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prosa revista Conversa boa de Minas... MARTA NEVES E A CALÇA QUADRADA Descubra porque a artista plástica criou um Bin Laden de ursinhos de pelúcia e saiba como o Bob Esponja pode ser considerado uma forma de arte contemporânea, em entrevista exclusiva na página 26. SãO THOMé DAS LETRAS Tudo o que você sempre quis saber sobre a cidade mágica e nunca teve coragem de perguntar. PáGINA 48 CAçADORES DE ASSOMBRAçãO Você sabia que em Mariana há uma associação que investiga o aparecimento de assombrações? Conheça a lista das mais procuradas! PáGINA 56 O QUE é QUE A MINEIRA TEM? Tentamos desvendar o segredo das mulheres mineiras e porque elas são tão admiradas por homens do Brasil inteiro. PáGINA 8 Edição nº1 • Dezembro/2011 à fevereiro/2012 R$ 4,90

Revista Prosa

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C o n v e r s a b o a d e M i n a s . . .

Marta Nevese a calça quadradaDescubra porque a artista plástica criou um Bin Laden de ursinhos de pelúcia e saiba como o Bob Esponja pode ser considerado uma forma de arte contemporânea, em entrevista exclusiva na página 26.

São Thomé daS LeTraSTudo o que você sempre quis saber sobre a cidade mágica e nunca teve coragem de perguntar. Página 48

CaçadoreS de aSSombração

Você sabia que em Mariana há uma associação que investiga o aparecimento de assombrações?

Conheça a lista das mais procuradas! Página 56

o que é que a mineira Tem?Tentamos desvendar o segredo das mulheres mineiras e porque elas são tão admiradas por homens do Brasil inteiro. Página 8

Edição nº1 • Dezembro/2011 à fevereiro/2012

R$ 4,90

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pros

a É com prazer que convidamos você a descobrir minas gerais por meio de nossa revista. a ideia de produzir uma publicação que falasse aos mi­neiros sobre o nosso estado surgiu

da observação, como leitores mineiros, da falta de um veículo que falasse sobre nós e sobre mi­nas, sem nos limitar ao velho clichê do minei­rinho que adora pão de queijo e vive à beira do fogão à lenha. acreditamos que somos muito mais do que um velho clichê. não existe “o mi­neirinho”, e sim, os mineiros. Cada um com as suas ideias, seus costumes, vontades e dese­jos individuais. Foi respeitando as dife renças exis tentes na diversidade de pessoas do nosso estado que conseguimos unir, em única publi­cação, o que todos temos em um comum: mi­nas gerais.

Como diria Tom Jobim, é mesmo impos­sível ser feliz sozinho. Por isso gostaríamos de agradecer e compartilhar nossa felicidade com todos os que estiveram envolvidos neste pro­

jeto. direta ou indiretamente. especialmente à professora Carla mendonça, pelos toques pre­cisos e pelo incentivo; e ao professor eustáquio Trindade netto, nosso orientador, com quem tivemos o prazer de caminhar lado a lado, compartilhando ideias e trabalhando juntos na elaboração deste projeto.

o agradecimento se estende a quem tive­mos o prazer de conhecer e conversar durante a produção das reportagens: os mineiros. Com este projeto, confirmamos algo que já desconfiávamos. minas gerais é realmente um estado exuberante, repleto de belezas naturais, de tradição e, ao mesmo tempo, de modernidade! mas, mais do que os lugares, as paisagens e as histórias, descobrimos que a verdadeira beleza de minas está nos mineiros. no jeito peculiar de contar histórias, na sim­patia, na extrema receptividade e nas carac­terísticas específicas de cada um. São elas que tornam nosso estado uma miscelânea mara­vilhosa. Sem vocês, nada disso faria sentido!

é impossível ser feliz sozinho

editorialw w w. r e v i s t a p r o s a . c o m . b r

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expedienteJornalista responsável: Eustáquio Trindade Netto

edição: Juliana Baeta

redação: José Vítor Camilo, Juliana Baeta, Marília Corradi e Patrícia Righi

Projeto gráfico e diagramação:Roberto Romanelli

Tiragem: 10.000 exemplares

Contatos: (31) 2551-7797/ (31) 9141-4391

endereço: Avenida Dom Pedro II, 4050, sala 06 - Caiçara - Belo Horizonte, MG

www.revistaprosa.wordpress.come­mail: [email protected]: @revistaprosaFacebook: Revista Prosa

SUMáRiODescubra o que é que a mineira tem!

PáGINA 8Uma voltinha por Cordisburgo, terra de Guimarães Rosa

PáGINA 10São João del-Rei como você nunca viu

PáGINA 14Nova Serrana e seus sapatos fazem a economia girar

PáGINA 16Artigo: Cinema para quem?

PáGINA 18água com gás diretamente da fonte?

Assim é Lambari, cidade da águaPáGINA 20

No Santa Tereza: Confraria de históriasPáGINA 22

Café com memória digital - saiba o que mudou no tradicional cafezinho

PáGINA 40Descubra como a Mercearia Paraopeba

sobrevive nos dias de hoje à base de troca PáGINA 42

E se a sua casa fosse um vagão de trem? Conheça a história de Lia

PáGINA 46São Thomé das Letras, a cidade mágica

PáGINA 48Viaje com Mariana e entenda o significado

dos nomes curiosos de algumas cidades mineirasPáGINA 52

Conheça a lista das aparições mais procuradas pela Associação dos Caçadores de Assombração de Mariana

PáGINA 56Beleza escondida pelos séculos na Barra do Guaicuí

PáGINA 60PRATo Do DIA: Aprenda a fazer o delicioso

pastel de angu conhecendo a sua históriaPáGINA 62

Vamos falar de música com Alex Manzi, Digo Ribeiro, Luan Nobat, John Ulhoa e Fabão do Manitu?

PáGINA 64

EntrEvista: Marta Neves abre o seu ateliê para a Revista Prosa e fala sobre arte, Inhotim, Bob Esponja e Osama Bin LadenPágina 26

enSaio: Janelas de MinasPágina 32

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No ano passado, o censo demográ-fico mostrou que, no Brasil, existe uma relação de 96 homens para cada 100 mulheres. Em

Minas Gerais não é diferente. Para quem gosta de números, o time das Luluzi-

nhas ganha de 3 milhões a 0 do time dos Bolinhas. É muita mulher para pouco homem, para pouca cidade, para pouca roupa, para tanto charme! Quem está a procura de um namorado, Minas Gerais, definitivamente, não é uma boa opção. Agora quem procura por namorada... Ah, homens! Vocês precisam conhecer o paraíso.

Não é somente pela desigualdade numérica, a questão é que as “minas” daqui são diferentes das outras brasilei-ras. Seja no jeito de andar, que mesmo apressado parece flutuar pela calçada; seja na forma de sorrir, aquele sorriso meio sem jeito, mas que revela bem mais que um olhar atrevido; seja no so-taque, ah, o sotaque! Esse merece hon-

As “minas” de Minas, sob o olhar de mineiros e homens de diferentes estados do Brasil

por Patrícia Righi

juliana baeta

o que é que a mineira

mulheresr e v i s t a p r o s a . w o r d p r e s s s . c o m

tem

?

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Raíssa: “Acho que além do sotaque, charme à parte, somos fortes e ousadas ao mesmo tempo que recatadas.

Talvez essa mistura é que nos faça diferentes”

ras, méritos e aplausos. Ele faz qualquer “trem” desses fala-dos por aí virar uma locomo-tiva de primeiro mundo. Que “trem bão”, que “trem lindo” é o sotaque da mulher mineira!

Na intenção de desven-dar alguns segredos sobre esses seres tão admirados, a Prosa resolveu dar uma volta pelo Brasil e saber a opinião dos homens sobre as mi-neirinhas, afinal, quem me-lhor que o sexo oposto para observar aqueles pequenos detalhes que, muitas vezes, passam despercebidos por outras mulheres? Homens, falem logo! o que é que a mineira tem?

o jornalista Jefferson Delbem é mineiro, nascido e criado em Belo Horizonte. Segundo ele, falta ousadia nas mulheres do estado. “A mu-lher mineira deveria ser mais ousada e fazer o que deseja, sem ficar pensando muito no que o vizinho vai falar”, afir-ma. Já o publicitário carioca Allan Leibs discorda. “A mi-neira sabe e vai atrás do que quer. Já namorei uma menina de Lavras e foi ela quem deu o primeiro passo na conquista. Acho que a grande diferença entre elas e as garotas aqui do Rio é que as mineiras usam um jeitinho especial para con-seguir as coisas sem precisar que sejam descaradas”, conta o publicitário.

SimPaTiao administrador de em-

presas Éverton Lara nasceu em Brasília. De acordo com ele,

as mineiras não possuem de-feito. “Não existe mulher mais perfeita. Elas juntam simpa-tia, educação e beleza. Aqui em Brasília, as mulheres não dão abertura para conversas, já em Minas, consegui fazer muitas amizades. As mineiras são bem danadinhas”, diz. E na Bahia não poderia ser dife-rente. Marcelo Soares é vende-dor e sempre morou na capital baiana. Ele conta que é muito bom receber garotas de Minas em seu quiosque. “Elas são muito legais, a gente percebe pelo sotaque e pela simpatia. Adoro servir coco para as mi-neiras, são sempre muito bem vindas aqui em Salvador”. Ao ser perguntado sobre a dife-rença em relação as baianas, Marcelo logo diz: “as mineiras são muito mais bonitas!”.

Na opinião do mineiro fal-ta ousadia nas mineiras, para o brasiliense sobra, já para o carioca existe o equilíbrio. Para a maioria dos entrevis-tados, sobra beleza e derrama simpatia. o jeitinho mineiro é sempre citado. o Pelou-rinho reconhece o charmoso sotaque de Minas. o que têm essas “minas”, alegria de Mi-nas, que chamam a a tenção de todo o país? Beleza, ca-risma, educação? Sim, mas a mineira tem mais. Ela tem a coragem de Marília de Dir-ceu, a ousadia de Dona Beija, o talento de Clara Nunes e a beleza de Nathália Guima-rães no sangue. A mineira não pede, impõe. Não olha, hipnotiza. E ainda assim, não se define, apenas é.

KaREN: “A gente tem uma beleza peculiar, um jeitinho charmoso de falar. Para mim, ser mineira é mais do que uma referência cultural e geográfica, é a minha personalidade!”

LUDMILa: “Somos simples, recatadas e, principalmente, simpáticas. É isso o que nos difere”

JÉssICa: “As mineiras têm uma beleza toda carismática, já que a timidez e a doçura predominam em nosso jeito de ser”

marília corradi matheus machadojuliana baeta

juliana baeta

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acordisburgo

r e v i s t a p r o s a . w o r d p r e s s s . c o m

o grande Sertãocomeça aqui

Ao chegar à terra natal do escritor Guimarães Rosa, a primeira coisa que se nota é o clima seco e extre-mamente quente.

Não é à toa que uma simpática placa pintada à mão em um armazém da ci-

dade denuncia: “o sertão começa aqui”. A vegetação típica da região - o cerra-do -, e o clima desértico não escondem de onde veio tanta inspiração para a obra do conclamado escritor. Na pare-de do mercado, o amor declarado à ci-dade: “é o lugar mais formoso devido ao ar e ao céu, e pelo arranjo que Deus caprichou em seus morros e suas var-

gens; por isso mesmo, lá, de primeiro, se chamou Vista Alegre... quando es-crevo, sempre me sinto transportado para este mundo. Cordisburgo”.

É possível notar a reciprocidade desse orgulho. As referências ao escri-tor são explícitas nas ruas, nos estabe-lecimentos e nas paredes, que pipocam trechos e frases do autor, pintadas à

Conheça Cordisburgo através da ótica do “Grande Sertão: Veredas”, obra de João Guimarães Rosa

por Juliana Baeta

Logo na entrada da cidade é possível apreciar a beleza da paisagem onde

destacam-se a igreja e a serra

fotos josé vítor camilo

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mão. A impressão que se tem é que toda a cidade foi construída também à mão, tamanha a “bem-feitura” das ruas, das casas, dos de-talhes... É uma cidade que transborda cuidado e cria-tividade, comprovando que não haveria lugar melhor para ser o berço de um dos maiores escritores que o mundo já conheceu.

É difícil falar da cidade sem citar Guimarães Rosa, e vice-versa. A história dos dois está intrinsecamente ligada, pois Cordisburgo se mantém pelo turismo e pela economia que giram, prin-cipalmente, em torno do es-critor. Da mesma forma que, sem a cidade, localizada à cerca de 100 km da capital mineira, Guimarães talvez não tivesse as referência e as inspirações necessárias para escrever tantos livros sobre os costumes do interior, o calor escaldante, a vegetação específica da região, as pes-soas que vivem no sertão, a religião, dentre vários ou-tros temas que remetem ao sertão brasileiro.

Lar Nenhuma visita à ci-

dade estará completa sem um passeio pela casa onde o escritor nasceu e morou até os nove anos de idade. Hoje, aberta ao público em forma de museu, a Casa Guimarães Rosa é conser-vada assim como era na época em que abrigava o pequeno Guimarães. Possui um grande acervo de per-tences do escritor, alguns trazidos do Rio de Janeiro, como a máquina de escrever e os enfeites que ficavam na mesa de seu escritório na capital carioca. Em todos os cômodos, informações referenciais e reminiscên-cias do escritor compõem o cenário, como no quarto de sua avó, onde ele conta sobre as impressões que tinha dali, quando crian-ça, e como em seu próprio quarto, onde ele explica a sua preferência por grava-

assim era a mesa do escritório de Guimarães na capital carioca:

uma máquina de escrever e as lembranças do sertão mineiro

No Museu Casa Guimarães Rosa, a cozinha é montada como na época da infância do escritor

a primeira versão de “Grande sertão: Veredas”, com dedicatória do próprio Guimarães a seus pais

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tas borboletas e seu horror à vida social. Tudo ilustrado com as próprias gravatas de que fala, além de roupas, sa-patos e acessórios pessoais distribuídos pelo cômodo.

