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MAURO ALVES CORRÊA REVOLUÇÃO CULTURAL NO DIREITO: GRAMSCI E O DIREITO ALTERNATIVO Monografia apresentada à Banca examinadora da Universidade Católica de Brasília como exigência parcial para obtenção do grau de bacharelado em Direito. Orientador: Prof. M. Sc. Marcos Bemquerer. BRASÍLIA 2004

Revolucao Cultural no Direito - Gramsci e o Direito Alternativo - Mauro Alves Correa

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MAURO ALVES CORRÊA

REVOLUÇÃO CULTURAL NO DIREITO: GRAMSCI E O DIREITO ALTERNATIVO

Monografia apresentada à Banca examinadora da Universidade Católica de Brasília como exigência parcial para obtenção do grau de bacharelado em Direito. Orientador: Prof. M. Sc. Marcos Bemquerer.

BRASÍLIA

2004

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MAURO ALVES CORRÊA

REVOLUÇÃO CULTURAL NO DIREITO:

GRAMSCI E O DIREITO ALTERNATIVO Monografia apresentada à Banca examinadora da Universidade Católica de Brasília como exigência parcial para obtenção do grau de bacharelado em Direito sob a orientação do Professor M. Sc. Marcos Bemquerer.

Aprovada, com louvor, pelos membros da banca examinadora em 19 de novembro de

2004, com menção 10,0 (dez).

Presidente Prof. M. Sc. Marcos Bemquerer Universidade Católica de Brasília

Integrante Prof.ª Dr.ª Arinda Fernandes

Universidade Católica de Brasília

Integrante Prof. Dr. José Eduardo Sabo

Universidade Católica de Brasília

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Dedico a presente obra à Virgem do Bom Sucesso, de Quito, Equador....

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Agradeço ao Procurador-Chefe do Estado de Goiás em Brasília, Dr. Ronald Bicca, pelo apoio nesta reta final;

ao Professor Dr. Luiz Fernando Witacker Kitajima e Ricardo Dip pela revisão do texto;

e, pela orientação dispensada, ao Professor M.Sc. Marcos Bemquerer e Mário Jorge Panno.

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O erro capital na questão presente é crer que as duas classes são inimigas natas uma da outra. Como se a natureza tivesse armado ricos e pobres para se combaterem mutuamente num duelo obstinado (Leão XIII).

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RESUMO

CORRÊA, Mauro Alves. Revolução cultural no direito: Gramsci e o direito alternativo. 2004. 91 f. Trabalho de conclusão de curso (graduação). Faculdade de Direito, Universidade Católica de Brasília, Brasília, 2004.

Ao longo de dos últimos séculos, a sociedade ocidental foi corroída em seus princípios, por uma congérie de doutrinas. Um processo deletério do qual, hoje, se nos antolham conseqüências iniludíveis, tais como a dissolução moral e social, a luta de classes, e a instrumentalização das instituições tradicionais por interesses políticos e ideológicos. Antonio Gramsci concebeu novos métodos de ação revolucionária. Propugnava uma ofensiva psicológica de larga escala, destinada a reformar as mentalidades e eliminar o patrimônio cultural existente, para substituí-lo no imaginário popular, por um senso comum socialista. Assim, acreditava estar preparando remotamente o terreno para a tomada do poder. Essa estratégia fora acolhida pelas esquerdas esperançosas de imprimirem um novo impulso ao avanço de suas aspirações de domínio. O direito alternativo insere-se nessa girândola, incumbido de aplicar à seara do direito as estratégias gramscianas e dessa forma converter a esfera jurídica em um possante instrumento de revolução cultural, mais um meio de colaboração para tomada do poder.

Palavras-chave: direito, direito alternativo, uso alternativo do direito, sociedade civil, hegemonia, senso comum, tomada do poder, revolução, revolução cultural, processo revolucionário, Gramsci.

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ABSTRACT

CORRÊA, Mauro Alves. Revolução cultural no direito: Gramsci e o direito alternativo. 2004. 91 f. Trabalho de conclusão de curso (graduação). Faculdade de Direito, Universidade Católica de Brasília, Brasília, 2004.

Through the last centuries, the western society was corroded on its principles by a series of doctrines. It is a destructive process that shows unmistakable consequences, such as moral and social dissolution, the struggle among social classes and the explotation of traditional institutions by political and ideological interests. Antonio Gramsci conceived new methods of revoluctionary action. He proposed a large scale psychological offensive, in order to reform mentalities and eliminate the existant cultural heritage, and replace them in the popular thinking by a socialist common sense. Thus he believed that he was preparing remotely the terrain for a political power overtaking. This strategy was hosted by a left hopeful in imprint new impulse on their advance for the power domination. The alternative law inserts itself in this spinning wheel, with the incumbence of applying in the law field the Gramscian strategies and convert the law spheres in a powerful tool for cultural revolution and another way to seize the power.

Key words: law, alternative law, alternative usage of the law, civil society, hegemony, common sense, power overtaking, revolution, cultural revolution, revolutionary process, Gramsci.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO..................................................................................................................................10

CAPÍTULO 1 – DO PROCESSO REVOLUCIONÁRIO ..................................................................12

1.1 Das profundidades da Revolução ............................................................................................ 14 1.2 Do Humanismo e da Renascença ........................................................................................... 15 1.3 Das Três Revoluções: Protestante, Francesa e Comunista. ............................................ 18 1.4 Do fenecimento e das mudanças de rumo do processo revolucionário .......................26 1.5 O gramscismo e as esquerdas no Brasil ................................................................................27

CAPITULO 2 – DA REVOLUÇÃO CULTURAL GRAMSCIANA ...................................................31

2.1 Linhas gerais sobre a vida de Antonio Gramsci .................................................................. 31 2.2 Da diferenciação entre sociedades ocidentais e orientais ................................................33 2.3 Sociedade civil: arena da revolução cultural ........................................................................35 2.4 Da hegemonia................................................................................................................................ 37 2.5 Da distinção entre direção e domínio ....................................................................................39 2.6 Da reforma do senso comum ..................................................................................................... 41 2.7 Dos intelectuais orgânicos .........................................................................................................45 2.8 Liberdade e democracia em Gramsci ....................................................................................47

2.8.1 Do conceito de liberdade .....................................................................................................48 2.8.2 Da democracia radical, do socialismo democrático e do intermezzo democratico..................................................................................................................49

2.9 Gramsci e Maquiavel .................................................................................................................. 51 2.10 Considerações gerais.................................................................................................................52

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CAPÍTULO 3 – DA DESAGREGAÇÃO DA CONCEPÇÃO INTEGRAL DO DIREITO .............. 53

3.1 A concepção do direito na Idade Média................................................................................54 3.2 A hipertrofia da vontade em Scot e Ockam..........................................................................56 3.3 Um novo personagem: o legista ..............................................................................................57 3.4 A degenerescência representada por Maquiavel ................................................................57 3.5 O despotismo jurídico de Hobbes ..........................................................................................58 3.6 Influências da Revolução Protestante....................................................................................59 3.7 Grotius: o direito como fonte de si mesmo ..........................................................................60 3.8 A Escola moderna do Direito Natural ...................................................................................60 3.9 O contratualismo de Rousseau ................................................................................................ 61 3.10 O individualismo jurídico de Kant ........................................................................................62 3.11 A desjurisdização do direito ....................................................................................................63

CAPÍTULO 4 – DA REVOLUÇÃO CULTURAL NO DIREITO ................................................... 66

4.1 Um movimento de essência ideológica .................................................................................66

4.2 A razão do rótulo direito alternativo ......................................................................................68

4.3 O direito: importante intrumento a serviço da revolução ................................................70

4.4 A linguagem alternativista e as categorias gramscianas...................................................72

4.5 Sociedade civil: movimentos sociais e direito alternativo................................................72

4.6 Reforma do senso comum: alterar a noção do justo............................................................76

CONCLUSÃO ................................................................................................................................... 82

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ............................................................................................... 85

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INTRODUÇÃO

O número dos adeptos conscientes e declarados do gramscismo é pequeno, mas isto não impede que ele seja dominante. O gramscismo não é um partido político, que necessite de militantes inscritos e eleitores fiéis. É um conjunto de atitudes mentais, que pode estar presente em quem jamais ouviu falar de Antonio Gramsci, e que coloca o individuo numa posição tal perante o mundo que ele passa a colaborar com a estratégia gramsciana mesmo sem ter disto a menor consciência (Olavo de Carvalho).

O jornalista e filósofo Olavo de Carvalho e o professor Carlos Nelson

Coutinho têm se notabilizado nos meios intelectuais como profundos conhecedores da

estratégia revolucionária de Antonio Gramsci. Mesmo embora divergentes em seus

pontos de vista, ambos concordam com o fato de que as teorias engendradas pelo

ideólogo sardo vêm sendo aplicadas de forma bem sucedida no Brasil.

