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Revista Siringe-T

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Projeto; literatura; artes

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EDITORIAL

SiringeMuito Prazer

Siringe arredia fugindo de Pã em meios à relva orvalhada. O ribeirão gorgolejante corre como o tempo e uma brisa úmida carrega em seu ventre o aroma das flores prestes a desabrochar. Em meio a tropeços, a ninfa ofegante se vê encurralada. Pã sorri, satiriza, se vangloria por achar em fim defronte a sua amada, prestes a tê-la em suas mãos. Num último suspiro, Siringe apela ao Olimpo por alento: “Que me transforme num deste bambus que dançam alegres a brisa da manhã, mas me livre deste importuno Pã!”. Ouvindo seu sussuro distante, os Deuses despertam de seu torpor matinal e, influenciados pela bondade de Afrodite, decidem ajudar a pobre Siringe, ninfa tão dócil e inocente, transformando então no dito bambu. Pã não pode acreditar: no lugar da bela ninfa tem agora à sua frente um bambu. Esfrega os olhos para ter certeza de que não está sonhando e, com as mãos úmidas pelas lágrimas, corta o bambu e o leva embora consigo. Sentado em um tronco a beira do ribeirão, afaga em suas mãos sua amada feita bambu e tem um idéia. Faz deste uma pequena flauta, que entoa pela beira do ribeirão, fazendo soar na voz de Siringe a melodia de sua solidão.

Numa tarde de primavera, Pã esqueceu sua flauta sobre um tronco e um pássaro desavisado, meio cego pelos reflexos do sol, sem perceber, ciscando no chão, ciscou e engoliu a flauta de Pã. Ao voltar para seu tronco e não encontrar a flauta, Pã novamente se entristeceu, porém, ao ouvir a voz de Siringe no meio da mata alegrou-se. Concluiu que ela enfim voltara e brincava com ele, chamando-o aqui e ali, afim de que a encontrasse. Desde então, Pã vaga alegre e faceira pelas florestas, perseguindo sua Siringe que cantorola sua melodia na voz dos pássaros.

É com prazer que trazemos para você este primeiro número da revista Siringe, publi-cação mensal que irá congregar as mais diversas áreas de produção intelectual e cultural do Brasil e do mundo.

Reunindo autores contemporâneos e consagrados, temos o intuito de levar até o público o melhor em matéria de arte, música, filosofia e literatura, contando com uma diagramação minimalista e funcional, que dialogue com o conteúdo veiculado porém mantenha o livre para suas danças na mente do receptor, como os bambus que Siringe viu naquela manhã.

Toda edição contaremos com um artista responsável pela elaboração das capas. Para este número um contamos com Natan Schäfer que explorou os limites entre denotação e conotação da palavra que dá título à revista.

Para finalizar, gostaríamos de lembrar que, assim como a siringe é o órgão do canto dos pássaros, flauta de Pã e ninfa a correr solta pela Grécia Antiga, nossa publicação se propõe a conferir voz e expressão aos mais diversos autores com os mais diver-sos pontos de vista. Se você acredita que tem algo interessante a mostrar, nos contate! Deixe que sejamos, na medida do possível, a sua siringe. E aqui a ambigüi-dade do termo vem a calhar.

Os editores02 Dezembro 2011 SIRINGE

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EXPEDIENTE

EXPEDIENTE // Siringe // DEZEMBRO 2011// Número 01A revista Siringe é uma publicação de cárater informativo com circulação digital gratuita.

DIRETOR RESPONSÁVEL Gustavo Oenning

CONTEÚDO Jean Baudrillard Julio Cortázar Manoel de Barros François Jullien Rubem Alves Fernando Pessoa Faraco Farias

PROJETO GRÁFICO Gustavo Oenning Natan Schäfer

REVISÃO Gustavo Oenning Natan Schäfer

DOMÍNIO DIGITAL www.issu.com

Os textos assinados são de inteira responsabili-dade dos autores e não refletem, necesseari-amente, a opinião da revista e seus editores.

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04 Dezembro 2011 SIRINGE

ÍNDICE

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06 Dezembro 2011 SIRINGE

SENHASJ e a n B a u d r i l l a r d

O f i l ó s o f o J e a n B a u d r i l l a r d p õ e e m x e q u e o c o n c e i t o d e r e a l e m s u a v e l h a a c e p ç ã o f i l o s ó f i c a e d i s c u t e a v i r t u a l i d a d e , q u e s -

t i o n a n d o a n e c e s s i d a d e d o s u j e i t o .

FILO

SO

FIA

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Dezembro 2011 SIRINGE 07

Em sua acepção mais usual, o virtual se opõe ao real, mas sua subita emergência, pelo viés das novas tecnologias, dá a impressão de que, a partir de então, ele marca a eliminação, o fim desse real. Do meu ponto de vista, como já disse, fazer acontecer um mundo real é já produzi-lo, e o real jamais foi outra coisa senão uma forma de simula-ção. Podemos, certamente, pretender que exista um efeito de real, um efeito de verdade, um efeito de objetividade, mas o real, em si, não existe. O virtual não é, então, mais que uma hipérbole dessa tendência a passar do simbólico para o real - que é o seu grau zero. Neste sentido, o vir¬tual coincide com a noção de hiper-realidade. Á realidade virtual, a que seria perfeitamente homogeneizada, colocada em números, "operacional-izada", substitui a outra porque ela é perfeita, con¬trolável e não contra-ditória. Por conseguinte, como ela é mais "acabada", ela é mais real do que o que construímos como simulacro.