A casa foi adquirida pelo governo de Minas e, em março de 1974, foi inaugu-rado o museu, patrimônio da Secretaria de Estado de Cultura. Depois de morar no local por nove anos, Gui-marães se mudou para Belo Horizonte para viver com os avós e estudar. outras seis famílias moraram no local após a saída do escritor do município. Por este motivo é que o museu não possui o mobiliário original, apesar de manter as mesmas carac-terísticas e estruturas desde 1908, quando então nascia João Guimarães Rosa. Mas possui muitos pertences do escritor e relíquias, como a primeira versão de Grande Sertão: Veredas, que conta com uma dedicatória escrita à mão pelo autor, destina-da a seus pais. Além disso,

o Museu Casa Guimarães Rosa abriga obras de artistas e artesãos sobre o sertão e o autor, alguns, inclusive, con-temporâneos de Guimarães.

eSPaçoÉ um prato cheio para os

amantes da história e da arte e também para qualquer pes-soa que queira se enriquecer culturalmente e entender um pouco mais sobre a obra do escritor. Não é à toa que o museu recebe tantas visi-tas. Segundo o coordenador Ronaldo Alves de oliveira, a maioria dos visitantes são estudantes. “Nós temos um número de visitação muito grande, principalmente de estudantes. Só este ano, até o mês de agosto, nós recebe-mos 20.249 pessoas”, conta Ronaldo.

Ana Maria, moradora de Conselheiro Lafaiete, visi-tou o museu pela primeira vez, para endossar o número de visitantes e se encantar. “Nunca tinha conhecido o museu, vim para conhecer

Artistas da cidade, de todas as épocas, se inspiram na obra do escritor

O Portal Grande sertão faz uma homenagem aos personagens do livro

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um pouco mais sobre Gui-marães Rosa e adorei a visita”, comenta. Já para Vi-cente Miguel, conterrâneo de Guimarães, a visita ao museu é quase uma rotina. Acompanhado de toda a família, ele se mostra orgu-lhoso do maior ponto turís-tico da cidade: “o museu foi uma coisa muito bem feita, até mesmo pra ajudar a di-vulgar a obra do escritor e os costumes do povo daqui, e, além disso, atrai mais turistas”.

PorTaL outro importante pon-

to turístico da cidade é o Portal Grande Sertão, que marca o início geográfico

do sertão mineiro. Inau-gurado em 2010, a obra do artista plástico Léo Santana consiste em um conjunto de esculturas em bronze, localizadas na Praça Mi-guilim, que retrata em ta-manho real os personagens do Grande Sertão - sertane-jos tipicamente trajados e montados em seus cavalos. Atrás deles é possível iden-tificar o próprio Guimarães Rosa, de terno e gravata borboleta, também escul-pido em bronze. A obra re-constrói o cenário retratado no livro, fazendo com que os visitantes tenham a im-pressão, em meio aos cava-los e jagunços, de que foram transportados para den-

tro das páginas do Grande Sertão, um verdadeiro por-tal para a saga de Riobaldo e Diadorim.

A cena é adornada por uma grande estrutura me-tálica que cria a “passagem” para o sertão. “A obra foi idéia minha junto com uma empresa de marketing cul-tural, e as esculturas são ins piradas na obra do Gui-marães, no universo dele, nos homens do sertão”, con-ta Léo Santana, que também é o responsável pelas escul-turas de Fernando Sabino, otto Lara Rezende, Paulo Mendes Campos e Hélio Peregrino, permanente-mente expostas na Praça da Liberdade, em Belo Hori-

zonte, e de Carlos Drum-mond de Andrade, na Praia de Copacabana, no Rio de Janeiro, dentre outras.

As esculturas foram criadas para a comemo-ração do centenário de Guimarães Rosa, em 2008, e permanecem enfeitando a cidade. Segundo o ar-tista, obras como essas são importantes para a cultura mineira. “Todo esforço que houver para acrescentar e incrementar a cultura do nosso estado é importante, principalmente em se tra-tando de um nome como o de Guimarães Rosa que, com certeza, merecia uma homenagem como essa”, completa Léo.

o grande Sertão começa aquiÉ impossível passar por Cordisburgo sem notar a enorme construção, denominada Casa

Elefante, presente na avenida de entrada da cidade. o criador da casa em formato de elefante é o mestre de obras Stamar de Azevedo Júnior, também responsável pelas obras do Zoológico de Pedra da cidade. São réplicas de animais que viviam na Gruta do Maquiné há cerca de 12 milhões de anos, como a preguiça-gigante e o dente-de-sabre. Stamar construiu o zoológico a pedido de um antigo prefeito e hoje o local é um importante ponto turístico da cidade.

A construção da Casa Elefante teve início em 2008 e sua finalização está prevista para o início de 2012. A obra, assim como as esculturas dispostas no Zoológico de Pedra, é feita de ferro e cimento. Mas por que uma casa em formato de elefante? “o elefante é o maior mamífe-ro terrestre que existe e, por isso, nós temos mais espaço para trabalhar. A cabeça é o quarto, os olhos são as janelas e o corpo é constituído por uma sala, uma cozinha e um banheiro”, responde Stamar. A construção já demandou 32 mil reais e os finais de semana de três anos de muito trabalho. o mestre de obras conta apenas com um ajudante para a empreitada. A idéia é transformar o local em uma pousada, que certamente atrairá muitos turistas.

o Museu Casa Guimarães Rosa fica na

Avenida Padre João, 744, em Cordisburgo, MG

o Portal Grande Sertão está localizado na Praça

Miguilim, na entrada para Curvelo, MG

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pros

amágica

r e v i s t a p r o s a . w o r d p r e s s s . c o m

I magine que você conheça deter-minada cidade, tenha ido lá algu-mas vezes, e em todas elas tenha feito exatamente a mesma coisa, sempre se dando por satisfeito e restringindo a cidade apenas ao seu campo preguiçoso de visão.

Foi assim quando conheci – ou achava que conhecia – São João del-Rei, histórica ci-dade do sudeste de Minas Gerais. Andei pelo centro, região próxima à rodoviária, visitei algumas lojinhas de artesanato, tomei sorvete na praça enquanto assistia ao movimento pacato, comum nas cidades do interior, conheci a estreita Ponte da Ca-deia – ponto turístico de São João –, e até fiz o famoso passeio na Maria Fumaça até Tiradentes, mas não passou disso. São João del-Rei permanecia na minha memória apenas como uma superestimada cidade pequena, feia e com aspirações urbanas.

Uma vez meu pai me falou que só se conhece realmente uma cidade quando se fica perdido nela. Nunca tinha levado isso a sério, até a mágica acontecer em São João. Era por volta de 19 horas quando saí da pousada para procurar um lugar para jan-tar. Fiquei rodando pelas ruas do centro, pelos restaurantes que me eram familiares, até que virei em uma ruela em busca de algo

diferente e, de repente, me vi em uma ci-dade imperial do século XVIII. Não havia mais ruas asfaltadas, casas pichadas, car-ros passando a todo o momento, não havia nada que lembrasse uma cidade dos dias de hoje. o que eu vi foram casas no estilo imperial, um número absurdo de igrejas da época e monumentos, vi o pelourinho no meio da praça onde os escravos costuma-vam ser chicoteados, ouvi os sinos da igreja que não paravam um minuto, vi pessoas saindo da missa, conversando alegremente com um forte sotaque interiorano e jeito humildemente típico.

E assim esta crônica nasceu, para contar a incrível passagem de tempo que vivenciei em São João del-Rei, cidade que já havia visitado diversas vezes sem a conhecer realmente. Assim como no filme do Woody Allen, “Meia Noite em Paris”, no qual o per-sonagem de owen Wilson também é trans-portado magicamente para a década de 20, em Paris, pontualmente à meia-noite, acon-teceu comigo, em São João, às 19h30, exato horário em que me dei conta de que estava em outra época naquela mesma cidade em que estive entediado mais cedo.

De uma cidade que pouco me atraía, descobri um novo mundo colonial repleto de janelas clássicas - e nelas, senhorinhas

por José Vítor Camilo

São João del-ReiSete e meia em

Em todas as esquinas, uma igreja suntuosa e iluminada prova a

religiosidade da cidade

foto

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tor

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que espreitavam os passantes nas calçadas-, casas saídas diretamente de romances de José de Alencar, ru-azinhas de pedras e, principalmente, igrejas, muitas igrejas. É intrigante o fato de que em uma mesma rua ou quarteirão fossem necessárias tantas igrejas, naquela época. Seriam mui-tos os pecados? Seria necessária tanta proteção divina em uma cidade no auge de seu esplendor colonial?

Dentre todas as “casas do Senhor”, a que mais me chamou a atenção não foi a mais alta, a mais bonita, nem a mais iluminada. Foi uma charmosa capelinha com uma grande porta de madeira onde lia-se, em uma ins-crição de metal fixada ao lado, os dados históricos de sua construção, que datavam do século XVIII e di-zia ter sido construída em frente ao presídio da cidade, com as portas bem grandes, para que os presos pu-dessem assistir à missa. Aí você olha para a casa em frente e percebe toda a estrutura linear, as janelas assimé-tricas, a magnitude da construção e consegue visualizar ali, os encarcera-dos se amontoando nas janelas para se apegar aos espetáculos de fé.

Porém, nem tudo na história é beleza. Em meio à fantástica cidade recém-descoberta por mim, se desta-ca em forma concreta a face sangren-ta do nosso passado que, por causa de lembranças que nem vivi, quase chegaram a entristecer o passeio. No meio da praça, próxima a uma das i grejas e as casinhas de época, o pe-lourinho, incrivelmente conservado. Era ali, onde pude tocar, fotografar e me sentar, que centenas de negros eram açoitados e mortos em um tem-po de escravidão, nem tão distante as-sim. A cidade é sincera, conserva sua história tal qual como foi, sem maqui-ar o passado negro, conservando as provas concretas em forma de turismo.

E essa foi a minha incrível des-coberta e a revelação de que São João del-Rei nunca foi superestimada, o meu conformismo é que era demais. Foi incrível desbravar a cidade e voltar no tempo através de um por-tal mágico invisível que me mostrou uma provinciana cidade perdida no tempo, cheia de tradições e a história pairando no ar. Talvez eu volte e nunca mais encontre a verdadeira ci-dade de São João del-Rei, mas talvez eu volte, sinta fome e saia pra comer alguma coisa às 19h30. o fato é que a cidade nunca mais será a mesma na minha memória.

Uma caminhada pelas ruas de pedra de são João

del-Rei é uma deliciosa viagem ao passado

No meio da praça, uma lembrança dolorosa do passado: o pelourinho

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a

A cidade de Nova Serrana poderia ser comum e pa-cata se não fossem as centenas de fá-bricas existentes no município,

uma curiosidade que faz com que o lu-gar prospere cada vez mais. Como em qualquer cidade, Nova Serrana possui lojas, restaurantes, concessionárias e padarias, mas o que rege realmente sua economia, há mais de quarenta anos, são as fábricas e o comércio de sapa-tos. Quem não fabrica calçado, produz solado, fecho ou trabalha como repre-sentante pelo Brasil afora.

Estima-se que cerca de 1200 fábri-cas realizem processos para criação de

por Marília Corradi

economiar e v i s t a p r o s a . w o r d p r e s s s . c o m

Nova Serrana, cidade mineira conhecida pela produção de sapatos, está entre as principais fabricantes do país

Nova serrana é reconhecida nacionalmente por sua produção

e comércio de sapatos

divulgação

Um saltoeconômico

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sapatos no local. Algumas produzem apenas partes específicas dos calçados e, então, o restante do proces-so é terceirizado até chegar ao produto final: sandálias, chinelos, botas, tênis e ou-tros. Além da fabricação, a cidade também sobrevive da venda em lojas por todos os cantos. Muitos estabeleci-mentos comerciais vendem por atacado, enquanto ou-tros trabalham também com o varejo. Ana Lúcia Soares visita frequentemente a ci-dade para comprar sapatos e revendê-los em Belo Hori-zonte. “Faço sempre minhas compras por aqui. Estou nesse ramo do comércio há sete anos. Muita gente vem até aqui, pois encontra bons

preços para revender”, ex-plica a comerciante.

José Antônio de Lacerda é dono de uma fábrica na cidade e trabalha com sa-patos desde 1981, quando começou a vender os calça-dos de Nova Serrana Brasil afora. Tempos depois, já com mais experiência no ramo, abriu sua própria fá-brica. “os atrativos são o preço, que é bom, e a mer-cadoria, que é de quali-dade, além da variedade dos produtos”, conta. Por serem muitas fábricas, a produção depende muito da mão de obra. A fabricação de calça-dos traz trabalhadores de ci-dades vizinhas como Pará de Minas, Pitangui, Conceição do Pará, dentre outras.

oFíCioCurioso mesmo é como

o município se tornou um dos maiores pólos produ-tores de calçados no país. De acordo com a prefeitura, antes de crescer e se tornar uma cidade, Nova Serrana foi uma fazenda, conhecida pelo nome de Cerrado. Um dos filhos do dono da pro-priedade resolveu abrir uma hospedaria e um comér-cio local e, próximo dali, foi a berta uma sapataria. A partir daí, as pessoas que chegavam para morar na região iam aprendendo o ofício para trabalhar no ramo de calçados. Enquanto um artesão abria uma sapa-taria para consertar sapatos, outro produzia os solados

e, assim, o ofício se tornou tradição na região e o mer-cado se tornou próspero ao longo dos anos.

