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Conhecimento científico é ‘socializável’? Cientistas do INPE falam sobre as dificuldades de dialogar com outros públicos RELACIONAMENTO COM A IMPRENSA, JARGÕES JORNALÍSTICOS, GUIA DE PERGUNTAS Junho 2012 Ano I - Volume I Boneco A arte de traduzir a ciência Falta SINTONIA

REVISTA VICE VERSA JORNALISTAS

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Revista ViceVersa para Jornalistas. Trabalho de conclusão de curso elaborado para o Curso de Especialização em Jornalismo Científico, do Laboratório de Estudos Avançados em Jornalismo, da Universidade Estadual de Campinas. Expediente: Ana Paula Soares, Camila Delmondes Dias, Jorge Behrens e Silvio Pinto Anunciação

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Conhecimento científico é

‘socializável’?

Cientistas do INPE falam sobre as dificuldades de dialogar com outros públicos

RELACIONAMENTO COM A IMPRENSA, JARGÕES JORNALÍSTICOS, GUIA DE PERGUNTAS

Junho 2012Ano I - Volume IBoneco

A arte de traduzir a ciência

FaltaSINTONIA

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A ciência humanizada

[Antônio Scarpa]

O jornalista e fotógrafo Antônio Scarpinetti registra neste ensaio o esforço pela busca do conhecimento, aquele baseado na prática sistemática e que está na fronteira. São retratadas atividades nas áreas da saúde, química, física, biologia, artes e cultura. Mas nunca isoladas. O ser humano está sempre presente, seja na firmeza das mãos talentosas ou na perspicácia dos olhos atentos. A humanização é uma constante no trabalho de Scarpinetti.

Natural de Olímpia (SP), ele realiza a 20 anos trabalho iconográfico e de divulgação da cultura popular. Criou e coordenou por mais de 10 anos o Centro de Pesquisa e Documentação da Rede Anhanguera de Comunicação (Cedoc-RAC), em Campinas. De 1984 e 1991, foi pesquisador no Departamento de Documentação (Dedoc), da Editoria Abril, em São Paulo. Atualmente dedica-se ao trabalho de fotojornalismo científico na Assessoria de Comunicação e Imprensa (Ascom) da Unicamp.

ENSAIO FOTOGRÁFICO

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DIRETODAREDAÇÃO

EXPEDIENTE

Julho de 2012Trabalho de conclusão do curso de especialização em jornalismo científico Labjor/Unicamp

Projeto gráfico e editoraçãoCamila Delmondes

Projeto editorialAna Paula Soares VeigaCamila Delmondes

EdiçãoAna Paula Soares Veiga

Textos:Ana Paula SoaresCamila DelmondesJorge BehrensSilvio Pinto Anunciação Neto

Universidade Estadual de CampinasLaboratório de Estudos Avançados em JornalismoCurso de Especialização em Jornalismo CientíficoRua Seis de Agosto, 50 - Reitoria V, 3º piso - CEP:13.083-873 Campinas, SP, BrasilFones: (19) 3521-2584 / 3521-2585 / 3521-2586Fax: (19) 3521-2599

Divulgar bem ciência, contribuindo para a disseminação do conhecimento produzido no Brasil, tem sido um grande desafio para a imprensa. Se, do lado dos cientistas, a importância de interagir com a sociedade ainda é um conceito muito novo, do lado dos jornalistas, ainda há muito a melhorar em termos do entendimento do universo da ciência – sua metodologia, sua linguagem, suas ressalvas, seu timing. Como estreitar esse relacionamento, com resultados que contentem (ou desagrade pouco) ambos os lados?

Nas próximas páginas, você vai conhecer o “outro lado” da divulgação científica, ou seja, o que pensam os pesquisadores so-bre as formas de diálogo com outros públicos? Qual o caminho de uma pesquisa científica, até a publicação do artigo? Que critérios considerar ao entrevistar uma fonte?

Boa leitura!

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NESTAEDIÇÃOJUNHO|2012

ENTREVISTAOs pesquisadores Paulo Roberto de Mar-tini, José Carlos Neves Epiphanio e Clezio Marcos De Naradin, do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE) falam sobre

o delicado relacionamento entre cientistas e jornalistas

Arquivo pessoal

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VIDA DE REDAÇÃOJornalista e cientista: eterno conflito

“Cientistas e jornalistas no Brasil parecem não se entender facilmente” [Jorge Behrens]

Arquivo pessoal

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DICASMEMÓRIA Artigo do físico, Ennio Candotti, comemora os 30 anos da Revista Ciência Hoje

FIQUE LIGADO 10 critérios para comunicar ciência...veja as dicas elaboradas pela Rede Ibero-americana de Monitoramento e Capacitação em Jornalismo Científico

PASSO A PASSO Do projeto de pesquisa à publicação do artigo...saiba que a vida de um pesquisador não se restringe aos experimentos em laboratório ou coleta de campo, seja qual for a área da ciência na qual trabalhe

GLOSSÁRIO Conheça melhor a terminologia científica

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34GUIA DE PERGUNTAS Recomendações propostas por Timothy Johnson (2005) para ajudar o público a compreender melhor a informação Ccientífica

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OPINIÃOSocializar este conhecimento, produzido principalmente com recursos públicos, é papel de divulgadores, jornalistas e cientistas.

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2A CIÊNCIA HUMANIZADAAcompanhe a partir da página 2 até o final desta edição, o ensaio fotográfico de Antônio ScarpaAntônio Scarpa

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O Problema é o Jargão

[Ana Paula Soares]

ENTREVISTA

A “arrogância” do cientista inibe o

jornalista? Falta SINTONIA? Cientista

não sabe explicar?

Veja o que dizem três pesquisadores do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais sobre as dificuldades de dialogar com outros públicos

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“Você poderia explicar com uma linguagem bem sim-ples, para que as pessoas que não têm familiaridade com a pesquisa possam entender?”. O pedido educado, qua-se uma súplica, surge frequentemente após as primeiras perguntas feitas pelo jornalista ao pesquisador, principal-mente quando a matéria é para televisão. Se o cientis-ta está habituado a falar com a imprensa, vai procurar ser didático e encontrar analogias que possam facilitar o entendimento. Se, ao contrário, raramente fala sobre sua pesquisa a público de não cientistas, demonstrará certa perplexidade, imaginando: “Mas eu estou sendo tão claro

e preciso!” Afinal, o que é que “pega” na relação cotidia-na entre ciência e jornalismo? Três cientistas do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais entrevistados pela revista viceversa – todos bastante acessíveis e experientes no re-lacionamento com a imprensa – apresentaram suas opini-ões. Veja o que dizem Paulo Roberto Martini (especialista em interpretação de imagens de satélites), José Carlos Neves Epiphanio (coordenador do Programa de Apli-cações do Satélite Sino-brasileiro de Recursos Terrestres - CBERS e Clezio Marcos De Nardin (pesquisa as influên-cias e os impactos do clima espacial no sistema terrestre).

ViceVersa - Qual a maior dificulda-de que vocês enfrentam ao falar sobre suas áreas de atuação com a grande imprensa?

Clezio Marcos De Nardin – A maio-ria dos cientistas tem dificuldade em explicar o seu trabalho. Se ele baixa muito o nível da linguagem, o jorna-lista pode se ofender e não dar à matéria o tratamento merecido. Se o nível fica muito elevado, o jorna-lista pode não entender, muito me-nos o público. O jornalista precisa “vender” a sua matéria e por isso procura dar a ela uma linguagem que muitas vezes o cientista consi-dera sensacionalista. O cientista quer mostrar o fato real, até porque se sente comprometido com o seu nome junto à comunidade científica.

José Carlos Neves Epiphanio - A maior dificuldade é a sintonia da linguagem, não na área de satéli-tes, mas creio que de forma geral. O jornalista não se prepara razo-avelmente para tratar do assunto específico do cientista e este não percebe que o jornalista não é um cientista, e o trata como se fosse. Daí, ocorre um descasamento de linguagem. O jornalista não conse-gue entender direito o que o cien-

tista está falando e, por conseguin-te, fazer uma matéria bem feita, e o cientista se frustra porque o jor-nalista não entende sua linguagem e termina por não se sentir comple-tamente representado na matéria. Quem perde é o leitor.

