112
UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE FACULDADE DE EDUCAÇÃO 2015 2015 2015 2015 REVISTA QUERUBIM Letras Ciências Humanas Ciências Sociais Ano 11 Número 26 Volume 1 ISSN 1809-3264 REVISTA QUERUBIM NITERÓI RIO DE JANEIRO 2015 N ITERÓI RJ

REVISTA QUERUBIM Ciências Humanas Ciências Sociais · Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e ... gestos de

  • Upload
    ngohanh

  • View
    229

  • Download
    0

Embed Size (px)

Citation preview

Page 1: REVISTA QUERUBIM Ciências Humanas Ciências Sociais · Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e ... gestos de

Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 11 Nº26 vol. 01 – 2015 ISSN 1809-3264

Página 2 de 112

UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE

FACULDADE DE EDUCAÇÃO

2015 2015

2015 2015

REVISTA QUERUBIM

Letras – Ciências Humanas – Ciências Sociais

Ano 11 Número 26 Volume 1

ISSN – 1809-3264

REVISTA QUERUBIM

NITERÓI – RIO DE JANEIRO

2015

N I T E R Ó I R J

Page 2: REVISTA QUERUBIM Ciências Humanas Ciências Sociais · Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e ... gestos de

Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 11 Nº26 vol. 01 – 2015 ISSN 1809-3264

Página 3 de 112

Revista Querubim 2015 – Ano 11 nº 26 – vol.1 – 112 p. (junho – 2015) Rio de Janeiro: Querubim, 2015 – 1. Linguagem 2. Ciências Humanas 3. Ciências Sociais Periódicos. I - Titulo: Revista Querubim Digital Conselho Científico Alessio Surian (Universidade de Padova - Italia) Carlos Walter Porto-Goncalves (UFF - Brasil) Darcilia Simoes (UERJ – Brasil) Evarina Deulofeu (Universidade de Havana – Cuba) Madalena Mendes (Universidade de Lisboa - Portugal) Vicente Manzano (Universidade de Sevilla – Espanha) Virginia Fontes (UFF – Brasil) Conselho Editorial Presidente e Editor Aroldo Magno de Oliveira Consultores Alice Akemi Yamasaki Andre Silva Martins Elanir França Carvalho Enéas Farias Tavares Guilherme Wyllie Janete Silva dos Santos João Carlos de Carvalho José Carlos de Freitas Jussara Bittencourt de Sá Luiza Helena Oliveira da Silva Marcos Pinheiro Barreto Paolo Vittoria Ruth Luz dos Santos Silva Shirley Gomes de Souza Carreira Vanderlei Mendes de Oliveira Venício da Cunha Fernandes

Page 3: REVISTA QUERUBIM Ciências Humanas Ciências Sociais · Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e ... gestos de

Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 11 Nº26 vol. 01 – 2015 ISSN 1809-3264

Página 4 de 112

Sumário

01 "O gladiador tranquilo": análise da construção de sentido verbo-visual em uma capa da revista Veja – Alana Destri, Andressa Trento, Ediane Fátima Mezomo, Isabella Todeschini, Raquel Souza Tré e Anselmo Lima

04

02 Sobre a noção de político e as relações de sentidos entre língua e discurso – Alâna Capitanio 11

03 Do picadeiro à escola: as atividades circenses e as relações com a educação física - Aline de Souza Caramês, Daiane Oliveira da Silva e Hugo Norberto Krug

17

04 Impactos causados pelo esgoto a céu aberto: estudo de caso da Avenida XXV de Julho de Pelotas – RS – Ana Luiza Kroning Gonçalves

24

05 O tutor na educação a distância: um estudo sobre a mediação reflexiva e dialógica – Andréia Santana de Carvalho

31

06 Dialética e fenomenologia: as andarilhagens de Paulo Freire – André Luis Castro de Freitas e Luciane Albernaz de Araujo Freitas

39

07 Língua Portuguesa e ensino: gestos de inter-ação na e pela linguagem – Angélica Pereira Martins, Hélder Sousa Santos e Paula Boaventura Veloso

47

08 A figura do nordestino na obra “a Hora da Estrela” – Arlete Ferreira dos Santos Viviana de Souza e Simone da Silva Santos Moura

52

09 Hegemonia, cotidiano e consumo cultural em Antonio Gramsci – Jean Henrique Costa

57

10 La transformación en los grupos interactivos – Estefanía Fernández Antón 63

11 Du_Bod e o raio-x do país: um olhar sobre a produção marginal brasileira contemporânea – Fernando Reis de Sena

72

12 A importância da educação ambiental como atividade transdisciplinar no ensino fundamental – Heloisa Carla Xavier Marthos dos Santos, Samanta Gallo Cabral e Talal Suleiman Mahmoud

77

13 O canibalismo amoroso em Dentro da Noite, de João do Rio – Hilda Gomes Dutra Magalhães

86

14 Conhecendo as unidades escolares que ofertam o ensino médio no município de Formosa – Goiás – Hugo de Carvalho Sobrinho

93

15 As marcas docentes na formação inicial em Educação Física – Hugo Norberto Krug, Cassiano Telles, Rodrigo de Rosso Krug e Victor Julierme Santos da Conceição

101

16 Ensino de gramática e análise linguística na escola: uma breve consideração teórica – Ionara Miranda da Cunha e Bruno Gomes Pereira

108

Page 4: REVISTA QUERUBIM Ciências Humanas Ciências Sociais · Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e ... gestos de

Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 11 Nº26 vol. 01 – 2015 ISSN 1809-3264

Página 5 de 112

"O GLADIADOR TRANQUILO": ANÁLISE DA CONSTRUÇÃO DE SENTIDO VERBO-VISUAL EM UMA CAPA DA REVISTA VEJA

Alana Destri Andressa Trento

Ediane Fátima Mezomo Isabella Todeschini

Raquel Souza Tré1 Anselmo Lima2

Resumo O foco deste trabalho é a construção de sentido verbo-visual na capa da revista Veja do dia 14 de março de 2012, com a manchete “O GLADIADOR TRANQUILO”. O objetivo é analisar se a palavra "gladiador" tem nos dias atuais alguma ligação com o sentido inicial com o qual era conhecida na época dos combates realizados antigamente. Faz parte da metodologia do estudo a consulta a dicionários latinos, etimológicos e contemporâneos. A fundamentação teórica diz respeito aos conceitos de significação e tema (ou sentido) tais como apresentados por Bakhtin/Volochinov e comentados por Cereja. Os resultados demonstram que é notável a diferença de sentidos que a palavra teve ao longo da história e permite concluir que significação corresponde a sentidos que historicamente se sedimentam. Palavras-chave: significação; tema; verbal; visual. Abstract The focus of this article is the verbal-visual meaning-making process on the cover of Veja magazine published on March 14th, 2012, with the headline "O GLADIADOR TRANQUILO". The objective is to analyse whether the meaning of the word "gladiador" is at present somehow linked to its original meaning with which it was known in the time of ancient combats. The methodology of the study involves the use of latin, etymological and contemporary dictionaries. The theoretical foundations consists in the concepts of meaning and theme such as they are presented by Bakhtin/Volochinov and commented on by Cereja. The results demonstrate the remarkable difference between the meanings that the word had throughout history and allows to conclude that meaning corresponds to themes that are historically sedimented. Keywords: meaning; theme; verbal; visual. Introdução

O uso da língua e da linguagem é uma das características dos seres humanos que os diferencia dos outros animais. Sejam elas escritas ou orais, são empregadas pelas pessoas com muita frequência e de forma ora mais, ora menos espontânea. Entretanto, dificilmente paramos para pensar, pesquisar e analisar, por exemplo, qual é a origem das palavras que utilizamos no nosso cotidiano e como esse conhecimento nos ajudaria a melhor compreendê-las ou interpretá-las. Nesse sentido, a pesquisa apresentada neste artigo trata, dentre outras coisas, da palavra “gladiador”, encontrada em uma das capas da revista Veja, mais precisamente na manchete “O GLADIADOR TRANQUILO”, que se refere ao lutador brasileiro de Mixed Martial Arts (MMA), Anderson Silva.

1 Acadêmicas do 5º período do Curso de Licenciatura em Letras Português-Inglês da Universidade Tecnológica Federal do Paraná – Câmpus Pato Branco. 2 Doutor em Linguística Aplicada e Estudos da Linguagem pela PUC-SP; Professor da Universidade Tecnológica Federal do Paraná – Câmpus Pato Branco, [email protected].

Page 5: REVISTA QUERUBIM Ciências Humanas Ciências Sociais · Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e ... gestos de

Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 11 Nº26 vol. 01 – 2015 ISSN 1809-3264

Página 6 de 112

Serão apresentadas: 1) a metodologia ou procedimentos de pesquisa utilizados no estudo, desde a escolha da capa da revista até a seleção da palavra para análise; 2) a fundamentação teórica; 3) a análise da palavra “gladiador”, com pesquisa em dicionários e ênfase em suas diferentes significações ao longo da história; 4) a relação da palavra “gladiador” com a palavra “tranquilo”, bem como com o sintagma “o gladiador tranquilo”, que - como título-manchete - está intimamente ligado à imagem, isto é, ao visual da capa; e, finalmente, 5) os resultados da pesquisa.

Aparentemente, a revista Veja empregou a palavra “gladiador” com o sentido atual de

“lutador”. Mas será que a palavra “gladiador” sempre teve esse sentido que conhecemos "tão bem" hoje? Qual é a sua origem? Em que respostas para essas perguntas poderiam enriquecer e aprofundar a compreensão ou interpretação da capa da revista? Metodologia

Para a realização do estudo, após analisar diversas capas de revista, a equipe de pesquisa optou pela análise da capa de uma edição da revista Veja, que traz a manchete “O GLADIADOR TRANQUILO”. Essa escolha se explica pelo intrigante contraste que a palavra "gladiador" produz em relação com a foto do lutador de MMA Anderson Silva. Participa desse contraste - determinante para nossa escolha da capa - a palavra “tranquilo”, que introduz uma antítese na relação com a palavra "gladiador" (como poderia um "lutador" desse tipo ser "tranquilo"?!), a qual se amplia quando se considera o visual da capa: a foto do lutador com mãos em posição de prece, oração ou meditação: alguém que busca a paz?

Como ponto de partida para a análise, empregamos dicionários etimológicos, nos quais

foram consultadas as origens das palavras "gladiador" e "tranquilo". Em seguida, com base nas palavras latinas indicadas pelos dicionários etimológicos como precursoras dessas duas palavras, foram empregados dicionários de tradução do latim para o português, com o intuito de verificar as correspondentes traduções em português e suas possíveis acepções. Finalmente, com base nessas informações, buscamos o significado atual de cada uma dessas palavras em dicionários contemporâneos. Assim, foi feita uma comparação da significação original de cada palavra com seus respectivos significados contemporâneos.

Posteriormente, levando em conta o contexto de produção da capa, identificamos o

sentido de cada palavra na relação com a matéria da revista, com o visual da capa e com o próprio perfil do lutador. Fundamentação Teórica

Na capacidade de significar de uma palavra, existem dois estágios: um "inferior", o da significação, e outro "superior", o do sentido (ou do tema). A significação é um potencial de construir um sentido, uma capacidade própria dos signos e das formas da língua. É mais estável, no sentido de que tende a permanecer a "mesma". Assim, no estágio da significação, os elementos linguísticos podem ser usados em diferentes enunciações, com a "mesma" significação.

Contrariamente à significação, o sentido não pode ser separado da enunciação, pois os dois

são a expressão de uma situação histórica real. Em consequência disso, o sentido é único e não pode ser repetido, especialmente pelo fato de que os elementos extraverbais também participam da construção do sentido, integrando a situação de produção, recepção e circulação do enunciado. Dessa forma, o instável e o inusitado de cada enunciação, aqui entendida como produção de enunciados, se juntam à significação e com ela constroem o sentido, que vem a ser o resultado final desse processo, incorporando-se à significação, mas nem por isso deixando de ser sempre flexível, mutável e renovável.

Page 6: REVISTA QUERUBIM Ciências Humanas Ciências Sociais · Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e ... gestos de

Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 11 Nº26 vol. 01 – 2015 ISSN 1809-3264

Página 7 de 112

A significação da enunciação, por exemplo, “Que horas são?”, é relativamente estável: ela

se constrói das significações de todas as palavras que fazem parte dela. Já o sentido dessa enunciação não pode ser separado da situação histórica e não pode ser segmentado. Quando um professor pergunta à classe: “Que horas são?”, pode estar querendo saber quantos minutos faltam para o fim da aula; uma criança que faz esta mesma pergunta à mãe, que está fazendo o almoço, pode querer saber a que horas o almoço será servido.

Portanto, enquanto a significação é abstrata e tende à permanência e à estabilidade, o

sentido é concreto e histórico e tende ao fluído, ao dinâmico. Se a significação está para o signo, o sentido está para o signo ideológico (CEREJA, 2010 p.202; BAKHTIN/VOLOCHINOV, 2009, p. 128-136). Análise

A origem das disputas entre gladiadores vêm de rituais fúnebres promovidos pelo povo etrusco. Dois homens eram condenados a lutar para que o vencido fosse usado como sacrifício a fim de acalmar as almas dos ancestrais do falecido. Com o passar do tempo, essas lutas foram gradualmente perdendo a sacralidade e passaram a ser organizadas por Roma para a diversão do povo. Na Roma Antiga, os gladiadores eram criminosos condenados, escravos e prisioneiros de guerra. Como os gladiadores vencedores ganhavam fama e abundantes prêmios, alguns homens livres passaram a participar desses duelos fazendo dessa atividade uma carreira profissional (VITORINO, 2001, p.145).

"Gladiador" refere-se literalmente “àquele que usa o gládio” e vem do Latim gladiātor,

palavra que, por sua vez, se deriva da palavra também latina gladĭum (BUENO, 1974 p. 1581). Segundo o Dicionário Etimológico da Língua Portuguesa Lexikon (2010), gladĭum significa “espada de dois gumes”. Reforçando a ideia de que "gladiador" se deriva de gladĭum, foram encontradas nas paredes das cidades romanas de Pompeia, Herculano e Puteoli diversas representações gráficas de gladiadores, com destaque para a grande variedade de tipos e formas de armas que empunhavam (GARRAFFONI, 2005, p.15).

O vocábulo gladĭum também tem sua origem. É aceito que gladĭum remonta ao período

céltico, visto que as palavras que expressam “espada” nas línguas célticas britânicas possuem uma relevante conexão. Além do campo semântico de armamento, há a combinação característica entre suas consoantes iniciais como em cleddyf (língua gaulesa), kleze (língua bretã) e clethe (língua córnica) (HARPER, 2014). Levando o estudo mais a fundo, podemos relacionar as variações da palavra "gládio" com o Proto-Indo-Europeu, a língua mais antiga a ser reconstruída com estudos histórico-comparativos (O’BRIEN, 2014, p. 2). O Proto-Indo-Europeu possui a palavra qelad, que exprime “bater, golpear” (LIEF, 2014).

E é exatamente em “bater, golpear” que Anderson Silva é “perito”. É lutador profissional

de MMA (Artes Marciais Mistas) que agrega diversas técnicas de luta como Boxe, Jiu-Jítsu e Caratê. O ringue é octogonal, para evitar que o esportista se refugie em algum canto. As lutas preliminares são realizadas em três assaltos de cinco minutos, enquanto as principais têm cinco assaltos de cinco minutos. Diferentemente dos confrontos dos gladiadores, o objetivo da luta e seu término não inclui a "morte" de um dos combatentes. No MMA, há cinco modos de encerrar a disputa: por pontos dados pelos juízes; por nocaute – quando o jogador perde os sentidos; por nocaute técnico – quando o lutador não tem mais condições de continuar; por finalização – quando o atleta é imobilizado; e, finalmente, por desclassificação de um dos participantes (CORREIA e NASCIMENTO, 2012, p. 94).

Page 7: REVISTA QUERUBIM Ciências Humanas Ciências Sociais · Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e ... gestos de

Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 11 Nº26 vol. 01 – 2015 ISSN 1809-3264

Página 8 de 112

No auge de sua carreira, Anderson Silva foi estampado na capa da revista Veja publicada no dia quatorze de março de dois mil e doze:

Fonte: REVISTA VEJA, 2012. O adjetivo "tranquilo" - presente no sintagma "o gladiador tranquilo" - vem da palavra

latina tranquillus, que significa “manso, quieto, sereno, sossegado” (CUNHA, 2010). Tendo conhecimento sobre a atividade mortalmente agressiva de um gladiador, conforme nossa exposição anterior, é curioso e contraditório ver Anderson Silva designado dessa forma e descrito pelo adjetivo "tranquilo". O caráter antagônico dessa designação vai além das palavras: é também apresentado no visual de capa, como elemento extraverbal. Na imagem, pode-se ver Anderson Silva usando luvas, símbolo de sua profissão, enquanto junta suas mãos em posição de prece ou oração. Essa forma de posição de mãos com os cotovelos levantados é chamada Namaste, saudação tradicional indiana que geralmente é seguida por uma leve inclinação do corpo quando se deseja demonstrar respeito (ARMY LOGISTICS UNIVERSITY, 2014). A inclinação conversa com as artes marciais orientais – disciplinas integrantes do MMA –, visto que é comum o praticante fazer uma pequena reverência antes de um duelo.

A matéria da revista explica o porquê de caracterizar Anderson Silva como “tranquilo”,

tanto no verbal quanto no visual: isso se deve ao fato de seu ofício violento supostamente não se refletir em sua vida pessoal, pois - por exemplo - educa os cinco filhos à base de abraços, possui aversão a velocidade, é aficionado por organização e ternos e coleciona bonecos (CORREIA e NASCIMENTO, 2012, p. 89). Mas porque o chamam de "gladiador"? Anderson Silva é um lutador profissional, que conseguiu fama e fortuna – algo igualmente buscado pelos gladiadores profissionais da antiguidade. No entanto, o que Anderson Silva leva para o ringue não vai além de calções, luvas e protetores bucais e genitais: nenhum gládio. Além disso, mortes supostamente não são fervorosamente ansiadas pelo público.

Anderson Silva é visto como gladiador porque o combate de gladiadores, seja pela tradição

de martírios cristãos ou pela produção cinematográfica, foi impresso no imaginário ocidental ao longo dos séculos (GRAFFONNI, 2005, p. 15). Contudo, a imagem de comum uso do vocábulo "gladiador" nos dias atuais “relaciona-se mais aos modelos de gosto codificados do presente do que àqueles aos quais um atento exame do passado remeteria” (VITORINO, 2001 p. 148). Olhando por

Page 8: REVISTA QUERUBIM Ciências Humanas Ciências Sociais · Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e ... gestos de

Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 11 Nº26 vol. 01 – 2015 ISSN 1809-3264

Página 9 de 112

esse prisma, o uso da palavra foi recriado, transformado e alterado através das épocas históricas. Como explica Cereja (2010), “o tema se incorpora à significação, de modo que o sistema é sempre flexível, mutável e renovável”.

Por fim, o Dicionário Houaiss (2001) já traz dicionarizado o verbete "gladiador" na

acepção de “lutador profissional”, o que se afasta em definitivo da significação inicial de "gladiador" como “assassino”. Um sentido inédito foi construído com a palavra na manchete “O GLADIADOR TRANQUILO” presente na capa da revista Veja. Anderson Silva é um gladiador, sim, mas não como os de antigamente e talvez nem mesmo como os de hoje em dia. Supostamente, de modo geral, os "lutadores profissionais" de MMA, os "gladiadores" da atualidade, não teriam nada da “mansidão”, “quietude”, “serenidade” e “sossego” de Anderson Silva. Considerações Finais

Neste artigo buscamos explorar a construção do sentido do vocábulo "gladiador" inserido no contexto de uma capa de revista. Sendo assim, reforçou-se para nós a ideia de que uma palavra pode ter diversos sentidos em diferentes situações sociais, históricas e comunicativas. O estudo do contexto - juntamente com seus elementos extraverbais, especialmente visuais - nos permitiu acessar fatores determinantes na identificação do processo de construção do sentido do enunciado “O GLADIADOR TRANQUILO”.

Outro fator importante neste estudo foi a análise etimológica, que possibilitou uma clareza

maior sobre como se deu a notável transformação de sentido da palavra estudada ao longo de sua história, das origens aos dias atuais. Verificamos que a significação da palavra "gladiador" se alterou ao longo do processo histórico de transformação da língua, com a agregação de novos sentidos à significação. A palavra "gladiador" pode já não ter o sentido exato que possuía quando essa espécie de lutador originou-se. No entanto, Anderson Silva não deixa de ser, a sua maneira, um verdadeiro "gladiador" dos tempos atuais. Para nós, fica então claro que a significação de uma palavra corresponde na realidade a sentidos que historicamente se sedimentam. Referências ARMY LOGISTICS UNIVERSITY. India Customs. Disponível em: <http://www.alu.army.mil/ALU_INTERNAT/CountryNotes/PACOM/INDIA%20CUSTOMS.pdf>. Acesso em: 24 nov 2014. BAKHTIN, Mikhail. (VOLOCHINOV). Marxismo e filosofia da linguagem. 11. ed. São Paulo: Hucitec, 2009. BUENO, Francisco da Silveira. Grande Dicionário Etimológico-Prosódico da Língua Portuguesa. São Paulo: Brasília, 1974. 4v. HOUAISS, Antônio; VILLAR, Mauro de Salles. Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa. Rio de Janeiro: Objetiva, 2001. CEREJA, William. Significação e tema. In: BRAIT, B. (org.). São Paulo: Contexto, 2010. CORREIA, Davi; NASCIMENTO, Silvio. Por que tanta gente está de olho em Anderson Silva. Veja, São Paulo, n.11, p.88-98, 14 de março de 2012. CUNHA, Antonio Geraldo da. Dicionário etimológico da língua portuguesa. 4.ed. Rio de Janeiro: Lexicon, 2010. GARRAFFONI, Renata Senna. Gladiadores na Roma Antiga: dos combates às paixões cotidianas. São Paulo: Editora Annablume/ FAPESP, 2005. HARPER, Douglas. "Gladiator". Online Etymology Dictionary. Disponível em: <http://dictionary.reference.com/browse/gladiator>. Acesso em: 23 nov 2014. LIEF, Philip. "Swordsman." Roget's 21st Century Thesaurus. Disponível em: <http://www.thesaurus.com/browse/swordsman>. Acesso em: 23 nov 2014. O’BRIEN, Joaquina. De onde surgiram as línguas européias?. The Magazine of the Hispanic and Lusophone Communities. Disponível em:

Page 9: REVISTA QUERUBIM Ciências Humanas Ciências Sociais · Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e ... gestos de

Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 11 Nº26 vol. 01 – 2015 ISSN 1809-3264

Página 10 de 112

<http://www.portvitoria.com/Documents/10_Article_PiresOBrien_LinguasEuropeias.pdf>. Acesso em: 24 nov 2014. VEJA. São Paulo: Abril, 2012, ano 45, n.11, 14 de março. VITORINO, Mônica Costa. A Figura do Gladiador. Belo Horizonte: UFMG, 2001.

Enviado em 30/04/2015 Avaliado em 15/06/2015

Page 10: REVISTA QUERUBIM Ciências Humanas Ciências Sociais · Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e ... gestos de

Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 11 Nº26 vol. 01 – 2015 ISSN 1809-3264

Página 11 de 112

SOBRE A NOÇÃO DE POLÍTICO E AS RELAÇÕES DE SENTIDOS ENTRE LÍNGUA E DISCURSO

Alâna Capitanio3 Resumo Neste artigo, compreendemos como se constitui a noção de político, na perspectiva teórico-metodológica da Análise de Discurso, desenvolvida nos trabalhos de Michel Pêcheux e Eni Orlandi, principalmente. Para desenvolver nosso gesto de interpretação, perscrutamos o modo como se constitui a noção de político como dissenso e como divisão do sentido. A partir disso, compreendemos como esta noção de político implica no trabalho com a língua, com o discurso, com os diferentes gestos de interpretação. Palavras-chave: Político. Sentido. Língua

Abstract In this article, we understand how it is constitute the notion of political, in the theoretical and methodological perspective of Discourse Analysis, developed in the work of Michel Pêcheux and Eni Orlandi, mostly. To develop our gesture of interpretation, we scrutinize how constitutes the notion of political as dissent and as division of sense. From this, we understand how this notion of political implies working with the language, with the discourse, with different gestures of interpretation. Keywords: Political. Sense. Language. Introdução

Neste artigo, temos como objetivo compreender os sentidos que constituem as noções de

político, política na perspectiva discursiva da Análise de Discurso fundada, principalmente, nos trabalhos de Michel Pêcheux e Eni Orlandi. Considerar essa reflexão sobre o político permite-nos trabalhar a multiplicidade e divisão dos sentidos, da(s) língua(s), os lugares de resistência, os diferentes gestos de interpretação.

Com Orlandi (2012a, p. 21), compreendemos que “não há sentido sem interpretação” e

que toda interpretação é um “gesto”, gesto este que acontece porque o espaço simbólico se marca pela incompletude e pela relação com o silêncio. Assim, a interpretação constitui-se como “o lugar próprio da ideologia, e é ‘materializada’ pela história” (ORLANDI, 2012a, p. 18).

Dito de outro modo, a autora afirma que a interpretação acontece de algum lugar da

história, da sociedade e tem uma direção a qual chamamos de política. Por isso, podemos sempre compreender a textualização do político no gesto de interpretação, visto que o político é “o fato de que o sentido é sempre dividido, tendo direção que se especifica na história, pelo mecanismo ideológico de sua constituição” (ORLANDI, 2012a, p. 21-22).

Subsumindo esta reflexão, neste artigo, nosso aporte está no que Rancière (1995a, 1995b,

1996a, 1996b) desenvolve como política, enquanto dissenso, e Orlandi (2007, 2012b) sobre o político, enquanto divisão do sentido. A partir do que os autores trabalham, pensamos o político em relação ao discurso, à política(s) de línguas, à língua, ao(s) sentido(s).

3 Mestre em Estudos Linguísticos, sob orientação do Prof. Dr. José Simão da Silva Sobrinho, pelo Programa de Pós-Graduação em Estudos Linguísticos, da Universidade Federal da Fronteira Sul, campus Chapecó –SC.

Page 11: REVISTA QUERUBIM Ciências Humanas Ciências Sociais · Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e ... gestos de

Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 11 Nº26 vol. 01 – 2015 ISSN 1809-3264

Página 12 de 112

Relações de sentidos: o político, o discurso, a língua

Para iniciar nosso gesto de interpretação sobre o político, nos é importante considerar, com

Rancière (1995a), que a escrita é um ato político, um ato que não pode ser realizado sem significar. Mais do que o exercício mecânico de uma competência, o ato de escrever é “uma maneira de ocupar o sensível e de dar sentido a essa ocupação”, seu gesto pertence à constituição estética da comunidade que objetiva alegorizar essa constituição (RANCIÈRE, 1995a, p. 7).

A constituição estética, continua o autor, deve ser entendida como “partilha do sensível” a

qual dá forma à comunidade e significa

O modo como se determina no sensível a relação entre um conjunto comum partilhado e a divisão de partes exclusivas. Antes de ser um sistema de formas constitucionais ou de relação de poder, uma ordem política é uma certa divisão das ocupações, a qual se inscreve, por sua vez, em uma configuração do sensível: uma relação entre os modos de fazer, os modos de ser e os do dizer (RANCIÈRE, 1995a, p. 8, grifos do autor).

A partilha do sensível, explica o autor, é o sistema de evidências que, ao mesmo tempo,

revela a existência de um conjunto comum e dos recortes que nele definem lugares e partes, de modo que, fixa um comum partilhado e partes exclusivas. A partilha do sensível constitui-se daquilo que “faz ver quem pode tomar parte do comum em função daquilo que faz, do tempo e do espaço em que essa atividade exerce” (RANCIÈRE, 1995a, p. 16).

Interpretamos, assim como afirma o autor, a política como um modo de determinação do

“sensível”, divisão dos espaços simbólicos destinados à determinada ocupação, uma forma de visibilidade e dizibilidade do que é próprio e do que é comum. A política ocupa-se, assim, do que se vê e do que se pode dizer sobre aquilo que é visto, de quem tem competência e qualidade para dizer, das propriedades do espaço e do tempo. A escrita seria política, pois traça e significa uma re-divisão entre as posições dos corpos e o poder da palavra soberana.

Nesse viés, Rancière (1996a) pensa a política em relação ao que ele formula como

desentendimento, dissenso, que não tem relação com o conflito daquele que diz algo e do outro que diz outra. O desentendimento incide sobre aqueles que falam, tem relação à apresentação sensível do comum, própria qualidade dos interlocutores em apresentá-lo, em que um dos interlocutores, ao mesmo tempo, entende e não entende o dizer do outro.

O dissenso seria para Rancière (1996b) a divisão no núcleo do mundo sensível que institui

a política e sua racionalidade, sendo a racionalidade do político um mundo comum, instituído pela divisão. Assim, a política se constitui como um modo de ser da comunidade que se opõe ao outro, dito de outro modo, é um “recorte do mundo sensível que se opõe a outro recorte do mundo sensível” (RANCIÈRE, 1996b, p. 368). O dissenso constitui-se como o conflito sobre a constituição mesma do mundo comum, sobre o que nele se vê e se ouve, não sendo uma guerra de todos contra todos, “ele dá ensejo a situações de conflitos ordenadas, a situações de discussão e de argumentação” (RANCIÈRE, 1996b, p. 374).

A política é o que rompe com o lugar do estatuto social de um indivíduo ou grupo, que cria atores novos, objetos novos, em relação a esta lógica, e começa justamente onde se para de igualar as parcelas do comum, de equilibrar lucros e perdas. Ela é “sempre uma ruptura com a auto-regulação, com a dominação” (RANCIÈRE, 1995b, s∕p), uma interrupção a qual institui a política “como o desdobramento de um dano ou de um litígio fundamental”, sendo o dano outro modo de nomear a divisão do sensível (RANCIÈRE, 1996a, p. 28).

Page 12: REVISTA QUERUBIM Ciências Humanas Ciências Sociais · Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e ... gestos de

Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 11 Nº26 vol. 01 – 2015 ISSN 1809-3264

Página 13 de 112

O autor exemplifica que a guerra dos pobres e dos ricos é uma guerra sobre a própria

existência do político, em que o litígio sobre a contagem dos pobres como povo e do povo como comunidade, consiste no litígio em torno da existência da política, no qual há política. A política, assim, é a esfera de atividade de um comum que é litigioso, “a relação entre as partes que não passam de partidos e títulos cuja soma é sempre diferente do todo” (RANCIÈRE, 1996a, p. 29). A política reside naquilo que escapa à medida ordinária que é nada ou tudo.

Rancière (1996a) define que existe política quando há encontro de dois processos heterogêneos: o primeiro é policial e o segundo é da igualdade. A lógica policial e a lógica igualitária devem se encontrar, ter um ponto de encontro para que haja política.

O autor se refere à polícia como a lei, normalmente implícita, que define a parcela ou a

ausência das partes, uma ordem dos corpos que define os modos de ser, de dizer e que faz com que esses corpos sejam designados pelos seus nomes a fazerem tal tarefa. A polícia é “uma ordem do visível e do dizível que faz com que essa atividade seja visível e outra não o seja, que essa palavra seja entendida como discurso e outra como ruído” (RANCIÈRE, 1996a, p. 42).

O segundo processo, chamado de igualdade pelo autor, diz respeito às práticas guiadas pela

suposição e igualdade de qualquer ser falante com outro ser falante no intuito de averiguar essa igualdade. Ela não é algo que a política aplica e sim uma “pressuposição que deve ser discernida nas práticas que a põem em uso” (RANCIÈRE, 1996a, p. 45). Esse princípio, afirma o autor (1996b), só tem efeito quando se considera o dissenso, o qual irrompe uma lógica da dominação que se considera natural.

Guimarães (2005), a partir da própria leitura que faz de Rancière, formula o político como

“um conflito entre uma divisão normativa e desigual do real e uma redivisão pela qual os desiguais afirmam seu pertencimento” (GUIMARÃES, 2005, p. 16). O autor afirma que o político é, assim, afirmação da igualdade, do pertencimento, num conflito com a divisão desigual do real, para redividi-lo em nome do pertencimento de todos no todo. O político está sempre dividido pelas desmontagens da contradição que o constitui, sendo essa desmontagem um esforço de silenciar a contradição, em vista de um político como ação homogeneizadora que tanto se esgota no administrativo como no que Rancière (1996a) denomina como polícia.

A partir do que Rancière (1996a) pontua sobre polícia e igualdade, entendemos que, nas

condições de produção da mundialização/globalização, “cada vez mais há uma saturação ‘policière’ da política, é o que se chama de consenso, nas nossas sociedades” (RANCIÈRE, 1995b, s/p). O autor exemplifica que grupos entram na lógica de realizar pactos, acordos para fixar os limites do possível, com parceiros sociais definidos, já identificados e integrados. A ausência de política, isto é, a existência dessa regra consensual, é o que podemos ver acontecendo pelo retorno do poder carismático, das guerras étnicas, racismo, xenofobia, ou seja, é a modernidade, que é também o consenso, o mercado, etc.

Rancière (1996a) conceitua o consenso como uma relação de circularidade entre natureza e lei. A lei tem como princípio “estabelecer a permanente conversibilidade do Um da lei com o Um do sentimento que define o estar-junto” (RANCIÈRE, 1996a, p. 121, grifo do autor). O sistema consensual, assim, repousa sobre os axiomas “o todo é tudo, o nada não é nada” (RANCIÈRE, 1996a, p. 123), repousa naquilo que chamamos de democracia. O consenso tem a pretensão de fazer desaparecer a cena política do dissenso, não quer mais sujeitos divididos, mas partes reais do corpo social, corpo e agrupamento enumeráveis, bem identificados a sua raça, etnia. Assim, por exemplo, Rancière (1996b) afirma que em vez de ter a figura política do proletário, aparece o imigrado, identificado pela raça, cor. A ação política que considera o dissenso é que rompe com os

Page 13: REVISTA QUERUBIM Ciências Humanas Ciências Sociais · Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e ... gestos de

Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 11 Nº26 vol. 01 – 2015 ISSN 1809-3264

Página 14 de 112

sentidos naturalizados, ditos como evidentes, com o consenso. Assim, a política rompe com a ordem lógica da polícia.

Disso que tecemos a partir do autor, compreendemos que nos é importante considerar a política enquanto dissenso, como divisão do sensível, que rompe com os sentidos considerados evidentes, naturalizados. Bem como, nos interessa os sentidos que produzem o consenso, o apagamento da política pela polícia, produzindo efeitos nas relações entre língua, Estado e nação.

É importante considerar, assim como Orlandi (2012a), que o político “é o fato de que o

sentido é sempre dividido, tendo uma direção que se especifica na história, pelo mecanismo ideológico de sua constituição” (ORLANDI, 2012a, p. 21-22). Dessa forma, continua a autora, a interpretação, lugar próprio da ideologia, acontece de algum lugar da história e da sociedade e tem uma direção política, que faz com que o sentido seja dividido, movimente-se, não sendo qualquer um, mas constituído pela língua na história.

A autora continua afirmando que a compreensão é política, pois dá abertura à problemática do simbólico e do político, trabalhando a contradição, a divisão do sentido, pela desterritorialização da noção de leitura, pela noção de discurso. A noção de discurso possibilita trabalhar as reflexões sobre sujeito e situação, isto é, as condições de produção em que os sentidos se constituem.

O discurso, como afirma Orlandi (2012c), é sempre incompleto, um processo contínuo que

não se esgota em uma situação particular, pois o que sempre temos são trajetos, pedaços, estados do processo discursivo. Conceituado por Pêcheux ([1969]4 2010a, p. 81) como “efeito de sentidos”, o discurso é produzido a partir de determinadas condições de produção, as quais compreendem os sujeitos e a situação, bem como a memória, as filiações de sentidos.

Subsumindo esse modo de compreender o discurso, Pêcheux ([1977] 2012b, p. 24) afirma

que a prática política é a “transformação de relações sociais dadas em novas relações sociais produzidas por meio de instrumentos políticos”, sendo este instrumento de transformação da prática política o discurso. Não significa que a política se reduza ao discurso e sim que toda decisão no sentido político “adquire seu lugar na prática política como uma frase em um discurso” (PÊCHEUX, [1977] 2012b, p. 24, grifo do autor). Por prática, o autor entende ser todo o processo de transformação de certa matéria-prima em um determinado produto. Essa transformação é efetuada por um trabalho humano determinado, utilizando também determinado meio de produção.

O político, conforme Orlandi (2012a), é mediador nos confrontos de sentidos, de modo que os lugares os quais correspondem aos gestos de interpretação do político, como nação, Estado, governo, etc., constituem-se como catalizadores desses sentidos. Contudo, com as transformações das relações sociais, das relações entre países, nas condições de produção da mundialização/globalização, há o silenciamento do político, há o que Rancière (1996a) apresenta como o apagamento da política pela polícia, que resulta nas catástrofes, guerras, racismo, lutas nacionalistas.

Nesse sentido, a discussão que consideramos sobre político, política, polícia é essencial

porque é na língua que esses confrontos se explicitam, “lugar de relação à história e ao social e lugar de singularidades” (ORLANDI, 2012a, p. 131). Por esta razão, concordamos com Orlandi (2012c, p. 34), que o político se constitui como “relações de força que se simbolizam”, reside no fato de que os sentidos são determinados pela forma da organização social que se impõe para um indivíduo interpelado pela ideologia.

4 A data entre colchetes refere-se à primeira edição da obra na língua original, a outra data é a da edição consultada.

Page 14: REVISTA QUERUBIM Ciências Humanas Ciências Sociais · Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e ... gestos de

Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 11 Nº26 vol. 01 – 2015 ISSN 1809-3264

Página 15 de 112

Compreender o político é entender, conforme a autora, que sujeitos e sentidos são divididos, que não há como não estar no discurso sem constituir-se em uma posição-sujeito, a qual se inscreve em formação discursiva. Essa formação discursiva constitui-se como projeção da ideologia no dizer que faz com que sujeito e sentido tenham uma direção em relação com a ideologia.

Consideramos a língua “dividida” (GUIMARÃES, 2005, p. 18), “afetada desde sempre

pelo político” (ORLANDI, 2007, p. 8), uma questão política. Assim quando pensamos em política de línguas damos um sentido político à língua. A partir disso, procuramos com Orlandi (2012c) trabalhar a política da língua materializada na formulação, pelos gestos de interpretação, buscando compreender a determinação histórica dos sentidos, o funcionamento do político.

Subsumindo que a língua é constitutiva do político, compreendemos, à luz de Orlandi

(2013), a política de línguas a partir de três posições distintas: da unidade como valor, da diversidade como valor, da dominação como valor. A unidade está relacionada às razões do Estado, das Instituições, como o caso da construção da identidade nacional brasileira, em que uma unidade linguística imaginária foi imposta frente à diversidade regional e às influências de outras línguas, como exemplifica Mariani (2004). Continua a autora, a dominação tem suas razões que regem as relações entre povos, entre nações, e Estados, que podemos exemplificar pelo caso das conquistas das colônias, em que uma língua se impõe pela lei, pela força, pelo contato. A diversidade tange as razões relativas aos que falam as línguas, significa a diversidade concreta das línguas, ou seja, sua forma material.

A unidade e a diversidade são questões que devem ser tratadas de modo inseparável. A

unidade não é somente questão do Estado, ela é a condição necessária da constituição de qualquer língua (ORLANDI, 2013). Podemos pensar a língua portuguesa no Brasil em sua unidade, como língua nacional e oficial do Estado, sustentada pelos instrumentos linguísticos, e sua diversidade que considera a coexistência de línguas indígenas, de imigrantes, etc.

Para cada uma dessas posições, Orlandi (2013) argumenta que os princípios éticos são

diferentes e estão quase sempre em relação de contradição. E é este ponto que acreditamos ser essencial: considerar a contradição como princípio ético, visto que a produção de um conhecimento sobre a língua e a(s) política(s) de línguas se constituem na relação com esse jogo contraditório, que é político. A política de línguas é um trabalho que relaciona o político, o sujeito, a língua, as línguas e o saber sobre as línguas.

Nesse viés, concordamos com Mariani (2004) que uma política linguística (entendida como

sinônima de política de línguas) é resultante das condições históricas de relações entre línguas em um determinado momento, em um determinado espaço-tempo de prática discursiva que emerge como resultado de uma tentativa de organização das práticas significativas e das forças sociais que se encontram em jogo.

Por isso, Orlandi (2013, p. 140) afirma que “ao se definir que língua se fala, com que

estatuto, onde, quando, e os modos de acesso a ela”, como por exemplo, pela legitimação de acordos, pela construção de instituições linguísticas, está se praticando as diferentes formas das políticas de língua, ao passo que, para identificá-las, “está-se produzindo seu conhecimento, sua análise, e dando a ela configuração singular” (ORLANDI, 2013, p. 140).

Isso se deve ao considerar discursivamente, afirma Orlandi (2007), a língua como um corpo

simbólico-político, afetada desde sempre pelo político que faz parte das relações entre sujeitos em sua vida social e histórica. Por isso, pensar em política de línguas é compreender as formas sociais sendo significadas por e para sujeitos históricos e simbólicos, conforme suas formas de existência,

Page 15: REVISTA QUERUBIM Ciências Humanas Ciências Sociais · Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e ... gestos de

Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 11 Nº26 vol. 01 – 2015 ISSN 1809-3264

Página 16 de 112

de experiência, no espaço político de seus sentidos. Considerações finais

Na escrita deste trabalho, que se constitui por si só como um ato político, nos desafiamos a compreender o modo como consideramos a noção de político, política, na filiação teórica da Análise de Discurso que considera a multiplicidade do sentido, o sentido em relação a outro, nunca inacabado, mas sempre em movimento. E, assim, observamos o funcionamento do político, estruturante da divisão do sentido, da língua, dos espaços simbólicos.

Nessa perspectiva, falar do político “é remeter para uma divisão no processo de produção dos sentidos, uma divisão da qual não se tem como escapar” (MARIANI, 2004, p. 42). E é na língua que observamos esse funcionamento, língua que é capaz de falha, de brechas, de aberturas, de resistência, lugar de trabalho do político.

