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    Revista Brasi leira de Hist ria. S o P a ulo , v. 25, n 50, p. 25-60 - 2005

    RESUMO

    Este texto tem por objetivo analisar oquebra-quebra de nibus e bondes ocor-rido na cidade de So Paulo em 1 deagosto de 1947.O fim da guerra e a der-rocada do Estado Novo configuram umnovo cenrio poltico e social no Brasil,em que as aspiraes populares vm tona com enorme fora. As discussessobre redemocratizao, do ponto devista das classes populares,estavam pro-fundamente relacionadas conquista deservios pblicos como coleta de lixo,servio de correios e postos de sade.Contudo,essas reivindicaes confluampara o problema do sistema de transpor-tes urbanos. Assim, a questo da circu-lao pela cidade e o atendimento das

    demandas populares dependiam do for-necimento regular e eficiente do serviode transportes. Nesse contexto, o au-mento das tarifas desencadeou um gran-de ataque popular aos nibus e bondes.Palavras-chave: quebra-querba; trans-porte pblico, cultura polt ica, ps IIguerra

    ABSTRACT

    This article aims to analyze the bus andstreetcar rampage that took place in SoPaulo City, in August 1st, 1947. The endof the war and the fall of theEstado No-voform a new political and social sce-nario in Brazil, in which the popularaspirations strongly appeared. Thus, thediscussions about redemocratization,from the point of view of the popularclasses, were deeply related to the con-quest of public services such as garbagecollecting, mailing services, publichealth centers, etc. However, thesedemands lead to the problem of urbantransportation. Consequently, the issueof circulating around the city, as well assatisfying the popular demands,depend-

    ed on the regular and efficient provisionof transportation services. In this con-text, the increase of the transportationfares set off a huge popular attack againstbuses and streetcars.Keywords:riot,post War II,public trans-portation,political culture

    O d ia d e S o B a r t o lo m e u e o

    c a rn a v a l s e m f im : o q u e b ra -q u e b ra d e

    n ib u s e b o n d e s n a Cid a d ed e S o P a u lo e m a g o s t o d e 1947

    Adriano Luiz DuarteUniversidade Federal de Santa Catarina (UFSC)

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    O DIA DE SO BARTOLOMEU

    No dia 1 de agosto de 1947 entrou em vigor o aumento do preo daspassagens de nibus e bondes na cidade de So Paulo. O clima de hostilidadeda populao em relao a ele era muito grande, afinal, esse foi um dos pri-meiros atos da recm-criada Companhia Municipal de Transporte Coletivo,aCMTC, antes mesmo de anunciar qualquer melhoria no sistema de transpor-tes. Por isso, os reprteres do Correio Paulistanodirigiram-se ao centro da ci-dade para averiguar como a populao recebia a majorao das tarifas. Noponto de nibus da linha Mooca, o reprter ouviu dos usurios que o serviohavia piorado aps a encampao pela CMTC. De modo geral, antes havianibus em quantidade suficiente e relativamente novos; depois da municipa-

    lizao, os nibus novos foram substitudos por velhos e havia poucos carrosem servio.Contudo, as maiores reclamaes aconteciam nos pontos de bon-de. Na Praa Joo Mendes, um entrevistado ponderou ao reprter:

    Que se aumentem os nibus dentro de uma base razovel, mas que se pou-pem os que se servem dos bondes,que no podem arcar com o aumento de 150%resolvido pelos gabinetes ... os que se servem dos bondes por no poderem usaroutra conduo melhor e mais rpida, como mais segura, e precisam se sujeitar

    aos rigores de uma viagem de bonde. Seus recursos no do para tomar um ni-bus ou lotao. Tem que ser no bonde mesmo, ou ento a p.

    Outro entrevistado,usurio da linha Alto do Pari, argumentou:

    Caso as autoridades competentes no tomem as devidas providncias contraesse tubaro, procuraremos remediar a situao a nosso modo. Positivamenteisso um abuso. Se a CMTC tinha suas razes para elevar o preo das passagens,no creio que essa empresa tenha as mesmas justi ficativas, uma vez que,com es-tas latas velhas, desconfortveis e desmanteladas ela j explorou o povo comoquis, e o povo nunca teve direito de reclamar. Se reclamava, pelo menos nuncaera ouvido. Agora tambm j demais...1

    O bonde era o transporte mais usado da cidade, o mais barato e o maisantigo, e tambm o mais restrito. Os nibus transportavam, em 1947,cercade 35 por cento da populao,os 65 por cento restantes cabiam ainda aos bon-des e lotaes. Embora esse ainda fosse o meio de transporte mais importan-

    te na locomoo pela cidade, os bairros mais distantes dependiam cada vezmais dos nibus. De modo geral, nos ltimos anos, os bondes estavam em

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    pssimo estado de conservao, dado o progressivo abandono daLight, a con-cessionria do servio.Essa situao tornava o aumento das tarifas ainda maisinjusto.2 Para os usurios, entretanto, o pior era a pura e simples ausncia dequalquer meio de transporte em vrios bairros da cidade. Isso era sentido co-mo um claro desrespeito, uma total ausncia de direitos. Inclusive o direitode reclamar.

    At as 11 horas da manh a cidade se mantinha calma.Os veculos daCMTC comearam a trafegar cobrando as novas tarifas, notando-se dentrodos mesmos uma ou outra reclamao proferida muitas vezes em ar de troae crtica.3 difcil precisar, mas os incidentes que abalaram fundamente avida da cidade, alterando-lhe por completo o aspecto de todo dia irrompe-

    ram, possivelmente, no Largo So Francisco.4

    Populares armados de paus epedras comearam a depredar e incendiar os nibus e os bondes estaciona-dos nas ruas prximas. Sendo certo que em pouco tempo o movimento seespalhou pela cidade inteira.5 Dispersados no Largo So Francisco, um gru-po desceu para a avenida Brigadeiro Luiz Antnio e outro seguiu para a Pra-a Joo Mendes, incendiando e destruindo os nibus e bondes que encontra-vam pelo caminho. Na frente do Palcio da Justia, vrios bondes foramatacados, apedrejados, tombados e incendiados. Agravando a situao, os

    bombeiros no puderam apagar os focos de incndio porque eram ameaa-dos de linchamento pela populao. As depredaes e os ataques seguiramem direo ao bairro da Liberdade, e todos os nibus e bondes que se encon-travam pelo caminho foram incendiados e destrudos.

    Ao mesmo tempo, os amotinados alcanaram a Praa da S ateando fo-go nos bondes ali estacionados. A cada minuto, aglomerava-se mais gente napraa que, rapidamente, ficou apinhada de cavalarianos. Na Praa do Patriar-ca, uma multido ateou fogo nos nibus e bondes e tambm impediu que os

    bombeiros se aproximassem para debelar o incndio. As ruas prximas fica-ram repletas de vidros, almofadas, cortinas, chapus, guarda-chuvas, bancosde madeira arrancados dos bondes e postes de sinalizao de parada. Nadaque se relacionasse com os nibus e os bondes ficava intacto, e aqueles quechegavam galeria Prestes Maia, naquela hora de almoo, eram completa-mente incendiados. Um operrio txtil presente no local contou:

    Estava na praa Clvis Bevilacqua quando vi a cavalaria da fora pblica avan-

    ar sobre o povo, batendo com seus espadins. Logo depois, me abriguei prxi-mo entrada de um edifcio e pude ver alguns manifestantes que jogavam boli-

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    nhas de gude no asfalto. Quando os cavalos caam, o povo se aproximava dossoldados tomando-lhes os espadins, a era a vez dos policiais sarem correndo.6

    No vale do Anhangaba, os populares invadiram os fundos da sede da

    prefeitura e tiraram de l arquivos, quadros, mesas e cadeiras, que foram ar-rastados para o meio da rua e rapidamente se transformaram numa imensafogueira. Um oficial da cavalaria foi cercado pela multido e derrubado docavalo.Assustados com o mpeto do ataque, os cavalarianos no ousaram ar-remeter contra a populao e foram encurralados. Amedrontados, os solda-dos da fora pblica engatilharam os mosquetes, e a correria e o pnico fo-ram gerais, aumentando ainda mais a confuso. De repente, do meio damultido,surgiu um amotinado que, caminhando lentamente, abriu a cami-

    sa e gritou para os soldados: Atire, atire e mate um cidado brasileiro!. Ossoldados recuaram, mas para dispersar a multido dispararam diversos mor-teiros e bombas,cujas fumaas negras cobriam toda a extenso do vale.Umamultido passou a tarde na frente da prefeitura numa tentativa de fazer comque o prefeito aparecesse numa das janelas da municipalidade ... numa atitu-de tpica de ajustar contas. Nem a chuva,nem a atitude expectante dos cava-larianos dissuadiu o povo.7

    Naquele prdio funcionava tambm a sede provisria da CMTC que, a

    despeito de estar guardada pela polcia, foi invadida e totalmente destruda.Os mveis e papis arrastados para a rua alimentaram as fogueiras. Na RuaLbero Badar, embora os cavalarianos da fora policial guardassem tanto oacesso pela Praa do Patriarca, quanto pela Avenida So Joo, uma multidoalcanou a frente do prdio da prefeitura, atirando pedras e estilhaando asvidraas. Na esquina das ruas Lbero Badar com Miguel Costa, as pedrasconseguiram atingir os quadros na parede do gabinete do prefeito e quebra-ram os telefones da sua mesa de trabalho. Tambm foram atingidas as salas

    do chefe de gabinete e de diversos assessores tcnicos. O major Teles Marcon-des,da fora policial, foi apeado do cavalo e apedrejado,quando tentava pren-der um revoltoso. Duas caminhonetes oficiais foram tombadas e incendia-das, e o prprio carro oficial do prefeito Stokler das Neves foi apedrejado,nosendo incendiado porque a polcia conseguiu resgat-lo da multido. O se-cretrio dos negcios jurdicos, Paulo Lauro, no teve seu carro oficial quei-mado e depredado porque um contnuo da prefeitura retirou-lhe as placasbrancas, e assim passou tranqi lamente pela multido. Os funcionrios da

    prefeitura no conseguiam sair do prdio e a polcia no conseguia entrar. Es-pertamente, no momento em que o ataque era mais intenso, os funcionrios

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    hastearam a bandeira do Brasil numa das sacadas do edifcio, para apaziguara multido.

    Tambm o prdio da Lightfoi atingido por pedras e paus. Todas as vi-draas da sua parte frontal foram estilhaadas. Na Rua da Consolao, esqui-na com Alameda Santos, um nibus foi parado pela multido e o motorista,assustado, disparou um tiro de revlver que atingiu um menor de idade. Nofosse a rpida atuao da fora pblica, ele teria sido linchado. Mas nenhumoutro motorista ou motorneiro foi molestado.A conduta da multido em ge-ral se repetia: os populares cercavam os nibus ou bondes e exigiam que oscondutores abandonassem seus postos e que todos os usurios descessem, emseguida o depredaram e incendiavam, sem ferir nenhuma pessoa. Na esquinada Rua da Figueira com a Avenida Rangel Pestana, a multido invadiu umposto de gasolina e saqueou apenas o suficiente para atear fogo aos nibus ebondes. Mas o posto no foi depredado, nem tampouco roubado.