Paulo Roberto Martini - A maior di-ficuldade é o nosso jargão. Como normalmente as pessoas de ciência se envolvem com artigos científicos e leem pouco jornal, não sabem como colocar as ideias dentro de um veículo mais ágil e mais popu-lar. Falha nossa. Outra coisa: gran-de parte das pessoas de ciência tem um medo danado de se expor. Algo do tipo: o que os outros pares vão pensar do que estou falando. A arrogância do cientista também provoca um pouco de inibição para o jornalista, que fica bem preocupa-do com o tipo de pergunta que vai colocar. Um bom resultado é quan-do o cara de ciência ajuda a con-duzir com o jornalista o assunto em pauta. Os dois caminhando juntos dá sempre uma boa reportagem.

ViceVersa - O jornalista Carlos Eduardo Lins da Silva, que foi om-budsman da Folha de S. Paulo, diz que jornalismo e ciência é um "ca-samento improvável". Você concor-da com essa afirmação? São dois mundos diferentes e incompatíveis?

Paulo Roberto Martini - Não posso concordar. Um dos maiores suces-sos editorias, dotado de firme teor científico, foi escrito por um jornalis-

“Grande parte das pessoas de ciência tem um medo danado de se expor”

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ta. Trata-se do livro “Os Eleitos” (The Right Stuff, em inglês). Tom Wolfe, jornalista de profissão, fez pesquisa histórica e tratou de ciência e de tecnologia com rigor. Um livro para não esquecer. Agora mesmo estou lendo “Barren Land” escrito pelo jornalista de ciência Kevin Krajick e que trata da história de prospecção de diamantes nos Estados Unidos e Canadá. Um show de pesquisa his-tórica, literatura e jornalismo. Veja

os exemplos de jornalistas do Brasil que atuam na área de ciência. Te-mos até uma associação brasileira de jornalismo científico.

José Carlos Neves Epiphanio - Concordo apenas parcialmente, haja vista o grande sucesso de cer-tas colunas e revistas de ciência. Se fosse apenas divórcio, tais colunas e revistas não sobreviveriam. É pos-sível, sim, um casamento. Mas tem

que se lutar para que haja compa-tibilidade de gênios, isto é, nem o cientista achar que o jornalista é cientista e nem o jornalista achar que o cientista é jornalista. É preciso que ambos tentem achar um meio termo que permita que a ciência seja levada ao público numa lingua-gem palatável e quiçá agradável. Como ocorre com qualquer relacio-namento, ambos têm que abrir mão um pouco do seu pedestal e lem-

Paulo Roberto MartiniGeólogo de formação, é es-pecialista em interpretação de imagens de satélites de observa-ção da Terra, área em que atua no Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE) há 38 anos. A facilidade de se relacionar com os meios de comunicação o levou a trilhar outros caminhos. De 2008 a 2009, Martini integrou o Conselho de Leitores do jornal ovale, diário que circula na região do Vale do Paraíba. Em 2012, estreou a coluna semanal Mundo Verde, no mesmo veículo.

José Carlos N. Ephiphanio Graduado em Engenharia Agronômica, especializou-se na área de aplicações de imagens de satélite, principalmente com foco na agricultura. No Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), coordena o Programa de Aplicações do CBERS (Satélite Sino-brasileiro de Recursos Terrestres).

Clezio Marcos de NardinGraduado em Engenharia Elétrica, é pesquisador do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais na área de Geofísica Espacial. Suas pesquisas sobre Clima Espacial, particular-mente a sua influência e interferên-cia no clima do sistema terrestre têm despertado bastante interesse dos meios de comunicação.

Arquivo Pessoal Arquivo Pessoal Arquivo Pessoal

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brarem-se de que o maior pedestal deve ser reservado ao público.

Clezio Marcos De Nardin – Não concordo. O homem e a mulher vi-vem em mundos improváveis, mas não incompatíveis. Um não vive sem o outro, apesar da dificuldade de um entender o outro. Tudo é uma questão de nos dispormos a mer-gulhar em uma outra cultura. Jorna-listas e cientistas têm que mergulhar um na cultura do outro. Por exemplo, faltam jornalistas nos congressos científicos.

ViceVersa - Você acha que existe, de maneira geral, despreparo do cientista para falar com o jornalista e vice-versa?

Clezio Marcos De Nardin – No caso dos cientistas, alguns não es-tão preparados para falar com o público leigo, até pela formação que tiveram na universidade. O cientista foi treinado para ser mui-to rigoroso nas explicações. Então, quando tem que falar para um pú-blico mais amplo, o cientista acaba transferindo para o jornalista a res-ponsabilidade de dar um tratamen-to multidisciplinar, de contextualizar a sua pesquisa. O cientista precisa entender que o jornalista não é cientista. Além disso, o cientista pre-cisa se conscientizar de que não é um “deus” falando com um pobre plebeu.

José Carlos Neves Epiphanio - Sim, embora isso tenha melhorado ulti-mamente. No Brasil, há uma defi-ciência crônica de leitura desde a tenra idade - tanto por parte dos jornalistas como dos cientistas -, ressalvadas as exceções de praxe. Com uma certa falta de leitura, es-pecialmente de divulgação científi-ca, parte-se em qualquer conversa

de um patamar muito baixo, ou seja, o cientista mal sabe o que é e como deve ser o tom da conversa para a geração de uma matéria de divul-gação científica e, por outro lado, o jornalista mal sabe do assunto que vai discutir com o cientista. É claro que o resultado seria muito melhor se ambos tentassem entender me-lhor o que é de fato a divulgação científica ou a reportagem científi-ca. Há meios de melhorar isso, mas depende de um esforço tanto nas faculdades de jornalismo junto aos jornalistas como uma ação do MCTI (Ministério da Ciência Tecnologia e Inovação) junto aos pesquisadores.

Paulo Roberto Martini - Certamente. Como disse antes: um tem medo do outro e isso não dá muita liga. Sem liga o prejudicado é o leitor, que vira a página e vai ler outra coisa.

ViceVersa- Qual a sua melhor expe-riência com a imprensa? E a pior?

Paulo Roberto Martini - Minha melhor experiência aconteceu em 1977, com uma revista semanal que continua sendo editada até hoje. O assunto era uma seca braba no nordeste e como as imagens do sa-télite Landsat poderiam colaborar para amenizá-la. O diretor do INPE na época não se sentiu à vontade para falar sobre o tema. Nosso chefe de divisão se sentiu incom-petente e eu peitei o assunto. Dei várias alternativas sobre o uso de imagens e algumas delas aplicamos com resultados auspiciosos para re-cuperar água subterrânea, já que os rios e os açudes haviam sumidos. Foi muito bom. A pior foi com uma rádio de Porto Alegre, logo depois daqueles escorregamentos e da-quelas inundações em Santa Cata-rina. O entrevistador queria porque queria que eu colocasse o chapéu

nas autoridades públicas, quando nitidamente as causas tinham sido naturais, em primeiro lugar. Em se-gundo lugar, o uso inadequado das encostas por parte da elite que construíra sem a licença ambiental devida. A entrevista foi pesada, para dizer o mínimo, e vejo que o ouvinte perdeu muito porque acho que não consegui transmitir nada de útil de tão brabo que fiquei com a teimosia do repórter. Coisas da vida.

José Carlos Neves Epiphanio - Na verdade, a maioria das minhas pou-cas experiências com a imprensa foi boa. Talvez a mais marcante tenha sido uma entrevista ao vivo numa rádio de grande audiência logo após o lançamento de um dos saté-lites CBERS (Satélite Sino-brasileiro de Recursos Terrestres). Na ocasião, o que deveria ser uma pequena entrevista sobre o lançamento aca-bou se estendendo bastante, pois conseguimos tornar o assunto inte-ressante e os jornalistas foram se aprofundando nos temas. Eu conse-gui transformar o que seria um as-sunto meio áspero numa conversa desafiadora e inteligível e a maté-ria acabou ficando muito legal. Uma experiência - em princípio ruim, mas que deu tempo de arrumar - foi o caso de uma matéria escrita, fruto de uma entrevista por telefone, em que o jornalista conhecia muito pou-co do assunto. Pedi a ele que me enviasse a matéria escrita para que eu desse uma olhada para ver se havia alguma falha técnica (jamais mexo no estilo do jornalista; sempre que me é permitido procuro apenas sanar deslizes técnicos). Fiquei es-tarrecido ao ver que logo no início da matéria se afirmava algo como "...nem todos os satélites são volta-dos à ASTROLOGIA..." ao invés de "...nem todos os satélites são volta-

ENTREVISTA

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dos à ASTRONOMIA...”. Felizmente, conseguimos corrigir a falha e a ma-téria ficou boa.

