Revista Paulo Freire_03

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  • 7/31/2019 Revista Paulo Freire_03

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    Revista de Formao

    Poltico-Pedaggica

    do SINTESE

    n 03 - Sergipe - setembro - 2009

    BOALAUGUSTOConhea o pai do

    teatro socialistaque encantou omundo e deu vozaos oprimidos.

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    xou para a educao, professores ealunos. Vale a pena ler com cuidado

    e ateno o texto da professora He-

    len Sarapeck, alm de uma entrevista

    esclarecedora. Leia tambm o texto

    O lpis cor de rosa, do arte-educa-

    dor Cludio Rocha.

    A revista ainda traz dois textos

    fundamentais do ator e psiclogo

    Aldo Melo que apresenta as condi-

    es fundamentais para entender

    a lgica do teatro do oprimido.

    Aldo e Helen Fontes so os faci-

    litadores de um projeto fantsticodo Sintese o Palco na Luta, onde

    filiados ao sindicato se aventuram

    na mgica experincia do teatro do

    oprimido.

    Chamo ateno para a leitura

    da rvore do teatro do oprimido

    nas duas pginas centrais da revis-

    ta e um texto escrito pelo prprioAugusto Boal sobre Aprendemos

    a Aprender, onde ele fez vrias

    referncias ao mtodo do profes-

    sor Paulo Freire. Paulo Freire

    ajuda o cidado a descobrir, por

    si, o que traz dentro de si, escreve

    Boal.

    Esta terceira edio s se tor-

    nou possvel pela compreenso

    do seu papel da Histria do Sintese,

    de sua direo, filiados e funcionrios,

    mas tambm da importante e vital co-

    laborao dos integrantes do Centro

    de Teatro do Oprimido, localizado no

    Rio de Janeiro, que colaboraram

    decisivamente para esta edio.

    Vale registrar o apoio de Ney

    Motta, assessor de comunicao

    do Centro de Teatro do Oprimi-

    do, de Aldo Rezende Melo e He-

    len Fontes, aqui de Sergipe, e de

    Helen Sarapeck, Brbara Santos,

    Geo Britto, Cludio Rocha, e tan-tos outros que foram fundamentais

    nesse projeto.

    Agora, reafirmo o convite leitu-

    ra, reflexo e ao.

    Jos Cristian Ges

    Editor da Revista Paulo Freire

    A terceira edio da revista PauloFreire no apenas para ser lida, mas

    debatida, comentada, refeita sempre,

    interpretada, como pedia o mestre

    Augusto Boal, o maior dos maiores

    do teatro do povo.

    Na madrugada do dia 2 de maio

    deste ano, Boal nos deixou, mas

    certamente j est montando um

    grande espetculo no plano meta-

    fsico. Como aqui, l ele deve estar

    mexendo com as estruturas mais

    profundas.

    Nesta edio, os professores

    conheceram um pouco da histria

    fantstica e intensa do engenheiro

    qumico que mudou a vida dele e de

    milhares de pessoas e que continua,

    mais firme do que nunca, transfor-

    mando o Mundo atravs dos seus

    inmeros discpulos.

    O carioca Boal tem uma impor-

    tante to grande que chegou a ser

    reconhecido pela Unesco, este ano,como embaixador Mundial do Te-

    atro. No ano passado ele concorreu

    ao Prmio Nobel da Paz. Boal teve

    reconhecimento nacional.

    Como instrumento pedaggico

    do Sintese, esta revista est focada na

    contribuio que Augusto Boal dei-

    No s leia, interprete!primeiras palavras

    Revista de Formao Poltico-Pedaggica do SINTESE

    Rua Slvio Tefilo Guimares, 70, B. Pereira Lobo

    Aracaju/SE Cep. 49052-410. Tel: (79) 2104-9800

    Jos Cristian Ges - Editor (DRT/SE 633)

    Diego Oliveira - Coordenao Grfica(DRT/SE 1094)

    Conselho Editorial: Hidelbrando Maia, Joel Almeida, Nelt

    Diniz, Alexandrina Luz.

    Apoio: Aldo Rezende de Melo, Helen Fontes, Ney Motta, d

    assessoria de Comunicao do CTO-Rio

    CENTRO DE TEATRO DO OPRIMIDO

    Av. Mem de S, 31 - Lapa. Rio de Janeiro - RJ Cep: 20230

    Tel:(21) 2232-5826 / 2215-0503. site: www.ctorio.org.br

    [email protected]

    Direo Artstica:

    Augusto Boal

    Coordenao Geral:

    Helen Sarapeck

    Curingas e Elenco: Brbara Santos, Cludia Simone, Clau

    lix, Flvio Sanctum, Geo Britto, Helen Sarapeck e Olivar Be

    Curingas Regionais: Cludio Rocha (PE), Kelly di Bertolli (

    Yara Toscano (SP).

    Curingas-Assistentes:Alessandro Conceio, Janna Sala

    e Monique Rodrigues.

    Consultoria de Imagem: Cachalotte Matos.

    Administrao Financeira: Graa Silva.

    Assessoria de Comunicao: Ney Motta.

    Assessoria Jurdica: Victor Gabriel.

    Administrao: Graa Silva.

    Apoio Administrativo: Lgia Martins, Walter Gonalves.

    Programao Visual:Leila Braile.

    Colaboradores:Roni Valk, Christoph Leucht, Cachalotte

    Kelly Regis, Wellington Leo, Santa Clara.

    O Centro de Teatro do Oprimido - CTO, surgido em 19

    um centro de pesquisa e difuso, que desenvolve m

    dologia especfica do Teatro do Oprimido em laborat

    e seminrios, ambos de carter permanente, para revi

    experimentao, anlise e sistematizao de exerccio

    jogos e tcnicas teatrais. Nos laboratrios e seminrio

    elaborados e produzidos projetos scio-culturais, esp

    culos teatrais e produtos artsticos, tendo como alicer

    Esttica do Oprimido. A filosofia e as aes desta inst

    visam democratizao dos meios de produo cultu

    como forma de expanso intelectual de seus participa

    alm da propagao do Teatro do Oprimido como me

    da ativao e do democrtico fortalecimento da cidada

    O CTO implementa projetos que estimulam a particip

    ativa e protagnica das camadas oprimidas da socied

    e visam transformao da realidade a partir do dilo

    atravs de meios estticos. Dessa forma o Centro de T

    do Oprimido desenvolve projetos na rea da educa

    de mental, sistema prisional, pontos de cultura, movim

    sociais, comunidades, entre outros. Por conta de sua n

    za humanstica e do potencial do Teatro do Oprimido

    atuante em todo o Brasil e em pases como Moambiq

    Guin Bissau, Angola e Senegal.

    onde achar

    Boal: vida do teatro outeatro da vida 04Embaixador do teatropelo mundo 05O Teatro do Oprimidoe as tradies

    libertadoras I

    06

    O Teatro do Oprimidoe as tradieslibertadoras II 07Teatro do Oprimido:um aliado na Educaodos oprimidos 08

    SINTESE cria o Palco naLuta 12O lpis de cor rosa 13Centro de Teatro doOprimido ratifica suafora mundial 14

    Teatro e a educao 16

    Aprendemos a aprender

    18A rvore do Teatro

    do Oprimido

    10

    Esta revista est fo-

    cada na contribuio

    que Augusto Boal dei-xou para a educao,

    professores e alunos

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    don Council - Londres, com

    a participao de escritores

    como: Lisa Jardine, Tarik Ali,

    Paul Heller e advogados dos

    Tribunais de Londres; em Bra-

    dford, na Cmara Legislativa da

    cidade, sobre questes relativas

    aos portadores da Sndrome

    de Down; na Sala da Comisso

    de Justia do Rathaus (Prefei-

    tura) de Munique, com apoio

    da Sociedade Paulo Freire.

    Em 1999, transforma a

    pera Carmem de Bizet emSambpera, uma experin-

    cia inovadora que traduziu as

    msicas originais para ritmos

    genuinamente brasileiros. Car-

    mem ficou em temporada no

    Centro Cultural Banco do Bra-

    sil, no Rio de Janeiro. Em julho

    de 2000, estreou em Paris. Em

    2001, La Traviata montada

    tambm como Sambpera e

    faz circuito no Rio de Janeiro.

    Uma de suas ltimas pes-

    quisas foi a Esttica do Opri-

    mido, programa de formao

    esttica que integra experincias

    com o som, palavra, imagem e

    tica. A Esttica do Oprimido

    tem por fundamento a crena

    de que somos todos melhores

    do que pensamos ser, e capa-

    zes de fazer mais do que aquilo

    que efetivamente realizamos:

    todo ser humano expansivo.

    mentos do Teatro-Jornal, o em-

    brio do Teatro do Oprimido.

    Em fevereiro de 1971, Augusto

    Boal preso, torturado e exilado.

    Passando a residir na Argen-

    tina, de 1971-1976, dirige o gru-

    po El Machete de Buenos Ai-

    res e monta, de sua autoria, O

    Grande Acordo Internacional

    do Tio Patinhas, Torquema-

    da (sobre a tortura no Brasil)

    e Revoluo na Amrica do

    Sul, iniciando intensas viagens

    por toda a Amrica Latina, onde

    comea a desenvolver novas

    tcnicas do Teatro do Opri-

    mido?: Teatro-Imagem, Tea-

    tro-Invisvel e Teatro-Frum.

    Em 1976 muda-se para Lis-

    boa, onde dirige o grupo A

    Barraca. Dois anos depois

    convidado para lecionar na Uni-versit de la Sorbonne-Nouvel-

    le. Em Paris, cria o Centre du

    Thatre de lOpprim-Augusto

    Boal, em 1979. Trabalha em

    muitos pases europeus e de-

    senvolve as tcnicas intros-

    pectivas do Teatro do Opri-

    mido: o Arco-ris do Desejo.

    VOLTA AO BRASIL - An-

    tes de regressar definitivamen-

    te ao Brasil, monta no Rio de

    Janeiro O Corsrio do Rei

    (de sua autoria, letras de Chi-

    co Buarque, msica de Edu

    Lobo) e Fedra de Racine,

    com Fernanda Montenegro.

    A convite do ento secre-

    trio de Educao do Estado

    do Rio de Janeiro, professor

    Darcy Ribeiro, Boal volta ao

    Brasil em 1986 para dirigir a

    Fbrica de Teatro Popular. O

    Augusto Boal nasce

    em 1931, no bairro

    da Penha, Rio de

    Janeiro. Desde criana escrevia,

    ensaiava e montava suas prprias

    peas nos encontros de famlia.

    Sua formao em Engenha-

    ria Qumica torna-se paralela

    pesquisa, criao de tex-

    tos teatrais lidos e comentados

    por Nelson Rodrigues. Estu-

    da na Columbia University

    com John Gasner e assiste smontagens do Actors Studio.

    Em 1956, Boal volta ao Bra-

    sil a convite de Sbato Magaldi

    e Z Renato para dirigir o Te-

    atro de Arena de So Paulo. O

    grupo provoca uma revoluo

    esttica no teatro brasileiro nos

    anos 50 e 60. Atravs do Semi-

    nrio de Dramaturgia, do Labo-

    ratrio de Interpretao e das

    diversas montagens, o Teatro de

    Arena contribui vigorosamente

    para a criao de uma drama-

    turgia genuinamente brasileira.

    Priso, tortura e exlio

    A par tir 1964, a Ditadura Mi-

    litar inicia a perseguio a todos

    os indivduos e grupos de artis-

    tas com preocupaes sociais e

    polticas. Em 1968, vem o AI-5

    que aperta ainda mais o cerco.

    Em 1970, O Ncleo Dois do

    Arena inicia os pr imeiros experi-

    objetivo era tornar a linguagem

    teatral acessvel a todos, como

    estmulo ao dilogo e trans-

    formao da realidade social.

