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Pesquisa feita sobre revistas do século xx para a matéria de História do Design no Brasil, ministrada pela professora Letícia Pedruzzi.
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Revistas do Século XXAline MArques e sAMuelly ribeiro
Vitória, 1o de julho de 2014
Com a vinda da corte portuguesa
para o Brasil, no início do século XIX,
a produção gráfica no Brasil é iniciada,
e assim, torna-se possível as primeiras
publicações de livros, jornais e revistas
em território nacional.
Segundo Werneck (2000, p.16), citado
por Moura (2011, p.3), a primeira revis-
ta não oficial do país, lançada na Bahia,
em 1812 pelo jornal Idade d’Ouro do Bra-
sil, tinha como título As Variedades ou
Ensaios de Literatura e sequer foi apre-
sentada nesta categoria - revista - ainda
que já existisse o termo, apenas em 1828,
no Rio, a primeira publicação rotulada
como “revista” foi lançada: a Revista Se-
manária dos Trabalhadores Legislativos
da Câmara dos Senhores Deputados.
Estes primeiros periódicos não ti-
nham uma preocupação formal com o
design editorial, “tinham em comum o
formato conservador e o uso mínimo de
ilustrações” (MOURA, 2011, p.3).
Apenas por volta da década de 1860,
as revistas encontram o caminho para a
simpatia popular abordando assuntos
de interesse social, e menos erudi-
tos/científicos (WERNECK apud
MOURA, 2011, p.3).
Dentre as primeiras revistas brasi-
leiras destacam-se a Semana Illustrada
(1861-1876) de Henrique Fleuiss (figu-
ra 1) e a Revista Illustrada (1876-1898)
de Angelo Agostini, ambas exploravam
bastante o uso de ilustrações, e tinham
a política como tema principal de suas
charges humorísticas.
“Semana Ilustrada, foi o veículo
de comunicação responsável pelas
primeiras fotos publicadas em
revistas no território nacional.
Em 1864, trouxe aos seus leitores,
cenas dos campos de batalha da
Guerra do Paraguai, a guerra do
Brasil Imperial contra Solano
López, o “tirano” governante
paraguaio” (ABREU; BAPTISTA,
2010, p.4)
Porém, foi no século XX que houve
uma explosão de publicações, e assim,
um aprimoramento nas técnicas de pro-
dução e no design das revistas brasilei-
ras. O Malho, Para Todos..., A Maçã,
Senhor e Realidade, são lançadas
neste século, e são destaques das
próximas páginas.
Introdução
Aline Marques e Samuelly Ribeiro Revistas do Século XX
Fig. 1 - Capa da revista Semana Illustrada de Henrique Fleuiss
Revistas do Século XX Julho de 2014
Fig. 2 - Capas de Careta desenvolvidas por J.Carlos
Aline Marques e Samuelly Ribeiro Revistas do Século XX
José Carlos de Brito e Cunha, mais co-
nhecido por J. Carlos, foi um dos princi-
pais nomes da área gráfica na década de
1920 por trabalhar na colaboração, cria-
ção e diagramação de diversos
periódicos semanais ilus-
trados, além disso, J.
Carlos também pro-
duzia anúncios e
ilustrava char-
ges políticas
das revistas
com as quais
trabalhou.
J. Carlos
tinha forma-
ção prática, e é
possível acom-
panhar sua evo-
lução através de
sua trajetória desde
seu primeiro desenho
publicado em 1902 até
sua morte, em 1950 (SO-
BRAL, 2005, p. 128).
Seus primeiros trabalhos de peso
dão início em O Tagarela junto a K.Lix-
to e Raul Pederneiras, dos 18 aos 24 anos
(em 1908), quando é convidado para ser
ilustrador exclusivo da Careta, que visa-
va concorrer diretamente com O Malho.
Ambas eram revistas de circulação na-
cional e tratavam de política nacional e
internacional. Durante os 13 anos que
trabalhou na Careta, produziu entre
10 a 20 ilustrações por edição,
e adquiriu maior conhe-
cimento gráfico e de
novas tecnologias,
o que ajudou pos-
teriormente na
sua atuação
como diretor
de arte, junto
com Álvaro
Moreyra nas
revistas do
grupo concor-
rente - O Ma-
lho S.A. - recém
-adquirida por
Pimenta de Mello,
dentre elas O Malho,
Para Todos... e Illustra-
ção Brasileira, e outras.