Não obstante, há uma parcela considerável da população instruída que sequer

faça idéia do tipo de assunto tratado por Gramsci. Nos meios jurídicos, o quadro não

é muito diferente, mas conta com a ressalva de um grupo que tem estudado a fundo a

estratégia gramsciana: os adeptos do direito alternativo.

Ao longo da década de 90 o Movimento do direito alternativo foi alvo de

acalorados debates, polêmicas e discussões. Objeto de simpatia e rejeição. Ainda hoje

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está cercado de inúmeras controvérsias, a respeito de sua essência, seus objetivos,

métodos. Adiciona-se agora a este mistifório mais um elemento: a aproximação de

Gramsci. Qual a justificativa dessa convergência?

No centro da teoria estratégica revolucionária proposta por Gramsci está a

idéia de realizar uma operação psicológica de grande envergadura. Que ao mesmo

tempo em que é sutil, também é dominadora, porque não deverá desprezar nenhuma

oportunidade, nenhuma aliança, nenhum canal de ação. Um recuo do debate aberto e

explícito, para a zona profunda da influência, em que as idéias são rebuçadas para

evitar possíveis reações. Gramsci afirma a necessidade de se amestrar o povo para o

socialismo antes mesmo da tomada do poder, por meio de uma revolução que seja

capaz suprimir o arcabouço cultural de uma sociedade e inserir em seu lugar um modo

de pensar, sentir e agir, que, além de não se opor, possa colaborar com o

estabelecimento do Estado socialista que se deseja implantar.

Por que os integrantes do direito alternativo se têm interessado tão vivamente

por essas idéias? Quereriam aplicá-las ao direito? Para descobri-lo, é que nos lançamos

à presente pesquisa. Gramsci dissera muito pouco a respeito do direito. Mas este fato

não afasta a possibilidade de existência de um movimento jurídico de índole

gramsciana. A razão é simples: ele era enfático em apresentar sua tática como total, ou

seja, todos os meios possíveis devem ser utilizados.

Cremos na necessidade de um perfeito embasamento histórico e filosófico

para situar no tempo e no espaço o advento da estratégia gramsciana. Por esse motivo

foi redigido o primeiro capítulo, o qual constituirá praticamente uma segunda

introdução. Só então, analisar-se-á um pouco mais detidamente o fundo da estratégia

de Antonio Gramsci – objeto do segundo capítulo; as influências doutrinárias de que o

direito foi objeto, nos últimos séculos – terceiro capítulo. Finalmente, no quarto

capítulo, é que se poderá investigar a possível tentativa de inserção do gramscismo no

direito, pelos partidários do direito alternativo.

Realizando esta modesta empresa, acreditamos estar contribuindo para que se

melhor conheça as idéias que circulam nos bastidores e movem os personagens deste

nosso cenário jurídico.

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Capítulo 1 DO PROCESSO REVOLUCIONÁRIO

As muitas crises que abalam o mundo hodierno – do Estado, da família, da economia, da cultura, etc. – não constituem senão múltiplos aspectos de uma só crise fundamental. Que tem como campo de ação o próprio homem (Plinio Corrêa de Oliveira).

SUMÁRIO: 1.1 Das profundidades da Revolução. 1.2 Do Humanismo e da Renascença. 1.3 Das três revoluções: Protestante, Francesa e Comunista. 1.4 Do fenecimento e das mudanças de rumo do processo revolucionário. 1.5 O gramscismo e as esquerdas no Brasil.

Vistos superficialmente, os acontecimentos dos nossos dias parecem um

emaranhado caótico e inextrincável, e de fato o são sob muitos aspectos. Algum

observador desatento pode ser levado a considerar que se trata de conturbações isoladas

e desconexas, de um conjunto de crises que se desenvolvem paralela e autonomamente

em cada país, ligadas entre si por algumas analogias mais ou menos relevantes.

Entretanto, podem-se discernir resultantes, profundamente coerentes e

vigorosas, da conjunção de tantas forças desvairadas, desde que estas sejam analisadas

a partir da perspectiva ampla de um processo histórico. Por essa razão, configura um

equívoco tratar da revolução cultural e de seus efeitos no mundo jurídico, como um

fato isolado, perdido e desprovido de causas remotas.

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Um traço essencial une o objeto da presente pesquisa a vários dos

acontecimentos históricos de grande relevância nos últimos séculos: a busca por uma

igualdade cada vez mais niveladora.

Essa tônica igualitária é que tem movido os grandes golpes que a civilização

ocidental sofreu nos últimos cinco séculos. Marcha igualitária de efeitos tão

avassaladores que, por exemplo, Aléxis de Tocqueville (1991), em várias de suas obras,

faz referência a esse processo igualitário, o qual ele considera inevitável.

Plinio Corrêa de Oliveira, professor catedrático de História Moderna e

Contemporânea da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, em sua obra

Revolução e Contra-Revolução, descreve, com admirável capacidade de síntese, os

grandes acontecimentos históricos a partir do fim da Idade Média, evidencia o seu

nexo de continuidade e diagnostica as origens do conjunto de crises hodierno, o qual

ele denomina “Revolução”. Afirma na introdução de seu livro:

A sua causa profunda é uma explosão de orgulho e sensualidade que inspirou – não seria certo dizer um sistema – mas toda uma cadeia de sistemas ideológicos. Da larga aceitação dada a estes no mundo inteiro, decorreram as três grandes revoluções da História do Ocidente: a Pseudo-Reforma, a Revolução Francesa e o Comunismo.

O orgulho leva ao ódio a toda superioridade, e, pois, à afirmação de que a desigualdade é em si mesma, em todos os planos, inclusive e principalmente nos planos metafísico e religioso, um mal. É o aspecto igualitário da Revolução.

A sensualidade, de si, tende a derrubar todas as barreiras. Ela não aceita freios e leva à revolta contra toda autoridade e toda lei, seja divina ou humana, eclesiástica ou civil. É o aspecto liberal da Revolução.

Ambos os aspectos, que têm em última análise um caráter metafísico, parecem contraditórios em muitas ocasiões, mas se conciliam na utopia marxista de um paraíso anárquico em que uma humanidade, altamente evoluída e “emancipada” de qualquer religião, vivesse em ordem profunda sem autoridade política, e em uma liberdade total da qual entretanto não decorresse qualquer desigualdade (CORRÊA DE OLIVEIRA, 1998, p.13-14).

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1.1 DAS PROFUNDIDADES DA REVOLUÇÃO

Esse processo é feito de etapas. Mas não deve ser visto como uma seqüência

toda fortuita de causas e efeitos, que se foram sucedendo de modo inesperado. Ele

não se compõe apenas de episódios sucessivos, atingindo o campo religioso, político,

social e econômico. Em sua marcha, o processo revolucionário apresenta

profundidades diversas, afetando as tendências, as idéias, e as instituições: Explica o

Prof. Corrêa de Oliveira (1998, p.39):

Podemos distinguir na Revolução três profundidades, que cronologicamente até certo ponto se interpenetram. A primeira, isto é, a mais profunda, consiste em uma crise nas tendências. Essas tendências desordenadas, que por sua própria natureza lutam por realizar-se, já não se conformando com toda uma ordem de coisas que lhes é contrária, começam por modificar as mentalidades, os modos de ser, as expressões artísticas e os costumes, sem desde logo tocar de modo direto – habitualmente, pelo menos – nas idéias.

Essa noção, de como a revolução nas tendências opera, será muito útil para

que se possa compreender especificamente a estratégia gramsciana. Com efeito,

Gramsci dedicou-se a disciplinar um método de ação que atuasse especialmente nessa

esfera. Bem consolidada a revolução tendencial, ter-se-ia pavimentado o caminho para

as etapas subseqüentes. Corrêa de Oliveira (Ibid.) explica como as realizações passarão

das tendências às idéias e aos fatos:

Dessas camadas profundas, a crise passa para o terreno ideológico. Com efeito – como Paul Bourget pôs em evidência em sua célebre obra le Démon du midi – “cumpre viver como se pensa, sob pena de mais cedo ou mais tarde, acabar por pensar como se viveu”. Assim, inspiradas pelo desregramento das tendências profundas, doutrinas novas eclodem. Elas procuram por vezes, de início, um modus vivendi com as antigas, e se exprimem de maneira a manter com estas um simulacro de harmonia que habitualmente não tarda em se romper em luta declarada.

Essa transformação das idéias estende-se, por sua vez, ao terreno dos fatos, onde passa a operar, por meios cruentos ou incruentos, a transformação das instituições, das leis e dos costumes, tanto na esfera religiosa, quanto na sociedade temporal.

