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volume 26 REVISTA ACADÊMICA DE MÚSICA julho/dezembro - 20 12 ISSN: 1517-7599

Revista Permusi Num26 Full

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  • volume 26

    REVISTA ACADMICA DE MSICA

    julho/dezembro - 2012

    ISSN: 1517-7599

  • Editorial

    com grande prazer que anunciamos aos leitores e autores que a revista Per Musi, alm de ser o primeiro peridico brasileiro de msica a ser indexado na base SciELO, se tornou tambm o primeiro a obter o QUALIS A1, a mais alta clas-sificao da agncia de pesquisa CAPES. Informamos que, no site www.scielo.com.br, j esto disponveis os volumes 22, 23, 24, 25 e 26, enquanto que os nmeros anteriores sero gradualmente inseridos na sua base de dados. Lembramos tambm que todos os volumes da coleo de Per Musi, iniciada no ano 2000, esto disponveis gratuitamente para do-wnload ou impresso no site de Per Musi Online, no endereo www.musica.ufmg.br/permusi. As verses impressas de quase todos os nmeros da revista ainda podem ser adquiridas atravs do e-mail [email protected].

    Este volume 26 de Per Musi apresenta 16 artigos. Em meio s polmicas discusses sobre o neologismo performance no Brasil, Frank Michael Carlos Kuehn apresenta uma discusso pertinente, e h muito tempo devida, sobre o conceitos, sentidos e finalidades da performance (assim como dos termos reproduo musical e interpretao) e sua ampliao para alm de seus significados tradicionais.

    No seu estudo experimental com msicos e no msicos, Danilo Ramos e Jos Lino Oliveira Bueno avaliaram res-postas emocionais relacionadas alegria, tristeza, serenidade, medo e raiva em trechos musicais do repertrio erudito ocidental.

    Motivado pela falta de consenso entre os tericos brasileiros e estrangeiros, Antenor Ferreira Corra faz uma reviso panormica e ilustrada sobre o conceito de cadncia em msica, estendendo-o para o repertrio no tonal.

    Por meio da anlise do ritmo, dinmicas, intervalos e contornos meldicos em Syrinx, de Claude Debussy, e na primeira das Trs peas para clarinete solo, de Igor Stravinsky, Matheus Bitondi estuda os recursos tradicionais e inovadores referentes aos procedimentos geradores de direcionalidade nessas obras referenciais do sculo XX para instrumentos meldicos sem acompanhamento.

    Rogrio Costa relata experincias prticas e tericas de livre improvisao musical a partir de conceitos filosficos de Gilles Deleuze como estratificao, territrio, plano de consistncia, molaridade e molecularidade, corpo sem rgos, ritmo, meios e ritornelo.

    Flvio Santos Pereira analisa a obra para violo Portais e a Abside de Celso Loureiro Chaves e, a partir de evidncias deixadas pelo prprio compositor e relaes literrias e cinematogrficas, busca desvelar seu significado.

    Marcos Cmara de Castro reflete sobre a repercusso do livro de Tia Denora sobre o fenmeno do gnio criador de Beethoven e o surgimento do conceito de msica sria em oposio ao entretenimento, abordando conceitos como campo cultural, produo artstica e msica enquanto mercadoria.

    Rafael Alves Pinto Junior aborda o poema sinfnico Francesca da Rimini Op. 32 de Tchaikovsky, discutindo o desenvolvi-mento de sua narrativa musical, especialmente por meio da mmesis e a partir de sua fonte potica, a Divina Comdia de Dante Alighieri.

    Joo Fortunato Soares de Quadros Jnior e Mikely Pereira Brito buscam explicar as preferncias de ouvintes em relao aos nveis de expressividade na performance, evidenciados nos parmetros da dinmica, intensidade, tempo, aggica, articulao, altura e timbre.

  • Marcus Vincius Medeiros Pereira redescobre uma esquecida imortal da Academia Brasileira de Msica, a cantora, professora e folclorista Maria Sylvia Pinto, apresentando pela primeira vez seus traos biogrficos e trazendo luz sua importncia para a cano de cmara brasileira.

    Luciane Cuervo analisa Sonetos de Amor, obra relevante do repertrio contemporneo para flauta doce de Felipe Kirst Adami, inspirada em poemas de Pablo Neruda, discutindo o trip formado pelo contexto da obra, sua escrita idiomtica para os instrumentos envolvidos (flauta doce e piano) e a construo de sua interpretao.

    Tecendo consideraes sobre a aprendizagem da Performance Musical, Daniel Lemos Cerqueira, Ricieri Carlini Zorzal e Guilherme Augusto de vila apresentam um modelo para fundamentar a prtica de instrumentos e canto, baseando-se na Teoria da Aprendizagem Pianstica de Jos Alberto Kaplan e em recentes pesquisas da rea de Performance Musical.

    Silvia Sobreira discute a insero e aceitao do ensino de Msica na escola a partir da Lei 11.769/2008, avaliando os riscos de improdutividade na busca de procedimentos e metodologias adequados quando esta se torna uma disciplina escolar.

    A partir de avaliao fisioterpica durante a performance musical e recorrendo literatura sobre anatomia, biomecnica e cinesiologia, Carolina Valverde Alves estuda os padres fsicos na performance musical de estudantes de violino.

    Por sua vez, Clarissa Stefani Teixeira, Fausto Kothe, rico Felden Pereira e Eugenio Andrs Daz Merino estudam a postura corporal de violinistas e violistas, avaliando impactos da distncia, ngulos visual e cervical e posio da partitura musical.

    Daniel Vargas discute a complexidade rtmica do compositor Arthur Kampela no Estudo Percussivo II da srie Estudos Percussivos para violo, envolvendo pontos de vistas de outros compositores, como Brian Ferneyhough e Pierre Boulez.

    Fausto BormFundador e Editor Cientfico de Per Musi

  • PER MUSI: Revista Acadmica de Msica - n. 26, julho / dezembro, 2012 -Belo Horizonte: Escola de Msica da UFMG, 2012

    n.: il.; 29,7x21,5 cm.SemestralISSN: 1517-7599

    1. Msica Peridicos. 2. Msica Brasileira Peridicos. I. Escola de Msica da UFMG

    PER MUSI - Revista Acadmica de Msica (ISSN 1517-7599) um espao democrtico para a reflexo intelectual na rea de msica, onde a diversidade e o debate so bem-vindos. As ideias aqui expressas no refletem a opinio da Comisso Editorial ou do Conselho Consultivo. PER MUSI est indexada nas bases Scielo, RILM Abstracts of Music, Literature The Music Index e Bibliografia da Msica Brasileira da ABM (Academia Brasileira de Msica).

    ABM

    Fundador e Editor CientficoFausto Borm (UFMG, Belo Horizonte)

    Corpo Editorial InternacionalAaron Williamon (Royal College of Music, Londres, Inglaterra)Anthony Seeger (University of California, Los Angeles, EUA)Eric Clarke (Oxford University, Oxford, Inglaterra)Denise Pelusch (University of Colorado, Boulder, EUA)Florian Pertzborn (Instituto Politcnico do Porto, Porto, Portugal)Jean-Jacques Nattiez (Universit de Montreal, Montreal, Canad)Joo Pardal Barreiros (Universidade de Lisboa, Lisboa, Portugal)Jose Bowen (Southern Methodist University, Dallas, EUA)Lewis Nielson (Oberlin Conservatory, Oberlin, EUA)Lucy Green (University of London, Institute of Education, Londres, Inglaterra)Marc Leman (Ghent University, Ghent, Blgica)Melanie Plesch (University of Melbourne, Austrlia)Nicholas Cook (Royal Holloway, Eghan, Inglaterra)Silvina Mansilla (Universidad Catlica, Buenos Aires, Argentina)Xos Crisanto Gndara (Universidade da Corua, Corunha, Espanha)Thomas Garcia (Miami University, Miami, EUA)

    Corpo Editorial no BrasilAccio Tadeu de Camargo Piedade (UDESC, Florianpolis)Adriana Giarola Kayama (UNICAMP, Campinas)Andr Cavazotti (UFMG, Belo Horizonte)Andr Cardoso (UFRJ, Rio de Janeiro)ngelo Dias (UFG, Goinia)Arnon Svio (UEMG, Belo Horizonte)Beatriz Magalhes Castro (UNB, Braslia)Cntia Macedo Albrecht (UNICAMP, Campinas)Diana Santiago (UFBA, Salvador)Eduardo Augusto stergren (UNICAMP, Campinas)Fabiano Arajo (UFES, Vitria)Fernando Iazetta (USP, So Paulo)Flvio Apro (UNESP, So Paulo)Guilherme Menezes Lage (FUMEC, Belo Horizonte)Jos Augusto Mannis (UNICAMP, Campinas)Jos Vianey dos Santos (UFPB, Joo Pessoa)Lea Ligia Soares (EMBAP, Curitiba)Lincoln Andrade (UFMG, Belo Horizonte)Lucia Barrenechea (UNIRIO, Rio de Janeiro)Manoel Cmara Rasslan (UFMS, Campo Grande)Maurcio Alves Loureiro (UFMG, Belo Horizonte)Maurlio Nunes Vieira (UFMG, Belo Horizonte)Norton Dudeque (UFPR, Curitiba)Pablo Sotuyo (UFBA, Salvador)Patrcia Furst Santiago (UFMG, Belo Horizonte)Rafael dos Santos (UNICAMP, Campinas)Rosane Cardoso de Arajo (UFPR, Curitiba)Salomea Gandelman (UNIRIO, Rio de Janeiro)Snia Ray (UFG, Goinia)Vanda Freire (UFRJ, Rio de Janeiro)Vladimir Silva (UFPI, Teresina)

    O Corpo de Pareceristas de Per Musi e seus pareceres so sigilosos

    Reviso GeralFausto Borm (UFMG, Belo Horizonte)Maria Inz Lucas Machado (UFMG, Belo Horizonte)

