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Revista Trimestral de Jurisprudência volume 209 – número 2 julho a setembro de 2009 páginas 489 a 988

Revista Trimestral de Jurisprudência – vol. 209 – tomo 2 – pags. 489 - 988 – jul. a set. de 2009

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Revista Trimestral de Jurisprudncia

volume 209 nmero 2 julho a setembro de 2009 pginas 489 a 988

Diretoria-Geral Alcides Diniz da Silva Secretaria de Documentao Janeth Aparecida Dias de Melo Coordenadoria de Divulgao de Jurisprudncia Leide Maria Soares Corra Cesar Seo de Preparo de Publicaes Cntia Machado Gonalves Soares Seo de Padronizao e Reviso Rochelle Quito Seo de Distribuio de Edies Maria Cristina Hilrio da Silva Diagramao: Luiza Superti Pantoja Capa: Ncleo de Programao Visual

(Supremo Tribunal Federal Biblioteca Ministro Victor Nunes Leal)

Revista trimestral de jurisprudncia / Supremo Tribunal Federal, Coordenadoria de Divulgao de Jurisprudncia. Ano 1, n.1 (abr./jun.1957)- . Braslia: Imprensa Nacional, 1957-. v.209-2; 22cm. Trs nmeros a cada trimestre. Editores: Editora Braslia Jurdica, 2002-2006; Supremo Tribunal Federal, 2007- . ISSN0035-0540 1. Direito - Jurisprudncia - Brasil. I. Brasil. Supremo Tribunal Federal (STF). CDD-340.6 Solicita-sepermuta. Pdese canje. On demande lchange. Si richiede loscambio. We ask forexchange. Wir bitten umAustausch. STF/CDJU Anexo II, Cobertura Praa dos Trs Poderes 70175-900 Braslia-DF [email protected] Fone: (0xx61)3217-4766

SUPREMO TRIBUNAL FEDERALMinistro GILMAR Ferreira MENDES (20-6-2002), Presidente Ministro Antonio CEZAR PELUSO (25-6-2003), Vice-Presidente Ministro Jos CELSO DE MELLO Filho (17-8-1989) Ministro MARCO AURLIO Mendes de Farias Mello (13-6-1990) Ministra ELLEN GRACIE Northfleet (14-12-2000) Ministro CARLOS Augusto Ayres de Freitas BRITTO (25-6-2003) Ministro JOAQUIM Benedito BARBOSA Gomes (25-6-2003) Ministro EROS Roberto GRAU (30-6-2004) Ministro Enrique RICARDO LEWANDOWSKI (16-3-2006) Ministra CRMEN LCIA Antunes Rocha (21-6-2006) Ministro Carlos Alberto MENEZES DIREITO (5-9-2007)

COMPOSIO DAS TURMASPRIMEIRA TURMA

Ministro CARLOS Augusto Ayres de Freitas BRITTO, Presidente Ministro MARCO AURLIO Mendes de Farias Mello Ministro Enrique RICARDO LEWANDOWSKI Ministra CRMEN LCIA Antunes Rocha Ministro Carlos Alberto MENEZES DIREITOSEGUNDA TURMA

Ministra ELLEN GRACIE Northfleet, Presidente Ministro Jos CELSO DE MELLO Filho Ministro Antonio CEZAR PELUSO Ministro JOAQUIM Benedito BARBOSA Gomes Ministro EROS Roberto GRAU

PROCURADOR-GERAL DA REPBLICA

Doutor ROBERTO MONTEIRO GURGEL SANTOS

COMPOSIO DAS COMISSESCOMISSO DE REGIMENTO

Ministro MARCO AURLIO Ministra CRMEN LCIA Ministro CEZAR PELUSO Ministro MENEZES DIREITO SuplenteCOMISSO DE JURISPRUDNCIA

Ministra ELLEN GRACIE Ministro JOAQUIM BARBOSA Ministro RICARDO LEWANDOWSKICOMISSO DE DOCUMENTAO

Ministro CEZAR PELUSO Ministro CARLOS BRITTO Ministro EROS GRAUCOMISSO DE COORDENAO

Ministro CELSO DE MELLO Ministro EROS GRAU Ministro MENEZES DIREITO

SUMRIOPg.

ACRDOS .................................................................................................... 497 NDICE ALFABTICO ................................................................................ 953 NDICE NUMRICO ................................................................................... 985

ACRDOS

AO PENAL 426 PR Relator: O Sr. Ministro Marco Aurlio Revisora: A Sra. Ministra Ellen Gracie Autor: Ministrio Pblico Federal Ru: Cssio Taniguchi Processo penal Imputao. Sob o ngulo da imputao, vigora no processo penal o critrio da individualizao, havendo de ficar demonstrada, para chegar-se ao acolhimento do pedido formulado na denncia, a ligao entre o acusado e o ato que se diz configurador da prtica delituosa. ACRDO Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do Supremo Tribunal Federal em absolver o Ru, nos termos do voto da Revisora e por unanimidade, em sesso presidida pelo Ministro Gilmar Mendes, na conformidade da ata do julgamento e das respectivas notas taquigrficas. Braslia, 18 de dezembro de 2008 Marco Aurlio, Relator. RELATRIO O Sr. Ministro Marco Aurlio: Eis como o Gabinete resumiu as balizas deste processo:O Ministrio Pblico do Estado do Paran ofereceu denncia contra Cssio Taniguchi, poca Prefeito de Curitiba, Estado do Paran, imputando-lhe a prtica dos delitos previstos no art. 89 da Lei 8.666/96 e no art. 1, inciso III, do Decreto-Lei 201/67 (fls. 2 a 6). O Denunciado teria promovido a contratao direta de servios de publicidade para a Prefeitura de Curitiba, nos jornais Gazeta do Povo, Estado do Paran e Tribuna do Paran, fora das hipteses autorizadas pela lei para dispensa ou inexigibilidade de licitao. Narrou que o agente teria desviado recursos da educao para o pagamento das despesas decorrentes de tais contratos, nos valores de R$ 86.129,84 e R$ 70.000,00, conforme notas fiscais nos 33747/2000 (fl. 138) e 33748 (fl. 141), embora da publicidade veiculada no constasse qualquer contedo educativo e, sim, divulgao de obras a serem inauguradas (fls. 140 e 143).

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R.T.J. 209Intimado, o agente apresentou defesa escrita (fls. 304 a 323). Alegou ser parte ilegtima passiva, pois na estrutura organizacional do Municpio de Curitiba no estaria prevista como atribuio do prefeito a definio da origem dos recursos utilizados para pagamento de despesas. A atribuio estaria afeta Secretaria Municipal de Finanas, por meio do Ncleo de Assessoramento Financeiro, consoante o disposto na alnea 3 do art. 75 do Decreto 540/92. Da a concluso de no ser o prefeito o ordenador da despesa. Na seqncia e para a hiptese de vir a ser suplantada a preliminar suscitada, afirmou a ausncia de dolo na prtica que lhe foi imputada. Aduziu que o tipo do art. 89 da Lei de Licitaes contempla como agente o administrador, que declara a dispensa ou inexigibilidade da licitao. No entanto, no estaria comprovado o fato de ter autorizado a realizao das publicaes, conforme documentao de fls. 1 a 11. A par da ilegitimidade passiva, ressaltou que a denncia deveria ser rejeitada em virtude da manifesta falta de interesse de agir da entidade estatal, pois, no sendo possvel a imputao da prtica dos atos delituosos, bem assim do desvio de verbas pblicas, mostrava-se atpica a conduta do agente e, portanto, no se verificava a existncia do pressuposto indispensvel ao ajuizamento da ao penal, nos termos do art. 43, inciso III, do Cdigo de Processo Penal. Ante a extino do mandato de prefeito, o Tribunal de Justia declinou da competncia, remetendo o processo ao Juzo de Primeira Instncia (fls. 532 e 533). A denncia foi recebida em 1 de julho de 2005 pelo Juzo da 4 Vara Criminal do Foro Central da Comarca de Curitiba (fls. 546 e 547), sendo interrogado (fls. 560 e 561). Houve apresentao de defesa prvia (fls. 563 e 564). O Ru foi eleito e diplomado deputado federal, razo pela qual o processo foi encaminhado ao Supremo (fl. 586). Ouvidas as testemunhas de acusao (fls. 576 e 577; 667 e 668; 709 a 712) e as da defesa (fls. 735 a 745). Na fase do art. 10 da Lei 8.038/90, o Ministrio Pblico Federal requereu fosse expedido ofcio Prefeitura de Curitiba, solicitando informaes e a remessa de cpias dos documentos pertinentes inexigibilidade de licitao (fl. 752), os quais foram juntados fls. 760 783. Intimada, a defesa nada requereu (fls. 792 e 793). Em alegaes finais, o Ministrio Pblico Federal, fls. 804 808, pronunciou-se pela absolvio do Acusado. A defesa, nas alegaes finais de fls. 817 a 837, reafirma as teses jurdicas contidas na resposta preliminar e, aps discorrer sobre as provas coligidas para o processo, inclusive testemunhal, sustenta a improcedncia da denncia, quer em razo da manifesta ilegitimidade passiva do agente, quer em virtude da atipicidade da conduta, em consonncia com o que deduzido pela Procuradoria-Geral da Repblica.

Em 22 de julho de 2008, confeccionei relatrio e voto, determinando a remessa do processo Revisora. o relatrio. VOTO O Sr. Ministro Marco Aurlio (Relator): Merece acolhimento a colocao do titular da ao penal, contida s fls. 804 a 808, o qual, alfim, conclui pela absolvio do denunciado, com base no art. 386, inciso IV, do Cdigo de Processo Penal.

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Acentua o Procurador-Geral da Repblica no estar comprovado que o Ru teria concorrido dolosamente para a prtica de infrao penal, destacando, a seguir, que os fatos descritos na denncia s so punidos na modalidade dolosa, em cumprimento do disposto no pargrafo nico do art. 18 do Cdigo Penal. Cuidando-se de crime prprio, a imputao somente poderia recair no agente pblico com competncia para a prtica do ato, que se consuma com a formalizao administrativa de dispensa ou declarao de inexigibilidade de licitao. No caso, entretanto, a documentao juntada s fls. 761 a 783 atestaria que o tipo penal teria sido praticado pelo Secretrio de Comunicao Social do Municpio. Assevera que tal circunstncia tambm foi esclarecida pela testemunha de fl. 738, enquanto os depoentes arrolados pela acusao nada acrescentaram, limitando-se afirmao de desconhecerem os fatos discutidos no processo. Reala a ausncia de demonstrao do dolo e a falta de elementos suficientes que apontem possvel relao ou influncia direta, livre e consciente do denunciado sobre o ato praticado pelo Secretrio de Comunicao Social. Tambm porque no comprovada a existncia de dolo na conduta do acusado, infirma a prtica do delito previsto no art. 1, inciso III, do DecretoLei 201/67 desviar ou aplicar, indevidamente, rendas ou verbas pblicas. Descreve que, conforme notas fiscais juntadas s fls. 138 e 141, as publicaes nos jornais foram pagas com verbas da manuteno do ensino fundamental, com dotao oramentria pertencente Secretaria Municipal de Educao. Estaria, ento, caracterizada a materialidade delitiva. A ordenao das despesas foi praticada pela Superintendente Tcnica Vera Lcia Sigwalt Bittencourt, o que se revelaria pelas assinaturas apostas nas aludidas notas de empenho. Em relao a este delito, no entanto, no se colhera prova idnea de que o denunciado teria concorrido dolosamente para a prtica do ato. Diz ser possvel verificar dos depoimentos de fls. 740, 742 e 743 o pagamento de despesas sem envolvimento direto do prefeito. Concluo, ento, pela absolvio do acusado na forma prevista no art. 386, inciso IV, do Cdigo de Processo Penal. VOTO A Sra. Ministra Ellen Gracie (Revisora): Senhor Presidente, eu revisei os autos e concordo integralmente com o voto do eminente Relator. EXTRATO DA ATA AP 426/PR Relator: Ministro Marco Aurlio. Revisora: Ministra Ellen Gracie. Autor: Ministrio Pblico Federal. Ru: Cssio Taniguchi (Advogados: Renato Cardoso de Almeida Andrade e outros). Deciso: O Tribunal, por unanimidade e nos termos do voto da Revisora, absolveu o Ru. Presidiu o julgamento o Ministro Gilmar Mendes.