Sobral (2005, p.125-132) quali-
fica J. Carlos como designer gráfico uma
vez que no período de atuação no grupo
de O Malho, aprimorou o projeto gráfi-
co de cada revista de acordo com seus
assunto e público alvo, inovando e man-
tendo a identificação com o público.
L
J. Carlos e os semanários ilustrados
Revistas do Século XX Julho de 2014
Voltada para o público masculino,
O Malho teve início em 1902. Charges,
reportagens fotográficas, caricaturas,
críticas culturais, charadas e afins com-
punham a revista que contava com o
prestígio de grandes nomes como cola-
boradores: J. Carlos, Raul Pederneiras,
K.lixto e Luiz Peixoto nas ilustrações,
Olavo Bilac, Emílio de Menezes e Bastos
Tigre nas redações.
Em 1922, J. Carlos assume o semaná-
rio já consolidado no mercado. Com o
repertório adquirido anteriormente pela
concorrente, Careta, e seu próprio reper-
tório visual típico, J. Carlos enfrenta um
desafio particular (SOBRAL, 2005, p.133).
Com formato de 23×32cm, 64 pági-
nas, dois terços da revista era impressa
em papel jornal (uma ou duas cores) e
um terço em papel couché (uma a três
cores). As charges tinham conotações
políticas, e os ‘calungas’ representavam
caricaturas de políticos da época, agru-
pamentos sociais ou figuras alegóricas.
As figuras femininas estavam restritas
ao último grupo.
As capas de O Malho geralmente
eram impressas em duas cores, por ve-
zes, três. O vermelho utilizado nas capas
era marcante, tinha função de destaque
nos pontos de venda, e também remete
à oposição política. A cor sempre era as-
sociada a cores frias.
No ano em que assumiu, J. Carlos
adotou nas capas uma moldura nas
charges que separavam o cabeçalho (tí-
tulo da revista, ano e número da publi-
cação) da ilustração, e do texto no roda-
pé. Em 1927, decide retirar a moldura e
sangra as imagens de maneira que texto
e imagens se integrem.
Uma das principais preocupações
de J.Carlos era com o nível de instrução
do leitor, e para não perder o interesse
dos menos letrados, as ilustrações eram
muito utilizadas tanto como linguagem,
representando ou dando pistas sobre o
texto, quanto fazendo quebras para dar
leveza ao volume denso de texto. Sobral
é categórica: “Tal nível de sofisticação
na relação entre tipografia e imagem,
muito comum nos dias de hoje, não era
em absoluto, frequente nessa época em
lugar nenhum no mundo” (2005, p. 137).
A fotografia em O Malho tinha auto-
ridade documental, e seu processo de
impressão ainda era recente no Brasil,
porém J. Carlos consegue manter um di-
namismo na diagramação da revista.
O Malho
Fig. 3 - Capa d'O Malho feita por J.Carlos
Uma revista dedicada, em seu pri-
meiro momento (1918-1926), exclusiva-
mente para o cinema, e em seu segundo
às várias expressões artísticas e cultu-
rais. Para Todos... tinha como público
principal jovens do sexo feminino de
classe média alta.
Com tema mais leve que a revista
anterior, J. Carlos teve mais liberdade
em Para Todos..., e criou capas que se
tornariam “um verdadeiro tesouro do
design gráfico art déco” (SOBRAL, 2005,
p. 144). Além disso, foi possível otimi-
zar o uso do parque gráfico já que as
capas não tinham o compromisso de
estar vinculadas com acontecimentos
muito recentes, o que permintiu, inclu-
sive, criar um conjunto de capas que
contavam histórias, como no caso do
carnaval de 1927.
O projeto gráfico de Para Todos... era
parecido com o de O Malho. O formato
também era de 23×32cm, e também utiliza-
va folhas de papel jornal e couché, porém,
apenas as oito primeiras páginas eram im-
pressas no primeiro tipo de papel.
Em Para Todos..., J. Carlos também
teve preocupação de deixar a leitura
mais leve, aumentando a entrelinha e
arejando a mancha tipográfica.
A fotografia é o recurso gráfico prin-
cipal da revista, e mesmo não sendo a
principal expertise de J. Carlos, o ilus-
trador começa a experimentar recortes
de fotografias que se integravam com
elementos decorativos ilustrados. O con-
teúdo da revista era um retrato da alta
sociedade brasileira da época, e isso
pode ser percebido devido ao requinte
do trabalho feito por J. Carlos.