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08 Dezembro 2011 SIRINGE

Não estamos mais na boa e velha acepção filosófica em que o virtual era o que estava destinado a tornar-se ato, e em que se instaurava uma dialética entre as duas noções. Agora, o virtual é o que está no lugar do real,é mesmo sua solução final na medida em que efetiva o mundo em sua realidade definitiva e, ao mesmo tempo, assinala sua dissolução.

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Dezembro 2011 SIRINGE 09

Chegando a esse ponto, é o virtual que nos pensa: não há mais necessidade de um sujeito do pensamento, de um sujeito da ação, tudo se passa pelo viés de mediações tecnológicas. Mas será que o virtual é o que põe fim, definitivamente, a um mundo do real e do jogo, ou ele faz parte de uma experimentação com a qual estamos jogando? Será que não estamos representando a comédia do virtual, com um toque de ironia, como na comédia do poder? Essa imensa instalação da virtualidade, essa perfor-mance no sentido artístico, não é ela, no fundo, uma nova cena, em que operadores substituíram os atores? Ela não deveria, então, ser mais digna de crença que qualquer outra organização ideológica. Hipótese que não deixa de ser tranqüilizante: no final das contas tudo isso não seria muito sério, e a exterminação da realidade não seria, em absoluto, algo incontes-tável.

Mas, no momento em que nosso mundo efetivamente inventa para si mesmo seu duplo vir¬tual, é preciso ver que isto é a realização de uma tendência que se iniciou há bastante tempo. A realidade, como sabemos, não existiu desde sempre.

No virtual, não se trata mais de valor; trata-se, pura e simplesmente, de gerar informação, de efetuar cálculos, de uma computação generalizada em que os efeitos de real desaparecem. Mas podemos igualmente pensar que tudo isso não passa de um caminho mais curto para uma jogada que não podemos ainda discernir qual seja.

Texto de Jean Baudrillard

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10 Dezembro 2011 SIRINGE

FILO

SO

FIA

UM SÁBIONÃO TEM

IDEIADefendendo um

pensamento livre de

pregas, o filósofo François

Jullien discute a sabedoria

e os supostos sábios.

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Dezembro 2011 SIRINGE 11

Um sábio, estabeleceremos de saída, não tem idéia.

“Não ter idéia” significa que ele evita pôr uma idéia à frente das outras em detrimento das outras: não há idéia que ele ponha em primeiro lugar, posta em princípio, servindo de fundamento ou simplesmente de início, a partir do qual seu pensamento poderia se deduzir ou, pelo menos, se desen-volver. Princípio, arché: ao mesmo tempo o que começa e o que comanda, aquilo por que o pensamento pode começar. Uma vez ele colocado, o resto segue. Mas, justamente, aí está a cilada, o sábio teme essa direção imedi-atamente tomada e a hegemonia que ela instaura. Porque a idéia assim que é proposta faz as outras refluírem, nem que para vir depois a associá-las a si, ou antes, ela já as jugulou por baixo do pano. O sábio teme esse poder ordenador do primeiro. Assim, essas “idéias”, ele tratará de mantê-las no mesmo plano – e está nisso sua sabedoria: mantê-las igualmente possíveis, igualmente acessíveis, sem que nenhuma, passando a frente, venha a ocultar a outra, lance sombra sobre a outra, em suma, sem que nenhuma seja privilegiada.

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12 Dezembro 2011 SIRINGE

“Não ter idéia” significa que o sábio não está de posse de nenhuma,

não é prisioneiro de nenhuma. Sejamos mais rigorosos, literais: ele não

avança nenhuma. Mas é possível evitar isso? Como poderíamos pensar

sem nada propor? No entanto, assim que começamos a avançar uma idéia,

diz-nos a sabedoria, é todo o real (ou todo o pensável) que, de repente,

recua: ou antes, ei-lo perdido atrás, será necessário tanto esforço e media-

ção, daí em diante, para se aproximar dele.Essa primeira idéia proposta

rompeu o fundo de evidência que nos rodeava; apontando de um lado, este

em vez daquele, ela nos fez pender para o arbitrário, nós fomos para este

lado e o outro fica perdido, a queda é irremediável: ainda que depois

reconstruamos todas as cadeias de razões possíveis, nunca escaparemos –

aprofundaremos sempre mais, enterraremos sempre mais, sempre presos

nas anfractuosidades e nas entranhas do pensamento, sem nunca mais

voltar à superfície, plana, a da evidência.

Por isso, se você desejar que o mundo continue a se oferecer a você, diz-

nos a sabedoria, e que, para tanto, ele possa permanecer indefinidamente

igual, absolutamente estacionário, você tem de renunciar à arbitrariedade

de uma primeira idéia (de uma idéia posta em primeiro; inclusive aquela

pela qual acabo de começar).

“Não ter idéia” significa

que o sábio não está de

posse de nenhuma, não é

prisioneiro de nenhuma.

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Dezembro 2011 SIRINGE 13

“(...) toda primeira idéia já

é sectária: ela começou a

monopolizar e, com isso,

a deixar de lado. “

Porque toda primeira idéia já é sectária: ela começou a monopolizar e, com

isso, a deixar de lado. Já o sábio não deixa nada de lado, não deixa nada de

mão. Ora, ele sabe que, ao se propor uma idéia, já se toma, nem que tem-

porariamente, certo partido em relação à realidade: quem se põe a puxar

um fio da meada das coerências, este em vez daquele, começa a preguear

(plisser) o pensamento em certo sentido.

Por isso, propor uma idéia seria perder de saída o que você queria começar

a esclarecer, por mais prudente e metodicamente que o faça: você fica con-

denado a um ângulo de visão particular, por mais que se esforce depois

para reconquistar a totalidade; e, daí em diante, não parará de depender

dessa prega (plí), a prega formada pela primeira idéia proposta, de passar

por ela; não parará mais, tampouco, de voltar a ela, querendo suprimi-la, e

por isso de amarrotar de outro modo o campo do pensável – mas perde

para sempre o sem pregas do pensamento.