    Ainda em 1986 , junto com

    artistas populares, cria o Centrode Teatro do Oprimido, para

    difundir o Teatro do Oprimido

    no Brasil. No CTO, desenvolve

    projetos com ONGs, sindica-

    tos, universidades e prefeituras.

    AS INCURSES NA PO-LTICA - Em 1992, candidata-see eleito vereador da cidade do

    Rio de Janeiro pelo PT (Partido

    dos Trabalhadores), para fazer

    Teatro-Frum e, a partir da

    interveno dos espectadores,

    criar projetos de lei: o Teatro

    Legislativo. Aps transformar o

    espectador em ator com o Te-

    atro do Oprimido, Boal trans-

    forma o eleitor em legislador.

    Utilizando o Teatro como

    Poltica, em Sesses Solenes

    Simblicas, encaminha Cma-

    ra de Vereadores 33 projetos de

    lei, dos quais 14 tornam-se leismunicipais, entre 1993 a 1996.

    A parti r de 1996, fora da C-

    mara dos Vereadores, Boal e o

    CTO seguem na consolidao

    do Teatro Legislativo Em 1998,

    conseguem o apoio da Fun-

    dao Ford, para a criao de

    grupos comunitrios de Teatro

    do Oprimido. Boal tambm re-

    alizou diversas Sesses Solenes

    Simblicas, de Teatro Legislati-

    vo, no ext erior: no Great Lon-

    Como um engenheiroqumico, que des-de criana escreviae montava peas,tornou-se o maior dosmaiores do teatro dopovo

    Boal: vida do teatro

    ou teatro da vida

    Biografia

    Boal no incio da carreira

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    2009: Nomeao como Embaixador Mundial do Teatro pela Unesco - 25 de maro2008: Concorreu ao Prmio Nobel da Paz2003: Proclamation City of New York Theater of the Oppressed Day - 27 de maio2003: Ttulo de ECO-CIDADO, Prefeitura de Maca2001: Doctor Honoris Causa in Literature, University of London, Queen Mary, UK2000: Montgomery Fellow, Dartmouth College, Hanover, USA2000: Doctor Honoris Causa in Fine Arts, Worcester State College, USA2000: Proclamation of the City of Bowling Green, Ohio. USA1999: HONRA AO MRITO, Unio e Olho Vivo, 1999-12-071998: PREMI DHONOR, Institutet de Teatre, Barcelona, Spain1998: PREMIO DE HONOR, Instituto de Teatro, Ciudad de Puebla, Mxico1997: Prix du Mrite, Ministre de la Culture de l Egypt1997: Lifetime Achievement Award of Americam - As of Theatre in Higher Education1996: Cultural Medal - Gtemborg University1996: Doctor Honoris Causa - in Human Letters - Nebraska University1995: The Best Special Presentation - Manchester News -UK1995: Prix Culturel - Institut Fuer Jugendarbeit - Gauting - Baviera1995: Outstanding Cultural Contribution, Queensland University of Technology1994: Medalha Pablo Picasso da Unesco1994: Prmio Cultural Award da cidade de Gavle-Sucia1981: Officier des Arts et des Letras- Condecorao - France1971: Prmio Obie Award -Feira Latino Americana de Opinio - Estados Unidos1967: Prmio Molire pela criao do Sistema Coringa, Brasil1965: Prmio Molire Para o espetculo Mandragora de Maquiavel, Brasil1962: Prmio Padre Ventura, melhor diretor do ano, So Paulo, Brasil

    lizou projetos exem-

    plares: Teatro

    do Oprimido

    nas Prises,

    Teatro do

    Oprimido nas

    Escolas, Teatro

    do Oprimido

    de Ponto a Ponto,

    Teatro do Oprimido na

    Sade Mental, Fbrica de Te-

    atro Popular Nordeste etc, em todo

    territrio nacional alm de Moambi-

    que e Guin-Bissau, pases da frica.

    Augusto Boal foi autor de

    diversas obras literrias

    lanadas nos mais diversos

    idiomas, alm de colecionar um arsenal

    extraordinrio de prmios e honrarias.

    A principal criao de Augusto Boal, o

    Teatro do Oprimido, hoje uma rea-

    lidade mundial, sendo a metodologia

    teatral mais conhecida e praticada nos

    cinco continentes. Com os sete curin-

    gas do Centro de Teatro do Oprimido

    (Claudete Flix, Helen Sarapeck, Brba-

    ra Santos, Geo Britto, Olivar Bendelack,

    Cludia Simone e Flvio Sanctum) rea-

    Embaixador do

    teatro pelo mundo

    Obras e prmios

    Augusto Boal teve

    obras traduzidas para

    o ingls, francs e

    espanhol Foi nomeado

    embaixador mundial

    do teatro pela Unesco

    e chegou a concorrer

    ao Prmio Nobel daPaz

    Prmios

    JaneStipfire - edio revisada - CivilizaoBrasileira - 2003O Teatro como arte marcial - Garamond

    - 2003Hamlet e o filho do padeiro - CivilizaoBrasileira - 2000Jogos para atores e no atores - Civiliza-o Brasileira - 1999Teatro Legislativo Rio de Janeiro: Civiliza-o Brasileira, 1996Aqui Ningum Burro! Rio de Janeiro:Revan, 1996O Suicida com Medo da Morte Rio deJaneiro: Civilizao Brasileira, 1992Duzentos Exerccios e Jogos para Ator eNo-Ator com Vontade de Dizer Algo atra-vs do Teatro - Rio de Janeiro: CivilizaoBrasileira, 1991

    O Arco-Iris do Desejo - Rio de Janerio:Civilizao Brasileira, 1990Teatro de Augusto Boal 2 So Paulo:HUCITEC,1986Teatro de Augusto Boal 1 So Paulo:HUCITEC,1986O Corsrio do Rei Rio de Janeiro: Civiliza-o Brasileira, 1986Teatro do Oprimido e Outras PoticasPolticas- RJ: Civilizao Brasileira, 1985Stop Cest Magique Rio de Janeiro: Civili-zao Brasileira, 1980Milagre no Brasil Rio de Janeiro: Civiliza-o Brasileira, 1979Murro em Ponta de Faca So Paulo:

    HUCITEC, 1978

    Jane Spitfire Rio de Janeiro: DECRI,1977Tcnicas Latino-Americanas de TeatroPopular, So Paulo:HUCITEC, 1975

    Crnicas de Nuestra Amrica, So Paulo:CODECRI, 1973Categorias de Teatro Popular BuenosAires:Ediciones CEPE,1972Arena conta Tiradentes So Paulo:Sagarana,1967Em espanholCategorias de Teatro Popular. BuenosAires: Ediciones Cepe,1972.Em francsThtre de lopprim. ditions La Dcou-verte , 1996.Jeux pour acteurs et non-acteurs. ditionsFranois Maspero, 1978.

    Pratique du thtre de lopprim. Centredtude et de diffusion des techniquesactives dexpression, 1983.Stop ! cest magique. ditions Hachette,1980.Mthode Boal de thtre et de thrapie.ditions Ramsay, 1990.LArc-en-ciel du dsir. ditions La Dcou-verte , 2002.Em inglsTheatre of the Oppressed. Londres: PlutoPress,1979.Games for Actors and Non-Actors.London: Routledge, 1992.The Rainbow of Desire. London : Routled-

    ge, 1995.

    Obras

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    Oteatro primordial

    nasce da relao do

    homem com a ter-

    ra, de uma relao orgnica entre

    a natureza humana e a biodiversi-

    dade de seres que os circundavam.

    As festas dionisacas na Grcia

    antiga, os rituais ao estranho deus da

    fertilidade, do transe, dos campos, ti-

    nham a funo simblica de fecundar

    o cho e de celebrar mais um tempo

    de colheita, mais um ciclo da terra. Os

    ritos dionisacos presentificavam a fora

    da transcendncia humana, a libertao

    da mediocridade e da mortalidade.

    Nos complexos rituais de entor-

    pecimento pela dana, pelo canto,

    pelo vinho, pelo encontro dos cor-

    pos em xtase e entusiasmo, o ser

    humano comum, mortal, escravo,estrangeiro, mulher, rompia as amar-

    ras sociais e se permitia a condio

    de deus, de ser imortal, de criador.

    As aristocracias helnicas alimen-

    taram um dio olmpico pelas festas

    dionisacas. Os deuses do Olm-

    pio, representados pelos prprios

    aristocratas, enciumavam-se pelo

    culto excessivo a um deus campo-

    ns, subversivo, obsessivo, anti-lei.

    O carter coletivizante e desper-

    sonalizante das festas dionisacas ofen-

    As festas e rituais

    dionisacas da gr-

    cia antiga como os

    primrdios do teatro

    do oprimido

    mas teatrais tais como conhecemos

    hoje. Nascem tambm os teatros, ar-

    quiteturas destinadas a sacralizar essa

    diviso, essa especializao. Nasce a

    profisso de ator. (BOAL, 2002: 28).

    Na platia, os espectadores per-

    maneciam imobilizados pelos dispo-

    sitivos esttico-ideolgicos que eram

    enfaticamente representados no pal-

    co. Dentre todos os efeitos trgicos,

    a catarse (ktharsis) era o princpio

    purificador da vontade de ser divino,

    transferido das religies para os palcos

    com o objetivo de neutralizar o entu-

    siasmo e o xtase dos antigos rituais.

    Contudo, as tradies dionisacas

    resistiram na marginalidade dos povos

    gregos at os nossos tempos. As for-

    as dionisacas podem ser entendidascomo foras indomveis, caractersticas

    de uma subjetividade integrada natu-

    reza. Dos rituais shivastas indianos, de

    bruxaria da Escandinvia, das tribos afri-

    canas, indgenas e aborgines, da cultura

    popular brasileira, at os recnditos das

    teologias libertadoras da igreja catlica,

    o arqutipo do deus dos campos cons-

    pira, celebrando a horizontalidade, a

    circularidade e a participao coletiva.

    neutralizar as suas foras libertadoras.

    Os rituais coletivos e circulares

    de integrao, cooperatividade e so-

    lidariedade foram estrategicamente

    atenuados quanto as suas foras ex-

    traordinrias. Uma grande parte da

    populao de todas as categorias so-

    ciais era seduzida pela grandiosidade

    dos espetculos apolneos. O culto ao

    deus dos campos tinha sido mascara-

    do e revertido. O nome de Dioniso

    raramente era lembrado nas peas

    trgicas, e, quando lembrado, aparecia

    como um deus passivo, enfraquecido,

    harmnico aos interesses da cidade.

    A circularizao e a participao efe-

    tiva de todos nos rituais dionisacos, foi

    substituda pela hierarquizao e passi-

    vidade. Foram construdos espaos ar-quitetnicos destinados aos espetculos,

    onde se absolutizava a separao entre

    palco e platia: estava criado o abismo

    histrico que inventou e separou os

    participantes em atores e espectadores.

    No inicio, Ator e Espectador co-

    existem na mesma pessoa; quando

    se separam, quando algumas pessoas

    se especializam em atores e outras

    em espectadores, a nascem as for-

    dia gravemente a atitude ordinria de

    moderao moral, de controle social,

    pregada pelas religies apolneas.

    A Tragdia Grega, assim como o

    rdio e a televiso para o homem mo-

    derno, foi sem dvida uma das maio-

    res tecnologias de controle ideolgico

    j inventadas pelas elites dominantes.

    As tragdias foram a concretizao de

    uma poltica aristocrtica de anulaodas foras dionisacas por meio da

    sua cooptao e captura burocrtica.