Clezio Marcos De Nardin – Não te-nho críticas à imprensa, os jornalistas sempre foram muito corretos comigo. Fazer escolhas, recortes, faz parte do jornalismo e eu entendo isso. Em uma oportunidade, embora eu te-nha gostado do resultado, não me agradou a forma como foi feita a matéria. Era uma entrevista para a televisão e a repórter chegou muito

apressada impaciente para gravar. Registrou o meu depoimento e foi embora, tudo muito rápido. Eu sei da pressão que existe na produção de uma reportagem, principalmente de TV, mas me senti usado.

ViceVersa - O cientista, muitas vezes envolvido com o seu trabalho, por falta de tempo, deixa de atender a pedidos de entrevistas. Você acha importante dar um retorno à socie-

dade sobre as pesquisas que são realizadas com recursos públicos, ou mesmo como contribuição à difusão do conhecimento para a socieda-de?

José Carlos Neves Epiphanio - Acho que faz parte da atividade do cientista - seja na universidade, seja nos institutos - essa ação, ob-viamente sempre que a situação o permitir. Coloco esta ressalva, por-

que às vezes ocorre de o jornalista achar que o cientista tem que se posicionar e responder a todas as questões; às vezes pode ocorrer de o cientista ser impedido de dar uma ou outra informação, pois o assunto pode estar fora da sua alçada. Às vezes, é a uma instância superior que o jornalista deveria recorrer. Outras vezes pode ocorrer de o assunto não ser do leque do conhe-cimento do cientista etc. Por outro lado, há também o caso de os ho-lofotes gerarem cócegas e o cien-tista pode se ver falando de temas alheios à sua área de conhecimen-to, com repercussões imprevisíveis, e em geral nefastas. Porém, acho que a oportunidade de poder apresen-tar a ação científica a um público

“Há o caso de os holofotes gerarem cócegas e o cientista pode se ver falando de temas alheios à sua área de conhecimento, com repercussões imprevisíveis, e em geral nefastas”

maior é um enorme desafio e deve-ria ser motivo da ocupação de uma parte do tempo do cientista.

Clezio Marcos De Nardin – Sou funcionário público e, por isso, dar retorno à sociedade é minha obri-gação. Agora, a difusão do conhe-cimento é uma questão de foro ínti-mo. Eu atendo a imprensa, sempre que possível, mas não é obrigação do cientista atender a todos os jornalistas. O retorno à sociedade pode ser feito de outras formas. Eu publico artigos, oriento alunos de pós-graduação. Esse é um tipo de retorno.

Paulo Roberto Martini – Bom, acho que tudo começa por aí. Se não fizermos isto então estamos ferra-dos. A responsabilidade social do cientista é muito maior do que a do cidadão comum, porque ele tem co-nhecimento agregado, e agregado seguidamente pelo recurso público. Então é nosso dever devotar nos-so conhecimento ao bem público. Não apenas difundir conhecimento, mas meter a mão na massa e atuar. Outra coisa: tem muito cientista que fala: “não gosto de política nem de político”. Wrong! Nós somos polí-ticos e praticamos política todo o tempo. Eventualmente não política partidária. Mesmo assim estamos no páreo, tucanos ou petistas.

“O resultado seria muito melhor se ambos tentassem entender melhor o que é de fato a divulgação científica ou a reportagem científica”

“Um dos maiores sucessos editorias, dotado de firme teor científico, foi escrito por um jornalista”

ENTREVISTA

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O mundo está de olho na Ciência e Tecnologia (C&T) nacional. A opinião pública internacional tem visto crescer o número de artigos científicos publica-dos por pesquisadores brasileiros: o país já ocupa a 13ª posição em ranking elaborado pela empresa Thompson Reuters, e está a frente de Holanda, Rús-sia, Suécia, Israel e Suíça. O propósito de combinar ciência de ponta com uma missão social tem atra-ído os olhares internacionais: um dos periódicos científicos de maiores impactos no mundo dedicou, pela primeira vez, seis páginas à ciência tupiniquim.

A edição 330 da Revista Science, publicada no final de 2010, destacou o esforço dos pesquisadores Miguel Nicolelis e Sidarta Ribeiro na criação do Ins-tituto Internacional de Neurociências no município de Macaíba, em Natal (RN), uma das regiões pobres do Brasil, com renda per capita de R$ 324,00 e Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) de 0,665 (IBGE, 2004).

No panorama que traçou da ciência nacional, o periódico ressaltou a liderança brasileira em C&T na América Latina e o fator de que a globalização dos mercados tem contribuido para o crescimento da pesquisa nacional, a primeira do mundo em publica-ções relacionadas a açúcar, café e suco de laranja.

As contradições de um país em pleno desenvol-vimento e com cientistas de calibre para liderar gru-pos de pesquisas em todo o mundo também saltam aos holofotes internacionais. Do outro lado da ba-lança estão 14 milhões de analfabetos funcionais e um investimento tímido em C&T, que somente em 2009 chegou a 1,6% do Produto Interno Bruto (PIB).

Kuppermann (1994) alerta para a existência de forte correlação entre a fração do PIB investido em Ciência e Tecnologia por um país e seu desenvolvimento geral. Por isso, ele sugere que as nações emergentes, como o Brasil, devem lutar para investir uma proporção maior de seu PIB em C&T. A produção científica e tecnológi-ca é elemento importante para a geração de riqueza, competitividade e soberaria de uma nação, ao passo que, o conhecimento sobre ela é fundamental para mu-nir a sociedade de capacidade crítica e representativi-dade,- atributos imprescindíveis à (in) formação cidadã.

Grande parte dos temas atuais e de interesse pú-blico tem raízes no conhecimento científico. É o caso das recentes discussões sobre as reservas de petró-leo encontradas na camada pré-sal do litoral brasilei-ro e das propostas de alterações no código florestal, ambas com grande impacto sobre o futuro do país.

Socializar este conhecimento, produzido princi-palmente com recursos públicos, é papel de divul-gadores, jornalistas e cientistas. Cabe aos profissio-nais da divulgação científica, - área cujo crescimento foi expressivo no país nos últimos 15 anos, - traduzir e, principalmente, interpretar a produção dos cien-tistas, quase sempre envolta de assuntos áridos e complexos para uma linguagem menos codificada.

A socialização do conhecimento científico é es-sencial não somente para que população possa desfrutar plenamente dos benefícios proporciona-dos pela ciência e tecnologia mas, principalmente, para que ela seja capaz de interpretar, avaliar, legi-timar ou reprovar as propostas e decisões dos cien-tistas. É antiga e ultrapassada a visão de uma ciên-cia racional e puramente neutra, isenta de interesses econômicos, militares e ideológicos (ZILLES, 2004).

Os transgênicos são essenciais para a resolução da falta de alimento no mundo? Eles podem provo-car males a saúde que desconhecemos neste mo-mento? O incentivo a pesquisas nesta área são re-almente importantes? Quais os impactos ambientais provocados pelo incentivo à biotecnologia agrícola?

Uma série de outras pesquisas científicas susci-tam questões como estas, diretamente ligadas aos li-mites e consequências da intervenção dos cientistas na natureza. Embora sujeita a conflitos, a Ciência é capaz de uma mudança tranformadora da socie-dade. Fenômeno complexo, multidimensinal e com efeitos em todos os aspectos da vida, ela é um dos poucos caminhos pelos quais uma nação poderá se tornar mais rica e soberana, - sob todos os ângulos. Para isso, seus atores devem se pautar pela ética e responsabilidade, apoiados, por sua vez, em uma so-ciedade cada vez mais consciente cientificamente.

[Silvio Anunciação]

Socializar o conhecimentocientíffico

OPINIÃO

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ENSAIO FOTOGRÁFICO

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VIDA DE REDAÇÃOJornalista e cientista: eterno conflito[Jorge Behrens]

Divulgação

Cientistas e jornalistas no Brasil parecem não se entender facilmente. Se, por um lado, falta aos jornalistas brasileiros que tratam dos temas de ciência uma boa compreensão dos processos de produção e comuni-cação próprios dos cientistas, por outro, os cientistas também não compreendem a prática jornalística.

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A jornalista Sabine Righetti, da Folha de S. Paulo, argumenta que, diferentemente do que ocorre em importantes universidades e centros de pesquisas dos Estados Unidos e Europa, os pesquisadores brasilei-ros não são treinados para intera-gir com a imprensa, que é o canal de comunicação da academia com a sociedade. “O cientista brasileiro precisa de treinamento para isso. Ele ainda não é cobrado sobre sua interação com a sociedade, mas já há um movimento ocorrendo neste sentido”, comenta, referindo-se à inserção recente de uma aba no currículo Lattes do CNPq dedicada à divulgação científica (palestras, eventos, feiras de ciência, entre-vistas, museus de ciência, etc.) por parte dos pesquisadores brasileiros.