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14 Dezembro 2011 SIRINGE

Desassossego

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Dezembro 2011 SIRINGE 15

Nunca durmo: vivo e sonho, ou antes, sonho em vida e a dormir, que também é vida. Não há interrupção em minha consciência: sinto o que me cerca e não durmo ainda, ou se não durmo bem; entro logo a sonhar desde que deveras durmo. Assim, o que sou é um perpétuo desenrolamento de imagens, conexas ou desconexas, fingindo sempre de exteriores, umas postas entre os homens e a luz, se estou desperto, outras postas entre os fantasmas e a sem luz que se vê, se estou dormindo. Verdadeiramente, não sei como distinguir uma coisa da outra, nem ouso afirmar se não durmo quando estou desperto, se não estou a despertar quando durmo. A vida é um novelo que alguém emaranhou. Há um sentido nela, se estiver desenrolada e posta ao comprido, ou enrolada bem. Mas, tal como está, se estiver enrolada é um problema sem novelo próprio, um embrulhar-se sem onde. Sinto isso, e depois escreverei, pois que já vou sonhando as frases a dizer, quando, através da noite de meio-dormir, sinto, junto com as paisagens de sonhos vagos, o ruído da chuva lá fora, a tornarmos mais vagos ainda. Era sem dúvida, nas alamedas do parque que se passou a tragédia de que resultou a vida.

Eram dois e belos e desejavam ser outra coisa; o amor tardava-lhes no tédio do futuro. Não sei o que é o tempo. Não sei qual a verdadeira medida que ele tem, se tem alguma. A do relógio sei que é falsa: divide o tempo especialmente, por fora. A das emoções sei que também é falsa: divide, não o tempo, mas a sensação dele. A dos sonhos é errada; nele roçamos o tempo, um na vez prolongadamente, outra vez depressa, e o que vivemos é apressado ou lento conforme qualquer coisa do decorrer cuja natureza ignoro. Julgo, às vezes, que tudo é falso, e que o tempo não é mais do que uma moldura para enquadrar o que lhe é estranho. Na recordação que tenho de minha vida, os tempos estão dispostos em níveis e planos absurdos, sendo eu mais jovem em certo episódio dos quinze anos solenes. Chegam-me então, pensamentos absurdos, que não consigo todavia repelir. Penso se um homem medita devagar dentro de um carro que segue depressa, penso se serão iguais as velocidades identicas com que caem no mar o suicida ou o que se desiquilibrou na esplanada. Penso se realmente não são sincrônicos os movimentos, que ocupam o mesmo tempo, entre os quais fumo, escrevo e

FERNANDO PESSOA

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16 Dezembro 2011 SIRINGE

o l i v r o s d a s i g n o r a ç ã s

Manoel de Barros

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Dezembro 2011 SIRINGE 17

No descomeço era o verbo.

Só depois é que veio o delírio do verbo.

O delírio do verbo estava no começo, lá onde a criança diz: Eu escuto a cor

dos passarinhos.

A criança não sabe que o verbo escutar não funciona para cor, mas para som.

Então se a criança muda a função de um verbo, ele delira.

E pois.

Em poesia que é voz de poeta, que é voz de fazer nascimentos –

O verbo tem que pegar delírio.

Um girassol se apropriou de Deus: foi em Van Gogh.

Para entrar em estado de árvore é preciso partir de um torpor animal de

lagarto às três horas da tarde, no mês de agosto.

Em dois anos a inércia e o mato vão crescer em nossa boca.

Sofreremos alguma decomposição lírica até o mato sair na voz.

Hoje eu desenho o cheiro das árvores.

Não tem altura o silêncio das pedras.

¬As coisas não querem mais ser vistas por pessoas razoáveis:

Elas desejam ser olhadas de azul –

Que nem uma criança que você olha de ave.

Poesia é voar fora da asa.

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18 Dezembro 2011 SIRINGE

KOAN

rubem alves

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Dezembro 2011 SIRINGE 19

Os mestres Zen eram educadores estranhos. Não pretendiam ensinar coisa alguma. O que desejavam era “desensinar”. Avaliações de aprendizagem? Nem pensar. Mas estavam constantemente avaliando a desaprendizagem dos seus discípulos. E quando percebiam que a desaprendizagem aconte-cera, eles riam de felicidade...

Loucos? Há uma razão na loucura. “Desensinavam” para que os discípulos pudessem ver como nunca tinham visto. Nietzsche dizia que a primeira tarefa da educação é ensinar a ver. Ver é coisa complicada, não é função natural. Precisa ser aprendida. Os olhos são órgãos anatômicos que funcio-nam segundo as leis da física ótica. Mas a visão não obedece às leis da física ótica. Bernardo Soares: “O que vemos não é o que vemos, senão o que somos”. É preciso ser diferente para ver diferente. Mas, e o “Ser”? Ele é feito de quê? “Os limites da minha linguagem denotam os limites do meu mundo”, dizia Wittgenstein. O “Ser” é feito de palavras. Prisioneiros da linguagem, só vemos aquilo que a linguagem permite e ordena ver. A visão é um processo pelo qual construímos nossas impressões óticas segundo o modelo que a linguagem impõe.