    Funda-se o teatro competitivo, co-

    ercitivo, financiado pelos benfeitores

    da poltica, mensageiro da moral vi-

    gente das elites atenienses. As tragdias

    eram festas urbanas, que cultuavam

    os deuses olmpicos, mas que se uti-

    lizavam do nome do deus (Grandes

    Dionisacas) para atrair a populao e

    O Teatro do Oprimido e

    as tradies libertadoras

    Para entender I

    Por Aldo Rezende de Melo

    Quem quemAs peas de Teatro do Oprimidopodem ser expressas em vrios for-matos, considerando o foco que sedeseja atingir (cultural, pedaggico,

    poltico, teraputico e, preferencial-mente, todos integrados):

    Teatro Imagem:so tcnicas que permitem aosintegrantes debaterem um problema e pensar semo uso das palavras, atravs de imagens produzidaspelos seus prprios corpos e/ou por objetos.

    Teatro Frum: um jogo dramtico dialtico noqual o protagonista, em verdade co-agonista(porsempre sofrer junto com o outros), tem um desejovital a ser realizado e no consegue pelas relaesde domnio que lhe so impostas. Nesse formato opblico transformado em um coletivo que busca al-

    ternativas para os problemas apontados, conduzindoa ao dramtica.Teatro Legislativo: uma pea de Teatro-Frumna qual as alternativas sugeridas pelo coletivo soformatadas em projetos de lei e apresentadas nascmaras ou assemblias legislativas. Posteriormente,o coletivo deve acompanhar a tramitao do projeto,pressionando a sua aprovao e, aps aprovado,fiscalizando a sua implementao.

    Arco-ris do Desejo: uma tcnica dramtica defunes teraputicas, desenvolvida para possibilitara expresso das opresses que foram introjetadaspelas relaes simblicas de dominao a serem

    trabalhadas.

  • 7/31/2019 Revista Paulo Freire_03

    7/207

    Acultura dos oprimi-

    dos (especialmente

    dos ritos dionisacos)

    reproduz e repete a recordao de-

    formada e atrofiada de um projeto

    originrio de liberao e de institu-

    cionalizao coletiva: na parte mais

    secreta, mais codificada e simboliza-

    da, os ritos de possesso e de transe,

    contam` um passado de luta contra

    a opresso, falam de magia negra`

    da revolta e do entusiasmo coletivo;

    em suma, mediante um discurso in-

    direto, indicam tudo aquilo que for-

    ma o ncleo de qualquer experincia

    revolucionria. (ALTO, 2004: 74).

    dessa tradio revolucionria

    que brota, do seio da cultura popu-

    lar brasileira, o Teatro do Oprimido.Criado na dcada de setenta pelo ati-

    vista poltico-cultural Augusto Boal,

    num contexto de resistncia aos regi-

    mes ditatoriais que violentavam os di-

    reitos sociais e impunha uma ordem

    blica, oposta ao ritmo de libertao

    e solidariedade dos povos latino-ame-

    ricanos, essa modalidade de teatro

    serviu de instrumento de luta contra

    os aparelhos totalitrios e as subjeti-

    vidades opressoras que operavamem todas as dimenses da existncia.

    Hoje um movimento cultural

    ainda em expanso, atuando em

    mais de setenta pases do mun-

    do, o Teatro do Oprimido vem

    desapropriando os meios de pro-

    duo de bens simblicos, artsti-

    cos, atravs da popularizao des-

    ses meios para as comunidades.

    Enquanto na linguagem dramti-

    ca herdada da Grcia, o caminho da

    perfeio e os valores aristocrticos

    O Teatro do Oprimido e

    as tradies libertadoras

    Para entender II No teatro o especta-dor se transforma em

    espect-ator. Nele, o

    espectador se liberta,

    pensa e atua sintonizado

    com os anseios coletivosde seu grupo, de sua

    comunidadePor Aldo Rezende de Meloso impostos aos espectadores por

    via catrtica, na Esttica do Opri-

    mido o espectador rompe a catarse

    e se transforma em espect-ator,

    transgredindo as fronteiras da repre-

    sentatividade dramtica e atuando.

    O espectador se liberta, pensa e atua

    sintonizado com os anseios coletivos

    de seu grupo, de sua comunidade.

    A metodologia do Teatro do

    Oprimido segue dois princpios

    fundamentais: o primeiro de

    transformar todos os espectadores

    em espect-atores, retomando as

    origens primordias dos rituais dio-

    nisacos. O segundo princpio o

    de transformar toda fico vivida

    nos espaos cnicos, em um ensaio

    para a transformao da realidade.

    O Teatro do Oprimido um sis-

    tema de exerccios fsicos, jogos estti-cos, tcnicas de imagens e improvisa-

    es especiais, que tem por objetivo

    resgatar, desenvolver e redimensio-

    nar essa vocao humana, tornando

    a atividade teatral um instrumento

    eficaz na compreenso e na busca

    de solues para problemas sociais

    e interpessoais. (BOAL, 2002:28).

    A partir da reflexo sobre his-

    trias comuns vividas no cotidiano,

    so descortinadas as relaes depoder e de represso dos desejos

    vitais dos envolvidos. A dramaturgia

    construda a partir desse compar-

    tilhamento e constituda no senti-

    do de denunciar as relaes entre

    opressores e oprimidos, propiciando

    a libertao da lgica de opresso,

    atravs da produo coletiva de alter-

    nativas para os problemas apontados.

    O teatro de elite, da burguesia,

    um teatro laico, assim como a pr-

    pria classe dos proprietrios. Classe

    da qual os antigos deuses precisaram

    se exilar para que se divinizasse o

    Capital e todas as suas expressesde explorao. Essa teatralidade

    uma obra de arte finalizada, pr-

    pria de quem j cristalizou uma

    viso de mundo e quer express-

    la. O teatro burgus um espet-

    culo assptico onde a pureza da

    arte final no pode se contaminar

    pelo pblico, que deve estar silen-

    cioso, domesticado, catrtico, para

    melhor acumular as mensagens

    bancrias transmitidas do palco.O teatro popular um teatro

    sagrado, de onde nunca foi preciso

    alienar o divino. A transcendncia,

    , por excelncia, a expresso da

    criatividade, de uma tradio ad-

    vinda dos rituais ancestrais de culto

    terra. A teatralidade popular

    uma arte de infinitos ciclos, de quem

    est sempre descobrindo um mist-

    rio e celebrando uma nova criao.

    Um teatro inacabado, aberto

    transformao, ao dilogo, um ensaio

    coletivo, sem pblico, no qual todos

    so criadores espontneos, um tem-

    plo circular onde todos so deuses.

    BIBLIOGRAFIA

    ALTO, S. (org.). (2004). Ren Lourau: analista insti-

    tucional em tempo integral. So Paulo: Hucitec.

    ARISTTELES (1988). A arte potica. Rio de Janeiro:

    Ediouro Publicaes.

    BOAL, A. (2006). Jogos para atores e no-atores. Rio

    de Janeiro: Civilizao Brasileira.

    ___. (2002). O arco-ris do desejo: mtodo Boal de

    teatro e terapia. 2a Ed. Rio de Janeiro: Civilizao

    Brasileira.

    ___. (1991). Teatro do Oprimido e outras poticas

    polticas. Rio de Janeiro: Civilizao Brasileira.

    ___. (1991) Teatro do Oprimido. 6 Ed. Rio de

    Janeiro: Civilizao Brasileira.

    ___. (1988) Tcnicas Latino-Americanas de Teatro

    Popular. 3a Ed. So Paulo: Hucitec.

    ___. (1980). STOP: cest magique. Rio de Janeiro:

    Civilizao Brasileira.

    BRANDO, J. S. (2002). Teatro grego: tragdia e

    comdia. Petrpolis: Ed. Vozes.

    CAMAROTTI, M. (2001). Resistncia e voz: o teatro do

    povo do nordeste. Recife: Ed. Universitria da UFPE.

    TRABULSI, J.A.D. (2004). Dionisismo, poder e

    sociedade: na Grcia at o fim da poca clssica. Belo

    Horizonte: Ed. UFMG.

    VERNANT, J. P. e NAQUET, P. V. (1999). Mito e trag-

    dia na Grcia Antiga. So Paulo: Ed. Perspectiva.

  • 7/31/2019 Revista Paulo Freire_03

    8/208

    vez, so entregues sorte e absorvem

    o que o estmago vazio consegue.

    A falta de estrutura somada a falta de

    pedagogia e a falta de interesse poltico,

    produzem uma escola falida. Uma esco-

    la produtora de meros consumidores.

    Meros receptores. Meros espectadores.

    O massacre que impede a desco-

    berta e o desenvolvimento de um ser

    criativo e autoconfiante acontece em

    exemplos dirios que passam desper-

    cebidos. Em minha vida existe um me-

    nino chamado Pedro, que um dia me

    convidou para pintar. No livro de pin-

    turas havia duas silhuetas: uma menina

    e um menino. Ele pinta a menina e su-

    gere que eu pinte o menino. Ele pinta

    a pele da menina, o cabelo, e, por fim,

    pinta a roupa de rosa. Ele me entrega o

    lpis azul e diz que o menino deve ser

    pintado dessa cor. Eu dispenso o lpis

    oferecido e pinto o menino com uma

    roupa cheia de bolinhas roxas comlils e uma cala amarela. Ele me diz:

    Educao um fenmeno

    que acontece em qualquer

    sociedade humana e en-

    volve os processos de ensinar e apren-

    der. Ela responsvel pela manuten-o e perpetuao do aprendizado s

    geraes futuras. A Educao a trans-

    misso e a recepo do saber existente.

    Pedagogia um processo media-

    dor para que a educao seja eficaz.

    Ela aponta como vou fazer, de que

    forma vou educar, que instrumentos

    didticos devo usar, levando o sujeito

    ao questionamento. A Pedagogia busca

    a melhoria no processo de aprendi-

    zagem, atravs da reflexo, sistemati-

    zao e produo de conhecimento.

    Descries clssicas do enten-

    dimento comum sobre a diferena

    entre Educao e Pedagogia. Po-

    rm, como dizia Boal e bem sabia

    Paulo Freire, Educao e Pedago-

    gia so complementares, so irms.

    Portanto, usando da Pedagogia, o

    Teatro do Oprimido (TO) deseja edu-

    car, mas sem perder de vista o objetivo

    maior que deve ser a transformao

    social e a construo de uma socie-dade justa, democrtica e igualitria.

    Para trabalhar com Educao, espe-

    cialmente com a educao formal, foi

    preciso primeiramente entender a prti-

    ca que ocorre na grande maioria dos es-

    paos escolarizados e levar em conside-

    rao os problemas que o tema envolve.

    Dentre os cinco maiores proble-

    mas da educao, descritos por Michel

    Aires de Souza em seu recente ensaio,

    destaco alguns e acrescento outros,

    que em minha opinio, atravancam

    e desaceleram o processo educacio-

    nal, tornando urgente e necessria a

    investida do Teatro do Oprimido.

    O primeiro justamente um pro-

    blema pedaggico. Infelizmente, no

    geral, a educao que recebemos au-

    toritria. Eu ensino e voc aprende. Eu

    falo e voc copia. Eu fao e voc faz.

    No h uma pedagogia para entender

    que outra forma de aprendizado po-

    deria ser possvel ou necessria. No

    h preocupao em desenvolver o in-

    divduo como um ser completo, que

    se torne capaz de potencializar suas

    prprias habilidades, mas sim embuti-

    lo, quase que enlat-lo em um padro

    pr-estabelecido de ensino, ensinando

    o que h para ser ensinado, sem per-guntas ou novidades. O estudante

    visto verdadeiramente como aluno

    no seu significado etimolgico: sem luz.

    Essa realidade aparente nas

    escolas pblicas e tambm parti-

    culares. Da educao infantil ao

    ensino mdio. os bairros empobre-

    cidos ou de maior poder aquisitivo.

    uma realidade dura e opressora.