Hoje, Nova Serrana é uma cidade em franca ex-pansão econômica e desen-volvimento notável. Quem ganha com isso é a própria população e a economia lo-cal. o sucesso econômico proveniente da fabricação de calçados contribui cada vez mais para o desenvolvi-mento do município e a melhoria de vida de seus moradores e também os das cidades próximas. Hoje, Nova Serrana compete com a cidade de Franca, interior de São Paulo, considerada uma das principais produto-ras de calçados do Brasil.

a cidade mineira compete com Franca, município paulista considerado o pólo nacional da produção de calçados

marília corradi

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Afinal,cinemapara quem?

ACapital dos bares e cidade do movimento Clube da Es-quina, Belo Horizonte, geral-mente, é lembrada por esses dois aspectos. Eles, é claro, são pedras fundamentais na estrutura cultural da cidade.

Nos últimos anos, porém, tenho percebido uma pulsação cinematográfica nos artistas e nas ruas da capital mineira – o que inclui mais uma par-ticularidade a terra das alterosas.

Esse circuito da sétima arte vai desde a re-alização de mostras e festivais até a produção de documentários, videoclipes e filmes de ficção. Uma questão, entretanto, sempre me intriga: para quem essas exibições são destinadas?

Além das mostras rotineiras realizadas no Cine Humberto Mauro e no Cine Centro UFMG, entre setembro e novembro deste ano, quatro fes-tivais ocuparam diferentes salas de Belo Horizonte e aglutinaram, aparentemente, o mesmo público.

Tudo teve início na Mostra Cine BH 2011, que trouxe na programação filmes contemporâneos, homenageados e produções recheadas de atores globais – claramente as sessões mais badaladas. Já o 13º Festival de Curtas de Belo Horizonte reuniu uma produção mais profícua e de destino exato: aspirantes a cineastas e veteranos realizadores. o MUMIA – Mostra Udigrudi Mundial de Ani-mação é, talvez, a mais popular das realizações. A diversidade de curtas e longas-metragens agrada, de certa maneira, ao público em geral – desde os

intelectuais até os consumidores da indústria do entretenimento. Para finalizar, a La Mostra, exclu-sivamente com filmes latinos, traz à luz longas-metragens que não entraram no circuito comer-cial e aqueles que passaram sem ninguém notar.

Consumidor inveterado da sétima arte, eu fui figurinha carimbada em todos os festivais. Não apenas eu, mas boa parte do público. Nós, como uma espécie de movimento involuntário, aprovei-tamos esses eventos para consumir pré-lança-mentos, assistir filmes fora do circuito comercial e, de quebra, participar de palestras e oficinas.

o que me intriga, na verdade, é uma questão levantada pelo ator e diretor Selton Mello durante uma entrevista ao jornal “Super Notícia”: um filme no Brasil atinge uma parcela muito menor da população do que a televisão brasileira. Como idealizador de cinema, é só essa minoria que você quer que tenha acesso ao seu trabalho?

Assim, como realizador de pequenas produções, passei a me perguntar para quem essas exibições são destinadas – já que a popu-lação em geral não é atingida pelas produções. (Ainda não possuo uma resposta para tal per-gunta). E mais, alguns filmes, como o cearense “os Monstros”, que entrará no circuito até o fim de novembro e que teve pré-estréia em um dos festivais realizado nos últimos meses, reflete uma produção contemporânea preguiçosa e de pouca preocupação com o telespectador – o que não torna a programação de um festival, em um todo, atrativa ao povo.

artigor e v i s t a p r o s a . w o r d p r e s s s . c o m

Felipe Pedrosa é jornalista, escritor e repórter cultural do Super Notícia e SuperTV

Para ler mais artigos, reflexões e divagações de Pedrosa, o blog é www.aalternativa.blogspot.com

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Um gás a mais

A cidade vista assim, mais parece um céu no chão. Mas, no alto da Serra das águas, tem o for-mato de um peque-no peixe. Lambari

fica ao sul do estado de Minas Gerais, a 369 km de Belo Horizonte. A charmosa cidade, com quase 20 mil habitantes, é um dos municípios do Circuito das águas, conhecido por suas estâncias hi-drominerais e por sua biodiversidade.

No Parque das águas, situado no centro de Lambari, ficam as seis fontes de água gasosa da cidade. Lá, é fácil encon-trar moradores com várias garrafas de plástico. Estas garrafas voltam para as ca-sas das pessoas cheias de água. “Eu venho na segunda-feira e já garanto o meu es-toque semanal”, conta a empresária Fáti-ma Garcia. É comum, ao fazer uma visita a uma família lambariense, encontrar em cima da pia da cozinha dezenas de gar-rafas de plástico cheias de água gasosa. Incomum é encontrar filtros e purifica-dores de água. De acordo com os mora-dores, água sem gás não tem gosto e não mata a sede.

A cidade com nome de peixe mostra que, além de indústrias e pecuária, ainda vive em função das águas

por Patrícia Righi

águar e v i s t a p r o s a . w o r d p r e s s s . c o m

waltemir júnior

As fontes de água gasosa ficam espalhadas pela no Parque das Águas

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Segundo a geógrafa Si-mone Kazelli, as fontes de água mineral gasosa surgem por diferentes motivos. “As águas carbogasosas ocorrem em função de vários aspectos conjugados de vulcanismo, formação geológica e dos so-los locais”, conta. E nesse sen-tido, Lambarí é uma cidade abençoada!

Há uma lenda que per-corre toda a cidade. Por volta de 1870, um jovem chamado Tancredo, noivo de Cecília, tentava de tudo para conseguir curar sua amada de uma doença desconhe-cida. Na época, um africano chamado Antônio de Araújo Dantas, contou a Tancredo sobre a existência de uma água curativa. A água ficava atrás da serra, em uma nas-cente, perto de um riacho. Já sem esperanças, Tancredo decide acreditar na história contada pelo africano, como última tentativa de curar a noiva. Após vinte dias be-bendo a água, Cecília se cura da maligna doença. A história nunca foi compro-vada, mas é passada de ge-ração a geração por mora-dores da cidade. Quem foi ou por onde andam Cecília e Tancredo? Ninguém, até hoje, conseguiu saber.

É interessante e bastante curioso imaginar os belo-horizontinos indo até a Praça Sete para encher garrafas com água e levar para a casa. A dentista Ana Beatriz nas-ceu em Lambari e mora na capital mineira há 11 anos. “Sinto falta de muita coisa. Lembro quando ia até as fontes com minha mãe e vol-távamos para a casa, cheias de garrafas. Sinto falta do gosto da água, sinto falta dos costumes”, conta a dentista. A ligação entre a cidade de Lambari e suas fontes mi-nerais se iguala à ligação dos peixes com a água. São cos-tumes, crenças e a cultura de um povo. Mais que uma de-pendência financeira, sem as fontes, seria impossível con-tar a história dessa charmosa e aconchegante cidade.

Cassinoo cassino de Lambari,

construído no início do século XX, foi um dos pro-jetos criados pelo primeiro prefeito da cidade, o enge-nheiro Américo Werneck, que buscou inspiração na Europa para transformar a cidade mineira em uma versão brasileira da cidade de Vick, famosa estância hidromineral francesa. Para a construção do cassino foram gastos, em média, 50 mil contos de réis. Um dia depois de sua inauguração,

os jogos de azar foram proibidos no Brasil pelo governo Dutra e o cassino teve que ser fechado. Hoje,

ele é um dos cartões postais da cidade, mas, no momen-to, passa por uma reforma e está fechado para visitas.

o lago Guanabara, possui 5 km de extensão e foi feito artificialmente. Segundo alguns histo-riadores, foi criado para proteger a cidade das en-chentes. o lago é um dos pontos de recreação do município, muito utili-zado na prática de jet-ski, lanchas e pescarias.

A piscina fica no meio do Parque das Águas para os moradores se refrescarem em dias de calor

Mesmo sem funcionamento, o cassino às margens do lago

é um espetáculo à parte

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asanta tereza

r e v i s t a p r o s a . w o r d p r e s s s . c o m

Entenda a diferença entre os dois e descubra os encantos da Confraria São Gonçalo, no bairro Santa Tereza

por Juliana Baeta

É CoNFRARIA

Aqui não é bar!

Todos se reúnem em volta dos músicos para deixar a

cantoria ainda mais bonita

fotos josé vítor camilo

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Tudo começou quando Déa Nice sofreu um derrame e precisou fi car internada, em coma, por cinco me-ses. Para festejar a sua recuperação e a sua

volta, o marido, Lincoln Tertuliano e o amigo, Luís Góes, também conhecido como fotógrafo do JK por 12 anos, plane-jaram uma confraternização na garagem da morada do casal. Chamaram alguns vizinhos, convocaram alguns músicos amigos e fizeram a festa. Em uma se-gunda feira, aparentemente pacata, quem passava pelas ruas do bairro Santa Tereza pode ver uma bonita cantoria, muitas pessoas alegres e conversas animadas na garagem do Lincoln. Acontecia ali, a primeira reunião do que viria a ser, se-manas depois, a Confraria.

  “Era pra ser apenas um dia, para alegrar a Déa depois que ela voltou do Hospital, mas aí, toda segunda feira o pessoal começou a vir, os vizinhos tra-ziam cadeiras de casa para colocar no passeio, os músicos não paravam de tocar, e assim foi indo”, conta Lincoln. Tanto foi indo, que hoje a Confraria, que era conhecida simplesmente por esta al-cunha, ganhou até nome e passou a ser a Confraria São Gonçalo, por causa do santo que, reza a crença, protege os vi-oleiros. “São Gonçalo viveu no ano de 1200 em Portugal e protegia os violeiros, pois também era um. Por isso decidimos colocar este nome e também criamos o Troféu São Gonçalo, que entregamos para personalidades que admiramos, como já entregamos, por exemplo, para o Acir Antão, Pereira da Viola e ozier do Cavaquinho”, explica Góes.

No começo, os amigos se reuniam para beber, tocar boa música e compar-tilhar histórias. Hoje, um ano depois, é comum que as pessoas passem pela rua Norita às segundas e se sintam convida-das a parar e conhecer a Confraria, que já avisa logo na porta da garagem, pin-tada a mão, que “Aqui não é bar! É Con-fraria”. “o pessoal passa, pára, pergunta se é bar, a gente explica e convida a se sentar conosco e compartilhar a bebida”, conta Lincoln. Seu irmão Carlos Alber-to Tertuliano, enfatiza que a Confraria só existe por causa da Déa: “o que nos aproximou não foi o Lincoln, foi a Déa. Ficamos todos sensibilizados com a sua doença e começamos a nos reunir para dar um alento a ela, uma alegria”. E pela

cara da Déa, a empreitada deu resultado. “Sabe que quando ela voltou do CTI, ela não falava absolutamente nada? Hoje ela está falando até bem!”, completa Lincoln, orgulhoso de sua companheira.

a garagem é SuaDificilmente quem se depara com a

Confraria pela primeira vez irá se sentir deslocado, mesmo que não conheça nin-guém. Aquelas pessoas fazem questão de que todos se sintam em casa, algo como uma casa de vó, onde os netos sempre es-tão muito bem cuidados e alimentados. É possível notar o cuidado e o capricho com cada detalhe, seja nas mesinhas dispostas e

forrados com tecido de chita, que começam da própria garagem e acabam ganhando a rua, seja nos quadros espalhados pelas pare-des. São lembranças e memórias expostas de forma simétrica, a maioria recente, da própria Confraria, e algumas memórias mais antigas como fotos de Tancredo Neves, Juscelino Kubitsheck e o papa João Paulo II, em sua vinda ao Brasil. Todas elas tira-das pelo Góes, que ainda mostra na carteira suas fotos com o Tancredo e JK, provando a amizade com os ilustres finados, em uma época de ouro.

“JK iria adorar este lugar, é a cara dele. Boa música, boa conversa e boa comida”, comenta Góes. E a boa comida, muitas

a placa pintada à mão avisa: é confraria!

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vezes, é ele mesmo quem faz. os amigos entregam: cozinha como ninguém. “A gente costuma ser-vir um jantarzinho, às vezes al-guém traz alguma coisa, prepara algum prato, mas geralmente é o Góes quem faz isso. Ele faz uma galinhada deliciosa, todo mun-do adora”, diz Lincoln. E é as-sim que acontece a maioria das conversas na Confraria. As pes-soas de riso fácil compartilham histórias, lembranças, e fazem com que a visita de qualquer desavisado seja uma deliciosa viagem ao tempo, cheia de des-cobertas sobre o bairro – a maio-ria dos frequentadores mora no Santa Tereza há anos – e sobre a cidade.

múSiCaA roda de música é um

capítulo a parte. Entre violões, acordeons, bandolins e banjos, os músicos mostram toda a sua habilidade com os instru-mentos, provinda de anos de experiência. É um espetáculo bonito de se ver. As cadeiras e mesas, antes dispostas aleatori-amente pelo passeio e pela rua, agora chegam para mais perto do violão. Todos querem ouvir e cantar as canções que variam da década de 20 até os dias de hoje. o repertório é vasto, mas nada eclético: todas as músicas são de boa qualidade. Pode-se ouvir tanto Nelson Rodrigues, Noel Rosa, Cartola e Almir Sater, como Celly Campelo e o seu Estúpido Cupido, Roberto Carlos e a sua Jovem Guarda, Paulinho da Viola, e até mesmo Engenheiros do Havaí. Como diz Mário Rios, morador do bairro há mais de 50 anos e as-síduo frequentador da Confra-ria, “essas músicas são muito bonitas. Você já reparou que quando há um grupo jovem to-cando essas músicas modernas e passa um velho, ele não vai ficar ali por muito tempo, mas quando há um grupo tocando essas músicas antigas bonitas, o jovem consegue parar e ficar ouvindo?”.