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Essas três profundidades muitas vezes não se diferenciam nitidamente uma

das outras. Por isso, o autor afirma que em geral elas se interpenetram no tempo. Não

podendo, portanto, ser consideradas como uma escala cronológica do processo. Por

outro lado, a Revolução não é incoercível, ou seja, avançando em uma primeira etapa,

ela não alcançará a última necessariamente. Mas, inexistindo disposição de detê-la, por

parte de quem quer que seja, o processo tenderá a exasperar suas próprias causas:

Essas tendências desordenadas se desenvolvem como os pruridos e os vícios, isto é, à medida mesmo que se satisfazem, crescem em intensidade. As tendências produzem crises morais, doutrinas errôneas, e depois revoluções. Umas e outras, por sua vez, exacerbam as tendências. Estas últimas levam em seguida, e por um movimento análogo, a novas crises, novos erros, novas revoluções. É o que explica que nos encontremos hoje em tal paroxismo da impiedade e da imoralidade, bem como em tal abismo de desordens e discórdias. [...]

É que as paixões desordenadas, indo num crescendo análogo ao que produz a aceleração na lei da gravidade, e alimentando-se de suas próprias obras, acarretam conseqüências que, por sua vez, se desenvolvem segundo intensidade proporcional. E na mesma progressão os erros geram erros, e as revoluções abrem caminho umas para as outras (CORRÊA DE OLIVEIRA, 1998, p.44-45).

1.2 DO HUMANISMO E DA RENASCENÇA

O termo de início do processo revolucionário é a decadência da Cristandade

medieval. É no século XIV que já se começa a observar, na Europa cristã, uma

transformação de mentalidades que ao longo do século XV cresce cada vez mais em

nitidez. Daniel-Rops, pseudônimo do escritor Henry-Petiot, da Academia Francesa de

Letras, em sua obra A Igreja do Renascimento e da Reforma, aponta os sinais de

modificação progressiva da essência medieval:

As crises de autoridade e de unidade que a Cristandade conheceu durante os anos de transição do século XIV para o século XV não podem escapar a esta regra: é evidente que uma crise de espírito as explica e as comanda, e é essa mesma crise que dá aos seus dramas a

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sua verdadeira explicação.

Esta crise anunciava-se já desde há várias décadas. Mesmo no mundo cristão tão vigoroso e tão sólido do século XIII podiam já observar-se sinais precursores do declínio. E, a partir de 1350, tais sinais vão multiplicar-se. A crise afetará simultaneamente, no homem, a consciência, a inteligência e a sensibilidade. Aquela força de gravidade que tantas vezes, no decorrer dos séculos, puxou os batizados para baixo, de novo se exerce agora e arrasta as suas naturais conseqüências. Mas o pior é que já não há um Gregório VII, nem um São Bernardo, nem um São Domingos, nem um São Francisco de Assis para lançarem mão da alma oprimida e a forçarem a elevar-se de novo para o ideal. [...]

Estranha época é essa em que se realiza esta marcha para o abismo. [...] Em todos os domínios, tudo se modifica e tudo se desmembra; os sistemas opõem-se aos sistemas, os dogmatismos novos aos dogmatismos antigos, e o rigor das fórmulas dificilmente esconde a incerteza e a angústia. Tudo se torna, cada vez mais, presa duma dolorosa fermentação. É no plano posterior destes obscuros dramas dos espíritos e das almas que é preciso ver desenrolar-se as grandes cenas que a história reteve. (DANIEL-ROPS, 1962, p.131).

Com efeito, não poucos historiadores vislumbram nessa época o prelúdio de

todo o paulatino processo de transformações que viria posteriormente. O

Renascimento gerou uma série de disposições íntimas, que proporcionou uma

transição muito mais tendencial que ideológica. “Este novo estado de alma continha

um desejo possante, se bem que mais ou menos inconfessado, de uma ordem de

coisas fundamentalmente diversa da que chegara a seu apogeu nos séculos XII e XIII”

(CORRÊA DE OLIVEIRA, 1998, p.27).

Em todos os campos da vida operou-se uma profunda transformação, na qual

se manifestaram os mais rudes contrastes, de modo que o político e o social, a

literatura e a arte, e os próprios assuntos eclesiásticos achavam-se em estado de

fermentação que pressagiava a aurora de um novo período (PASTOR, 1905, v.5, p.49).

Não há dimensão da existência humana que se veja desafetada desse clima.

Nos trajes, nas maneiras, na linguagem, na literatura e na arte o anelo crescente por

uma vida cheia de deleites da fantasia e dos sentidos vai produzindo progressivas

manifestações de sensualidade e moleza. A procura e o culto da riqueza, o

nacionalismo, o amor ao luxo e à carne se estendem por todas as classes sociais

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(FAURE, 1969, p.9-10, 107). Tudo o que se observa é um contínuo deperecimento da

seriedade e da austeridade dos antigos tempos.

A cavalaria, uma das mais altas expressões da austeridade cristã, se torna

amorosa e sentimental. A figura feminina, a dama, é agora a sua motivação numa

época pacificada em que a maior preocupação está nas exibições em torneios. O ideal

cavalheiresco, que era servir a Deus, à Igreja, e àqueles a quem a desgraça perseguir, se

não foi totalmente esquecido, já não está muito na moda. A “defesa da justiça e do

direito”, trecho da oração rezada no dia da investidura de armas, tornara-se letra morta

(CLINCHAMPS, 1965, p.88-91).

Como não poderia deixar de ser, a intelectualidade não permanecera imune a

essa mentalidade nova:

Tal clima, penetrando nas esferas intelectuais, produziu claras manifestações de orgulho, como o gosto pelas disputas aparatosas e vazias, pelas argúcias inconsistentes, pelas exibições fátuas de erudição, e lisonjeou velhas tendências filosóficas, das quais triunfara a Escolástica, e que já agora, relaxado o antigo zelo pela integridade da Fé, renasciam em aspectos novos (CORRÊA DE OLIVEIRA, 1998, p.27).

“Procurando muitas vezes não colidir de frente com a velha tradição medieval,

o Humanismo e a Renascença tendera a relegar a Igreja, o sobrenatural, os valores

morais da Religião, a um segundo plano” (Ibid.). A admiração exarcebada pela

Antigüidade, que não raro beirava o ridículo, era apenas uma expressão do divórcio

entre a ordem medieval e as mentalidades e idéias agora imperantes. O escritor francês

Lucas-Dubreton (s.d., p.192-194) a esse respeito chegou a afirmar:

O que é verdade, é que, entre os humanistas e a Igreja, existe, se não oposição aberta, pelo menos aversão tácita. Os florentinos, defensores da Antigüidade, imaginam ter renovado a face do mundo, arrancado a filosofia às divagações dos escolásticos, mas na realidade, apenas andam à roda noutro círculo; enfiam palavras, multiplicam as apóstrofes, as citações, incham os períodos, só se preocupam com a forma e não contam com o fundo para nada; tudo é bom desde que cheire a grego ou latim. Tornaram-se escravos dos antigos, sujeitaram tão bem a liberdade da sua inteligência, que não somente não querem afirmar nada que seja contrário aos pontos de vista dos antigos, como ainda não ousam avançar seja o que for que não tenha sido dito por eles.

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A longa cadeia de pequenos degraus que compunham a trama harmoniosa do

tecido social começa a ser suprimida. A pluralidade de sistemas, a rica variedade das

relações políticas e sociais fundadas em altos valores filosóficos e religiosos, como o

senso hierárquico, as noções de hora e fidelidade, o respeito mútuo – tudo isso foi

dando lugar ao recrudescimento do poder real. Os legistas ressuscitam o direito

romano e difundem o ideal do príncipe legislador:

O absolutismo dos legistas, que se engalanavam com um conhecimento vaidoso do Direito Romano, encontrou em Príncipes ambiciosos um eco favorável. E pari passu foi-se extinguindo nos grandes e nos pequenos a fibra de outrora para conter o poder real nos legítimos limites vigentes nos dias de São Luís de França e de São Fernando de Castela.(CORRÊA DE OLIVEIRA, 1998, p.27)

O historiador alemão Wilhelm Oncken (1929, v.21, p.343), explica que essas

transformações se deram de maneira quase imperceptível. Não quer dizer com isso

que as mudanças fossem pequenas. O homem renascentista já não podia compreender

os modos de viver e de sentir da civilização medieval.

Essa crise, mesmo em seu início, já demonstra forças suficientes para gerar os

desencadeamentos que se lhes seguiram. O tipo humano, inspirado nos moralistas

pagãos, que aqueles movimentos introduziram como ideal na Europa, bem como a

cultura e a civilização coerentes com este tipo humano, já eram os legítimos

precursores do homem ganancioso, sensual, laico e pragmático de nossos dias, da

cultura e da civilização materialistas em que cada vez mais vamos imergindo (CORRÊA

DE OLIVEIRA, 1998, p.28).