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Presidncia do Ministro Gilmar Mendes. Presentes sesso os Ministros Celso de Mello, Marco Aurlio, Ellen Gracie, Cezar Peluso, Carlos Britto, Joaquim Barbosa, Ricardo Lewandowski, Eros Grau, Crmen Lcia e Menezes Direito. Vice-Procurador-Geral da Repblica, Dr. Roberto Monteiro Gurgel Santos. Braslia, 18 de dezembro de 2008 Luiz Tomimatsu, Secretrio.

R.T.J. 209 AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO REGIMENTAL NA AO PENAL 483 SP

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Relator: O Sr. Ministro Ricardo Lewandowski Agravantes: Paulo Salim Maluf, Flvio Maluf e Jacqueline de Lourdes Coutinho Torres Maluf Agravado: Ministrio Pblico Federal Rus: Maurlio Miguel Curi, Ligia Maluf Curi e Sylvia Lutfalla Maluf Ao penal. Agravos regimentais. Ao extinta. Envio de cpias de documentos a requerimento da Procuradoria-Geral da Repblica. Possibilidade. No acolhimento dos agravos. I Nada impede a remessa Procuradoria-Geral da Repblica, para fins de instruo de outros procedimentos, de cpias de documentos que instruram ao penal extinta, desde que respeitado Acordo Internacional de cooperao judicial. II Aps a extino da ao, resta sem sentido discutir eventual ilicitude na obteno das provas documentais relativas ao caso, visto no mais ostentarem esta qualidade. III Agravos regimentais conhecidos e rejeitados. ACRDO Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do Supremo Tribunal Federal, em sesso plenria, sob a Presidncia do Ministro Cezar Peluso, na conformidade da ata do julgamento e das notas taquigrficas, por maioria, negar provimento aos agravos, nos termos do voto do Relator, contra o voto do Ministro Marco Aurlio. Ausente, justificadamente, neste julgamento, o Ministro Gilmar Mendes (Presidente). Braslia, 12 de maro de 2009 Ricardo Lewandowski, Relator. RELATRIO O Sr. Ministro Ricardo Lewandowski: Trata-se de agravos regimentais ofertados por Paulo Salim Maluf (fls. 3953-396), Flvio Maluf e Jaqueline de Lourdes Coutinho Maluf (fls. 3965-3978), em face da deciso proferida s fls. 3915-3915 que determinou a remessa das cpias digitalizadas objeto do item 3.2 da deciso de fls. 3755-3757 Procuradoria-Geral da Repblica, que se encontra declinada nos seguintes termos:Conforme j observei, a presente ao penal encontra-se extinta, com trnsito em julgado. Sem suporte probatrio, no havia motivo para o prosseguimento do feito o que foi reconhecido pelas partes, na oportunidade prpria. Est em questo, portanto, somente o aproveitamento de informaes constantes destes autos para instruir outros processos.

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R.T.J. 209De incio, observo que a utilizao de qualquer documento ou informao oriunda do acordo de cooperao jurdica internacional, com propsitos fiscais (a includa persecuo criminal por evaso de divisas) parece-me, no mnimo, pouco recomendvel, por razes diplomticas e jurdicas. Neste ponto, assiste razo defesa do Ru Paulo Maluf, ao questionar a juntada das cpias digitalizadas diretamente no Inq 2.471, conforme determinado a fl. 3757. Isto porque aquela investigao, com maior abrangncia substantiva, tambm se fundamenta em indcios de lavagem de dinheiro e movimentao de recursos ilcitos no exterior, decorrentes da expatriao de divisas. Nestes autos existem documentos sujeitos vedao do acordo internacional, alm de outros que podem ou no estar relacionados, de maneira autnoma, a prticas financeiras ilcitas, do ponto de vista do ordenamento brasileiro. A preocupao no ociosa: sem contar o questionamento sobre o que est ou no compreendido na cooperao binacional, encontra-se em discusso a licitude de eventuais meios de prova e seus efeitos na persecuo matria de grande relevo constitucional. A prudncia e o bom encaminhamento dos trabalhos recomendam, portanto, antes de qualquer juntada, que tais elementos sejam examinados pela Acusao, observando-se o efetivo cumprimento da clusula de reserva de especialidade, nos termos das condies estabelecidas pelas autoridades suas (fls. 3062/3065). Penso que tal providncia, a um s tempo, preserva o direito da Defesa de se insurgir contra o aproveitamento indevido de dados, sem comprometer o exame criterioso, a tempo oportuno e nos autos do processo especfico, da pretenso ministerial de se utilizar destas informaes. Ante o exposto, determino que as cpias digitalizadas a que se refere o item 3.2 da deciso de fl. 3757 sejam encaminhadas ProcuradoriaGeral da Repblica, para as providncias que entender cabveis. Julgo prejudicado o agravo regimental interposto. No mais, mantenho a deciso impugnada (fls. 3755/3757), pelos prprios fundamentos. Intime-se a Procuradoria-Geral da Repblica. Intimem-se os advogados por carta registrada, com aviso de recebimento (Lei 8.038/1990, art. 9, 2). Aps, baixem-se os autos.

Alegam os Agravantes, em sntese, que os documentos a serem remetidos Procuradoria-Geral da Repblica configuram prova ilcita e, portanto, insuscetveis de serem utilizados em qualquer outro procedimento, porquanto, caso isto venha a ocorrer, haveria ofensa ao Acordo de Cooperao Judicial celebrado entre o Brasil e a Sua. Noticia-se, ainda, a deciso proferida pelo Tribunal Regional Federal da 3 Regio, em sede de mandado de segurana, nos autos n. 2005.03.00.080370-0, no qual teria sido determinado ao Juzo da 2 Vara Federal Criminal de So Paulo que providenciasse o desentranhamento da documentao debatida para fins de sua devoluo Sua.

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Nesta linha, entendem os agravantes que no seria possvel a remessa de cpias Procuradoria-Geral da Repblica, uma vez que estas padeceriam do mesmo vcio do que os originais em termos do valor probatrio. Assim, requerem a reconsiderao da deciso agravada no apenas para obstar o envio das cpias Procuradoria-Geral da Repblica, mas sobretudo com intuito de que se determine a respectiva destruio do material, conforme a recente previso do art. 157, 3, do Cdigo de Processo Penal. Em sua resposta, a Procuradoria Geral da Repblica argumenta no sentido de que nem todos os documentos enviados ao rgo ministerial estariam abrangidos pela impossibilidade de utilizao em futuras demandas, conforme o rol descrito s fl. 4027. Segundo entende o Ministrio Pblico Federal, a remessa dos documentos pela Sua no foi condicionada impossibilidade de sua utilizao em qualquer tipo de demanda, o que estaria expresso s fl. 3065 dos autos, sendo a sua utilizao vedada apenas para fins fiscais e penais, bem como para outras infraes alm daquelas que no esto mencionadas na origem do pedido. Tambm alega que as autoridades suas no teriam exigido a devoluo dos documentos quele pas com fulcro na circunstncia de que no se poderia ter extrado as mencionadas cpias. Aduz que o governo suo, em sua argumentao, apenas estaria esperando uma resposta a respeito do desentranhamento dos documentos, sem que tenha exigido sua devoluo origem, destacando, ainda, que a manuteno dos documentos originais em poder do Ministrio Pblico Federal teria decorrido da deciso proferida pelo Tribunal Regional Federal da 3 Regio nos autos do j mencionado mandado de segurana. o relatrio. VOTO O Sr. Ministro Ricardo Lewandowski (Relator): Pretendem os agravantes no apenas impedir a remessa das cpias digitalizadas objeto do item 3.2 da deciso de fls. 3755-3757 Procuradoria Geral da Repblica, mas tambm a sua destruio, com fulcro no art. 157, 3, do Cdigo de Processo Penal, com a redao dada pela Lei 11.680/2008 (sic), com base nos fundamentos acima explanados. Preliminarmente, consigno que a aluso feita pelo ilustre defensor de Paulo Salim Maluf (fl. 3.959) Lei 11.680/08, com mote de indicar a nova redao do art. 157 do Cdigo de Processo Penal, data venia, equivocada. Com efeito, a citada norma, em seu art. 1, prev que: Ser inscrito no Livro de Heris da Ptria, que se encontra no Panteo da Liberdade e da Democracia, em Braslia, o nome de Manuel Lus Osorio o Marechal Osrio. Possivelmente, trata-se de mero erro de digitao, sendo presumvel que o ilustre causdico tenha desejado referir-se Lei 11.690/08.

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Feita esta observao, bem verificada a insurgncia posta, entendo no assistir razo aos agravantes, pelos seguintes motivos. Da leitura da deciso agravada, em momento algum foi deferida a utilizao indiscriminada e sem critrios das cpias enviadas Procuradoria-Geral da Repblica. Com efeito, a deciso agravada ressalta esta circunstncia peculiar no sentido de apontar a necessidade de respeito, em eventuais futuros procedimentos judiciais, aos termos do Acordo de Cooperao Judicial BrasilSua. Ademais, nota-se que a remessa foi determinada justamente porque o teor dos documentos revela elevada complexidade, necessitando, pois, de estudo acurado no sentido de ser separado aquilo que est abrangido pelo Acordo e, por conseguinte, resta insusceptvel de fundamento para aes persecutrias, e aquilo que no se encontra nesta circunstncia. Repita-se, a deciso agravada no emitiu um cheque em branco ao Ministrio Pblico Federal que o autorizasse a instruir com as cpias aes persecutrias contra os Agravantes, visto que a operacionalizao de tais medidas, com base na documentao referida, dever ser justificada no sentido de se comprovar a no vedao, em cada caso concreto, do Acordo j mencionado nestes autos. Alis, se bem verificado for o caso, conclui-se que os agravantes no possuem sequer interesse de agir para recorrer, na medida em que at o presente momento nenhuma cpia remetida Procuradoria-Geral da Repblica foi utilizada em casos concretos, circunstncia esta que por si s j autorizaria a rejeio dos agravos regimentais. Observo, ainda, que a questo da ilicitude de tais provas, se que algum dia viro a se ser utilizadas contra os agravantes, encontra-se vinculada a ser decidida em cada caso concreto pelos respectivos magistrados oficiantes. Portanto, no se pode presumir de plano, num esdrxulo exerccio de futurologia, que o Ministrio Pblico Federal, de forma deliberada e consciente, ir se socorrer das cpias em outros processos quando estiver presente a vedao de tal atitude. Ento, entendo no ser oportuno discutir nestes autos a licitude ou no das cpias para fins de servirem como prova judicial, aduzindo-se, mais uma vez, que esta competncia cabe a cada Juzo provocado. Ademais, no se pode esquecer que as cpias nestes autos no so e nunca se transmudaro em provas, recordando-se que a ao penal encontra-se extinta e com trnsito em julgado. Em concluso, sob fundamento nas razes acima, voto no sentido de conhecer dos agravos regimentais em tela e, no mrito, negar-lhes acolhimento. Cumpra-se o item 3.3 da deciso de fls. 3755-3757 remetendo-se os autos origem.