Mário, Antônio Cardoso e Luís Goes, irmão do fotógrafo,

acompanham a Confraria des-de o seu início e sempre estão por ali, jogando conversa fora e ouvindo boa música. É impos-sível se sentar à mesa onde os três amigos conversam e bebem diferentes tipos de cachaça e não passar mais de uma hora ouvin-do as histórias que eles têm para contar. Góes, jorna lista, conta sobre as casas antigas do bairro e sobre como ele e um grupo de moradores se manifes taram para conseguir com que não houvesse mais construções al-tas, para não descaracterizar a região. Antônio e Mário, pro-fessores aposentados, contam as suas traquinagens de criança, como quando foram presos, ainda meninos, por jogarem ovos nas pessoas em exibições de filmes na praça. E se lem-bram, divertidos, de como eram o terror dos guardas nos desfiles de sete de setembro, onde ha-via um cortejo e passava pelas ruas a cavalaria. Eles jogavam bolinhas de gude para os cava-los escorregarem e chupavam limão perto dos músicos que sopravam os instrumentos, pois assim eles ficavam com a boca cheia de água e não conseguiam soprar mais nada, atrapalhando toda a banda.

ConFrareiroSDentre os frequentado-

res mais ilustres está o atual vice-prefeito de Belo Hori-zonte, Roberto Carvalho. Mas os vizinhos já avisam que ali todo mundo é igual. “olha lá

o vice-prefeito chegando com sua esposa. Aqui ele é o pan-deirinho, pois ele sempre traz o pandeiro pra ficar tocando com os músicos”, comenta Mário.

O fotógrafo Góes, Déa e Lincoln com o “Troféu são Gonçalo” na mão

através do espelho, Góes e Lincoln, os idealizadores da Confraria

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Carvalho era um destes pas-santes curiosos que se encan-tam pelo clima da Confraria, e um dia resolveu parar e ficar. Desde então, as suas segundas-feiras não são mais as mesmas. “A Confraria é o resgate da amizade através da música, que sempre uniu as pessoas em toda a história. Nos grandes centros urbanos, como Belo Horizonte, o medo e a violência fazem com que as pessoas acabem se iso-lando, e eu encontrei aqui este grito de liberdade e de amizade.

A rua e a praça são do povo, e as pessoas tem que assumir o que é delas”, poetiza o vice-prefeito, com o seu pandeiro nas mãos.

Carlos Alberto lembra o quanto é rara essa prática na cidade grande. “Essa liberdade que você tem de pôr a cadeira na rua e ficar conversando à toa não é muito comum aqui na capital, não é em todo lugar que você pode fazer isso”. Já para Lígia Mol, vizinha da casa da frente, a beleza do lugar está na diversidade de pessoas. “É uma coisa muito agradável o contato com as pessoas amigas, aqui a gente fica sabendo da história do Santa Tereza, fatos de anos atrás, quando eu nem morava aqui. E eu gosto muito das coi-sas mais antigas, mais aconche-gantes, por isso escolhi morar no bairro, pela simpatia. Toda segunda eu estou aqui, é o dia oficial da cantoria, mas eu tam-bém venho em outros dias da semana, ao chegar do trabalho. Todos se conhecem e se respei-tam muito, é como se fosse uma família grande, vem gente de todas as idades, as gerações se encontram aqui”, conclui Lígia.

A essência do lugar não está apenas nos deliciosos quitutes trazidos por cada um, dentre queijos, biscoitinhos caseiros e batatas. Nem nas bebidas com-partilhadas alegremente de mesa em mesa, seja cerveja, pingas da roça, vinho, sucos ou refri-gerantes. E também não está nas deliciosas canções, principal-mente as antigas, de um tempo romântico e alegre. A essência da Confraria está nas pessoas, nas conversas alegres e despreten-siosas, na preocupação que um tem com outro, mesmo que não conheça, seja ao oferecer um quitute, seja nos cumprimentos amigáveis e sinceros. A união de pessoas francamente interes-sadas apenas em uma boa con-versa e boa música é o que torna o lugar mágico e encantador, e faz com que quem passe por ali, sempre se sinta convidado a ficar e admirar o espetáculo coroado pela lua.

O vice-prefeito de Belo Horizonte, Roberto Carvalho, compartilha a alegria e o pandeiro com os amigos da Confraria

Aqui é permitido dançar no meio da rua

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admiráVeLMarta NevesEla é artista plástica, híbrida e completamente apaixona-da pelo Bob Esponja. Entenda porque seu quadro do Osama Bin Laden feito com ursinhos de pelúcia se tornou famoso no mundo todo e saiba como um desenho animado pode ser considerado uma forma de arte, nesta entrevista exclusiva.

por Juliana Baeta

entrevistar e v i s t a p r o s a . w o r d p r e s s s . c o m

fotos josé vítor camilo

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REVISTA PROSA - Você está satisfeita com os espaços cul-turais de exposição artística que temos em Minas Gerais ou acha que ainda falta alguma coisa?

marTa neVeS - Ah, sempre falta, mas a verdade é que as coisas andam melhorando. Temos, por exemplo, o Inhotim, que é uma referência mundial por se tratar de um espaço muito bem planejado para expor as obras. Há ali um diálogo estabelecido entre a arte, o ambiente e o público, o que facilita muito a aproximação das pessoas com arte contemporânea. Ele destrói toda essa carga que a arte contemporânea tem de ser algo difícil ou distante, justamente por causa da monta-gem das peças e do ambiente, onde a gente se sente extrema-mente à vontade.

Além dele, outros espaços estão começando a acontecer, aqui mesmo em Belo Horizonte, como o Circuito Cultural da Praça da Liberdade e o novo Espaço Cultural do Sesc. Podemos dizer que as coisas estão melhorando neste sentido, ainda que longe do modelo paulista de arte, cheio de espaços e eventos, mas não podemos desconsiderar essas mudanças.

R.P. - Você acha que essas mudanças estão acontecendo pelo fato dos mineiros estarem mais interessados por arte?

m.n. - Pelo contrário, é a disposição de espaços e eventos culturais e artísticos que fazem com que a gente se interesse mais. Quando você oferece mais possibilidades, as pessoas vão dar a resposta. É um pensamento equivocado achar que as pessoas, como não conhecem arte, não se interessam por arte. ofereça a elas a chance de conhecer e você terá o retorno.

“Las Meninas”, da série “À boca pequena, naturalmente”, de 2011, feita com imagem lenticular

o Inhotim destrói toda essa carga que a arte contemporânea tem de ser algo difícil ou dis-

tante, justamente por causa da

montagem das peças e do am-biente, onde a gente se sente

extremamente à vontade

A casa da artista é um verdadeiro ateliê de arte, repleto de referên-

cias de arte contemporânea

É um pensamento

equivocado achar que as pessoas,

como não conhecem arte,

não se interessam por arte.

ofereça a elas a chance de conhecer e você terá o

retorno

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R.P. - Qual a diferença entre arte contemporânea e arte moderna?

m.n. - A arte contemporânea é um sinônimo de arte pós-moderna, embora muitos críticos não concordem com essa ideia. A arte moderna propunha uma ruptura com a tradição, inaugurando ou propondo algo novo, sendo até mesmo utópica em propor um programa de realização do ser humano através da cultura. Já a arte contemporânea não se propõe a este desafio.

o que a gente considera pós-modernidade é algo, no mínimo, sucessor às duas guerras mundiais e, neste contex-to, não se enxerga mais a ideia de uma grande solução para o mundo. Essas grandes utopias do passado não funcionam mais hoje em dia. A arte contemporânea traz essa sensação de que nós não somos capazes de inaugurar algo absoluta-mente novo e que seja uma cura para todos os males da so-ciedade. o desapego da ideia de uma grande utopia é talvez uma marca do nosso tempo.

Junto às utopias da arte moderna estava também a ideia da originalidade antes de tudo, algo que na pós-moder-nidade, nós não temos. Acho que, hoje em dia, ninguém se enxerga como absolutamente original, ao passo que, no iní-cio do século 20, isso ainda era perseguido pelos artistas e pela cultura chamada moderna. Hoje a arte tem menos essa vontade de inaugurar algo novo ou absolutamente utópico, então ela acaba tendo uma releitura inovadora de várias coi-sas que já estão prontas. Ela é muito mais híbrida e con-taminada pelo mundo da cultura. Hoje se mistura todas as referências.

R.P. - Se antigamente a arte era uma questão utópica, até mesmo revolucionária - o que não ocorre mais na contempo-raneidade -, então, qual o papel que a arte cumpre hoje?

m.n. - Isso não ocorre mais nos dias de hoje, mas não signi-fica que uma certa ideia de utopia tenha ruído completa-mente. Acho que a ideia de um lugar prometido, um lugar melhor, um lugar que não existe, sempre será perseguida pela arte, ainda que não mais no sentido do modernismo. Eu acho que a arte sempre vai ter esse papel libertador da nossa imaginação, do nosso consciente ou inconsciente, da nossa vida. Talvez ela seja esse caminho que você pode trilhar sem ter que seguir os pesos todos dos preceitos mo-rais ou de formas já impostas de comportamento. A arte é uma espécie de refrigério, de descanso para o pensamento, necessária para dar aquele fôlego e continuar a viver.

Essas grandes utopias do passa-do não funcion-am mais hoje em dia. A arte con-temporânea traz essa sensação de que nós não so-mos capazes de inaugurar algo absolutamente novo e que seja uma cura para todos os males da sociedade

”“Michael Jackson”, da série “À boca pequena, naturalmente”, de 2011, feita com imagem lenticular

Eu acho que a arte sempre vai ter esse papel libertador da nossa imaginação, do nosso consci-ente ou incon-

sciente, da nossa vida. Talvez ela

seja esse caminho que você pode

trilhar sem ter que seguir os pesos to-dos dos preceitos morais ou de for-

mas já impostas de comportamento

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R.P. - Como surgiu a ideia de um quadro do Osama Bin Laden feito de ursinhos de pelúcia?

m.n. - Quando a Elke Maravilha declarou em um jornal que o Bin La-den poderia ser o novo Jesus Cristo, eu fiquei pensando sobre o assunto. Então, juntando uma ideia com a outra e alguns incô-modos meus sobre o que é legítimo, o que é ver-dade, o que é bom e o que é ruim, eclodiu essa ideia do Bin Laden de ursinhos de pelúcia, doce. Se você reparar em algumas fotos, ele parece mesmo uma figura doce, tem uma cara de Jesus Cristo. Não acho que ele tenha essa cara de boitatá. Enquanto eu co-lava os ursinhos, tive uma verdadeira tara, quase sexual.

R.P. - O seu objetivo foi esse? Suavizar a imagem demonizada do terrorista?

m.n. - Não há um obje-tivo tão claro, talvez seja essa ideia de descontruir a noção do que é bom e o que é ruim. Por que o Bin Laden não pode ser visto como algo bom? De onde vem essa ideia tão clara do que é bom e o que é ruim? Se você diz que o osama é ruim, então quem é bom? o Bush? Eu não acho que ele era bom, prefiro o Bin Laden, entendo me-lhor o lado do Bin Laden, por menos que eu acre-dite em violência. É fácil ser o dono do pedaço e pegar em arma, como o Bush. Agora, é difícil ser a criatura maldita, pegar em arma e ser aceito. Talvez, o que eu quis foi levar este questionamento às pes-soas. Mas eu não tenho uma resposta, eu tenho perguntas.

Por que o Bin Laden não pode ser visto como algo bom? De onde

vem essa ideia tão clara do que é bom e o que é ruim?“

Bin Laden, da série “Cenas para uma vida melhor”, de 2007, feita com colagem de ursinhos de pelúcia sobre tecido de algodão

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m.n. - ouso dizer que há arte no Bob Esponja. Acho que o desenho possui várias características da arte contemporânea e, neste sentido, me coloco junto ao grande filósofo norte-americano Richard Shusterman, que faz uma defesa de cer-tos produtos que ele prefere não chamar de indústria cul-tural, mas de arte popular. Não é por se tratar de cultura de massa que você não pode ter arte.

o desenho do Bob Esponja é de um deboche genial. Cada vez que assisto, descubro mais itens geniais sobre a ideia de demolição da noção de herói, do culto ao trabalho e do que é certo ou errado. Enquanto, há 40 anos, você tinha um Bat-man e Robin na televisão, dois barangos tenebrosos, mas que eram vistos como heróis, no Bob Esponja nós temos como

super heróis, o Homem Sereia e o Mexilhãozinho, dois ve-lhos decrépitos no azilo, o que é sensacional. Acho que há uma leitura da vida cotidiana ali que é muito mais intensa-mente crítica do que se pode notar na primeira visada.

o Bob Esponja é uma arte ultra contemporânea híbri-da, onde há referências aos heróis do passado, ao mundo das propagandas de refrigerante, dos telejornais, ao cinema mudo, como em um episódio, por exemplo, onde aparece um trecho do filme Nosferatu, do Murnau, do início do século XX. Então é tudo misturado, assim como acontece também em um mundo de elementos de diversos discursos dentro das produções da melhor safra da mais erudita arte contem-porânea.