    Assistente EditorialSandra Pugliese

    Universidade Federal de Minas GeraisReitor Cllio Campolina DinizVice-Reitora Rocksane de Carvalho NortonPr-Reitor de Ps-Graduao Ricardo Santiago GomezPr-Reitora Adj. de Ps-Graduao Andra Gazzinelli Correa de OliveiraPr-Reitor de Pesquisa Renato Lima dos Santos

    Escola de Msica da UFMGProf. Dr. Maurcio Freire Garcia, Diretor

    Programa de Ps-Graduao em Msica da UFMGCoord. Prof. Dr. Srgio FreireSub-Coord. Prof. Dr. Fernando RochaSec. Geralda Martins MoreiraSec. Alan Antunes Gomes

    Planejamento e ProduoMelissa Soares - Cedecom/UFMGGraziella Silva (estagiria) Cedecom/UFMG

    Projeto GrficoCapa e miolo: Srgio Lemos - Cedecom/UFMGDiagramao: Romero Morais - Cedecom/UFMGFoto da capa: Carolina ValverdeDesenho da contracapa: Clarissa S. Teixeira et al. (ver p.140)

    Tiragem150 exemplares

    Acesso gratuito na internet

    www.musica.ufmg.br/permusi

    Endereo para correspondnciaUFMG - Escola de Msica - Revista Per MusiAv. Antnio Carlos 6627 - Campus PampulhaBelo Horizonte, MG, Brasil - 31.270 - 090Fone: (31) 3409-4717 ou 3409-4747Fax: (31) 3409-4720e-mail: [email protected]@ufmg.br

  • Sumrio

    ARTIGOS CIENTFICOSInterpretao reproduo musical teoria da performance: reunindo-se os elementos para uma reformulao conceitual da(s) prtica(s) interpretativa(s) ....................... 7Interpretation musical reproduction theory of performance: bringing together the elements for a conceptual reform of the interpretative and the performance practice as a scholar discipline Frank Michael Carlos Kuehn

    A percepo de emoes em trechos de msica ocidental erudita ..................................................... 21The perception of emotions in excerpts of classical Western musicDanilo RamosJos Lino Oliveira Bueno

    Estendendo o conceito de cadncia para o repertrio ps-tonal ........................................................ 31Extending the concept of cadence to the post-tonal repertoireAntenor Ferreira Corra

    Direcionalidade em duas melodias do sculo XX: Syrinx, de Claude Debussy e a primeira das Trs peas para clarinete solo, de Igor Stravinsky ....................................................... 47Directionality in two melodies of the twentieth century: Syrinx, by Claude Debussy and the first of Three pieces for solo clarinet, by Igor StravinskyMatheus Bitondi

    A livre improvisao musical e a filosofia de Gilles Deleuze ................................................................ 60The free musical improvisation and the philosophy of Gilles DeleuzeRogrio Luiz Moraes Costa

    A significao em Portais e a Abside, de Celso Loureiro Chaves .......................................................... 67Significance in Portals and the Apse by Celso Loureiro ChavesFlvio Santos Pereira

    O Beethoven de DeNora: o contexto est no texto ................................................................................... 77DeNoras Beethoven: the context is in the textMarcos Cmara de Castro

    Tchaikovsky, leitor de Dante: lugar da angstia e imaginao narrativa em Francesca da Rimini op.32 (1876) .......................................................................................................... 86Tchaikovsky, reader of Dante: a place of anguish and imaginative narrative in Francesca da Rimini op.32 (1876)

    Rafael Alves Pinto Junior

    Consideraes sobre a aprendizagem da performance musical ............................................................ 94Considerations about music performance learningDaniel Lemos CerqueiraRicieri Carlini ZorzalGuilherme Augusto de vila

  • 6Avaliao de performances por ouvintes: um estudo com estudantes de licenciatura em msica da FAMES ................................................... 110Evaluation of performances for listeners: a study with undergraduate music students from FAMESJoo Fortunato Soares de Quadros Jnior Mikely Pereira Brito

    A disciplinarizao do ensino de Msica e as contingncias do meio escolar ............................. 121Shaping music in Brazilian curricula and the constraints of the schooling environmentSilvia Sobreira

    Padres fsicos inadequados na performance musical de estudantes de violino ........................ 128Inadequate physical patterns in musical performance of violin studentsCarolina Valverde Alves

    Avaliao da postura corporal de violinistas e violistas ...................................................................... 140Body postural evaluation of violinists and violists Clarissa Stefani Teixeira Fausto Kothe rico Felden Pereira Eugenio Andrs Daz Merino

    Maria Sylvia Pinto: dos traos biogrficos sua importncia para a cano de cmara brasileira ............................................................................................................. 151Maria Sylvia Pinto: biographical notes and her importance to Brazilian chamber songs Marcus Vincius Medeiros Pereira

    Sonetos de Amor de Adami, para flauta doce e piano: anlise e performance .......................... 159Sonnets of Love by Adami, for recorder and piano: analysis and performanceLuciane Cuervo

    A complexidade rtmica no Estudo Percussivo II de Arthur Kampela ............................................. 170The rhythmic complexity in Percussion Study II by Arthur KampelaDaniel Vargas

  • 7KUEHN, F. M. C. Interpretao reproduo musical teoria da performance... Per Musi, Belo Horizonte, n.26, 2012, p.7-20.

    Recebido em: 24/08/2011 - Aprovado em: 13/04/2012

    Interpretao reproduo musical teoria da performance: reunindo-se os elementos para uma reformulao conceitual da(s) prtica(s) interpretativa(s)

    Frank Michael Carlos Kuehn (UNIRIO, Rio de Janeiro, RJ)[email protected]

    Resumo: Notam-se nas cincias humanas enormes dificuldades na definio e no emprego dos conceitos que designam fenmenos culturais. Isso vale tambm para a rea da msica, onde costuma se notar certa confuso quando se passa para o entendimento do que designam os termos interpretao e performance. O presente ensaio quer responder a essa tarefa, urgente tanto do ponto de vista terico quanto cientfico. Como a anlise envolve a traduo e a transliterao de conceitos fundamentais de um idioma para outro, abordam-se primeiramente os critrios que norteiam a sua aplicao no contexto histrico da tradio musical clssico-romntica vienense. O objetivo central demonstrar como esses conceitos diferem em sentido e fim. O prximo passo consiste numa anlise criteriosa do conceito de reproduo musical. Por fim, prope-se o trinmio reproduo musical, interpretao e performance como arcabouo conceitual para o ensino e a pesquisa da(s) prtica(s) interpretativa(s). Ao mesmo tempo, o campo terico da disciplina aumenta em sua abrangncia migrando de uma noo embasada quase que unicamente na interpretao para a de um processo artstico multiforme de grande potencial produtivo e transformador que inclui tambm os elementos extramusicais da reproduo.

    Palavras-chave: prtica(s) interpretativa(s); teoria da interpretao; teoria da performance; tradio musical vienense; reformulao conceitual da(s) prtica(s) interpretativa(s).

    Interpretation musical reproduction theory of performance: bringing together the elements for a conceptual reform of the interpretative and the performance practice as a scholar discipline

    Abstract: Great difficulties are noted in human sciences regarding the definition and use of the concepts designating cultural phenomena. This also stands good for the musical area, in which not often arise certain confusion when one moves to the understanding of what the terms interpretation and performance designate. The present essay aims to answer to this task, urgent both from the theoretical and from the scientific viewpoints. As the analysis involves the translation and transliteration of fundamental concepts from one idiom to another, we first approach the criteria guiding their application within the historical context of the classical-romantic Viennese musical tradition. The main objective is to demonstrate how these concepts differ in sense and end. The next step consists in a careful analysis of the concept of musical reproduction. Finally, the trinomial reproduction, interpretation and musical performance is proposed as a conceptual basis for teaching and research of the musical interpretative practice. At the same time, the theoretical field of the discipline increases in its scope, migrating from a basically interpretative concept to that of a multiform artistic process with great productive and transformational potential that also includes the extramusical elements of reproduction.

    Keywords: interpretative/performance practice; theory of musical interpretation and of performance; Viennese musical tradition; conceptual reform of interpretative and performance practice.

    PER MUSI Revista Acadmica de Msica n.26, 180 p., jul. - dez., 2012

  • 8KUEHN, F. M. C. Interpretao reproduo musical teoria da performance... Per Musi, Belo Horizonte, n.26, 2012, p.7-20.

    1 Apresentao do problema patente observar que a dimenso performativa da atividade artstica est cada vez mais no centro das atenes, tendo conquistado tambm no meio musical cada vez mais espao. No raramente, porm, tem-se a impresso de que o termo performance poderia estar sendo empregado no lugar de interpretao, o qual, por sua vez, um termo tradicionalmente vinculado academia, em particular disciplina das prticas interpretativas, mas tambm teoria e filosofia da msica (hermenutica musical). Diferenciemos, portanto, de antemo, entre o termo prticas interpretativas, no plural, e prtica interpretativa, no singular. O primeiro designa a disciplina acadmica do mesmo nome, enquanto o segundo se refere prtica propriamente instrumental, tendo como base um texto musical ou partitura.

    Sendo assim, lembro-me de ter acompanhado, h alguns anos, uma discusso sobre a questo de qual seria o termo mais adequado para designar a respectiva especializao na rea da msica. O episdio foi provocado por uma exigncia da CAPES para que a terminologia tcnico-cientfica de reas e subreas empregada formalmente fosse atualizada. Discutiram-se, na poca, opes mais na base do ou...ou, isto , no princpio da excluso, do que no e, de incluso. Finalmente, optou-se por manter o termo prticas interpretativas, o que fez surgir a pergunta sobre o que fez a academia2 recuar da tentativa de se incluir a performance como especialidade da rea. Tambm no me lembro de nenhuma declarao dada que inclusse uma definio conceitual ou justificativa das razes do porqu da determinao. Da pode se concluir que muito provavelmente se subestimaram as consequncias que tal deciso traria para a rea da msica, pois a conceituao tcnico-formal se reflete tambm nos resultados das avaliaes peridicas. De qualquer forma, o episdio mostra que a prpria articulao da disciplina com vistas ao seu fortalecimento junto ao meio acadmico e s agncias de fomento continua a representar um desafio. Por outro lado, preciso ponderar que a mera incluso de uma nova subrea ou especializao seria incua sem que se tenha uma clara definio e delimitao conceitual da mesma.

