação ou não de recursos próprios.

As escolas, por sua vez, após pesquisa de preço, efetuam as aquisições dos gêneros por aquisição direta ou, em alguns casos, por licitação. Na maioria dos casos,

2 Guia de remessa é o documento oficial de envio dos gêneros alimentícios às escolas, em que se encontram discriminados itens, marcas, quantidades, embalagens e valores unitários e total.

3 O CAE é um Conselho deliberativo de caráter obrigatório para acompanhamento e fiscalização do PNAE em todos os estados e municípios, formado por no mínimo 7 membros: 1 representante do poder executivo, 1 representante do poder legislativo, 2 representantes dos funcionários da educação, 2 representantes dos pais e 1 representante da sociedade civil.

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são os próprios fornecedores que fazem a entrega nas escolas. Na seqüência, as escolas fazem a conferência, recebimento e armazenamento dos gêneros em depósitos específicos ou locais improvisados. Os passos seguintes contemplam o preparo e o consumo da alimentação escolar, bem como a elaboração da prestação de contas, de acordo com a normatização do estado ou município.

Neste caso, as etapas mais demoradas e as atribuições de maior complexidade ficam sob a responsabilidade da escola.

Os CAEs estaduais e municipais devem participar do acompanhamento de todas as fases deste processo.

5.2.3 Modelo Misto

Na gestão mista observada em algumas administrações estaduais há uma combinação simultânea dos modelos centralizado e escolarizado, ou seja, ocorre a aquisição centralizada para gêneros não-perecíveis e a transferência de recursos para as escolas, com vistas à aquisição de gêneros perecíveis. Assim, as etapas desta operacionalização seguem o mesmo formato dos dois itens anteriores. Normalmente, o recurso federal é utilizado na aquisição centralizada, enquanto as transferências ocorrem com recursos próprios.

A gestão mista observada nas administrações municipais refere-se à utilização de modelos diferenciados em sua rede. Assim, enquanto algumas escolas apresentam um formato de atendimento, as demais apresentam um outro. Por exemplo, escolas urbanas escolarizadas e escolas rurais centralizadas, ou parte da rede terceirizada e parte centralizada.

Os CAEs estaduais e municipais devem participar do acompanhamento de todas as fases deste processo.

5.2.4 Terceirização

Na gestão terceirizada, o recurso federal representa a menor parcela do dispêndio total com a alimentação escolar. A maior parcela cabe sempre ao município, uma vez que entre as capitais que adotam esta modalidade – São Luiz, Curitiba e São Paulo – o valor da refeição por aluno oscila entre R$ 0,89 e R$ 1,64, ou seja, considerando o reajuste de maio/2005 para R$ 0,18, o recurso federal representa entre 10,9% e 20,2% do valor total da refeição.

Neste modelo de gestão, o município realiza procedimento licitatório com o objetivo de contratar empresa terceirizada. Após a homologação da empresa ou empresas vencedoras, ocorrem a publicação do resultado, o empenho e a contratação.

A empresa contratada se responsabiliza pela aquisição dos gêneros, pelo pessoal responsável pelo preparo da alimentação – em cozinha centralizada ou na cozinha da própria escola – e pela distribuição da alimentação aos alunos. Em alguns casos, responsabiliza-se também pela aquisição de equipamentos e utensílios.

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Os CAEs estaduais e municipais devem participar do acompanhamento de todas as fases deste processo.

Para uma melhor compreensão da dinâmica das principais etapas dos modelos de gestão observados no gerenciamento do Programa Nacional de Alimentação Escolar nos Estados e Capitais, são apresentados, na seqüência, os fluxogramas da gestão centralizada, escolarizada e terceirizada.

Produto aprovado? Produto aprovado?Fornecedor optapor substituir?

Planejamento dos cardápiose programação da aquisição deacordo com a meta nutricional

do PNAE, aceitabilidade e recursos disponíveis

Processo licitatório paraaquisição de gêneros(concorrência, pregãoe/ou registro de preço)

Coleta de amostra paracontrole de qualidadelaboratorial (etapa nãopresente em todos osestados/municípioscom centralização)

Recebimento dos gênerosde acordo com

especificação de editalem depósito centralizado

Reanálise do produto

Pagamento ao fornecedor Distribuição e transporteàs escolas

Conferência, recebimento earmazenamento na escola

Preparo e distribuiçãoda alimentação escolar

Consumo

Substituição do produto

Empenho e contrataçãodas empresas vencedoras

Complementação do recursopor estados e municípios(etapa não presente em

todos os estados/municípios)

Repasse de recursos doFNDE para o Estado/Município

NÃO

SIM

SIMSIM

NÃO

NÃO

FIGURA 1 - FLUXOGRAMA DA GESTÃO CENTRALIZADA

FONTE: Os autores

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Repasse de recurso doFNDE para o

Estado/ Município

Repasse de recurso doEstado/ Município para

a escola

Complementaçãodo recurso por

Estado/Município

Pesquisa de preço pela escola

Aquisição de produtos dofornecedor com menor preçoou procedimento licitatório

Conferência, recebimentoe armazenamento dos

gêneros adquiridos

Preparo e distribuição daalimentação escolar

Prestação de contas deacordo com a normatização

do Estado/ Município

Consumo

Análise da prestaçãode contas

Suspensão dos repasses

Contas aprovadas?

NÃO

SIM

FIGURA 2 - FLUXOGRAMA DA GESTÃO ESCOLARIZADA

FONTE: Os autores

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Em relação à gestão estadual do PNAE nos 27 estados da federação, observa-se a adoção dos seguintes modelos (gráfico 1):

17 estados adotam a escolarização, ou seja, repassam recursos financeiros ��

diretamente às escolas para que estas efetuem a aquisição dos gêneros para o atendimento do PNAE. São eles: Amapá, Bahia, Ceará, Espírito Santo, Goiás, Maranhão, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Minas Gerais, Paraíba, Piauí, Rio de Janeiro, Rio Grande do Norte, Rio Grande do Sul, Rondônia, Roraima e Tocantins;7 estados adotam a aquisição centralizada, em que os estados efetuam ��

as aquisições dos gêneros alimentícios de forma centralizada, sendo, na seqüência, distribuídos aos municípios. São eles: Acre, Alagoas, Amazonas, Distrito Federal, Pará, Pernambuco e Sergipe; 3 estados apresentam um modelo misto, isto é, aquisição centralizada para ��

gêneros não-perecíveis e parte do recurso descentralizado, destinado à aquisição de gêneros perecíveis. Adotam este modelo: Paraná, Santa Catarina e São Paulo.

Repasse de recurso doFNDE para o município

Maior aporte de recursodo município

Processo licitatório paracontratação de empresa

terceirizada

Empenho e contrataçãoda(s) empresa(s)

vencedora(s)

Empresa terceirizada produzalimentação em cozinhacentralizada e transporta

para escolas

Empresa terceirizada produzalimentação na cozinha da

própria escola

Distribuição da alimentação

Consumo

FIGURA 3 - FLUXOGRAMA DA GESTÃO TERCEIRIZADA

FONTE: Os autores

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Entre as 26 capitais há maior diversificação nas formas de gestão adotadas, uma vez que grande parte destas atende, com diferentes modelos, aos ensinos infantil e fundamental e entidades filantrópicas e, ocasionalmente, à educação de jovens e adultos. Para efeito de consolidação, foi considerado o atendimento à clientela mais representativa, ou seja, a do ensino fundamental. Na seqüência, são apresentados os resultados, ilustrados pelo gráfico 2.

Escolarização Mista Centralização

63,0%

11,0%

26,0%

GRÁFICO 1 - DISTRIBUIÇÃO DA GESTÃO ESTADUAL DO PNAE POR TIPO E LOCALIZAÇÃO - 2004

FONTE: Coordenadores estaduais do PNAENOTA: Dados elaborados pelos autores.

GRÁFICO 2 - DISTRIBUIÇÃO DA GESTÃO DO PNAE NAS CAPITAIS, POR TIPO E LOCALIZAÇÃO - 2004

19,0%

19,0%

54,0%

8,0%

Escolarização Mista Centralização Terceirização

FONTE: Coordenadores das capitais do PNAENOTA: Dados elaborados pelos autores.

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a escolarização ocorre em 5 capitais: João Pessoa, Maceió, Natal, Porto ��

Velho e Vitória;

14 capitais adotam a centralização: Aracaju, Belém, Belo Horizonte, Boa ��

Vista, Campo Grande, Florianópolis, Fortaleza, Goiânia, Manaus, Porto Alegre, Recife, Rio Branco, Rio de Janeiro e Salvador;

5 capitais adotam um modelo misto: Macapá, Palmas, Recife, São Paulo ��

e Teresina;

2 capitais adotam a terceirização: Curitiba e São Luiz. ��

A seguir, estão relacionadas as 5 capitais que apresentam modelo misto e a especificação das formas como se processa o atendimento:

Macapá: 34 escolas são escolarizadas e 26 são atendidas através de ��

aquisições centralizadas. Para as escolarizadas, o repasse é mensal;

Palmas: atendimento às creches e escolas rurais por meio de aquisições ��

centralizadas; as escolas urbanas são escolarizadas;

Recife: 88 escolas são terceirizadas, e os demais 457 equipamentos escolares�� 4, compostos por escolas municipais, creches e entidades filantrópicas, são atendidos por intermédio de aquisições centralizadas;

São Paulo: apresenta 2.637 pontos de atendimento. Destes, 250 encontram-se ��

terceirizados, com fornecimento de aproximadamente 220.000 refeições/dia; 2.387 pontos são atendidos pela aquisição centralizada, com fornecimento de aproximadamente 1.290.000 refeições/dia;

Teresina: apresenta 70 equipamentos escolarizados e 237 atendidos ��

mediante aquisições centralizadas.

Como se observa no item anterior, a terceirização é uma modalidade inexistente entre as administrações estaduais. Nesta opção, uma ou mais empresas são contratadas para preparar a alimentação e distribuí-la aos alunos. Vários municípios no Estado de São Paulo empregam este modelo. Entre as capitais, Curitiba e São Luiz são exemplos desta modalidade de gestão.

É possível constatar que a escolarização apresenta utilização mais expressiva no modelo estadual, possivelmente em função da maior complexidade existente na sua operacionalização, ou seja, o atendimento a grande número de municípios e de escolas e as significativas distâncias a serem cobertas exigem planejamento altamente detalhado, técnico e preciso. A escolarização, neste contexto, apresenta-se como uma alternativa ágil, prática e que prescinde de qualquer estrutura de logística de distribuição. Apesar das aparentes vantagens, o modelo também apresenta importantes limitações: atendimento às diretrizes nutricionais de forma improvisada pelos diretores das escolas; monotonia alimentar, uma vez que o abastecimento nos pequenos municípios e,

4 Equipamento escolar, nesse contexto, significa o número de espaços físicos totais utilizados pela Educação, tais como creches, escolas e outros.

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principalmente, na zona rural, muitas vezes é inexpressivo ou inexistente; o custo de aquisição dos gêneros alimentícios é maior e, conseqüentemente, o atendimento em número de dias será menor.

A terceirização, por sua vez, possui grandes vantagens em relação à operacionalização, uma vez que, neste modelo, demanda de pessoal, aquisição de gêneros e, muitas vezes, de utensílios e equipamentos, são atendidas pela empresa terceirizada. A grande limitação encontra-se exatamente no custo desta contratação, totalmente incompatível com os valores repassados pela União, e na falta de estrutura das prefeituras no acompanhamento dos serviços prestados pelas empresas. Além disso, a estrutura de mercado atual é falha, pois um número reduzido de firmas concentra este atendimento no País, caracterizando uma concorrência imperfeita. A doutrina econômica, por sua vez, mostra a tendência de que mercados oligopolizados pratiquem preço e lucro acima da média. Na prática, o que se observa é que prefeituras de alto desenvolvimento e maior aporte de recursos têm utilizado esta modalidade, especialmente concentradas no Estado de São Paulo.

5.3 CUSTO DA ALIMENTAÇÃO ESCOLAR

A meta nutricional do PNAE prevê a cobertura de aproximadamente 15% das necessidades nutricionais da clientela. Em 2004, o custo médio do cardápio/aluno/dia, entre as administrações estaduais, apresentou uma variação entre R$ 0,15 e R$ 0,50. No âmbito das administrações das capitais, a variação foi de R$ 0,15 a R$ 1,64.

Em apenas cinco estados foi mencionada somente a utilização do recurso repassado pelo governo federal para a execução do programa: Ceará, Goiás, Mato Grosso do Sul, Pará e Rio Grande do Sul. À exceção do Pará, todos os estados citados encontram-se escolarizados. Entre as capitais, somente duas mencionaram a utilização apenas do recurso repassado pelo governo federal: Salvador e Palmas. Nas demais, foram citadas complementações diferenciadas com recursos próprios, que variaram entre R$ 0,02 e R$ 1,49 por aluno.

5.4 DIFICULDADES OPERACIONAIS

As dificuldades mais comuns observadas na operacionalização são relatadas pela maioria dos estados e capitais e denunciam importantes gargalos do PNAE, independentemente da região ou modalidade de gestão adotada. São eles:

Recursos financeiros - compatibilização dos cardápios e da meta nutricional ��

do PNAE ao reduzido valor per capita repassado pelo governo federal; não inclusão dos alunos do ensino médio e educação de jovens e adultos na base de cálculo do repasse; complementação de recursos insuficiente ou inexistente pelos governos estaduais e municipais;

Merendeira - número insuficiente de merendeiras para preparar a alimentação ��

nos estabelecimentos; atuação da profissional fora do perfil necessário; falta de qualificação; alta rotatividade; inexistência do cargo de “merendeira”; atuação simultânea da profissional em outras atividades na escola;

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Infra-estrutura - precária infra-estrutura dos estabelecimentos: dimensões, ��

conservação, equipamentos disponíveis (principalmente freezer e geladeira), localização e segurança das cozinhas e depósitos; ausência de estrutura para supervisão, principalmente de veículos e pessoal; acesso às escolas, principalmente as localizadas na zona rural;

Controle - atraso ou não entrega dos mapas mensais de controle do ��

consumo de gêneros pelas escolas; dificuldade para controle da execução dos cardápios e da utilização dos gêneros; desvio de gêneros;

Equipe - equipe insuficiente para monitoramento adequado das diferentes ��

fases da operacionalização do programa;

Outros aspectos - expressiva diversidade na clientela dos estabelecimentos ��

e municípios; descumprimento na entrega dos produtos pelos fornecedores; falta de comprometimento e colaboração por parte das direções dos estabelecimentos em relação ao programa.

Outro importante gargalo do programa está ligado ao controle, realizado pela União, das despesas efetuadas pelas Unidades Executoras – estados e municípios. Esta situação tem sido escancarada pela mídia de tempos em tempos. Trata-se de uma contradição relacionada à execução do programa. De um lado, o reduzido valor repassado pela União, claramente insuficiente para proporcionar cobertura à meta prevista, e, de outro, o expressivo desvio deste recurso público.

Segundo Weis et al. (2004, p.1), “estima-se que 40% das denúncias que chegam à Controladoria Geral da União (CGU), órgão que fiscaliza o uso de recursos federais pelos municípios, tratam de casos de corrupção e desvio dos recursos destinados à alimentação escolar”.

Weis et al. (2004, p.18) fornecem alguns indícios de como isto acontece: “no município em que o prefeito é corrupto e a Câmara Municipal cúmplice, tais irregularidades ocorrem em todos os setores da máquina administrativa, e, portanto, também na merenda escolar”.

Suwwan (2004) complementa esses dados. A CGU constatou irregularidades em 45% das licitações de merenda entre os 350 pequenos municípios auditados. Nas auditorias realizadas em 2004, as irregularidades foram observadas em pelo menos 50% dos municípios.

O lado mais cruel visualizado pelas auditorias da CGU é que, enquanto prefeituras desviam recursos, várias escolas não ofereceram alimentação para seus escolares por um período de 2 a 4 meses.

5.5 INOvAÇÃO COMO DIFERENCIAL

Nesse cenário de grandes limitações, dificuldades e desafios de toda ordem, gestores responsáveis e comprometidos sobressaem ao buscar alternativas viáveis para dignificar e qualificar a alimentação em todos os recantos do País. Na seqüência, são apresentados alguns bons exemplos.

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A Secretaria de Estado da Educação de São Paulo, através do Departamento de Suprimento Escolar (DSE), repassou R$ 0,06 por aluno do ensino fundamental, a título de complementação do recurso repassado pelo FNDE aos 534 municípios que atenderam à rede estadual. O Estado do Paraná, por meio da Fundepar5 (Instituto de Desenvolvimento Educacional do Paraná), com o intuito de atender à demanda de inclusão dos gêneros perecíveis, segue por esta linha. Assim, em 2003 nasceu o “Projeto Escola Cidadã”, que apresenta a opção da aquisição preferencial por alimentos orgânicos e diretamente de pequenos agricultores, podendo ser utilizadas notas fiscais do produtor.6

O DSE/São Paulo introduziu o balcão térmico no panorama escolar -”Projeto Sirva-se”. A proposta visa proporcionar ao aluno o direito à escolha do alimento e desenvolver noções de quantidade e qualidade, bem como a prática da educação nutricional no dia-a-dia da escola. Outras inovações do Estado de São Paulo são: impressão de jogos lúdicos nas embalagens secundárias dos gêneros adquiridos (medida adotada também no Paraná) e utilização de produtos em embalagens individualizadas, com o objetivo de reduzir a manipulação do alimento.

No Paraná todos os gêneros adquiridos em licitação pública são submetidos a análises laboratoriais na Universidade Federal do Paraná. O controle de qualidade visa assegurar a integridade, sanidade, presença de nutrientes específicos e características sensoriais desejadas, bem como evitar fraudes e presença de contaminantes. O Estado e a Prefeitura de São Paulo também realizam controle de qualidade laboratorial.

Há alguns anos, os Estados do Paraná e de São Paulo (Prefeitura e Estado), entre outros, adotaram a impressão dos dizeres: Merenda Escolar – Venda Proibida – Nome do Órgão/FNDE e um telefone de contato nas embalagens. Esta medida tem como objetivo reduzir a possibilidade de desvio do alimento nas diversas fases da operacionalização do programa. O Estado do Rio de Janeiro possui um número telefônico para ligações gratuitas destinado a receber reclamações e denúncias em relação à alimentação escolar.

O Estado do Paraná, através da Fundepar, implantou, em 2003, o “Certificado de Excelência em Controle, Organização e Higiene do Estoque e da Área de Produção na Alimentação Escolar”. A partir de um check-list preestabelecido com as condições ideais de infra-estrutura e boas práticas de manipulação, escolas de todo o Estado são avaliadas e pontuadas. A intenção é promover um círculo virtuoso de estímulo contínuo à manutenção de um ambiente seguro no armazenamento, na conservação, no preparo e na distribuição da alimentação escolar.

O Estado de Goiás possui o “Projeto Horta Escolar”, que busca incentivar a implantação e a manutenção das hortas escolares. Houve a contratação de um agrônomo

5 A Fundepar foi extinta em 2007 e suas atividades foram incorporadas à Secretaria de Estado da Educação do Paraná.

6 Na emissão da Nota Fiscal do Produtor, o agricultor tem as alíquotas de imposto praticamente zeradas em quase todas as transações, e a vantagem adicional de comprovação da atividade rural. Estima-se que em 2008, em todo o Paraná, integrem este cadastro geral 500 mil produtores.

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e a distribuição do kit-horta. Goiânia apresenta mais de 150 hortas escolares em funcionamento. A proposta é pedagógica. São fornecidos insumos, orientação técnica e supervisão, e a manutenção dessas hortas é atribuição dos alunos e da comunidade. A Prefeitura de Porto Velho desenvolveu Projetos de Educação Alimentar e Horta Escolar.

Os Estados de Santa Catarina, Paraná e Rio de Janeiro implantaram leis que restringem a oferta e a venda de guloseimas, refrigerantes, frituras, salgadinhos tipo chips e outros alimentos ricos em calorias vazias7 nas cantinas escolares. Essas legislações apresentam grande relevância para a Saúde Pública, uma vez que nas últimas décadas tem-se observado uma tendência de aumento dos índices de sobrepeso e obesidade também na população infantil e de adolescentes. Corroborando com estas medidas isoladas, a Portaria Interministerial nº 1.010/2006 representa um pacto dos Ministérios da Saúde e Educação, em prol da oportunização e incentivo a todos os escolares na adoção de práticas alimentares saudáveis.

No Mato Grosso houve a implantação de Câmara de Negócios em cada município do Estado com o objetivo de facilitar a aquisição dos gêneros nas diferentes localidades.

Em Sergipe, implantou-se programa de suplementação da alimentação escolar nos municípios com baixo IDH. A Prefeitura de Recife implantou a merenda durante o período de férias e o “Programa Escola Aberta”, em que a merenda escolar é servida aos sábados e domingos. Há atendimento diferenciado para crianças com diabetes e intolerância a lactose e glúten.

A Prefeitura de Curitiba, mediante convênio com o Instituto de Tecnologia do Paraná (Tecpar) e visando ampliar seus controles, implantou a auditoria interna nas empresas terceirizadas. Outra inovação adotada pela Secretaria Municipal de Educação de Curitiba refere-se à educação nutricional para professores e à introdução de fórmulas infantis especiais para atendimento de crianças com anemia. Alunos diabéticos também recebem cardápios especiais.

A Prefeitura Municipal de São Luiz vem contemplando, há 10 anos, a construção de novos refeitórios escolares. Em Vitória, telas de aço são obrigatórias nas portas e janelas; há sabonete líquido disponível em lavatório para uso das merendeiras; o hipoclorito de sódio está disponível para a higienização de hortaliças e os depósitos escolares contam com prateleiras em granito. O self-service foi implantado para atendimento do ensino infantil.

Em relação aos utensílios utilizados no PNAE, vale a ressalva de que a maioria dos estados e municípios utiliza pratos e canecas de polipropileno. No entanto, considerando a sua utilização contínua em vários turnos, tanto para preparações doces como salgadas, esses utensílios logo adquirem alterações na coloração do plástico e na textura, tornando-

7 O termo caloria vazia (junk food, ou “comida lixo”, na tradução literal do inglês) é utilizado quando um alimento fornece apenas energia, porém pouco ou nenhum nutriente essencial.

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se tingidos, pegajosos e arrepiados. Sobre este problema, Stolarski (2001, p.49) cita o comentário de um secretário municipal de Educação do Estado do Paraná:

Eu acho que o problema que leva uma minoria (dos alunos) a não comer são dois fatores: primeiro, a falta de local adequado – criança bem nutrida tem preguiça de comer em pé, ela comeria se fosse sentadinha; e, segundo, a aparência do prato. O pior da merenda é o prato. O prato não é convidativo... Teria que se pensar em outro material para os pratos, é preciso trocar o plástico. A aparência do alimento é muito boa na panela, mas quando se põe no prato, dá vontade de chorar!

Para solucionar esse problema, a Prefeitura de Belo Horizonte tem adquirido utensílios em aço inox para servir a alimentação escolar – prato, caneca e colher. Em 2004, o Estado do Paraná também adotou o mesmo material para seus utensílios, e adicionou o garfo a este kit do aluno.

A Prefeitura de Belo Horizonte promoveu Concurso de Receitas entre as merendeiras municipais e publicou cartilha para orientação sobre alimentos perecíveis. As Prefeituras de João Pessoa e de Teresina contam com um Programa de Monitoramento que atua diariamente nas escolas.

A Prefeitura de Belém realiza controle ao desperdício de alimentos nas escolas. Para tanto, há um rigoroso controle dos saldos de alimentos nas escolas, bem como da sua utilização. Com a adoção desta medida, solucionou-se outro problema significativo: o número de remanejamentos de alimentos entre escolas.

A coordenação de Macapá utiliza, na alimentação escolar, açaí, mingau de banana com castanha do Pará e camarão. Quando questionada sobre o preço do camarão, informa que, dependendo da época, o produto pode ser adquirido pelo valor entre R$ 1,50 e R$ 2,00 o quilo. Em Fortaleza, constam do cardápio escolar pratos regionais: picadinho de cordeiro, sarapatel de ovino e caprino, e panelada.

Goiânia possui o “Projeto Baru”, o qual apresenta conotação de preservação e discussão sobre a sustentabilidade do cerrado. O produto tem sido utilizado em preparações doces. Outro produto característico na região, o pequi, também tem sido utilizado na alimentação escolar.

Rio Branco realizou avaliação nutricional por amostragem dos alunos entre 4 e 15 anos. A educação nutricional para alunos também faz parte da rotina, bem como a aquisição de uniformes para as merendeiras – o kit merendeira é composto por touca, bata e avental impermeável.

Salvador conta com programa específico para introduzir e melhorar a aceitação do soja na alimentação escolar. Esta prefeitura tem realizado concursos, capacitações e publicação de livros com as receitas de sucesso das merendeiras da rede municipal de ensino.

Nas escolas municipais de Porto Alegre são servidas 2 refeições/aluno/dia – café e almoço, ou almoço e lanche, ao custo de R$ 1,10 e R$ 1,12 respectivamente. Além disso, criou-se o cargo de cozinheiro, fato que estimula o compromisso do manipulador de alimentos com a qualidade e segurança da alimentação, bem como restringe

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atividades extra-cozinha. A educação nutricional é outra prática realizada com pais e alunos nesse município.

No município do Rio de Janeiro, o Instituto Annes Dias (INAD), criado em 1956, é o órgão normativo e regulador para ações de alimentação e nutrição. Nele, 40 nutricionistas planejam e implementam ações e monitoram atividades voltadas à escola promotora de saúde.

6 PNAE – O OLHAR DA ESCOLA

A partir da análise dos dados consolidados pelo Censo Escolar 2004 do MEC, revelam-se, em mais uma oportunidade, as diversas realidades observadas nos diferentes estados. Com base nas informações de quem efetivamente faz o programa acontecer – a escola –, podem ser apresentadas as principais constatações relacionadas a quem prepara a alimentação escolar, se a escola desenvolve atividades de educação alimentar e nutricional e a cobertura de atendimento proporcionada pelo PNAE.

Os dados apresentados nos gráficos 3, 4 e 5, nas seções a seguir, consolidam as respostas das redes estaduais e municipais de ensino.

6.1 O RESPONSÁvEL PELO PREPARO DA ALIMENTAÇÃO ESCOLAR

Com relação ao preparo da merenda escolar, a média, para o Brasil, apontada pelo Censo 2004, revela que em 63,4% das escolas ela é preparada por merendeiras, em 21,9% por auxiliares de serviços gerais, em 10% por diretores e professores, em 2% por pais, em 1,7% por outros membros da comunidade, e em 1% por outro funcionário da escola. Os estados que mostram os melhores resultados em relação ao percentual de merendeiras são: Distrito Federal, Rio de Janeiro, Mato Grosso do Sul e Goiás, com uma variação de 90,7 a 96,9%.

Os resultados mostram algumas situações críticas: em 48,7% das escolas de Rondônia e em 48,1% das escolas do Acre a alimentação escolar é preparada por diretores e/ou professores; outros estados que também apresentam índices expressivos neste quesito são: Amazonas, Maranhão, Pará e Roraima, com uma variação entre 20 e 28% das escolas; um dado inesperado, neste aspecto, refere-se aos resultados observados na Região Sul: 17,7% das escolas do Rio Grande do Sul dependem do diretor ou professor para o preparo da merenda escolar, bem como 15,5% em Santa Catarina e 9,7% no Paraná.

Se considerarmos, por um lado, as baixas taxas de rendimento da educação no Brasil, e, por outro, a alta dependência do professor ou diretor, por parte das escolas, para o preparo da alimentação escolar, tem-se um cenário no mínimo preocupante. Professor responsável pela preparação da aula e pela merenda não fará bem nem uma coisa nem outra!

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Outra situação bastante comum e que merece atenção dos gestores públicos é a atuação concomitante de auxiliares de serviços gerais ora na limpeza de salas, pátios e banheiros, ora no preparo e distribuição da alimentação escolar, sinalizando um alto risco de contaminação.

6.2 EDUCAÇÃO ALIMENTAR E NUTRICIONAL NO AMBIENTE ESCOLAR

A educação alimentar é outro objetivo do PNAE. O trabalho com conteúdos que repassem as bases da alimentação saudável tem se mostrado um instrumento eficiente na prevenção de sobrepeso, transtornos alimentares e outras patologias. Segundo Unifesp (2008, p.22), “a escola permite a disseminação de conhecimento para grande número de indivíduos e tem sido considerada como espaço social propício para a promoção de saúde, formação de hábitos saudáveis e à construção da cidadania”.

Nesse aspecto, a média Brasil ainda apresenta resultados tímidos, uma vez que menos de 4 em cada 10 escolas têm realizado atividades relacionadas à educação alimentar com seus alunos. Os destaques positivos são os Estados de Goiás, Rio Grande do Sul, Rio de Janeiro, Santa Catarina, Minas Gerais e Distrito Federal, com percentuais entre 57,3% e 57,7% de suas escolas envolvidas nesse processo.

Considerando a grande abrangência do PNAE, dado que o equivalente à população da Argentina se alimenta diariamente nas escolas brasileiras, é necessário oportunizar mais ações de educação alimentar, uma vez que a clientela escolar encontra-se

FONTE: INEP/ 2004Censo

0 10 20 30 40 50 60 70 80 90 100

Distrito FederalRio de Janeiro

Mato Grosso do SulGoiás

TocantinsRio Grande do Norte

São PauloPernambuco

SergipeSanta Catarina

AmapáCeará

Mato GrossoBahia

Rio Grande do SulPiauí

ParanáBRASILAlagoasParaíba

Espirito SantoRoraima

AcrePará

Minas GeraisRondônia

MaranhãoAmazonas

Merendeiro(a) Aux. de serviços gerais Pais Professor(a)/Diretor(a)

Outro funcionário da escola Outro membro da comunidade

GRÁFICO 3 - DISTRIBUIÇÃO DOS RESPONSÁVEIS PELO PREPARO DA MERENDA ESCOLAR, SEGUNDO UNIDADES DA FEDERAÇÃO E MÉDIA BRASIL - 2003

%

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em período de formação de hábitos alimentares – saudáveis ou não. Veiculações maciças de propagandas estimulam o consumo de produtos não saudáveis, nos diferentes meios de comunicação. Nesse momento, a escola deve atuar em conjunto com as famílias, assumindo mais uma vez seu papel de formação e informação, também na área de alimentação e nutrição.

6.3 ATENDIMENTO DA ALIMENTAÇÃO ESCOLAR

A resposta a esta pergunta: “A merenda foi servida diariamente?” oferece, de forma clara e inequívoca, um indicador da eficiência do PNAE, ou seja, do atendimento proporcionado aos alunos. O percentual apresentado em cada estado refere-se às escolas que forneceram a alimentação escolar em todos os dias do período letivo.

Considerando que o PNAE visa a oferecer alimentação escolar nos 200 dias letivos, conclui-se, pela média de 56,8% referente ao Brasil, que o atendimento do PNAE está muito aquém do ideal. O percentual de escolas atendidas nos 200 dias letivos por unidade federativa pode ser observado no gráfico 5.

Os piores resultados pelo País neste tópico, todos abaixo da média do Brasil, foram apresentados, respectivamente, pelo Pará, Acre, Pernambuco, Sergipe, Maranhão, Bahia, Roraima, Paraíba, Alagoas, Rondônia, Piauí, Amazonas, Amapá, Ceará e Rio Grande do Norte, com variação de atendimento ao período letivo entre 29% e 52,8%.

0 10 20 30 40 50 60 70

GoiásRio Grande do Sul

Rio de JaneiroSanta Catarina

Minas GeraisDistrito Federal

São PauloEspírito Santo

TocantinsParaná

Mato GrossoBRASIL

CearáSergipe

Mato Grosso do SulParaíba

BahiaPernambuco

Rio Grande do NorteAlagoas

RondôniaAmapá

PiauíMaranhãoAmazonas

ParáRoraima

Acre

GRÁFICO 4 - PERCENTUAL DAS ESCOLAS QUE REALIZARAM EDUCAÇÃO ALIMENTAR E NUTRICIONAL, SEGUNDO UNIDADES DA FEDERAÇÃO E MÉDIA BRASIL - 2003

FONTE: INEP/ 2004Censo

%

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Os melhores índices de atendimento, todos acima de 80%, foram encontrados em São Paulo (95,7%), Distrito Federal (93,7%), Paraná (89,1%), Santa Catarina (86,1%) e Mato Grosso do Sul (83,5%).

As características do atendimento dos estados e capitais mais eficazes são apresentadas, respectivamente, nas tabelas 1 e 2.

TABELA 1 - ESTADOS QUE APRESENTARAM MAIOR EFICÁCIA NO ATENDIMENTO DO PNAE - 2004

ESTADON.O DE ESCOLAS

ATENDIDASN.O DE

ALUNOS

N.O DE MUNICÍPIOS ATENDIDOS

CUSTO MÉDIO DO CARDÁPIO (R$)

MODALIDADE DE GESTÃO

São Paulo 1.673 1.185.546 25 0,50 Mista

Distrito Federal 600 375.000 1 0,28 Centralizada

Paraná 1.588 798.182 314 0,19 Mista

Santa Catarina 713 319.769 157 0,40 Mista

Mato Grosso do Sul 350 25.000 77 0,15 Escolarização

FONTE: Coordenadores estaduais do PNAENOTA: Dados elaborados pelos autores.

0 10 20 30 40 50 60 70 80 90 100

São PauloDistrito Federal

ParanáSanta Catarina

Mato Grosso do SulGoiás

Minas GeraisRio de Janeiro

Rio Grande do SulEspírito SantoMato Grosso

TocantinsBRASIL

Rio Grande do NorteCeará

AmapáAmazonas

PiauíRondônia

AlagoasParaíba

RoraimaBahia

MaranhãoSergipe

PernambucoAcrePará

GRÁFICO 5 - PERCENTUAL DE ESCOLAS EM QUE NÃO HOUVE FALTA DA MERENDA EM NENHUM DIA, SEGUNDO UNIDADES DA FEDERAÇÃO E MÉDIA BRASIL - 2003

FONTE: INEP/ 2004Censo Escolar

%

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TABELA 2 - CAPITAIS QUE APRESENTARAM MAIOR EFICÁCIA NO ATENDIMENTO DO PNAE - 2004

PREFEITURAN.O DE EQUIPAMENTOS

ATENDIDOSN.O DE

ALUNOSCUSTO MÉDIO

DO CARDÁPIO (R$)MODALIDADE DE GESTÃO

São Paulo 2.637 1.510.000 Centralizado - 0,21-0,65 Terceirizado - 0,87-1,64

Mista

Curitiba 399 120.000 1,00 Terceirização

Florianópolis 105 23.976 - Centralização

Campo Grande 90 76.000 - Centralização

FONTE: Coordenadores das capitais do PNAENOTA: Dados elaborados pelos autores.

No tocante à forma de gestão do PNAE, observa-se que, entre os cinco estados com melhores índices de atendimento, quatro efetuaram aquisições centralizadas e um deles utiliza a escolarização. Deve-se mencionar, no entanto, que os Estados de São Paulo, Paraná e Santa Catarina também repassaram recursos complementares às escolas para aquisição de gêneros perecíveis. Entre as quatro capitais com melhores índices de atendimento, duas efetuaram aquisições centralizadas, em uma delas o atendimento é terceirizado, e, em São Paulo, 85,4% de seu atendimento é centralizado e 14,6% é terceirizado.

De posse desses dados, é possível concluir que a aquisição centralizada, quer seja isolada, quer seja combinada com outra modalidade, apesar de apresentar a operacionalização mais complexa, tem se mostrado a mais eficaz ao proporcionar maior cobertura em número de dias de atendimento no PNAE. Deve-se considerar ainda que, intrinsecamente aliadas à eficácia, estão a capacidade gerencial e a qualificação das equipes dos programas. Pró-atividade, criatividade, monitoramento, experimentação, aprendizado contínuo, inovação, avaliação, superação e comprometimento com os resultados são alguns dos ingredientes combinados nas administrações de sucesso.

Em relação à eficiência do PNAE, que avalia a relação custo/benefício, observa-se que, entre os estados, os melhores resultados foram obtidos pelo Mato Grosso do Sul e Paraná, ao proporcionarem alimentação nos 200 dias letivos a mais de 80% de sua rede, com custo médio dos cardápios de R$ 0,15 e R$ 0,19 por aluno, respectivamente. Entre as capitais, o melhor resultado corresponde ao atendimento centralizado de São Paulo, com custo dos cardápios entre R$ 0,21 e R$ 0,65 por aluno. Nestes custos, constam apenas os valores referentes ao preço de aquisição dos gêneros alimentícios.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O processo de descentralização do PNAE tem se apresentado dinâmico, complexo e profundamente heterogêneo, e seus resultados revelam características próprias, consoantes com as significativas desigualdades regionais observadas em outras áreas.

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Em 2004, a clientela atendida pelos estados e capitais através do PNAE foi representada por 16.188.709 alunos e 32.760 escolas, ou 43,75% da clientela oficial.

Sobre os objetivos do PNAE (1999), apresentados na introdução deste artigo, é possível fazer as considerações que se seguem.

Em relação ao atendimento da oferta de uma refeição diária aos alunos beneficiários, considerando que o PNAE visa oferecer alimentação escolar nos 200 dias letivos, conclui-se, pela média para o Brasil, que em apenas 56,8% das escolas do País isto ocorreu de fato. Os piores índices pertencem a todos os estados das Regiões Norte e Nordeste, à exceção do Estado de Tocantins. Por sua vez, os melhores índices de atendimento do País – todos acima de 80% – foram encontrados em São Paulo (95,7%), no Distrito Federal (93,7%), no Paraná (89,1%), em Santa Catarina (86,1%) e no Mato Grosso do Sul (83,5%).

Quanto à formação de bons hábitos alimentares, a média referente ao Brasil ainda apresenta resultados tímidos, uma vez que menos de 4 em cada 10 escolas tem realizado esta atividade com seus alunos. Destacam-se, com os melhores resultados, os Estados de Goiás, Rio Grande do Sul, Rio de Janeiro, Santa Catarina, Minas Gerais e Distrito Federal, com mais de 57% de suas escolas envolvidas nesse processo. Quanto aos alimentos utilizados na alimentação escolar dos programas estaduais e municipais, foram mencionados a aquisição de grande variedade de gêneros alimentícios e o respeito aos hábitos alimentares regionais. Esta constatação é mais evidente nos estados das Regiões Norte e Nordeste, uma vez que há maior peculiaridade e riqueza nos seus hábitos alimentares.

Com relação aos objetivos de, mediante a alimentação escolar, melhorar a capacidade de aprendizagem dos alunos e reduzir a evasão e a repetência, estudos mostram que a merenda escolar, mesmo sem interferir no estado nutricional dos alunos, pode influenciar positivamente no rendimento escolar, uma vez que aumenta a capacidade de concentração nas atividades escolares. No entanto, é preciso ressaltar que os objetivos acima citados são altamente complexos, apresentando grande número de variáveis que interferem direta ou indiretamente nessas taxas de rendimento escolar. Dito de outro modo, são objetivos que jamais serão atingidos apenas com o atendimento adequado da alimentação escolar.

Uma questão fundamental merece ser destacada. A descentralização não pode ser considerada uma garantia de respeito às características regionais. Os dados referentes às auditorias do PNAE apresentados pela Controladoria Geral da União são estarrecedores e apontam a fragilidade dos mecanismos de controle do programa. Os gabirus8 da merenda, da saúde ou outro qualquer, tão comuns nos municípios menores e mais carentes, não podem encontrar facilidades tão grandes para atuar e desviar recursos na administração pública. Num período em que a corrupção é evidenciada diariamente pelos meios de

8 As “Operações Gabiru I e II” da Polícia Federal têm investigado, desde 2005, denúncias de desvio de recursos da merenda escolar em Alagoas.

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Márcia Cristina Stolarski e Demian Castro

comunicação, a sociedade brasileira anseia pela transparência e pela ética. A necessidade de aumento do valor per capita do programa é algo inquestionável. No entanto, é preciso associar esta medida ao fortalecimento dos órgãos oficiais de controle, de forma a garantir adequada destinação do recurso.

Os desafios são expressivos e precisam receber um olhar atento e responsável daqueles que têm a possibilidade de efetivar mudanças. A diversidade sempre estará presente num país continental. Maiores investimentos devem ser direcionados à educação, para tornar a escola um local também compatível com o armazenamento, produção e distribuição da alimentação escolar segura. Maiores investimentos precisam ser efetuados em recursos humanos em todos os níveis: merendeiras, nutricionistas, auditores para acompanhar a execução do programa em todo o território nacional. A sociedade civil, por sua vez, precisa assumir o seu papel no acompanhamento do programa. Com a superação desses e de outros limitantes, talvez seja possível ampliar o significado da alimentação escolar como direito, e não como favor.