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O Sr Ministro Ricardo Lewandowski (Relator): Senhor Presidente, em resumo, a situao simplesmente a seguinte penso que esclareci, e peo escusas se no pude esclarecer isso saciedade: na verdade, h vrios processos tramitando neste Tribunal contra o mesmo Ru. Um deles, como muito bem confirmou o eminente Procurador-Geral da Repblica, subiu por equvoco a esta Corte. Mas esse processo j se encontrava extinto por iniciativa do prprio Ministrio Pblico, que pediu a extino do processo porque se tratava de uma persecuo penal fundada em um ilcito penal. E h o acordo de cooperao entre o Brasil e a Sua que veda a persecuo penal, baseado em documentos fornecidos pelas autoridades suas para este fim. Muito bem. Num primeiro momento, a pedido do Ministrio Pblico, eu deferi a juntada de parte dessa documentao fornecida pelas autoridades suas num outro processo. Mas, eu me curvei, revi a deciso ante a insurgncia da defesa que entendeu, neste momento, no ser o momento processual apropriado de se juntar novas provas num determinado procedimento. Ento, revi esse posicionamento. O Ministrio Pblico, ento, solicitou cpias desses documentos que estavam sendo devolvidos, juntamente com todos os autos so volumosssimos, uma srie de anexos. Eu os estava devolvendo para primeira instncia, quando pediu o Parquet: antes de devolver os autos para a primeira instncia, para fins de arquivamento, solicito cpias de documentos de folhas tais e tais, para exame e eventual utilizao em outros procedimentos para fins no vedados no acordo BrasilSua. Eu deferi a digitalizao de cpias desses documentos e as entreguei para o Ministrio Pblico. A insurgncia da defesa, nesse momento, exatamente quanto a esta deciso; a defesa no apenas se insurge contra a entrega desses documentos para o Ministrio Pblico, que consta dos autos e o Ministrio Pblico parte desta ao que foi arquivada, ela pretende examinar esses documentos que foram fornecidos pelas autoridades suas pretende que esses documentos sejam destrudos, considerando que so provas ilcitas. O Sr. Ministro Marco Aurlio: As cpias. O Sr. Ministro Ricardo Lewandowski (Relator): As cpias. O Sr. Ministro Marco Aurlio: Os originais j foram devolvidos ao Governo da Sua? O Sr. Ministro Ricardo Lewandowski (Relator): No, no. Ainda esto no meu Gabinete. Enquanto no julgarmos o agravo regimental, os autos esto retidos, os passaportes e uma srie de anexos e documentos. O Sr. Ministro Eros Grau: O original foi devolvido, Ministro.

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O Sr. Ministro Ricardo Lewandowski (Relator): Ento, V. Exa. tem uma informao que eu no tenho, porque, ontem noite, eu vi os autos no meu Gabinete. O Sr. Ministro Marco Aurlio: V. Exa. me permite apenas uma colocao? O original, quanto s cpias, o principal. O acessrio est consubstanciado nas cpias. H um princpio bsico segundo o qual o acessrio segue a sorte do principal. De nada adiantaria, ante a especificidade, ante as balizas do Acordo BrasilSua, essa devoluo, e os documentos s serviriam para aquela persecuo criminal especfica que motivou a remessa, se, em passo seguinte, fosse possvel tirar cpias e apresent-las ao titular de uma futura ao penal. O Sr. Ministro Ricardo Lewandowski (Relator): Est bem, mas so dados, so documentos... O Sr. Ministro Marco Aurlio: Ou seja, esvaziado ficaria o princpio bsico o da especificidade no fornecimento de elementos pelo governo da Sua. Frustrado o objetivo inicial, como o foi ante a concesso da ordem no habeas corpus , pedindo o governo da Sua a devoluo dos originais, no h como se manter cpias, no Brasil, para serem utilizadas em outro processo. O Sr. Ministro Ricardo Lewandowski (Relator): O governo Suo no pediu a devoluo dos originais. O Sr. Ministro Marco Aurlio: Como ocorreria a devoluo? O Sr. Ministro Ricardo Lewandowski (Relator): O Tratado apenas estabelece que tais documentos no podem ser utilizados para fins de persecuo penal em matria fiscal. O Ministrio Pblico ento diz: tendo em conta que aquele processo especfico versa sobre uma persecuo penal em matria fiscal, eu desisto da ao, peo o arquivamento dos autos, est extinta a ao. Muito bem. Agora resta saber se esses documentos que existem no mundo jurdico e que foram fornecidos pelo governo Suo, que apresentam uma srie de outros dados, podem ser aproveitados para outros fins, e, eventualmente de natureza penal, e se podem ou no ser utilizados pelo Ministrio Pblico. O Sr. Ministro Marco Aurlio: O Tratado de cooperao no permite essa utilizao. O Sr. Ministro Ricardo Lewandowski (Relator): Porque qualquer parte pode pedir cpia dos autos. Agora, se ela ser utilizada para determinado fim, o juiz da causa que dir se pode ou no e qual o momento apropriado. O Sr. Ministro Cezar Peluso: Esse o ponto chave. Com o devido respeito, estamos discutindo questo que cabe ao juzo competente examinar no processo em que, eventualmente, tais cpias sejam utilizadas como provas. Noutras palavras, pode ser o Supremo Tribunal, mas pode no s-lo. Se h juzo competente para outra eventual ao penal, ele quem dir, ento se houver requerimento de juntada dessas cpias digitalizadas para efeito de prova , se tais provas so lcitas ou no so lcitas, se esto de acordo com a lei Sua, ou

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no. Enfim, a Corte no tem que se antecipar. O fato objetivo que o Ministrio Pblico tomou conhecimento desses originais, porque estavam nos autos. Ora, se tomou conhecimento dos originais, no havia nada que impedisse o Ministrio Pblico de particularmente como instituio ter-lhes tirado cpia. E o que fez o Ministrio Pblico agora? Pediu essas cpias. Como vai usar, quando vai usar e se vai usar, no a Corte que deve agora diz-lo. O Sr. Ministro Ricardo Lewandowski (Relator): Sim. Ns no estamos decidindo isso agora, Senhor Presidente. Simplesmente estamos dizendo se o Ministrio Pblico pode ou no ter cpia dos autos. S isso. O Sr. Ministro Cezar Peluso (Presidente): Se o Ministrio Pblico tomou conhecimento dos documentos que estavam nos autos, poderia ter ele prprio tirado cpia. O Sr. Ministro Cezar Peluso (Presidente): Agora, como vai usar, quando vai usar e se vai usar, outra questo, que ser apreciada pelo juzo competente oportunamente. O Sr. Ministro Marco Aurlio: Senhor Presidente, se h um acordo bilateral prevendo utilizao especfica, esses documentos foram fornecidos para esse objeto. Encerrado o processo, dado passar adiante esses documentos? O Sr. Ministro Ricardo Lewandowski (Relator): Senhor Presidente, esses so os autos que teriam sido devolvidos aqui. O Sr. Ministro Marco Aurlio: A que est o problema e certamente o Ministrio Pblico no quer os documentos como um trofu para ser exibido em uma vitrine. O Sr. Ministro Carlos Britto: At porque incumbe ao Ministrio Pblico defender toda a ordem jurdica. Est no art. 127, cabea, da Constituio. O Sr. Ministro Marco Aurlio: Claro que no quer. Quer para acion-los e, ento, chegar a outra persecuo criminal. vivel? A partir do momento em que o Supremo, que tem a guarda desses documentos, viabiliza a entrega, sinaliza a possibilidade de utilizao em outra persecuo criminal. O Sr. Ministro Cezar Peluso (Presidente): Ministro Marco Aurlio, um esclarecimento para V. Exa.: a Sua no condicionou, o que proibido que tais documentos sejam usados para fins de prova sobre ilcito fiscal. Para todos os demais, permite-se investigao e prova de outras infraes etc. E foi o que o Ministrio Pblico supostamente alegou para pedir a cpia, ou seja, que h outras infraes sem carter fiscal e que, portanto, no entram na vedao. Eventualmente essas cpias podem ser utilizadas para apurao e prova de outros ilcitos, ou melhor, de ilcitos de outra natureza, tal como previsto. isso simplesmente. A volto ao ponto inicial: se esses documentos, essas cpias forem usadas em outro processo que tenham por objeto ilcito no fiscal, o juzo competente os examinar como prova. O Sr. Ministro Eros Grau: Queria s um esclarecimento, se possvel?

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Pelo que entendi, o advogado disse que os autos no foram devolvidos, mas sim que os documentos foram devolvidos. Os autos no foram devolvidos. O Sr. Ministro Cezar Peluso (Presidente): No, os autos so do processo brasileiro. O Sr. Ministro Eros Grau: Mas foi dito da tribuna que os documentos foram devolvidos. O Sr. Ministro Cezar Peluso (Presidente): Os originais teriam sido, mas isso irrelevante. Ministro, isso irrelevante. As cpias j foram tiradas. O Sr. Ministro Carlos Britto: E cpia, a, no acessrio do principal. Essa relao de acessoriedade e principalidade no est presente. O Sr. Jos Roberto Leal de Carvalho (Advogado): Senhor Presidente, preciso de vinte segundos para esclarecer. O Sr. Ministro Cezar Peluso (Presidente): Ministro Relator, V. Exa. permite nova interveno? O Sr. Ministro Ricardo Lewandowski (Relator): Sim. O Dr. Jos Roberto Leal de Carvalho: Esses autos que esto sendo vistos aqui so cpias dos documentos que foram devolvidos Sua por fora de deciso num mandado de segurana impetrado perante o Tribunal Regional Federal da 3 Regio. Foram devolvidos. Houve cartas e essas cpias so esprias. O Sr. Ministro Carlos Britto: No so esprias, at porque cabe ao Ministrio Pblico defender a ordem jurdica por expressa determinao constitucional. O Sr. Ministro Ricardo Lewandowski (Relator): Senhor Presidente, V. Exa., data venia, esclareceu bem esse aspecto. Quer dizer, no importa se eventualmente as cpias estejam na primeira instncia, ou se esses documentos sejam cpias. O que importa, na verdade, que h uma cpia digitalizada entregue ao Ministrio Pblico, cuja competncia constitucionalmente assegurada; ele pretende, eventualmente, utilizar esse acervo probatrio, dentro dos lindes do acordo Brasil/Sua, numa eventual futura ao penal. Isto uma competncia do Ministrio Pblico. Data venia, que o Supremo Tribunal Federal no pode coarctar. O Sr. Ministro Cezar Peluso (Presidente): At porque V. Exa. tem toda razo supunha-se a hiptese de que o Ministrio Pblico tivesse tirado as cpias antes da devoluo. Seria ele obrigado a devolver as cpias agora? O Sr. Ministro Ricardo Lewandowski (Relator): Exatamente; no. O Sr. Ministro Cezar Peluso (Presidente): Claro que no. Ele tomou conhecimento das provas nos autos, tirou cpia, guardou cpia. Devolvidos os originais, o Ministrio Pblico seria obrigado a devolver as cpias sob o pretexto de que os originais foram devolvidos? Claro que no.

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O problema no tirar as cpias; o problema o uso delas em ao penal, e isto no objeto da questo. O Sr. Ministro Ricardo Lewandowski (Relator): Exatamente. E, de mais a mais, a prpria parte agravante poderia ter pedido cpia tambm para fins de defesa. Ns podemos negar isso? O Sr. Ministro Cezar Peluso (Presidente): E pode ter tirado. O Sr. Ministro Ricardo Lewandowski (Relator): Ambas as partes tem direito a ter cpia do que consta dos autos para os fins que melhor entender. VOTO O Sr. Ministro Menezes Direito: Senhor Presidente, estou deduzindo e tentarei resumir para ver se apreendi adequadamente a matria. H uma ao penal de natureza fiscal, na qual foi solicitado pelo Ministrio Pblico que se oficiasse Sua para que fornecesse elementos ao processo penal. Esses elementos foram fornecidos. Trata-se de uma ao penal na qual o Governo da Sua requereu a remessa de determinados elementos de prova com base no tratado de cooperao existente entre os dois pases. O Ministrio Pblico fez essa requisio e os documentos foram fornecidos para esta ao penal. Chegando aqui esses documentos, constatou-se que eles no poderiam ser utilizados em decorrncia de vedao expressa do tratado de colaborao entre Brasil e Sua. E, alm disso, houve, segundo informa o advogado, uma ao judicial, um mandado de segurana, em que se manifestou a inviabilidade de utilizao desses documentos nesta ao penal. Em vista desses fatos, o Ministrio Pblico requisitou que fosse esta ao penal arquivada. A ao penal, ento, foi arquivada e iria seguir o seu rumo para o arquivamento, quando surge o pedido do Ministrio Pblico de utilizao destes documentos, por cpia, para que ele pudesse examinar outras aplicaes possveis com relao aos elementos que foram fornecidos. Parece-me, Senhor Presidente, que essa a situao de fato que temos nos autos. Se essa situao de fato exatamente como estou dizendo, no tenho nenhuma dvida em acompanhar o eminente Relator. Existe um tratado de cooperao entre Brasil e Sua. Estes documentos foram requisitados, na ao penal, pelo prprio Ministrio Pblico que verificou a impossibilidade de utilizao, nessa ao penal, em decorrncia de uma vedao expressa do tratado de cooperao. Ora, inexistindo qualquer deciso judicial em sentido contrrio inviabilizando a utilizao dos documentos de acordo com o tratado de cooperao entre o Governo da Sua e o do Brasil, nada impede que o Ministrio Pblico tenha cpias desses documentos para examinar a sua possvel aplicao, mesmo porque, se eventualmente forem esses documentos utilizados em sentido contrrio