    Pois bem, ora usados como sinnimos, ora apresentados em sentido trocado, ainda habitual se notar certa confuso no emprego dos termos interpretao e performance. Se a falta de rigor talvez possa ser admitida no senso comum, em termos de uma teoria da interpretao ou da performance, ela se revela como fatal, pois para qualquer investigao que se pretende cientfica indispensvel que se definam, de maneira clara, os conceitos com base nos quais ela edificada. Tal entendimento tambm imprescindvel quando desejamos desenvolver estudos sobre um determinado problema, como o nosso caso.

    Urge, portanto, elaborar um fundamento conceitual mais slido para a(s) prtica(s) interpretativa(s). Tambm preciso esclarecer uma srie de incongruncias que o emprego confuso dos termos interpretao e performance trouxe para a rea. Creio, inclusive, que no seja exagero afirmar que a falta de uma fundamentao substantiva tenha sido um obstculo no desenvolvimento de modelos tericos mais consistentes para a disciplina.

    Por outro lado, existe tambm uma produo cientfica significativa que reflete o estado avanado das performance studies no Brasil. Nesses termos, devo agradecimentos produo de AMATO (2006), APRO (2006), BORM (2005, 2006), CHUEKE (2005), GANDELMAN (1996, 2001), GERLING/GUSMO (2005), LIMA (2005, 2006), RAY (2005) e ZANON (2006), entre outros. Sua leitura fundamental e se recomenda tanto para introduzir quanto para complementar o assunto em pauta.

    Uma anlise de diferentes momentos da histria mostra como o dilogo entre a criao musical (o compositor), a execuo (o intrprete) e a produo intelectual ou filosfica pode ser fecundo. Um perodo extraordinrio , sem dvida, o que se inicia, no sculo XIX, com Beethoven (1770-1828) na cidade de Viena e que se estende at os anos trinta do sculo XX, aproximadamente. Sabemos tambm que a prtica de Schnberg ainda se apoiava no trip teoria, composio e execuo, esferas que se estimularam e se alimentaram mutuamente. Pensando-se no Brasil, a Semana Moderna de 1922 revelou o compositor Heitor Villa-Lobos (1887-1959), entre muitos outros artistas, antes desconhecidos. Ao instituir o conceito de antropofagia, a Semana Moderna de 1922 revolucionou o cenrio artstico e intelectual brasileiro, que nunca mais foi o mesmo. Tambm o movimento Msica Viva, liderado por Hans-Joachim Koellreutter (1915-2005) nos anos 1940, deixou as suas marcas muito alm do crculo onde o movimento tinha se iniciado.3

    Mas o que ser que esses eventos histricos, to distantes em tempo e espao, tm em comum? Embora bastante agitado e no raramente conturbado, o dilogo entre artistas compositores, tericos, crticos e filsofos sempre deixou grandes impactos na produo e no desenvolvimento da msica, fazendo com que seus desdobramentos se projetassem para alm do seu tempo e lugar. Nos exemplos histricos citados, o exerccio da reproduo estava sempre vinculado ao da composio e ao da teoria musical. Alm disso, o compositor tambm era o intrprete de sua prpria obra (e vice-versa). Hoje, contudo, esse modelo est atrofiado porque reduzido quase que exclusivamente reproduo ad infinitum de um repertrio historicamente definido e delimitado.

    Todo o domnio da imaginao e da histria, do passado e do futuro aguardam por seu gesto.

    Friedrich SCHILLER [1759-1805] (2009, p.10)1

  • 9KUEHN, F. M. C. Interpretao reproduo musical teoria da performance... Per Musi, Belo Horizonte, n.26, 2012, p.7-20.

    Com efeito, uma reviso da disciplina das prticas interpretativas se torna mesmo inevitvel. Por negligenciar que a prtica interpretativa constitui uma atividade essencialmente performativa, a nfase do seu ensino est centrada num modelo exaurido que parece preferir formar meros reprodutores a msicos-intrpretes completos (pede-se desconsiderar as excees!). Depois de todos os avanos da pesquisa musicolgica, no faz sentido revisitar a msica histrica como quem simplesmente vai ao museu. necessrio recri-la atravs de interpretaes vivas que a tragam para a contemporaneidade. no momento da sua reproduo que a composio passa por um processo de atualizao, cujo alcance ultrapassa em muito a noo de interpretao. Da tambm a necessidade de se designar e delimitar com mais rigor os elementos do processo performativo da transformao de imagem em som. Embora, durante muito tempo, esse aspecto tenha estado relegado pela pesquisa musicolgica, notrio que a prtica performativa do concertista e do regente demanda, alm de conhecimento musical, tambm entendimento acerca da sua representao mmica e gestual no palco.

    Uma vez que a universidade no forma para a performance, acredito ser desejvel que disciplinas de contedo performativo tambm sejam oferecidas no mbito do ensino das prticas interpretativas. Apesar dos esforos, o campo da performance musical ainda carece de fundamento terico e conceitual e representa um aspecto que, na prtica, costuma depender muito mais da intuio e do improviso do que propriamente da aquisio de conhecimento em cursos formais. Tais disciplinas compreenderiam os fundamentos de diferentes linguagens artsticas, como: expresso corporal, gestualidade musical, mmica, articulao vocal e, pontualmente, tambm elementos da produo cnica e visual. Logo, tambm iniciativas que promovam o intercmbio entre compositores, msicos e intrpretes que atuam no mercado teriam um efeito extraordinariamente benfico sobre a produo de conhecimento. Ainda que a universidade estivesse, desde o incio, destinada para esse fim, bom lembrar que no deve existir nenhum monoplio na gerao de conhecimento.

    Uma forma de se recuperar o elo perdido entre a produo prtica e a terica da msica seria promover, de forma gradual, a integrao de diferentes disciplinas de contedo terico e de contedo prtico. Em nosso caso, recomenda-se a integrao de disciplinas tericas da musicologia histrica e sistemtica com as disciplinas de criao musical, como composio, harmonia, prtica instrumental livre e execuo instrumental (prticas interpretativas). Quanto aos benefcios concretos que tal medida poderia proporcionar, cito Aquino, o qual, em 2003, j tinha salientado que:

    A integrao entre composio e performance [leia-se prticas interpretativas] abre oportunidade para o intrprete no apenas estar em contato com novas linguagens, estilos composicionais

    e tcnicas de notao musical, como tambm permite o desenvolvimento de aspectos tcnico-instrumentais especficos para a interpretao deste repertrio. Da mesma forma, vrios conceitos desenvolvidos por musiclogos transformam-se em ferramentas fundamentais para as decises interpretativas. Atravs da plena interao entre as subreas de msica poderemos formar intrpretes com melhor embasamento terico, alm de tericos preocupados em oferecer solues prticas para as mais diversas questes interpretativas (AQUINO, 2003, p.107).

    Em adio s observaes de Aquino, acredito tambm que uma formao musical slida e abrangente se manifesta tanto na articulao de ideias quanto na produo propriamente musical (performance). Essa viso embora de grande valia quando se almeja a excelncia e a inovao em ensino e pesquisa no representa absolutamente uma posio unnime e encontra ainda resistncias. De qualquer forma, para se promover efetivamente uma mudana de paradigma nesse campo, seria necessrio que a academia se desapegasse do seu esprito hermtico e excessivamente conservador.

    Por tudo isso, enseja-se que as reflexes e proposies elaboradas contribuam para o debate e que representem um passo na direo certa. Tendo como objeto de investigao o uso de conceitos fundamentais da prpria prtica da disciplina, o presente ensaio representa sobretudo uma auto-reflexo.

    Uma vez que a investigao envolve a traduo e a transliterao de conceitos fundamentais de um idioma para outro, abordam-se primeiro os critrios que nortearam a sua aplicao no contexto histrico e cultural da tradio musical clssico-romntica vienense. O objetivo central demonstrar como os conceitos interpretao e performance designam processos distintos e como diferem em sentido e fim. A meta chegar a uma distino conceitual bem clara e rigorosa. Nessa tarefa, principalmente o termo performance exigiu uma anlise mais aprofundada. Tendo passado, nas ltimas dcadas, por uma espcie de dinmica prpria, foi necessrio dissociar o seu emprego no Brasil daquele em pases de lngua inglesa.

    O passo seguinte consiste numa anlise criteriosa do conceito de reproduo musical, empregado por Heinrich Schenker, Arnold Schnberg, Walter Benjamin e Theodor Adorno. Depois tambm se avalia uma eventual extenso da validade do(s) conceito(s) a outro(s) contexto(s) que no da msica de concerto, desde que as circunstncias configurem de fato uma situao de reproduo, de interpretao ou de performance musical.

    Por fim, os conceitos reproduo, interpretao e performance musical sero reunidos para constituir um fundamento distinto e, ao mesmo tempo, mais abrangente da(s) prtica(s) interpretativa(s).

    Para se delimitar a investigao, formulamos ainda trs pressupostos de grande alcance: 1) que, em nosso contexto, o termo reproduo no se refere a nenhuma reproduo

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    KUEHN, F. M. C. Interpretao reproduo musical teoria da performance... Per Musi, Belo Horizonte, n.26, 2012, p.7-20.

    mecnica; 2) para que se fale de interpretao, reproduo ou de performance admitimos a existncia de um texto ou partitura que permita que uma composio possa ser reproduzida musicalmente; 3) distinguimos, portanto, duas grandes categorias de msica: a de tradio escrita e a de tradio oral.

    2 Interpretare e interpretaoComecemos a investigao com o termo mais antigo. Interpretao designa, em msica, a leitura singular de uma composio com base em seu registro que, representado por um conjunto de sinais grficos, forma a imagem de texto ou partitura. Ao decodificar os sinais grficos do texto, o msico transforma ideias de maneira mais fiel em som, interpretando-as. Desse modo, interpretar est intimamente ligado compreenso prvia da obra pelo msico-intrprete. Segundo DOURADO (2004, p.169), a etimologia do termo interpretao remonta Antiguidade greco-romana. Presume-se que o verbo latino interpretare tenha a sua origem na expresso inter petras, que significa algo como entre-pedras.