Assim, finalizamos este trabalho inserindo-o um ponto final necessário, uma pontuação na

qual, conforme Orlandi (2012c, p. 126) “o sujeito trapaceia com a incompletude e com a sua dispersão, produzindo imaginariamente a imagem do Um, do Completo, do Acabado, do Finito”. Referências GUIMARÃES, E. Semântica do Acontecimento. 2 ed. Campinas, SP: Pontes, 2005. MARIANI, B. Colonização Linguística: Línguas, política e religião no Brasil (séculos XVI a XVIII) e nos Estados Unidos (século XVIII). Campinas, SP: Pontes, 2004. ORLANDI, E. Apresentação. In: Orlandi, E. (org.). Política Linguística no Brasil. Campinas, SP: Pontes, 2007. ______. Interpretação: autoria, leitura e efeitos do trabalho simbólico. 6 ed. Campinas, SP: Pontes Editores, 2012a. ______. Discurso e texto: formulação e circulação dos sentidos. Campinas, SP: 3. ed. Pontes Editores, 2012b. ______. Discurso e texto: formulação e circulação dos sentidos. Campinas, SP: 3. ed. Pontes Editores, 2012c. ______. Língua e conhecimento linguístico: para uma história das ideias no Brasil. 2 ed. São Paulo, SP: Editora Cortez, 2013. PÊCHEUX, M. Semântica e Discurso: uma crítica à afirmação do óbvio. Tradução: Eni P. Orlandi, 4 ed. Campinas, SP: Editora Unicamp, 2009. ______. Reflexões Sobre a Situação Teórica das Ciências Sociais e, especialmente, da Psicologia Social. In: ORLANDI, E. (org.) Análise de Discurso Michel Pêcheux. Textos escolhidos por: Eni Puccinelli Orlandi. Tradução: Mariza V. da Silva e Laura A. P. Parisi. 2 ed. Campinas, SP: Pontes, 2012. RANCIÈRE, J. Políticas da Escrita. São Paulo, SP: Editora 34, 1995a. ______. Os riscos da Razão. Rancière em entrevista a Vinicius Torres Freire. Folha de São Paulo, 10 set. 1995b. Disponível em < http://almanaque.folha.uol.com.br/entrevista_filosofia_jacques_ranciere.htm >, Acesso em: 05 ago. 2014. ______. O Desentendimento. Política e Filosofia. São Paulo, SP: Editora 34, 1996a. ______. O Dissenso. In: NOVAES, A. (org.) A Crise da Razão. São Paulo, SP: Companhia das Letras, 1996b. Enviado em 30/04/2015 Avaliado em 15/06/2015

Page 16: REVISTA QUERUBIM Ciências Humanas Ciências Sociais · Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e ... gestos de

Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 11 Nº26 vol. 01 – 2015 ISSN 1809-3264

Página 17 de 112

DO PICADEIRO À ESCOLA: AS ATIVIDADES CIRCENSES E AS RELAÇÕES COM A EDUCAÇÃO FÍSICA

Aline de Souza Caramês5 Daiane Oliveira da Silva6

Hugo Norberto Krug7 Resumo O estudo objetivou verificar a importância das atividades circenses como uma das práticas corporais inseridas nos conteúdos da Educação Física Escolar de forma a propor a compreensão de questões culturais do circo. A pesquisa caracterizou-se como descritiva exploratória pautada em achados científicos. As discussões mostraram que as transformações no mundo do circo foram mudanças significativas na cultura e que podem ser tratadas na Educação Física Escolar, para favorecer ao aluno um conhecimento corporal amplo e da realidade, pois através da reflexão sobre si mesmo e a cultura ocorrerá o desenvolvimento do pensamento crítico e da formação integral. Palavras-chave: Atividades Circenses. Cultura. Escola. Educação Física. OF RING TO SCHOOL: THE CIRCUS ACTIVITIES AND THE RELATIONS WITH THE PHYSICAL EDUCATION Abstract The study aimed to verify the importance of circus activities with a of the corporal practices inserted in school physical education content so the to propose the understanding of cultural issues of the circus. The methodology was characterized with descriptive exploratory research guided in scientific findings. The discussions showed that the changes in the world of the circus were significant changes in culture and that can be treated in school physical education, for favor the student a knowledge body broad and also of reality, because through of the reflection about yourself and the culture may occur the development of critical thinking and of the integral formation. Keywords: Circus Activities. Culture. School. Physical Education. Considerações iniciais

A escola é um meio educacional significativo em relação ao oferecimento de oportunidades

e de desenvolvimento integral das pessoas. A Educação Física enquanto componente curricular da escola, para o Coletivo de Autores (1992), tem como conteúdos clássicos da cultura corporal, o jogo, o esporte, as lutas, a dança e a ginástica. Portanto, o foco da área não deve estar ligado apenas às habilidades e às competências para o esporte, mas para a ampliação dos conteúdos no âmbito da cultura corporal. Dizem que os conteúdos são conhecimentos necessários à apreensão do desenvolvimento sócio-histórico das próprias atividades corporais e à explicitação das suas significações objetivas. Deve-se considerar a seleção e organização dos conteúdos para promover a leitura da realidade, analisando a origem do conteúdo e, assim, conhecer o que determinou a necessidade de seu ensino.

5 Mestre em Educação Física (UFSM); [email protected]. 6 Mestre em Educação Física (UFSM); daí[email protected]. 7 Doutor em Educação (UFSM); [email protected].

Page 17: REVISTA QUERUBIM Ciências Humanas Ciências Sociais · Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e ... gestos de

Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 11 Nº26 vol. 01 – 2015 ISSN 1809-3264

Página 18 de 112

Bortoleto (2008) aponta um caminho em que as atividades circenses são divididas em unidades didáticas pedagógicas que facilitam o desenvolvimento teórico- prático dos conteúdos para uma melhor organização desses. Essas unidades englobam acrobacias, equilíbrios, encenação, atividades aéreas e de manipulação de objetos.

É importante ressaltar que o circo faz parte do acervo cultural da humanidade, como

parcela integrante da difusão das artes e da cultura popular. Desse modo, sugere-se que as atividades circenses possam ser incluídas nas escolas como conteúdo das aulas de Educação Física, proposta como mais uma prática corporal que venha somar-se aos aspectos culturais no processo pedagógico. Assim, a partir destas premissas, o estudo objetivou verificar a importância das atividades circenses como uma das práticas corporais inseridas nos conteúdos da Educação Física Escolar de forma a propor a compreensão de questões corporais do circo. Decisões metodológicas

O estudo caracterizou-se como uma pesquisa qualitativa descritiva e exploratória. Para

Fazenda (1989), na pesquisa qualitativa se fundamenta em um trabalho descritivo de situações, pessoas ou acontecimentos em que todos os aspectos da realidade são importantes. Severino (2007) diz que na pesquisa exploratória busca-se levantar informações sobre um determinado objeto, delimitando um campo de trabalho, mapeando as condições de manifesto do mesmo.

Desta forma, na realização do estudo utilizou-se achados científicos com temas sobre a

cultura e sua relação com a Educação Física, isto é, sobre o desenvolvimento de atividades circenses na Educação Física Escolar e questões culturais do circo.

A análise se deu a partir da relação como a cultura é tratada na Educação Física, e as

contribuições que têm com as atividades circenses, através de uma possibilidade de aproximar a evolução do mundo circense com as aulas de Educação Física. A discussão foi realizada por meio de elaboração da síntese interpretativa. De acordo com Minayo (2011), deve-se elaborar uma redação onde ocorra um diálogo dos temas tratados na pesquisa com os objetivos, podendo incluir as questões e os pressupostos da pesquisa. Assim, a interpretação da análise de dados obtidos foi realizada de modo a contemplar a importância e a relação que as atividades circenses têm com a Educação Física, sendo esta baseada no caráter cultural que envolve as transformações do circo. A cultura do circo: a arte milenar da lona ao palco

O circo é considerado pelo Ministério da Cultura como um patrimônio histórico da cultura, pois constitui uma forma de expressão fundamental para a formação da cultura brasileira pelo seu modo itinerante de ser e a capacidade de trazer influências em todo território. Castro (2005) salienta que a ideia de circo vem de concepções ligadas às características peculiares unidas em artes como pinturas chinesas com retratos de acrobatas, equilibristas e contorcionistas, onde nesse período, havia o uso de elementos como adestramento de animais, malabarismo, acrobacias e magia em treinamentos de guerreiros para favorecer competências ligadas às capacidades corporais. Essa manifestação cultural foi se desenvolvendo através dos saltimbancos, que realizavam apresentações de malabarismos e acrobacias em feiras e praças públicas. Destaca que no decorrer das transformações da sociedade ao longo dos anos, até hoje são desenvolvidas novas possibilidades do trabalho com o corpo do homem que não são necessariamente sob uma lona, chegando aos diferentes níveis de classes sociais que confraternizam a magia do universo circense em praças, teatros e casas de shows. Ainda deve ser considerado que os artistas circenses trazem contribuições artísticas e culturais que há séculos enriquecem a variedade de conhecimentos culturais numa simbologia de características que, posteriormente, possibilitaram uma relação com o processo educativo. Já Geertz (2008) diz que os símbolos que compõem a cultura se objetivam em ações

Page 18: REVISTA QUERUBIM Ciências Humanas Ciências Sociais · Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e ... gestos de

Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 11 Nº26 vol. 01 – 2015 ISSN 1809-3264

Página 19 de 112

públicas e observáveis que buscam sentido ao modo de vida dos grupos. Por essa importância cria-se a possibilidade de trazer o tema circo para dentro da escola.

Relativamente às transformações culturais é evidente que a tecnologia proporcionou a criação de variadas formas de diversão e lazer para as pessoas, inclusive no meio circense, destacando a relação com a estrutura do circo, e consequentemente a isso, as diferentes modalidades surgidas no processo histórico de seu desenvolvimento. Corroborando com isso, Geertz (2008) coloca que compreender a cultura de um povo expõe a sua normalidade sem reduzir sua particularidade.

De acordo com Barone (2006) a cultura circense baseou-se em dois pilares: a transmissão

oral do conhecimento e a estrutura familiar. Isso se dava em grupos relativamente fechados com aprendizagem sigilosa, onde os incluídos tinham diferentes graus de parentesco e os saberes obtidos eram passados de geração a geração, assim as técnicas e os valores desenvolvidos eram preservados. É possível observar que havia um cunho pedagógico que envolvia o processo de ensino-aprendizagem, pois desde cedo as crianças, cujo seus familiares pertenciam ao âmbito circense, eram desenvolvidas em vários ofícios e logo que adquiriam experiência, estavam aptas a mostrarem seu conhecimento no picadeiro. O conhecimento artístico e de habilidades era exclusivo da família e se dava através do mestre (que era como a figura de um professor) assim como todos os afazeres do circo eram de responsabilidade dos familiares.

Para Silva (2006) o modelo de circo ocidental se enraíza numa cultura conservadora. As

trupes circenses consolidam uma tradição caracterizada por um forte vínculo social, tendo a família como base de sustentação. Era o ‘circo dos tradicionais’. A organização do trabalho forma um conjunto entre a socialização, a formação e a aprendizagem que são articuladas e dependentes, onde o objetivo não era apenas organizar o trabalho e produzir um espetáculo, mas manter o circo família.

Com o passar do tempo surgiram modificações das formas de entretenimento devido à

difusão dos meios de comunicação, à própria organização social circense e ao distanciamento das novas gerações com a cultura circense. Mas, eis que foram incluídas novas modalidades no meio circense como a dança, a música e o teatro, trazendo inovações, com uma nova linguagem e o modo de ver e democratizar a cultura circense (SILVA, 2006). Já Duprat (2007) destaca que muitas companhias passaram a não ter picadeiro, nem lona, e se apresentam, na maioria das vezes, em teatros, casas de espetáculo ou outro espaço, sempre buscando a modernidade às artes circenses.

As atividades circenses e a relação com a Educação Física

Na Europa no século XIX, o circo era uma atividade de grande fascínio pelas variações do

trabalho com o corpo, onde, conforme Soares (2001), nesse processo há o surgimento do ‘corpo educado’ que é o resultado da lenta elaboração de formas distintas de intervenção dirigida ao exterior com a intenção de atingir a alma humana. Contrapondo a burguesia da época, os artistas realizavam práticas corporais descompromissadas, com simples espetáculos realizados em feiras e circos, com palhaços, acrobatas, gigantes e anões despertando sentimentos variados no público durante as apresentações. Entretanto, estes sentimentos eram desvalorizados pela burguesia, considerados inúteis ao trabalho, pois o artista fazia uso excessivo da força e energia. Mas logo, a ginástica passou a ser científica e despertou o interesse da burguesia, que a utilizou como um instrumento disciplinador de posturas, ações e gestos contribuindo para que o indivíduo obtivesse noções de economia de tempo, gasto de energia e para cultivar a saúde, com caráter ordenativo, disciplinador e metódico.

Page 19: REVISTA QUERUBIM Ciências Humanas Ciências Sociais · Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e ... gestos de

Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 11 Nº26 vol. 01 – 2015 ISSN 1809-3264

Página 20 de 112

Segundo o Coletivo de Autores (1992) a prática da ginástica é necessária na medida em que a tradição histórica do mundo ginástico é uma oferta de ações com significado cultural para os praticantes, onde as novas formas de exercitação em confronto com as tradicionais possibilitam uma prática corporal que permite aos alunos darem sentido próprio às suas exercitações ginásticas.

A ginástica é vista no circo das mais variadas formas que vão desde acrobacias de solo à

atividades aéreas. Assim, temos um quadro proposto por Xavier (2005).

Domínios Ginástica Circo

Do corpo

Ginástica Artística e Rítmica: saltos, giros, poses, rotações, equilíbrio e flexibilidade, execuções na trave de equilíbrio

Acrobacia de solo: individu-al, em pares, grupos (pirâmi-des humanas) usando bancos

De objetos Ginástica Rítmica Desportiva:– arcos, cor-das, fitas, bolas e maças

Malabarismo: swings, claves, arcos, diabolos, bolas

De espaços

Ginástica Artística ou Olímpica: barras fixas, paralelas, cavalo com alças e argolas

Acrobacias aéreas: trapézio, tecido, cama elástica, corda, mastro chinês

Este quadro mostra uma relação das atividades do circo com a ginástica como se fossem as

transformações e adaptações ocorridas da ginástica para as atividades circenses envolvendo domínios do corpo, objetos e diferentes espaços. Além dessas modalidades, há a modalidade de equilíbrio onde envolvem pernas de pau, monociclo, rolo americano e até mesmo malabarismos de equilíbrio que se torna mais difícil relacionar diretamente com a ginástica devido as suas particularidades específicas.

Para o esclarecimento destas mudanças, Bortoleto (2008) destaca que o circo sempre

buscou nutrir-se da tecnologia de seu tempo, porém em alguns momentos e lugares, ainda hoje, é possível observar certo descompasso com outros recursos, saberes e tecnologias existentes. Os contrastes do circo ainda são visíveis embora a tecnologia seja um recurso que pode contribuir para a evolução. Porém, os grandes custos desses recursos impedem e dificultam o desenvolvimento de alguns circos.

A cultura do circo é uma cultura que, mesmo com toda adversidade e dificuldade

encontradas, é algo que permanece se disseminando e sendo cultuada por inúmeros artistas das mais variadas etnias. Geertz (2008) trata a cultura como uma teia de significados que o próprio homem teceu e a sua análise se dá por meio de uma ciência interpretativa que procura um significado. E que para entendê-la é preciso analisar como as pessoas são, como se relacionam, como interagem e assim, ver o significado das ações desenvolvidas pelos indivíduos na sociedade.

Partindo deste pressuposto, também tem importância no âmbito escolar e, nesse caso,

enfatizando as aulas de Educação Física, já que busca seus significados e objetivos próprios e também sofre influências das culturas impostas pelo próprio homem. Fazem parte do componente curricular da Educação Física, as mais variadas formas de manifestações. De acordo com os Parâmetros Curriculares Nacionais (BRASIL, 1997) a Educação Física Escolar conta com diversos componentes, destacando-se as formas expressivas corporais: o jogo, o esporte, a dança, a ginástica, as lutas, as atividades expressivas e rítmicas e outras manifestações com características lúdicas.

Neste sentido, a Educação Física teve contribuições das Ciências Sociais e Humanas para

elaborar explicações em relação ao movimento humano, tratando a Educação Física como fenômeno cultural, o qual, de acordo com Daolio (2004), o termo “cultura” se tornou a principal categoria de conceitos na área da Educação Física. Tem-se a cultura corporal como uma área de

Page 20: REVISTA QUERUBIM Ciências Humanas Ciências Sociais · Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e ... gestos de

Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 11 Nº26 vol. 01 – 2015 ISSN 1809-3264

Página 21 de 112

conhecimentos entendida pelo Coletivo de Autores (1992) como a maneira de tematizar formas de atividades expressivas corporais no âmbito escolar, por meio da Educação Física, tratadas como prática pedagógica que precisa ser transmitida e assimilada pelos alunos. Além disso, para estes autores, por meio da cultura corporal busca-se desenvolver uma reflexão pedagógica sobre o acervo de formas de representação do mundo que o homem tem produzido no decorrer da história, exteriorizadas pela expressão corporal: jogos, danças, lutas, exercícios ginásticos, esporte, malabarismo, contorcionismo, mímica e outros que podem ser identificados como formas de representação simbólica de realidades vividas pelo homem, historicamente criadas e culturalmente desenvolvidas.

Para Bracht (1992) os conteúdos ensinados são selecionados de uma realidade fora da

escola, mesmo que esteja voltada a ela. O professor deve saber que o que é desenvolvido nas aulas vem da cultura corporal, sendo uma produção humana.

Já o Coletivo de Autores (1992) concordam com o vínculo entre Educação Física e cultura.

Acreditam que todas as manifestações corporais do homem são geradas na dinâmica cultural humana durante toda sua evolução tendo significados próprios e diversificados de acordo com o contexto de determinados grupos culturais. Além disso, a análise de uma expressão na dinâmica cultural específica do contexto onde é realizada determina se uma ação corporal é digna de trato pedagógico na Educação Física.

Um dos pontos destacados por Bortoleto e Machado (2003) é o fato de que a atividade

circense é um conteúdo tão legítimo e importante quanto os conteúdos tradicionais da Educação Física, e, por isso, também deve-se dar atenção à cultura corporal que essas atividades circenses representam. O Coletivo de Autores (1992) diz que a Educação Física na escola deve propor uma ação pedagógica com a cultura corporal e a linguagem deve auxiliar o aluno na compreensão de seu sentir corporal.

O trabalho das atividades circenses no âmbito da Educação Física Escolar podem englobar os fatores presentes na cultura corporal, fazendo uma aproximação que abrange desde os conhecimentos motores, cognitivos até os conhecimentos culturais. Duprat e Bortoleto (2007) mostram que a Educação Física Escolar é responsável pelo espaço de ‘vivência’, que tem como objetivo inserir os alunos em contato com a cultura corporal. Para isso, o interesse pedagógico não deve estar centralizado no domínio técnico dos conteúdos, mas sim no domínio conceitual deles, dentro de um espaço humano de convivência, onde há possibilidade de serem vivenciados valores humanos que aumentem os graus de confiança e de respeito entre os integrantes do grupo.

Bracht (1992) coloca que o movimento a ser tratado pela Educação Física, como disciplina

escolar, é aquele que carrega determinado sentido/significado conferido por um contexto histórico-cultural. E assim, por ter um determinado sentido e significado, como manifestação artística e parte da cultura corporal, a arte circense pode ter justificada sua presença na escola. Deve-se levar em consideração que as atividades circenses devem ser tratadas pela Educação Física como um conteúdo sendo estimulado por um processo pedagógico que insira esse tipo de atividade nas aulas.

Para Gáspari e Schwartz (2007) o universo circense possui elementos lúdicos, expressivos e

comunicativos dentro dos aspectos físico, psíquico e sócio cultural com contribuição riquíssima na área de conhecimento da Educação Física. Em tempos de competitividade acirradas, inegáveis são as contribuições das atividades físicas que proporcionam experiências sensíveis, capazes de promover o encontro do ser humano consigo mesmo e com o outro de um modo que a atividade circense consegue fazer.

Page 21: REVISTA QUERUBIM Ciências Humanas Ciências Sociais · Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e ... gestos de

Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 11 Nº26 vol. 01 – 2015 ISSN 1809-3264

Página 22 de 112

Conforme Baroni (2006), as atividades do universo circense envolvem riso, a expressividade, a alegria, o prazer, a brincadeira, o lúdico, o sensível, o belo, a afetividade, a criticidade, a criatividade, o jogo, a linguagem dentre outras. Já para Duprat (2007) a atividade circense entra como divisor de águas, analisando que é possível romper com os padrões estabelecidos com a Educação Física “rotineira”. Corroborando com isso, Invernó (2003) acredita que a atividade circense se configura como uma atividade que reúne vários conhecimentos de caráter educativo o que é suficiente para abordar tal arte no currículo não só da Educação Física, mas de outras disciplinas escolares. Para Bortoleto (2008) a socialização do conhecimento universalmente produzido está inserida em campo de conhecimentos da cultura corporal, ao qual o aluno tem direito a conhecer e compreender as diferentes manifestações culturais produzidas ao longo da história. Destacam sobre conhecer a evolução de sua cultura patrimonial, vivenciar esse patrimônio, e de posse dele apropriar-se das outras manifestações culturais, evitando ou eliminando a substituição da cultura patrimonial pela cultura hegemônica.

É possível constar que é necessária a quebra do distanciamento entre a escola com a arte

circense e assim, podemos pensar num processo de ensino/aprendizagem que se dê não necessariamente sob uma lona, mas também no âmbito escolar. Considerando que os conteúdos desenvolvidos nas aulas de Educação Física se dão por meio de conhecimentos culturais do meio circense que podem ser desenvolvidos como novas experiências levando em consideração a relevância do tema abordado.

Todos estes temas discutidos sobre o universo circense e as mudanças ocorridas nele, podem ser desenvolvidas durante as atividades da aula com situações de resolução de problemas que façam com que os alunos sejam instigados e reflitam para compreender o contexto de sua realidade social. Considerações finais

A inserção das atividades circenses não visa negar os conteúdos já existentes que são

desenvolvidos na Educação Física, mas sim, apontar uma perspectiva que vai além do que já é proposto nas aulas. O estudo mostrou que a Educação Física Escolar também tem a função de mostrar e ensinar ao aluno sobre os conhecimentos sociais decorrentes de uma sociedade que sofreu e vem sofrendo constantes transformações culturais capazes de transformar a realidade e o contexto que o aluno está inserido.

Ter a consciência do desenvolvimento das atividades circenses na Educação Física, dando

um trato que relacione com questões culturais do mundo circense, acarreta um significado de relevância para o contexto da disciplina. Mostra, não apenas a prática pela prática, mas trás apontamentos para que esta seja dotada de um significado e tenha um sentido. Busca a compreensão e reflexão do aluno sobre o lugar em que está e a cultura que o rodeia, valorizando e trazendo contribuições para seu pensamento crítico.

Em virtude da sua riqueza cultural, o circo pode ser abordado nas aulas de Educação Física

Escolar, desenvolvendo uma aproximação de modo a incluir suas práticas aos saberes culturais, destacando e considerando que é possível essa relação, que vem a ser estimulada num processo pedagógico envolvendo ensino/aprendizagem.

A importância da diversidade da cultura corporal e a maneira de tratar uma abordagem

diferenciada em relação à prática da Educação Física Escolar que evite os métodos tradicionais de ensino, se dá pelo fato de que, nas atividades circenses, há o desenvolvimento de inúmeras capacidades, onde estão inseridos diferentes tipos de experiências com essa forma de manifestação que envolve questões artísticas, culturais e até mesmo corporais. E assim, por meio das atividades

Page 22: REVISTA QUERUBIM Ciências Humanas Ciências Sociais · Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e ... gestos de

Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 11 Nº26 vol. 01 – 2015 ISSN 1809-3264

Página 23 de 112

circenses, é possível que o aluno conheça a riqueza dos conhecimentos da cultura humana que foi desenvolvida durante o processo histórico da sociedade.

Referências BARONI, J.F. Arte circense: a magia e o encantamento dentro e fora das lonas. Pensar a Prática, v.9, n.1, p.81-89, 2006. BORTOLETO, M.A.C. Introdução à pedagogia das atividades circenses. Jundiaí: Fontoura, 2008. BORTOLETO, M.A.C.; MACHADO, G.A. Reflexões sobre o circo e a Educação Física. Corpoconsciência, n.12, p.39-69, 2003. BRACHT, V. Educação Física e aprendizagem social. Porto Alegre: Magister, 1992. BRASIL. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros Curriculares Nacionais: Educação Física. V.7. Brasília: MEC/SEF, 1997. CASTRO, A.V. O elogio da bobagem. Rio de Janeiro: Alice de Castro, 2005. COLETIVO DE AUTORES.Metodologia de ensino de E.Física.S.Paulo:Cortez, 1992. DAOLIO, J. Educação Física e o conceito de cultura. Campinas: A.Associados, 2004. DUPRAT, R.M. Atividades circenses: possibilidades e perspectivas para a Ed. Física Escolar, 2007. Dissertação (Mestrado em Ed. Física) - UNICAMP, Campinas, 2007. DUPRAT, R.M.; BORTOLETO, M.A.C. Educação Física Escolar: pedagogia e didática das atividades circenses. Rev. Bras. Ciências do Esporte, v.2, n.28, p.171-190, 2007. FAZENDA, I. (Org.). Metodologia da pesquisa educacional. São Paulo: Cortez, 1989. GÁSPARI, J.C.; SCHWARTZ, G.M. Vivências em arte circense - Motivos de aderência e expectativas. Motriz, n.3, v.13, p.158-164, 2007. GEERTZ, C.A. Interpretação das culturas. Rio de Janeiro: LTC, 2008. INVERNÓ, J. Circo y Educación Física. Barcelona: Inde Publicaciones, 2003. MINAYO, M. Pesquisa social: teoria, método e criatividade. R.Janeiro: Vozes, 2011. SEVERINO, A.J. Metodologia do trabalho científico. São Paulo: Cortez, 2007. SILVA, E. O circo: suas artes e seus saberes; o circo no Brasil do final do século XIX a meados do XX. Campinas: UNICAMP, 2006. SOARES, C.L. Imagens da educação no corpo: estudo a partir da ginástica francesa no século XIX. Campinas: Autores Associados, 2001. XAVIER, I. Conteúdos ginásticos no âmbito circense. In: ENCONTRO PERNAMBUCANO DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO FÍSICA E ESPORTE, XIV., 2005, Recife. Anais, Recife: UFPE, 2005. Enviado em 30/04/2015 Avaliado em 15/06/2015

Page 23: REVISTA QUERUBIM Ciências Humanas Ciências Sociais · Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e ... gestos de

Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 11 Nº26 vol. 01 – 2015 ISSN 1809-3264

Página 24 de 112

IMPACTOS CAUSADOS PELO ESGOTO A CÉU ABERTO: ESTUDO DE CASO DA AVENIDA XXV DE JULHO DE PELOTAS – RS

Ana Luiza Kroning Gonçalves Resumo O acesso à água potável e ao saneamento básico foi reconhecido como direito do ser humano pela Organização das Nações Unidas. São vários os impactos causados pelo Esgoto à Céu aberto. Além da poluição visual, mau-cheiro e o acumulo de insetos ao redor, um dos principais impactos é o aparecimento de doenças na população situada ao redor do problema. Com base nas considerações supracitadas e acreditando que o esgoto a céu aberto é um grande problema ambiental, este trabalho tem por objetivo demonstrar a opinião de moradores que residem próximo a um típico problema de Esgotamento não tratado, localizado na Avenida Vinte e Cinco de Julho, bairro Três Vendas, Pelotas/RS. Palavras-Chave: Água potável, esgoto, Impactos ambientais. Abstract Access to safe water and sanitation has been recognized as a human right by the United Nations. Several impacts caused by open sewers. Besides visual pollution, bad smell and accumulation of insects around, one of the main impacts is the appearance of disease in the population situated around the problem. Based on the above considerations and believing that the open sewage is a major environmental problem, this paper aims to demonstrate the opinion of residents living close to a typical problem Depletion untreated, located on Avenida Twenty Five July Three Sales, Pelotas / RS. Neighborhood Keywords: Drinking water, wastewater, environmental impacts Introdução

O acesso à água potável e ao saneamento básico foi reconhecido como direito do ser humano pela Organização das Nações Unidas. A resolução declara que “o direito a uma água potável, limpa e de qualidade e a instalações sanitárias é um direito humano, indispensável para gozar plenamente do direito à vida”. No entanto, 884 milhões de pessoas no mundo não têm acesso à água potável e mais de 2,6 bilhões não dispõem de instalações sanitárias adequadas. (WONG, Antony)

Serviço absolutamente essencial, a coleta e o tratamento de esgoto têm sido deixados de lado por sucessivos governos. Hoje, apenas 50,6% da população urbana brasileira têm acesso à rede de esgoto. Para um país que pretende ser uma potência econômica esse número é inaceitável, principalmente porque quem tem mais sofrido com essa situação são as crianças.

A inexistência de rede de distribuição de água potável, associada à falta de coleta e de tratamento de esgoto, cria um ambiente insalubre que propicia o desenvolvimento de doenças fatais. O que mais surpreende no esgoto é o seu poder destruidor, sua capacidade de atuar em todo o território nacional e de se infiltrar em todos os níveis da sociedade. (WONG, Antony)

As águas residuais contêm basicamente matéria orgânica e mineral, em solução e em suspensão, assim como alta quantidade de bactérias e outros organismos patogênicos e não patogênicos.

Page 24: REVISTA QUERUBIM Ciências Humanas Ciências Sociais · Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e ... gestos de

Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 11 Nº26 vol. 01 – 2015 ISSN 1809-3264

Página 25 de 112

Outros produtos podem ser indevidamente jogados descarga abaixo e lançados na rede de águas residuais, como estopas, chupetas e outros materiais relacionados a crianças, objetos de higiene feminina, tais como absorventes, ou ainda produtos tóxicos de origem industrial, preservativos usados, etc.

As águas residuais em decomposição anaeróbica produzem gases que, em espaços fechados, como tubulações ou estações, podem estar concentradas a níveis perigosos. (RIOS, Jorge L. Paes)

A importância desse estudo é demonstrar que o Esgoto à Céu aberto é causador de diversas doenças, além das diarréias e outras infecções causadas pela falta de coleta e de tratamento de esgoto, outras doenças prejudicam o desenvolvimento e condenam essas crianças em longo prazo.

Se pegarmos crianças de 0 a 5 anos, os danos são ainda maiores: são permanentes. Trata-se de doenças toxicológicas causadas pela contaminação por substâncias químicas vindas de causas e produtos diversos, tais como a lata de refrigerante, a lata de tinta, garrafas PET, óleo de cozinha, sacolas plásticas, entre outros objetos que são lançados diariamente nos rios e nos esgotos a céu aberto das comunidades carentes em todo o País.

Com base nas considerações supracitadas e acreditando que o esgoto a céu aberto é um grande problema ambiental, este trabalho tem por objetivo demonstrar a opinião de moradores que residem próximo a um típico problema de Esgotamento não tratado, localizado na Avenida Vinte e Cinco de Julho, bairro Três Vendas, Pelotas/RS. Referencial teórico

Este estudo foi construído através do levantamento de dados encontrados na literatura já

existente, bem como foram realizadas pesquisas por meio da internet, e realizado o desenvolvimento de uma pesquisa de estudo de caso. Foi feito um levantamento de todos esses dados e desenvolvido esse artigo. Materiais e métodos

Segundo Yin (2005), o estudo de caso pode ser tratado como importante estratégia metodológica para a pesquisa em ciências humanas, pois permite ao investigador um aprofundamento em relação ao fenômeno estudado, revelando nuances difíceis de serem enxergadas “a olho nu”.

Além disso, o estudo de caso favorece uma visão holística sobre os acontecimentos da vida real, destacando-se seu caráter de investigação empírica de fenômenos contemporâneos.

Já para Vergara (2009), quanto aos meios à pesquisa é do tipo estudo de caso, pesquisa de campo e bibliográfica. Estudo de caso porque o projeto busca profundidade e detalhamento do problema da Avenida Vinte E Cinco de Julho, e pesquisa de campo considerando a investigação “in loco”. Bibliográfica considerando que na fundamentação teórico metodológica foram utilizadas literaturas dos principais autores das áreas corretas ao tema.

Para tanto foi realizado uma pesquisa com questionário do tipo objetivo com sete questões objetivas. A entrevista realizada obedeceu a uma pauta de algumas questões relacionadas ao problema de Esgoto a céu aberto da Avenida XXV de Julho.

Page 25: REVISTA QUERUBIM Ciências Humanas Ciências Sociais · Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e ... gestos de

Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 11 Nº26 vol. 01 – 2015 ISSN 1809-3264

Página 26 de 112

O universo da pesquisa foi constituído de 14 moradores nos arredores do problema em Questão. No desenvolvimento da pesquisa, foram elaboradas questões para que fosse verificado como está sendo essa situação para aquelas pessoas. Apresentação e discussões A Avenida

A Avenida XXV de Julho (Vinte cinco de Julho) é uma Avenida Movimentada que se

interliga a Avenida Fernando Osório através da Rótula entre Av. Fernando Osório – Avenida salgado Filho e Avenida Vinte e Cinco de Julho – Conforme Figura 1.

Essa Avenida apresenta bastante movimento em virtude de Empreendimentos Populares do Governo que foram construídos naquela região e suas proximidades. Além disso, também é caminho para alunos que se deslocam à Faculdade Anhanguera, situada na Avenida Fernando Osório, esta é de grande extensão sendo parte pavimentada e parte não e apresenta grande comercio local como a presença de: academias, mercados, escola, igreja, representações, oficinas, motel e inúmeras residências dentre outros.

Figura 1

Os impactos causados pelo esgoto a céu aberto

São vários os impactos causados pelo Esgoto à Céu aberto. Além da poluição visual (Figuras

2 a 5), mau-cheiro e o acumulo de insetos ao redor, um dos principais impactos é o aparecimento de doenças na população situada ao redor do problema.

São muitas as doenças vinculadas à falta de saneamento. Elas interferem na qualidade de vida da população e até mesmo no desenvolvimento do país. A maioria dessas doenças é de fácil prevenção, mas causam muitas mortes, como o caso da diarréia entre crianças menores de 5 anos no Brasil. Os índices de mortalidade infantil também estão associados ao acesso a serviços de água, esgoto e destino adequado do lixo.

As doenças são transmitidas pelo contato ou ingestão de água contaminada, contato da pele com o solo e lixo contaminados. A presença de esgoto, água parada, resíduos sólidos, rios poluídos

Page 26: REVISTA QUERUBIM Ciências Humanas Ciências Sociais · Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e ... gestos de

Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 11 Nº26 vol. 01 – 2015 ISSN 1809-3264

Página 27 de 112

e outros problemas também contribuem para o aparecimento de insetos e parasitas que podem transmitir doenças. (SANEPAR, 2010)

Algumas das doenças mais comuns são:

Febre Tifóide: Doença infecciosa que causa febre contínua, mal-estar, manchas rosadas no tronco, tosse seca, prisão de ventre e comprometimento dos tecidos linfóides. Febre Paratifóide: É semelhante à Febre Tifóide, mas menos letal. É causado por infecção bacteriana, com apresentação de febre contínua, eventual aparecimento de manchas róseas no tronco e diarréia. Shigeloses: Infecção bacteriana aguda no intestino grosso. Apresenta febre, náuseas e, às vezes, vômitos, cólicas e tenesmo (sensação dolorosa na bexiga ou na região anal). Em casos graves, as fezes apresentam sangue, muco e pus. Cólera: Doença intestinal bacteriana aguda, com diarréia aquosa abundante, vômitos ocasionais, rápida desidratação, acidose, câimbras musculares e colapso respiratório, podendo levar o paciente a morte em um período de 4 a 48 horas, se não houver tratamento. Hepatite A: Febre, mal-estar geral, falta de apetite, náuseas e dores abdominais seguidas de icterícia. A convalescença é prolongada e a gravidade aumenta com a idade, porém há recuperação total sem seqüelas. Amebíase: Infecção causada por um protozoário parasita que atinge os intestinos. As enfermidades variam desde uma disenteria aguda e fulminante, com febre e calafrios e diarréia sanguinolenta ou mucóide (disenteria amebiana), até um mal-estar abdominal leve e diarréia com sangue e muco alternando com períodos de estremecimento ou remissão. Giardíase: Diarréia crônica com cheiro forte, fraqueza e cólicas abdominais, graças às toxinas que libera. Gera um quadro de deficiência vitamínica e mineral e, em crianças, pode causar a morte, se não houver tratamento. Leptospirose: Ocorre com mais freqüência em épocas de chuva ou alagamento, pode apresentar uma simples gripe e até complicações hepáticas e renais graves.

Inúmeras outras doenças também são causadas pela falta de tratamento de esgoto, como: poliomielite, diarréia por vírus, ancilostomíase (amarelão), ascaridíase (lombriga), teníase, cisticercose, filariose (elefantíase), esquistossomose, etc.

É importante lembrar que os custos com prevenção dessas doenças são menores do que os que se tem com a cura e a perda de vidas por causa delas. Também se poderiam aperfeiçoar os gastos públicos com saúde se o dinheiro investido em tratamento de doenças vinculadas à falta de saneamento pudesse ser direcionado para outras questões. (SANEPAR, 2010)

Page 27: REVISTA QUERUBIM Ciências Humanas Ciências Sociais · Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e ... gestos de

Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 11 Nº26 vol. 01 – 2015 ISSN 1809-3264

Página 28 de 112

Figura 2 Figura 3

Figura 4 Figura 5

Questionário: aplicação e análise

Após análise do local “problema” a equipe do trabalho desenvolveu um questionário para

aplicação com moradores próxima à região proposta no trabalho. Foram estipuladas sete questões relacionadas à situação atual da Avenida Vinte e Cinco de Julho, conforme Tabela 1.

PERGUNTAS

RESPOSTAS

1. VOCÊ CONHECE ALGUM LOCAL COM PROBLEMAS

SANITÁRIO (ESGOTO A CÉU ABERTO) PRÓXIMO DA SUA

CASA (AVENIDA XXV DE JULHO)? ( ) SIM ( ) NÃO

2. VOCÊ SE INCOMODA COM A ATUAL SITUAÇÃO DA

AVENIDA XXV DE JULHO EM RELAÇÃO AO ESGOTO A

CÉU ABETO? ( ) SIM ( ) NÃO

3. VOCÊ JÁ OBSERVOU OU EVIDENCIO MAU CHEIRO, INSETOS, LIXO OU TRANSBORDAMENTO NO LOCAL?

( ) SIM ( ) NÃO

Page 28: REVISTA QUERUBIM Ciências Humanas Ciências Sociais · Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e ... gestos de

Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 11 Nº26 vol. 01 – 2015 ISSN 1809-3264

Página 29 de 112

4. VOCÊ TEM CONHECIMENTO QUE PODERÁ ADQUIRIR

DOENÇAS DECORRENTES DESSE PROBLEMA? ( ) SIM ( ) NÃO

5. VOCÊ JÁ CONTRAIU ALGUMA DOENÇA ACREDITANDO

ESTAR RELACIONADO AO PROBLEMA? ( ) SIM ( ) NÃO

6. VOCÊ JÁ OBSERVOU ALGUMA LIMPEZA E/OU

MANUTENÇÃO REALIZADA PELA PREFEITURA NO

LOCAL? ( ) SIM ( ) NÃO

7. VOCÊ ACREDITA QUE HAVERIA MELHORAS SE

HOUVESSE CANALIZAÇÃO DO ESGOTO? ( ) SIM ( ) NÃO

Tabela 1

Em relação ao conhecimento dos moradores ao local com problemas sanitários (esgoto a céu aberto) próximo de suas casas localizado na Avenida Vinte e Cinco de Julho, 78,58% responderam ter conhecimento sobre o fato (Questão 1), Obtivemos 71,40% dos entrevistados afirmando estarem em desacordo com à situação atual da Avenida (Questão 2), já em relação ao mau cheiro, insetos, lixo e transbordamento(Questão 3), 78,58% responderam presenciar alguns desses itens no local com freqüência. O total de 49,98% dos entrevistados tem o conhecimento dos riscos a sua saúde em relação às doenças que podem ser ocasionadas a partir do impacto ambiental oferecido pelo Esgoto aberto (Questão 4). Cerca de 21,42% das pessoas que participaram do questionário diz ter contraído alguma doença que acredita ter relação ao problema estudado (Questão 5).

Somente 35,70% dizem já ter presenciado alguma limpeza e/ou manutenção na área. (Questão 6). Por fim, 85,68% dos moradores acreditam que haveria melhoras de todos os aspectos mencionados anteriormente se fosse realizado a canalização do Esgoto a céu aberto na Avenida Vinte e Cinco de Julho. Resultados conforme tabela 2.

Respostas positivas

Resposta negativa

Questão 1 78,5 21,5

Questão 2 71,4 28,6

Questão 3 78,5 21,5

Questão 4 49,9 50,1

Questão 5 21,42 78,58

Questão 6 35,7 64,3

Questão 7 85,6 14,4

0102030405060708090

Questão 1Questão 2

Questão 3

Questão 4

Questão 5

Tabela 2

Considerações finais

No cenário atual está sendo cada vez mais cobrada à implementação de Gestão de Pessoas

relacionada à Gestão Ambiental. Desta forma, para que uma empresa atinja um patamar de sustentabilidade, deve possuir uma gestão adequada.

Page 29: REVISTA QUERUBIM Ciências Humanas Ciências Sociais · Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e ... gestos de

Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 11 Nº26 vol. 01 – 2015 ISSN 1809-3264

Página 30 de 112

A gestão de pessoas demonstra influenciar nesta diferença sustentável, através da identificação de competências essenciais desde o recrutamento, passando pelo treinamento e desenvolvimento, gestão do conhecimento, comunicação eficiente, tecnologia de ponta, visão sistêmica da organização, clima e cultura organizacional, gestão da qualidade de vida no trabalho e principalmente na utilização de indicadores para controle e medição dos programas adotados em busca de atingir a estratégia macro.

Neste contexto a pesquisa demonstrou que são possíveis através de programas e treinamentos dentro da Gestão de pessoas manterem a gestão ambiental dentro da empresa, esses resultados foram apresentados com aplicação do questionário aos colaboradores.

Concluiu-se que a grande maioria dos colaboradores da empresa pesquisada conhece as medidas com que a empresa realiza suas questões ambientais. Entretanto deve-se salientar que a rotatividade de pessoas em uma indústria é constante e por isso deve-se manter uma Gestão contínua.

Além disso, identifica-se uma oportunidade de melhoria na Empresa, com a inclusão do questionário aplicado neste trabalho como uma ferramenta de Gestão na análise e/ou treinamento periódico nessa parte ambiental de seus colaboradores. Referências bibliográficas

WONG, Antony. Esgoto a céu aberto: inimigo invisível – Correio do povo . Disponível em: http://www.tratabrasil.org.br/esgoto-a-ceu-aberto-inimigo-invisivel-correio-do-povo (visualizado em 03 de junho de 2014). RIOS, Jorge L. Paes - "Estudo de um Lançamento Subfluvial.Metodologia de Projeto e Aspectos Construtivos do Emissário de Manaus" - Congresso Interamericano de AIDIS - Panamá, 1982. VERGARA, Sylvia Constant. Projetos e Relatórios de Pesquisa em Administração. 11 ed. São Paulo: Atlas, 2009. YIN, R.K. Estudo de caso. Planejamento e métodos. 3. ed. Porto Alegre: Bookman, 2005. SANEPAR, 2010 - Companhia de Saneamento do Paraná, disponível em: http://educando.sanepar.com.br/ensino_medio/doen%C3%A7-relacionadas-com-falta-de-saneamento (visualizado em 20 de maio de 2014). KLUG, Waldemar – Entrevistado, morador próximo do local. KUNZGEN, Elanir Klug - Entrevistado, morador próximo do local. TUROW, Eliane Rutz - Entrevistado, morador próximo do local. NILMANN, Patrícia - Entrevistado, morador próximo do local. FALKE, Ereni Kunzgen - Entrevistado, morador próximo do local. BARBOSA, Leandro Miranda - Entrevistado, morador próximo do local. CELESTINO, Raquel - Entrevistado, morador próximo do local. FERNANDES, Ana Maria Dias - Entrevistado, morador próximo do local. SEDREZ, Givanildo - Entrevistado, morador próximo do local. ALBORNOZ, Léo - Entrevistado, morador próximo do local. BARRETO, Diana - Entrevistado, morador próximo do local. REICHOW, Leonardo - Entrevistado, morador próximo do local. WOZIAK, Carlos Augusto Huber - Entrevistado, morador próximo do local. SILVEIRA, Lucinara - Entrevistado, morador próximo do local. Enviado em 30/04/2015 Avaliado em 1/806/2015

Page 30: REVISTA QUERUBIM Ciências Humanas Ciências Sociais · Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e ... gestos de

Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 11 Nº26 vol. 01 – 2015 ISSN 1809-3264

Página 31 de 112

O TUTOR NA EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA: UM ESTUDO SOBRE A MEDIAÇÃO REFLEXIVA E DIALÓGICA

Andréia Santana de Carvalho Mestre em Educação

Professora/tutora do Projeto Educa/EaD da Prefeitura de Guarujá Resumo Este artigo é fruto do trabalho final de curso de pós-graduação em "Planejamento, Implementação e Gestão da Educação a Distância". Para fazer a tessitura deste labor, priorizei investigar na literatura o papel do tutor enquanto mediador reflexivo e dialógico na Educação a Distância. No presente estudo, foi possível clarificar o cerne na tutoria a distância, ressaltando que a função do tutor não é facilitar nem tampouco dificultar o processo de aprendizagem, mas sim, desencadear a autoria de pensamento, a reflexividade, a criatividade, a dialogicidade como instrumentos de interlocução e de tomada de consciência para tecer novas práticas educativas. Palavras-chave: Educação a Distância; Tutor; Mediação reflexiva e dialógica. Abstract This article is the result of the final work of graduate course on "Planning, Implementation and Management Education Distance". To make the fabric of this work, prioritized in the literature investigate the role of the tutor as reflective and dialogic mediator in Distance Education. In this study, it could be clarified in the core distance tutoring, noting that the role of the tutor is not easy nor hinder the learning process, but trigger the authorship of thought, reflexivity, creativity, dialogicity as instruments of dialogue and awareness to weave new educational practices. Keywords: Distance Education; Tutor; Reflective and dialogic mediation. Introdução e objetivos

A Educação a Distância (EaD) vem passando por uma rápida expansão desde o início do

século XXI, trazendo profundas reflexões sobre as mudanças organizacionais na educação devido ao uso da tecnologia e suas possibilidades. O foco desse trabalho aponta, especificamente, para o contexto dos Sistemas de Tutorias em Ambiente Virtual de Aprendizagem (AVA).