Para a jornalista da Folha, o cientista brasileiro, em geral, ainda é pouco acessível à imprensa em razão da própria prática profissio-nal, que privilegia a competência e a comunicação com os pares, mas não com a sociedade. “O finan-ciamento de pesquisa no Brasil é praticamente todo feito com recur-sos públicos, cabendo aos pesqui-sadores submeter seus projetos às agências oficiais de fomento para que tenham seu mérito avaliado por seus pares. Grandes universi-

dades americanas, por sua vez, dispõem de fundos patrocinados pela iniciativa privada e o cientista precisa divulgar seu trabalho, falar da relevância de sua pesquisa para a sociedade. Aqui no Brasil poucos pesquisadores fazem isso e quando fazem, são até mesmo criticados por querer aparecer”, explica.

“Algumas vezes o cientista que me concedeu uma entrevista sobre sua pesquisa não concorda com a abordagem que faço no texto. Há artigos cuja originalidade está no método novo utilizado, mas a ênfase nos resultados é mais interessante para o leitor. Nem sempre o autor entende isso e mal--entendidos acabam acontecendo”. Outro atrito entre cientistas e jor-nalistas pode ocorrer quando ma-térias são produzidas confrontando cientistas que divergem sobre um assunto, ou quando se solicita a opinião de um cientista sobre os re-sultados de uma pesquisa de outro da mesma área. “Geralmente os pesquisadores repudiam essa prá-tica, apesar de ser uma forma de checagem da fonte ou de debate sobre um tema controverso. Há aqueles que pedem para revisar o texto das matérias e, quando o fazem, até retiram comentários dos colegas”, revela.

A discussão sobre a autoria na divulgação científica também é um tema controverso. A publicação do fato científico é de autoria do pesquisador. Contudo, a reprodu-ção desse fato tem a significação que o jornalista é capaz de lhe dar. A produção científica continua nas mãos do cientista, mas o autor do texto de divulgação torna-se o jornalista.

A jornalista Sabine Righetti, da Folha de S. Paulo

Arquivo Pessoal

VIDA DE REDAÇÃO

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VIDA DE REDAÇÃO

O paradigma top-down

Uma das questões mais debatidas atualmente no campo da divulgação científica é o paradigma top-down,

ainda dominante na comunicação entre cientistas e a sociedade. Nesse modelo cabe aos cientistas levar

ao público a verdade desvelada através da pesquisa e da qual ele é carente. Talvez o paradigma top-do-

wn tenha funcionado bem quando as sociedades não tinham amplo acesso à educação, à tecnologia e às

mídias e ainda se preparavam para o salto tecnológico – e consequentemente social - vivenciado a partir

da segunda metade do século XX. Entretanto, nos dias de hoje e especialmente em meios urbanos onde

as pessoas estão conectadas à Internet e têm acesso aos diversos meios de comunicação, é inconcebível

acreditar nos indivíduos como as “tabulas rasas” (expressão latina que significa literalmente “tábua raspada”,

e tem o sentido de “folha de papel em branco”) de Locke.

“O leitor não vai entender, justificam alguns pesquisadores. Em algumas áreas, eles acham que o que

estão estudando é tão complexo que somente podem falar com seus pares”, comenta Sabine sobre a atitu-

de de alguns cientistas que, quando solicitados a dar uma entrevista e falar sobre sua pesquisa acabam se

esquivando.

Talvez o grande desafio da divulgação científica seja não subestimar a capacidade de entendimento

do público. Obviamente nem todos os assuntos são de fácil abordagem ou relevantes para as pessoas fora

dos círculos acadêmicos. Dessa forma, propõe-se hoje que o divulgador olhe para seu público, ou melhor,

públicos com interesses diferentes pelos temas de ciência.

Na verdade, somos todos, mesmo os cientistas, leigos de alguma forma, pois não é possível dominar

todo o conhecimento e, portanto, somos carentes de informação inteligível sobre aquilo que não nos é

familiar. A tarefa de traduzir esse conhecimento cabe os jornalistas e cientistas que divulgam a ciência. Resta

uma pergunta: não seria um pouco de falta de esforço intelectual não procurar formas simples, objetivas e

inovadoras de o cientista falar sobre seu trabalho?

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2012|JUNHO|VICEVERSA|17

“O cientista brasileiro ainda não é cobrado sobre sua interação com a sociedade”

“Há artigos cuja originalidade está no método novo utilizado, mas a ênfase nos resultados é mais inte-ressante para o leitor”

QualificaçãoAos jornalistas e cientistas que

pretendem trabalhar com divulga-ção científica, Sabine destaca a importância do exercício constante de aprimoramento da comunica-ção de ciência para a sociedade, que deve despertar o interesse e a curiosidade das pessoas, porém manter-se fidedigna aos fatos científicos. “O jornalista que quer se especializar em divulgação de ciência deve entender como ela funciona, seus métodos, como é financiada; ter o mínimo entendi-mento dos termos usados em uma dada área da ciência também é fundamental para entendê-la. Não quero dizer que ele deva estudar Biologia, ou Física, mas ter uma

compreensão mais profunda sobre essas áreas. Nos Estados Unidos, por exemplo, o jornalista se espe-cializa em escrever sobre Biologia, Física, Química, etc., enquanto no Brasil ele é mais generalista”.

Quanto ao cientista, o conheci-mento da prática jornalística tam-bém é necessário. Saber comunicar ciência para o público não é tão simples e o jornalismo tem sua lin-guagem, seus métodos de seleção e articulação de temas, que vão ao encontro das expectativas dos leitores. Conhecer o comportamen-to dos diferentes públicos, a rele-vância de determinados temas de

ciência para esses públicos, como a ciência e a tecnologia influem na sociedade são fundamentais para um novo paradigma bottom-up de divulgação científica. Em outras pa-lavras, o cientista deve entender a sociedade e se comunicar com ela de forma mais efetiva – e criativa!

VIDA DE REDAÇÃO

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Leia artigo de Ennio Candotti, físico, vice-presidente da SBPC (Socieda-de Brasileira para o Progresso da Ciência), publicado na edição de 26 de junho de 2012 pelo Jornal da Ciência, sobre os 30 anos da revista Ciência Hoje, pioneira na divulgação científica no Brasil.

30 ANOS

Ciência Hoje mais trintaa Gilberto Velho in memoriam

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Passados trinta anos a memória voa e, quando não trai, lembra. Escolhi, entre tantos, alguns pontos que, por sua atualidade, me pa-rece vale a pena registrar. Quem sabe ajudem a pensar o presente, que politicamente me parece um tanto turvo.

Uma das questões mais delica-das que enfrentamos, na CH e na SBPC em 1982, foi a das relações políticas entre editores e financia-dores: ao financiar um projeto de divulgação os órgãos públicos de fomento deveriam se envolver com a política editorial, indicar diretores, cobrar lealdades?

Vivíamos os últimos anos da ditadura (sem saber que seriam os últimos) e o embate público sobre os rumos das liberdades democráticas e da liberdade de opinião empolgava e recomen-dava cautela nos movimentos. Em 82 as bombas do Rio Sul ainda não haviam estourado no colo dos coronéis.

A divulgação dos dados de interesse público como, por exem-plo, a dimensão das reservas minerais de Carajás, os desastres da Transamazônica ou os números da poluição em Cubatão estavam, silenciados, na ordem do dia (ver por exemplo debates e documen-tos da Reunião Anual de 1983

realizada em Belém).

Eram os primeiros passos de uma batalha que duraria trinta anos: a do direito de acesso à in-formação de dados e informações de interesse individuais ou coleti-vos, o Habeas Data da Constitui-ção de 88, regulamentado nestas últimas semanas!

O poder constituído não via com simpatia a SBPC publicar uma revista empenhada em divulgar fatos da ciência e da sociedade e informações que poderiam alimen-tar o debate público sobre políticas do Governo: Lynaldo Cavalcanti, então presidente do CNPq, corajo-samente 'comprou' o nosso projeto e concordou com o princípio que o CNPq não deveria se envolver nas responsabilidades editoriais da CH. A Finep presidida por Gerson Fer-reira filho, poucos meses depois o acompanhou na decisão. Curiosida-de: entre os nossos assinantes en-contraríamos, poucos meses depois do lançamento, o General Golberí do Couto e Silva, influente Ministro da Casa Civil da Presidência.