1.3 DAS TRÊS REVOLUÇÕES: PROTESTANTE, FRANCESA E COMUNISTA.

O quadro histórico já não estava longe de um rompimento formal e declarado

com a tradição cristã. O movimento humanista, ao transpor os Alpes e espalhar-se

pela Alemanha, encontrou aí condições especiais que lhe deram um rumo diverso do

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verificado em outros lugares. Ali fermentavam desde muito tempo elementos de

revolta religiosa. Isso fez com que a ruptura do Humanismo e do Renascimento com a

tradição medieval, nos povos germânicos, derivasse em rompimento com a Igreja e o

Papado (ONCKEN, 1929, v.19, p.111).

Enquanto grassavam o paganismo e a amoralidade, estava ausente uma dessas

grandes personalidades capazes de interromper o colapso e retomar os rumos

originais. O resultado imediato foi a eclosão da Revolução Protestante.

Os esforços por uma Renascença cristã não lograram esmagar em seu germe os fatores de que resultou o triunfo paulatino do neopaganismo.

Em algumas partes da Europa, este se desenvolveu sem levar à apostasia formal. Importantes resistências se lhe opuseram. E mesmo quando ele se instalava nas almas, não lhes ousava pedir – de início pelo menos – uma formal ruptura com a Fé.

Mas em outros países ele investiu às escâncaras contra a Igreja. O orgulho e a sensualidade, em cuja satisfação está o prazer da vida pagã, suscitaram o protestantismo.

O orgulho deu origem ao espírito de dúvida, ao livre exame, à interpretação naturalista da Escritura. Produziu ele a insurreição contra a autoridade eclesiástica, expressa em todas as seitas pela negação do caráter monárquico da Igreja Universal, isto é, pela revolta contra o Papado. Algumas, mais radicais, negaram também o que se poderia chamar a alta aristocracia da Igreja, ou seja, os Bispos, seus Príncipes. Outras ainda negaram o próprio sacerdócio hierárquico, reduzindo-o a mera delegação do povo, único detentor verdadeiro do poder sacerdotal.

No plano moral, o triunfo da sensualidade no protestantismo se afirmou pela supressão do celibato eclesiástico e pela introdução do divórcio (CORRÊA DE OLIVEIRA, 1998, p.27-28).

A Revolta luterana, longe de ser meramente moral e religiosa, fez sentir seus

efeitos nos mais diversos campos. “No protestantismo nasceram algumas seitas, indo

mais longe, adotaram princípios que, se não se chamarem comunistas em todo o

sentido hodierno do termo, são pelo menos pré-comunistas” (Ibid., p.30).

O insuspeito historiador protestante Franz Funk-Brentano (1943, p.175) relata

a revolta luterana na Turíngia: liderado pelo Frade Thomaz Münzer, um bando de

mais de 300.000 homens armados começaram a tomar os bens dos conventos. A

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pilhagem se estendeu depois às propriedades leigas. 295 castelos e mosteiros foram

saqueados sob a ordem de se degolar todos os que se opusessem à partilha forçada.

“Que o alfanje, tinto de sangue, não tenha tempo de esfriar. Batei na bigorna: pink!

Ponk! Matai tudo!” (FUNK-BRENTANO, 1943, p.176 et seq.) – era um dos brados da

revolta. Mais tarde Lutero, “esse reformador, que continuamente tem o evangelho nos

lábios, não fala senão em degolar, torturar, incendiar, matar esses mesmos que sua

obra precipitou na rebelião. Vozes autorizadas atiravam-lhe rudemente em face que ele

era o causador da rebelião” (Ibid.). O mesmo Funk-Brentano (Ibid.) narra o desfecho

das perturbações:

Os historiadores calcularam aproximadamente em 100.000 o número de infelizes, que foram condenados à morte. Os fidalgotes vencedores achavam engraçado, pelo testemunho de um deles, divertir-se em jogar bola com cabeças de suas vítimas.

Lutero escrevia: “porque razão, pergunta-se, esmagar os camponeses com tal violência? – Que sejam todos mortos! Deus reconhecerá os inocentes, se os há entre eles” (Carta a Amsdorf, 30 de maio de 1525). “também em circunstâncias semelhantes não é o próprio Deus que, por nossas mãos, enforca, tortura, fulmina e decapita?”

A ação profunda do Humanismo e da Renascença entre os católicos não

cessou de se dilatar numa crescente cadeia de conseqüências, em toda a França.

Favorecida pelo enfraquecimento da piedade dos fiéis – ocasionado pelo jansenismo e pelos outros fermentos que o protestantismo do século XVI desgraçadamente deixara no Reino Cristianíssimo – tal ação teve por efeito no século XVIII uma dissolução quase geral dos costumes, um modo frívolo e brilhante de considerar as coisas, um endeusamento da vida terrena, que preparou o campo para a vitória gradual da irreligião. Dúvidas em relação à Igreja, negação da divindade de Cristo, deísmo, ateísmo incipiente foram as etapas dessa apostasia.

Profundamente afim com o protestantismo, herdeira dele e do neopaganismo renascentista, a Revolução Francesa realizou uma obra de todo em todo simétrica à Pseudo-Reforma. A Igreja Constitucional que ela, antes de naufragar no deísmo e no ateísmo, tentou fundar, era uma adaptação da Igreja da França ao espírito do protestantismo. E a obra política da Revolução Francesa não foi senão a transposição, para o âmbito do Estado, da “reforma” que as seitas protestantes mais radicais adotaram em matéria de organização eclesiástica:

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Revolta contra o Rei, simétrica à revolta contra o Papa;

Revolta da plebe contra os nobres, simétrica à revolta da “plebe” eclesiástica, isto é, dos fiéis, contra a “aristocracia” da Igreja, isto é, o Clero;

Afirmação da soberania popular, simétrica ao governo de certas seitas, em medida maior ou menor, pelos fiéis (CORRÊA DE OLIVEIRA,1998, p.29).

Igualdade, Liberdade, Fraternidade. “Sob influência destas idéias, os Estados-

gerais se abriram em 5 de maio de 1789. Não fizeram mais do que decretar uma

revolução que já estava completa. Desde este momento, começa uma história

aflitiva”[...] (CANTÚ, 1964, v.27, p.520).

Nem Ceres nem Marte, nem a economia nem a guerra, explicam o frenesi da guilhotina sob o Terror. Na Frase imortal do amigo de Danton, o jornalista Camille Desmoullin: os deuses tinham sede. [...] Com toda a sua retórica democrática, o fastígio do Terror se desenrola em pleno refluxo do povão, na hora cinzenta das “pequenas oligarquias do ativismo”. Quanto mais se vociferava em termos de “vontade geral”, mais o clube se substituía ao querer popular. [...]

A racionalização do Terror, nas mãos de Robespierre ou Saint-Just, tinha duas faces principais, a puritana e a messiânica. “A virtude sem a qual o terror é funesto, o terror sem o qual a virtude é inerme” (Robespierre). A premissa puritana do Terror jacobino era nada menos que a regeneração da humanidade pela virtude violenta. A hipertrofia do discurso da vontade: os obstáculos eram interpretados como uma conspiração do vício, nunca como algo radicado na natureza das coisas (MERQUIOR, 1989, p.21).

A pergunta de Robespierre “voulez-vous une Révolution sans revolution? ” nada

tinha de retórica. “Convertido em projeto sacralizado pela História, o processo

revolucionário prometia desde o início glorificar ou, no mínimo, justificar a violência

‘purificadora’. O expurgo e o massacre tornaram-se figuras revolucionárias

inexoráveis, para não dizer imprescindíveis” [grifo do autor] (Ibid.).

A Revolução Francesa, nos últimos esgares da sua fase mais cruenta – depois de ter quebrado as imagens e os altares, fechado as Igrejas, perseguido os ministros de Deus, destronado e executado o Rei e a Rainha, declarado abolida a nobreza, sujeitado à pena capital incontáveis membros desta, e atingido a sua meta de implantar um

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mundo novo em “tudo, já e para sempre” – estava a ponto de realizar o que muito caracteristicamente, escrevera um dos seus mais destacados precursores, Diderot: “As suas mãos, tecendo as entranhas do padre, fariam delas uma corda para [enforcar] o último dos reis” (CORRÊA DE OLIVEIRA, 1993, p.229).

Um dos ardis mais bem sucedidos da Revolução Francesa consistiu

precisamente em lançar na confusão muitos espíritos simples e desprevenidos,

rotulando com palavras honestas e até louváveis uma congérie monstruosa de erros

doutrinários e de acontecimentos criminosos.