R.P. - Você tem um trabalho onde une arte e o desenho do Bob Esponja. É possível encontrar arte na cultura de massa?

“Por amor à arte II” (detalhe), de 2010, feita com técnica plotter

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R.P. - A arte é acessível a todos?

m.n. - Não vou dizer que é completamente acessível, pois existem produções que exigem certo nível de conheci-mento X ou Y, mas também não vou dizer que é inaces-sível. Inúmeras coisas que são feitas hoje, ou eram feitas há 100 anos, até mesmo o barroco ou o renascimento, poderiam ter uma resposta de acordo com o conhecimen-to prévio do público, mas todas essas formas de arte têm o potencial de falar para todo mundo. Por outro lado, a arte, obviamente, vai ter, em suas diversas manifestações, momentos em que fala mais facilmente para alguém que é mais letrado, dependendo de como se organiza o dis-curso.

R.P. - Dizer que algumas obras exigem certo nível de conhecimento não seria uma forma de elitizar a arte?

m.n. - Aí é que está a minha dúvida. Até que ponto, por exemplo, o renascimento não era assim? Para eu olhar o quadro “os Embaixadores”, de Hans Holbbein, do século VI, e entendê-lo bem, eu preciso saber quem são os dois homens pintados e a quê os objetos em cena se repor-tam. Eram homens proeminentes na política da Europa, ligados a expansão territorial e, para entender a obra, eu preciso ter este conhecimento. Ao passo que uma imagem abstrata produzida por um artista do início do século XX não exige absolutamente nada, apenas que se “viaje” nas cores e formas. ou seja, às vezes, isso que parece elitista acaba não sendo.

R.P. - O que faz alguém se interessar por uma obra de arte é simplesmente a sua beleza estética?

m.n. - o único pré-requisito é que se tenha vontade de olhar para aquilo. No mínimo, a obra tem que ser atraente, e por atraente eu estou dizendo também aquilo que é feio, pois a gente sente vontade de olhar para alguma coisa esquisita, feia, bizarra, esdrúxula, porque isso também é atraente. A gente não gosta de ver um monte de porca-ria na televisão? A arte não tem que ser necessariamente bonita, mas sim, atraente, e causar uma reação. Nós nos apaixonamos tanto pela beleza como pela feiura. As coisas tem que ter um apelo estético, tem que causar uma reação, seja de “amo” ou “odeio”. E de alguma maneira essa reação me motiva a falar alguma coisa, ou seja, é uma reação que envolve certa paixão.

Marta em seu banheiro, todo decorado com peças do Bob Esponja

Os azulejos do banheiro são cobertos por figuras do personagem, e tem até uma esponja de verdade

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aensaio

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JaneLaS,por que não?Quem costuma apreciar Minas

Gerais pela janela sabe como são lindas as suas paisagens, as suas árvores, os seus animais, o seu céu – faça chuva, faça sol ou faça luar -, as suas ruas de pedra, de terra ou de asfalto, a sua gente... Que o digam as famosas namo-radeiras pintadas à mão que pas-sam o dia a espreitar a cidade, debruçadas preguiçosamente nas janelas. E por falar nelas, as janelas, que tal fazer o contrário e, ao invés de observar o mundo através delas, fazer com que o mundo pare um pouquinho para observá-las? É com este objetivo que expomos as diversas janelas de várias cidades mineiras.

Sinta-se à vontade para observar a paisagem do outro lado!

Texto: Juliana BaetaFotos: José Vítor Camilo e Juliana BaetaPoesia: “Círculos”, de João Lenjob

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Círculos aos olharesondas que correm aos céusE brincam de cair no chão...

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E de voltar aos céusNuma forma concreta de sonharou num jeito poético de desenhar...

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Círculos que encostam na vidaE jorram cintilantes a arquiteturaNa mineiridade capital...

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Na graciosidade abstrataNa tão nobre e evidente esculturaParábolas que pulam ao vento...

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Fazendo inertes as atençõesCirculando todos os corações.

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cafeteriar e v i s t a p r o s a . w o r d p r e s s s . c o m

Café com memória digital

Nasci em Belo Horizonte nos anos 80 e, como todo mineiro, sempre estive rodeada por cafezinhos, pães de queijo e várias gulosei-mas típicas. Lembro-me, como se fosse hoje, da Lúcia, uma moça que veio de Entre Rios de Minas e trabalhou lá em casa durante quatorze anos. Uma vez por semana ela ti-

rava o dia para fazer seus deliciosos e inesquecíveis biscoitos de pol-vilho. Só de lembrar, já sinto o gosto e a saudade de uma época que não volta mais. A pia da cozinha repleta de ingredientes. o polvilho doce, com seu cheiro que se espalhava por todo o ambiente, ganhava forma nos tabuleiros. A imagem da minha infância.

os biscoitos prontos iam direto para uma lata de tinta velha. Uma não, várias latas que a Lúcia colocava embaixo da escada. o porquê das latas eu nunca soube. o que sei é que a gente esperava meu pai chegar do trabalho com a mesa já preparada. o ruído do portão que anunciava sua chegada já era motivo para mandar toda aquela ansiedade embora. Como num flash, eu vejo a fotografia de todos ao redor da mesa, acompanhados pelo café passado na hora, o biscoito de polvilho e uma prosa que durava até a madrugada. Esta foto sempre fará parte do meu álbum fotográfico.

Sempre fui analógica demais para uma época tão digitalizada. Quem me conhece sabe que prefiro cartas a e-mails. Enfim, os cos-tumes e tradições tão peculiares de Minas tem se distanciado um

por Patrícia Righi

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pouco da capital do estado. outro dia, um primo de Brasília foi lá pra casa passar uns dias. Para não fugir à regra mineira, usei e abusei da hos-pitalidade. Apresentei a cidade, os pontos turísticos e, no fim da tarde, o levei para uma cafeteria, afinal, desde a sua chegada, o assunto principal não fugiu muito do pão de queijo e do famoso cafezinho mineiro. Para ser sincera, mesmo com a forte ligação entre Minas e o café, fazia muito tempo que eu não ia a uma cafeteria. A falta de tempo, os compromis-sos... A verdade é que não sobra espaço para saborear um bom café fora de casa, como sobra para uma cervejinha num bar com os amigos.

Neste dia, fomos a uma cafeteria recém-inaugurada em um shop-ping. Logo na entrada fomos recebidos por uma moça muito bem edu-cada que vestia um uniforme moderno e sofisticado, bem dife rente do que vestia a mocinha de uma tradicional cafeteria do centro de Belo Horizonte. Não comentei nada com meu primo e continuei a reparar o ambiente. As mesas, cadeiras... Até o porta guardanapos fugia muito do tradicional. o lugar refletia atualidade, algo que jamais esperava por se tratar de uma cafeteria. o que mais me chamou a atenção foi o cardápio. o design inovador e as fotos não me impressionaram tanto quanto as opções. Café com amêndoas, licores, cerejas, entre outras va-riedades. onde estava o cafezi nho expresso com broas de fubá e pão de queijo? Sim, o café estava lá, bem no cantinho inferior do cardápio, mas era ofuscado pelas diversas opções acima. Pedi um cappuccino italiano e meu primo optou por um Submarino, que é composto por leite va-porizado cremoso, café expresso e uma barra de chocolate ao leite. Para acompanhar o lanche ficamos com o pão de queijo.

Se pudesse dar uma nota de 0 a 10, a cafeteria ganharia 10 com aplausos. Ótimo atendimento, ambiente agradável e opções para todos os gostos. Mas o pão de queijo com aquele Submarino servido na taça me fez pensar e rever os meus conceitos. Enxerguei uma Minas dife-rente, uma Minas moderna, não menos Minas que antes, porém. Uma Minas que acompanha o mundo. Que evoluiu assim como o café, que não deixou de ser café, apenas se abriu para novas possibilidades.

Naquele dia cheguei em casa, abri meu álbum de fotografias e, bem ao lado da foto da prendada Lúcia com seus biscoitos de polvilho, acres-centei uma nova foto.

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aarmazém

r e v i s t a p r o s a . w o r d p r e s s s . c o m

Se TroCando

tudo dá!

Buxa, passarinho, chapéu de palha, frutas, macela, bolsas e bolas são alguns

dos produtos vendidos na Mercearia Paraopeba

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Conheça a encantadora Mercearia Paraopeba, estabelecimento que funciona à base da permuta, como na época do descobrimento do Brasil

por José Vitor Camilo

ANão é de se admirar que quem passe pela Merce-aria Paraope-

ba, localizada em Itabirito, nunca saia de mãos vazias. É impossível resistir ao ca-risma e a simpatia de Ro-ninho, ou Roney Antônio de Almeida, de 44 anos, mas “com corpinho de 32”, como o mesmo graceja. São cen-tenas de produtos de todos os tipos dispostos em uma pequena lojinha que com-porta poucos clientes por vez, dado o seu pequeno

tamanho. os badulaques, utensílios, comidas diversas e variedades se amontoam por prateleiras, balcão, pen-duradas no teto, no chão e até mesmo fora da loja. “É impossível saber tudo o que tem aqui, pois entra um produto novo a cada sema-na. E eu não gosto nem de pensar em qual coisa que eu vendo mais. Vai que eu re-solvo vender só aquilo pra ficar rico? Aí perde a graça”, brinca Roninho.

A habilidade em-preendedora do pequeno empresário é notável. Ao

iniciar a entrevista para esta matéria, uma cliente entra e pergunta: “ô moço, você tem um isqueiro baratinho aí?”, e a resposta sai da pon-ta da língua de quem traba-lha com vendas e lida com o público há muitos anos: “aqui é tudo barato uai, mas porque que você não leva o fósforo então, que é mais barato ainda?”. A mulher prossegue o diálogo: “e no fósforo vem quantos pali-tos?”, seguido pela resposta bem humorada: “ah moça, uns 45? Depois eu vou con-tar, é porque agora ‘nós

tamo’ meio sem tempo”. E é com esse sotaque mineiri-nho do interior e muito bom humor que Roninho cativa os clientes e os torna fiéis e amigos.

Para quem está le vando uma garrafa de cachaça, ele brinca dizendo que “pra acompanhar a gaso-lina é bom levar também um tira-gosto, uma lingui-cinha”. Para quem procura bala de gengibre para sarar a garganta ele assume que está em falta, mas que tem coisa melhor ainda: bala de menta. Pra quem quer levar

Em meio aos produtos, Roninho cativa os clientes

fotos josé vítor camilo

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pimenta para temperar a comida ele oferece o mói de madeira, “que deixa um gostinho melhor ainda no tempero”. E quem resiste à boa prosa do mineiri-nho? Todo mundo que vai à Mercearia sempre acaba saindo com mais itens do que o planejado e a cara de satisfeito, pois, além de tudo, os preços são tão ca-maradas quanto o dono do estabelecimento.

Tradiçãoo clima do estabe-

lecimento remete às vendi-nhas antigas, onde o dono conhece os clientes e os “bom dias” são sinceros. A tradição se explica pela própria história da Mer-cearia. “Essa loja aqui tem menos de 30 anos, mas a Mercearia Paraopeba vem passando de bisavô para avô, pai, e agora é minha. E acredito que no futuro, meus três filhos vão con-tinuar tocando o negócio”, conta Roney. A antiga Mer-cearia ficava na cidade alta, onde hoje é o município de Moeda, e era de lá que escoavam todas as merca-dorias da região. o nome vem do rio Paraopeba, que passa próximo ao local da antiga mercearia.

Boa parte dos produ-tos da loja é obtida por meio de permuta com os fornecedores, mantendo a tradição e, assim, o clima histórico do lugar. E tam-bém é deste método de troca que vem a enorme variedade de produtos, pois cada fornecedor que procura alguma coisa na Mercearia dá em troca o que produz ou cria, como milho, ovos, botinas, fumo de corda ou redes artesanais. “Eu procuro trabalhar com o pessoal aqui da região mesmo, pra baratear o custo. Por isso meus produtos não são ca-ros”, conta o empresário. E com a mesma tradição do estabelecimento, diversas

Ninguém resiste a uma “olhadinha” nos diversos produtos da Mercearia

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pessoas também têm um negócio de família que passa de geração a ge-ração, seja colhendo macela para fazer travesseiros, seja fazendo queijo e goiabada, tudo acaba na Mercea-ria. Bom para Roninho e bom para o fornecedor. “Tem uma senhora, por e xemplo, que faz o fubá na casa dela e troca pelas rosquinhas que fazemos com o seu próprio fubá”, conta.

É justamente a quantidade de coisas e a simplicidade do lugar que torna a Mercearia Paraopeba tão atraente. o motorista Jorge Vieira, de 35 anos, morador da cidade há três anos, conta como foi a primeira vez que visitou a Mercearia Paraope-ba. “Quando conheci, me apaixonei, tanto pela cidade, como pela loja do Roninho. Hoje eu trouxe meu cu nhado e fiz questão de apresentar a Mercearia, que é onde a gente encon-tra de tudo. Mesmo quando não vou comprar nada eu passo aqui pra bater um papo”, diz Jorge.

emPreendedoriSmo A Mercearia Paraopeba, que fun-

ciona com a mesma logística desde a sua fundação, já teve a oportunidade de se transformar em um grande esta-belecimento. “Já me ofereceram boas propostas de ampliar a minha loja, até de transformar isso aqui em um supermercado, mas eu prefiro assim. Porque se não eu vou perder a pro-ximidade que eu tenho com os meus clientes, vou ter que industrializar os meus produtos, e eu não quero isso”, explica Roney, que sustenta a família e mantém a casa com os rendimentos da loja.