    Considerando-se a partitura musical uma espcie de roteiro ou mapa para se chegar, por assim dizer, ao tesouro ou verdade da obra, a interpretao corresponde tarefa de trazer luz no apenas o que est escrito, mas tambm (ou principalmente) o que est entre as indicaes grafadas na partitura. Heinrich SCHENKER (2000, p.5) chama ateno para esse detalhe, pois o mero fato de que a nossa notao dificilmente represente mais do que neumas deve fazer com que o intrprete procure o sentido por trs dos smbolos.4

    Antes que a msica interpretada possa ser compreendida pelo pblico, mister que o concertista, o instrumentista, o vocalista ou o regente se aproxime do pensamento musical de seu compositor (KAPP, 2002, p.458). Saber interpretar, por conseguinte, implica, no contexto da msica de concerto, uma espcie de musicologia aplicada, na qual o acesso essncia ou verdade no espontneo ou acontece via intuio direta e sim por meio de uma postura refletida e ponderada, estando sempre acompanhada por conhecimento tanto terico quanto emprico (GRASSL; KAPP, p.xix). Em suma, a prtica interpretativa uma atividade transformadora que exige do msico-intrprete alm de dedicao e responsabilidade tambm mxima compreenso e saber especfico.

    Diante da carncia de material terico e para oferecer subsdio tcnico aos intrpretes, Richard Wagner (1813-1883), Heinrich Schenker (1868-1935), Arnold Schnberg (1874-1951), Rudolf Kolisch (1896-1978), Frederick Dorian (1902-1991) e, finalmente, tambm Theodor Adorno (1903-1969) desenvolveram diversas teorias. Dessas teorias, particularmente a de Adorno revela uma face ainda pouco conhecida desse autor, que parece estar no fim de um ciclo extraordinariamente fecundo e produtivo da tradio esttico-filosfica de lngua alem.

    3 Os termos Vortrag, Auffhrung e reproduo musicalEm sua grande maioria, os autores pesquisados empregaram os composita germnicos Vortragslehre (de Lehre, ensinamento, teoria + Vortrag, apresentao, exposio, discurso, palestra), Auffhrungslehre ou Lehre der musikalischen Auffhrung (evento artstico, apresentao de uma obra de arte cnica ou musical no palco), Ausfhrung (execuo), assim como Wiedergabe e/ou Reproduktion (reproduo, sendo o primeiro o correspondente germnico do segundo, de raiz latina).

    Enquanto a aplicao do termo Vortrag ao campo da msica representa uma ampliao do seu domnio original (antes restrito apresentao de discursos ou palestras), o termo Auffhrung abrange praticamente todo tipo de representao artstica ao vivo no palco. Por conseguinte, os termos Vortragslehre e Auffhrungslehre circunscrevem, em msica, o campo do saber que se ocupa sistematicamente dos processos que envolvem a transformao do texto em som e suas tcnicas. Tal campo consiste, de um lado, na elaborao terica, voltada para a anlise formal e a composio e, de outro, na aplicao prtica que enfoca a execuo de uma determinada obra musical (GRASSL; KAPP, 2002, p.ix).

    Richard Wagner, por exemplo, emprega os termos Vortrag e Auffhrung da seguinte forma: Vortrag, quando afirma que, desde Beethoven, ocorreram mudanas substanciais a respeito do entendimento e da apresentao musical (ao se referir ao modo de apresentao de uma determinada orquestra, Wagner ocasionalmente tambm usa o termo Orchestervortrag), e Auffhrung, ao se referir a uma performance pblica da Abertura de Egmont (WAGNER, 1953, p.78, 97 e 110), qual tinha assistido.5 O contexto das citaes exemplifica bem a aplicao distinta dos termos: com Vortrag, Wagner se refere prtica interpretativa e s mudanas que, desde Beethoven, ocorreram no modo da execuo musical, enquanto, com Auffhrung, ele se refere ao concerto como evento social, muito prximo ao que hoje se entende nos pases de lngua inglesa por performance.

    Tambm Schenker e Schnberg usaram originalmente o termo Vortrag para se referir apresentao musical no palco. Em consequncia das circunstncias histricas e da ao direta de seus discpulos, a recepo da obra de Schenker se deu notadamente nos EUA, onde contribuiu para o desenvolvimento da teoria musical.6 Esse fato tambm explica por que a primeira publicao indita da obra de Schenker aps a sua morte ocorreu em ingls e no em alemo. Concebida por Schenker em 1911, foi publicada apenas em 2000, sob o ttulo The art of performance [A arte da performance]. Schenker, no entanto, originalmente havia previsto o ttulo: Die Kunst des Vortrags [A arte da exposio musical]. Reconhecido, sobretudo, por suas anlises de obras-primas do repertrio da tradio musical clssico-romntica, essa talvez seja a sua obra

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    menos conhecida. Originalmente, Schenker tinha a inteno de dedicar A arte da performance ao msico-intrprete, em especial ao pianista, que considerava mais suscetvel do que os demais instrumentistas de incorrer em uma interpretao equivocada. Schenker pretendia remediar a precariedade da situao de outrora com regras gerais e orientaes tcnicas acerca da interpretao. Infelizmente, Die Kunst des Vortrags permaneceu um projeto inacabado, porque o seu autor preferiu se dedicar a outros ttulos da sua considervel produo terica.

    Tudo indica que o emprego do termo reproduo (Reproduktion, Wiedergabe) aplicado msica tenha ocorrido pela primeira vez com Schenker. Ao criticar o papel que a reproduo musical ocupava no meio musical, em flagrante contraste com as verdadeiras origens, SCHENKER (2000, p.4) reivindicou uma reproduo verdadeira.7 Isso, no entanto, uma hiptese que se apoia na suposio alis, muito provvel de que Schenker tenha recorrido ao termo de raiz latina Reproduktion, o que apenas pode ser verificado com segurana em uma anlise do manuscrito original. De qualquer forma, nos Estados Unidos, os termos germnicos Vortrag e Auffhrung j aparecem traduzidos como performance.

    Nota-se que, assim como Schenker, tambm Schnberg se queixou dos exageros cometidos por intrpretes de seu tempo: Deve-se ter na devida conta que [...] muitos artistas exageraram ao exibir com toda a intensidade as emoes que eram capazes de sentir [] artistas que se acreditavam mais importantes do que a obra ou, pelo menos, do que o compositor (SCHNBERG, 1984, p.321).8 Talvez seja por essa razo que Schnberg parece querer evitar (a todo custo?) os termos intrprete e interpretao. Em seu lugar, prefere recorrer ao termo Ausfhrender, que se poderia traduzir como executante ou executor, e, correlativamente, tambm a Ausfhrung, isto , execuo. Explica-se: para Schnberg, um bom executor ou bom executante deve servir obra, e no o contrrio. Assertou ainda o compositor: Um executante inteligente, que seja realmente um servidor da obra, algum cuja agilidade mental seja equivalente de um pensador da msica tal pessoa proceder como Mozart, Schubert ou outros (SCHNBERG, 1989, p.116).9

    Sabe-se que, mesmo no exlio, Schnberg redigia seus ensaios em lngua materna, para estes depois serem traduzidos para o ingls. Desse modo, os termos musikalischer Vortrag e Auffhrung aparecem tambm em Schnberg traduzidos como performance. , no entanto, curioso notar que tambm Schnberg recorreu ao termo reproduo musical. Num dos ensaios em que disserta sobre a prtica interpretativa, o termo aparece logo na abertura: O princpio mais elevado de toda a reproduo musical est naquilo que o compositor escreveu [devendo ser tocado] de tal forma que cada nota possa ser escutada nitidamente

    (SCHNBERG, 1984, p.319).10 O manuscrito, de pouco mais de uma pgina apenas, datado de 1923 or 1924. Intitulado For a treatise on performance [Para um tratado sobre a performance], seguem-se a ele diversos outros ensaios nos quais o vienense aparentemente quis esboar as diretrizes do seu projeto de elaborar uma teoria de execuo musical. Com exceo de um nico ensaio, todos so do perodo anterior poca em que ele se afastou de Viena, tendo a sua publicao ocorrido apenas postumamente (SCHNBERG, 1984, p.319-362).11 Com efeito, de certa forma intriga que tambm Schnberg no tenha concludo o seu projeto de elaborar uma teoria da execuo musical.

    Recorrente desde o sculo XVIII at a virada para o sculo XX, aproximadamente, o termo Vortrag aplicado apresentao musical caiu em desuso nas dcadas seguintes. Rudolf Kolisch, cunhado de Schnberg e de uma gerao mais jovem que a deste, preferiu usar, em seus trabalhos tericos, os termos Auffhrung e Auffhrungslehre (embora tenha recorrido, ocasionalmente, tambm ao termo Vortrag). A partir do exlio de Kolisch, tambm nos Estados Unidos, o termo Auffhrungslehre passou a ser traduzido por theory of performance (teoria da performance). Do projeto original da teoria da performance no concluda foram publicados at agora apenas alguns poucos ensaios e uma entrevista (vide KOLISCH, 1983).

    Ao publicar um estudo historiogrfico sobre a prtica interpretativa, tambm o vienense Frederick Dorian pianista, musiclogo e membro do crculo de Schnberg contribuiu para o tema.12 Sua obra, intitulada The history of music in performance [A histria da performance musical] e publicada em 1942, disponibiliza uma grande quantidade de informaes sobre a histria da prtica interpretativa desde o Renascimento italiano at o sculo XX. Desse modo, serviu tambm de referncia para Adorno, para quem o livro de Dorian representou uma valiosa fonte em suas pesquisas acerca do assunto (ADORNO, 2005, p.333, nota 20).

    Como podemos notar, a adaptao dos termos germnicos Vortragslehre e Auffhrungslehre para teoria da performance levou a uma ampliao considervel do conceito original, passando agora a estender-se apresentao, execuo, realizao, ao funcionamento e s condies internas e externas da representao artstica como um todo (KAPP, 2002, p.458).