Então, para se ver diferente, é inútil refinar a linguagem, refinar as teorias. O refinamento das teorias só aumenta a clareza da mesmice. A pedagogia dos mestres Zen tinha por objetivo desarticular a linguagem, quebrar o seu “feitiço”. Com o que concordaria Wittengstein, que definia a filosofia como uma luta com o feitiço da linguagem. Quebrado o feitiço, os olhos são libertados dos “saberes” e ganham a condição de olhos de criança: vêem como nunca haviam visto. Está lá em Alberto Caeiro, que fazia poesia para que os seus leitores ganhassem olhos de criança...

A psicanálise é uma versão moderna da pedagogia Zen. Freud sugeriu que os neuróticos são pessoas “possuídas” pela memória, memória que as obriga a viver vendo um mundo da forma como o viram num dia passado. A memória nos torna prisioneiros do passado, não nos deixa perceber a “eterna novidade do Mundo”. Os neuróticos são prisioneiros da sua mesmice. Por isso, são confiáveis: serão hoje e amanhã o que foram ontem. A psicanálise é uma pedagogia da desaprendizagem. É preciso esquecer o que se sabe a fim de ver o que não se via. Se a terapia for bem-sucedida, se o paciente conseguir desaprender suas memórias, então ele estará livre para ver o mundo que nunca havia imaginado.

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20 Dezembro 2011 SIRINGE

Roland Barthes teve uma iluminação Zen na sua velhice. Na sua famosa “Aula”, ele diz, como “últimas palavras”:

Empreendo, pois, o deixar-me levar pela força de toda vida viva: o esquecimento. Há uma idade em que se ensina o que se sabe; vem, em seguida outra, em que se ensina o que não se sabe: isso se chama pes-quisar. Vem talvez agora a idade de uma outra experiência, a de desapren-der.

E ele concluiu: “Essa experiência tem, creio eu, um nome ilustre e fora de moda, que ousarei tomar aqui sem complexo, na própria encruzilhada de sua etimologia: Sapientia...”

Os mestres Zen nada ensinavam. O seu objetivo era levar os seus discípulos a “desaprender” o que sabiam, a ficar livres de qualquer filosofia. Para isso eles se valiam de um artifício pedagógico a que davam nome de koan. Koans são “rasteiras” que os mestres aplicam na linguagem dos dis-cípulos: é preciso que eles caiam nas rachaduras de seus próprios saberes.

A psicanálise repete a mesma coisa: a verdade aparece inesperada-mente quando acontece o lapsus, a queda, uma fratura do discurso lógico. Aí, nesse momento, a iluminação acontece. Abre-se um terceiro olho que estava fechado. Acontece o satori: o discípulo fica iluminado...

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Dezembro 2011 SIRINGE 21

Isso que estou dizendo os poetas sempre souberam. Poemas são koans, violências à lógica da linguagem para que o leitor veja um mundo que nunca havia visto. É por isso que a experiência poética é sempre um evento místico, de euforia. Não resisto à tentação de transcrever um trecho do poema de Vinícius de Moraes, “O operário em construção”. Tenho medo desse poema porque choro todas as vezes que o leio. Ele começa descrevendo a mesmice do mundo que o operário via no seu cotidiano, os pensamentos que ele pensava, as palavras que ele falava. Mas, de repente...

Texo de Rubem Alves

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22 Dezembro 2011 SIRINGE

INSTRUÇÕES PARA SUBIRUMA ESCADAjulio cortázar

L

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Dezembro 2011 SIRINGE 23

Ninguém terá deixado de

observar que freqüentemente o chão se dobra

de tal maneira que uma parte sobe em ângulo

reto com o plano do chão, e logo a parte

seguinte se coloca paralela a esse plano, para

dar passagem a uma perpendicular, comporta-

mento que se repete em espiral ou em linha

quebrada até alturas extremamente variáveis.

Abaixando-se e pondo a mão esquerda numa

das partes verticais, e a direita na horizontal

correspondente, fica-se na posse momentânea

de um degrau ou escalão. Cada um desses

degraus, formados, como se vê, por dois

elementos, situa-se um pouco mais acima e

mais adiante do anterior, princípio que dá

sentido à escada, já que qualquer outra combi-

nação produziria formas talvez mais bonitas ou

pitorescas, mas incapazes de transportar as

pessoas do térreo ao primeiro andar.

As escadas se sobem de frente, pois de costas

ou de lado tornam-se particularmente incômo-

das. A atitude natural consiste em manter-se em

pé, os braços dependurados sem esforço, a

cabeça erguida, embora não tanto que os olhos

deixem de ver os degraus imediatamente

superiores ao que se está pisando, a respiração

lenta e regular. Para subir uma escada começa-

se por levantar aquela parte do corpo situada

em baixo à direta, quase sempre envolvida em

couro ou camurça e que salvo algumas

exceções cabe exatamente no degrau. Colo-

cando no primeiro degrau essa parte, que para

simplificar chamaremos pé, recolhe-se a parte

correspondente do lado esquerdo (também

chamada pé, mas que não se deve confundir

com o pé já mencionado), e levando-a à altura

do pé faz-se que ela continue até colocá-la no

segundo degrau, com o que neste descansará o

pé, e no primeiro descansará o pé. (Os

primeiros degraus são os mais difíceis, até se

adquirir a coordenação necessária. A coincidên-

cia de nomes entre o pé e o pé torna difícil a

explicação. Deve-se ter um cuidado especial em

não levantar ao mesmo tempo o pé e o pé.)

Chegando dessa maneira ao segundo degrau,

será suficiente repetir alternadamente os movi-

mentos até chegar ao fim da escada. Pode-se

sair dela com facilidade, com um ligeiro golpe

de calcanhar que fixa em seu lugar, do qual não

se moverá até o memento da descida.