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ao permitido no tratado de cooperao entre o governo suo e o governo brasileiro, ser o rgo competente, eventualmente at o prprio Supremo Tribunal Federal, quem dir se poderiam ou no ser utilizados. No encontro nenhum bice legal na deciso que foi tomada pelo Ministro Relator, motivo pelo qual eu o acompanho e nego provimento ao agravo regimental. VOTO A Sra. Ministra Crmen Lcia: Tambm eu, Senhor Presidente, no tenho dvida alguma em acompanhar o Ministro Relator, porque a questo, conforme V. Exa. bem ps, no a cpia depois que inventaram a xrox, discutir cpias ficou ultrapassado. O problema o uso que se d s cpias, e, neste caso, quando e como ser usada eventualmente pelo juiz, e no ser necessariamente este Tribunal que discutir; se que haver alguma coisa a discutir. Considerando isso, dou como irretocvel a deciso. Acompanho integralmente a brilhante deciso do Ministro Relator. VOTO O Sr. Ministro Eros Grau: Senhor Presidente, eu tambm. O Sr. Ministro Ricardo Lewandowski (Relator): Ministro Eros Grau, tenho sempre o maior prazer em prestar todos os esclarecimentos a V. Exa. O Sr. Ministro Eros Grau: Acompanho o Relator. VOTO O Sr. Ministro Carlos Britto: V. Exa. colocou as coisas nos seus devidos lugares. O que se trata, aqui, no vedar a extrao de cpias, alis, j materializada, nem impedir a disponibilizao delas para o Ministrio Pblico, que, alm de constitucionalmente, pelo art. 127, defender o regime democrtico e os direitos sociais e individuais indisponveis, defende, tambm, toda a ordem jurdica. Eventual uso desbordante do Ministrio Pblico desse acervo probatrio ser coibido conforme V. Exa. disse , no devido tempo, pelo prprio Poder Judicirio, eventualmente at avanou o Ministro Menezes Direito o prprio Supremo Tribunal Federal. Por isso acompanho o Relator para negar provimento ao agravo. VOTO O Sr. Ministro Marco Aurlio: Presidente, a esta altura, at eu estaria a desejar as cpias, ante a curiosidade, para saber o contedo desses documentos.

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Presidente, por duas vezes, o Ministrio da Justia alertou quanto ao sigilo que cobre esses documentos e evocou o Tratado entre o Brasil e a Repblica Helvtica quanto cooperao. O Tratado explcito e aqui estamos a cogitar, no fosse o pas que forneceu os documentos, de documentos bancrios. O tratado explcito, especfico ao prever, no art. 13, a utilizao restrita dos documentos, ou seja, atende-se ao pedido, formalizado pelo Brasil, acreditandose que o Brasil honrar a destinao apontada nesse mesmo pedido para ter em mos os documentos e, posteriormente, d-se o dito pelo no dito e passa-se a viabilizar a utilizao desses documentos em outros procedimentos, em outras persecues criminais. Indago: isso se coaduna com a confiana que deve existir, levando em conta pases-irmos, no tocante aos atos implementados? A resposta, para mim, desenganadamente negativa. E h, no art. 13, que contm a referncia utilizao restrita, o seguinte item que muito importante e no pode deixar de ser considerado, a no ser que no se honre o Tratado firmado:1. As informaes, documentos ou objetos obtidos pela via da cooperao jurdica no [advrbio de modo] podem, no Estado requerente [foi o Brasil], ser utilizados em investigaes, nem produzidos como meios de prova [vem a clusula] em qualquer procedimento penal relativo a um delito em relao ao qual a cooperao jurdica no possa ser concedida.

A cooperao jurdica foi acionada tendo em conta objetivo nico, objetivo frustrado ante a concesso do habeas corpus e nada surge sem uma causa. O Ministrio Pblico no requereu as cpias digitalizadas por mero prazer, diletantismo, para ter essas cpias num museu da Procuradoria-Geral da Repblica. Requereu para utilizao em passo seguinte. Mas, o Supremo viabiliza o repasse dessas cpias. Ao viabilizar esse repasse, sinaliza, de uma forma muito clara, a possibilidade de utilizao e, repito, nada surge sem uma causa. Cabe indagar: possvel esse repasse ante o que se contm no art. 13, conjugando, numa interpretao sistemtica, esse artigo com o Cdigo de Processo Penal? Concluo que no. Creio que se est diante de algo que se mostra ilcito, pouco importando que esses documentos ainda no tenham sido utilizados em outra persecuo criminal. Cumpre perceber que h um obstculo intransponvel: usar-se os documentos, que repito s podem servir a algo ligado ao numerrio nesses retratado, repass-los ao titular da ao penal para uma utilizao futura. Presidente, subscrevo os dois ofcios do Ministrio da Justia, preocupado com a confiana do Estado, que forneceu os documentos, nas autoridades brasileiras e com a prpria intangibilidade do tratado firmado. No tenho como conceber que, ante o ocorrido considerado o objeto do repasse dos documentos ao Brasil, chegando-se extino do processo-crime para os quais serviria sem julgamento do mrito , se possa pegar uma carona nessa cooperao havida para utilizar-se esses documentos em finalidade diversa.

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Por isso, peo vnia ao Relator e assustou-me S. Exa. com os vrios volumes colocados sobre a bancada para prover o agravo. VOTO (Confirmao) O Sr. Ministro Carlos Britto: Ministro Marco Aurlio, eu vou reler o mesmo texto lido por V. Exa. Art. 13, Utilizao Restrita. O Sr. Ministro Marco Aurlio: Ministro, s um ponto de vista isolado no Plenrio. O Sr. Ministro Carlos Britto: Mas vou fazer questo de fazer uma interpretao diferente, Exa., se me permite. O Sr. Ministro Marco Aurlio: Eu sei que V. Exa. vai reler no para acompanhar-me, mas para refutar a minha colocao. Respeite a ptica do colega. O Sr. Ministro Carlos Britto: Mas para mostrar que ns estamos decidindo corretamente. Se V. Exa. me permite, eu vou ler: As informaes... O Sr. Ministro Marco Aurlio: V. Exa. votou e eu no interferi. Agora que eu j terminei o meu voto, ele no est em julgamento, Exa. O Sr. Ministro Carlos Britto: No, mas V. Exa. pode retomar a discusso. O direito legislado isso mesmo, uma moldura aberta. Muitas vezes o direito legislado assim, j dizia Kelsen. O Sr. Ministro Marco Aurlio: A no ser que V. Exa. pense em reconsiderar o voto. O Sr. Ministro Carlos Britto: No, pelo contrrio, quem sabe V. Exa. no reconsidere, vou fazer a leitura.1. As informaes, documentos ou objetos obtidos pela via da cooperao jurdica no podem, no Estado Requerente, ser utilizados em investigaes, nem produzidos como meios de prova em qualquer procedimento penal [vejam que clusula aberta] relativo a um delito em relao ao qual a cooperao jurdica no possa ser concedida.

Veja, de novo, a: qualquer procedimento penal relativo a um delito em relao ao qual a cooperao jurdica no possa ser concedida. Ora, a Sua signatria de uma conveno das Naes Unidas, transnacional, contra a corrupo, assim como o Brasil. Ento, essa clusula final, aqui, inteiramente aberta. A cooperao internacional para o combate criminalidade, ao crime organizado, lavagem de dinheiro, tudo isso seria amparado, sim, por essa clusula final. Mantenho meu voto.

R.T.J. 209 EXTRATO DA ATA

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AP 483-AgR-AgR/SP Relator: Ministro Ricardo Lewandowski. Agravantes: Paulo Salim Maluf (Advogados: Jos Roberto Leal de Carvalho e outros), Flvio Maluf (Advogados: Jos Roberto Batochio e outros) e Jacqueline de Lourdes Coutinho Torres Maluf (Advogados: Jos Roberto Batochio e outros). Agravado: Ministrio Pblico Federal. Rus: Maurlio Miguel Curi (Advogados: Srgio Salgado Ivahy Badar e outros), Ligia Maluf Curi e Sylvia Lutfalla Maluf (Advogados: Ricardo Tosto de Oliveira Carvalho e outros). Deciso: O Tribunal, por maioria, negou provimento aos agravos, nos termos do voto do Relator, contra o voto do Ministro Marco Aurlio. Ausente, justificadamente, neste julgamento, o Ministro Gilmar Mendes (Presidente). Presidiu o julgamento o Ministro Cezar Peluso (Vice-Presidente). Presidncia do Ministro Gilmar Mendes. Presentes sesso os Ministros Celso de Mello, Marco Aurlio, Ellen Gracie, Cezar Peluso, Carlos Britto, Joaquim Barbosa, Ricardo Lewandowski, Eros Grau, Crmen Lcia e Menezes Direito. Procurador-Geral da Repblica, Dr. Antonio Fernando Barros e Silva de Souza. Braslia, 12 de maro de 2009 Luiz Tomimatsu, Secretrio.

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EXTRADIO 1.127 REPBLICA FEDERAL DA ALEMANHA Relator: O Sr. Ministro Menezes Direito Requerente: Governo da Repblica Federal da Alemanha Extraditanda: Irena Cieslak Extradio instrutria. Repblica Federal da Alemanha. Pedido formulado com promessa de reciprocidade. Extraditanda condenada no Brasil pelo crime de trfico internacional de substncias entorpecentes. Tipo penal de incriminao mltipla. Competncia internacional concorrente. Aplicao do art. 36, inc. II, a, I, da Conveno nica de Nova York, promulgada pelo Decreto 54.216/64. Atendimento aos requisitos da Lei 6.815/80. Dupla tipicidade atendida. Deferimento com ressalva. 1. Considerando que a hiptese dos autos de delito internacional de trfico de entorpecentes, esta Suprema Corte firmou o entendimento de que possvel o deferimento do pedido mesmo tendo sido a Extraditanda condenada no Brasil pelos mesmos fatos, porquanto se trata de competncia internacional concorrente, por aplicao do art. 36, inciso II, a, I, da Conveno nica de Nova York, promulgada pelo Decreto 54.216/64. 2. O pedido formulado pela Repblica Federal da Alemanha, com promessa de reciprocidade, atende aos pressupostos necessrios ao seu deferimento, nos termos da Lei 6.815/80. 3. Os fatos delituosos imputados Extraditanda correspondem, no Brasil, aos crimes de trafico ilcito de entorpecentes e associao para o trfico, previstos, respectivamente, nos arts. 33 e 35 da Lei 11.343/06, satisfazendo, assim, ao requisito da dupla tipicidade, previsto no art. 77, inciso II, da Lei 6.815/80. 4. Caso o Tribunal Regional Federal da 5 Regio no d provimento ao recurso de apelao criminal interposto pela defesa da Extraditanda contra a sentena condenatria brasileira, no dever a extradio ser executada at o trmino do cumprimento da pena a ela imposta, conforme previso do art. 89 da Lei 6.815/80, ressalvando-se a hiptese de convenincia do interesse nacional, conforme prev o art. 67 do mesmo diploma legal. 5. Extradio deferida com ressalva. ACRDO Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do Supremo Tribunal Federal, em sesso plenria, sob a Presidncia do Ministro Cezar Peluso, na conformidade da ata do julgamento e das notas taquigrficas, por unanimidade de votos, deferir o pedido de extradio, com a ressalva constante do voto do Relator. Braslia, 23 de outubro de 2008 Menezes Direito, Relator.