    Os crticos desta concepo, entretanto, costumam argumentar que o elemento performativo tem servido, com seu apndice mediato e miditico moderno, mais para o prprio intrprete dar-se a conhecer e promover suas habilidades de virtuoso do que para reproduzir uma determinada obra com fidelidade. Esse ponto, alis, j expe a primeira ciso entre uma concepo predominantemente interpretativa, e outra, performativa da reproduo musical.

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    4 O conceito de reproduo musical de Walter Benjamin e de Theodor AdornoNa segunda metade do sculo XIX e nas primeiras dcadas do sculo XX, o desenvolvimento da maquinaria industrial e o aumento da capacidade de reprodutibilidade tcnica foram vertiginosos, constituindo um assunto controverso que ocupava o centro de debates acalorados, todavia no campo das cincias humanas. Para citar apenas dois exemplos distintos: Sigmund Freud (1856-1939) se referiu, nos primrdios da teoria psicanaltica, no Entwurf einer Psychologie (Projeto de uma psicologia, 1895), texto em que se acha boa parte das ideias posteriormente desenvolvidas por ele, a uma psicologia more apparatu (psychischer Apparat), isto , ideia de uma psique que funciona como uma aparelhagem neuronal (FREUD, 1987, p.375-477, em particular 398, 400, e 405-407). Tambm o conhecido (e ainda atualssimo) ensaio de Walter Benjamin (1892-1940), publicado em 1936 e intitulado A obra de arte na era da sua reprodutibilidade tcnica (Das Kunstwerk im Zeitalter seiner technischen Reproduzierbarkeit) deve ser compreendido nessas circunstncias histricas.

    Com o aperfeioamento das tecnologias em diferentes suportes de gravao, no apenas a composio como tambm a interpretao se tornaram reprodutveis, podendo, destarte, passar a constituir um novo objeto da investigao musicolgica. Por conseguinte, a possibilidade concreta de comparar diferentes intrpretes em categorias como individualidade artstica, fidelidade histrica e expressividade musical em udio e vdeo teve um impacto enorme em praticamente todas as esferas sociais e permitiu que o status de obra de arte se estendesse tambm reproduo mecnica de uma composio. Em suma, o estudo da prtica interpretativa como categoria de anlise tcnica e da historiografia da msica configura uma descoberta do sculo XX e se revela de mais alta importncia para a pesquisa musicologia (GRASSL; KAPP, 2002, p.xvii, xviii, xx).

    Por razes que envolvem circunstncias histricas, a influncia do amigo Walter Benjamin13 e fatores de ordem conceitual, Theodor Adorno preferiu adotar, em sua teoria, o termo reproduo musical. Empregado por Adorno num grande nmero de fragmentos e manuscritos redigidos, aproximadamente, entre 1925 a 1965, o termo reproduo musical pode ser definido, de forma elementar, como a realizao sonora de uma obra musical com base em sua partitura, a qual, por sua vez, representa algo como a imagem do som. Oriundos do esplio do autor, esses manuscritos foram editados na Alemanha sob o ttulo Zu einer Theorie der musikalischen Reproduktion [Para uma teoria da reproduo musical] (ADORNO, 2005 [2001]).14

    O primeiro registro do emprego do termo teoria da reproduo musical por Adorno data de 1925, quando seu autor tinha apenas 23 anos de idade. Com efeito, o

    pargrafo inicial de um de seus primeiros artigos para o peridico musical vienense Pult und Taktstock [Plpito e batuta], intitulado Zum Problem der Reproduktion [Acerca do problema da reproduo] (ADORNO, 2003, v.19, p.440-444), termina da seguinte forma:

    De que maneira pode a leitura de uma obra revelar o grau de liberdade que ela proporciona para o intrprete que a executa isto me parece a tarefa central de uma teoria da reproduo, a qual, entretanto, como teoria, no poderia penetrar o que se funde indissoluvelmente em sua configurao e que, em sua plenitude, envolve o imitador como homem inteiro (ADORNO, 2003, v.19, p.441).15

    Dadas a adoo definitiva do termo e a necessidade de uma elaborao terica sobre o assunto, nas palavras condensadas que acabamos de ler j despontam algumas das premissas com base nas quais Adorno definir a sua teoria nas dcadas seguintes: 1) que a leitura de uma obra musical uma interpretao; 2) que a interpretao implica certa liberdade, cujos limites de autonomia ainda precisam ser definidos; 3) que o conceito de reproduo musical envolve, de maneira indissocivel, o intrprete, a obra e sua interpretao; 4) que o executante de uma obra musical , alm de intrprete, um imitador (Nachbildner);16 5) que a reproduo musical proporciona plenitude; e 6) que a reproduo musical envolve tambm aspectos de integralidade humana, ou seja, questes de ordem tica, poltica e social. Tudo isso vale ser reiterado como teoria no poderia penetrar o que se funde indissoluvelmente em sua forma.

    , contudo, importante distinguir, de forma inequvoca, o conceito de reproduo musical de Adorno do conceito de reprodutibilidade tcnica de Benjamin, que denota as diferentes tcnicas para reproduzir cpias de uma obra de arte a partir de um original, molde ou modelo em suportes mecnico-industriais. J o conceito adorniano designa a reproduo in loco de uma obra musical, embasada no seu registro em forma de texto ou partitura. Benjamin escreveu, em seu ensaio: mais perfeita reproduo falta sempre algo: o hic et nunc da obra de arte, a unidade de sua presena no prprio local onde se encontra. a esta presena, nica, portanto, e s a ela, que se acha vinculada toda a sua histria (BENJAMIN, 1980, p.7, na traduo de J. L. Grnewald). , portanto, justamente esse elemento como disse Benjamin, indispensvel a toda obra de arte que se encontra incorporado no conceito adorniano de reproduo musical. Diferentemente da denotao mecnica que o termo adquiriu com o aperfeioamento tecnolgico dos suportes industriais e dos meios de comunicao de massa, o conceito adorniano acolhe exatamente o elemento hic et nunc em que uma composio reproduzida pelo msico-intrprete. Por conseguinte, tratando-se da leitura personalizada de um texto, o conceito de reproduo musical abarca tambm a interpretao. Tendo etimologicamente a mesma raiz, tem a grande vantagem de denotar, nos idiomas portugus, alemo (Reproduktion) e ingls (reproduction), um significado muito semelhante.

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    5 Do ato performativo da filosofia da linguagem de Austin para a guinada performativa no campo da msicaO campo de pesquisa interdisciplinar conhecido como performance studies constitui atualmente um ramo de conhecimento que se materializou em nmero considervel de pesquisas e de publicaes, seja na forma de novas abordagens da histria, seja em reedies ou lanamentos de obras que tratam do assunto. Uma prova disso a traduo inglesa da Teoria da Reproduo Musical [Towards a theory of musical reproduction], de Theodor ADORNO (UK, 2006), disponibilizada em tempo recorde se comparado com os noventa anos que o compndio de Schenker levou para ser traduzido e publicado. A traduo possibilitou tambm que a Teoria da Reproduo Musical fosse debatido em mbito internacional. Assim est com a conferncia intitulada Formulate with the greatest care: Adorno and performance (Formulado com o mximo de cuidado: Adorno e a performance), patrocinada pelo Northern Royal College of Music, Manchester, UK, em 2008.17 Os outros trabalhos de cunho terico dos autores nomeados na primeira seo, contudo, receberam at hoje pouca ateno o que, a rigor, constitui uma contradio quando comparado com o grau da disseminao internacional do repertrio da tradio musical vienense e da reputao de seus autores. Da penso que o colquio internacional, intitulado A teoria da performance na Escola de Viena [Auffhrungslehre der Wiener Schule] e realizado, em 1995, na cidade de Viena, represente algo como o marco fundamental dos estudos musicolgicos sobre o assunto. Tambm a publicao da coletnea de ensaios e pesquisas, organizada por Rink (2006 [2002]), representa um marco para os performance studies. Intitulada Musical performance, os autores dissertam sobre um determinado problema ou categoria especfica da rea, ao mesmo tempo em que buscam consolid-los em termos conceituais e metodolgicos (cf. CLARKE, 2006; DAVIDSON, 2006; DUNSBY, 2006; REID, 2006).

    Enquanto a definio dos termos reproduo e interpretao no apresentou maiores dificuldades, a noo de performance tem resistido a uma definio satisfatria na rea da msica. Foi na segunda metade do sculo XX que esse termo comeou a disseminar-se maciamente no campo musical qui tambm em decorrncia da emigrao numerosa de compositores, intrpretes e intelectuais de lngua alem para os Estados Unidos.18 Paralelamente, a conotao do termo performance ampliou seu campo de abrangncia, propagando-se em diferentes reas do saber, da filosofia ao esporte. Por tudo isso, o termo requer ainda mais esclarecimentos acerca da funo e do significado dentro e fora do mbito estritamente musical.

    Enquanto, no esporte, o significado do termo performance pode ser sintetizado na ideia de eficincia que maximiza rendimento e desempenho fsicos do atleta, na filosofia os estudos de performance remontam ao britnico John

    Langshaw Austin (1911-1960), o qual, como filsofo da linguagem, elaborou uma teoria dos atos de fala (speech-act theory), em que aproxima elementos da lingustica e da filosofia da linguagem. Tambm chamada de linguistic turn ou virada lingustica, Austin parte da ideia de que ns no apenas procuramos reproduzir, por meio da linguagem ou discurso, o mundo ao nosso redor, mas tambm de que a prpria linguagem capaz de criar, por intermdio de determinadas enunciaes, fatos novos que, de alguma forma, incidem sobre a realidade do nosso mundo social (assim, por exemplo, ocorre numa cerimnia de casamento, quando o casal declarado marido e mulher). As palavras enunciadas, portanto, no so necessariamente uma mera consequncia do mundo que nos cerca. Tambm possvel o mundo social constituir-se de acordo com os nossos enunciados. por meio dessa hiptese que surge para Austin a questo central sobre a qual versam suas investigaes: o que exatamente acontece no momento ato performativo da fala (speech-act)? O postulado de Austin e aqui se verifica semelhana surpreendente com a concepo da msica como linguagem que a linguagem se fundamenta em si mesma. As questes colocadas por Austin, todas de suma importncia, foram posteriormente retomadas pela filosofia contempornea (Habermas, Searle, Derrida), pela lingustica (Chomsky), pela teoria da comunicao (Moles), assim como por diversas outras reas, entre as quais as cincias sociais e polticas, as artes cnicas, a msica e a literatura (AUSTIN, 1975; HETZEL, 2004, p.132-133; FISCHER-LICHTE, 2004, p.22-30).