    Segundo informaes do jornal O Estado de S. Paulo, as depredaes eos ataques da populao se espalharam por outros bair ros da cidade, poismencionam-se ocorrncias de ataques sistemticos no terminal de bondes deVila Mariana, Penha, Brs e Santo Amaro. Preocupadas, as guarnies da 2Regio Militar entraram imediatamente em prontido. O governador Adhe-mar de Barros, alarmado com as dimenses da revolta popular, teria telefo-nado ao presidente Dutra, no palcio do Catete, afirmando que somente oexrcito seria capaz de conter a rebelio popular e restabelecer a ordem. Opresidente Dutra teria negado a interveno do exrcito, alegando que o as-sunto era de exclusiva competncia do governo do Estado.8

    Durante todo o dia caiu uma fina garoa, mas por volta das 16 horas des-pencou uma forte chuva que ajudou a apagar os vrios focos de incndio. NaAssemblia Legislativa, o dia 1 tambm foi tumultuado. Em meio intensatroca de acusaes, duas comisses foram criadas: uma para procurar o go-

    vernador e a outra, o prefeito, propondo a suspenso imediata do aumento.Nenhum dos dois foi encontrado aquele dia. s 17 horas, quando o clima jcomeava a se acalmar, o prefeito Stokler da Neves apareceu no edifcio da bi-blioteca municipal, onde estivera trancado junto com o diretor Srgio Mil-liet. O governador Adhemar de Barros, que passou todo o dia em Bauru pa-ra os festejos do 51 aniversrio da cidade, lamentou o ocorrido dizendo-seconvencido da premeditao do movimento.9 No dia 2, a CMTC informouque dos seus 600 nibus, 16 haviam sido completamente incendiados e des-

    trudos; 78 haviam sido danificados de tal modo que sua recuperao levariaalgumas semanas. Com os bondes a situao foi bem pior: dos 550 bondes,

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    242 foram depredados, 29 reboques danificados, 5 bondes completamentequeimados.No total, foram 370 coletivos destrudos.O balao final do quebra-quebra apontava que apenas 380 nibus e 200 bondes teriam condies deoperar. Excepcionalmente, caminhes particulares de aluguel, que j trafega-vam regularmente pelos bairros perifricos, tiveram permisso para chegarat o centro da cidade.10

    O inqurito instaurado, presidido pelo delegado especializado da OrdemPoltica, Nelson da Veiga, determinou que todos os feridos fossem submeti-dos a exame de corpo de delito, dando incio, imediatamente, aos interroga-trios. Todos os detidos que prestaram declaraes foram devidamente qua-lificados, convocando-se, posteriormente, um promotor pblico para assistiraos termos do inqurito. No total, foram quali ficados 65 indivduos, todos,segundo relatrio do DOPS,detidos nos locais dos fatos e [depois de] ouvi-das diversas testemunhas. Sendo certo, no entanto, que muito embora essesindivduos fossem detidos nos locais todos, de uma s maneira, negam a au-toria do delito.11

    Tentando dar sentido aos fragmentados acontecimentos do dia 1,a de-legacia de Ordem Poltica juntou trinta e quatro relatrios de inspetores doDOPS que cumpriam seus plantes espalhados por diversas reas da cidade,e os relatrios dos delegados de 11 distritos da capital, descrevendo o inciodo quebra-quebra em cada um deles. Os depoimentos so muito parecidos eexpressam, de modo geral, muita surpresa com o motim. Em quase todos hreferncias ao tipo de gente envolvida na ao. Grande nmero de pessoas,engraxates,vendedores de jornais,na sua maioria de cor preta,ou ainda,umagrande massa popular, que era composta de vendedores de jornais, vagabun-dos e desordeiros. Mas tambm, para surpresa dos investigadores e delgados,eram comuns as pessoas elegantemente trajadas.12Um investigador do DOPS,conhecido com Zequinha,d uma descrio muito interessante do incio dos

    acontecimentos do 1 de agosto. um observador privilegiado, j que a suafuno,como ele mesmo explica, era estar em contato com pblico:

    Tendo em vista o servio que a mim est afeto na CMTC, isto o de estar emcontato com o pblico,pude observar, no dia 1do corrente, o seguinte: no pe-rodo da manh,at a hora do almoo,no se ouviram reclamaes de vulto con-tra o aumento das passagens de bonde; todos, inclusive os operrios, pagaramsuas passagens regularmente. Poucas horas antes dos acontecimentos notei que

    nos bondes notava-se a presena de dois ou trs indivduos, geralmente de as-pecto popular, que passaram a discutir entre si o absurdo do aumento das pas-

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    sagens e que o povo deveria reagir contra isso e etc. Tais conversas foram pormim ouvidas em vrios pontos diferentes e na rua Xavier de Toledo, estava umrapaz, tipo estrangeiro, que dizia que a lightdeveria ser queimada por ser culpa-da, em parte, do desleixo existente no trfego de So Paulo. Pelo modo como seexpressavam as vrias pessoas por mim ouvidas, todas elas, aproximadamente,dizendo a mesma coisa, tem-se a impresso de que esses grupos foram adequa-damente preparados.

    Aparentemente, a funo do inspetor Zequinha era passar aquele dia 1de agosto dentro dos nibus e bondes atento s opinies dos usurios, mas,principalmente, dos motoristas, cobradores e motorneiros, j que a OrdemPoltica se ocupava de vigiar a incipiente organizao sindical dos trabalha-dores da CMTC.Ele continua:

    Quanto aos acontecimentos propr iamente ditos, notei que o mesmo grupode indivduos, cerca de trinta, que procederam s depredaes nos baixos do via-duto do Ch, tambm foi vista na praa Ramos de Azevedo e Largo do Paissan-du e, mais tarde, gritando: guerra, guerra! Fora Adhemar!.O povo,propria-mente dito, a grande maioria, no tomou parte nas depredaes. Era o grupoacima referido e mais alguns, que agiam ao mesmo tempo em vrios pontos da

    cidade...13

    No sbado, dia 2 de agosto, a cidade amanheceu calma. Uma grande es-cala de policiamento, nunca antes vista, garantia a tranqilidade. Investiga-dores da Ordem Poltica,Cavalarianos da Fora Pblica,Guardas-Civis e Guar-das-Noturnos, num total de 850 homens. Todos deveriam estar presentes noslocais previamente acertados s 5 horas da manh. Todas as praas do centroda cidade e as mais importantes estaes de nibus e bondes foram ocupa-

    das. Os 160 guardas-civis e os 80 guardas-noturnos ficaram, fardados, dentrodos nibus e bondes, circulando pela cidade. Naquele dia, todos os efetivosdessa fora-tarefa receberam dois nmeros de telefone para os quais deve-riam ligar, imediatamente, se constatassem alguma intercorrncia.14 Cavala-rianos circulavam pelo centro em pequenos grupos e ocupavam as entradasde todos os prdios pblicos da cidade e os principais terminais de nibus ebondes na Praa da S, Praa do Patriarca, Largo So Francisco e Praa JooMendes. As garagens de bondes na Vila Mariana,Penha, Brs e Santo Amaro

    tambm amanheceram patrulhadas. O final de semana foi calmo. Mas na se-gunda-feira, dia 4,a CMTC ainda exigia garantias da Secretaria de Segurana

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    Pblica para colocar os nibus e bondes nas ruas. s 23 horas, o superinten-dente geral, Joo Gonalves da Foz, reafirmou, aps receber um telegrama dogovernador Adhemar de Barros, a manuteno do aumento no preo das pas-sagens e anunciou tempos ainda mais difceis para a populao paulistana,j que metade da frota de bondes da cidade ficaria fora de uso por tempo in-determinado. A Federao das Indstrias de So Paulo or ientou seus associa-dos para que mobilizassem seus recursos de transporte caminhes, fur-ges, nibus, carros de passeio etc. e contribussem para o reajustamentoprovisrio de horrios.Essa mobilizao se justificava, pois, segundo Arman-do de Arruda Pereira, presidente da Fiesp, o trfego coletivo estava estrangu-lado pelos depredadores da noite de So Bartolomeu dos nossos veculos de

    transporte coletivo.15

    O temor de que os acontecimentos do dia 1 voltassem a se repetir eramuito grande. Na quarta-feira, dia 6, o secretrio de Segurana Pblica re-solvendo intensificar o servio de vigilncia nesta cidade resolveu criar, a t-tulo experimental, apolcia dos amigos da cidade.16 A idia era selecionar ci-dados idneos e capazes para colaborar no trabalho de polcia preventivae repressiva. O delegado titular de cada circunscrio escolheria os policiaisamigos da cidade, que receberiam uma carteira de identificao. No dia 11,

    o Secretrio deps em uma comisso da Assemblia Legislativa sobre suasacusaes de envolvimento partidrio nas aes do dia 1. Sua nica obser-vao foi de que os deputados oposicionistas Arnaldo Borghi e AnymondiFalconi, ambos do PTB, foram vistos nas imediaes do Vale do Anhangabano dia do conflito. Sem provas do seu envolvimento, a discusso foi encerra-da. O barulho do quebra-quebra repercutiu longe. Em Washington, o gover-no americano emitiu uma nota tentando eximir as empresas estrangeiras pe-lo estrago do dia 1, e aproveitou para sugerir a reduo nos preos das

    passagens.

    Os meios governamentais americanos acompanharam com ateno a situa-o provocada com as desordens que se verificaram no estado de So Paulo emconseqncia do aumento nos servios de transporte coletivo ... os especialistaseconmicos, entretanto, conhecedores da situao no Brasil salientam que o au-mento no preo dos transportes foi decidido ao mesmo tempo pelas companhiasestrangeiras e por outras, as quais contam em parte com capitais brasileiros. Es-

    ses meios opinam que o Brasil, caso obtivesse o impor tante emprstimo quepedir dentro em breve ao banco internacional estaria em condies, princi-

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    palmente no estado de So Paulo, de melhorar o sistema de transporte e even-tualmente normalizar seus servios, restabelecendo os antigos preos.17

    No dia 22 de outubro, em plena campanha eleitoral para a Cmara Mu-

    nicipal e vice-governatura, Adhemar de Barros, em reunio no palcio dosCampos Elsios, anunciou a possvel reduo nas tarifas dos transportes e exi-giu que, em dois dias, a CMTC se pronunciasse a respeito. No dia seguinte, osjornais anunciavam a reduo do preo das passagens do bonde, que passa-vam a custar Cr$ 0,40.18 Alm do evidente oportunismo eleitoral da medida,ela denotava o reconhecimento cabal das pssimas condies dos transportese do equvoco do aumento no ms de agosto. O problema, de fato, no eraapenas o aumento da passagem, mas a forma como ele foi conduzido, o mo-

    mento em que foi autorizado e a evidente utilizao de dois pesos e duas me-didas para tratar os bairros perifricos e os bairros nobres da cidade.