Em 2012, no “I Encontro Regional de Educação a Distância” realizado na Universidade Federal

do Maranhão (UFMA), Luís Gomes, o presidente da Associação Nacional dos Tutores da Educação a Distância (ANATED), enfatizou que:

Com o crescimento da educação a distância, vários desafios surgiram, principalmente sobre a tutoria. Falta regulação, ou seja, quais habilidades e competências deve possuir para exercer essa função, pois exige uma abordagem diferente da que ele já faz no modelo presencial (BENNY, 2012).

Esse discurso ressalta como é essencial considerar, valorizar e analisar as peculiaridades dos

sistemas de tutorias a distância que possibilitam novas formas de aprender e de ensinar. Ao considerar a complexidade dos sistemas de tutorias a distância, Gelatti e Premaor (2009,

p. 243) consideram que cabe ao tutor "(...) a atribuição de fomentar a aprendizagem para concretizar os objetivos propostos através da ativação dos processos cognitivos, sociais, afetivos, além de avaliar os processos realizados (...)".

Page 31: REVISTA QUERUBIM Ciências Humanas Ciências Sociais · Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e ... gestos de

Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 11 Nº26 vol. 01 – 2015 ISSN 1809-3264

Página 32 de 112

De acordo com Brunetta et al. (2013, p. 83), enquanto mediador, o tutor a distância "(...) ocupa uma posição na qual é necessário estar em constante diálogo com os alunos a fim de estimulá-los durante todas as etapas do curso (...)".

Assim, a questão-problema tecida no presente trabalho foi: Como a literatura concebe o

papel do tutor enquanto mediador do processo educativo na EaD, nas perspectivas reflexivas e dialógicas?

No presente trabalho procurei investigar na literatura o papel do tutor enquanto mediador

do processo educativo na EaD. Para concretizar esse objetivo, pesquisei na literatura a importância do tutor enquanto mediador do processo de reflexão na EaD e investiguei em bibliografia específica como os autores percebem as práticas dialógicas entre o tutor e os alunos na EaD. Metodologia

Na elaboração do presente trabalho privilegiei a pesquisa bibliográfica para investigar o papel do tutor enquanto mediador do processo educativo na EaD. Defendo que esse tipo de pesquisa possibilita uma investigação mais profunda e ajuda a clarificar a relevância da mediação reflexiva e dialógica na modalidade a distância.

Segundo Severino (2007), a pesquisa bibliográfica é um levantamento da literatura

especializada para um estudo do assunto que será abordado, não sendo uma reprodução de um tema já estudado, mas oportunizando a investigação sob uma nova perspectiva ou interpretação.

Na perspectiva qualitativa, utilizei fontes primárias e secundárias de pesquisas científicas.

Fontes primárias são constituídas por obras ou textos originais, material ainda não trabalhado, sobre determinado assunto. As fontes primárias, pela sua relevância, dão origem a outras obras, que vão formar uma literatura ampla sobre aquele determinado assunto. As fontes secundárias referem-se a determinadas fontes primárias, isto é são constituídas pela literatura originada de determinadas fontes primárias e constituem-se e em fontes das pesquisas bibliográficas (ANDRADE, 2001, p. 43).

Cabe lembrar que segundo Cervo e Bervian (apud UNIASSELVI, s.d., p. 23), a pesquisa

bibliográfica "(...) busca conhecer e analisar as contribuições culturais ou científicas do passado existentes sobre um determinado assunto, tema ou problema (...)".

Gil (apud UNIASSELVI, s.d., p. 22) ressalta que a "(...) principal vantagem é possibilitar ao

investigador a cobertura de uma gama de acontecimentos muito mais ampla do que aquela que poderia pesquisar diretamente".

Depreendo que a referida pesquisa bibliográfica pode ser uma possibilidade para

vislumbrar novas perspectivas para a tutoria nos cursos a distância.

Discussão e considerações finais Na EaD há vários tipos de cursos que visam atender as necessidades de cada instituição

bem como do público-alvo. Segundo Clementino (2014), os cursos autoinstrucionais podem ser sem ou com tutoria.

Page 32: REVISTA QUERUBIM Ciências Humanas Ciências Sociais · Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e ... gestos de

Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 11 Nº26 vol. 01 – 2015 ISSN 1809-3264

Página 33 de 112

Os cursos autoinstrucionais sem tutoria são informativos, com conteúdos superficiais. O aluno não interage com os colegas de curso nem com o tutor. A avaliação é realizada por meio de questões de múltipla escolha e/ou de falso ou verdadeiro (CLEMENTINO, 2014).

Nos cursos autoinstrucionais com tutoria, o propósito também é transmitir as informações

de forma acrítica. No entanto, nesse tipo de curso com tutoria, quando o aluno tem uma dúvida, ele solicita a ajuda do tutor pelo telefone e/ou por e-mail (CLEMENTINO, 2014).

Sabemos que em pleno século XXI, um dos grandes desafios da EaD é superar os modelos

autoinstrucionais (sem ou com tutoria), pois eles não priorizam a interatividade, a cooperação, a reflexividade, a tomada de consciência.

Para a concretização de uma proposta pedagógica de cunho reflexivo, a equipe da EaD

(coordenador, designer gráfico, designer pedagógico, professor, tutor, entre outros profissionais) precisa refletir e delinear a sua filosofia de aprendizagem, tendo consciência que os cursos a distância necessitam superar as informações prontas e acabadas.

De acordo com Clementino (2014), há cursos a distância na perspectiva cooperativa

(colaborativa) que enfatizam a interação em chat, fórum de discussão, entre outras ferramentas do AVA. Os referidos cursos ressaltam a comunicação constante entre alunos e alunos e, alunos e tutores.

Tijiboy et al. (2009) fazem uma alerta: "(...) apesar da variedade de recursos de interação ou

ferramentas que um ambiente virtual de aprendizagem disponha, cabe à equipe docente avaliar continuamente o processo de interação, devendo em diversos momentos promover a cooperação, a reflexão (...)".

Corroborando com esse posicionamento Clementino (2014) considera que as ferramentas

tecnológicas são importantes bem como a proposta pedagógica de cada instituição, pois se o planejamento educativo tiver uma perspectiva autoinstrucional, os alunos terão cursos conteudistas mesmo com ferramentas tecnológicas interativas.

Na literatura sobre a EaD, é perceptível que vários autores sinalizam a necessidade de

clarificar os papéis da tutoria a distância. Segundo Almeida (apud MACHADO; MACHADO, 2004), "o professor-tutor atua como mediador, facilitador, incentivador, investigador do conhecimento, da própria prática e da aprendizagem individual e grupal".

Litwin (2001) e Palloff e Pratt (2002) enfatizam que o tutor exerce o papel de facilitador na

construção do conhecimento, uma vez que a aprendizagem é centrada no aluno, tornando-o mais responsável e consciente por suas produções e participações.

Sá (apud BEBER; MARTINS; DIAS, 2008) também considera que o tutor é um orientador

da aprendizagem do aluno, um facilitador na modalidade a distância. Entretanto, considero que os termos "mediador" e "facilitador" não são sinônimos. O

cerne na tutoria a distância não é facilitar nem tampouco dificultar o processo de aprendizagem, mas sim, desencadear a autoria de pensamento, a autonomia, a responsabilidade, a reflexividade, a interação, a cooperação, a criatividade, o espírito investigativo, a dialogicidade como instrumentos de interlocução e de tomada de consciência para tecer novas práticas educativas.

Page 33: REVISTA QUERUBIM Ciências Humanas Ciências Sociais · Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e ... gestos de

Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 11 Nº26 vol. 01 – 2015 ISSN 1809-3264

Página 34 de 112

Sabemos que os obstáculos são imensos até porque no processo sócio-histórico, "não fomos educados para olhar pensando o mundo, a realidade, nós mesmos. Nosso olhar cristalizado nos estereótipos produziu em nós paralisia, fatalismo, cegueira" (WEFFORT, 1996, p. 10).

Segundo Beber, Martins e Dias (2008), na modalidade a distância, "a figura do tutor deve

situar-se numa posição estratégica, já que seu desempenho central é atuar como mediador entre currículo, interesses e capacidades do aluno".

Defendo que na EaD, a tutoria necessita conhecer os seus alunos, acolhendo cada cursista

e a equipe, interagindo nos fóruns de apresentação, de dúvidas, nos fóruns temáticos, nos chats, enviando e respondendo os e-mails, entre outras atividades.

Na perspectiva reflexiva, as propostas pedagógicas dos cursos a distância têm como ideia

motriz a sustentação de práticas educativas que enfatizam a dialogicidade, a interatividade, a criticidade.

Na modalidade a distância, a tutoria tem a possibilidade de criar espaços de trabalho, de

interação e socialização, incentivando a participação, a autonomia, a reflexão, o diálogo por meio das ferramentas pedagógicas disponibilizadas no AVA.

Beber, Martins e Dias (2008) enfatizam que na EaD, "a figura de destaque, responsável

pelo bom andamento das atividades, é o tutor, profissional que assume a missão de articulação de todo o sistema de ensino-aprendizagem (...)".

Beber, Martins e Dias (2008) ainda argumentam que "(...) o tutor tem como finalidade

resolver os ruídos de comunicação e os problemas que surgem ao longo do processo de ensino, procurando resolvê-los e, ao mesmo tempo, realizar a articulação e desenvolver ações para aperfeiçoar o sistema de EaD (...)".

Para Tijiboy et al. (2009), "as funções que o tutor a distância desempenham podem a

primeira vista parecer fácil. Estas seriam: fazer mediações e interlocuções através das ferramentas do ambiente/plataforma de ensino utilizado no curso, manter ativa a participação dos alunos (...)".

Para explicar o processo de mediação da tutoria a distância, Tijiboy et al. (2009) ressaltam

que cabe ao tutor:

(...) mediar o processo de apropriação/construção do conhecimento partindo do nível de conhecimento real, aquilo que o aluno previamente tem conhecimento e que já demonstrou através das ferramentas de interação (uma das quais é o fórum de discussão), para um nível de desenvolvimento potencial, que é aquilo que este será capaz de aprender.

Tijiboy et al. (2009) fundamentam a mediação do tutor a distância a partir da concepção de

Vygotsky (1991, p. 59), depreendendo que a Zona de Desenvolvimento Proximal é "(...) a distância entre o nível de desenvolvimento real, que se costuma determinar através da solução independente de problemas, e o nível de desenvolvimento potencial, determinado através da solução de problemas (...)".

A complexidade do trabalho da tutoria a distância reside na mediação na Zona de

Desenvolvimento Proximal (ZDP), ou seja, o labor do tutor é tecido na intersecção entre a Zona de Desenvolvimento Real (ZDR) e a Zona de Desenvolvimento Potencial (ZDP).

Page 34: REVISTA QUERUBIM Ciências Humanas Ciências Sociais · Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e ... gestos de

Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 11 Nº26 vol. 01 – 2015 ISSN 1809-3264

Página 35 de 112

A mediação do tutor reside na ZDP, pois ele precisa trabalhar pedagogicamente a partir dos conhecimentos prévios dos alunos, objetivando que o corpo discente construa conhecimentos basilares para a sua formação.

No AVA, o tutor pode disponibilizar ferramentas síncronas e assíncronas para realizar a

mediação reflexiva e dialógica na ZDP. O chat é uma ferramenta síncrona na qual o tutor pode diagnosticar os conhecimentos construídos pelos alunos, uma vez que as respostas precisam ser imediatas.

Já, o fórum de discussão é uma ferramenta assíncrona na qual o tutor pode solicitar para o

corpo discente uma pesquisa mais aprofundada sobre a temática analisada. Na referida ferramenta, o tutor tem mais tempo para analisar, fazer o feedback.

Devido a complexidade do processo de mediação a distância, a orientação da tutoria exige

um número de alunos reduzido. "Alguns autores apontam como ideal um tutor para cada 20 ou 30 alunos" (BEBER; MARTINS; DIAS, 2008).

A tutoria também necessita atender os alunos em horários flexíveis e meios diversos, como

ressalta Sá (apud MACHADO; MACHADO, 2004). Em concomitância requer gerenciar bem o tempo para fazer mediações éticas, construtivas, acolhedoras, reflexivas, cooperativas, criativas para construir espaços de trabalho, de interação, de reflexão.

Tijiboy et al. (2009) são incisivos ao enfatizarem que o processo de reflexão na modalidade

a distância necessita de "(...) questionamentos e perguntas do tutor ao aluno, visando a solução de um problema. Implica necessariamente uma ação consciente ou intencional do mediador em provocar o raciocínio crítico do aluno (...)".

Os referidos autores também ressaltam que o tutor enquanto "(...) mediador não fornece

respostas, mas instiga a busca dessas pelo próprio aluno" (TIJIBOY et al., 2009). Nobre e Melo (2011, p. 04) alertam que esse profissional necessita “(....) explorar as

interfaces, respeitando o desenho didático, com postura sempre proativa, aberta a coparticipação e problematizadora”.

Nobre e Melo (2011, p. 04) também fazem uma analogia entre a tutoria a distância e a

"ponte rolante", quando ressaltam que o tutor necessita:

(...) estar sensível e com a percepção apurada em relação às demandas e necessidades dos seus cursistas, estimulando-os e despertando-os para novos olhares, novos pontos de vista e reflexão de suas práticas. A menção à “ponte rolante” e não à “ponte fixa” nos remete ao cuidado com a individualidade e abordagens diferenciadas nas relações interpessoais na sala de aula virtual.

As referidas autoras ainda alertam que o tutor na EaD age como uma "ponte rolante",

realizando a mediação entre o professor-autor, o material didático e os alunos. Há uma necessidade do tutor em EaD compreender a relevância do exercício do diálogo

no AVA, tanto nas ferramentas síncronas quanto assíncronas. Cabe lembrar que no presente trabalho, não considero o tutor como um mero facilitador e

sim, um mediador que tem funções complexas, tais como:

Page 35: REVISTA QUERUBIM Ciências Humanas Ciências Sociais · Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e ... gestos de

Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 11 Nº26 vol. 01 – 2015 ISSN 1809-3264

Página 36 de 112

(...) saber lidar com os ritmos individuais diferentes dos alunos; Apropriar-se de técnicas novas de elaboração do material didático impresso e do produzido por meios eletrônicos; Dominar técnicas e instrumentos de avaliação, trabalhando em ambientes diversos daqueles já existentes no sistema presencial de educação; Ter habilidades de investigação; Utilizar técnicas variadas de investigação e propor esquemas mentais para criar uma nova cultura, indagadora e plena em procedimentos de criatividade (SOUZA et al., 2004, p. 82).

Silva (apud NOBRE; MELO, 2011, p. 11) também argumentam que cabe a tutoria "(...)

gerenciar possíveis conflitos explícitos e implícitos no calor das discussões e no desenrolar dos trabalhos, estimular: a colaboração, a interatividade (...) o clima cordial e estimulante (...)”.

Ratificando essa postura pedagógica, Guarezi e Matos (2009) depreendem que cabe a tutoria possibilitar o exercício da interatividade e da colaboração, incentivando o intercâmbio de experiências entre os alunos, destacando a comunicação entre grupos, em respeito às diferenças individuais.

Também para Costa, Paraguaçú e Pinto (2009), o papel da tutoria é apoiar e orientar os

alunos em seus estudos, mediar discussões, autonomia, destacando o processo de interação mútua na construção do conhecimento.

Segundo Alarcão (2005, p. 45), para estimular a reflexão nos processos educativos são

necessários "(...) contextos que favoreçam o seu desenvolvimento, contextos de liberdade e responsabilidade (...)".

Compreendo que o trabalho pedagógico na EaD não é um labor solitário, pois é tecido na

coletividade e na diversidade de ideias. Para Zeichner (1995, p. 120), necessitamos superar o "(...) isolamento em pequenas

comunidades compostas por pessoas que compartilham orientações idênticas, o que empobrece o debate e as interações (...)".

Defendo que os cursos a distância necessitam superar os modelos autoinstrucionais (sem

ou com tutoria) para transcender o individualismo. A reflexão individual não é suficiente para desenvolver um processo educativo crítico.

Para Neder (2000), o tutor deve participar dos momentos de preparação e desenvolvimento

de um curso, pois ele precisa colaborar na discussão do currículo do curso, dos materiais didáticos, receber formação institucional para trabalhar no curso, participar da construção dos instrumentos de avaliação dos alunos, avaliar os discentes e o curso, ou seja, é co-responsável pelo processo de formação dos alunos.

Nessa perspectiva, Beber, Martins e Dias (2008) são incisivos quando mencionam que "(...)

é necessário investir e desenvolver sistemas tutoriais eficazes, apropriados a apoiar e promover o crescimento do aluno em cada uma das etapas do processo de ensino".

No viés reflexivo, vislumbro um perfil de tutor que seja compromissado, disciplinado,

organizado, motivado, autônomo, reflexivo, proativo, emancipador, cooperativo, ético. Também defendo que a simples expansão da EaD não garante uma tomada de consciência

da equipe e dos alunos. Nem a mera utilização das ferramentas tecnológicas do AVA garante o processo de reflexividade na modalidade a distância.

Page 36: REVISTA QUERUBIM Ciências Humanas Ciências Sociais · Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e ... gestos de

Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 11 Nº26 vol. 01 – 2015 ISSN 1809-3264

Página 37 de 112

Referências bibliográficas ALARCÃO, I. Professores reflexivos em uma escola reflexiva. 4. ed. São Paulo: Cortez, 2005. ANDRADE, M. M. de. Introdução à metodologia do trabalho científico: elaboração de trabalhos na graduação. 5. ed. São Paulo: Atlas, 2001. BEBER, B.; MARTINS, J. G.; DIAS, M. M. Mediação pedagógica no processo tutorial. 2008. Disponível em: <http://www.abed.org.br/congresso2008/tc/512200834214PM.pdf>. Acesso em: 31 mar. 2015. BENNY, J. Professores da UFMA participam de capacitação da ANATED. 2012. Disponível em: <http://www.anated.org.br/_site/noticias/noticia.asp?cod=7&ID_noticia=20>. Acesso em: 31 mar. 2015. BRUNETTA, N.; LOCATELLI, P. A. P. C.; SAWITZKI, R. C.; ANTUNES, E. Di D. As representações sociais dos tutores sobre a atividade de tutoria em cursos de especialização em Administração na modalidade a distância. Organizações em Contexto, São Bernardo do Campo, v. 09, n. 17, p. 79-98, jan./jun. 2013. Disponível em: <https://www.metodista.br/revistas/revistas-metodista/index.php/OC/article/view/79-98/pdf_68>. Acesso em: 31 mar. 2015. CLEMENTINO, A. Tipos de cursos de EaD. 2014. Disponível em: <http://www.ead.unifei.edu.br/videos/equipe_de_filmagem/DI_CAP/capacitacao1.html>. Acesso em: 31 mar. 2015. COSTA, C. J. de S. A.; PARAGUAÇÚ, F.; PINTO, A. de C. Experiências interativas com ferramentas midiáticas na tutoria online. Em Aberto, Brasília, v. 22, n. 79, p. 121-137, jan. 2009. GELATTI, L. S.; PREMAOR, V. B. Autoavaliação da atuação da tutoria no curso de licenciatura em Pedagogia a distância de uma universidade brasileira. Portuguesa de Educação, Portugal, v. 22, n. 02, p. 219-248, 2009. Disponível em: <http://www.redalyc.org/pdf/374/37412031010.pdf>. Acesso em: 31 mar. 2015. GUAREZI, R. de C. M.; MATOS, M. de. Educação a distância sem segredos. Curitiba: Ibpex, 2009. LITWIN, E. Educação a Distância: temas para o debate de uma nova agenda educativa. Porto Alegre: Artmed, 2001. MACHADO, L. D.; MACHADO, E. de C. O papel da tutoria em ambientes de EaD. 2004. Disponível em: <http://www.abed.org.br/congresso2004/por/htm/022-tc-a2.htm>. Acesso em: 31 mar. 2015. NEDER, M. L. C. A orientação acadêmica na Educação a Distância: a perspectiva de (re)significação do processo educacional. In: PRETI, O. (org.). Educação a Distância: construindo significados. Brasília: Plano, 2000, p. 105-124. NOBRE, C. V.; MELO, K. S. de. Convergência das competências essenciais do mediador pedagógico da EaD. In: VIII Congresso Brasileiro de Ensino Superior a Distância, Ouro Preto, out. 2011. Disponível em: <http://pigead.lanteuff.org/course/view.php?id=249>. Acesso em: 31 mar. 2015. PALLOFF, R.; PRATT, K. Construindo comunidades de aprendizagem no ciberespaço. Porto Alegre: Artes Médicas Sul, 2002. SEVERINO, A. J. Metodologia do trabalho científico. 23. ed. São Paulo: Cortez, 2007. SOUZA, C. A. de; SPANHOL, F. J.; LIMAS, J. C. de O.; CASSOL, M. P. Tutoria como espaço de interação em Educação a Distância. Diálogo Educacional, Curitiba, v. 04, n. 13, p. 79-89, set./dez. 2004. Disponível em: <http://www.redalyc.org/pdf/1891/189117791007.pdf>. Acesso em: 31 mar. 2015. TIJIBOY, A. V.; CARNEIRO, M. L. F.; WOICIECHOSKI, L. R.; PEREIRA, E. A. Compreendendo a mediação do tutor a distância. Revista Renole - Novas Tecnologias na Educação, v. 07, n. 01, jul. 2009. Disponível em: <http://seer.ufrgs.br/renote/article/view/13913>. Acesso em: 31 mar. 2015.

Page 37: REVISTA QUERUBIM Ciências Humanas Ciências Sociais · Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e ... gestos de

Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 11 Nº26 vol. 01 – 2015 ISSN 1809-3264

Página 38 de 112

UNIASSELVI. Disciplina Metodologia da Pesquisa Científica. s.d. Disponível em: <http://www.posuniasselvi.com.br/website/upl/File/Apostila%20da%20metodologia%20de%20pesquisa.pdf>. Acesso em: 31 mar. 2015. VYGOTSKY, L. S. A formação social da mente. 4. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1991. WEFFORT, M. F. Observação, registro, reflexão: instrumentos metodológicos. 2. ed. São Paulo: Espaço Pedagógico, 1996. ZEICHNER, K. Novos Caminhos para o practicum: uma perspectiva para os anos 90. In: NÓVOA, A. (coord.). Os professores e a sua formação. Lisboa: Dom Quixote, 1995, p. 115-138. Enviado em 30/04/2015 Avaliado em 15/06/2015

Page 38: REVISTA QUERUBIM Ciências Humanas Ciências Sociais · Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e ... gestos de

Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 11 Nº26 vol. 01 – 2015 ISSN 1809-3264

Página 39 de 112

DIALÉTICA E FENOMENOLOGIA: AS ANDARILHAGENS DE PAULO FREIRE

André Luis Castro de Freitas Prof. - FURG, Rio Grande - RS

Doutor em Ciênciada Computação Doutorando em Educação

Luciane Albernaz de Araujo Freitas Profª. IF SUL, Pelotas – RS

Doutora em Educação Ambiental Resumo O presente trabalho tem como objetivo problematizar o pensamento educacional de Paulo Freire, o qual encharcado pelos métodos dialético e fenomenológico constituiu seu modo de fazer na educação. A partir de um estudo descritivo crítico tem-se por intencionalidade elencar categorias que venham a demonstrar o trânsito do autor por entre diferentes visões de mundo na busca de uma educação mais humana e libertária. Argumenta-se no texto a necessidade de refletir sobre uma perspectiva pedagógica contemporânea que aponte para uma marcha dialético/fenomenológica enquanto movimento não apenas para acolher o sujeito diferente, mas com ele organizar encontros de diferentes. Palavras-chave: Educação. Dialética. Fenomenologia. Conscientização. Paulo Freire. Abstract This paper intends to discuss the educational thought of Paulo Freire, which constituted by dialectical and phenomenological methods define their way of thinking and doing education. From a critical descriptive study has aimed to list categories that may demonstrate the author for transit between different worldviews in search of a more humane and libertarian education. In the text the need to reflect on a pedagogical perspective that points to a dialectical / phenomenological way while moving not only to accommodate the different subject is discussed, but he organize different meetings. Key-words: Education. Dialectic. Phenomenology. Critical consciousness. Paulo Freire. Considerações iniciais

Na proposta freiriana as construções de conhecimentos estabelecem a passagem da

ingenuidade à criticidade, caracterizando a conscientização como um processo permanente de transição, onde conteúdos, programas e metodologias inerentes ao currículo gravitam em torno da relação educativa.

O processo de conscientização permite transitar por entre estágios diferentes os quais se

complementam no processo gnosiológico, onde educador ou educadora e educandos conhecem e aprendem, construindo, progressivamente, sua consciência crítica. É a partir desse papel, complexo no contexto do dia a dia, que o educador ou educadora ao refletir e agir sobre a realidade constitui-se pela tentativa de ir além da transmissão do conhecimento.

Scocuglia (2010) compreende que se vive a época de incertezas paradigmáticas, onde,

fundamentalmente, as práticas pedagógicas estão associadas à vivência docente, a qual só é possível para quem a exerce. A partir de tantas teorias e, ainda, paradigmas emergentes e em declínio, afirma

Page 39: REVISTA QUERUBIM Ciências Humanas Ciências Sociais · Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e ... gestos de

Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 11 Nº26 vol. 01 – 2015 ISSN 1809-3264

Página 40 de 112

que a reflexão sobre a prática, com o intuito de melhorá-la, caracteriza o caminho prudente a ser trilhado.

Nesse contexto, para Scocuglia (2010), a identidade do sujeito é constituída de

características individuais e coletivas as quais definem os seres humanos como seres relacionais que estão no mundo e com o mundo. O conhecimento e a consciência crítica que um indivíduo tem de si mesmo e de sua relação com os outros é componente essencial das identidades.

Ainda para o mesmo autor, embasado em Freire, a partir dos caminhos da história como

movimento, luta e possibilidade da transformação é latente vislumbrar as tentativas de reinventar as práticas educacionais e, nelas, as identidades de educadores ou educadoras.

A pedagogia freiriana está apoiada nesse contexto, na ideia de que o conhecimento é uma

contingência particular da história e da política. Freire (2002), quando argumenta sobre a teoria do conhecimento, sustenta que não é possível ao educador ou educadora apenas exercer uma oratória sobre as razões ontológicas, epistemológicas e políticas da teoria, mas pelo contrário, o discurso sobre a teoria deve ser o exemplo concreto e prático da teoria, enfim, a sua encarnação. “Ao falar da construção do conhecimento, criticando a sua extensão, já devo estar envolvido nela, e nela, a construção, estar envolvendo os alunos” (FREIRE, 2002, p. 21).

O pedagogo propõe a educação problematizadora como forma de ação visando proporcionar uma relação de troca horizontal entre educador ou educadora e educandos a fim de oportunizar a atitude de transformação da realidade conhecida.

Essa forma de educação compreende uma humanização em processo, constituída pela práxis8, a qual implica a ação e reflexão dos homens sobre o mundo para transformá-lo. Inserida nessa perspectiva está à relação dialógica a qual se apresenta como elemento fundante para conceber a educação problematizadora.

Considerando os pressupostos elencados compreende-se que o presente trabalho tem como objetivo problematizar o pensamento educacional de Paulo Freire, apoiado nos métodos dialético e fenomenológico como formas de constituição de seu modo de pensar e fazer a educação

Com o intuito de abordar a referida discussão o trabalho está organizado nas seguintes temáticas: as relações dialético-dialógicas e o método freiriano apresentam-se aproximações entre a dialética de base marxiana e o método freiriano assumindo como elo as relações dialógicas; o contexto fenomelógico freiriano compreende-se um alinhamento da proposta freiriana em consonância aos autores de estudos fenomenológicos por meio de reflexões a respeito da discussão. Após, seguem as considerações finais.

8 A práxis estabelece uma ação transformadora consciente e crítica da realidade, superando a dicotomia teoria e prática. Essa ação desencadeia a construção de um novo modelo conceitual onde o sujeito passa a atuar e interferir sobre o contexto no qual está inserido. “É na práxis que o ser humano tem de provar a verdade, isto é, a realidade e o poder, o caráter terreno de seu pensar” (MARX; ENGELS, 2010, p. 27). Para Sánchez Vázquez (2007): “A relação entre teoria e práxis é para Marx teórica e prática; prática, na medida em que a teoria, como guia da ação, molda a atividade do homem, particularmente a atividade revolucionária; teórica, na medida em que essa relação é consciente” (SÁNCHEZ VÁZQUEZ, 2007, p. 109).

Page 40: REVISTA QUERUBIM Ciências Humanas Ciências Sociais · Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e ... gestos de

Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 11 Nº26 vol. 01 – 2015 ISSN 1809-3264

Página 41 de 112

As relações dialético-dialógicas e o método9 freiriano

A ênfase na promoção do diálogo com os diferentes é objeto permanente na obra de Paulo Freire, onde se permite ouvir o outro pelo exercício da alteridade, deixando tomar-se pelas suas razões, antes mesmo de elaborar a contraposição de ideias, como um exercício de deixar algo em si que foi dito pelo outro.

Essa necessidade de entendimento do outro é compreendida por Freire (2004) por meio do exercício da humildade. Para o autor não existe diálogo se não há humildade. “A pronúncia do mundo, com que os homens o recriam permanentemente, não pode ser um ato arrogante” (FREIRE, 2004, p. 46). O diálogo rompe-se quando seus polos perdem a humildade demonstrando que a autossuficiência não é compatível com o diálogo.

Nesse contexto as aspirações, motivos e finalidades encontrados no trabalhado, se tornam

aspirações, finalidades e motivos humanos, onde o sujeito não está nesse espaço, como algo petrificado, mas está sendo, desenvolvendo-se e em processo.

Em Freire (2004) compreende-se a defesa de uma ação libertadora da opressão social,

quando o autor argumenta que humanizar é se tornar autônomo, consciente e sujeito da própria historia. “Falar, por exemplo, em democracia e silenciar o povo é uma farsa. Falar em humanização e negar os homens é uma mentira” (FREIRE, 2004, p. 46).

Enfatiza-se a importância do outro no contexto freiriano, pois “[...] já não se pode afirmar

que alguém liberta alguém, ou que alguém se liberta sozinho, mas que os homens se libertam em comunhão” (FREIRE, 2004, p. 75).

As relações dialógicas, nesse contexto, promovem o encontro dos homens que pronunciam

o mundo, com o intuito de (re) criar a história, onde o foco permanente é a reflexão sobre a realidade a qual não é entendida como abstrata e estática, mas sim como uma realidade concreta e processual da qual o sujeito faz parte e intervém.

Uma vez garantidas às condições inicias para a relação dialógica o método dialético-dialógico freiriano cria a problematização do tema gerador, como o universo mínimo temático. Esse universo mínimo é composto por temas os quais, em geral, se contradizem, e por vezes mantém estruturas já existentes. Há uma relação de correspondência entre os temas geradores e o contexto histórico do qual os sujeitos fazem parte, possibilitando perceber a inserção dos envolvidos na temática.

Procurando uma aproximação à proposta marxiana considera-se que a ação libertadora freiriana, a partir de uma relação dialógica entre sujeitos históricos10 está para além da, somente,

9 Para Brandão (2013), Paulo Freire pensou um método de educação construído a partir da ideia de um diálogo entre educador ou educadora e educando onde há sempre partes de cada um no outro. Os métodos de alfabetização possuem um material pronto como cartazes, cartilhas e cadernos de exercícios, mas para Freire o “[...] método é instrumento de preparação de pessoas para uma tarefa coletiva de reconstrução nacional” (BRANDÃO, 2013, p. 87), pois a educação é uma proposta “[...] de criar, com o poder do saber do homem libertado, um homem novo, livre também de dentro para fora” (idem, ibidem, p. 87). 10 Na obra Pedagogia do oprimido, Freire (2004) compreende que o ser humano como sujeito histórico é aquele que ao ter consciência de sua atividade e do mundo em que está inserido atua em função das finalidades que propõe e que lhe são propostas, tendo como ponto de decisão de sua busca em si e em suas relações constituir o mundo com sua presença criadora por meio das transformações realizadas nesse próprio mundo, quando se separa desse para poder com ele ficar, (re) criando sua existência.

Page 41: REVISTA QUERUBIM Ciências Humanas Ciências Sociais · Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e ... gestos de

Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 11 Nº26 vol. 01 – 2015 ISSN 1809-3264

Página 42 de 112

formulação de pensamentos, mas como vinculação do conhecimento a objetivos concretos como forma de alcançar a transformação social.

Freire (2004) argumenta sobre a importância da investigação das dimensões significativas da realidade no sentido de propor aos sujeitos interação entre as partes, pois “[...] as dimensões significativas, que por sua vez, estão constituídas de partes em interação, ao serem analisadas, devem ser percebidas pelos indivíduos como dimensões de totalidade” (FREIRE, 2004, p. 55).

Constitui-se a necessidade de captar a realidade como um todo, buscando na realidade social percebida, não só a superação do conhecimento abstrato isolado das partes, mas a superação do conhecimento dedutivo dessa mesma realidade.

A investigação do tema gerador aproxima o pensar dos sujeitos no que se refere à realidade percebida, investigando de tal forma a atuação desses sobre essa. “Isto não significa a redução do concreto ao abstrato, mas tê-los como opostos que se dialetizam no ato de pensar” (FREIRE, 2004, p. 97), onde abstrato e concreto formam um único método de conhecimento.

O processo teórico freiriano desloca-se do real ao abstrato e retorna ao real concebido pelo pensamento, caracterizando um movimento por entre abstrato e concreto onde se supera a abstração pela percepção crítica do concreto. A superação estará para além da totalidade investigada.

Depois de realizados os movimentos de busca e delimitação temática concebe-se a codificação da realidade em estudo, para posterior descodificação11 junto aos sujeitos envolvidos na relação educativa. A partir da relação dialógica sobre os conteúdos programáticos é que acontece a investigação dos sujeitos em relação à realidade.

A codificação se constitui por uma representação da situação existencial dada pela interação de seus elementos. Os sujeitos se reconhecem nessa interação ao mesmo tempo em que passam a ser seu objeto de reflexão.

Na obra Extensão ou comunicação?, Freire (2013) argumenta que a situação codificada, ou figurada, a qual remete por abstração ao concreto da realidade existencial, promoverá a comunicação verdadeira entre os sujeitos quando a codificação dos temas constituírem um programa como “[...] um sistema de relações em que um tema conduz necessariamente a outros, todos vinculados em unidades e subunidades programáticas” (FREIRE, 2013, p. 125).

Na codificação pedagógica12 como o objeto cognoscível é a situação existencial não há espaço para o educador ou educadora narrarem o que para esses se constitua o saber da realidade, mas a tarefa é desafiar os sujeitos para que penetrem na significação do conteúdo temático.

11 Ao longo do texto se manterá a fidelidade a obra freiriana em relação ao termo descodificação. Mesmo que muitos autores utilizem decodificação de maneira semelhante optou-se por manter o termo conforme escritos do autor encontrados em obras como: Educação como prática da liberdade, Pedagogia do oprimido, Extensão ou comunicação? e Educação e mudança. 12 No contexto da obra Extensão ou Comunicação?, Freire (2013) utiliza o termo codificação pedagógica em distinção ao termo codificação publicitária. “A pedagógica tem o núcleo do seu significado amplo, expresso por um número plural de informações, enquanto a publicitária tem o núcleo de seu significado singular e compacto, constituído de ´anunciadores´ que apontam para uma só direção: a que a propagandista impõe” (FREIRE, 2013, p. 126, grifo do autor).

Page 42: REVISTA QUERUBIM Ciências Humanas Ciências Sociais · Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e ... gestos de

Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 11 Nº26 vol. 01 – 2015 ISSN 1809-3264

Página 43 de 112

Após a codificação onde é proposta a representação do tema, na descodificação faz-se o desvelamento do tema. Os processos de codificação e descodificação significam “[...] transcender as situações-limite, fazer com que o sujeito se reconheça no objeto” (FREIRE, 1979, p. 31).

Compreende-se que a descodificação significa trazer o objeto desconhecido até a realidade do sujeito promovendo uma ressignificação, passando a representação a uma situação concreta de aproximação do real, partindo a uma percepção crítica.

Nesse contexto há a necessidade de conhecimento sobre a realidade onde esse conhecer exige codificar as partes e descodificá-las na busca da retotalização. Conhecer significa: “[...] conscientização e necessita partir do todo (abstraindo as partes) e fazer o caminho de volta em direção ao todo, construindo a síntese (o concreto). E, enfim, desvelar a percepção da percepção antes percebida” (NÓBREGA et al, 2010, p. 88). O contexto fenomelógico freiriano

Parte-se do pressuposto que a educação é um fenômeno próprio dos seres humanos, quando é possível reconhecer que não há como procurar o seu sentido sem refletir sobre a existencialidade humana. Nesse contexto, é preciso compreender a educação a partir das relações humanas vivenciadas “com” e “no” mundo, sobretudo porque a educação é, sem dúvida, experiência constitutiva do sujeito engajado efetivamente nesse mundo.

A conscientização não consiste em estar frente à realidade assumindo uma posição de observador, mas a “[...] conscientização não pode existir fora da ´práxis´, ou melhor, sem o ato ação – reflexão. Esta unidade dialética constitui, de maneira permanente, o modo de ser ou de transformar o mundo que caracteriza os homens” (FREIRE, 1979, p. 15, grifo do autor).

Para o autor a consciência é problematizada como um fenômeno que se autorrepresenta, sendo capaz de refletir sobre si mesma, ou ainda, ser consciência de si mesma. Para Oliveira (1996) pela consciência o ser humano compreende a si próprio e o mundo passando a promover ações capazes de transformá-lo em um novo ser, com capacidade de provocar transformações na ordem social.

Essa consciência faz-se engajada no mundo, uma consciência intencional que examina e explora o mundo, onde a compreensão desse está ancorada no superar as contradições, pois “[...] explicações unilateralmente subjetivas e objetivas que rompem essa dialetização, dicotomizando o indicotomizável, não são capazes de compreendê-lo” (FREIRE, 1983, p. 51).

Retomando a ideia de conscientização como compreensão de si e do mundo com ação de transformação remete ao ser humano tornar-se o ser da práxis, quando busca transformar o mundo com reflexão e ação articuladas de forma a enfrentar os desafios permanentes. “A conscientização ultrapassa o nível de tomada de consciência pela análise, do desvelamento das razões de ser da determinação situacional vivida, para constituir ações transformadoras” (GHIGGI, 2008, p. 134).

Partindo do pressuposto que os desafios são cotidianos faz-se a exigência de um processo constante de desacomodação, onde não há o definitivo, mas um novo momento que deve ser refletido, compreendido e transformado.

Problematiza-se que a tomada de consciência, muitas vezes, tende a atenuar o processo de conscientização. Quando se estabelece essa afirmação acredita-se que o ser humano diante da

Page 43: REVISTA QUERUBIM Ciências Humanas Ciências Sociais · Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e ... gestos de

Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 11 Nº26 vol. 01 – 2015 ISSN 1809-3264

Página 44 de 112

consciência crítica13 deve se reconhecer como inconcluso, condicionado, e agente transformador da realidade onde está inserido. O erro, muitas vezes, é quando esse ser considera-se ajustado a essa realidade, ou ainda, determinado.

É um ser condicionado por acreditar-se como sujeito imerso em uma situação de opressão, mas possuidor da capacidade de reflexão e tomada de consciência as quais lhe exigirão ação. A proposta freiriana não está alinhada a um ser determinado, pois como tal esse não teria alternativas de transformação.

Para Oliveira (1996) o processo de educação conscientizadora freiriana é o resultado de uma redução fenomenológica elevada ao seu mais alto grau, depois de aplicada ao domínio social. Para Freire “[...] isolado dos outros e da realidade social, o indivíduo não pode tornar-se um ser consciente e nem desenvolver a sua auto-educação” (OLIVEIRA, 1996, p. 55).

Em Freire (1997) é possível compreender a concepção humanista, fenomenológica, quando o autor compreende que a consciência é um abrir-se do ser para o mundo. Nega que essa seja um recipiente que se enche, mas, pelo contrário, representa um ir até ao mundo para captá-lo, sendo próprio da consciência estar dirigida para algo.

A essência de seu ser é a sua intencionalidade sendo por isso que toda a consciência é sempre consciência de, mesmo quando realiza o retorno a si mesma. Dessa forma, “[...] na ‘retro-reflexão’, na qual a consciência se intenciona a si mesma, o eu ‘é um e é duplo’” (FREIRE, 1997, p. 15, grifo do autor). O eu não deixa de ser um para ser uma coisa para a qual sua consciência se intencionasse, continua sendo um eu que se volta intencionalmente sobre si. Considerações finais

O objetivo da proposta freiriana é a aquisição, por parte do sujeito, de uma compreensão de si próprio e do mundo no sentido de promover movimentos que sejam capazes de transformá-lo em um novo ser, constituindo transformações na ordem social onde está inserido.

Problematiza-se o aspecto dialético - fenomenológico da educação conscientizadora, no qual quanto maior o exercício da conscientização, mais se compreende e desvela a realidade, penetrando na essência fenomênica do objeto, frente ao qual o sujeito se encontra para analisá-lo.

No intuito de promover essa educação conscientizadora faz-se necessário garantir uma relação dialógica entre os sujeitos envolvidos. Nesse contexto as relações educativas, apoiadas em trocas dialógicas, promoverão ao educador ou educadora e aos educandos construirem suas atividades, alicerçados no movimento contínuo de tomada de consciência.

O diálogo torna-se categoria fundante do processo educativo e esse, por sua vez, está associado a outras três categorias: a conscientização, a práxis e a unidade dialética. A concepção

13 Oliveira (1996), a partir da obra de Freire, caracteriza os estágios da consciência: consciência mágica – a percepção da realidade social é limitada e distorcida, sendo a preocupação maior do homem a satisfação de necessidades elementares básicas; consciência ingênua – “[...] nota-se uma certa capacidade de questionamento do meio histórico cultural bem como a viabilidade de estabelecer relações dialógicas com o mundo e com os outros.” (OLIVEIRA, 1996, p. 39); consciência fanatizada –as ações dialógicas ficam prejudicadas e reduzidas, pois representa uma consciência sectária, impondo sempre a ideia do convencimento e, por fim, a consciência crítica – se caracteriza pela profundidade de interpretação da realidade onde tudo é visto como passível de transformações. “O homem se torna participante do processo histórico e não mais apensas seu mero espectador” (OLIVEIRA, 1996, p. 44).

Page 44: REVISTA QUERUBIM Ciências Humanas Ciências Sociais · Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e ... gestos de

Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 11 Nº26 vol. 01 – 2015 ISSN 1809-3264

Página 45 de 112

problematizadora da educação eleva o ser humano - mundo como problema, exigindo uma posição, permanentemente, reflexiva do sujeito. Esse é um corpo consciente desafiado e que responderá ao desafio. A partir desses pressupostos é possível afirmar que o educando não é apenas aquele que escuta, mas aquele que tem algo a dizer.

A partir de cada situação com que o sujeito se defronta sua consciência intencionada vai captar as particularidades da problemática, as quais irão ser percebidas como unidades em interação pelo ato reflexivo da consciência, a qual vai tomando criticidade.

Freire afirma que a educação sozinha nada pode, mas sem ela não é possível pensar mudanças na e da sociedade. Nessa problematização existe um caminho, mais próximo à aposta ao inédito viável14 freiriano onde o formato da sala de aula e sua ontológica opção dialógica devem dar conta do acolhimento de todos e todas na condição de sujeitos do processo de aprendizagem e da história, bem como, das experiências de vida.

As ideias aqui apresentadas possuem por finalidade provocar a articulação do pensamento na busca de desvelar encaminhamentos que possam ser utilizados no cotidiano das relações educativas. Acredita-se oportuno elencar pressupostos oriundos desse estudo os quais tenham por objetivo promover relações educativas dialógicas tomando por base os métodos: dialético e fenomenológico. Compreende-se: a) a importância da formulação de pensamentos, mas vinculando-se o conhecimento a um objetivo concreto; b) abstrato e concreto formam um único método de conhecimento, onde como opostos se dialetizam no ato de pensar; c) durante a relação dialógica sobre os conteúdos programáticos é que acontece a investigação dos sujeitos em relação à realidade; d) os sujeitos se reconhecem na interação ao mesmo tempo em que passam a ser seu objeto de reflexão; e) a necessidade de conhecimento da realidade onde esse conhecer exige codificar as partes e decodificá-las na busca da retotalização; f) a educação a partir das relações humanas vivenciadas “com” e “no” mundo; g) o desvelar a realidade como o ato de penetrar na essência fenomênica do objeto, frente ao qual o sujeito se encontra para analisá-lo; h) a educação como ação de transformação do ser em um novo sujeito, com capacidade de provocar modificações na ordem social; i) o ser humano como ser inconcluso e agente transformador da realidade onde está inserido, e ainda; j) a ação da consciência de intencionar-se a si mesma, o eu é um e é duplo.