    Embora tenha se referido originalmente ao contexto lingustico e filosfico das circunstncias de fala, o ato performativo de Austin compartilha com a prtica interpretativa da msica uma srie de afinidades e similitudes. Uma seria que haveria uma espcie de atrao entre elas, a qual teria possibilitada que tal guinada ou despertar performativo pudesse ocorrer tambm no campo da msica. Para se chegar a um denominador em comum, tentemos agora chegar ao princpio ativo do processo performativo. Faremos isso por meio da seguinte equao conceitual:

    a t o + a o = a t u a o.

    O resultado nos remete a outro elemento chave da performance artstica: representao cnica e atuao, ou seja, ao ator, ao mmico e sua mmica. Desvelamos, por assim dizer, a extraordinria amplitude do significado que a relao (simbitica) do elemento mimtico-gestual engendra na arte da msica. Para evoc-lo, recordemos a sentena do dramaturgo e esteta Friedrich Schiller, posta no incio deste trabalho: Todo o domnio da imaginao e da histria, do passado e do futuro aguardam por seu gesto s que agora em correspondncia com um enunciado de Theodor ADORNO, em cuja Teoria da Reproduo Musical (2005) o elemento mimtico ocupa uma funo central (quanto ao aspecto especificamente mimtico da teoria de Adorno, vide tambm KUEHN, 2012):

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    A relao entre mmica e msica, central, torna-se evidente na esfera da reproduo [...] A msica mmica na medida em que [...] determinados gestos resultam em som musical. A msica , por assim dizer, a objetivao acstica da mmica facial, a qual, de certa forma, ter-se-ia separada daquela historicamente (ADORNO, 2005, p.206, 237).19

    Da seria a princpio lgico concluir que a leitura em silncio de uma obra musical no poderia, em hiptese alguma, constituir uma performance, no fossem certos paradoxos que rompem com paradigmas estticos tradicionais. Um desses paradigmas , sem dvida, o de sujeito e objeto. O compositor John Cage (1912-1992), discpulo estadunidense de Schnberg, seguramente detm o mrito de ter apontado alguns desses paradoxos. Alm disso, lembrado por sua contribuio do elemento performativo na msica de concerto (KAPP, 2002, p.460-468; FISCHER-LICHTE, 2004, p.24).

    Composies e concertos de Cage evidenciam principalmente o enorme potencial crtico e social do ato performativo. Ao levar o prprio ato de reproduo musical ad absurdum, a performance de Cage questiona o paradigma tradicional de interpretao e mesmo o de concerto, que chega a inverter. Assim ocorre com a composio de 1952, intitulada de 4 33. O nmero no ttulo indica exatamente o tempo em que o (ou a) pianista (ou outro instrumentista ou formao de conjunto) deve, durante os trs movimentos da pea, permanecer sentado(a) junto ao seu instrumento, sem, porm, tocar uma nota sequer.20

    Nesse sentido, cabe lembrar outra vez Arnold Schnberg, para quem a performance (ou Auffhrung) existe apenas na medida em que ela efetivamente facilite ou em que ela represente um obstculo na sua compreenso. Para se esclarecer bem as posies: apesar de ter reconhecido a importncia de uma interpretao correta ou adequada, o processo de criao de uma obra musical termina para Schnberg precisamente com a confeco da partitura. A reproduo representa para ele (que compositor) algo suprfluo e, quando ela ocorre, o intrprete visto como um mero executante ou executor da partitura. Da que, para Schnberg, objetividade e clareza representem atributos absolutamente centrais para a interpretao. Tal posicionamento leva Schnberg a outro questionamento: Is performance necessary? Not the author, but the audience only needs it (apud KOLISCH, 1983, p.9). Continuemos com o compositor: A interpretao necessria para preencher a lacuna entre a idia do autor e o ouvido contemporneo, [e depende] da habilidade de assimilao do ouvinte em seu tempo (SCHNBERG, 1984, p.328).21

    Uma hiptese seria que Schnberg estaria respondendo a seu conterrneo Schenker, pois este, conhecido por suas posies radicais, tinha, j em 1911, anotado:

    Basicamente, a composio no precisa da performance para existir. A leitura silenciosa de uma partitura j suficiente para provar a sua existncia; basta o som surgir de forma apenas imaginada na mente. A realizao mecnica de uma obra de arte musical pode, desse modo, ser considerada suprflua (SCHENKER, 2000, p.3).22

    Em contrapartida, para Cage, o ciclo da criao de uma obra musical se fecha apenas com a performance. Esse o cerne que diferencia (e distancia) Cage e outras concepes contemporneas das de Schenker e de Schnberg. De qualquer forma, curioso observar que aqui parece se radicalizar um ponto de vista que antes j defenderam arautos do romantismo, como os compositores Liszt e Wagner (KAPP, 2002, p.456-457 e 461).

    At meados dos anos 1970, aproximadamente, os estudos culturais estavam centrados sobretudo em questes acerca da textualidade e da compreenso (hermenutica) dos mesmos (o que, na prtica, significava que obra e texto se confundem). Nas dcadas subsequentes, contudo, as pesquisas acadmicas passaram a focalizar a performance como evento artstico e social. Enfim, foi como evento sociocultural que a performance pde se tornar uma categoria de pesquisa da antropologia social e da etnomusicologia (fato social ou fato sonoro).

    Destaca-se ainda a tendncia que v na performance uma fonte inesgotvel de experincia, isto , de vida (ou de vivncia) e do corpo (embodiment).23 Outra tendncia usa o ato performativo como uma ao que age criticamente sob o ambiente social ou natural, muitas vezes com o objetivo de se apontar determinados padres de comportamento condicionados socialmente, encenando-os para, destarte, expor seus aspectos paradoxais. Em suma, na medida em que estavam se questionando paradigmas estticos focados na relao de sujeito e objeto, despertou-se tambm para o potencial extraordinrio da performance como instrumento de interveno artstica, poltica e social (FISCHER-LICHTE, 2004, p.15-22, 29, 153).

    Performance, portanto, em msica, nos remete em primeiro lugar presena fsica no palco, ao corpo e voz, no apenas com relao a determinadas tcnicas de execuo no instrumento e sim tambm como meio e como modo de interagir com o pblico espectador. Seus elementos ativos esto, sobretudo, na representao gestual de quem est tocando uma composio musical, ou seja, no intrprete, na quironomia do regente, na mmica e nos movimentos biomecnicos com suas tcnicas e escolas (regionais ou nacionais) particulares.

    Muito parecido com o que acontece no campo da msica, observa-se tambm nas artes plsticas e nas artes visuais uma tendncia para aes performativas que ocupam o espao pblico criticamente (happening, environment, action painting ou body art). Nisso, esses eventos no raramente se transformam em espectculos amplamente divulgados pela mdia.

    J nas artes cnicas, o conceito de performance est associado mais ao movimento e representao mmico-gestual do ator no palco do que propriamente ao contedo de seus enunciados, em geral sob a gide da interpretao. Do ponto de vista da indstria cultural, ou seja, do

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    entretenimento e da cultura de massa, no bem a interpretao e os seus enunciados o que mais importa, mas a performance isto , o show. Esse fato mostra claramente que existem gneros musicais em que predomina a arte da performance, ao passo que o contedo musical figura em segundo plano. Seja como for, se tambm um bom performer, o intrprete est empenhado em convencer com a sua performance no apenas de forma instrumental e sim tambm visual, isto , mmico-gestual. Considerando-se que se sabe ainda relativamente pouco sobre o real efeito que a msica exerce no homem e no meio ambiente, o msico-intrprete precisa estar preparado no apenas tecnicamente como tambm em termos de tica para poder explorar todos esses recursos de forma sustentvel.

    Tudo o que foi dito para definir e delimitar o campo conceitual da performance se torna ainda mais evidente no caso do circo, onde acrobatas, malabaristas e outros artistas se empenham (e triunfam) em suas performances, caso em que no se pode falar em interpretao. Tambm nos megaeventos da msica pop percebemos a predominncia de elementos performativos, em que todo tipo de luzes e imagens, os efeitos multimdia, lembram mais um espetculo circense do que uma interpretao propriamente dita. Por tudo isso, o emprego do termo performance precisa de mais ponderao quando aplicado a aspectos distintos da prtica musical.

    6 Reunindo-se os conceitos de reproduo, interpretao e performance num trinmio de grande abrangnciaVemos que a opo de diferentes autores pelo termo reproduo musical no se deu por acaso. Essa opo tambm se mostra mais adequada para ns, porque assim ela nos permite lhe atribuir tanto a interpretao quanto a performance como princpios ativos. Visto desse modo, o momento da reproduo musical tambm o da performance, assim como o da interpretao de uma composio. Noutras palavras, concebendo-se a reproduo musical como um processo dinmico de grande alcance, os elementos de interpretao e de performance se transformam em categorias com que o evento artstico possa ser analisado e avaliado criticamente.

    Obtivemos, desse modo, uma espcie de arcabouo conceitual da(s) prtica(s) interpretativa(s). A premissa central que o processo reprodutivo da msica ocorre por basicamente duas vias: a ) pela interpretao, e b) pela performance. Sendo assim, os conceitos de reproduo, de interpretao e de performance se acham integrados num trinmio, podendo servir de base para uma grande gama de pesquisas e de consideraes tericas acerca da prtica musical.