“Mas uma vez também veio um empresário e falou que iria fazer um evento e insistiu que queria um estande da Mercearia Paraopeba. Aí levamos um caminhão com boa parte das mercadorias e montamos a loja no evento ‘gran fino’. Vou te contar que até moda eu lancei. As madames chegavam de salto alto e acabavam prendendo o pé no deck de madeira, onde ficavam os estandes, aí eu ven-dia a botina pra elas. E isso foi se espalhando, quando eu vi, todas as madames estavam usando a botina

simplesinha aqui da Mercearia Pa-raopeba”, ri o vendedor.

Com o sucesso da Mercearia no “evento gran fino”, o espaço teve quer ser ampliado no dia seguinte para a tender melhor a demanda de consu-midores e curiosos. Após o evento, o estabelecimento ganhou visibilidade e foi parar em matérias de TV, em um documentário e até na Folha de São Paulo, que o empresário exibe orgu-lhoso. Talvez seja difícil para quem não conhece entender o sucesso que um estabelecimento simples como a Mercearia Paraopeba faz. Talvez seja necessário ir à Itabirito e conhecer a loja de Roney Antônio de Almeida para ver de perto porque o estabe-lecimento é um lugar acolhedor e cativante. Mas talvez, o segredo es-teja em quem comanda tudo isso e faz o que gosta, mesmo que não gere tanto lucro. “Todo mundo fala que está indo trabalhar, eu não. Eu digo que estou indo para a Mercearia Pa-raopeba que, além de trabalho, é um verdadeiro prazer pra mim. Isso aqui é bão demais”, esclarece Roninho.

O vendedor garante e o cliente pode provar: doces,

queijos e goiabada cascão da melhor qualidade

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LIA

Ao passar pelo bairro Parque Recreio, em Contagem, basta per-guntar a qualquer um na rua onde fica a casa de “Lia do Vagão”. Todo mundo por lá a conhece

devido ao estilo de vida irreverente e personali-dade marcante. É que ela, hoje, é uma senhora de

70 anos que até pouco tempo, vivia em um vagão de trem –– o qual ainda possui.

Ao embarcar nessa história, é preciso saber que mesmo bonita, no início foi bem difícil. Lia nasceu em uma família pobre e numerosa no in-terior do Espírito Santo. Foi criada por uma prima rica que vivia no Rio de Janeiro, a pedido da mãe, para que a filha tivesse um futuro melhor. Só que não foi exatamente o que aconteceu. Ao invés de

Conheça a surpreendente história da mulher que veio do Espírito Santo para morar em um vagão de trem abandonado em Minas Gerais

por Marília Corradi

perfilr e v i s t a p r o s a . w o r d p r e s s s . c o m

fotos daniel coelho

Lia, no vagão que lhe serviu de casa por vários anos

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ser bem cuidada, ela se tornou criada da casa e não recebia nada em troca por isso. Não podia sair, não tinha amizades, muito menos contato com al-guém de fora.

Assim viveu até os 25 anos, quando decidiu que era hora de viver sua própria vida. Re-solveu fugir. Saiu de lá sem nada e a única coisa que sabia fazer muito bem era maquiar e pentear, umas de suas funções na casa que vivia. E foi assim que começou a trabalhar em um salão de beleza em Belo Horizonte. Maquiava jovens garotas para concursos de Miss. Com o que sobrava do salário, ajudava a mãe.

FamíLiaA ajuda dada à mãe des-

pertou nos demais familiares uma curiosidade. Para eles, se ela podia ajudar, era porque estava com uma boa condição financeira. Com isso, todos foram morar na capital mi-neira com Lia, esperando que ela pudesse sustentá-los. Mas essa não era bem a realidade vivida pela maquiadora. Ela morava em uma casa humilde

na favela, mal cabiam ali! Era preciso achar uma solução para acomodar a mãe, os cu-nhados e as irmãs – 11 pes-soas no total.

A solução foi encontrada perto de sua casa, onde havia uma estação de trem e alguns vagões desativados. Lia pas-sava todos os dias por lá e chegou a conclusão de que era a forma mais viável de solucionar a questão. Para conseguir um vagão, foi necessária uma sindicância. Além disso, era preciso um lote para instalá-lo. Mas o mais caro foi o transporte do vagão para o terreno, pois o local era afastado, não havia ruas nem moradores.

Passaram então a viver no vagão de trem, em Contagem. Com o passar do tempo, Lia foi encaminhando a família, pois não havia como todos ficarem sobre suas costas. Eles também precisavam se tornar independentes e tocar suas próprias vidas. Pouco a pouco isso foi acontecendo, e ela passou a viver no vagão somente com a mãe, até seu falecimento.

SoLidariedadeSeu novo lar passou a ser

visto com bastante curiosidade - na década de 70, ela apare-ceu até no Fantástico. Morar em um vagão de trem cercado por muitas plantas em um lote sempre atraiu muitos olhares. Prova disso é que Lia nunca fica sozinha. Não há um só dia em que ela não receba visitas de cu-riosos querendo conhecer seu vagão. Com o passar dos anos e da forma que pode, construiu alguns cômodos em forma de casa, mas não deixou de ser ir-reverente. É impossível passar na porta e não notar ali algo de inusitado ou especial.

Mas não é apenas a casa que desperta olhares e a trai pessoas. A caridade também faz parte desse lar e é o que rende ami-zades e solidariedade. Por serem tantas pessoas entrando e saindo dessa casa, nada mais justo que os visitantes colaborarem para poder conhecê-la. Então, quem

quiser saber um pouco do estilo de vida de Lia, basta le-var um quilo de alimento não perecível ou colaborar com alguma quantia em dinheiro, para que ela possa organizar uma festa de Natal para pes-soas carentes e distribuir ces-tas básicas, como tem feito há anos.

A ex-maquiadora faz pose para foto que ilustrará livro sobre sua vida

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misticismor e v i s t a p r o s a . w o r d p r e s s s . c o m

São Thomé

das Pedrasa pirâmide proporciona uma visão de 360º da cidade e, também, da natureza ao redor de São Thomé

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Uma aura sobrenatural paira sobre a cidade de São Thomé das Letras, no Sul do estado, refletindo em seu comércio na forma de nomes como “Recanto dos Magos” e “Tenda das Bruxas”. A cidade se destaca pelas ruas e casas construídas com pedras,

pelo grande número de hippies e de cachorros de rua, todos muito bem cuidados e conhecidos por nomes pró-prios. Ao contrário do que muitos pensam, São Tomé não é apenas um lugar místico para “malucos” e caçadores de ETs, fadas, magos, bruxas e duendes. A “boa energia” que dali emana atinge a todas as pessoas que visitam a cidade, sejam místicas ou não.

Este misticismo começa pela própria história da cidade. Reza a lenda que um escravo da fazenda Campo Alegre teve um romance com a irmã de seu senhor. Cansado das agressões, ele fugiu para uma gruta no alto da serra, onde teria visto um homem todo de branco que lhe deu um bi-lhete para que o senhor do escravo o perdoasse, e foi isto o que aconteceu. Na gruta da aparição foi encontrada uma imagem de São Thomé, que foi levada para a fazenda, mas a imagem desaparecia e era sempre encontrada de novo na caverna. Assim, construíram uma capela ao lado da gruta, onde hoje é a Igreja Matriz e devido às inscrições rupes-tres encontradas nesta caverna é que o santo se juntou às letras e a cidade foi se chamar “São Thomé das Letras”. Uns dizem que as pinturas foram feitas por índios cataguases que viviam na região, outros acreditam que são palavras deixadas pelo santo. o fato é que o misticismo que vigora até hoje remete a esta época.

Além das pedras e da magia é possível notar o amor e o respeito que as pessoas da cidade têm pelos animais. São inúmeros os vira-latas espalhados pelas ruas e o que impressiona mais é que todos eles têm nomes. É comum ver as pessoas passando pelas ruas e parando para brincar com eles, chamando-os carinhosamente pelo nome e ali-mentando-os. Rosilene Gomes, dona da loja de artesanatos Ateliê da Bruxa, mantém ração e água no estabelecimento para alimentar os animais que vão visitá-la, além de deixar uma caixinha de doações em local visível para arrecadar dinheiro para comprar ração e pagar castrações e eventuais cuidados médicos. “os animais das cidades pequenas são mais bem cuidados, pois as pessoas têm mais tempo para parar, fazer um carinho, ter este contato com a natureza. Eu faço questão de cuidar destes animais, porque há uma gratidão da parte deles que não se vê em outro lugar. É um amor puro que emana destes seres totalmente inofensivos e indefesos”, conta Rosilene, com lágrimas nos olhos.

O que uma pedra, um cachorro vira-lata e um hippie violeiro têm em comum? Decifre o enigma conhecendo São Thomé das Letras, a cidade mágica

por José Vítor Camilo

Artista da cidade mostra o seu malabarismo com fogo

a chamada Pirâmide é o lugar ideal para quem

quer admirar a paisagem, principalmente o nascer

e o pôr-do-sol

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ParaíSo em PerigoMesmo sendo um pa-

raíso natural cercado por matas, dezenas de cacho-eiras e cavernas, a cidade não foge de um problema universal: a degradação ambiental. A economia local depende diretamente da extração das famosas pedras São Thomé, maté-ria prima das ruas, casas, igrejas e souvenires. Além do uso local, as pedras são bem valorizadas no país, pois são encontradas so-mente na região e utili-zadas em casas de luxos e piscinas, pois não absor-vem o calor do sol e pos-suem resistência e brilho próprio.

Logo na entrada da cidade é possível notar a semelhança da paisagem a montanhas cobertas de neve, mas, de perto, o es-petáculo se mostra aterra-dor: a serra visivelmente destruída para a extração das rochas que são expor-tadas para o mundo todo. os moradores acreditam que as enormes pedras extraídas são levadas para

a construção de castelos em vários países. “o pro-blema é que esta pedra só é encontrada aqui. Possui óxido de silício, uma subs-tância que retém muita energia e é usada para fazer placas de computa-dor”, explica o artesão au-todenominado Rodrigo da Montanha.

Se uns destroem, o paranaense Pedro Linares reaproveitou os detritos das pedreiras para abrir um negócio. Há oito anos, sua empresa – a Siox – se instalou na cidade e pas-sou a refinar os detritos, utilizados em diversas indústrias. “Hoje nós já reaproveitamos, mensal-mente, 450 toneladas de pedras que seriam joga-das na natureza”, conta Linares.

beLeza de PedraBasta uma pequena su-

bida em uma rua íngreme da cidade para ter uma vista de tirar o fôlego. A Pirâmide é um dos pontos turísticos mais visitados da cidade e está a aproxi-

fotos josé vitos camilo

O artesão e músico Rodrigo da Montanha (à esquerda) vive, em 2011, como se estivesse nos anos 70

Gruta São Thomé, onde apareceu a imagem do santo que deu nome à cidade

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madamente 1.300 metros de altura. É uma casinha de pedra - também conhecida como a “Casa da Bruxa” por lembrar uma casa de bruxa de histórias infantis -, onde as pessoas se reúnem ao fi-nal da tarde para apreciar um belíssimo pôr-do-sol coroando toda a cidade. Ro-drigo da Montanha explica porque a pedra São Thomé contribui para o misticismo da cidade: “tudo aqui é feito desta pedra, que é mági-ca. Um místico me disse uma vez que existiam sete chakras [centros de energia] na terra, e sobraram apenas a Ilha de Páscoa e São Tho-mé das Letras”.

outra lenda que ronda a cidade é sobre uma caverna que teria uma passagem até Machu Pichu, cidade perua-na famosa por suas ruínas. Alguns dizem que oficiais do Exército adentraram a tal gruta para desbravá-la, mas retornaram após terem percorrido quase 10 km sem encontrar o seu fim, o que reforça a lenda da ligação Brasil-Peru. E é neste clima de lendas e histórias que as pessoas se encontram, se conhecem e vivem. “É uma cidade pequena onde todo mundo se conhece e vive de forma nostálgica. Vivemos em 2011 como se estivés-semos nos anos 70, com muito rock´n roll. Eu faço artesanato e outros vivem de música”, conta Rodrigo.

Só para loucoso maluco mais famoso da cidade, o compositor Ventania, ou Wilson da Silva,

de 49 anos, conta que aos 14 anos começou a viajar pelo Brasil. Sempre de carona, vendendo artesanato e tocando flauta e violão, o hippie chegou a conhecer alguns países da América Latina. “Mas desde que conheci São Thomé, não larguei mais”, declara Ventania. Quando se mudou definitivamente para a cidade, em 2000, começou a tocar no bar “Do Dois” e, pouco depois, gravou o CD “Só para loucos”. o hippie já morou em diversas cavernas da cidade, tornou-se uma personalidade, não apenas entre os “malucos”, mas também para os turistas. Suas letras tratam de assuntos do dia-a-dia subversivo de comunidades hippies e de temas polêmicos como a legalização da maconha. Sua mensagem para quem não conhece a ci-dade? “Venham mesmo para conhecer, São Thomé das Letras é um lugar mágico, e aproveitem para dar uma voltinha de disco voador”, convida.

divulgação

a entrada da caverna onde, reza a lenda, há uma

passagem para Machu Pichu

a grande maioria das casas de São Thomé

é feita de pedras

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cidadesr e v i s t a p r o s a . w o r d p r e s s s . c o m

por Patrícia Righi

DE PEDRA A ouro

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Nascida na cidade das pedras marinhas que foram ofe-recidas em forma de colar à rainha Elizabeth II pelas mãos de Assis Chateau-

briand, Mariana, mineira do Vale do Jequi-tinhonha, junta suas economias e começa a viagem dos sonhos. Não é uma viagem à Europa, muito menos aos castelos da Dis-neylândia. A viagem dos sonhos de Mari-ana é explorar seu estado, com seus mor-ros e belezas naturais, e percorrer o maior número de cidades das belas Minas Gerais.