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RELAÇÕES SOCIOECONÔMICAS EM REDE: a governança no Arranjo Produtivo do Vestuário

de Cianorte no Estado do Paraná*

Josil do Rocio Voidela Baptista**Victor Manoel Pelaez Alvarez***

RESUMO

Este artigo procura analisar a estrutura de governança do Arranjo Produtivo do Vestuário de Cianorte, no Estado do Paraná, a partir do mapeamento das relações socioeconômicas que conformam a governança local. Para isso, fundamenta-se no referencial teórico da sociologia das redes, a partir do qual se pode identificar como os atores integrantes desse APL interagem, como as relações socioeconômicas são construídas e como evoluem ao longo da formação histórica do arranjo. O trabalho aponta que a estrutura de governança do APL foi construída, historicamente, pela família pioneira no ramo de confecções da região e destaca as estratégias utilizadas por estes atores para se consolidarem como lideranças reconhecidas pelos demais atores do arranjo. O estudo demonstra ainda a capacidade da família pioneira em se manter no poder durante a trajetória de quase três décadas desde o início da atividade no município, adaptando-se às mudanças impostas pelas constantes reestruturações da rede, especialmente quando da intervenção de instituições públicas e parapúblicas no arranjo.

Palavras-chave: governança; APL; poder; redes.

*Este artigo foi produzido a partir da dissertação de mestrado “Relações Socioeconômicas em Rede: a Governança no Arranjo Produtivo do Vestuário de Cianorte no Estado do Paraná”, defendida em 2005 no Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Econômico – Mestrado Profissionalizante, do Departamento de Economia da Universidade Federal do Paraná (UFPR).

** Economista, mestre em Desenvolvimento Econômico pela Universidade Federal do Paraná (UFPR). Pesquisadora do IPARDES. E-mail: [email protected]

*** Engenheiro de Alimentos, doutor em Economia pela Université Montpellier, França. Professor Adjunto do Departamento de Economia da UFPR. E-mail: [email protected]

abStRact

This article analyse the structure of governance in the cluster of clothing in Cianorte in Paraná state from the point of view of the socioeconomics relations which caracterize the local governance.In order to make the analyse This article aims to analyze the structure of governance of the productive arrangement (APL) of clothing in Cianorte, in the state of Paraná, from the mapping of socioeconomic relations that make up local governance. In this regard, this article is based on the sociological theory of networks, from which it is possible to identify how actors of this APL interact, how the socioeconomic relationships are built and evolve over the historical formation of this APL. The article suggests that the governance structure of the APL was historically built by the pioneer family in the clothing branch of that region and, at the same time, highlights the strategies used by these actors to consolidate themselves as recognized leaders by other actors of the APL. The article also shows the ability of the pioneer family to remain in power during approximately three decades since the beginning of activity in the municipality, adapting themselves to the changes imposed by the constant restructuring of the network, especially when the intervention of public institutions and parastatal institutions in the APL.

Keywords: governance; cluster; power; networks.

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INTRODUÇãONo dia 30 de setembro de 2004, no município de Cianorte, Paraná, ocorreu uma

reunião cujo objetivo era instituir o Comitê Gestor do Arranjo Produtivo de Confecções de Cianorte, capitaneado por instituições públicas e parapúblicas, sob a liderança da Secretaria de Estado do Planejamento e Coordenação Geral (SEPL), do Instituto Euvaldo Lodi (IEL) e do Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae). Foram convidadas para essa reunião as lideranças empresariais, representantes de órgãos de apoio estaduais e de instituições de ensino locais. Tal reunião, no entanto, frustrou as expectativas dos organizadores, devido, inicialmente, à pouca adesão do empresariado local, visto que, dos 60 empresários que vinham participando efetivamente das ações anteriores de planejamento realizadas pelas instituições intervenientes no arranjo, apenas 15 compareceram. Outro fato que acentuou essa frustração foram os incisivos questionamentos levantados pelos empresários quanto aos objetivos e à viabilidade das propostas dos representantes do setor público, no sentido de estimular e de implementar ações de cooperação e de investimento na região. Mais do que uma quebra de expectativa, o andamento da reunião acabou revelando a pouca articulação existente entre os atores do setor privado local, bem como destes com o setor público, no sentido de conseguirem minimamente coordenar as ações e os interesses diversos, de forma a viabilizar uma cooperação produtiva.1

A inexpressiva participação do empresariado local na reunião, que poderia ser interpretada como um boicote à ação do Comitê, instigou todos os participantes às seguintes dúvidas e questionamentos: haveria algum conflito de interesse no meio empresarial ou alguma forma de invalidação das lideranças empresariais locais que se colocaram à frente do Projeto APL, a partir do início da intervenção das instituições públicas e parapúblicas? A ausência poderia ser reflexo de uma possível desarticulação dessas instituições, que não teriam sido eficazes na sua tentativa de mobilização dos atores locais? Ou seria simplesmente a falta de interesse dos empresários pelo Projeto APL idealizado pelas instituições públicas de fomento?

O objetivo deste artigo é responder a essas questões a partir de um retrospecto histórico que permita compreender as origens e articulações existentes entre os principais protagonistas daquilo que se denomina consensualmente Arranjo Produtivo Local de Cianorte. O chamado APL de Cianorte compõe-se de uma aglomeração de 420 empresas formais do segmento do vestuário, a maioria constituída por micro e pequenas, com um pequeno grupo de médias empresas.2

A abordagem teórica dos Arranjos Produtivos Locais preconiza que os aglomerados industriais, para serem validados e reconhecidos como APLs, devem

1 Nessa reunião a autora deste artigo estava presente como representante do Instituto Paranaense de Desenvolvimento Econômico e Social (IPARDES), uma das instituições envolvidas na implementação de uma política estadual de desenvolvimento de APLs no Estado.

2 O Sebrae classifica o tamanho das empresas pelo número de trabalhadores: microempresa (1 a 20); pequena (21 a 100); média (101 a 500); e grande (mais de 500 trabalhadores).

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ser caracterizados pela presença concentrada de produtores, com predominância de empresas de pequeno e de médio porte, e de indústrias correlatas e de apoio. Como conseqüência desse arranjo, forma-se uma estrutura complexa, com elevado grau de desintegração vertical, envolvendo constantes interações entre os agentes empresariais (CASSIOLATO; LASTRES, 2005). Tais interações permitem a coordenação das atividades dos agentes em complementação aos mecanismos de mercado, criando mecanismos de governança que possibilitam gerenciar os problemas comuns dos atores públicos e privados, acomodando interesses conflitantes ou diferenciados por meio de ações cooperativas. Decorre dessas interações um denso conjunto de relacionamentos, que podem ser interpretados a partir da abordagem econômica de redes.

Desta forma, o presente trabalho pretende responder às seguintes questões: quais mecanismos de governança são utilizados no Arranjo Produtivo de Cianorte para estimular a cooperação entre os atores sociais? Quais os conflitos de interesse que marcam essa aglomeração de empresas do ramo do vestuário? Como se estabelecem as relações de poder nessa aglomeração industrial?

Partindo de uma conceituação teórica dos APLs, este trabalho se propõe a estudar os mecanismos de governança existentes no APL de Cianorte levando em consideração não apenas a morfologia das redes de atores que compõem o arranjo, mas principalmente a identificação das estratégias e dos recursos de articulação e de convencimento adotados pelos atores considerados como protagonistas na formação e na configuração da rede. Para tanto, apresentam-se na próxima seção os principais elementos de análise dos mecanismos de governança, adotando como referencial os conceitos de economia e de sociologia de redes. Levando em conta o caráter dinâmico inerente às redes de atores, a segunda seção apresenta uma abordagem histórica da evolução da estrutura de governança do APL de Cianorte em três períodos históricos que determinaram a configuração socioeconômica do arranjo.

O material empírico deste estudo baseou-se em uma pesquisa de campo realizada no período de outubro de 2004 a março de 2005. O instrumento de pesquisa utilizado foi um roteiro de entrevistas semi-estruturado, que contemplou questões relativas a funções e objetivos de cada ator na rede; a avaliação de cada ator a respeito dos outros atores; sua avaliação a respeito das lideranças locais, do funcionamento e relacionamentos na rede em geral. Foram entrevistados 32 atores integrantes da rede do APL de Confecções de Cianorte, que se destacavam como representantes das principais instituições de apoio ou como lideranças empresariais participantes do processo de formação do APL. Devido à existência de um ambiente conflituoso, optou-se, aqui, por preservar a identidade dos atores locais entrevistados, que foram identificados por letras. Dentre estes atores, merece destaque o empresário C, uma liderança marcante no processo de formação do APL, bem como seu irmão T e seu cunhado, o empresário W, aquele que, em função da reconhecida diplomacia, carisma e habilidade política, elegeu-se representante formal da família pioneira, presidindo as mais importantes instituições representativas do ramo de confecções do município desde o seu início.

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1 OS ELEMENTOS DE ANÁLISE DA GOVERNANÇA

Nesta seção faz-se uma breve contextualização da teoria que trata dos Arranjos Produtivos Locais (APLs), com destaque para a importância das estruturas de governança que compõem os arranjos. Em seguida tem-se uma breve explanação da teoria econômica das redes, com ênfase nos aspectos morfológicos dessas estruturas. E finalmente são apresentados os princípios fundamentais da abordagem de governança, do ponto de vista da “sociologia da tradução”, com a discussão dos principais conceitos da abordagem sociotécnica de redes, que darão respaldo teórico para a análise dos relacionamentos socioeconômicos na rede de atores do APL de Cianorte.

1.1 OS APLs E A GOVERNANÇA

Um Arranjo Produtivo Local pode ser definido como um aglomerado de agentes econômicos, políticos e sociais que operam em atividades correlatas, localizados em um mesmo território e que apresentam vínculos consistentes de articulação, interação, cooperação e aprendizagem. Trata-se de uma abordagem que relaciona fatores de competitividade com a localização da produção no espaço geográfico e os vínculos existentes entre as empresas, instituições de apoio e governo. Dessa forma, são levadas em conta, no APL, não apenas as empresas e suas variadas formas de representação e associação, mas também outras instituições públicas e privadas voltadas à formação e treinamento de recursos humanos, pesquisa, desenvolvimento e engenharia, promoção e financiamento (CASSIOLATO; LASTRES, 2005).

Os APLs, conforme o ramo da atividade econômica, podem ter variadas caracterizações e configurações, em função de sua história, evolução, organização institucional, contextos sociais e culturais, estrutura produtiva, formas de inserção nos mercados, organização industrial, estruturas de governança, logística, associativismo, formas de cooperação, de aprendizado e de disseminação do conhecimento especializado local (SUZIGAN, 2001).

Na abordagem de Arranjos Produtivos fica claro que, além da articulação na aglomeração empresarial, deve haver um ambiente composto de instituições públicas e privadas no qual a intensificação das relações com as empresas promove a melhoria da competitividade para todo o conjunto do Arranjo. Assim, à medida que as ações tornam-se mais coletivizadas, aumenta a necessidade de coordenação dessas ações, ou seja, da existência de estruturas de governança do sistema produtivo voltadas à viabilização de interesses comuns. Essas estruturas de governança representam as forças organizacionais e institucionais (hierarquia, poder, relacionamentos etc.) que condicionam (ou direcionam) o comportamento dos agentes na cadeia produtiva em nível local. A correlação dessas forças define, enfim, as relações de poder entre os agentes no sentido de fazer valer seus interesses por meio de uma estrutura de comando e autoridade (SUZIGAN; GARCIA; FURTADO, 2005).

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Existem diferentes formas de governança local que podem exercer papel importante para o fomento da competitividade dos produtores aglomerados, quais sejam: (a) governança privada, que se refere à coordenação das atividades econômicas por meio de relações extra-mercado; (b) governança pública, cuja coordenação ocorre por meio de uma gama de agências governamentais; e (c) governança híbrida (pública + privada), que envolve uma “rede política” formada por associações privadas, centros de tecnologia e grupos de líderes empresariais, juntamente com agências governamentais (HUMPHREY; SCHMITZ, 2000).

1.2 A ECONOMIA DE REDES

Percebe-se que, do ponto de vista teórico, a discussão da governança nas mais variadas áreas do conhecimento está sempre associada a uma concepção de rede, caracterizada pela extrapolação das esferas de controle e poder (STOKER, 1998). Neste sentido, a ciência econômica apresenta a abordagem de redes de firmas, cujo desenvolvimento teórico permite identificar os elementos estruturais que compõem uma rede por meio da demonstração de sua estrutura morfológica. Nesta, a utilização do conceito de “rede” enfatiza a importância de se entender a estrutura do sistema de relações que conectam diferentes agentes, bem como os mecanismos de operação deste sistema, responsáveis pela sua reprodução, fortalecimento e eventual transformação ao longo do tempo.

Na abordagem em redes são utilizados quatro elementos morfológicos genéricos que são comuns a este tipo de estrutura, independentemente do tipo de fenômeno que se pretenda analisar, quais sejam: pontos, posições, ligações e fluxos – que podem ser considerados como elementos constituintes das estruturas em rede.

Os nódulos ou pontos focais da rede são representados pelas firmas ou atividades representadas. As posições são determinadas pela estrutura de divisão do trabalho em cadeias produtivas. As ligações correspondem aos vínculos organizacionais produtivos e tecnológicos (relacionamento entre as empresas). E os fluxos são representados pelas transações tangíveis e as trocas ou transferências de informações realizadas na rede (BRITTO, 2000).

1.3 A AbORDAGEM SOCIOTéCNICA DE REDES

A despeito de sua ampla utilização nas ciências econômicas, o enfoque teórico da economia das redes não apresenta subsídios que permitam a análise das formas de poder estabelecidas na rede, de modo que se possa apreender como os atores interagem e como as suas relações evoluem ao longo do tempo. Nesta perspectiva, destaca-se a abordagem da sociologia da ciência, representada por um grupo de sociólogos da ciência (Michel Callon, Bruno Latour e Jonh Law) do Centro de Sociologia de Inovação de Paris. Estes autores, inspirados na dimensão maquiavélica na análise do poder, elaboraram o que se pode chamar de uma sociologia empírica do poder, cujo núcleo central reside na análise

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da origem e da mecânica do poder, no que concerne à construção de fatos científicos e artefatos tecnológicos. “Our central methodological prescription has already been stated: it is to ‘follow the actors’ both as they attempt to transform society and as they seek to build scientific knowledge or technological systems.” (CALLON; LAW; RIP, 1986, p.4).

Desta forma, os autores, em sua abordagem sociotécnica de redes, procuram identificar os principais mecanismos pelos quais determinados atores exercem poder sobre outros, garantindo, assim, a coesão de um sistema de idéias, de interesses e de fatos. Ao se propor a estudar o processo de construção de um “fato científico”, Latour (2000) revela a importância da formação e da gestão das redes de atores, que são responsáveis pela estabilidade do sistema.

A análise desenvolvida por Latour permite identificar as diversas estratégias e táticas de associações e negociações utilizadas pelos atores e a forma como estes atuam e constroem uma rede, antes que se tornem estruturas estabilizadas. Uma vez estabilizadas, essas estruturas passam a ser aceitas sem que se questionem o seu funcionamento ou as suas origens. Neste caso, o autor associa a estabilização de uma rede, que se apresenta como uma estrutura, à construção de uma “caixa-preta”, da qual todos se utilizam sem saber o porquê de sua existência nem os mecanismos que a fazem funcionar (LATOUR, 2000).

Para esses autores, o grande desafio teórico e metodológico é mostrar como se constroem essas caixas-pretas, diante da dificuldade imposta pela imprevisibilidade das ações dos outros agentes. Para tanto, a abordagem sociotécnica de redes identifica um fenômeno social denominado de “tradução” (translation) de interesses ou de comportamentos. A tradução utilizada pelo proponente, ou protagonista, a fim de criar uma rede estabilizada de atores, de fatos ou de artefatos, constitui-se numa estratégia de convencimento do Outro a partir do conhecimento dos seus interesses. Ao conhecer e interpretar os diversos interesses dos atores que podem vir a compor uma rede, o protagonista pode então desencadear um processo mais elaborado de envolvimento coletivo em torno de um projeto que parece – e pode até – representar interesses comuns.

O fenômeno de tradução é analisado assim como um processo de “socialização” de idéias e de interesses que podem ser analisados em quatro momentos fundamentais que compõem a construção de uma rede (CALLON, 1986), quais sejam:

i) O primeiro é o da problematização, que envolve a tentativa do agente proponente de associar outros às suas agências, apresentando a indispensabilidade de suas “soluções” para os “problemas” dos outros. Neste momento o agente apresenta-se como o porta-voz dos interesses dos demais, tornando-se um “ponto de passagem obrigatório” das interações que se estabelecem na rede de atores. Este ponto refere-se à construção de um canal por meio do qual o tráfego de informações deve necessariamente passar, conformando-se em uma posição estratégica e hegemônica na rede (CALLON, 1986, p.205);

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ii) Ao problematizar, o proponente alista os atores atribuindo a cada um papéis e ações a serem executadas num ato de enrollment. Ele pode ser definido como o processo de “persuadir” ou “associar” outras entidades para sua própria, atribuindo a cada uma delas um papel e ações a serem executadas;

iii) O terceiro momento do processo de tradução é o displacement, que corresponde às conexões que são necessárias para que as entidades aceitem o itinerário (o porta-voz e os pontos de passagem) preestabelecido pelo proponente;

iv) O quarto momento é caracterizado pela necessidade de estabilização desta rede de atores, uma vez que as relações entre os “alistados” e “controlados” podem se alterar ao longo do processo. Isto pode levar à dispersão dos atores ou a rumos diversos daqueles estabelecidos pelo proponente. Por isso, a rede deve então ser estabilizada de forma a garantir a convergência dos interesses e dos recursos para ali desviados.

Latour (2000, p.119) destaca a figura do porta-voz como um agente indispensável para o desenvolvimento de uma tradução bem-sucedida. Este elemento “é aquele que fala em lugar do que não fala” (em síntese, é este o ator da rede que representa os interesses de seus pares, sendo, portanto, a voz de um grupo, visto que todos os elementos da rede não podem falar ao mesmo tempo. Para isso designam (ou lhes é designado) alguém que fale em seu nome, o seu porta-voz, que é, no final de contas, aquele que traduz. O porta-voz pode não ser um único ator, mas um grupo de atores com objetivos comuns e capazes de centralizar as decisões e estratégias de formação de uma rede formando um “centro de tradução” (translation centres), ou seja, um local no qual as estratégias de tradução são centralizadas e tentativas são formuladas para controlar os diversos elementos que compõem a rede. Locais que são capazes de se transformar em porta-vozes para outras entidades e, de alguma forma, lucrar com esta assimetria (CALLON; LAW; RIP, 1986).

2 RELAÇÕES SOCIOECONÔMICAS NA REDE DO APL DO VESTUÁRIO DE CIANORTE

Nesta seção serão descritas as relações socioeconômicas estabelecidas entre os atores integrantes da rede do APL do Vestuário de Cianorte, identificadas em três períodos consecutivos, que correspondem às fases mais importantes de construção da rede. O primeiro refere-se ao período do início da atividade no município até o enfrentamento da primeira grande crise do APL, decorrente da abertura do mercado nacional desencadeada neste período, a qual afetou o desempenho da indústria têxtil nacional e, como conseqüência, resultou na reestruturação do APL de Cianorte. Esta fase compreende os anos de 1977 a 1994. A segunda inicia-se a partir da proposta de

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reestruturação do arranjo pós-crise, em 1995, até a criação da Associação dos Lojistas Atacadistas de Moda de Cianorte (Asamoda), em 2000. Essa é uma fase que marca o fortalecimento da atividade no município, visto que a Asamoda implementou um modelo inovador de vendas por atacado, proporcionando maior visibilidade ao arranjo, em nível nacional. E, finalmente, o terceiro período da rede compreende a fase atual, marcada pela inserção do(s) agente(s) externo(s) no arranjo de Cianorte, a partir de abril de 2004. Estes agentes são representados por instituições públicas e parapúblicas, mobilizadas em torno de um projeto comum e que buscam, de forma articulada, planejar e desenvolver ações públicas estruturantes de fortalecimento e de projeção do APL de Confecções de Cianorte.

2.1 A ORIGEM DO APL

Até a década de 1970, o município de Cianorte tinha como atividade econômica predominante a agricultura, especialmente o cultivo de café. Entretanto, em função da histórica geada de 1975, que exterminou a plantação de café no Paraná, desencadeou-se um processo de evasão da população rural que, diante da ausência de perspectiva de emprego na cidade de Cianorte, fatalmente migraria para outras regiões em busca de melhores oportunidades.3

Desse contexto de instabilidade socioeconômica emanou a soberania da família Nabhan, de origem libanesa, que, na época, era proprietária da mais importante loja de confecções em Cianorte, na qual toda a família trabalhava. Percebendo a abundância de mão-de-obra e a oportunidade de abrir um negócio próprio no ramo de confecções, um dos filhos mais novos da família (empresário C) adquiriu sete máquinas de costura elétricas e partiu para São Paulo, em 1977, a fim de se especializar no ramo. Fez curso de corte e costura com o objetivo de ensinar o trabalho para as costureiras da região, que trabalhavam somente com máquinas manuais. Treinou muitas pessoas, sobretudo aquelas originárias das plantações de café e, em menos de um ano, sua confecção (Cheina - Indústria de Confecções de Roupas) já contava com um total de 60 máquinas. Seguindo seu caminho, em 1979 o irmão (empresário T) associou-se ao cunhado (empresário W) e também ingressaram no ramo. Da mesma forma, outros parentes dessa família pioneira acabaram ingressando no ramo do vestuário, constituindo outras empresas e disseminando essa atividade entre os familiares.

Em 1981, C implantou uma “escola” de costura no interior de sua fábrica, onde pessoas sem nenhuma experiência no ramo de confecções eram habilitadas e admitidas. Neste período, o empresário já administrava a maior empresa de confecções da região, com aproxi madamente 1.000 funcionários.

Em função da existência dessa grande empresa e de outras dirigidas pelos familiares dos pioneiros e de empresários que migraram de outros ramos de atividade,

3 Em 1970 a população do município era em torno de 60 mil habitantes, chegando a 48 mil em 1980.

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motivados pelo sucesso dos pioneiros, começou a vir à tona uma série de dúvidas e de questionamentos por parte dos funcionários dessas empresas, no que se refere a seus direitos trabalhistas.4 A partir dessa insatisfação trabalhista, um funcionário da empresa de sociedade dos pioneiros T e W liderou um movimento e fundou, em 1986, o Sindicato dos Alfaiates, Costureiras e Trabalhadores da Indústria de Confecções de Cianorte (Sindicost). Do lado patronal, havia o sindicato da categoria em Londrina ao qual os empresários de Cianorte eram filiados. A filiação ao Sindicato de Londrina gerava uma dependência muito grande com relação à determinação do teto salarial, baseado na realidade de uma cidade maior, com características socioeconômicas diferenciadas. Foi assim que, um ano mais tarde (1987), um grupo de empresários (da família Nabhan) fundou o Sindicato da Indústria do Vestuário de Cianorte (Sinvest), cujo primeiro presidente foi W. Dessa forma, a criação de um sindicato patronal local permitiu aos empresários de Cianorte autonomia nas negociações salariais com os trabalhadores recém-organizados por meio do Sindicost.

O início das disputas e das negociações com o sindicato dos trabalhadores foi marcado por uma greve numa das empresas da família pioneira, levando C e seus familiares a buscarem uma solução alternativa ao conflito então criado. Com o objetivo de se desonerar das reivindicações trabalhistas, C passou a incentivar seus funcionários (especialmente os mais dedicados) a economizarem parte de seu salário e a investirem na compra de máquinas para executarem parte da produção de sua empresa entre familiares e, futuramente, construírem seu próprio negócio.5 Dessa estratégia surgiram muitos dos empresários de sucesso na região atualmente, bem como as empresas domiciliares e faccionistas.

Diante do crescimento exponencial da produção de sua empresa, agora reforçada pelo grupo de faccionistas e pelos novos empresários, uma nova estratégia empresarial fez-se necessária, qual seja, a expansão da forma de comercialização do produto. Para isso, o pioneiro C implantou em sua loja6, em 1989, o modelo de comercialização utilizando guias de compras e ônibus de excursão7 (turismo de compra), modelo copiado de algumas experiências em São Paulo e que foi incorporado também entre as empresas de seus familiares.

Mais tarde, com o intuito de fornecer maior conforto para o cliente e centralizar o comércio atacadista de Cianorte, o empresário C construiu, em 1991, um shopping atacadista de confecções de Cianorte (Shopping Nabhan), junto a sua grande loja, na Rua Paraíba e nas proximidades da PR-323, na rodovia de acesso à cidade. Motivados

4 Neste ano (1986) havia 30 empresas formais no ramo de atividade do têxtil/vestuário em Cianorte.5 Ressalte-se que os empresários entrevistados mencionaram o fato de que o pioneiro emprestava recursos, financiava

a compra de máquinas, tornando-se sócio de seus ex-funcionários. Mas esta ação não foi descrita pelo entrevistado.6 Nesta época a loja Cheina possuía cerca de 1.400 funcionários e ocupava um espaço físico onde atualmente

estão alocadas 42 lojas do Shopping Nabhan.7 Neste modelo de comercialização, os guias de compras organizam as excursões de clientes até a cidade para

compras no atacado e recebem uma comissão de 10% sobre o percentual das vendas por eles intermediadas.

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por essa iniciativa, outros quatro shopping centers foram construídos nesta localidade, concentrando o comércio atacadista de confecções neste local estratégico, situado na entrada da cidade.

A estratégia comercial promoveu uma intensificação do comércio atacadista em Cianorte, fato que levou à criação da primeira instituição formal do APL, voltada à normatização e controle do sistema de vendas local. Sob a liderança da família pioneira, fundaram, em 1989, a Associação das Indústrias de Confecções e do Vestuário de Cianorte (Asconvest), cujo primeiro presidente foi o empresário pioneiro W.

Como primeira grande ação, a recém-criada Asconvest, juntamente com o Sindicato das Indústrias do Vestuário (Sinvest) e o Poder Público Municipal, resolveu realizar, em 1990, um grande evento de marketing denominado Expovest (Feira de Exposição do Vestuário). Esta feira tinha como objetivo ampliar a divulgação do pólo, atrair mais guias e intensificar a comercialização dos produtos.

O crescimento exponencial da atividade industrial e comercial no município, durante a década de 1990, gerou um problema de escassez de mão-de-obra local. Para superar essa dificuldade, o pioneiro C, utilizando-se de sua habilidade empresarial, lançou mão de uma nova estratégia, a utilização de mão-de-obra das cidades vizinhas. Para isso, estruturou uma escola profissionalizante em Cianorte. Essa estratégia foi estendida a vários municípios vizinhos (Terra Boa, Tapejara, Japurá e Paranavaí), onde o empresário obteve o apoio das prefeituras locais, que doaram terrenos e barracões para a criação de centros de treinamento profissional. Esta iniciativa permitiu ao pioneiro C e a seus familiares consolidarem-se como lideranças empresariais na região de Cianorte.

A política de abertura do mercado iniciada no governo Collor e a implantação do Plano Real, em 19948, fizeram, no entanto, que o ramo de confecções de Cianorte vivenciasse uma grande crise financeira, que culminou na reestruturação do mercado de trabalho e numa reconfiguração do arranjo empresarial local. Muitos empresários que detinham posições consolidadas no arranjo foram afetados em decorrência desta crise. Foi o caso do pioneiro C, proprietário da maior empresa de confecções da cidade e do maior shopping atacadista do sul do País. Em 1994 a empresa Cheina, de sua propriedade, foi desativada e esta desativação causou um desemprego significativo na cidade, uma vez que esta era responsável por 67% do total de emprego do ramo de confecções do município.9

Esse contexto de crise provocou também a venda do Shopping Nabhan, em 1994, que deixou de pertencer a C. Neste momento, muitos empresários adquiriram as lojas das quais eram locatários neste shopping, e este, embora mantendo o nome

8 Em junho de 1994 foi implantado no Brasil o Plano Real, cujo objetivo principal foi a instituição de medidas para a estabilidade econômica. A valorização do real e a maior abertura da economia ao mercado externo aumentaram a competitividade dos produtos importados, fazendo com que as empresas nacionais se esforçassem para se adaptarem ao novo contexto concorrencial.

9 A empresa Cheina possuía 1.419 empregados e o total de trabalhadores formais do ramo do vestuário em Cianorte era de 2.111 trabalhadores, de acordo com os dados da RAIS.

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da família pioneira, passou a ser administrado por um grupo de empresários não pertencentes à família Nabhan. Reunidos por novas lideranças empresariais do arranjo, constituíram a Associação de Lojistas do Shopping Nabhan, formando um grupo de empresários diferenciados em relação aos demais, em função da maior autonomia representada pela condição de proprietários das lojas, não estando mais submetidos a um único empreendedor.

No que se refere às vendas por atacado, surgiu em 1994 a CUG (Central Única de Guias), uma associação administrada por lojistas do ramo do vestuário, cujo objetivo era centralizar o processo de comercialização e o gerenciamento do cadastro e do pagamento dos guias de compras dos cinco shopping centers. O empresário W, da família pioneira, assumiu a presidência da CUG, acumulando nesse momento, além desta, a presidência do Sinvest e da Asconvest, ou seja, de todas as instituições representativas do segmento de confecções da região.

A partir desse adensamento institucional, decorrente da criação de uma diversidade de instituições, a crescente aglomeração de empresas passou a se configurar como um possível APL, visto que todas estas entidades encontravam-se vinculadas e articuladas em torno de uma proposta de fortalecimento do ramo de confecções de Cianorte.

Pode-se identificar, nesta primeira fase do APL de Cianorte, uma estratégia de recombinação dos recursos produtivos presentes na região, notadamente dos recursos humanos que se faziam cada vez mais escassos em função do aumento da demanda de mão-de-obra. A resolução dos conflitos entre capital e trabalho, gerados por esta demanda por mão-de-obra, contou, por um lado, com a participação do poder público de vários municípios interessados em dar visibilidade a políticas de geração de emprego e renda, por meio de programas de qualificação de trabalhadores. Por outro lado, a transformação de alguns trabalhadores em empresários permitiu a criação de uma rede de fornecedores terceirizados, o que levou à diversificação do tecido empresarial local.

O caráter pioneiro da família Nabhan revela-se, portanto, não apenas na iniciativa de investimentos no ramo de confecções, mas também na forma de gerenciamento dos conflitos entre capital e trabalho. Ao criar o Sindicato Patronal, a família Nabhan foi capaz de atenuar os conflitos com os trabalhadores, transformando muitos de seus integrantes em empresários, estabelecendo fortes vínculos com estes atores. Ao mesmo tempo conseguiu ser reconhecida como “porta-voz” dos empresários e do poder público municipal, além de parte da classe operária. Revela-se aqui, portanto, um “centro de tradução” por meio do qual o agente proponente é capaz de tecer uma rede de atores heterogêneos que são articulados no sentido de reforçar o poder econômico e político da família pioneira junto à comunidade empresarial local. Assumindo a direção das instituições locais de apoio à atividade, a família pioneira criou deste modo os canais necessários para o desenvolvimento de suas estratégias de tradução, constituindo-se, durante todo o período analisado, como um ponto de passagem obrigatório no APL.

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2.2 A REESTRUTURAÇãO DO ARRANjO

Apesar da falência da maior empresa do ramo e do enfraquecimento de C, a família pioneira continuou representada na rede, uma vez que houve o surgimento de novas lideranças empresariais no ramo do vestuário, muitas delas provenientes da terceira geração de empresários desta família.

O empresário pioneiro W administrou a CUG até o ano de 1998, quando então transferiu a função para uma nova liderança empresarial do município, o empresário P. Entretanto, o modelo de comercialização padrão utilizado desde o início da atividade no município (por meio de guias de compras) e a eficiência da CUG começaram a ser duramente criticados pelos lojistas do Shopping Nabhan, a partir de 1999. O argumento para tal crítica estava respaldado no fechamento de muitas lojas dos shopping centers e na diminuição do movimento de clientes, resultante da insatisfação dos guias de compras, que alegavam não receber suas respectivas comissões, e dos calotes recebidos pelos lojistas. Nesse momento, os empresários recém-organizados da Associação do Shopping Nabhan articularam-se e argumentaram, junto aos dirigentes dos demais shopping centers atacadistas da cidade, sobre a necessidade de reestruturação do sistema de prestação de contas utilizado pela CUG.

Em conseqüência dessa administração questionável e diante do fechamento de muitos estabelecimentos, do esvaziamento de muitos shopping centers e da ameaça de falência do processo de comercialização existente há 10 anos, surgiram novas lideranças empresariais, constituídas pelos lojistas do Shopping Nabhan. Estes, já com a ausência do empresário pioneiro W, modernizaram o sistema de vendas do arranjo, passando a atuar como porta-vozes dos interesses dos lojistas e dos empresários locais do ramo de confecções de Cianorte. A consolidação dessas lideranças deu-se com a declaração de falência do pioneiro C, o que levou à venda do shopping aos lojistas ali instalados.

A alternativa encontrada para superar uma crise institucional de credibilidade do comércio local foi a criação de uma organização que centralizasse o recebimento dos lojistas e o pagamento dos guias de vendas, mediante o uso de métodos mais eficientes e transparentes, e, especialmente, que fosse administrada por uma nova equipe que trabalhasse exclusivamente nesta atividade. As novas lideranças fundaram, nesse momento, a Asamoda (Associação dos Shoppings Atacadistas de Moda de Cianorte), à qual cabia o gerenciamento das vendas das lojas dos cinco shopping centers atacadistas a ela associados. Contando com uma equipe administrativa experiente, um grupo de lojistas do Shopping Nabhan assumiu a direção da Asamoda, sendo que uma das primeiras ações da Associação foi a implantação de um modelo informatizado10 de controle das vendas realizadas pelos lojistas associados.

Apesar da profissionalização dos dirigentes da Asamoda, surgiu um novo conflito interno, desta vez entre a gerente administrativa da Asamoda (advogada V) e os lojistas do Shopping Nabhan. Esta advogada, embora reconhecida pelos lojistas

10 Este modelo de controle informatizado representou um investimento de cerca de R$ 600 mil, custo este que foi rateado entre os empresários do APL.

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como competente, provocou uma série de conflitos entre os empresários associados, decorrente, sobretudo, de sua postura autoritária e discriminadora contra os pequenos comerciantes locais. Alegando inexperiência para contornar estas desavenças, os lojistas do Shopping Nabhan convidaram o empresário pioneiro W a assumir o segundo mandato da direção da Associação, em virtude de sua experiência em face de outras entidades organizacionais representativas do ramo de confecções (Asconvest e Sinvest). Neste momento, o pioneiro W retornou à sua posição de liderança e se consolidou como figura política representativa e porta-voz dos empresários do ramo de confecções, à frente da presidência da Asamoda e do Sinvest, as duas instituições mais importantes ligadas ao ramo do vestuário na região.

Os resultados dessa gestão, no entanto, começaram a ser duramente criticados pelas lideranças do Shopping Nabhan. A gestão da Asamoda, presidida pelo pioneiro W, teria criado uma série de estímulos para a abertura de lojas ao longo da Rua Paraíba, local onde os Shoppings Atacadistas estão localizados em Cianorte, formalizando a existência de outro shopping na cidade, a “Rua da Moda”, um shopping a céu aberto.

O que se observou na gestão de W foi uma política de concessão arbitrária de incentivos para a abertura de lojas no espaço comercial da cidade, refletindo-se na ampliação da concorrência local. Tal ação consolidou os conflitos locais, visto que os lojistas do Shopping Nabhan utilizavam-se do argumento de que a diretoria da Asamoda estava atendendo aos interesses de parentes e amigos, ao estimular a abertura de lojas na então batizada Rua da Moda.

Historicamente, o Shopping Nabhan foi responsável por cerca de 30 a 40% do total das vendas atacadistas de confecções da cidade e, com o ingresso das lojas da Rua da Moda, a disputa pela maior fatia do mercado atacadista local estabelecia-se entre estas duas Associações. Motivada especialmente por esta disputa, além dos recorrentes conflitos entre as diretorias da Asamoda e do Shopping Nabhan, gerou-se uma crise entre os membros das duas Associações. Esses conflitos acabaram levando à saída deste shopping da Asamoda.

Essa desvinculação do Shopping Nabhan da Asamoda explicitou uma mudança na posição dos atores da rede em relação ao conflito, quando então se definiram três grupos de lideranças: os aliados da Asamoda e da Rua da Moda, que representavam os interesses dos empresários da família pioneira e de seus sucessores; as lideranças do Shopping Nabhan, que, respaldados pela autonomia de gestão do shopping, pretendiam manter sua hegemonia; e um grupo de empresários “independentes”, liderados pelo empresário P, que não se posicionaram diante do conflito e que viram ruir a estratégia de articulação empresarial na comercialização construída há mais de uma década.

Com a criação da Asamoda, o ramo de confecções de Cianorte teve um crescimento de 67% no número de empresas.11 Embora o modelo de comercialização

11 Em 2000 havia 289 empresas formais no APL de Cianorte, e em 2003 este número chegou a 420..

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estivesse se refletindo em bons resultados para o ramo, sobretudo nos aspectos ligados à qualificação de mão-de-obra e de capital de giro, os empresários do ramo estavam sofrendo muitas dificuldades para equacioná-los.

Além do problema da escassez de mão-de-obra local havia a dificuldade de contratação de mão-de-obra qualificada para as funções exigidas na execução do processo produtivo do ramo de confecções, uma vez que os egressos dos cursos de treinamento oferecidos pelo Senai não saíam aptos a desenvolver e acompanhar o ritmo de trabalho dos demais, gerando um descompasso no processo produtivo das empresas. Para dar conta deste descompasso, o empresário pioneiro W, como presidente do Sinvest e da Asamoda e porta-voz dos grandes empresários, negociou, em 2001, com a diretoria do Senai, a formatação de um programa de treinamento para o ramo do vestuário de Cianorte que levasse em conta os pontos de estrangulamento relatados acima.12 Para isso, desenvolveram um projeto conjunto denominado “Escola Fábrica”, que representou uma mudança na concepção dos cursos do Senai na área de confecções. A proposta deste projeto seria a qualificação formal do trabalhador, adicionando-se a isto uma etapa prática, como forma de adaptá-lo ao ritmo de empresa, para a qual o empresariado local contribuiria mediante a cessão de insumos de tecidos e aviamentos (MALDONADO, 2005).

Além do alto custo da mão-de-obra, havia também a dificuldade de compra de matéria-prima13, que constituía mais um problema para o empresariado local, gerando escassez de capital de giro, especialmente entre as micro e pequenas empresas. Em razão disso, houve uma proliferação de instituições financeiras no município, que se instalaram na região em função da oportunidade de bons negócios. Muitos empresários recorreram a essas instituições para resolver o problema financeiro de suas empresas, endividando-se em condições contratuais bastante desfavoráveis junto às agências de intermediação financeira locais.14

Nesse momento, a maior liderança do ramo de confecções de Cianorte, o pioneiro W, então presidindo as duas entidades mais representativas do ramo (Asamoda e Sinvest), envolveu-se na negociação de um projeto estruturante para o APL. Liderou um grupo de empresários numa negociação junto ao Sicoob de Maringá para a implantação de uma cooperativa de crédito (filial) em Cianorte. Dessa negociação surgiu mais um ator na rede do APL, o Sicoob (Sistema de Cooperativa Bancária), criado em 2003, como uma agência filiada à central Sicoob de Maringá, que viria para atender aos interesses imediatos dos micro e dos pequenos empresários, aqueles mais atingidos pela falta de capital de giro no APL e os mais endividados com agentes financeiros do município.

12 Neste mesmo período foram implantados dois cursos específicos (de nível superior) em Cianorte, visando ao aperfeiçoamento da mão-de-obra local, um deles na Universidade Estadual de Maringá (UEM) e outro na Universidade Paranaense (Unipar).

13 A este respeito, Campos (2004) ressaltou a necessidade de uma melhor articulação dos empresários locais para a compra conjunta de matéria-prima, como alternativa para aumentar o poder de barganha junto aos fornecedores.

14 Segundo informações obtidas na pesquisa, os juros cobrados por estes agentes giram em torno de 6% ao mês.

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2.2.1 A Renovação da Liderança Empresarial

Nesta fase do arranjo revela-se uma mudança nas relações de poder na rede, uma vez que despontou um novo grupo de lideranças apto a representar os interesses dos empresários do ramo de confecções de Cianorte. Atuando, mesmo que momentaneamente, como porta-voz dos empresários, os lojistas do Shopping Nabhan destacaram-se como uma nova força empresarial do APL, enriquecendo a configuração da estrutura de liderança existente na primeira fase do arranjo, que era composto integralmente pelos empresários pioneiros, seus familiares e seguidores.