Dessa forma, muitos desses espíritos “eram levados a admitir que as doutrinas

da Revolução Francesa eram boas na sua raiz, se bem que, na maior parte, os fatos

revolucionários hajam sido duramente reprováveis” (Ibid., p.228). Outros, entendiam

“que as doutrinas geradoras de tais fatos não podiam ser menos reprováveis do que

estes, deduzindo daí que a trilogia inculcada como síntese dessas doutrinas perversas

era, ela também, digna da mesma repulsa”. Corrêa de Oliveira (Ibid., p.228-229)

continua sua explanação:

O modo de considerar a Revolução distinguindo diversos matizes pressupõe, implícita ou explicitamente, que esta distinção só seja válida na apreciação do fenômeno revolucionário desde que se tome em conta que na mente até dos mais dulçorosos analistas deste, ao mesmo tempo em que havia reais desígnios de moderação, havia contraditoriamente indulgências inexplicáveis e por vezes até nítidas simpatias para com os crimes e os criminosos da Revolução.

Esta presença simultânea de pendores de moderação e de conivências revolucionárias na mentalidade do “moderados” e ao longo das diversas etapas da Revolução levou um dos mais fogosos apologistas do fenômeno revolucionário – Clemenceau – a esquivar as acusações de contraditória que daí lhe advinham afirmando sumariamente que “la Revolution est um bloc”, no qual fissuras e contradições não passariam de aparências.

Ou seja, a Revolução – fruto de uma miscelânea de propensões, doutrinas e programas – não pode ser louvada nem censurada se for identificada tão-só com um dos seus matizes ou etapas, em vez de considerá-la sob este aspecto de miscelânea que salta aos olhos.

Em 1845, é o próprio Marx que encontra um predecessor em Babeuf, nas

clássicas linhas da obra intitulada Sagrada Família:

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O movimento revolucionário que teve início em 1789 no Círculo Social, em que figuraram como representantes principais, em meio à sua evolução, Leclerc e Roux, e terminou sucumbindo logo com a conspiração de Babeuf, fizera florescer a ideologia comunista que Buonarroti, o amigo de Babeuf, reintroduziu na França depois da revolução de 1830. Tal idéia, desenvolvida em todas as suas conseqüências, constituiu o princípio do mundo moderno (apud FURET, 1989, p.191).

Assim, “da Revolução Francesa nasceu o movimento comunista de Babeuf. E

mais tarde, do espírito cada vez mais vivaz da Revolução, irromperam as escolas do

comunismo utópico do século XIX e o comunismo dito científico de Marx” (CORRÊA

DE OLIVEIRA, 1998, p.30):

Com a entrada em cena de Karl Marx, auxiliado por Engels, as correntes revolucionárias encontraram nas teorias de ambos uma sistematização filosófica e um método de análise para iniciar um processo que levasse a utopia à prática. Foi o chamado socialismo científico ou comunismo. Daí nasceu o movimento internacional para realizar a revolução socialista. De seu seio saíram os líderes do partido bolchevique russo que, com Lenine à cabeça, fizeram a revolução que transformaria a Rússia, a partir de 1917, na Meca do socialismo mundial. Em 1919 este movimento marxista teve sua primeira grande divisão. Aglutinara-se na Internacional Comunista, fundada pouco antes por Lenine, aqueles que aderiram à tese de tomada do poder pela violência, proposta pelo líder russo. Quem considerava impossível tomar o poder no Ocidente e derrubar a ordem capitalista vigente com a rapidez e a violência da revolução bolchevique, passaram a chamar-se simplesmente socialistas. Estava definida assim a Internacional Socialista, distinta da Internacional Comunista dirigida por Lenine. Anos mais tarde, o dirigente soviético Trotsky daria origem a uma terceira facção dentro do marxismo: foi a corrente anarco-bolchevique, que acusava Stálin de caminhar muito lentamente para a meta comunista, isto é, a utopia revolucionária. Meta que também é o objetivo das correntes anarquistas propriamente ditas, ou libertárias. Deste modo, socialistas, comunistas e anarquistas, compartindo uma origem doutrinária comum, mas se diferenciando nos métodos de ação, mantiveram-se unidos na aspiração de uma mesma meta final, radicalmente igualitária e libertária [grifo do autor] (SEDTFP – COVADONGA, 1988, p.143).

A Revolução vitoriosa na Rússia em 1917, ultrapassou todas as suas

predecessoras em perversidade. De lá ela se irradiou para um sem-número de nações

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em todos os cantos do planeta, alcançando uma cifra extraordinária de 100 milhões de

vítimas nos países em que se instalou. Número, aliás, minimizado, uma vez que tem

por base unicamente os registros oficiais de Moscou. O pesquisador Luis Dufaur

(2000, p.27), ao comentar o lançamento no Brasil do Livro Negro do Comunismo tece a

seguinte observação:

A erudição é esmagadora, e a realidade retratada, estarrecedora. Segundo os cálculos, o comunismo é responsável por cerca de 100 milhões de mortos. Só na China somam 63 milhões, e na Rússia 20 milhões. E isso apesar de os autores minimizarem as cifras. Exemplos: a Comissão sobre Repressão do governo russo concluiu que os bolchevistas mataram pelo menos 43 milhões de pessoas entre 1917 e 1953. Na Coréia do Norte, segundo a agência católica Zenit, o comunismo matou de fome 3,5 milhões, sete vezes mais do que os autores informam.

Courtois (apud DUFAUR, 2000, p.28), coordenador da equipe de antigos

militantes socialistas, responsáveis pelo levantamento histórico do Livro Negro do

Comunismo, explica que a emulação com a Revolução de 1789 é que moveu os

revolucionários vermelhos. Robespierre abriu o caminho, Lenine e Stálin lançaram-se

nele, os Khmers Vermelhos do Camboja bateram recordes genocidas. Para todos eles,

a utopia igualitária e libertária tudo justificava. Exterminar milhões não importava, em

sua opinião, porque assim nasceria um mundo novo, fraternal, para um homem novo

liberto da canga da hierarquia e da lei.

No Camboja, por exemplo, “os guerrilheiros vermelhos exterminaram mais de

um quarto da população nacional. Logo após a conquista da capital, Phnom Penh,

metade dos habitantes do país foi impelida para as estradas” (Ibid., p.30). Ninguém era

poupado:

Doentes, anciãos, feridos, ex-funcionários, militares, comerciantes, intelectuais, jornalistas eram chacinados no local. 41,9% dos habitantes da capital foram eliminados nessa ocasião. Para poupar bala ou por sadismo, matava-se com instrumentos contundentes (Ibid.).

Lindenberg (1999, p.54), explica que o fundamento essencial do movimento

socialista é a crença de que o conceito de igualdade em si mesmo é metafisicamente

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superior ao conceito de desigualdade. O autor mostra ainda que, “entre liberdade e

igualdade há uma contradição ‘in terminis ’ ”, porque subjacente ao conceito de

liberdade “está a manifestação de todas as diversidades inerentes à natureza humana

[...]. Na medida em que tal conceito de igualdade é coercivo, sugere-nos

implicitamente uma ação destinada a anular, à partida, todas as desigualdades entre

os homens.” (LINDENBERG, 1999, p.54). E assim, vêm à memória, a série de atos

perpetrados sob os totalitarismos tendentes a eliminar essas desigualdades. O próprio

Lindenberg (Ibid., p.55) comenta:

Consideramos oportuno relembrar por exemplo as imagens trágicas da ocupação do Cambodja pelos comunistas de Pol Pot, ou os excessos cometidos durante a Revolução Cultural Chinesa. São exemplos impressionantes do radicalismo marxista que revelam a face horrenda, mas no fundo verdadeira, da ideologia socialista, caracterizada pela aversão a tudo quanto é elevado, nobre, desigual. A humilhação trocista – a expressão não podia ser mais adequada – dos proprietários de terras, comerciantes, professores e profissionais na China, veio mostrar a um mundo atônito e horrorizado que o objetivo último da fúria revolucionária, não era o mero nivelamento social e econômico, mas sim uma total inversão de valores. Alguém com uma situação econômica superior era humilhado e aviltado com um castigo quid pro quo em função da sua condição social anterior.

Em toda essa lógica, o que estaria pela frente? Corrêa de Oliveira (1998, p.30)

arrisca vaticinar o panorama vindouro:

E o que de mais lógico? O deísmo tem como fruto normal o ateísmo. A sensualidade, revoltada contra os frágeis obstáculos do divórcio, tende por si mesma ao amor livre. O orgulho, inimigo de toda superioridade, haveria de investir contra a última desigualdade, isto é, a de fortunas. E assim, ébrio de sonhos de República Universal, de supressão de toda autoridade eclesiástica ou civil, de abolição de qualquer Igreja e, depois de uma ditadura operária de transição, também do próprio Estado, aí está o neobárbaro do século XX, produto mais recente e mais extremado do processo revolucionário.