Pedra Azul fica para trás, assim como a cidade do farol, que tem como padro-eiro São João Batista. Da janela do trem a menina vislumbra a terra quente castigada pelo sol e, por um instante, as recordações da infância percorrem sua mente acom-panhando os trilhos do trem. Até a volta, Almenara!

Na próxima cidade, Mariana desce do trem ao encontro da tia Conceição, sua parceira de viagem dalí para frente. o so-taque baiano irreconhecível da mineira Conceição anima ainda mais a garota que não vê a hora de continuar aquela rota sem destino. A cidade esbanja alegria, mesmo com todos os problemas econômi-cos citados pela tia. Um salve ao Rio das Araras Grandes, Araçuaí. Ainda nos en-contraremos.

Já no carro, Mariana ouve histórias con-tadas pela tia. Passam agora por uma cidade que foi povoada pelos rumores do ouro e que até o ano de 1760 pertenceu ao estado da Bahia. Minas Novas, antes chamada de Vila de Nossa Senhora do Bom Sucesso das Minas Novas da Contagem, fica marcada como a cidade de maior nome que Mariana já ouviu falar.

Às margens do Rio São Francisco fica a próxima cidade. “o compositor Renato Teixeira homenageia esse lugar com aquela música?”, reflete a garota. Segundo Con-ceição, o nome da cidade foi dado pelos índios Cariris e significa “Pulo do peixe”, pois, no período de reprodução, eles saltam para vencer as corredeiras do rio. Mariana ouve com atenção as explicações da tia. “Ilumina a mina escura e funda o trem da minha vida”.

Ao longo do percurso é fácil perceber a mudança de temperatura. o calor con tinua, porém, mais ameno. Tia e sobrinha ima-ginam Maria Gouveia, a rica latifundiária portuguesa, cedendo seu sobrenome àque-la aconchegante cidade que, antigamente, fez parte dos limites de Diamantina.

Na próxima parada, Mariana e Con-ceição descem do carro e vão ao ponto mais alto da cidade denominado Pico do Quar-tel. o local foi usado para índios da região se protegerem de índios rivais. A vila de

São Miguel de Guanhães passa a ser conhe-cida apenas por Guanhães.

Pela janela do carro a garota observa as árvores que, juntas, mais se parecem um imenso veludo verde em contraste com o azul do céu. Chegam ao município do criador do Menino Maluquinho, seu livro preferido na infância. Na Praça Cesário Alvim, Marina admira e entende a relação entre Caratinga e as palmeiras. Bela cidade das palmeiras!

Pausa para uma parada. A próxima ci-dade tem o nome de um homem. A garota imagina o que uma pessoa tem que fazer para ter uma cidade com seu nome, ainda mais um nome tão comum como João. Se lembra de João das Dores, aquele João da lojinha da esquina da sua rua lá em Pedra Azul. Mariana não consegue imaginar ele cedendo o nome a uma cidade. Mas aquele Monlevade era diferente, não era um João comum, era o francês Jean-Antoine Félix Dissandes de Monlevade, que comandou um estudo geológico do local e descobriu vastas forjas propícias para a produção de ferro na região. Jean, que teve o nome “abrasileirado”, contribuiu para o desen-volvimento da cidade.

Ao sair de João Monlevade, Mariana ainda pensa sobre o tal francês que deu o nome àquela cidade. A tia fala algo sobre o próximo município e a garota não acredita no que ouve. o lugar não estava no roteiro, mas Mariana faz questão de conhecer o município que jamais julgou existir, com um nome tão familiar. A rainha Maria Ana de áustria, esposa do Rei João V de Portu-gal, faz uma homenagem a todas as Marias e Anas e se torna um orgulho para a junção criada por esses dois nomes. orgulho para todas as Marianas.

Não foi somente o João, a Maria tam-bém teve extrema importância para uma localidade. Mulheres como Mariana tam-bém fazem parte desse estado tão grandi-oso e cheio de mistérios. A garota decide continuar a viagem no outro dia. Fica im-pressionada demais com a cidade que leva seu nome. No dia seguinte a menina terá a oportunidade de conhecer e desfrutar o aconchego da cidade que foi a primeira capital do estado. Naquela noite, ao colocar a cabeça no travesseiro, Mariana se lembra de Pedra Azul, a pequena cidade onde viveu seus vinte e poucos anos e que agora já parece muito distante. A imagem que fa-zia de Minas Gerais também parece muito distante.

Mas a distância parece tão próxima ao saber que no próximo dia sua primeira viagem chegará ao final. Parece que ela arrumou as malas, piscou os olhos e o fim do passeio chegou. Mas aquela noite pare-cia não ter fim. Até amanhã, Vila Rica!

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lendasr e v i s t a p r o s a . w o r d p r e s s s . c o m

Conheça a lista dos mais procurados pela Associação dos Caçadores de Assombração de Mariana

caçadores de Assombração

sede da associação dos Caçadores de assombração, onde também funciona

o Espaço Cultural Maria sabão

jornal o espeto/acam

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por José Vítor Camilo

Lançado em 1928, em Pass age m , distrito da cidade de M a r i a n a , o jornal o

Espeto era o porta-voz de aproximadamente 5 mil trabalhadores da mina de ouro que havia no local. o periódico circulou du-rante toda a década de 30, mas teve o seu fim. Setenta anos após seu lançamento, Leandro Henrique dos Santos, jornalista e neto de um dos fundadores d’o Espeto, resolveu retomar o projeto em Mariana e manteve várias colunas da antiga edição. Entre elas, a chamada “Nossos Cau-sos” contava casos de mo-radores que viram assom-brações na cidade.

Foram vários os re-latos de aparições como lobisomens, um capitão fantasma, a noiva de Fur-quim, dentre outros. Com o tempo, surgiu a ideia de fazer retratos falados das assombrações, o que agra-dou os leitores. Porém, a coluna alcançou o seu ápice quando o jornal chegou a Barra Longa, ci-dade próxima à Mariana. “Eu entrevistei cerca de 56 pessoas que afirmavam ter visto um bicho que era uma mistura de lagartixa, macaco, galinha e peixe, e que arrastava vacas, bezer-ros, cavalo e até gente pro fundo do rio Carmo em época de cheia. Foi aí que começou a história do Caboclo D’água”, explica o jornalista. Com o retrato

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falado em mãos, a caçada começou.

Alguns interessados no assunto se juntaram à Leandro e começaram a estudar o fenômeno. En-tre eles, estava o profes-sor universitário Milton Brigolini Neme, que teve a ideia de oferecer 10 mil reais para quem conseguis-se pelo menos uma foto-grafia do monstro. Foi aí que a fama do Caboclo D’água começou. os prin-cipais jornais mineiros - e até mesmo alguns de ou-tros estados - noticiaram a busca pela lenda. Canais de televisão foram filmar o local e o retrato falado do bicho se espalhou e assus-tou desde a humilde mora-dora da cidade de interior até a madame da capital. Mas, com a fama, vieram os questionamentos: e se alguém aparecesse com a foto, qual seria o critério para decidir se a imagem era verdadeira ou não?

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Foi então que surgiu a idéia da criação da ACAM (Associação dos Caçadores de Assombração de Mari-ana). Desde o início das investigações até hoje, o grupo já conseguiu fazer o retrato falado de mais de 30 assombrações de Mariana e cidades vizinhas. Mas não vá pensando que é fácil en-trar para a lista de procura-dos da Associação. Para ser aceito como assombração procurada, o candidato precisa de alguns requisi-tos. A assombração tem que ter sido vista por mais de uma pessoa e em dife-rentes épocas; precisa haver comprovação de pertur-bação social, uma vez que os caçadores não buscam assombrações pacíficas; comprovação de fato real vinculado à assombração, como boletim de ocorrên-cia, atestado médico e, até mesmo prova de ataque a humanos ou animais, como ferimentos e cadáveres.

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gameleirar e v i s t a p r o s a . w o r d p r e s s s . c o m

A árvore e a igreja

Para conhecer o sertão mineiro, o médico Cris-tiano Araújo resolveu desbravar o norte de Mi-nas Gerais, tendo como guia o rio São Francisco e, como roteiro, os livros de

Guimarães Rosa, de quem é fã. A viagem começou pela cidade de Carlos Chagas, onde houve a descoberta da doença de chagas pelo médico sanitarista de mesmo nome. A partir daí, a expedição seguiu o rio São Francisco, passando pelas cidades que o margeiam. Cercada de descobertas e belezas naturais, a viagem foi documen-

Descubra porque uma árvore se transformou no principal foco de uma viagem pelo norte do estado

por Juliana Baeta

a árvore tomou conta das ruínas da igreja do século XVII, embelezando a paisagem

Rio das Velhas, próximo ao desague no rio são Francisco,

na Barra do Guaicuí

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castelodopoeta.blogspot.com

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tada em vídeo pelo médico e um grupo de amigos. “A nossa ideia é fazer um documen-tário”, explica Cristiano.

Porém, antes de completar o roteiro previsto, o grupo parou na cidade de Barra do Guaicuí, localizada na Várzea da Palma, no Alto São Fran-cisco, para contemplar uma árvore. É que não é uma ár-vore comum. É uma enorme gameleira nascida rente à rui-na de uma igreja abandonada. A copa da árvore chegou a ultrapassar o teto da igreja. “A colonização de Minas é muito antiga. Todo mundo acha que as igrejas antigas do estado fi-cam em Mariana, ouro Preto, mas as igrejas mais antigas estão localizadas no norte. A diferença é que estas igre-jas não tem a opulência das igrejas históricas, são igrejas pobres e mal conservadas, do século XVII”, conta o médico.

“Essa árvore cresceu natu-ralmente na parede de pau-a-pique da igreja, deixando a paisagem maravilhosa. Nin-guém sabe como ela nasceu ali, certamente alguma ave deixou uma semente por lá. o mais interessante é que ninguém da região sabia in-formar sobre a gameleira e a igreja, até para localizá-las foi difícil. A única pessoa que sabia a respeito da igreja em toda a região era uma senhora que morava ao lado. Ela con-tou que a igreja foi construída por índios catequizados por jesuítas no século XVII”, diz Cristiano. o médico viu a foto da igreja em algum livro do Guimarães Rosa e decidiu ir conhecê-la.

gameLeiraA professora de geografia

Simone Ramos explica que a gameleira é encontrada em florestas tropicais onde o calor é predominante e há umidade constante. Por isso é tão cu-riosa a incidência desta es-pécie no norte de Minas, onde a vegetação que predomina é o cerrado. “A gameleira, ou figueira, pode nascer e crescer até mesmo em outra árvore. Uma pequena muda começa a

nascer sobre o tronco de outra árvore, com seus ramos pro-curando a luz do sol e as raízes descendo em direção ao solo. Com o tempo, a nova árvore vai crescendo e sufocando a antiga, que acaba morrendo. É um processo demorado e pode levar décadas”, explica a pro-fessora. Uma gameleira adulta pode chegar a até 20 metros de altura e dois de diâmetro. “Há registro de uma espécie na Ín-dia que já tem dois séculos de existência com uma copa de 330 metros de circunferência”, completa.

“Acredito que a árvore en-contrada na Barra do Guai-cuí seja uma gameleira F.

enormis, pois esta subespécie de gameleira é caracterizada por germinar sobre ruínas, fendas de pedras ou sobre outras árvores, a partir de sementes disseminadas por pássaros”, explica Simone. Deste modo, é possível supor como a árvore nasceu no meio de uma pedra, mas ain-da é difícil datar sua idade, assim como também é difícil obter informações concretas a respeito da própria igreja. Mas, talvez, o mistério em torno da árvore nascida na ig-reja – que não tem nome – na Barra do Guaicuí contribua ainda mais para a beleza es-tonteante do lugar.

Cristiano Araújo, o médico que virou explorador

Os companheiros de viagem João Lenjob e Cristiano admiram as

enormes raizes da gameleira

castelodopoeta.blogspot.com

juliana baeta

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O pastel

Um velho clichê utilizado em todo o Brasil é que mineiro só come pão de queijo. Não podemos negar que é uma das diversas iguarias deliciosas da gastronomia de nosso estado, mas essa ideia, muitas vezes, impede que as pessoas conheçam

outras maravilhas da culinária mineira, tão peculiar. Um dos pratos mais tradicionais continua desconhecido por alguns, em-bora, hoje, seu sabor já esteja difundido até mesmo em outras

Depois de conhecer a história do pastel de angu, prato típico de Itabirito, você com certeza vai querer experimentar e, por isso, trazemos a receita desta delícia

por José Vítor Camilo

gastronomiar e v i s t a p r o s a . w o r d p r e s s s . c o m

de Philó e Conga

antenados.net.br

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Conversa boa de M

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aPrenda a Fazer

ingredienTeS:

• 1 litro de água

• ½ Kg de fubá de milho moído em moinho d’água (peneirado)

• 2 colheres de sopa de óleo

• 1 colher de chá de sal

• 1 ovo

• 1 pitada de bicarbonato

• ½ copo (americano) de polvilho azedo (peneirado)

• Recheio a gosto (carne moída, frango, queijo, bacalhau e umbigo de banana)

modo de Fazer:

• Ferva em uma panela a água, o sal e o óleo. Assim que estiver fervendo, acres-

cente o bicarbonato e, em seguida, vá colocando o fubá, mexendo rapidamente

com uma colher de pau para não embolar. Deixe cozinhar um pouco e então tire

do fogo e vire a mistura em uma mesa (de pedra). Acrescente à massa o polvilho

e o ovo e, depois, sove a massa ainda quente, até que fique consistente. Enrole a

massa em um pano de prato úmido e vá fazendo os pastéis, recheando-os como

quiser. Frite em óleo bem quente e não mexa até que comece a dourar.