    NA POLTICA -O segundo,

    e no menos importante, um pro-

    blema poltico. Muitas vezes no h

    interesse pedaggico na mudana, na

    transformao, na descoberta de uma

    nova possibilidade de Educao. A pe-

    quena quantidade de escolas e a grande

    quantidade de escolas ruins que temos,

    reflexo de um mundo dominado pe-

    los interesses das classes dominantes.

    Se todo mundo fosse alfabetizado e

    tivesse recebido educao formal, quem

    seriam os trabalhadores braais da his-

    Teatro do Oprimido:

    um aliado na Educaodos oprimidos

    Teatro e educao

    A falta de estrutura so-

    mada a falta de pedago-

    gia e a falta de interesse

    poltico, produzem uma

    escola falida.

    * Por Helen Sarapeck

    tria da humanidade? Como mantera-

    mos o trabalho escravo? Quem seriam

    as domsticas, os pedreiros e lavradores

    de mos calejadas em todo o mundo?

    A escola reproduz o modelo ca-

    pitalista que assola o mundo. No h

    troca de ensinar e aprender ao mesmo

    tempo. H quem ensina o que quiser

    e quem aprende o que possvel. O

    professor e o estudante. Quem mandae quem obedece. Na h dilogo. A es-

    cola passa a ser uma mera reprodutora

    de um sistema que marginaliza e exclui.

    O terceiro e crucial problema

    social. Nossas escolas so pobres, os

    professores mal pagos e os estudantes

    esto famintos. Como manter com

    dignidade uma educao pedaggica

    em um ambiente assim? Onde, na

    maioria dos casos, o objetivo receber

    o fraco salrio ou a parca merenda?

    A falta de estrutura bsica da esco-

    la aliada desvalorizao do professor

    causa uma falta natural de interesse por

    parte dos educadores. Sem espao e

    material didtico adequado com um

    salrio que no garante sua sobrevi-

    vncia, os professores so obrigados

    a acumular empregos e, em consequ-

    ncia, acumulam cansao. Acabam

    por desenvolver uma educao poss-

    vel e no a necessria e devidamente

    pedaggica. Os estudantes, por sua

  • 7/31/2019 Revista Paulo Freire_03

    9/209

    dente de sua formao, tem a capa-

    cidade de produzir arte. Todo ser

    humano capaz de escrever uma

    poesia, fazer uma pintura, compor

    uma msica. Todos podemos mui-

    to mais do que imaginamos. Essa a

    base da Esttica do Oprimido (EO).

    Desenvolver a esttica dos opri-

    midos com os quais trabalhamos era

    uma de nossas misses, melhor, era a

    maior delas. Alm de trabalhar a est-

    tica na criao dos figurinos, cenrios

    e textos dramatrgicos com estudan-

    tes e professores, estimulamos que

    os Multiplicadores desenvolvessem

    atividades especficas, dentre as quais

    destaco a criao da Bandeira Nacio-

    nal na viso de cada participante; a

    criao do Ser Humano representante

    daquele grupo, a partir do lixo limpo;

    a produo de poesias e a criao de

    msicas inditas e seus respectivosinstrumentos feitos de lata, latinha,

    lato, balde, garrafa e sacola plstica.

    Em um espao curto de tem-

    po, os participantes das oficinas, em

    sua maioria crianas e adolescen-

    tes, produziram 19 msicas, mais

    de 60 poesias, 6 esculturas de seres

    humanos e mais de 200 pinturas.

    Parte dessa produo foi uma

    excelente experincia de processo.

    Mesmo quando por fim a arte pro-

    duzida no chegava a ser um produ-

    to, ou seja, uma obra de arte, que em

    nada tem a ver com o artista que a

    produz, mas com o efeito que ela - a

    obra - produz em quem a v, o que

    realizado durante o processo artstico

    que o artista passa, fenomenal. no

    processo que ele se revela, se desco-

    bre criador e se transforma em artista.

    Vimos o processo to dedicado e

    criativo de nossos artistas, crianas de

    12, 8, 6 anos!, que chegavam na ofi-

    cina muitas vezes sem vontade e sem

    esperana, e que depois de 15 minu-

    tos apenas, estavam imersos no mate-

    rial, absortos com a escolha do papel,

    mergulhando os pincis nas tintas de

    seus desejos. As tintas, panos, papis,

    pincis, brochas, palhetas, sucatas e

    crianas se misturavam em um grande

    caos criativo. Estavam absortos na cria-

    o. A arte quando verdadeira, em seu

    momento de criatividade, enquanto

    desperta no ser seus desejos, emoes,

    fazendo-o colocar tudo para fora em

    cores e traos, no tem controle e no

    pode t-lo. Sem rdeas, cavalgavam

    soltos. Chegavam prximo ao delrio

    criativo e atravs dele se deixavam levar.

    Os produtos surgidos neste pro-

    cesso foram expostos nas escolas e

    uma delicada seleo fez parte da ex-

    posio do projeto na Casa do CTO,

    encantando profissionais da Educa-o e, especialmente das Artes, pela

    qualidade e sinceridade com que as

    pinturas e esculturas transmitiam a

    realidade das escolas e comunidades,

    e faziam transparecer os desejos e an-

    seios dos pequenos humanos artistas.

    A Esttica do Oprimido, alm de

    ser apropriada para a escola urgen-

    te. Atividades ldicas, simples, que

    podem ser desenvolvidas em salas

    de aula, em curto espao de tempo e

    sem custo. Essas facilidades atraem

    Assim no pode! Eu me assusto e

    pergunto por qu. Rapidamente ele diz

    mais uma vez que no pode. Eu retru-

    co, e ele afirma no pode porque no

    pode Eu insisto e cansado, ao mesmo

    tempo curioso, ele reponde: t bom...

    eu deixo e em seguida comea a ex-

    plorar as novas possibilidades de cores

    e traos, que descobriu serem possveis.

    Repinta a menina, melhor, redesenha.

    Muda as cores, sai do limite dos traos,

    avana. Se liberta. Experimenta um

    novo mundo possvel atravs da arte.

    As escolas ensinam nossas crian-

    as a seguirem regras. Regras de uma

    educao moral e preconceituosa que

    envolve traos, linhas, cores, movimen-

    tos, que transformam nossos corpos

    em corpos enrijecidos e nossas cabe-

    as em cabeas que pensam em uma

    nica direo. Crianas produzidaspara pintar o mundo da cor que lhes

    foi ordenada. Mulheres usam rosa e

    homens azul. Mulheres lavam roupa e

    homens andam de carro. Perdemos a

    voz e o desejo. Aprendemos a no ter

    opinio. Perdemos a criatividade e a

    liberdade. Crescemos seres frustrados.

    Essas so razes que apontam

    para a necessidade urgente do uso

    do Teatro do Oprimido dentro das

    escolas. O mtodo precisa ser usadocomo suporte pedaggico, instrumen-

    to poltico de transformao e de luta

    por melhores condies de ensino.

    Aliado Educao, o Teatro do

    Oprimido pode ser usado por profes-

    sores, gestores e estudantes, ajudando

    a fomentar o dilogo no meio escolar.

    O TO no aumenta os salrios ou di-

    minui a pobreza, mas contribui para

    uma educao dialgica, minimizan-

    do os efeitos dos problemas sociais,

    pedaggicos e polticos na realidadeescolar, ajudando o indivduo a se tor-

    nar protagonista de sua prpria vida.

    De 2006 a 2007, Boal e o Centro

    de Teatro do Oprimido (CTO) desen-

    volveram o projeto Teatro do Opri-

    mido nas Escolas, em sete municpios

    do estado do Rio de Janeiro, usando

    o mtodo na promoo do dilogo

    atravs da capacitao de jovens e pro-

    fessores de escolas pblicas como Mul-

    tiplicadores da Esttica do Oprimido.Todo ser humano, indepen-

    O Teatro do Oprimi-

    do dentro da escola

    instrumento facilitador e

    revolucionrio que luta

    pela verdadeira Educao

    Pedaggica como prtica

    da liberdade.

    * Coordenadora Geral, atriz e Curinga

    do Centro de Teatro do Oprimido,

    especialista e facilitadora do Mtodo.

    Trabalhou diretamente com Augusto

    Boal desde 1990 at a sua morte, em

    2009. [email protected]

    professores, estudantes, gestores e co-

    munidades, que passam a usar o m-

    todo dentro e fora de suas salas de aula.

    A EO mais que o despertar artsti-

    co daquele ser humano. A EO a forma

    dele expressar seu ponto de vista sobre

    o mundo. Quando a criana descobre

    que a bandeira nacional no representa

    o Brasil que temos hoje, e que ela tem

    a possibilidade de recriar essa bandeira,

    mostrando uma bandeira triste, sem

    verde, sem mata, sem paz, ela est redes-

    cobrindo a realidade em que vive. Est

    refletindo sobre o presente para mudar

    seu futuro. Para ampliar suas chances.

    Para no ser um analfabeto esttico.

    O Teatro do Oprimido dentro da

    escola instrumento facilitador e re-

    volucionrio que luta pela verdadeira

    Educao Pedaggica como prtica

    da liberdade, assim como acredita-

    vam Paulo Freire e Augusto Boal.

    BIBLIOGRAFIA

    Ensaio sobre A Esttica do Oprimido Augusto Boal

    Artigo Afinal, qual o problema da Educao? -

    Michel Aires de Souza

    O que Pedagogia? - Paulo Ghiraldelli Jr

    A Esttica do Oprimido,

    alm de ser apropriada

    para a escola urgente.

  • 7/31/2019 Revista Paulo Freire_03

    10/2010

    A rvore do Teatro do Oprimido

    Infogrfico

    Depois de exilado pelo regime militar, Boal se dedi-

    cou a pesquisar formas teatrais que pudessem ser

    teis para oprimidos e oprimidas, criando condi-

    es para ultrapassarem o papel de consumidores de bens cul-

    turais e assumirem a condio de produtores de cultura e de

    conhecimento. Para tanto, sistematizou o Teatro do Oprimi-

    do, que poderia ser chamado de Teatro do Dilogo que, par-

    tindo da encenao de uma situao real, estimula a troca de

    experincias entre atores e espectadores, atravs da interven-o direta na ao teatral, visando anlise e a compreenso

    da estrutura representada e a busca de meios concretos para

    aes efetivas que levem transformao daquela realidade.

    Um Mtodo teatral que se baseia no princpio de que o ato

    de transformar transformador. Como diria Boal, aquele

    que transforma as palavras em versos transforma-se em po-

    eta; aquele que transforma o barro em esttua transforma-

    se em escultor; ao transformar as relaes sociais e huma-

    nas apresentadas em uma cena de teatro, transforma-se em

    cidado. Um Mtodo que busca, atravs do Dilogo, restituir

    aos oprimidos o seu direito palavra e o seu direito de ser.Boal sempre insistiu que as tcnicas que compem o Mto-

    do do Teatro do Oprimido no surgiram como inveno in-

    dividual e sim como consequncia de descobertas coletivas, a

    partir de experincias concretas que revelaram necessidades

    objetivas. Cada uma das tcnicas do Teatro do Oprimido re-

    presenta uma resposta encontrada por Boal e pelos colabora-

    dores e colaboradoras que acumulou ao longo de sua carreira.

    A rvore foi smbolo escolhido pelo prprio Boal para

    representar seu Mtodo, por estar em constante transfor-

    mao e ter a capacidade de Multiplicao. A rvore do

    Teatro do Oprimido representa a estrutura pedaggica do

    Mtodo que tem ramificaes coerentes e interdependen-tes. Cada tcnica que integra o Mtodo fruto de uma desco-

    berta, uma resposta a uma demanda efetiva da realidade.

