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169 AS FONTES CRISTÃS SOBRE JESUS * THE CHRISTIAN SOURCES ABOUT JESUS José Maria Melero Martínez ** RESUMO: O artigo é uma apresentação das fontes históricas sobre Jesus de Nazaré: fontes sinóticas, fonte Q, fontes afins à gnose, fragmentos de evangelho com material sinótico ou joanino, evangelhos judeu-cristãos e outras fontes. PALAVRAS-CHAVE: Fontes sinóticas; Fonte Q; Evangelhos Judeu Cristãos. ABSTRACT: The article is a apresentation of the históric sources about Jesus of Nazareth. The sinoptic Gospels, the fonte Q, sources akin to gnose and fragments of the Gospel with sinoptic and johannines materials. The Jewish–Christian Gospels and other sources. KEY WORDS: Sinoptic Gospels; Fonte Q; Gnose and Jewish–Christian Gospels. * Este artigo foi possível graças à Bolsa de Pesquisa, concedida pela Igreja nacional espanhola de Santiago e Montserrat ** José Maria Melero Martínez é professor pesquisador na Facultade de Educação de Albacete, da Universidade de Castilla–La Mancha. Artigos

Revista Teologia 2016-1 e as cartas paulinas e por isso concluem que é indubitável que o desconhecido autor da obra lucana não foi companheiro de Paulo. 3. Tempo e lugar de aparição

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    AS FONTES CRISTÃS SOBRE JESUS*

    THE CHRISTIAN SOURCES ABOUT JESUS

    José Maria Melero Martínez **

    RESUMO: O artigo é uma apresentação das fontes históricas sobre Jesus de Nazaré: fontes sinóticas, fonte Q, fontes afins à gnose, fragmentos de evangelho com material sinótico ou joanino, evangelhos judeu-cristãos e outras fontes.

    PALAVRAS-CHAVE: Fontes sinóticas; Fonte Q; Evangelhos Judeu Cristãos.

    ABSTRACT: The article is a apresentation of the históric sources about Jesus of Nazareth. The sinoptic Gospels, the fonte Q, sources akin to gnose and fragments of the Gospel with sinoptic and johannines materials. The Jewish–Christian Gospels and other sources.

    KEY WORDS: Sinoptic Gospels; Fonte Q; Gnose and Jewish–Christian Gospels.

    * Este artigo foi possível graças à Bolsa de Pesquisa, concedida pela Igreja nacional espanhola de Santiago e Montserrat

    ** José Maria Melero Martínez é professor pesquisador na Facultade de Educação de Albacete, da Universidade de Castilla–La Mancha.

    Artigos

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    INTRODUçãO

    Para valorizar as fontes históricas sobre Jesus de Nazaré tem-se que considerar dois aspectos: sua proximidade ao Jesus histórico e sua independência.

    O papel da literatura extracanonica para investigar a história do cristianismo primitivo e a história de Jesus tem sido e continua sendo discutido. Três posturas enfrentadas: 1) os escritos extracanonicos não podem fazer nenhum aporte considerável à investigação dos inicios (J. Gnilka e R. Schnackenburg1), 2) busca de ditos desconhecidos como complemento à imagem sinótica de Jesus (J. Jeremias2), 3) equiparação, em princípio, de fontes canônicas e extracanonicas na investigação sobre Jesus (J. M. Robinson, H. Köster, J. D. Crossan3)

    Este artigo é uma breve apresentação das principais fontes e seu valor para pesquisa do Jesus histórico4 .

    1. fONTES SINóTICAS

    a) o evangelho de Marcos5.

    1. O texto.

    O EvMc é o evangelho mais antigo que se conserva, e vem a ser a fonte de Mt e Lc. Teve presumivelmente varias edições.

    2. Lugar e tempo de composição.

    Escrito em Roma, a partir do ensino oral de Pedro por seu interprete João Marcos (cf. 1 Pe 5, 13: Marcos e Pedro em Roma). Encontramos no EvMc umas

    1 GNILKA, J., Jesus de Nazarth . Herder, Barcelona 1995; SCHNACKENBURG, R., a persona di Gesù Cristo nei quattro Vangeli, Paideia, Brescia 1995.