R.T.J. 209 RELATRIO

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O Sr. Ministro Menezes Direito: Trata-se de pedido de extradio instrutria formulado pelo governo da Repblica Federal da Alemanha (Nota Verbal 241/2008 fls. 4 a 6), encaminhado por via diplomtica ao Ministrio das Relaes Exteriores (fl. 4), com base em promessa de reciprocidade, pelo qual se pede a extradio da nacional polonesa Irena Cieslak, investigada naquele pas pela prtica de trfico ilcito de entorpecentes. O Estado requerente instrui o pedido com mandado de deteno internacional expedido pelo Juzo de Instruo do Tribunal da Comarca de Grlitz, em 8 de janeiro de 2008 (fls. 7 a 9). Em 25-5-08, decretei a priso preventiva para fins de extradio (fls. 69 a 72), tendo ela sido efetivada em 4-6-08, momento no qual se verificou que a Extraditanda j se encontrava presa no Instituto Penal de Fortaleza/CE cumprindo pena imposta pela Justia brasileira por trfico internacional de drogas (fl. 93). Em 12-6-08, o Ministro da Justia encaminhou documentos complementares referentes ao pedido extradicional, recebidos da Embaixada da Repblica Federal da Alemanha, por via diplomtica (fls. 95 a 107). A Extraditanda foi interrogada (fls. 141/142) e, por seu advogado, apresentou defesa tcnica, alegando, em sntese, que no h tratado bilateral firmado entre os Estados brasileiro e alemo, impossibilitando o processamento da extradio, e que a Extraditanda j cumpre pena no Brasil pelo fato delituoso objeto do pedido, incidindo, portanto, o princpio do ne bis in idem. Juntou aos autos cpia da sentena proferida pelo Juzo da 11 Vara Federal da Seo Judiciria do Estado do Cear, pela qual foi condenada pena de 14 anos e 7 meses de recluso, em regime fechado. Requer, ao final, o indeferimento do pedido (fls. 144/145). O Ministrio Pblico Federal, pelo parecer da ilustre Subprocuradora-Geral da Repblica, Dra. Claudia Sampaio Marques, aprovado pelo ProcuradorGeral, Dr. Antonio Fernando Barros e Silva de Souza, manifestou-se pelo deferimento da extradio, ressalvando a hiptese do art. 89 da Lei 6.815/80 (fls. 182 a 186). o relatrio. VOTO O Sr. Ministro Menezes Direito (Relator): Conforme relatado, trata-se de extradio processual, fundada em ttulo prisional preventivo decretado contra a Extraditanda no Pas requerente, visando o processamento dela por suposta prtica do crime de trfico ilcito de entorpecentes, tendo o decreto revelado pelo menos dois fatos criminosos supostamente praticados por ela e outros co-rus, no perodo de 3-2-07 a 14-5-07 (fl. 8).

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Primeiramente, no que se refere ao argumento de que a Extraditanda foi processada e julgada pela Justia brasileira pelo mesmo fato objeto do pedido de extradio, considerando que a hiptese dos autos de delito internacional de trfico de entorpecentes, esta Suprema Corte firmou o entendimento de que possvel o deferimento do pedido mesmo nessas hipteses, porquanto se trata de competncia internacional concorrente, por aplicao do art. 36, inciso II, a, I, da Conveno nica de Nova York, promulgada pelo Decreto 54.216/64. Nesse sentido, os seguintes precedentes:1. Extradio. Passiva. Competncia internacional concorrente. Trfico internacional de substncias entorpecentes. Tipo penal de incriminao mltipla. Delitos cometidos em diferentes pases. Considerao como delitos autnomos e distintos. Aplicao do art. 36, II, a, I, da Conveno nica de Nova York, promulgada pelo Dec. 54.216/64. Competncia reconhecida ao Estado requerente. Preliminar rejeitada. Precedentes. Tem competncia para processar e julgar extraditando, por crime de trfico internacional de substncias entorpecentes, o Estado em cujo territrio se realizou uma das modalidades incriminadas no tipo misto alternativo daquele delito, cada uma das quais se considera como crime autnomo. (...)

(Ext 1.033/Repblica Portuguesa, Tribunal Pleno, Rel. Min. Cezar Peluso, DJ de 6-6-07.)

(...) II Extradio: trfico internacional de entorpecentes: competncia internacional concorrente. vista da Conveno nica de Nova Yorque, de 1961 (art. 36, II, a, I), e para efeitos extradicionais, cada uma das modalidades incriminadas, no tipo misto alternativo de trfico de entorpecentes, deve considerar-se um delito distinto: donde, a competncia da Dinamarca para julgar o crime de importao para o seu territrio de droga remetida do Brasil, sem prejuzo da jurisdio brasileira sobre a exportao ou tentativa de exportao da mesma mercadoria. Precedentes.

(Ext 962/Reino da Dinamarca, Tribunal Pleno, Rel. Min. Seplveda Pertence, DJ de 18-11-05.) Ainda que assim no fosse, verifico, pela leitura da sentena condenatria proferida pelo Juzo da 11 Vara Federal da Seo Judiciria Federal do Cear, que os fatos pelos quais a Extraditanda foi condenada no Brasil so distintos dos que justificam o presente pedido de extradio. Tem-se na sentena os seguintes fatos:(...) 7 Trata-se de ao criminal movida pelo Ministrio Pblico Federal contra Mandy Veit Veit, Irena Beata Cieslak e Raymond Amankwah, narrando a denncia que no dia 1 de dezembro de 2007, por volta das 20:00, foram os rus flagrados no aeroporto Pinto Martins, quando as duas primeiras aguardavam no setor de embarque, vo TAP-1661, com destino a Lisboa/Portugal, conduzindo em suas bagagens o montante bruto de 3.080 gramas e 3.097 gramas (fls. 24/25), respectivamente, de cocana escondidas no interior de pacotes que estavam em bolsas conduzidas pelas rs, enquanto o ru aguardava o embarque das mesmas, sendo o responsvel pela entrega da droga s mesmas, em So Paulo, acompanhando-as at

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Fortaleza, entendendo o Parquet estarem os rus incursos nas penas do art. 33 c/c art. 40, inc. I da Lei n 11.343/06, com os rigores da Lei 8072/90.

(Fl. 148.) Por outro lado, o decreto de priso preventiva expedido na Alemanha narra os seguintes fatos:Numa data que j no se pode determinar exactamente, em todo caso antes do dia 03-02-2007, a argida juntou-se com a co-argida Mandy Veit e com Klaus-Dieter Will, Manfred Will, Elke Veit, Marco Veit, Idris, Thomas Kamp e Raymond Amankwah, que so perseguidos em processos separados, para cometer desde aquele momento, de maneira sistemtica e sob diviso do trabalho, vrios actos ainda no concretamente determinados de levar quantidades no insignificantes de cocana por avio desde Amrica do Sul e da frica para a Unio Europia, com o objetivo de vend-la posteriormente ganhando lucros. A argida, a co-arguida Mandy Veit, assim como Klaus-Dieter Will, Manfred Will, Elke Veit e Marco Veit, que so perseguidos em processos separados, eram directamente responsveis do transporte da cocana desde Amrica do Sul/frica para Europa, enquanto os outros perseguidos em processos separados, Idris e Kamp, tinham que organizar cada vez as viagens dos correios de drogas. O Amankwah, que perseguido num processo separado, tinha que entregar cada vez, na Amrica do Sul, as quantidades de cocana a contrabandear aos correios de cocana. Executando o acordo concludo no bando passaram os seguintes actos: 1. No dia 03-02-2007, a argida e a co-argida Mandy Veit, assim como Elke Veit e Marko Veit, que so perseguidos em processos separados, viajaram, como foi combinado no bando, de Francoforte (Meno) com escala em Casablanca (nmero do Vo: AT811, 13:30 horas) para Cotonou (Repblica do Benim, nmero do vo: AT551, 19:20 horas) onde cada um deles recebeu uma mala com 4 kilogramas de cocana de uma qualidade mediana para que seja introduzida ilegalmente na Unio Europia. Com a quantidade mencionada, a argida e a co-arguida Mandy Veit, assim como Elke Veit e Marko Veit, que so perseguidos em processos separados, voltaram no dia 11-02-2007 de Cotonou (Repblica do Benim) com escala em Casablanca (nmero do vo: AT550, 03:15 horas) para Lyon (nmero do vo: AT9720, 13:25horas) onde a cocana foi entregue para ser vendida posteriormente ganhando lucros. A argida e a co-arguida Mandy Veit, assim como Elke Veit e Marko Veit, que so perseguidos em processos separados, receberam cada um o salrio de correio combinado no montante de 4.500, euros. 2. Alm disso, a argida e Klaus-Dieter Will, que perseguido num processo separado, viajaram no dia 26-04-2007 ou 27-04-2007, como foi combinado no bando, a Natal (Brasil) de onde voltaram com os quatro kilogramas de cocana de uma qualidade mediana que lhes foram entregues por Amankwah, que perseguido num processo separado, do Brasil num avio no dia 14-05-2007 chegando a Amsterdo (Pases Baixos) onde a cocana foi entregue a Idris, que perseguido num processo separado, para ser vendida posteriormente ganhando lucros.

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R.T.J. 209A argida e Klaus-Dieter Will, que perseguido num processo separado, receberam, cada um, um salrio de correio de 4.000, euros. A argida sabe que no dispe de uma licena para transportar ou trazer consigo estupefacientes. Por isso. A argida acusada, em dois actos juridicamente independentes, de ter feito trfico ilcito de estupefacientes em quantidades no insignificantes, e isto como membro de um bando formado para cometer continuamente tais delitos, punvel como trfico ilcito de estupefacientes em quantidades no insignificantes, cometido em dois casos como membro de um bando organizado segundo os artigos 30a alnea 1, 29 alnea 1 fr. 1 n 1 da lei dos narcticos (BtMG), artigo 53 do Cdigo Penal (StGB).

(Fls. 7 a 9.) Como se v, os fatos narrados na sentena e no mandado de deteno internacional expedido pelo Juzo de Instruo do Tribunal da Comarca de Grlitz (fls. 7 a 9) foram praticados em local e em datas totalmente diversas, embora a extraditanda tenha declarado Justia brasileira, quando do seu interrogatrio, que j tinha transportado drogas a pedido de Thomas Kamp da Repblica de Benim, na frica, para a Frana, justamente os fatos imputados a ela na presente extradio. De qualquer modo, o Estado requerente possui competncia para instruo e julgamento dos fatos narrados no mandado de priso expedido na Alemanha, porque os crimes de importao de substncia entorpecente foram praticados em seu territrio, estando, este caso, em perfeita consonncia com o disposto no art. 78, inciso I, da Lei 6.815/80. No que concerne falta de tratado bilateral de extradio entre o Brasil e o pas requerente, de conhecimento de todos que tal circunstncia no impede a formulao e o eventual atendimento do pedido extradicional, desde que o Estado requerente, como na espcie, prometa reciprocidade de tratamento ao Brasil, mediante expediente (Nota Verbal) formalmente transmitido por via diplomtica (por exemplo: Ext 1.090/Alemanha, Tribunal Pleno, Rel. Min. Crmen Lcia, DJ de 22-2-08; Ext 1.078/Alemanha, Tribunal Pleno, Rel. Min. Gilmar Mendes, DJ de 31-10-07; Ext 1.039/Alemanha, Tribunal Pleno, Rel. Min. Celso de Mello, DJ de 23-11-07; entre outros). A existncia, no caso, de promessa de reciprocidade formulada pelo Estado requerente ao governo brasileiro, legitima o processamento, na espcie, da ao de extradio passiva, especialmente pelo que assegurado nos itens a a c da nota verbal encaminhada pelo Ministrio da Justia (fl. 5). Os crimes tambm no possuem conotao poltica, afastando-se, portanto, a vedao do art. 77 da Lei 6.815/80. O pedido formal de extradio foi devidamente apresentado pelo Estado requerente, instrudo com cpias do mandado de deteno internacional expedido por autoridade judiciria competente, havendo indicaes seguras sobre local, data, natureza e circunstncias do fato delituoso, como se verifica a partir da anlise dos documentos de fls. 7 a 9.