    TICA E SOLIDARIEDADESuas razes fortes e saudveis estofundadas na tica e na Solidariedadee se alimentam dos mais variadosconhecimentos humanos. O solo doTeatro do Oprimido deve ser frtil,oferecer o acesso a saberes e basepara criaes.

    ESTTICA DO OPRIMIDO a seiva que alimenta a rvore, desde asrazes passando pelo tronco, atravessandogalhos e folhas. A Esttica do Oprimido tempor fundamento a crena de que somos todosmelhores do que supomos ser, e capazes defazer mais do que aquilo que efetivamenterealizamos: todo ser humano expansivo.

    TEATRO IMAGEMNo Teatro-Imagem, a encenaobaseia-se nas linguagens no-verbais.Esta tcnica teatral transforma ques-tes, problemas e sentimentos emimagens concretas. A partir da leiturada linguagem corporal, busca-se acompreenso dos fatos representa-dos na imagem, que real enquanto

    imagem. A imagem uma realidadeexistente sendo, ao mesmo tempo,a representao de uma realidadevivenciada.

    TEATRO JORNALO Teatro-Jornal foi uma resposta esttica censuraimposta, no Brasil, no incio dos anos 70, pelos mi-litares, para escamotearem contedos, inventaremverdades e iludirem. Nesta tcnica, encena-se o quese perdeu nas entrelinhas das notcias censuradas,criando imagens que revelam silncios. Criada em1971, no Teatro de Arena de So Paulo, esta tcnicafoi muito utilizada na poca da ditadura militarbrasileira, para revelar informaes distorcidas

    pelos jornais da poca, todos sob censura oficial.Ainda hoje usada para explicitar as manipulaesutilizadas pelos meios de comunicao.

    TEATRO LEGISLATIVO o desdobramento do Teatro-Frum, ondeos espectadores, alm de entrarem em cenae darem suas alternativas, encaminhamsugestes escritas para a criao de propostaslegislativas, as quais so analisadas, sistema-tizadas, votadas pela platia e encaminhadaspara os rgos capazes de darem os devidosencaminhamentos. A tcnica uma resposta necessidade de ir alm da encenao teatrale de provocar Aes Sociais Concretas e Conti-

    nuadas na vida real.

    * Por Brbara Santos

    * Sociloga, atriz e Curinga do Centro de

    Teatro do Oprimido, especialista e facilitado-

    ra do Mtodo. Trabalhou diretamente com

    Augusto Boal desde 1990 at a sua morte,

    em 2009. [email protected]

  • 7/31/2019 Revista Paulo Freire_03

    11/2011

    JOGOSAs centenas de Exerccios e Jogos do arse-nal do Teatro do Oprimido esto na basedo tronco da rvore, sendo fundamentaispara o desenvolvimento de todas astcnicas. Esse vasto arsenal auxilia a des-mecanizao fsica e intelectual de seuspraticantes, estimulando-os a buscar suasprprias formas de expresso.

    TEATRO FRUM onde a barreira entre palco e platia destruda e o Dilogo implementado.Produz-se uma encenao baseada em fa-tos reais, na qual personagens oprimidose opressores entram em conflito, de formaclara e objetiva, na defesa de seus desejose interesses. O confronto incita a busca poralternativas para o problema encenado.

    AES SOCIAIS CONCRETAS CONTINUADASA tcnica uma resposta necessidade deir alm da encenao teatral e de provocaressas aes na vida real. Na rvore doTeatro, a tica e a solidariedade so funda-mentos e guias. A multiplicao, a estratgia.E a promoo de aes sociais concretas econtinuadas, para a superao de realidadesopressivas, a meta.

    TEATRO INVISVELSe baseia na encenao de uma ao docotidiano apresentada no local onde poderiater acontecido, sem que se identifique comoevento teatral. Desta forma, os espectadoresso reais participantes, reagindo e opinandoespontaneamente discusso provocada pelaencenao.

    ARCO-RIS DO DESEJOTambm conhecido como Mtodo Boal deTeatro e Terapia, um conjunto de tcnicasteraputicas e teatrais utilizadas no estudo decasos onde os opressores foram internaliza-dos, habitando a cabea de quem vive oprimi-do pela repercusso dessas idias e atitudes.

    PALAVRA , SOM E IMAGEMA Esttica do Oprimido estimula a descobertadas possibilidades produtivas e criativas, e dacapacidade de representar a realidade produ-zindo Palavra, Som e Imagem promover asinestesia artstica que impulsiona o autoconhe-cimento, a auto-estima e a autoconfiana.

  • 7/31/2019 Revista Paulo Freire_03

    12/2012

    sero multiplicadores e o mais interesse

    que essa experincia to viva e rica

    que eles dizem que as boas repercus-

    ses do teatro j so sentidas em suas

    vidas pessoais, profissionais e poltica.

    Essa formao capacita os professo-

    res a produzir uma cultura solidria e ti-

    ca, no s combatendo intelectual e verbal-

    mente a ideologia da cachaa, mulher e

    galha, mas criando alternativas concretas,

    ldicas e culturais. A alternativa para a inds-

    tria cultural, que produz consumidores so

    os crculos de cultura, que produzem pro-

    tagonistas, seja no teatro ou na sala de aula.

    Para Aldo, o Sintese um dina-

    mizador do futuro e vem mostrando

    a importncia dos formadores no se

    sedentarizarem nas salas de aula. Um

    dia conquistaremos o direito legtimo do

    cuidado de si, do direito cultura como

    processo intrnseco da educao. A artenos aproxima da realidade dos estudantes

    e das suas famlias, permite meios mais

    eficazes de dialogicidade, disse Aldo.

    isso a. Boal disse que cidado no

    aquele que vive em sociedade, mas

    aquele que a transforma. O ser humano

    se tornar um cidado ntegro quando

    contar sua prpria histria atravs do

    seu teatro, da sua rdio e TV comunit-

    ria, da sua revista, do seu jornal, da sua

    fotografia, da sua msica. Libertao e

    autonomia popular se tornam mais vi-veis e palpveis a partir dessa trajetria.

    de produo teatral, disse Aldo. So

    cerca de 35 participantes na turma Au-gusto Boal, alm de outros tantos terem

    participado de cursos nas Oficinas Peda-

    ggicas da Resistncia, nos ms de julho.

    Como j so professores, muitos j

    se sentem motivados a aplicar a meto-

    dologia nas salas de aula, ou criar grupos

    de teatro na escola. impressionante a

    dinmica cotidiana deles. Muitas vezes

    trabalham em mais de uma escola para

    poder ter dignidade material, s vezes no

    almoam e no tm tempo para o cuida-

    do de si, para uma caminhada por exem-plo. O teatro tambm acaba sendo um

    momento de cuidado desses cuidadores.

    Porque a violncia que entra pelas portas

    do fundo da escola adoece o professor, e

    a violncia da falta de polticas pblicas que

    dignifiquem a classe, adoece mais ainda.

    Alm do ator e psiclogo Aldo,

    tambm atua no curso a Helen Fon-

    tes, multiplicadora que foi formada

    pelo Centro de Teatro do Oprimido

    RJ e que d oficinas com Aldo desde

    2007. Comeamos a trabalhar juntos

    quando ministrei algumas oficinas emencontros do MST e para dependen-

    tes qumicos e coordenamos juntos o

    Grupo Humaniza Cena, lembra Aldo.

    O grupo j comeou a trabalhar com

    histrias de opresso realmente vividas

    pelos professores nas escolas ou nas co-

    munidades. Est sendo montada uma

    cena de teatro para debater com a socie-

    dade. A estria est marcada para a confe-

    rncia do Sintese em outubro deste ano.

    Mudanas - Mas quem pensa que o

    trabalho do grupo ficar por a, engana-se.Vrios so os projetos. Os professores

    fora. Depois de

    uma apresentao

    da leitura dramtica

    de textos do livro

    do professor poeta

    Jos dos Santos, pelo grupo Humaniza a

    Cena, coordenado pelo ator e psiclogo

    Aldo Rezende, resolveu enfrentar um de-

    safio. Surge assim o Projeto Palco na Luta,para os professores filiados ao Sintese.

    A idia no fazer teatro pelo teatro.

    Boal sempre dizia que arte no adorno,

    mas poderosa ferramenta de transforma-

    o social. As subjetividades opressoras, a

    grande mdia, tentculos invisveis do capi-

    tal, tudo age atravs da expresso esttica,

    aprisionando os sentidos com a criao

    sistemtica de espectadores de tudo: da

    TV, do teatro, do professor, da poltica.

    O Teatro do Oprimido desenvolve

    o protagonismo, liberta os nossos sen-

    tidos, podemos perceber o mundo de

    forma autnoma, crtica e, principalmen-

    te, interagindo com ele e o reconstruin-

    do com inventividade, garante Aldo.

    Para Boal, a quarta parede do te-

    atro (parede imaginria que separa os

    artistas da platia) to nociva quanto s

    paredes que separam as salas de aula da

    comunidade. A nossa metodologia em-

    podera a platia, que sobe ao palco para

    dar alternativas para conflitos reais que

    estejam acontecendo com aquele grupo e

    empodera a educao quando, atravs demeios estticos, traz a famlia e a comuni-

    dade para dentro da escola para debater

    e transformar a sociedade, justifica Aldo.

    O GRUPO - Quinzenalmente o gru-po de professores filiados ao Sintese se re-

    ne. O projeto de um ano, mas certamen-

    te ser renovado. A idia revolucionria do

    sindicato alcanar o maior nmero de

    professores com a metodologia. Quanto

    mais pessoas puderem fazer teatro, mais

    pessoas gostaro de teatro. Devemos po-pularizar no peas prontas, mas os meios

    Numa palestra em Araca-

    ju, o economia Mrcio

    Pochmann questionava a

    platia: quero saber se os sindicatos de

    hoje esto preocupados em conservar

    o passado ou assumir o protagonismo

    do futuro?. No d para responder

    por todos os sindicatos, mas tem um

    para o qual essa pergunta fica at semsentido: o Sintese, um sindicato do

    seu tempo e que vai muito alm dele.

    No obstante a duras e amplas

    campanhas salariais, por condies de

    trabalho, de fiscalizao e acompanha-

    mento das polticas pblicas na rea da

    educao, o Sintese investe muito em

    formao em larga escala, no apenas

    dos seus dirigentes, mas da base, isto ,

    para todos os seus filiados. Esta ao por

    si s j revolucionria nos dias de hoje.

    So cursos, seminrios, oficinas,

    conferncias, congressos, grupos de

    estudo, etc, etc, etc. tudo para que os

    professores possam compreender sua

    condio de agentes transformadores

    da realidade. Um dos exemplos mais

    vivos dessa compreenso estratgica do

    Sintese a implantao do Projeto Pal-

    co de Luta, que vive a experincia de

    trabalhar o Teatro do Oprimido, criado

    pelo fantstico mestre Augusto Boal.

    COMO COMEOU - O namo-

    ro entre Sintese e o teatro do oprimidovem de longas datas. Em muitas das

    manifestaes pblicas do sindicato a

    metodologia do teatro j se fazia presen-

    te. A participao ativa de professores,

    alunos, pais, da populao era uma

    constante. Os calades das Laranjeiras

    e Joo Pessoa em Aracaju foram tes-

    temunhas de inmeras apresentaes.

    Mas essa dilogo criativo com a so-

    ciedade ganhou mais corpo quando nas

    conferncias e congressos do sindicato o

    teatro, nas mesmas perspectivas defendi-das por Augusto Boal, comea a ganhar

    SINTESE cria oPalco na Luta

    Formao

    PALCO DA VIDAExerccios teatrais representam aes

    cotidianas.