Para Todos...
Fig. 4 - Conjunto de capas desenvolvidas por J. Carlos que contavam a história
do carnaval lançadas em 1927
Revistas do Século XX Julho de 2014
A Maçã: destaque
na década de 1920
Lançada em 1922, no Rio de Janeiro, A Maçã tinha li-
teratura provocante, voltada para o público masculino.
O principal nome da revista era Humberto de Campos
que assinava os contos com o pseudônimo de Conselhei-
ro xx (xis-xis). A primeira edição de A Maçã esgotou-se e
chegou a ser o semanário mais vendido da capital fede-
ral daquela época.
Desde o início, A Maçã pautava assuntos considerados
tabus da época como traição, emancipação feminina e de-
sejos sexuais, por isso, a sociedade via com maus olhos a
revista, e muitas vezes seus colaboradores preferiam utili-
zar pseudônimos para não perderem trabalhos em outros
periódicos mais tradicionais (HALUCH, 2005, p. 101).
Aline Marques e Samuelly Ribeiro Revistas do Século XX
Fig. 5 - Capa d'A Maçã de 1923
Revistas do Século XX Julho de 2014
A Maçã de Ivan
O primeiro desenhista a frente do projeto grá-
fico foi Manlius Mello que usava o pseudônimo de
Ivan. Foi ele quem desenhou o primeiro logotipo da
revista que perdurou nos primeiros dois anos da
revista. Calixto Cordeiro, ou simplesmente K.lixto
(Lup, n’A Maçã) também foi um grande colabora-
dor em vários momentos da revista.
Alguns personagens ficaram marcados pela re-
vista como o “almofadinha” - desenhado com trajes
elegantes, mas apesar dos galanteios, não tinham
sucesso com as moças - e a cocotte - representação
da mulher independente, provocativa, sensual, e
que era considerada como uma prostituta de luxo.
O formato era de 17,8×26,8cm e era impressa
em duas cores na primeira e na quarta capa (três
cores em edições especiais), 22 páginas em uma cor
e 6 páginas nas mesmas cores das capas.
A capa era formada por um cabeçalho com o
logotipo criado por Ivan centralizado, acompanha-
do pelo nome do editor (o Conselheiro xx), a data
da publicação à direita e o número junto ao ano à
esquerda; abaixo vinha a ilustração acompanhada
por um título e uma legenda. A cor vermelha nas
capas e a influência art nouveau nas ilustrações
eram evidentes.
Fig. 6 - Caricatura de Ivan feita por Andrés Guevara, 1924
Aline Marques e Samuelly Ribeiro Revistas do Século XX
A Maçã de Ivan
A página editorial que traziam os contos do Con-
selheiro, era dividida em duas colunas que era divi-
dida por uma ilustração ou uma vinheta, na parte
superior, uma ilustração que representava o Con-
selheiro entregando uma maçã para uma figura
feminina que representava Eva. Esta estrutura por
vezes não comportava todo o conto, que acabava
por utilizar mais uma página para esta finalidade.
Apesar disto, o projeto gráfico da revista era notó-
rio e incomum para a época.
“As relações dialógicas entre a ilustração e o
texto, o uso do espaço branco para valorizar a
ilustração e a diagramação destacam A Maçã
no cenário editorial do início da década de
1920. Nas “páginas livres”, a inovação é ainda
mais evidente: a cada página uma novidade no
uso da vinheta, da charge ou da cena ilustrada,
sempre estabelecendo estreita relação com o
texto” (HALUCH, 2005, p. 108).
A estrutura gráfica criada por Ivan permane-
ceu praticamente inalterada até dezembro de 1923
quando o paraguaio Andrés Guevara assume o pro-
jeto gráfico da revista.
Fig. 6 - Caricatura de Ivan feita por Andrés Guevara, 1924
Revistas do Século XX Julho de 2014
O projeto de Guevara
Em
1923, An-
drés Guevara chega
ao Brasil e no mesmo ano
assume o projeto gráfico d’A Maçã.