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Quanto ao atendimento dos requisitos da dupla tipicidade e da dupla punibilidade, assim manifestou-se o Ministrio Pblico Federal:(...) 11. Os fatos imputados extraditanda nos arts. 30a, alnea 1; 29, alnea 1 fr. 1 n 1da Lei de Narcticos (BtMG); art. 53 do Cdigo Penal (StGB) encontram, no ordenamento jurdico ptrio, equivalncia ao crime de trfico de entorpecentes e de associao para o trfico, previstos nos arts. 33, caput, e 35, caput, da Lei n 11.343/06.

(Fl. 185.) Dispem os referidos dispositivos legais mencionados pela ProcuradoriaGeral da Repblica:Lei dos narcticos (BtMG) da Repblica Federal da Alemanha Artigo 30a Atos punveis (1) Ser punido com a pena de priso maior de 5 anos, aquele que cultivar, produzir, comercializar, importar ou exportar estupefacientes em quantidades no insignificantes (artigo 29 alnea 1 frase 1 nmero 1) atuando como membro de um bando formado para cometer continuamente tais delitos. Artigo 29 Atos punveis (1) Ser punido com a pena de priso at 5 anos ou com multa, aquele que 1. cultivar, produzir, comercializar estupefacientes, ou, sem comercializ-los, importar, exportar, vender, alienar, entregar, ou meter no mercado de outra forma, ou adquirir ou os arranjar de outra maneira. Cdigo Penal (StGB) da Repblica Federal da Alemanha Artigo 53 Concurso real (1) Se algum cometer uma pluralidade de atos punveis que devem ser sentenciados conjuntamente, e se ento concorrer vrias penas privativas da liberdade ou vrias multas, fixar-se- uma pena global. (2) Se concorrer uma pena privativa da liberdade e uma multa, fixar-se- uma pena global. No entanto, o tribunal pode impor uma multa como pena adicional. Se, nestes casos, se deve infligir vrias multas por ter cometido vrios delitos, imporse- uma multa global. (3) Se o autor, em conformidade com a Lei segundo a qual se aplica o artigo 43a ou no caso previsto na alnea 4 do artigo 52, deve ser punido com uma pena privativa da liberdade perptua ou uma pena privativa da liberdade de mais de dois anos, o tribunal poder impor, alm da pena global a fixar segundo as alneas 1 ou 2, uma penalidade pecuniria adicional. Se, nestes casos, devem ser infligidas vrias penalidades pecunirias por ter cometido vrios delitos, impor-se- uma penalidade pecuniria global. O previsto na alnea 3 do artigo 43a ser de aplicao por analogia. (4) A alnea 3 e a frase 2 da alnea 4 do artigo 52 sero de aplicao mutatis mutandis. Lei n 11.343/06 (Lei de Txicos) Art. 33. Importar, exportar, remeter, preparar, produzir, fabricar, adquirir, vender, expor venda, oferecer, ter em depsito, transportar, trazer consigo, guardar, prescrever, ministrar, entregar a consumo ou fornecer drogas, ainda que gratuitamente, sem autorizao ou em desacordo com determinao legal ou regulamentar:

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R.T.J. 209Pena recluso de 5 (cinco) a 15 (quinze) anos e pagamento de 500 (quinhentos) a 1.500 (mil e quinhentos) dias-multa. Art. 35. Associarem-se duas ou mais pessoas para o fim de praticar, reiteradamente ou no, qualquer dos crimes previstos nos arts. 33, caput e 1o, e 34 desta Lei: Pena recluso, de 3 (trs) a 10 (dez) anos, e pagamento de 700 (setecentos) a 1.200 (mil e duzentos) dias-multa.

Em atendimento ao disposto no art. 77, inciso VI, da Lei 6.815/80, cumpre salientar que no ocorreu a prescrio da pretenso punitiva sob a tica da legislao de ambos os Estados. que no mandado de priso imputada Extraditanda a prtica de dois crimes de trfico ilcito de entorpecentes e associao para o trfico, cuja pena mxima de 15 anos (fl. 101). Na legislao alem, a prescrio ocorre em 20 anos, quando a pena mxima imposta for superior a 10 anos de priso circunstncia ocorrida no crime. Assim, considerando que os crimes ocorreram entre fevereiro e maio de 2007, a prescrio somente ocorrer em 2027 (fl. 102). Por outro lado, nos termos da lei brasileira, tambm no h falar em prescrio. A pena em abstrato prevista para a prtica do delito de trfico ilcito de entorpecentes de 5 a 15 anos de recluso (art. 33 da Lei 11.343/06), prescrevendo, nos termos do art. 109, inciso I, do Cdigo Penal, em 20 anos, ou seja, em 2027; e, quanto ao delito de associao para o trfico, a pena mxima de 10 anos (art. 35 da Lei 11.343/06), prescrevendo, portanto, em 16 anos, a dizer, em 2023 (art. 109, inciso II, do Cdigo Penal). Portanto, na minha compreenso, encontram-se presentes os requisitos legais necessrios ao deferimento da extradio. Cumpre observar, por fim, que, caso o Tribunal Regional Federal da 5 Regio no d provimento ao recurso de apelao criminal interposto pela defesa da Extraditanda contra a sentena condenatria brasileira (fls. 144/145), no dever a extradio ser executada at o trmino do cumprimento da pena a ela imposta, conforme previso do art. 89 da Lei 6.815/80, ressalvando-se a hiptese de convenincia do interesse nacional, conforme prev o art. 67 do mesmo diploma legal. Ante o exposto, e considerando que o Estado requerente assumiu os compromissos previstos no art. 91 da Lei 6.815/80 (fl. 5), defiro o pedido de extradio, com a ressalva antes indicada. EXTRATO DA ATA Ext 1.127/Repblica Federal da Alemanha Relator: Ministro Menezes Direito. Requerente: Governo da Repblica Federal da Alemanha. Extraditanda: Irena Cieslak (Advogado: Ronaldo Borges Garcia). Deciso: O Tribunal, por unanimidade, deferiu o pedido de extradio, com a ressalva constante do voto do Relator. Ausentes, em representao do Tribunal

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no exterior, os Ministros Gilmar Mendes (Presidente) e Eros Grau e, justificadamente o Ministro Celso de Mello. Presidiu o julgamento o Ministro Cezar Peluso (Vice-Presidente). Presidncia do Ministro Cezar Peluso (Vice-Presidente). Presentes sesso os Ministros Marco Aurlio, Ellen Gracie, Carlos Britto, Joaquim Barbosa, Ricardo Lewandowski, Crmen Lcia e Menezes Direito. Vice-ProcuradorGeral, Dr. Roberto Monteiro Gurgel Santos. Braslia, 23 de outubro de 2008 Luiz Tomimatsu, Secretrio.

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R.T.J. 209 AGRAVO REGIMENTAL NA AO ORIGINRIA 1.498 SP Relator: O Sr. Ministro Eros Grau Agravante: Ali Mazloum Agravada: Unio Agravo regimental. Ao originria. Competncia. Supremo Tribunal Federal. Ao de interesse de toda a magistratura. Art. 102, I, n, da Constituio. Inocorrncia. Hiptese em que se discutem interesses individuais, no permitindo o deslocamento da competncia. Impedimento e suspeio. Necessidade de manifestao expressa do tribunal de origem. Instaurao, pelo rgo especial, de procedimento administrativo disciplinar contra magistrado. Competncia do Tribunal local para a reviso do ato. Art. 21, VI, da LC 35/79 (Loman). Agravo improvido. 1. O impedimento e a suspeio que autorizam o julgamento de ao originria pelo Supremo Tribunal Federal, nos termos do disposto no art. 102, I, n, in fine, da CB/88, pressupem a manifestao expressa dos membros do Tribunal competente, em princpio, para o julgamento da causa. Precedentes (Rcl 2.942MC, Rel. Min. Celso de Mello, DJ de 16-12-04; MS 25.509-AgR, Rel. Min. Seplveda Pertence, DJ de 24-3-06; AO 1.153, Rel. Min. Carlos Velloso, DJ de 30-9-05; AO 1.160-AgR, Rel. Min. Cezar Peluso, DJ de 11-11-05 e AO 973-AgR, Rel. Min. Ellen Gracie, DJ de 16-5-03). 2. A competncia para rever deciso de rgo colegiado atinente instaurao de processo disciplinar contra magistrado do Tribunal cujos membros o compem, pena de supresso de instncia e violao do disposto no art. 21, VI, da Lei Orgnica da Magistratura Nacional (LOMAN) (LC 35/79). 3. A mera alegao de interesse da magistratura na questo, do que decorreria a atribuio de generalidade causa, no permite, por si s, o deslocamento da competncia do Tribunal local. Precedente (AO 587, Rel. Min. Ellen Gracie, DJ de 30-6-06). 4. Agravo regimental a que se nega provimento. ACRDO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do Supremo Tribunal Federal, em sesso plenria, sob a Presidncia do Ministro Gilmar Mendes, na conformidade da ata do julgamento e das notas taquigrficas, o Tribunal, por unanimidade, negou provimento ao recurso de agravo, nos termos do voto do Relator. Braslia, 27 de novembro de 2008 Eros Grau, Relator.

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O Sr. Ministro Eros Grau: Trata-se de agravo regimental interposto por Ali Mazloum, contra deciso que negou seguimento a ao originria. 2. O ora Agravante props ao originria com fundamento no art. 102, I, n, da Constituio do Brasil sob a alegao de que o rgo Especial do Tribunal Regional Federal da 3 Regio deliberou, em sesso secreta do dia 9 de agosto de 2007, sobre a instaurao de procedimento administrativo contra o agravante por violao do art. 35, I, da Loman. 3. O ato do rgo Especial seria expressivo de violao do disposto no art. 93, X, da Constituio, que impe a publicidade das sesses administrativas, bem assim do inciso XI desse mesmo preceito. 4. As violaes consubstanciariam afronta ao devido processo legal. 5. Afirmou a competncia do Supremo Tribunal Federal para apreciao do feito, eis que se discute apenas o princpio da publicidade e do juiz natural nos processos disciplinares (e no judiciais), da no haver dvidas do interesse exclusivo da magistratura. 6. Acrescentou, no mrito, o desrespeito ao quorum qualificado para a instalao de sesso que vise deliberao de matria disciplinar. 7. Alegou que os preceitos que garantem direitos e garantias fundamentais so de aplicabilidade imediata (art. 5, 1, da CB/88). 8. Requereu a antecipao dos efeitos da tutela, para sobrestar o curso e os efeitos do Procedimento Administrativo 2005.03.019871-3. Pediu, no mrito, fosse a ao julgada procedente, para declarar a nulidade da sesso de julgamento de instaurao do procedimento disciplinar, em face das violaes das garantias fundamentais acima referidas. 9. Neguei seguimento ao ante a incompetncia desta corte para julgar o feito. No houve o deslocamento da competncia para o Supremo Tribunal Federal, nos termos do disposto no art. 102, I, n, da Constituio do Brasil. 10. O Agravante afirma que, na verdade, invocou a primeira parte do preceito, isto , a existncia de interesse de toda a magistratura no julgamento do feito. 11. Seria de interesse de toda a magistratura, segundo o Agravante, saber se possvel: a) deliberar em sesso secreta sobre a instaurao de procedimento disciplinar; b) a circunstncia de a deliberao partir de rgo especial cujos membros no foram eleitos na forma do inciso XI do art. 93 da CB/88; c) a deciso ter sido tomada sem o quorum qualificado do inciso X do mesmo preceito.