    O CARNAVAL SEM FIM : A CRIAO DA CMTC E O AUMENTO DASTARIFAS

    De todos os complexos problemas urbanos na cidade de So Paulo noaps-guerra, possivelmente o mais agudo era o dos transportes coletivos. Ne-

    nhum bairro e nenhuma vila estavam livres dos transtornos causados pelaausncia ou pela precariedade dos servios de transporte. Inmeros foram osmemoriais, abaixo-assinados e cartas dirigidas aos poderes pblicos munici-pal, estadual e federal, mas o problema apenas se agravava. A deficincia nosservios como pavimentao, coleta de lixo,correios, hospitais, creches e tele-fones pblicos, passando pela moradia, estavam diretamente relacionados ineficincia dos transportes pblicos. A especulao imobi liria havia reser-vado as reas mais prximas ao centro da cidade para uma valorizao futu-ra. Assim, loteavam-se reas cada vez mais distantes, que cresciam sem qual-quer planejamento e sem nenhuma infra-estrutura. O estabelecimento delinhas regulares de nibus e bondes para os bairros perifricos estava direta-mente subordinado questo da pavimentao e da instalao de condiesmnimas para a circulao dos coletivos, ou da eletrificao para a chegadados bondes. Grande parte das novas ruas era aberta pelos prprios morado-res e, portanto, no reconhecida oficialmente, impedindo o acesso da popu-lao aos servios pbl icos. A cidade real era construda muito mais rapida-mente do que a cidade legal era capaz de absorver.19

    Bairros como Vila Mazzei e Vila Nilo, por exemplo,estavam completa-mente esquecidas por parte da prefeitura, porque suas ruas estavam esbura-

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    cadas e a estrada que as liga capital encontrava-se em pssimo estado deconservao. O Ipiranga, por sua vez, tinha as ruas esburacadas, sem pas-seio pblico, completamente s escuras, sem uma lmpada para avisar contraos buracos. No Bom Retiro, o calamento de vrias ruas se acha em prec-rias condies.20 Para chegar ao centro da cidade, a maioria dos moradorestinha que se servir das lotaes feitas em caminhes abertos: uma frgil ar-mao de madeira em cada um dos quatro cantos da carroceria sustentavauma teia de cordas em que os passageiros se apoiavam para enfrentar os so-lavancos da viagem. O caminho era, geralmente, o nico veculo automotorque transitava em muitos bairros perifricos, principalmente em dias de chu-va, alm de ser o nico meio de transporte capaz de substituir as ambuln-cias com alguma eficincia.

    Outro grave problema era o tempo de espera. No Jabaquara, por exem-plo,havia uma linha de bondes e outra de nibus. Com o fim da guerra, a li-nha de bondes foi desativada e o nmero de carros da empresa de nibus di-minuiu. Resultado: a qualquer hora que se passe no largo da S, l est umaextensa fila espera de conduo, chova ou faa sol.21 tarde, no retorno dotrabalho, a situao piorava, pois os moradores chegavam a esperar duas outrs horas sem que aparecesse um nico coletivo. Do outro lado da cidade,Tucuruvi,Parada Inglesa,Vila Talarico,Trememb,Vila D.Pedro II e Vila Gus-tavo enfrentavam problemas similares. O nmero de veculos era irrisrio,tendo em vista o tamanho dos bairros, e os moradores eram obrigados a fa-zer longas caminhadas a p.Situao agravada pela total ausncia de ilumi-nao pblica nas suas ruas. Em Vila D. Pedro II, por exemplo, no havia luznem nas casas, no Trememb ainda no havia chegado o servio de coleta delixo, e nenhum desses bairros contava com servios de correio.

    O ditado popular, quem espera sempre alcana, no estava no horizon-te dos usurios dos servios pblicos de transporte. Cerca de 200 pessoas fi-caram trs horas na fi la da linha Parada Inglesa, no dia 23 de janeiro de 1946,e nenhum nibus apareceu; no mesmo dia, na linha Santana, a fila tinha 90pessoas, pois os nibus para o bairro saam a cada meia hora. Alm da demo-ra e das ruas esburacadas, os passageiros ainda tinham que suportar, comodescreveu um usurio,

    os bancos partidos, as vidraas quebradas, as cortinas rasgadas, leo e graxapara todo canto e gente apinhada como num carnaval uns sobre os outros.

    Era assim o expresso tartaruga, o nibus balana, cai de um lado e vai para o ou-tro e a cada chacoalhao uma nuvem de poeira que invade o carro.22

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    E quando chovia, nem os calhambeques das empresas de transporte sesubmetiam aos riscos de trafegar em certos bairros. Assim, as pessoas que sedirigiam ao centro deveriam sempre contar com a perspectiva das longas fi-las, de uma espera infindvel e, talvez,de voltar para casa a p. Exatamentepor conta dessas condies gerais, a reivindicao mais freqente formuladatanto pelos Comits Democrticos e Populares (CDPs) quanto pelas Socieda-des Amigos de Bairro (SABs) estava relacionada aos transportes. Reivindica-va-se o aumento no nmero de nibus, a extenso das linhas, a modificaodos itinerrios, a ligao com bairros contguos e a melhoria do estado geraldos coletivos. Entretanto, a demanda mais comum era, pura e simplesmente,a criao de novas linhas de nibus ou de bondes.23

    Diante de tantas dificuldades, os moradores do Tucuruvi e Vila Mazzei orientados pelo CDP local fizeram um abaixo-assinado e entregaramuma cpia na prefeitura e outra na sede do Jornal Hoje. Argumentavam que alinha de nibus Santana havia alterado duas vezes o seu ponto final, que ori-ginalmente ficava junto chcara Baruel, a cerca de cem metros do ponto fi-nal do bonde. Segundo os moradores,os proprietrios dessa chcara, inco-modados com a existncia das filas, conseguiram da diretoria de trnsito atransferncia do mesmo para a rua Voluntrios da Ptria.A mudana deixouo ponto quinhentos metros mais distante; contudo, na esquina da rua Volun-trios da Ptria com a rua Francisca, morava um major da fora policial, quetambm se sentiu incomodado com as extensas filas e, mais uma vez,o pontode nibus foi transferido para outros quinhentos metros adiante.24 Na VilaZelina, os moradores, por intermdio do CDP, tambm organizaram umabaixo-assinado,com mais de 250 nomes,e encaminharam uma cpia ao pro-prietrio da empresaPaulistae outra ao Diretor do Servio de Trnsito:

    Os abaixo-assinados moradores de Vila Zelina vm mui respeitosamente

    presena de Vossa Senhoria requerer que se digne ordenar empresa, para que amesma transfira o ponto de nibus Vila Zelina, n 93, para o local anterior, isto, em frente ao escritrio de terrenos de Vila Zelina, isto porque no local em que o ponto final atualmente, diante de uma padaria, formam-se numerosas fi las,incomodando e prejudicando os moradores do citado bairro.25

    O servio de trnsito nem se deu ao trabalho de responder. Mas o dire-tor daPaulista, num misto de desprezo e arrogncia, alegou que ele no mo-

    dificaria o local do ponto final da citada linha e que, se quisesse, poderiacomprar a Vila Zelina inteira.

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    Em pior situao estavam os bairros de ocupao mais recente como aVila Maria. Localizada a aproximadamente sete quilmetros da Praa da S,no havia a nenhuma linha de nibus ou bonde que levasse os moradoresat a Avenida Guilherme Cotching, principal rua do bairro. No havia umanica rua calada no bairro, nem luz eltrica, s poeira e terra quando faziasol, e poas dgua e lama quando chovia. No vero, as guas, que no chega-vam por meio dos canos, alagavam os campos e invadiam as casas. Mesmo oscaminhes, nicos veculos que ousavam entrar no bairro, atolavam com fa-cilidade. As empresas de nibus no se interessavam em explorar linhas co-mo essas, alegando que as quebras de veculos no compensavam financeira-mente os parcos ganhos. Do outro lado do rio Tiet, nas regies industriaisda Mooca, Belm e Ipiranga, a situao no era muito melhor, como contouuma trabalhadora: aqueles bondes abertos com todo mundo empilhado, n!A gente andava uns trs pontos s para pegar o bonde, era meia hora a p.Voc tinha que andar meia hora, pra andar quinze minutos de bonde.26

    As dificuldades com o sistema de transportes contribuam, diretamente,para o aumento do custo de vida, e aqueles que enfrentavam maiores dificul-dades com a locomoo pela cidade eram os mesmos que pagavam a contada carestia. A reportagem do Jornal Hojepercorreu um trecho da Av. Domin-gos de Morais, artria por onde circulavam 80 por cento dos veculos que pas-savam pela Vila Mariana, Bosque da Sade, Sade e Jabaquara. Os trilhos daLightestavam eternamente em conserto, dificultando fluxo de pessoas e mer-cadorias. No meio do caminho, no n 704,entrevistaram o quitandeiro Ade-lino Silva, que contou:

    Para os que moram em bairros distantes como esses, sem dvida que o pro-blema do transporte o mais srio. Com esse tempo de chuva o abastecimentotorna-se quase que impossvel nessas redondezas. Ningum quer se arriscar a vir

    onde moramos,porque as ruas so pssimas, sem calamento. Por isso, quandorecebemos mercadorias, pagamos preos caros devido aos carretos.27

    Atrasos infindveis, nibus lotados, percursos longussimos, ora pela es-cassez dos nibus, ora pelo seu pssimo estado de conservao, ora pelo esta-do deplorvel das ruas esburacadas, filas quilomtricas... Empurra-empurra...Aperto... E muitas outras humilhaes dirias. Esse era o retrato do sistemade transporte na cidade de So Paulo no imediato aps-guerra.

    Em 1945, a cidade de So Paulo possua, aproximadamente, 220 quil-metros de trilhos, um tero dos quais estavam em pssimas condies, por-

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    que vrios anos antes a Light and Power, concessionria do servio, tentava selivrar do nus da sua manuteno, tentando assim forar a transferncia devrios dos seus encargos para a Prefeitura. Levando-se em conta a necessida-de da construo de subestaes, eletrificao, instalao de dormentes etc.,estimava-se que, apenas para colocar em funcionamento com plena capaci-dade os servios j existentes, seriam necessrios, aproximadamente, 1 bilhode cruzeiros.28 Em junho de 1941, atravs do Decreto-Lei n 3.366, deixou deser compulsria para aLighta manuteno do servio de bondes e, assim, opouco de investimento que havia at aquele momento, desapareceu comple-tamente. O decreto, de fato, tinha o objetivo de neutralizar as seguidas pres-ses da companhia, que ameaava com o constante risco de paralisao dosservios. Mas o tiro saiu pela culatra, a qualidade dos servios despencou ain-da mais e a negociao do esplio da concessionria se tornou iminente, em-bora j se soubesse que a compra do refugo da empresa no seria a soluopara os problemas de transporte da cidade.

    A discusso passou a girar em torno de vrias alternativas: empresa p-blica ou concesso privada, monoplio ou l iberdade de explorao do servi-o? Uma questo, ao menos, parecia consensual: o servio de bondes no se-ria mais uma alternativa vivel para a rpida expanso urbana. Caberia aosistema de nibus acompanhar o crescimento da cidade. Para a maioria dosusurios do sistema, contudo, o problema dos transportes era uma evidentequesto de poder econmico e da conseqente diviso dos moradores em ci-dados de primeira e cidados de segunda categoria.E para se chegar a essaconcluso no era necessria nenhuma doutrina, partido ou cartilha poltica,bastava circular pela cidade e constatar onde se formavam e quanto demora-vam as longas filas; bastava comparar a qualidade dos nibus que serviam aosdiferentes bairros e a durao dos respectivos trajetos.