As condições diferenciadas de autonomia das empresas situadas na Rua da Moda e no Shopping Nabhan, além da dinamização e da ampliação da atividade no município, induziram ao início de um processo de intensas disputas de concorrência entre as empresas locais. Estas disputas comprometeram o sistema de cooperação comercial pleiteado desde o início da atividade no município, propagando-se, por este motivo, uma série de conflitos de interesse, dificultando o controle, a acomodação e a coordenação desses interesses.

Ressalte-se que, na primeira fase do arranjo, a família pioneira gerenciou os conflitos de capital/trabalho ao criar o Sinvest, que permitiu a acomodação e atenuação destes conflitos. Nesta segunda fase do arranjo, esses conflitos deixaram de ser o foco central da governança, que se deslocou para a administração do conflito capital financeiro/capital produtivo, cuja resolução ocorreu por meio da criação do Sicoob, que se manteve nas mãos da família. Com o surgimento e a diversificação dos atores financeiros ampliou-se a rede de atores, tornando-se mais complexa a estrutura de governança, liderada pela família pioneira.

Embora tenha havido, nesta fase, o surgimento de novas lideranças e a explicitação de conflitos na rede do APL de confecções de Cianorte, a família pioneira manteve-se como um “centro de tradução” do arranjo, ou seja, como um pólo capaz de representar e coordenar os diferentes interesses em jogo. Ao se estabelecer como “porta-voz” dos empresários nas duas mais importantes instituições do ramo de confecções da cidade, a família Nabhan revelou sua capacidade de adaptação às mudanças do arranjo e, portanto, a capacidade de tradução dos interesses cada vez mais diversos dos novos atores que surgiram no APL.

2.3 A INSERÇãO DO AGENTE ExTERNO NO ARRANjO

A principal figura política do município continuava sendo o empresário pioneiro W, que, além de estar à frente de entidades locais (da Asamoda e do Sinvest), mantinha uma forte representatividade na Federação das Indústrias do Paraná (FIEP), na qual assumia, na época, o cargo de coordenador regional. Em função desta interface, em março de 2003 o governador do Estado e o presidente da FIEP visitaram a Expovest, e, conhecendo o ramo de confecções de Cianorte, ficaram impressionados com seu estágio de desenvolvimento, o que foi determinante para a futura escolha deste município como um importante APL do Estado (RISSETE, 2005).

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Nesse mesmo período, ocorreu uma reunião entre o ex-presidente do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) Carlos Lessa e dirigentes do governo estadual e da FIEP (Federação das Indústrias do Estado do Paraná). O BNDES estava então elegendo aglomerados industriais consolidados no Brasil para desenvolver ações de intervenção e fomento ao desenvolvimento econômico em níveis local e regional, e incentivou o Governo do Estado do Paraná a identificar possíveis arranjos produtivos no Estado. Embora ações similares já tivessem sido orquestradas em governos anteriores com programas como DLIS (Desenvolvimento Local Integrado e Sustentável) e Proger (Programa de Geração de Emprego e Renda), e também junto a projetos de pesquisa nacionais, a exemplo da Redesist15, o governo federal estabeleceu um tratamento diferenciado ao lançar o Programa Nacional de apoio aos recém-batizados Arranjos Produtivos Locais (APLs). Houve, assim, a formalização de um Grupo de Trabalho Permanente (GTP-APL), em nível nacional, tendo como objetivo integrar ações de órgãos governamentais e de outras agências para sua promoção, por meio da integração de ações federais, estaduais e locais na promoção de pequenos empreendimentos em Arranjos Produtivos Locais.

Essa motivação gerada pelo BNDES alavancou um processo de intervenção no aglomerado de Cianorte, que havia sido considerado recentemente um “APL emblemático” em pesquisa concluída pelo IPARDES, em 2004. A FIEP, representada pelo IEL (Instituto Euvaldo Lodi), mobilizou por sua vez vários órgãos do governo e empresas privadas para participarem inicialmente da execução do Planejamento Compartilhado do APL, organizando um seminário em Cianorte para a realização desta ação. Para a sua execução, o IEL mobilizou os parceiros fundamentais na implementação do projeto, convidando representantes de vários órgãos do governo estadual e outras entidades parapúblicas (SEPL, SEIM, Tecpar, BRDE e IBQP) para participarem do Planejamento Compartilhado, juntamente aos 60 empresários do ramo de confecções mobilizados pela Asamoda, além de representantes de instituições locais de apoio a atividades do município de Cianorte.

Para tanto, aplicou uma metodologia denominada “Investigação Apreciativa”, que foca, como pressuposto teórico, a transformação das organizações por meio da descoberta e da valorização do potencial das relações humanas, visando à mudança a partir das perspectivas e das expectativas dos atores. O Planejamento centra-se na sondagem dos aspectos positivos de determinada organização e que podem tornar-se realidade.16

15 Vários desses estudos estão inscritos no “Projeto Proposição de Políticas para a Promoção de Sistemas Produtivos Locais de Micro, Pequenas e Médias Empresas (MPMEs)”, coordenado pela Rede de Sistemas Produtivos e Inovativos Locais (Redesist). A Redesist é “uma rede de pesquisa interdisciplinar, formalizada desde 1997, sediada no Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro e que conta com a participação de várias universidades e institutos de pesquisa no Brasil, além de manter parcerias com outras instituições da América Latina, Europa e Ásia”. (REDESIST, 2005).

16 Neste aspecto a abordagem da “Investigação Apreciativa” difere das abordagens convencionais de Planejamento Estratégico, nas quais parte-se de uma situação problema para o apontamento das possíveis soluções. Esta abordagem fundamenta-se no desenvolvimento do ciclo “4-Ds”: Discovery (descoberta); Destiny (destino); Dream (sonho); e Design (planejamento).

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Com a participação assídua de 60 empresários, juntamente com os parceiros e representantes de organizações locais, este trabalho resultou num Plano de Ação composto de 13 projetos estruturantes para o APL, ou seja, numa série de ações que deveriam ser desenvolvidas para o fortalecimento do arranjo, e para as quais o apoio dos parceiros externos e das instituições locais seria fundamental. Resultaram as seguintes ações:

1. Estabelecimento de Governança Local 2. Central de CRM (Customer Relationship Management) 3. Plano Diretor de Marketing 4. Projeto de Exportação 5. Centro Tecnológico de Moda 6. Bureaux de Estilo 7. Escola Fábrica 8. Fortalecimento da Cooperativa de Crédito 9. Central de Compras10. Adensamento da Cadeia Produtiva11. Projeto de Competitividade Empresarial12. Capacitação em Gestão Empresarial13. Desenvolvimento Urbano

A partir desse planejamento, a próxima ação concreta dos parceiros, liderados pela SEPL, IEL e Sebrae, foi a constituição de um Comitê Gestor do APL, cuja função seria servir de interlocutor junto ao agente externo.

A reunião para a avaliação da necessidade de organização de um Comitê Gestor no APL de Cianorte aconteceu no dia 30 de setembro de 2004. Para a coordenação da reunião estavam presentes o Diretor-Geral da SEPL e sua equipe técnica, o Superintendente Estadual do Sebrae, uma técnica representante da Diretora-Executiva do IEL e o presidente da Asamoda e do Sinvest, o empresário pioneiro W.

Na platéia, era visivelmente marcante a superioridade numérica dos técnicos representantes de várias instituições públicas e parapúblicas do Estado (BRDE, UEM, Ipardes, Sebrae, Senai e outras) em relação ao empresariado local.17 A ausência dos empresários cianortenses causou estranheza a todos e foi a tônica nos discursos de abertura do evento por parte dos parceiros externos (SEPL, Sebrae e IEL). À primeira vista, este fato revelava uma desarticulação dos empresários locais ou um “boicote” ao Projeto APL. Percebia-se, nitidamente, uma insatisfação no discurso dos parceiros, os quais, indignados com a ausência do empresariado, utilizavam fortemente o argumento que denotava a necessidade do protagonismo dos empresários na empreitada em prol do desenvolvimento do APL de Cianorte e de um maior envolvimento do empresariado local.

O porta-voz dos empresários locais, o empresário pioneiro W, foi instigado a explicar a situação, mas argumentou que devia ter havido algum equívoco com relação

17 Havia na reunião aproximadamente 100 participantes e, destes, mais de 70% representavam as instituições parceiras do Estado.

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a datas, ou o esquecimento por parte dos empresários, visto que todos estavam muito bem informados a respeito da importância do evento, desde o início do processo, em abril de 2004. Esta reunião marcou uma etapa importante, na medida em que exigiu uma reavaliação das posturas tanto do agente externo (parceiros) como dos empre sários locais. Os parceiros ressentiram-se de que a ausência dos empresários à reunião teria sido um reflexo da expectativa frustrada que haviam criado ao abordá-los na ação do APL. Ressalte-se que se passaram seis meses após as proposições de ações para o APL de Cianorte, elaboradas no Planejamento Compartilhado, e nenhuma delas havia sido executada ou viabilizada pelo poder público estadual ou pelo poder federal. E as linhas de financiamento propostas pelo BNDES (mencionadas anteriormente) também não haviam atendido às expectativas dos empresários cianortenses. Deste modo, houve um entendimento por parte dos parceiros externos de que a grande maioria do empresariado que havia participado no início do processo, em abril de 2004, tinha expectativas de curto prazo e almejava, principalmente, a viabilização de recursos financeiros e, portanto, a conquista de benefícios individuais. Expectativa esta, dentre tantas outras geradas, que não havia sido efetivada pelo agente externo ao longo de seis meses, desestimulando-os a participar da segunda etapa do processo, que seria a construção da Governança Local e do Projeto APL.

Ainda sob a ótica dos parceiros externos, o IEL, enquanto entidade precursora na implementação do Projeto APL, teria avançado mais rapidamente que os outros agentes externos, em função da maior “desburocratização” e flexibilidade financeira deste órgão. Assim, os parceiros não desenvolveram um plano de ação para uma atuação conjunta no APL de Cianorte e se limitaram a seguir os caminhos trilhados pelo IEL ao executar a primeira ação no arranjo. Deste modo, o que ocorreu foi um descompasso entre os objetivos do projeto e as ações de implementação do mesmo, na medida em que o IEL levantou as expectativas e as demandas para o fortalecimento e potencialização do arranjo, sem, no entanto, existir um plano de ação coletivo para o atendimento destas demandas. Assim, as instituições públicas não conseguiram concretizar as ações com o imediatismo esperado pelos empresários de Cianorte, gerando um descrédito com relação à ação conjunta proposta para o arranjo.

Por conta disso, houve um desgaste nas relações de ambas as partes. De um lado, os empresários, com suas expectativas insatisfeitas, em função da morosidade na execução das demandas feitas para os parceiros e, de outro, a frustração do(s) agente(s) externo(s), diante da incapacidade política e organizacional de realização das ações previstas no Planejamento Compartilhado realizado pelo IEL. Após essa reunião, os parceiros externos afastaram-se do APL de Cianorte, deixando que as entidades locais assumissem a condução do processo. Apesar de não manter um escritório regional local em Cianorte,18 o Sebrae disponibilizou um consultor para trabalhar exclusivamente no desenvolvimento do APL de

18 Até o ano de 2003 o Sebrae ocupava uma sala na Associação Comercial de Cianorte, onde mantinha uma secretária para organizar a execução dos cursos ministrados pela entidade. Ressalte-se, ainda, que esta profissional era remunerada pela Associação Comercial local.

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Cianorte, a partir de outubro de 2004. Esta entidade já vinha desenvolvendo uma série de ações em outros arranjos produtivos no Brasil e no Paraná.19

Nas inúmeras reuniões agendadas para a realização do Projeto APL Cianorte, o Sebrae observou certa falta de conhecimento, por parte do grupo de empresários participantes, a respeito do significado de APL, bem como de conhecimento teórico sobre o assunto, além da resistência de muitos deles diante da “teorização” exigida para o entendimento do projeto. Explicitou-se, neste momento, a dificuldade de relacionamento entre dois atores da rede, pelos perfis diferenciados: o Sebrae, responsável pela aplicação de um modelo teórico; e os empresários, habituados com a resolução de problemas de curto prazo e, portanto, imediatistas e indispostos a investir muito tempo em planejamento. Entretanto, depois de algumas reuniões, com divisões de tarefas e definição de grupos de trabalho, sob a coordenação do Sebrae e com o apoio do Senai, os empresários locais formaram um Comitê Gestor (a governança do APL) em dezembro de 2004, constituído por 30 empresários e 16 instituições de apoio. Este comitê foi formado por quatro Câmaras Setoriais20, que seriam as responsáveis pela elaboração e execução de ações para o desenvolvimento do Projeto APL de Cianorte.

Esse grupo não representava, entretanto, a totalidade do empresariado local, nem quantitativa nem qualitativamente. Embora estivesse prevista como prioridade nas linhas gerais de ação do Sebrae a focalização no apoio às micro e pequenas empresas, o grupo de empresários com os quais tem se desenvolvido o projeto APL em Cianorte compõe-se de fortes lideranças de grandes empresas da região. Contudo, empresários e técnicos do Sebrae e do Senai trabalharam ao longo de cinco meses para formatar o Projeto APL de Cianorte, seguindo a metodologia proposta pelo Sebrae de modo a objetivar as ações do APL por meio do estabelecimento de metas, prazos e resultados esperados para a execução das linhas de ação propostas para o arranjo. Com esta etapa de trabalho concluída, em março de 2005 ocorreu a solenidade de lançamento do Projeto de Ações do APL do Vestuário de Cianorte, marcado pela assinatura de Termo de Compromisso por parte da Prefeitura Municipal, do Sinvest, da Asconvest, da SEPL e do Sebrae, formalizando, nesta ocasião, a rede de parceiros locais.

A partir da experiência intervencionista do agente externo em Cianorte, a SEPL passou a liderar a iniciativa de uma mobilização mais estruturada entre os parceiros externos (entidades públicas e parapúblicas do Estado), buscando a formalização dos papéis e das atribuições de cada parceiro na rede para a constituição da Rede APL Paraná. O objetivo desta rede seria o de garantir intervenções mais coordenadas e organizadas em outros APLs do Estado, por meio da organização da oferta de ações e de serviços que as entidades integrantes da rede poderiam disponibilizar àqueles arranjos nos quais

19 Os arranjos nos quais o Sebrae vem desenvolvendo ações mais efetivas no Paraná são: bonés (Apucarana), madeira (União da Vitória), confecções moda bebê (Terra Roxa), vestuário (Cianorte) e mel (Noroeste do Paraná) (SEBRAE, 2005a).

20 As Câmaras Setoriais do APL de Cianorte são: 1) Relações Institucionais, 2) Câmara de Mercado, 3) Capacitação, Tecnologia e Educação e 4) Câmara de Crédito.

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as demandas haviam sido investigadas. Assim, sob a liderança da SEPL, os parceiros externos passaram a se reunir periodicamente a fim de estabelecerem legalmente uma rede de instituições para viabilizar a realização das ações a serem desenvolvidas nos APLs identificados no Paraná. Esta rede de instituições públicas e parapúblicas seria criada e consolidada com o objetivo de estabelecer um esforço conjunto no sentido de se organizar a oferta de ações de políticas públicas passíveis de serem executadas nos APLs estudados no Estado. Sob a coordenação geral da SEPL, criou-se, em março de 2005, a Rede Paranaense de Apoio aos Arranjos Produtivos Locais (Rede APL Paraná) a partir de um Termo de Cooperação Geral, assinado por vários Secretários de Estado e dirigentes de órgãos estaduais (SEPL, SETI, SEIM, Ipardes, Tecpar), Agência de Fomento do Estado (AFPR), BRDE, além dos órgãos do sistema FIEP e Sebrae, consolidando-se formalmente a rede institucional de apoio aos APLs no Paraná.

2.3.1 Os Efeitos da Inserção do Agente Externo no APL

Esta última fase da constituição da rede que compõe o APL de Cianorte remete a uma análise das estratégias adotadas pelo agente externo, no sentido de se inserir no município de Cianorte visando promover a consolidação do ramo de confecções e o seu reconhecimento como um importante APL em nível nacional.

O descompasso existente entre os objetivos do Projeto APL e as ações adotadas para viabilizar tais objetivos pode ser entendido como resultado de três equívocos fundamentais nas estratégias adotadas pelo IEL. O primeiro equívoco está ligado a uma indefinição dos papéis, ou funções, de cada um dos agentes externos na busca pela implementação e execução de programas de fomento ao desenvolvimento local. Essa indefinição de funções repercutiu numa falta de clareza sobre os caminhos e as metas a serem cumpridas pelos respectivos parceiros. Dentro dessa desarticulação interinstitucional, as entidades alistadas atuaram de forma autônoma e individualizada, sem um plano de ação coordenado que permitisse estabelecer um novo centro de tradução, capaz de garantir uma estrutura de governança mais cooperativa entre o empresariado local e suas respectivas instituições de apoio. O segundo equívoco diz respeito à metodologia adotada para o planejamento estratégico do Projeto APL. Observa-se que, ao trabalhar com as perspectivas dos empresários locais como condução metodológica inicial, o agente externo criou expectativas nos empresários (de possibilidades de financiamento) para as quais não apresentou uma proposta clara e viável de concretização em curto prazo, causando, assim, o descrédito desse projeto intervencionista.

E, finalmente, ao privilegiar e referendar a participação dos grandes empresários locais, o agente externo assumiu uma posição contraditória, uma vez que sua intervenção tinha como objetivo prioritário o apoio ao conjunto dos produtores e comerciantes locais, que são, em sua grande maioria, proprietários de empresas de micro e de pequeno porte. Porém, diante da ausência destes atores no processo de elaboração do Projeto APL, os agentes públicos não estabeleceram nenhuma estratégia para inseri-los no projeto, o que levou à consolidação do papel hegemônico dos grandes empresários.

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Isto revela a incapacidade de identificação, por parte do agente externo, da diversidade de interesses presentes no arranjo e, conseqüentemente, sua incapacidade de se transformar num porta-voz que pudesse traduzir os interesses, no sentido de interpretar e orientar as ações dos atores em torno de um projeto comum. Deste modo, mais uma vez a família pioneira manteve-se como centro de tradução no arranjo, agora fortalecida, reconhecida e validada pela ação do agente externo em Cianorte.

CONCLUSÕES

O fenômeno das aglomerações produtivas tem sido bastante estudado no meio acadêmico, a partir das experiências dos distritos industriais italianos, e também tem sido alvo de ações estratégias de políticas públicas, enquanto instrumento passível para o fomento do desenvolvimento local. O processo de construção do “fato científico” APL é inicialmente corroborado por um conjunto de inscrições literárias, textos e seminários especializados, que o conduzem a uma segunda fase: a da legitimação enquanto política pública. Ocorre, portanto, que o fato construído e maquinado a partir de uma rede de atores específica (academia) é estendido a uma rede mais ampla (gestão pública) na qual muitos desses acadêmicos participam. No entanto, se a maquinação no interior da rede de gestão pública parece, num primeiro momento, mais eficaz, ao estabelecer um convencimento (interessment) mais generalizado entre os atores, ela se revela, num segundo momento, bem menos eficaz no convencimento dos atores da rede privada.

No estudo de caso deste trabalho, observou-se que essa dificuldade pode se dar em função de inúmeros fatores, que contribuíram para um distanciamento entre os interesses dos atores pertencentes às esferas pública e privada. Dentre elas destaca-se o conflito de interesses e de visões entre os agentes integrantes da sub-rede de gestão pública, visto que não conseguiram construir uma unidade estratégica de planejamento capaz de orientar a efetividade das ações.

Verifica-se, além disso, uma ineficácia da metodologia empregada pelo agente externo ou de estratégias de tradução para a validação e a incorporação de seu projeto pelos demais atores da rede. Ou seja, o poder público mostrou-se ineficaz no desenvolvimento das estratégias de problematização, interessment, enrollment e estabilização da rede, não conseguindo envolver, convencer e controlar o comportamento dos atores locais ao desenvolver o seu projeto intervencionista, por não conhecer a realidade e as relações de interesse e de conflito interno do arranjo, e por não adotar uma estratégia de ação bem orientada. Estratégia esta que foi amplamente utilizada pela família pioneira ao longo da trajetória histórica de formação do APL de confecções de Cianorte.

A eficácia da liderança desta família revelou-se principalmente em função da credibilidade e da habilidade que adquiriu ao construir estratégias diferenciadas, segundo o contexto socioeconômico em que atuou e interpretou, demonstrando sua

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capacidade de adaptação diante das mudanças de rumo e da inserção de novos atores na rede. Por outro lado, ficou evidente o desconhecimento, por parte do agente externo, da realidade em que pretendia interferir, enquanto poder público, ao utilizar uma metodologia de ação pouco clara e exógena às práticas adotadas pelos atores e instituições que configuram o aglomerado local.

Embora imerso em um ambiente complexo, especialmente pelas relações de trabalho informais e pelos fortes laços familiares, este trabalho permitiu, ao buscar “seguir os atores”, a identificação de uma governança peculiar no APL de Confecções de Cianorte. Afinal, pode-se dizer que a governança mais efetiva estabelecida neste Arranjo é de cunho privado e, mais precisamente, aquela exercida pela pioneira família Nabhan, à medida que ela foi capaz de se manter, ao longo do tempo, no centro do processo de tomada de decisões. Esta posição de liderança revela-se justamente na sua capacidade de traduzir os interesses dos principais atores participantes da rede local, ao conservar-se no centro de poder na estrutura de governança do Arranjo, mesmo diante da intervenção do agente externo. Este acabou, em última instância, tornando-se mais uma peça, ou nó, da rede, a ser traduzido e incorporado nas práticas de exercício de poder local adotadas pela família pioneira.

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*Este artigo resume os principais elementos de discussão da dissertação de mestrado “Paraná: Desenvolvimento e Transportes”, defendida em 2005 no Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Econômico – Mestrado Profissionalizante, do Departamento de Economia da Universidade Federal do Paraná (UFPR).

** Economista, mestre em Desenvolvimento Econômico pela Universidade Federal do Paraná (UFPR). E-mail: [email protected]

*** Economista, doutor em Desenvolvimento Econômico pela Universidade de Londres, Reino Unido. Professor Associado do Departamento de Economia da UFPR. E-mail: [email protected]

Resumo

No Paraná, ao longo de sua formação econômica, houve grande envolvimento do Estado na expansão das atividades de transportes principalmente através de investimentos voltados à construção de infra-estrutura de estradas, ferrovias e portos. Levando em conta esse contexto, o presente artigo analisa o papel do Estado como elemento central neste processo em que o desenvolvimento econômico e social e os investimentos em infra-estrutura de transportes rodoviários evoluíram conjuntamente e desempenharam um papel central na construção e configuração da estrutura atual da economia paranaense. Na evolução dos investimentos em infra-estrutura de transportes pelo menos três grandes fases são diagnosticadas no período. Uma primeira fase, em que o desenvolvimento agropecuário era prioritário e cabia à infra-estrutura de estradas dar-lhe suporte; uma segunda fase, em que o desenvolvimento industrial e a integração dos mercados eram os elementos centrais; e um terceiro momento, quando os investimentos no

abstRact

In Paraná, historicaly the state has had great envolvement in the buiding and expansion of the infrastructure of transport mainly by the investments in the construction of roads, railway and ports. With this context in mind this article analyse the role of the state with the main element in this process where economic development and investiments in infrastructure of roads evolve together and had a central role in the process of building the actual structure of the local economy. It is possible to divide the infrastructure investiment in the period at least in tree fases. The fist when the development of agriculture was the priority, the second where industrial development and market integratin was the main priority and the third where the investiments in the sector where made mainly by private capital. By looking at the Paraná’s economic formation, there was large involvement of the state in construction and expansion of transport activities mainly through investments aimed at building the infrastructure of roads, railways and ports. Within this context, this paper analyses the

INVESTIMENTOS EM TraNSpOrTES, dESENVOlVIMENTO E O papEl dO ESTadO

Na ECONOMIa paraNaENSE Na SEguNda METadE dO SéCulO xx*

Cilos Roberto Vargas**Fabio Doria Scatolin***

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Investimentos em Transportes, Desenvolvimento e o Papel do Estado...

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setor de transportes deveriam ser mobilizados prioritariamente pela iniciativa privada.

palavras-chave: desenvolvimento e infra-estrutura de transportes; desenvolvimento do Paraná.

role of the state as a crucial element in this process where the economic and social development and investment in infrastructure for road transport have evolved together and played a central role in building and shaping the current structure of the Paraná’s economy. Taking into consideration the investments made in transport infrastructure, it is possible to identify three major stages: the first one in which the agricultural development was the main priority, having the road infrastructure a supporting role; the second stage in which industrial development and market integration were central elements; and the third one in which investments in transport infrastructure were made mainly by the private sector.

Keywords: development and transport infrastructure; economic development of Paraná.

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INTrOduçãOO entendimento da relação entre desenvolvimento econômico e investimentos

em infra-estrutura de transporte na literatura especializada tem sido bastante complexo. Ora os autores consideram que o desenvolvimento alavanca os investimentos em infra-estrutura de uma região, ora são os investimentos em infra-estrutura de transportes que são considerados elementos chaves para o desenvolvimento. As diferentes linhas do pensamento econômico compreendem a importância dessas variáveis para o crescimento e mudança estrutural de uma determinada região. Autores canadenses vinculados à Staple Theory, como Watkins (1963), em meados dos anos 1960, enfatizavam a especificidade das commoditties e a importância dos transportes para o escoamento dos produtos exportáveis e seus encadeamentos com a estrutura produtiva do país. A demanda externa agia como elemento indutor do processo de desenvolvimento. Estes encadeamentos “para frente” originados do trigo (staple) através das ferrovias eram elementos importantes na explicação do crescimento e da mudança estrutural do Canadá ocorrida ao final do século XIX e início do século XX. Hirschman (1977), ao desenvolver seus encadeamentos generalizados, destacou a importância dos transportes para o desenvolvimento dos países da América Latina. No caso específico do Brasil, Suzigan (1985) ressaltou as complementaridades entre o crescimento da cafeicultura paulista, o avanço dos investimentos em infra-estrutura de transportes e a industrialização paulista no começo do século XX.

No entanto, não há um consenso na literatura sobre a relação causal entre essas variáveis, isto é, sobre qual é o principal elemento precursor desse processo. É fato que o crescimento econômico e, por conseqüência, o desenvolvimento de uma região requerem disponibilidade de infra-estrutura para suportar as atividades econômicas. Por outro lado, o processo de desenvolvimento regional gera a necessidade de investimentos em infra-estrutura para a continuidade do processo. Independentemente dessa relação causal entre as variáveis, a realidade é que estas se retroalimentam, a bicausalidade provavelmente existe, e as políticas públicas estão no centro dessa relação, na medida em que os investimentos em infra-estrutura são realizados prioritariamente pelo Estado. Na verdade, essas políticas públicas são o elo entre o desenvolvimento e os investimentos em infra-estrutura de transporte. Políticas públicas que geram externalidades positivas para a sociedade e que, pelas especificidades deste tipo de investimento (bens rivais, não excludentes), podem ser consideradas como bens públicos e exigem uma ação preponderante do Estado, seja no investimento direto, seja na regulação da atividade ou mesmo na concessão pública.

No Paraná, ao longo de sua formação econômica, houve grande envolvimento do Estado na expansão das atividades de transportes sobretudo através de investimentos voltados à construção de infra-estrutura de estradas, ferrovias e portos. Considerando esse contexto, o objetivo do presente artigo é analisar o papel do Estado como elemento central desse processo em que o desenvolvimento e os investimentos em infra-estrutura evoluíram conjuntamente e tiveram um papel central na construção e configuração da economia paranaense atual.

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Investimentos em Transportes, Desenvolvimento e o Papel do Estado...

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O artigo divide-se em três seções, além desta introdução. Na primeira parte, analisa-se a evolução dos investimentos em infra-estrutura de transportes na segunda metade do século XX. Na segunda seção, discutem-se, de maneira integrada, o papel do Estado, a evolução da infra-estrutura e o desenvolvimento regional. Finalmente, na conclusão têm-se os principais resultados do trabalho.

1 OS INVESTIMENTOS E a EVOluçãO dOS TraNSpOrTES NO paraNÁ

Seguindo a tendência nacional da segunda metade do século XX, os investimentos de transportes no Paraná no período foram canalizados prioritariamente para o setor rodoviário. Mesmo assim, foram realizados investimentos substantivos nos demais modais, como o trecho Ponta Grossa – Apucarana1 e o trecho Guarapuava – Cascavel no modal ferroviário, além de investimentos no porto de Paranaguá e no aeroporto Afonso Pena, de Curitiba, e nos de cidades-pólos do interior, como o de Foz do Iguaçu, Maringá e Cascavel.

Durante o período de 1945 até o final da década de 1970, os investimentos em rodovias contaram com recursos do Fundo Rodoviário Nacional (FRN), o que possibilitou aos governantes nos dois níveis do Poder Executivo, federal e estadual, as condições financeiras para planejar e desenvolver suas ações de investimentos em rodovias. É nesse cenário que os Planos Rodoviários Estaduais no Paraná, estabelecidos e implementados nos governos Moisés Lupion (1947-1951), Bento Munhoz (1951-1955), Moisés Lupion (1956-1960) e Ney Braga (1961-1965), definem como principal preocupação de suas gestões a solução de problemas econômicos, políticos e sociais do Estado, resultantes da falta de integração entre o litoral, a capital e o interior. Além de recursos do FRN, os governantes da época utilizaram volumosos recursos da arrecadação estadual para complementar os investimentos federais no setor rodoviário, ferroviário e aéreo.

No segundo governo de Moisés Lupion (1956-1960), enquanto o governo federal do presidente Juscelino Kubitschek implementava o Plano Qüinqüenal de Obras Rodoviárias (1956-1960), o governo do Paraná atuava na execução do Plano de Novas Obras, que visava reduzir os problemas da baixa integração regional e baixa circulação de mercadorias, principal preocupação dos governantes da época. Lupion iniciou a obra de construção da Estrada de Ferro Central do Paraná e executou um ambicioso plano rodoviário.

Ney Braga assume o Estado em 1961, e, atraído pelos estudos desenvolvidos pela Comissão de Coordenação do Plano de Desenvolvimento Econômico (Pladep), formada em 1955 e responsável pela publicação do documento “Análise da Economia Paranaense”, vislumbra a possibilidade de criar um Fundo de Desenvolvimento Estadual (FDE) e uma Companhia para gerir esse fundo, fatos estes consolidados em 1962.

1 Essa ferrovia, apesar de ter sido concluída em 1974 e inaugurada em 1975, com o aporte de recursos federais, teve sua construção iniciada em 1949, ainda no primeiro governo de Moisés Lupion.

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Assim, o Estado conseguiu os recursos adicionais para investir em obras públicas, em especial energia e rodovias (MAGALHÃES FILHO, 1995).

Foi nessa década que o setor de transportes no Paraná, contando com recursos do FRN2 e do FDE3, acelerou o ritmo de grandes investimentos em rodovias. Articulados com um projeto paranista de desenvolvimento, os investimentos em transportes rodoviários estavam aliados à preocupação com o crescimento econômico do Estado por meio da criação de eixos rodoviários de integração do território, em especial rodovias que ligassem a região de Curitiba, de um lado, em direção ao interior do Estado, e, de outro, em direção ao litoral, mais especificamente ao Porto de Paranaguá.

Passado o governo Ney Braga, seu sucessor assume tendo as mesmas condições financeiras de investimento para a infra-estrutura. Porém, no novo governo de Paulo Pimentel (1966-1970) as ações prioritárias abriram mais espaço para a preocupação com o financiamento da industrialização e investimentos sociais, em detrimento dos investimentos em infra-estrutura. No planejamento de governo, os investimentos em transportes começam a mudar sua configuração. Já não há mais a mesma preocupação com a ampliação da rede rodoviária para a integração do Estado. Os investimentos no setor de infra-estrutura rodoviária ainda contavam com os recursos do FRN, que, juntamente com uma menor parcela do FDE, foram programados para conclusão de grandes projetos rodoviários iniciados em gestões anteriores, como a conclusão do trecho da BR-277 entre Curitiba e Paranaguá. Por outro lado, no decorrer da gestão Pimentel, os recursos foram progressivamente sendo destinados para a pavimentação de rodovias alimentadoras4 e vicinais5, centradas em promover ligações de curta distância, locais e rurais entre cidades-pólos e seu entorno. Juntamente com esta mudança de prioridade do governo Pimentel, com a promulgação da Constituição Federal de 1967, que estabeleceu a exclusividade da União para instituir empréstimos compulsórios, o Paraná perdeu a grande fonte de recursos do FDE, até então seu principal instrumento de financiamento de infra-estrutura. Com isso a economia paranaense passava a depender cada vez mais dos recursos definidos pelo projeto de desenvolvimento nacional, coordenado pelo governo federal.

2 O Fundo Rodoviário Nacional (FRN), arrecadado pelo governo federal, era formado inicialmente com a arrecadação do Imposto Único sobre Combustíveis e Lubrificantes Líquidos e Gasosos (IUCLLG), sendo que 40% era destinado ao DNER, 48% repartido entre estados, territórios e Distrito Federal, e 12% para os municípios.

3 O Fundo de Desenvolvimento Econômico (FDE), arrecadado pelo governo do Estado do Paraná, era formado mediante um empréstimo compulsório sobre a base tributária estadual, e destinava 80% para investimento em infra-estrutura (40% para energia e 40% para rodovias) e 20% para financiamentos ao setor privado, com baixos juros.

4 Rodovias alimentadoras são aquelas que fazem a ligação local entre regiões e cidades ou destas com as rodovias principais, denominadas eixos de integração. Como exemplos, podem ser citadas a BR-277 (Paranaguá – Foz do Iguaçu) como um eixo de integração ou eixo estruturante, e, de outro lado, como rodovia alimentadora, a PR-473, que faz a ligação entre as cidades de Chopinzinho, Saudade do Iguaçu e Rio Bonito do Iguaçu e destas com a BR-277 na altura da cidade de Nova Laranjeiras.

5 Rodovias ou estradas vicinais são, em geral, aquelas que fazem a ligação entre as sedes dos municípios e suas regiões rurais, apresentando baixo tráfego e traçados em leito natural. Na maior parte são rodovias municipais que recebem pavimentação com pedras irregulares ou saibro e, em situações mais raras, com asfalto.

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A partir de 1970, somando-se a redução da capacidade de investimento derivada da descapitalização do FDE (1967), o Paraná, comandado por governadores escolhidos pelo regime militar, alinhou-se à política de desenvolvimento nacional. Assim, na primeira metade da década de 1970 a União firmaria um acordo com o Estado para conclusão da Ferrovia Central do Paraná, concluída em 1974, e durante toda a década, entre outras ações em rodovias, realizou pavimentação e melhoria em diversos trechos das BRs 277, 376, 101, 116 e 476, importantes eixos de integração no Paraná.

No governo de Jayme Canet (1974-1978), os investimentos em transporte rodoviário constituíram a principal prioridade do Estado. Somente no período, a malha rodoviária pavimentada no Estado mais que dobrou, passando de 2.205 quilômetros, em 1974, para 5.755 em 1979. A explicação para isto é o fato de que, de um lado, foi na década de 1970 que o governo federal mais construiu rodovias em todo o País e, de outro, com a redução dos repasses federais do FRN para investir em infra-estrutura de transportes, o governo local recorreu à rotina de financiamentos internacionais e mesmo nacionais, aproveitando-se de uma soma de conveniências, quais sejam: i) o governo estadual necessitava investir para conservar e ampliar sua malha rodoviária; ii) o Paraná tinha capacidade de endividamento; e iii) o mercado internacional ofertava os chamados “petrodólares” a juros baixos.

Para custear somente o Programa de Pavimentação de Rodovias Alimentadoras, que possibilitou a implantação de 1.120 quilômetros de rodovias no Estado entre 1976 e 1978, o governo do Estado realizou empréstimo junto ao Banco Mundial - BIRD (Banco Internacional para a Reconstrução e o Desenvolvimento). Ainda na segunda metade dos anos 1970 é implementada pelo governo federal a pavimentação de estradas alimentadoras e vicinais, através do Programa Especial de Rodovias Municipais e Intermunicipais para o escoamento de Safras (Prossafras).

Nesse mesmo período lançou-se a idéia de um anel viário do Paraná que seria a interligação das diversas regiões-pólos do Estado em direção ao porto de Paranaguá para o escoamento da produção local. Trinta anos mais tarde, o governador Jaime Lerner lançou um programa de infra-estrutura denominado “anel de integração”, aprimorando a idéia surgida nos anos 1970 e levando adiante suas ações de recuperação e melhoria viária dos trechos do anel em parceria com a iniciativa privada. Ao se observarem os mapas rodoviários elaborados na gestão de Canet, pode-se perceber o desenho do que trinta anos depois se transformou no “anel de integração”, que na época foi completado pela conclusão da BR-369 no trecho Campo Mourão – Cascavel, obra realizada pelo governo federal.

Com a completa desvinculação dos recursos do FRN no início dos anos 1980, houve uma tendência nacional de drástica redução de investimentos no setor rodoviário. Esse fundo, que vigorou de 1945 a 1988, teve grande efetividade entre 1945 e o final da década de 1970. De acordo com Lacerda (2005, p.145), “A partir de 1974, os recursos da arrecadação do imposto sobre combustíveis foram progressivamente transferidos

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para o Fundo Nacional de Desenvolvimento (FND) e, em 1982, a sua vinculação ao setor rodoviário foi extinta”. Em 1988, com as reformas aprovadas na Constituição, o FRN é extinto, deixando de vigorar em 1989. A partir desse ano, o setor rodoviário passa a depender somente dos recursos programados nas dotações orçamentárias, sujeito a todo o tipo de contenção de despesas impostas pelo Tesouro Nacional. Essa situação somente começa a mudar a partir de 2003, com o início do repasse, ao setor de transportes, dos recursos oriundos da Cide (Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico), aplicada pelo governo federal sobre os preços dos combustíveis, que tem parcelas destinadas aos três níveis do Poder Executivo: federal, estadual e municipal.

Como conseqüência da redução dos repasses do FRN, os governos estaduais e federal deixaram de investir em novas rodovias e encontraram dificuldades em destinar recursos financeiros para a conservação e recuperação das rodovias existentes. Em função disso, nos anos 1980 os governos estaduais continuaram com a prática de buscar recursos para investir através de empréstimos junto ao BNDE e organismos internacionais.

Nesses anos, marcados pela crise financeira nacional, os governantes Ney Braga (1979-1982), José Richa (1983-1986) e Álvaro Dias (1987-1990) continuaram a planejar a infra-estrutura de transporte centrada no setor rodoviário, com base em empréstimos internacionais para financiar suas obras, porém os principais investimentos são cada vez mais direcionados para programas de implantação e pavimentação de rodovias alimentadoras e vicinais. Logo no começo da década de 1980 seria implantado o Programa de Pavimentação (Propavi), destinado à pavimentação de estradas vicinais com utilização intensiva de mão-de-obra. Outro grande empréstimo realizado pelo governo estadual nos anos 1980 foi junto ao Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), para implantar o Programa Pró-Rural. Esse programa foi concebido para dar apoio ao pequeno produtor rural em todo o Estado. Aliado a esse programa de financiamento externo, o DER executou o Programa de Calçamento Poliédrico com o apoio financeiro do BNDE. Neste também utilizou-se grande contingente de mão-de-obra para pavimentar com pedras as estradas vicinais de pequeno tráfego.

Somente a partir de 1987, já no Plano de Governo de Álvaro Dias, surgiu a preocupação com um sistema intermodal que fortalecesse a integração do Estado interligando as regiões produtoras, a capital e o Porto de Paranaguá. No Plano são lançados dois grandes empreendimentos, a Ferrovia da Produção, no trecho Guarapuava – Cascavel – Guaíra, e a hidrovia do Ivaí, com 237 quilômetros de canal navegável. Desses dois projetos, somente a ferrovia seria implementada, e apenas num de seus dois trechos, no governo seguinte de Roberto Requião, no início da década de 1990.

Requião buscava, em seu governo (1990-1994), resgatar os grandes projetos de transportes da era Lupion e Ney Braga, tendo tido relativo sucesso no setor ferroviário com a conclusão do trecho Cascavel – Guarapuava, interligando, assim, o oeste do Estado com o porto de Paranaguá via Ponta Grossa. A construção da ferrovia que liga

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Guarapuava a Cascavel concentrou a maior parte da capacidade de investimento do governo estadual para o setor de transportes. No auge de construção da estrada de ferro, a maior parcela dos recursos disponíveis do tesouro estadual foi direcionada para a construção da ferrovia. No setor rodoviário, o Plano de Governo no período Requião prosseguiu com a política de empréstimos junto aos bancos internacionais BID e BIRD. A duplicação da BR-376 do trecho Curitiba-divisa PR/SC e as tratativas para retomar as obras da ligação entre o Estado do Mato Grosso do Sul e Guaíra se inserem neste projeto de investimentos estratégicos.