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1.4 DO FENECIMENTO E DAS MUDANÇAS DE RUMO DO PROCESSO

REVOLUCIONÁRIO

Apesar de seu apogeu internacional, – tanto na extensão de seu domínio como

na expansão de sua doutrina – o comunismo começa a dar mostras de declínio no seu

poder persuasório e de proselitismo. Largos setores da opinião pública em todo o

Ocidente se tornam infensos à sua doutrinação explícita e categórica. Especialmente a

partir da segunda metade do século XX, vai tornando-se mais patente o decrescimento

do poder persuasivo da dialética e da propaganda comunista – integral e ostensiva

(CORRÊA DE OLIVEIRA, 1998, p.163-166).

A violência – método direto e fulminante, do qual os mentores do comunismo

esperavam obter, com o mínimo de riscos de fracasso, o máximo de resultados, no

mínimo de tempo – foi dando aos revolucionários vantagens cada vez menores.

Malogros sucessivos começavam a se acumular, como, por exemplo, o das guerrilhas

disseminadas por Cuba na América Latina (ROLLEMBERG, 2001.).

Tornava-se necessária uma mudança de estratégia. Começa então um

movimento de câmbio: mesmo embora nascido necessariamente da luta de classes, e

voltado por sua própria lógica interna para o uso da violência exercida por meio de

guerras e revoluções, o socialismo recua, dissimula seu rancor, utiliza-se do sorriso.

Não extingue a violência, mas a transfere do campo de operações do físico e palpável,

para o das atuações psicológicas impalpáveis. Seu objetivo: “alcançar, no interior das

almas, por etapas e invisivelmente, a vitória que certas circunstâncias lhe estavam

impedindo conquistar de modo drástico e visível, segundo os métodos clássicos”

(CORRÊA DE OLIVEIRA, 1998, p. 163).

Essa mudança de método tem um marco simbólico: a rebelião estudantil da

Sorbone, em maio de 1968. É a partir de então que numerosos autores socialistas e

marxistas em geral passaram a reconhecer a necessidade de uma forma de revolução

prévia às transformações políticas e sócio-econômicas, que operasse na vida cotidiana,

nos modos de ser, de sentir e de viver (LOPES; URETA, 2002, passim). O Prof. Plinio

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Corrêa de Oliveira (1998, p.164) mostra os traços essenciais desse novo modo de agir:

Esta revolução, preponderantemente psicológica e tendencial, é uma etapa indispensável para se chegar à mudança de mentalidade que tornaria possível a implantação da utopia igualitária, pois, sem tal preparação, a transformação revolucionária e as conseqüentes “mudanças de estrutura” tornar-se-iam efêmeras.

As esquerdas começam a perceber em Gramsci um potencial renovador de

sua estratégia. Suas idéias, em princípio limitadas a restritos círculos locais italianos, só

alcançam difusão na própria Itália, mais de dez anos após a seu falecimento, quando

Palmiro Togliati terminou o projeto de organização temática dos Cadernos do Cárcere,

em seis volumes que foram publicados sucessivamente entre 1948 e 1950 (AVELLAR

COUTINHO, 2002, p.15).

Entretanto, as novas proposições não repercutiram largamente desde logo.

Grande parte dos meios revolucionários ainda estava inebriada do desejo de uma

revolução armada ao estilo da de Outubro de 1917. Empecilhos de ordem prática

proporcionaram que, nas mais variadas partes do ocidente, a idéia de uma revolução

gradual fosse adotada em substituição aos artifícios até então utilizados (os quais não

foram inteiramente abandonados; veja-se, nesse sentido, o exemplo colombiano).

1.5 O GRAMSCISMO E AS ESQUERDAS NO BRASIL

No Brasil, as primeiras iniciativas para a publicação de uma tradução dos

Cadernos do Cárcere têm início em 1962, mas só em 1966 e 1968 foram publicados

quatro dos seis volumes da edição temática italiana. “Reeditados no final da década de

1970, foi esta publicação que introduziu Gramsci à intelectualidade do país, ‘uma

contribuição muito importante para a formação de um novo espírito revolucionário da

esquerda brasileira ’ ” [grifo do autor] (Ibid.).

Essa obra foi muito lida, mas, numa atmosfera em que dominava a obsessão

pela tomada violenta do poder, não exerceu influência prática imediata (CARVALHO,

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O., 1994, p.44). Seu potencial ficou retido até a derrota da luta armada, que provocou,

como não poderia deixar de ser, um impulso generalizado às teses do combate pacífico

e aliancista.

Em busca de uma estratégia pela qual se orientar, não sendo capaz de criar

uma nova e não encontrando no repertório mundial uma outra à sua disposição,

restou àqueles desejosos de realizar uma revolução, aderir a Gramsci. Fizeram-no

“quase que por automatismo, sonambulicamente, levados pela carência de opções”

(CARVALHO, O., 1994, p.44).

Um dos acontecimentos mais significativos no cenário político e da história

nacional nos últimos tempos foi “a conversão formal ou informal, consciente ou

inconsciente da intelectualidade de esquerda à estratégia de Antonio Gramsci” (Ibid.,

p.18). O filósofo e articulista Olavo de Carvalho (Ibid., p.17) relata, em que

circunstâncias ocorreu essa guinada:

A geração, derrotada pela ditadura militar, abandonou os sonhos de chegar ao poder pela luta armada e se dedicou, em silêncio, a uma revisão de sua estratégia, à luz dos ensinamentos de Antonio Gramsci. O que Gramsci lhe ensinou foi abdicar do radicalismo ostensivo para ampliar a margem de alianças; foi renunciar à pureza dos esquemas ideológicos aparentes para ganhar eficiência na arte de aliciar e comprometer; foi recuar do combate político direto para a zona mais profunda da sabotagem psicológica. Com Gramsci ela aprendeu que uma revolução da mente deve preceder uma revolução política; que é mais importante solapar as bases morais e culturais do adversário do que ganhar votos; que um colaborador inconsciente e sem compromisso, de cujas ações o partido jamais possa ser responsabilizado, vale mais que mil militantes inscritos. Com Gramsci ela aprendeu uma estratégia tão vasta em sua abrangência, tão sutil em seus meios, tão complexa e quase contraditória em sua pluralidade simultânea de canais de ação, que é praticamente impossível o adversário mesmo não acabar colaborando com ela de algum modo, tecendo, como profetizou Lênin, a corda com que será enforcado.

É possível de se afirmar que o marco da adoção oficial e definitiva de Gramsci

pelas esquerdas no Brasil foi a desmoronamento da Cortina de Ferro. Entretanto, não

nos interessa a discussão a respeito do momento em que a aceitação de Gramsci

torna-se generalizada. O fato é que os mais diversos autores estudiosos do tema,

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adeptos ou não do pensamento gramsciano, são praticamente unânimes em

reconhecer, na atualidade brasileira, a adesão das esquerdas às idéias do ideólogo

italiano. Carlos Nelson Coutinho, professor titular de Teoria Política na Universidade

Federal do Rio de Janeiro e vice-presidente da International Gramsci Society (IGS) por

exemplo, afirma:

Começa a emergir também no Brasil uma esquerda moderna, disseminada em diferentes partidos e organizações, mas que tem em comum o fato de ter assimilado uma lição essencial da estratégia gramsciana: o objetivo das forças populares é a conquista da hegemonia, no curso de uma difícil e prolongada “guerra de posições”. Ora, no caso brasileiro, isso significa que a consolidação da democracia pluralista [...], deve ser considerado ponto de partida e, ao mesmo tempo, condição permanente de nosso caminho para um socialismo democrático [ver item 2.7.2, infra] [grifo do autor] (COUTINHO, 1999, p.218).

Gramsci está atualíssimo no cenário nacional. Presume-se de que, para cada

três teses acadêmico-educacionais, uma faz referência ao pensador sardo (TAVARES DE

JESUS, 1989, p.14). “Mas Gramsci está na moda também fora da academia, sendo

reivindicado intensamente no espaço político partidário” (ARRUDA JÚNIOR, 1995b,

p.29). A esse respeito, diz bastante a declaração abaixo, recolhida da página principal

do site Gramsci e o Brasil dedicado ao pensamento gramsciano e organizado por

nomes como o do Prof. Carlos Nelson Coutinho:

Depois da queda de todos os muros, descobrimos que Gramsci está vivo. Ficamos ainda mais convencidos de que o Brasil é um enorme laboratório político, no qual as categorias gramscianas – e da esquerda em geral – devem voltar a mostrar sua força analítica e seu poder de convencimento (COUTINHO; HERIQUES; NOGUEIRA, 2004).