    2 JEREMIAS, J., Palabras desconhecidas de Jesús, Sígueme, Salamanca 1996 (5 ed.).3 ROBINSON, J. M., Gesù secondo il testimone più antico, Paideia, Brescia 2007; CROSSAN, J. D., Jesus:

    vida de um campesino judío, Herder, Barcelona 1994.4 4 THEISEN, G–MERZ, A., El Jesus histórico, Sígueme, Salamanca 1999, especialmente as pp. 35–

    81; SEGALLA, G., Sulle tracce di Gesù. a “Terza ricerca”, Cittadella Editrice, Assisi, 2006; PENNA, R., Le origini do cristianesimo, Carocci, Roma 2004, pp. 71–93; PENNA, R., Ambiente histórico–cultural de los orígenes del cristianismo, DDB, Bilbao 1994; PESCE, M., Le parole dimenticate di Gesù, Fondazione Lorenzo Valla–Arnoldo Mondadori E ditore, Milano 2006 (7 ed.); VAN VOORST, R. E, Gesù nelle fonti extrabiblique. Le antiche testimonianza sul mestre di Galilea, San Paolo, Roma 2004.

    5 GNILKA, J. El evangelio según san Marcos, 2 vol. Sígueme, Salamanca 1988, 3ed; TAILOR, V., El evangelio según san Marcos, cristiandad, Madrid 1980; MATEOS, J‐CAMACHO, F., EL evangelio de Marcos. Análisis lingüístico e comentario exegético, Ed. o Almendro‐Fundação É psilon, Córdoba‐Madrid 1993.

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    tradições palestinas de evidente colorido local junto a tradições prepaulinas helenísticas.

    Esta combinação é compreensível em Antioquia. Mc apareceu pelo ano 70, porque a guerra judeu–romana (66–74 d. C.) aconteceu no primeiro século.

    3. fontes subjacentes.

    O EvMc é um recompilador, porque reúne materiais da tradição escrita e oral com uma clara diversidade formal e teológica: uma história da paixão, antologias de relatos de milagres orais o escritos, tradições apocalípticas (Mc 13), disputas , diálogos escolares (parábolas e ditos Mc 4).

    4. Modelação teológica.

    O EvMc é um teólogo modelador. Cria um evangelho que se poderia definir como um relato da paixão com uma ampla introdução biográfica. à pessoa de Jesus. É um mistério que se vai desvelando progressivamente.

    b) Fonte Q dos logia (ditos) 6.

    1. O texto.

    A denominada fonte Q dos logia (sigla Q, do alemão Quelle, fonte) é um documento cuja existência se introduziu para análise. É, portanto uma “hipótese literária aceita majoritariamente”, porque é facilmente compreensível e resolve muitos problemas literários sem criar outros novos. Mt e Lc oferecem, junto ao material de Mc, numerosos textos comuns, sobretudo sentenças, que ambos recolhem com independência entre si e que se encontrariam na fonte Q. com toda probabilidade, estava escrita em grego. Somente as passagens comuns de Mt e Lc podem ser assinaladas com alguma segurança a Q, cuja ordem original aparece presumivelmente melhor conservada mais no segundo que no primeiro.

    6 ROBINSON, J. M–HOFFMANN, P–KLOPPENBORG, J. S., El documiento Q,, Sígueme–Peeters Publishers, Salamanca-Leuven 2002; GUIJARRO, S., Ditos primitivos de Jesús. Una introdución al “proto-evangelio de ditos Q”, Sígume, Salamanca 2004; VIDAL, S., a fonte Q, Sal Terrae, Santander 2010.

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    2. Tradições recolhidas, gênero literário e contexto vital.

    Q contem quase unicamente ditos de Jesus: sapienciais, proféticos e apocalípticos, ditos legais e normas comunitárias, também parábolas. Algumas procedem sem dúvida de logia arameus e se remontam portanto aos inicios da Tradição. Falta no Q o relato da paixão. É uma recopilação de sentenças que continha ensinos de Jesus. Os que as recolheram e difundiram foram carismáticos itinerantes do cristianismo primitivo, continuadores do estilo de vida e da predicação de Jesus. O núcleo da mensagem era a chamada ao seguimento de Jesus diante da chegada do reino de Deus. Jesus, o Filho de Deus, é o mestre autorizado que ensina a vontade de Deus e é esperado em seu retorno como Filho do Homem e juiz escatológico. Q interpreta a morte de Jesus como o destino de um profeta, um dos muitos mensageiros da Sabedoria que foram rechaçados.