Passados trinta anos ainda hoje encontramos dirigentes de agên-cias financiadoras, em Brasília ou nos estados, que ficam indignados quando ações de Governo são criticadas em órgãos financiados por suas agências...

MEMÓRIA

Independência política e dependência financeira, histórias de 82

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CH deveria ser ao mesmo tempo:i. um canal de expressão da

pressão da comunidade junto ao governo: lembro de alguns temas como a estabilidade e volume dos financiamentos do CNPq e Finep, mais bolsas (estávamos em menos de 10 000), criar laboratórios associados (precursores dos INTs) e também ampliar a participação das sociedades científicas nas políticas de fomento etc.

ii. Promover a articulação da comunidade científica e formar um grupo de pressão capaz de atuar em Brasília, no Conselho do CNPq, nos estados para criar as Faps (já em 82), nas universidades, instituciona-lizar a pesquisa científica, defender

a qualificação do ensino superior e consolidar construção da pós--graduação.

iii. Por outro lado deveríamos também informar, promover a educação e popularizar a ciência e o conhecimento, sua função social. Explicar a todos os valores próprios da pesquisa científica, contribuir para a criação de museus, centros de ciências e páginas de ciência na imprensa diária e programas de TV. Um primeiro passo seria familiarizar os pesquisadores com a arte de escrever, divulgar, criar canais diretos entre "produtores e consumidores". O pesquisador deveria assim assinar o artigo em que conta o que ele faz e explica seu significado.

As três dimensões do projeto CH

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Direitos humanos, direito de reunião e expressão, direitos à educação, à diversidade cultural, direito à informação e à livre circulação do conhecimento, dos programas de proteção da biodiversidade e equi-líbrio ecológico do meio ambiente (princípios incluídos mais tarde na Constituição de 88), os interesses coletivos na questão das patentes dos medicamentos, dos direitos re-produtivos da mulher e dos direitos das minorias e das culturas tradi-cionais. Além desses pontos outra questão de princípios estava (e

ainda está) presente: a construção de um país e de uma sociedade mais justa e com menos diferen-ças no desenvolvimento social e econômico regional, preservando obviamente as diferenças históricas e culturais.

O próprio significado e legitimi-dade da pesquisa básica, nas áreas exatas, biológicas e humanas, ainda hoje é questionado e deve ser de-fendido, explicado etc. Tanto neste como nos outros princípios estamos longe de ter alcançado plenas garantias de prática e respeito.

Organizar a comunidade científica em torno de quais princípios?

MEMÓRIA

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Interdisciplinaridade e o papel das ciências humanas

Um terceiro ponto, que está

relacionado com o anterior é a participação das ciências humanas e sociais, na CH e no movimento de popularização da ciência e de mobilização da comunidade científica.

A SBPC, que já contava com a presença de cientistas sociais em suas diretorias, desde os anos ses-senta, incluiu as ciências humanas em suas Reuniões Anuais no início de 1970. A Academia Brasileira de Ciências as incorporou em meados de 1990.

Em janeiro último participei em Bhubaneswar, no estado de Oris-sa, do encontro das Sociedades Cientificas Indianas e percebi que elas ainda hoje excluem as ciências sociais, a história, a antropologia e a economia (excepcionalmente este ano convidaram o economista A.Sen, para uma conferência). A Academia de Ciências Argentina ainda as exclui. Lembro disso para mostrar que, abrigar ciências humanas e sociais, exatas e natu-rais sob um mesmo 'guarda chuvas' não é fato trivial.

Entre nós, na SBPC na Ciên-cia e Cultura na CH e na CHC e obviamente no Jornal da Ciência esta política multidisciplinar sempre orientou os editores e foi muito bem sucedida, contribuiu para despro-vincializar as ciências exatas, abriu o horizonte dos debates e diversi-ficou os pontos de vista com que se observa a natureza e a sociedade. Permitiu que os juízos de valor ganhassem dimensões mais consis-tentes, orientando "cum grano salis" opiniões, ações e publicações.

Mas, ainda estamos no começo desta caminhada, há muito chão a percorrer para que as chamadas ciências humanas ganhem um lugar estável - e o papel que lhes cabe - no panorama da política de C&T (vejam-se p.e. as discussões nos últimos dez anos em torno do fomento das ciências sociais através dos fundos setoriais ou nos mais recentes programas de apoio à inovação)

O novo cenário internacional e o papel das ciências humanas

O quadro da política e da eco-

nomia mundial nestes últimos anos merece também particular atenção. Dificilmente a política de C&T será nos países centrais e no mundo todo a mesma de antes de 2008. O financiamento da pesquisa so-freu forte abalo e ainda não voltou aos níveis e prioridades anteriores. Cabe perguntar se voltará.

Há também outro fator que devemos levar em consideração: centenas de milhões de homens e mulheres (lembrem dos "Damnés de la Terre" do F. Fanon), nas últimas décadas ultrapassaram a linha de pobreza e ingressaram em um mundo que busca na educação e no conhecimento garantir seus di-reitos de igualdade, oportunidades e cidadania. Isso vale no Brasil, na Índia, na China, no Médio Orien-te, na África e em outros países.

Entender as novas tensões e conexões entre o secular e reli-gioso na política e nas relações sociais e econômicas, na ciência e na cultura, exigirá a colaboração das ciências humanas e políticas.

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Elas devem nos ajudar a explicar o que está acontecendo. E, impor-tante, contribuir para mostrar que as soluções dos atuais conflitos

não são únicas e raramente encontram resposta apenas em

programas tecno-científicos. Mais uma razão, portanto, para estreitar os laços de cooperação que a interdisciplinaridade, construída ao longo dos anos, nos oferece.

A omissão destes temas nas pautas das conferências internacio-nais dedicadas à política científica (que muitas vezes as exclui), ou à conservação do meio ambiente, revela uma certa alienação de seus mentores em geral da "co-munidade das exatas e naturais". Esta miopia poderá conduzir ao isolamento político dos "exatos", o que seria grave neste momento de acirradas tensões sociais.

A divulgação científica para milhões

A inclusão de centenas de mi-

lhões de novos cidadãos, escolares e leitores de ciência coloca novos desafios às instituições científicas. Não apenas para a pesquisa científica em saúde, energia, na produção de alimentos e comunica-ções. Mas, também para a própria divulgação e popularização da ciência.

A pressão pelo respeito aos direitos humanos fundamentais, participação e conhecimento, tenderá a crescer. A demanda por tecnologias sociais, adequadas a responder aos desafios práticos dos milhões emergentes, questões por vezes elementares (mas de grande valor) como, por exemplo, a inexistência de um teste simples

MEMÓRIA

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para saber se a água que bebe-mos é potável, ou questões menos elementares como encontrar uma vacina contra a malária.

Por outro lado há muito a ex-plicar sobre o valor da ciência na sociedade e no Congresso Na-cional. A recente discussão sobre o Código Florestal mostrou que os Congressistas (e seus doutos asses-sores) preferem adaptar a natureza às leis do que as leis à natureza. O imbróglio do Código se deve em grande parte ao fato de não ter sido levada em consideração uma advertência levantada pela SBPC, que este código deveria respeitar antes de mais nada a diversidade dos biomas e os diferentes tipos de florestas existentes em nosso extenso território. Preferiram elabo-rar um código único e mandaram a natureza se ajustar a ele. Deu no que deu.

Falhamos em nossa missão de esclarecer congressistas, assessores e principalmente a sociedade. As nossas explicações foram insuficien-tes, os nossos meios de divulgação se revelaram tímidos frente aos desafios da batalha política.

Papel da CH e da SBPC. As Faps de 92 e hoje

Lembrei destes pontos ao

contar a vocês momentos decisivos das discussões que nos ocupavam - e também a SBPC - nos tempos em que CH foi criada. A opção editorial foi, em 82, por uma revista severa em seus parâmetros cientí-ficos e de boa qualidade gráfica, em cores e bom papel. Pensou-se em um tabloide, mais barato, em papel jornal, de maior circulação, mas, ponderou-se que sua realiza-

ção seria para nós mais complexa: editorialmente e tecnicamente. Preferiu-se a primeira opção.

Precisávamos de um laboratório onde aprender a escrever, reunir informações, expressar opinião, tomar partido... exercitar o "avanti adagio". Um laboratório político de divulgação científica escrita princi-palmente por cientistas. Um ta-bloide exigiria também uma maior presença da SBPC e da CH nos diferentes estados. Esta era uma meta ainda longínqua. Um passo nesta direção seria dado, dez anos depois, com a criação de sucursais de CH e secretarias regionais da SBPC e das fundações de apoio à pesquisa nos estados.