Formado no curso de artes gráficas nos
Estados Unidos, e premiado pelo governo argen-
tino por sua obra, Guevara muda radicalmente o visual
gráfica da revista. Enquanto o anterior tinha forte influência art
nouveau, o novo traz o art déco para as páginas da revista. Em
8 dezembro de 1923, a quarta capa anuncia a reforma da
revista já na próxima edição. O novo logotipo torna-
se mais geometrizado, e flutua à esquerda no
topo da capa. Os traços, as formas e os
ornamentos também ficam mais
geometrizados e simpli-
ficados. A página
editorial é
refor-
Fig. 7 - Recorte da primeira
capa feita por Guevara logo
que assume o projeto
gráfico d'A Maçã
em 15 de de-
zembro de
1923.
Aline Marques e Samuelly Ribeiro Revistas do Século XX
O projeto de Guevara
mulada,
o desenho do
topo da página é eli-
minado, a fim de comportar
integralmente os contos na página
que se destina. Aumenta a valorização
do espaço brancos e dos tipos, e a relação entre
desenho e fotografia é estreitada. A ilustração fica mais
valoziada na capa, e a diagramação do miolo mais organizada. É
notória a participação do designer no planejamento da integração
entre imagem e texto em algumas páginas duplas utilizan-
do ilustrações de K.lixto em 1925. Nos últimos anos
da revista quando Guevara começa a se des-
vincular, entre 1927 e 28, diminuem as
sutilezas e A Maçã torna-se mais
explícita e menos criativa
(HALUCH, 2005, p.
117).
Fig. 8
- Recor-
te de uma
página de edito-
rial feita por Gueva-
ra que mostra os novos
adornos geométricos.
Revistas do Século XX Julho de 2014
Fig. 9 - Capa da revista Senhor mostra o estilo único
Aline Marques e Samuelly Ribeiro Revistas do Século XX
DÉCADA DE 60
SENHOR
Revista carioca cujo assunto abor-
dado era a cultura e que se destacou
pela ilustração como linguagem gráfi-
ca, Senhor foi criada em 1959 e circulou
até 1964. Era publicada mensalmente
com tiragem de aproximadamente 40
mil exemplares, e seu “período áureo”
foram durante os primeiros três anos
(MELO, 2005, p. 99).
Senhor foi construída através da par-
ceria entre Simão Waissman - proprietá-
rio da Editora Delta - e o jornalista Nahum
Sitorsky, que queriam publicar “uma re-
vista de qualidade, destinada a um públi-
co sofisticado” (MELO, 2005, p. 107). Seu
projeto gráfico baseado em referências
de revistas internacionais foi montado
pelo artista plástico Carlos Scliar, que
ao lado de Glauco Rodrigues - outro re-
conhecido artista plástico brasileiro - foi
responsável pelo design de Senhor.
“A ousadia e o requinte do design
de Senhor, portanto, é fruto do
trabalho de profissionais híbridos,
que chamaremos aqui de artistas-
designers” (MELO, 2005, p. 107).
Durante os três anos em que Scliar,
Glauco e Michel Burton estiveram à
frente da equipe da revista, foram pro-
duzidas edições notáveis tanto do ponto
de vista editorial quanto do gráfico. No
entanto, com a mudança dos proprietá-
rios Senhor foi perdendo seu vigor e não
durou muito (MELO, 2005, p. 108).
Nas capas da revista, durante os três
primeiros anos, a ilustração marcou
presença em quase todas as produzidas.
De acordo com Melo (2005, p. 108), isso
se deve ao fato de os autores serem artis-
tas vinculados à pintura, ao desenho e à
gravura. Dessa forma, foram exploradas
diversas técnicas e cada capa constituía
uma peça visual autônoma que não ne-
cessariamente estava vinculada ao con-
teúdo da edição. Contudo, havia uma te-
mática que predominava nas ilustrações
e girava em torno do universo do leitor
da revista, que fazia parte de um público
de bom poder aquisitivo.
Dentre as capas que mais se desta-
caram, Scliar foi responsável pela pri-
meira - que mescla mar, mulheres e
literatura de forma “irreverente e trans-
gressora” (MELO, 2005, p. 109) -, e pela
sétima, na qual se percebe a preocupa-
ção no enquadramento da ilustração ao
texto a fim de formar um conjunto. Po-
rém é de responsabilidade de Glauco Ro-
drigues a maior quantidade, tendo sido
ele o “capista mais prolífico” (MELO,
2005, p. 111). As capas de Glauco se des-
tacavam pela versatilidade nos recursos
técnicos utilizados, dos quais explorou a
figuração para se aproximar do leitor, o
expressionismo abstrato informal, a ti-
pografia, a natureza-morta e a colagem.