    3. Tempo e lugar de aparição.

    Antes da guerra judaica e da destruição do templo, porque espera a vinda do Filho do homem em ambiente de paz e recolhe a ameaça de que Deus abandone o templo. Têm claras referencias à crise de Calígula já superada (39/40 d. C.). A imagem dos fariseus como perseguidores dos cristãos pode ter sido escrito historicamente entre os anos 40 e princípios dos 50. Q apareceu provavelmente na Palestina. Está formado por coleções menores.

    4. A fonte dos logia e o Jesus histórico.

    Q é sem dúvida a fonte mais importante para a reconstrução dos ensinos de Jesus. Porém, as tradições autenticas de Jesus se encontram também nas palavras de gerações posteriores. Por isso as tradições Q permitem reconstruir imagens díspares de Jesus. Algum autor o considera um filósofo cínico galileu, outro um pregador apocalíptico.

    c) O evangelho de Mateus7.

    1. O texto.

    O EvMt se conserva a partir do ano 200 em papiros e em citações de Padres da Igreja. A integridade do texto redigido em grego não se questiona apesar da opinião de Papias e Irineu de que Mt foi escrito originariamente em aramaico (ou hebraico).7 LUZ, U., El evangelio según san Mateo, 4 vol., Sígueme, Salamanca 1993‐2005.

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    2. fontes e estrutura.

    Mt pressupõe Mc, a fonte dos logia e material heterogêneo. Mt segue sobretudo a Mc, porém dentro de Mc 1–3 fez algumas reagrupações por temas (reunião da atividade de Jesus em Mt 8–9); Mt inserir cinco grandes discursos: sermão da montanha (5–7), discurso da missão (9, 35–10, 42), discurso parabólico (13), discurso comunitário (18) e discurso escatológico (23–25).

    3. Tempo e lugar de aparição.

    El EvMt pressupõe como um fato passado a destruição do templo. O mais provável é a aparição nos anos 80 o a mais tardar nos anos 90 como data mais tardia.

    Pode aparecer em território de Damasco o a Decápole.

    4. Contexto vital.

    A forte polêmica de Jesus contra às autoridades judaicas reflete o contato real do autor com o judaísmo.

    5. A imagem mateana de Jesus e o Jesus histórico.

    Mt destaca a grandeza de Jesus mais que Mc. Apresenta sua vida como plenitude da lei e dos profetas. A vida e a conduta de Jesus como cumprimento dos vaticínios proféticos. Jesus observa a torá em sua conduta, sobretudo sua interpretação autêntica. Mt apresenta Jesus como mestre que ensina a vontade de Deus em alguns discursos menores e especialmente nos cinco discursos maiores. Mt interpretou para seu tempo as palavras de Jesus contidas nos discursos, transpondo-as a um novo contexto e submetendo- as a uma elaboração redacional.

    d) O evangelho de Lucas8.

    1. Texto, fontes e estrutura.

    Lucas utiliza como fonte além de Mc e Q, um abundante material especial que abarca quase a metade do evangelho.

    A longa viagem (9, 51–19, 27) se baseia claramente no capítulo 10 de Mc.

    8 BOVON, F., El evangelio según Lucas, 3 vol. Sígueme, Salamanca 1995‐2004; SABOURIN, L., El evangelio de Lucas, Edicep, Valencia 2000.

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    2. o autor.

    Lucas médico e companheiro de viagem de Paulo apresentado em Fm 24; Col 4, 14; Tim 4, 11, escreveu, segundo a tradição eclesial, o evangelho que leva seu nome e os Atos dos Apóstolos. Frente a esta opinião defendida ainda hoje por alguns, muitos autores assinalam numerosos contrastes entre a exposição de Atos e as cartas paulinas e por isso concluem que é indubitável que o desconhecido autor da obra lucana não foi companheiro de Paulo.

    3. Tempo e lugar de aparição.

    Entre o ano 70 d. C. e o 140/150 d. C. sua independência do EvMt sugere a primeira metade deste espaço de tempo. Lugar uma grande cidade ao oeste de Palestina.