  • 7/31/2019 Revista Paulo Freire_03

    13/2013

    posto por Augusto Boal uma tentativa

    de construo de espaos democrticos

    necessrios Educao e Pedagogia.

    Na conduo do trabalho de um Curinga

    (tcnico artstico-pedaggico do TO), a pa-

    lavra democracia uma palavra de ordem.

    Todos os procedimentos e processos de

    construo esttica devem perpassar por

    esse conceito em busca da expresso sin-

    cera e autnoma do oprimido, que passa

    a ser produtor ativo e no mais consumi-

    dor passivo no processo de construoda Esttica e do Teatro do Oprimido.

    O curinga foi assim chamado por Boal

    por ser uma carta que cabe em qualquer

    jogo do baralho. Ele faz produo, minis-

    tra oficinas, dirige a cena de teatro, dialoga

    com a platia na sesso do Frum e deve

    estar pronto, ou ser capar de estar, para

    qualquer demanda que surja da sua ativi-

    dade de construir espetculos de Teatro.

    Boal pregava a necessidade de se

    democratizar os meios de produo ar-

    tstica ao invs de democratizar a obra

    de arte. Pensando de maneira anloga

    na educao, seria ento necessrio de-

    mocratizar a Pedagogia, permitindo ao

    aluno, indicar os caminhos, participar do

    planejamento, determinar os mtodos e

    procedimentos avaliativos e as metodo-

    logias utilizadas na busca pedaggica para

    que enfim, pudssemos encontrar uma

    atividade que se aproxime do to sonha-

    do conceito de democracia na educao.

    Trazer para a sala de aula os princpios

    do TO urgente e necessrio, pois j no

    mais possvel continuarmos com o mo-

    Sou um professor. Licenciado,

    a minha ocupao consiste em

    freqentar salas de aula e lutar

    diariamente contra todo um sistema auto-

    ritrio e manipulador que encaminha as

    crianas, adolescentes e adultos que freqen-

    tam a escola, a um metafrico moedor de

    carne como se fossem recheio de salsichas.

    Atuando em escolas de pblicas,

    onde a educao de crianas e a alfabeti-

    zao de adultos esta a cargo do pedagogo,

    a cada dia de trabalho, a cada reunio de

    equipe, fico cada vez mais preocupado e

    estarrecido com o que se faz nos cursos

    de formao de educadores neste pas.

    Tenho visto professores cometerem

    atos degradveis contra os seus alunos,

    impotentes. O pedagogo, profissional

    formado nas universidades para o papel

    de alfabetizar crianas e adultos, tem umarepresentao simblica gigantesca para a

    vida desses estudantes. A sua presena em

    sala de aula, as suas posturas, as suas falas

    e, principalmente, as suas escolhas so fun-

    damentais e decisivas na vida daqueles que

    esto sob a sua tutela no caminho da cons-

    truo da conscincia poltica, a cidadania.

    Entretanto, comum verificar nes-

    tes uma completa falta de conscincia

    poltica, de conscincia do seu papel

    de cidado, de formador de opinies.

    Claro que no so todos, mas raras soas excees onde vemos um educador,

    seja ele pedagogo ou arte-educador, que

    no traga em si idias preconceituosas

    e, pior, que no as propague atravs dos

    ensinamentos aos seus alunos, que neces-

    sitados de uma referncia, o segue mansa

    e pacificamente como bem exigem as

    normas de bom comportamento escolar.

    Boal, abordando os conceitos de

    Educao e Pedagogia, nos d uma fun-

    damental direo no sentido de encontrar-

    mos respostas, ou as boas perguntas, em

    relao ao papel do professor numa escola

    O lpis decor rosa

    Boal e o papel do professor

    * Por Claudio Rocha

    * Arte-educador e Curinga Regional do

    Centro de Teatro do Oprimido

    e numa sociedade. Boal, falando sobre

    a Educao, a Pedagogia e a Cultura diz:

    Fica claro ento que, ao professor, ne-

    cessrio, antes de qualquer coisa, ter a clare-za do significado de cada uma dessas duas

    palavras que substanciam o seu fazer pro-

    fissional, para que assim evite-se os comuns

    erros e desmandos que evidenciam o cur-

    rculo oculto que tem como objetivo maior

    normalizar os erros e violaes aos Diretos

    Humanos j perpetrados na sociedade.

    Conjugar esses sabres em busca de uma

    prtica que seja o mais prximo possvel do

    conceito de democracia (isto levando em

    conta que esta nunca existiu na histria da

    humanidade) a grande tarefa do professor.

    O Teatro do Oprimido (TO), pro-

    BIBLIOGRAFIA

    BOAL,A. Educao, Pedagogia e Cultura. In. Metaxis

    Teatro do Oprimido nas Escolas. Centro de Teatro

    do Oprimido. Rio de Janeiro, 2007

    Certo dia o meu filho noqueria ir para a aula, per-guntei o por que e ele medisse que os seus colegaso chamavam de veadona sala de aula. Quandolhe perguntei o motivo,

    ele me disse que era porque ele quis pintar umdesenho com o lpis decor rosa. Fui escola, epedi aos pedagogos quetomassem uma atitude.No dia seguinte, elecontinuava sem quererir aula. Quando voltei escola e questionei os

    pedagogos sobre queatitudes eles haviamtomado no dia anterior, acoordenadora foi enfti-ca: Eu mesma peguei olpis rosa do estojo do seufilho e o quebrei.

    Depoimento de uma me so-

    bre o seu filho de 5 anos.numa

    escola de Salvador - BA.

    Educao significa atransmisso do saberexistente. Pedagogia,a busca de novos sa-beres. Essas duas pa-lavras no podem serdissociadas, porqueno podemos aceitarum saber paraltico,

    imvel, no-investi-gativo, nem descobri-remos jamais novossaberes sem conheceros antigos.

    Augusto Boal

    delo educacional que temos hoje em dia.

    Fazer do professor um Curinga, mais

    que sobrecarreg-lo de atividades, libert-

    lo do pensamento estreito que o prende

    na condio de especialista e que coloca

    sob os seus olhos uma viseira tal qual a que

    se coloca em cavalos que puxam carroas,

    com a finalidade de evitar o desvio da aten-

    o do seu trabalho para um mundo que o

    convida novas experincias, pedaggicas.

    Transformar o professor em Curinga

    seria assim, uma forma de superao daopresso que condenado esse profissio-

    nal que deixa de ver no lpis de cor rosa a

    possibilidade de abertura para um mundo

    democrtico e que respeita as diferenas.

  • 7/31/2019 Revista Paulo Freire_03

    14/2014

    do grupo Jana Sanskriti (cultura

    popular em Indi) e um dos respon-

    sveis pela criao da Federao In-

    diana de Teatro do Oprimido que

    congrega cerca de dois milhes de

    indianos; e Olivar Bendelak, curin-

    ga do CTO, expondo sobre nossa

    experincia do Teatro Legislativo.

    O trabalho do multiplicador do

    tao de diferentes mesas com dife-

    rentes temticas. Na abertura, uma

    mesa mostrou a trajetria teatral de

    Boal com depoimentos de Rosa

    Luiza Marques (Porto Rico), que

    pode trabalhar com Boal na Fran-

    a, onde ele criou a tcnica Arco-

    ris do Desejo, at o Rio de Janeiro,

    quando participou das primeiras

    experincias de Boal nos CIEPS

    e fechando com Brbara Santos,sociloga e curinga do CTO, que

    chegou at nossa ltima pesquisa:

    A Esttica do Oprimido. Nos dias

    de 21 a 23 o debate continuou.

    Sempre tnhamos mesas intro-

    dutrias s temticas pensadas.

    Abrindo com uma

    questo fundamen-

    tal sobre o que a

    opresso hoje e como

    trabalhar com esta te-mtica, Julian Boal do

    GTO-Paris (Frana) e

    Carolina Echeverria (Ar-

    gentina), expuseram suas

    ideias e debateram com a

    platia. Assim, demos pros-

    seguimento provocando com

    a temtica o Teatro do Opri-

    mido como Poltica, onde fo-

    ram includos nossos parceiros

    de luta: Evelaine Martinez, do

    MST; Sanjoy Ganguly, diretor

    diferentes pases ou diferentes regi-

    es culturalmente to distintas con-

    tinuem preservando os princpios

    ticos, polticos e artsticos do TO?

    Na Conferncia Internacional

    de Teatro do Oprimido realizada

    de 20 a 26 de julho de 2009, no Rio

    de Janeiro, tivemos a oportunidade

    de ter a presena de representantes

    de 26 pases dos cinco continentes:

    Palestina, Sudo, Moambique,Angola, Guin-Bissau, Senegal,

    Argentina, Uruguai, ndia, Paquis-

    to, Austrlia, Espanha, Portugal,

    Canad, Estados Unidos, Alema-

    nha, Holanda, Inglaterra, Esccia,

    Irlanda, Israel, Frana, Itlia, Filipi-

    nas e Brasil, permitindo o encontro

    de praticantes que no se viam h

    anos e alguns que nunca se viram, a

    troca de experincias entre diferen-

    tes culturas e pases sobre seus tra-balhos e a linguagem que tem em

    comum: o Teatro do Oprimido.

    A ideia foi aprofundar o dilogo

    e a sistematizao de experincias.

    Tivemos espetculos de grupos

    de Guin-Bissau, Sergipe, Minas

    Gerais, Gois e Rio de Janeiro.

    Alm do recurso do vdeo que fa-

    cilitou assistir trabalhos do Paquis-

    to, Alemanha, Canad, Inglaterra,

    ndia, Espanha e Moambique.

    Mas o foco maior foi apresen-

    OTeatro do Oprimi-

    do que uma meto-

    dologia teatral criada

    pelo teatrlogo Augusto Boal, dire-

    tor do histrico Teatro de Arena

    de So Paulo, na dcada de 60, e

    que em 1971 iniciou esta nova for-

    ma de ver e praticar a arte teatral.

    Nestes mais de 38 anos de his-tria, multiplicadores do mundo in-

    teiro levaram os princpios ticos e

    solidrios do Teatro do Oprimido,

    sempre tendo no o teatro com o

    oprimido, mas do oprimido e para

    o oprimido, para que juntos, apren-

    dendo um com o outro, possamos

    transformar o mundo. Como o di-

    logo antdoto do conflito, o Te-

    atro do Oprimido tem sido um im-

    portante instrumento de Paz, queprecisa ser conquistada e exercitada

    cotidianamente, atravs de aes

    diretas e da superao da passivida-

    de. Assim, hoje, no mundo, difcil

    encontrar um pas onde no tenha

    um grupo de Teatro do Oprimido

    ou uma Universidade importante

    que no tenha em seu currculo o

    estudo de sua prtica e teoria. In-

    felizmente o Brasil uma exceo.

    Mas como garantir que o Teatro

    do Oprimido (TO) aplicado nos

    Centro de Teatro doOprimido ratifca suafora mundial

    Teatro do mundo

    por Geo Britto*

    Livro do Teatro do Oprimido foi

    traduzido para vrios idiomas

  • 7/31/2019 Revista Paulo Freire_03

    15/2015

    podemos discutir os conceitos

    do TO, sua ao, nossas respon-

    sabilidades e principalmente seu

    futuro. Desses dias, conseguimos

    trazer para o Rio de Janeiro um

    pedao de cada local do mundo.