Não se tem como intuito encerrar a discussão a partir desse trabalho, mas oportunizar que se abram novas perspectivas na promoção da investigação de conceitos e pressupostos que se compõem de forma imbricada no que concerne tanto à dialética quanto a fenomenologia no contexto freiriano. Referências BRANDÃO, Carlos Rodrigues. O que é método Paulo Freire. 34. reimp. São Paulo: Brasiliense, 2013. FREIRE, Ana Maria Araújo. Inédito Viável. In: STRECK, Danilo; REDIM, Euclides; ZITKOSKI, Jaime Jose (orgs). Dicionário Paulo Freire. 2. ed. Belo Horizonte: Autêntica, 2010. p. 223-226. FREIRE, Paulo. Conscientização: teoria e prática da libertação: uma introdução ao pensamento de Paulo Freire. São Paulo: Cortez & Moraes, 1979.

14 A sensação de insegurança se faz presente em todos os momentos de reflexão e ação, talvez pela tentativa

de compreender o inédito viável, como em Ana Freire (2010): “[...] estão intrínseco o dever e gosto de

mudarmos a nós mesmos dialeticamente mudando o mundo e sendo por esse mudado” (FREIRE, A., 2010,

p. 224).

Page 45: REVISTA QUERUBIM Ciências Humanas Ciências Sociais · Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e ... gestos de

Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 11 Nº26 vol. 01 – 2015 ISSN 1809-3264

Página 46 de 112

FREIRE, Paulo. Papel da Educação na Humanização. Revista da FAEBA, Salvador, ano 6, n. 7, p. 9-36, jan./jun., 1997. FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia: saberes necessários a prática educativa. 25. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2002. FREIRE, Paulo. Pedagogia do oprimido. 38. ed. São Paulo: Paz e Terra, 2004. FREIRE, Paulo. Extensão ou comunicação? 16. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2013. GHIGGI, Gomercindo. A pedagogia da autoridade a serviço da liberdade: diálogos com Paulo Freire e professores em formação. Pelotas: Seiva, 2008. MARX, Karl; ENGELS,Friedrich. A ideologia alemã. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2010. NÓBREGA, Michelle Rodrigues; SILVEIRA, Fabiane Tejada; GHIGGI, Gomercindo. Pensar e ser pesquisa: a contribuição da dialética freiriana à Filosofia da Educação. In: STRECK, Danilo; et al (orgs). Leituras de Paulo Freire: contribuições para o debate pedagógico contemporâneo. Brasília: Liber Livro, 2010. p. 75-91. OLIVEIRA, Admardo Serafim de. Educação: redes que capturam caminhos que se abrem. Vitória: EDUFES, 1996. SÁNCHEZ VÁZQUEZ, Adolfo. Filosofia da práxis. São Paulo: Expressão Popular, 2007. SCOCUGLIA, Afonso Celso. Globalização, trabalho e docência: constatações e possibilidades. Revista HISTEDBR On-line. Campinas, n. especial, p. 175-190, ago., 2010. Enviado em 30/04/2015 Avaliado em 15/06/2015

Page 46: REVISTA QUERUBIM Ciências Humanas Ciências Sociais · Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e ... gestos de

Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 11 Nº26 vol. 01 – 2015 ISSN 1809-3264

Página 47 de 112

LÍNGUA PORTUGUESA E ENSINO: GESTOS DE INTER-AÇÃO NA E PELA LINGUAGEM

Angélica Pereira Martins15 Hélder Sousa Santos16

Paula Boaventura Veloso17

Resumo O presente artigo se propõe a tecer reflexões gerais sobre Língua Portuguesa e (seu) Ensino atual, tomando como pressuposto teórico a propalada noção linguística de inter-ação na linguagem. Nosso material de análise utilizado para tal serão recortes de atividades retiradas de um livro didático de português. Esse percurso teórico-metodológico permitir-nos-á corroborar, em essência, fatos do estatuto da noção de interação na linguagem, por exemplo, o fato interlocução, o diálogo constante de interlocutores que tomam a língua para (se) significar. Palavras-chave: Ensino. Interação. Língua Portuguesa. Abstract This article aims to show general reflections about Portuguese Language and (their) teaching nowadays, taking as theoretical assumption the vaunted linguistic notion of inter-action in language. Our material of analysis used for such it’s composed by activities will be taken out of a textbook of portuguese. This theoretical-methodological approach allow us to corroborate, in essence, facts of the notion of interaction in the language, for example, the fact interlocution, the intensive dialogue of actors who take the language to mean. Keywords: Teaching. Interaction. Portuguese Language. Primeiras palavras

A linguagem como representação do pensamento corresponde à imagem de um sujeito psicológico (individual), diz a linguística geral. Esse sujeito constrói uma representação mental de coisas do mundo e deseja, para tal, que essa seja captada por seus interlocutores de maneira semelhante à que mentalizou. De acordo com Travaglia (1998), a linguagem enquanto código, uma característica pressuposta à comunicação humana, põe-se na condição de um instrumento; instrumento esse de comunicação, que, em outras palavras, corrobora a ideia de conjunto de signos que se combinam segundo regras determinadas socialmente e culturalmente (a língua-código). Assim, no ato de comunicação, considerando o emissor e receptor, seus actantes devem dominar determinado código linguístico para que a comunicação seja então efetivada.

De modo diferente, a linguagem, tomada como forma de inter-ação com o mundo em

geral, significa-se no e pelo lugar de dada atividade linguageira. Ou seja, por intermédio dos indivíduos (sujeitos e realidade) praticam-se ações (discursivas) envolvidas tanto no campo da fala (onde é mais comum), quanto no campo da escrita, via contextos sócio-histórico e ideológicos; sendo esses (des)envolvidos, então, em atos comunicativos. Em tese, as palavras abaixo, do filósofo

15 Mestranda em Estudos Literários pela Universidade Federal de Uberlândia (UFU). E-mail: [email protected] 16 Professor de Língua Portuguesa, Literatura e Redação do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de Minas Gerais (IFMG). E-mail: [email protected] 17 Professora de Redação do Colégio Marista de Patos de Minas. E-mail: [email protected]

Page 47: REVISTA QUERUBIM Ciências Humanas Ciências Sociais · Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e ... gestos de

Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 11 Nº26 vol. 01 – 2015 ISSN 1809-3264

Página 48 de 112

Bakhtin (1953, p.4), resumem bem a questão de existência de estados de inter-ação na e pela linguagem. Diz, pois, o autor:

Todas as esferas da atividade humana, por mais variadas que sejam, estão sempre relacionadas com a utilização da língua. Não é de surpreender que o caráter e os modos dessa utilização sejam tão variados como as próprias esferas da atividade humana, o que não contradiz a unidade nacional de uma língua.

No que tange o pensamento bakhtiniano em tela, consideramo-lo mais bem compreensível

ao analisar adiante um livro (material apostilado)18 de Língua Portuguesa, (da chamada Rede de Ensino Pitágoras de Ensino (2008)), do sétimo ano do Ensino Fundamental. Dali, selecionamos a Unidade n.2, intitulada de “As palavras me revelam”; atividade em que se pressupõe, da parte de seus autores, a efetivação da noção de leitura como processo de interação em formulações escritas de alunos. Tal resultado (uma expectativa, a priori), é bom lembrar, depende do contexto de circulação, de recepção e dos objetivos do gesto de ler da figura leitor. O autor ressalta inclusive que o sentido do texto não está no produtor, no leitor ou no próprio texto, mas sim na interação texto-sujeitos-histórias-de-leituras.

Ademais essas questões, focamos nossa análise no capítulo 3, intitulado “Mensagem para

você”, que tem como objetivo aprimorar a noção do aluno acerca do que é e do que não é texto (cf. MANUAL DO PROFESSOR, 2008) a partir do trabalho com os gêneros textuais; sendo esse (o aluno) capaz de perceber diferenças entre textos (amostras). O autor, nesse passo, propicia a exposição dos alunos a situações de comunicação significativas e próximas das do cotidiano nosso, explorando as dimensões de interpretação prováveis ao ensino de dado gênero. Fato que propicia, também, o acesso desses alunos a textos de gêneros diferentes, podendo, pois, fazer uma leitura crítica e cidadã de algo maior, tangível em partes: o discurso.

Enfim, os conceitos mais trabalhados nos capítulos 2 e 3 do referido material de análise são leitura e produção de sentidos. O autor espera que o aluno perceba a leitura como processo de interação e que ele utilize dos gêneros do discurso para construir/reconstruir sentidos de textos lidos ou produzidos.

Dessa feita, consideramos ser preciso pensar a aula de Língua Portuguesa como a relação entre leitura-e-produção de sentidos. No decorrer deste trabalho, será analisado se o objetivo do autor é posto em prática na construção de atividades didáticas. Um excurso brevíssimo por teorias de linguagem

Sem delongas, o linguista Travaglia (1996, p. 21), em estudos sobre língua, diz-nos que “as concepções de linguagem são tão importante quanto a postura que se tem relativamente à educação”. Essas concepções podem ser compreendidas sob três vias, quais sejam: língua como expressão de pensamento, língua como instrumento de comunicação e língua como elemento de interação.

A primeira concepção, a que vê a linguagem como expressão do pensamento, leva-nos ao

entendimento, segundo Travaglia (cf., ib.), de que se as pessoas não se expressam bem é porque elas não pensam. Como a expressão se constrói no interior da mente, sendo sua exteriorização apenas uma tradução, o modo como o texto está constituído não dependerá de condições de sua produção,

18 Por se tratar de um material no formato apostilado, faremos, doravante, alusão genérica aos autores. Ou seja, tomando-os pela designação autor.

Page 48: REVISTA QUERUBIM Ciências Humanas Ciências Sociais · Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e ... gestos de

Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 11 Nº26 vol. 01 – 2015 ISSN 1809-3264

Página 49 de 112

ou seja, para quem se fala, de que situação de fala, para que se fala. Mas, unicamente, do pensamento individual de cada um de nós, sua organização, estrutura.

A segunda concepção, a vê a linguagem como instrumento de comunicação, ou melhor, um

objetivo para a comunicação, caracteriza, por sua vez, a língua como um código; código esse que deve ser dominado pelos falantes para que a comunicação possa ser efetivada. Ainda, de acordo com formulações travaglianas (idem, cf., p.22), a língua é vista como um conjunto de signos que se combinam por meio de regras, sendo ela (a língua) capaz de transmitir em si uma mensagem, informações de um emissor a um receptor.

A terceira concepção, por fim, vê a linguagem como forma ou processo de interação.

Consoante a tal concepção, o indivíduo realiza ações na e pela linguagem: age, atua sobre o interlocutor (ouvinte/leitor). No que tange esse fato, Travaglia (cf., 1996) acrescenta que a linguagem é um lugar único de interação humana. Isto porque produz efeitos de sentido entre interlocutores, contando com uma dada situação de comunicação e com um contexto sócio- histórico e ideológico. Mo(vi)mentos de análise

Grosso modo, o Capítulo 3, “Mensagem para você”, volta-se para possibilidade de chamar a atenção do aluno quanto à questão nodal dos gêneros textuais. Existem fatos de linguagem ali a partir dos quais, cremos, os alunos já estão expostos cotidianamente; fatos esses (de cultura) que contribuem para o entendimento melhor do texto e, consequentemente, para o processo real de ensino-aprendizagem. Espera-se, com efeito, que o aluno adquira competência para resolver questões em todas as disciplinas. O capítulo em questão organiza-se em seções (quatro).

A primeira seção, intitulada de “Conversando”, busca promover uma reflexão genérica sobre a temática do capítulo e conduzir o aluno a explicitar, por meio de atividades interativas, seus conhecimentos prévios, em particular, a respeito do tema proposto (o gênero Carta pessoal).

Analisando a atividade n.2 (p.42), percebemos ali certa exigência de compreensão do aluno

face a maneiras atuais para se entrar em contato com alguém, no caso, alguém que esteja distante nós (via e-mail, telefone, fax). Nesse passo, o autor do livro em exame levanta uma pergunta, qual seja: “Como estar em contato com alguém, um ente, distante de nós?”, abrindo-se ali à ideia de interação, à concepção de linguagem aludida há pouco. Quanto a isso, vemos, de fato, um gesto autoral ocupado da necessidade de tomar a realidade do aluno e produzir para daí uma resposta, melhor, várias (uma polissemia de sentidos). A proposta em análise, na íntegra, constrói o cenário seguinte: “Suponha que você queira ou precise entrar em contato com uma pessoa que esteja distante. Em nossos dias, como você pode fazer isso?” (cf., p. 42). Uma proliferação de sentidos, resumindo, poderá derivar desse fato de linguagem.

Na segunda seção, intitulada de “Partindo dos textos”, as atividades trazidas ali

aprofundam o assunto a ser tratado no Capítulo 3, solicitando, para tanto, que o aluno vá além daquilo que está proposto enquanto verdade necessária à compreensão de fatos de dado rol de textos. A atividade n.1 dessa outra seção (p. 46) pede para os alunos reescreverem as frases, trocando a expressão “à moda antiga” por sinônimos prováveis. Diz-nos, assim, a atividade:

Reescreva as frases a seguir substituindo essa expressão por sinônimos. a) ‘Envie a uma pessoa querida e, à moda antiga, aguarde a resposta.’(Como se fazia no passado.) b) ‘O maluquinho é um moderno à moda antiga!’(De maneira, de modo velho).

Page 49: REVISTA QUERUBIM Ciências Humanas Ciências Sociais · Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e ... gestos de

Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 11 Nº26 vol. 01 – 2015 ISSN 1809-3264

Página 50 de 112

Trata-se de um exercício que não exige esforço esperado do aluno, abordando a linguagem como instrumento de comunicação. Isto porque se fecham as possibilidades de resposta dele, permitindo, na ocasião, apenas uma (resposta?) como sendo “a” correta. Já para a realização da atividade n.2, é necessário que o aluno tenha conhecimento de significados para as palavras, dado agora será preciso criar frases a partir dessas. Vejamos a injunção de tal atividade:

Usando adequadamente cada uma das palavras ou expressões a seguir, escreva frases em que elas apareçam com sentido semelhante ao que têm nos textos lidos. Se necessário, consulte um dicionário. a) caixa-postal b) trocado c) correntes d) letra cursiva e) Orkut. (A palavra deve ser empregada adequadamente).

Sem este conhecimento (o do léxico da língua), o aluno ficará impossibilitado de resolver a

questão. Tem-se aí, verdadeiramente, uma atividade em que a concepção de linguagem é a de língua efeito de interação; atividade essa que exige do discente a construção de relações teóricas (o conceito das palavras) e práticas (criação de frases).

A terceira seção “Pensando bem”, mostra-nos estudos sobre gramática. Neste ponto,

expõe-se o uso de questões de pontuação para o gênero textual Carta. A atividade n.1 da seção em análise (p. 51) é introduzida por um pequeno texto sobre pontuação. Nela pede-se que os alunos escrevam o nome dos sinais de pontuação que foram re(a)presentados ali. Literalmente, algo na forma:

Escrevam, depois do sinal de pontuação, o nome de cada um deles. a) (.) b) (,) c) (?) d) (!) e) (:) f) (;) g) (...).

Este é um exercício que trata a linguagem como instrumento de comunicação, ou seja, uma atividade-cópia, já que há apenas uma resposta pré-determinada para a pergunta apresentada. Não se exige do aluno algum gesto de ir-além do conteúdo posto.

A atividade n.2 solicita que os alunos reescrevam dado bilhete, empregando, para tanto,

sinais de pontuação adequados. Esclarece-nos, nesse mo(vi)mento, a atividade:

Reescrevam o bilhete a seguir, pontuando-o adequadamente. Depois, comparem o trabalho de vocês com o de outros grupos e com a pontuação original, que lhes será apresentada pelo professor. Antes de começarem o exercício, observem o seguinte: os parágrafos já foram demarcados, isso facilitará o trabalho de vocês; ao usar os sinais de final de frase, vocês deverão iniciar a frase seguinte com letra maiúscula; no texto original, foram usados os seguintes sinais: ponto final, vírgula, ponto de interrogação, ponto de exclamação, reticências, travessão. Bilhete: ‘Mãe saí cedo tinha que falar com a Renata antes da aula o Eduardo ligou ah mãe estou gostando tanto dele queria você sabe mãe não sei se volto para o almoço se você puder me busca no dentista deve ser lá pelas três horas ligo quando sair de lá abraços e beijos Sílvia sua filha mais querida 15 de abril 6h da manhã.

Agora, sim, trata-se de um exercício que traz para o bojo de discussão a ideia de linguagem

como elemento de interação, pois exige que o aluno já tenha conhecimentos a respeito dos usos desses sinais a fim de poder empregá-los de maneira correta.

Na quarta e última seção, “Produzindo texto”, as atividades arroladas ali direcionam o

aluno a gestos de (des)envolver-se com habilidades de selecionar e de empregar recursos

Page 50: REVISTA QUERUBIM Ciências Humanas Ciências Sociais · Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e ... gestos de

Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 11 Nº26 vol. 01 – 2015 ISSN 1809-3264

Página 51 de 112

linguísticos na produção de textos. A atividade n.1 (p. 57) pede que os alunos continuem a carta formulada (apenas algumas partes) pela personagem Minduim (em uma tirinha). Vejamos:

Leia atentamente a tirinha a seguir. ‘Minduim diz: _Caro correspondente. Na última carta, perguntei se você tinha um cachorro. Você respondeu que não tem. Cachorrinho de Minduim pensa: _Por que escrever para alguém que não tem um cachorro?... ’ Use sua imaginação e complete a carta iniciada por Minduim. Você deverá escrever, no mínimo, dois parágrafos para completar o corpo da carta. Não se esqueça do fecho ou despedida e da assinatura.

A atividade em questão constrói um cenário de interação na e pela linguagem. Dali, o aluno precisará conhecer o corpo da carta e como ela é finalizada para poder (re)produzi-la. Arremates finais

A partir dessas análises propostas até aqui, percebemos, com efeito, a utilização da linguagem enquanto elemento de interação; isso se dá na maioria das atividades. Corrobora-se, com isso, o objetivo nodal do autor ao construir seu livro didático (a apostila analisada).

Certamente, essa concepção de linguagem (linguagem na condição de elemento de interação) faz com que o livro em questão seja apropriado para se trabalhar em sala de aula, já que propicia ao aluno uma visão da língua para além do esperado, tornando-a parte de uma pessoa crítica, constituída por suas próprias ideias e opiniões.

Resumindo, as atividades reprisadas aqui e verificadas por nosso exame são, em geral, bem elaboradas; exigem que o aluno coloque em prática seu conhecimento de mundo, enriquecendo-o e colaborando com (suas) (re)formulações linguísticas futuras. Logo, em vez de restringir as respostas permitidas, as atividades abriram-se a possibilidades outras, a possibilidades que, sem dúvida, o aluno terá como expor argumentos seus, defender uma tese, a propósito. Referências APOSTILA PITÁGORAS. Disciplina: Língua Portuguesa. 2008. CORACINI, M. J. R. F. Interação e sala de aula. In: Calidoscópio, Vol. 3, n. 3, p. 199-208, set/dez 2005. FARACO, C. A. Interação e Linguagem: Balanço e Perspectivas. In: Calidoscópio. Vol. 3. Unisinos, 2005. GERALDI, J. W. Portos de passagem. São Paulo: Martins Fontes, 1993. TRAVAGLIA, L. C. Gramática e interação: uma proposta para o ensino de gramática no 1º e 2º graus. São Paulo: Cortez, 1996. Enviado em 30/04/2015 Avaliado em 15/06/2015

Page 51: REVISTA QUERUBIM Ciências Humanas Ciências Sociais · Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e ... gestos de

Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 11 Nº26 vol. 01 – 2015 ISSN 1809-3264

Página 52 de 112

A FIGURA DO NORDESTINO NA OBRA “A HORA DA ESTRELA”

Arlete Ferreira dos Santos19 Viviana de Souza20

Simone da Silva Santos Moura21 Resumo A obra “A hora da Estrela” de Clarice Lispector foi escrita um pouco antes de sua morte, em 1977. Relata os momentos de criação do escritor Rodrigo S. M. (espécie de alter ego de Clarice), narrando a história da personagem Macabéa que é uma alagoana órfã, virgem e solitária, características que a insere no âmbito daqueles que são vistos como inferiores, sobretudo, por se tratar de uma nordestina. Em consequência dessa visão estereotipada, este trabalho tem como objetivo analisar a figura do nordestino, discutindo os confrontos e as dificuldades que esse povo encontra ao se deparar com a sociedade moderna. Palavras-chave: Nordeste. Literatura. Estereótipo. Abstract The piece of work "A hora da Estrela" by Clarice Lispector was written just before her death in 1977. It reports the writer’s Rodrigo S. M. creation moments (sort of Clarice's alter ego), telling the story of the character named Macabéa who is an orphan natural from Alagoas (Brazil), virgin and lonely, characteristics that fall within the scope of those who are seen as inferior, mainly because she is Northeastern. As a result of this stereotypical view, this paper aims at analyzing the Northeastern figure, debating clashes and difficulties that Northeastern people find when facing modern society. Keywords: Northeast. Literature. Stereotype. Introdução

A visão estereotipada do Nordeste, facilmente se estende aos indivíduos que tiveram

origem nessa região. Clarice Lispector como uma autora contemporânea, por meio da linguagem literária busca explanar como o nordestino é idealizado em um contexto social abalado pela força da modernidade. Desse modo, ao apresentar a personagem Macabéa, a autora traz para o centro da discussão esse ser excluído, denunciando toda carga de preconceito que se encontra por trás dos estereótipos estabelecidos em torno da figura nordestina.

Na obra, “A Hora da Estrela”, Lispector apresenta através de uma personagem, o

nordestino, que muitas vezes, é comparado a um ser inferior, apático, sem conhecimento e autonomia. Um ser que ao ir em busca de uma vida mais digna, além de não lutar por seus direitos, perde a sua cultura, ficando subordinado às exigências do mundo capitalista. Por se vê nesse contexto, o próprio indivíduo acaba internalizando a ideia que o sujeito nordestino é um ser inferior e desagradável. Nesse sentido, a personagem Macabéa não só significa a visão estereotipada, como também representa uma classe oprimida.

19 Graduanda do VIII semestre do curso de Letras, Libras, Língua Estrangeira, pelo Centro de Formação de Professores - CFP da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia - UFRB. 20 Graduanda do VIII semestre do curso de Letras, Libras, Língua Estrangeira, pelo Centro de Formação de Professores - CFP da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia - UFRB. 21 Graduanda do VIII semestre do curso de Letras, Libras, Língua Estrangeira, pelo Centro de Formação de Professores - CFP da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia - UFRB.

Page 52: REVISTA QUERUBIM Ciências Humanas Ciências Sociais · Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e ... gestos de

Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 11 Nº26 vol. 01 – 2015 ISSN 1809-3264

Página 53 de 112

A visão estereotipada sobre a figura do nordestino

O Nordeste é uma região que, para além das fronteiras geográficas, apresenta elementos

culturais capazes de singularizar o ser e o viver de sua gente. Dentre o conjunto de identidades atribuídas ao nordestino, destacam-se as imagens associadas às irregularidades climáticas, isto é, a falta de chuva, a seca e, além disso, sua representação social, tendo como principais aspectos simbólicos a fome, a pobreza e a figura do retirante, que por sua vez, se destaca através de sua desagradável presença ostensiva, tornando-se diferente dos habitantes de outras regiões.

A forma como o nordestino é identificado implica em uma série de simplificações,

levando-o a vincular-se à ideia de pobreza e atraso. Como fugas dessa realidade hostil determinada pelo espaço em que vivem, os retirantes migram para outras regiões em busca de melhores perspectivas para suas vidas. Nesse sentido, como afirma Antunes (2002, p. 126), para os nordestinos migrar adquire a representação social de superação da miséria, de encontro de um lugar social (de "excluídos" passariam a "incluídos"). Porém, ao desembarcar em seu destino, se deparam com uma realidade totalmente distinta, dessa forma, acabam se tornando indivíduos marginalizados e, mais uma vez, excluídos pela sociedade moderna e elitizada.

Por causa dessas imagens que apelam para a pobreza extrema, para o êxodo rural e para a

miséria nos centros urbanos, a região nordeste sofre uma visão preconceituosa e estereotipada de seus aspectos simbólicos. Corrobora com isso, a falta de recursos e de investimentos políticos, econômicos, culturais e sociais na região, em que os grupos dominantes estabelecem um padrão de sociedade e cultura, fazendo com que os nordestinos se tornem cada vez mais exclusos.

Os nordestinos nas primeiras décadas do século XX, já ouviam falar de uma das grandes

metrópoles situada na região Centro- Sul, o Estado de São Paulo, porém, não tinham conhecimento sobre o espaço geográfico em que se encontrava o mesmo e, tampouco, o perfil dos seus habitantes, considerando-o fora da fronteira brasileira. Esse pensamento se deu através de uma precariedade nos meios de comunicações, o que vem salientar o quão isolada era a região nordeste. Todos os dados que os nordestinos ouviam a respeito desse Estado, mesmo sendo misterioso, afloravam o desejo e o fascínio de conhecê-lo.

Os principais incentivadores à migração dos nordestinos para essa região foram os grandes

fazendeiros, contando, inclusive, com o apoio das autoridades governamentais, em decorrência da necessidade e carência da mão de obra farta, ociosa e barata, através da utilização de propagandas, como: a divulgação das riquezas e a demonstração da potência do Estado e dos subsídios atrativos que lhes ofereciam para esse deslocamento, como ressalta Gund:

a partir do início da década de 1920, houve uma intensificação do fluxo de nordestinos e migrantes para São Paulo, principalmente por conta de estímulos do governo estadual, que tinha o objetivo de suprir a lavoura de mão de-obra, especialmente as lavouras do interior paulista – propiciando o rápido desenvolvimento da região, a oportunidade de emprego e a tão sonhada vida melhor. (GUND, 2006, p.29).

Além dos grandes fazendeiros e das grandes autoridades governamentais, podemos

enfatizar que familiares e amigos tiveram participação significante na influência desse processo migratório. Assim, muitos indivíduos se animavam a tomar a estrada rumo ao desconhecido e incerto destino.

Ao retornar à sua terra natal com pequenas quantias, os nordestinos tinham a sensação de

abundância e riqueza, pois, traziam consigo alguns bens materiais que diante das suas visões, jamais

Page 53: REVISTA QUERUBIM Ciências Humanas Ciências Sociais · Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e ... gestos de

Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 11 Nº26 vol. 01 – 2015 ISSN 1809-3264

Página 54 de 112

conseguiriam se permanecessem no Nordeste. Colaborando assim, com o despertar do desejo de outros nordestinos a migrarem também. Quando outros não conseguiam ter êxito em sua migração, retornavam para suas terras com um sentimento de vergonha, atribuindo a sua não-fixação a alguns fatores como: a falta de adaptação, os rigores do clima, etc.

São Paulo foi durante algum tempo, a cidade que mais recepcionou nordestinos, pois

representava a modernização, sendo considerado o lugar das transformações; das mudanças empreendidas pelo sistema capitalista, onde se tinha uma espécie de modelo a ser seguido pelos demais Estados, visto que apontava (perspectiva de emprego, acesso à educação, enfim) melhores condições de vida. No entanto, foi um dos espaços onde o nordestino passou por muitas situações preconceituosas. A esse respeito, Estrela diz:

até fins dos anos 70, observava-se em algumas repartições públicas de São Paulo uma clara manifestação de má vontade em relação à pessoa que portasse documentos emitidos no Nordeste. A carteira de identidade emitida pela Secretária de Segurança Pública da Bahia, por exemplo, apresentavafotografia em formato um pouco maior que a de São Paulo, e isso bastava para que algumas “pequenas autoridades” se negassem a recebê-la, aconselhando seu portador a tirar nova documentação, fazendo vistas grossas à advertência impressa no documento: “válida em todo território nacional” (ESTRELA, 2003, p.213).

Isso demonstra que o nordestino “incomodava” a metrópole, de maneira que sua presença

só era aceita caso ele se adequasse de alguma forma naquele lugar. Pois, a cultura, a linguagem, o “ser nordestino” eram motivos de repulsa para a sociedade moderna paulista. Daí, percebe-se a literatura como antítese da sociedade que tenta denunciar a realidade de quem vive à sua margem, nos levando a refletir, nesse caso, a realidade da região nordeste.

A narrativa de Clarice Lispector, “A Hora da Estrela”, revela as carências e violências

sofridas pelos migrantes nordestinos nos grandes centros urbanos, a começar pelos espaços ocupados por esses sujeitos. Os mesmos passam a residir em ambientes periféricos das metrópoles. Observa-se a precariedade do local em que morava a protagonista da obra, denominada de Macabéa, no seguinte parágrafo: “o quarto ficava num velho sobradocolonial da áspera rua do Acre entre as prostitutas [...]O cais imundo[...]" (LISPECTOR, 1984,p. 51).

É comum o fato de que ao chegarem às grandes cidades os nordestinos tendem a ocultar

sua cultura, por se sentir inferior aos outros indivíduos, passando, em certa medida, a absorver a cultura do novo ambiente com a intenção de se igualar ao mesmo nível social e cultural metropolitano, a fim de ser reconhecido e aceito socialmente. Isso sucede com Macabéa, quando pinta a boca com batom vermelho, com o intuito de adquirir a identidade desejada, se espelhando na atriz hollywoodiana Marilyn Monroe, um símbolo da modernidade. Modernidade essa, que é caracterizada por uma camada social que se considera culta, urbanizada, civilizada e moderna que possui interesse em conhecer os problemas, as angústias, as misérias, as tradições e cultura do outro, como uma forma de se apresentar como superior diante desse outro.

Assim, a figura nordestina, representada através da personagem Macabéa, é seduzida pelos

elementos da modernidade e por uma realidade diferente da vivenciada no Nordeste, assim como alguns nordestinos partiram para São Paulo, o mesmo fez Macabéa, à procura de uma vida mais íntegra no Rio de Janeiro. Nesse sentido, passaria de “excluída” para “incluída”, conseguindo, consequentemente, um status de superação da miséria. Contudo, esse ponto de vista que os nordestinos possuem, enfatiza a concepção ilusória que os mesmos têm em relação às grandes cidades. Ocorre, dessa maneira, um desencontro entre o imaginado e o vivido, capaz de produzir

Page 54: REVISTA QUERUBIM Ciências Humanas Ciências Sociais · Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e ... gestos de

Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 11 Nº26 vol. 01 – 2015 ISSN 1809-3264

Página 55 de 112

profundas rupturas psicológicas, as quais Volpe (2005apud Gund2006, p.26) denomina insílio, ou seja, o exílio interno de um sujeito dentro de seu próprio país.

A autora descreve a personagem Macabéa como um indivíduo caracterizado pela

invisibilidade e desesperança. Um ser que sai de sua terra natal, na qual tinha uma vida marcada pelo desprezo, miséria, privação e passa a viver numa cidade em processo de modernização. Apesar de Macabéa estar inserida nesse contexto moderno e capitalista, a mesma sustentava as características de uma nordestina, dessa forma, era inferiorizada, sendo vista apenas como uma figura nordestina, cujas descrições eram tidas como lenta, estranha, ignorante e incapaz de qualquer reação. Na obra, a autora descreve que a protagonista ficava observando nas vitrines os objetos que jamais teria condições de comprar, onde enfatiza a sociedade capitalista que além de excluir, valoriza os bens materiais e menosprezam os indivíduos, isso ilustra o não êxito da personagem em sua viagem.

Lispector discorre, em sua narrativa, as discriminações e estereótipos que são atribuídos às

pessoas que nascem no Nordeste. A protagonista do enredo só recebe nome, na metade da obra, sendo que até então era identificada como “a nordestina”. Esse episódio revela a carga semântica depreciativa que é atribuída a esse termo, além de pensar sobre a visão homogênea que existe do povo nordestino. É relevante destacar, que o nordestino é retratado como um povo primitivo e até mesmo selvagem, como menciona Albuquerque (2009, p.144) “estereotipá-los como homens primitivos, bárbaros, alheios à civilização e à civilidade, que, embora fossem homens comuns, escondiam uma fera pronta a se revelar, às vezes nem parecia gente”. E, como se pode perceber no contexto da obra, em que a autora compara as personagens a animais. Tal zoomorfismo indica a degradação do humano em detrimento dos valores materiais.

A personagem Macabéa é descrita como uma figura raquítica, magricela, amarela, tola e

idiota, reforçando o estereótipo do nordestino como um ser ignorante, preguiçoso, lento, incompetente e desprovido de conhecimentos. Além de se levar em conta, que a fala do nordestino é ridicularizada. É através da trajetória vivida por Macabéa em “A Hora da Estrela”, que fica implícito a ideia de que o nordestino quando consegue conquistar algo para si, é através da mentira ou de meios desonestos. Isso pode ser verificado quando Macabéa utiliza da mentira para ter um dia de descanso, como descrito no trecho abaixo:

pois não é que quis descansar as costas por um dia? Sabia que se falasse isso ao chefe ele não acreditaria que lhe doíam as costelas. Então valeu-se de uma mentira que convence[...]Dançava e rodopiava porque ao estar sozinha se tornava l-i-v-r-e![...] tomou tudo se lambendo e diante do espelho para nada perder de si mesma. Encontrar-se consigo própria era um bem que ela até então não conhecia. Acho que nunca fui tão contente na vida, pensou [...] Até deu-se ao luxo de ter tédio [...] (LISPECTOR, 1998, p. 42).

Dessa forma, percebe-se que Macabéa não se sentia no direito de ser uma pessoa feliz e

nem de ter tédio, pois a mesma já havia internalizado a ideia de que o sujeito nordestino é um ser inferior e desagradável. Além disso, esse trecho da obra revela que ao estar sozinha essa personagem era ela mesma, livre de tentativas de ser outra ou de imitar um modo de vida que não era o seu, vislumbrando a sua imagem no espelho para “nada perder de si mesma”.

Através de total ironia, a autora traz a tona os múltiplos preconceitos, os quais são

impostos aos indivíduos nordestinos. A definição humilhante da protagonista Macabéa é o reflexo das imagens negativas construídas em torno do Nordeste e do nordestino. Dessa forma, o primeiro é encarado apenas como um espaço de miséria e fome, já o segundo é visto como um povo de má origem.

Page 55: REVISTA QUERUBIM Ciências Humanas Ciências Sociais · Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e ... gestos de

Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 11 Nº26 vol. 01 – 2015 ISSN 1809-3264

Página 56 de 112

Sendo assim, nota-se que nessa obra, não só há uma denúncia de como o nordestino é visto negativamente no contexto moderno das cidades grandes, como também da forma inferiorizada que o nordestino é visto pelo outro e, consequentemente, por si mesmo; uma visão preconceituosa e excludente que é construída ao longo de sua trajetória nesses novos espaços. A autora retrata a figura nordestina de modo desfigurado, empregando os estereótipos para apontar com maior precisão os embates do nordestino ao inserir-se nas grandes metrópoles. Esse deslocamento do indivíduo da sua terra natal provoca essa visão estereotipada, construída através de um olhar dominante sobre o mesmo, que nem sempre se adéqua às mudanças proporcionadas pela modernidade.

Conclusão

Dessa forma, Clarice Lispector, por meio da ficção, alcança através da personagem

Macabéa, representar o sujeito nordestino engajado na sociedade moderna, abrindo espaços para discussões em relação aos fatores que levam os indivíduos a migrarem da sua terra natal para os grandes centros urbanos, juntamente com a tentativa frustrada de adaptação dos mesmos e a imagem negativa que foi construída sobre o povo nordestino. A autora utiliza-se da literatura para dá voz à mulher nordestina, tirando-a do silêncio imposto por muitos anos à região Nordeste.

Portanto, não se pode negar a importância da Literatura, uma vez que é por meio da

linguagem literária, que a autora usa dos estereótipos para descrever a personagem partindo do discurso dominante, com o intuito de desmitificá-lo e acender questionamentos que podem intervir na realidade. Como ressalta Antunes (2002), é através da palavra que se pode colocar a “máscara” que acaba impedindo a visão real do jogo que se é empregado socialmente, mas é também por meio da palavra que se pode denunciar a mesma como uma “máscara”, o que se pode considerar um passo muito importante para a superação do sistema que por essa “máscara” é encoberto.

Referências ALBUQUERQUE JÚNIOR, Durval Muniz de. De: Páginas de Nordeste. In. Id. Invenção do nordeste e outras artes. 4ª Ed. São Paulo: Cortez, 2009.p.126. ANTUNES, Nara Maria de Maia. Caras no espelho: identidade nordestina através da literatura. In: BURITY, Joanildo A. (org.). Cultura e identidade: perspectivas interdisciplinares. Rio de Janeiro: DP & A, 2002, p. 125-141. ESTRELA, Ely Souza. Os sampauleiros: cotidiano e representações. São Paulo: Humanitas, 2003.p.209-237. GUND, Ivana Teixeira Figueiredo. POR ESSA TERRA... DESTINOS ITINERANTES: os caminhos do sujeito migrante em Antônio Torres. 2006. 119f. Dissertação (Mestrado em Letras) – Universidade Federal de Juiz de Fora, UFJF, Juiz de Fora, 2006. LISPECTOR, Clarice. A Hora da Estrela. Rio de Janeiro: Record, 1984. Enviado em 30/04/2015 Avaliado em 15/06/2015

Page 56: REVISTA QUERUBIM Ciências Humanas Ciências Sociais · Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e ... gestos de

Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 11 Nº26 vol. 01 – 2015 ISSN 1809-3264

Página 57 de 112

HEGEMONIA, COTIDIANO E CONSUMO CULTURAL EM ANTONIO GRAMSCI

Jean Henrique Costa22 Resumo Este ensaio discute o conceito de hegemonia em Antonio Gramsci como recurso teórico para se pensar o cotidiano e a cultura popular frente aos meios de comunicação de massa. Trata-se de uma breve reflexão teórica, didática, que objetiva mais apresentar descritivamente um conceito do que revisar ou avaliar uma teorização. Seu objetivo é, portanto, restrito a um exercício de resenha. Logo, este ensaio visa apresentar, a partir de Gramsci e comentadores, a cultura popular não como mero veículo ideológico do status quo, mas sim, como um local de resistência e conflito potencial, desenvolvendo-se, nas palavras de Schulman, uma história da hegemonia. Palavras-chave: Hegemonia; Antonio Gramsci; Cultura Popular. Abstract This paper discusses the concept of hegemony in Antonio Gramsci as a way of thinking about the everyday (quotidian) and the popular culture front to the mass media. This is a theoretical reflection, didactic, which aims to provide more descriptive than a concept review or evaluate a theory. Your objective is therefore restricted to a review exercise. Therefore, this paper aims to present, from Gramsci, popular culture not as a mere ideological vehicle of the status quo, but rather as a place of strength and potential conflict, developing a history of hegemony. Keywords: hegemony; Antonio Gramsci; Popular Culture.

Raymond Williams assinala que o conceito de hegemonia adquiriu uma significação muito peculiar a partir da obra de Antonio Gramsci, indo para além dos horizontes do domínio político entre Estados. Segundo afirma, Gramsci fez uma distinção conceitual entre “domínio” e “hegemonia”, sendo o domínio uma forma de manifestação política expressa sob coerção direta e efetiva, enquanto a hegemonia traduzida pela direção obtida por meio de uma complexa combinação de forças políticas, sociais e culturais – fenômeno bem distinto da simples coerção (WILLIAMS, 1979; 2003).

Uma categórica ilustração do conceito de hegemonia como coerção efetiva está presente

no clássico ensaio de Lênin “O Estado e a Revolução”, de 1917, no qual um “exército permanente e a política são os principais instrumentos do poder governamental” (LÊNIN, 2006, p. 17). Para Lênin, grosso modo, hegemonia é sinônimo de dominação.

Seguindo essa distinção, Bobbio et al (1998, p. 580) lembram que dentre o uso marxista

do conceito de hegemonia encontra-se uma oscilação entre dois significados predominantes a propósito de sua acepção. O primeiro sentido do modo marxista de pensar tende a aproximar hegemonia e domínio, acentuando mais o “aspecto coativo que o persuasivo, a força mais do que a direção, a submissão de quem suporta a hegemonia mais do que a legitimação e o consenso, a dimensão política mais que a cultural, intelectual e moral”. Para Bobbio et al (1998) esse uso é predominante nos escritos de teóricos da Terceira Internacional, destacadamente, Lênin. No segundo sentido, muito distintamente da elaboração conceitual de nomes como Lênin ou Bukharin, a hegemonia é concebida como capacidade moral e intelectual de direção, onde,

22 Cientista Social, Especialista em Demografia, Mestre em Geografia e Doutor em Ciências Sociais. Professor Adjunto IV da Universidade do Estado do Rio Grande do Norte – UERN. E-mail: [email protected]

Page 57: REVISTA QUERUBIM Ciências Humanas Ciências Sociais · Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e ... gestos de

Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 11 Nº26 vol. 01 – 2015 ISSN 1809-3264

Página 58 de 112

Em virtude da qual a classe dominante, ou aspirante ao domínio, consegue ser aceita como guia legítimo, constitui-se em classe dirigente e obtém o consenso ou a passividade da maioria da população diante das metas impostas à vida social e política de um país (BOBBIO et al, 1998, p. 580).

Storey (2001, p. 103) destaca essa ideia de capacidade moral e intelectual de direção.

Segundo escreve, o conceito em Gramsci é usado para se referir “to a condition in process in which a dominant class (in alliance with other classes or class fractions) does not merely rule a society but leads in through the exercise of ‘moral and intellectual leadership’”; isto é, o processo no qual uma classe exerce sua liderança moral e intelectual por meio de alianças com outras classes ou frações de classes. Seguramente, Gramsci não nos deixa esquecer que o pensamento dominante, para melhor exercer sua hegemonia sobre as classes populares, “assimila uma parte da ideologia proletária” (GRAMSCI, 1978, p. 133).

Em Gramsci, numa sociedade de classes, a supremacia de uma delas se exerce através de

modalidades complementares e integradas de domínio e hegemonia. Trata-se de uma conjugação de força e consenso, mas nunca da mera imposição da força, principalmente em sociedades na qual a sociedade civil apresenta níveis elevados de desenvolvimento e organização. Na análise gramsciana, a sociedade civil é o lócus da formação e da difusão da hegemonia, diferentemente da concepção leninista, na qual cabe ao Estado (sociedade política) essa primazia. Para Gramsci, a hegemonia é igual à força mais consentimento. Trata-se, pois, de uma “adesão orgânica” entre dirigentes e dirigidos, governantes e governados (GRAMSCI, 1989, p. 139), mas não imposição sem consentimento.

Ainda discorrendo sobre o pensamento gramsciano, Bottomore (2001, p. 178) realça que,

longe de impor um conjunto de ideias de cima para baixo, uma “hegemonia completamente desenvolvida deve repousar no consentimento ativo, numa vontade coletiva em torno da qual vários grupos da sociedade se unem”. Através do puro domínio se obtém uma forma de consentimento limitado que conduz a uma ordem política de base precária do ponto de vista hegemônico, justamente em virtude da capacidade limitada de direção (moral e intelectual). Prontamente, o conceito de Estado em Gramsci é ampliado para além da sociedade política. Em Gramsci, o Estado é igual sociedade política mais sociedade civil. Tal ampliação do conceito traz em si a necessidade de pensar a hegemonia também – e, principalmente – a partir da sociedade civil e de seus aparelhos privados.

Bottomore lembra ainda que em Gramsci uma classe mantém seu domínio justamente

por ser capaz de ir além de seus interesses corporativos estritos, exercendo uma liderança moral e intelectual, fazendo concessões, dentro de certos limites, a uma variedade de aliados unificados num bloco social de forças (“bloco histórico”). Esse bloco representa uma “base de consentimento para uma certa ordem social, na qual a hegemonia de uma classe dominante é criada e recriada numa teia de instituições, relações sociais e ideias” (BOTTOMORE, 2001, p. 177). A hegemonia é, portanto, tecida pelos “intelectuais orgânicos”, que têm um papel organizativo na sociedade.

Para Gramsci (1982, p. 07), todos os homens são intelectuais, “mas nem todos os

homens desempenham na sociedade a função de intelectuais”. Todos, desde o operário imbuído do trabalho mais rotineiro, ao engenheiro responsável pela coordenação do trabalho mental, pensam e repensam o mundo.