Bom apetite!

josé vítor camilo

regiões do país: o pastel de angu. o prato, a princípio, fazia muito sucesso em sua terra natal, Itabirito, mas permanecia desconhecido não só fora de Minas, como também em outras regiões do próprio estado.

o pastel foi criado, na verdade, em Itabira do Campo, um distrito de ouro Preto, no século XIX, aproximadamente em 1851. Após a morte do Sr. José Ferreira de Aguiar, a Fazen-da dos Portões foi vendida a um homem chamado Da-vid Pereira Lima. A esposa do novo senhor da fazenda, Dona Ana Joaquim de Lima, conservava uma boa relação com as escravas e acabou levando duas delas, Philó e Maria Conga, da senzala para o casarão. As duas foram as primeiras a utilizar as sobras de angu, principal alimentação dos negros na época, para fazer os pastéis. Como não tinham acesso à carne, as escravas acabaram criando um guisado feito com umbigo de banana.

No início, a iguaria ti-nha a forma arredondada, e ganhou o formato de hoje por volta de 1885, pelas mãos de Dona Ana da Prata Baêta, que era conhecida na época por “Dona Saninha da Prata”. Em 1915, a se-nhora passou a receita para sua nora, Emília Martins Baêta, a Dona Milota, fale-cida em 1972. Com o tem-po, o sabor distinto dessa delícia acabou chegando às cidades mais próximas, conquistou a capital e tam-bém foi “importado” para o restante do país.

Hoje, a receita de Philó e Maria Conga foi incremen-tada com vários recheios como bacalhau, carne de boi, frango e queijo, mas a tradição continua forte, uma vez que a receita con-tinua sendo passada de mãe para filha, mantendo fiel a forma de como se preparar e fritar os famosos pastéis de angu.

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MúSICA?múSiCa mineira

John: Gosto do fato de aqui con-viverem estilos muito diversos. As coisas folclóricas, o pop, o Clube da Esquina, o metal, o indie rock... Tudo tem bastante representativi-dade. Não somos mineiros de levan-tar a bandeira da “mineiridade”...  A banda é daqui, adoramos morar em Belo Horizonte, a maior parte dos integrantes também, mas o que car-regamos de mineiros em nosso som é algo que tem a ver com o que não se pode fugir, é um pouco do sotaque, talvez a maneira de lidar com a car-reira. o fato é que pessoas de outros estados costumam perceber melhor o que há de mineiro na gente.

Compus a música “Simplici-dade” em Portugal, não aqui! Ela vem da percepção que as cidades peque-nas são cheias de gente simpática.

Portugal é um lugar bipolar, gente muito simpática ao lado de gente permanentemente irritada. Mas a proporção de simpatia aumenta nas cidades pequenas. E isso se aplica a qualquer lugar do mundo, eu acho. o engraçado é que sempre consi-derei Portugal como uma espécie de “hiper-Minas Gerais”. Quando estive lá pela primeira vez, pensei: então é daqui que Minas vem...

digo: É impossível definir a música do estado de Minas Gerais, mas não há melhor música em nenhum outro lugar. Temos, por exemplo, o Clube da Esquina, Lô Borges, Milton Nas-cimento, que formaram a música de Minas de uma forma maravilhosa, e não há como definir o som deles em um estilo musical. Não é rock, não é mpb, não é bossa nova. É simples-mente música de Minas.

Convidamos cinco músicos mineiros de diversos estilos para falar sobre música e Minas, e a música em Minas. Um artista independente, um músico que acabou de lançar o seu disco, uma banda que vive a viajar pelo Brasil, um c antor de barzinho que pretende alçar vôos mais altos com um novo projeto e o guitarrista do Pato Fu. O que eles têm a dizer?

por Juliana Baeta

ritmor e v i s t a p r o s a . w o r d p r e s s s . c o m

Vamos falar de

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Conversa boa de M

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Fabão: o nosso estado é rico em diversidade musical e tem excelentes artistas com destaque nacional e até mundial. Em relação aos eventos, pela grande quantidade de municípios, há muitas casas de shows e even-tos, e público que curte muito música ao vivo. Porém, grande parte dos realizadores de eventos dá espaço só para o estilo musi-cal que está na “crista da onda” e, assim vem sendo desde 2008 com o “sertanejo universitário”. Mesmo assim, ainda sobra um espaço pra outros estilos, que é bastante cobiçado por artistas de outros estados.

aLex: Inegavelmente temos artistas espetaculares, tanto de uma geração anterior, quanto quem está fazendo música agora. E, como quem está na sua aldeia te influencia muito, a nossa cultura musical tende a ser muito bacana. o que eu acho que pode ser meio empo-brecedor é o que acontece no país inteiro, talvez no mundo: as apostas são feitas em cima de determinado gênero/segmento e o que se mostra para o povo é SÓ aquilo. Então, em BH, vejo uma

monopolização dos espaços por parte de determinados segmen-tos, o que pode ser nocivo para o desenvolvimento de uma cena musical mais plural e complexa. Isso, em longo prazo pode ser um desastre para a cultura musi-cal de um lugar.

Luan: o estado tem evoluído bastante em relação à cultura. Quando você toca, ou pro-duz curtas, ou faz parte de um grupo de dança, ou trabalha com arte em qualquer esfera, você tem a oportunidade de ver que vivemos em uma região privilegiada. os mineiros têm produzido muito e muita coisa boa. Não é atoa que tem sido uma boa ideia organizar fes-tivais que possam reunir e es-coar toda essa produção. A in-ternet é a plataforma que mais propôs mudanças no mercado cultural. É uma coisa sem pre-cedentes históricos, um artista poder publicar trabalhos sem fronteira e sem custo. No en-tanto, isso também aumentou a concorrência e dificulta o crescimento exponencial de um artista como acontecia há tempos atrás.

Digo Ribeiro é compositor e cantor e acredita que não há uma definição exata para a sua música. Ele vai do blues ao baião, da bossa nova à moda de viola, e bebe de toda a fonte. Experi-mental talvez, com um resultado final rock and roll. “Pode mos dizer que eu faço rock, mas me inspiro em Bezerra da Silva, Zé Geraldo, Milton Nascimento, e em outros estilos musicais, e por último eu recorro ao rock, pois sei que minha levada vai acabar sendo o rock por natureza”, diz. Dica de Digo: “em Mi-nas Gerais, hoje em dia, temos o Graveola e o Lixo Poli fônico, música de alta qualidade”. Também é possível conhecer músi-ca de qualidade aqui: myspace.com/digoribeiro

digo ribeiro

múSiCa mineira

digo: Em minha opinião, o lugar da música independente no Brasil é Belo Horizonte, pois é um ambiente muito receptivo para os músicos. Tem um Festi-val em BH, organizado pela Malu Aires, solista do Sagrado Coração da Terra, que é o BH Indie, magní fico, são 42 dias de festival com bandas do país inteiro. Por outro lado, ainda falta em Mi-nas espaços para se apresentar as músicas autorais. o que mais ve-mos em barzinhos e shows são os co vers, músicas do Djavan, Janis Joplin, The Doors. Falta coisa nova. Em BH temos dois lugares que abrem espaço para as músicas autorais, que são a obra e o Matriz. Mas eu, como músico indepen-dente, consigo sobreviver tocando em apenas duas casas de show?

Uma coisa importante que deve ser observada é a técnica. Por exemplo, há algum Beatle

Luan Nobat lançou recentemente o CD “Disco Arranhado” através da Lei de Incentivo à Cultura, e ainda não encontrou definição para o seu som. “Talvez eu faça rock, talvez indie rock, talvez eu faça um indie rock - Clube da Esquina com pitadas de Garage, um leve flerte com a música eletrônica e algo de grunge, quem diria?”, diz. Talvez, a música de Nobat seja um pouco como arte, que requer interpre-tações individuais de quem escuta, e não uma definição pré-conce-bida do artista. Para descobrir do que se trata, é possível escutar e baixar as músicas do cantor em nobat.bandcamp.com

Luan nobaT

que é o melhor do mundo? Mel-hor vocalista, melhor baixista, melhor baterista ou melhor gui-tarrista? Não. Mas os Beatles são a melhor banda do mundo, porque eles têm um grande nível técnico de música, eles sabem o que estão fazendo, entendem de teoria. É muito bom você tocar em cima de um palco, ver o que o público está gostando, mas não podemos

esquecer a parte técnica. A maio-ria das pessoas que gosta de músi-ca não entende de teoria, gosta da música apenas pela sonoridade. Mas alguém que entende e escuta a sua música vai perceber se você sabe o que está fazendo ou não. Então, fica aqui este toque pros novos músicos: trabalhe a sua música com qualidade, com té-cnica, estude.

aLex: Bem, os ouvidos estão se acostumando à repetição e isso, em longo prazo, pode ser bem nocivo para aqueles que têm uma produção nova para mostrar. Normalmente, as pessoas saem de casa para ouvir a música que já conhecem ou para tomar um chope com música servindo de fundo. o que acho é que a inter-net ajuda quem está começando

divulgação

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A banda Manitu é formada por Alexandre Maia (voca-lista), Daniel Couto (guitar-rista), Emerson Neiva (ba-terista) e Fabão (baixista) – que é quem responde essa entrevista. o som dos mi-neiros vai do pop ao reggae, criando uma sonoridade dançante. As referências da banda no estado são Skank, Jota Quest, 14 Bis, Sideral e Sepultura e, de modo geral, as influências são Bob Mar-

ley, Sublime, The Police, Gilberto Gil, Paralamas do Sucesso, dentre outros. A banda começou em 2001

e hoje já é conhecida na-cionalmente.

o site oficial dos meni-nos é manitu.art.br

maniTu

A banda de rock mineira dispensa apresentações. Desde 1992, o grupo está na estrada e, hoje, viaja pelo Brasil e pelo mundo para mostrar a música carregada com o sotaque de Minas Gerais. São eles: Fernanda Takai, John Ulhoa – o nosso entrevistado, Ricardo Koctus, Xande Tamietti e Lulu Camar-go. Podemos, inclusive, sintetizar um pouco da essência do estado na música “Simplicidade”, composta por John, que diz: “vai diminuindo a cidade, vai aumentando a simpatia, quanto menor a casinha, mais sincero o bom dia... quanto mais simplicidade, melhor o nascer do dia”. o site oficial da banda é patofu.com.br

PaTo Fu

ou quem não tem meios de di-vulgar seu trabalho na grande mídia. Tenho feito shows e tenho tido público para esses shows por causa da divulgação via internet, nas redes sociais e pelo e-mail. Não fosse isso, se-ria complicado viabilizar uma divulgação, principalmente por se tratar de um trabalho não conhecido, novo.

Luan: Falta um incentivo or-ganizado que permita ao artista dar um passo inicial em sua carreira. Se você não tem bons contatos, os editais de Leis de Incentivo à Cultura não são instrumentos eficazes, porque você vai sempre precisar de uma empresa e o seu trabalho vai disputar o patrocínio dessa empresa com o Skank e com o Milton Nascimento. Assim, a lógica de lei de incentivo, que é a grande salvação pros artistas in-dependentes do Brasil - que, tal qual o resto do mundo, vivem a era da dissolução da indústria fonográfica - não funciona. A lei é importante para um primeiro passo, um empurrão inicial para que o artista consiga andar com suas próprias pernas de-pois, mas a gente sabe que não é exatamente assim que funciona.

LugareS

Fabão: Adoramos a estrada e cada lugar tem sua marca, sua particularidade. Destaque para a receptividade do público do centro-oeste mineiro: Pará de Minas, Divinópolis, Itaúna, Bom Despacho e demais ci-dades da região. Aliás, o cari-nho do público mineiro com a banda é muito grande, e tenta-mos retribuir da melhor forma possível. Rodamos bastante por todo o estado, mas devido à agenda de compromissos, raramente temos tempo de co-nhecer bem as cidades. Quem me dera ter tempo para dar um pulo em cada cachoeira de Mi-nas Gerais.

John: Meu lugar favorito em Minas é Belo Horizonte. Disso, não tenho dúvida!

os parceiros musicais Samir Nassif e Alex Manzi – nosso entrevistado - se uniram em mais um projeto mu-sical: o Vermelho Vivo. A banda, que conta com a participação de outros músicos para compor o som, mas que tem como núcleo Samir (violão) e Alex (voz), possui composições da dupla e releituras de pop, rock, mpb e o que mais se apresentar. “Lançar mundos e possibilidades num uni-verso musical já cheio de mundos e possibilidades já é rico o suficiente para um trabalho se desenvolver e adquirir a espontaneidade que tanto

VermeLho ViVo

fascina”, diz Alex. Para saber o que significa isso tudo: reverbnation.com/vermelhovivo

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