O movimento da SBPC e da CH dos anos 80 foi importante, precedeu e preparou a inclusão na Constituição de 88 do Arti-go 218 (de C&T e Faps) e logo depois a própria criação das Faps nos estados. Hoje a presença da SBPC no território nacional é muito maior, mas ainda assim perdemos a batalha do Código Florestal...

Os bastidores de CH

Vamos falar um pouco dos

bastidores CH, da cozinha de ontem e de hoje. Em trinta anos estilos, editores, designers, jornalis-tas administradores se sucederam, mas curiosamente muitos deles ocuparam seus postos por longos períodos de tempo. É significati-vo o número dos colaboradores que tem mais de vinte anos de trabalhos contínuos na CH. Muitos deles estão nesta sala, hoje: Maria Elisa, Lindalva, Alicia, Maria Inês, Claudia, Carlos Henrique, Baltar, Marli, Alicia, Delson, Irani, Tito,

Adalgisa, Theresa, Roberto Car-valho (não está aqui mas continua colaborando de Curitiba), Elisa Sinkuevicz, Yedda, Miriam Caval-canti, Menandro, Bianca, Walter e Luiza, Carla e Shirley que foram e voltaram. Monserrat que está aqui, foi editor de CH, cuidou do JC durante mais de vinte e cinco anos! Creio que esta é a melhor demons-tração de um projeto perseverante que empolgou e ainda empolga.

Devo confessar que nem eu, e creio nem Darci, Roberto, Al-berto ou Otavio imaginávamos, em 82, que duraria tanto e muito menos que seriamos chamados de 'fundadores'. Espero que a jovem guarda que hoje está buscando nos arquivos a pré-história da CH devolva aos muitos protagonistas daqueles primeiros passos este grave denominativo. Lembro (após consultar os infalíveis cadernos de 82) que participaram das reuniões que prepararam o projeto CH: além de nós, também Gilberto Velho, Pedro Malan, Rui Cerqueira, Antonio Olinto, J.Murilo Carvalho, Alzira Abreu, Angelo Machado, Reinaldo Guimarães, Luiz Castro Martins, Henrique Lins de Bar-ros, Yonne Leite, José Monserrat, Carlos e Regina Morel, Argemiro Ferreira, Claudius Ceccon, Luiz Davidovich, Moisés Nussenzweig, Sergio Ferreira, Marcelo Barcinski, Jorge Guimarães, Sergio Flacs-man, George Duque Estrada, Jenny Rachle, Leonel Katz, Joaquim Falcão, Telmo Araujo e Alvaro Abreu. Roberto Lent no primeiro semestre se encontrava no exterior. Logo depois lá por 85 encontro nos cadernos o registro de Cilene na sucursal de Pernambuco e Luca em 86 como correspondente em Brasília.

É bom lembrar que a criação da CH teve fortes repercussões

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em SP, na sede da SBPC. É um capítulo desta história que também devemos reconstruir: Carolina Bori, José Albertino Rodrigues, José Reis, e sobretudo Alberto Carvalho da Silva e C. Pavan tiveram grande influência nas negociações que precederam o lançamento da CH.

Episódios de 92. A advertência de J. Murilo

Quero enfim relembrar um

episódio importante na vida de CH. O menciono porque creio que se as coisas tivessem caminhado de forma um pouco diferente, não estaríamos aqui comemorando os trinta anos.

Em 1991 lançamos CHC men-sal, até então um encarte bimestral, nas últimas horas de uma tempes-tade que havia desestabilizado as finanças de CH. Alguns números da época (n.70,71) levaram o carimbo "ameaçada de extinção". Goldemberg no MEC comprou duzentas mil assinaturas de CHC para todas as escolas. CH e CHC foram salvas.

Ocorre que em julho de 92 a SBPC e a CH alinharam-se com o movimento de indignação nacional que levaria ao afastamento de Collor da presidência. A nossa pri-meira, breve e incisiva, manifesta-ção de adesão ao movimento data de fins de junho (vale aqui registrar que o texto foi redigido por Gilber-to Velho e revisado antes de sua divulgação por Carolina Bori).

Na Reunião Anual de 1992, que se iniciou poucos dias depois a questão ainda estava fervendo. Exceto Ulisses Guimarães e Seve-ro Gomes senador, que vieram manifestar sua solidariedade até a

USP onde se realizava a RA, além deles apenas a Erundina prefeita de SP, Marilena Chauí Secretária de Cultura e Eduardo Suplicy já senador (eles participaram da abertura no Municipal). Os demais políticos alguns sócios e próximos à SBPC nos evitaram.

Helio Jaguaribe, ministro da C&T, determinou a Lyndolpho de Carvalho Dias, presidente do CNPq, que cortasse os recursos da SBPC para a realização da RA. Lindolpho sabiamente respondeu que já haviam sido repassados... Ao finalizar a RA as manifestações dos estudantes e o sensível quadro político de Brasília, indicavam que a crise estava se ampliando com grande velocidade.

Contei isso porque hoje, refletin-do sobre as advertências de José Murilo e de Wanderley Guilherme dos Santos, que na época con-sideravam um equivoco político promover a desestabilização do Governo, dou-lhes razão. Talvez os anos me tenham tornado mais cauteloso. Ou talvez por observar que, passados vinte anos, as fontes dos desmandos que tanto nos indignavam continuam a 'operar' impunemente. A indignação é sem-pre necessária, mas não suficiente para mudar os rumos da história.

O risco para a SBPC e para CH alinhar-se com o movimento de indignação nacional, naquele momento, foi muito alto. Poderíamos não estar aqui comemorando os trinta anos.

Política em ciência: máscara ou remo

Nem por isso creio eu que

deva-se optar sempre por políticas cautelosas, refugiando-se por trás

da máscara que ordena a uma So-ciedade Cientifica, divulgar fatos ou opiniões baseadas em "ciência" apenas. Seria um equivoco maior. Fazemos política em ciência por dever cívico e necessidade, não por opção.

Direitos humanos e instituições científicas para se consolidarem em nosso país ainda precisam de muito apoio e compreensão da socieda-de. Vejam por exemplo a discussão corrente sobre os fundos setoriais, as novas fontes de financiamento da pesquisa científica e o fomen-to à inovação e as "tecnologias sociais".

Creio enfim que vivemos um momento de intensas tensões políticas e econômicas - e, insisto, com dimensões internacionais pouco familiares à comunidade científica. É um momento em que, a meu ver, CH e a SBPC deveriam reavaliar suas distâncias editoriais e políticas, - tenho a impressão que andam excessivamente afas-tadas - aproximar-se, repensar as dimensões nacionais, científicas e sociais, do projeto que as une. Em homenagem aos jovens de menos de trinta anos.

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10 critérios para comunicar ciência

FIQUE LIGADO

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Veja as dicas elaboradas pela Rede Ibero-america-

na de Monitoramento e Capacitação em Jorna-

lismo Científico, formada por instituições de dez

países, dentre eles a Fundação Oswaldo Cruz, que coordena a iniciativa.

A rede tem como objeti-vo apoiar, disseminar e

incrementar a qualidade do jornalismo científico

nos países ibero-america-nos, de modo a contribuir

para a consolidação de um diálogo mais harmo-

nioso da relação entre ciência e sociedade na

região.O texto foi publicado no

livro Jornalismo e ciência: uma perspectiva ibero-

-americana, em 2010, sob coordenação de

Luisa Massarani.

1 Inclua nos trabalhos informação que ajude o público a adotar medidas para melhorar a sua

qualidade de vida.

2 Confirme tudo e tenha cuida-do com as fontes que se aven-turam a opinar sobre assuntos

fora de sua esfera de competência. Jamais afirme nada se não existem provas concludentes a respeito.

3 É melhor indagar sobre pro-cessos em vez de produtos, lidar com ideias tanto como

com os fatos.

4 O tratamento deve ser cuida-doso. Que a informação mos-tre um otimismo prudente ou

um pessimismo esperançoso, como disse Manuel Calvo Hernando (1971).

5 A informação deve ser pro-funda, transcendente e hu-mana. A linguagem, simples e

precisa. Devemos estimular a capa-cidade de reflexão do público.

6 Não esqueça que o usuário da informação está te inter-rompendo a cada dez linhas

para perguntar “por que”, “para que”, “como isso me afeta”, “para que me interessa”. Se a pergunta tácita não é respondida, ele aban-donará o texto e perderemos a oportunidade de comunicar.