Durante as duas gestões de Jaime Lerner (1995-1998 e 1999-2002), o planejamento e as ações de governo priorizavam investimentos em infra-estrutura, em especial em transportes, como um dos elementos fundamentais para o sucesso de sua política de industrialização do Estado. No entanto, como não dispunha de recursos para atender a essa demanda e ao mesmo tempo implementar seus projetos em outras áreas de governo, não teve dúvidas em transferir a responsabilidade desses investimentos, principalmente os destinados a rodovias, ferrovias e ampliação do porto à iniciativa privada através de concessões. No modal rodoviário, Lerner implementou o programa com a finalidade de atrair investimentos privados para a recuperação das estradas estruturantes e ampliação da sua capacidade de tráfego no âmbito do “Anel de Integração”. Na verdade, não foram criados novos eixos rodoviários. O grande benefício para a economia local foi a melhoria das condições de tráfego nas rodovias que formam esse anel rodoviário. A importância dessa ação para o governo Lerner fica clara quando, em 1999, é reforçada a grande meta para o setor de transportes, escrita no Plano Plurianual (PPA) para o período 2000-2003. “A meta do governo de incentivar o crescimento de todas as regiões do estado, tendo como base o Anel de Integração, dependia de ações reguladoras e executoras no sentido de promover a integração e a melhoria da infra-estrutura de transportes, aumentando com isso a competitividade das regiões.” (PARANÁ, 1999).

O que se discute até hoje no programa de concessões de rodovias no Paraná são os valores das tarifas de pedágio e a continuidade dos investimentos das concessionárias. As tarifas, que já sofriam críticas pesadas quanto aos valores estabelecidos no início da concessão das rodovias à iniciativa privada, sofreram uma situação de desajuste contratual, gerada por uma redução unilateral de preços realizada em 19986 por iniciativa do governo do Estado, tendo sido revertida dois anos mais tarde por meio de sentença judicial favorável às empresas concessionárias. Para recuperar as condições iniciais dos contratos e antecipar boa parte das obras do programa para o período de seu governo, Lerner renegociou o programa, retirando uma parcela das obras de melhorias e ampliação da capacidade, o que pode ser visualizado na figura 1, a seguir, e adiantando o cronograma de investimento de outras obras para serem executadas até 2002.

6 No mês de julho de 1998, às vésperas do período eleitoral, Jaime Lerner decreta unilateralmente a redução de 50% nos valores das tarifas de pedágio das rodovias concessionadas.

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Conforme dados do Relatório de Atividades da Secretaria de Estado dos Transportes do último ano do governo Lerner (2002), mesmo tendo sido implantadas nos principais eixos de ligação entre as regiões do Estado, essas rodovias concessionadas representavam 2.343,79 quilômetros, enquanto a malha rodoviária de conservação do DER somavam 11.515,96 quilômetros. Considerando ainda que a maior parte das rodovias concessionadas estivesse, anteriormente à concessão, sob a responsabilidade do governo federal, muito pouco da malha estadual passou a ser de responsabilidade da iniciativa privada, pouco desonerando a pressão sobre os cofres públicos do Paraná. Além disso, conforme pode ser observado na figura 2, o governo passa a conviver com o agravamento das condições de tráfego de alguns trechos de rodovias não pedagiadas, compostas de rodovias alimentadoras não concessionadas, em parte utilizadas por caminhões para desviarem das tarifas.

Em termos de investimentos em transportes com recursos do Tesouro do Estado, Lerner planejou e executou suas ações contemplando alguns importantes investimentos iniciados ou planejados em governos anteriores. Assim, investiu na conclusão da duplicação da BR-376 Curitiba – Divisa PR/SC, e resgatou os projetos das pontes sobre o Rio Paraná em Guaíra e em Porto Camargo, divisas com o Estado do Mato Grosso do Sul. Por outro lado, teve uma atuação também concentrada em estradas vicinais, implementando programas de pavimentação de estradas rurais. Novamente, como já estava acontecendo desde o início dos anos 1980, seria o investimento em estradas vicinais e rurais um dos elementos que limitariam a capacidade de investir em grandes projetos rodoviários. Ou seja, a pulverização dos recursos impedia a alocação de verbas orçamentárias para o planejamento de novos troncos viários, bem como limitava a capacidade de alocar os recursos financeiros para conservação e recuperação da malha existente.

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A conseqüência de uma política precária de investimentos tanto federal como estadual na década de 1990 foi a deterioração da malha rodoviária estruturante existente no Estado. Desde o início da década de 1980 a condição de conservação da malha rodoviária do País, especificamente a localizada no Paraná, degradou-se muito em função da perda de capacidade de investimento do Estado brasileiro. O resultado da pesquisa7 sobre as condições das principais rodovias federais e estaduais brasileiras, realizada em 2003 pela Confederação Nacional do Transporte (CNT), era que 58,5% da malha pesquisada (27.885 quilômetros) encontra-se com pavimento em estado deficiente, ruim ou péssimo.

No setor ferroviário, também atuando em plena sintonia com o governo federal, que privatiza toda a malha ferroviária administrada pela Rede Ferroviária Federal (RFFSA), Lerner, após concluir a construção da estrada de ferro Ferroeste8, que liga Guarapuava a Cascavel, executa a privatização da operação do trecho. A partir de março de 1997 a operação da ferrovia passa a ser executada pela empresa Ferrovia Paraná S.A. - Ferropar, vencedora do leilão realizado no dia 10 de dezembro de 1996.

7 A pesquisa da Confederação Nacional do Transporte (CNT), realizada desde 1995, é uma das fontes mais confiáveis em nível nacional para consultar sobre as condições das rodovias no País. Em 2003, durante 32 dias, 11 equipes de pesquisadores percorreram aproximadamente 57 mil km de rodovias federais e estaduais pavimentadas, sendo 9.153 pertencentes à malha privatizada.

8 “Desde o início da construção do trecho ferroviário Guarapuava – Cascavel o Governo do Paraná investiu em valores nominais R$ 380,87 milhões (1991-1997), através da Estrada de Ferro Paraná Oeste S/A - FERROESTE. Deste valor, R$ 80,1 milhões foram investidos entre os anos de 1995 e 1997 para a conclusão da obra.” (PARANÁ, 2002).

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Em termos de instalações portuárias, via de regra é o governo federal quem realizava os grandes investimentos para ampliação e adequação dos portos nacionais. No entanto, nos governos das décadas de 1980 e 1990 e até meados da década de 2000, a União não destinou qualquer valor de investimento para o porto de Paranaguá e Antonina, deixando à iniciativa privada, via concessões, o investimento em estocagem e transporte, e ao Estado paranaense o gerenciamento e investimentos em dragagem, ampliação e manutenção dos portos. Infelizmente, por falta de recursos ou por outras prioridades, muito pouco se investiu na ampliação dos portos diretamente pelo governo estadual nos últimos trinta anos Os investimentos realizados, como ampliação de 150 metros de cais e implantação de terminal privado para movimentação de contêineres, ocorridos na gestão Lerner, foram realizados através do processo de arrendamento e concessão de áreas, acompanhando a lógica de concessão da operação portuária à iniciativa privada.

2 aS pOlÍTICaS dE dESENVOlVIMENTO rEgIONal E O SETOr dE TraNSpOrTES NO paraNÁ

Até o final do segundo governo Lupion, apesar da preocupação em dotar o Estado de uma infra-estrutura adequada de transportes, promovendo a integração principalmente das suas três grandes regiões (Paraná Tradicional, Norte/Noroeste e Sudoeste/Oeste), nos planos de governo estadual a questão da infra-estrutura de transporte não estava pensada sob uma visão desenvolvimentista para a economia como um todo. Ou seja, não havia um planejamento que se voltasse para ações integradas nas quais o investimento em infra-estrutura fosse parte de um projeto de industrialização e transformação estrutural. Conforme afirma Magalhães Filho (1995, p.10), “No segundo governo Lupion (1956-1960) a ideologia desenvolvimentista, que começara a ganhar forma no segundo governo Vargas e se consolidara como hegemônica com Kubitschek, mal aparecia nas ações ou falas dos que detinham o poder no estado”. Apesar disso, observando a figura 3, a seguir, que representa a proposta de planejamento qüinqüenal de Lupion para as rodovias, elaborado em 1956, é possível identificar que já havia uma preocupação em estabelecer rotas viárias para o incentivo à produção agrícola em diversas regiões do Estado. O Paraná do meio do século XX era visto e caracterizado como uma economia basicamente primário-exportadora. Nesse contexto, os grandes eixos viários implantados e planejados eram denominados de acordo com os principais produtos que por eles transitavam. Na figura 4 podem ser observadas: 1) Estrada do café: Paranaguá, Curitiba, Ponta Grossa, Apucarana; 2) Estrada dos cereais: Mello Peixoto, Cambará, Cornélio Procópio, Londrina até Guaíra; 3) Estrada da madeira: São Luiz do Purunã, Palmeira, Irati, de onde se ligaria até Foz do Iguaçu e Paranaguá; e 4) e 5) Estrada do trigo e erva-mate: Curitiba, Araucária, Lapa, São Mateus do Sul, União da Vitória, Palmas, Clevelândia, Pato Branco.

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A visão desenvolvimentista no nível local torna-se presente no Paraná somente a partir da década de 1960. A preocupação com o desenvolvimento, tendo a industrialização como eixo central, esteve nas ações propostas pelo Poder Público. O governo Ney Braga (1960-1965) implementou mudanças significativas na forma de planejar a infra-estrutura de transportes e energia, agora acoplada ao novo projeto de desenvolvimento.

Do ponto de vista regional, o planejamento de transportes ocorria de forma integrada com o Plano Rodoviário Nacional. Enquanto no nível federal as obras rodoviárias no Paraná, operacionalizadas pelo DNER, tinham a preocupação com a integração do mercado nacional, o governo local voltava-se sobretudo à efetivação da integração regional. Na análise dos Planos de Governo desenvolvidos pelos governantes paranaenses dessa época (1947-1965) e dos principais investimentos do governo federal em pavimentações de rodovias no Paraná, observa-se claramente a preocupação com a integração econômica do território paranaense, tanto internamente, como com seus estados vizinhos. Atuando por meio do DER e do DNER, a engenharia nacional executa ligações rodoviárias que tiveram importância vital para o desenvolvimento econômico do Paraná, em especial as pavimentações da BR-376 Curitiba – Ponta Grossa – Paranavaí e da BR-277 Paranaguá – Foz do Iguaçu. Essas visões, representadas na figura 4, não eram excludentes entre si e formaram uma percepção sobre a necessidade de investimentos na rede de transportes que alinhava ambas as preocupações.

A situação começa a mudar no final da década de 1960, quando o Paraná perde boa parte da capacidade de financiamento para o setor de transporte, em razão da proibição aos estados de praticarem o recolhimento dos empréstimos compulsórios que capitalizavam seus fundos de desenvolvimento. No entanto, o Paraná já possuía uma infra-estrutura básica de transporte e energia capaz de sustentar a implantação de uma indústria local. Essas condições, aliadas aos mecanismos institucionais de apoio à industrialização – disponibilizados pela atuação da Codepar e posteriormente pelo Badep –, à iniciativa do governo federal de implantação da refinaria de Araucária, e a uma política local de atração de indústrias possibilitaram ao Paraná atingir, entre 1970 e 1975, uma taxa anual de crescimento de 23,04% (IPARDES, 1982). Exemplos desta visão são os grandes objetivos listados no documento Diretrizes de Ação, publicado pelo governador Emílio Gomes (1973-1975). Em síntese, ele fazia uma amarração das ações estaduais ao conteúdo do Plano Nacional, enfatizando a necessidade de “integrar politicamente o Paraná no esforço de elevar o Brasil à condição de país desenvolvido no prazo de uma geração, nos termos do I Plano Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social” (PARANÁ, 1973, p.25). No planejamento das ações de transportes no Paraná, o governo federal atuaria com investimentos em ferrovias, portos e grandes eixos viários, e ao governo do Estado caberia a tarefa, conforme consta em planos de governo da época, de assegurar a integração por meio da pavimentação de ligações inter-regionais para acesso da produção aos grandes troncos viários.

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De acordo com Magalhães Filho (1999), foi nesse período que, juntamente com a transição da Codepar para o Badep, ocorre uma importante transformação dos instrumentos de planejamento para o Estado do Paraná, com a criação da Secretaria de Planejamento, em 1972, e do IPARDES, a ela vinculado, em 1973. Nesse sentido, Magalhães Filho afirma:

Note-se que essa nova situação não significava o enfraquecimento do projeto paranaense de desenvolvimento, e sim seu fortalecimento, pela via de novos instrumentos especializados, nem, tampouco, do Banco, enquanto órgão de fomento, na medida em que, exonerado de outras funções, podia concentrar-se nas que lhe eram precípuas (MAGALHÃES FILHO, 1999, p.36).

Mesmo dotando-se o projeto paranaense de desenvolvimento de novos instrumentos de planejamento, as possibilidades de articular localmente as políticas de desenvolvimento regional com ações de planejamento de transportes sofrem com as dificuldades impostas no início dos anos 1970 pela subordinação ao projeto nacional de desenvolvimento. Contudo, o governo federal intensifica sua política de investimentos em infra-estrutura, mediante a implantação de grandes projetos nas áreas de transportes e energia para o País, contemplando algumas pavimentações de rodovias federais no Paraná, além da conclusão da Ferrovia Central do Paraná.

Se, de um lado, o governo central intensifica alguns investimentos, de outro implementa um fator limitador das políticas locais de transportes ao realizar a transferência da verba do Fundo Rodoviário para o Fundo de Desenvolvimento, que ocorre gradativamente entre 1974 e 1982, interrompendo a transferência automática de recursos federais para os estados para serem aplicados em rodovias. A centralização dos gastos públicos é a principal característica das políticas públicas no período.

Na segunda metade da década, as ações do governo estadual de Jayme Canet (1975-1978) foram expressivas, quando observadas sob o ponto de vista da extensão da malha rodoviária asfaltada. Na implementação do plano de governo Canet, alinhado com a política nacional de mecanização e modernização da agricultura, havia uma forte preocupação em viabilizar o escoamento da produção rural na direção da exportação pelo Porto de Paranaguá. Baseado numa política de financiamento por empréstimos, o Paraná começa a recuperar a capacidade de planejar seu desenvolvimento. Nesse período, fica evidente a importância dos transportes para o desenvolvimento da economia local, com a atuação do DER concentrada na pavimentação de rodovias alimentadoras e alguns trechos para ligar esses eixos às regiões de produção agrícola, e a atuação do DNER nas rodovias troncais, que ligam regiões e grandes distâncias. A articulação entre o plano de governo, com a mecanização e incentivo para a agricultura e agroindústria, e o planejamento para o setor de transportes tiveram grande importância para consolidar o processo de aumento da produção da soja. Em 1970, a produção paranaense de soja era de apenas 348 mil toneladas, e em 1977 já estava em 4,7 milhões de toneladas.

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No documento Objetivos e Metas de Desenvolvimento, publicado em 1975, Canet, ao apresentar seu plano de governo, demonstra que o planejamento regional ainda estava bastante vinculado às diretrizes do plano nacional. A política de desenvolvimento foi “norteada pelo conjunto de diretrizes traçadas pelo Segundo Plano Nacional de Desenvolvimento (II PND)” (PARANÁ, 1975). Dentro dos objetivos globais da ação de governo, no que pode ser interpretado como uma visão alinhada ao pensamento econômico dos desenvolvimentistas tradicionais, o Plano Canet afirmava:

Estamos todos convencidos de que o desenvolvimento integral é indispensável ao processo de industrialização, incluindo a da agricultura, pelo equilíbrio entre agricultura e indústria, como as duas faces de um mesmo processo de crescimento. Uma vez caracterizado o modelo básico de crescimento, a preocupação se volta para o desenvolvimento harmônico do Estado em luta contra os desequilíbrios regionais e uma melhor distribuição espacial. Surgem, então, os três grandes eixos Curitiba – Ponta Grossa, Londrina – Maringá e Cascavel – Guaíra, e uma política de implantação de Distritos Industriais, como uma primeira grande tentativa de desenvolvimento equilibrado. Porém, o governo não deixa de se preocupar também com as regiões menos favorecidas (PARANÁ, 1975, p.33).

Para atingir esse objetivo, o governo estadual considerava como prioritárias as “inversões em capital social básico, sob a forma de obras e serviços de infra-estrutura, para apoiar a iniciativa do setor privado da economia e promover o desenvolvimento integrado”. Em transportes, sua ênfase, tanto no planejamento como na implementação deste, esteve na concentração de investimentos no setor rodoviário, pois considerava que, com a conclusão da Estrada de Ferro Central do Paraná e a criação da Portobrás, os investimentos em novas ferrovias e nos portos ficariam a cargo do governo federal.

O grande impulso agrícola e industrial do Estado nos anos 1970, segundo Magalhães Filho (1999, p.158), “traduzia o sucesso inquestionável do projeto paranaense de desenvolvimento”. Porém, o autor entende que havia a necessidade de repensar esse projeto, que iria se esgotar no final da década. A falta de um planejamento integrado, que previsse investimentos em infra-estrutura e em outras áreas, aproveitando o grande impulso ocorrido nos anos 1970, e a crise financeira nacional dos anos 1980, impossibilitaram a continuidade do projeto.

Na chamada “década perdida” dos anos 1980, os paranaenses voltam a ter o direito de eleger seus governantes. Com isso, ocorre uma forte pressão para a retomada do planejamento local. No entanto, o País vivia sob uma crise financeira em que a prioridade era a estabilização econômica. O território paranaense ficaria fora das prioridades nacionais de grandes obras de infra-estrutura, num processo de centralização do planejamento e concentração de investimentos em regiões mais desenvolvidas, estratégia adotada para superar a crise econômica.

A crise econômica e os grandes planos de estabilização para superá-la estavam no centro das preocupações dos governantes nos anos 1980. O espaço para o planejamento integrado dos setores de infra-estrutura estavam limitados. Além disso, acompanhando o que estava ocorrendo no País, os governos paranaenses da década

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começam a estabelecer um rompimento na atuação do estado desenvolvimentista. O modelo estava se esgotando e, com ele, a prática de planejamento articulado de investimento em transportes, vinculada a uma política de desenvolvimento gerida e implementada com ações diretas do Estado, estava se esgotando.

O governo do Paraná continua a investir, principalmente em rodovias, através de recursos do tesouro do Estado e da realização de financiamentos externos. No entanto, as ações são pulverizadas em diversas pavimentações de rodovias alimentadoras e vicinais, que atendem às demandas localizadas de pequenas regiões de produção agrícola, pouco se investindo em obras de rodovias de integração que gerassem mudanças qualitativas na malha rodoviária. Apesar disso, os investimentos importantes para o setor rural – que, mesmo inserido na realidade econômica de crise, experimentou crescimento médio anual de 5,7% entre 1980 e 1989 – foram aqueles concentrados basicamente nas rodovias alimentadoras e vicinais, ocorridos nos governos Ney Braga, José Richa e Álvaro Dias.

Hirschman, na tentativa de explicar a tendência, em países subdesenvolvidos, de dispersão de investimentos em várias pequenas obras, faz a seguinte afirmação:

Quando os países começam a realizar audaciosos planos de rodovias e de usinas elétricas, muitas vezes tendem a dispersar os fundos disponíveis entre o maior número de cidades e estradas. Essa tendência apresenta, sem dúvida, causas políticas e pode também encontrar explicação no fato de que os projetos menores são mais fáceis de engendrar que os mais amplos. Mas, de modo mais fundamental, a má vontade de fazer escolhas, que é mantida freqüentemente, com visível obstinação, pode ser, talvez, explicada pelo sentimento básico de que o progresso deve ser distribuído eqüitativamente por todos os rincões da comunidade (HIRSCHMAN, 1961, p.32).

Mesmo concentrando investimentos em rodovias alimentadoras e vicinais, o planejamento e a atuação de governo têm grande importância para a economia estadual, por maiores que sejam as críticas sobre as limitadas contribuições de obras pulverizadas e localizadas, quando comparadas com investimento em grandes eixos viários. Essas obras espalhadas tiveram sua contribuição para a expansão da soja e do milho, que continuaram seu processo de expansão e aumento da exportação para dentro e fora do País, servindo como base para dinamizar a economia local.

No início da década de 1990, com o governo Roberto Requião (1991-1994), há uma tentativa de resgate do papel do Estado desenvolvimentista. Por um período de governo de quatro anos é possível identificar a preocupação com grandes projetos estruturantes no setor de transporte. Há nas intenções a tentativa de resgate do Estado produtor dentro do processo de desenvolvimento, preocupado em superar os gargalos gerados pelos anos de abandono de planejamento estratégico em infra-estrutura. Esse planejamento ocorre de forma articulada com seu plano de governo para o fortalecimento da agroindústria e do produtor local e a tentativa de promover o crescimento industrial, incentivando o empresário local e buscando atrair investimentos, sobretudo para cidades-pólos do interior do Estado, não obtendo, contudo, grandes sucessos.

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Quando Lerner assume o governo em 1995, muda completamente o rumo do planejamento para o ramo de infra-estrutura de transporte no Paraná. Realiza um governo de oito anos em que se observa um alinhamento à ideologia neoliberal. Dentro dessa linha, atua na área de transporte com uma visão voltada para as concessões à iniciativa privada, em que o Estado tem o papel regulador. Programas de concessões são implementados nos modais rodoviário, ferroviário e portuário. Durante as gestões de 1995-1998 e 1999-2002, o planejamento não foi instrumentalizado de forma clara nos Planos de Governo. Aquilo que se denominava como documento de Plano de Governo Lerner não foi mais do que a sistematização das idéias apresentadas em suas propostas de intenções, divulgadas durante as campanhas eleitorais de 1994 e 1998. Na sua forma de atuação, Lerner e sua equipe são os planejadores, sendo que o planejamento não fica somente a cargo das instituições de governo, mas sob o comando de equipe de assessores ligados diretamente ao chefe do executivo. O planejamento perde força com o enfraquecimento da atuação das diversas secretarias, como a Secretaria de Estado do Planejamento, fato que também já havia ocorrido durante o governo de Álvaro Dias (1987-1990).

Na análise das ações implementadas por Lerner, observa-se que a infra-estrutura de transporte foi um dos elementos de sustentação para a sua política de crescimento, baseada principalmente na atração de investimentos industriais. Contudo, é inegável que os fatores mais importantes para a atração de investimentos industriais para o Paraná estavam na política nacional de atração de investimentos externos e na oferta local de benefícios fiscais e financeiros, prática muito utilizada durante seus dois governos.

CONCluSãO

Na segunda metade do século XX, a expansão da infra-estrutura, em especial do setor de transportes, esteve sempre presente no planejamento das ações do governo do Paraná. Os principais eixos rodoviários do Estado surgiram nessa época estreitamente vinculados a um projeto de desenvolvimento e resultantes de um planejamento integrado de investimentos em diferentes modais, com uma clara prioridade para o modal rodoviário.

Em um primeiro momento, nas décadas de 1940 e 1950, a prioridade evidente dos governantes era a integração das regiões agrícolas dos diversos Paranás com seu porto exportador. A visão dos governantes era a de um estado que historicamente havia se desenvolvido com base na extração de madeira e erva-mate e que na ocasião havia diversificado sua agropecuária na direção do café, do milho, do trigo e de outros produtos agropecuários. A estratégia de desenvolvimento em que as diferentes staples eram lideradas pelo café tinham um papel central. Cabia à infra-estrutura de transportes facilitar o escoamento da produção ao porto de Paranaguá, ampliando, assim, as possibilidades de emprego e renda nas diferentes regiões do Estado.

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Investimentos em Transportes, Desenvolvimento e o Papel do Estado...

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Na análise dos planos de governo das décadas seguintes (1960 e 1970 e mesmo no início dos anos 1980), é possível identificar uma clara ideologia desenvolvimentista, muito diferente da ideologia prevalecente nas décadas anteriores; ideologia desenvolvimentista entendida aqui como uma ideologia que, nos casos brasileiro e paranaense, priorizava a industrialização, o planejamento e a intervenção direta do Estado. Estes três componentes passam a estar presentes nas políticas de infra-estrutura elaboradas no Estado. Nos governos dos anos 1960, e mais intensamente no dos anos 1970, evidencia-se o planejamento para o setor de transporte como elemento fundamental na construção do desenvolvimento. A própria agricultura se vê integrada em um projeto modernizador e como parte de um projeto de desenvolvimento industrial via expansão de seu sistema agroindustrial. Esta ideologia materializa-se nas implementações de projetos como a pavimentação de corredores rodoviários estruturantes do Estado, a exemplo da rodovia do café e da rodovia Paranaguá – Foz do Iguaçu e da construção da Ferrovia Central do Paraná (Ponta Grossa – Apucarana), bem como na melhoria do porto de Paranaguá. Grandes investimentos em rodovias, ferrovias e infra-estrutura portuária demonstram a importância atribuída à mobilidade espacial e aos custos de transporte na geração de externalidades positivas ao aparelho produtivo local. O desenvolvimento da infra-estrutura torna-se parte de um projeto maior de desenvolvimento e construção de uma economia industrial moderna e integrada à economia mundial.

Juntamente com o grande esforço de investimento feito pelos governos estaduais, o planejamento também encontra-se presente nos investimentos federais através dos Planos Rodoviários Nacionais. Geograficamente localizado como rota de ligação entre o Rio Grande do Sul e os grandes centros consumidores nacionais (São Paulo e Rio de Janeiro), pelo Paraná transitavam, de um lado, os produtos agrícolas gaúchos, catarinenses e mesmo paranaenses para o abastecimento da Região Sudeste e o restante do País e, de outro, a estratégia nacional de desenvolvimento industrial incluía a necessidade de boas rodovias para a integração do mercado interno, exigindo que os estados em processo de industrialização pudessem abastecer os demais mercados do País com máquinas, equipamentos e outros bens de consumo industriais. A implantação de rodovias federais em solo paranaense, tanto no sentido norte-sul (BRs 101, 116 e 153) quanto no sentido leste-oeste (BRs 369 e 277), insere-se nessa grande estratégia de desenvolvimento industrial e integração de mercados.

A crise econômica e financeira ocorrida nos anos 1980 interrompeu o processo de crescimento e melhoria qualitativa da infra-estrutura rodoviária estruturante do Estado. Na falta de grandes recursos financeiros, o desenvolvimento regional passou a ser priorizado pelos governos estaduais, sendo construídas estradas vicinais e alimentadoras.

A tentativa de resgate da ideologia desenvolvimentista por meio de um estado interventor tem pouca duração no governo Requião, que se inicia com a década de 1990 no Paraná. Esta visão é rapidamente interrompida com o governo Lerner, quando se estabelece, no Paraná, uma fase não-intervencionista, com políticas inspiradas por um ideário de cunho neoliberal. Dentro da lógica da globalização econômica e financeira, a política do “Estado mínimo” faz com que o governo crie mecanismos repassadores

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para a iniciativa privada de grande parte das responsabilidades de gerenciar e planejar a infra-estrutura de rodovias, ferrovias e portos no Paraná, com contratos de concessão e arrendamento cujo prazo se estende, no mínimo, até a terceira década deste século. Sob a lógica dominante, Lerner atua no sentido de transferir para as concessionárias a tarefa de executar os grandes investimentos em infra-estrutura de transporte rodoviário, ferroviário e portuário. O planejamento das ações para o setor de transporte sob a batuta de um governo liberalizante deixa marcas na economia local, as quais perdurarão ainda por vários anos.

Ainda há muito que avançar em termos de planejamento para o setor de transportes no Paraná. Porém, da análise do que ocorreu nos últimos 50 anos, pode-se afirmar que não é mais suficiente planejar a ampliação da infra-estrutura física de portos, aeroportos, rodovias e ferrovias. O transporte deve ser pensado, também, em termos de conservação do patrimônio existente, da integração entre modais e dentro de uma estratégia de desenvolvimento do País em que a inovação é o determinante central desse processo. Estimular a inovação significa também estimular a transferência de informações entre os diferentes agentes locais. A logística de distribuição requer sistemas cada vez mais ágeis, interligados e bem conservados. A informação também precisa ser transportada velozmente. As escolas, universidades, centros de pesquisa, empresas privadas, famílias e o governo precisam estar interligados na forma de uma grande rede de produção e difusão de inovação. Em suma, o setor de transportes continuará a ser um dos elementos centrais para o suporte às políticas de desenvolvimento regional.

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A CONCESSÃO DE RODOVIAS PARANAENSES: um serviço público sob a ótica do lucro*

Rejane Karam**Walter Tadahiro Shima***

* Este artigo resulta da dissertação de mestrado “A Concessão de Rodovias Paranaenses sob a Ótica da Regulação”, defendida em 2005 no Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Econômico – Mestrado Profissionalizante, do Departamento de Economia da Universidade Federal do Paraná (UFPR).

** Economista, mestre em Desenvolvimento Econômico - Políticas Públicas pela Universidade Federal do Paraná (UFPR). Coordenadora do Programa de Federalização de Rodovias e do Programa Estradas da Liberdade. E-mail: [email protected]

*** Economista, doutor em Economia Industrial e da Tecnologia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Professor Adjunto do Departamento de Economia da UFPR. E-mail: [email protected]

RESUMO

O artigo discute o processo de concessão de rodovias ocorrido no Paraná, confrontando-o com as teorias econômicas e com as inconsistências de implementação e gestão que o norteiam. Defende-se a hipótese de captura do aparato regulatório tradicional pelo setor privado, que, desde o planejamento, esteve envolvido na estruturação do Programa de Concessão de Rodovias do Paraná. As Teorias da Regulação e da Captura servem como um referencial importante na constatação de ausência total de um marco regulatório para o processo.

Palavras-chave: regulação; concessão de rodovias; setor rodoviário; captura.

ABSTRACT

The article discuss the process of concession of roads in Parana confronting with the economic theories and with the inconsistence of the process of implementation and managerment. The hypotesis of the paper is the capture of the regulatory apparatus by the private sector since the planing process was developed.. The theory of Regulation and Capture is used in order to analyse the lack of regulatory mandate for the process.This article analyses the process of road concession in Paraná by confronting this process with the economic theories as well as with the inconsistency of implementation and management that guide it. The main hypothesis of the paper is that the capture of the traditional regulatory apparatus was made by the private sector, which was involved in the program of road concession since the planning stage. The theories of regulation and capture were vey useful for proving the absolute lack of a regulatory framework for that process.

Keywords: regulation; road concession in Paraná; concession contract; capture.

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A Concessão de Rodovias Paranaenses: um serviço público sob a ótica do lucro

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INTRODUÇÃOEm 1995, a malha rodoviária federal do Paraná totalizava 3.140 km de rodovias

pavimentadas, das quais 15% apresentavam boas condições, 52% apresentavam condições regulares e 33% condições ruins, exigindo serviços de restauração ou reconstrução de certos trechos (PARANÁ, 1995a). Em função do processo de deterioração da malha, resultante da ausência de investimentos necessários à manutenção das rodovias e da redução da capacidade de aplicação de novos recursos na malha viária, o governo federal decide descentralizar a gestão pública do setor, através de convênios de delegação de rodovias não pertencentes ao sistema troncal do País, aos estados e municípios.

Neste contexto surge o Programa de Concessão de Rodovias do Paraná, a partir da delegação de parte da malha rodoviária federal paranaense, no âmbito da necessidade de vultosos investimentos e escassez de recursos públicos.

A resposta do setor empresarial diante da nova oportunidade de negócios rentáveis foi extremamente positiva na disputa pela outorga das rodovias em concessão. Além disso, as facilidades oferecidas pelo modelo proposto permitiram a tomada de empréstimos a juros de mercado, repassados às tarifas do pedágio, o que garantiu às concessionárias não terem que efetuar investimentos significativos, comparativamente àqueles feitos pelo Estado na implementação e manutenção de toda a infra-estrutura rodoviária (MACHADO, 2002).

Os usuários, embora conscientes da necessidade de investimentos na recuperação das rodovias e desejosos de uma ação rápida neste sentido, não se mostraram totalmente favoráveis ao processo de concessão, uma vez que a eles restaria o “ônus” imposto pela tarifa do pedágio.

O conflito de interesses que colocaria em discussão a exeqüibilidade do processo ficou evidenciado quando, em 1998, próximo das eleições estaduais e depois de licitados lotes que previam investimentos de mais de R$ 3 bilhões, o governo do Estado decidiu, unilateralmente, reduzir em 50% o valor do pedágio (e em proporção semelhante, os investimentos), pressionado por grupos organizados de usuários. Iniciou-se, a partir desse fato, uma série de confrontos judiciais entre o Estado do Paraná e as empresas concessionárias.

As constantes reclamações dos transportadores de cargas e dos usuários em geral, somadas às dificuldades enfrentadas pelo órgão estadual responsável para fiscalizar os contratos, demonstram a fragilidade do modelo e a existência de amplas brechas regulatórias acerca de sua implementação. Levando em conta que uma das justificativas oficiais para a concessão era a ineficiência estrutural do Estado, o processo de concessão à iniciativa privada atingiu os objetivos propostos de melhoria nas condições da malha e de satisfação dos usuários? Ou seja, criou-se uma condição de eqüidade?

O presente artigo se propõe analisar a privatização da operação de rodovias paranaenses, que passaram de bem público a objeto de lucro empresarial, de forma a buscar nos motivos que a deflagraram, nos meios utilizados para sua implementação e nos resultados obtidos, a explicação para os conflitos gerados por esse processo.

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1 A TEORIA ECONÔMICA COMO BASE PARA O PROCESSO DE REGULAÇÃO

Segundo Viscusi, Vernon e Harrington (1995), economia da regulação refere-se às restrições impostas pelos governos sobre as decisões das firmas em relação a preços, quantidades e entrada e saída. A eficiência alocativa de uma indústria regulada é determinada tanto pelas forças de mercado quanto pelos processos administrativos. Um governo não pode regular todas as decisões, pois é impossível monitorar perfeitamente firmas e consumidores. Existe também a impossibilidade de se estabelecerem contratos perfeitos. Decorre disso que as forças de mercado têm papel relevante em relação ao grau de intervenção do governo.

Para Possas, Fagundes e Pondé (1998), o objetivo central da regulação de atividades econômicas não é promover a concorrência, mas aumentar o nível de eficiência econômica dos mercados, apesar de, em muitos casos, estes objetivos serem coincidentes, uma vez que um aumento da concorrência – espontâneo ou como resultado de política – com freqüência conduz a maior eficiência.

Da mesma forma, Pires e Piccinini (1999) entendem que a regulação deve estar focada em três pontos: “[...] incentivar e garantir os investimentos necessários, promover o bem-estar dos consumidores e usuários e aumentar a eficiência econômica” (p.219).

Segundo esse enfoque, seus objetivos são:

buscar a eficiência econômica, garantindo o serviço ao menor custo para ��

o usuário;

evitar o abuso do poder de monopólio, assegurando a menor diferença entre ��

preços e custos, de forma compatível com os níveis desejados de qualidade do serviço;

assegurar a universalização do serviço;��

assegurar a qualidade do serviço prestado;��

estabelecer canais para atender às reclamações dos usuários ou consumidores ��

quanto à prestação dos serviços;

estimular a inovação (identificar oportunidades de novos serviços, remover ��

obstáculos e promover políticas de incentivo à inovação);

assegurar a padronização tecnológica e a compatibilidade entre ��

equipamentos;

garantir a segurança e proteger o meio ambiente �� (PIRES e PICCININI, 1999).

Para esses autores a grande complexidade da tarefa regulatória advém principalmente da assimetria pró-produtores, que diz respeito às dimensões externa e interna das firmas, correspondendo, respectivamente, à seleção adversa e ao perigo moral. No que diz respeito à seleção adversa, o agente regulador não tem o mesmo nível de informação da firma regulada no que tange aos fatores exógenos relacionados à eficiência da firma, tais como parâmetros tecnológicos, comportamento da demanda etc. O perigo

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A Concessão de Rodovias Paranaenses: um serviço público sob a ótica do lucro

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moral, por sua vez, decorre do fato de que somente a firma regulada conhece determinados parâmetros endógenos, como os referentes a custos, medidas administrativas, dentre outros. O resultado dessa assimetria é a possibilidade de manipulação de tais informações, incorrendo em vantagens indevidas na revisão dos contratos ou na definição de metas regulatórias.

Viscusi, Vernon e Harrington (1995) definem três estágios para o processo regulatório: i) um arcabouço legal que irá reger a indústria regulada; ii) a implementação dessa legislação, através da agência reguladora; e iii) a desregulação, ou seja, a retirada do Estado do setor regulado.1

O aspecto importante a ser destacado em relação aos estágios a que Viscusi, Vernon e Harrington (1995) se referem é o de etapas sucessivas e seqüenciais. Ou seja, no processo de construção da atividade regulatória o segundo estágio depende do primeiro, e o terceiro não deverá ocorrer sem que os dois primeiros tenham ocorrido.2

Segundo Viscusi, Vernon e Harrington (1995), os instrumentos de regulação geralmente estão centrados nos seguintes aspectos:

i) controle de preços (tarifas), visando evitar a prática de fixação de preços abusivos por parte do monopolista;

ii) condições de entrada e saída no mercado, por meio da criação de barreiras institucionais visando assegurar o aproveitamento dos ganhos de eficiência ao longo de toda a cadeia produtiva, permitindo inclusive a adoção de subsídios cruzados;

iii) controle de qualidade do serviço prestado. Apesar da sua importância, este mecanismo regulatório sofre restrições em razão do elevado custo de sua implementação.

Pires e Piccinini (1999) acrescentam alguns aspectos relevantes, que se somam às colocações de Viscusi, Vernon e Harrington (1995), para garantir uma regulação eficaz, e destacam instrumentos como:

agências independentes. Devido ao aumento da complexidade da ��

indústria, com a entrada do setor privado, as agências necessitam de total independência em relação a todos os agentes envolvidos, para garantir a defesa do bem-estar da sociedade e mediar conflitos. A independência das agências implica autonomia financeira, diretorias estáveis, corpo técnico especializado, transparência e, finalmente, suas funções e atribuições devem estar bem definidas por marco regulatório preexistente;

1 Como se verá adiante, este último estágio foi o que ocorreu no Brasil, por conta das condições propostas no Consenso de Washington, com o aval do Fundo Monetário Internacional e do Banco Mundial, em que uma política liberalizante deu início às privatizações e concessões das chamadas utilidades públicas.

2 No caso das concessões de rodovias paranaenses, que será apresentado adiante, isso não se estabeleceu, uma vez que o processo ocorreu sem que houvesse um marco regulatório para o setor.

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Rejane Karam e Walter Tadahiro Shima

monitoramento dos contratos de concessão de forma a garantir uma ��

adequada fiscalização da qualidade dos serviços prestados, o cumprimento dos planos de investimento e as metas de universalização dos serviços. Esta atividade é bastante complexa e envolve elevados custos regulatórios. Contudo, na medida em que existam definições de metas de desempenho e códigos de conduta para atendimento ao usuário, bem como penalidades para possíveis falhas na prestação dos serviços, contempladas nos contratos e embasadas por um marco regulatório, o monitoramento dos contratos poderá ser extremamente facilitado.

O controle de preços é considerado um importante instrumento regulatório para a garantia do funcionamento eficiente do mercado. Neste sentido, Pires e Piccinini (1999) sublinham a necessidade da introdução de mecanismos de incentivo à eficiência dinâmica3, de forma a permitir a apropriação dos consumidores de parte dos ganhos de produtividade.

1.1 TEORIA DA CAPTURA

Segundo esta abordagem, existe a captura do Estado quando a regulação é pró-produtor. Ou seja, o Estado encontra-se indevidamente a serviço do interesse privado, passando a “confundir” os interesses de determinados grupos com os de toda a sociedade.

Na sua forma original, a Teoria da Captura apresentava deficiência de simetria em relação ao regulador benevolente. Se antes o agente regulador era visto como essencialmente voltado para o bem-estar social, agora ele passava a ser encarado como a entidade que apenas sancionava passivamente os interesses privados das empresas reguladas. Como o processo regulatório é extremamente complexo e envolve vários grupos de interesse, não foi difícil encontrar evidências empíricas que contrariassem esta interpretação mais superficial do processo de captura. No entanto, para a maior parte dos casos analisados, a hipótese da captura mostrou-se essencialmente válida (VISCUSI, VERNON e HARRINGTON, 1995).