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24 Dezembro 2011 SIRINGE

L U G A R E SIMAGINÁRIOS

Cyril? Eudóxia? Cuttenclip? Não, você nunca conseguirá um pacote turístico que inclua estas cidades, porém nos te levamos para um breve passeio por estes lugares imaginários criados por algumas das mentes mais criativas da história.

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EXPEDIENTE // Siringe // DEZEMBRO 2011// Número 01A revista Siringe é uma publicação de cárater informativo com circulação digital gratuita.

Dezembro 2011 SIRINGE 25

EUD

AEM

ON

EUDAEMON. Capital da ilha de Macária (não confundir com o reino africano de mesmo nome). Trata-se de uma cidade grande, magnífica e feliz. Seus habitantes são altamente educados e põem o bem da república acima de seus interesses próprios. Ricos e pobres, altos e baixo escalões trabalham juntos pela felicidade comum. As leis suntuárias são aplicadas com rigor, a embriagues é punida com severidade e os funcionários do Estado são de privados de seus cargos à menor infração.As classes baixas não têm direito de voto e não podem participar do governo da cidade. Em lugares públicos encontra-se o seguinte aviso: Vulgus pessimus reruam gerendarum auctor est. O visitante observará que todos os avisos afixados na cidade estão em grego ou em latim. As citações em grego são tiradas da Hecabe, de Eurípedes.A religião de Euadaemon é evangélica, mas sem superstições. Não se permitem disputas religiosas em público e somente os ministros do culto podem exprimir opiniões religiosas. Os filóso-fos importunos são banidos da cidade.(Gaspar Stiblinus, “Commentriolus de Eudaemonsium Repub-lica, em Coropaedia, Basiléia, 1555)

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26 Dezembro 2011 SIRINGE

E U D Ó X I A EUDÓXIA. Cidade da Ásia que se estende para cima e para baixo, com vielas tortuosas, escadas, becos e casebres. Em Eudóxia conserva-se um tapete no qual se pode contemplar a verdadeira forma da cidade. À primeira vista, nada é tão pouco parecido com Eudóxia quanto o desenho do tapete, ordenado em figuras simé-tricas que repetem os próprios motivos com linhas retas e circu-lares, entrelaçado por agulhadas de cores resplandecentes, cujo alternar de tramas pode ser acompanhado ao longo de toda a urdidura. Mas, ao se deter para observá-lo com atenção, percebe-se que cada ponto do tapete corresponde a um ponto da cidade e que todas as coisas contidas na cidade estão compreen-didas no desenho, dispostas segundo as suas verdadeiras inten-ções, as quais se evadem ao olhos distraídos pelo vaivém, pelos enxames, pela multidão. A confusão de Eudóxia, os zurros das mulas, as manchas de negro-fumo, os odores de peixe é tudo o que aparece na perspectiva parcial que se colhe; mas o tapete prova que existe um ponto no qual a cidade mostra suas verdadei-ras proporções, o esquema geométrico implícito nos mínimos detalhes.

É fácil perder-se em Eudóxia: mas quando se olha atentamente para o tapete, reconhece-se o caminho perdido num fio de carmesim ou anil ou vermelho-amaranto que, após um longo giro, faz com que se entre num recinto de cor púrpura que é o verdadeiro ponto de chegada. Cada habitante de Eudóxia compara a ordem imóvel do tapete a uma imagem sua da cidade, uma angústia sua, e todos podem encontrar escondidas entre os ara-bescos, uma resposta, a história de suas vidas, a vicissitudes do destino.

Sobre a relação misteriosa de dois objetos tão diferentes entre si como o tapete e a cidade foi interrogado um oráculo. Um dos dois objetos – essa foi a resposta – tem a forma que os deuses deram ao céu estrelado e ás órbitas mas quais os mundos giram; o outro é um reflexo aproximado do primeiro, como todas as obras huma-nas.

Há muito tempo os profetas tinham certeza de que o harmônico desenho do tapete era de feitura divina; interpretou-se o oráculo nesse sentido, sem ar espaço a controvérsias. Mas da mesma maneira pode-se chegar à conclusão oposta: que o verdadeiro mapa do universo seja a cidade de Eudóxia assim como é, uma mancha que se estende em ziguezague, casas que na grande poeira desabem umas sobre as outras, incêndios, gritos na escuridão.

(Ítalo Calvino, Le città invisibili, Turim, 1972; As cidades invisíveis, trad. Diogo Mainardi, São Paulo, 1990)

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Dezembro 2011 SIRINGE 27

C Y R I L

EUDÓXIA. Cidade da Ásia que se estende para cima e para baixo, com vielas tortuosas, escadas, becos e casebres. Em Eudóxia conserva-se um tapete no qual se pode contemplar a verdadeira forma da cidade. À primeira vista, nada é tão pouco parecido com Eudóxia quanto o desenho do tapete, ordenado em figuras simé-tricas que repetem os próprios motivos com linhas retas e circu-lares, entrelaçado por agulhadas de cores resplandecentes, cujo alternar de tramas pode ser acompanhado ao longo de toda a urdidura. Mas, ao se deter para observá-lo com atenção, percebe-se que cada ponto do tapete corresponde a um ponto da cidade e que todas as coisas contidas na cidade estão compreen-didas no desenho, dispostas segundo as suas verdadeiras inten-ções, as quais se evadem ao olhos distraídos pelo vaivém, pelos enxames, pela multidão. A confusão de Eudóxia, os zurros das mulas, as manchas de negro-fumo, os odores de peixe é tudo o que aparece na perspectiva parcial que se colhe; mas o tapete prova que existe um ponto no qual a cidade mostra suas verdadei-ras proporções, o esquema geométrico implícito nos mínimos detalhes.