    Foi nesse contexto que, na tera-feira, 1de julho de 1947, a CMTC ini-

    ciou suas atividades. Depois de longos debates, ela foi criada como uma em-presa pblica que administraria as concesses privadas para a operao dotransporte coletivo na capital. Ela administraria, inicialmente, as linhas queno interessassem iniciativa privada, e estabeleceria as regras para a opera-o e criao das novas linhas. Embora fosse ansiosamente esperada,a CMTCj nasceu sob o signo de severas crticas e foi saudada com ressalvas e descon-fianas.29

    Muitas eram as razes para a descrena geral. Os empresrios do setor

    de transporte criticavam o fato de a CMTC ter sido criada como monopliopblico,o que prejudicaria a livre concorrncia, a iniciativa privada e a com-

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    petio no mercado. Fazendo coro com os empresrios e aproveitando a opor-tunidade para alfinetar o modo como a prefeitura ainda uma indicao dogovernador havia conduzido as negociaes, os grandes jornais enfatiza-vam que a CMTC havia sido formada pela aquisio do esplio das antigasconcessionrias, em geral carros velhos,ultrapassados ou mesmo quebradose, muitas vezes, sem condies de uso, pois desde o inicio da discusso para acriao da companhia municipal, nenhuma companhia privada investiu umtosto sequer nos nibus e bondes em circulao. Acrescentavam ainda que aCMTC havia adquirido um pacote de novos carros vindos dos Estados Uni-dos, quase todos fora de uso e muito velhos, necessitando tantos reparos quealguns ficariam meses estacionados nas novas oficinas.30 Mas para o grandepblico a principal razo de descontentamento era o fato de que mal haviasido criada e a CMTC, j no seu primeiro dia de funcionamento, antes dequalquer outra medida,anunciou uma majorao nos valores das passagensde nibus e bondes, aumento que a prefeitura havia negado diversas vezes sempresas privadas nos meses anteriores, mas que vinha sendo calorosamentediscutido em toda a cidade. O aumento, embora variasse de linha para linha,chegava a 150 por cento para os bondes e de 100 por cento para os nibus. Arecm-criada empresa alegava que o aumento era uma estratgia para nivelaras tarifas excessivamente dspares. Mas a maioria alimentou a suposio deque esse aumento outra coisa no visava seno beneficiar os acionistas dascompanhias encampadas.31 Ou seja, com a criao da CMTC, a nica novi-dade concreta era o iminente aumento do preo das passagens.

    A notcia do aumento estourou como uma verdadeira bomba em todosos cantos da cidade, principalmente porque durante a recente campanha elei-toral para o governo do Estado, o candidato eleito,Adhemar de Barros, haviaprometido, enfaticamente, a diminuio do custo de vida e, especialmente,do preo das passagens de nibus e bondes. Entretanto, a CMTC havia paga-

    do, pelo sucateado acervo de bondes daLight, 60 milhes de cruzeiros, e ain-da havia incorporado todas as suas dvidas. Como insistiam os grandes jor-nais, a CMTC nascia deficitria. O aumento das passagens tinha, portanto, oobjetivo de amortizar o peso dessa dvida.32

    A Assemblia Constituinte Estadual, reunida naqueles meses,estava aten-ta ao debate. Os deputados, mesmo os governistas, divididos no apoio s de-cises da CMTC, subiam diariamente tr ibuna e liam dezenas de cartas e te-legramas enviados pelos usurios dos transportes coletivos da cidade, onde se

    criticavam os elevadssimos gastos com propaganda feitos pela nova empresa,os altssimos salrios de seus novos diretores e, principalmente, a pressa com

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    que a companhia anunciara o aumento das tarifas, antes mesmo de oferecerqualquer melhoria nos servios.A direo da CMTC respondia s crticas comtrs argumentos. Usando grficos bastante complexos, demonstrava uma que-da no nmero de passageiros transportados pelos bondes; enfatizava as vulto-sas despesas com o aumento do material rodante e, por fim, alegava que a ma-jorao das tarifas seria menor que o aumento do custo de vida.

    Numa longa carta dirigida ao jornal O Estado de S. Paulo, o engenheiroF. D. Homem de Melo,usurio do sistema de transportes pblicos, apontavaos equvocos e refutava os argumentos do memorial da CMTC.33 Segundo Ho-mem de Melo, os dados da CMTC referiam-se aos anos de 1941/1946, abran-gendo, portanto, todo o perodo de racionamento de gasolina, por isso, refle-tiam um perodo anormal em termos de parmetro.Tomando-se o primeiroquadrimestre de 1947, houve, ao contrrio, aumento no nmero de usuriosde ambos os sistemas. O material rodante representava, na verdade, aumentode capital e de patrimnio; ou seja, a modernizao do sistema estaria sendopaga pelos prprios usurios, isso porque a CMTC supunha que a melhoriados servios seria extremamente onerosa. Tomando-se um nmero x de pas-sageiros por carro/quilmetro e, aumentando-se o total de carros, diminua-se o ndice x, conseqentemente, o custo da unidade carro/quilmetro seriamenor. Portanto,no seria possvel, do ponto de vista empresarial, introduziruma modernizao para ter queda de rendimento. Por fim, de acordo com omemorial da CMTC, o ndice de aumento das passagens seria de 2,62 por cen-to, enquanto o custo de vida, no perodo de 1939/1947, teria sido 2,92 porcento. Contudo, esse ndice, na verdade, escamoteava o fato de que, com aunificao dos preos das tarifas, o aumento para o usurio das linhas JardimAmrica, na nobre e elegante zona sul, por exemplo, seria de 30 por cento,mas para os usurios do Pari, Santana, Mooca, Belm, Tatuap e outros bair-ros perifricos, ficaria entre 100 e 150 por cento.

    O cerne da questo estava na remunerao do capital investido na novaempresa. Estabeleceu-se que o retorno seria de 8 por cento, enquanto, de mo-do geral, as empresas privadas obtinham 7 por cento. Portanto, o que o au-mento das passagens punha em discusso era o carter de servio pblico danova empresa. A despeito de ela ter sido constituda como monoplio muni-cipal, essa grande margem de lucro era a evidncia dos planos futuros de quea empresa se auto-financiasse, interrompendo o fluxo de recursos pblicospara o sistema de transportes. Enfim, os investimentos para criar e colocar

    em operao a CMTC iriam sair do bolso dos usurios imediatos e diretos dosistema.

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    As discusses sobre o aumento no preo das passagens eram anteriores criao da CMTC e, possivelmente, contriburam para a queda da populari-dade do governador. Isso ficou evidente quando, no domingo, 30 de junho,Adhemar de Barros foi ao estdio do Pacaembu, onde se enfrentavam Palmei-ras e Portuguesa. Chegou quase no meio do jogo,e quando se aproximava datribuna de honra sua presena foi anunciada pelos alto-falantes do estdio.Areao foi imediata:

    Dos milhares de pessoas que estavam nas arquibancadas e poltronas, apenasumas bateram palmas... Foi uma recepo fria... Nas gerais, entretanto, a chega-da do governador deu margem a que o povo irrompesse em ruidosa manifesta-o de desagrado: abaixo o aumento dos bondes e dos nibus foi o gri to que

    partiu da boca de milhares de populares...34

    As vaias ao governador e as manifestaes de descontentamento partiamda populao mais pobre da cidade, aquela que iria pagar pelos aumentos natarifa de nibus e bondes e pela criao da CMTC. Ao mesmo tempo, as re-daes dos jornais eram inundadas de cartas, telefonemas e mensagens con-trrias ao aumento.35 Para piorar o quadro: a criao da CMTC no signifi-cou que todas as empresas passariam imediatamente para o controle pblico.

    Diversas linhas continuariam a ser exploradas pelas empresas privadas. Nelasos carros eram quase todos novos e apresentavam condies gerais bastanterazoveis, o que escancarava a prosperidade por parte das concessionrias.Caso contrrio, se dessem prejuzo, como alardeiam os tcnicos da CMTC pa-ra justificar o aumento de tarifa, os responsveis por estas linhas se desinte-ressariam do servio e tratariam de passar adiante o abacaxi.36 Era notrioque apenas as linhas deficitrias haviam sido incorporadas CMTC. Muitasdessas empresas no encampadas haviam conseguido renovar as suas frotas,

    mantendo as tarifas inalteradas, o que mostrava no apenas a existncia delucros, mas a possibilidade de investimentos reais. Alm disso, vrias empre-sas que operavam mais de uma linha haviam vendido para a CMTC as suassucatas e deslocado os nibus em bom estado para as linhas no encampa-das. Os protestos contra o aumento das tarifas anunciado pela CMTC foramtantos e partiram de tantos lugares diferentes que o governador Adhemar deBarros, depois de entendimentos com o prefeito Cristiano Stockler das Nevese com a direo da CMTC, resolveu adi-lo sine die. Mesmo com a suspenso

    do aumento, os nimos no serenaram e o clima que reinava na cidade era deindignao e revolta.

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    No fim do ms de maio,os motorneiros, assim como os motoristas e co-bradores de nibus, que reivindicavam o pagamento das folgas, de acordocom dispositivo constitucional, iniciaram uma operao na qual os nibusforam paralisados vrios domingos consecutivos. O movimento se espalhoue agravou ainda mais a j difcil situao dos usurios; porm, a operaomarcha lenta contou com o apoio da populao. Usando a presso dos tra-balhadores por salrio como libi, no dia 18 de junho o governador voltou carga, anunciando para uma data futura breve, mas indefinida o au-mento das passagens.No dia seguinte, o prefeito Stokler das Neves manifes-tou seu apoio ao governador e anunciou que os nibus circulares no servi-riam mais ao centro da cidade. As auto-lotaes se aproveitaram da situaoe passaram a cobrar Cr$ 1,50 por um servio que antes custava Cr$ 0,50.Dian-te dos seguidos protestos, o governo municipal recuou e os nibus circularesvoltaram ao centro,enquanto o aumento geral de preos das tarifas continua-va engavetado. As aes do governo tanto municipal, quanto estadual eram desencontradas, hesitantes e repletas de idas e vindas. As presses po-pulares, atravs de cartas, memoriais e abaixo-assinados se multiplicavam.Alm disso, os comits democrticos e as sociedades amigos de bairro, cons-tantemente pautavam o tema do aumento das tarifas nas suas reunies, sen-do a suspenso indefinida do aumento e o recuo nos preos percebidos comovitrias da presso popular.