Conforme salienta Pinto Jr. e Silveira (1999), destacam-se três modelos desenvolvidos com base nesta abordagem: os de Stigler, de Peltzman e de Becker. Todos questionam a eficiência da regulação, devido ao risco de captura do regulador por parte dos grupos de pressão.

Segundo Viscusi, Vernon e Harrington (1995), na versão desenvolvida por Stigler há duas premissas iniciais:

1. o Estado tem o poder de coerção. Caso um grupo de interesse consiga fazer com que o Estado use seu poder de coerção em seu favor, ele poderá incrementar seu bem-estar;

3 Eficiência Dinâmica ou Seletiva implica a capacidade, enquanto ambiente competitivo, de induzir e de selecionar inovações de produto/processo que possam levar à eventual redução de custos e preços e à melhoria da qualidade dos produtos (POSSAS; FAGUNDES; PONDÉ, 1998).

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2. os agentes são racionais e, portanto, escolhem as suas ações de maneira a maximizar suas utilidades.

Dessas duas premissas resulta a hipótese de que a regulação é requerida em resposta às demandas de grupos de interesse, agindo no sentido de maximizar suas rendas. Há, portanto, uma ampliação do papel da regulação e de sua dimensão política.

Os três modelos – Stigler, Peltzman e Becker – apresentam uma nova configuração acerca do debate sobre regulação econômica, que se distancia bastante da mera correção de falhas de mercado. Essas teorias, como destacam Pinto Jr. e Silveira (1999), vêm enfatizando a necessidade de se ampliar o escopo de análise em relação ao problema da regulação de monopólios, não apenas introduzindo elementos de bem-estar social, mas também atentando para o ambiente em que ocorre a regulação, de maneira a considerar problemas decorrentes dos efeitos sobre a cadeia produtiva e, em particular, da atuação dos grupos de pressão.

1.2 AS AGÊNCIAS DE REGULAÇÃO

A crescente competição na área de serviços públicos pode levar, em muitos casos, à transformação de um monopólio público em um monopólio privado. Neste caso é imprescindível reconhecer a importância do Estado regulador em contraponto ao modelo de Estado empresário antes predominante. Por conta disso, a privatização deve ser acompanhada da criação de um marco regulatório que promova a concorrência, e, na impossibilidade de fazê-lo devido a peculiaridades técnicas e econômicas da indústria, que reproduza essas condições de competição por meio da regulação (PIRES

e PICCININI, 1999).Segundo esses autores, a regulação dos serviços públicos de infra-estrutura, em

que o caráter interveniente é denominado de regulação ativa, não promove necessariamente a concorrência, mas tende a substituí-la por mecanismos e metas regulatórios.

Ao mesmo tempo em que devem ser estabelecidos novos marcos regulatórios, reunindo normas e critérios ordenadores de cada atividade delegada ao empresário privado, surgem as Agências Reguladoras, organismos constituídos pelo Poder Público, com o objetivo de melhorar a governança regulatória, sinalizando o compromisso dos legisladores de não interferir no processo regulatório e tranqüilizando os investidores potenciais e efetivos quanto ao risco de não cumprimento dos contratos administrativos pelo poder concedente, além de intermediar os conflitos entre as empresas concessionárias e os usuários (OLIVEIRA, 2004).

Segundo Cuéllar (2001), não há lei brasileira que defina o que seja agência reguladora, não existindo parâmetros normativos genéricos, prefixados de forma clara e precisa, a conceituar o que é uma agência reguladora. Esta novidade legislativa vem se configurando aos poucos e de forma desconexa, na medida em que vão surgindo as próprias agências. Dessa forma, na ausência de lei genérica que defina o que é uma agência reguladora, torna-se necessário o estudo do seu perfil.

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O modelo instituído no Brasil para as agências reguladoras encontra-se amparado na Lei de Concessões nº 8.987/95 e, embora as agências reguladoras brasileiras se destinem, em sua maioria, a regular serviços públicos delegados a particulares, é imperioso destacar que a função desempenhada por agências reguladoras pode ter por objeto outras atividades econômicas, como ocorre com os órgãos norte-americanos e franceses encarregados de garantir a liberdade da concorrência e reprimir condutas abusivas que restrinjam a livre concorrência. No Brasil, o âmbito de atuação das agências reguladoras não se limita aos serviços públicos. A Agência Nacional de Petróleo, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária e a Agência Nacional de Saúde Suplementar, por exemplo, possuem objeto diverso, pois não regulam, controlam ou fiscalizam um serviço público, mas se referem a uma atividade economicamente relevante.

No que tange às atividades econômicas (em sentido estrito) que se submetem à fiscalização dos entes regulados, saliente-se que a missão das agências é regular, normatizar, controlar e fiscalizar as atividades desenvolvidas por particulares, tendo em vista o interesse público (desenvolvimento de ações de proteção à saúde, no caso da Agência Nacional de Saúde Complementar e da Agência Nacional de Vigilância Sanitária) e a defesa dos interesses dos consumidores, almejando a manutenção da qualidade dos serviços e produtos ofertados, os preços justos, o respeito aos menos privilegiados e às minorias, entre outros.

Segundo Pires e Piccinini (1999), uma das principais características da agência, que garantirá o adequado desempenho da sua missão regulatória, deve ser a independência tanto em relação ao governo quanto aos demais agentes do setor. Ademais, para que a agência enfrente os desafios regulatórios de forma eficiente, deverá ser dotada dos seguintes atributos: estabilidade dos dirigentes; corpo técnico especializado; transparência das ações; clara atribuição de funções; e estabelecimento de mecanismos de cooperação com outros órgãos que tenham interface com as atividades reguladas.

A determinação de um modelo de regulação para o caso brasileiro não é uma tarefa fácil, uma vez que não há na Lei de Concessões os princípios, diretrizes e regras gerais a que se deve obedecer para o ordenamento de tais agências reguladoras, o que dificulta o alcance de certa uniformidade em relação a questões essenciais, tais como: i) seus objetivos, funções e principais atribuições; ii) sua estrutura organizacional e de custeio; iii) a formatação jurídica do órgão e o grau de independência em relação ao poder público (MORAES, 1997).

Associada a isso, a situação da atividade regulatória entre os setores de infra-estrutura no Brasil é bastante desigual, considerando ainda os “[...] diferentes timings e modelagens das reformas em cada segmento que os constituem” (PIRES e

PICCININI, 1999).Os autores acima ressaltam os grandes desafios que o setor de transportes,

especificamente, vem atravessando para a constituição de um ambiente regulatório

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adequado à atração de investimentos privados e à promoção da eficiência setorial e do bem-estar dos usuários. Apesar da inserção de diversas concessionárias privadas nas diferentes áreas do setor de transportes, a regulamentação existente ainda demonstra precariedade, principalmente nos âmbitos estadual e municipal.

Na esfera federal a opção regulatória adotada foi a criação de agências setoriais4 que atuam em determinadas atividades e segmentos específicos5. Sob essa ótica, através da Lei nº 10.233 de 05/06/2001 foi criada a ANTT (Agência Nacional de Transporte Terrestre), vinculada ao Ministério dos Transportes e cuja natureza jurídica é de autarquia em regime especial, caracterizado por independência administrativa, autonomia financeira e funcional e mandato fixo de seus dirigentes (GARCIA, 2004).

Para os setores aquaviário e aeroviário, existem duas outras entidades reguladoras, a saber: a ANTAQ – Agência Nacional de Transporte Aquaviário (criada pela mesma lei que deu origem à ANTT) – e o DAC - Departamento de Aviação Civil. A Lei nº 10.233/2001 criou também o Departamento Nacional de Infra-estrutura de Transportes (DNIT), de natureza autárquica, que veio substituir o DNER (Departamento Nacional de Estradas de Rodagem). Estão sob atuação do DNIT as vias navegáveis, ferrovias e rodovias federais, e as instalações portuárias. As competências entre DNIT e agências reguladoras não sofrem superposição, uma vez que somente a parte de infra-estrutura não concedida ou arrendada está sob a tutela do DNIT, cujo objetivo é implementar políticas voltadas à administração da infra-estrutura do Plano Nacional de Viação (PNV), compreendendo sua operação, manutenção, restauração, adequação e ampliação de capacidade mediante a construção de novas vias.

Segundo Fiani (2003b), a segmentação da atividade reguladora no setor de transportes em nível federal, no Brasil, que caracteriza uma herança institucional, “[...] favorece a captura da agência, através da constituição de redes de política restritas apenas a um determinado segmento do setor de transportes”. Fiani destaca o conceito de redes de política, ou policy networks, como sendo as ligações que se estabelecem entre o setor público e o privado no momento da implementação de uma política. As redes de política permitem estabelecer canais de acesso aos processos de tomada de decisão. Em termos de formulação de políticas públicas que atendam aos interesses mais gerais da população, Fiani (2003b) apresenta como situação ideal o pluralismo de pressões, ou seja, um número relativamente grande de grupos de pressão, todos com certa importância, de tal forma que nenhum deles, isoladamente, consegue impor sua força. Esse tipo de situação transforma a agência reguladora em mediador entre

4 A título de exemplo, cita-se: ANEEL – Agência Nacional de Energia Elétrica, ANP – Agência Nacional do Petróleo, ANS – Agência Nacional de Saúde Suplementar e a ANATEL – Agência Nacional de Telecomunicações.

5 Em alguns estados, ao contrário do que ocorre em nível federal, optou-se por um modelo de regulação multissetorial. Como exemplo, cita-se: a Agência Reguladora de Serviços Públicos Concedidos do Estado do Rio de Janeiro – ASEP, a Agência Estadual de Serviços Públicos Delegados do Rio Grande do Sul – AGERGS, a Agência Reguladora de Serviços Públicos Delegados do Ceará – ARCE e a Agência Estadual de Serviços Públicos do Espírito Santo – AGESP. No Estado do Paraná foi criada a Agência Reguladora de Serviços Públicos Delegados de Infra-estrutura, através da Lei Complementar nº 94 de 23/07/2002. Porém, até o momento, não foi regulamentada.

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os interesses concorrentes. Para garantir o pluralismo de pressões, é necessário que as agências responsáveis por um determinado setor abram o maior número de canais de acesso aos processos de tomada de decisão.

2 FUNDAMENTAÇÃO DOS ELEMENTOS ESSENCIAIS PARA O PROCESSO DE CONCESSÃO DAS RODOVIAS NO PARANÁ

Entre o início dos anos 1980 e meados dos anos 1990, os investimentos da União destinados ao setor rodoviário caíram de 2,5 bilhões de dólares/ano para 0,4 bilhão de dólares/ano (LEE, 1996). Como reflexo dessa política, o Paraná observou deterioração das suas principais rodovias, associada ao sucateamento dos órgãos públicos responsáveis. O quadro era de extremo abandono e sua gravidade se refletia nas estatísticas de acidentes e óbitos registrados.

Em 1995 a malha rodoviária do Estado do Paraná era composta por 15.284 km de rodovias pavimentadas, sendo que, deste total, 9.740 km eram rodovias estaduais e 3.096 km correspondiam à malha rodoviária federal. As rodovias federais compunham as principais ligações do Estado, com os maiores volumes de tráfego, inclusive por suas características físicas e estruturais, com pistas largas e acostamentos de ambos os lados (PARANÁ, 1995a).

O Estado do Paraná exerce a jurisdição de sua malha através da Secretaria de Estado dos Transportes, entidade responsável pela formulação da política rodoviária, e pelo Departamento de Estradas de Rodagem, entidade autárquica a quem cabe a execução da política rodoviária. Sem que se tenha informação da existência de um planejamento mais detalhado e sem o cuidado de alicerçar o programa que estava por ser desenvolvido em um marco regulatório que garantisse sua exeqüibilidade de forma institucional e jurídica, foi instituído pela Secretaria dos Transportes o Grupo de Assessoramento para o Planejamento de Investimentos em Infra-estrutura de Transportes (Gapit), mediante a Resolução nº 043 de 07/03/1995. O Gapit tinha por finalidade coordenar os assuntos referentes à concessão de infra-estrutura de transportes no Estado do Paraná (PARANÁ, 1996a). Esse grupo, coordenado por pessoas que não pertenciam ao quadro funcional do Estado, demonstrou ter grande poder político, reportando-se diretamente ao governador do Estado e mobilizando quase toda a estrutura do órgão rodoviário para o atendimento das ações por ele estabelecidas, sem, contudo, esclarecer os reais objetivos do trabalho que estava sendo desenvolvido.

O estudo de viabilidade para implantação do Programa de Concessão de Rodovias do Paraná foi realizado pelo Consórcio Cogito/Engefoto e compreendeu levantamentos relativos a:

contagens de tráfego;��

avaliação das condições do pavimento das rodovias federais e estaduais ��

e das obras de arte especiais, baseada no método “Levantamento Visual Contínuo”;

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pesquisa de opinião pública;��

levantamento aerofotogramétrico;��

projetos básicos de engenharia dos trechos a serem concedidos �� (PARANÁ, 1996d).

O método adotado para a análise de viabilidade foi o da Taxa Interna de Retorno (TIR), em que se considera um empreendimento atrativo financeiramente quando a taxa interna de retorno for maior ou igual à taxa de mínima atratividade da empresa (TMA), com base num fluxo de caixa.

No caso das concessões, o fluxo de caixa consistiu nas entradas representadas pela cobrança do pedágio ao longo do período de concessão, e nas saídas, que constituem as obras e serviços a serem realizados pelas concessionárias, de acordo com as necessidades detectadas nos trabalhos de campo. O montante de entradas considerado para o estudo de viabilidade compreendeu a projeção do fluxo de veículos e as tarifas de pedágio adotadas para um horizonte de concessão de 24 anos.

Ressalte-se que o tráfego projetado foi minorado por meio da inserção de dois fatores inibidores/redutores do tráfego esperado:

1. considerou-se uma parcela de usuários que poderiam reduzir o número de viagens em função da cobrança do pedágio (efeito-fuga), com base em pesquisa de opinião realizada pelo Instituto Bonilha, em agosto de 1995, em 14 trechos rodoviários do Estado;

2. a migração de parte do tráfego que utiliza as rodovias a serem concedidas para a Ferroeste, caracterizando uma mudança no modal de transporte.

Além da omissão dos índices adotados, também não consta no trabalho a metodologia utilizada quanto à magnitude e duração do efeito-fuga, uma vez que a cobrança do pedágio teria impacto no tráfego apenas a curto ou médio prazo, considerando-se um período de concessão de 24 anos.

O “Estudo da Receita”, integrante do estudo de viabilidade do programa, cita ainda que a evolução do tráfego é de fundamental importância para a determinação do equilíbrio econômico-financeiro do negócio. Contudo, alega, na seqüência, que “os estudos de tráfego para esse tipo de trabalho servem como balizadores do potencial de receita e sua variação, por trecho de concessão, não precisando, necessariamente, ser muito detalhados, uma vez que a responsabilidade sobre a projeção caberá à futura Concessionária, que assumirá, contratualmente, o ‘risco do tráfego’” (PARANÁ, 1996d).

Considerando que a determinação do tráfego é um dos componentes para a definição da tarifa básica e que o seu comportamento poderá apresentar tanto redução quanto aumento na sua evolução, caberia ao Estado não somente uma análise detalhada do tráfego atual e futuro, mas também o acompanhamento dessa evolução para posteriores ajustes.

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Por outro lado, as despesas consideradas ao longo da concessão foram majoradas, principalmente os investimentos iniciais, representadas pelas intervenções para recuperação emergencial e pelos melhoramentos que teriam por objetivo a operação das vias. Como justificativa para tais incrementos, o estudo alega que “O mercado de serviços rodoviários do Estado do Paraná irá viver um período de grande demanda, já que as expressivas quantidades previstas nos editais deverão ser aplicadas de forma concentrada em um período curto (seis meses)” (PARANÁ, 1996d).

Foram citados alguns serviços considerados mais críticos quanto à sua utilização na fase de recuperação emergencial, a partir dos seguintes fatores:

a) crescimento da demanda de materiais pétreos e derivados de petróleo e, ainda, de material para sinalização horizontal e vertical das vias, diminuindo a oferta e, conseqüentemente, aumentando os preços;

b) crescimento da demanda de máquinas e equipamentos rodoviários para pavimentação, tais como vibro-acabadoras e fresadoras, com o conseqüente aumento dos preços;

c) realização de serviços descontínuos não contemplados na tabela de custos do DER/PR, cuja operação é mais onerosa.

Com base nesses pressupostos, sem que seja mencionado qualquer estudo de demanda, o estudo de viabilidade considera “conservadoramente” adequado um acréscimo da ordem de 40% ao custo orçado para os serviços de Recuperação de Emergência, com base nas tabelas convencionais.

Ainda assim, levando em conta os elementos minoradores do tráfego e majoradores dos custos acima expostos, que minimizaram os riscos, o estudo indicou viabilidade para o empreendimento a uma Taxa Interna de Retorno da ordem de 22%.

Outros estudos desenvolvidos sob a coordenação do Grupo de Concessões (Gapit), incluindo a “Estrutura de Pedagiamento”, “Modelos de Operação” e “Estudos de Tráfego”, formam os elementos referenciais para a elaboração dos contratos e das tarifas básicas, cuja estrutura de composição não foi encontrada no pequeno acervo de documentos deixado pelo Gapit na Secretaria dos Transportes e no DER/PR.

3 CARACTERÍSTICAS DO PROGRAMA DE CONCESSÃO DE RODOVIAS DO ESTADO DO PARANÁ

As rodovias que constituem o Programa de Concessões do Paraná formam um polígono chamado de Anel de Integração, que liga as principais cidades paranaenses (Ponta Grossa, Londrina, Maringá, Cascavel e Guarapuava) à capital do Estado e ao Porto de Paranaguá. O Programa foi concebido inicialmente englobando 2.035,5 km de estradas pavimentadas a serem concedidas, sendo 1.691,6 km de rodovias federais e 343,9 km de rodovias estaduais (PARANÁ, 1997c).

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A idealização do Anel de Integração pela equipe de governo do então governador Jaime Lerner foi sustentada pela proposta de descentralização do Estado com o intuito de oferecer uma infra-estrutura mais adequada ao interior, visando atrair indústrias e novas oportunidades de serviços para os pólos regionais situados dentro do polígono (PARANÁ, 1997a).

Em agosto de 1996 foram pré-qualificados 15 consórcios para apresentar proposta técnica e comercial dos lotes do Programa. Desses, 14 efetivamente apresentaram propostas entre 16 e 18 de julho de 1997. O resultado final do processo licitatório foi divulgado em setembro de 1997 e a assinatura dos contratos deu-se em novembro daquele ano.

Os editais indicavam os locais das 26 praças de pedágio e as respectivas tarifas a serem cobradas, ambos determinados pelo Grupo de Concessões (Gapit), que, segundo técnicos do DER/PR, teria se baseado unicamente no estudo de viabilidade anteriormente contratado. A extensão global de rodovias concedidas foi dividida em seis lotes, com prazo de exploração de 24 anos.

O critério de julgamento para a definição das propostas vencedoras foi o de maior oferta. Ou seja, a empresa vencedora de cada lote foi aquela que ofertou a maior extensão de rodovias de acesso aos lotes do Programa, a serem reabilitadas e mantidas pela concessionária durante o período de contrato. A oferta corresponde ao total de 308,29 km de rodovias. Após a finalização dos trabalhos de recuperação inicial, executados nas rodovias principais no primeiro semestre de 1998, e da construção e instalação das praças de pedágio, a cobrança foi iniciada na segunda quinzena de junho de 1998.

Não foi previsto pagamento em dinheiro pela outorga da concessão e/ou retenção de parcela das receitas decorrentes da exploração das rodovias (como é o caso das concessões em São Paulo) e, também, não foi considerado o julgamento pela menor tarifa, cujos valores foram previamente estabelecidos no Edital de Concorrência. A escolha do julgamento pela maior oferta de trechos de acesso, em detrimento da opção pela menor tarifa, apesar do seu amparo legal, foi criticada pelo Tribunal de Contas da União, que posteriormente determinou à Agência Nacional de Transporte Terrestre (ANTT) que a partir da delegação de novos trechos de rodovias federais exigisse a utilização do critério de menor valor da tarifa de pedágio no julgamento das propostas de licitação para concessão.

4 A GESTÃO DO PROGRAMA DE CONCESSÕES

O Departamento de Estradas de Rodagem do Paraná, até a implantação do Programa de Concessão de Rodovias, teve sua estrutura voltada exclusivamente para a construção, restauração e conservação da malha viária estadual. Vale lembrar que, entre as décadas de 1970 e 1980, o DER do Paraná esteve entre os melhores do País, exportando conhecimento e tecnologia para outros estados e até mesmo para outros países, através de técnicos conhecidos internacionalmente.

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Rejane Karam e Walter Tadahiro Shima

Com o esvaziamento dos recursos destinados ao setor rodoviário paranaense, a exemplo do que ocorreu em nível nacional, somaram-se três fatores que contribuíram significativamente para o desmantelamento da máquina pública. São eles: (i) a descontinuidade de planejamento em políticas públicas, decorrente da crescente ingerência política em detrimento de critérios técnicos, o que resultou em perda de credibilidade para o setor público rodoviário; (ii) as baixas sofridas e não repostas do quadro de pessoal do DER do Paraná, seja por aposentadoria ou ainda por afastamento voluntário de técnicos absorvidos pela iniciativa privada; e (iii) a falta de treinamento e cursos de atualização para o quadro de pessoal remanescente, provocando um atraso tecnológico.

Desta forma, o corpo técnico do DER/PR, que até então jamais tivera experiência técnico-administrativa voltada para a concessão de rodovias, também institucionalmente necessitava de uma nova modelagem. Contudo, com a extrema rapidez com que o Programa de Concessão se iniciou, sua coordenação ficou a cargo da Diretoria de Conservação do DER. Posteriormente, na reestruturação do órgão, a ação de conservação passou para a Diretoria de Operações, que criou a Coordenadoria de Concessão e Pedagiamento, responsável atualmente pela coordenação e gerenciamento das ações relativas ao Programa de Concessões, embora as decisões políticas e estratégicas estejam concentradas na Casa Civil.

O Gapit, que até então controlava todas as ações e decisões referentes ao processo de concessão, da mesma forma e rapidez com que se instalou nas dependências da Secretaria dos Transportes se desmobilizou, deixando documentação incompleta e nenhum dado eletrônico, uma vez que os computadores utilizados pela equipe foram todos formatados. Para dar apoio e assessoramento à fiscalização das obras e serviços realizados pelas concessionárias, o DER/PR contratou sete empresas de consultoria, sendo uma para cada lote e uma empresa de apoio à supervisão geral do programa.

Ao final do mês de julho de 1998, o governo Jaime Lerner promoveu uma redução tarifária mediante Termo de Alteração Unilateral dos contratos de concessão (PARANÁ, 1997d), que teve como conseqüência uma disputa judicial entre o DER/PR e as concessionárias, caracterizando a fragilidade na gestão do Programa de Concessões. Na ocasião, o DER/PR procurou auxílio especializado objetivando a busca de soluções para os impasses criados. O primeiro material a esse respeito, contratado em 1999, constitui-se de parecer sobre aspectos ligados à financiabilidade dos contratos de concessão e “[...] comprova a existência do desequilíbrio econômico-financeiro dos seis contratos de concessão” (KNOEPFELMACHER, 1999).

Em março de 2000, foram assinados Termos Aditivos aos Contratos de Concessão para ajustar os níveis tarifários alterados pelo Termo Unilateral imposto pelo Governo do Estado em 1998, que reduziu as tarifas de pedágio em 50%. Para possibilitar o equilíbrio econômico-financeiro dos contratos, foram reformulados os cronogramas de investimento inicialmente previstos. No final desse ano as empresas de consultoria

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elaboraram, a pedido do DER/PR, um documento “visando ao entendimento e solução de como gerenciar as concessões do Anel de Integração”. As conclusões apresentadas pelo trabalho indicam que o Programa de Concessões precisa ser “repensado” de forma que os agentes envolvidos no processo exerçam seus papéis em consonância com o objetivo proposto de prestar um serviço adequado ao usuário das rodovias paranaenses (PARANÁ, 2001a).

Entre os problemas estruturais básicos do programa paranaense, o documento aponta a constatação de que o objeto da concessão estava relacionado apenas à “concessão de obras públicas” e não à “prestação de serviços públicos” conforme apresentado na cláusula VI do Contrato de Concessão: “Este CONTRATO tem por objeto a recuperação, o melhoramento, a manutenção, a conservação, a operação e a exploração das rodovias principais e a recuperação, conservação e manutenção dos trechos rodoviários de acesso do LOTE” (PARANÁ, 1997e). Apesar de não discorrer mais sobre o problema apontado, o trabalho levanta uma questão extremamente importante, tendo em vista a relação direta entre a prestação de serviço público e o usuário.

A concessão de rodovias envolve a associação desses dois conceitos, destacando que a obra pública gera um produto e o serviço público uma atividade, que tende a gerar utilidade ao usuário. A figura do usuário como o centro do sistema fica prejudicada a partir da omissão da prestação de serviço público nos documentos referentes à concessão e, antes de parecer uma questão meramente conceitual, na prática foi o que se observou, demonstrando a falta de amadurecimento no planejamento do programa. O trabalho contratado pelo DER/PR, em outro momento, ressalta como uma das conclusões básicas o fato de que “[...] o usuário não foi ainda incorporado de forma consistente nas atividades de gestão e fiscalização das Concessões” (PARANÁ, 2001a).

Em 2002, novamente foram celebrados termos aditivos aos contratos de concessão, por conta da incorporação de novos trechos a serem explorados. Assim como em 2000, essa nova alteração na estrutura do programa, cuja finalidade é o reequilíbrio dos contratos, resultou em diminuição dos investimentos previstos, representada pelo cancelamento e/ou postergação de obras de melhorias e ampliação de capacidade das vias.

Com a incorporação dos novos trechos, o Programa de Concessão de Rodovias do Paraná totaliza 2.492,52 km de rodovias. As principais vias concedidas estão distribuídas em 2.184,23 km e as rodovias de acesso (oferta) somam 308,29 quilômetros (PARANÁ, 2005a).

A partir de abril de 2005, numa nova tentativa de garantir ao programa uma fiscalização adequada, o Estado do Paraná, através do DER/PR, firmou contrato com o Instituto de Tecnologia do Paraná (Tecpar), com a finalidade de assegurar que as obras e serviços de ampliação da capacidade e melhoria, restauração, manutenção e operação das vias, bem como o atendimento aos usuários e aos padrões de qualidade, estivessem de acordo com os respectivos editais, propostas técnicas, contratos de concessão, termos aditivos e Programas de Exploração do Lote (PER).

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Foram criadas equipes técnicas, sendo uma delas de apoio central, atuando na sede em conjunto com a Coordenadoria de Concessão e Pedagiamento do DER/PR, e outras cinco instaladas nas Superintendências Regionais do DER/PR, dando suporte direto e específico a cada lote, juntamente com os “gerentes” do DER/PR de cada contrato.

5 A REGULAÇÃO PELO CONTRATO DE CONCESSÃO

Os Contratos de Concessão de Obras Públicas celebrados entre o Estado do Paraná, por intermédio do DER/PR, tendo a União como interveniente, através do Ministério dos Transportes, bem como as Empresas Concessionárias vencedoras no processo licitatório nos diversos lotes, foram assinados em 14 de novembro de 1997. Em virtude da inexistência de outros dispositivos reguladores, constituem o instrumento regulatório de que dispõe o governo no sentido de regulamentar as relações entre o poder concedente e as concessionárias, visando basicamente ao cumprimento pela contratada do disposto no Programa de Exploração do Lote, mediante a cobrança de pedágio nas rodovias sob concessão.

O Termo Contratual relativo à Concessão de Rodovias é complementado pelos anexos a seguir relacionados:

i) Convênio de Delegação;

ii) Descrição do Lote;

iii) Relação de Trechos Rodoviários de Acesso;

iv) Programa de Exploração do Lote;

v) Estrutura Tarifária;

vi) Relação de Bens a serem cedidos à Concessionária;

vii) Informações sobre o Meio Ambiente;

viii) Projeto Básico.

O prazo de concessão é de 24 anos, e o contrato é regulado pelas disposições nele contidas e pelos preceitos de Direito Público, além da Teoria Geral dos Contratos e as disposições de direito privado.

A cláusula IV (item 2) estabelece, em linhas gerais, as prerrogativas do DER/PR em relação ao contrato de concessão:

a) alterá-lo, unilateralmente, para melhor adequação às finalidades de interesse público;

b) declarar caducidade;

c) fiscalizar-lhe a execução;

d) aplicar sanções, motivadas pela sua inexecução parcial ou total (PARANÁ, 1997e).

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No entanto, as cláusulas econômico-financeiras do contrato não podem ser alteradas e são salvaguardadas pelo contido no item 03 da cláusula IV: “As cláusulas econômico-financeiras deste CONTRATO não podem ser alteradas sem prévia concordância da CONCESSIONÁRIA”.

Com relação à autoridade do DER/PR para intervir na concessão e extingui-la, a cláusula XXIII – Dos Direitos e das Obrigações do DER define as incumbências do DER/PR:

c) intervir nas concessões, nos casos e nas condições previstos neste contrato;

d) alterar o CONTRATO e extinguir a concessão, nos casos nele previstos (PARANÁ,

1997e).

A intervenção prevista no item c é definida na cláusula XXVII, em que o DER/PR, através de Decreto do Governador, assume o controle das concessões a fim de assegurar a correta execução das obras e a adequada prestação dos serviços. Declarada a intervenção, o DER/PR instaurará processo administrativo, assegurando amplo direito de defesa. A intervenção tem prazo máximo de 180 dias e, não sendo extinta a concessão, os trechos e as rodovias serão devolvidos à concessionária.

As condições para a extinção da Concessão são previstas na cláusula XXVIII:

a) advento do termo contratual;

b) encampação;

c) caducidade;

d) rescisão;

e) anulação;

f) falência ou extinção da Empresa Concessionária (PARANÁ, 1997e).

Apesar desses termos do contrato, não é possível pensar em uma estrutura regulatória forte. Conforme já se relatou anteriormente, a experiência do DER/PR na gestão desse tipo de contrato é praticamente nula, o que comprova, já no início do processo, uma forte assimetria regulatória pró-concessionária. Do ponto de vista do contrato, as obrigatoriedades regulatórias estão postas de ambas as partes. Entretanto, a questão é que a estrutura regulatória ex-ante ao contrato é extremamente fraca. Ademais, por conta disso, a assimetria de informações já impõe ao suposto regulador uma condição de captura, uma vez que não dispõe de informações e parâmetros neutros que possam determinar sua ação. Portanto, o contrato é claro, mas o problema regulatório se encontra nas condições iniciais da construção do modelo.

Nessa direção, é possível discutir três momentos da brecha regulatória, como segue.

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5.1 UMA AÇÃO ALEATÓRIA DECORRENTE DA AUSÊNCIA DE UM MARCO REGULATÓRIO: O TERMO DE ALTERAÇÃO UNILATERAL

Durante o exercício da concessão, atendendo à manifestação dos usuários, o Governo do Estado alterou unilateralmente, em 1998, o contrato de concessão, fundamentado na cláusula IV - Item 2, acima apresentada. Esta medida promoveu uma alteração tarifária através da aplicação de redutores da ordem de 0,5 para os primeiros três anos, 0,8 para o período do 4o ao 6o ano e de 0,9 para o período do 7o ao 9o ano, voltando a tarifa aos padrões normais no 10o ano. Em contrapartida, o governo propôs a revisão dos programas de investimento, de forma a proceder ao equilíbrio econômico-financeiro, sob condições consideradas insuficientes pelas concessionárias que buscaram respaldo jurídico, culminando com medida liminar que as desobrigou da realização dos investimentos previstos.

Esta ação radical do governo, colocada em prática no início de uma campanha eleitoral, trouxe prejuízos para ambas as partes, rompendo com a harmonia necessária ao processo e fazendo com que os investimentos ficassem restritos aos serviços de operação, conservação e manutenção dos trechos concedidos. O resultado deste período de redução tarifária promoveu, entre outras implicações: (i) aumento da desconfiança dos agentes financiadores quanto ao futuro do empreendimento, dificultando as negociações de financiamentos de longo prazo em andamento e futuras; (ii) risco de comprometimento do programa perante a opinião pública, uma vez que as intervenções estariam restritas à operação e conservação das vias, fazendo com que o usuário, não percebendo melhorias significativas, colocasse em descrédito todo o processo.

Por outro lado, como bem observado no trabalho de Knoepfelmacher (1999, p.18):

[...] as propostas de reequilíbrio apresentadas pelo Poder Concedente envolveram um racio-cínio pelo qual os custos e despesas operacionais constantes das propostas das seis conces-sionárias foram alterados pela aplicação de fatores redutores. Essa prática não é adequada, pois os orçamentos de custos e despesas operacionais são partes integrantes do plano de negócios das concessionárias e, portanto, a única forma de alterar esses orçamentos seria alterando os encargos a eles impostos. Nada indica que haja relação direta entre a redu-ção de receitas decorrente da alteração das tarifas concedidas pelo Poder Concedente e a redução de despesas administrativas e operacionais nas rodovias, pois não houve alteração de encargos.

Esta observação reflete o caráter político da redução tarifária, uma vez que o índice aplicado não foi precedido de estudos necessários que demonstrassem o impacto da medida nos diversos itens contratados.

Nessa tentativa de intervenção regulatória mais forte, decorrente de uma ação aleatória fundamentada em interesses eleitoreiros, mais uma vez se constata que o governo da época ficou refém de suas próprias ações ao não estabelecer um marco regulatório prévio. Tentativas de alterações dessa natureza são impensáveis num marco regulatório amplo, em que haja independência do regulador frente a ações de natureza política.

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Uma das razões dos permanentes conflitos iniciados com a ação unilateral é justamente a ausência de independência, conforme previsto na teoria. Em função disso, a concessão fica refém das visões políticas do grupo que está no poder. As disputas judiciais podem se tornar infindáveis.

5.2 CONTINUIDADE DE CONFRONTO EM FACE DA AUSÊNCIA DE ARCABOUÇO REGULATÓRIO: A TENTATIVA DE ENCAMPAÇÃO

O atual governo, desde a campanha eleitoral, estabeleceu como sua plataforma a redução das tarifas do pedágio ou, ainda, sua extinção. Neste período, várias manobras jurídicas e técnicas foram realizadas, de ambas as partes, no intuito de assegurar os direitos previstos em contrato. Desde a divulgação, por parte do governo do Estado, do Decreto de Encampação mediante ato governamental, o assunto da concessão tornou-se freqüente na esfera judicial e na mídia nacional. De fato, dentre as alternativas contratuais, a encampação é aquela que não depende do desempenho da concessionária no exercício do contrato para sua decretação. No entanto, o contrato prevê na cláusula XXVIII (item 8) uma indenização às concessionárias, proveniente de:

a) prévia indenização das parcelas dos investimentos realizados não amortizados ou depreciados, por ocasião da encampação;

b) prévia assunção perante instituições financeiras credoras das obrigações contratuais da concessionária;

c) prévia indenização às concessionárias da totalidade dos débitos remanescentes perante instituições financeiras credoras;

d) prévia indenização de todos os encargos e ônus decorrentes de multas, rescisões e indenizações, devidos a terceiros, fornecedores, inclusive honorários advocatícios;

e) prévia indenização a título de remuneração do capital, através da margem de receita líquida prevista para o prazo restante da concessão.

Apesar da divulgação pelo governo, em 2004, do Decreto de Encampação, o montante de recursos necessário à efetivação desse ato (a ser pago previamente), estimado à época pela Fundação Getúlio Vargas em aproximadamente 4 bilhões de reais, teria impacto significativo nos cofres públicos, inviabilizando esta medida e fazendo com que o governo procurasse outras alternativas, inclusive acordos individuais com concessionárias no intuito de reduzir as tarifas.

5.3 IMPOSSIBILIDADE DE SE PENSAR NUMA ESTRUTURA TARIFÁRIA REGULADA INDEPENDENTE

De maneira simplificada, o volume de recursos do contrato é dado, por um lado, pelas receitas configuradas na cobrança do pedágio e, por outro, pelas despesas representadas por obras e serviços previstos no Programa de Exploração do Lote, durante o prazo de vigência do contrato. As receitas foram estimadas com base nos volumes

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de tráfego, a partir de contagens existentes no DER/PR ou realizadas por consultorias à época. Através das projeções de tráfego para o período de contrato obteve-se o fluxo periódico de receita e o seu montante ao final da concessão. As despesas foram calculadas como a soma dos recursos necessários à execução do conjunto de obras contido no Programa de Exploração do Lote, além dos serviços necessários à operação da rodovia pedagiada. Assim, desta previsão de receitas, despesas e resultado do investimento foi obtida a Tarifa Básica, remuneradora das atividades das concessionárias.

No entanto, este índice busca reajustar a tarifa básica de forma a repor as perdas monetárias no período considerado, não repercutíveis no equilíbrio econômico-financeiro do contrato, que está previsto na cláusula XIV:

1. O equilíbrio econômico e financeiro deste CONTRATO constitui condição fundamental do regime jurídico da concessão;

2. É pressuposto básico da equação econômica e financeira que presidirá as relações entre as partes o permanente equilíbrio entre os encargos da CONCESSIONÁRIA e as receitas da concessão;

3. As TARIFAS DE PEDÁGIO serão preservadas pelas regras de reajuste e de revisão previstas neste CONTRATO, com a finalidade que seja assegurada, em caráter permanente, a manutenção de seu inicial equilíbrio econômico e financeiro;

4. Sempre que forem atendidas as condições do contrato de concessão, considera-se mantido seu equilíbrio econômico e financeiro (PARANÁ, 1997e).

Como pode ser observado, embora a redação da cláusula XIV (item 2) faça crer que as receitas provenientes da cobrança do pedágio afetem o equilíbrio econômico-financeiro, na prática este é dado apenas no caso de acréscimo de encargos à concessionária. O equilíbrio é mantido ao longo do contrato através da “Revisão da Tarifa Básica”, prevista na cláusula XX, para os casos de:

i) criação, alteração ou extinção de impostos, após a data da apresentação da proposta comercial;

ii) acréscimo ou supressão de encargos no Programa de Exploração do Lote;

iii) acréscimo de custos da concessionária, por força maior;

iv) no caso de desapropriação de bens imóveis;

v) quando a concessionária promover a rescisão dos contratos de obras e serviços de engenharia vigentes à data da transferência do controle das rodovias, desde que o valor da verba indenizatória prevista não seja atingido ou ultrapassado;

vi) sempre que houver alteração unilateral do contrato, que comprovadamente altere os encargos da concessionária;

vii) quando a concessionária auferir receita alternativa, complementar ou acessória à concessão;

viii) no caso de modificações estruturais constatadas nos preços relativos dos fatores de produção, ou modificações substanciais nos preços dos insumos relativos aos principais componentes de custos considerados na formação da Proposta Comercial da empresa (PARANÁ, 1997e).

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Assim sendo, embora a redação contratual da cláusula XIII – “Do Risco Geral de Trânsito”, a seguir apresentada, seja taxativa em relação às postulações por parte das concessionárias para uma redução do tráfego previsto, ela não prevê a revisão do inicial equilíbrio econômico-financeiro para o acréscimo de receitas advindas de um incremento de tráfego:

1. A Concessionária assumirá, integralmente e para todos os efeitos, o risco de trânsito inerente à exploração do LOTE, neste se incluindo o risco de redução do volume de trânsito, inclusive em decorrência da transferência de trânsito para outras rodovias ou trechos rodoviários de acesso [...];

2. A assunção do risco de alteração do trânsito no LOTE constitui condição inerente ao regime jurídico da concessão a ser outorgada, não se admitindo [...] a revisão do inicial equilíbrio econômico-financeiro do contrato (PARANÁ, 1997e).

Desta forma, coube ao poder público, por meio do DER/PR, apenas exercer o seu poder de fiscalização previsto na Cláusula XXIII (item a): “Fiscalizar permanentemente a exploração do LOTE”. Quanto às obras e serviços executados, o DER/PR está impedido contratualmente de proceder ao equilíbrio econômico-financeiro a partir das receitas advindas do pedágio.

CONCLUSÕES

A deterioração da malha viária brasileira, resultado da política de esvaziamento de recursos destinados à infra-estrutura rodoviária, levou à utilização do instituto da concessão, repassando à iniciativa privada a responsabilidade de recuperar e conservar as rodovias.