É fácil perder-se em Eudóxia: mas quando se olha atentamente para o tapete, reconhece-se o caminho perdido num fio de carmesim ou anil ou vermelho-amaranto que, após um longo giro, faz com que se entre num recinto de cor púrpura que é o verdadeiro ponto de chegada. Cada habitante de Eudóxia compara a ordem imóvel do tapete a uma imagem sua da cidade, uma angústia sua, e todos podem encontrar escondidas entre os ara-bescos, uma resposta, a história de suas vidas, a vicissitudes do destino.

Sobre a relação misteriosa de dois objetos tão diferentes entre si como o tapete e a cidade foi interrogado um oráculo. Um dos dois objetos – essa foi a resposta – tem a forma que os deuses deram ao céu estrelado e ás órbitas mas quais os mundos giram; o outro é um reflexo aproximado do primeiro, como todas as obras huma-nas.

Há muito tempo os profetas tinham certeza de que o harmônico desenho do tapete era de feitura divina; interpretou-se o oráculo nesse sentido, sem ar espaço a controvérsias. Mas da mesma maneira pode-se chegar à conclusão oposta: que o verdadeiro mapa do universo seja a cidade de Eudóxia assim como é, uma mancha que se estende em ziguezague, casas que na grande poeira desabem umas sobre as outras, incêndios, gritos na escuridão.

(Ítalo Calvino, Le città invisibili, Turim, 1972; As cidades invisíveis, trad. Diogo Mainardi, São Paulo, 1990)

CYRIL. Ilha de localização desconhecida. Vista de longe, parece o fogo de um vulcão ou um buquê de estrelas cadentes. Na verdade trata-se de um vulcão móvel, movida por hélices potentes em cada um de seus quatro cantos.A vermelhidão ofuscante do vulcão e da lava que flui tornam difícil ver qualquer coisa na ilha; para remediar isso, as crianças nativas carregam lâmpadas para guiar os visitantes. Essas crianças vivem e morrem, sem jamais envelhecer, em vários pontos de uma barcaça comida pelos vermes, próxima da praia.Os viajantes curiosos notarão abajures cor-rendo no fundo da barcaça. Mais para dentro da ilha, botânicos poderão apreciar as umbe-las adormecidas.A ilha é o lar e a embarcação do capitão Kidd, que às vezes pode ser visto bebendo gim e acendendo seu cachimbo na lava incandes-cente.(Alfred Jarry, Gestes et opinios Du docteur Faustroll, pataphysiscien, Roman neo-scientifique, Parism 1911)

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28 Dezembro 2011 SIRINGE

CUTTENCLIP

CUTTENCLIP. Aldeia de Quadling, em OZ, cercado por muros altos

pintados com ornamentos azuis e rosa. A única entrada é uma

porta pequena na qual se lê este aviso: “Roga-se aos visitantes

que andem com lentidão e cuidado e evitem tossir ou provocar

qualquer corrente de ar”. A advertência é necessária porque toda

a população da aldeia é de bonecos de papel vivos.

Cuttenclip (que poderia ser traduzido por Corte-Recorte) con-

siste de casas e ruas de papel colorido. A exceção é uma casa

de madeira no centro da aldeia de papel. Trata-se da casa da

governante e criadora da comunidade, Srta. Cuttenclip, que

vivia no extremo sul de Oz; ela fazia bonecos de papel tão

lindos que era uma pena que não tivessem vida. Glinda deu-lhe

então papel vivo e todos os seus recortes passaram a pensar e

falar. O problema é que esses bonecos eram carregados pela

menor brisa. Glinda instalou então a Srta. Cuttenclip numa área

abrigada e construiu um muro em volta. Também protegeu a

aldeia da chuva, para que o povo de papel não se danificasse ou

dissolvesse. A Srta. Cuttenclip é obviamente adorada por seus

súditos; quando a vêem, ficam felizes a acenar seus lenços de

papel e cantam o hino nacional, A Bandeira de Nossa Terra

Natal.

(L. Frank Baum, The Emerald City of Oz, Chicago, 1910)

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Dezembro 2011 SIRINGE 29

CEN

TRU

M T

ERRA

E Cada um dos lagos que dão

acesso a Centrum Terrae é

dirigido por um príncipe que se

veste à maneiro do povo do país

onde se situa o lago, mas sem a

pompa normalmente associada

aos soberanos terrenos. Os lagos

foram criados por quatro motivos

principais: ofecer aos espíritos da

água uma janela para o mundo;

ancorar os mares e oceanos do

mundo, funcionando um pouco

como pregos que os mantêm no

lugar; oferecer uma rede de reser-

vas de água; exprimir a vontade

de Deus. A função dos espíritos

que vivem neles é manter a terra

úmida. Eles cultivam pérolas que

ainda estão moles e se parecem

com ovos cozidos.

(Johan Hans Jakob Christoffel

Von Grimmelshausen, Der aben-

teurliche Simplicissimus Teutsch,

Nurembergue, 1668, Continuatio

des abenteurliche Simplicissimus

oder Schluss desselben, Nurem-

bergue, 1669)

CENTRUM TERRAE. Região situada

a cerca de 1500 quilômetros

abaixo da superfície da Terra,

cujo acesso é feito por vários

lagos. Uma das entradas mais

conhecidas é pelo MUMMELSEE,

mas diz-se que há tantas entra-

das por lagos quantos dias no

ano. Todas as passagens se

encontram no palácio do rei que

governa Centrum Terrae à ma-

neira de uma abelha rainha.

Seu súditos são espíritos da

água mortais, mas vivem até

trezentos anos e não sofrem

doenças nem podem ser mortos:

eles simplesmente desaparecem.