    No dia 4 de julho a CMTC anunciou que pretendia, em comemorao promulgao da Constituio Estadual, substituir toda a frota de nibus queservia ao bairro Jardim Amrica, compreendendo as linhas n 40 e n 41. Paraisso, havia comprado dez novos nibus, os modernssimosCoach-GM, comcapacidade para 40 passageiros sentados e 30 em p.Os antigos nibus da li-nha Jardim Amrica seriam deslocados para servir outros bairros. Por vriosdias, os novssimosCoach-GMficaram enfileirados no Parque do Anhanga-

    ba. A cerimnia de entrega dos novos nibus foi cercada de pompa. s dezhoras da manh do dia 9 houve uma singela cerimnia, na qual os convida-dos seguiram em dois nibus, fazendo o percurso das respectivas linhas. O iti-nerrio do n 40 saiu do Parque do Anhangaba e seguiu pela Av. Nove de Ju-lho, Av. Brasil at a esquina com a Av. Rebouas. O n 41 saiu pelo Parque doAnhangaba, Av. Nove de Julho, Rua Estados Unidos, Av.Alcntara Machado,Av. Brasil at a esquina com a Av. Rebouas. Em ambos os itinerrios, o preoda passagem seria de Cr$ 1,00. Em seguida, todos os convidados foram leva-

    dos aoEsplanada Hotel, onde a direo da General Motors ofereceu um lautocoquetel. Em seu discurso, o superintendente da CMTC, Joo Gonalves da

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    Foz, justificou os novos nibus na linha Jardim Amrica: devido excelentepavimentao das ruas que servem ao seu itinerrio ... os antigos nibus da-quela linha, em nmero de 16, depois de reparados sero distribudos por v-rias zonas da capital,principalmente,as em que mais densa a populao ope-rria.37 O que determinava a operao da linha Jardim Amrica era a excelentecondio da pavimentao de um dos bairros mais caros da cidade e no a ne-cessidade gerada pelo adensamento populacional. Isso era a expresso maiscabal de um infausto crculo vicioso em que os privilgios atraam mais privi-lgios, enquanto as carncias engendravam novas carncias.

    No dia 31 de julho, a prefeitura voltou carga e anunciou para o dia se-guinte o controvertido aumento das tarifas. As reaes na imprensa, alimen-tadas pelo clima de oposio ao governador Adhemar de Barros, foram ime-diatas:

    Uma das medidas mais antipticas que jamais o poder pblico arremessoucontra o povo, acaba de ser efetuada, com o menosprezo da assemblia, da im-prensa e da populao mesma, que manifestaram, sem qualquer reserva o seurepdio ... mas o prefeito Cristiano Stokler das Neves no est para branduras eficou no que ameaava.Aumento de 150% nas passagens de bondes e nibus,sem que nada assegure melhora de coisa alguma, a no ser diversas mquinas

    vistosas para os bairros residenciais. Os bondes, apenas mais sujos, continuamtrafegando com centenas de populares dependurados nos estribos.38

    Os nimos estavam realmente flor da pele.Os jornais denunciavam dia-riamente o descontentamento da populao e preveniam que coisas desagra-dveis poderiam acontecer. bem possvel que o governador e o prefeito acre-ditassem que a sustentao dos comunistas e o grande apoio popular suaeleio fossem capazes de conter qualquer ao mais contundente. No foi ao

    que aconteceu. No dia 31, a sesso da Assemblia Legislativa foi toda voltadapara a discusso do aumento das passagens. O nico consenso entre os depu-tados era de que se tratava de uma questo momentosa. Durante os traba-lhos, alguns chegaram a pedir a demisso do prefeito e ameaaram sustar oaumento com mandatos de segurana.39 As discusses iniciadas pela manhse estenderam at o incio da noite. Com exceo da bancada governista, quefez uma defesa muito tmida do aumento, as crticas foram em termos rspi-dos e contundentes. Ao final da sesso aprovou-se uma moo, cujos votos

    contrrios foram apenas trs, dos 43 deputados presentes.40

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    No mesmo dia em que anunciava o aumento do preo das passagens,aCMTC prometia, para breve, o incio da circulao de mais trezentos novosnibus. Diante da auspiciosa notcia, diversos leitores enviaram ao jornal OEstado de S. Paulocentenas de sugestes de novas linhas para os bairros queainda no eram sequer servidos por nibus. Em geral, as cartas eram minu-ciosas e propunham os trajetos completos, de ida e volta, at mesmo demar-cando os pontos obrigatrios de parada,escolhendo as ruas mais transitveis,as menos esburacadas, optando pelas artrias centrais dos bairros e pelas li-gaes no apenas do centro ao bairro, mas de bairro a bairro. Ou seja, osusurios do sistema estavam muito atentos ao que acontecia.

    Os aumentos das passagens de nibus nas empresas no encampadas pe-la CMTC que depois dos acontecimentos de 1 de agosto passou, jocosa-mente, a ser chamada deCusta Mais Trinta Centavos provocaram uma re-volta maior at que o aumento da empresa oficial. No dia 5 de agosto, 20moradores do Alto do Pari, que embarcaram no nibus n 14,se recusarama pagar o valor majorado da passagem, e obrigaram o motorista a lev-los ata Rua do Carmo, 35, sede do jornal Folha da Noite. O motorista conduziu onibus at a garagem do Pari e o abandonou, juntamente com o cobrador.Diante dos protestos dos moradores, que se recusaram a descer e ameaaramincendi-lo, outro motorista tomou a direo do coletivo e o levou sede daDelegacia de Ordem Poltica e Social. Surpreendentemente, o delegado deplanto afirmou que o aumento pretendido pela empresa Alto do Pariera ile-gal, pois ela no possua nenhuma autorizao oficial da prefeitura para isso.O gerente da empresa, que havia seguido com os moradores, contra-argu-mentou alegando ter recebido autor izao verbal do engenheiro Emlio Cor-des, chefe da subdiviso de transportes da prefeitura. No adiantou. Sob osaplausos da multido, a passagem voltou ao preo antigo, Cr$ 0,60. Essa vit-ria foi muito comemorada, e a ao de tomar o nibus e conduzi-lo sede do

    jornal, que parece ter sido planejada na associao de bairro,abriu um prece-dente, e fez que as empresas do Parque da Mooca, Alto da Mooca, Vila Ber-tioga e Belm, que no haviam sido encampadas pela CMTC, recuassem dosaumentos j autorizados e voltassem aos preos antigos.O problema dos trans-portes pblicos era uma espcie de feixe onde se encontravam e se aguavamboa parte das mazelas da cidade, porque ele antecedia as condies para a so-luo de muitas das demandas populares. Portanto, a situao de morador ea sua condio de cidado estavam profundamente subordinadas possibili-

    dade do acesso a um sistema eficiente de transportes; ou seja, era impossvelpensar a cidade de So Paulo e seus embates pol ticos, sociais e econmicos

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    nesses anos, sem levar em considerao os significados, simblicos ou reais,que tiveram para seus moradores os problemas envolvidos no sistema pbli-co e privado de transportes coletivos.

    Os dias que se seguiram ao quebra-quebra foram de tentativas para seentender o que, afinal, havia acontecido. Embora houvesse um clima no ar,apontado por quase todos os rgos de imprensa, as dimenses dos aconteci-mentos surpreenderam at mesmo os mais pessimistas.Afinal:

    Nem em 1924, quando a cidade ficou um ms sob o peso de uma revoluoaqui deflagrada, nem em 1930, quando o PRP abandonou a administrao e opoliciamento da capital, muitos dias antes que aqui chegassem as tropas revolu-cionrias vitoriosas vindas do sul, se viu So Paulo to completamente abando-nada e indefesa ante os promotores e executores das mais espantosas violnciase do mais desenfreado vandalismo...41

    Um dia depois ao motim, oCorreio Paulistanoreconhecia que:

    O povo magnnimo e paciente, s perde a tramontana e se convulsiona nosmomentos de profundas e generalizadas inquietaes, quando a conscincia co-letiva exige uma alterao decisiva de valores sociais.As perturbaes da ordem,

    como as de ontem so obras da multido que no s no tem uma conscinciahomognea, como age no impulso de paixes exacerbadas e sem finalidade dou-trinria ... alguma coisa de mais grave e fermentadssima deve haver no nt imodas massas. Uma simples elevao, nas passagens de bondes, no basta para ex-plicar o desvairamento das atitudes agressivas, violentas e destruidoras de on-tem. Compete ao governo tomar nota de todo o acontecido e chegar conclu-so de que medidas muito oportunas e prudentes devem ser tomadas para queo contgio da inquietao aguda, no tome um carter generalizado, transfor-

    mando-se numa comoo especfica que costuma ter o nome de movimento re-volucionrio.42

    O temor do jornal encontrou eco na Assemblia Legislativa. No dia 5,osdeputados Mota Bicudo (PSD) e Conceio Santamaria (PSP) apresentaramum projeto propondo que 50 por cento dos nibus novos que estavam ser-vindo linha Jardim Amrica fossem deslocados para servir aos bairros daPenha, Quarta-Parada, Mooca e Alto da Mooca. Tambm surgiram urgentes

    estudos sobre as linhas residenciais nos bairros do Pacaembu e Jockey Clube,para verificar a possibilidade da sua retirada,considerando tratar-se de uma

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    zona citadina cujos moradores, em sua grande maioria, possuem automveisparticulares.43 Claramente, os deputados insinuavam que os motins do dia 1expressavam mais que uma simples revolta contra o aumento do preo daspassagens.

    NA RUA POR DIREITOS

    As aes dos populares contra os nibus e bondes foram interpretadas,na poca, como resultado direto de uma longa seqncia de desatinos polti-cos e administrativos, tanto do governo do estado quanto da prefeitura, queproduziram decepo e descrdito originando um dos mais graves e la-

    mentveis episdios da histria de So Paulo.44O Dirio de S. Paulo, em edi-tor ial, responsabilizou explicitamente os Getulistas, porque: um bando deleno amarrado cabea e calas arregaadas at o joelho, apareceu subita-mente berrando: Getlio! Getlio! Getlio!, enquanto ateava fogo aos vecu-los. Parece claro que as disputas partidrias e os conflitos polticos atravessa-ram as interpretaes acerca do motim.No mesmo dia,ambiguamente o jornalapontava outros culpados: tivemos ontem uma demonstrao rotunda doclima que os comunistas querem insuflar no Brasil, em sua tarefa daninha,

    rumo anarquia desmanteladora das instituies democrticas, que consti-tui o objetivo mximo de sua nefasta atuao.A responsabilizao pelo mo-tim tornou-se moeda de troca nas disputas polticas. O Cel. Flodoardo Maia,Secretrio de Segurana Pblica, admitiu, em nota oficial, que as arruaas fo-ram premeditadas e tiveram como seus incitadores elementos desclassifica-dos. A nota oficial do governador, que s saiu cinco dias depois do motim,atribuiu os acontecimentos, genericamente, a adversrios polticos e agita-dores profissionais.45 No dia 2 de agosto,O Estado de S. Paulopublicou a mais

    elaborada interpretao da imprensa sobre o motim. Ela reunia uma srie deimpresses bastante disseminadas sobre as aes coletivas:

    Em dado momento o tumultoperdeu seu aspecto de protesto violento contraum ato lesivo aos interesses populares, para assumir o carter da mais desenfreadadesordem.Ento,amassa despida de qualquer sent imento humanodesandou emexcessos os mais reprovveis, destruindo lmpadas de iluminao, e rvores, eautomveis oficiais em diversos pontos ... a turbaagitada arrancou vrios postes

    que assinalavam o ponto de embarque das linhas, as janelas e portes da prefei-tura ... No menos necessria a averiguao das razes psicolgicas das atitudes

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    das pessoas que tomaram parte nos eventos ainda que com uma certa ingenui-dade sem qualquer inteno malvola...46