Deve-se destruir o preconceito, muito difundido, de que a filosofia seja algo muito difícil pelo fato de ser a atividade intelectual própria de uma categoria de cientistas especializados ou de filósofos profissionais e sistemáticos. Deve-se, portanto, demonstrar, preliminarmente, que todos os homens são ‘filósofos’, definindo os limites

Page 58: REVISTA QUERUBIM Ciências Humanas Ciências Sociais · Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e ... gestos de

Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 11 Nº26 vol. 01 – 2015 ISSN 1809-3264

Página 59 de 112

e as características desta ‘filosofia espontânea’ peculiar a ‘todo mundo’ (GRAMSCI, 1989, p. 11).

Todavia, nem todos exercem um papel ativo na organização de massas de homens e de

ideias. Em Gramsci, por conseguinte, temos um conceito de intelectual ampliado. O intelectual orgânico para o autor, portador da capacidade moral e intelectual de direção das massas (hegemonia), é aquele que apresenta certa capacidade dirigente e técnica. Não somente possui a capacidade técnica restrita a sua atividade e sua iniciativa, mas ainda a possui em outras esferas. O intelectual deve ser um organizador da massa de homens: deve ser um organizador da confiança. Deve possuir a capacidade de organizar a sociedade em geral, criando as condições mais favoráveis à expansão da própria classe (ou ainda, escolhendo pessoas especializadas a quem confiar esta atividade organizativa). Os intelectuais são, desta forma, comissários do grupo dominante para o exercício das funções de hegemonia.

A hegemonia é buscada, então, através do consenso espontâneo, dado pelas massas

(consenso que nasce da confiança) e pelo aparato de coerção estatal, “que assegura ‘legalmente’ a disciplina dos grupos que não ‘consentem’, nem ativa nem passivamente, mas que é constituído para toda a sociedade” (GRAMSCI, 1982, p. 11). A hegemonia, prontamente, não é somente o produto de uma classe, mas sim, de um conjunto de forças. Ultrapassa-se a visão de Lênin da hegemonia como produto de uma classe, em si, dominante.

Williams esclarece ainda que o conceito de hegemonia extrapola o conceito de ideologia.

“Não exclui, é claro, os significados, valores e crenças formais e articulados, que uma classe dominante desenvolve e propaga” (WILLIAMS, 1979, p. 113), nem tampouco reduz a consciência a esses valores. Trata-se, pois, de um jogo de forças (arena de lutas). Bottomore (2001) reforça dizendo que a hegemonia não se reduz a legitimação, falsa consciência ou mesmo instrumentalização da massa da população, uma vez que o senso comum é composto de vários elementos, alguns dos quais contradizem a ideologia dominante.

É verdade assim que existe uma ‘moral do povo’, entendida como um determinado conjunto (no tempo e no espaço) de máximas para a conduta prática e de costumes que derivam delas ou que as produziram; moral esta que é estreitamente ligada, tal como a superstição, às reais crenças religiosas: existem imperativos que são muito mais fortes, tenazes e eficientes do que os da moral ‘oficial’ (GRAMSCI, 1978, p. 185).

Em Gramsci, portanto, a ideologia não apenas influencia a massa da população, mas

serve também como princípio de organização das instituições sociais (BOTTOMORE, 2001, p. 178). A análise da ideologia em Gramsci é, para além da simples dominação e falsa consciência, então, um terreno de luta.

Por conseguinte, evitando imputar ab initio um juízo de depreciação à ideologia, para

Gramsci (1989, p. 62), na medida em que são historicamente necessárias, “as ideologias têm uma validade que é validade ‘psicológica’: elas ‘organizam’ as massas humanas, formam o terreno sobre o qual os homens se movimentam, adquirem consciência de sua posição, lutam, etc.”.

Por exemplo, nos Estudos Culturais britânicos, fortemente influenciados por Gramsci, há

a concepção de que a própria ideologia é uma arena de luta, com base numa perspectiva também de baixo para cima, que atribui poder aos sujeitos e aos grupos subculturais para intervir nos sistemas políticos e nos sistemas de significação para produzir mudanças (SCHULMAN, 2000).

Uma análise enérgica da cultura e do consumo cultural deve diagnosticar a complexidade

e as lutas cotidianas na vida concreta dos sujeitos, encarando a arena cultural como um campo de

Page 59: REVISTA QUERUBIM Ciências Humanas Ciências Sociais · Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e ... gestos de

Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 11 Nº26 vol. 01 – 2015 ISSN 1809-3264

Página 60 de 112

lutas pela hegemonia. Um caminho teórico que não leve em conta as distinções entre cultura de massa (homogeneizante e rebaixada), cultura popular (autêntica, resistente) e cultura erudita (ligada aos conceitos de beleza e verdade) deve se pautar no conceito de cultura como uma experiência vivida no cotidiano. Certamente, na luta cotidiana por hegemonia existem determinados empréstimos entre os grupos sociais distintos, o que invalida pensar em culturas autênticas. Também não devemos nos basear em falsas oposições, tais como o alto e o popular, o urbano ou o rural, o moderno ou o tradicional (CANCLINI, 2003). É preciso ver, portanto, a cultura como um jogo de poder, no qual a negociação dos problemas da vida cotidiana se realiza dentro de uma complexa estrutural social, que passa por alianças com grupos diferentes de acordo com o contexto ou com o momento. Não basta, pois, ver as mensagens veiculadas pelos meios de comunicação de massa, nem tampouco como são produzidas. Tem-se que pensá-las em suas significações concretas, seus usos e desusos. Uma relevante recomendação presente em Michel de Certeau (1994, p. 39) é que se observe, além das mensagens emitidas, também aquilo que “o consumidor cultural fabrica” durante o seu uso, sua recepção, seu consumo, ou seja, entender as possibilidades de releituras.

Using a neo-Gramscian analysis, popular culture is what men and women make from their active consumption of the texts and practices of the culture industries. Youth subcultures are perhaps the most spectacular example of this process […] Products are combined or transformed in ways not intended by their producers; commodities are rearticulated to produce ‘oppositional’ meanings. In this way, and through patterns of behavior, ways of speaking, taste in music, etc., youth subcultures engage in symbolic forms of resistance to both dominant and parent cultures (STOREY, 2011, p. 105).

A leitura de Storey resume bem essa postura neogramsciana: a cultura popular é o que os

indivíduos fazem de seu cotidiano. Tomando como exemplo certas culturas juvenis, produtos são consumidos de maneira não prevista pelos produtores; produzem-se significados de oposição; e, fundamentalmente, essas culturas se envolvem em formas simbólicas de resistência às culturas dominantes. Tal leitura demonstra que determinadas modalidades de consumo de produtos massificados podem ser efetivadas devido a circunstâncias muito particulares da vida cotidiana, algo bem além da simples cooptação, por exemplo, pela indústria cultural. Reforçando, o que é feito nas camadas populares muitas vezes pode revelar traços de uma cultura entendida como forma de encarar a realidade e se portar nela. São culturas que, mesmo na adversidade, revelam-se em autoestima. Neste sentido, não se pode falar na corrupção de indivíduos fracos pela indústria cultural, pois os produtos consumidos atendem a alguma lógica por parte de quem consome.

Na avaliação de Schulman (2000, p. 179), a releitura de Gramsci, no final dos anos 1970 foi

extremamente importante para colocar em movimento a reavaliação que os estudos culturais britânicos fizeram da cultura popular. Segundo afirma, deixou-se de ver a cultura popular como mero veículo ideológico do status quo e passou-se a vê-la como um local de resistência e conflito potencial, desenvolvendo-se uma história da hegemonia. Nas palavras de Mattelart e Neveu (2004, p. 74), “longe de serem consumidoras passivas [...] as classes populares mobilizam um repertório de obstáculos à dominação”. Aliás, muito distintamente do que se poderia supor, a “esmagadora maioria das nossas experiências constitutivas permanece – e permanecerá sempre – fora do âmbito do controle e da coerção institucionais formais [...] Nem mesmo os piores grilhões têm como predominar uniformemente” (MÉSZÁROS, 2008, p. 54). Por conseguinte, não pode existir, nem tampouco se pensar, numa coerção ideológica onipotente.

John Fiske (1989) reafirma essa capacidade popular de resistência e evasão. Para ele, a

cultura popular é um lugar de lutas que, embora aceitando o poder das insidiosas forças dominantes, consegue resistir e evadir – com criatividade e vitalidade – das ideologias dominantes e seus valores. Encontrando vigor e vitalidade nas pessoas, Fiske evita, portanto, ver a cultura popular essencialmente fora ou essencialmente sufocada por modelos de poder.

Page 60: REVISTA QUERUBIM Ciências Humanas Ciências Sociais · Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e ... gestos de

Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 11 Nº26 vol. 01 – 2015 ISSN 1809-3264

Página 61 de 112

Recently, however, a third direction has begun to emerge, one to which I hope this book will contribute. It, too, sees popular culture as a site of struggle, but, while accepting the power of the forces of dominance, it focuses rather upon the popular tactics by which these forces are coped with, are evaded or are resisted. Instead of tracing exclusively the processes of incorporation, it investigates rather that popular vitality and creativity that makes incorporation such a constant necessity. Instead of concentrating on the omnipresent, insidious practices of the dominant ideology, it attempts to understand the everyday resistances and evasions that make that ideology work so hard and insistently to maintain itself and its values. This approach sees popular culture as potentially, and often actually, progressive (though not radical), and it is essentially optimistic, for it finds in the vigor and vitality of the people evidence both of the possibility of social change and of the motivation to drive it (FISKE, 1989, p. 20-21).

Nesse sentido, o consumo cultural não pode ser pensado de maneira inerte. É preciso

retomar a eficácia da indústria cultural e do poder dos meios de comunicação de massa, todavia, sem anular – em substância – os sujeitos. Não é possível que os meios de comunicação de massa consigam moldar a opinião e o sentimento de todas as classes populares. Gramsci sabiamente nos mostra que as camadas populares da filosofia espontânea do senso comum (ou do bom senso, aquele núcleo sadio do senso comum), embora saibam que sua argumentação reflexiva possa parecer frágil, ainda assim possui certa sustentação. Certamente, não é possível se moldar o gosto de todo mundo a partir do domínio direto da indústria cultural.

O elemento mais importante, indubitavelmente, é de caráter não racional: é um elemento de fé. Mas, de fé em quem e em quê? Notadamente no grupo social ao qual pertence, na medida em que este pensa as coisas também difusamente, como ele: o homem do povo pensa que, no meio de tantos, ele não pode se equivocar radicalmente, como o adversário argumentador queria fazer crer; que ele próprio, é verdade, não é capaz de sustentar e desenvolver as suas razões como o adversário faz com as dele, mas que – em seu grupo – existe quem poderia fazer isto, certamente ainda melhor do que o referido adversário; e, de fato, ele se recorda de ter ouvido alguém expor, longa e coerentemente, de maneira que ele se convenceu de sua justeza, as razões de sua fé (GRAMSCI, 1989, p. 26).

Assim, não há como se moldar a opinião das pessoas a ponto de unilateralmente

prescrever-lhes o que é bom e o que é ruim no âmbito do consumo cultural. Sem o consentimento ativo do indivíduo tal prescrição não se faz ativa. As pessoas têm um certo “bom senso” na recepção cultural. O problema da recepção, do ponto de vista da unilateralidade e da homogeneidade, é crer que as mensagens tenham somente um significado, e que este, por sua vez, seja apreendido somente num sentido de mão única. Stuart Hall (2003, p. 366), então, problematiza sobre “uma noção de poder e de estruturação no momento de codificação que todavia não [apaga] todos os outros possíveis sentidos”. As mensagens hegemônicas pretendem que o sujeito leia o conteúdo de uma determinada maneira; contudo, outras leituras podem e são feitas. Igualmente, “uma leitura preferencial nunca é completamente bem-sucedida: é apenas o exercício do poder na tentativa de hegemonizar a leitura da audiência” (HALL, 2003, p. 366). Assim, vê-se que uma decodificação integralmente preferencial é, concretamente, uma utopia, um sonho dos managers do entretenimento. As pessoas têm um certo bom senso em relação ao que consomem. Assim como, “em geral, os leitores de jornal não têm a mesma opinião do jornal que compram, ou são por ela escassamente influenciados” (GRAMSCI, 1978, p. 105), também os ouvintes de música popular ou os leitores de autoajuda não são influenciados totalmente pelas mensagens propagadas. Emitem oposições, às vezes muito intuitivas, às vezes bastante reflexivas. Assim, a partir de Gramsci, a cultura popular passa não a ser vista como unilateral veículo ideológico do status quo, mas sim, passa

Page 61: REVISTA QUERUBIM Ciências Humanas Ciências Sociais · Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e ... gestos de

Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 11 Nº26 vol. 01 – 2015 ISSN 1809-3264

Página 62 de 112

a ser vista como um local de resistência e conflito potencial, desenvolvendo-se, novamente segundo Schulman (2000), uma história da hegemonia. Referências BOBBIO, Norberto et al. Dicionário de política. Coordenação da tradução de João Ferreira. 11. ed. Brasília: Editora UNB, 1998. BOTTOMORE, Tom (org.). Dicionário do pensamento marxista. Tradução de Waltensir Dutra. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2001. CANCLINI, Néstor García. Culturas híbridas: estratégias para entrar e sair da modernidade. Tradução de Ana Regina Lessa e Heloísa Pezza Cintrão. 4. ed. São Paulo: EDUSP, 2003. CERTEAU, Michel de. A invenção do cotidiano: artes de fazer. Tradução de Ephraim Ferreira Alves. 4. ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 1994. FISKE, John. Understanding popular culture. London; New York: Routledge, 1989. GRAMSCI, Antonio. Concepção dialética da história. Tradução de Carlos Nelson Coutinho. 8. ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1989. ________. Os intelectuais e a organização da cultura. Tradução de Carlos Nelson Coutinho. 4. ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1982. ________. Literatura e vida nacional. Tradução de Carlos Nelson Coutinho. 2. ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1978. HALL, Stuart. Da diáspora: identidades e mediações culturais. Tradução de Adelaide La Guardia Resende et al. Belo Horizonte, MG: UFMG; Brasília: Representação da UNESCO no Brasil, 2003. LÊNIN, V. I. O Estado e a Revolução. 2. ed. Publicações Liga Bolchevique Internacional, 2006. MATTELART, Armand; NEVEU, Érik. Introdução aos estudos culturais. Tradução de Marcos Marcionilo. São Paulo: Parábola Editorial, 2004. MÉSZÁROS, István. A educação para além do capital. Tradução de Isa Tavares. 2. ed. São Paulo: Boitempo, 2008. SCHULMAN, Norma. O Centre for Contemporary Cultural Studies da Universidade de Birmingham: uma história intelectual. In: SILVA, Tomaz Tadeu da (Org.). O que é, afinal, Estudos Culturais? Tradução de Tomaz Tadeu da Silva. 2. ed. Belo Horizonte: Autêntica, 2000. STOREY, John. Cultural theory and popular culture: an introduction. 3. ed. Essex: Pearson Education Limited, 2001. WILLIAMS, Raymond. Hegemonía. In: ________. Palabras Clave: un vocabulario de la cultura y la sociedad. Traducción de Horacio Pons. Buenos Aires: Ediciones Nueva Visión, 2003. ________. Hegemonia. In: ________. Marxismo e Literatura. Tradução de Waltensir Dutra. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1979. Enviado em 30/04/2015 Avaliado em 15/06/2015

Page 62: REVISTA QUERUBIM Ciências Humanas Ciências Sociais · Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e ... gestos de

Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 11 Nº26 vol. 01 – 2015 ISSN 1809-3264

Página 63 de 112

LA TRANSFORMACIÓN EN LOS GRUPOS INTERACTIVOS

Estefanía Fernández Antón Master en Investigación de Ciencias Sociales para la Educación

Grado de Educación infantil Resumen En el presente trabajo mostramos las transformaciones sociales, de eficacia academia y académicas que solicitaron las personas voluntarias al alumnado de una Comunidad de Aprendizaje de la comunidad autónoma de Castilla y León (España). Estas transformaciones se demandaron en la intervención de éxito grupos interactivos. Para recoger esta información, empleamos la metodología comunicativa crítica y la técnica de recogida de datos observación comunicativa. Entre los resultados más significativos podemos destacar que las personas adultas de la comunidad (docentes y voluntarios) no sólo se preocupaban por el avance académico del alumnado, sino que también estaban preocupados por el avance social. Palabras clave: Comunidades de Aprendizaje, grupos interactivos, metodología comunicativa crítica.

The transformation in interactive groups Abstract In the present communication we show the social, academic efficacy and academic transformations that the volunteers requested to students in a Learning Community of the autonomous community of Castile and León (Spain). These transformations were demanded in the intervention of successful interactive groups. To collect this information, we use the critical communicative methodology and data collection technique communicative observation. Among the most significant results we emphasize that adults of the community (teachers and volunteers) not only were worried about the academic progress of students, were also concerned about the social advancement. Keywords: Learning Communities, interactive groups, critical communicative methodology. Marco teórico Existen numerosas investigaciones que analizan la intervención de éxito grupos interactivos en diferentes centros educativos. Aquí queremos destacar los trabajos de Molina (2011), Pípi (2010) y Vieira (2011). Molina (2011) se centra en el carácter inclusivo de los grupos interactivos para el alumnado. Pípi (2010) obtienen que los grupos interactivos son fundamentales para que el alumnado desarrolle habilidades académicas, comunicativas y sociales. Y, por último, Vieira (2011) da a conocer de manera detallada el papel del voluntariado en las agrupaciones interactivas. En nuestro caso, nosotros nos vamos a centrar en dar a conocer los cambios sociales, de eficacia académica y académicos que el voluntariado pidió a los estudiantes en la actuación socioeducativa citada. Elboj, Puigdellívol, Soler y Valls (2006) son algunos de los autores que describen los grupos interactivos; sus ideas aparecen reflejadas en la cita posterior:

Grupos heterogéneos formados por 4 ó 5 niños y niñas tanto en cuestión de género como nivel de aprendizaje y origen cultural. Se preparan actividades de 20 minutos de duración, lo que permite mantener el nivel de atención y la motivación.

Page 63: REVISTA QUERUBIM Ciências Humanas Ciências Sociais · Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e ... gestos de

Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 11 Nº26 vol. 01 – 2015 ISSN 1809-3264

Página 64 de 112

Las actividades realizadas en cada grupo están tutorizadas por una persona adulta, voluntarias y voluntarios de la comunidad que, en numerosas ocasiones, son familiares… (p. 93).

Otra descripción de esta actuación socioeducativa de éxito la encontramos en Oliver y Gatt (2010):

Esta forma de agrupación inclusiva del alumnado consiste en la distribución de los alumnos y alumnas en pequeños grupos heterogéneos dentro de la misma aula, junto con una reorganización de los recursos humanos existentes en la escuela. La dotación de diferentes personas adultas incluyendo la entrada y participación plena de familiares y personas voluntarias no se utiliza para separar al alumnado en función de su nivel o competencia ni para proveer adaptaciones curriculares a los diferentes alumnos y alumnas, sino para promover interacciones de apoyo y aprendizaje mutuo entre el alumnado en actividades comunes. Este tipo de organización de la clase, incrementa la riqueza y la diversidad de las interacciones que se dan entre el alumnado y estas personas adultas (p. 282).

En los grupos interactivos, como podemos ver en las citas anteriores, se tiene en cuenta al alumnado y a las personas adultas. Las funciones del alumnado son aprender y enseñar a los compañeros por medio del diálogo. En el caso de las personas adultas, encontramos dos agentes, el voluntariado y el responsable de aula. Los primeros tienen la función de coordinar las agrupaciones interactivas, promoviendo el diálogo y la reflexión de los estudiantes. El responsable de aula, función desempeñada por los docentes de la escuela, dinamiza cada uno de los grupos coordinados por los voluntarios o voluntarias (Aubert y García, 2001, p. 21). El aprendizaje dialógico es el marco teórico de los grupos interactivos (Valls y Munté, 2010). La enseñanza dialógica es aquella que surge cuando los estudiantes aprenden dialogando con las personas de la comunidad (familiares, estudiantes de otros niveles educativos, voluntarios, voluntarias, etc.). Este tipo de enseñanza está constituida por siete principios dialógicos: diálogo igualitario, inteligencia cultural, transformación, creación de sentido, solidaridad, igualdad de diferencias y dimensión instrumental (Aubert, Flecha, García, Flecha, y Racionero, 2010). En cuanto a los principios indicados, sólo describiremos el principio en el que nos centramos en este trabajo, que es el fundamento dialógico de transformación. Según Ferrada y Flecha (2008), la transformación supone la modificación personal y social de todas las personas que componen el contexto escolar. Para que se produzca tal transformación hay que analizar el progreso social y académico de los estudiantes en primer lugar. En segundo lugar hay que promover el cambio, partiendo de la información que se ha obtenido del análisis. Este tipo de aprendizaje surge desde las aportaciones del Centro Especial de Investigación en Teorías y Prácticas Superadoras de Desigualdades (CREA). Este centro creó esta teoría basándose en las aportaciones de Habermas, Freire, Wells, entre otros (Aubert et al., 2010). Metodología

Para explicar la metodología la vamos a dividir en dos apartados: la descripción del contexto y el diseño metodológico del estudio realizado. El contexto del estudio es una Comunidad de Aprendizaje situada en Castilla y León, comunidad autónoma de España. Una Comunidad de Aprendizaje es un proyecto social y escolar en el que participan todas las personas de la comunidad (profesorado, familiares, voluntariado, etc.). Estas personas colaboran con el proyecto para formarse y para mejorar el proceso de aprendizaje de los estudiantes (Elboj, et al., 2006).

Page 64: REVISTA QUERUBIM Ciências Humanas Ciências Sociais · Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e ... gestos de

Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 11 Nº26 vol. 01 – 2015 ISSN 1809-3264

Página 65 de 112

La Comunidad de Aprendizaje, en la que nos centramos, está ubicada en Castilla y León. Esta escuela acoge alumnos y alumnas de las etapas de Educación Infantil y de Educación Primaria. En nuestro caso, vamos hacer referencia a los alumnos y alumnas de tercero, cuarto, quinto y sexto de Primaria. En estos cursos, hay once estudiantes. Además de lo que ya hemos explicado sobre el contexto, nos parece importante indicar que una gran parte de los voluntarios y voluntarias de esta comunidad fueron estudiantes universitarios, madres y otros familiares del alumnado. Para lograr el objetivo, dar a conocer los cambios sociales que el voluntariado pidió a los estudiantes en los grupos interactivos, hemos empleado la metodología comunicativa crítica. Este tipo de procedimiento metodológico rompe con la dualidad investigador e individuo investigado, dado que las personas investigadas pueden participar en la interpretación de resultados y, por lo tanto, en la creación de conocimiento (Flecha, Vargas, y Davila, 2004). Como método de investigación, hemos elegido el estudio de caso simple con una unidad de análisis (Yin, 2003) que coincide con el grupo de estudiantes de tercero, cuarto, quinto y sexto de Primaria. La técnica de recogida de datos que hemos seleccionado es la observación comunicativa. Como señalan Gómez, Latorre, Sánchez y Flecha (2006), esta técnica permite que las personas investigadoras y las personas observadas interpreten conjuntamente la realidad mediante el diálogo. Nuestro estudio está compuesto por diez observaciones comunicativas, pero, en este trabajo, vamos a hacer referencia a siete (ver tabla 1). Tabla 1. Observaciones del estudio

Observaciones comunicativas del estudio

14 de diciembre de 2012 1 de febrero de 2013 15 de febrero de 2013 22 de febrero de 2013 8 de marzo de 2013 15 de marzo de 2013 22 de marzo de 2013 3 de mayo de 2013

Todas las observaciones señaladas tuvieron una duración de dos horas aproximadamente: una hora dedicada a la dinámica interactiva y otra hora a la evaluación final. Controlamos la subjetividad inherente a la técnica, compartiendo los descubrimientos con los participantes, acción necesaria para mantener la neutralidad según Guba (1983). Además, tuvimos varios encuentros dialógicos con los participantes para hacer una interpretación conjunta de la realidad, acción necesaria en la observación comunicativa. Antes de pasar al apartado de resultados, mostramos los participantes del estudio en la tabla posterior. Dentro de la tabla, podemos apreciar que participaron once personas, hemos protegido su identidad empleado seudónimos. Tabla 2. Participantes del estudio

Page 65: REVISTA QUERUBIM Ciências Humanas Ciências Sociais · Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e ... gestos de

Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 11 Nº26 vol. 01 – 2015 ISSN 1809-3264

Página 66 de 112

Participantes

Ana. Directora del centro, profesora de la escuela, responsable de aula y voluntaria.

Susana. Profesora del centro y voluntaria. Marta. Familiar de un escolar de Primaria y voluntaria. Alonso, Daniel y Lola. Alumnado de tercero de Primaria. Ricardo y María. Alumnado de cuarto de Primaria. Leonor, Lourdes y Marcos.

Alumnado de quinto de Primaria.

Adolfo, Ernesto, Jimena y Petra.

Alumnado de sexto de Primaria.

Total: 15 participantes.

Hubo más participantes que formaron parte del estudio, sin embargo, en este trabajo, sólo hemos presentado a los que están relacionados con la transformación. Resultados

Antes de comenzar con los resultados obtenidos, tenemos que indicar que las sesiones de los grupos interactivos se dividieron en dos partes: la primera parte fue la dinámica interactiva, y la segunda parte fue la evaluación final. Durante la evaluación final, los escolares, las voluntarias y las profesoras comentaron los posibles cambios que tenían que alcanzar algunos de los estudiantes. Los acontecimientos que mostramos a continuación sucedieron en los dos momentos indicados. En la Comunidad de Aprendizaje analizada, hemos observado que el voluntariado y el profesorado hicieron recomendaciones de cambio a los escolares. Estas recomendaciones fueron de tres tipos: sociales, académicas y de eficacia académica. En este grupo de personas incluiremos a las profesoras porque, en muchas ocasiones, actuaron como voluntarias. La eficacia académica no significa explicación de contenidos educativos, sino más bien otorgar herramientas al alumnado para la solución de los problemas eficientemente. Sobre este tema, Freire (2002) demuestra que el educador no sólo tiene que transferir conocimientos, sino que también tiene que enseñar a pensar correctamente a su alumnado. Peticiones del voluntariado para el cambio social del alumnado En primer lugar, podemos ver como las personas voluntarias intentamos que los escolares comprendieran que para hacer las actividades no hay que tener conductas competitivas y no hay que perder la paciencia:

De repente Adolfo me confiesa el deseo que anhela secretamente—: Tienes que decir que nosotros hemos sido el mejor grupo para que nos den la estrella. —¿Qué estrella? —le pregunto. —Una que nos dan al final si hacemos bien las actividades —dice Adolfo. —Eso depende de vuestro trabajo en equipo —le digo. (Observación comunicativa: 1.2.13).

… momento que aprovecha Jimena para decir—: María no se ha implicado en las mesas.

Page 66: REVISTA QUERUBIM Ciências Humanas Ciências Sociais · Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e ... gestos de

Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 11 Nº26 vol. 01 – 2015 ISSN 1809-3264

Página 67 de 112

Cuando nos toca hablar a las voluntarias, yo digo—: Es un grupo que en general ha mostrado interés, pero desconocen actitudes para incitar a la colaboración, ya que perdían la paciencia y obligaban a María a participar. Seguidamente Marta, Susana y Ana dicen que ellas han observado lo mismo. (Observación comunicativa: 15.2.13).

Asimismo, las voluntarias del centro intentamos eliminar las conductas no dialógicas y la creación de subgrupos:

El grupo dos está formado por Ernesto, Daniel y Marcos. Ernesto, sentado en el medio de los dos niños, imita al coordinador de la mesa; sin embargo, es una emulación alejada de las responsabilidades dialógicas. Primero les pone cuentas, después les da órdenes para que las resuelvan individualmente. […] hay que ayudarle a abandonar las intenciones de mando. —Ernesto, puedes incitarles a participar sin exigirles —digo yo. —Sólo estoy proponiendo —dice Ernesto. —Intenta hacerlo sin decirles lo que tienen que hacer—añado... (Observación comunicativa: 15.3.13). Los niños ya se están levantando de su sitio, pero todavía quedan las últimas palabras de Susana—: Es muy habitual que en los grupos aparezcan subgrupos. He visto que siempre preguntáis al compañero que más os gusta. De esta manera, hay compañeros que no tienen la oportunidad de ayudar. (Observación comunicativa: 8.3.13).

Durante las observaciones, nos dimos cuenta de que uno de los escolares se valoraba negativamente en las sesiones interactivas. Dada esta circunstancia, tuvimos que recomendar al alumno que mejorase su autopercepción.

Después de las palabras de los niños, intervenimos las voluntarias—: Marcos, te valoras negativamente y no coincide con la realidad, nada más que escuches los comentarios de tus compañeros sobre tu implicación en el grupo […] —digo yo… (Observación comunicativa: 3.5.13).

Para finalizar con este apartado de resultados, indicamos que las voluntarias hicieron otras peticiones: los escolares tienen que dar y recibir ayuda y escuchar activamente a todas las personas:

En lo que se refiere a la valoración del grupo tres, Jimena, bastante enojada, dice a Susana—: Alonso se ha copiado de Ricardo en el ejercicio de las siglas. —¿Os habéis preocupado en explicarle lo que son las siglas? —pregunta Susana. —No, pero tampoco lo ha pedido —dice Jimena. —Alonso, si no sabes hacerlo es mejor que lo digas para que te puedan ayudar, es tan importante pedir ayuda como darla —dice Susana. Alonso escucha atentamente, pero no dice nada. (Observación comunicativa: 22.3.13). El murmullo de los chicos es cada vez más molesto. Susana no tiene otro remedio que pedir al alumnado que mantengan el silencio para escuchar todas las opiniones. El terrible alboroto termina tras el intento de poner orden de Susana. (Observación comunicativa: 22.2.13).

Teniendo en cuenta estas recomendaciones sociales, nos damos cuenta de que los escolares solucionan las tareas académicas de la siguiente manera: actúan de manera competitiva, pierden la

Page 67: REVISTA QUERUBIM Ciências Humanas Ciências Sociais · Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e ... gestos de

Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 11 Nº26 vol. 01 – 2015 ISSN 1809-3264

Página 68 de 112

paciencia con el escolar más lento, muestran conductas no dialógicas, tienden a preguntar las dudas a los escolares con los que tienen más relación, les cuesta valorar su propio esfuerzo, les resulta difícil dar y recibir ayuda y, por último, les resulta difícil escuchar a los demás en algunas ocasiones. Peticiones del voluntariado para el cambio de eficacia académica del alumnado Las finalidades del lenguaje del adulto en el cambio de la efectividad académica del alumnado fueron: suscitar la reflexión grupal e individual, la participación equitativa, el trabajo en grupo cooperativo, el interés por la actividad, el orden, la compresión de los enunciados y la no reproducción de resultados. También son transformaciones de efectividad académica suprimir la tendencia de hacer subgrupos y promover el sistema de dar-recibir ayuda (peticiones de los adultos del apartado anterior). Las voluntarias no podíamos expresar los resultados correctos. El alumnado se libró de su equivocación reflexionando de manera individual y grupal:

Al rato tengo la impresión de que Lola se está perdiendo un poco, además veo como está haciendo un ejercicio mal, luego le doy un consejo—: ¿Por qué no lo vuelves a revisar? Inmediatamente Lola se detiene a solventar el fallo. (Observación comunicativa: 14.12.12). … —¿Árbol es a bosque como soldado a…? —pregunta Adolfo a Lola. —¿Castillo? —contesta Lola. —¿Qué os hace pensar que es castillo? —les pregunto a todos. —Los soldados viven en un castillo —dice Lola. —¿Qué es un bosque? —pregunto. —Muchos árboles —contesta Adolfo. —¿Entonces? —les pregunto (mientras, muevo las manos para indicarles que tienen que decir la respuesta). —Soldados —dice Leonor. —¿Qué son soldados? —pregunto. —Un ejército —contesta Adolfo. (Observación comunicativa: 22.3.13).

Debido a que la implicación desigual fue incompatible con las agrupaciones interactivas, las personas adultas tuvimos que rescatar la participación adecuada con la palabra:

Me doy cuenta de que Leonor y Lourdes no tienen intención de participar. Cada vez que Adolfo y Lola resuelven una tarea, las dos alumnas sólo asienten para indicar que están de acuerdo con el resultado. —¿Creéis que la cuenta está bien, Leonor y Lourdes? —pregunto yo… (Observación comunicativa: 1.2.13). Antes de termina la actividad, Marta manifiesta algunas normas que deben seguir los escolares cuando participan en los Grupos Interactivos—: Resulta esencial que seáis capaces de regular vuestra implicación, es decir, cuando participáis mucho y cuando participáis poco… (Observación comunicativa: 15.2.13).

La rapidez del trabajo individual tentó a los estudiantes; por consiguiente, las participantes adultas tuvimos que recomendar el trabajo en equipo:

… parece que todos tienen mucha prisa por acabar, incluso Ernesto dice—: Que cada uno haga un ejercicio y terminamos antes. Les miro un poco horrorizada y les digo—: ¿A qué tanta prisa?, ¿desde cuándo

Page 68: REVISTA QUERUBIM Ciências Humanas Ciências Sociais · Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e ... gestos de

Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 11 Nº26 vol. 01 – 2015 ISSN 1809-3264

Página 69 de 112

hacer las tareas individualmente es cooperar? —Es lo mejor. Además, en otras mesas ya lo hemos hecho —dice Petra. —Me parece que lo mejor es que todos participéis, no pasa nada si sois más lentos —digo yo. (Observación comunicativa: 1.2.13).

Recuperar el interés del estudiante por la actividad fue otra finalidad que intentamos alcanzar por la vía comunicativa:

En este grupo, los escolares aparentan estar muy poco interesados por la actividad: Marcos hace una flecha con uno de los brazos, Daniel tiene los mofletes pegados al papel de los ejercicios, Jimena se queja de la dificultad de las tareas, y Leonor está casi dormida. Dada esta situación, intento poner orden diciendo en varias ocasiones—: Intentar calmaros chicos. […]. Después de pedir tranquilidad en varias ocasiones, parece que los alumnos deciden terminar sus ejercicios en un clima más sosegado. (Observación comunicativa: 22.2.13).

Las personas más mayores también queríamos que los estudiantes comprendieran los enunciados de los ejercicios:

Cada niño lee el enunciado del ejercicio en silencio. Espero a que levanten la cabeza de la hoja de tareas para preguntarles—: ¿Lo entendéis? Todos reconocen que no comprenden el ejercicio. Entonces Adolfo se agita y lee el enunciado muy deprisa. Como el ritmo de lectura es demasiado veloz para que comprendan la actividad, comienzo a preguntar—: ¿Qué es lo primero que pide el enunciado? —Que hagamos operaciones con cuatro cuatros —dice Lola. —¿Y la segunda parte? —les pregunto. —Que podemos hacer todas las operaciones que conozcamos para que dé de cero a cien —dice Lola. —¿Y qué más? —pregunto. —Cero y cien inclusive —dice Daniel—. Pero, no sé lo que significa inclusive, ¿es inglés? —No, significa incluido —digo yo. (Observación comunicativa: 15.3.13).

El acto de copia entre alumnos fue una barrera para el diálogo entre compañeros, por tanto, el colectivo adulto trató de cancelar la reproducción de resultados:

Una de las veces observo que Jimena dice a Petra—: Dime la respuesta de este ejercicio (gesto señalando a la cuenta matemática). Al ver esa conducta, decido intervenir para que intenten reflexionar individualmente o con la ayuda de los compañeros. Además, es importante que compartan conocimientos de manera dialógica—: ¿No crees que es mejor que le digas a Jimena por qué has llegado a ese resultado? (Observación comunicativa: 14.12.12).

Peticiones del voluntariado para el cambio académico del alumnado Es importante indicar, ya para acabar con las peticiones orales de los adultos, como eran las transformaciones académicas que tenían que lograr los estudiantes. Las responsables de aula y las voluntarias solicitamos los siguientes cambios académicos al alumnado: repuestas orales detalladas, respuestas orales correctas, respuestas escritas amplias, respuestas escritas bien redactadas y expresión verbal adecuada.

Page 69: REVISTA QUERUBIM Ciências Humanas Ciências Sociais · Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e ... gestos de

Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 11 Nº26 vol. 01 – 2015 ISSN 1809-3264

Página 70 de 112

Los alumnos y alumnas tuvieron que explicar contenidos académicos a sus compañeros de mesa de forma detallada y correcta. Ajustar las respuestas del alumnado fue una tarea verbal del adulto:

Alonso empieza a preguntar a Petra—: ¿Qué es una palabra compuesta? —Sacapuntas —dice Petra. Entonces, decido animar a Petra para que dé una respuesta más detallada—: ¿Qué te parece intentar aclarárselo con más detalle? Petra se incorpora un poco de la silla y le explica a Alonso—: Es una palabra con varias palabras juntas. (Observación comunicativa: 8.3.13).

Las personas más mayores también pretendíamos que el alumnado escribiese respuestas amplias y bien redactadas:

—Antes de terminar me gustaría señalar una cosa —dice Ana—; hay que escribir respuestas detalladas. —Eso es verdad. Si podéis escribís lo mismo que mi compañero —comenta Susana. —Tenéis que aprender a redactar. Para ello no hay que escribir palabras sueltas —dice Ana. (Observación comunicativa: 22.3.13).

Como se puede ver en los ejemplos expuestos, las personas adultas (docentes y voluntarios) estaban implicadas en la educación del alumnado. Conclusiones

Para concluir podemos decir, que los grupos interactivos permiten a las personas voluntarias transmitir consejos a los estudiantes para que mejoren sus conductas sociales. Nuestro estudio nos ha permitido identificar las siguientes recomendaciones realizadas por el voluntariado: los escolares tienen que realizar las actividades sin ser competitivos y teniendo paciencia con otros escolares; hay que evitar conductas de carácter no dialógico y la creación de subgrupos en la solución de las tareas; hay que valorarse adecuadamente a uno mismo, evitando tener una opinión equivocada de las acciones propias y, finalmente, es necesario realizar las actividades académicas dando y recibiendo ayuda y escuchando activamente a todas las personas. Aparte de los cambios sociales, las personas adultas se preocuparon por el progreso académico del alumnado. Desde esta preocupación se intentó que los alumnos fueran más eficaces en el aprendizaje de contenidos académicos, promoviendo actitudes cooperativas y la ayuda entre iguales. También se intentó mejorar la expresión escrita y la expresión verbal. Partiendo de los anteriores consejos de las personas voluntarias, podemos señalar que los estudiantes tienen dificultades para solucionar las tareas de forma democrática, pues muestran competitividad, exasperación con el escolar más lento, conductas no dialógicas, favoritismos para preguntas las dudas y dificultad para trabajar de manera cooperativa, pedir ayuda, dar ayuda y escuchar las opiniones de los demás. Otra dificultad diferente es la capacidad de valorar el propio esfuerzo de manera adecuada. A partir de esta información nos planteamos las siguiente preguntas: ¿Estas actitudes del alumnado han sido heredadas de las enseñanzas tradicionales?, ¿si los escolares hubiesen aprendido durante años mediante el aprendizaje dialógico mostrarían tales actitudes? Este trabajo tiene significación científica por diversos motivos: muestra los cambios que tienen que realizar los escolares para aprender de manera dialógica, hace hincapié en las dificultades que tienen los estudiantes cuando aprenden con sus compañeros de clase, demuestra que los grupos interactivos son una intervención de éxito que apuesta por el cambio de los estudiantes y

Page 70: REVISTA QUERUBIM Ciências Humanas Ciências Sociais · Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e ... gestos de

Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 11 Nº26 vol. 01 – 2015 ISSN 1809-3264

Página 71 de 112

finalizamos el texto haciendo dos preguntas, que no están contestadas, pero son de interés científico. Referencias AUBERT, A., FLECHA, A., GARCÍA, C., FLECHA, R., y RACIONERO, S. Aprendizaje

dialógico en la sociedad de la información. Barcelona: Hipatia. 2010. AUBERT, A., y GARCÍA. C. (2001). Interactividad en el aula. Cuadernos de Pedagogía, 301, 20-

24. ELBOJ, C., PUIGDELLÍVO, I., SOLER, M., y VALLS, R. Comunidades de Aprendizaje:

transformar la educación. Barcelona: Graó. 2006. FERRADA, D., y FLECHA, R. (2008). El modelo dialógico de la pedagogía: un aporte desde las

experiencias de Comunidades de Aprendizaje. Estudios Pedagógicos XXXIV, 1, 41-61. FLECHA, R., VARGAS, J., y DAVILA, A. (2004). Metodología comunicativa crítica en la

investigación en Ciencias Sociales: la investigación Workaló. Lan Harremanak, 11 (2), 21-33.

FREIRE, P. Pedagogía de la esperanza: un recuentro con la pedagogía del oprimido. México D. F.: Siglo XXI. 2002.

GÓMEZ, J., LATORRE, A., SÁNCHEZ, M., y FLECHA, R. Metodología comunicativa crítica. Barcelona: El Roure. 2006.

GUBA, E. G. Criterios de credibilidad en la investigación naturalista. En J. Gimeno Sacristán, y Á.

Pérez Gómez (Coords.), La enseñanza: su teoría y su práctica (pp. 148-165). Madrid: Akal. 1983.

OJALA, M., y PADRÓS, Mª. Actuaciones de éxito, universales y transferibles. Cuadernos de Pedagogía, 429, 18-19. 2012.

MOLINA, S. Los Grupos Interactivos: una práctica de las Comunidades de Aprendizaje para la inclusión del alumnado con discapacidad. Tesis doctoral. Universidad de Barcelona. 2011.

PÍPI, E. S. Grupos Interactivos: uma proposta educativa. Tesis doctoral. Universidade Federal de São Carlos. 2010.

VIEIRA, L. Voluntariado en la escuela: un estudio de casos dentro del proyecto Comunidades de Aprendizaje. Tesis doctoral. Universidad de Barcelona. 2011.

VALLS, R., y MUNTÉ, A. (2010). Las claves del aprendizaje dialógico en las Comunidades de Aprendizaje. Revista Interuniversitaria de Formación del Profesorado, 67 (24, 1), 11-15.

YIN, R. K. Case Study research: design and methods. Thousand Oaks, CA: Sage. 2003. Enviado em 30/04/2015 Avaliado em 15/06/2015

Page 71: REVISTA QUERUBIM Ciências Humanas Ciências Sociais · Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e ... gestos de

Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 11 Nº26 vol. 01 – 2015 ISSN 1809-3264

Página 72 de 112

DU_BOD E O RAIO-X DO PAÍS: UM OLHAR SOBRE A PRODUÇÃO MARGINAL BRASILEIRA CONTEMPORÂNEA

Fernando Reis de Sena23 Resumo Este estudo objetiva refletir sobre os sentidos da literária marginal brasileira, concentrando-se no poema / rap “Raio-x do país”, do rapper Du_Bod, publicado na coletânea Pelas periferias do Brasil em 2008. A escrita de Du_Bod insere-se num projeto que desestabiliza, reconstrói e reafirma o ser-e-estar no contexto periférico, analisando os contrastes sociais, apresentados a partir de um eu-lírico que fala “por milhões / Mas, nem cem param pra ouvir”. Conclui-se que o poema / rap tem função dessacralizante, cuja construção discursiva vai contra a tradição literária, criticando a segregação, as mazelas sociais e o cotidiano de guerra das periferias urbanas brasileiras. Palavras-chave: Du_Bod, Literatura Marginal, Periferia. Abstract This study aims to reflect on the meanings of literary brazilian marginal, focusing on the poem / rap "Raio-x do país," the rapper Du_Bod, published in the collection Pelas Periferias do Brasil in 2008. Writing Du_Bod is part of a project that destabilizes, reconstructs and reaffirms the being and being in the peripheral context, analyzing the social contrasts, presented from a self-lyrical speech "by millions / But not one hundred stop to listen." It concludes that the poem / rap has dessacralizante function, whose discursive construction goes against the literary tradition, criticizing segregation, social ills and the daily war of Brazil's urban peripheries. Keywords: Du_Bod, Marginal Literature, Periphery. Algumas palavras sobre a literatura marginal

Segundo Ferréz, a literatura marginal “é uma literatura feita por minorias, sejam elas raciais

ou socioeconômicas. Literatura feita à margem dos núcleos centrais do saber e da grande cultura nacional, ou seja, os de grande poder aquisitivo” (FERRÉZ, 2006).