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12. Requer seja dado provimento ao presente agravo, reconsiderando a deciso para o regular processamento da ao originria. o relatrio. VOTO O Sr. Ministro Eros Grau (Relator): O Agravante sustenta que a competncia para julgamento da ao originria do Supremo Tribunal Federal nos termos do que dispe a alnea n do inciso I do art. 102 da Constituio. 2. Busca-se, na verdade, prvio pronunciamento desta Corte sobre questes que seriam apreciadas apenas na hiptese a que faz aluso a segunda parte da alnea n do inciso I do art. 102 da CB/88 ou no exerccio da competncia recursal do inciso II do mesmo preceito. 3. O impedimento e a suspeio que autorizam o julgamento de ao originria pelo Supremo Tribunal Federal, nos termos do disposto no art. 102, I, n, in fine, da CB/88, pressupem a manifestao expressa dos membros do Tribunal competente, em princpio, para o julgamento da causa. 4. Nesse mesmo sentido os seguintes precedentes: Rcl 2.942-MC, Rel. Min. Celso de Mello, DJ de 16-12-04; MS 25.509-AgR, Rel. Min. Seplveda Pertence, DJ de 24-3-06; AO 1.153-AgR, Rel. Min. Carlos Velloso, DJ de 30-9-05; AO 1.160-AgR, Rel. Min. Cezar Peluso, DJ de 11-11-05; AO 973-AgR, Rel. Min. Ellen Gracie, DJ de 16-5-03; AO 583-QO, Rel. Min. Moreira Alves, DJ de 2-3-01; e AO 611-QO, Rel. Min. Moreira Alves, DJ de 20-10-00. 5. Em se tratando de deciso de rgo colegiado de Tribunal Regional Federal atinente instaurao de processo disciplinar contra determinado magistrado, a competncia para sua reviso daquele Tribunal Regional, pena de supresso de instncia e violao do disposto no art. 21, VI, da Lei Orgnica da Magistratura Nacional (LOMAN) (LC 35/79)1. 6. A mera alegao de interesse da magistratura na questo, do que decorreria a atribuio de generalidade causa, no permite, por si s, o deslocamento da competncia do Tribunal Regional Federal da 3 Regio:Magistratura. Reviso. Vencimentos. Auxlio-moradia. Isonomia. Observncia. Questo de ordem. Competncia. Art. 102, I, n, da Constituio Federal. No incidncia. Remessa dos autos ao Tribunal de Justia do Distrito Federal e Territrios. 1. Magistratura. Reviso de vencimentos para equiparao de benefcios. Auxlio-moradia. Incluso. 2. Questo de Ordem. Competncia para processar e julgar originariamente a ao em que todos os membros da magistratura sejam direta ou indiretamente interessados. Art. 102, I, n, da Constituio Federal. 3. Regra explcita de conformao entre os princpios constitucionais do juzo natural1

Art. 21. Compete aos Tribunais, privativamente: (...) VI Julgar, originariamente, os mandados de segurana contra seus atos, os dos respectivos Presidentes e os de suas Cmaras, Turmas ou Sees.

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e da imparcialidade. Indispensvel garantia de imparcialidade do julgador da causa e, conseqentemente, de lisura da deciso judicial a ser proferida. 5. Requisitos para competncia originria do Supremo Tribunal Federal. O interesse direto ou indireto dever ser efetivo e para a totalidade da magistratura. Situao especfica no demonstrada na hiptese dos autos. 6. Questo de ordem provida para reconhecer a incompetncia desta Corte e devoluo dos autos ao Juzo de origem.

(AO 587, Rel. Min. Ellen Gracie, DJ de 30-6-06.) 7. Permito-me transcrever as seguintes passagens do voto da Ministra Relatora nesse precedente, expressivos da hiptese de que se cuida:4. O interesse na questo jurdica levada a juzo, mesmo se indireto, dever ser efetivo, ou seja, capaz de repercutir na situao daquele que julgaria a causa nica e exclusivamente por ostentar a condio de magistrado. Por essa razo, que o Supremo Tribunal Federal reconheceu, como sendo de interesse de toda a magistratura, aes em que se discutiram, por exemplo, a exigibilidade imediata ou no do imposto de renda sobre a representao mensal, a possibilidade de acrscimo de um tero sobre os vencimentos de ambos os meses de frias gozados, a legitimidade do direito de greve ou o direito licena-prmio. Note-se que, em todos esses casos, a deciso judicial eventualmente favorvel teria eficcia limitada ao juiz litigante, mas poderia ser invocada perante a Administrao ou o Judicirio, como precedente, pelo prprio julgador ou por qualquer outro magistrado, pelo simples fato de serem integrantes da magistratura. So causas nas quais o efetivo interesse no resultado delas, despertado em todos aqueles que teriam natural competncia para julg-las, retira, como um todo, a imparcialidade necessria. 5. Por outro lado, encontram-se excludos da competncia originria do Supremo Tribunal Federal os casos em que a possvel repercusso na esfera de interesse do julgador dependa que ele se encontre numa determinada situao especfica, que, embora ligada sua qualidade funcional, no decorra dela como necessidade lgica (Min. Seplveda Pertence no MS 21.016, Rel. Min. Paulo Brossard). Nessas hipteses, o interesse da magistratura se revela terico, eventual ou hipottico, apenas se convertendo em interesse efetivo em relao aos magistrados que se encontram na condio concreta e especificamente impugnada. Com efeito, o art. 102, I, n, da Constituio Federal, possui como destinatrios, nas palavras do eminente Ministro Moreira Alves, os atuais membros da magistratura, e no a magistratura em abstrato, pois o fim a que ele visa impedir que quem tenha interesse direto ou indireto na causa a julgue isoladamente, ou em colegiado (MS 21.285, Rel. Min. Moreira Alves). Entendimento contrrio firmaria a competncia originria do Supremo Tribunal Federal sempre que fosse questionada, no caso concreto, toda e qualquer norma do estatuto jurdico-constitucional da magistratura brasileira.

8. As trs questes suscitadas pelo agravante como de interesse de toda a magistratura atingem apenas magistrados que se encontrem em situao semelhante, vale dizer, aqueles que eventualmente estejam sendo submetidos a investigao, nos termos da Loman. 9. Situaes que levariam declarao de suspeio do magistrado para apreciar a causa nos termos do disposto no art. 135, V, do CPC, mas que no

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implicariam o deslocamento da competncia para esta Corte, com esteio no art. 102, I, n, da Constituio. 10. O ato da autoridade apontada como coatora no possui os requisitos necessrios sua anlise por esta Corte em ao originria. Nego provimento ao agravo regimental. EXTRATO DA ATA AO 1.498-AgR/SP Relator: Ministro Eros Grau. Agravante: Ali Mazloum (Advogados: Amrico Masset Lacombe e outros). Agravada: Unio (Advogado: Advogado-Geral da Unio). Deciso: O Tribunal, por unanimidade, negou provimento ao recurso de agravo, nos termos do voto do Relator. Ausentes, licenciado, o Ministro Joaquim Barbosa, justificadamente, os Ministros Celso de Mello e Menezes Direito e, neste julgamento, o Ministro Marco Aurlio. Presidiu o julgamento o Ministro Gilmar Mendes. Presidncia do Ministro Gilmar Mendes. Presentes sesso os Ministros Marco Aurlio, Ellen Gracie, Cezar Peluso, Carlos Britto, Ricardo Lewandowski, Eros Grau e Crmen Lcia. Vice-Procurador-Geral da Repblica, Dr. Roberto Monteiro Gurgel Santos. Braslia, 27 de novembro de 2008 Luiz Tomimatsu, Secretrio.

R.T.J. 209 AO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE 1.578 AL (ADI 1.578-MC na RTJ 164/544)

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Relatora: A Sra. Ministra Crmen Lcia Requerente: Associao dos Magistrados Brasileiros AMB Requeridos: Governador do Estado de Alagoas e Assemblia Legislativa do Estado de Alagoas Ao direta de inconstitucionalidade. Lei 5.913/97 do Estado de Alagoas. Criao da central de pagamentos de salrios do Estado. rgo externo. Princpio da separao de poderes. Autonomia financeira e administrativa do Poder Judicirio. Ao julgada procedente. 1. A Associao dos Magistrados Brasileiros (AMB) tem legitimidade para o ajuizamento de ao direta de inconstitucionalidade em que se discute afronta ao princpio constitucional da autonomia do Poder Judicirio. 2. A ingerncia de rgo externo nos processos decisrios relativos organizao e ao funcionamento do Poder Judicirio afronta sua autonomia financeira e administrativa. 3. A presena de representante do Poder Judicirio na Central de Pagamentos de Salrios do Estado de Alagoas (CPSAL) no afasta a inconstitucionalidade da norma, apenas permite que o Poder Judicirio interfira, tambm indevidamente, nos demais Poderes. 4. Ao direta de inconstitucionalidade julgada procedente. ACRDO Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do Supremo Tribunal Federal, em sesso plenria, sob a Presidncia do Ministro Gilmar Mendes, na conformidade da ata do julgamento e das notas taquigrficas, por unanimidade, julgar procedente a ao direta e declarar a inconstitucionalidade da Lei alagoana 5.913/97, nos termos do voto da Relatora. Braslia, 4 de maro de 2009 Crmen Lcia, Relatora. RELATRIO A Sra. Ministra Crmen Lcia: 1. Ao direta de inconstitucionalidade ajuizada pela Associao dos Magistrados Brasileiros (AMB), em 4-4-97, na qual se questiona a constitucionalidade formal e material da Lei alagoana 5.913/97, que tem o seguinte teor:Seo I Das disposies permanentes: Art. 1 Fica criada a Central de Pagamentos de Salrios do Estado de Alagoas CPSAL.

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R.T.J. 209Art. 2 A Central de Pagamentos de Salrios do Estado de Alagoas CPSAL constituda por representantes dos Poderes Executivo, Legislativo, Judicirio, Ministrio Pblico e Tribunal de Contas. Pargrafo nico. A Central de Pagamento de Salrios do Estado de Alagoas CPSAL dirigida em regime de rodzio anual, pelos representantes dos Poderes Executivo, Legislativo e Judicirio, nessa ordem. Art. 3 A Central de Pagamentos de Salrios do Estado de Alagoas CPSAL tem a responsabilidade de: I aferir, e endossar, a legalidade funcional, e os proventos, de cada Servidor Pblico; II produzir os documentos e relatrios necessrios ao pagamento dos estipndios do funcionalismo pblico; III prover, com exclusividade, o pagamento de todos os Servidores Pblicos, abrangendo os das Administraes Direta e Indireta, Fundacional Pblica, e Autrquica, dos Poderes Executivo, Legislativo e Judicirio, do Ministrio Pblico Estadual e do Tribunal de Contas do Estado. Art. 4 O efetivo de pessoal necessrio s tarefas burocrticas e legais da CPSAL, ser requisitado aos rgos que integram Central, nos seguintes percentuais mximos: a) 25% (vinte cinco por cento) do Poder Executivo; b) 25% (vinte cinco por cento) do Poder Legislativo; c) 25% (vinte cinco por cento) do Poder Judicirio; d) 12,5% (doze vrgula cinco por cento) do Ministrio Pblico Estadual; e) 12,5% (doze vrgula cinco por cento) do Tribunal de Contas do Estado. Art. 5 O Tribunal de Contas do Estado fiscalizar, e emitir relatrio aos demais rgos do Poder a cada 90 (noventa) dias, publicando-o no Dirio Oficial do Estado, sobre: I o atendimento aos limites impostos pelo Artigo 4 desta Lei; II a efetiva atividade funcional do quadro de pessoal lotado na CPSAL. Art. 6 O Ministrio Pblico Estadual, por sua natureza de Fiscal da Lei, emitir relatrio semestral aos titulares do Estado aqui elencados, sobre o perfeito cumprimento dos dispositivos desta lei, fazendo-os publicar no Dirio Oficial do Estado. Seo II Das disposies transitrias: Art. 7 Cabe ao Poder Executivo a responsabilidade pela instalao fsica da CPSAL, dotando-a, num prazo de at 60 (sessenta) dias da entrada em vigor desta Lei, de todos os equipamentos necessrios ao desenvolvimento de suas atividades, e prover a manuteno fsica e tcnica dos mesmos. Art. 8 No prazo de at 180 (cento e oitenta) dias a contar da data formal de sua instalao, a CPSAL concluir a implantao de sistema centralizado de pagamento dos Servidores Ativos, Inativos e Pensionistas, das Administraes Direta, Indireta, Autrquica e Fundacional Pblica, dos Poderes Executivo, Legislativo e Judicirio, Ministrio Pblico e Tribunal de Contas do Estado de Alagoas, com uso da modernidade eletrnica, e de Rede Bancria Oficial. Art. 9 Fica aberto na Lei Oramentria vigente, Crdito Especial no valor de R$ 100.000,00 (cem mil reais), para o Poder Executivo fazer face aos dispndios de suas responsabilidades atribudas no art. 7 desta Lei. Art. 10. Fica o Poder Executivo autorizado para, atravs de Decreto, no prazo de 30 (trinta) dias da entrada em vigor desta Lei, regulamentar o funcionamento da

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CPSAL, criando cargos comissionados, limitados a 03 (trs), e funes gratificadas a 06 (seis), necessrios ao desenvolvimento dessa atividade. Seo III Das disposies finais: Art. 11. Esta Lei entrar em vigor na data de sua publicao, revogadas as disposies em contrrio.