    Esse impressionante movimen-

    to teatral, que se amplia cada vez

    mais e repercute cultural, social epoliticamente, tem no Brasil uma

    de suas principais referencias: o

    Centro de Teatro do Oprimido

    - CTO. A realizao da primeira

    Conferncia Internacional de Tea-

    tro do Oprimido, no Rio de Janei-

    ro, foi um marco histrico no sen-

    tido de lanar as bases estruturais

    uma rede Internacional do Teatro

    do Oprimido, a partir de um m-

    todo sistematizado pelo brasileiro,cidado do mundo, Augusto Boal.

    professor da USC-California, fa-

    lando sobre sua experincia em

    Ruanda; e Geo Britto, coordena-

    dor nacional do programa Teatro

    do Oprimido na Sade Mental,

    realizado pelo CTO em trs es-

    tados brasileiros: RJ, SP e SE.

    A temtica dos Direitos Huma-

    nos no poderia faltar, j que o TO

    em muitos lugares considerado

    o Teatro dos Direitos Humanos.

    Tivemos a mesa introdutria com

    o Ministro Paulo Vannuchi, da

    Secretaria Especial dos Direi-

    tos Humanos e Ceclia Coim-

    bra, diretora do Grupo Tor-

    tura Nunca Mais. Na mesa de

    praticantes: Brbara Santos,

    sociloga e curinga do CTO,

    falou sobre o projeto Teatro

    do Oprimido nas Prises, re-alizado em nove estados bra-

    sileiros: SP, PE, RS, RO, RN,

    PI, ES, DF e MS; Till Bauman

    (Alemanha), que trabalha com

    jovens neonazis tas encarcera-

    dos; e Adrian Jackson (Ingla-

    terra), do CardBoardCitizens,

    grupo de moradores de rua.

    A mesa final discutiu as possibi-

    lidades de se realizar trabalhos em

    reas de conflito. Na introdutria ti-vemos a fala de Sergio Andra, che-

    fe de gabinete da Secretaria Estadu-

    al de Assistncia Social e Direitos

    Humanos do RJ, onde falou sobre

    seus projetos e principalmente o

    Mulheres da Paz. Na mesa de

    praticantes, um debate muito ins-

    tigante entre Edward Muallen (Pa-

    lestina), do Grupo Ashtar, mos-

    trando o trabalho de multiplicao

    neste pas to massacrado; Jos

    Carlos (Guin-Bissau), com otrabalho do GTO-Bissau en-

    tre militares e a sociedade civil

    no mesmo palco; Chen Alon

    (Israel), mostrando que um is-

    raelense pode e deve lutar ao

    lado dos palestinos contra as

    injustias do Governo de Isra-

    el; e Justin Billy (Sudo), sobre

    o poder no TO num pas divi-

    dido. Nos dias 24 a 26 aconte-

    ceu o Encontro de Praticantes.Um momento privativo, onde

    * Socilogo, ator e Curinga do

    Centro de Teatro do Oprimido,

    especialista e facilitador do Mto-

    do. Trabalhou diretamente com

    Augusto Boal desde 1990 at a

    sua morte, em 2009. geobritto@

    ctorio.org.br

    Criado por Augusto Boal em

    1986, o Centro de Teatro do

    Oprimido - CTO se dedica

    pesquisa e ao desenvolvimento

    do Mtodo, atuando em todo o

    Brasil e apoiando grupos, espe-

    cialmente, da Amrica Latina

    e da frica. Av. Mem de S, 31

    Lapa, Rio de Janeiro (21) 2232-

    5826 www.ctorio.org.br

    Especialista e facilitador doMtodo.

    Teatro do Oprimido no deixa de

    ser um trabalho de educador, por

    isto a mesa sobre suas relaes se

    fez fundamental. Com uma mesa

    introdutria onde tivemos a pre-

    sena de Moacir Gadotti, presiden-

    te do Instituto Paulo Freire, Dan

    Baron (EUA), diretor do Instituto

    Internacional de Teatro - IDEA

    e Doug Paterson (EUA), respon-

    svel pela organizao da PTO-

    Conference, que h 15 anos junta

    centenas de educadores dos EUA

    para debater a relao entre a Peda-

    gogia do Oprimido e o Teatro do

    Oprimido. Na mesa dos pratican-

    tes: Alvim Cossa (Moambique),

    diretor do GTO-Maputo, que hoje

    com mais de 180 grupos em todos

    os estados deste pas usa o TO

    no combate a AIDS; Luc Opbe-ck e Ronald Matheus, sobre suas

    experincia na Holanda; e Helen

    Sarapeck, coordenadora artstica

    do CTO fala sobre a experincia

    do Centro de Teatro do Oprimido

    em escolas da Baixada Fluminense.

    No dia seguinte, a temtica de

    gnero, com uma mesa introdu-

    tria com Andria Rodrigues, da

    Marcha Mundial das Mulheres

    e Jurema Werneck, da entidadeCriola. Na mesa de pratican-

    tes, um colorido de mulheres:

    Muriel Naessens (Frana); Bir-

    git Fritz (ustria); Zaina Raj

    (Moambique); Edilta da Silva

    (Guin-Bissau); e Claudete Fe-

    lix, curinga do CTO, que falou

    sobre a experincia de 10 anos

    do grupo de empregadas do-

    msticas Marias do Brasil.

    Na parte da tarde, na mesa da

    sade mental, tivemos: Geraldi-ne Ling (Inglaterra), do The La-

    wnmowers, grupo de portadores

    de dificuldade de aprendizagem;

    e Pedro Gabriel Delgado, da Co-

    ordenao Nacional de Sade

    Mental do Ministrio da Sade,

    falando sobre a implementa-

    o da Reforma Psiquitrica no

    Brasil. Na mesa de praticantes:

    Tim Wheler (Inglaterra), dire-

    tor do grupo Mind The Gap deBradford; Brent Blair (EUA),

  • 7/31/2019 Revista Paulo Freire_03

    16/2016

    de aula, geralmente o mtodo usado

    como suporte ldico para a introduo

    de alguma atividade ou apoio peda-

    ggico na discusso de algum tema.

    4 Quais resultados se po-dem esperar da aplicao do Te-atro do Oprimido em salas deaula de escolas da rede pblica?

    A melhor forma de explicitar o que

    penso descrevendo um exemplo ocor-

    rido durante o desenvolvimento do pro-

    jeto Teatro do Oprimido nas Escolas.

    Lembro de uma cena criada por

    um multiplicador juntamente com

    seu grupo de crianas do 6. Ano do

    municpio de Niteri que contava a

    histria de um menino e seu professor.

    Ele, assim como seu irmo, eram

    estudantes da mesma escola, do mes-

    mo ano e da mesma sala de aula.Ambos tinham em conseqncia, o

    mesmo professor. Acontece que um

    deles era dedicado e tmido. Estudava

    e sempre tirava boas notas. O outro

    era agitado e extrovertido. Sabia dan-

    ar, assobiar o canto dos pssaros e

    at sapatear, mas no conseguia se

    concentrar nos estudos e com isso era

    duramente reprimido pelo professor

    que o comparava sempre a seu irmo:

    Como podem irmos to diferentes?

    Um inteligente e o outro mal sabe ler!

    A cena era cruel e visivelmente

    maior que deve ser a transformao

    social e a construo de uma socie-

    dade justa, democrtica e igualitria.

    2 - Como o Teatro doOprimido pode ser traba-lhado nas escolas pblicas?

    De muitas formas distintas.O mtodo pode ser usado pelos

    gestores e professores, para facilitar o

    dilogo e o entendimento das neces-

    sidades referentes aos profissionais

    da Educao, bem como com os es-

    tudantes e comunidade do entorno

    daquela escola, para facilitar o dilogo

    e aproximar as partes, colaborando

    para que a escola seja parte integran-te da comunidade e no um prdio

    isolado e muitas vezes ocioso fora do

    horrio escolar. A escola deve ser um

    espao democrtico que contribua

    com a comunidade onde est inserida.

    O Teatro do Oprimido (TO)

    pode ser usado dentro e fora da sala de

    aula. No horrio escolar ou alm dele.

    De forma extremamente ldica,

    mas igualmente crtica, o TO pode

    ser um excelente dinamizador em

    reunies, um colaborar no desenvol-

    vimento de qualquer disciplina, bemcomo um instigador e estimulador no

    debate de temas tabus, como homos-

    sexualidade e violncia domstica.

    Por exemplo, de 2006 a 2007 o

    Centro de teatro do Oprimido desen-

    volveu um projeto Teatro do Opri-

    mido nas escolas em municpios flu-

    minenses. A proposta visava capacitar

    professores e lideranas comunitrias

    na metodologia para que pudessem

    us-la na facilitao do dilogo dentre

    o corpo escolar e entre ele e a comu-nidade aonde a escola est inserida.

    O projeto foi desenvolvido dentro

    de escolas pblicas e os professores

    passaram a usar o Teatro do Opri-

    mido com crianas e adolescentes na

    discusso de temas como descrimina-

    o dos professores, desleixo escolar,

    influncia do trfico na escola, falta de

    tica, preconceito e relao famlia/escola. Temas que raras vezes so

    discutidos dentro da educao formal.

    3 Como um (a) profes-sor (a), seja ele de que dis-ciplina for, pode utilizar oTeatro do Oprimido como ferra-menta pedaggica em sala de aula?

    Praticamente todas as tcnicas do

    Teatro do Oprimido podem ser usadas

    em sala de aula, mas devido a falta de

    conhecimento da metodologia, aliado

    ao curto tempo do professor em sala

    A escola deve ser um

    espao democrtico

    que contribua com a

    comunidade onde est

    inserida.

    1 - Que relao a se-nhora faz entre Teatro doOprimido e educao?

    O Teatro do Oprimido (TO)

    uma metodologia teatral que se

    baseia no fato de que somos teatro e

    isso faz parte de nossa natureza huma-

    na. O ser humano o nico animal

    com a capacidade de se ver em ao.

    Agimos e nos observamos em ao ao

    mesmo tempo. Essa capacidade nosauxilia no entendimento da realidade

    e nos possibilita rever nossas aes,

    dialogar sobre elas e transform-las.

    O TO um conjunto de jogos e

    tcnicas teatrais que visam resgatar esse

    potencial humano, tornando-o cons-

    ciente, para que possamos usar o teatro

    para rever nossas vidas e opresses.

    Quando o indivduo representa a

    opresso que vive, alm de expurgar

    um pouco do sofrimento, ele descobre

    que pode dialogar sobre ele com outras

    pessoas, na tentativa de descobrir sa-

    das para o problema que vive, e que

    talvez, muitos vivam assim como ele.

    E a idia dialgica do mto-

    do criado por Boal essencial no

    meio educacional que se encontra

    massacrado por problemas de or-

    dem poltica, social e pedaggica.

    O Teatro do Oprimido (TO) um

    instrumento pedaggico que pode e

    deve ser usado na educao. Mais que

    isso: o TO urgente na educao, es-

    pecialmente na educao escolar, queno deve perder de vista o objetivo

    Teatro e a educaoEntrevista

    Helen Sarapeck coor-denadora geral, atriz eCuringa do Centro deTeatro do Oprimido,especialista e facilitadorado Mtodo. Trabalhoudiretamente com Augus-to Boal desde 1990 at asua morte, em 2009.

  • 7/31/2019 Revista Paulo Freire_03

    17/2017

    eu disse: a cena de vocs. Vocs so

    quem devem dizer se gostariam que

    ele visse ou no. E ele, depois de uns

    breves segundos de reflexo disse: acho

    que vai ser bom ele ver como ele .

    Esse tipo de coao, opresso e

    humilhao, infelizmente, reinci-

    dente entre pessoas que se julgam

    educadores. Felizmente, tambm

    temos muitos excelentes educadoresem nossas escolas, assim como os

    multiplicadores desta escola em Ni-

    teri que souberam estimular a refle-

    xo em seu grupo, colaborando para

    a construo de uma escola melhor.

    O mundo pode e ser diferente.

    De passo em passo, construiremos a

    realidade utpica de um mundo per-

    feito, onde a educao tenha espao

    privilegiado na vida de nossas crianas.