É uma produção textual que se ocupa da representação da experiência de miséria e brutalidade da vida nas comunidades pobres das grandes metrópoles, escrita por pessoas que nasceram e cresceram nesses locais, tomando uma perspectiva elaborada a partir do interior destas próprias comunidades (SILVA, 2011, p. 28).

Sérgio Vaz, em seu “Manifesto da antropofagia periférica” (2007), mostra-se imponente na

periferia que idealiza; articula e profere discursos que reconstroem e desestabilizam o imaginário social sobre as zonas à margem dos grandes centros urbanos. Nas palavras do poeta: “dos becos e vielas há de vir a voz que grita contra o silêncio que nos pune”. Uma voz que vai “contra a arte patrocinada pelos que corrompem a liberdade de opção. Contra a arte fabricada para destruir o senso crítico, a emoção e a sensibilidade que nasce da múltipla escolha” (VAZ, 2007). Vaz também preconiza: “A arte que liberta não pode vir da mão que escraviza” (2007). Para ele,

É preciso sugar da arte um novo tipo de artista: o artista-cidadão. Aquele que na sua arte não revoluciona o mundo, mas também não compactua com a mediocridade que

23 Graduado em Letras: Língua portuguesa e Literaturas pela Universidade do Estado da Bahia. Contato: [email protected]

Page 72: REVISTA QUERUBIM Ciências Humanas Ciências Sociais · Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e ... gestos de

Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 11 Nº26 vol. 01 – 2015 ISSN 1809-3264

Página 73 de 112

imbeciliza um povo desprovido de oportunidades. Um artista a serviço da comunidade, do país. Que armado da verdade, por si só exercita a revolução (VAZ, 2007).

Hollanda defende que a partir da escrita marginal passamos a ter uma visão anatômica do

contexto periférico: “tudo indica que a literatura marginal e seus autores, além de procurarem uma escrita de denúncia, de resistência, de compromisso com a transformação social, honrando suas raízes hip hop, buscam também um lugar na série literária” (HOLLANDA, 2010). O verbete, entretanto, expõe muitos problemas, principalmente, quando associado a literatura. O termo marginal carrega a carga de banalidade, de algo que deve ser proibido ou condenado. Logo, a literatura autodenominada marginal corre o risco de se limitar a olhares segregatórios, o que pode resultar na inferiorização de textos produzidos sob esta égide. Sobre isso, Ferréz afirma que: “Quem inventou o barato não separou entre literatura boa / feita com caneta de ouro e literatura ruim / escrita com carvão, a regra é só uma, mostrar as caras” (FERRÉZ, 2006).

Desse modo, é preciso olhar atentamente para o movimento que se revigora nas periferias,

uma vez que a indústria editorial tem se dedicado em criar selos que contemplam os representantes da escrita dissidente. Escrita que põe em cheque as representações mantidas pela tradição literária que excluía os grupos minoritários de suas páginas, comprovando que literatura brasileira “foi sempre um discurso sobre o periférico e não feito pelo periférico (SILVA, 2011, p. 18). E entre os escritores que vêm mudando este cenário está o rapper Du_Bod, que terá o poema / rap “Raio-x do país” analisado neste estudo, cujos objetivos serão: destacar as marcas de resistência, verificando as estratégias de criação de textos dissidentes e contribuir na disseminação do projeto literário de escritores oriundos das periferias urbanas brasileiras. O poema Raio-x do país, de Du_Bod

A personalidade ideológica de Du_Bod aparece como um fio condutor do poema / rap

“Raio-x do país”. Logo nos primeiros versos o eu poético declara: “Pesadelo, / É saber que estamos às margens / Somos nós uma parte / Do futuro da humanidade” (DU_BOD, 2008, p. 39). O grito sofrido de quem está no interior das periferias ecoa como matéria poética, tentando se fazer ouvir em meio a tantas vozes que sobrepõem as suas. O intuito é revelar as mazelas sociais que imperam sobre um eu-lírico que se confunde com o autor através de uma escrita densa e dissidente, um testemunho de quem vive no caos humano instaurado nas comunidades pobres do Brasil.

O cotidiano reflete na escrita e a cada verso nos deparamos com um eu-lírico consciente e

inconformado com a situação do país: “O povo vive se iludindo / E quanto mais eu ando / Mais me sinto submisso / Oprimido e menosprezado / A realidade é que eu sou discriminado” (DU_BOD, 2008, p. 39). Neste tom de melancolia vai se constituindo um poema-denúncia, revelando anseios e angustias: “A nossa gente encanta / Nasce na corda bamba / Sonha pra caramba / Quando acorda cai da cama / Se alimenta de esperanças / Quer sair da boca do inferno” (2008, p. 39). A partir do poema / rap, o autor nos guia pelas aflições humanas, discute sonho e realidade com destreza, alimentando-se do que vivencia. Sonha em se libertar do presente desolador, quer fugir da condição de objeto e ocupar o lugar de sujeito na sociedade: “Espero que por aqui / Um melhor dia venha [...]” (2008, p. 39).

Para Vaz, a expressão literária dos guetos surge:

Contra a arte domingueira que defeca em nossa sala e nos hipnotiza no colo da poltrona. Contra a barbárie que é a falta de bibliotecas, cinemas, museus, teatros e espaços para o acesso à produção cultural. Contra reis e rainhas do castelo globalizado e quadril avantajado. Contra o capital que ignora o interior a favor do exterior. Miami pra eles? “Me ame pra nós!”. Contra os carrascos e as vítimas do sistema. Contra os

Page 73: REVISTA QUERUBIM Ciências Humanas Ciências Sociais · Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e ... gestos de

Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 11 Nº26 vol. 01 – 2015 ISSN 1809-3264

Página 74 de 112

covardes e eruditos de aquário. Contra o artista serviçal escravo da vaidade. Contra os vampiros das verbas públicas e arte privada. (VAZ, 2007).

Du_Bod expressa essa arte estridente, marcada pela crítica ao sistema opressor do qual ele

se sente oprimido. Ele é um artista que exerce a revolução pela sua comunidade, ou país, como sugere Vaz (2007). E nesse tecer e destecer a linha tênue que sustenta o cotidiano das periferias, o escritor vai aprofundando suas análises, expondo: “Fome, miséria, pobreza e violência” e denunciando as desigualdades sociais: “São fatos e não boatos / Apenas algumas das crises intensas / Pro lado mais fraco / Sempre a corda arrebenta / Assim, nascemos e crescemos / Colhemos as migalhas plantadas pelo sistema” (DU_BOD, 2008, p. 39). Nota-se que o texto adentra nos contrates sociais, a escrita se torna mais cítrica e dessacralizante.

É ser contra a cidadania Deixar o povo no esgoto Esse é o Brasil! Um país de tolos Quem é de dentro, fica com a casca Quem é de fora, fica com o miolo Se não entendeu Te explico tudo de novo É pouco para muitos E muito para poucos Eles comem a carne E a gente rói o osso. (DU_BOD, p. 40)

Sem se preocupar com a agudeza poética, Du_Bod desenha um Brasil desigual, mascarado

e refém das classes favorecidas. O sujeito é sobreposto pelo caos da guerra em que vive. O eu-lírico se dispõe a lutar contra as mazelas sociais e convida o leitor a refletir sobre a sua participação neste processo de mudanças: “O jeito é se unir e ir pra rua”. E ao mesmo tempo vai tecendo seu desabafo: “A vida continua / Sou mais um pobre brasileiro / Da Silva, sou da selva / Sou guerreiro” (DU_BOD, 2008, p. 41).

Nas últimas estrofes, o sentido da escrita marginal é realçado e as críticas ficam mais

afiadas.

Reivindicando meus direitos Como qualquer cidadão Usando e abusando Da liberdade de expressão Tenho muita munição A bala é a fala e tem poder Quando a mente se rebela Faz até o chão tremer Denunciando a miséria Que eu vejo por aqui Se uma língua Incendeia uma cidade

Page 74: REVISTA QUERUBIM Ciências Humanas Ciências Sociais · Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e ... gestos de

Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 11 Nº26 vol. 01 – 2015 ISSN 1809-3264

Página 75 de 112

Pus fogo no país. (DU_BOD, 2008, p. 41)

Segundo Hollanda, “a força estética mas também política da palavra é descoberta pela

periferia. A palavra poética que encanta mas também o poder que quem detém e manipula com destreza e segurança a prática da palavra cotidiana, da eficácia socio-econômica dos muitos usos da palavra. Nitroglicerina pura” (HOLLANDA, 2010). Assim, pode-se definir o estilo do poema / rap: nitroglicerina pura, no qual, une vozes pelo mesmo objetivo: “falo por milhões / Mas, nem cem param pra ouvir” (DU_BOD, 2008, p. 42), principalmente, porque “o silêncio dos marginalizados é coberto por vozes que se sobrepõem a eles, vozes que buscam falar em nome deles, mas também, por vezes, é quebrado pela produção literária de seus próprios integrantes” (DALCASTAGNÈ, 2012, p. 17).

Como um estilo de escrita próprio, o autor classifica o seu texto como protesto e o

cotidiano como uma guerra: “Nessa guerra eu ando armado / com uma caneta / e um papel de caderno” (DU_BOD, 2008, p. 42). E desse modo, os textos marginais vão se consolidando no cenário literário brasileiro, novas vozes ecoam de todas as partes do país, pedindo passagem para serem ouvidas, como sugere Ferréz: “Não somos o retrato, pelo contrário, mudamos o foco e tiramos nós mesmos a nossa foto” (FERRÉZ, 2006). Algumas considerações

A coletânea Pelas periferias do Brasil (2008), organizada por Alessandro Buzo se consolidou

pelo objetivo de dar voz a escritores de diferentes comunidades brasileiras que não tinham suas obras publicadas e reconhecidas. A expressão literária dos guetos alcançou a imprensa, a universidade e, principalmente, a crítica, que tem se debruçado nos últimos anos em compreender o universo ficcional de seus representantes, revelando as especificidades do movimento denominado marginal.

O poema / rap “Raio-x do país” faz parte desta produção artística contemporânea. Este

estudo contemplou as análises sociológicas do texto, apontando que as experiências do cotidiano do autor Du_Bod contaminam, ou melhor, tornam matéria poética. Como o título propõe, viu-se um diagnóstico preciso das condições calamitosas de quem vive entre os becos e vielas das periferias brasileiras. O eu-poético mostra-se inconformado com sua situação, almeja melhorias para os seus; a voz que ecoa desconstrói, recria e reafirma o discurso mantido pelas classes providas de bens de consumo. Portanto, concluiu-se que o poema / rap de Du_Bod é a arte que vai “Contra o racismo, a intolerância e as injustiças sociais das quais a arte vigente não fala” (VAZ, 2007), destituindo o olhar segregatório sobre os sujeitos oriundos das periferias, favelas e morros. Referências DALCASTAGNÈ, Regina. Literatura brasileira contemporânea: um território contestado. Vinhedo: Editora Horizonte/ Rio de Janeiro: Editora da Uerj, 2012. DU_BOD. Raio-x do país. In: BUZO, Alessandro. (Org.). Pelas periferias do Brasil. São Paulo: Suburbano convicto. vol. 2, p. 39-42, 2008. FERRÉZ. Manifesto de abertura do livro Literatura Marginal. Disponível em: < http://editoraliteraturamarginal.blogspot.com.br/2006/12/manifesto-de-abertura-do-livro.html>. Acesso em: 06 jun. 2014. HOLLANDA, Heloisa Buarque de. A questão agora é outra. Disponível em: <http://www.heloisabuarquedehollanda.com.br/a-questao-agora-e-outra/>. Acesso em: 06 jun. 2014. SILVA, Rogério de Souza. Cultura e violência: autores, polêmicas e contribuições da literatura marginal. São Paulo: Annablume, 2011.

Page 75: REVISTA QUERUBIM Ciências Humanas Ciências Sociais · Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e ... gestos de

Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 11 Nº26 vol. 01 – 2015 ISSN 1809-3264

Página 76 de 112

VAZ, Sérgio. Manifesto da antropofagia periférica. Disponível em: < http://colecionadordepedras.blogspot.com.br/2007/10/manifesto-da-antropofagia-perifrica.html>. Acesso em 06 jun. 2014. Enviado em 30/04/2015 Avaliado em 15/06/2015

Page 76: REVISTA QUERUBIM Ciências Humanas Ciências Sociais · Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e ... gestos de

Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 11 Nº26 vol. 01 – 2015 ISSN 1809-3264

Página 77 de 112

A IMPORTÂNCIA DA EDUCAÇÃO AMBIENTAL COMO ATIVIDADE TRANSDISCIPLINAR NO ENSINO FUNDAMENTAL

Heloisa Carla Xavier Marthos dos Santos24 Samanta Gallo Cabral25

Talal Suleiman Mahmoud26 Resumo A educação ambiental vem se configurando, no cenário nacional e mundial, como princípio básico para a conservação do meio ambiente e melhoria na qualidade de vida dos cidadãos. Esta prática está sendo implementada nas escolas, desde a educação básica, visando consequentemente o reflexo na formação do indivíduo. Nosso estudo buscou responder à seguinte questão: Qual a importância da educação ambiental como atividade transdisciplinar no ensino fundamental? Procuramos estabelecer, através de pesquisa bibliográfica, estabelecer uma concepção fundamentada em estudos teóricos desenvolvidos por pesquisadores da área educacional. Utilizamos os Parâmetros Curriculares Nacionais e a Constituição Federal de 1988, numa abordagem holística da educação ambiental, enfocada como um processo de construção na formação do aluno, que permite a interação e aproximação do ser humano com a natureza. Nossos resultados destacam a relevância da inserção da educação ambiental na educação escolar. Palavras-chave: Formação de alunos. Transdisciplinaridade. Ensino Fundamental. The importance of environmental education as a transdisciplinary activity in elementary education Abstrat Environmental Education (EE) is becoming a fundamental principle, here and all over the world, to preserve the environment and improve the life quality of people. Schools have been implementing EE since their early years in order to influence in the students’ formation. Our study tried to answer the following question: How important is EE as a transdisciplinar activity in basic education? Through a bibliographic review, we tried to establish a concept based on theoretical studies carried out by researchers in the education area. We used the National Curricular Parameters and the Federal Constitution of 1988, in a holistic approach of EE, seen as a building process in the students’ formation, which allows the interaction of man and nature. Our results show the relevance of introducing EE in schooling. Key words: Students’ formation. Transdisciplinarity. Basic Education. Introdução:

A educação ambiental é considerada por instituições de todo o mundo como meio

indispensável para criar e exercer maneiras cada vez mais sustentáveis de interação entre o ser humano e a natureza, com a finalidade de amenizar os problemas ambientais gerados pelo próprio homem.

24 Especialista em Formação de Profissionais na Educação pela Universidade Federal da Grande Dourados; Docente do ensino fundamental do estado do Mato Grosso do Sul em Ivinhema - MS. E-mail: [email protected]. 25 Mestre em Hospitalidade pela Universidade Anhembi Morumbi; Docente do curso de bacharelado em hotelaria da UNIOESTE em Foz do Iguaçu – PR. E-mail: [email protected]. 26 Doutor em Química pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho; Docente do curso de licenciatura em química da UFT em Araguaína –TO. E-mail: [email protected].

Page 77: REVISTA QUERUBIM Ciências Humanas Ciências Sociais · Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e ... gestos de

Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 11 Nº26 vol. 01 – 2015 ISSN 1809-3264

Página 78 de 112

Sabe-se que a manutenção consciente do planeta pelos seres humanos envolve assuntos de

atitudes cotidianas, sendo de suma importância para o bem estar de todos os seres vivos, e por este motivo a temática de educação ambiental torna-se um assunto de extrema urgência e relevância para ser discutido nas escolas, no intuito de auxiliar na formação e sensibilização dos alunos para as causas ambientais.

Neste contexto, faz-se necessário enfatizar a temática ambiental no ensino básico

destacando o verdadeiro entendimento da existência de vida no planeta, bem como as relações entre os seres, ressaltando o valor do ser humano como parte integrante do meio ambiente, no qual suas atitudes acarretam resultados impetuosos ao ambiente, que se reflete em todas as formas de vida.

Consideradas essas determinações, este estudo buscou responder à seguinte questão: Qual

a importância da educação ambiental como atividade transdisciplinar no ensino fundamental? Nesta direção, o objetivo geral para solucionar a questão foi a realização de uma leitura fundamentada do currículo, enfatizando a importância da educação ambiental como atividade escolar.

O objetivo especifico centrou-se num estudo bibliográfico para analisar o valor da inserção

da educação ambiental como atividade escolar para a formação integral dos alunos e verificar o favorecimento da educação ambiental aplicada de maneira transdisciplinar.

Para tanto foi adotada uma metodologia de caráter bibliográfico, através de uma

abordagem teórica a respeito da educação ambiental, por documentos tais como: a Constituição Federal do Brasil de 1988, os Parâmetros Curriculares Nacionais, leis e decreto; além de fundamentação em estudos desenvolvidos por pesquisadores da área educacional como Mauro Guimarães, Alexandre de Gusmão Pedrini, Genebaldo Freire Dias dentre outros para elaboração de um ponto de vista sistêmico e contemporâneo da relevância da educação ambiental no ensino fundamental.

Assim, com a finalidade de construir um artigo de caráter científico para a formação de

profissionais em educação, o presente artigo está estruturado em duas seções. A primeira seção denominada “Descrição da Problemática de Educação Ambiental”, sendo

esta subdividida em quatro: “interação ser humano e meio ambiente”, “envolvimento da educação ambiental no processo educativo”, “papel da educação ambiental no ensino fundamental”, e “Transdisciplinaridade", que em conjunto esta seção e suas subdivisões apresentam a teoria que subsidiou a análise do estudo, bem como as conclusões alcançadas. E dando fechamento ao artigo foi elaborada a segunda seção com as considerações finais.

Descrição da problemática de educação ambiental: Interação ser humano e meio ambiente

Os seres humanos em busca da plenitude vêm desenvolvendo precipitadas modificações,

interferindo bruscamente no equilíbrio dos ecossistemas e isso ocasionam sérios problemas ambientais que refletem de maneira direta em todas as formas de vida no planeta.

O controle adequado da extração de bens de consumo, tecnológicos, utilizando recursos

renováveis e não renováveis para o conforto e subsistência humana, mostram-se relevantes porque provocam alterações ambientais, as quais muitas vezes a maioria destes recursos sofre por tempos incalculáveis de reversão ou até mesmo irreversíveis.

Page 78: REVISTA QUERUBIM Ciências Humanas Ciências Sociais · Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e ... gestos de

Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 11 Nº26 vol. 01 – 2015 ISSN 1809-3264

Página 79 de 112

Por este motivo surge a necessidade urgente do desenvolvimento de programas e ações

educativas que provoquem mudanças de comportamento, valores e atitudes humanas em relação ao meio ambiente. Pois somente com a realização de uma educação direcionada aos interesses ambientais desde as séries iniciais, será possível sensibilizar os cidadãos a respeito da importância de uma exploração sustentável dos recursos naturais como água, solo, combustível, alimentos dentre outros.

Conforme cita Guimarães (1995, p. 30), “o ser humano é natureza e não apenas parte

dela”. Uma vez que “ao assimilar uma visão holística, a noção de dominação do ser humano sobre o meio ambiente perde o seu valor, já que estando integrado em uma unidade (ser humano/natureza)”, formando assim uma rede unificada.

Nesta mesma perspectiva, Moreira (1994) retrata que os estudos das relações, ou interações

homem-ambiente, não podem jamais serem realizados em separados, pois a natureza está no homem e o homem está na natureza, na qual a existencialidade humana é uma condição concreta da natureza, sendo o homem produto da história natural.

Deste modo, Meizger (2001, p. 3) alerta à relevância para com a preocupação no estudo das

interações do homem e o ambiente no qual se encontra inserido como fruto da integração da sociedade com a natureza, e as inter-relações do homem com o seu próprio espaço de vida, além das aplicações práticas em solução de problemas ambientais.

Como é lembrado por Rizzo (1996, p. 24) “o homem não se desenvolve no vazio, nem

físico, nem social e, menos ainda, alheio a emoções”, pois adquire hábitos, atitudes, valores e esquemas de raciocínio que traçam a própria personalidade, construindo e transformando o comportamento característico de cada indivíduo no decorrer de sua evolução.

Assim, segundo Guimarães (1995, p. 30) a “integração entre ser humano e ambiente” deve

ser trabalhada intensamente pelo educador para que haja o desenvolvimento de todas as atividades humanas que fomentam melhoria na qualidade de vida, desde a habitação, saneamento básico, educação, emprego e crescimento econômico.

Dessa forma, entende-se que os alunos do ensino fundamental são apresentados para o

ambiente de forma integrante dele, como o indivíduo não é formado no meio vazio tem grandes chances de passarem a respeitar e ter uma conscientização com os bens renováveis e não renováveis de que fazem uso e minimizando com isso os impactos ao meio ambiente. Envolvimento da Educação Ambiental no Processo Educativo

Dada a importância da educação ambiental no Brasil em diversos estágios do aluno na

educação escolar fez com que o governo federal promulgasse na Constituição federal de 1998 um item que assegura a efetividade desse direito, “promover a educação ambiental em todos os níveis de ensino e a conscientização pública para a preservação do meio ambiente” (BRASIL, 1998, Art. 225, § 1°, item VI).

A crescente preocupação com relação a educação ambiental, o governo federal institui a

Lei 9.795, de 27 de abril de 1999, que define “educação ambiental como processo pelo quais o indivíduo e a coletividade constroem valores sociais, conhecimentos, habilidades, atitudes e competências [...]”, sendo elas direcionadas a conservação e preservação do meio ambiente, como um componente fundamental e constante “da educação nacional devendo estar presente, de forma articulada, em todos os níveis do processo educativo, em caráter formal e não formal”, edificando

Page 79: REVISTA QUERUBIM Ciências Humanas Ciências Sociais · Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e ... gestos de

Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 11 Nº26 vol. 01 – 2015 ISSN 1809-3264

Página 80 de 112

assim os propósitos da legislação. Ainda, estabelece a educação ambiental na educação escolar onde deve ser desenvolvida no âmbito dos currículos das instituições públicas e privada, na educação básica, superior, especial, profissional, jovens e adultos de forma integrados, continuados e permanentes, não pode ocorrer em disciplina específica (BRASIL, 1999, Art. 9° e 10°).

O decreto nº 4.281, de 25 de junho de 2002, o qual regulamenta a Lei nº 9.795, sendo

apresentado no artigo 5º; a inserção da educação ambiental ressaltando: “I - a integração da educação ambiental às disciplinas de modo transversal, contínuo e permanente; e II - a adequação dos programas já vigentes de formação continuada de educadores”. Percebe-se que tanto a lei 9.795 como o decreto 4.281 promulga a maneira de realizar a educação ambiental escolar; bem como é apresentado no artigo 6º a implantação e viabilidade deste decreto, onde:

[...] deverão ser criados, mantidos e implementados, sem prejuízo de outras ações, programas de educação ambiental integrados: I - a todos os níveis e modalidades de ensino; II - às atividades de conservação da biodiversidade, de zoneamento ambiental, de licenciamento e revisão de atividades efetivas ou potencialmente poluidoras, de gerenciamento de resíduos, de gerenciamento costeiro, de gestão de recursos hídricos, de ordenamento de recursos pesqueiros, de manejo sustentável de recursos ambientais, de ecoturismo e melhoria de qualidade ambiental; III - às políticas públicas, econômicas, sociais e culturais, de ciência e tecnologia de comunicação, de transporte, de saneamento e de saúde; IV - aos processos de capacitação de profissionais promovidos por empresas, entidades de classe, instituições públicas e privadas; V - a projetos financiados com recursos públicos; VI - ao cumprimento da Agenda 21 (BRASIL, 2002, Art. 6).

Seguindo nesta mesma perspectiva, de acordo com Brasil (1996, Art. 26) - Lei de Diretrizes

e Bases (LDB), que reporta a obrigatoriedade no estudo “o conhecimento do mundo físico e natural e da realidade social e política, especialmente do Brasil”. Compreendendo o artigo 27º, inciso I, que diz respeito ao currículo na educação básica tendo “a difusão de valores fundamentais ao interesse social, aos direitos e deveres dos cidadãos, de respeito ao bem comum e à ordem democrática” (BRASIL, 1996, p. 13).

Por sua vez, os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) trazem a educação ambiental

como algo necessário e sua realização exige “mais do que informações e conceitos”, onde “a escola se proponha a trabalhar com atitudes, com formação de valores, com o ensino e a aprendizagem de habilidades e procedimentos”, para vencer o grande desafio da educação ambiental. Fazendo com que o ensino significativo contribua “para a formação de cidadãos conscientes, aptos para atuarem na realidade socioambiental de um modo comprometido com a vida, com o bem-estar de cada um e da sociedade local e global” (BRASIL, 1997, p. 12).

Para Pedrini, (1997, p. 11 e 13) “a educação consiste em um dos melhores meios para a

difusão da informação”, com princípios e métodos próprios, no qual “o educador ambiental, tal como outros especialistas pedagógicos” devem desempenhar um papel fundamental na formação e capacitação dos alunos.

Logo, o principal objetivo da implantação dos programas de educação ambiental no ensino

fundamental, é fornecer subsídios e conhecimentos a respeito do meio ambiente sustentável, proporcionando ao aluno a possibilidade de interagir no meio em que vivem com responsabilidade social pelas suas funções e ações nas quais respondam os propósitos da educação ambiental.

Neste sentido a aplicação da educação ambiental no ensino formal como uma extensão

dada ao conteúdo e à prática da educação direcionada para a resolução de problemas reais, direcionados ao meio ambiente, que exigem uma maior sensibilidade para com o ambiente natural,

Page 80: REVISTA QUERUBIM Ciências Humanas Ciências Sociais · Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e ... gestos de

Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 11 Nº26 vol. 01 – 2015 ISSN 1809-3264

Página 81 de 112

além de proporcionar uma melhoria na estrutura social dos indivíduos. Pelos benefícios que este tipo de educação pode auxiliar o estudante que lhe é esclarecido qual a verdadeira função de saber fazer suas escolhas diante aos diversos agravantes cotidianos que enfrentam no ambiente em que realiza suas atividades.

Complementando este contexto da definição de educação ambiental, Dias (2004, p.116 e

117) ressalta como sendo um processo que possibilita às pessoas apreenderem a maneira que funciona o ambiente, em que o ser humano se encontra totalmente dependente, por estar interligados (homem / meio ambiente) em todas as formas de representação humanas, refletidas em suas condutas.

Da mesma forma, este tipo de ensino busca esclarecer o modo como o ser humano

compromete e promove a sua sustentabilidade, devendo fomentar processos de participação comunitária que possam interferir no processo político, possibilitando todas as pessoas a adquirir novos conhecimentos e induzir novas formas de conduta mais responsáveis, dos indivíduos na sociedade favorecendo atitudes mais responsáveis para protegerem, conservarem e melhorarem o ambiente de forma geral.

Por todas as considerações afirmadas é que a EMBRAPA - Empresa Brasileira de Pesquisa

Agropecuária (2010) divulga a importância de implantação da educação ambiental como incentivo à “mobilização dos cidadãos a partir do reconhecimento das causas e conseqüências dos impactos sócio-ambientais que afligem todo planeta”; na busca de “satisfazer as necessidades fundamentais da humanidade ao mesmo tempo em que são respeitados os direitos” das futuras gerações em “terem acesso a um ambiente saudável” digno de cada indivíduo. Com isso, os alunos que obter educação ambiental na educação escolar terão mais propensão de ser tornarem cidadãos mais respeitosas com ambiente minimizando o impacto ambiental no planeta.

Papel da educação ambiental no ensino fundamental

A educação ambiental possui o papel fundamental de promover e estimular a percepção para que as pessoas ajam em busca da melhoria na qualidade de vida.

Segundo Brasil (1996, art. 32, § II), Lei de diretrizes de bases da educação nacional, “a

compreensão do ambiente natural e social, do sistema político, da tecnologia, das artes e dos valores em que se fundamenta a sociedade”; dando continuidade no artigo 32º, no que se referem ao item IV sobre o “desenvolvimento da capacidade de aprendizagem, tendo em vista a aquisição de conhecimentos e habilidades e a formação de atitudes e valores”; sendo “o fortalecimento dos vínculos de família, dos laços de solidariedade humana e de tolerância recíproca em que se assenta a vida social” (BRASIL, 1996, p. 12).

Segundo Tuan (1980) cada indivíduo percebe, reage e responde diferentemente às ações

sobre o ambiente em que vive, após algum tipo de experiências pode alterar sua percepção. E este ato de perceber o ambiente no qual o ser humano está inserido, aprendendo a proteger e a conservar o mesmo, é caracterizado como percepção ambiental.

Desta maneira, a percepção integrada na educação ambiental acaba servindo como

instrumento estratégico de promoção da consciência ambiental e integração da sociedade com a natureza, a pesquisa de percepção ambiental visa uma forma de vida sustentável, atrelando conhecimentos com participação, ou seja, envolvimento, compromisso e entendimento de que a responsabilidade pelo futuro do planeta e suas reais possibilidades de reverter o processo de degradação e desequilíbrio são certamente de cada cidadão, nas suas ações individuais e coletivas.

Page 81: REVISTA QUERUBIM Ciências Humanas Ciências Sociais · Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e ... gestos de

Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 11 Nº26 vol. 01 – 2015 ISSN 1809-3264

Página 82 de 112

Para Guimarães (1995, p. 30) percepção ambiental e a interpretação dos níveis e dimensões do comportamento humano fornecem, excepcionalmente, compreensão nas mudanças da paisagem. Gerando assim, um horizonte de possibilidades individuais e conjuntas de conservação deste patrimônio através de valores locais e regionais, percebido e interpretado como legado às futuras gerações de várias instâncias e conjunturas.

Neste contexto, destaca-se a maneira como o ensino formal ocasiona de certa forma a

percepção ambiental influenciada pelas condições sociais que afetam o ambiente natural, agindo sobre a vida sócio-ambiental do aluno.

Dias (2004, p. 109) salienta ainda, que não se pode entender “uma questão ambiental sem

as suas dimensões, políticas, econômicas e sociais”, bem como ecológicas, culturais, étnicas, tecnológicas, pois todas as áreas do conhecimento mostram-se integradas pelas suas causas e efeitos que refletem uma nas outras.

Por este motivo a educação ambiental deve relacionar os temas de maneira “transversal, ou

seja, reunindo ações de diferentes disciplinas, em torno de um tema”, formando uma teia de interação transdisciplinar, vinculando a percepção ambiental para melhor compreensão das inter-relações entre o homem e o ambiente em que se encontra inserido (DIAS, 2004, p. 113). O estudo da percepção ambiental assume importância para a compreensão das inter-relações entre o homem e o ambiente, bem como suas expectativas, anseios, satisfações e insatisfações, julgamentos e condutas (TRIGUEIRO, 2003).

Transdisciplinaridade

Sabendo que o meio ambiente consiste em bem de uso comum das pessoas, e garante a

qualidade de vida e a sustentabilidade humana, verifica-se, pois, a necessidade de uma educação voltada para os cuidados desse patrimônio tão precioso.

E é pensando assim, que se encontra inserida a educação ambiental através de uma nova

dimensão a incorporada ao processo educacional, trazendo discussões sobre questões ambientais e as conseqüentes transformações de conhecimento, diante de uma nova realidade a ser construída.

De acordo com Pedrini (1997), a importância da educação ambiental é principalmente

voltada para conservação das condições de sobrevivência para manutenção das futuras gerações, além de ser vista como sendo:

Uma das possibilidades de reconstrução multifacetada [...]. Isto é, uma Educação Ambiental considerada como saber construído socialmente e caracteristicamente multidisciplinar na estrutura, interdisciplinar na linguagem e transdisciplinar na ação não pode ser área profissional específica de nenhuma especialidade do conhecimento humano. Deve, de fato, ser instrumentalizada em bases pedagógicas, por ser uma dimensão da educação que proporciona a transformação de pessoas e grupos sociais [...] (PEDRINI, 1997, p. 15 – 16).

E sob, esta visão o papel fundamental da educação voltada ao meio ambiente é “fomentar

a percepção da necessária integração do ser humano com o meio ambiente”, através de uma relação harmoniosa com a natureza, possibilitando, a formação de novos conhecimentos, pela “inserção do educando e do educador como cidadãos no processo de transformação ambiental” que atualmente abrange todo quadro ambiental do nosso planeta (GUIMARÃES, 1995, p. 15). Sendo de grande importância desta compreensão pelos alunos no ensino fundamental verifica-se através de um

Page 82: REVISTA QUERUBIM Ciências Humanas Ciências Sociais · Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e ... gestos de

Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 11 Nº26 vol. 01 – 2015 ISSN 1809-3264

Página 83 de 112

conhecimento transdisciplinar de assimilação plena do funcionamento do equilíbrio dinâmico que ocorre no ambiente.

A educação formal é responsável pela “compreensão do mundo físico e social, à ampliação

e ao aprofundamento dos horizontes culturais e humanos” (COELHO, 2005, p. 59), consistindo de temas que devem ser apresentados como uma alternativa de execução para a educação ambiental, em que todas as disciplinas escolares, além de serem responsáveis por tratar desses assuntos de forma integrada, ou também chamada de forma transdisciplinar assim como trazem os PCN.

Neste sentido, os conteúdos disciplinares devem ser trabalhados tomando como base um

desenvolvimento sistematizado, na qual “aproveitando oportunidades disponíveis para levantar novas indagações a serem respondidas ao decorrer das disciplinas,” (BAZAN, 2000. p. 121), levando aos alunos a reflexão dos conteúdos e assim, relacionando suas atitudes individuais e coletivas dentro do contexto escolar, permitindo:

Por meio de pesquisa, um conhecimento mais aprofundado sobre o assunto e uma visão geral sobre temas correlatos. Permite ao professor acompanhar o desenvolvimento do aluno e sua capacidade de compreensão por meio do estudo individual, num primeiro momento, e coletivo no segundo momento. A partir de uma questão a ser investigada, os alunos podem ser motivados a pesquisar, individualmente em busca de resposta [...] (MENDES, 2005, p. 189).

Outra atividade que não pode faltar na educação ambiental é a observação, tendo em vista

a investigação de maneira informal, na qual, “as características individuais e grupais dos alunos, tende a identificar fatores que influenciam a aprendizagem e o estudo das matérias e, na medida do possível, modificá-los”. Por meio deste tipo de metodologia verifica-se o desenvolvimento da “capacidade de percepção comportamentos manifestos ou não dos alunos” (MENDES, 2005, p. 191). Considerações finais

O presente artigo buscou compreender a problemática da educação ambiental no ambiente

escolar, com o foco na leitura fundamentada no currículo, que enfatizou a utilização deste tipo de atividade escolar direcionada as questões relacionadas ao meio ambiente. Os documentos (PCN, Constituição federal, Leis, e decreto) pesquisados respaldam a importância da educação ambiental no ensino fundamental, e destaca que não deve ser ministrado uma disciplina específica e sim de forma transdisciplinar para que o aluno tenha uma visão global do meio ambiente e com as ciências interligadas.

Na ótica dos documentos pesquisados, foram demonstradas variedades e diversidades de

leis, decretos que pautam a importância da educação ambiental na educação escolar para haver uma construção de alunos mais conscientes para respeitar e conviver impactando cada vez menos o meio ambiente.

Destacou-se que o aluno durante a educação escolar pode assimilar a educação ambiental e

ter atitudes de preservação e conscientização com o meio ambiente, e especialmente ser racional no uso dos bens não renováveis e renováveis possibilitando que as próximas gerações também façam uso. E ainda, se tornar um adulto que consuma de forma coerente os bens materiais, agindo para o bem-estar dele e da sociedade.

Com este objetivo, foi mostrado que ensinar a educação ambiental de forma

transdisciplinar é de grande importância compreensão pelos alunos no ensino fundamental

Page 83: REVISTA QUERUBIM Ciências Humanas Ciências Sociais · Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e ... gestos de

Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 11 Nº26 vol. 01 – 2015 ISSN 1809-3264

Página 84 de 112

podendo assimilar de forma plena o funcionamento do equilíbrio dinâmico que ocorre no ambiente.

Percebe-se então, que com todos estes pontos facilitadores da educação ambiental no

ensino fundamental escolar é necessário que os professores estejam habilitados em realizar de forma transdisciplinar para obter os aspectos positivos. Com este artigo surgem novas indagações acerca do assunto e propiciando novos temas a ser pesquisados.

Além disso, o desenvolvimento eficaz da educação ambiental exige o pleno aproveitamento

de todos os meios públicos e privados que a sociedade dispõe para auxiliar na educação da população extraescolar como os meios de comunicação em massa como, por exemplo: televisão, rádio, internet, jornal, revistas, teatro etc. Referências BAZAN, N. C. Indissociabilidade ensino-pesquisa como princípio metodológico. In: VEIGA, I. P. A. & CASTANHO, M. E. L. M. (org.) Pedagogia universitária: a aula em foco. Araraquara: Papirus, 2000. p. 121. BRASIL. Constituição Federal 1988: Texto constitucional de 5 de outubro de 1988 com as alterações adotadas pelas emendas constitucionais de revisão nº 1 a 6/ 94. ed. atual. 1999. Brasília: Senado Federal, subsecretaria de edições técnicas, 1998. p.127. ______. Decreto Nº 4.281, de 25 de junho de 2002. Regulamenta a Lei nº 9.795, de 27 de abril de 1999, que institui a Política Nacional de Educação Ambiental e dá outras providências. Diário Oficial [da] república federativa do Brasil. Brasília, DF, n. 121, 26 jun 2002. Seção 1, p.13. ______. Lei n° 9.394, 20 de dezembro de 1996. Estabelece as diretrizes e bases da educação. Diário Oficial [da] república federativa do Brasil. Brasília, DF, v. 134, n. 248, 23 dez. 1996. Seção 1, p. 27834-27841. ______. Lei nº 9.795, de 27 de abril de 1999. Dispõe sobre a educação ambiental, institui a Política Nacional de Educação Ambiental e das outras providências. Diário Oficial [da] república federativa do Brasil. Brasília, DF, v. 28, n. 79, 28 abr 1999. Seção 1, p. 41-43. ______. Secretaria de educação fundamental. Parâmetros curriculares nacionais (PCN): introdução aos parâmetros curriculares nacionais. Brasília: MEC/SEF, 1997. 126p. COELHO, I. M. A universidade: o saber e o ensino em questão. In: VEIGA, I.P.A. e NAVES, M. L. de P. Currículo e avaliação na educação superior. Araraquara: JM Editores, 2005. p. 59. DIAS, G. F. Educação Ambiental: princípios e práticas. 9. ed. São Paulo: Gaia, 2004. p.109 – 117. EMPRESA BRASILEIRA DE PESQUISA AGROPECUÁRIA. Princípios da Educação Ambiental: Princípios da Educação Ambiental para Sociedades Sustentáveis e Responsabilidade Global. Disponível em: <http://www.cnpma.embrapa.br/projetos/index.php3?sec=eduam:::98>. Acesso em: 13 fev. 2010. GUIMARÃES, M. A dimensão ambiental na educação. São Paulo: Papirus, 1995. p. 15 – 30. MEIZGER, J. P. O que é ecologia de paisagem? Biota Neotropica, Campinas, v. 1, n. ½, 2001, p. 3. MENDES, O. M. Avaliação formativa no ensino superior: reflexões e alternativas possíveis. In: Veiga, I. P. A. e NAVES, M. L. P. Currículo e avaliação na educação superior. Araraquara: JM Editores, 2005. p. 189 – 191. MOREIRA, R. O que é geografia? Coleção primeiros passos, n. 48, 14. ed. São Paulo: Brasiliense, 1994, 133 p. PEDRINI, A. G. (Org.). Educação ambiental: reflexões e práticas contemporâneas. 3. ed. Petrópolis: Vozes, 1997. p. 11 – 16. RIZZO, G.; Jogos inteligentes: A construção do raciocínio na escola natural. Rio de Janeiro: Bertrand, 1996. p. 24.

Page 84: REVISTA QUERUBIM Ciências Humanas Ciências Sociais · Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e ... gestos de

Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 11 Nº26 vol. 01 – 2015 ISSN 1809-3264

Página 85 de 112

TRIGUEIRO, A. Meio ambiente no século 21: 21 especialistas falam da questão ambiental nas suas nas suas áreas de conhecimento. Rio de Janeiro: Sextante, 2003. p. 368. TUAN, Y. Topofilia: um estudo da percepção, atitudes e valores do meio ambiente. São Paulo: DIFEL. 1980. p. 288. Enviado em 30/04/2015 Avaliado em 15/06/2015

Page 85: REVISTA QUERUBIM Ciências Humanas Ciências Sociais · Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e ... gestos de

Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 11 Nº26 vol. 01 – 2015 ISSN 1809-3264

Página 86 de 112

O CANIBALISMO AMOROSO EM DENTRO DA NOITE, DE JOÃO DO RIO

Hilda Gomes Dutra Magalhães27 Resumo Neste texto verificamos a presença do canibalismo amoroso no conto Dentro da noite, publicado no livro homônimo, de João do Rio. Para atingir nosso objetivo, nos apoiamos na teoria de Robert Gessain sobre o horror que a mulher desperta em alguns homens, procurando identificar como ele se manifesta no texto analisado. No decorrer das análises foi possível constatar que no conto o personagem masculino expressa seu horror à mulher criando um ritual canibalístico em que, com a ajuda de um alfinete, retira e suga o sangue dos braços da noiva, experimentando horror e êxtase. Palavras-chave: João do Rio; Canibalismo amoroso; Horror feminae. The loving cannibalism in Dentro da noite, of João do Rio

Abstract In this text we check presence of the loving cannibalism in the text Dentro da noite, of João do Rio. To reach our objective, we use the theory of Robert Gessain about the horror that the woman provoke in some men, trying to identify him in the analysed texts. In the course of the analyses it was possible to note that in the story the masculine personage expresses his horror to the woman, creating a ritual canibalístico in what, with the help of a pin, it withdraws and sucks the blood of the arms of the fiancee, experimenting horror and ecstasy. Keywords: João do Rio; Loving cannibalism; Horror feminae.

O Decadentismo, estilo literário surgido na segunda metade do Século XIX, volta-se contra o pensamento lógico e redimensiona o eixo mimético da literatura do Ocidente, substituindo as imagens dos escritores realistas e parnasianos pela metáfora do louco.

A literatura se delineia, então, como celebração do paradoxo, sustentada pelo estilhaçamento da consciência, agora invadida pelos sustos e medos nascidos do inconsciente.

Temos o que se poderia chamar a estética do louco, caracterizada por uma latente

nevralgia, condicionando o surgimento de uma produção literária pautada na exploração do exótico, do bizarro e, sobretudo, na super excitação dos sentidos. Reivindica-se a embriaguês dionisíaca, numa linguagem submetida não mais à linearidade cartesiana, própria da lógica ocidental, mas ao transtorno do paradoxo (PEREIRA, 1975, p. 17-52), da cisão, da fratura, da experiência dos limites.

O Decadentismo, arte que cultura a máscara e o artifício, se caracteriza também pela instauração do labirinto, da angústia e do erotismo patológico. Legitima-se, nesta estética, a arte do difuso, manifesto na proliferação sígnica e imagética sustentada pela evocação de imagens produzidas sob a insígnia dos desejos reprimidos.

Temos a celebração da arte inútil, porque desobrigada de encargos morais (ABASTADO, 1979, p. 100), a superestesia, a busca do ineditismo e a exploração do mundo do inconsciente e dos traumas originais, num afrontamento trágico e revolucionário pontuado já por Baudelaire (apud

27 Doutora em Teoria da Literatura pela UFRJ, com pós-doutoramento na Sorbonne Nouvelle e na EHESS/França. Professora do Curso de Letras da UFT.

Page 86: REVISTA QUERUBIM Ciências Humanas Ciências Sociais · Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e ... gestos de

Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 11 Nº26 vol. 01 – 2015 ISSN 1809-3264

Página 87 de 112

LEMAIRE, 1978, p. 53 ss) e que assume contornos mais definidos justamente na literatura do fim do século XIX.

É neste contexto que situamos o conto Dentro da noite28, publicado no livro homônimo, de João do Rio e objeto de nossa análise. O nosso objetivo neste estudo consiste em analisar a presença do canibalismo amoroso no conto acima referido, utilizando como suporte teórico a teoria psicanalítica de Gessain (1990) sobre o horror que as mulheres causam em alguns homens, como resultado de traumas oriundos do período de amamentação.