    4. O evangelho de Lucas e o Jesus histórico.

    Lc apresenta a Jesus como o salvador ungido pelo Espírito que em nome de Deus acolhe os excluídos e lhes anuncia a salvação. Atenção aos pobres, aos coletores, pecadores, às mulheres, aos samaritanos. Lc utilizou as tradições seletivamente e as moldou ao seu próprio esquema.

    2. fONTES AfINS à gNOSE.

    a) O evangelho de João9.

    1. O texto e sua integridade.

    O EvJo está muito bem documentado por vários papiros do século II. O texto sempre circulou na versão atual.

    2. Fontes e tradições elaboradas.

    O autor difere dos sinópticos na articulação da atividade de Jesus, costuma formar conjuntos narrativos amplos, adapta a forma evangélica, e isto faz pensar que conhecia ao menos um evangelho sinóptico.

    Pode se detectar as seguintes fontes escritas: uma tradição da paixão e da páscoa independente dos sinópticos, uma antologia que enfatiza o fator religioso

    9 SCHNACKENBURG, R., El evangelio de Juan, 4 vol, Herder, Barcelona 1980‐1988

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    mais que os sinópticos, a denominada fonte dos semeia (signos) que contem sete milagres narrados em Jo 1–11 e outros materiais narrativos.

    Permanece sem solucionar a questão dos antecedentes das grandes composições de discursos e diálogos.

    3. Autor, tempo e lugar.

    Os editores do evangelho mencionaram em 21, 24 ao discípulo amado como autor do evangelho e parecem estar interessados em seu anonimato literário. Um discípulo de Jesus, presumivelmente não demasiado conhecido, que sobreviveu em muito tempo a Pedro. A tradição da Igreja antiga encontra em João Zebedeu ao autor do evangelho (Irineu, Eusébio).

    Tempo de aparição ao final do século I d. C., presumivelmente no ano 98.

    Lugar. Os testemunhos mais antigos apontam para o Egito, a recepção dos inícios e significativa da Ásia Menor situa em Éfeso o nascimento; outros sugerem a aparição na Síria.

    4. A imagem joanina de Jesus e o Jesus histórico.

    O EvJo oferece a figura mais estilizada de Jesus sobre a base das premissas teológicas: fala e age como Revelador que é consciente de sua preexistência, porém que só pode ser conhecido e invocado como tal depois da Páscoa por obra do Espírito. Não carece de valor histórico; transmite em algumas passagens certos dados em contraste com os sinópticos que podem remontar-se a tradições antigas como: Pedro, André e Felipe que procedem de Betsaida (1, 44), processo judaico contra Jesus,(18, 19ss.); a morte de Jesus antes da Páscoa (18, 29; 19, 31).

    b) O evangelho de Tomás (EvT)10

    1. Texto.

    Hipólito (235) e Orígenes contam que grupos heterodoxos usavam “o evangelho segundo Tomás”. Este evangelho foi redescoberto em 1945 entre os manuscritos da biblioteca de Nag Hammadi. Três papiros encontrados já no final do século XIX em Oxirrinco (POx1, 654 e 655) foram identificados posteriormente como fragmentos gregos do EvT.

    2. Conteúdo e estrutura.10 ALCALÁ, M., El evangelio copto de Tomás, Sígueme, Salamanca 1989.

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    O EvT contém 114 logia de Jesus, porém nenhum material narrativo e nenhuma referência a fatos de Jesus dentro da tradição das sentenças. Por gêneros literários inclui frases sapienciais, parábolas, textos legais, diálogos breves e palavras proféticas. A metade dos logia aproximadamente encontra paralelismo com os evangelhos canônicos.

    3. Antiguidade e lugar de aparição

    Tempo provável de aparição como mais tardio é o ano 140. A redação final parece ser posterior à destruição do templo 70 d. C. e se discute se o evangelho apareceu ainda no século I.

    Relativo consenso ao lugar: Síria como sugere o nome do suposto autor, João Dídimo Tomás que figura somente em escritos de origem siro-oriental.

    4. Antiguidade e independência das tradições do EvT.

    Este escrito é, de todos os evangelhos extracanônicos, o que oferece mais vislumbres de probabilidade no que se refere à autonomia (independência dos evangelhos canônicos) e antiguidade de suas tradições. Os defensores da independência aduzem como argumentos o gênero literário, ou a ordem sucessiva dos logia e certas observações sobre a história da tradição de algumas sentenças.