2. A Autora argumenta que a criao da Central de Pagamentos de Salrios do Estado de Alagoas (CPSAL), rgo administrativo centralizado e estranho estrutura dos Poderes, que deveria gerenciar todos os procedimentos de aplicao dos recursos financeiros destinados ao pagamento das remuneraes dos servidores dos trs poderes, estaria a apagar a autonomia administrativa e financeira outorgada ao Poder Judicirio (...) [e] ainda deforma a estrutura organizacionalfuncional do Estado Democrtico Brasileiro (fl. 7), por contrariar os arts. 2; 25; 96, inciso II, alnea d; 99 e 168, todos da Constituio brasileira. Aduz que a lei alagoana tambm seria formalmente inconstitucional, pois disciplina matria cuja iniciativa legislativa estaria reservada ao Poder Judicirio, qual seja, a organizao judiciria, luz do art. 96, inciso II, alnea d, da Constituio. Afirma que a lei impugnada obstaria o cumprimento do acordo firmado perante este Supremo Tribunal Federal nos autos da ACO 311, pelo qual os duodcimos devidos ao Judicirio alagoano ser-lhe-o diretamente creditados pelo Banco do Brasil S.A., ao dia 10 (dez) de cada ms e conta dos recursos provenientes da transferncia do FPE devida ao Estado de Alagoas (fl. 6). Requereu a entidade autora a suspenso cautelar da lei impugnada e, no mrito, pediu a declarao de sua inconstitucionalidade. 3. Em 17-4-97, o Plenrio do Supremo Tribunal Federal deferiu a medida cautelar pleiteada, para suspender, at deciso final desta ao, os efeitos da Lei alagoana 5.913/97. 4. Em suas informaes, a Assemblia Legislativa de Alagoas defende a ilegitimidade ativa da Autora, afirmando que o interesse para tanto seria do Tribunal de Justia de Alagoas, pois as normas impugnadas cingem-se quele Estado. Acrescenta que a centralizao e o controle da folha de pagamento envolvem matria gerencial afeita administrao de pessoal que no interfere na independncia e na autonomia do Poder Judicirio, porque a CPSAL, composta por representantes de todos os Poderes e de rgos autnomos, no dispe de poder decisrio, mas to-somente da fiscalizao da legalidade da remunerao atribuda ao servidor alagoano (fls. 40-49). 5. O Governador do Estado de Alagoas informou, sua vez, que no haveria qualquer ofensa Constituio da Repblica, pois com a norma se buscaria atender ao interesse pblico (fls. 66-67). 6. O Advogado-Geral da Unio manifestou-se pela extino do processo, sem julgamento de mrito, em razo da ilegitimidade ativa da Autora, que no teria interesse processual por duas razes, a saber: a Central de Pagamentos de

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Salrios do Estado de Alagoas seria um rgo executor de meros atos administrativos, o que evidenciaria a inexistncia de relao de causa e efeito danoso que recaia sobre os direitos subjetivos dos associados da AMB, haja vista que no consta da exordial descrio dos prejuzos que lhes sero decorrentes (fl. 76), e o Poder Judicirio, diretamente interessado estadual , no teria adotado qualquer providncia perante a Procuradoria-Geral da Repblica para questionar a lei, o que levaria concluso de aceitar-lhe os termos. 7. O Procurador-Geral da Repblica opinou pela procedncia da ao, enfatizando os fundamentos esposados no acrdo referente ao deferimento da medida cautelar. o relatrio, do qual devero ser encaminhadas cpias aos eminentes Ministros do Supremo Tribunal Federal (art. 9 da Lei 9.868/99 c/c o art. 87, inciso I, do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal). VOTO A Sra. Ministra Crmen Lcia (Relatora): 1. A presente ao direta de inconstitucionalidade tem por objeto a declarao de inconstitucionalidade da Lei 5.913/97 do Estado de Alagoas. 2. Em preliminar, de se solucionar questo posta pelos Requeridos e pela Advocacia-Geral da Unio, que sustentam a ilegitimidade ativa da Associao dos Magistrados Brasileiros (AMB), pela ausncia de pertinncia temtica entre as suas atribuies institucionais e o contedo da lei estadual questionada. Esse tema j foi objeto de diversos pronunciamentos deste Supremo Tribunal, e em todos eles ficou assentado que em sede de controle normativo abstrato, o entendimento da pertinncia temtica relativamente legitimidade da Associao dos Magistrados Brasileiros (AMB), admitindo que sua atividade associativa nacional busca realizar o propsito de aperfeioar e defender o funcionamento do Poder Judicirio, no se limitando a matrias de interesse corporativo (ADI 1.303-MC, Rel. Min. Maurcio Corra, DJ de 1-9-00). No mesmo sentido, ADI 1.127-MC, Rel. Min. Paulo Brossard, DJ de 296-01; ADI 913, Rel. Min. Moreira Alves, DJ de 18-8-93; ADI 305, Rel. Min. Maurcio Corra, DJ de 13-12-02; ADI 138-MC, Rel. Min. Sydney Sanches, DJ de 16-11-90; ADI 139-MC, Rel. Min. Aldir Passarinho, DJ de 26-10-90. 3. A presente ao direta de inconstitucionalidade arrima-se no argumento de que a Lei alagoana 5.913/97 afrontaria o princpio constitucional da autonomia do Poder Judicirio. A argumentao exposta na inicial relaciona-se, diretamente, s funes institucionais da Autora, no sendo a sua legitimidade, portanto, bice para o conhecimento da ao. Afasto, portanto, a preliminar suscitada de ilegitimidade ativa.

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4. O ponto nodular da presente ao est em que a Lei questionada afrontaria o princpio constitucional da autonomia do Poder Judicirio, inobservando, ainda, o princpio da separao de poderes. Na assentada de 17-4-97, no julgamento da cautelar desta ao, o Ministro Octavio Gallotti, ento Relator, consignou: patente a relevncia jurdica da fundamentao da inicial, radicada no princpio cardeal da separao e da independncia dos Poderes, de que corolrio, expressamente reconhecido pela Constituio, a autonomia administrativa e financeira do Poder Judicirio. Revela-se, de seu turno, ilusria, mesmo quando possa ser sincera, a veleidade de cercear a atividade administrativa do Judicirio, sem comprometer-lhe a independncia dos julgamentos, como tive recentemente a ocasio de recordar, com o apoio do Plenrio, na condio de Relator da ADI 135, da Paraba: Ilusria se revela, em meu entendimento, a pretenso de distinguir entre funes judicantes (ou atividades-fim) e funes administrativas (ou atividades-meio), dos Juzos e Tribunais, com o fito de procurar estabelecer limites de permissibilidade ingerncia de outros rgos na atuao do Poder Judicirio, como condio indispensvel ao exerccio da democracia. No por outra razo, seno para assegurar-lhes eficaz independncia e jamais sob a acanhada inspirao de algum postulado de eficincia ou descentralizao, porventura haurido da tcnica ou cincia da Administrao que o regime poltico dos povos cultos tm consagrado o autogoverno dos Tribunais e sua autonomia administrativa, financeira e oramentria (arts. 96, 99, e pargrafos, e 168 da Constituio da Repblica). Do exerccio dos poderes de fiscalizao da atividade administrativa e do desempenho dos deveres funcionais do Poder Judicirio estadual, outorgados, sem reserva, pela Constituio da Paraba, afigura-se indissocivel (at mesmo sob pena de se revelarem eles ociosos), alguma parcela de ingerncia e de iminncia repressiva do Colegiado estranho ao Judicirio, a que se pretende incumbir dessas tarefas, em detrimento da integridade da garantia de independncia da magistratura. No toa que, sempre que vozes se avolumam na pregao deste ou daquele tipo de controle externo aos Tribunais, coincide, a direo desse rumor, com a frustrao do interesse (at, s vezes, respeitvel) de algum grupo, ou pessoa, mais dominada pela paixo contrariada, seja ela cvica, poltica, corporativa, ou simplesmente individual. Mostram, todavia, a cincia do Direito Constitucional e a observao histrica dos costumes polticos, que a independncia de um Poder inseparvel da autonomia administrativa e da segurana proporcionada pela conquista de gesto autnoma dos meios postos pelo Estado sua disposio, para garantir a administrao e a distribuio de Justia, papel destinado pela Constituio responsabilidade de um Poder Judicirio nacional. No de outros rgos e entidades, que a ele no pertenam, como se estabelece no dispositivo impugnado. Est, igualmente, bem justificado o requerimento de medida cautelar, em face da delicada implicao da lei impugnada na relao entre os trs Poderes do Estado. Existe, ademais, prazo mximo, estipulado para a regulamentao do diploma e a instalao do rgo em questo, a ser dotado de pessoal requisitado, alm de cargos comissionados, prprios e funes gratificadas.

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R.T.J. 209Defiro o pedido de liminar, para suspender, at deciso final desta ao, os efeitos da Lei 5.913, de 21 de maro de 1997, do Estado de Alagoas.

(DJ de 28-4-97.) 5. A autonomia financeira e administrativa do Poder Judicirio foi fundamento, em numerosos julgamentos processados por esta Casa, da declarao de inconstitucionalidade de normas que permitiam a ingerncia de estranhos sua estrutura nos processos decisrios relativos sua organizao e ao seu funcionamento. So vrios os precedentes, entre os quais podem ser citados os seguintes: ADI 1.051, Rel. Min. Maurcio Corra, DJ de 13-10-95; ADI 135, Rel. Min. Octavio Gallotti, DJ de 15-8-97; ADI 183, Rel. Min. Seplveda Pertence, DJ de 31-10-97; ADI 98, Rel. Min. Seplveda Pertence, DJ de 31-10-97; ADI 137, Rel. Min. Moreira Alves, DJ de 3-10-97; ADI 2.831-MC, Rel. Min. Maurcio Corra, DJ de 28-5-04. Recentemente, no julgamento da ADI 3.367, Rel. Min. Cezar Peluso, o Supremo Tribunal Federal declarou a constitucionalidade da criao do Conselho Nacional de Justia exatamente baseando-se na circunstncia de que se trata de rgo interno de controle administrativo, financeiro e disciplinar da magistratura, ou seja, porque no constituiria rgo externo estrutura do Poder Judicirio. Tem-se no voto do eminente Ministro Cezar Peluso, Relator daquela ao direta:O argumento radical da autora vem da regra da separao, com os corolrios da independncia e harmonia entre os trs Poderes da Repblica (art. 2 da Constituio Federal). Segundo a AMB, a instituio de rgo funcionalmente voltado ao controle da atuao administrativa e financeira do Judicirio e do cumprimento dos deveres funcionais dos magistrados, mas composto por membros na origem alheios ao mesmo Poder dois dos quais indicados pelo Legislativo , violaria a dita clusula ptrea da separao dos Poderes, em cujo ventre reside a garantia da independncia do Judicirio. Essa postura da autora j desvela toda a preocupao muito legtima, digase de que o advento do Conselho Nacional de Justia traduza srio risco independncia do Poder Judicirio, no exerccio de sua funo tpica, a jurisdicional. que, apenas para adiantar o que me parece o ponto nevrlgico da causa, ningum tem dvida de que no pode a independncia do Judicirio, seja a externa, assim considerada a da instituio perante os demais Poderes e rgos de presso, seja a interna, a