O processo de concessão exige um planejamento cuidadoso, pois a partir dele serão definidos os parâmetros de execução por um longo período de duração. Parte dos estudos necessários para uma avaliação responsável quanto à viabilidade econômica desse tipo de procedimento envolve pesquisa qualitativa e quantitativa de tráfego, além do estudo de projeção, que exige o conhecimento de aspectos socioeconômicos das áreas por onde passam as rodovias, para permitir a elaboração das taxas de crescimento do tráfego. Estes e outros estudos, associados à construção de um arcabouço jurídico e institucional adequado que garanta uma regulação eficiente, demandam, no mínimo, de dois a três anos de preparação.

O planejamento feito pelo governo do Paraná para implementação do Programa de Concessão de Rodovias teve a duração de seis meses. O que pode explicar grande parte dos equívocos cometidos ao longo do processo de implementação das concessões.

Além disso, o critério de estruturação tarifária, no qual os custos das empresas são majorados e as receitas minoradas, garantindo ainda uma Taxa Interna de Retorno entre 18% e 22%, reduz sensivelmente os riscos do empresário e tornam visível a captura do poder concedente.

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É bastante provável que, por temor do Governo do Estado em ocorrer um boicote ao Programa de Concessão de Rodovias por parte dos técnicos do DER/PR (órgão responsável pela malha rodoviária estadual), estes tenham sido colocados à margem do processo.

O poder público, impondo alterações tarifárias unilateralmente, provocou desequilíbrios nos investimentos futuros, dando uma falsa impressão de que o usuário estaria se beneficiando deste tipo de ação. Ademais, comprometeu o aporte de capital externo buscado pelas empresas, o que tornou o recurso mais caro, onerando o processo como um todo. Esses fatos encaixam-se nas teorias de Stigler e Peltzman (apud VISCUSI;

VERNON; HARRINGTON, 1995) de que o comportamento do empresário é orientado pela maximização do lucro, enquanto o dos legisladores orienta-se pela maximização do apoio político.

Quanto à gestão do processo de concessão, os dados necessários para aferir os serviços prestados pelas empresas foram, durante o período em que não houve supervisão contratada, fornecidos exclusivamente por um dos intervenientes no processo: as concessionárias, deixando evidentes o perigo moral e a seleção adversa preconizados por Pires e Piccinini (1999) como comprometedores das metas regulatórias.

A partir da inclusão do Tecpar no processo de fiscalização, em abril de 2005, observou-se uma melhora significativa quanto ao conhecimento e análise do conteúdo dos instrumentos de regulação disponíveis, desde o edital até o contrato de concessão, passando pelo Programa de Exploração do Lote, que, além de permitir um maior equilíbrio em face da assimetria de informações entre o poder público e as concessionárias, gera a possibilidade de aferição, com um embasamento técnico mais aprimorado e uma estrutura logística mais adequada, das obras e serviços executados pelas empresas. Contudo, as amarrações contratuais e os posteriores termos aditivos impedem que sejam feitos os necessários ajustes estruturais ao processo, restando apenas fazer cumprir o que já foi estabelecido.

Para finalizar, é importante salientar que a concessão de rodovias à iniciativa privada é um instrumento complementar e não resolve o problema de carência financeira por que passa o setor rodoviário. O Estado do Paraná tem uma malha de aproximadamente 10 mil quilômetros de rodovias pavimentadas sob a responsabilidade do poder público estadual que, por sua vez, dá mostras de ainda não ter se estruturado institucional, jurídica e tecnicamente para absorver também a função de gestor do sistema (PARANÁ, 2002).

Por definição, a estrutura de concessão no Paraná nasceu capturada, o que condena esse processo a permanecer refém de confrontos entre Estado e concessionárias. A raiz de tudo está na incapacidade de pensar o processo inicial numa perspectiva de independência e, conseqüentemente, em defesa do interesse público. Uma tentativa de minorar os problemas surgidos somente pode ser pensada a partir da boa vontade de ambos os lados em discutir amplamente sobre os termos do contrato e a necessidade de

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uma estrutura regulatória independente. Fora disso, assimetrias tendem a se perpetuar e o usuário a permanecer refém de um complexo e nebuloso jogo de interesses. A incerteza que cerca o processo, como se sabe, gera instabilidade na dinâmica dos investimentos e seus efeitos multiplicadores.

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As PolíticAs de trAnsPorte no PArAná: uma análise do governo lerner - 1995-2002*

Antônio Virgílio da Silva Neto**Maurício Aguiar Serra***

* Este artigo foi produzido a partir da dissertação de mestrado “As Políticas Públicas de Transporte no Paraná: uma análise do governo Jaime Lerner, 1995-2002”, defendida em 2005 no Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Econômico – Mestrado Profissionalizante, do Departamento de Economia da Universidade Federal do Paraná (UFPR).

** Economista, mestre em Desenvolvimento Econômico pela UFPR. Coordenador de Tecnologia da Informação do Departamento de Estradas de Rodagem (DER). E-mail: [email protected]

*** Arquiteto e urbanista, doutor em Desenvolvimento Econômico pela London School of Economics and Political Science (University of London). Professor Adjunto do Departamento de Economia e do Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Econômico da UFPR. E-mail: [email protected]

RESUMOEste texto faz uma análise das políticas de transporte no Paraná no período de 1995 a 2002, sob enfoque crítico, visando levantar e examinar, entre as linhas e tendências das ações governamentais concretizadas, as mais evidentes e significativas para a identificação dos processos políticos de tomada de decisão e suas conseqüências para o Estado do Paraná. Examina as mudanças ocorridas na forma de atuação do Estado, no Brasil e no Paraná, selecionando o setor de transporte pela sua relevância para o desenvolvimento econômico, no contexto nacional e regional. Investiga as informações físicas e financeiras reproduzidas em registros contábeis e em relatórios e documentos oficiais. Critica a ação governamental concernente aos instrumentos utilizados para a execução de suas políticas, analisa os resultados obtidos e conclui que ocorreu um processo de alienação e paralisação imposto à Secretaria de Estado dos Transportes do Paraná, decorrente do predomínio da visão neoliberal, e que as atribuições legais da instituição responsável pela Política Estadual de Transporte não foram exercidas durante o governo Lerner. Ao final, sugere que a falta de planejamento e de visão das autoridades provoca prejuízos à sociedade e ao futuro das novas gerações, recomendando a construção de instrumentos para tornar efetiva a participação popular nas decisões políticas e no acompanhamento de sua execução para diminuir o descaso das autoridades no trato da coisa pública.Palavras-chave: políticas públicas; setor de transporte; políticas de transporte; governo Jaime Lerner.

ABSTRACTThis paper discuss the transport policies in Paraná state, from 1995 to 2002, identifying wich government actions were achieved in the period. It pinpoints the real political practices used in the decision process models discussed by current literature. The condition to examining government actions took in to considerations the changes happened, refered to government role in levels of state, in Brazil and Paraná State, choosing the transport sector due its importance for economic development in regional and national context. The State infrastruture of transports is evalueted in its deficiencies and necessities due shortage of financial and human resources. The process cheks physical and financial information put in accounting records, reports and official documents. This shows that methodologies were not well developed to elaborate and implementing of transport policies in the period, and this procedure allowed the transfer of part of public assets for private enterprises by processes of highway, railways and port terminals concessions. Finaly a sugestion is made that the lack of planning and the vision of the authorities create problems for society as a whole.The transport sector plays an important role in the development process of a country and a region. With respect to Paraná, the importance of this sector is much more visible insofar as this state is responsible for approximately 25% of the Brazilian harvest grain, being highways, railroads and ports vital to the flow of agricultural production. This paper analysis the transport policies in Paraná during the Jaime Lerner administration (1995-2002) period taking into account the process of formulating these policies, the effectiveness of its implementation, the role played by the State Secretary of transport (SETR)in the implementation of these policies and the results achieved by them. The paper ends making suggestions for the improvement of the formulation process of public policies.Keywords: public policies; transport sector; transport policies; Lerner administration.

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introdUÇÃo

O setor de transportes é responsável pela movimentação interna e externa de bens e pessoas e constitui fator de alta relevância para a vida em todos os países. Seu desempenho provoca impactos amplos e profundos sobre a economia e sobre o bem-estar de todos os segmentos da população. Em um caráter mais geral, a área de transporte cumpre um papel estratégico de suporte às políticas globais de desenvolvimento.

Para o Estado do Paraná, que responde por cerca de 25% da safra brasileira de grãos, a importância desse setor fica ainda mais realçada, pois é através das rodovias, ferrovias e portos em território paranaense que é possível escoar essa produção agrícola. Além disso, o Paraná possui uma situação geoeconômica privilegiada, uma vez que fica no centro dos maiores pólos industriais da América do Sul, formado pelos triângulos São Paulo – Rio de Janeiro – Belo Horizonte (Brasil), Buenos Aires – Córdoba (Argentina) – Montevidéu (Uruguai), onde está concentrado aproximadamente 60% do PIB do continente.

Diante dos desafios lançados pela globalização e das mudanças econômicas ocorridas ao longo dos anos 1990, provocadas pelo predomínio do pensamento neoliberal e que alteraram profundamente o papel do Estado, as demandas do setor público necessitam ser programadas em conformidade com técnicas modernas de planejamento, que levem em conta como são construídos os processos de elaboração, implementação, avaliação e análise de políticas públicas.

Nesse sentido, a preocupação das autoridades governamentais em formular políticas de transportes deve ser prioritária, pois somente com essa tarefa de caráter permanente é possível atender às demandas futuras do setor e responder com presteza às necessidades presentes. Para desenvolver as políticas de transportes, o governo estadual conta com a Secretaria de Estado dos Transportes (SETR), que executa suas ações por meio de suas entidades vinculadas: Departamento de Estradas de Rodagem (DER), Estrada de Ferro Paraná Oeste S.A. (Ferroeste) e Administração dos Portos de Paranaguá e Antonina (APPA).

Levando em conta a importância do setor de transportes e a necessidade de atendimento das suas demandas, este artigo analisa como se deu a formulação de políticas públicas para a área de transportes no Estado do Paraná durante o governo Jaime Lerner (1995-2002). Esta análise permitirá identificar quais eram as políticas, como foram elaboradas, qual foi o papel desempenhado pela SETR na sua implementação e compará-las com os resultados efetivos ao final do período.

A escolha desse período deveu-se às práticas políticas adotadas, de caráter reconhecidamente liberais, como a concessão de rodovias à iniciativa privada, a transferência da única ferrovia construída pelo Estado do Paraná também a consórcios privados e a privatização de terminais portuários em Paranaguá a grandes operadores privados, entre outras ações. Em face desse objetivo, o presente artigo se inicia com um breve resgate sobre os conceitos de política e os processos decisórios que levam à

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formulação de políticas públicas, destacando as suas fases: a construção da agenda, e a elaboração, implementação e avaliação das políticas. Alguns conceitos sobre o papel do Estado e as visões que o cercam, bem como sobre as mudanças que vêm ocorrendo nos últimos anos, também são levantados de forma a subsidiar as discussões sobre a formulação de políticas públicas.

Na seqüência é levantada a importância do setor de transportes no Paraná, concentrando-se nos modais mais relevantes (rodoviário, portuário e ferroviário) e situando-os como importante ferramental para o desenvolvimento, pois através destes é que circula a produção regional. Também é apresentada a SETR, a instituição pública do Paraná responsável pela elaboração das políticas de transporte, a legislação que regula o setor e como funciona sua estrutura burocrática.

Por último, tem-se uma análise sobre as políticas de transporte praticadas no período de 1995 a 2002, buscando estabelecer como estas foram construídas, que relação tais políticas possuem com as teorias constantes na bibliografia, de que forma se deu a utilização da estrutura burocrática do governo estadual para essa finalidade e que efeitos essas políticas produziram na infra-estrutura rodoviária, ferroviária e portuária do Paraná.

1 PolíticAs PÚBlicAs: UMA BreVe reVisÃo

Para Meny e Thoenig (1992, p.89), “Uma política pública é o resultado da atividade de uma autoridade investida de poder público e de legitimidade governamental”.

Todas as ações produzidas pelas autoridades públicas, sejam elas de natureza executiva, legislativa ou judicial, causam, de alguma maneira, efeitos no indivíduo ou na sociedade, tanto nas questões de emprego e renda como nas de moradia e saúde, segurança e justiça, entre outras, e são denominadas de políticas públicas. É através do ato de fazer políticas (ação ou inação) que funciona a estrutura governamental. A esfera pública e estatal encontra-se em todas as partes e por meio delas são realizadas as políticas, assegurando recursos e tomando medidas que atendam aos objetivos estabelecidos. A ação de governo precisa ser construída dentro de um processo que deve seguir algumas etapas (construção da agenda, formulação, implementação e avaliação) e também dentro das relações que se estabelecem, de um lado, entre o governo e a sociedade e, de outro, entre os atores políticos envolvidos no processo.

A construção da agenda acontece em cima dos assuntos que chamam a atenção do governo e do cidadão, ou seja, somente serão incluídos os temas que de alguma forma afetam a ordem pública. Embora não exista nesse processo nenhuma característica que possa ser chamada de participativa ou popular, ele não deixa de ser democrático, pois sofre as pressões legítimas de grupos organizados.

Esta etapa é influenciada por situações que provocam o destaque de alguns temas e pela participação ativa de alguns entes tanto governamentais (staff administrativo,

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parlamentares, funcionários de carreira) como não-governamentais (grupos de interesse, academia, partidos políticos e, em alguns casos, a mídia). A formação de assuntos e interesses públicos compreenderia o momento em que surgem os problemas, com pensamentos e opiniões envolvendo esses temas. Dessa forma, constitui uma agenda política, contendo assuntos que merecem tratamento pelo Estado (VIANA, 1988).

A fase de elaboração de políticas pode ser definida como a fase de escolha de alternativas de ação/intervenção na ordem pública em resposta a problemas que constem na agenda política. Neste sentido, SEN (2002, p.134) sublinha que: “A questão da discussão pública e da participação social é central para a elaboração de políticas em uma estrutura democrática”.

No primeiro estágio da fase de elaboração de políticas públicas, momento em que é feito o diagnóstico, é que se dá, efetivamente, o início das análises, estudos e debates dos pontos e fatos existentes acerca dos problemas que se apresentam. No segundo estágio, os aspectos sociais, econômico-financeiros, políticos e jurídicos são discutidos para encontrar as melhores diretrizes e coordenadas na resolução da questão enfrentada. Nesse momento é produzido o prognóstico. No entanto, apesar de esta etapa sofrer influências de diversos atores de acordo com os interesses em jogo, variadas parcelas da sociedade ficam alienadas desse processo, seja por desinteresse provocado pela precariedade da informação que chega a essas populações, ou porque o Estado não possui mecanismos eficientes para buscar maior participação social.

A implementação é a etapa em que a política formulada se transforma em programa e obedece aos objetivos e diretrizes expressos em uma legislação de caráter geral e/ou em normas regulamentares. Esta etapa consiste em simples execução de ações previamente desenhadas, mas, na prática, é marcada pela imprevisibilidade e renegociações, já que nenhum texto cobre completamente todas as contingências (LINDBLOM, 1981).

A implementação de uma política é a sua execução. Ocorre quando a política já está contida necessariamente em documentos normativos, podendo implicar a criação de subpolíticas para se conseguir o desdobramento da política-mãe. A execução da política envolverá órgãos governamentais que serão responsáveis pelo alcance dos fins e objetivos previamente traçados, e isto poderá se dar de forma direta ou indireta, utilizando-se da parceria com entidades filantrópicas, organizações não-governamentais e outras congêneres.

As dificuldades na implementação de programas governamentais têm sido uma das questões fundamentais para explicar o insucesso em atingir os objetivos estabelecidos nas políticas públicas, apresentando-se, dessa forma, como o elo que faltava para a eficiência e eficácia da ação governamental. A falta de visão sobre os potenciais problemas que podem surgir durante a aplicação de programas ou políticas governamentais inevitavelmente resulta em paralisações, descontinuidades de ações e prejuízos.

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De acordo com Meny e Thoenig (1992, p.194), “A avaliação é um trabalho diário. Consiste em identificar e medir os efeitos próprios de uma ação”. No entendimento de Cotandriopoulos (1997, p.32), avaliar “consiste fundamentalmente em fazer um julgamento de valor a respeito de uma intervenção, ou sobre qualquer um de seus componentes, com o objetivo de ajudar na tomada de decisões”. Para o autor, intervenção é o conjunto de meios organizados num determinado contexto e num determinado tempo para produzir bens e/ou serviços, atendendo ao objetivo de modificar uma realidade. Seus componentes são cinco: objetivos, recursos, serviços bens e/ou atividades, efeitos e contexto preciso em um dado momento.

Nesse sentido, a avaliação de políticas públicas compreende a análise dos resultados da política executada. Preocupa-se em saber se o programa da política pública alcançou o objetivo pretendido dentro dos prazos e custos estimados, se os serviços ou bens foram entregues com presteza e qualidade, se houve efeitos positivos ou negativos, e em que contexto isso se deu. Assim, a avaliação permite o feedback para a continuidade das políticas, se elas tiverem caráter permanente, ou para mudanças, se necessário, na busca de novas etapas a serem atingidas.

Para Ham e Hill (1993), as políticas públicas agem sobre o conjunto da sociedade, sobre as relações econômicas e sociais, e provocam efeitos de tal monta que não há teorias que as expliquem sem explicar também as inter-relações entre Estado, política e sociedade.

2 VisÕes do estAdo

Segundo Dagnino (2002), é de vital importância levar em conta a natureza do modelo que se emprega para entender as relações entre a Sociedade e o Estado na análise dos resultados obtidos ao formular e implementar uma política pública.

O modelo escolhido irá influenciar os resultados, portanto a visão selecionada como guia para a análise não será neutra. Genericamente, pode-se destacar duas maneiras diferentes e antagônicas de enxergar o papel do Estado, visões que estão permanentemente em luta nas últimas décadas: a visão neoliberal e a visão estatizante.

Os neoliberais entendem que as políticas públicas que buscam regular os desequilíbrios gerados pelo desenvolvimento da acumulação capitalista são um dos maiores entraves a este mesmo desenvolvimento, e responsáveis, em grande medida, pela crise pela qual atravessa a sociedade. A intervenção do Estado representa, segundo essa visão, uma intromissão indevida nos interesses e liberdades individuais, desequilibrando a livre iniciativa e a concorrência privada, o que acabaria retirando dos mercados os mecanismos capazes de gerar essa harmonia. Novamente, o livre mercado é visto pelos neoliberais como o único capacitado a manter o equilíbrio nas relações entre os indivíduos e a criar oportunidades na estrutura ocupacional da sociedade (HÖFLING, 2001).

Em conformidade com seus postulados, os neoliberais não entendem que seja do Estado a responsabilidade de ofertar políticas sociais a todos os cidadãos em

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termos universais, de forma padrão. Se essa oferta fosse função do Estado, em última análise, retirar-se-iam dos cidadãos as possibilidades de fazer suas próprias escolhas. A ação centralizada nas mãos do Estado provoca os gigantismos conhecidos, criando unidades maiores do que o necessário e menos eficientes, além de aumentar o poder dos produtores de bens e serviços, reduzindo a capacidade dos consumidores de escolherem o que entendem como o melhor produto.

A outra corrente de pensamento, a visão estatizante, defende um Estado promotor do bem público e dos interesses gerais da Nação da forma como se processou desde a implantação do modelo urbano-industrial. Enxerga a atuação do Estado como sendo a mesma da época em que imperava a política de substituição de importações, sendo o nacionalismo e o desenvolvimentismo seu foco central; trata-se, portanto, de uma visão tradicional de desenvolvimento. Atribuem ao Estado a responsabilidade pelo atendimento de todas as demandas da sociedade, entendendo-o como o único capaz de promover o bem-estar coletivo, pela criação de políticas que levem à diminuição dos desequilíbrios sociais por meio da redistribuição de renda, não permitindo o predomínio das forças mais organizadas sobre as mais desprotegidas, beneficiando as camadas menos privilegiadas da população (CASTOR, 2000).

Nessa ótica, o Estado Nacional é caracterizado fortemente pela centralização política e financeira de recursos no nível federal, enfraquecendo os governos estaduais e municipais em sua atuação, criando complexos organizacionais como intermediários para os repasses de verbas. O lado perverso dessa situação está na falta de integração dos objetivos dos governos, que se tornam incapazes de enxergar que uma ação deve compreender o conjunto de suas políticas, pois não se pode falar em desenvolvimento social se não se ligar uma política à outra, ou seja, ações de saúde estão associadas às questões de saneamento, que por sua vez estão associadas às questões de moradia.

No presente artigo, essas relações são analisadas principalmente em função das mudanças radicais que ocorreram no Brasil durante os anos 1990. Na verdade, os debates acerca da reforma do papel do Estado vêm assumindo destaque na agenda pública brasileira desde os anos 1980, em decorrência de fatores externos e internos que condicionaram essa transformação e trouxeram a necessidade de superação do impasse da convivência de uma cultura política de padrões de decisão centralizados e práticas clientelistas na formulação de políticas públicas. Uma nova dinâmica impôs a presença em menor proporção do Estado e a necessidade de sua modernização, em que a busca de eficiência passou a ser o ponto-chave para a nova imagem.

No entanto, as discussões levantadas a partir desse processo de mudança, na década de 1990, ocorreram sem uma efetiva participação social, ficando a cargo principalmente dos teóricos de viés liberal, que, via de regra, defendem a regulação das atividades econômicas tão-somente pelo que é reconhecido como ‘forças de mercado’, sem a necessidade de intervenções governamentais na economia. A esse cenário somam-se as características da República Federativa do Brasil, em que há uma concentração

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de poderes na esfera federal, o que faz com que a burocracia estatal fique distante das reais necessidades da população, reforçando o argumento neoliberal de que o Estado, quando intervém, desarranja o ‘mercado’.

Às pressões internas por reformas do aparato estatal somaram-se exigências de adequação por parte dos organismos financiadores internacionais, que induziram à adoção de um programa ou estratégia seqüencial de transformação em três fases – estabilização macroeconômica, com prioridade absoluta para a formação de superávit fiscal primário (revisão das relações fiscais entre níveis de governo e reforma da previdência social); reformas estruturais (abertura comercial, liberalização do sistema financeiro, desregulamentação de mercados e privatização do setor produtivo estatal); e retomada dos investimentos e crescimento econômico (FIORI, 1995).

3 o setor de trAnsPortes no PArAná

Responsável pela movimentação interna e externa de bens e pessoas, o setor de transportes constitui fator de alta relevância para a vida nacional. Seu papel deve ser reconhecido pelos seus aspectos específicos e gerais.

No caráter mais específico, os transportes de cargas e de passageiros são estratégicos. O transporte de cargas tem sua importância destacada pelos seguintes fatores: competitividade dos produtos nacionais dentro e fora do País, confiabilidade para sustentar as políticas de produção de alimentos básicos e produtos industriais, sustentação das frentes de expansão da economia e promoção do desenvolvimento regional.

O transporte de mercadorias no Paraná ainda é predominantemente agrícola. O Estado responde por 24,48% da safra brasileira de grãos, sobressaindo a produção de soja, trigo, algodão, milho, feijão, cevada e centeio. Com o aumento da produção agrícola ocorrido nas últimas décadas, o setor público foi levado a investir em infra-estrutura viária, sendo seus maiores investimentos direcionados para o setor de transportes, sobretudo nos modais rodoviário e ferroviário (PARANÁ. Secretaria de Estado da Agricultura e do Abastecimento, 2005).

O redimensionamento do sistema viário estadual potencializa o Paraná como importante centro logístico e multimodal. Tanto no âmbito nacional quanto no do Mercosul, o Estado é fundamental para a circulação e entrada e saída de mercadorias, sendo rota obrigatória entre os maiores produtores e consumidores. Possuidor de uma situação geoeconômica privilegiada, o Paraná está no centro dos maiores pólos industriais da América do Sul, formado pelos triângulos São Paulo – Rio de Janeiro – Belo Horizonte (Brasil), Buenos Aires – Córdoba (Argentina) – Montevidéu (Uruguai). Também é ponto central para o Mercosul, que representa, na América do Sul, cerca de 70% do território, 64% da população e 60% do PIB (PARANÁ. Secretaria de Estado da Indústria, do Comércio e do Mercosul, 2005).

O Modal Rodoviário no Paraná está estruturado em três níveis distintos: federal (3,4 mil quilômetros), estadual (12,4 mil quilômetros) e municipal (102,7 mil

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quilômetros), que constituem o sistema rodoviário do Estado. Este totaliza 118,5 mil quilômetros, dos quais 19,8 mil quilômetros são pavimentados. Esta rede básica de rodovias liga as principais zonas de produção com o terminal marítimo de Paranaguá e com os principais centros do País e da América Latina (PARANÁ. Secretaria de Estado dos Transportes, 2003).

A área de abrangência do Porto de Paranaguá é de mais de 800 mil quilômetros quadrados, movimentando atualmente cargas provenientes do Paraná, Santa Catarina, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Rondônia, São Paulo, Rio Grande do Sul e também da Bolívia, Argentina e Paraguai. Além do Porto de Paranaguá, o complexo portuário paranaense conta com o Porto de Antonina (Barão de Tefé), que possui 60 metros de cais público (cais de Antonina) e 360 metros de cais privado (cais da Ponta do Félix) (PARANÁ. Secretaria de Estado dos Transportes, 2005).

O Modal Ferroviário no Paraná totaliza 2.286 quilômetros de extensão. São 2.038 quilômetros de ferrovias federais e 248 quilômetros estaduais. Essas ferrovias tiveram suas operações privatizadas. Em 1988, o Estado do Paraná obteve junto ao governo federal a concessão para construir e operar o trecho ferroviário entre Guarapuava e Cascavel (248 quilômetros) e os ramais para Foz do Iguaçu (171 quilômetros), Guaíra (169 quilômetros) e Guaíra – Dourados (270 quilômetros). Para cumprir essa missão foi criada a Ferroeste, empresa estatal paranaense (PARANÁ. Secretaria de Estado dos Transportes, 2005).

A SETR é o órgão responsável pelas ações do governo estadual no setor de transportes. Foi instituída em 6 de maio de 1969 pela Lei nº 5.939, para o trato no âmbito estadual de assuntos concernentes a transportes. A diretriz governamental para o setor visa possibilitar o estabelecimento da infra-estrutura de um sistema de transporte integrado em todas as suas modalidades, levando em conta o desenvolvimento econômico e social do Estado, que atenda primordialmente ao bem-estar da população paranaense. Sua atuação está estabelecida em Regulamento, aprovado pelo Decreto Estadual nº 3.921/98, o qual integra seu organograma (PARANÁ, 1969).

A SETR responde pelo setor de transportes através de suas instituições direta e indireta e atua com investimentos diretos do governo estadual e em parceria com a iniciativa privada nos modais rodoviário, portuário, aeroportuário e hidroviário para a melhoria, a ampliação e a integração modal e intermodal da infra-estrutura de transportes do Paraná. É da Administração Direta da SETR a responsabilidade pelas ações do governo estadual nos modais aeroportuário, hidroviário e ferroviário. Na Administração Indireta as ações são desenvolvidas pelo DER, entidade autárquica que responde pelo modal rodoviário, pela Ferroeste, empresa de economia mista criada para construir e operar o trecho ferroviário entre Guarapuava e Cascavel e os ramais para Foz do Iguaçu, Guaíra e Dourados – Guaíra, e pela APPA, autarquia que desenvolve as atividades portuárias no Estado (PARANÁ. Secretaria de Estado dos Transportes, 2005).

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4 ForMUlAÇÃo e iMPleMentAÇÃo dA AGendA liBerAl no PArAná

Com o processo de globalização desencadeado no final dos anos 1980, ganha corpo o discurso que apregoa a necessidade de um novo modelo de atuação do Estado. Um modelo na verdade recorrente, sempre em sintonia com as elites dominantes, que em algumas ocasiões defendem ferozmente a desestatização da economia e, em outras, o protecionismo estatal, convenientemente ao sabor da necessidade.

Segundo Tapia (1996, p.2-3):

Ao longo da década de oitenta houve uma larga difusão de propostas de corte neoliberal e uma inequívoca preponderância de suas teses sobre como resolver a crise econômica e social vivida pelos países latino-americanos. Nesse período, os diagnósticos e as ênfases nos aspectos e propostas sofreram deslocamentos, expressando, ao mesmo tempo, tanto diferentes momentos da adoção de programas de ajuste como modificações na percepção de proces-sos econômicos e sociais globais, notadamente aqueles ligados à reestruturação produtiva. O núcleo das propostas neoliberais encontrado nos documentos elaborados pelo Banco Mun-dial, na segunda metade da década de oitenta, enfatiza a necessidade de desregulamentação e privatização dos mercados, e privatização e desregulamentação do Estado. Esse conjunto de propostas “policy-oriented” passou a ser conhecido como Consenso de Washington.

Em consonância a essa orientação externa, o Ministério da Administração e Reforma do Estado (Mare) desenvolveu um projeto de reforma que indicava que o gigantismo e o descontrole da máquina pública eram agravantes para o atraso no desenvolvimento nacional. Em razão disso, tornava-se necessário um novo modelo de atuação do Estado, que se pretendia mais ágil, mais desembaraçado e mais competente, através da modernização e da descentralização em todas as esferas. Nessa nova forma de atuar o governo deixaria de ser o principal executor dos serviços públicos não essenciais e deveria assumir o lugar de indutor do desenvolvimento econômico e social (BRASIL, 1997).

No plano do funcionamento da administração pública e de sua capacidade de intervenção isso significou um processo efetivo de contração do gasto público, um redimensionamento e redefinição do aparato estatal na direção consoante com a nova estratégia. Forte ênfase foi dada à adoção de medidas variadas de contenção de custo, tais como: redução do tamanho das estruturas estatais de intervenção, incentivo a planos de aposentadoria, planos de demissão compulsórios ou voluntários, proibição ou congelamento temporário de novos contratos e investimentos, eliminação de direitos e garantias aos servidores públicos, contenção de salários e outras (SILVA, 1998).

Com o argumento da insuficiência de recursos governamentais, a iniciativa privada é chamada para aumentar de forma considerável sua participação em investimentos em infra-estrutura promovidos pelos programas de privatizações, de concessões e de prestação de serviços terceirizados no governo federal, nos estados e nos municípios. As estruturas institucionais que já existiam para a execução de

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investimentos na infra-estrutura nacional começaram a ser desmontadas ou esvaziadas em suas funções a pretexto de modernizá-las e descentralizá-las.

Eleito em 1994, Jaime Lerner assume o governo do Estado, carregando a experiência de várias administrações da capital paranaense e de alguns ex-auxiliares da prefeitura. O plano de governo de Jaime Lerner trazia apenas informações retiradas das ‘promessas’ feitas durante a campanha eleitoral e ainda estava sendo traçado, pois o que existia de fato era o orçamento anual do governo derrotado nas eleições, elaborado no exercício anterior.

Durante os anos 1990 a ‘onda’ era a globalização, e as diretrizes desse discurso vinham do governo federal, que prometia fundos para os estados que participassem da nova política. Apenas alguns estados mostraram interesse nesse processo, mas isso se modificaria rapidamente em virtude das medidas adotadas pelo governo de Fernando Henrique.

Segundo Bastos (2003, p.22):

Esta participação começou a crescer depois que o Governo Federal agregou à legislação do processo de privatização um outro programa, o da antecipação de receita de privatização para Estados que prometessem vender suas estatais, com o assentimento garantido de suas Assem-bléias Legislativas. Com as dificuldades financeiras neles existentes, catorze deles logo aderiram ao programa, recebendo antecipações sujeitas a multas caso os leilões demorassem.

Os ideais liberais de um Estado mínimo seriam a premissa das mudanças que se seguiriam. Era preciso privatizar e, se vender não pudesse, então conceder. Os primeiros a participarem financiando esse processo foram os grandes conglomerados nacionais e os fundos de pensão dos funcionários das maiores estatais brasileiras.

De acordo com Crocetti (1997), o governo Lerner, adotando plenamente esse viés liberal, implementa um novo paradigma de Estado, que pode ser apresentado em três situações distintas:

serviços públicos são sucateados mediante cortes sistemáticos de recursos ��

e desmotivação e desqualificação do funcionalismo, geralmente por gestões burocráticas e pela perda do poder aquisitivo dos seus salários;

diante da crise gestada pela própria administração pública, o governo ��

Lerner abandona ou transfere parte dos serviços públicos para os municípios ou para a iniciativa privada, reduz mais custos a partir de técnicas de gestão empresarial, arrocho salarial e redução do quadro de pessoal e propõe parceria com o empresariado (ou terceirização);

ocorre transferência total, para a iniciativa privada, dos serviços de varejo ��

do Estado.A atuação de Lerner se contrapõe aos governos que o antecederam. Os governos

José Richa, Álvaro Dias e Roberto Requião, todos do Partido Democrático Brasileiro (PMDB), haviam se caracterizado por políticas que marcavam a forte presença do Estado, que propunha um modelo de desenvolvimento que desse suporte à diversidade econômica das diversas regiões, como o apoio direto aos diferentes segmentos de renda.

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O governo Lerner orienta o investimento para setores definidos e determinados pelo mercado. Portanto, o centro orientador dos investimentos estatais não é mais definido pelo planejamento do conjunto do Estado nem pela capacidade política das lideranças regionais, mas pelas determinações do mercado globalizado e nacional em vias de globalização (CROCETTI, 1997).

Não se pode afirmar, contudo, que Jaime Lerner fosse um porta-voz dessa vertente liberal ou que tivesse alguma ‘cor’ partidária, pois sua história é conhecida por ser apaniguado de governos militares em um momento e ser eleito por um partido de esquerda em outro. O avanço dessa ‘visão’ liberal no governo Lerner é resultado do que já se praticava em nível nacional. Em decorrência, as oportunidades de negócios com o Poder Público deveriam ser abertas a todos os grupos de pressão e dominação, os mesmos que sempre estão por trás de financiamentos de campanhas eleitorais. Estava também em acordo com as imposições ditadas por organismos internacionais, como o Fundo Monetário Internacional (FMI), em consonância com o processo de globalização que se propagava pelo mundo e também com o servilismo dos governos brasileiros, federal e estadual a esses ditames.

No entanto, a realidade daqueles dias de 1995 no Paraná era a mesma que no Brasil, advinda do final dos anos 1980. A liberalização da economia e o desmonte da estrutura administrativa e funcional do Estado eram irreversíveis. Houve momentos em que era evidente a tentativa de convencimento da população, por meio de programas de televisão e de jornais, de que tudo que fosse feito pelo Estado era mais caro e menos eficiente que a iniciativa privada, a qual poderia fazer melhor e mais barato.

5 As PolíticAs de trAnsPorte no PArAná: o cAso dA setr

Diante desse cenário, a concessão de rodovias, de ferrovia e a privatização dos terminais de cargas do Porto de Paranaguá passam a ser a política de transporte predominante do novo governo estadual. É criado, então, nas dependências da SETR, um grupo especialmente designado para estudar a forma mais eficiente de atingir esses objetivos, denominado Grupo de Apoio e Planejamento para Infra-estrutura de Transportes (Gapit). Entretanto, esse grupo nunca foi formalizado oficialmente, apesar de tomar inúmeras medidas no sentido de contratar estudos que viabilizassem o modelo de concessões que viria a ser implantado. Suas ações sempre foram levadas avante, utilizando-se de outros setores departamentais, estes sim oficiais, no entanto subordinados a uma estrutura extra-oficial. Através das ações praticadas por esse grupo executa-se a mais importante ação do governo Jaime Lerner em rodovias, concentrando-se no chamado Anel de Integração. São 2.035,5 quilômetros de rodovias concedidos à iniciativa privada, dos quais 1.691,6 quilômetros são rodovias federais delegadas ao Estado e 343,9 quilômetros estaduais. Foram também incluídos no programa de concessão 308,29 quilômetros de rodovias de acesso não pedagiadas, que ficaram sob a responsabilidade de manutenção das concessionárias (PARANÁ. Secretaria de Estado dos Transportes, 2002).

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O pedágio é instalado em junho de 1998. Com prazo contratual de 24 anos, as rodovias federais subdelegadas ao governo estadual passam ao controle de seis consórcios de empresas que assumem o compromisso de restaurar e manter o pavimento, melhorar e ampliar a capacidade (duplicações e terceiras faixas) e implantar infra-estrutura para serviços de operação (manutenção do tráfego e atendimento ao usuário) em troca de uma tarifa, o pedágio. Após esse prazo, as rodovias deverão ser revertidas ao Poder Público com todas as benfeitorias e serviços nelas realizados. Entretanto, as rodovias sob jurisdição estadual não receberam recursos necessários para um tratamento adequado de manutenção. Em conseqüência, as rodovias estaduais começaram a apresentar um quadro crítico de trafegabilidade. Somem-se a isso os estragos causados pelos caminhoneiros, que, para fugirem do alto custo do pedágio, desviam suas rotas por rodovias não pedagiadas e que não estavam preparadas para receber tamanho aumento no tráfego de caminhões. As condições precárias das rodovias não concessionadas são reflexo da sobrecarga da fuga ao pedágio e dos escassos investimentos aplicados nos últimos cinco anos na conservação e restauração.

Os valores elevados praticados nas 26 praças do sistema tornam-se os principais motivos das queixas de todos os usuários, com a alegação de que, tornando os fretes mais caros, isso iria afetar todos os consumidores, mesmo aqueles que não se enquadram como usuários de rodovias. No mês seguinte do mesmo ano, o governador Jaime Lerner decide baixar as tarifas de pedágio pela metade, em um ato unilateral, rompendo os contratos existentes mas agradando ao eleitorado, que o reelege governador por mais uma gestão. Essa atitude é explicada pelas circunstâncias à época, que eram a proximidade das eleições e a ‘gritaria’ geral contra os altos preços dos pedágios, caracterizando, na realidade, não a solução, mas sim o protelamento dos problemas. Com sua eleição garantida, as concessionárias das rodovias aceleraram suas demandas junto ao Poder Judiciário, que concedeu liminar garantindo a operação do pedágio e os sucessivos aumentos que vieram a ser praticados nos anos seguintes.

Garantido o processo de concessões de rodovias, o governo Lerner volta sua atenção ao modal portuário no Paraná, composto pelos Portos de Paranaguá e de Antonina, sendo referência na exportação de produtos agrícolas, posicionando-se como o porto brasileiro com maior movimentação de grãos. Assim como as rodovias paranaenses concessionadas, por onde corre 75% do tráfego de transporte estadual, os terminais portuários de carga foram entregues para a exploração da iniciativa privada, pelo processo de concessão.

O Porto de Paranaguá foi submetido a um processo de privatização de suas atividades, permitindo que aproximadamente 90% das operações de movimentação de cargas sejam efetuadas pela iniciativa privada. Para a área portuária, o governo estadual concede a operadores privados a operação de terminais de cargas e grandes cooperativas passam a administrar seus próprios terminais. Investimentos públicos em dragagem e ampliação do ancoradouro diminuem à medida que se delineia o quadro

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de um porto privado, que não se completa até o final dos dois governos, pois os novos investimentos que viriam de capitais privados diminuíram em função da crise cambial e conseqüente fuga de capitais externos em 1998 (PARANÁ. Secretaria de Estado dos Transportes, 2002).

Em relação à política ferroviária, a malha existente no Paraná era praticamente toda federal, não havendo muito espaço para ações do governo estadual no sentido de influenciar o processo de privatização que concedeu à ALL - América Latina Logística do Brasil S.A. as linhas que ligam os pólos de produção do norte e noroeste do Estado ao porto de Paranaguá (Tronco Norte) e ao Estado de Santa Catarina (Tronco Sul). A única e exclusiva ação do governo Lerner nessa área foi subconcessionar em 1998 o trecho de 248 quilômetros entre Cascavel e Ponta Grossa, inteiramente construído com recursos do tesouro do Estado, à Ferrovia Paraná S.A. (Ferropar), para exploração, em um período de 30 anos, por um grupo de empresas que venceu a licitação, sob o compromisso de realização de investimentos que garantissem o aumento da tonelagem transportada por ferrovia gradativamente (PARANÁ. Secretaria de Estado dos Transportes, 2002). No entanto, esses compromissos assumidos não são cumpridos e o rol de obras que deveria ser realizado é postergado ano a ano até o final do período Lerner.

Praticamente em todas as áreas da SETR, com exceção do Porto de Paranaguá e do Anel de Integração, houve um abandono, pois nenhuma política efetivamente existiu para elas. O setor hidroviário, o aeroportuário, o transporte coletivo intermunicipal, a construção de novas rodovias, a área de projetos de engenharia, de estudo de solos, entre outras, perdiam recursos e pessoal qualificado, dentro de um quadro de pouco incentivo por parte do governo estadual.

conclUsÃo

Em seus dois mandatos à frente do Estado, o governo Jaime Lerner teve como característica marcante o planejamento desestruturado, sem metodologia apropriada para a elaboração e avaliação de políticas de transportes, comprometendo o desenvolvimento do Estado com a instalação do pedágio nas rodovias estaduais. Suas ações foram voltadas inteiramente para as questões imediatistas que oferecessem oportunidades aos grupos políticos coligados e para espetáculos com efeitos ligados ao imaginário da população, como a promoção das Olimpíadas da Natureza, destacando-se na mídia interna e externa como um grande ‘planejador’ e um grande ‘urbanista’.