Os espíritos são incapazes de

pecar e, portanto, não são atingi-

dos pela ira de Deus.

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Eduardo RecifeEmbora Eduardo Recife, o artista de hoje é mineiro de Belo Horizonte. Ilustrador,

designer gráfico e tipógrafo, os jornais The Guardian e The New York Times são

alguns dos clientes do rapaz. Segundo o próprio Recife em seu portfólio, desde

pequeno preenchia cadernos inteiros com desenhos e usava qualquer superfície

para ilustrar, incluindo aí colegas que foram devidamente tatuados com canetinha.

No Misprinted Type, o site do artista, é possível baixar algumas das fontes criadas

por ele, além de diferentes pincéis para Photoshop. Ironia do destino ou não,

Eduardo Recife é verbete da Wikipedia gringa, mas sua tupigrafia e seus sites ainda

não constam em português.

30 Dezembro 2011 SIRINGE

Por Allen Carr

Tradução de Natan Schäfer

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Você tem trabalho em outras áreas artísticas (filmes, poesias, animações, etc.) além do que há no Misprinted Type?

Eu tenho feito algumas artes urbanas com um amigo. Mas não temos feito muita coisa desde 2004. No que diz respeito a trabalhos comerciais, eu ainda preciso criar um site para exibi-los. ( Veja no final da entrevista os links para os sites de Eduardo Recife).

De onde você tira material para suas colagens?

Eu tenho um armário enorme com gavetas cheias de material para recorte. Se você trabalho com colagem tem de ter um grande recurso de imagens... Eu também gosto de trabalhar com panfletos de supermercados e material descoberto.

Qual treinamento você teve que fazer para criar o Misprintedtype.com?

Nenhum. Mas tanto quanto programação, eu não faço nada quanto a HTML, asp, etc... Meu amigo “Mickey” cuida disso para mim.

O que você quer ser daqui a dez anos? Qual é o seu ideal?

Eu realmente espero poder viver perto do mar. E eu ainda penso que é uma boa idéia trabalhar como artista freelancer; Eu não tenho planos de trabalhar “fulltime” numa agência de design. Eu quero ter controle sobre meu tempo e sobre meus projetos.

E. Recife recomendawww.Fecalface.com

www.surfstation.lu

www.brasilinspired.com

www.woostercollective.com

www.bd4d.com

Para maiores informaçõessobre seu trabalho, acesse:

www.misprintedtype.com/

www.eduardorecife.com/

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Eduardo Recife é um de meus artistas atuais favoristos e ele foi extremamente encorajador e me ajudou muito a desen-volver meu trabalho. Suas criações são como sonhos ou uma versão “corcêntrica” das animações de Jan Svankmjer com textos cruzando as cenas. Veja mais do seu trabalho no decorrer da matéria.Essa entrevista é parte dos meus arquivos privados (de 2005) que foi originalmente veiculada em um projeto independente porém, como este projeto ainda está em processo, e dá vida aos trabalhos de Eduardo, resolvi trazê-la à tona.

Você pode falar um pouco sobre os meios que você usa para produzir seu trabalho e do que se trata esse trabalho?

No momento eu estou trabalho como ilustrador/designer freelancer. No entanto, eu também tenho projetos pessoais que são vendidos em galerias ou por pedidos. Estou experimentando todos os tipos de mídias: Lápis, tinta, computador, fotografia, colagem... EU gosto de experimentar o máximo possível novas técnicas e materiais.

Como está a cena de design e arte no Brasil?

Eu nasci e vivo até hoje em Belo Horizonte. No temos grandes artistas e designer por aqui. Entretanto, a maior das pessoas acaba saindo do Brasil, porque é difícil ganhar a vida com isso por aqui.

Seu desenhos, fotografias e fontes parecem realmente vivas, o que as torna instantanea-mente confortáveis, familiares. De onde você acredita que vem seu estilo desgastado/ruidoso?

Eu acredito que isso tem a ver o ambiente... O Brasil pode ser muito caótico visualmente, e muitas vezes você acaba importunado pelos anúncios na rua, muros com cartazes desgastados, etc... Porém, eu também tenho uma paixão por coisas antigas, gastas, deterioradas... elas carre-gam vida e tempo consigo.

Quando você começa a fazer um trabalho, você sabe qual será o produto final ou você começa e vai seguindo para ver onde a coisa vai parar?

Normalmente, eu tenho uma vaga idéia do que eu estou procurando. No entanto, me envolvo tanto com as coisas qunaod estou trabalho que, muitas vezes, elas assumem outros rumos. E eu não rascunho (com alguma exceções) a peça antes de começar a trabalhar nela... Eu gosto de seguir os instintos do momento.

Quando você começa a fazer um trabalho, você sabe qual será o produto final ou você começa e vai seguindo para ver onde a coisa vai parar?

Normalmente, eu tenho uma vaga idéia do que eu estou procurando. No entanto, me envolvo tanto com as coisas qunaod estou trabalho que, muitas vezes, elas assumem outros rumos. E eu não rascunho (com alguma exceções) a peça antes de começar a trabalhar nela... Eu gosto de seguir os instintos do momento.

O que você acha da mídia digital versus materiais tradicionais?

São apenas diferentes meios, não há realmente como compará-los... Eu gosto de trabalhar com colagens digitais, pois eu tenho maior liberdade pra manipulá-las, como alterar tamanhos, rotacionar, aplicar cores e algumas vezes cortá-las... Entretanto, eu também amo colagens manuais. Elas parecem mais naturais e muito mais bacana ver uma colagem real do que uma imagem impressa.

Você trabalho em colaboração com Adriana de Barros no “Invisível”. Você tem feito outros trabalhos colaborativos? Você gosta de trabalhar em projetos colaborativos?