    Como antologia de ditos, o EvT é exponente de um dos gêneros literários mais antigos que transmitiram material jesuânico. Outras recopilações dos primeiros tempos (Q e a antologia que subjaza Mc 4) se incorporaram aos evangelhos sinóticos e ficaram dissolvidas neles.

    O EvT é o contraponto oriental à fonte ocidental dos logia, Q.

    A sequencia dos logia do EvT é totalmente independente dos evangelhos sinóticos, o qual constitui um forte indicio de que os logia comuns não foram tomados deles. Os ditos que contem o EvT são em geral uma versão mais antiga, dentro da história das tradições, que as dos sinóticos.

    5. Traços teológicos.

    Jesus como Revelador: Jesus, o Vivente; uma antropologia dualista onde o mundo É desvalorizado, escatologia de apresente (o Reino do Pai ou dos céus) é uma realidade supratemporal, origem e fim do ser humano que se conhece a si

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    mesmo; o seguimento como distanciamento do mundo; o EvT reflete uma gnose em estado nascente.

    6. O EvT e o Jesus histórico.

    Salta aos olhos uma grande relevância histórica das tradições que abarca que se Remontam à épocas das origens dos ditos cristãos primitivos.

    Permite aclarar a préhistoria do material das sentencias.

    Diversas investigações intentam descobrir ditos autênticos de Jesus entre os logia. Outros veem que o processo de transmissão dos ditos do EvT a partir de Jesus, processo independente dos sinóticos, deve ser comparado globalmente com o processo sinótico. Seu começo: a pregação de Jesus.

    c) Os evangelhos gnósticos dialogais11.

    Constituem um desenvolvimento ulterior das recopilações de ditos cristãos primitivos, interpretam e adaptam material bastante antigo. São entre outros estes:

    1. a carta de Santiago. Do princípios do s. II, é uma doutrina secreta que São Tiago e Pedro afirmam ter recebido do Senhor em forma de diálogo. Logia em sentido gnóstico, e frases que dão especial releve à paixão de Jesus e ao seguimento dos discípulos pelo caminho da cruz. Contém parábolas desconhecidas de outras fontes.

    2. Diálogos do Redentor é uma conversação do Soter com seus discípulos e discípulas, aparecida no s. II, que assimila material de várias fontes.

    3. O evangelho dos egípcios (EvEG). Próximo à gnose, Jesus ensina a sua interlocutora Salomé uma sotereologia encratita (baseada na ascese sexual): somente quando as mulheres deixaram de alumbrar e o masculino e o feminino voltem a unificar-se, perderá a morte seu poder e será possível o conhecimento.

    11 VIELHAUER, P., História de la literatura cristiana primitiva, Sígueme, Salamanca 1991, pp. 691‐694.

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    3. fRAgMENTOS DE EVANgELHO COM MATERIAL SINóTICO OU JOâNICO.

    a) Papiro Egerton 2 (Evangelho de Egerton)12.

    1. O texto

    Duas folhas e meia fortemente danificadas, de um código desconhecido, fora, publicados pela primeira vez em 1935. Datados em torno do ano 200. Era um evangelho aglutinado de tradições fragmentarias e heterogêneas que concluia com um relato da paixão.

    2. Conteúdo.

    Um debate de Jesus com letrados e dirigentes. Oferece um claro perfil joanino e finaliza com a anotação sobre uma tentativa de apedrejar Jesus.

    3. Discute-se a relação com os evangelhos canônicos e a antiguidade das tradições reelaboradas pelo papiro Egerton.

    As posturas são: a) dependência de todos os evangelhos canônicos (J. Jeremias e outros), b) independência dos evangelhos canônicos (G. Maieda, H. Köster e outro s), c) dependência literária do evangelho de Jo (C. H. Dodd).

    4. Antiguidade e lugar de aparição.

    Não se pode o fixar o tempo de redação.

    O texto não surgiu em Palestina já que não mostra um conhecimento próximo das circunstancias.

    b) O evangelho secreto de Marcos (SMc)13.

    1. Texto.

    Utilizado como leitura litúrgica em Alexandria. Promove uma gnose para cristãos benestantes.

    12 Ibíd., pp. 691‐694.13 Ibid., pp. 669‐675.

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    2. Conteúdo e estrutura.