Melo também considera importante o
traço trêmulo do cartum de Jaguar que
Revistas do Século XX Julho de 2014
dá um toque de irreverência e humor às
edições principalmente no miolo, mas
que pode ser visto na capa do número
10 na qual retrata tanto a revista como
o leitor com um personagem que possui
um cérebro-jardim (2005, p. 116). A mis-
tura de técnicas com resultados fortes
foi característica das capas de Bea Fei-
tler nas edições 16, 17 e 22 (MELO, 2005,
p. 116). Já Michael Burton que assume a
responsabilidade pela direção de arte da
revista a partir da edição 23, trata a ti-
pografia como imagem e a mistura com
ilustração de maneira bem dosada em
outros momentos (MELO, 2005, p. 119).
Ainda na capa, temos a identifica-
ção da revista através do logotipo que
foge às regras convecionais por mudar
de lugar e de tamanho a cada edição. O
tipo adotado é da família Century. Nas
primeiras edições o logotipo é compos-
to pela abreviatura SR., com a palavra
“senhor” grafada por extenso na haste
vertical do R. A partir do número 13, o
mesmo passa a se apresentar numa ver-
são na qual a palavra “senhor” é escrita
por extenso (MELO, 2005, p. 119 - 120).
No miolo de Senhor, concilia-se va-
riedade com unidade visual de manei-
ra que se mantenha uma identidade
do conjunto. Não há adoção de um grid
rígido, mas existem padrões que eram
seguidos em diversas seções e havia pre-
ocupação com as peculiaridades de cada
matéria - que eram projetadas uma a
uma (MELO, 2005, p. 121).
As ilustrações do miolo estão sempre
bem relacionadas ao desenho das pá-
ginas. Melo diz que “o que vemos não
são imagens autônomas transplantadas
Fig. 10 - Capa da revista Senhor de no 10
Fig. 11 - Capa da revista Senhor usando a palavra "senhor" dentro de "Sr."
Aline Marques e Samuelly Ribeiro Revistas do Século XX
para o interior de uma revista, mas sim
desenhos que estruturam as páginas”
(2005, p. 121). A maioria das ilustrações
cabem à Glauco Rodrigues, no entanto
Scliar faz algumas colaborações com
suas naturezas-mortas.
Os cartuns de Jaguar são responsá-
veis pelo humor e leveza na revista, com
abordagens relacionadas aos costumes
da época. Em cada edição estão presen-
tes três ou quatro cartuns de página in-
teira, apesar de não haver uma seção es-
pecífica para eles (MELO, 2005, p. 128).
Nas páginas do miolo a tipografia
nos títulos das matérias é tão explora-
da quanto as ilustrações. Utilizam-se as
mais “variadas possibilidades expressi-
vas” de acordo com o contexto (MELO,
2005, p. 129).
Apesar de em Senhor predominar a
ilustração, a fotografia não é totalmen-
te ausente. Ela aparece como resultado
de manipulações em laboratório, que a
transforma numa informação pictórica.
Nesse caso, a foto serve como matéria
-prima para intervenções dos artistas-
designers e sua importância se manifesta
na maneira como ela é colocada na pági-
na e manipulada (MELO, 2005, p. 132).
Outro diferencial expressivo de Se-
nhor podia ser notado em sua produção
gráfica. O papel utilizado na capa e no
miolo é “fosco, áspero e encorpado”; a
qualidade da impressão era supervisio-
nada de perto por Scliar; em algumas
edições havia a inserção de um libreto
em formato menor com uma breve obra
literária; e sua impressão era quase in-
teiramente numa só cor - a quadricro-
mia aparecia por vezes em algum en-
carte impresso, inseria-se lâminas de
papel colorido, ou havia o acréscimo de
uma segunda cor em algumas páginas
(MELO, 2005, p. 137).
A propaganda esteve presente na
revista de maneira peculiar, pois conse-
guiu-se delimitar que o espaço destinado
a elas seria no início ou no fim da publi-
cação. Além disso, a maioria dos anún-
cios eram feitos pela própria equipe de
arte - o que garantia unidade visual em
relação às outras páginas. Outro pon-
to pelo qual Senhor se diferencia nesse
quesito, é na veiculação de anúncios que
rompiam os padrões da linguagem publi-
citária convencional. Como exemplo des-
se experimentalismo pode-se citar uma
sequência de 24 páginas com persona-
gens interagindo com eletrodomésticos,
que se baseia na linguagem da telenovela
(MELO, 2005, p. 143).