7 A informação, incluindo a ins-titucional, deve ser noticiosa.

8 Não fale em linguagem de pesquisador.

9 Os títulos devem ser atrati-vos, mas não devem prome-ter o que a mensagem do

texto não vai cumprir. E, obviamen-te, não devem ser a única atração do texto.

10 Use os recursos do dese-nho para manter o inte-resse pelo texto. Os bo-

xes, as chamadas e os intertextos curtos permitem explicar o contexto (datas, nomes de pesquisadores, pontos-chave) para que o texto não se perca.

DICAS

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2 O público pode avaliar devidamente os resultados com a informação que

apresentamos?

Recomendações propostas por Timothy Johnson (2005) para ajudar o público a compreender melhor a informação:

1É suficientemente bom para justificar a atenção pública?

3 Evitou-se fazer uma avaliação simplista (bom/mau)?

4Apresentou-se o quadro geral, não só informações pontuais que podem dar

uma ideia equivocada?

8 Examinou-se o estudo integralmente (não só o resumo e as fontes

secundárias)?

5Está claro a quem se aplicam os resultados e quais são as vantagens e desvantagens?

6Foram divulgadas as fontes de financiamento do estudo e o mesmo foi revisado por

pares?

7 Houve consulta a outros cientistas de prestígio e verificou-se a confiabilidade

da fonte primária?

Guia de

PERGUNTAS

antes de publicar um estudo científico

DICAS

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A vida de um pes-quisador não se restringe aos expe-

rimentos em laboratório ou coleta de campo, seja qual for a área da ciência na qual trabalhe. Mais do que apenas pesquisar, a qualidade de seu trabalho e sua produtividade são avaliadas por suas publi-cações, o que inclusive lhe possibilita a obtenção de mais verbas para pesquisa e progressão na carreira.

Do projeto de pesquisa à publicação do ARTIGO[Jorge Behrens]

Cientistas americanos coletam amostras de águas profundas através de um buraco no gelo do Ártico

US Navy

sxch

u

DICAS

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A publicação de um artigo é o último passo no processo de produção científica, porém depende do projeto de pesquisa delineado e que

produziu os resultados divulgados. E o processo começa com uma boa revisão bibliográfica sobre o assunto que deseja pesquisar.

A revisão tem por objetivo primário verificar o esta-do da arte, ou seja, o que já se encontra conhecido, concluído e publicado sobre o assunto. Neste processo também se identificam as técnicas e métodos utiliza-dos e as oportunidades de pesquisa em áreas não exploradas por outros pesquisadores. Assim, evita-se repetir o que já foi feito – o que prejudicaria a origina-lidade da pesquisa –, desenvolvem-se indutivamente novas hipóteses e se abrem oportunidades de inova-ção através da utilização de novos métodos de coleta e análise de dados, procurando sempre ir além do que já se conhece. Pode-se afirmar que, a partir de uma revisão bem feita reforçam-se ideias e também as justificativas do projeto.

O delineamento do trabalho experimental segue a revisão bibliográfica. É quando o pesquisador defi-ne os objetivos do trabalho - gerais e específicos-, seleciona métodos, equipamentos e demais materiais para obter os dados experimentais, define o orçamen-to necessário para a execução do projeto – recursos financeiros e humanos, quais sejam, bolsas para estagiários, mestrandos, doutorandos, contratação de prestadores de serviços, despesas com a vinda de pesquisadores colaboradores, etc. Há casos de pesquisas com humanos que demandam a submissão do projeto à análise por um comitê de ética, o que pode restringir os experimentos ou mesmo obrigar o pesquisador a rever seu protocolo experimental. delineamento

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Sumáriobreve resumo da proposta

Introduçãocontextualização do tema da pesquisa, sucinta e objetivamente

Justificativasrelevância da pesquisa

Objetivoso que se espera obterMaterial e métodos: métodos e recursos necessários

Cronograma de execuçãoRecursos financeiros

Referências bibliográficas

O projeto é enviado a agências de fomento como CNPq, Capes, Fapesp e Finep, mediante abertura de edi-tais ou quando há fluxos contínuos de envio para a obtenção do financiamento do trabalho. Tão logo obtenha recursos, o pesquisador inicia seu trabalho. É comum que os pesquisadores antecipem o periódico no qual desejam publicar sua pesquisa e essa escolha se dá, sobretudo, pelo impacto da revista. Uma revista com alto fator de impacto (FI) proporciona maior visibilidade do trabalho do pesquisador e, consequentemente, possibi-lita maior reconhecimento de seu trabalho. Entretanto os periódicos de alto FI exigem qualidade, originalidade e relevância da pesquisa, o que nem sempre se obtém e certamente dificulta a publicação final. Daí a impor-tância de um delineamento experimental robusto e também da colaboração de outros pesquisadores, principal-mente quando se trata de pesquisa de ponta.

Pelo exposto, o trabalho de um pesquisador depende de seu marketing pessoal. Ser bem sucedido depen-de de saber “vender o peixe” para conseguir recursos para a pesquisa, ter uma boa rede de relacionamentos, ser criativo e saber se comunicar não apenas com seus pares, mas também com a sociedade. E isso lhe será cada vez mais exigido.

DICAS

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AgradecimentoAmostra

Capa

Capítulo

CitaçãoConhecimento

Ciência

Teoria

Introdução

método

objetivos

paráfrase

Pesquisa

tese

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Ciência

Agradecimento É a mani-festação de gratidão do autor da pesquisa às pessoas, empresas e/ou instituições que colaboraram no seu trabalho. Deve ter a caracte-rística de ser curto e objetivo.

Amostra É uma parcela repre-sentativa da população (ou uni-verso) pesquisada. Por população, entende-se pessoas ou coisas (por exemplo, produtos, água, mate-rial de origem vegetal, animal ou

mineral, ar, etc.). Quando todos os elementos de uma população são utilizados, tem-se um censo.

Análise É o trabalho de ava-liação dos dados amostrais coleta-dos. Sem ela não há relatório de pesquisa.

Anexo (ou Apêndice) - É uma parte opcional de um texto científico. Nele deve constar o material que contribui para melhor esclarecer esse texto e que não é necessário ao corpo do mesmo.

Capa Serve para proteger o trabalho e dela deve constar o nome do autor, o título do trabalho e a instituição onde a pesquisa foi realizada.

Capítulo É uma das partes da divisão de um livro, uma tese ou um relatório de pesquisa. Lembran-do que o primeiro capítulo será a Introdução e o último as Conclu-sões do autor.

Ciência É um conjunto organi-zado de conhecimentos relativos a um determinado objeto conquista-dos através de métodos próprios de coleta de informação.

Citação É quando se transcreve ou se referencia o que outro autor escreveu.

Coleta de Dados É a fase da pesquisa em que se reúnem da-dos através de técnicas específicas.

Conclusão É a parte final do trabalho onde o autor se coloca com liberdade científica, avaliando os resultados obtidos, propondo soluções e aplicações práticas.

Conhecimento

Científico É o conhecimento racional, sistemático, exato e verificável da realidade. Sua origem está nos procedimentos de verificação baseados na metodologia científica. Podemos então dizer que o conhecimento científico:- "É racional e objetivo.- Atém-se aos fatos.- Transcende aos fatos.- É analítico.- Requer exatidão e clareza.- É comunicável.- É verificável.- Depende de investigação metó-dica.- Busca e aplica leis.- É explicativo.- Pode fazer predições.- É aberto.- É útil" (Galliano, 1979).

Conhecimento Empírico (ou conhecimento vulgar) É o conhecimento obtido ao acaso, após inúmeras tentativas, ou seja, o conhecimento adquirido através de ações não planejadas, observações.

Conhecimento Filosófico É fruto do raciocínio e da reflexão humana. É o conhecimento especulativo sobre fenômenos, gerando conceitos subjetivos. Busca dar sentido aos fenômenos gerais do universo, ultrapassando os limites formais da ciência.

Conhecimento Teológico Conhecimento revelado pela fé divina ou crença religiosa. Não pode, por sua origem, ser confirmado ou negado. Depende da formação moral e das crenças de cada indivíduo.

GLOSSÁRIOTerminologia Científica

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Corpo do Texto É o desen-volvimento do tema pesquisado, dividido em partes, capítulos ou itens, excluindo-se a introdução e a conclusão.

Dedicatória Parte opcional que abre um livro, uma dissertação ou uma tese homenageando afe-tivamente algum indivíduo, grupos de pessoas ou outras instâncias.

Dedução Conclusão baseada em algumas proposições ou resulta-dos de experiências.