    Clemente cita uma só passagem completa do SMc: o relato da ressurreição de umjovem enterrado em um sepulcro em Betânia. Jesus lhe ensina o secreto do reino de Deus.

    3. Podemos estabelecer como provável que os carpacratianos utilizavam em Alexandria (pelo ano 125–170) um EvMc “secreto” bastante extenso.

    4. Relação deste SMc com o EvMc canônico é difícil de precisar, duas opiniões: a) SMc como uma expansão inicial de EvMc, b) uma reelaboração gnóstica de EvMc canônico, aparecida em o s. II. Assim indica a ênfase no caráter “secreto”.

    5. Tampouco cabe obter de SMc novos conhecimentos sobre Jesus.

    c) O evangelho de Pedro (EvPe).

    1. O fragmento do evangelho de Pedro.

    Era conhecido por referencias patrísticas, especialmente por uma carta do bispo Serapião de Antioquia (Eusébio, HistEccle 6, 12, 2–6). Algumas passagens dão margem à interpretações docetistas. Difundido na Síria pelo ano 200 d. C.

    2. Conteúdo.

    Relato da paixão de Jesus, desde o lava-mãos de Pilatos, a sepultura e a guarda no sepulcro, a ressurreição diante dos testemunhas, o encontro do sepulcro vazio pelas mulheres, o regresso dos discípulos a Galileia. Oferece um diálogo entre o narrador em primeira pessoa, Pedro e Jesus, que é a fim com Mt 10, 16 e 2 Clem 5, 2–4.

    3. Antiguidade e lugar de origem.

    O mais provável é a primeira metade do s. II d. C.

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    4. Antiguidade independência das tradições do EvPe.

    Alguns autores falam de uma independência básica (A. von Harnack) e outro s (T. Zahn), de uma total dependência.

    Muitos exegetas, seguindo M. Dibelius consideram demostrado que o EvPe pressupõe os quatro evangelhos canônicos, reproduz seu legado de memória e com ele o material oral e, sobretudo, se rege pelas tradições hermenêuticas do Antigo Testamento.

    5. Informações sobre Jesus.

    O valor histórico do EvPe é pequeno, mesmo que reconhecendo que se inspire nas tradições da paixão e ressurreição independentes dos evangelhos canônicos.

    d) o papiro Oxirrinco 84014.

    1. o texto.

    O POx 840, achalado em 1950 em Oxirrinco é uma folha de pergaminho. Evangelho de tipo gnóstico.

    2. Conteúdo.

    A folha de 45 linhas que contem perícopes parciais, porém, conexas, localizadas em Jerusalém. A conclusão é um discurso de Jesus a seus discípulos.

    3. Antiguidade e relevância.

    Demonstra uma certa familiaridade com o ritual do templo de Jerusalém, e isto sugere uma possível procedência do s. I.

    4. EVANgELHOS JUDEU-CRISTãOS15.

    Junto a os evangelhos sinópticos e os evangelhos afins à gnose, os evangelhos judeucristãos formam um grupo envolvido pelo ambiente histórico–religioso similar.

    14 Ibíd., pp. 667‐668.15 Ibíd., pp. 678‐694.

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    Os evangelhos judeucristãos (EJ) foram perdidos em boa parte, só restam fragmentos nas citações de Padres da Igreja.

    1. O evangelho dos nazarenos (EvNaz). Nazarenos ou nazareus judeucristãos da Berea (Aleppo) de Celessíria (Coelesiria) afím com o EvMt porém redigido em língua aramaica ou siríaca. Os Padres não o consideravam herético, e parece datar do princípio do s. II, porque já era conhecido por Hegesipo ( pelo 180). Conservam-se 36 fragmentos. Não oferece de modo algum o evangelho original de Mt em hebreu como alguns autores afirmam; deve-se definí-lo como uma “reprodução targúmica do Mt canônico”.

    2. O evangelho dos ebionitas (EvEb).

    Atestado por Irineu (180) sete fragmentos são conservados no Panarion de Epifânio de Salamina (capítulo 30). É um evangelho redigido em grego por um judeu cristão para os ebioneus/ebionitas assentados na Jordânia oriental. Parece uma elaboração do EvMt porém contando com o material de Lc e Mt.