    O que chama a ateno nessa anlise o fato de que um tumulto, inicia-do por razes econmicas,atos lesivos aos interesses populares, perdeu seucarter de legtimo protesto popular ao se transformar em desenfreada de-sordem.Ou seja, ao deixar de visar apenas os aceitveis aspectos econmi-cos, os atores do tumulto perderam seus sentimentos humanos e se transfor-maram em massa. Portanto, no seriam mais populares annimos numprotesto econmico,o que o reduziria a um simples tumulto,mas um bandosem ordem, sem lei, sem governo, sem sentimentos humanos: a massa, que,diante da ausncia de propsitos claros, transmutava-se em turba. Desse pon-to de vista, os acontecimentos de 1 de agosto no podiam ser explicados sim-plesmente por fatores econmicos, polticos ou sociais, pois todos eles supu-nham alguma racionalidade na sua conduo, e a turba era, antes de tudo, oresultado da desrazo. Assim, a chave para a compreenso do evento estariana psicologia das massase no comportamento das multides, Gustave LeBon.47 Por isso, a multido envolvida no quebra-quebra s pde ser percebi-da como irracional, instvel e destrutiva, cujos atos eram a manifestao deum total pr imitivismo e baixo desenvolvimento intelectual. Conseqente-

    mente, os agentes envolvidos no motim foram representados como a ral e aescria da cidade, e igualados aos criminosos comuns.48 No dia seguinte, o ar-gumento foi amenizado:

    o bonde e o nibus no so somente meios de transporte, mas tambm smbolosdas dificuldades cotidianas e do mal-estar geral. As calamidades de cada dia, asensao de no ser atendido pelos superiores, a impresso de ser indefeso, inerme e

    indefeso diante desse estado de coisas, os profundamente e arraigados sentimen-

    tos de revolta e destruio, a seduo que o fogo exerce sobre os homens, todosesses e muitos outros fatores contriburam para possibilitar a extenso das ocor-rncias...49

    Mesmo quando se reconhecia um tnue fio de racionalidade nas aescoletivas do motim, os sentimentos e os impulsos irracionais pareciam ser achave para a sua compreenso. Remeter o quebra-quebra para o campo dapsicologia das multides acaba por despolitizar o conflito, evitando-se o

    enfrentamento das reais condies de excluso social que o produziram, bemcomo da necessidade de solues que respondam a elas. Afinal, difcil pen-

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    sar nos transportes coletivos como smbolos das dificuldades cotidianas,dascarncias, das calamidades, da condio social de desamparo perante o poderpblico e, ao mesmo tempo, no reconhecer que tudo isso profundamentepoltico. Ademais, as pessoas que experimentavam cotidianamente essa situa-o percebiam-na como desdobramento da condio de no serem reconhe-cidos como cidados, numa sociedade supostamente democrtica, mas, defato,profundamente autoritria e hierarquizada.

    Em fins da dcada de 1970 o socilogo Jos lvaro Moiss revisitou osacontecimentos de agosto.Ao faz-lo, conferiu ao motim a legitimidade co-mo objeto de estudo e o resgatou do limbo em que a noo de psicologia dasmultideso colocara. Nessa ocasio, seu objetivo era investigar as formas e,principalmente, os limites da participao popular na democracia populista.A partir desse pressuposto os acontecimentos de 1 de agosto evidenciaram oparadoxo caracterstico da democracia brasileira do perodo de 1945 a 1964.De um lado, a dependncia imposta s classes populares e aos sindicatos emrelao ao Estado; de outro, a existncia de uma variada gama de tentativas departicipao poltica e social dessas mesmas classes populares, dependentes esubmissas. Com o fim da guerra, teriam emergido formas inesperadas e es-pontneas de manifestao popular, que no foram compreendidas nem pe-las foras polticas de esquerda nem pelas de direita,nem tampouco pelos pr-prios atores, que naquele momento eram portadores de uma estruturalincapacidade para entender o que as suas prprias aes representavam doponto de vista poltico e social. Deixadas a si mesmas, sem uma direo pol-tica eficiente, as manifestaes populares ficaram acfalas e fracassaram. Demodo que elas estavam fadadas a ser, no mximo, exploso espontnea declera popular. Somente atravs da poltica populista, materializada algunsanos depois, nas figuras de Jnio, Adhemar e Vargas, as aes das classes po-pulares adquiriram algum significado e encontraram ressonncia.50

    Em ambas as interpretaes h um ponto comum: os motins de agostoaparecem como um lampejo, um raio fulgurantee, em conseqncia, no pa-rece existir nenhuma motivao poltica nas disposies da multido. Sejaquando se remetem psicologia das massas criminosas, no caso do jornal,ou defesa elementar da economia popular, na perspectiva sociolgica, sh referncia poltica quando as massas amotinadas identificam seu opo-nente, atacando os smbolos do poder pblico ou quando so reprimidas. Apoltica aparece apenas no final, como uma referncia marginal, como umdeus ex machina.

    Entretanto, possvel analisar o problema de outro modo.51 Primeira-

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    mente, h um ntido padro na ao dos amotinados: atacavam-se os bondesque, dada a sua limitada mobilidade, eram mais facilmente apedrejados, tom-bados,depredados e incendiados.Os nibus eram os segundos alvos na esco-lha dos ataques e, diante da sua maior mobi lidade, podiam escapar mais fa-cilmente dos incndios, mas no dos apedrejamentos. Aparentemente, osataques foram indiscriminados contra todas as linhas. Os carros oficiais, tan-to da prefeitura quanto do governo do estado, foram a terceira escolha na hie-rarquia dos ataques. Tambm eram incendiados e tombados onde quer quefossem encontrados. Logo que tiveram incio as aes, o comrcio foi fecha-do em todo o centro da cidade. Mas no h informao sobre saques a lojasou mesmo ao comrcio de ambulantes; somente as bancas de frutas e de ali-mentos promovidas pelo governo do estado, conhecidas como asTendas doAdhemar, eram generalizadamente atacadas e incendiadas. Nos jornais tam-bm no h meno de ataque a qualquer veculo particular. Por exemplo, noalto da Galeria Prestes Maia havia um automvel para ser sorteado; nibus ebondes ardiam em chamas, mas o carro no sofreu nenhum arranho, assimcomo os veculos que atravessavam a manifestao e tinham a sua passagemliberada,desde que no fossem carros oficiais. Por isso, os ataques foram se-letivos, calculados, mas no planejados.

    O quebra-quebra foi um ritual de protesto, cujo objetivo foi expiar as lon-gas filas, as interminveis viagens, os caminhes inseguros, a falta de nibus ebondes, as ruas esburacadas e sem pavimentao, a elevao dos preos dastarifas e a distino no tratamento entre bairros perifricos e bairros centrais;enfim, o desrespeito e a ausncia de direitos, at mesmo do direito de recla-mar. O ataque aos nibus e bondes em 1 de agosto de 1947 durou apenasuma tarde, mas marcou profundamente, por mais de uma dcada, a vida dacidade. Esse motim urbano foi importante porque dramatizou aspectos cru-ciais das relaes sociais que foram tencionadas at o ponto da ruptura. co-

    mo se esse acontecimento concentrasse e amplificasse as tenses sociais doimediato aps-guerra.Afinal,desde o fim da Segunda Guerra Mundial e,prin-cipalmente, do Estado Novo, avolumavam-se as expectativas por mudanassociais.52 Assim, o quebra-quebra ps em cena um conjunto de expectativas edemandas no apenas pela ampliao dos espaos pblicos de atuao coleti-va, mas tambm do direito de exprimir essas reivindicaes. As classes popu-lares no falavam e no agiam apenas pela boca dos lderes populistas, elasconstruram por meio da palavracoletiva e da aocomum uma esfera p-

    blica que fez e se refez continuamente, mesmo constatando-se que s dura,por assim dizer, um piscar de olhos.53

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    Os anos de 1945 a 1947 marcam um perodo de intenso debate pblicosobre as condies da cidade, sobre os servios pblicos e sobre as inmerasexpectativas populares sentidas como o corolrio dos sacrifcios durante aguerra. Por mais de uma dcada o pas vivera um regime poltico no qual asdemandas populares eram silenciadas. Em 1945, inaugurou-se uma nova fasena histria das disputas polticas no pas. At 1934,as eleies eram disputa-das num crculo muito reduzido de eleitores. No estado de So Paulo, porexemplo, aquela ltima eleio contou 299.074 votantes inscri tos; j na pri-meira eleio do aps-guerra, em 2 de dezembro de 1945,o eleitorado do es-tado chegou a 1.565.248 eleitores.54 Certamente este salto significou umafundamental alterao na configurao dos debates, transformando, signifi-cativamente, as sensibilidades pblicas e o modo como eram negociados asadeses e os apoios.A nova configurao partidria, com a legalidade do PCB,a atuao do PSB e as acirradas disputas entre PSP, PTB, PSD e UDN semfalar nos partidos menores redimensionaram o cenrio poltico. O inten-so clima de disputas eleitorais e a agitao das reivindicaes populares am-pliaram e deslocaram os debates sobre as candentes questes urbanas do par-lamento e dos partidos polticos para os sindicatos e as associaes de bairros:os CDPs e as SABs, principalmente. Em cada bairro ou vila da cidade organi-zou-se um comit ou uma sociedade, que sob as mais variadas influnciaspartidrias se investiram, de um lado, como vetores das demandas popularespor servios e equipamentos urbanos e, por outro, do direito de express-las.Portanto, o quebra-quebra de nibus e bondes est relacionado ao conjuntode transformaes polticas, urbanas, econmicas e demogrficas da cidade,e nessa complexa teia que ele se d a entender.

    Os eventos de 1 de agosto so um aberto desafio arrogncia, ao auto-ritarismo e ao desprezo pelas demandas populares, manifestado diuturna-mente desde o fim da guerra e, principalmente, nas aes da CMTC. O que-

    bra-quebra mostrou a percepo popular de uma profunda diviso social, naqual os transportes coletivos apareciam como um privilgio e como a mate-rializao do fato de que a cidade estava profundamente cindida entre ricos epobres, privilegiados e sem direitos. O 1 de agosto no foi apenas um pro-testo contra um precrio e insuficiente sistema de transportes e o eventualaumento no preo das passagens, foi o momento no qual a diviso social to-mou a forma de uma manifestao direta e aberta contra um dos smbolosda excluso. Mas foi tambm uma manifestao contra as condies de mo-

    radia, contra a deficincia no atendimento da sade pblica, contra a ausn-cia de escolas, contra as pssimas condies de salubridade urbana e os pssi-

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    mos salrios e outras carncias,porque essas eram experimentadas, pelas clas-ses populares, como um continuum. Se esse conflito aberto emergiu relacio-nado ao tema dos transportes pblicos porque para ele confluam todas asdemandas urbanas de uma populao que se percebia abandonada.