Como é possível perceber, em Senhor
“ocorreu uma simbiose entre as lin-
guagens das artes plásticas e o design”
(MELO, 2005, p. 144). A revista foi capaz
de combinar imagem, texto e diagrama
de forma que esses estivessem totalmen-
te relacionados entre si. A ilustração ga-
nhou valor no contexto da página, além
de se manter como uma obra plástica.
Na curta trajetória dessa publicação
Carlos Scliar ficou reconhecido pelo seu
projeto de design, Glauco Rodrigues pe-
las soluções concretas nas capas e nas
páginas, e Michel Burton por assimilar e
dar continuidade ao projeto durante as
últimas publicações, que não perderam
em qualidade.
Revistas do Século XX Julho de 2014
REALIDADE
Realidade foi uma revista dirigida ao
grande público que começou a ser pu-
blicada em 1966, e desde então mostrou
a que veio. Desde sua primeira edição
apresentou o perfil de apresentar na
capa um retrato que já traz embutida
uma narrativa, e a incorporação da fic-
ção na prática jornalística - influência
do new jornalism. Com peridiocidade
mensal, trazia sempre reportagens que
eram marcadas pela profundidade e es-
pírito crítico (MELO, 2005, p. 147).
Outra característica de Realidade era
o jornalismo em primeira pessoa, na qual
o jornalista descreve a reportagem de
acordo com sua vivência do fato. O tom
pessoal nesse caso não se restringe ao
texto, pois este vem sempre acompanha-
do de imagens (MELO, 2005, p. 148 - 149).
“Essa é a contribuição maior de
Realidade à história da linguagem
jornalística brasileira: texto,
fotografia e design passam a andar
juntos, dividindo irmanamente a
responsabilidade pela construção
do discurso” (MELO, 2005, p. 149).
Melo expõe que a fotografia em Rea-
lidade tem forte presença de fotógrafos
estrangeiros que captam através de seu
olhar aspectos que os nativos não são
capazes, por enxergarem como hábito
o que para eles é novo. O resultado dis-
so pode ser visto nas imagens inéditas
nas páginas da revista. Outro ponto que
ele nos apresenta é o caráter autoral do
jornalismo, que se apresenta com a par-
ceria entre o fotógrafo e o jornalista na
construção de um discurso baseado na
imersão do assunto (2005, P. 150).
As capas de Realidade em sua quase
totalidade apresentam figuras humanas,
a fim de se dirigir ao grande público. No
entanto elas não se ancoram diretamen-
te no registro de fatos, mas buscam ex-
pressar uma análise, um ponto de vista
(MELO, 2005, p. 151 - 153).
No miolo o grid é sóbrio, e se destaca
pela relação do texto com a fotografia.
O texto recebe tratamento diferente nos
destaques - títulos e fragmentos textuais
que complementam as imagens, e no
texto corrido das matérias. Nos textos
de destaque é possível perceber sua fle-
xibilidade para permitir que a imagem
alcance o significado pretendido. Já os
textos das matérias são tratados como
blocos autônomos que independem da
fotografia, e ocupam uma massa com-
pacta na página (MELO, 2005, p. 154).
Apesar da fotografia ser o centro do
discurso visual em Realidade, a ilustra-
ção está presente e se apresenta de duas
formas distintas: como desenhos infor-
mativos que compõem diagramas para
explicar questões de natureza científica,
e relacionadas a textos literários como
em Senhor.
Nas aberturas de matérias foram ex-
ploradas sequências que constituíram
ensaios verbo-visuais. Estes eram carac-
terizados por combinar imagens de ca-
ráter autoral com textos curtos, seguidos
Aline Marques e Samuelly Ribeiro Revistas do Século XX
Fig. 12 - Capa da revista Realidade de 1968
Fig. 13 e 14 - Capa (dir.) e página interna (sup.) da revista Realidade
Aline Marques e Samuelly Ribeiro Revistas do Século XX
de blocos compactos de textos corridos.