    Teologia do grupo: a) recusa do nascimento virginal (omite os relatos da infância), b) vegetarianismo (severa ascese na alimentação, recusando também a atividade sexual), c) hostilidade frente o culto do templo.

    3. O evangelho dos hebreus (EvHeb).

    Provavelmente da primeira metade do s. II, escrito judeu cristão com elementos mítico–gnósticos. Este evangelho nos é conhecido por as citas de Clemente de Alexandria e Orígenes o que indica que foi utilizado por judeu cristãos em Egito. Sua afinidade com a gnose é fácil de conciliar com origem nesta região.

    A origem judeucristão, círculo de usuários, os “hebreus” pode designar os judeus da diáspora de fala grega. A ideia de que o Espírito Santo é uma figura feminina tem um transfundo na língua semítica “De pronto o Espírito Santo, minha mãe, me tomou pelo cabelo e me transportou ao grande monte Tabor”.

    A aproximação com as gnoses.

    “Não descansará do que busca até que encontre; o que for encontrado se surpreenderá; o que se surpreende alcançará o reinado; e o que alcança o reinado descansará”.

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    5. OUTRAS fONTES: TRADIçõES LIVRES SOBRE JESUS16.

    a) ditos de Jesus no Novo Testamento fora dos evangelhos17.

    1. “Há mais alegria em dar que em receber” Hech 20, 35, cf. Did 1, 5).

    2. Paulo poucas vezes fala expressamente de ditos de Jesus: 1 Cor 9, 14; 1 Cor 11, 24s; Rom 14, 14; 1 Tes 4, 15–17. Podem ser ditos de Jesus, porém também se podem entender como mensagem comunicado a ele por uma revelação.

    3. Fora dos evangelhos, os escritos do NT recolhem por vezes tradições anônimas que outras fontes põem na boca de Jesus.

    A carta de São Tiago e a 1 carta de Pedro contem numerosas tradições parenéticas.

    1 Cor 1–4 recolhe referencias a ditos sapienciais que tem paralelos em Q, Mc iEvT, 1 Cor 2, 9 em EvT 17 muito similares.

    O empenho em descobrir uma antologia primitiva de ditos sapienciais de Jesus não passa de ser hipotético.

    b) Adições tardias a manuscritos do NT.

    Alguns fragmentos das tradições livres sobre Jesus foram sendo agregados aos evangelhos no curso da transmissão escrita.

    c) Papias e os padres apostólicos.

    Muitos evangelhos “apócrifos” e outras tradições livres sobre Jesus foram recolhidos e transmitidos nas comunidades em forma oral e escrita. Nesta época surgiu um grupo de escritos ao que mais tarde se daria a denominação global de “padres apostólicos”.

    1. Papias bispo de Hierápolis, na Ásia Menor, a principio do s. II, se propos recolher as tradições orais sobre Jesus, que se tinham perdido, salvo em citações (pouco confiáveis), sobretudo de Irineu e de Eusébio.

    16 THEISEN G.‐MERZ, A., El Jesús histórico, Sígueme, Salamanca 1999, pp. 73‐77.17 JEREMIAS, J., Palabras desconhecidas de Jesús, Sígueme, Salamanca 1996 (5 ed.), pp. 84–87, 67.

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    2. A Carta de Clemente é um sumário catequético da doutrina de Jesus em sete logia que é muito afim ao sermão da montanha, porém que não pode depender diretamente nem de Mt/Lc nem de Q. Presumivelmente remonta a um original anterior a eles.

    3. As cartas de Inácio se situam igualmente junto aos sinóticos em meio de processo vivo de formação e transmissão do legado “sinótico”.

    4. A 2 Carta de Clemente tem citações (mistas) de Mt e Lc (ou de uma recopilação de logia dependente deles) junto a palavras de tradição jesuânica livre, presumivelmente de um evangelho perdido.

    5. Os padres apostólicos citam, às vezes normas comunitárias, sentenças e frases litúrgicas, atribuídas a Jesus, mesmo que os sinóticos as consignem como palavras suas.

    d) outros “ágrafos” e narrações sobre Jesus.

    Existem “palavras soltas do Senhor” e tradições narrativas sobre Jesus de crescente caráter legendário nos Padres da Igreja, em liturgias paleocristãs e em ordenações eclesiais, em atos e cartas dos apóstolos pseudoepigráficos e em muitos outros escritos.

    Traduziu: HR

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