Para Gessain (1990, p. 1), o fantôme du vagin denté é "uma das expressões do horror feminae, da angústia inspirada pelas mulheres a certos homens." Interpretando Marie Bonaparte, ele explica que o fenômeno tem suas origens na fase oral do desenvolvimento da libido, mais especificamente quando, na primeira dentição, o bebê começa a morder os seios maternos e, ao ser repelido pela figura da mãe, recalca a pulsão agressiva contra ela. Forma-se então um misto de culpa, temor e desejo de vingança que se atualizam, na idade adulta, em relações conflituosas com o sexo oposto.

Para o recém-nascido, a imagem da mãe é o seio que o nutre. A mãe é para a criança o prolongamento do seu próprio corpo. Ao morder o seio da mãe e ser repelido por ela, a criança experimenta um sentimento de castração, porque parte do que ele imagina ser ele próprio lhe é negado ou retirado. É assim que essa relação complexa entre mãe, seio e filho, passa a ser fonte não apenas de todo o desejo e prazer da criança, como também de todos os fantasmas ancestrais, que acabam por acompanhar o indivíduo e se manifestar em outras formas de representação em sua vida adulta, especialmente no seu comportamento sexual.

No contexto psicanalítico, esses fantasmas serão representados de diversos modos. Robert Gessain faz referências a sonhos de clientes, em que a imagem da mulher aparece como uma serra, aranha, caranguejo, guilhotina, bocas que mordem e mastigam, peixes ferozes, enfim, toda sorte de seres e objetos cortantes, que revelam um sentimento de castração em pessoas traumatizadas com a imagem de uma mãe fálica.

Como a relação entre os gêneros tem sido sempre concebida na sociedade machista como uma relação de seres diferentes, à mulher tem sido imputada todo tipo de imagem negativa, representando as forças indomadas, ferozes, vorazes, tomando como referencial não raras vezes, fenômenos próprios da mulher, mas que são incompreensíveis para o homem. Criam-se, a partir daí, certos tabus que perduram nas sociedades, como, por exemplo, o parto e a menstruação.

Em relação a esta última, como registra Affonso Romano de Sant’Anna (1985, p. 78),

crê-se que, se durante a menstruação uma mulher toca um espelho, ele escurece, ou se ela vai preparar uma maionese, esta desanda. As diversas religiões têm ensinamentos de como lidar com a mulher durante o mênstruo, recomendando distância e prometendo desgraças para quem a tocar. Do mesmo modo, já em Heródoto, está a narração de que entre os Nasamones, na África do Norte, era costume a noiva dormir com vários convidados para que assim se diluísse o espírito perverso que nela habita e que poderia castrar o marido. Há tribos em que os homens encarregados realizam uma tarefa em si perigosa e mortal.

No plano mítico, uma das imagens mais representativas desse medo ancestral é a Esfinge,

que, como sabemos, é a representação de um ser essencialmente antropofágico. A sua fala "Decifras-me ou te devoro" significa não apenas o mistério, mas a possibilidade da morte. É um ser

28 As citações dessa obra serão indicadas pela sigla DN, seguida da paginação.

Page 87: REVISTA QUERUBIM Ciências Humanas Ciências Sociais · Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e ... gestos de

Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 11 Nº26 vol. 01 – 2015 ISSN 1809-3264

Página 88 de 112

essencialmente devorador e, o que é mais significativo, é um ser feminino diante do qual o homem não tem condições de qualquer reação.

Esse elemento feminino, essa grande mãe, fálica e castradora, cujo corpo híbrido traz os mistérios dos pássaros, dos animais predadores e das mulheres, é um ente essencialmente canibalesco e traz em si, conforme afirma Sant’Anna (1985, p. 84),

as contradições reais e imaginárias do macho, psicológica e culturalmente dividido numa esquizofrenia entre o amor e o ódio. Sobressai um traço, um sinal, uma marca ambígua e reveladora desse trauma na metáfora da boca e dos lábios. A Madona que sorri é a mesma que devora. A abelha que produz o mel é a mesma que morde. Eva que seduz, seduz através da boca que alicia e morde a maçã do desejo. Como na interpretação que Freud fez da Giocanda de Da Vinci, ou como se constata na esfinge grega e egípcia, o sorriso inscrito na boca desenha como sedução aquilo que se oculta na voracidade oral-sádica do ser devorador.

Essa mulher misteriosa, poderosa, castradora e fálica é representada também pela serpente,

símbolo que ganha vários significados diferentes na história da civilização, representando tanto elementos positivos (como a vida, para os caldeus; a música e a poesia para os gregos) quanto negativos, como o dragão, pela sereia, pela medusa, etc.

Na cultura ocidental, a imagem feminina sempre esteve ligada tanto à santidade quanto ao

mal e, na Idade Média, a binomia da mulher devoradora e santa é representada nas personagens da fada e da bruxa, representação do maniqueísmo entre o Bem e o Mal. Diante dela, o personagem masculino apresenta dois tipos de comportamentos diante dessa mulher misteriosa: ou se cala, submisso, castrado, diante dessa mulher ao mesmo tempo sedutora e castradora, ou externa seu ódio, na forma de violência, respondendo dessa forma à ameaça que representa a mulher ao seu lado.

Em todos os casos e em todos os tempos, esse ódio é dramatizado, na literatura, em situações em que a mulher é aniquilada, tanto física quanto moralmente. Fora da ficção, esse ódio acha-se concretizado na discriminação social em relação à mulher, sobretudo nas relações violentas que pontuam o quotidiano de casais em todos os cantos do mundo.

Essa violência se revela como canibalismo no sentido estrito do termo: é quando o personagem se move pelo desejo de devorar, literalmente, o objeto de desejo, como manifestação a um só tempo de amor e ódio. Na esteira de Sade, o desejo na ponta do alfinete: os dentes do canibal

Como foi afirmado anteriormente, o personagem masculino pode se mostrar passivo ou ativo em relação a essa mulher fálica e devoradora. No segundo caso, a protagoniza todo tipo de ritual e prazeres sádicos, incluindo sacrificar, decepar, apunhalar, picar, sugar, etc. Nestas situações, o ritual canibalesco se mostra invertido e a mulher passa de caçadora a caça, de algoz a vítima. É o que podemos perceber em Dentro da noite, em que o ato canibalesco é levado a termo com requintes de sadismo, tendo como instrumento de tortura um alfinete.

A estória conta o drama de um personagem acometido de uma "moléstia incurável", que se manifesta quando a noiva põe à mostra os braços, que lhe parecem extremamente sedutores. Entretanto os braços não inspiram apenas sedução e encanto. Mais do que isso, fazem emergir sentimentos mais profundos e assim é que o encanto que os braços provocam no personagem faz-se acompanhar pelo desejo de "fazê-los sofrer":

Page 88: REVISTA QUERUBIM Ciências Humanas Ciências Sociais · Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e ... gestos de

Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 11 Nº26 vol. 01 – 2015 ISSN 1809-3264

Página 89 de 112

E uma noite estávamos no baile dos Praxedes, quando a Clotilde apareceu decotada, com os braços nus. Que braços! Eram delicadíssimos, de uma beleza ingênua e comovedora, meio infantil, meio mulher (…) Tive um estremecimento. Ciúmes? Não. Era um estado que nunca se apossara de mim: a vontade de tê-los só para os meus olhos, de beijá-los, de acariciá-los, mas principalmente de fazê-los sofrer. Fui ao encontro da pobre rapariga fazendo um enorme esforço, porque o meu desejo era agarrar-lhes os braços, sacudi-los, apertá-los com toda a força, fazer-lhe manchas negras, bem negras, feri-los… (DN, 3-4)

Notemos que a ambigüidade de sensações (encanto e terror) provocadas pela visão dos

braços nus da personagem revela que o noivo vê em a imagem da mulher devoradora. Notemos que a noiva é apresentada por ele como sendo ao mesmo tempo "meio infantil" e "meio mulher". Ela é uma personagem ambígua e, como tal, não se pode discernir nela de modo claro nem o seu lado criança e nem o seu lado mulher. Isso protege, de certo modo, o personagem dos seus medos ancestrais por algum tempo, já que, embora sendo noivos havia já algum tempo, a moléstia só se manifesta muito depois, mais exatamente diante da visão dos braços de Clotilde.

Ora, os braços, para o personagem, tanto podem abraçar quanto sufocar. E essa percepção é de tal forma ameaçadora que o transtorna completamente. Os braços nus de Clotilde atualizam no noivo o fantasma da mulher castradora, du vagin denté que aniquila, que mata. Todas essas reminiscências, na verdade inconscientes, tornam-no um personagem ativo, que se revolta contra a ditadura do seio mau e, por isso, será a partir de então, um ser clivado, vagando entre o monstro e o cavalheiro. Respondendo à ameaça que lhe parece ser a noiva, seu beijo, metaforizado na imagem do alfinete, afaga e acaricia, mas também faz destrói e faz sofrer, na medida em que provoca "manchas negras" nos braços da noiva. É assim que o don juan dá passagem ao vampiro, ao canibal, ao sádico:

Contive-me dias, meses, um longo tempo, com pavor do que poderia acontecer. O desejo, porém, ficou, cresceu, brotou, enraigou-se na minha pobre alma. No primeiro instante, a minha vontade era bater-lhe com pesos, brutalmente. Agora a grande vontade era de espetá-los, de enterrar-lhe longos alfinetes, de cosê-los devagarinho, a picadas. E, junto de Clotilde, por mais compridas que trouxesse as mangas, eu via esses braços nus como na primeira noite, via a sua forma grácil e suave, sentia a finura da pele e imaginava o súbito estremeção quando pudesse enterrar o primeiro alfinete, escolhia a posição, compunha o prazer diante daquele susto de carne que havia de sentir. (DN, 4)

A tortura é um requinte do ritual canibalesco. Notemos que o personagem passa por duas

reações diferentes ao ver os braços de Clotilde. São reações que modificam e refinam o desejo. O anseio inicial, como o próprio personagem confessa, era destruir definitivamente o objeto perturbador ("bater-lhe com pesos brutalmente"). Entretanto, durante a evolução da "moléstia", este anseio inicial cede espaço ao desejo de espetar os braços de Clotilde, desejo acompanhado da antecipação do prazer que tal ato poderia lhe proporcionar. O personagem, do qual não se sabe o nome, deseja não mais destruir definitivamente a noiva, mas sim perder e resgatar aos poucos o objeto desejado, o que se torna possível respectivamente pela picada do alfinete e pela sucção do sangue derramado:

_Mas vai doer!." "_Não, não vai." " _E o sangue? _Beberei essa gota de sangue como a ambrosia do esquecimento. E dei por mim, quase de joelhos, implorando, suplicando, inventando frases, com um gosto de sangue na boca e as frontes a bater, a bater…" Clotilde

Page 89: REVISTA QUERUBIM Ciências Humanas Ciências Sociais · Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e ... gestos de

Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 11 Nº26 vol. 01 – 2015 ISSN 1809-3264

Página 90 de 112

por fim estava atordoada, vencida, não compreendendo bem se devia ou não resistir. (DN,5)

A boca, neste trecho, demonstra a sua vocação genuinamente canibalesca. A necessidade de

morder (metaforizada na imagem do alfinete) é completada pela de sugar. E sugar não o leite, que em si não implica em sacrifício, mas o sangue, que requer o esvaimento da vida do outro. Pela mordida (pela picada do alfinete) e pela sucção, temos os dois elementos basilares da amamentação, resgatando no imaginário o trauma da mordida original e suas conseqüências assassinas: a mordida, a repressão, a vingança, a satisfação.

O líquido, elemento de grande importância na narrativa de João do Rio e que aparece geralmente relacionado à embriagues dos sentidos (álcool, morfina, éter, champanhe, etc), encontra-se no texto relacionado à morte (sangue), lembrança do seio mau a engendrar o desejo de vingança e a requisitar o ato assassino.

Ao perceber atrás da delicadeza da noiva a fera que o atormenta, o protagonista investe contra Clotilde. Os dentes, instrumento de tortura e de concretização de um erotismo doentio, se escondem na ponta do alfinete. É através dele que o personagem propõe a se relacionar, de agora em diante, com a noiva. O alfinete é, portanto, um índice de estranhamento, de afastamento por parte do amante, mas também uma forma de concretização de seus desejos mais secretos, revestindo-se ao mesmo tempo do estatuto de boca e do órgão sexual masculino:

Tirei da botoeira da casaca um alfinete e, nervoso, nervoso como se fosse amar pela primeira vez, escolhi o lugar, passei a mão, senti a pele macia e enterrei-o. Foi como se fisgasse uma pétala de camélia, mas deu-me um gozo complexo de que participavam todos os meus sentidos. Ela teve um ah! de dor, levou o lenço ao sítio picado, e disse magoadamente: _Mau!" (DN, 5-6)

Temos, no quadro acima, o que Pereira (1975, p. 42) denomina "amor do impossível",

próprio do Decadentismo, e que se realiza "de forma agônica e insatisfeita, na atração obsessiva do medonho e na realização do mal, no erotismo vampírico e na conseqüente necessidade de aviltamento da beleza amada".

Trata-se de um sentimento complexo, mescla de sensações de êxtase e dor, num constante processo de perda e resgate do objeto desejado. Isso tudo nos mostra que, em Dentro da noite, as relações entre o homem e a mulher se desenvolvem na esfera da oralidade, atualizando medos ancestrais. Os elementos carne, boca e alfinete se ajustam na medida dos dentes, do aço, da laceração e da saciedade, sustentáculos de uma história de desejos reprimidos, mas que proporcionam ao personagem profundo prazer, como se pode observar no trecho abaixo:

Quando ao cabo de alguns minutos acariciei-lhe na sombra o braço, por cima da manga, numa carícia lenta que subia das mãos para os ombros, entre os dedos senti que já tinha o alfinete, o alfinete pavoroso. Então fechei os olhos, encolhi-me, encolhi-me, e finquei. Ela estremeceu, suspirou. Eu tive logo um relaxamento de nervos, uma doce acalmia. Passara a crise com a satisfação, mas sobre os meus olhos os olhos de Clotilde se fixaram enormes e eu vi que ela compreendia vagamente tudo, que ela descobria o seu infortúnio e a minha infâmia. (DN, 6)

Como se pode observar pelas considerações da última frase, o personagem é plenamente

consciente do que faz e inclusive se mortifica com isso. É o que ele próprio denomina uma infâmia. Entretanto é exatamente essa infâmia a fonte de seu supremo prazer, o que nos mostra que o protagonista é um sujeito clivado entre o amor e o ódio e, como tudo vê pelas lentes de seu

Page 90: REVISTA QUERUBIM Ciências Humanas Ciências Sociais · Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e ... gestos de

Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 11 Nº26 vol. 01 – 2015 ISSN 1809-3264

Página 91 de 112

imaginário doentio, também enxerga em Clotilde duas facetas contraditórias: a fada e a bruxa. E é essa mulher má, fruto de sua imaginação, que o sujeito quer dominar e fazer sofrer. Por isso, na trilha de Sade, ele a submete ao ritual do alfinete.

Esse ritual é essencialmente canibalístico e sacrificial. Ora, recorrendo a Bataille (1989, p. 61), veremos que o sacrifício se constitui numa forma de redução da presença de elementos perturbadores, tirando seus efeitos "da oposição obtida ao marcar a pureza, a nobreza da vítima e dos lugares". No trecho citado, o desejo de "causar manchas negras" remete-nos, mais do que à simples necessidade de massacrar o corpo, ao anseio de atacar uma relação estruturada. Ataca-se a relação amorosa e, "em particular a forma específica do erotismo feminino" (ALBERONI, 1988, p. 78).

É então que Clotilde reconhece no noivo não o príncipe, mas o assassino, apresentando o amor, neste caso, uma dupla face: a da felicidade e a do horror. Um horror que é compartilhado pelos dois, uma vez que o próprio personagem se horroriza com os seus desejos sádicos:

Oh! Justino, não dormi. Deitado, a delícia daquela carne que sofrera por meu desejo, a sensação do aço afundando devagar no braço da minha noiva, dava-me espasmos de horror! Que prazer tremendo! E apertando os varões da cama, mordendo a travesseria, eu tinha a certeza de que dentro de mim rebentara a moléstia incurável. Ao mesmo tempo que forçava o pensamento a dizer: nunca mais farei essa infâmia!, todos os meus nervos latejavam: voltas amanhã; tens que gozar de novo o supremo prazer! Era o delírio, era a moléstia, era o meu horror…" (DN, 6)

O personagem se vê dividido entre os sentimentos de pena, remorso, horror e prazer,

passando a representar um homem em crise, protótipo do personagem da ficção decadentista e que se acha "acometido por um lancinante horror vacui e dividido consigo mesmo, arrasado por solicitações contraditórias." (PEREIRA, 1975, p. 35)

Entretanto, mesmo sofrendo terríveis dramas de consciência, o protagonista não consegue se desvencilhar da "moléstia fatal", e o sacrifício tem continuidade num espetáculo em que o erotismo, requisitando, na perspectiva sadeana, a tortura e o esquartejamento (SADE, 1953, p. 254-257), mostra o seu lado destruidor, mórbido.

Estabelece-se entre o monstro e sua noiva (a bela e a fera), uma espécie de contrato em que as cláusulas reeditam o ritual de Drácula:

Não lhe via a carne mas tinha-a mareada, ferida. Cosi-lhe os braços! Por último perguntava: "Fez sangue, ontem?" E ela, pálida e triste, num suspiro de rola: Fez… Pobre Clotilde! A que ponto eu chegara, na necessidade de saber se doera bem, se ferira bem, se estragara bem! E no quarto, à noite, vinham-me grandes pavores súbitos ao pensar no casamento, porque sabia que se a tivesse toda havia de picar-lhe a carne virginal nos braços, no dorso, nos seios… (…) Em um mês ela emagreceu, perdeu as cores. Os seus dois olhos negros ardiam aumentados pelas olheiras roxas. Já não tinha risos. (DN, 8)

Através das suas "mordidas" e das suas "sugadas", o noivo devora aos poucos a noiva:

acabam-lhe os risos, as cores e as carnes. Trata-se da concretização de um drama psicológico vinculado à primeira infância, que é atualizado na mordida. Por medo da mulher devoradora, o personagem assume o papel de canibal, sendo que, no conto, boca dentada é metaforizada no alfinete, ocupando um espaço central no texto.

A constante recorrência a tal metáfora permite-nos situar os traumas psíquicos emergentes no livro citado na esfera da oralidade do desenvolvimento da libido e afirmar que a relação

Page 91: REVISTA QUERUBIM Ciências Humanas Ciências Sociais · Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e ... gestos de

Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 11 Nº26 vol. 01 – 2015 ISSN 1809-3264

Página 92 de 112

homem/mulher acha-se marcada pela alternância dos sentimentos de amor e ódio, de desejo de destruição e de arrependimento, caracterizando-se assim a existência do fantôme du vagin denté como fundamento estrutural do conto. Referências ABASTADO,Claude. Mythes et rituels d'écriture. Paris: Complexer, 1979. ALBERONI, Francesco. O erotismo. Trad. Élia Bdel. 2a. ed.Rio de Janeiro:Rocco,1988. BATAILLE, Georges. A literatura e o mal. Trad. Suely Bastos. Porto Alegre: LPM, 1989. GESSAIN, Robert. Vagina dentada na clínica e na mitologia. Trad. Affonso Romano de Sant'Anna. Apostila xerocopiada. Pós-Graduação, UFRJ, 1990. LAPLANCHE, J. e PONTALIS, J. B. Vocabulário da psicanálise. 5a. ed. Trad. Pedro Tamen. Rio de Janeiro, Martins Fontes, 1979. LEMAIRE, Anika Rfflet. Lacan. Trad. Francisco J. Millet. Barcelona: Edhasa, 1971. PEREIRA, José Carlos S. Decadentismo e simbolismo na poesia portuguesa. Coimbra: Centro de Estudos Românicos, 1975. RIO, João do. Dentro da noite. Rio de Janeiro: Inelivro, 1978. SADE, Donatien Alphonse de. Les crimes de l'amour. Paris:Jean Jacques Pauvert, 1953. SANT'ANNA, Affonso Romano de. O canibalismo amoroso na literatura brasileira. 2a. ed. São Paulo: Brasiliense, 1985. Enviado em 30/04/2015 Avaliado em 15/06/2015

Page 92: REVISTA QUERUBIM Ciências Humanas Ciências Sociais · Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e ... gestos de

Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 11 Nº26 vol. 01 – 2015 ISSN 1809-3264

Página 93 de 112

CONHECENDO AS UNIDADES ESCOLARES QUE OFERTAM O ENSINO MÉDIO NO MUNICÍPIO DE FORMOSA-GOIÁS29

Hugo de Carvalho Sobrinho* Mestrando em Geografia pela Universidade de Brasília

Resumo O presente artigo foi produzido a partir de encaminhamentos e discussões realizadas durante a implementação do estágio supervisionado em Geografia, componente curricular obrigatório nos cursos de licenciatura. A proposta foi conduzida com o objetivo de conhecer as unidades escolares que ofertam o ensino médio no município de Formosa-Goiás. A pesquisa se caracteriza como exploratória e descritiva realizada pelos acadêmicos do 4º ano do curso de licenciatura em Geografia da Universidade Estadual de Goiás (UEG) – Câmpus Formosa e organizada pelo bolsista* em pró-licenciatura. Percebe-se que tais identificações e caracterizações contribuem de forma significativa para os estagiários e futuros estagiários na escolha das instituições que irão contribuir para a formação docente no município, além de destacar as discrepâncias em relação às escolas caracterizadas. Palavras-chave: Identificação. Caracterização. Ensino Médio. Abstract This article was produced from referrals and discussions held during the implementation of supervised training in geography, compulsory curricular component of the degree course in geography . The proposal was conducted in order to know the school units that offer high school in the city of Formosa , Goiás . The research is characterized as exploratory performed by students from the 4th year of the degree course in Geography from the State University of Goiás (UEG) - Campus Formosa and organized by scholarship student* in pró-licenciatura. It is perceived that such identifications and characterizations contribute significantly to the trainees and future trainees in the choice of institutions that will contribute to teacher training in the city , besides highlighting the discrepancies regarding the featured schools. Keywords: Identification . Characterization. Secondary School. Introdução

Este trabalho tem como objetivo apresentar um levantamento de informações que visou identificar e caracterizar as instituições públicas que ofertam o ensino médio no município de Formosa – Goiás no ano de 2014. Nesse sentido foi possível levantar o histórico, a estrutura física e organizacional das instituições. A caracterização está baseada em pesquisa exploratória realizada pelos acadêmicos do 4º ano do curso de Licenciatura em Geografia pela Universidade Estadual de Goiás – Câmpus Formosa, além de dados dos indicadores educacionais de site oficiais. As fontes utilizadas foram o banco de dados online do instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira, que é uma autarquia federal vinculada ao Ministério da Educação (MEC) e o

29 A identificação e caracterização dos colégios que estão expostos neste artigo foi realizada no ano de 2014

pelos acadêmicos do 4º do curso de licenciatura em Geografia da Universidade Estadual de Goiás – Câmpus

Formosa por meio de visita in loco e organizada pelo mestrando* sob orientação da Professora Drª Francilane

Eulália de Souza.

Page 93: REVISTA QUERUBIM Ciências Humanas Ciências Sociais · Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e ... gestos de

Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 11 Nº26 vol. 01 – 2015 ISSN 1809-3264

Página 94 de 112

Sistema de Informações Gerenciais da secretaria de Educação do Estado de Goiás fornecido pela subsecretaria regional de Educação de Formosa.

De acordo com os indicadores educacionais o município de Formosa possui um total de 64

escolas urbanas e rurais, sendo 21 estaduais e, dessas 13 ofertam o ensino médio. Nesse sentido, a Lei 9394/96 (LDB) em seu 11º artigo, inciso VI, relata que os estados devem assegurar o ensino fundamental e oferecer, com prioridade, o ensino médio a todos que o demandarem. Assim, observou-se que de fato no município de Formosa o sistema de ensino estadual oferta com prioridade o ensino médio, mesmo sabendo que os sistemas de ensino (Municipal, Estadual e Federal) podem atuar em outros níveis desde que atendidas plenamente às necessidades de sua área de atuação.

Nesta perspectiva, considera-se a identificação e caracterização de tais escolas, mesmo que

de forma sucinta, como relevante, pois se trata de identificar e compreender alguns aspectos importantes, principalmente, para os estagiários da Universidade Estadual de Goiás - Câmpus Formosa, devido a mesma ser um pólo de formação docente.

Nesse sentido, para um melhor entendimento acerca desse trabalho optamos em organizá-

lo em quatro momentos. Inicia com uma breve caracterização do município de Formosa – Goiás, em seguida destacamos informações sobre a quantidade de alunos matriculados no ensino médio no ano de 2014, passando para a caracterização das unidades escolares em três aspectos: histórico, estrutura física e organizacional e, por fim, as considerações finais. O município de Formosa/Goiás

Monti (2007) evidencia que a criação de Brasília foi um marco relevante para o crescimento

da cidade de Formosa - Goiás. Novas rodovias foram construídas no município, no qual teve seu desenvolvimento impulsionado. Atualmente, segundo os dados do Plano Diretor do município de Formosa (BRASIL, 2003), esta cidade está localizada na latitude 15°32'14"S e longitude 47°20'04"W, com uma altitude média de 918 m. O município de Formosa possui cerca de 108.503 habitantes, de acordo com a estimativa do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) de 2013.

Em questão de sua localização no estado de Goiás o município faz parte da mesorregião do

Leste goiano e na microrregião do Entorno do Distrito Federal (figura 1). A sede do município se localiza a 79 km da Capital Federal e a 280 km de Goiânia, capital do estado de Goiás. Devido, principalmente, à proximidade com o Distrito Federal (DF), a cidade convive com grande fluxo migratório, destacando-se a migração pendular, o que acaba gerando especulação imobiliária e, por vezes, ocupação desordenada. Atualmente o município –– juntamente a outros do entorno do DF –– faz parte da Região de Desenvolvimento Integrado do Distrito Federal e Entorno (RIDE).

Possuindo uma área territorial de 5.811,790 (km²), e uma densidade demográfica de 17,22

(hab/km²). Sua economia é predominantemente voltada ao setor de serviços. O Índice de Desenvolvimento Humano Municipal (IDH-M) do ano 2010 é de 0,744, considerado de médio desenvolvimento humano, segundo o Atlas de Desenvolvimento Humano do ano 2013 elaborado pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento no Brasil (PNUD, 2013).

Page 94: REVISTA QUERUBIM Ciências Humanas Ciências Sociais · Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e ... gestos de

Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 11 Nº26 vol. 01 – 2015 ISSN 1809-3264

Página 95 de 112

Figura 1 - Localização de Formosa - GO em relação ao entorno do Distrito Federal.

Fonte:

Teixeira, 2005.

Número de alunos matriculados no Ensino Médio no município de Formosa – Goiás no ano de 2014

É oportuno apresentar os dados fornecidos pela subsecretaria Regional de Educação de

Formosa referente aos alunos do Ensino Médio matriculados na rede Estadual de ensino no primeiro semestre do ano de 2014, pois é relevante perceber o quantitativo, além por meio dele identificar as escolas que ofertam esse nível de ensino (Figura 02). Figura 02 – Planilha do quantitativo de alunos matriculados frequentes, fornecido pela subsecretaria Regional de Educação - Formosa referência: 04 / 2014

Page 95: REVISTA QUERUBIM Ciências Humanas Ciências Sociais · Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e ... gestos de

Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 11 Nº26 vol. 01 – 2015 ISSN 1809-3264

Página 96 de 112

Fonte: Goiás (2014) Observa-se que, no primeiro semestre temos um quantitativo de 1.373 alunos matriculados

na 1º série, 1.193 na 2º série e 1.225 na 3º série com um total de 3.791 matriculados na modalidade anual, além de 16 alunos matriculados no ensino médio semestral, assim totaliza-se 3.807 de alunos matriculados no ensino médio.

Passemos a caracterização dos colégios.

Colégio Estadual Americano do Brasil De acordo com o Projeto Político Pedagógico (2014) o colégio foi o primeiro Grupo

Escolar de Formosa - Goiás, surgindo através do decreto nº 4.658 de 23 de maio de 1934. Esse grupo escolar se transformou em Escola Estadual Americano do Brasil e, atualmente, Colégio Estadual Americano do Brasil. O colégio se localiza no Centro da cidade de Formosa – GO, na Rua Professora Alta Vidal, 320. Esse estabelecimento de ensino funciona nos três períodos: matutino (Ensino Médio), vespertino (Ensino Fundamental II) e noturno (Ensino Médio). Conforme observado e exposto no Projeto Político Pedagógico, o colégio possui 07 salas de aula, 01 biblioteca, 01 sala dos professores, 01 laboratório de informática, 01 cantina, 03 banheiros, 01 sala com data show, além de secretaria e uma sala da direção, em uma área total de 4.230,56 m². Possui recursos audiovisuais para auxiliar no processo de ensino-aprendizagem. Dentre esses recursos se destacam: quadro-branco; filmes; álbum seriado; exposições; murais didáticos; retroprojetor; filmadora; mapas e globos; jogos pedagógicos; livros didáticos, informativos e literários; televisão entre outros. A quantidade de profissionais que atuam no colégio é bastante expressiva, 46 em sua totalidade, sendo uma diretora, uma vice-diretora, uma secretária geral, uma gerente de merenda, uma coordenadora do PDE (Plano de Desenvolvimento da Escola), três auxiliares de serviços administrativos, quatro coordenadores pedagógicos, dez executores de serviços gerais, um vigia e 23 professores, distribuídos nos três turnos.

Colégio Estadual Hugo Lôbo O atual colégio Estadual “Hugo Lôbo” até então com a denominação de Ginásio Estadual

Page 96: REVISTA QUERUBIM Ciências Humanas Ciências Sociais · Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e ... gestos de

Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 11 Nº26 vol. 01 – 2015 ISSN 1809-3264

Página 97 de 112

foi criado pelo Decreto-Lei nº 3.243, de 11 de Novembro de 1960 e inaugurado no dia 23 de março de 1964. As suas atividades se iniciaram no prédio que passou a ser conhecido como Vietnã, alcunha dada pelos próprios alunos, com 06 turmas, sendo 03 (três) de 1º série; 01(uma) de 2º; 01 (uma) de 3º e 01 (uma) de º série ginasial. Assim, em 1970, foi construído um anexo, que passou a ser o prédio principal, composto de seis salas, secretaria, diretoria, sala dos professores e banheiros. Neste mesmo ano, com a criação do curso técnico de contabilidade, passou o Ginásio Estadual a denominar-se Colégio Estadual, o que pertence até hoje. Em 1992 foram construídas mais 06 (seis) salas de aula; 01 (um) laboratório; 02 (dois) banheiros e 01 (uma) cantina. Em 1993 foi construída uma biblioteca e a cantina foi ampliada. Em 1994 foi construída mais uma sala de aula. Em 2001 o Colégio passou por uma reforma geral. Foram criados laboratórios de Ciências, de Línguas e de Informática. Das salas duas foram transformadas em biblioteca, duas em laboratório de informática, uma em arquivo morto e outra em laboratório de línguas. Em 2002 deixa de atuar com o ensino fundamental, permanecendo o ensino médio nos três turnos (Projeto Político Pedagógico, 2014). O colégio localiza-se na Avenida Valeriano de Castro nº 704, Centro da cidade.

Conforme observado e exposto no Projeto Político Pedagógico (2014), o colégio possui: 12

salas de aula; 02 banheiros para o pessoal administrativo; 04 banheiros para os alunos; 01 sala de direção; 01 sala para secretaria; 01 sala para Biblioteca; 01 Laboratório de Informática; 01 Laboratório de Línguas; 01 Laboratório de Ciências; 02 salas para cantina; 01 depósito para móveis; 02 Almoxarifados; 01 sala para professores; 02 Quadras para esporte (descobertas). O colégio possui ainda, material didático pedagógico, tais como: quadro-negro; televisão; filmes; notebooks; murais didáticos; retroprojetor; filmadora; mapas históricos e globos; jogos pedagógicos; livros informativos e literários; televisão entre outros. Nesse sentido o colégio funciona em três turnos – matutino, vespertino e noturno – com um número de 1.058 alunos matriculados e 69 funcionários sendo: 01 diretor; 01 Vice – diretor; 01 secretário; 01 Coordenador do Projeto Jovem do Futuro; 03 Coordenadores Pedagógicos; 40 Professores; 03 professores dinamizadores de biblioteca; 04 auxiliar administrativo; 08 Auxiliar de Serviços Gerais; 02 Guardas; 05 Merendeiras.

Colégio Estadual Professor Domingos de Oliveira Segundo as com as informações fornecidas pela direção do colégio, suas atividades

iniciaram em 1983 e oferta atualmente o ensino fundamental e Médio. O colégio se localiza no bairro Jardim das Oliveiras, ao lado da estação de tratamento de água de Goiás na área urbana de Formosa- GO.

O quadro de funcionários da escola atualmente se constitui da seguinte forma: 01 diretora;

01 vice-diretora; 01 coordenadora; 01 secretária; 03 auxiliares de secretaria; 08 auxiliares de serviços gerais; 02 seguranças e 10 professores. A escola possui 04 salas de aula; 02 banheiros (Masculino e Feminino); 01 sala de direção; 01 coordenação; 01 sala de professores. E recursos pedagógicos básicos para o processo de ensino-aprendizagem.

Colégio Estadual Professora Maria Angélica de Oliveira O colégio foi inaugurado no dia 10 de maio de 1964, porém houve uma reinauguração para

a entrega de um prédio com novas estruturas em 1999. O colégio está localizado na Avenida Circular Nº 20, Setor Bosque na zona urbana da cidade de Formosa.

No que se refere a sua estrutura física, o colégio possui: 06 salas de aula, 04 banheiros,

sendo 02 para alunos com necessidades especiais; 01 laboratório de informática, 01 sala para os professores, 01 quadra esportiva descoberta, 01 pátio e 01 biblioteca que funciona nos períodos matutino e vespertino.

Page 97: REVISTA QUERUBIM Ciências Humanas Ciências Sociais · Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e ... gestos de

Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 11 Nº26 vol. 01 – 2015 ISSN 1809-3264

Página 98 de 112

Possui vários recursos pedagógicos tais como: televisão, retroprojetores, copiadora, DVD, um datashow, aparelho de som. O atual quadro de funcionários do colégio é composto por 19 professores e 15 funcionários administrativos, isto é, limpeza, secretaria, vigias e merendeiras.

Colégio Estadual Doutor José Balduíno de Souza Décio O colégio foi fundado no ano de 1947 e em 1996, passou de grupo escolar para

estabelecimento de ensino por ministrar o ensino fundamental. Em 1998 recebeu o título de Colégio Estadual e implementou o ensino médio não profissionalizante. Está localizado na Rua Waldemir de Miranda nº 480 no centro de Formosa.

De acordo com a direção a instituição atende aproximadamente 480 alunos. Possui 05 salas de aula; 01 sala de professores; 01 cantina; 01 laboratório de informática; 02 banheiros; 02 banheiros para alunos especiais; 01 banheiro para professores; 01 quadra de esportes; pátio. No que se refere aos recursos pedagógicos encontra-se: 01 televisão; 04 copiadoras; 04 datashow; 01 aparelhos de som; 01 retroprojetor; mapas; globos entre outros. Já no que tange ao quadro de profissionais que atuam na escola são: 37 funcionários entre a gestão, coordenadores, auxiliares de secretaria; serviços gerais; guardas e professores.

Colégio Estadual Professor Sérgio Fayad Generoso O colégio foi fundado no ano de 1994, com 18 salas de aula atuando no ensino

fundamental I e II e ensino médio. O colégio se localiza na Avenida Maestro João Luiz do Espírito Santo, S/N, no bairro Formosinha na cidade de Formosa. Atualmente, o colégio aderiu por meio da Lei 17.920 que institui os Centros de Ensino em Período Integral – CEPI -, no âmbito da Secretaria de Estado da Educação.

A escola se apresenta com uma boa estrutura física e organizacional. Possuindo 18 salas de

aula; 05 sanitários; 01 direção; 01 secretaria; 01 sala de professores; 01 cantina; 01 biblioteca; 01 laboratório de ciências; 01 sala de informática; 01 laboratório de Matemática; 01 secretaria; 01 sala para a rádio escola; 01 quadra de esporte; 01 almoxarifado.

Atualmente possui um quantitativo de 52 servidores, distribuídas entre secretaria, copeiras;

coordenadores; direção; auxiliares de serviços gerais e 22 professores.

Colégio Estadual Helena Nasser O colégio segundo a direção foi fundado no ano de1990 como rede municipal e a partir de

1996 passou a ser estadual funcionando apenas com o ensino médio, em 2013 passou a integrar o ensino fundamental para suprir as necessidades das comunidades. O colégio Estadual Helena Nasser está situado na Rua 18 quadra 59 lote 01 do Jardim bela Vista, em Formosa Goiás.

O colégio atende segundo a direção 333 alunos, com uma média de 25 a 30 alunos por sala com a faixa etária de 09 a 25 anos de idade. Funciona em uma casa adaptada temporariamente para as necessidades dos alunos, pois não possui prédio próprio. Nesse sentido, possui: 05 salas de aula; 01 sala de secretaria/direção; 01 sala de professores/coordenação; 01 pequena cantina; 02 banheiros; 01 bebedouro elétrico. É importante destacar que, o colégio não possui pátio, quadra de esportes, biblioteca e laboratório de informática.

O colégio conta com: 21 professores; 03 coordenadores; 09 funcionários administrativos

(merendeiras equipe de limpeza e guardas); 03 funcionários do grupo gestor (diretor, vice-diretor e secretário).

Colégio Estadual Distrito Santa Rosa O Colégio foi construído em 1971 e teve sua unidade cedida pelo município para o estado

Page 98: REVISTA QUERUBIM Ciências Humanas Ciências Sociais · Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e ... gestos de

Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 11 Nº26 vol. 01 – 2015 ISSN 1809-3264

Página 99 de 112

desde a década de 1990, mas um futuro colégio já está sendo construído em um espaço próprio e promete ser um colégio modelo no município de Formosa.

O colégio está a 70 km de distância da sede do município e se localiza na Praça Virgílio

Alves Ferreira nº10 Centro, Distrito Santa Rosa. O mesmo atende em grande parte a população do distrito e uma parte significativa dos alunos atendidos é do meio rural. Possui 280 alunos matriculados, sendo que 120 desses são do meio rural. O Colégio possui 05 salas de aula; 01 biblioteca; 02 banheiros; 01 cantina; 01 sala de coordenação; 01 laboratório de informática. O Colégio encontra-se em ótimo estado de conservação, pois recentemente a população se mobilizou para cobrar dos governantes a reforma das salas, pois a mesma encontrava-se em condições impróprias para o uso. O quadro de funcionários é composto por 11 professores, 02 vigias, 01 secretária, 02 coordenadores, 05 servidores, 01 gerente de merenda, 01 auxiliar administrativo, 04 monitores do projeto mais educação.

Colégio Estadual Vale da Esperança O colégio se localizada no Assentamento Vale da Esperança no meio rural do município de

Formosa aproximadamente 70 km de sua sede. A escola atende quatro assentamentos (Vale da Esperança, Florinda, Água Viva e Brejão), além de fazendas vizinhas. A trajetória educacional dos assentados inicia-se em 1997 quando ainda estavam no acampamento Vale da Esperança com turmas de 1ª a 4ª série em uma antiga casa que possuía duas salas de aula e uma cantina, atendendo as crianças, filhos dos moradores do acampamento. Em 2004 a subsecretaria de educação de Formosa criou o Colégio Estadual Vale da Esperança, atendendo uma das reivindicações dos trabalhadores assentados.

Atualmente o colégio é composto por 06 salas de aula; 02 banheiros (masculino e

feminino); 01 banheiro especial; 01 laboratório de informática; 01 cantina; 03 áreas de circulação; 01 estufa, 01 barracão e 01 quadra de esportes. Importante destacar que a escola foi reformada em julho de 2012. Na sua organização administrativa e organizacional se encontra da seguinte maneira: 01 diretor; 01 secretário; 01 auxiliar de secretaria; 02 coordenadores pedagógicos; 09 professores; 04 auxiliares de serviços gerais; 01 supervisora de merenda e 02 vigias. O colégio se encontra em bom estado de conservação e atendendo as séries finais do ensino fundamental e ensino médio.

Colégio Estadual Arthur Ribeiro Magalhães Filho Segundo o Projeto Político Pedagógico (2014) o colégio foi fundado no ano de 1992,

pelo decreto nº. 470 de 16 de dezembro de 1992. Onde iniciou suas instalações em um prédio disponibilizado pela Secretaria Municipal de Educação, sendo que até os dias atuais continua funcionando no mesmo local. O Colégio Estadual Arthur Ribeiro de Magalhães Filho é o único colégio do Distrito que oferece o ensino médio. O Colégio está localizado na Rua do Campo s/n - Distrito do JK - Formosa-GO.

São compostos de 09 salas de aula; 01 secretaria; 01 sala de professores; 01 Depósito; 01

laboratório; 01 cantina; 02 depósitos de merenda, 08 banheiros masculino, 02 banheiros administrativo, 01 área de circulação, 01 área coberta, 01 pátio, 01 piscina, 01 quadra de esportes coberta, possuindo várias áreas verdes e não possui biblioteca. No que se refere à estrutura organizacional do colégio possui 18 funcionários: 01 direção; 01 secretária; 01 coordenador Geral; 01 auxiliar administrativo; 01 gerente de merenda; 02 merendeiras; 02 auxiliar de serviços gerais; 02 guardas; 07 professores;

Colégio Estadual Professora Sueli Maria Nichetti De acordo com a direção do Colégio Estadual Professora Sueli Maria Nichetti o mesmo

remonta a década de 30, o colégio era conhecido como Escola Republicana Getúlio Dornelles

Page 99: REVISTA QUERUBIM Ciências Humanas Ciências Sociais · Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e ... gestos de

Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 11 Nº26 vol. 01 – 2015 ISSN 1809-3264

Página 100 de 112

Vargas, situada na fazenda Pindaíbas. A mesma foi desativada devido à baixa quantidade de alunos. Assim, a professora da unidade foi transferida para a fazenda Mandiocal, localizada distante de sua residência. Passado alguns anos a escola foi transferida mais uma vez, dessa vez para a fazenda Lagoa Dom Prudêncio, porém ainda continuava muito distante para a professora e os alunos que moravam em fazendas da região, mas uma vez, a distância foi um fator preponderante para a redução do número de alunos. Contudo, somente na década de 60 a escola foi transferida para o Distrito do Bezerra. Em 1962 foi inaugurada a Escola Reunida Professor Ribeiro, que posteriormente, passou a se chamar Escola Povoado do Bezerra. O prédio tinha apenas duas salas de aulas e não possuía cantina e diretoria. Atualmente o colégio está localizado na Rua principal S/N no Distrito do Bezerra no município de Formosa.