As informações levantadas pela análise dos balanços gerais do Estado de 1995 a 2002, em particular as que permitem a comparação entre os recursos destinados em orçamento e aqueles efetivamente aplicados em transportes, durante os dois mandatos de Jaime Lerner, revelam que as práticas adotadas por esse governo para a execução de políticas de transportes não foram eficazes e tampouco apresentaram resultados condizentes para essa importante função do governo.

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É bem verdade que, em geral, a montagem dos orçamentos públicos padece de maior precisão na quantificação dos recursos, ocorrendo com freqüência defasagens entre os montantes autorizados e as despesas efetivamente autorizadas, característica esta que não é exclusividade do governo Lerner. No entanto, o que chama a atenção neste governo é que a diferença entre o que foi autorizado nas diversas Leis Orçamentárias, no período de 1995 até 2002, e o que de fato foi realizado é enorme, significativamente maior do que qualquer planejador amador incorreria. De maneira geral, e em todas as categorias analisadas, o realizado não chega a ser 30% do autorizado inicialmente. Na apreciação dos números é possível verificar que a despesa realizada pelo Estado do Paraná na função transporte – rubrica investimento é para os oito anos do período – foi em média apenas 28,5% do que foi alocado no orçamento autorizado inicial, o que é, portanto, insignificante para as demandas rodoviárias, isto é, construção de novas estradas e pontes, duplicações e outras obras que atendam ao sistema como um todo (BALANÇO GERAL DO ESTADO, 1995-2002).

A dura realidade é que em oito anos de governo Lerner o setor de transportes teve um desempenho sofrível, principalmente a partir do segundo mandato, conforme ficou demonstrado pelo estado de deterioração das rodovias estaduais, mesmo se comparado aos governos anteriores, que também passaram por grandes dificuldades em função da falta de recursos financeiros. Basta observar a diferença, registrada nos dados a seguir, entre o primeiro e o último ano do governo Lerner:

DISTRIBUIÇÃO DA MALHA RODOVIÁRIA DO ESTADO DO PARANÁ SEGUNDO CONDIÇÃO/SITUAÇÃO - 1995-2002

CONDIÇÃO/ SITUAÇÃO

DISTRIBUIÇÃO (%)

1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002

Ótima (muito boa) 18 28 17 20 13 10 8 6

Boa 46 48 58 35 40 23 26 23

Regular 30 22 15 40 22 26 28 34

Ruim 5 2 5 3 10 29 27 27

Péssima 1 0 5 2 15 12 12 10

FONTE: SETR (2005)

É visível o quanto decai a qualidade das rodovias estaduais nesse período. Em 1995, 46% da malha rodoviária estadual apresentava-se em bom estado, terminando, em 2002, com exatamente a metade desse percentual. As condições ‘ruim’ e ‘péssima’, que em 1995 perfaziam 6%, passam, em 2002, para 37% (PARANÁ. Secretaria de Estado dos Transportes, 2005).

Esses percentuais nada mais são do que a expressão do abandono das rodovias que não detinham os ‘atrativos’ necessários para serem pedagiadas. Um patrimônio de mais de 10 mil quilômetros de rodovias pavimentadas não pedagiadas, construídas com dinheiro público ao longo de décadas, foi deteriorado gradativamente pela falta

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de atenção do governo Lerner, pelas suas políticas equivocadas que propagaram a substituição do público pelo privado em nome de uma pseudo-eficiência e de grupos de pressão que defendem a diminuição do Estado, cujo resultado prático é a desarticulação da máquina pública para atingirem seus propósitos.

O descaso, o desinteresse, a falta de visão comprometida com o futuro do povo paranaense são demonstrados nas informações registradas nos balanços gerais do Estado do Paraná, que mostram a insignificância do repasse de recursos – frente aos valores aprovados no orçamento inicial – alocados para tão importante função de governo. E, se a justificativa apresentada à época era a falta desses recursos, por que não se apresentou alguma idéia criativa para novas fontes, como a que se expôs para justificar o pedágio?

No transporte coletivo intermunicipal e nos setores portuário, aeroportuário e ferroviário houve um quadro de baixo investimento, insuficiente para cumprirem suas funções básicas, abrindo espaço, definitivamente, para a entrada de capitais privados, que vêm não para suprir essas deficiências, mas para se apropriarem de algumas áreas que lhes dessem retornos consideráveis diante dos valores que investiram.

Os investimentos na infra-estrutura de transportes é que permitiriam a transformação do Paraná em centro de negócios do Mercosul, viabilizando-o como porta de acesso a outros mercados globalizados. As ações do governo do Estado deveriam atender às modalidades de transportes, a partir de uma visão integrada entre setores públicos e privados, como também considerar a integração do Paraná no contexto nacional e internacional, montando um moderno conceito multimodal de transportes para a composição de fretes econômicos, que permitam menores preços finais das matérias-primas e das mercadorias em geral. Sem isso o Estado estará se condenando a amargar custo cada vez mais alto do transporte de cargas, acarretando perda de competitividade internacional, entre outros prejuízos.

À SETR, como organização responsável pela implementação das ações do setor de transportes no âmbito estadual, caberia definir, implantar e acompanhar estratégias de atuação do setor, contemplando o desenvolvimento e a integração das diversas modalidades de transportes. Essa integração deveria se dar a princípio internamente, com suas autarquias e entidades vinculadas, depois com órgãos federais, estaduais e municipais que tratem dessa matéria (PARANÁ. Secretaria de Estado dos Transportes, 2005).

Contudo, o resultado de oito anos de governo Lerner invalidou essa possibilidade, já que suas principais autarquias perderam gradativamente o seu acervo técnico, representado nas pessoas que detinham conhecimentos preciosos para melhor administrar e controlar as atividades do setor, seja através de aposentadorias precoces ou de saída provisória ou permanente dos quadros do Estado. Não houve integração entre as áreas técnicas dos vários modais, e tampouco isto foi estimulado. Nesse cenário, o ideal seria concluir a discussão sobre os papéis e funções do Estado que a sociedade deseja, envolvendo-a nesse processo de maneira ampla e democrática, para, em

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seguida, iniciar o movimento de mudança, promovendo os ajustes necessários. Porém, nem sempre é possível esse caminho, porque a discussão sobre papéis é uma discussão interminável, em que as demandas ocorrem simultaneamente. Pensa-se sobre o futuro e age-se sobre o dia-a-dia; como conseqüência, surgem ambigüidades e conflitos que precisam ser administrados.

Não se trata de ser contra uma coisa ou outra, privatista ou estatista, e sim contra o descontrole do processo de mudanças. O importante para o cidadão não é essa questão – que é de arranjo interno – do aparato estatal se fazer diretamente no âmbito central ou local, ou fazer indiretamente por meio de parcerias com organizações não-governamentais, ou ainda, por meio do setor privado. O importante é garantir qualidade, quantidade e eqüidade na prestação desses serviços e, ainda mais fundamental que isto, é importante a participação da sociedade de forma ampla e democrática.

O desmonte do Estado, promovido por Collor e, depois, por Fernando Henrique, é o resultado prático de como o processo de representação política no Brasil é muito pouco democrático, apesar de existirem eleições no País. De acordo com Bastos (2003, p.34):

A manobra seguinte de desmonte do Estado, digna de nota no planejamento estratégico do governo Fernando Henrique Cardoso, foi a de alterar a Constituição Federal de 1988, através de Emendas Constitucionais (EC). Foram trinta e cinco ao todo nos dois mandatos, que praticamente descaracterizaram a Constituição Federal do Brasil de 1988, modificando sensivelmente o papel do Estado, notadamente da administração pública.

É evidente que é preciso mudar, e urgentemente. A sociedade precisa encontrar os meios para se fazer ouvir, além de votar de vez em quando. Somente a construção de instrumentos que forneçam subsídios para efetivamente opinar e controlar os rumos políticos, econômicos e sociais da Nação é que fornecerá o passaporte para um futuro soberano e mais justo. Isso permitirá a formulação de políticas de transportes sustentáveis que satisfaçam às necessidades de mobilidade das pessoas, no acesso aos bens e serviços, ao emprego, à educação, ao lazer ou à informação, em condições de segurança, em harmonia com a saúde das populações, com os ecossistemas, e com respeito pelo compromisso entre gerações.

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REVISTA PARANAENSE DE DESENVOLVIMENTO, Curitiba, n.113, p.147-174, jul./dez. 2007 147

* Este artigo reúne os principais elementos de argumentação da dissertação de mestrado “Ocupação e Rendas da População Rural e a Pluriatividade nas Famílias da Mesorregião Metropolitana de Curitiba, Paraná”, defendida em 2005 no Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Econômico – Mestrado Profissionalizante, do Departamento de Economia da Universidade Federal do Paraná (UFPR).

** Economista, mestre em Desenvolvimento Econômico pela UFPR. Pesquisadora do IPARDES. E-mail: [email protected]

*** Economista, doutor em Planejamento de Sistemas Energéticos pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Professor Adjunto do Departamento de Economia da UFPR. E-mail: [email protected]

Resumo

Um dos motivos da ocorrência da pluriatividade nas famílias é o excesso de mão-de-obra na unidade produtiva, tanto pelo fato de as propriedades serem pequenas, quanto por utilizarem tecnologias que reduzem a necessidade de mão-de-obra. Essas famílias se valem da estratégia da saída de seus membros para executarem outros trabalhos e encontram nas atividades não-agrícolas um meio de reprodução. Partindo do pressuposto de que as famílias utilizam a pluriatividade como forma de incrementar a renda familiar e, para muitas famílias rurais, assegurar sua permanência no campo, este artigo tem por objetivo investigar as famílias pluriativas da Mesorregião Metropolitana de Curitiba e dos municípios que a compõem. A análise foi realizada a partir dos microdados da amostra do Censo Demográfico 2000, do IBGE. A escolha dessa região decorre das diferentes características ambientais naturais e socioeconômicas aí encontradas, apresentando, por um lado, áreas densamente povoadas e com uma dinâmica das mais importantes do centro-sul do País e, por outro, áreas isoladas e deprimidas, com baixa densidade populacional.

Palavras-chave: pluriatividade; ocupação; população rural ocupada; Mesorregião Metropolitana de Curitiba.

abstRact

One reason for the occurrence of pluriactivity in the rural family is related with surplus labor in face of the small size of the land and also in function of the technology intensity. These families have the strategy to work out in others non rural activities in order to survive. This study has the goal of investigate the pluriactivity from the rural families in the metropolitan region of Curitiba, as the rural cannot be seen as a place exclusively for agriculture. The information source used for this study was a microsample from the Demographic Census 2000 - IBGE. The choice for the regions has to do with its many natural environmental and social economics features, which show, areas density populated with one of the most important dynamics from the center-south of the country though being isolated with a low populational density.The occurrence of pluriactivity in rural families can be explained by the surplus labor, which is intrinsically related to the existence of small pieces of land and also to the technology intensity. The survival strategy of these families is based on non rural activities. This paper aims at analysing the pluriactivity of rural families in the metropolitan region of Curitiba, being the microdata from the IBGE’s Demographic Census 2000 used for this analysis. This region was chosen because of its different features in socioeconomic as well as environmental terms. In fact, this region shows not only areas highly populated with one of the most important dynamics from the center-south of the country, but also isolated and depressed areas with low population density.

Keywords: pluriactivity; occupation; rural occupied population; Metropolitan Region of Curitiba.

A PLURIATIVIDADE NA MESORREGIÃO METROPOLITANA DE CURITIBA*

Lenita Maria Marques**Luiz Antonio Lopes***

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A Pluriatividade na Mesorregião Metropolitana de Curitiba

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INTRODUçÃO

O processo de industrialização da agropecuária e o surgimento de novas atividades no meio rural, não necessariamente ligadas ao setor primário, vêm conferindo uma outra dinâmica a esses espaços no Brasil. Diferentemente do tradicional cenário que sempre esteve atrelado à noção do agrícola, e que ainda se mantém em inúmeras regiões do País, as características que marcam a chamada nova ruralidade brasileira implicam diversificação das inserções produtivas de pessoas ou famílias e de suas fontes de renda.

A discussão sobre a nova ruralidade adquire força a partir de meados da década de 1990 e procura mostrar que o comportamento do emprego rural e os movimentos da população aí residente não dependem mais única e exclusivamente do calendário agrícola. Outros elementos passam a ditar a funcionalidade dessas áreas, tornando difusos os contornos do que seja urbano ou rural. O aumento do tempo livre de trabalho na agricultura – em conseqüência do uso crescente de procedimentos tecnológicos na função produtiva –, bem como a queda dos preços dos produtos agrícolas – enfraquecendo as fontes de renda dos agricultores –, são fatores que estimulam o trabalhador rural a buscar outras formas de ocupação e de obtenção de renda, no próprio meio agrícola ou fora dele. Por outra parte, o processo contínuo de urbanização gera transformações visíveis não apenas nos espaços onde ocorrem as aglomerações, mas também nos entornos rurais, ao introduzir nessas áreas novos e diferentes vínculos de produção e de consumo.

Conjugado ao desenvolvimento desses processos, cresce em importância o conceito de pluriatividade. Embora ainda em construção, existe uma convergência na compreensão de que a pluriatividade resulta da influência mútua entre fatores endógenos, referentes ao ambiente produtivo e às características familiares, e fatores exógenos, relacionados à demanda por mão-de-obra e ao processo e grau de urbanização e industrialização.

Em poucas décadas, o Paraná deixou de ter a maioria da população habitando em áreas rurais e passou a apresentar um perfil populacional urbano, porém com características regionais heterogêneas. Ao longo desse processo, o declínio da população rural paranaense foi intenso e continuado, ocorrendo na grande maioria dos municípios, em todas as regiões do Estado. No entanto, nesse cenário, é interessante observar que, nos anos 1980, mas principalmente nos anos 1990, cresce a população rural de praticamente todos os municípios que rodeiam Curitiba. Dessa forma, a Mesorregião Metropolitana de Curitiba1, quando comparada às demais mesorregiões paranaenses, passa a concentrar, em 2000, a maior proporção de população rural do Estado.

1 As mesorregiões geográficas constituem unidades de recorte das Unidades da Federação adotadas pelo IBGE para todo o Brasil. Além de possibilitar a agregação de informações municipais para conjuntos maiores de território, permitem a comparabilidade interestadual, bem como a de séries históricas.

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Ademais, a RMC vem sendo uma das que apresentam maior crescimento populacional desde os anos 1970, notabilizando-se por sustentar, inclusive na década de 1990, taxas elevadas de incremento. Apresenta, também, uma dinâmica econômica das mais importantes do centro-sul do País. O município de Curitiba, além de ser a capital do Estado, é um pólo industrial, de comércio e de serviços, exercendo forte influência não só nos municípios ao seu redor, mas também em outras regiões do País (IPARDES, 2000). No âmbito da mesorregião, municípios com altas densidades demográficas contrastam com outros de menor densidade, que possuem menos de cinco mil habitantes, a maior parte com perfis ocupacionais associados a atividades agropecuárias e extrativas. Atividades estas que, apesar das restrições ambientais naturais, possuem produção diversificada e importante participação na agropecuária paranaense.

Nesse contexto, o presente artigo visa a identificar a pluriatividade nas famílias da Mesorregião Metropolitana de Curitiba e dos municípios que a compõem, verificando, nas famílias residentes em áreas rurais, os membros que estão ocupados em atividades não-agrícolas, os tipos de ocupações não-agrícolas que ocorrem nas famílias pluriativas e a participação das rendas não-agrícolas nessas famílias.

Na primeira seção faz-se uma breve revisão da discussão sobre a pluriatividade, desde o seu surgimento. Na seqüência tem-se uma rápida caracterização da Mesorregião Metropolitana de Curitiba, região para a qual será estudada a pluriatividade. Os instrumentos utilizados para investigar o fenômeno pesquisado, bem como a construção de uma tipologia visando agrupar os municípios dessa mesorregião e, dessa forma, auxiliar a análise dos dados, compõem a terceira seção. A quarta seção apresenta os dados trabalhados por meio do arquivo de microdados do Censo Demográfico de 2000, com os tipos das famílias, segundo as atividades dos seus membros ocupados e a pluriatividade na Mesorregião Metropolitana de Curitiba. Por último, têm-se as considerações finais.

1 AGRICULTURA EM TEMPO PARCIAL E PLURIATIVIDADE

Nos países desenvolvidos o espaço rural vem sendo caracterizado como multifuncional, ou seja, além de produtor de alimentos e matérias-primas, assume o papel de conservar e preservar a natureza e a paisagem, de abrigar atividades como as de turismo rural, e, também, de funcionar como local preferencial de moradia para segmentos populacionais urbanos. Tendo por referência, particularmente, a experiência européia, com suas políticas agrícolas de sustentação da pequena produção rural e financiamentos para a instalação de outras atividades no meio rural e, no Brasil, o acirramento da luta pela terra, tendo como sujeitos pequenos agricultores expropriados que reivindicam a recuperação do seu modo de vida de produtores independentes, retomaram-se as discussões sobre o rural e seu desenvolvimento.

Para Marsden (1991, apud SCHNEIDER, 2003), o espaço rural, que cumpria funções produtivas e alimentares, passa a desenvolver múltiplas atividades produtivas e ocupacionais. Entre as novas funções do rural estão o consumo de bens materiais

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e simbólicos (por exemplo, residência, festas, gastronomia), turismo, artesanato e descentralização industrial. Segundo esse autor, a mudança na política agrícola dos países desenvolvidos tem se orientado para a criação de mecanismos novos de regulação social e economia dos espaços rurais, políticas ambientais, planejamento, uso do solo e da água, bem-estar social etc.

Diante de um quadro de desemprego estrutural na Europa – especialmente urbano-industrial e sem perspectivas de mudanças –, a PAC2 de 1992 dedicou aos agricultores uma atenção para além da visão produtiva, ao introduzir instrumentos de proteção aos produtores de regiões desfavorecidas, através de pagamentos compensatórios, proteção ambiental e reflorestamentos (SILVA, 1999).

Nos EUA, segundo Blakely e Bradshaw (1985, apud SILVA, 1999), as políticas rurais são direcionadas para reduzir o isolamento das propriedades rurais (transporte e comunicação) e melhorar as condições de vida (habitação, saúde etc.) e de qualificação de seus habitantes (ensino básico e técnico). Contudo, não se reconhecem as novas necessidades que surgem nas zonas rurais, no pós-industrial, como, por exemplo, aquelas que exigem um novo zoneamento para a definição de áreas de preservação, de moradia e de áreas industriais.

No Brasil, segundo Silva (1997), o meio rural brasileiro se urbanizou nas décadas de 1980 e 1990; por um lado, pelo processo de industrialização da agricultura e, por outro, pelo transbordamento do urbano no espaço rural. Para Kageyama, o desenvolvimento rural brasileiro vem na direção de um desenvolvimento multissetorial, que abrange diversas atividades, além da agrícola. Há uma necessidade de se desenvolver infra-estrutura, serviços e oferta de empregos para assegurar a retenção da população na área rural (KAGEYAMA, 1992 apud SILVA, 1997). Segundo Kageyama, na atual fase do desenvolvimento, brasileiro e mundial, com a intensificação da concorrência em escala global, o progresso tecnológico (expresso no aumento da produtividade do trabalho) é fator crucial para a sobrevivência dos capitais. A redução do número de empregos por unidade de capital investido é o outro lado desse processo. Considerando o nível de desemprego urbano já existente e o elevado percentual da população que ainda habita o rural brasileiro, recoloca-se na discussão do desenvolvimento nacional a questão do desenvolvimento rural.

Com a introdução das novas tecnologias no campo – maquinários e equipamentos, sementes melhoradas, fertilizantes e defensivos químicos – ocorreu a diminuição do tempo que o agricultor gastava com sua produção. Com isso, os agricultores (e os demais membros da família) puderam trabalhar fora dos estabelecimentos, em atividades não-agrícolas ou mesmo na agricultura, porém em outras propriedades. Cientistas sociais que estudam esse fenômeno adotaram o nome de part-time farming, ou agricultura em tempo parcial.

2 A PAC (Política Agrícola Comum) surgiu a partir do Tratado de Roma (1962), tendo como primeiros signatários Bélgica, França, Itália, Holanda, Luxemburgo e Alemanha. Em 1973 aderiram Dinamarca, Irlanda e Reino Unido, em 1981 a Grécia, em 1986 Portugal e Espanha, e, em 1992, Áustria, Suécia e Finlândia.

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O termo ‘agricultura em tempo parcial’ surgiu em 1930. Até os anos 1950 o foco dos estudos, na Europa e nos Estados Unidos, foi sempre o agricultor, geralmente proprietário de pequenos estabelecimentos, e as fontes de rendas (KAGEYAMA, 1998). Já no final da década de 1950 o conceito de agricultura em tempo parcial incorporou duas novas noções: a família – porque é nela que ocorre a tomada de decisão de praticar agricultura no todo ou em parte – e o tempo de trabalho – que mede o grau de atividade fora da propriedade.

Nos anos de 1960, o debate voltou-se para o efeito das atividades não-agrícolas, praticadas fora da propriedade, sobre o desempenho da propriedade agrícola (KAGEYAMA, 1998). Até então se achava que a agricultura em tempo parcial seria um processo temporário, que ocorreria naturalmente, pois, à medida que o desenvolvimento agrícola fosse ocorrendo, a pequena propriedade viria a desaparecer. Dessa forma, o termo agricultura em tempo parcial foi recebendo conotação negativa. Segundo estudo realizado por Carneiro (1994, apud ANJOS, 1995a), no início dos anos 1960, na França, os agricultores que praticavam outras atividades além das agrícolas eram condenados, tanto pelos agricultores full time farming – devido ao acesso aos recursos complementares, que, segundo a autora, provocava ‘uma concorrência desleal’ – quanto pelos sindicatos agrícolas e organizações profissionais, por serem considerados repressores do desenvolvimento agrícola, baseado na especialização.

A partir de meados da década de 1970 e nos primeiros anos da década de 1980, seminários internacionais, livros e periódicos retomaram o debate sobre a agricultura em tempo parcial, em que se estabeleceram dois enfoques: o de que a agricultura em tempo parcial não era um fenômeno temporário como se pensava, e o de que a família, ou o estabelecimento familiar (household), era o ponto relevante de análise. Nesse período, os estudiosos sugerem a mudança do termo agricultura em tempo parcial para unidade agrícola familiar de trabalho múltiplo (multiple job-holding farm household - MJHFH), que orientaria a análise exclusivamente no tempo de trabalho da unidade familiar. Dessa forma, “estudos sobre as unidades agrícolas familiares de trabalhos múltiplos incorporariam três características fundamentais das famílias: composição demográfica, processo de tomada de decisão e vontades e interesses dos indivíduos, considerando-se suas situações locais e históricas” (FULLER, 1984 apud SCHNEIDER, 2003, p.102). No final da década de 1980 foi realizada uma investigação acadêmica nos países ligados à então Comunidade Econômica Européia (Arkleton Trust Project3), que estudou mais a fundo as unidades familiares rurais que combinavam atividades agrícolas e não-agrícolas. A partir desse estudo, passou-se a utilizar a unidade doméstica como análise e não mais o chefe da propriedade ou o tempo gasto em atividades não-agrícolas. Adotou-se a noção de pluriatividade para entender as múltiplas formas de trabalho e renda das unidades agrícolas.

3 Constituiu-se em um estudo, realizado entre 1987 e 1991, que abrangeu 24 regiões de 12 países europeus (nove eram membros da Comunidade Européia). É considerado o mais completo e aprofundado trabalho sobre pluriatividade e atividades rurais não-agrícolas.

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“A pluriatividade, mais do que um fenômeno desimportante e desaprovado, passa a ser vista, entre outras coisas, como alternativa para reter o processo de desertificação e abandono de áreas rurais economicamente problemáticas, contribuindo, sobretudo, para a manutenção das populações nos espaços agrários” (ANJOS, 1995c, p. 5), principalmente no caso europeu, nas regiões consideradas desfavoráveis (Portugal, Espanha, Sul da Itália, Grécia, Irlanda e Irlanda do Norte).

Mais recentemente, segundo Corona (2003), a discussão sobre a pluriatividade acarretou debates sobre a permanência da agricultura familiar em teses teóricas e metodologicamente diferentes, em três planos fundamentais: (i) nas teses marxistas de Kautsky, Lênin e Engels, em que o capitalismo tenderia a absorver as formas não-capitalistas de produção e, conseqüentemente, haveria a desintegração das formas camponesas. Para essas teses, o capitalismo transformaria o camponês ou em burguês – o produtor se vincularia à lógica capitalista – ou em proletário – o camponês recorreria ao trabalho extra-agrícola, mesmo possuindo um pedaço de terra; (ii) nas teses chayanovianas (Chayanov), que afirmavam existir uma razão econômica camponesa que se diferenciava da lógica capitalista. Nestes casos, o camponês lançaria mão do trabalho externo, aproveitando-se das ofertas de trabalho da sociedade no seu entorno como estratégia da manutenção da família, utilizando-se da lógica do equilíbrio entre produção e consumo; (iii) nas teses neoclássicas (Shultz), para as quais a racionalidade da família camponesa seria a mesma da racionalidade de uma empresa moderna, ou seja, a busca da maximização do lucro. Aqui, a permanência da agricultura familiar estaria vinculada ao seu acesso às novas tecnologias e informações e ao mercado mais dinâmico. A falta desses atributos levaria o camponês à pluriatividade, vista como ineficiência do produtor em se manter na agricultura.

Para Kageyama (1998, p. 535), “o estudo da pluriatividade pode ser feito em diversos níveis analíticos [...] com significados distintos conforme o nível (ou estágio) de desenvolvimento da economia agrícola familiar e seu contexto”. Isto é, a unidade de estudo pode ser a família, pois o cálculo do balanço entre tempos de trabalho e rendas pertence ao âmbito familiar e a decisão de um dos membros de combinar atividades não-agrícolas externas à propriedade provoca um reordenamento dos recursos produtivos de toda a família; ou o indivíduo, quando a atividade agrícola passa a ter um papel secundário e a família passa a ser o conjunto de qualificações e estratégias profissionais de seus membros.

No Brasil, as discussões sobre um novo modelo de desenvolvimento rural, cuja preocupação central não é o aumento da produção agrícola, mas sim a melhoria das condições de emprego, renda e vida da maior parte da população rural formada pelos agricultores de subsistência e os “sem-sem”4, foram fortalecidas pelo Projeto

4 Expressão utilizada pelos pesquisadores do Projeto Rurbano para designar a população sem terra, sem emprego fixo, sem qualificação, sem moradia, sem saúde etc.

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Rurbano5. Segundo esse projeto, o “novo” rural compõe-se de quatro grandes conjuntos: a) a agropecuária moderna, baseada em commodities e ligada à agroindústria, o chamado agribusiness; b) as atividades de subsistência (agricultura rudimentar e criação de pequenos animais) e os “sem-sem”, que foram expulsos pelo processo de modernização da agricultura; c) conjunto de atividades não-agrícolas, com atividades industriais e de prestação de serviços, atividades voltadas ao turismo, lazer e moradia; d) conjunto de “novas” atividades agropecuárias (que, na verdade, sempre ocorreram, mas não tinham importância econômica), que se tornaram importantes alternativas de emprego, como a horticultura, floricultura, criação de animais exóticos e de caça, piscicultura etc.

No decorrer das pesquisas realizadas pelas equipes do Projeto Rurbano, outro conceito foi incorporado ao processo de análise, o de economia local. Conforme explicitado por Kageyama, a “segunda atividade” (não-agrícola) não ocorre separada do resto da economia, por isso ela sugere que o mercado de trabalho seja um outro nível analítico, além do estudo da pluriatividade. As atividades podem localizar-se em áreas rurais ou urbanas, mas não podem ser muito distantes. Deste modo, é importante “a existência de mercados de trabalho com necessidades que possam ser satisfeitas pelos membros das famílias rurais pluriativas, o que, por sua vez, não depende da delimitação urbano-rural, e sim de características econômicas, sociais, culturais das economias locais” (KAGEYAMA, 1998, p. 536) (grifos da autora).

Segundo essa autora, economia local seria o melhor termo para descrever “o novo tipo de área, mais dinâmica que a rural e que tornou-se periurbana ou de industrialização difusa” (KAGEYAMA, 1998, p. 542).

2 A MESORREGIÃO METROPOLITANA DE CURITIBA

Ocupando área total de 2.301.511,9 hectares – que equivale a 11,52% de toda a área do Paraná –, a Mesorregião Metropolitana de Curitiba compreende o Litoral, o Primeiro Planalto Paranaense e parte do Segundo Planalto (ou Planalto de Ponta Grossa). A região, banhada a leste pelo Oceano Atlântico, faz divisa com o Estado de São Paulo, ao norte; ao sul, faz divisa com o Estado de Santa Catarina e, a sudoeste e oeste, com as Mesorregiões Sudeste e Centro-Oriental, respectivamente. Em seu interior, o Litoral e os planaltos se dividem pela Serra do Mar (Primeiro Planalto e Planície Litorânea) e pela Serra da Escarpa Devoniana – entre o Primeiro e o Segundo Planaltos (IPARDES, 2004).

Em 2000, a mesorregião contava com 859.299,1 hectares de remanescentes florestais, que correspondiam a 37,3% do território da mesorregião e 33,8% da

5 O Projeto Rurbano, comandado pelo professor José Graziano da Silva desde meados da década de 1990, conta com a participação de professores e pesquisadores de diferentes estados do Brasil e está vinculado a 16 instituições de ensino e pesquisa do País. Estudos realizados no âmbito desse projeto têm por objetivo analisar as transformações no emprego rural em 11 unidades do Brasil. Para mais informações sobre o Projeto, ver Silva (1999) ou consultar o site: www.eco.unicamp.br/nea/rurbano/rurbaw.html.

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cobertura florestal remanescente no Paraná. A região possui um total de 59 Unidades de Conservação, sendo 41 de Proteção Integral nos domínios de governo federal, estadual e municipal, e 18 de Uso Sustentável; estas áreas correspondem a 44,3% do território da mesorregião, segundo IPARDES (2004).

Com relação ao uso potencial dos solos, 74% de sua área total é inapta ao uso agropecuário, recomendando-se, para estas áreas, apenas o reflorestamento, restando 26% de áreas aptas a atividades agropecuárias (IPARDES, 2004).

A título de informação, grosso modo, a Mesorregião Metropolitana de Curitiba apresenta três regiões distintas, seja pela morfologia, seja do ponto de vista da dinâmica econômica e social: Litoral, Região Metropolitana de Curitiba e Ribeira. A Região Metropolitana de Curitiba, instituída em 1973 através da Lei Federal nº 14/73, atualmente é composta por 26 municípios (mapa 1).

A Mesorregião abrigava, em 2000, 3.053.473 habitantes, dos quais 90,6% localizavam-se em áreas urbanas e 9,4% em áreas rurais. De acordo com os resultados censitários de 2000, dos 37 municípios da mesorregião 20 possuíam população total inferior a 20 mil habitantes e apenas cinco municípios possuíam de 100 mil a 250 mil habitantes. O município mais populoso era Curitiba, com 1.587.315 habitantes;

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o segundo maior em população era São José dos Pinhais, com 204.316 habitantes; o município com menor número de habitantes era Tunas do Paraná, com apenas 3.611 pessoas (tabela A.1 do apêndice).

Segundo o Censo Agropecuário 1995-1996, mais de 91 mil pessoas estavam ocupadas em atividades agropecuárias, na Mesorregião Metropolitana de Curitiba. Havia 24.493 estabelecimentos agropecuários, ocupando uma área de 876.073 hectares, que representavam 6,6% do total de estabelecimentos agropecuários do Paraná e ocupavam 5,5% da área do Estado. A pequena propriedade é uma característica da mesorregião. Dos estabelecimentos, 94,8% concentravam-se nos estratos de área com até 100 hectares, sendo que 50,3% dos estabelecimentos possuíam 10 hectares.

3 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS

Embora venha ocorrendo um interessante e importante debate, no Brasil e no mundo, sobre as delimitações e conceitos do que seja rural e do que seja urbano6, no presente estudo esse debate não será considerado, por imposição da fonte de dados utilizada, o Censo Demográfico de 2000, do IBGE, no qual a população recenseada e seus atributos estão determinados pela pesquisa. O Censo considera a situação do domicílio e a atividade em que os moradores do domicílio estão ocupados, portanto não define o local em que se realiza a ocupação, se é no meio rural ou no meio urbano.

Uma vez que a base informacional é um único Censo, o resultado se restringe a um ponto no tempo. Para o estudo da pluriatividade foram consideradas as famílias domiciliadas no urbano e no rural, pois pretende-se verificar não somente a ocorrência deste fenômeno na mesorregião, mas também a existência de famílias agrícolas em áreas urbanas, bem como de famílias não-agrícolas em áreas rurais.

A principal fonte de dados utilizada para este trabalho é a amostra do Censo Demográfico 2000, do IBGE, disponibilizada por meio do arquivo de microdados, que permite resgatar as variáveis que compõem o questionário da amostra, para cada família e pessoa amostrada. Estas informações, expandidas, representam o universo da Mesorregião Metropolitana de Curitiba. Os critérios de situação domiciliar e conceitos definidores das ocupações e rendas seguirão as acepções do IBGE.

Os municípios que compõem a Mesorregião Metropolitana de Curitiba possuem grandes diversidades físicas, sociais e econômicas. Mesmo dentro do agrupamento das microrregiões geográficas do IBGE essas diferenças persistem, o que tornaria mais difícil a análise. Partindo do pressuposto de que a estrutura ocupacional da população rural e suas características estão relacionadas com a economia local, optou-se por criar agrupamentos de municípios, segundo algumas características, como a densidade demográfica, a importância relativa dos setores econômicos nas economias municipais e o grau de desenvolvimento socioeconômico.

6 O IBGE define perímetro urbano como a “linha divisória dos espaços juridicamente distintos de um distrito, estabelecida por lei municipal” (IBGE, 2002a, p. 68). Em situação urbana consideram-se as áreas urbanizadas ou não, correspondentes às cidades (sedes municipais), às vilas (sedes distritais) ou às áreas urbanas isoladas. A situação rural abrange toda a área situada fora desses limites, inclusive os aglomerados rurais de extensão urbana, os povoados e os núcleos.

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Para a obtenção desse agrupamento foi criada uma tipologia, baseada na tipologia dos municípios brasileiros7, realizada pelo IBGE em 1991, e na tipologia dos municípios paranaenses8, segundo indicadores socioeconômicos e demográficos, realizada pelo IPARDES, em 2003.

Aplicou-se a metodologia do IBGE para os 37 municípios da Mesorregião Metropolitana de Curitiba utilizando-se os dados do Censo Demográfico de 2000, obtendo-se, assim, o agrupamento dos municípios, chamado de Tipologia I (quadro A.1).

A tipologia dos municípios paranaenses, realizada pelo IPARDES, partiu de um conjunto de indicadores médios por município paranaense que, após aplicação das técnicas estatísticas e de análises de agrupamentos sobre os indicadores, resultou na formação de seis grupos de municípios relativamente homogêneos, que foram classificados em “graus de desenvolvimento”: baixo, médio-baixo, médio, médio-alto, alto e Curitiba9. A partir dessa tipologia criou-se um novo agrupamento, segundo os graus de desenvolvimento dos municípios da Mesorregião Metropolitana de Curitiba, chamado de Tipologia II (ver quadro A.1).

Acredita-se que essas duas tipologias, juntas, imprimam uma dimensão dos municípios, tanto do ponto de vista populacional quanto da estrutura econômica que esses municípios apresentam. Arrolaram-se os municípios e suas respectivas classificações nas Tipologias I e II e, após a comparação, criou-se a Tipologia III (ver quadro A.1). Essa classificação reuniu os municípios da Mesorregião Metropolitana de Curitiba em seis grupos:

1. rural com baixo grau de desenvolvimento – Rural-Baixo: oito municípios;2. rural com médio grau de desenvolvimento – Rural-Médio: sete municípios;3. urbanos de pequena dimensão demográfica e com médio grau de

desenvolvimento – Urbano Pequeno-Médio: seis municípios;4. urbanos de pequena dimensão demográfica e com alto grau de

desenvolvimento – Urbano Pequeno-Alto: seis municípios;5. urbanos de média dimensão demográfica e com alto grau de

desenvolvimento – Urbano Médio-Alto: nove municípios;6. Pólo – um município.

No mapa 2 encontra-se a localização dos municípios da Mesorregião Metropolitana de Curitiba, segundo a classificação dos seis grupos de municípios, na Tipologia III.

7 A tipologia dos municípios brasileiros teve como finalidade a classificação dos municípios a partir de características estruturais e dimensionais semelhantes. A tipificação procura mostrar, de forma generalizada, a inserção dos municípios na organização socioespacial do País; o processo de urbanização foi o vetor principal na diferenciação dos municípios. Para saber mais sobre essa tipologia, ver IPARDES (2000).

8 A Tipologia dos Municípios Paranaenses teve por objetivo conhecer o grau de desenvolvimento local, partindo de um conjunto de indicadores socioeconômicos e demográficos. O estudo selecionou indicadores dos municípios paranaenses – relacionados com o crescimento econômico, crescimento populacional, mercado de trabalho, agricultura, educação e infância, urbanização, moradia e meio ambiente – a partir de dados secundários, obtidos de órgãos oficiais, estadual e federal. Esses indicadores foram representativos para determinar o desenvolvimento dos municípios, e a tipologia empregada distingue os municípios mais dinâmicos e os menos dinâmicos. Para saber mais sobre essa tipologia, ver Tipologia dos municípios paranaenses segundo indicadores socioeconômicos e demográficos. Curitiba: IPARDES, 2003.

9 O município de Curitiba apresentou resultados significativos em relação aos demais, os quais alterariam os resultados do grupo ao qual viesse a pertencer. Assim, decidiu-se classificá-lo em um único grupo.

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4 A PLURIATIVIDADE NA MESORREGIÃO METROPOLITANA DE CURITIBA

O conceito de pluriatividade vem sendo construído ao longo das últimas duas décadas, porém predomina entre os pesquisadores deste assunto a opinião de que este fenômeno deve ser analisado no conjunto das famílias ou domicílios. Um dos motivos da ocorrência da pluriatividade nas famílias é a existência de excesso de mão-de-obra na unidade produtiva. As pequenas propriedades e/ou as que utilizam tecnologias diminuidoras da necessidade de mão-de-obra valem-se da estratégia da saída de seus membros para executarem outros trabalhos e encontram nas atividades não-agrícolas um meio de reprodução. Alguns autores entendem que a pluriatividade ocorre, também, quando indivíduos combinam atividades agrícolas dentro e fora da propriedade. Como o Censo Demográfico não identifica a localização (urbana ou rural) em que se desenvolvem as ocupações e o tipo de atividade da segunda ocupação de um mesmo indivíduo, a definição de pluriatividade se restringirá ao fenômeno da presença de atividades em diferentes setores, no trabalho principal10, dos membros de uma mesma família.

10 Por trabalho principal considerou-se aquele ao qual a pessoa, acima de 10 anos de idade, dedicou o maior número de horas normalmente trabalhadas por semana. Nos casos de igualdade, foi considerado principal aquele que a pessoa possuía há mais tempo, independente de ser remunerado ou não. Persistindo a igualdade, o trabalho que proporcionou maior rendimento foi considerado o principal.

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Para verificar a pluriatividade das famílias, tomou-se o total de famílias11, urbanas e rurais, que tivessem pelo menos uma pessoa ocupada no período de referência12 do Censo. Em seguida, verificou-se a existência de pessoas ocupadas em atividades agrícolas. Nos casos em que todas as pessoas ocupadas da família trabalhavam em atividades agrícolas, esta foi classificada como família agrícola; nos casos em que todas as pessoas ocupadas estavam executando atividades não-agrícolas a família foi classificada como não-agrícola. Nas situações em que, na mesma família, havia pessoas ocupadas em atividades agrícolas e não-agrícolas, a família foi enquadrada como pluriativa. Não foram consideradas as famílias cuja totalidade dos integrantes estava inativa.