    5 Quais as mensagens Boal,diante de uma platia apenas deprofessores, deixaria para eles?

    No sou capaz de adivinhar.

    Boal era homem de mui-

    tas idias e falas encantadoras.

    Prefiro deixar aqui um trecho de

    uma texto seu escrito especialmente

    para os profissionais da educao.

    Educar vem do latim Educare,

    que significa conduzir. Educar signi-

    fica a transmisso de conhecimentos

    inquestionveis ou inquestionados.Significa ensinar o que existe, e que

    dado como certo e necessrio.

    O Teatro do Oprimi-

    do um instrumento

    pedaggico que pode

    e deve ser usado naeducao.

    Praticamente todas

    as tcnicas do Teatro

    do Oprimido podem

    ser usadas em sala de

    aula.

    causava desconforto em quem assistia,

    especialmente ao ver a menina que re-

    presentava o professor com uma veraci-

    dade e voracidade indescritvel. A cada

    ensaio a cena crescia, os atores-estudan-

    tes ficavam mais fortes, mais seguros.

    Ento, em um dos ensaios que

    acompanhamos junto ao multiplicador,

    conversamos com as crianas sobre a

    cena, a importncia do tema, a discri-minao dentro da escola, a diferena

    entre os professores. E ento um dos

    meninos presentes, um garoto peque-

    no pra idade prxima aos 9 anos, levan-

    tou uma questo: essa cena se passou

    comigo e sbado agora, vamos apresen-

    tar na escola. E eu, ignorando a profun-

    didade da indagao, disse: timo. Vai

    ser muito bom. Todos vo poder ver o

    trabalho bonito de vocs! Ento o me-

    nino retrucou: esse que o problema.

    O professor vai estar presente. E se ele

    se descobrir na cena? Se ele vir que

    o professor da cena ele mesmo? E Pedagogia vem do grego paidaggs,

    que era o escravo que caminhava com

    o aluno e o ajudava a encontrar o ca-

    minho da escola e do saber. Educao

    significa a transmisso do saber existen-

    te; Pedagogia, a busca de novos saberes.

    Essas duas palavras no podem

    ser dissociadas, porque no podemos

    aceitar um saber paraltico, imvel,

    nem descobriremos jamais novos

    saberes sem conhecer os antigos.

    Educao e Pedagogia so duas

    irms, ao mesmo tempo, mes e filhas

    da Cultura. Filhas, porque a Cultura

    existe e se manifesta atravs do

    saber que ensina, e do sa-

    ber que busca. Mes,

    porque atravs delas

    nasce uma nova Cultu-

    ra, sempre em trnsito.

    Trnsito para que fu-turo? Surgem ento os concei-

    tos de tica e de Moral. Esta, vem

    do latim mores, que significa

    costumes. Qualquer costume,

    mesmo os mais brbaros

    e odiosos, podem fa-

    zer parte da Moral

    de um lugar e de

    uma poca. A

    escravido j

    foi Moral no

    Brasil, e osescravos que

    lutavam por sua liberdade eram cha-

    mados de fujes e rebeldes hoje, sa-

    bemos que foram heris e eram sbios.

    Nenhuma Moral social, quando

    anti-tica, pode ser aceita s porque

    faz parte dos costumes de um infeliz

    momento. No podemos aceitar o lati-

    fndio e a corrupo, nem a fartura que

    lida com a fome estes so males da

    ptria contra os quais temos que lutar.

    Moral refere-se ao passado que so-

    brevive no presente. tica, ao presente

    que se projeta no futuro: no queremos

    o Brasil como foi, nem como , mas

    como queremos ns que seja? Qual a

    tica que nos guia e justifica nossas vidas?

    Queremos um Brasil em que todos

    os brasileiros sejam plenos cidados,

    e sabemos que no se pode ser pleno

    sem os fundamentos da Educao

    basilar, sem as audcias da Culturalivre, e sem o dilogo entre as duas.

  • 7/31/2019 Revista Paulo Freire_03

    18/2018

    que sua perna tendia a flutuar. Coisa

    estranha! E, num lampejo, gritou -

    Eureka! Havia descoberto o bvio:

    Um corpo slido mergulhado em

    um lquido recebe um empuxo de

    baixo para cima igual ao peso do vo-

    lume de lquido deslocado. Nada

    mais elementar: no eram necessrias

    nem a banheira nem a perna de Ar-

    quimedes: qual-

    massas e inversa do quadrado das dis-

    tncias. lgico, lmpido e cristalino.

    Porque, se assim no fosse, a ma

    no teria jamais cado na cabea de

    Newton: seriam a Terra e Newton que

    teriam cado na ma. Isso, hoje, fcil

    de entender. Mas foi preciso um gnio

    para ver o que todos apenas olhavam.

    Arquimedes, tomando banho de

    banheira, percebeu

    Na Babilnia, quase vinte

    sculos antes de Jesus

    Cristo, um homem

    observou uma ma cada de uma

    macieira que rolava por um declive

    na ribanceira, e viu o que todos ape-

    nas olhavam: a ma rodava tocando

    o solo pela circunferncia. S uma

    parte da sua superfcie tocava o cho.

    O homem se deu conta daquilo queningum antes percebera: para rodar,

    a ma no necessitava ser esfrica -

    bastaria ser circular. E inventou a roda.

    As rodas que vemos rodan-

    do pelo mundo, pelos trilhos, pe-

    las velozes pistas, pelos mercados,

    em casa, na rua, foram inventadas

    por um gnio: um homem que

    viu o que todos apenas olhavam.

    Outra ma, sculos mais tarde,

    caiu bem na cabea de Newton quan-do dormia embaixo da rvore. Qual-

    quer um de ns teria dado um grito,

    feito uma imprecao, dito um pala-

    vro do tamanho da nossa dor fsica e

    do galo na cabea, teria amaldioado

    o reino vegetal. Newton, tranqilo, viu

    o bvio: A matria atrai

    matria na razo

    direta das

    Aprendemos a aprenderAugusto Boal

    por Augusto Boal *

    Paulo Freire ajuda o cidado a desco-

    brir, por si, o que traz dentro de si.

    quer slido em qualquer lnquido. S

    que, antes, ningum tinha traduzido,

    em teoria, a prtica das pernas flu-

    tuantes. Todos os usurios de todas

    as banheiras, piscinas, lagoas, viam

    pernas flutuando, cabeas e tron-

    cos tambm, e achavam tudo muito

    natural, mas s Arquimedes dedu-

    ziu a lei que regia tais fenmenos.

    Assim so os gnios: descobrem

    ou inventam o bvio que ningum v.

    Assim aconteceu com Paulo Freire:

    descobriu que o vov absolutamente

    no viu o ovo, nem a vov viu a ave,mas, ao contrrio - com certeza certa!

    - o pedreiro viu a pedra, a cozinheira o

    feijo, e o lavrador a enxada. O oper-

    rio e o campons no viam o salrio,

    as frias, o direito escolaridade dos fi-

    lhos, sade. O trabalhador no via a

    hora de descansar. O faminto, a hora

  • 7/31/2019 Revista Paulo Freire_03

    19/2019

    *Teatrlogo, ensasta e diretor artsti-

    co do Centro de Teatro do Oprimido

    de 1986 at 2009.

    O ato de aprender a ler aprender a pensar, e

    pensar uma forma de

    ao.

    de comer. O povo, a hora da redeno.

    O ato de aprender a ler apren-

    der a pensar, e pensar uma forma de

    ao. Assim, apesar de vovs e vovs

    das antigas cartilhas serem dignos de

    todo respeito, aves e ovos dignos de

    todo cuidado, o campons precisa

    saber como se escreve o nome da foi-

    ce com que lavra a terra, o pedreiro

    o nome do tijolo com que constri

    a casa, a cozinheira os nomes com

    que condimenta o feijo e a farinha.

    Desenhando em letras e palavras

    a dor que o pobre sentia na carne, -

    mas sem esquecer os desenhos do

    sonho e da esperana! - Paulo Freire

    inventou um Mtodo, o seu, o nosso,

    o Mtodo que ensina ao analfabeto

    que ele perfeitamente alfabetizado

    nas linguagens da vida, do trabalho,

    do sofrimento, da luta, e s lhe faltaaprender a traduzir em traos, no

    papel, aquilo que j sabe e vive no

    seu cotidiano. Maiutico, socrtico,

    Paulo Freire ajuda o cidado a des-

    cobrir, por si, o que traz dentro de si.

    E, neste processo, aprendem o

    professor e o aluno: A um campo-

    ns ensinei como se escreve a palavra

    arado; e ele me ensinou como us-lo!

    - disse um professor rural. S pos-

    svel ensinar alguma coisa a algum

    quando esse algum, a ns, alguma

    coisa ensina. O ensino um proces-

    so transitivo - diz o nosso Mestre

    um dilogo, como deveriam ser di-

    logos todas as relaes humanas: ho-

    mens e mulheres, negros e brancos,

    classes e classes, pases e pases. Mas

    sabemos que esses dilogos - se no

    forem carinhosamente cuidados ou

    energicamente exigidos - bem cedo

    se transformam em monlogos, onde

    apenas um dos interlocutores tem di-

    reito a palavra: um gnero, uma clas-

    se, uma raa, um pas. Os outros so

    reduzidos ao silncio, obedincia:

    so os Oprimidos. Esse o conceitoPaulo-Freiriano de opresso: o dilo-

    go que se transforma em monlogo.

    O Rei Afonso VI da Espanha teria

    dito certa vez: Se Deus tivesse pedido

    a minha opinio antes de criar o mun-

    do, eu teria aconselhado alguma coisa

    bem mais simples, descomplicada.

    Paulo Freire, de certa forma, descom-

    plicou o ensino. Embora Deus nada

    lhe tenha perguntado - isto, o que

    consta oficialmente, mas no ntimoestou convencido de que perguntou

    sim, porque eles conversavam muito! -

    Paulo criou alguma coisa mais simples,

    mais humana do que as complicadas

    formas autoritrias de ensino que

    obstaculizavam o aprendizado.

    Com Paulo Freire aprendemos a

    aprender. Com o seu Mtodo, alm

    de se aprender a ler e a escrever,

    aprende-se mais: aprende-se a conhe-

    cer e respeitar a alteridade, o outro, o

    diferente. Meu semelhante a mim se

    assemelha, mas no sou eu; a mim se

    assemelha: com ele me pareo. Dialo-

    gando aprendemos, ganhamos os dois,

    o professor e o aluno, pois que alunos

    somos todos, e professores tambm.

    Existo porque existem. Minha iden-

    tidade sou eu e so os outros. Para

    que se escreva em uma pgina branca

    necessrio um lpis negro; para

    que se escreva em um quadro negro

    necessrio que o giz tenha outra cor.

    Para que eu seja, preciso que sejam.

    Para que eu exista preciso quePaulo Freire exista. Esta homenagem

    nos mostra que, em cada um de ns,

    um pouco dele existe - existe e cresce.

    Onze anos atrs, em Omaha,

    Nebraska, nos Estados Unidos, l foi

    a primeira e nica vez em que eu e

    Paulo Freire nos encontramos lado a

    lado na mesma mesa, em um grande

    teatro local, respondendo s mesmas

    perguntas de mais de mil professores

    e especialistas que l estavam parti-cipando da Conferncia anual que

    desde 1993 se realiza naquele pas:

    Pedagogia e Teatro do Oprimido.

    Depois de duas horas de conversa,

    estava com a palavra Paulo Freire

    quando a desajeitada coordenadora

    da mesa anunciou, vacilante e buro-

    crtica, que o seu tempo estava esgo-

    tado. Paulo respondeu: O meu tem-

    po pode estar esgotado, mas o meu

    pensamento no: eu vou continuar.