    Uma denncia annima levou os inspetores do DOPS at a casa do pe-dreiro portugus Manoel Fernandes Tom. Investigava-se o sumio da caixametlica de um bonde camaro, onde se guardavam dinheiro e bilhetes. Inti-mado a prestar depoimento, em 8 de agosto, Manoel se aventurou a uma in-terpretao:

    o movimento [do dia 1] era feito porque queriam o Getlio e era promovi-do pelos queremistas... que no h dvida que o presidente Getlio fez muitacoisa pelo nosso pas e um homem popular; que na opinio do declarante tu-do o que o governo faz est errado, inclusivea elevao da passagem de nibus ebonde... havia a circunstncia de que o congresso do Estado [sic] havia prometi-do arrumar o caso da elevao das passagens, para que a mesma elevao nofosse posta em execuo...

    Manuel termina seu depoimento dizendo, como todos os outros depoen-tes do inqurito, no ter participado do quebra-quebra, e que pegara a caixa

    das mos de um garoto.Alega que no tinha simpatias pelo PCB, como ten-tam induzir os investigadores, mas pelo PTB, e que na sua opinio todo essemovimento foi feito por polticos decados com o fito de criar embaraos aogoverno do Estado.55 J que tudo o que esse governo faz est errado, noapenas a elevao do preo das passagens, os atos de 1de agosto esto legiti-mados.

    A ntida conotao de classe desse evento no est apenas na composi-o social dos amotinados na lista dos 65 indiciados h um empreiteiro,

    um advogado,um militar, um publicitrio e trs funcionrios pblicos; os 58restantes so operrios: teceles, grficos, pedreiros, mecnicos etc.56 ou naseletividade calculada dos seus atos, nem mesmo nos alvos, simblicos e reais,dos seus ataques, mas em todos os antecedentes que fomentaram o clima dearrogncia e ostentao em torno da criao da CMTC.

    Nos acontecimentos de agosto tambm se evidencia uma clara percep-o de que o governo deveria atuar como um agente da justia social. Tanto ogoverno estadual quanto o municipal eram percebidos como vetores para a

    garantia e a extenso dos servios pblicos e para a manuteno de um nvelmnimo de consumo e de qualidade de vida. Era sua funo proteger os po-

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    bres. Essa proteo, contudo, no era vista como uma ddiva, no era umasimples benevolncia, mas uma obrigao, era a retribuio que se devia aovoto recebido.Afinal, junto com a eleio os polticos ganhavam uma dvidaque deveria ser saldada atravs da promoo do bem-estar e da justia paraos pobres.57 O rompimento dessa retribuio foi o estopim da revolta. Des-tarte, os episdios de agosto colocavam em cena tambm a aspirao popularpor um tratamento digno, respeitoso e que reconhecesse e legit imidade dasua fala, a justeza das suas demandas e a propriedade dos seus direitos. Exata-mente por isso, o quebra-quebra se configura como uma espcie de adensa-mento de conflitos latentes, um momento de impasse nas profundas contra-dies sociais que,geralmente ocultas, no puderam mais ser contidas pelateatralidade da poltica. Neste caso especfico, as tenses oriundas de umaprofunda excluso social e da ausncia de reciprocidade moral se expressa-ram no contra-teatro do ataque aos nibus e bondes e no assalto sede dopoder pblico municipal e aos smbolos do governo estadual.

    Conseqentemente, a violncia durante o motim no pode ser reduzida quantidade de nibus e bondes queimados nem, tampouco,ao nmero deferidos. A questo essencial que em nenhum momento houve uma violn-cia descontrolada ou algo como uma multido ensandecida. O que impres-siona a seletividade e a hierarquia dos alvos da violncia, possvel apenasporque o antagonista estava claramente definido e identificado. Neste caso, aencenao da violncia, com toda a sua atipicidade, exprimiu os sentimentospopulares em relao poltica, na forma como se configurava naqueles anos.Por isso, o motim de agosto deve ser pensado num duplo aspecto: como ma-nifestao de uma enorme decepo poltica pela no realizao das promes-sas de prosperidade e justia que o fim da guerra comportava, e tambm co-mo um modo de exigir a restituio dessas promessas, uma maneira pela qualos de baixo exigiram respeito, reconhecimento e deferncia, num momento

    supostamente democrtico. O motim deslegit imou no apenas as autorida-des pblicas constitudas, como tambm a agenda poltica que vinha sendocumprida.Agenda na qual as classes populares eram consideradas meros ex-pectadores. Desse modo, o 1 de agosto articula e mescla, de forma comple-xa, uma gama contraditria de interesses polticos, conflitos de classe e espe-ranas populares. Em termos simblicos o quebra-quebra marca o fim dasesperanas nascidas com a derrocada do nazi-fascismo e a derrubada da dita-dura estadonovista.

    Do ponto de vista das classes populares, a idia de democracia e rede-mocratizao estava diretamente vinculada, por exemplo,a moradia, trans-

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    porte, trabalho, saneamento, escola, sade, lazer, liberdade de organizao ebaixo custo de vida.A sua agenda dizia respeito aos termos nos quais seria for-mulada a discusso sobre esses direitos, qual seria a configurao desse debateno perodo democrtico e qual o seu alcance. Nesse contexto, o grito de al-guns populares, se que realmente aconteceu, clamando por Getlio em meioao quebra-quebra, talvez fosse a expresso de um sentimento de perda,do res-peito violado,de um direito denegado.Mais do que traduzir apoio,adeso oufidelidade a Getlio o grito sugere a defesa de certos valores e idias nele en-carnados. De modo que as aes nesse motim exprimem tambm, ambigua-mente, a busca por uma espcie de justianaturalelementar que possivel-mente circunscrita numa lgica paternalista nem o governo municipal, nemo estadual e nem o federal conseguiam simbolizar depois de 1945.

    Nos dias que se seguiram ao quebra-quebra, alguns policiais da fora p-blica disseram aos jornais que muitas vezes ficaram tomados pelo medo dian-te do mpeto dos ataques. Porm, tanto a imprensa quanto os deputados naAssemblia Legislativa foram unnimes em apontar que a ao da polcia foidbil, lenta, condescendente e at mesmo simptica aos manifestantes, con-tribuindo para a extenso e dimenso do motim. Parece haver indcios de quea reao comedida da polcia possa ter facilitado a audcia dos manifestan-tes, pois alguns populares chegaram a carregar um comandante de destaca-mento retirando-o ileso do local onde fazia sua vigilncia para, s depois, in-cendiar os nibus que ali estavam.58 H duas implicaes nessa supostadebilidade da ao policial. possvel que os soldados e praas da fora p-blica realmente simpatizassem com os manifestantes, afinal, eles compunhamum mesmo estrato social de vtimas dos desmandos no sistema de trans-portes pblicos. Contudo, o mais provvel que o governador, tendo sidoeleito com os votos desses mesmos manifestantes, com o apoio comunista ecom uma retumbante votao popular, no pudesse, simplesmente, ordenar

    uma violenta represso.59 Assim, plausvel que tenha havido alguma hesita-o do poder executivo, e foi por conta dela que a manifestao alcanou asdimenses do motim. Somente um ano mais tarde, j no contexto da ilegali-dade do PCB, que o governador Adhemar de Barros acusou formalmenteos comunistas pelos atos. A hiptese de ao comunista planejada no se sus-tenta, porque o partido era contrrio a esse tipo de interveno, tendo aderido linha daordem e tranqi li dade. O prprio PCB teria sido pego de surpre-sa.60 Ademais, na poca, o partido ainda era eleitoralmente aliado do gover-

    nador Adhemar de Barros. Os 65 inquritos policiais que resultaram do que-bra-quebra no apresentaram evidncia alguma dessa ligao.

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    Nos meses que se seguiram, os agentes do DOPS investigaram a hiptesede que o quebra-quebra tivesse sido organizado e dirigido pelos comunistase, incessantemente, procuraram essa conexo. Como testemunho da preme-ditao das aes comunistas os agentes tinham vrios argumentos: o pro-cesso para o ateamento do fogo nos veculos, segundo os laudos da polciatcnica, foi um s em todos os lugares; os instrumentos usados na depreda-o eram uniformes: paus e pedras; as avarias nos veculos foram sistemati -zadas; elementos de projeo do PCB estavam nos locais das depredaes, in-suflando o povo prtica da desordem. Depois de muita investigao edezenas de interrogatrios, as provas das vinculaes que se estabeleceramcom o PCB foram as de que, desde meados de junho, os comunistas inicia-ram uma campanha contra o aumento no preo das passagens e essa cam-panha psicolgica havia preparado a recepo hostil ao aumento das tarifas.

    Quanto aos elementos de projeo do PCB nos eventos de agosto to-dos eram, estranhamente, de Santo Andr: Joo Peloso, Iguatemy Lopes deOliveira, Alberto Zamignani, Joaquim Rodrigues Correia, Cludio Savieto eCarmem Savieto. Todos foram presos entre as 23 horas e a meia-noite do dia1, em suas respectivas residncias. Depois de detidos, foram encaminhados Delegacia de Ordem Poltica. Sete dias depois do motim ainda estavam todospresos, sem nenhuma evidncia de seus envolvimentos. No pedido dehabeascorpus, impetrado pelos advogados do PCB, argumentava-se que todos esta-vam trabalhando no dia 1de agosto,anexando ao pedido os respectivos com-provantes de ponto e cartas dos empregadores. Portanto, nenhum deles foipreso no local dos quebra-quebras.Em resposta ao pedido de soltura, o DOPSrespondia, sistematicamente, que nenhum deles estava preso nas suas depen-dncias. A priso dos reconhecidamente comunistas durou quase um ms.A reao da polcia foi a costumeira: prendem-se os suspeitos de sempre.61 preciso lembrar que Santo Andr, nas eleies de janeiro de 1945, havia dado

    aos partidrios de Adhemar 4 por cento dos votos, enquanto o PCB e o PTBhaviam alcanado 71 por cento. Nessa eleio o deputado federal mais vota-do foi o presidente do Sindicato dos Metalrgicos, Euclides Savieto. Nas elei-es para o governo do estado, em janeiro de 1947, PCB e PSP firmaram umamplo acordo eleitoral que deu a Adhemar 79 por cento dos votos na cidade,entretanto o nico deputado estadual eleito no ABC foi o marceneiro comu-nista de Santo Andr, Armando Mazzo, com 5.175 votos. Na eleio munici-pal, em novembro de 1947, portanto depois da ilegalidade do PCB, Armando

    Mazzo foi eleito prefeito com 33 por cento dos votos, na legenda do PartidoSocial Trabalhista (PST). A chapa de vereadores ligados ao agora ilegal PCB

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    alcanou 26 por cento do total dos votos. O candidato do PSP, Antnio Bra-ga, obteve pfios 6 por cento dos votos, enquanto a chapa de vereadores doPSP no ultrapassou os 19 por cento.62 Ou seja, o PCB em Santo Andr eraum entrave e um concorrente direto do PSP de Adhemar.