Trabalho colaborativo é ótimo. Mesmo que as vezes eu tenha pouco tempo para trabalhar com mais pessoas... Nós simplesmente perdemos o senso de quando parar (isso não tem nada a ver com o projeto “Invisível”). Eu espero que eu tenha mais tempo para mais colaborações no futuro.

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36 Dezembro 2011 SIRINGE

A LOWELL DE JACK KEROUACfagundes farias

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Dezembro 2011 SIRINGE 37

“Tive uma bela infância, meu pai era tipógrafo em Lowell, mas, perambulava pelos campos e pelas margens dos rios dia e noite, escrevia pequenos romances no meu quarto, o primeiro aos onze anos, mantinha também longos diários...”.

É assim que Jack Kerouac começa a expressar, no livro Viajante Solitário, seus sentimentos em relação a Lowell, a cidade onde nasceu, no norte do estado de Massachusetts, costa leste dos Estados Unidos. Com seus prédios de tijolos vermelhos, velhas indústrias e altas chaminés desativadas, calçadas semide-sertas e tranqüilos bairros residenciais de casas de madeira à margem do rio Merrimack, Lowell é um desses lugares onde parece muito improvável ter sido gerado qualquer criador de um movimento literário revolucionário como a Beat Generation. Nada no ambiente operário das primeiras décadas do século 20 faria prever o surgimento na cidade de um rapaz que escreveria On the Road – Pé na Estrada, livro que forneceria a inspiração necessária para poder colocar uma geração inteira à procura da poesia de uma vida nômade.

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Da mesma forma, ninguém poderia prever que, depois de consagrado como o escritor que popularizou o mito das viagens hedonísticas, como o artista fundamental que estabeleceu as bases para a sensibilidade boêmia do movimento beat e da geração dos anos 60, Kerouac fosse tão ligado à suas origens provincianas a ponto de voltar a morar em Lowell, na casa da mãe, em vários momentos de sua vida – e acabar vivendo seus dois últimos anos também na cidade.

Cidade pequena. Lowell foi a primeira cidade criada para abrigar a então nascente indústria têxtil norte-americana. Localizada a 45 quilômetros ao norte de Boston, foi fundada em 1826 para aproveitar as águas do rio Merrimack, que rodavam os moinhos que processavam a extração do algodão para a indústria têxtil. A cidade passou a atrair trabalhadores imi-grantes, inicialmente ingleses, esco-ceses e irlandeses. Depois, gregos e poloneses. Mais recentemente, cambo-janos, vietnamitas e até brasileiros que fazem negócios na área de Boston.

A cidade viveu seu apogeu durante meados do século 19, quando liderava a produção têxtil no país. Chegou a ter 120 mil habitantes, mas já se encon-trava em decadência quando Kerouac veio ao mundo em março de 1922. Kerouac nasceu em uma família de imigrantes canadenses que haviam fugido da perseguição no Québec. Eram, portanto, falantes do francês. Os ancestrais de seu pai vinham da Bretanha, na França, e se consideravam celtas, tema a “grega” Stella Sampas.

Kerouac nasceu em uma família de imigrantes canadenses que haviam fugido da perseguição no Québec.

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Influência. Kerouac moraria em Lowell até 1939, quando seguiria para Nova York para concluir os estudos secundários e depois encontrar a sua turma de boêmios escritores na Uni-versidade de Columbia (Allen Gins-berg, William Burroughs, Gregory Corso). Mas foi ainda em Centralville que o menino Jack desenvolveu seu catolicismo fervoroso – que mais tarde misturaria com influências budistas – seu interesse por futebol americano e pela vida dos vagabundos que, naquela época, ainda percorriam o país em cima de trens.

Reclusão. Depois de anos na estrada, vivendo períodos variados em Nova York, São Francisco, Cidade do México, na Carolina do Norte e na Flórida, Kerouac voltaria a Lowell para morar em 1967 com o objetivo de cuidar da mãe doente. Quando a vida boêmia dos hipsters dos anos 40 e 50, profetizada em On the Road, agora se tornava realidade para muitos, com os hippies no chamado “verão do amor”, Kerouac era já um homem precoce-mente envelhecido, com apenas 45 anos de idade. Viveu dois anos em Lowell, amargurado e alcoólatra, pas-sando o tempo entre os livros da Biblioteca Pollard e o Nicky's Bar. Morreria logo depois, em 1969, em St. Petersburg, na Flórida.

Lowell, que hoje luta para recuperar as glórias do passado e tenta restaurar a pitoresca arquitetura dos anos da indústria têxtil, homenageia seu único filho famoso com o festival Lowell Celebrates Kerouac, que ocorre sempre no mês de outubro, aproveit-ando a menção ao mês em On The Road, o mais famoso livro do escritor.

Contradição. Se a contradição muitas vezes é combustível para grandes obras, Kerouac tem também as suas: o menino, que aprendeu inglês tardiamente, tornar-se-ia um mestre na explora-ção dos recursos fonéticos de sua segunda língua, usando na prosa e na poesia muitas onomatopéias e outros recursos sonoros que dão ao seu texto uma intensa dimen-são musical. O caroneiro, o amante da poesia, das luzes da cidade grande e das carrocerias de caminhão sob as estrelas, o viajante intrépido que colocou uma geração inteira na estrada, não conseguia se libertar de seus laços com a vida simples do inte-rior, com o conforto da casa dos pais. Mas Jack Kerouac nunca teve grandes pretensões. Na introdução de Mexico City Blues, ele afirma: “Quero ser con-siderado apenas um poeta do jazz, soprando uma longa melodia

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