A afirmação não é de pouca relevância. Indica um rumo, uma direção já

adotada de forma assaz ampla nos cenários intelectual e político pátrios. Digna de

passagem é a opinião de Carvalho (1994, p.18-19) concernente a esse fato:

[...] O Brasil, de fato, tem um descompasso crônico em relação ao tempo da História universal. O reconhecimento mundial da débâcle do comunismo ecoou neste país – paradoxalmente, segundo a lógica humana, mas coerente, segundo a linha constante da História nacional – como um toque de esperança: chegou a nossa vez de

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conquistar aquilo que já ninguém mais quer.

[...] A geração que atingiu a idade adulta no momento em que a ditadura fechava as portas de acesso à vida política está agora com cinqüenta anos. Ao longo dos últimos trinta ela esperou, planejou, [...] e, sobretudo, leu muito Antônio Gramsci. Que a Revolução socialista já tenha mostrado ao mundo sua verdadeira face, que ela já tenha provado cabalmente que não vale a pena, isto pouco interessa. A geração dos guerrilheiros fará o que longamente se preparou para fazer. Pouco importa que, pelo relógio do mundo, tenha passado a hora [grifo do autor].

Edmundo Lima de Arruda Júnior (1995c, p.8), um dos corifeus do

alternativismo jurídico, na apresentação da obra que leva o sugestivo título Gramsci:

Estado, direito e sociedade, afirma estar convencido “de que o marxismo deve ser

revisto, não substituído. Deve ser atualizado, não abolido”. Adiante, esclarece que isso

significa ter o marxismo “como fonte de inspiração e horizonte para ações práticas, e

[para alcançar tal escopo] nada mais vigoroso que o aporte da filosofia da praxis de

Antonio Gramsci” [grifo do autor]. Por fim, confiante na eficácia da estratégia

gramsciana, o autor propõe uma difusão mais acelerada do pensamento de Gramsci

junto ao público jurídico. A essa aplicação do gramscismo no direito, nos dedicaremos

mais adiante.

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Capítulo 2 DA REVOLUÇÃO CULTURAL

GRAMSCIANA

O gramscismo propõe uma revolução cultural que subverta todos os critérios admitidos do conhecimento, instaurando em seu lugar um “historicismo absoluto”, no qual a função da inteligência e da cultura já não seja captar a verdade objetiva, mas “expressar” a crença coletiva, colocada assim fora e acima da distinção entre verdadeiro e falso (Olavo de Carvalho).

SUMÁRIO: 2.1 Linhas gerais sobre a vida de Antonio Gramsci. 2.2 Da diferenciação entre sociedades ocidentais e orientais. 2.3 Sociedade civil: arena da revolução cultural. 2.4 Da hegemonia. 2.5 Da distinção entre direção e domínio. 2.6 Da reforma do senso comum. 2.7 Dos intelectuais orgânicos. 2.8 Liberdade e democracia em Gramsci. 2.8.1 Do conceito de liberdade. 2.8.2 Da democracia radical, do socialismo democrático e do intermezzo democratico. 2.9 Gramsci e Maquiavel. 2.10 Considerações gerais.

2.1 LINHAS GERAIS SOBRE A VIDA DE ANTONIO GRAMSCI

De acordo com dados colhidos do prólogo da obra de Avellar Coutinho

(2002, p.13-16) A Revolução Gramscista no Ocidente, Antonio Gramsci (1891-1937),

marxista e intelectual italiano, foi na sua mocidade socialista revolucionário e membro

do Partido Socialista Italiano, no seio do qual fez sua iniciação ideológica. Fez-se

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imediato simpatizante da revolução bolchevista de 1917. Em dezembro de 1920

participou do congresso que constituiu a fração comunista do Partido Socialista

Italiano e já em janeiro de 1921, os delegados dessa facção decidiram fundar o Partido

Comunista Italiano. Gramsci, um dos fundadores, vem a fazer parte do Comitê

Central do recém criado partido.

Em outubro de 1922, o PCI entra na ilegalidade, ocorrendo a prisão de vários

dirigentes do partido. Gramsci se encontrava então em Moscou, escapando de ser

detido. Entre 1923 e 1926, apesar das condições adversas na Itália, Gramsci

desenvolveu intensa atividade política no país e na Europa até quando, em novembro

de 1926, os fascistas endureceram o regime a pretexto de um alegado atentado contra

a vida de Mussolini. Na execução de “Medidas Excepcionais”, Gramsci é preso e

processado do que resultou sua condenação, em junho de 1928, a mais de 20 anos de

reclusão.

Apesar do rigor da Casa Penal de Turim, para onde finalmente fora mandado

para cumprimento de pena, o prisioneiro veio a conseguir cela individual (tendo em

vista a sua frágil saúde) e recebeu permissão para escrever e fazer leitura regularmente.

A partir dos primeiros meses de 1929, Gramsci começa a redigir suas primeiras notas e

apontamentos que vieram a encher, no transcorrer de seis anos, trinta e três cadernos

do tipo escolar. Escreveu até 1935, enquanto sua saúde o permitiu.

Não se tratava de um diário, mas de anotações que abrangiam os mais

variados assuntos: exercícios de tradução, Filosofia, Sociologia, Política, Pedagogia,

Geopolítica, crítica literária e comentários de diversificados temas. O trabalho não

segue um esquema prévio, ao contrário, os temas são apresentados fragmentariamente

e sem seqüência lógica, algumas vezes reescritos ou retomados de forma melhorada e

ampliada. Apesar disso, há enorme coerência ao longo dos escritos.

A redação dos cadernos foi interrompida em 1935, quando o precário estado

de saúde de Gramsci se agravou, do que resultou a sua transferência para clínicas

médicas onde pôde tratar-se em liberdade condicional. Em abril de 1937, já em fase

final de vida, lhe é concedida a plena liberdade, recurso de que se vale o regime fascista

para que o líder comunista não viesse a morrer na prisão, tornando-se um mártir.

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Após sua morte, Tatiana Schucht, sua cunhada e destinatária de

correspondência no período de prisão, remeteu os Cadernos para Moscou, onde

chegaram às mãos de Palmiro Togliati, líder comunista italiano que se tornou o

responsável pela primeira edição dos Cadernos.

2.2 DA DIFERENCIAÇÃO ENTRE SOCIEDADES OCIDENTAIS E ORIENTAIS

A formulação gramsciana nasce da constatação do fato de que a estratégia

marxista-leninista de tomada do poder, vitoriosa na Rússia, “não obteve êxito nos

países europeus (entre 1921 e 1923 na Alemanha, Polônia, Hungria, Estônia e

Bulgária) de economia capitalista e sociedade democrática” (AVELLAR COUTINHO,

2002, p.19; GRAMSCI, 2000, v.3, p.24). As próprias dificuldades de êxito da Revolução

Russa também serviriam de inspiração para Gramsci:

Gramsci estava particularmente impressionado com a violência das guerras que o governo revolucionário da Rússia tivera de empreen-der para submeter ao comunismo as massas recalcitrantes, apegadas aos valores e praxes de uma velha cultura. A resistência de um povo arraigadamente religioso e conservador a um regime que se afirmava destinado a beneficiá-lo colocou em risco a estabilidade do governo soviético durante quase uma década [...] (CARVALHO, O., 1994, p.36).

Isso o levou a criar uma distinção entre sociedades orientais e ocidentais.

Denominação que não têm propriamente significado geográfico, mas relação com o

estágio de avanço político, econômico e social em que se encontram os países. Essa

diferenciação permitiu lhe responder à questão do malogro da revolução nos países

ocidentais:

Esse fracasso ocorreu, supõe Gramsci, porque não se levou na devida conta a diferença estrutural que existe entre, por um lado, as formações sociais do “Oriente” (entre as quais se inclui a da Rússia czarista), caracterizadas pela debilidade da sociedade civil em contraste com o predomínio quase absoluto do Estado-coerção; e, por outro, as formações sociais do “Ocidente”, onde se dá uma relação mais equilibrada entre sociedade civil e sociedade política, ou

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seja, onde se realizou concretamente a “ampliação” do Estado (COUTINHO, 1999, p.147).