    A direo da CMTC, por sua vez,aproveitou-se das circunstncias paratentar desqualificar a recm-criada Associao dos Trabalhadores de Transpor-tes Urbanos de So Paulo (ATTUSP), que fornecia assistncia mdica, farma-cutica e hospitalar aos funcionrios da companhia, e qual se associarammuitos motoristas, motorneiros, cobradores e funcionrios de oficina. A es-tratgia da empresa foi acusar os diretores da associao, especialmente An-tnio Aguiar, Sebastio Pupo de Almeida e Francisco Dazen de terem partici-pado do quebra-quebra. Os trs foram demitidos da companhia em virtudedo quebra-quebra de nibus e por sua ligao com o PCB,63 embora no in-qurito do quebra-quebra s aparea o nome de Antnio Aguiar, que fora ati-vo membro dos comits democrticos e candidato comunista a vereador peloPST,em novembro de 1947. O medo de novos motins levou o DOPS a infil-trar seus agentes nas oficinas da CMTC e, por vrios anos, qualquer acidenteenvolvendo nibus ou bondes na capital era imediatamente investigado co-mo potencial sabotagem.64 Um ano depois do quebra-quebra, em agosto de1948, mesmo depois de arquivados os inquritos policiais sem nada de con-creto ter sido provado, os agentes do DOPS continuavam tentando encontrarelementos que ligassem o motim ao Partido Comunista. Antnio Aguiar foilevado novamente s dependncias da Delegacia de Ordem Poltica,agora porconta da sua atuao sindical, e prestou um depoimento bastante curioso.Afirmou que era scio fundador da ATTUSP, mas que no fazia mais parteda diretoria. Acrescentou que esperava ter sido eleito, mas no o foi, segundosups pelo fato de haver procurado elementos do PSP, para evitar o despejorequerido contra o declarante. Acredita mesmo que esse fato fosse explorado

    por algum junto quela associao para evitar que o declarante fosse cota-do. Antnio no pestanejou, e, num momento de necessidade, recorreu sredes de clientela das hostes adhemaristas de seu bairro, o que parece ter cus-tado a eleio para a associao dos trabalhadores.65 Nos anos seguintes, con-tinuou o medo de que os quebra-quebras de nibus e bondes ou outros tiposde motins urbanos se repetissem. A cada ano, quando se iniciavam as discus-ses sobre os reajustes das tarifas, os agentes do DOPS preparavam diversosrelatrios nos quais se anunciavam a possibilidades de novas e iminentes re-

    belies.66 Essa contnua obsesso pelo compl talvez evidencie a dificuldadedas elites em aceitar a ao popular sem a necessria causa ou condio ex-

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    terna. Mas o agosto de 1947 no foi um evento isolado, foi parte integrantede um movimento amplo que se espalhou pelo Brasil.67 Ademais, suas impli-caes deixaram as elites de sobreaviso porque, de forma organizada ou no,as classes populares agiam, s vezes, de forma violenta. Contudo, o quebra-quebra no foi suficiente para pr em xeque o autoritarismo socialmenteimplantado nas relaes sociais e polticas na sociedade brasileira. Elas con-tinuaram to hierarquizadas quanto sempre foram, e as referncias cidada-nia continuaram umbilicalmente conectadas s prticas de excluso social.

    NOTAS

    1

    Correio Paulistano, 1.08.47, p.2; eFolha da Manh, 1.08.47,p.10.No caso da linha 4Pa-rada,a passagem havia passado de Cr$ 0,80 para Cr$ 1,00.Na linha da Vila Mariana,a pas-sagem passou de Cr$ 0,60 para Cr$ 1,00. Os bondes passaram de Cr$ 0,25 para Cr$ 0,50.2 Stiel, W.C.Histria dos transportes coletivos em So Paulo. So Paulo: McGraw-Hill/Edusp,1978.3 Arquivos do DOPS. Dossi, 50-Z-2-890.4 O Estado de S. Paulo, 2.08.47, p.4.5 Arquivos do DOPS. Dossi, 50-Z-2-890.6 Entrevista com Julius Meksenas, realizada em 21.02.1999. In: Meksenas, P.Cidadania, po-der e comunicao. So Paulo: Cortez, 2002. p.162.7 Multides ululantes cercavam os pontos capitais da cidade, enormes fogueiras fumegan-tes,enquanto refregas com a cavalaria policial verificavam-se aqui e ali,principalmente quan-do se disps a defender a sede da prefeitura municipal. Correio Paulistano,2.08.47,p.2.8 O Estado de S. Paulo, 2.08.47, p.4.9 Dirio de S. Paulo, 2.08.47, p.8.

    10Dirio de S. Paulo, 2 e 3.08.47,p.8.11 Arquivos do DOPS. Dossi, 50-Z-2-890. Os nmeros so contraditrios, em alguns do-cumentos constam 66 indiciados. Arquivos do DOPS. Dossi, 50-Z-2-315, 316 e 317.12 Arquivos do DOPS. Dossi 50-Z-2,v.6.13 Arquivos do DOPS. Dossi 50-Z-2-213.14 Consta que 170 investigadores da ordem poltica, 440 cavalarianos, 160 guardas civis e80 guardas-noturnos compunham a fora-tarefa. Arquivos do DOPS. Dossi 50-Z-2-221.

    15Folha da Manh, 4.08.47, p.3.16 Correio Paulistano, 6.08.47,p.5. Para essa funo foram destacados basicamente os sub-

    O dia de So Bartolomeu e o carnaval sem fim

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    delegados e os inspetores-de-quarteiro, em geral vinculados ao Partido Social Progressis-ta de Adhemar.17Dirio de S. Paulo, 3.08.47,p.2.18

    Essa reduo baixou em Cr$ 0,10 o preo cobrado antes dos eventos de 1de agosto.Cor-reio Paulistano, 21.10.47,p.2.19 Mas preciso ressaltar que a cidade ilegal no era a face oculta da legalidade, ao contr-rio, era a sua condio sobre a relao entre cidade legal e cidade real.Ver: Grostein, D. M.A cidade clandestina: os ritos e os mitos. So Paulo,1987. Tese de doutoramento, FAU/USP.E tambm, Oliveira, F. A economia brasileira: crtica da razo dualista.Estudos Cebrap,n.2, out. 1972.20Hoje, respectivamente, 28.01.46 e 21 e 24.10.45 p.6,4 e 4. O problema se repetia em qua-se todos os bairros da cidade.21Hoje, 20.10.45, p.14.O comit democrtico do bairro encabeou um memorial, dirigidoao prefeito, pedindo soluo urgente para o problema.22Hoje, 24.01.45, p.5.23 OsComits Democrticos e Popularesforam organizaes de moradores criadas a partirde 1945, sob inspirao do recm-legalizado PCB. Rapidamente se espalharam pela cidadee deram grande publicidade s condies dos bairros perifricos. De modo geral, eles fo-ram a inspirao dasSociedades Amigos de Bairro, mas em muitos casos essas associaes

    coexistiram num mesmo lugar, disputando o direito de falar em nome das demandas po-pulares. Cf. Duarte, A. L.Cultura popular e cultura poltica no aps-guerra: redemocratiza-o, populismo e desenvolvimentismo no bairro da Mooca, 1942-1973. Campinas, 2002.Tese de doutoramento, Unicamp.24Hoje, 7.06.46,p.4. certo que se h de tratar oHojecom muito cuidado,como alis qual-quer jornal, porque o espao aberto por ele, denunciando as mazelas dos bairros, era tam-bm uma forma de agregar novos membros aos comits democrticos e atrair simpatiasao PCB.Nesse sentido, suas matrias so cuidadosamente planejadas, tanto como denn-cia quanto como efeito de propaganda.Assim, o jornal Hoje a face mais evidente e pbli-

    ca da atuao e dos projetos, mas tambm das ambigidades do PCB. Por isso, abriu espa-o para a discusso das condies de vida dos bairros perifricos da cidade e se tornou umveculo privi legiado para se compreender os dramas da cidade nesses anos. Por sua vez, o

    jornal O Estado de S. Paulo, nesse momento, estava identificado com os interesses da UDN.O Correio Paulistano ainda dava voz aos interesses do Partido Republicano, e ambos se no-tabilizavam pelas crticas ao governador Adhemar de Barros.25Hoje, 14.09.46, p.7.26 Entrevista com Eunice Longo, realizada pela equipe de memria e histria oral

    DIM/DPH, prefeitura do Municpio de So Paulo,em 1989.27Hoje, 3.01.47, p.6.

    Adriano Luiz Duarte

    Revista Brasileira de Histria, vol. 25, n 5056

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    28 Para se ter uma idia,o salrio nominal mdio,na indstria de transformao, em 1945,era de Cr$ 475,00. O salrio real, ou seja, a quantidade de mercadorias pelas quais ele po-dia ser trocado, era de CR$ 188,00, dado o impacto da inflao e do custo de vida nos anosda guerra. Cf.Oliver, O.A inflao brasileira (1820-1958). Rio de Janeiro. Mimeo.p.263.

    29 Teramos satisfao particular em saud-la da maneira mais simptica possvel, se elaviesse realmente concretizar um melhoramento sensvel na situao at agora dominanteem So Paulo nesse setor. Porque, desgraadamente, chegamos a extremos de completadesorganizao em matria de transporte coletivo.... Editorial do Correio Paul istano,1.07.47.

    30 Uma charge do jornal Folha da Manhilustra bem o clima naqueles dias. Dois oper-rios, possivelmente funcionrios da CMTC, ambos trajando macaco, o primeiro segu-rando uma lata de tinta e um pincel, o segundo um martelo, diante de um bonde em fran-

    galhos, tm o seguinte dilogo:Osnovosbondes trafegaro at dezembro!, diz o primeiro.De que ano?, responde o segundo. O dilogo explicita a generalizada atmosfera de des-crdito e desconfiana em relao recm-criada CMTC. Folha da manh, 3.07.47,p.3.

    31Correio Paulistano, 12.07.47, p.12.

    32Correio Paulistano, 2.07.47, p.4.

    33O Estado de S. Paulo, 4.07.47,p.2.Os comentrios a seguir foram retirados dessa carta.

    34Hoje, 1.07.47,p.4.

    35 Do Jabaquara, por exemplo, escreveu o Sr. Mrio Miranda Rosa, presidente da Socieda-de Amigos da Cidade Comerciria, em nome dos moradores do bairro, contra a cobranade Cr$ 1,00 pelas passagens do nibus Avenida.Junto carta, o Sr. Mrio anexou uma c-pia do telegrama enviado Superintendncia da CMTC, protestando contra o que ele acre-ditava ser uma forma indevida de aumento da passagem e solicitando que todas as li-nhas do mesmo bair ro tivessem os mesmos preos. Outra carta protestava por causa daespera de 45 minutos pelos nibus da linha gua Rasa, e lamentava o aumento das tarifas.Vrias outras protestavam contra as enormes filas e a falta de nibus em todas as linhas daperiferia, que deveriam ter sido resolvidas antes do aumento das tarifas. Algumas protes-tavam contra a apreenso das carteiras de motoristas e a perseguio aos condutores deauto-lotao, sob a alegao de que faziam concorrncia com a CMTC.O Estado de S. Pau-lo, 3.07.47, p.7.

    36Correio Paulistano, 3.07.47, p.2.

    37O Estado de S. Paulo, 15.07.47,p.7.

    38Correio Paulistano, 31.07.47,p.2 (grifos meus).

    39 A primeira eleio para a Cmara Municipal depois do fim do Estado Novo s acontece-

    ria no ms de novembro.40A assemblia legislativa coerente com o ponto de vista anteriormente manifestado, vem

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    protestar contra o aumento das passagens de nibus e bondes ... Esta assemblia assimprocede porque no