    A vantagem da integrao do conceito de performance est na ampliao substancial do modelo tradicional, a partir do qual ns somos levados a migrar de uma noo embasada quase que unicamente na interpretao

    para a de um processo artstico multiforme que inclui tambm os elementos extramusicais da reproduo. Logo, a realizao efetiva de uma reproduo musical implica a performance, assim como ad litteram tambm a interpretao de uma composio musical.

    O trinmio alude tambm a trs elementos absolutamente fundamentais da prtica musical: 1) ao mimtico da reproduo; 2) ao compreensivo e contemplativo da interpretao; e 3) ao performativo, donde a ideia do gesto, da encenao e do espetculo. Sendo a categoria da reproduo a mais abrangente, abarca em si tambm as outras.

    De um lado da figura, situemos os elementos intramusicais que estruturam a obra musicalmente, enquanto, de outro, situemos os elementos extramusicais que pem o msico-intrprete literalmente em cena, ou seja, em evidncia. Esse tambm o momento em que a composio atualizada tanto esttica quanto socialmente (a msica como aglutinador de identidade social).

    Desse modo, restaura-se, por assim dizer, no momento da reproduo, uma espcie de campo agonal em que as foras musicais da composio (rtmicos, harmnicos, dinmicos, elementos estruturais etc.) interagem com a materialidade corporal e gestual da performance, do ambiente social e natural (acstico, por exemplo) do local da reproduo.

    Empregado em separado, nenhum outro conceito faria jus abrangncia que o conceito de reproduo musical instaura, pois: 1) o termo execuo implica algo mecnico que no leva em conta o aspecto ldico e criativo da reproduo musical; 2) o termo interpretao no permite a sua aplicao a aspectos corporais, ou seja, mmico-gestuais do msico-intrprete; e 3) o termo performance no se confunde com o aspecto interpretativo e contemplativo da reproduo.

    7 Consideraes finaisO aspecto performativo da prtica musical se manifesta principalmente na representao cnica, mmica e gestual no palco. Outrossim, abrange os elementos de ordem tcnica que envolvem a sua execuo com o instrumento e que sublinham determinados elementos musicais de uma composio. Sua funo est em salientar contedos especificamente musicais, tornando-os, desse modo, mais claros para o espectador. Ao empregar tcnicas mimticas, mmicas e gestuais, o intrprete as emprega como meio de sublinhar certos elementos intramusicais para o pblico espectador. Para tal, existe uma srie de tcnicas e elementos extramusicais, como as de representao cnica, nas quais, mesmo que apenas gestualmente, o msico-intrprete se assemelha a um mmico ou ator. Desse modo, ns nos aproximamos do conceito de embodiment como presena fsica no palco, o qual, em sua verso profissional, inclui uma espcie de coaching

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    REPRODUO MUSICAL

    Designa a realizao hic et nunc de uma composio musical com base em seu texto ou partitura. Como registro histrico, o texto representa a parte objetiva ou objetivada da composio (na medida em que este foi elaborado para servir reproduo como base). A relao de texto e msica precria e paradoxal. Por isso, o texto no passa de um registro rudimentar da composio. Assim, pode se dizer que toda reproduo representa uma espcie de atualizao de um original (cuja definio exige uma pesquisa em separado). Nessa tarefa, o msico-intrprete procede mimeticamente (ou seja, por mimesis ou ao mimtica). Em tese, toda reproduo musical se d por duas vias: a) pela interpretao, e b) pela performance. Tratando-se de um processo histrico, no existe uma reproduo que pudesse ser considerada ltima ou definitiva.

    INTERPRETAO

    atinente leitura de um texto que o transforma novamente em parmetros de som musical. Leitura + prtica interpretativa = obra;24 no sentido de que esta precisa ser compreendida em forma e contedo, assim como em seus parmetros de linguagem, contingenciados histrica e socialmente.

    PERFORMANCE

    atinente experincia viva, ao hic et nunc do palco, gestualidade e a aspectos corporais do msico-intrprete com relao ao modo e aos meios de sua apresentao com o instrumento. Os termos concerto, encenao, show e espetculo remetem performance como evento sociocultural.

    Interpretao designa, em msica, a leitura singular de uma composio com base em seu registro que, representado por um conjunto de sinais grficos, forma a imagem do som. O intrprete decodifica os sinais grficos, transformando-os de maneira mais fiel em parmetros sonoros. Desse modo, interpretar est diretamente ligado compreenso dos elementos que estruturam uma obra, como: altura, melodia, ritmo, harmonia, tonalidade e tempo musical. Outros elementos caracterizam a msica como linguagem. Entre eles, esto a articulao, a pontuao, a forma e o sentido. Tambm o fraseado e a coeso ou coerncia fazem parte desta categoria. Tudo isso demanda, de um lado, uma postura introvertida, voltada para a anlise e a reflexo terica (em sentido aristotlico de contemplao mais do que de ao), ao passo que, de outro lado, demanda a prtica instrumental (ou seja, a prtica interpretativa propriamente dita).

    A performance est sobretudo na elaborao dos elementos extramusicais da reproduo musical. Desta categoria fazem parte a gestualidade, a mmica e a destreza tcnica do msico-intrprete ao instrumento (virtuosismo). Todos esses elementos so atinentes corporalidade, ou seja, ao ato de tocar a msica. Essencialmente extrovertidos, remetem exteriorizao de contedos j elaborados em etapas anteriores, mas que agora se engendram por outros meios que no os puramente musicais. Possuindo um forte carter ldico, tambm podem abranger os efeitos multimdia, assim como a produo musical e a visual. Performar significa, portanto, atuar e transformar. Sua funo est na interao com o pblico espectador, que no percebido passivamente como mero receptor e sim, em sentido lato, tambm como ator. Nesse processo, cada parte assume um determinado papel social que se estimula e se alimenta reciprocamente.

    Ex.1. Esquema do trinmio de reproduo, interpretao e performance musical e sua fundamentao.

    ou programa de treino psico-fsico para o artista ou performer treinar sua memria, e para se preparar para determinadas situaes de palco que demandam intenso estresse fsico e emocional.

    Grosso modo, trata-se de avaliar o que exatamente as artes cnicas e as performance arts tm a oferecer (ou a ensinar) s prticas interpretativas (disciplina que paradoxalmente no foi concebida como performance art). Nesse contexto, lembremo-nos novamente do postulado de ADORNO (2005, p.206, 237), segundo o qual a msica mmica na medida em que determinados gestos resultam em som musical. Assim sendo, o modelo apresentado abre espao para um suporte terico em que o to difundido conceito

    de performance emerge de fato fundamentado como uma nova especializao da rea da msica.

    Tambm os conceitos de reproduo, interpretao e performance representam princpios distintos, onde cada campo pode constituir objeto de uma grande variedade de anlises. Desse modo, o modelo proposto no est restrito ao gnero clssico-romntico. Dependendo do gnero e da linguagem musical em questo, pode se preferir uma ou outra categoria como ponto de partida para a anlise. De qualquer forma, tanto a medida proporcional quanto a qualidade de cada elemento categorial vo se refletir diretamente no resultado final da reproduo (Kuehn, 2010, p.58, 112-113, 167-169).

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    KUEHN, F. M. C. Interpretao reproduo musical teoria da performance... Per Musi, Belo Horizonte, n.26, 2012, p.7-20.

    Finalizemos com a articulao das seguintes premissas:

    1) o ciclo de criao de uma composio musical se fecha apenas com a sua reproduo (e no com a sua escritura);

    2) por lhe faltar a reproduo musical propriamente dita, consideramos que a partitura representa o registro histrico da composio (e no a obra em si);

    3) de origem clssico-romntica, o conceito de obra musical problemtico e precisa ser redefinido;

    4) tambm a relao de imagem, notao musical e som problemtica, revelando uma srie de paradoxos;

    5) antes de que possa ser reproduzida adequadamente, a composio precisa ser compreendida em seus mais diversos parmetros e aspectos;

    6) tendo como base as informaes que os sinais transmitem atravs da imagem do texto, a composio reproduzida por uma espcie de mimese ou ao mimtica que a transforma novamente em som musical;

    7) assim sendo, a essncia da reproduo musical est em seu processo mimtico do qual tanto o elemento interpretativo quanto o elemento performativo constituem princpios ativos;

    8) para que uma reproduo musical se configure como performance, indispensvel a presena do pblico (ou seja, o ambiente deve ser mesmo o de uma performance);

    9) embora toda reproduo individual seja peculiar e nica em seus parmetros sonoros e temporais, ela tambm se relaciona de alguma forma com as demais reprodues ou registros de uma mesma composio (na medida em que esta j pode ter acumulada um

    determinado nmero de interpretaes, ou que pode ter sido objeto de controvrsias quanto escolha de determinadas opes interpretativas);

    10) ainda que com relao tradio clssico-romntica predominem o elemento interpretativo e o decoro de uma tica rigorosamente normativa, nem por isso o aspecto performativo representa um elemento menos produtivo ou atrativo para o intrprete, o pesquisador ou o crtico musical;

    11) desse modo, reproduo, interpretao e performance formam trs categorias centrais do processo artstico-musical e no se confundem;

    12) logo, o termo reproduo musical no deve ser tomado por sinnimo de interpretao ou de performance e sim como conceito abrangente que designa o momento em que uma composio apresentada ou tocada musicalmente;

    13) sendo assim, o conceito de reproduo musical se estende ao aspecto mimtico, ao ato performativo, interpretao, execuo, assim como ao funcionamento de regras internas e externas de uma apresentao musical no palco;

    14) com base nesses princpios e premissas que tanto o conceito de prtica interpretativa quanto o de prticas interpretativas aumentam consideravelmente em sua abrangncia;

    15) por tudo isso, os elementos aqui relatados passam a engendrar um processo em que se migre de uma noo embasada quase que unicamente na interpretao para a de um processo artstico multiforme que inclui tambm os elementos extramusicais da reproduo.

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    Notas1 Das ganze Reich der Phantasie und Geschichte, Vergangenheit und Zukunft stehen ihrem Wink zu Gebot. Salvo indicao em contrrio, a

    traduo das citaes do autor.