Contudo, essas sequências extensas não
eram muito recorrentes, e mais comu-
mente nas matérias principais da edição
apareciam aberturas em página dupla
nas quais geralmente a foto era sangra-
da e atravessava a dobra, com o texto
na faixa vertical à direita. A partir da
influência das aberturas compostas por
ensaios visuais, foram feitas também
matérias exclusivamente visuais, onde o
texto era praticamente ausente (MELO,
2005, p. 155 - 156).
Nas fotografias das aberturas é possí-
vel perceber a influência da linguagem
cinematográfica sobre a linguagem grá-
fica. As cenas retratadas ganham movi-
mento através de cortes, aproximações,
afastamentos e mudanças de ângulo,
que são produzidos na mesa do arte-fi-
nalista (MELO, 2005, p. 164).
Em Realidade também vemos a rup-
tura da fotografia com a verossimilhan-
ça, com a utilização de imagens menos
comprometidas com a representação
realista. Pode-se considerar que esse foi
o primeiro passo para o que viria a ser
conhecido como pós-fotografia nos anos
90. Em algumas aberturas é possível ve-
rificar o uso das imagens em baixa defi-
nição, com borrões produzidos pela cap-
tação em velocidade baixa e em ângulos
inesperados (MELO, 2005, p. 171).
Uma questão interessante observada
por Melo foi a importância que Reali-
dade teve no retrato da Música Popular
Brasileira através da fotografia dos mú-
sicos que a representavam. Eles se en-
contram em capas e aberturas que pos-
suem relevância para a cultura do país
(2005, p. 177).
A tipografia utilizada na revista
acompanha o tom seco do diagrama, va-
riando muito pouco para não rivalizar
com a fotografia. São utilizadas fontes
grotescas, serifadas e condensadas no
logotipo e nos títulos das aberturas - que
sempre estão grafados em caixa-alta,
enquanto nas páginas subsequentes va-
riam em alta e baixa. No texto corrido
também não há muita variação, utiliza-
se a Times New Roman na forma de um
bloco sólido (MELO, 2005, p. 182).
Realidade foi lançada pela Editora
Abril em 1966, depois de uma longa ges-
tação. Seus três primeiros anos foram os
mais efervescentes e seu declínio come-
çou após o AI-5 quando todo o comando
do corpo editorial foi demitido, vindo a
ter seu fim em 1976.
O designer responsável pelo projeto
gráfico foi Eduardo Barreto Filho, que
junto a outros diagramadores compu-
nha a editoria de arte da revista. Assim
como em Senhor, as influências inter-
nacionais eram fortes e a principal re-
ferência nesse caso foi a alemã Twen,
da qual vieram os tipos condensados, a
valorização da fotografia e o diagrama
seco (MELO, 2005, p. 182 - 183).
Revistas do Século XX Julho de 2014
CONCLUSÃO
É indiscutível a evolução pela quais passaram as revistas e
os periódicos durante o século XX. Apesar da produção desse
tipo de publicação de impressos ter iniciado no final do século
XIX, é no século seguinte que os aprimoramentos são evidentes.
Tratam-se de melhorias nos projetos editoriais, nas quais
os responsáveis pela edição de arte se preocupam em esta-
belecer e melhorar a relação entre texto e imagem, seja ela
ilustração ou fotografia, e a experiência de leitura pelo seu
público com mudanças que podem ser percebidas gradati-
vamente. Mesmo com a falta de formação específica em edi-
toração, desses que mudaram o rumo das revistas no século
XX como acontece em Senhor por exemplo, a qualidade e o
aprimoramento técnico de seus trabalhos nos serve como re-
ferência até os dias atuais.
Podemos perceber em muitas das revistas publicadas
hoje em dia, a influência sobre o projeto editorial dessas que
foram as precursoras de publicações voltadas para públicos
e assuntos específicos. Elas absorvem a qualidade gráfica e
deixam de lado os erros cometidos que levaram ao fim des-
sas revistas.
Dentre as influências mais marcantes, podemos dizer que
é perceptível o uso de diagramas limpos que permitem a ex-
ploração das imagens da maneira que melhor se comunique
com o leitor. Na maioria das vezes, a fotografia continua es-
tar a serviço de um jornalismo pautado no registro de fatos e
acontecimentos e a ilustração é usada como recurso em info-
grafias ou imagens explicativas sobre determinado assunto.
BIBLIOGRAFIA
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MELO, Chico Homem de. “Design de revistas: Senhor está para
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MELO, Chico Homem de. O design gráfico brasileiro: anos
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