Comparativamente às demais mesorregiões do Paraná, a Metropolitana de Curitiba, em 2000, foi a que apresentou a menor proporção de famílias agrícolas (4%) e de pluriativas (2,1%). No entanto, quando comparadas em números absolutos, as famílias agrícolas da Mesorregião Metropolitana de Curitiba superaram as das mesorregiões Centro-Oriental e Centro-Ocidental. Com relação às famílias pluriativas, essa mesorregião apresentou, nesta condição, um total de famílias superior ao das mesorregiões Centro-Ocidental, Norte Pioneiro, Centro-Oriental, Sudoeste, Centro-Sul e Sudeste (tabela 1).

TABELA 1 - NÚMERO ABSOLUTO E RELATIVO DOS TIPOS DE FAMÍLIA, SEGUNDO TIPO E MESORREGIÃO - PARANÁ - 2000

MESORREGIÃO

TIPO DE FAMÍLIA

Agrícola Pluriativa Não-agrícola TOTAL

Abs. % Abs. % Abs. % Abs. %

Noroeste 41.582 25,5 18.901 11,6 102.323 62,8 162.805 100,0

Centro-Ocidental 23.754 28,6 8.106 9,8 51.235 61,7 83.095 100,0

Norte Central 61.653 13,1 28.905 6,1 379.967 80,8 470.525 100,0

Norte Pioneiro 40.791 30,3 15.023 11,2 78.875 58,6 134.689 100,0

Centro-Oriental 22.124 15,1 7.762 5,3 116.186 79,5 146.072 100,0

Oeste 46.840 16,3 18.940 6,6 221.936 77,1 287.716 100,0

Sudoeste 38.724 32,6 11.003 9,3 69.113 58,2 118.840 100,0

Centro-Sul 37.413 30,5 11.120 9,1 74.276 60,5 122.809 100,0

Sudeste 31.688 36,0 7.383 8,4 48.980 55,6 88.051 100,0

Metropolitana de Curitiba 30.634 4,0 16.028 2,1 727.254 94,0 773.916 100,0

PARANÁ 375.203 15,7 143.171 6,0 1.870.144 78,3 2.388.519 100,0

FONTE: IBGE - Censo Demográfico

11 Para este trabalho foi considerada a família extensa, conforme conceito do IBGE, que define família como o conjunto de pessoas ligadas por laços de parentesco, ou dependência doméstica, ou normas de convivência, residentes em domicílio particular. São considerados, além da família nuclear, os parentes destas que vivem no mesmo local (mesmo que formem outro casal) e os agregados.

12 O Censo Demográfico 2000, do IBGE, considerou pessoas ocupadas, no período de referência, aquelas que na semana entre 23 e 29 de julho de 2000 realizaram algum tipo de atividade remunerada em dinheiro, produtos, mercadorias ou em benefícios, na totalidade ou em parte da semana, inclusive a atividade na preparação de algum produto, venda ou prestação de algum serviço no próprio domicílio; tinham algum tipo de atividade remunerada, mas estavam temporariamente afastadas por motivo de férias, licença, falta voluntária, doença, más condições de tempo ou outra razão; ajudaram sem remuneração, como aprendiz ou estagiário, no trabalho exercido por pessoa conta-própria ou empregador e morador do domicílio; ou ajudaram, sem remuneração, no trabalho exercido por pessoa moradora do domicílio empregada em atividade de cultivo, extração vegetal, criação de animais, caça, pesca ou garimpo.

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Lenita Maria Marques e Luiz Antonio Lopes

Para os grupos de municípios13, verifica-se que apenas no grupo Rural-Baixo

a maioria das famílias é agrícola (48,9%) – tabela 2. Este grupo apresentou também,

em 2000, o maior percentual de famílias pluriativas, 12,3%. O grupo Rural-Médio,

comparado aos demais grupos da mesorregião, apresentou a segunda maior participação

de famílias agrícolas, bem como de famílias pluriativas.

Em relação ao número absoluto, verifica-se que os grupos Urbano Médio-Alto

e Rural-Médio apresentaram os maiores números de famílias pluriativas.

TABELA 2 - NÚMERO ABSOLUTO E RELATIVO DE FAMÍLIAS, SEGUNDO TIPO E GRUPOS DE MUNICÍPIOS DA TIPOLOGIA III - MESORREGIÃO METROPOLITANA DE CURITIBA - PARANÁ - 2000

GRUPO DE MUNICÍPIOS

TIPO DE FAMÍLIATOTAL

Agrícola Pluriativa Não-agrícola

Abs. % Abs. % Abs. % Abs. %

Rural-Baixo 8.378 48,9 2.100 12,3 6.644 38,8 17.122 100,0

Rural-Médio 5.261 23,0 2.695 11,8 14.946 65,3 22.901 100,0

Urbano Pequeno-Médio 6.108 18,9 2.070 6,4 24.116 74,7 32.294 100,0

Urbano Pequeno-Alto 1.942 6,6 1.310 4,5 26.155 88,9 29.406 100,0

Urbano Médio-Alto 7.334 2,9 5.312 2,1 237.297 94,9 249.943 100,0

Pólo 1.612 0,4 2.542 0,6 418.096 99,0 422.250 100,0

MESORREGIÃO 30.634 4,0 16.028 2,1 727.254 94,0 773.916 100,0

FONTE: IBGE - Censo Demográfico

Nas situações em que a família não dispõe de terra suficiente, ou quando

há mão-de-obra excedente na unidade produtiva, ela tende a liberar seus membros

em busca de outros trabalhos e, muitas vezes, encontra nas atividades não-agrícolas

uma forma de garantir o equilíbrio entre trabalho e consumo. Nas situações em que a

família possui filhos pequenos ou em que resta apenas o casal de idosos, a demanda

por trabalho não-agrícola costuma ser menor.

A demografia considera a população formada por pessoas com idade entre 15 e

64 anos como população potencialmente ativa ou população em idade ativa, pois estaria,

via de regra, apta a desempenhar alguma atividade produtiva (IBGE, 2004). Na tabela 3

está apresentada, segundo o Censo 2000, a distribuição percentual das pessoas, nos

três grupos etários – de 0 a 14 anos, de 15 a 64 anos, e de 65 anos e mais – para os

três tipos de famílias. Nesta tabela encontra-se, também, o número médio de membros

nas famílias para os cinco grupos de municípios e o conjunto da mesorregião.

13 Ver Tipologia III para os municípios da Mesorregião Metropolitana de Curitiba no quadro A.1.

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A Pluriatividade na Mesorregião Metropolitana de Curitiba

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TABELA 3 - TOTAL DE PESSOAS, DISTRIBUIÇÃO PERCENTUAL NAS FAIXAS ETÁRIAS E NÚMERO MÉDIO DE PESSOAS POR TIPO DE FAMÍLIA, SEGUNDO OS GRUPOS DE MUNICÍPIOS DA TIPOLOGIA III - MESORREGIÃO METROPOLITANA DE CURITIBA - PARANÁ - 2000

GRUPO DE MUNICÍPIOS

TOTAL DE PESSOAS NOS TIPOS DE FAMÍLIAS, DISTRIBUIÇÃO % DAS PESSOAS NAS FAIXAS ETÁRIAS E Nº MÉDIO DE MEMBROS POR FAMÍLIA

Família Agrícola

0 a 14 anos (%)

15 a 64 anos (%)

65 anos e mais (%)

Total (Abs.)

N.º médio de membros na família

Rural-Baixo 36,1 58,9 5,0 30.705 3,7

Rural-Médio 31,2 61,9 6,9 18.059 3,4

Urbano Pequeno-Médio 33,9 62,0 4,1 22.261 3,6

Urbano Pequeno-Alto 36,4 59,2 4,5 6.947 3,6

Urbano Médio-Alto 31,2 63,0 5,8 25.214 3,4

Pólo 22,1 67,4 10,5 4.547 2,8

MESORREGIÃO 33,1 61,4 5,5 107.732 3,5

GRUPO DE MUNICÍPIOS

TOTAL DE PESSOAS NOS TIPOS DE FAMÍLIAS, DISTRIBUIÇÃO % DAS PESSOAS NAS FAIXAS ETÁRIAS E Nº MÉDIO DE MEMBROS POR FAMÍLIA

Família Pluriativa

0 a 14 anos (%)

15 a 64 anos (%)

65 anos e mais (%)

Total (Abs.)

N.º médio de membros na família

Rural-Baixo 30,5 66,8 2,7 9.856 4,7

Rural-Médio 26,7 70,0 3,3 12.260 4,5

Urbano Pequeno-Médio 29,5 68,4 2,0 9.460 4,6

Urbano Pequeno-Alto 30,1 67,8 2,1 5.681 4,3

Urbano Médio-Alto 26,2 70,5 3,3 23.323 4,4

Pólo 19,8 76,8 3,4 10.283 4,0

MESORREGIÃO 26,7 70,3 3,0 70.865 4,4

GRUPO DE MUNICÍPIOS

TOTAL DE PESSOAS NOS TIPOS DE FAMÍLIAS, DISTRIBUIÇÃO % DAS PESSOAS NAS FAIXAS ETÁRIAS E Nº MÉDIO DE MEMBROS POR FAMÍLIA

Família Não-agrícola

0 a 14 anos (%)

15 a 64 anos (%)

65 anos e mais (%)

Total (Abs.)

N.º médio de membros na família

Rural-Baixo 36,7 60,6 2,7 24.040 3,6

Rural-Médio 34,3 63,5 2,2 53.959 3,6

Urbano Pequeno-Médio 33,3 64,0 2,7 87.740 3,6

Urbano Pequeno-Alto 33,3 64,6 2,1 91.227 3,5

Urbano Médio-Alto 32,8 65,3 1,9 849.136 3,6

Pólo 26,1 70,5 3,3 1.382.236 3,3

MESORREGIÃO 29,2 68,1 2,7 2.488.337 3,4

FONTE: IBGE - Censo Demográfico

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Lenita Maria Marques e Luiz Antonio Lopes

Verifica-se que as famílias pluriativas apresentaram, em todos os grupos de municípios, a maior média de pessoas por família, mínimo de quatro (no Pólo) e máximo de 4,7 (no Rural-Baixo). Além disso, as famílias pluriativas apontaram os maiores percentuais de pessoas na faixa etária entre 15 e 64 anos, ou seja, pessoas potencialmente ativas, com média de 70,3% para a mesorregião.

Outra constatação que os resultados contidos na tabela 3 mostram é que nas famílias agrícolas o percentual de membros com idade igual ou superior a 65 anos é maior, comparativamente às famílias pluriativas ou não-agrícolas, em todos os grupos de municípios.

Com o intuito de verificar quais os tipos de famílias que auferiram os maiores rendimentos em decorrência do trabalho principal de seus membros, levantaram-se os rendimentos médios mensais per capita das famílias, segundo o Censo Demográfico 2000. Optou-se por apresentar os resultados em cinco classes de rendimento, para cada tipo de família, partindo da classe de até ½ salário mínimo.

Os maiores percentuais de famílias com rendimentos per capita de até ½ salário mínimo (s.m.) foram referentes às famílias agrícolas, 44,3% na média da mesorregião (tabela 4); esta classe de rendimento foi a que registrou os maiores percentuais para esse tipo de família, com exceção do Pólo, que apresentou a maioria de suas famílias agrícolas na classe de rendimento maior do que 1 s.m. a 2 salários mínimos. Ainda em relação às famílias agrícolas, ao se somarem as classes de até ½ s.m. e acima de ½ a 1 s.m. verifica-se que mais de 60% das famílias agrícolas estavam distribuídas nessas duas classes de rendimento mensal per capita.

Os grupos de municípios apresentaram resultados diferentes em todos os tipos de famílias e classes de rendimentos. O grupo Rural-Baixo, comparativamente aos demais grupos, apresentou os maiores percentuais de famílias distribuídas nas classes de rendimento mais baixos (até 1 salário mínimo), sendo que, para a maioria das famílias (agrícolas, pluriativas e não-agrícolas), o rendimento médio per capita, em 2000, era de até ½ salário mínimo. O Pólo, por sua vez, apresentou os menores percentuais nessa classe de rendimento, nos três tipos de família (ver tabela 4).

As famílias pluriativas mostraram uma melhor distribuição nas classes de rendimento, comparativamente às famílias agrícolas, mas foram as famílias não-agrícolas que apresentaram maiores proporções de famílias nas classes de rendimento acima de 2 salários mínimos (ver tabela 4). Os resultados revelam que na Mesorregião Metropolitana de Curitiba as atividades não-agrícolas remuneraram melhor que as agrícolas e sugerem que a pluriatividade é uma estratégia acertada das famílias para elevar a renda.

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A Pluriatividade na Mesorregião Metropolitana de Curitiba

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TABELA 4 - TOTAL DE FAMÍLIAS E DISTRIBUIÇÃO PERCENTUAL POR CLASSE DE RENDIMENTO MENSAL FAMILIAR PER CAPITA, NOS TIPOS DE FAMÍLIAS, SEGUNDO OS GRUPOS DE MUNICÍPIOS DA TIPOLOGIA III - MESORREGIÃO METROPOLITANA DE CURITIBA - PARANÁ - 2000

GRUPO DE MUNICÍPIOS

RENDIMENTO MÉDIO MENSAL FAMILIAR PER CAPITA (SALÁRIOS-MÍNIMOS)

Família Agrícola

Até ½ (%)

>½ a 1 (%)

>1 a 2 (%)

>2 a 4 (%)

>4 e mais (%)

TOTAL (Abs.)

Rural-Baixo 57,3 25,4 11,7 3,9 1,8 8.378

Rural-Médio 40,8 29,4 18,4 7,1 4,4 5.261

Urbano Pequeno-Médio 49,7 29,5 12,7 5,5 2,7 6.108

Urbano Pequeno-Alto 41,5 30,5 18,8 7,2 2,0 1.942

Urbano Médio-Alto 33,9 31,4 21,1 7,3 6,3 7.334

Pólo 17,7 22,8 26,4 10,7 22,4 1.612

MESORREGIÃO 44,3 28,5 16,5 6,1 4,6 30.634

GRUPO DE MUNICÍPIOS

RENDIMENTO MÉDIO MENSAL FAMILIAR PER CAPITA (SALÁRIOS-MÍNIMOS)

Família Pluriativa

Até ½ (%)

>½ a 1 (%)

>1 a 2 (%)

>2 a 4 (%)

>4 e mais (%)

TOTAL (Abs.)

Rural-Baixo 33,3 32,2 23,5 7,5 3,6 2.100

Rural-Médio 17,4 37,4 31,5 7,9 5,8 2.695

Urbano Pequeno-Médio 20,6 40,7 28,4 5,8 4,4 2.070

Urbano Pequeno-Alto 11,7 34,4 35,7 11,0 7,2 1.310

Urbano Médio-Alto 10,6 29,8 34,8 17,6 7,2 5.312

Pólo 3,5 17,1 26,0 23,1 30,2 2.542

MESORREGIÃO 15,0 31,2 30,6 13,5 9,8 16.028

GRUPO DE MUNICÍPIOS

RENDIMENTO MÉDIO MENSAL FAMILIAR PER CAPITA (SALÁRIOS-MÍNIMOS)

Família Não-agrícola

Até ½ (%)

>½ a 1 (%)

>1 a 2 (%)

>2 a 4 (%)

>4 e mais (%)

TOTAL (Abs.)

Rural-Baixo 27,6 27,3 24,8 12,4 7,9 6.644

Rural-Médio 15,7 29,2 29,9 17,2 8,0 14.946

Urbano Pequeno-Médio 20,3 28,3 28,4 13,7 9,3 24.116

Urbano Pequeno-Alto 13,2 27,0 32,2 17,7 10,0 26.155

Urbano Médio-Alto 10,9 25,5 33,4 20,1 10,1 237.297

Pólo 5,0 14,0 24,4 23,8 32,8 418.096

MESORREGIÃO 8,2 19,1 27,9 21,8 23,0 727.254

FONTE: IBGE - Censo Demográfico

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REVISTA PARANAENSE DE DESENVOLVIMENTO, Curitiba, n.113, p.147-174, jul./dez. 2007 163

Lenita Maria Marques e Luiz Antonio Lopes

Para se conhecer a distribuição dos tipos de famílias nas áreas urbanas e rurais na Mesorregião Metropolitana de Curitiba, desagregaram-se as informações segundo a situação do domicílio e, como já era esperado, verificou-se que as famílias pluriativas estavam em maior número nas áreas rurais, 13% em média (tabela 5). Os grupos Urbano Pequeno-Médio (15%), Rural-Médio (14,5%) e Urbano Pequeno-Alto (14,5) apresentaram os maiores percentuais de famílias pluriativas em áreas rurais. Outra constatação foi a de que apenas os grupos Rural-Baixo e Urbano Pequeno-Médio possuíam, em 2000, nas áreas rurais, maioria de famílias agrícolas.

TABELA 5 - DISTRIBUIÇÃO PERCENTUAL DAS FAMÍLIAS, POR SITUAÇÃO DE DOMICÍLIO E TIPO, SEGUNDO OS GRUPOS DE MUNICÍPIOS DA TIPOLOGIA III - MESORREGIÃO METROPOLITANA DE CURITIBA - PARANÁ - 2000

GRUPO DE MUNICÍPIOS

URBANO RURAL

Famílias Agrícolas

(%)

Famílias Pluriativas

(%)

Famílias Não-

Agrícolas (%)

Total de Famílias (Abs.)

Famílias Agrícolas

(%)

Famílias Pluriativas

(%)

Famílias Não-

Agrícolas (%)

Total de Famílias (Abs.)

Rural-Baixo 12,4 8,7 78,9 3.831 59,4 13,3 27,2 13.291

Rural-Médio 9,7 6,4 83,9 7.635 29,6 14,5 55,9 15.267

Urbano Pequeno-Médio 3,9 3,0 93,1 23.192 57,3 15,0 27,7 9.101

Urbano Pequeno-Alto 2,9 3,0 94,1 25.739 32,4 14,5 53,1 3.667

Urbano Médio-Alto 1,1 1,1 97,8 225.275 20,1 11,1 68,8 24.668

Pólo 0,4 0,6 99,0 422.250 - - - -

MESORREGIÃO 1,0 1,0 98,0 707.921 36,0 13,0 50,9 65.995

FONTE: IBGE - Censo Demográfico

4.1 AS FAMíLIAS PLURIATIVAS DA MESORREGIÃO METROPOLITANA DE CURITIBA

Partindo-se do pressuposto de que as famílias utilizam a pluriatividade como estratégia para incrementar a renda familiar e, para muitas famílias rurais, assegurar sua permanência no campo, pretende-se investigar, nesta seção, as famílias pluriativas da Mesorregião Metropolitana de Curitiba a partir de três questionamentos: quais são os membros das famílias pluriativas que exercem as atividades não-agrícolas? Em que atividades não-agrícolas essas pessoas trabalham? Qual é a participação média dos rendimentos não-agrícolas nas rendas totais das famílias pluriativas?

Para responder à primeira questão, levantou-se, a partir dos microdados do Censo 2000, o total de pessoas que estavam ocupadas em atividades não-agrícolas nas famílias pluriativas, e verificou-se qual era a posição destas na família, em relação ao responsável pela família. Na tabela 6 pode-se observar que os filhos/enteados eram a maioria dos que se ocupavam de atividades não-agrícolas, 42,6% em média, na mesorregião. Em seguida, com participação bem inferior, vinham os cônjuges (26,8%) e os responsáveis pela família (24,4%).

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A Pluriatividade na Mesorregião Metropolitana de Curitiba

164 REVISTA PARANAENSE DE DESENVOLVIMENTO, Curitiba, n.113, p.147-174, jul./dez. 2007

TABELA 6 - TOTAL DE PESSOAS OCUPADAS EM ATIVIDADES NÃO-AGRÍCOLAS NAS FAMÍLIAS PLURIATIVAS E DISTRIBUIÇÃO PERCENTUAL EM RELAÇÃO À POSIÇÃO NA FAMÍLIA, SEGUNDO OS GRUPOS DE MUNICÍPIOS DA TIPOLOGIA III - MESORREGIÃO METROPOLITANA DE CURITIBA - PARANÁ - 2000

GRUPO DE MUNICÍPIOS

PESSOAS OCUPADAS EM ATIVIDADES NÃO-AGRÍCOLAS NAS FAMÍLIAS PLURIATIVAS

Responsável pela Família

(%)

Cônjuge (%)

Filho(a), Enteado(a)

(%)

Outro Parente

(%)

Outro(1)

(%)

Total

Abs. %

Rural-Baixo 23,4 27,6 46,0 2,5 0,6 2.696 100,0

Rural-Médio 20,9 24,7 47,0 6,0 1,5 3.677 100,0

Urbano Pequeno-Médio 22,7 30,7 44,0 2,0 0,6 2.565 100,0

Urbano Pequeno-Alto 24,9 36,2 35,1 2,7 1,1 1.824 100,0

Urbano Médio-Alto 25,6 24,0 44,1 5,4 0,8 7.779 100,0

Pólo 26,8 26,8 35,8 7,4 3,2 4.087 100,0

MESORREGIÃO 24,4 26,8 42,6 4,9 1,3 22.628 100,0

FONTE: IBGE - Censo Demográfico (1) Agregado, pensionista, empregado doméstico.

Entre os grupos de municípios, o Urbano Pequeno-Alto e o Pólo apresentaram

um percentual menor de filhos/enteados em ocupações não-agrícolas, 35,1% e

35,8%, respectivamente; o grupo Rural-Baixo (46%) e Rural-Médio (47%), por sua vez,

apresentaram os maiores percentuais de filhos/enteados em atividades não-agrícolas

(ver tabela 6).

Para investigar em que tipos de atividades não-agrícolas os membros ocupados

das famílias pluriativas estavam inseridos, decidiu-se separar as informações por situação

de domicílio, com a finalidade de identificar e comparar, dentro de um mesmo grupo de

municípios, quais atividades ocupavam mais pessoas e qual era a situação de domicílio

dessas pessoas ocupadas.

As atividades que ocupavam a maior parte das pessoas das famílias pluriativas

urbanas, na mesorregião, eram as ligadas ao comércio, reparação de veículos

automotores e motocicletas; e comércio a varejo de combustíveis (18,2%), destacando

as atividades do ‘comércio de produtos alimentícios, bebidas e fumo’, ‘comércio de

mercadorias em geral – inclusive mercadorias usadas’ e ‘serviços de reparação e

manutenção de serviços automotores’ (tabela 7). Para as pessoas domiciliadas no rural,

os serviços domésticos tiveram maior participação (19,7%). As atividades na indústria de

transformação aparecem em segundo lugar, tanto para o urbano quanto para o rural,

com 17,1% e 18,8%, respectivamente, com destaque para a ‘fabricação de produtos

de madeira’, ‘fabricação de móveis e indústrias diversas’, ‘fabricação de produtos

alimentícios e bebidas’ e ‘fabricação de produtos de minerais não-metálicos’.

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REVISTA PARANAENSE DE DESENVOLVIMENTO, Curitiba, n.113, p.147-174, jul./dez. 2007 165

Lenita Maria Marques e Luiz Antonio Lopes

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A Pluriatividade na Mesorregião Metropolitana de Curitiba

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Comparando-se a mesma atividade, segundo a situação do domicílio (urbano e rural), verifica-se que, no conjunto da mesorregião, não ocorreram grandes variações, ou seja, as atividades concentravam mais ou menos pessoas, tanto para as famílias pluriativas urbanas quanto para as rurais (ver tabela 7).

Ao se comparar cada atividade em um mesmo grupo de municípios, segundo a situação do domicílio, verifica-se que, com exceção do Urbano Médio-Alto (e do Pólo, que não possui área rural), todos os grupos de municípios apresentaram maiores participações de pessoas ocupadas na indústria de transformação. As famílias pluriativas domiciliadas no rural apresentaram, também, em todos os grupos de municípios, participações maiores na atividade de serviços domésticos do que nas famílias pluriativas urbanas.

Os grupos Rural-Baixo e Urbano Médio-Alto tiveram maiores participações de membros das famílias pluriativas rurais nos serviços domésticos; no Rural-Médio e Urbano Pequeno-Médio foram as atividades ligadas à indústria de transformação; já o grupo Urbano Pequeno-Alto apresentou maior participação de pessoas rurais nas atividades ligadas ao comércio, reparação de veículos automotores e motocicletas; e comércio a varejo de combustíveis (ver tabela 7).

Para se conhecer a importância das rendas não-agrícolas na renda total das famílias pluriativas, foram somadas todas as rendas destas famílias; posteriormente, foram separadas as rendas relativas ao trabalho principal e, finalmente, levantadas somente as rendas do trabalho principal não-agrícola. Na tabela 8 as rendas estão ordenadas da seguinte forma: na primeira coluna está a renda média familiar – em salários mínimos14 auferida pelas famílias pluriativas, em 2000; a seguir, na segunda coluna, está a participação da renda familiar do trabalho (somente do trabalho principal), em relação à renda média familiar; na terceira coluna está a participação da renda familiar do trabalho não-agrícola em relação à renda média familiar, e na quarta coluna encontra-se a participação da renda familiar do trabalho não-agrícola em relação à renda de todos os trabalhos.

TABELA 8 - RENDA TOTAL DAS FAMÍLIAS PLURIATIVAS (MÉDIA EM SALÁRIOS-MÍNIMOS), PARTICIPAÇÃO DAS RENDAS DO TRABALHO PRINCIPAL E DOS TRABALHOS DE ORIGEM NÃO-AGRÍCOLA NA RENDA TOTAL, E PARTICIPAÇÃO DA RENDA DO TRABALHO PRINCIPAL NÃO-AGRÍCOLA NA RENDA DO TRABALHO PRINCIPAL, SEGUNDO OS GRUPOS DE MUNICÍPIOS DA TIPOLOGIA III - MESORREGIÃO METROPOLITANA DE CURITIBA - PARANÁ - 2000

GRUPO DE MUNICÍPIOS

FAMÍLIAS PLURIATIVAS

Renda Total(1) (média em salários-mínimos)

Renda do Trabalho Principal(2) (% na renda total)

Renda do Trabalho Principal de Origem Não-Agrícola

% na renda total % na renda do trabalho principal

Rural-Baixo 4,6 84,5 48,0 56,9

Rural-Médio 7,3 90,5 51,5 57,0

Urbano Pequeno-Médio 5,2 87,3 40,7 46,6

Urbano Pequeno-Alto 6,5 90,8 48,1 52,9

Urbano Médio-Alto 7,2 87,3 54,2 62,2

Pólo 18,0 82,0 46,6 56,8

MESORREGIÃO 8,3 86,0 49,3 57,3

FONTE: IBGE - Censo Demográfico (1) Soma de todas as rendas da família. (2) Soma de todas as rendas do trabalho principal dos membros da família.

14 O valor do salário mínimo na data de referência do Censo Demográfico 2000 era de R$ 151,00 (cento e cinqüenta e um reais).

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Lenita Maria Marques e Luiz Antonio Lopes

A renda média familiar das famílias pluriativas na Mesorregião Metropolitana de Curitiba foi de 8,3 salários mínimos (ver tabela 8). Somente o Pólo superou essa média (18 s.m.); nos demais grupos de municípios as médias foram inferiores, com o Rural-Baixo apresentando quase metade desse valor (4,6 s.m.). Excetuando o Pólo, o grupo Rural-Médio apresentou a maior renda média familiar (7,3 s.m.).

No conjunto da mesorregião, as rendas dos trabalhos representavam a principal fonte de rendimentos para as famílias pluriativas, em média 86% da renda total familiar, chegando a 90,8% no grupo Urbano Pequeno-Alto (ver tabela 8).

As rendas não-agrícolas representavam 49,3% do rendimento total das famílias pluriativas. Entre os grupos de municípios, o Urbano Médio-Alto apresentou a maior participação, 54,2%, e o Urbano Pequeno-Médio apresentou a menor participação, 40,7%. Constata-se, assim, que na Mesorregião Metropolitana de Curitiba a renda proveniente do trabalho principal não-agrícola é muito importante na composição das rendas da família pluriativa. Essa relevância fica ainda mais evidente ao se avaliar o peso das rendas não-agrícolas na soma das rendas do trabalho principal. Com exceção do grupo Urbano Pequeno-Médio, para o qual as rendas não-agrícolas representavam menos de 50% da renda de todos os trabalhos, os demais grupos apresentaram participações superiores a 50%, chegando a 62,2%, no Urbano Médio-Alto.

CONSIDERAçõES FINAIS

Embora o objetivo deste artigo tenha sido identificar a pluriatividade15 na Mesorregião Metropolitana de Curitiba, não se pode deixar de apontar a alta proporção de famílias residentes no rural, classificadas como famílias não-agrícolas. Das 65.995 famílias com domicílio rural, 50,9% são famílias não-agrícolas. O espaço rural apenas como espaço de moradia é realidade para a maioria das famílias rurais, porém a importância do rural somente como local de moradia varia conforme o grupo de município que se observa. Nos municípios classificados como Rural-Baixo e Urbano Pequeno-Médio, a proporção de famílias com domicílio rural que exercem somente ocupações urbanas é menor do que 28%. Nos demais grupos de municípios essa proporção, sempre superior a 50%, chega a alcançar quase 70% das famílias rurais (ver tabela 5).

Essa evidência suscita indagações. Por exemplo, a transformação da área rural em área de habitação de famílias ocupadas em atividades não-agrícolas pode decorrer da pressão do mercado de terras para habitações urbanas. Isto é, são famílias urbanas que, por razões econômicas, estabelecem moradia nas zonas rurais, ou são famílias rurais que se transformam em não-agrícolas? Um estudo mais qualitativo pode responder a essas questões.

15 Famílias que possuem pelo menos uma pessoa, com 10 anos de idade ou mais, que tenha atividade agrícola na ocupação principal.

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Por outro lado, o comportamento dos grupos de municípios mostra a importância decisiva do grau de desenvolvimento econômico e, por decorrência, da dinâmica do mercado de trabalho não-agrícola, tanto na ocorrência de famílias não-agrícolas com domicílio rural quanto na ocorrência de famílias pluriativas, conforme explicitado na seção 3.

Como esperado, a maioria das famílias pluriativas se localizava em áreas rurais, possuía número médio de membros maior do que as famílias agrícolas e não-agrícolas, bem como de pessoas com idades entre 15 e 64 anos (população potencialmente ativa).

Na análise da ocorrência de pluriatividade, é preciso atenção com os dados, pois, considerando o total de famílias em cada grupo de municípios, as maiores proporções de famílias pluriativas estão nos municípios rurais, de baixo e médio desenvolvimento econômico. No entanto, se considerarmos apenas as famílias relacionadas com a agropecuária em termos ocupacionais, ou seja, as famílias agrícolas (em que todos os membros estão ocupados na agropecuária) e as famílias pluriativas (pelo menos um dos membros tem ocupação agropecuária), percebe-se que, nesse conjunto restrito, a participação das famílias pluriativas é significativamente maior nos municípios de alto desenvolvimento, confirmando outra vez que a ocorrência da pluriatividade está relacionada com as possibilidades do mercado de trabalho não-agrícola. É interessante notar, também, que nesse aspecto os municípios do grupo Rural-Baixo apresentam comportamento semelhante ao dos municípios do grupo Urbano Pequeno-Médio e não ao do grupo Rural-Médio.

Outro aspecto importante da pluriatividade é que os que mais se ocupavam de atividades não-agrícolas eram filhos/enteados. Essa característica é indicativa do desequilíbrio entre a quantidade de trabalho familiar disponível e as necessidades do estabelecimento rural; também indica que, na definição familiar, são os mais jovens que buscam as oportunidades de melhores salários/rendas nas ocupações não-agrícolas.

As ocupações não-agrícolas dos membros das famílias pluriativas não evidenciaram um padrão, quando se consideram os grupos de municípios. Em todos os grupos, as atividades com maior proporção de ocupados foram: indústria de transformação; comércio, reparação de veículos automotores e motocicletas e comércio a varejo de combustíveis; e serviços domésticos.

Na análise das rendas, ficou claro que as ocupações não-agrícolas remuneram melhor que as agrícolas. Verificou-se que as famílias agrícolas apresentaram a maior proporção de pessoas vivendo com até ½ salário mínimo mensal16. As famílias pluriativas apresentaram, na mesorregião e também nos grupos de municípios, melhores resultados em termos de rendimentos per capita do que as famílias agrícolas. A proporção de cerca de 50% da renda proveniente dos trabalhos não-agrícolas na renda total das famílias pluriativas sugere que as famílias utilizam a pluriatividade como mecanismo estratégico de reprodução.

16 A faixa de rendimento de até ½ salário mínimo é comumente utilizada como critério para determinar a linha de pobreza.

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Lenita Maria Marques e Luiz Antonio Lopes

As rendas obtidas pelos domiciliados no meio rural indicam a precariedade relativa do trabalho, principalmente das famílias agrícolas, pois em 89% delas a renda familiar per capita é de, no máximo, dois salários mínimos. As famílias pluriativas apresentam perfil de renda um pouco melhor; são 77% as famílias com renda familiar per capita de até dois salários mínimos. Pode-se concluir, ainda, que as famílias não-agrícolas do meio rural obtêm rendas superiores às das famílias agrícolas e às pluriativas.

A grande questão que este artigo suscita é se esses fenômenos – a pluriatividade e o rural como espaço exclusivo de moradia – são ocorrências eventuais ou refletem uma nova estruturação do rural. Segundo a bibliografia consultada, trata-se de uma nova organização do espaço rural, que ultrapassa a produção agropecuária e incorpora outras funções, sendo a mais evidente a de local de moradia para famílias não-agrícolas. Dessa forma, as políticas públicas precisam incorporar essa realidade, proporcionando novas oportunidades às famílias aí domiciliadas, construindo programas sociais adequados às características dessa população, sem se esquecer de que sua principal característica é o baixo nível de renda.

Outras pesquisas devem buscar conhecer se as evidências da Mesorregião Metropolitana de Curitiba se repetem nas demais regiões do Paraná, principalmente naquelas em que não há aglomerações urbanas de grande porte.

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Lenita Maria Marques e Luiz Antonio Lopes

APÊNDICE

TABELA A.1 - POPULAÇÃO TOTAL, POR SITUAÇÃO DE DOMICÍLIO E POR SEXO, SEGUNDO OS MUNICÍPIOS - MESORREGIÃO

METROPOLITANA DE CURITIBA - PARANÁ - 2000

MUNICÍPIO

POPULAÇÃO TOTAL

TOTALUrbano Rural

Homens Mulheres Total Homens Mulheres Total

Adrianópolis 762 851 1.613 2.849 2.569 5.418 7.031

Agudos do Sul 740 726 1.466 3.060 2.695 5.755 7.221

Almirante Tamandaré 42.301 42.454 84.755 1.811 1.711 3.522 88.277

Antonina 7.860 7.977 15.837 1.769 1.568 3.337 19.174

Araucária 43.290 42.821 86.111 4.214 3.933 8.147 94.258

Balsa Nova 1.602 1.584 3.186 3.582 3.385 6.967 10.153

Bocaiúva do Sul 1.798 1.764 3.562 2.968 2.520 5.488 9.050

Campina Grande do Sul 13.070 12.903 25.973 4.500 4.093 8.593 34.566

Campo do Tenente 1.789 1.662 3.451 1.509 1.375 2.884 6.335

Campo Largo 38.455 38.768 77.223 8.011 7.548 15.559 92.782

Campo Magro 1.273 1.228 2.501 9.103 8.805 17.908 20.409

Cerro Azul 1.932 1.984 3.916 6.551 5.885 12.436 16.352

Colombo 86.937 88.025 174.962 4.299 4.068 8.367 183.329

Contenda 3.133 3.187 6.320 3.565 3.356 6.921 13.241

Doutor Ulysses 351 350 701 2.818 2.484 5.302 6.003

Fazenda Rio Grande 29.883 29.313 59.196 1.902 1.779 3.681 62.877

Guaraqueçaba 1.314 1.268 2.582 3.101 2.605 5.706 8.288

Guaratuba 11.643 11.513 23.156 2.225 1.876 4.101 27.257

Itaperuçu 8.151 8.083 16.234 1.618 1.492 3.110 19.344

Lapa 11.820 12.250 24.070 9.360 8.408 17.768 41.838

Mandirituba 3.177 3.091 6.268 5.832 5.440 11.272 17.540

Matinhos 12.063 11.937 24.000 96 88 184 24.184

Morretes 3.570 3.583 7.153 4.284 3.838 8.122 15.275

Paranaguá 60.750 61.597 122.347 2.689 2.303 4.992 127.339

Piên 1.358 1.266 2.624 3.784 3.526 7.309 9.934

Pinhais 49.586 51.140 100.726 1.236 1.023 2.259 102.985

Piraquara 16.874 16.955 33.829 20.788 18.269 39.057 72.886

Pólo 760.848 826.467 1.587.315 0 0 0 1.587.315

Pontal do Paraná 7.267 6.882 14.149 78 96 174 14.323

Porto Amazonas 1.397 1.331 2.728 754 754 1.508 4.236

Quatro Barras 7.257 7.263 14.520 883 758 1.641 16.161

Quitandinha 1.463 1.583 3.046 6.526 5.700 12.226 15.272

Rio Branco do Sul 10.137 9.912 20.049 5.006 4.286 9.292 29.341

Rio Negro 10.906 11.554 22.460 3.350 2.900 6.250 28.710

São José dos Pinhais 91.434 91.932 183.366 10.978 9.972 20.950 204.316

Tijucas do Sul 932 914 1.846 5.534 4.880 10.414 12.260

Tunas do Paraná 699 646 1.345 1.221 1.045 2.266 3.611

MESORREGIÃO 1.347.821 1.416.765 2.764.586 151.854 137.033 288.887 3.053.473

FONTE: IBGE - Censo Demográfico

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A Pluriatividade na Mesorregião Metropolitana de Curitiba

174 REVISTA PARANAENSE DE DESENVOLVIMENTO, Curitiba, n.113, p.147-174, jul./dez. 2007

QUADRO A.1 - TIPOLOGIA III PARA OS MUNICÍPIOS DA MESORREGIÃO METROPOLITANA DE CURITIBA, SEGUNDO CLASSIFICAÇõES DAS TIPOLOGIAS I E II - PARANÁ - 2000

MUNICÍPIO TIPOLOGIA I (IBGE) TIPOLOGIA II (IPARDES) TIPOLOGIA III

Adrianópolis Rural Baixo Rural-Baixo

Agudos do Sul Rural Baixo Rural-Baixo

Cerro Azul Rural Baixo Rural-Baixo

Doutor Ulysses Rural Baixo Rural-Baixo

Guaraqueçaba Rural Baixo Rural-Baixo

Quitandinha Rural Baixo Rural-Baixo

Tijucas do Sul Rural Baixo Rural-Baixo

Tunas do Paraná Rural Baixo Rural-Baixo

Balsa Nova Rural Médio Rural-Médio

Bocaiúva do Sul Rural Médio Rural-Médio

Campo Magro Rural Médio Rural-Médio

Contenda Rural Médio Rural-Médio

Mandirituba Rural Médio Rural-Médio

Morretes Rural Médio Rural-Médio

Piên Rural Médio Rural-Médio

Antonina Urbano pequeno Médio Urbano Pequeno-Médio

Campo do Tenente Urbano pequeno Médio Urbano Pequeno-Médio

Itaperuçu Urbano pequeno Médio Urbano Pequeno-Médio

Lapa Urbano pequeno Médio Urbano Pequeno-Médio

Rio Branco do Sul Urbano pequeno Médio Urbano Pequeno-Médio

Rio Negro Urbano pequeno Médio Urbano Pequeno-Médio

Campina Grande do Sul Urbano pequeno Alto Urbano Pequeno-Alto

Guaratuba Urbano pequeno Alto Urbano Pequeno-Alto

Matinhos Urbano pequeno Alto Urbano Pequeno-Alto

Pontal do Paraná Urbano pequeno Alto Urbano Pequeno-Alto

Porto Amazonas Urbano pequeno Alto Urbano Pequeno-Alto

Quatro Barras Urbano pequeno Alto Urbano Pequeno-Alto

Almirante Tamandaré Urbano médio Alto Urbano Médio-Alto

Araucária Urbano médio Alto Urbano Médio-Alto

Campo Largo Urbano médio Alto Urbano Médio-Alto

Colombo Urbano médio Alto Urbano Médio-Alto

Fazenda Rio Grande Urbano médio Alto Urbano Médio-Alto

Paranaguá Urbano médio Alto Urbano Médio-Alto

Pinhais Urbano médio Alto Urbano Médio-Alto

Piraquara Urbano médio Alto Urbano Médio-Alto

São José dos Pinhais Urbano médio Alto Urbano Médio-Alto

Curitiba Pólo Pólo Pólo

FONTES: IPARDES (2000), IBGE - Censo Demográfico 2000, IPARDES (2003c)

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REVISTA PARANAENSE DE DESENVOLVIMENTO, Curitiba, n.113, p.175, jul./dez. 2007 175

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