    2 Entre aspas porque no faz parte do escopo deste ensaio discutir a legitimao de quem estava representando a academia como instituio cientfica.

    3 Sobre as atividades de interao de Koellreutter com figuras importantes da MPB, vide tambm KUEHN (2004, p.23-29).

    4 The mere fact that our notation hardly represents more than neumes should lead the performer to search for the meaning behind the symbols (SCHENKER, 2000, p.5).

    5 Em ordem crescente: 1) dass seit Beethoven hinsichtlich der Behandlung und des Vortrages der Musik eine ganz wesentliche Vernderung gegen frher eingetreten ist; 2) von dem Orchestervortrag unserer klassischen Instrumentalmusik; e 3) eine ffentliche Auffhrung der Overtre zu Egmont (In: WAGNER, 1953, p.78, 97, 110).

    6 Para mais informaes sobre a recepo de Schenker nos EUA, vide: FINK-MENNEL (2006) e EYBL; FINK-MENNEL (2006). Sobre a recepo de

    Schenker na Europa consultar: BOENKE (2005).

    7 I claim, performances have always taken a shape that has nothing to do with a true reproduction. Because what ought to be known in order to

    perform a sonata by Beethoven is not known, the musical world found it easy to assign a role to reproduction in music that is in appalling contrast

    to its real origins (SCHENKER, 2000, p.4).

    8 It must be admitted that in the period around 1900 many artists overdid themselves in exhibiting the power of emotion they were capable of

    feeling [] artists who believed themselves to be more important than the work or at least than the composer (SCHNBERG, 1984, p.321).

    9 Ein kluger Ausfhrender, einer, der wirklich ein Diener am Werk ist, einer, dessen geistige Beweglichkeit der eines Musikdenkers ebenbrtig ist solch ein Mann wird wie Mozart oder Schubert oder andere verfahren (SCHNBERG, 1989, p.116).

    10 The highest principle for all reproduction of music would have to be that what the composer has written is made to sound in such a way that

    every note is really heard (SCHNBERG, 1984, p.319).

    11 Para ilustrar a temtica dos manuscritos de Schnberg, segue-se uma transcrio dos ttulos na ordem em que aparecem na coletnea de ensaios, intitulada Style and Idea: Para um tratado de performance (1923/24); As formas atuais de performance da msica clssica (1948); O futuro dos instrumentos da orquestra (1924); Instrumentos musicais mecnicos (1926); Instrumentao (1931); O futuro da pera (1927); pera: aforismos (1930); Indicaes de performance (1923); Dinmica musical (1929); Sobre indicaes de metrnomo (1926); Transposio (1923); Vibrato (1940); Fraseado (1931); A reduo moderna de piano (1923); Sobre notao (1923); Notao pictrica (1923); Revoluo-evoluo, notao (acidentes) (1931) e A nova notao dos doze sons (1924) (SCHNBERG, 1984, p.319-362).

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    KUEHN, F. M. C. Interpretao reproduo musical teoria da performance... Per Musi, Belo Horizonte, n.26, 2012, p.7-20.

    12 Nascido Friedrich Deutsch, adotou, ao se exilar nos EUA, o nome de Frederick Dorian. Dorian-Deutsch [sic] tinha estudado com [Anton] Webern,

    anotou SCHNBERG (1984, p.484) num de seus ensaios. Alm de ter estudado regncia e teoria da composio com Webern, Dorian estudou piano

    com Eduard Steuermann e musicologia com Guido Adler (ADORNO, 2005, p.333-334; KUEHN, 2010, p.44-46).

    13 J existe uma quantidade considervel de estudos sobre a influncia de Walter Benjamin em Adorno. Embora este represente um aspecto

    que no deve ser subestimado, mas no pde constituir parte do escopo deste ensaio. Mais informaes acerca do ensaio de Benjamin em

    (ltimo acesso dez. 2010):

    http://webcache.googleusercontent.com/search?q=cache:bOHsTF5KQSkJ:encyclopediaworldart.wordpress.com/2010/02/12/walter-benjamin-das-kunstwerk-im-zeitalter-seiner-technischen-reproduzierbarkeit/+Benjamin+Zeitalter+der&cd=4&hl=pt-; e http://de.wikipedia.org/wiki/Das_Kunstwerk_im_Zeitalter_seiner_technischen_Reproduzierbarkeit.

    14 Edio que serviu tambm de referncia para minha pesquisa de tese de doutoramento (KUEHN, 2010).

    15 Auf welche Weise man vom Werke ablese, welche Freiheit es dem Interpreten lsst, der es als Werk interpretiert das zu erforschen scheint die

    zentrale Aufgabe einer Theorie der Reproduktion, die freilich, als Theorie, nicht durchdringen knnte, was unlslich verquickt das Gebilde in seiner

    Flle, den Nachbildner als ganzen Menschen umschlossen hlt (ADORNO, 2003, v.19, p.441). Observao: Nachbildner literalmente aquele que

    recria a partir de uma imagem, ou seja, o intrprete que recria uma determinada obra musicalmente com base em sua partitura.

    16 Examinando-se bem, a relao entre o conceito de imitao (nachbilden, imitatio, mimesis) e prtica interpretativa j est estabelecida na

    prpria denominao da teoria de Adorno, onde o prefixo re em reproduo evidencia que uma composio apresentada mimeticamente.

    Com efeito, o conceito de mimesis aplicado reproduo e interpretao musical ocupa um espao privilegiado das anotaes que compem

    o material da sua teoria.

    17 Certamente seria mais coerente traduzir o ttulo do evento por Adorno e a prtica interpretativa, j que tambm Adorno explora, com exceo

    do elemento mmico-gestual, mais o aspecto interpretativo da prtica musical. Desse modo, Adorno segue claramente a tradio vienense.

    18 Contando-se apenas os imigrantes representativos, sabe-se que o nmero ultrapassa o milhar. O xodo para os Estados Unidos mobilizou milhares

    de cientistas, intelectuais e artistas, entre judeus e no judeus. Segundo estudos recentes, somente o nmero de msicos que emigraram para os

    Estados Unidos varia, dependendo da fonte, entre 500 e 1,5 mil um nmero sem dvida considervel quando levamos em conta que via de regra

    se tratava de pessoas altamente gabaritadas (cf. BRinkMANN; WOLFF, 1999).

    19 Die Beziehung von Mimik und Musik, zentral, wird offenbar in der Sphre der Reproduktion [] Musik ist mimisch insofern, als bestimmte Gesten

    [] musikalischen Klang [ergeben]. Musik ist gewissermassen die akustische Objektivation des Mienenspiels, die von diesem vielleicht berhaupt

    erst historisch sich getrennt hat (ADORNO, 2005, p.206, 237).

    20 Para mais informaes sobre a citada composio de Cage, consultar: , ltimo acesso jan. 2011.

    21 Interpretation is necessary, to bridge the gap between the authors idea and the contemporary ear, the assimilative powers of the listener at the

    time in question (Schnberg, 1984, p.328).

    22 Basically, a composition does not require a performance in order to exist. Just an imagined sound appears real in the mind, the reading of a

    score is sufficient to prove the existence of the composition. The mechanical realization of the work of art can thus be considered superfluous

    (SCHENKER, 2000, p.3).

    23 Embodiment is the process of uniting the imaginary separation between body and mind. It is the process within psychophysical training [ou

    coaching] that generates presence on stage (disponvel em: , ltimo acesso set. 2011).

    24 Termo aqui empregado apenas provisoriamente. Passando-se do mbito clssico-romntico, o conceito de obra musical se torna problemtico e

    precisa ser redefinido (ou mesmo abandonado).

    Natural de Berlim, Alemanha, Frank Michael Carlos Kuehn estudou violo, guitarra eltrica e percusso. Msico, participou de diversas formaes musicais. Atrado pela msica brasileira, emigrou para a cidade do Rio de Janeiro, onde passou a atuar em recitais de msica erudita e popular, no magistrio e na pesquisa acadmica. Graduado em Educao Musical pela UFRJ, Mestre em Msica pela UFRJ, e Doutor em Msica pela UNIRIO. Atualmente, sua pesquisa enfoca questes relativas prtica musical com seus desdobramentos estticos e filosficos para a teoria da interpretao e da performance. Definida em reas de conhecimento, sua pesquisa contempla: interpretao musical, teoria da interpretao, teoria da performance, teoria crtica da arte e da sociedade, e filosofia da msica.

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    RAMOS, D.; BUENO, J. L. O. A percepo de emoes em trechos de msica ocidental erudita. Per Musi, Belo Horizonte, n.26, 2012, p.21-30.

    Recebido em: 19/11/2011 - Aprovado em: 02/02/2012

    A percepo de emoes em trechos de msica ocidental erudita1

    Danilo Ramos (UFPR, Curitiba, PR)[email protected] Lino Oliveira Bueno (USP, Ribeiro Preto, SP)[email protected]

    Resumo: O objetivo deste estudo foi verificar respostas emocionais a trechos musicais do repertrio erudito ocidental. Msicos e no msicos ouviam cada trecho musical e associavam-no a categorias emocionais (Alegria, Tristeza, Serenidade ou Medo/Raiva). Os resultados indicaram que, para ambos os grupos, cada trecho musical, na maioria, no foi associado a mais de uma categoria emocional. De um modo geral, as associaes foram semelhantes entre os grupos, embora as respostas dos msicos tenham sido mais consistentes. Estes resultados sugerem um processamento cognitivo de respostas emocionais msica ocidental relacionado estrutura cognitiva do evento, a diferenas entre indivduos e expertise musical.

    Palavras-chave: Emoes musicais; Percepo musical; Expertise musical.

    The perception of emotions in excerpts of classical Western music

    Abstract: The aim of this study was to evaluate emotional responses to musical excerpts from Western repertoire. Musicians and nonmusicians listened to each musical excerpt and linked it to emotional categories (Joy, Sadness, Serenity or Fear / Anger). The results indicated that each musical excerpt, in majority, was not associated to more than one emotional category, for both groups. In general, associations were similar between groups, although the responses of