Dissertação É um trabalho de pesquisa, com aprofundamento superior a uma monografia, para obtenção do grau de Mestre, por exigência do Parecer 977/65 do então Conselho Federal de Educação.

Entrevista É um instrumento de pesquisa utilizado na fase de coleta de dados.

Experimento Situação provo-cada com o objetivo de observar a reação de determinado fenôme-no.

Fichamento São as anota-ções de coletas de dados regis-tradas em fichas para posterior consulta.

Folha de Rosto É a folha seguinte a capa e deve conter as mesmas informações contidas na Capa e as informações essenciais da origem do trabalho.

Hipótese É a suposição de uma resposta para uma questão formulada sobre o tema da pes-quisa. A hipótese pode ser aceita ou rejeitada a partir da análise estatística dos dados coletados.

Índice (ou Índice Remissivo) É uma lista que pode ser de assuntos, de nomes de pessoas citadas, com a indicação da(s) página(s) no texto onde aparecem. Alguns autores referem-se a índice como o mesmo que sumário.

Indução "Processo mental por intermédio do qual, partindo de dados particulares, suficientemente constatados, infere-se uma verdade geral ou universal, não contida nas partes examinadas" (Lakatos, Marconi, 1991)

Instrumento de Pesquisa Material utilizado pelo pesquisador para coletar dados para a pesquisa.

Introdução É o primeiro capítulo de um trabalho científico, onde o pesquisador irá apresentar, em linhas gerais, o que o leitor encontrará no corpo do texto. Por isso, apesar do nome Introdução, é a última parte a ser escrita pelo autor.

Justificativa É a parte mais importante de um projeto de pesquisa já que é nela que se formularão todas as intenções do autor com o trabalho. A justificativa em um projeto de pesquisa deve convencer o leitor de que o traba-lho de pesquisa é importante, ou seja, o tema escolhido e a hipótese levantada são relevantes para o campo da ciência e, se pertinente, para a sociedade. Deve-se tomar o cuidado na elaboração da justi-ficativa de não se tentar justificar a hipótese levantada,isto é, tentar responder ou concluir o que vai ser buscado no trabalho de pesquisa.

Material Permanente É a descrição de todo capital neces-sário para aquisição de materiais que têm duração contínua. São aqueles materiais que se deterio-ram com mais dificuldade como automóveis, equipamentos ,mobiliá-rio, computadores etc.

Material de Consumo É a descrição de todo capital necessário para aquisição de materiais que têm duração limitada. São aqueles materiais que se deterioram como vidraria, reagentes, papelaria e material de limpeza.

Método A palavra método deriva do grego e quer dizer caminho. Método, então, é a ordenação de um conjunto de etapas a serem cumpridas em um experimento para coletar os dados de interesse.

Monografia É o escrito de autoria individual sobre um tema bem determinado e limitado, que venha contribuir com relevância à ciência.

Objetivos A definição dos ob-jetivos determina o que o pesquisa-dor quer atingir com a realização do trabalho de pesquisa. Objetivo é sinônimo de meta, fim. Os obje-tivos podem ser separados em objetivos gerais e específicos.

Paráfrase É a citação de um texto, escrito por um outro autor, sem alterar as ideias originais.

Patente É o documento de proteção de uma invenção, modelo de utilidade, desenho industrial e da marca. Quando o pedido de patente é apresentado ao Instituto Nacional da Propriedade Industrial

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(Inpi), órgão competente brasileiro, ele se chama depósito. O Inpi leva cerca de três anos e meio para certificar-se do caráter de originali-dade do pedido depositado, para então emitir a carta de patente.

Pesquisa É a ação metódica para se buscar uma resposta; bus-ca; investigação.

Premissas São proposições lógicas que vão servir de base para uma conclusão.

Problema É o marco referen-cial inicial de uma pesquisa. É a dúvida inicial que lança o pesquisa-dor ao seu trabalho de pesquisa.

Propriedade industrial Segundo a Lei 9.279/96, em vigor, é a proteção dos direitos à pro-priedade de industrial efetuando--se mediante concessão de paten-tes de invenção e de modelo de utilidade, de registros de desenho industrial e de marca.

Propriedade intelectual É o conceito mais amplo: soma os direitos relativos às obras lite-rárias, artísticas e científicas, às invenções em todos os domínios da atividade humana, às desco-bertas científicas, aos desenhos e modelos industriais, às marcas industriais, comerciais, às interpre-tações e às execuções dos artistas, aos fonogramas e às emissões de radiodifusão, à proteção contra a concorrência desleal e todos os outros direitos inerentes à atividade intelectual nos domínios industrial, científico, literário e artístico. No Brasil não são patenteáveis o todo ou parte dos seres vivos, nem a biodiversidade, reconhecida como propriedade coletiva.

Recursos Financeiros É a descrição minuciosa de todo o dinheiro necessário para a reali-zação da pesquisa. Costuma ser dividido em Material Permanente, de Consumo e Pessoal.

Resenha É uma descrição mi-nuciosa de um livro, de um capítulo de um livro ou de parte deste livro, de um artigo, de uma apostila ou qualquer outro documento.

Revisão de Literatura É a localização e obtenção de docu-mentos (teses, dissertações, artigos, informes, reportagens, relatórios, etc.) que substanciará o tema do trabalho de pesquisa.

Técnica É a forma mais segura e ágil para se cumprir algum tipo de atividade, utilizando-se de um instrumental apropriado.

Teoria "É um conjunto de princí-pios e definições que servem para dar organização lógica a aspectos selecionados da realidade empíri-ca. As proposições de uma teoria são consideradas leis se já foram suficientemente comprovadas e hipóteses se constituem ainda problema de investigação" (Gol-denberg, 1998).

Tese É um trabalho semelhan-te à dissertação, distinguindo-se, porém, pela efetiva contribuição na solução de problemas, e para o avanço científico na área em que o tema for tratado.

Tópico É a subdivisão do as-sunto ou do tema.

Universo É o conjunto de fenômenos a serem trabalhados, definido como critério global da pesquisa.

propriedade intelectual

ProblemaRecursos

Induçãoresenha

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Expressões latinas utilizadas em pesquisa

Apud Significa “citado por”. Nas citações é utilizada para informar que o que foi transcrito de uma obra de um determinado autor na verdade pertence a um outro.

Ex.: (Napoleão apud Loi) ou seja, Napoleão “citado por” Loi.

et al. (et alli) Significa “e outros”. Utilizado quando a obra foi executada por muitos autores.

Ex.: Uma obra escrita por Helena Schirm, Maria Cecília Rubinger de Ottoni e Rosana Velloso Montanari referencias-se: SCHIRM et al. (ano da publicação).

ibid ou ibdem Significa “na mesma obra”.

idem ou id Significa “igual a anterior”.

In Significa “em”.

Ex: LEFÈVRE, F. (2007). “Lógica sanitária e lógica do senso comum: por um diálogo com tecnologia”. In: LEFÈVRE, F.; LEFÈVRE, A.M.C.; IGNARRA, R.M. O conhecimento de intersecção: uma nova proposta para as relações entre acade-mia e sociedade. São Paulo: FSP/USP:IPDSC.p.17-23.

ipsis litteris Significa “pelas mesmas letras”, “literalmente”. Utiliza-se para expressar que o texto foi transcrito com fidelidade,

mesmo que possa parecer estra-nho ou esteja reconhecidamente escrita com erros de linguagem.

Ipsis verbis Significa “pelas mesmas palavras”, “textualmente”. Utiliza-se da mesma forma que ipsis litteris ou sic.

opus citatum ou op.cit. Significa “obra citada”

passim Significa “aqui e ali”. É utilizada quando a citação se repe-te em mais de um trecho da obra.

Sic Significa “assim”. Utiliza-se da mesma forma que ipsis litteris ou ipsis verbis.

Supra Significa “acima”, refe-rindo-se a nota imediatamente anterior.

FONTESBRASIL (1965). Parecer no. 977/65 – Definição dos Curso de Pós-graduação. Brasília, DF: D.O.U, 03/12/1965.BRASIL (1965). Lei no. 9.279/96 – Lei de Propriedade Industrial. Brasília, DF: D.O.U, 14/05/1996.GALLIANO, A.G. (1979).O Método científico: teoria e prática. São Paulo: Atlas. 200p.GOLDENBERG, M. (1998). .A arte de pes-quisar: como fazer pesquisa qualitativa em Ciências Sociais. 2.ed. Rio de Janeiro: Record, 1998.LAKATOS, E.M.; MARCONI, M.A. (1991). Fundamentos da metodologia científica. São Paulo: Atlas, 1991.