O colégio possui 07 salas de aulas; 03 banheiros 01biblioteca; 01 cantina, 01 quadra

esportiva; 01 sala de professores. O quadro de funcionários é composto por 17 professores; 18 funcionários administrativos e serviços gerais. Funciona nos três períodos, matutino (com fundamental e médio), vespertino (apenas com fundamental) e noturno (somente com ensino médio). Possui também recursos audiovisuais, tais como, aparelho de DVD, Retroprojetor; televisão; computadores. Considerações finais

É sabido que as estruturas físicas e organizacionais das unidades escolares favorecem o

processo de ensino-aprendizagem. Assim, esse trabalho teve a preocupação em destacar como se encontram as estruturas físicas e organizacionais dos colégios que ofertam o ensino médio em Formosa-GO. Não podemos deixar de mencionar que as unidades escolares localizadas nas periferias da cidade se encontram mais sucateadas em detrimento as unidades escolares mais centralizadas. Espera-se que esse artigo possa ser utilizado pelos acadêmicos, em especial, da Universidade Estadual de Goiás - Câmpus Formosa e, assim, contribuir com as escolhas das unidades escolares que irão realizar o estágio supervisionado. Referências BRASIL. Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Lei nº 9394, de 20 de dezembro de 1996. Estabelece as diretrizes e bases da educação nacional. Brasília, DF, 1996. BRASIL. Ministério da Integração Nacional. Secretaria do Planejamento e Desenvolvimento. Plano Diretor do Município de Formosa - GO. (2003). 188 p. Disponívelem:<www.integracao.gov.br/.../download.asp?.../planos_diretores/Plano _Formosa>. Acesso em: 10 dez. 2014. GOIÁS. Secretaria de Educação – SEDUC. Sistema de Informações Gerenciais – IGE. Goiânia: SEDUC – GO, 2014. INSTITUTO NACIONAL DE ESTUDOS E PESQUISAS EDUCACIONAIS ANISIO TEIXEIRA. Indicadores educacionais. Disponível em: <http://portal.inep.gov.br/indicadores-educacionais>. Acesso em: 21 nov. 2014. MONTI, Estevão Ribeiro. As veredas do grande sertão-Brasília. Ocupação, Urbanização e Resistência Cultural. Tese de Doutorado Brasília – D.F., maio/2007. 308 p. PROGRAMA DAS NAÇÕES UNIDAS PARA O DESENVOLVIMENTO - PNUD (2013). Ranking IDHM Municípios 2010. Disponível em: <http://www.pnud.org.br/atlas/ranking/Ranking-IDHM-Municipios-2010.aspx>. Acesso em: 13 dez. 2014. Enviado em 30/04/2015 Avaliado em 15/06/2015

Page 100: REVISTA QUERUBIM Ciências Humanas Ciências Sociais · Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e ... gestos de

Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 11 Nº26 vol. 01 – 2015 ISSN 1809-3264

Página 101 de 112

AS MARCAS DOCENTES NA FORMAÇÃO INICIAL EM EDUCAÇÃO FÍSICA

Hugo Norberto Krug30 Cassiano Telles31

Rodrigo de Rosso Krug32 Victor Julierme Santos da Conceição33

Resumo Este estudo objetivou analisar as percepções de acadêmicos de um curso de Licenciatura em Educação Física de uma universidade pública da região sul do Brasil sobre suas marcas docentes positivas e negativas. Caracterizamos a pesquisa como qualitativa descritiva do tipo estudo de caso. O instrumento de pesquisa foi um questionário. A interpretação das informações foi pela análise de conteúdo. Participaram 20 acadêmicos do 8º semestre do referido curso. Constatamos cinco marcas positivas e duas negativas. Concluímos que o curso estudado foi gerador de marcas positivas e negativas, estando relacionadas direta ou indiretamente ao currículo do curso e aos professores formadores. Palavras-chave: Educação Física. Formação de Professores. Formação Inicial. Marcas Docentes. The marks teaching in initial formation in physical education Abstract This study aimed to analyze the perceptions of academic of a course in Bachelor's Degree in Physical Education from a public university in southern Brazil about their teaching marks positive and negative. We characterized the research with qualitative descriptive of type case study. The instrument of research was a questionnaire. The interpretation of information was by content analysis. Participated 20 academic in 8th semester of that course. We found five marks positive and two negative. We conclude that the course studied was generator of marks positive and negative, being related directly or indirectly to the course curriculum and the teacher educators. Keywords: Physical Education. Teacher Formation. Initial Formation. Marks Teaching. Considerações iniciais

Para Sarmento e Fossati (2011), em dias recentes, discussões são pertinentes sobre o ser professor, enfocando os processos formativos, fazendo-se um recorte no preparo do futuro professor para a complexidade da docência. Nesse sentido, a escuta e a problematização das percepções de futuros professores sobre a docência são fundamentais, pois podem apontar questões importantes para a formação inicial.

Logo, torna-se importante efetuarmos estudos que tratem destas questões, pois, conforme Krug et al. (2013) deve-se voltar olhares para a formação inicial em Educação Física como campo de investigação tendo em vista que todos os cursos de Graduação em Educação Física do país

30 Doutor em Educação; Doutor em Ciência do Movimento Humano; Universidade Federal de Santa Maria; [email protected]. 2 Mestre em Educação Física; Universidade Federal de Santa Maria; [email protected] . 3 Doutorando em Ciências Médicas; Universidade Federal de Santa Catarina; [email protected]. 4 Doutor em Ciências do Movimento Humano; Universidade do Extremo Sul Catarinense; [email protected].

Page 101: REVISTA QUERUBIM Ciências Humanas Ciências Sociais · Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e ... gestos de

Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 11 Nº26 vol. 01 – 2015 ISSN 1809-3264

Página 102 de 112

sofreram modificações curriculares a partir da criação das Diretrizes Curriculares Nacionais Para o Curso de Graduação em Educação Física.

E, neste contexto, emergiu o tema ‘marcas docentes na formação inicial em Educação

Física’, pois, segundo Cavalheiro (2014), as marcas docentes matizam o que resulta do tempo vivo na memória, abstraído na interação com os formadores durante a formação inicial, mescladas às tecidas no tempo atual.

Ferri (2010) define como ‘marcas’ aqueles fatos que ficam na memória espontânea e que

trazem somente recordações positivas. Em contraposição, Cavalheiro (2014) afirma que as marcas também são aquelas que provocam algum tipo de frustração ou desencanto com a formação vivenciada que, de alguma forma, contribuem para o corte com a docência. Já Cunha (2010) diz que ao longo do processo formativo entrelaçam-se pontos de encontros e desencontros, fatos que marcam (positiva ou negativamente) e que se encontram na subjetividade das pessoas.

Assim, embasando-nos nestas premissas descritas formulamos a questão norteadora do

estudo: quais são as percepções de acadêmicos de um curso de Licenciatura em Educação Física de uma universidade pública da região sul do Brasil sobre as suas marcas docentes? A partir desta indagação delineamos o objetivo geral do estudo como sendo: analisar as percepções de acadêmicos de um curso de Licenciatura em Educação Física de uma universidade pública da região sul do Brasil sobre as suas marcas docentes positivas e negativas. Para facilitar o atingimento do objetivo geral o dividimos em dois objetivos específicos: 1) Analisar as percepções de acadêmicos de um curso de Licenciatura em Educação Física de uma universidade pública da região sul do Brasil sobre as suas marcas docentes positivas; e, 2) Analisar as percepções de acadêmicos de um curso de Licenciatura em Educação Física de uma universidade pública da região sul do Brasil sobre as suas marcas docentes negativas.

Justificamos a realização do estudo acreditando que pesquisas desta natureza oferecem subsídios para reflexões que podem possibilitar modificações no contexto da formação inicial de professores de Educação Física, bem como uma melhoria da qualidade desses profissionais na atuação docente na escola. Procedimentos metodológicos

Esta investigação caracterizou-se por ser uma pesquisa qualitativa descritiva na forma de estudo de caso. Para Triviños (1987) a pesquisa qualitativa envolve a obtenção de informações descritivas sobre pessoas, lugares e processos interativos pelo contato direto dos pesquisadores com a situação estudada procurando compreender os fenômenos segundo a perspectiva dos participantes da situação de estudo. Conforme Gil (1999) o estudo de caso se fundamenta na ideia de que a análise de uma unidade de determinado universo possibilita a compreensão da generalidade do mesmo ou, pelo menos, o estabelecimento de bases para uma pesquisa posterior, mais precisa.

Utilizamos um questionário para coletar as informações. Para Triviños (1987), mesmo o

questionário sendo de emprego usual no trabalho positivista, também o podemos utilizar na pesquisa qualitativa. A interpretação das informações coletadas pelo questionário foi realizada por meio da análise de conteúdo que, para Bardin (1977), tem três etapas: a pré-análise; a exploração do material; e, o tratamento dos resultados.

Participaram do estudo vinte acadêmicos do 8º semestre de um curso de Licenciatura em

Educação Física de uma universidade pública da região sul do Brasil. Consideramos que os acadêmicos no final do curso teriam mais pertinência para opinar sobre as questões do estudo. A

Page 102: REVISTA QUERUBIM Ciências Humanas Ciências Sociais · Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e ... gestos de

Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 11 Nº26 vol. 01 – 2015 ISSN 1809-3264

Página 103 de 112

escolha dos participantes aconteceu de forma espontânea, sendo a disponibilidade o fator determinante. Quanto aos aspectos éticos vinculados às pesquisas científicas, destacamos que todos os envolvidos assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido e as suas identidades foram preservadas. Resultados e discussões

Os resultados e as discussões deste estudo foram orientados e explicitados pelos seus objetivos específicos, pois esses representaram as categorias de análise. Essa decisão está em consonância com o que afirmam Minayo; Delardes e Gomes (2007) de que as categorias de análise podem ser geradas previamente à pesquisa de campo. Assim a seguir, apresentamos o que expuseram os futuros professores de Educação Física sobre as suas marcas docentes durante a formação inicial. As marcas docentes positivas

Nesta categoria de análise, achamos importante mencionar Luft (2000) que coloca que positivo é algo que tende a auxiliar para a melhoria de alguma coisa. Assim, para este estudo, consideramos positiva a marca docente apontada pelos acadêmicos estudados que tenderam para auxiliar em uma melhoria do desempenho docente na Educação Física Escolar durante o curso de Licenciatura em Educação Física. Nesse sentido, emergiram ‘cinco unidades de significados’ descritas na seqüência a seguir.

‘A participação nos Estágios Curriculares Supervisionados’ (dezessete citações) foi a primeira e

principal unidade de significado manifestada. Sobre essa unidade citamos Bernardi et al. (2008) que dizem que os cursos de Licenciatura precisam propiciar aos acadêmicos experiências que os coloquem frente ao contexto profissional futuro. São situações em que este resgata as suas experiências com o curso, adquiridas por meio das diferentes disciplinas oferecidas, para embasar e oferecer subsídios para a sua atuação como professor. E, entre as disciplinas que constam do currículo, destaca-se o Estágio Curricular Supervisionado (ECS) por sua relevância na formação do futuro professor, visto que esse propicia ao acadêmico um contato com a realidade escolar. Assim, na vivência de situações concretas da docência, o ECS contribui na organização de como ensinar, bem como no desenvolvimento de um processo de reflexão crítica sobre a docência. Dessa maneira, Pimenta e Lima (2004) colocam que o ECS poderá ser um espaço de convergência das experiências pedagógicas vivenciadas no decorrer do curso, como também uma possibilidade de aprendizagem da profissão docente, mediada pelas relações sociais historicamente situadas.

‘A participação em grupos de estudos e pesquisas’ (dez citações) foi a segunda unidade de

significado manifestada. A respeito dessa unidade citamos Souza (2008) que diz que a participação de alunos da graduação em grupos de estudos e pesquisas é muito relevante para a formação desse futuro professor na medida em que o mesmo percebe as possibilidades que esse espaço poderá lhe oferecer. Ilha; Marques e Krug (2010) destacam que os integrantes de grupos de estudos e pesquisas ao se reunirem num contexto de discussão, estudo, reflexão e pesquisa, podem vir a compreenderem melhor os saberes docentes, aprofundarem o seu entendimento e, ainda mobilizarem a sua articulação através da prática docente ou mesmo construírem alguns saberes vividos e percebidos posteriormente, ao se inserirem no campo de trabalho. Assim, esses grupos podem promover o desenvolvimento profissional de professores de Educação Física através da conscientização, mobilização e (re)construção dos saberes docentes.

Outra unidade de significado manifestada, a terceira, foi ‘a participação em projetos de pesquisa,

ensino e extensão’ (sete citações). Quanto a essa unidade apontamos Maschio et al. (2009) que dizem que os projetos de pesquisa, ensino e extensão surgem como uma possibilidade de aproximação da

Page 103: REVISTA QUERUBIM Ciências Humanas Ciências Sociais · Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e ... gestos de

Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 11 Nº26 vol. 01 – 2015 ISSN 1809-3264

Página 104 de 112

realidade escolar na formação inicial de professores, oportunizando experiências variadas e significativas em relação à profissão escolhida. Destacam que compreendem a participação em projetos de pesquisa, ensino e extensão como um componente essencial dos cursos de formação inicial e do desenvolvimento dos professores, uma vez que, por meio dessa participação, é possível conhecer novas possibilidades de ensinar e aprender a profissão docente.

A quarta unidade de significado manifestada foi ‘o convívio com bons professores formadores’ (cinco

citações). Relativamente a essa unidade nos reportamos a Souza; Tabanez e Silva (1998) que dizem que durante sua formação os alunos se deparam com diversos modelos de ‘bons professores’. E, nesse sentido, Pereira e Garcia (1996) afirmam que o conceito de ‘bom professor’, além de associar-se à categoria de professor, deve estar ligado a uma situação histórica dada, com implicações sociológicas, culturais e políticas, manifestadas na sua forma de ser, como pessoa e como profissional. O conceito de ‘bom’, também como categoria filosófica, é motivo de estudo desde o tempo dos sofistas gregos. O ‘bom’ está interrelacionado com o ‘bem’ e incorre em valor. O conceito de ‘bom’ também possui diversos viézes, ligados da Psicologia à Sociologia, mas para o senso comum, no qual se apóiam os valores dos alunos, o ‘bom’ corresponde ao correto, ao eficiente, à satisfação, ao apropriado. Assim, a qualidade de ‘ser bom’, implica numa série de fatores que estão ligados à competência, à proficiência, à habilidade, etc. Aquele que é considerado ‘bom’, relaciona-se à sua capacidade docente, com natureza e função educativa. Ser bom relaciona-se à questão de negar o mau, o deficiente, o incompetente, etc.

A quinta e última unidade de significado foi ‘a participação em cursos de atualização profissional’

(duas citações). Essa unidade pode ser apoiada em Marques (1992) que afirma que a formação acadêmica deve despertar o futuro profissional para o enriquecimento pessoal constante, da sempre atualização, da busca de soluções, sendo assim, um eterno estudioso. Nóvoa (1992) diz que a formação não se constrói por acumulação de curso, de conhecimentos ou de técnicas, mas sim através de um trabalho de reflexão crítica sobre as práticas e de reconstrução permanente da identidade pessoal.

Ao fazermos uma análise geral sobre a percepção dos acadêmicos estudados constatamos

que a quase totalidade (quatro do total de cinco) das marcas docentes positivas estão diretamente (uma) ou indiretamente (três) ‘ligadas ao currículo do curso’. ‘A participação nos Estágios Curriculares Supervisionados’ (dezessete citações) foi a marca docente positiva diretamente ligada ao currículo do curso, pois o estágio é uma das principais disciplinas obrigatórias do mesmo. As marcas indiretamente ligadas ao currículo do curso, pois estas são atividades extracurriculares, não obrigatórias, mas complementares, foram: ‘a participação em grupos de estudos e pesquisas’ (dez citações); ‘a participação em projetos de pesquisa, ensino e extensão’ (sete citações); e, ‘a participação em cursos de atualização profissional’ (duas citações). Constatamos ainda que apenas uma (do total de cinco) marca docente positiva foi ‘ligada aos professores formadores’, sendo ‘o convívio com bons professores formadores’ (cinco citações). Vale ainda destacar que as cinco marcas docentes positivas tiveram no total quarenta e uma citações, sendo trinta e seis ‘ligadas diretamente (dezessete) e/ou indiretamente (dezenove) ao currículo do curso’ e somente cinco ‘ligadas aos professores formadores’. E, a partir destas constatações inferimos que o currículo do curso e os seus professores formadores são um importante componente para uma formação de qualidade, pois podem proporcionar marcas docentes positivas nos futuros professores. Nesse sentido, citamos Krug et al. (2013) que apontam para uma compreensão mais ampla de currículo, que ultrapasse a grade curricular, os seus conteúdos e as suas atividades de ensino, sendo todo o complexo conjunto que envolve a dinâmica educativa, podendo ser obrigatória ou não para a habilitação profissional.

Page 104: REVISTA QUERUBIM Ciências Humanas Ciências Sociais · Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e ... gestos de

Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 11 Nº26 vol. 01 – 2015 ISSN 1809-3264

Página 105 de 112

As marcas docentes negativas

Nesta categoria de análise, achamos necessário citar Luft (2000) que diz que negativo é algo que contém ou exprime recusa, é contraproducente. Assim, para este estudo, consideramos negativa a marca docente apontada pelos acadêmicos estudados que tendeu para tornar contraproducente o desempenho docente na Educação Física Escolar durante o curso de Licenciatura em Educação Física. Nesse sentido, emergiram ‘duas unidades de significados’, as quais foram elencadas a seguir.

‘O convívio com maus professores formadores’ (dezesseis citações) foi a primeira unidade de

significado ressaltada. Sobre essa unidade mencionamos Odorcick et al. (2001), que dizem que é difícil fracionar a imagem do ‘mau professor’, pois, na visão dos alunos, vários aspectos se entrelaçam, mas em seu estudo os acadêmicos da Licenciatura em Educação Física (universidade pública) apontaram como principais características o ‘desinteresse’, a ‘didática ruim’, a ‘irresponsabilidade’ e a ‘arrogância’. Já Krug et al. (2013) no estudo intitulado “Avaliando a formação inicial: a percepção de acadêmicos de um curso de Licenciatura em Educação Física” constataram que os maus professores formadores foi o principal aspecto negativo do mesmo.

A segunda e última unidade de significado ressaltada foi ‘a pouca relação entre teoria e prática nas

disciplinas do curso’ (seis citações). Em se tratando dessa unidade citamos Shigunov; Dornelles e Nascimento (2002) que destacam que o relacionamento entre teoria e prática se constitui em um problema básico na formação de professores. De acordo com Pimenta e Lima (2004), este problema é um desafio que somente poderá se dissipar com o entendimento de que todas as disciplinas são “teóricas” e também “práticas”, diferente do que geralmente é visto quando o estágio é entendido como a parte prática e as demais disciplinas como a teórica, pois todas as disciplinas devem contribuir para a finalidade de formar professores a partir da análise, da crítica e da proposição de novas maneiras de fazer educação. A pouca relação entre teoria e prática também foi um dos aspectos negativos na avaliação da formação inicial na percepção de acadêmicos de Educação Física em estudo realizado por Krug et al. (2013).

Ao efetuarmos uma análise geral sobre a percepção dos acadêmicos estudados constatamos

que a metade (uma de duas) das marcas docentes negativas foi ‘ligada aos professores formadores’, sendo ‘o convívio com maus professores formadores’ (dezesseis citações). A outra metade (uma de duas) das marcas docentes negativas foi ‘ligada ao currículo do curso’, sendo ‘a falta de relação entre teoria e prática’ (seis citações). Vale destacar que as duas marcas docentes negativas tiveram no total vinte e duas citações. E, a partir destas constatações inferimos que o currículo do curso e os seus professores formadores podem ser importante componente para uma deficiente formação profissional, pois podem proporcionar marcas docentes negativas nos futuros profissionais. Nesse sentido, mencionamos Leone e Leite (2011) os quais salientam que é preciso atender suficiente e explicitamente a formação inicial para que esta possa preparar adequadamente o futuro professor para o seu ingresso no trabalho docente. Considerações transitórias

Pela análise das informações obtidas temos a destacar o seguinte: a) Quanto às marcas docentes positivas constatamos que os acadêmicos estudados apontaram ‘cinco unidades de significados’: 1) ‘A participação nos Estágios Curriculares Supervisionados’; 2) ‘A participação em grupos de estudos e pesquisas’; 3) ‘A participação em projetos de pesquisa, ensino e extensão’; 4) ‘O convívio com bons professores formadores’; e, 5) ‘A participação em cursos de atualização profissional’. Esse rol de marcas docentes positivas aponta para: 1º) Quatro marcas (1; 2; 3 e 5) que possuíram ‘ligação direta e/ou indiretamente com o currículo do curso’; e, 2º) Uma marca (4) que teve ‘ligação com os professores formadores’; e, b) Quanto às marcas docentes negativas constatamos que os acadêmicos estudados apontaram ‘duas unidades de significados’: 1) ‘O convívio com maus professores formadores’; e, 2) ‘A pouca relação entre teoria e prática nas disciplinas do curso’.

Page 105: REVISTA QUERUBIM Ciências Humanas Ciências Sociais · Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e ... gestos de

Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 11 Nº26 vol. 01 – 2015 ISSN 1809-3264

Página 106 de 112

Esse rol de marcas docentes negativas aponta para: 1º) Uma marca (1) que teve possuíram ‘ligação com os professores formadores’; e, 2º) Uma marca (2) que teve ‘ligação direta e/ou indiretamente com o currículo do curso’.

A partir destas constatações concluímos que o curso de Licenciatura em Educação Física

na percepção dos acadêmicos estudados foi gerador de marcas docentes tanto positivas quanto negativas. Esse fato está em consonância com o destacado por Cavalheiro (2014) de que o processo formativo é gerador de marcas e estas tomam forma e relevo, a partir das ações, reações e interações dos acadêmicos com as atividades de ensino, bem como com os formadores durante o curso. Ainda para corroborar com os achados deste estudo citamos Zabalza (2004) que coloca que a aprendizagem profissional da docência está relacionada às experiências vividas pelos acadêmicos e como eles as organizam, pois, por meio delas, eles se constroem como sujeitos, a partir da trajetória pessoal, escolar, acadêmica, da inserção na cultura; compõem o mundo; entrecruzam-se com as vivências e experiências que vão construindo o mundo da vida e a identidade do futuro profissional.

Também concluímos pela existência de marcas docentes positivas em maior quantidade

(cinco unidades de significados com um total de quarenta e uma citações) do que as marcas docentes negativas (duas unidades de significados com um total de vinte e duas citações). E, nesse sentido, destacamos uma maior possibilidade de uma formação de qualidade dos acadêmicos estudados. Em síntese, o curso de formação inicial deixou marcas nos acadêmicos estudados, tanto positivas quanto negativas, na busca formativa para o vir-a-ser docente de Educação Física. Referências BARDIN, L. Análise de conteúdo. Lisboa: Edições 70, 1977. BERNARDI, A.P. et al. A Prática de Ensino no processo de formação inicial em Educação Física. In: KRUG, H.N.; KRÜGER, L.G.; CRISTINO, A.P.R. (Orgs.). Os professores de Educação Física em formação. Santa Maria: UFSM, 2008. CAVALHEIRO, R. Marcas docentes e influências formativas continuadas. In: ANPEd Sul, X., 2014, Florianópolis. Anais, Florianópolis: UDESC, 2014. CUNHA, M.I. (Org). Trajetórias e lugares de formação da docência universitária: da perspectiva individual ao espaço institucional. Brasília: CAPES: CNPQ, 2010. FERRI, G. Pedagogia de la formación. Buenos Aires: Centro de Publicaciones Educativas y Material Didáctico, 2004. GIL, A.C. Métodos e técnicas de pesquisa social. São Paulo: Atlas, 1999. ILHA, F.R. da S.; MARQUES, M.N.; KRUG, H.N. Grupo de estudos e pesquisas: uma possibilidade de desenvolvimento profissional de professores de Educação Física através da mobilização dos saberes docentes. BoletimEF, v.10, n.1, p.1-12, 2010. KRUG, H.N. et al. Avaliando a formação inicial: a percepção de acadêmicos de um curso de Licenciatura em Educação Física. Roteiro, v.38, n.2, p.385-412, 2013. LEONE, N.M.; LEITE, Y.U.F. O início da carreira docente: implicações à formação inicial de professores. Pesquiseduca, v.3, n.6, p.236-259, 2011. LUFT, C.P. Mini Dicionário Luft. São Paulo: Ática/Scipione, 2000. MARQUES, M.O. A formação do profissional da educação. Ijuí: UNIJUÍ, 1992. MASCHIO, V. et al. Pesquisa, ensino e extensão na formação inicial dos professores de Educação Física: contribuições ao desenvolvimento profissional. Boletim Brasileiro de Educação Física, n.73, p.1-9, 2009. MINAYO, C.; DESLANDES, S.; GOMES, R. (Orgs.). Pesquisa social: teoria, método e criatividade. Petrópolis: Vozes, 2007. NÓVOA, A. Formação de professores e profissão docente. In: NÓVOA, A. (Coord.). Os professores e sua formação. Lisboa: Publicações Dom Quixote, 1992. ODORCICK, E. et al. Os bons e os maus professores formadores na opinião de acadêmicos de Educação Física. In: SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE ENSINO, PESQUISA, EXTENSÃO, 6., 2001. C.Alta. Anais, C.Alta: UNICRUZ, 2001. PEREIRA, F.M; GARCIA, M.A. Educação Física no 2º grau: as práticas pedagógicas de seus bons professores, 1996. Relatório (Iniciação Cientifica) - UFPel, Pelotas, 1996.

Page 106: REVISTA QUERUBIM Ciências Humanas Ciências Sociais · Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e ... gestos de

Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 11 Nº26 vol. 01 – 2015 ISSN 1809-3264

Página 107 de 112

PIMENTA, S.G.; LIMA, M.S.L. Estágio e docência. São Paulo: Cortez, 2004. SARMENTO, D.F.; FOSSATTI, P. A docência na visão de futuras professoras dos anos iniciais do ensino fundamental. Conhecimento & Diversidade, n.6, p.42-57, 2011. SHIGUNOV, V.; DORNELLES, C.; NASCIMENTO, J.V. O ensino da Educação Física: a relação teoria e prática. In: SHIGUNOV NETO, A.; SHIGUNOV, V. (Orgs.). Educação Física:conhecimento teórico x prática pedagógica. P.Alegre:Mediação, 2002. SOUZA, E. Projetos e grupos de pesquisa na formação inicial, 2008. Dissertação (Mestrado em Educação) – UFSM, Santa Maria, 2008. SOUZA, L. de O.; TABANEZ, M.F.; SILVA, N.M. da. O bom professor sob a ótica dos licenciados de Matemática. In: ENDIPE, IX, 1998. Anais-Volume ½, Á.Lindóia, 1998. TRIVIÑOS, A.N.S. Introduzindo a pesquisa em ciências sociais – pesquisa qualitativa em educação. São Paulo: Atlas, 1987. ZABALZA, M.A. O ensino universitário: seu cenário e seus protagonistas. Porto Alegre: Artmed, 2004. Enviado em 30/04/2015 Avaliado em 15/06/2015

Page 107: REVISTA QUERUBIM Ciências Humanas Ciências Sociais · Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e ... gestos de

Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 11 Nº26 vol. 01 – 2015 ISSN 1809-3264

Página 108 de 112

ENSINO DE GRAMÁTICA E ANÁLISE LINGUÍSTICA NA ESCOLA: UMA BREVE CONSIDERAÇÃO TEÓRICA

Ionara Miranda da Cunha34 Bruno Gomes Pereira35

Resumo Apresentamos algumas reflexões sobre as diferenças entre ensino de gramática e análise linguística. Tomamos como ponto de partida as diferentes concepções de língua consideradas por ambas. Fizemos uma pesquisa bibliográfica, mobilizando alguns teóricos da Linguística Textual que entendem o texto como forte aliado para um ensino ressignificador das habilidades de leitura, interpretação e produção de textos. Os autores que utilizamos reconhecem os avanços que a escola básica tem apresentado no ensino de língua materna, mas acreditam que é preciso avançar mais. Um ensino voltado à prática de análise linguística pode ser uma pertinente possibilidade para um ensino mais reflexivo. Palavras-Chaves: Gramática; Análise Linguística; Língua. Resumen: Presentamos algunas reflexiones sobre las diferencias entre enseñanza de la gramática y el análisis lingüística. Tomamos como punto de partida una de las diferentes concepciones de la lengua considerada por ambos. Hicimos una búsqueda en la literatura, la movilización de algunos teóricos del Lingüística Textual que entienden el texto como fuerte aliado para una enseñanza ressignificadora de las habilidades de lectura , interpretación y producción de textos. Los autores reconocen los avances que la escuela básica ha presentado la enseñanza en lengua materna, pero creen que hay que ir más allá. Una educación orientada a la práctica de análisis lingüística puede ser una posibilidad relevante para una enseñanza más reflexiva . Palabras clave: Gramática ; Análisis Lingüística; Lengua. Introdução

Não é de agora que as discussões sobre a língua se fazem mais vívidas não só no aspecto

escolar, mas também (e principalmente) quando se entende a linguagem como ferramenta de interação social, ou seja, é na escola que os falantes teorizam e problematizam o uso da língua já presente em outros contextos de uso.

De acordo com o paradigma tradicional de ensino, para se compreender a língua, de fato,

era preciso um regimento quase que dogmático segundo a gramática teórica, que, por muitas vezes, delimitava as concepções de uso da linguagem e consequentemente o processo de leitura e escrita. Claro que tal metodologia não deve ser encarada com total descaso, tanto que buscamos argumentar sobre um consenso metodológico eficaz capaz de atender as principais particularidades no conceito de língua que se tem em ambas as abordagens.

Seguindo uma análise mais voltada para o campo linguístico, este trabalho embasa-se por

meio das leituras de autores que discutem a importância da análise linguística na rotina escolar ao sugerir práticas de ensino com a mesma. Nessa linha de estudos, temos Antunes (2003; 2007) e

34 Graduanda em Licenciatura em Letras (Língua Portuguesa) pela Universidade Federal do Tocantins (UFT), campus universitário de Araguaína. 35 Doutorando em Ensino de Língua e Literatura (Estudos Linguísticos) pela Universidade Federal do Tocantins (UFT). Bolsista CAPES. E-mail: [email protected].

Page 108: REVISTA QUERUBIM Ciências Humanas Ciências Sociais · Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e ... gestos de

Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 11 Nº26 vol. 01 – 2015 ISSN 1809-3264

Página 109 de 112

Silva (2009; 2011; 2012). Assim, adentramos num espaço que passa por um período de aprimoramento diante das complexidades vivenciadas ainda na escola.

Acreditamos que estes estudos promovam uma discussão mais ampla dentro do cenário educacional e que possibilitem também uma compreensão crítica e reflexiva sobre o ensino de língua. É a partir daqui que surgirão novos norteamentos para que essas práticas em sala de aula, especialmente nas aulas de língua materna, possam promover ressignificações nas esferas de leitura, interpretação e produção de textos.

Além dessa Introdução, das Considerações Finais e das Referências, esse artigo é constituído pelas

seguintes seções: O Ensino de Gramática na Escola; Língua e Ensino: Desdobramentos na Sala de Aula e O ensino e a aprendizagem a partir da análise linguística. O Ensino de Gramática na Escola

É possível percebermos algumas práticas pedagógicas que apresentam uma postura

inadequada a respeito do ensino de gramática, este sob um viés único e doutrinador. Exemplo disso é o posicionamento de alguns professores de língua materna ao optarem pela perspectiva da gramática normativa em suas aulas, isto é, a uma restrição tradicionalista da gramática ao ponto de prevalecer questões ligadas às regras e nomenclaturas, em detrimento de um ensino voltado ao desenvolvimento das habilidades dos alunos da escola básica (cf. BRASIL, 1997).

Neste caso, é interessante observar que esta realidade, muito presente no contexto da

educação básica, corresponde a uma série de implicaturas na atual conjuntura do ensino escolar, pautada no “domínio do normativo, no qual define o certo, o como deve ser da língua e, por oposição, aponta o errado, o como não dever ser dito” (ANTUNES, 2007, p. 30).

Ainda conforme Antunes, “à medida que se avança em anos, se avança também na

discriminação das diversas subdivisões de cada classe, com pormenores que chegam a confundir mais do que esclarecer”. (ANTUNES, 2007, p. 69). Talvez por este motivo ainda exista certa discrepância quando associamos determinada regra gramatical a sua nomenclatura, principalmente quando tais terminologias adentram no circuito escolar de ensino de língua. Logo, parece-nos que um ensino gramatical que se esgota em si não abarca explicações suficientes para os questionamentos travados por ele mesmo.

O que vem à tona nessas discussões é se os usos destas nomenclaturas gramaticais

permitirão, de fato, um ensino eficaz e compreensivo da língua frente à atual demanda de uma escola emergente. Portanto, “falta à maioria das pessoas leigas em questões linguísticas a clareza para discernir entre o que são regras de gramática e o que são apenas elementos de terminologia gramatical, isto é, rótulos, nomes das unidades da gramática” (ANTUNES, 2007, p. 70).

Nesse sentido, Mendonça endossa que:

Ensinar gramática, nessa concepção, é ensinar língua, que, por sinal, é ensinar norma culta, o que significa ensinar a desprezar outras variedades – não só por ignorá-las, mas por considerá-las inferiores. A gramática aí tem um caráter prescritivo e discriminatório: para a gramática normativa, é errado todo uso da linguagem que esteja fora dos padrões linguísticos estabelecidos como ideais. (MENDONÇA, 2009, p. 233).

Claro que há ressalvas que permitem uma discussão mais próxima do estudo da língua com a complexidade do processo pedagógico, de maneira a oferecer resultados mais significativos, exigidos pela realidade em que nos encontramos. Além disso, “parece, portanto, não faltar ao

Page 109: REVISTA QUERUBIM Ciências Humanas Ciências Sociais · Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e ... gestos de

Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 11 Nº26 vol. 01 – 2015 ISSN 1809-3264

Página 110 de 112

professor o respaldo das instâncias superiores, que assumiram o discurso de novas concepções teóricas, de onde podem emergir novos programas e novas práticas” (ANTUNES, 2003, p. 23).

É neste tocante que Silva (2011) embasa seus estudos por meio da análise dos Parâmetros

Curriculares Nacionais (PCN), questionando a perspectiva da gramática no processo de ensino e aprendizagem de língua materna. Neste sentido, Silva diz que “atualmente no Brasil; ao abrirmos qualquer livro ou diretriz curricular, com propostas ou sugestões sobre ensino de língua materna, observamos um discurso de oposição a uma prática pedagógica tradicional” (SILVA, 2009, p. 143).

Em suma, concordamos com Mendonça (2009) no sentido de que não podemos ignorar o

esforço que a escola básica tem apresentado a respeito do ensino de gramática nas aulas de língua materna. Mesmo prevalecendo ainda um ensino gramatical voltado às nomenclaturas sem muita articulação com o sentido do texto, felizmente as aulas de Língua Portuguesa têm apresentado indícios de que tais normatizações tendem a mudar, rompendo com os paradigmas que até então estimulavam certos preconceitos dentro e fora da sala de aula.

Língua e Ensino: Desdobramentos na Sala de Aula

As perspectivas contemporâneas dos estudos interdisciplinares no ensino de língua apresentam suas primeiras mudanças nos desdobramentos da prática escolar. Neste caso, os estudos científicos têm se aproximado do contexto presente da sala de aula para que estas transformações possibilitem uma aprendizagem mais satisfatória, respondendo às demandas e particularidades culturais dos sujeitos envolvidos no processo. Nesse sentido, Antunes (2007) argumenta que:

a língua flui; e ninguém pode deter o seu curso. Isso significa, contudo, que esse curso desça à deriva, sem que nada possa controlar seu fluxo. Já vimos que a própria condição das línguas, de serem marca da identidade cultural de grupos, funciona como força estabilizadora que regula e controla as variações (ANTUNES, 2007, p. 75).

Outro fator determinante nesse conceito é que as “línguas têm, em seu comando, pessoas,

seres atuantes, ativos, capazes de administrar entre possíveis opções, aquela que mais se ajusta à situação” (ANTUNES, 2003, p. 77). Neste caso, a preocupação dos estudos linguísticos não se centra apenas na criticidade relacionada à língua. Na verdade, foi através das instituições de nível superior, que as teorias linguísticas formam submetidas a um processo de revisão e reformulação dentro do ensino de língua nas escolas de nível fundamental e médio, descritos por Bagno (2002) nas seguintes circunstâncias:

As contribuições das novas disciplinas surgidas dentro do campo maior da linguística – sociolinguística, psicolinguística, linguística do texto, pragmática linguística, análise da conversação, análise do discurso etc. – ampliaram enormemente o objeto mesmo dos estudos da linguagem: o tradicional exame da “língua em si” (que se detinha exclusivamente na gramática fonético-fonológicas, morfossintáticas e lexicais) deixou de ser o foco exclusivo das investigações científicas da linguagem, que têm se lançado cada vez mais na busca da compreensão dos fenômenos da interação social por meio da linguagem, da relação entre língua e sociedade, da aquisição da língua pela criança, dos processos envolvidos no ensino formal da língua, do controle social exercido pelas ideologias veiculadas no discurso etc (BAGNO, 2002, p. 14).

Neste quesito, os estudos linguísticos ainda não adentraram de fato no espaço escolar. Por

isso, a teoria não deve ser também entendida como um tipo de conhecimento que abrange um todo, isto é, a teoria torna-se permissível a mudanças e a contextualizações específicas.

Page 110: REVISTA QUERUBIM Ciências Humanas Ciências Sociais · Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e ... gestos de

Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 11 Nº26 vol. 01 – 2015 ISSN 1809-3264

Página 111 de 112

Não é por acaso que as pesquisas no campo dos estudos linguísticos são cada vez mais fomentadas nas esferas acadêmico-científicas e implementadas nas práticas pedagógicas das aulas de ensino de língua, por exemplo. Nesse sentido, Silva e Fajardo (2012) argumentam que:

A grande questão, hoje em relação ao ensino da língua materna na escola, que a cada dia vira tema de pesquisa de mais teóricos, concentra-se, acreditamos, em possibilitar ao aluno o desenvolvimento de sua capacidade de análise e de reflexão crítica sobre os fenômenos linguísticos, em formar cidadãos capazes de se exprimir oralmente e por escrito. Entretanto, acreditamos que, para alcançar esses ideais no ensino básico, precisa-se analisar também a formação inicial do professor (SILVA e FAJARDO, 2012, p. 224).

De fato, muitos professores que estão em atividade tiveram uma formação anterior a tais

questionamentos das pesquisas linguísticas mais contemporâneas. Tais profissionais tendem a adotar, principalmente, uma concepção de língua como fenômeno homogêneo, estruturada por uma gramática já formalizada.

O professor precisa estar ciente de que mesmo sob as condições obsoletas do sistema

educacional, o profissional da educação ainda pode, e deve, contribuir de maneira significativa na formação de um aluno letrado, cada vez mais consciente de seu papel social, agindo em consonância com as singularidades de cada ambiente escolar. Para isso, é necessário que a escola entenda a língua como instrumento de interação social, capaz de mediar relações humanas e, por meio de sua gramática, estabelecer diversas relações de sentido. Nesse sentido, temos a postura adotada pelas orientações nacionais diante da mudança no cenário educacional:

A questão não é de falar certo ou errado, mas saber qual forma de fala utilizar, considerando as características do contexto de comunicação, ou seja, saber adequar o registro às diferentes situações comunicativas. É saber coordenar satisfatoriamente o que falar e como fazê-lo, considerando a quem e por que se diz determinada coisa. É saber, portanto, quais variedades e registros de língua oral são pertinentes em função da intenção comunicativa, do contexto e dos interlocutores a quem o texto se dirige. A questão não é de correção da forma, mas de sua adequação às circunstâncias de uso, ou seja, de utilização eficaz da linguagem: falar bem é falar adequadamente, é produzir o efeito pretendido (BRASIL, 1997, p.26).

Em síntese, pensamos que a escola deve procurar se adequar às demandas sociais do

mundo pós-moderno. Acreditamos que o redimensionamento das práticas escolares, sob o viés de língua como instrumento social, pode garantir resultados positivos para os sujeitos envolvidos nos processos de ensino e de aprendizagem. Uma perspectiva mais social, e menos normativa, sobre a língua pode ajudar o aluno da escola básica a perceber uma relação maior entre o que ele estuda na escola e o que ele pratica em seu contexto real de vida. O ensino e a Aprendizagem a partir da Análise Linguística

Um dos maiores desafios do professor de língua na contemporaneidade provavelmente seja

o processo de convergência entre os estudos teóricos e a sua prática na sala de aula. Empecilhos é o que não faltam para justificar a encruzilhada em que o docente se encontra. Muitas vezes, tais discussões, principalmente no campo dos estudos linguísticos, ainda causam certo estranhamento por parte do professor (Cf. SILVA, 2011).

Mesmo diante das adversidades cotidianas, o professor deve buscar mecanismo para tentar

desenvolver um ensino que procure valorizar questões ligadas às práticas de letramento dos alunos, aprimorando suas habilidades cognitivas por meio do uso de diferentes textos em sala de aula.

Page 111: REVISTA QUERUBIM Ciências Humanas Ciências Sociais · Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e ... gestos de

Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 11 Nº26 vol. 01 – 2015 ISSN 1809-3264

Página 112 de 112

Estamos nos referindo a um ensino galgado na análise linguística. Temos consciência de que se trata ainda de um grande desafio para o professor, mas como dissemos na seção anterior, a língua é uma ferramenta de ineração, por isso está em constante transformação. A escola, por sua vez, deve se mostrar aberta às mudanças e ao diálogo com novas possibilidades pedagógicas. Neste caso:

o desafio está em saber como realizar uma análise linguística pertinente para a formação de um falante mais competente. Dizer que esta análise se destina à formação de um falante competente já representa uma opção que norteará a proposta a ser feita, pois estamos considerando pertinente a formação de um usuário competente da língua e não a formação de um analista competente da língua (TRAVAGLIA, 2010, p. 01).

De fato, é uma preocupação que acoberta a teorização no campo prático, isto é, a tentativa

de absorver a teoria deve promover efeitos satisfatórios na prática pedagógica, ressignificando as modalidades escrita e oral da língua. Entendemos que uma postura docente, galgada na análise linguística, envolve também as particularidades pragmáticas e discursivas em que os alunos estão inseridos, sendo, portanto, um incansável trabalho de readaptação metodológica e de análise textual.

Partimos de uma perspectiva semântica e pragmática da análise linguística, pois acreditamos

que esta prática de análise textual deve compreender níveis discursivos presentes no desenvolver das atividades escolares, ou seja, tudo está interligado, como um sistema. Assim, ampliar competências de leitura e escrita do aluno, por meio da análise linguística, parte de uma postura interdisciplinar, que escapa à esfera puramente da língua.

Retomando aos estudos de Travaglia (2010), percebemos que a proposta de análise

linguística do autor propõe um ensino a partir da significação do elemento gramatical até sua função no plano discursivo, levando o aluno a desenvolver a sua competência no uso de diferentes textos em vários domínios sociais. Considerações finais

As discussões travadas nas universidades apontam várias perspectivas sobre a complexidade da língua enquanto objeto de estudo. Entretanto, é necessário avançarmos mais, sobretudo quando nos referimos à língua como prática social, ideologicamente engajada. Nesse sentido, pensamos que o ensino de língua materna, com base na análise linguística, pode ajudar a repensar o caráter da social e cultural da língua, posto que possa revitalizar o ensino e desenvolver letramentos múltiplos na escola básica. A leitura dos teóricos que apresentamos nessa abordagem apresenta algumas questões que podem nos ajudara repensar o papel do texto em sala de aula, por meio da prática de análise linguística.

Em síntese, algumas ponderações parecem adentrar nas pertinências escolares, permitindo

novas percepções de ensino, por intermédio do campo linguístico. Os estudos gerados a partir desses questionamentos propõem nortear significativas mudanças da prática docente. O ensino de língua, sobretudo de língua materna, anseia por tais consequências. Referências ANTUNES, I. Aula de Português: Encontro & interação. São Paulo: Parábola Editorial, 2003. ANTUNES, I. Muito além da gramática: por um ensino de língua sem pedras no caminho. São Paulo. Parábola Editorial, 2007. BAGNO, M. A inevitável travessia: da prescrição gramatical à educação linguística. In: BAGNO, M.; GAGNÉ, G.; STUBBS, M. (Orgs.). Língua Materna: Letramento, variação & ensino. São Paulo: Parábola Editorial, 2002. p. 13-84.

Page 112: REVISTA QUERUBIM Ciências Humanas Ciências Sociais · Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e ... gestos de

Revista Querubim – revista eletrônica de trabalhos científicos nas áreas de Letras, Ciências Humanas e Ciências Sociais – Ano 11 Nº26 vol. 01 – 2015 ISSN 1809-3264

Página 113 de 112

BRASIL, Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros curriculares nacionais: Língua Portuguesa. Brasília: MEC/SEF, 1997. MENDONÇA, M. C. Língua e ensino: políticas de fechamento. In: MUSSALIM, F.; BENTES, A. C. (Orgs.). Introdução à Linguística: domínios e fronteiras. São Paulo: Cortez, 2009. p. 233-264. OLIVEIRA, L. A. Coisas que todo professor de português precisa saber. In: Coisas que todo professor de português precisa saber: a teoria e prática. São Paulo: Parábola Editorial, 2010. p. 23-57. SILVA, W. R. Estudo da Gramática no Texto: demanda para o ensino e a formação do professor de língua materna. Maringá: Eduem, 2011. SILVA, W. R.; FAJARDO, A. E. (Orgs.). Como Fazer Relatórios de Estágio Supervisionado: formação de professores nas licenciaturas. Brasília: Liber Livro, 2012. TRAVAGLIA, L. C. Que análise linguística operacionalizar no ensino de Língua Portuguesa? In: TAGLIANI, D. et al (Orgs). Anais do II Seminário Nacional sobre Linguística e Ensino de Língua Portuguesa – O ensino de Língua Portuguesa no séc. XXI: desafios e possibilidades. Rio Grande: FURG, 2010. Enviado em 30/04/2015 Avaliado em 15/06/2015