Tendo em vista essas diferenças, Gramsci (2000, v.3, p.255-256) identifica

como guerra de posição, o conjunto de estratégias a serem seguidas em um processo

revolucionário eficaz nas sociedades ocidentais. Diferente da guerra de movimento

termo utilizado para designar o método clássico de assalto ao poder, adequado às

sociedades orientais:

O ataque frontal ao Estado para a tomada imediata do poder, com o emprego da violência revolucionária, foi comparada por Gramsci à “guerra de movimento”. É a concepção estratégica leninista que teve êxito na Rússia em 1917 e que se tornou o modelo revolucionário universal da Internacional Comunista Soviética. Esta estratégia teve êxito em países de tipo oriental (Rússia em 1917) e fracassou em outros de tipo Ocidental (Alemanha em 1923).

Para as sociedades do tipo ocidental, mais complexas e protegidas por forte sistema de “trincheiras” e de “defesas políticas e ideológicas”, a “guerra de movimento” não se mostrara adequada. Nestas sociedades, a luta teria que ser semelhante à “guerra de posição”, longa e obstinada, conduzida no seio da sociedade civil para conquistar cada “trincheira” e cada defesa da classe dominante burguesa. [...]

Esta visualização estratégico-militar transposta para a política, Gramsci foi buscar na experiência da Primeira Guerra Mundial de recente e marcante lembrança, em que as operações, diante do equilíbrio de forças, evoluíram para a desgastante guerra de trincheiras que só seria decidida pela exaustão física e moral de um dos contendores [grifo nosso] (AVELLAR COUTINHO, 2002, p.34).

A grande invenção contida na concepção revolucionária da guerra de posições,

está na mudança da direção estratégica da tomada do poder. O eixo do plano de ação

consiste em preparar remotamente as mentalidades para a aceitação das mudanças

futuras, ou nas palavras de Olavo de Carvalho (1994, p.37):

Amestrar o povo para o socialismo antes de fazer a revolução. Fazer com que todos pensassem, sentissem e agissem como membros de um Estado comunista enquanto ainda vivendo num quadro externo capitalista. Assim, quando viesse o comunismo, as resistências possíveis já estariam neutralizadas de antemão e todo mundo aceitaria o novo regime com a maior naturalidade.

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Há nesse processo idealizado pelo italiano um significativo distanciamento de

qualquer método de implantação do socialismo que existisse até então:

A estratégia de Gramsci virava de cabeça para baixo a fórmula leninista, na qual uma vanguarda organizadíssima e armada tomava o poder pela força, autonomeando-se representante do proletariado e somente depois tratando de persuadir os [...] proletários de que eles, sem ter disto a menor suspeita, haviam sido os autores da revolução.(CARVALHO, O., 1994, p.37).

Em vez de realizar o assalto direto ao Estado e tomar imediatamente o poder como na concepção de Lenine, “guerra de movimento”, a sua manobra é de envolvimento, designando a sociedade civil como primeiro objetivo a conquistar, ou melhor, a dominar. Isto será feito predominantemente pela guerra psicológica ou penetração cultural para minar e neutralizar as “trincheiras” e defesas da sociedade e do Estado “burgueses”.

Nesta longa luta de desgaste se incluem a neutralização do aparelho de hegemonia da burguesia e do aparelho de coerção estatal e a superação psicológica, intelectual e moral das classes subalternas e das classes burguesas, fazendo-as aceitar (ou se conformar) a transição para o socialismo como coisa natural, evolutiva e democrática [grifo nosso] (AVELLAR COUTINHO, 2002, p.38)

2.3 SOCIEDADE CIVIL: ARENA DA REVOLUÇÃO CULTURAL

Ao definir seu método revolucionário, Gramsci põe no centro da análise a idéia

de “transição como processo” (COUTINHO, 1999, p.135; GRAMSCI, 2000, v.3, p.354). O

palco de realização desse processo é o que autor italiano classificou de sociedade civil.

Avellar Coutinho (2002, p.20) explica que “o entendimento gramsciano de

sociedade civil não deve ser confundido com a concepção jurídica comum de

associação ou entidade que não tem por objeto atos de comércio, em oposição à

sociedade comercial”.

Poderia parecer à primeira vista, que sociedade civil seria a soma dos cidadãos

em um determinado país. Não se trata disso. Na concepção gramsciana, ela é

composta por todos “os organismos de participação política aos quais se adere

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voluntariamente (e, por isso, são ‘privados’)” (AVELLAR COUTINHO, 2002, p.125).

Gramsci entende que todas essas instituições têm um nexo qualquer com a elaboração

e a difusão da cultura (BOBBIO, 1999, p. 68). Dito de outra forma:

São os organismos sociais coletivos voluntários, relativamente autônomos ante a sociedade política (Estado) como, por exemplo clubes, sindicatos, corporações, partidos, Igrejas, órgãos de comunicação de massa, editora, expressões artísticas, movimentos populares, sociais etc (AVELLAR COUTINHO, 2002, p.22).

O grupo social que exerce a hegemonia no âmbito da sociedade civil (classe

dirigente) pode ser a burguesia dominante na fase histórica econômico-corporativa do

país (para Marx, sociedade burguesa), ou as classes subalternas que se tornaram

sujeitos ativos e organizados e que conquistaram a hegemonia sobre a inteira sociedade,

subtraindo-se da influência da burguesia (Ibid., p.20).

É no interior da sociedade civil – e através dela – que o grupo revolucionário

promoverá uma longa batalha pela conquista da hegemonia (Ibid., p.135). E sua

importância está no fato de que ela é a arena mesma da luta de classes:

A luta de classes se desenvolve na sociedade civil e com ela se busca a eliminação da burguesia e do estado liberal-democrático (ou da ditadura totalitária) porque este sistema representa a sociedade fundada na divisão de classes.

Em última instância, o objetivo será o fim do estado e da própria classe na sociedade comunista.

A luta de classes para Gramsci tem dois momentos importantes:

– A conquista da hegemonia das classes subalternas sobre a inteira sociedade civil;

– A destruição ou absorção da burguesia eliminando-a como classe [...] (Ibid., p.28).

As classes em confronto, a burguesia e proletariado, receberam novas bases de

composição. Fala-se em um proletariado ampliado, do qual, por exemplo, um

homossexual milionário, ativista de seus direitos, poderá ser representante, com muito

mais legitimidade inclusive, que um operário avesso a agitações.

Gramsci, por um lado, assumiu as lutas do que ele denominou de classes

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subalternas, em cuja composição entram muitos outros elementos além do proletariado

a que Marx se dirigia. Ofensivas antipatriarcais do feminismo, a defesa de pseudo-

direitos das minorias sexuais, a promoção de estilos de vida alternativos, a liberalização

da droga, a defesa da legitimidade do banditismo como protesto social; enfim, as causas

de todos os chamados excluídos, aos quais Marx denominava de lumpen proletariat e

desaconselhava veementemente a aproximação com tais elementos (CARVALHO, O.,

1994, p.44.; AVELLAR COUTINHO, 2002, p.29; LOPES; URETA, 2002 p.39).

Por outro, incluiu sob a designação de burguesia uma mixórdia bem variada de

setores da sociedade designados por ele como classe média. Entram nessa classificação

“ ‘camadas intelectuais, os profissionais liberais empregados’ (pequena e média

burguesia). A classe média alta corresponde à burguesia capitalista e aos executivos

empresariais, não-empregados. A classe média é o ‘não-povo’ ” [grifo do autor]

(AVELLAR COUTINHO, 2002, p.29).

2.4 DA HEGEMONIA

É interessante observar que os termos hegemonia e sociedade civil aparecem

sempre juntos. Este é mais um dos pontos em que cabe uma reflexão mais detida.

Resta então esclarecer: em que consiste essa hegemonia a ser conquistada? De antemão,

podemos dizer que se trata de um dos conceitos fundamentais explicitados por

Gramsci (BOBBIO, 1999, p.65).

A luta pela hegemonia é a visão atualizada que Gramsci tem de um momento da luta de classes. Mas é importante reconhecer que não se trata de um processo reformista, mas de um processo trans-formador, revolucionário, conduzido numa longa e original transição para o socialismo [grifo nosso] (AVELLAR COUTINHO, 2002, p.28).

Segundo Gramsci (apud COUTINHO, 1999, p.154), “um grupo social pode e

mesmo deve ser dirigente já antes de conquistar o poder governamental (é essa uma

das condições principais para a própria conquista do poder)”.

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Avellar Coutinho (2002, p.22) resume o entendimento gramsciano de

hegemonia como “condição ou capacidade de influência e de direção política e cultural

que, por intermédio de organismos sociais voluntários, um grupo social exerce sobre

[o restante da] sociedade civil [...]”. A vanguarda empenhada em fazer a revolução

deverá adquirir paulatinamente essa supremacia. Ou, em outras palavras, “conquistar

progressivamente para si a hegemonia” (COUTINHO,1999, p. 155).

Avellar Coutinho (2002, p.22) explica que essa conquista progressiva do

exercício da hegemonia ocorre em três planos distintos:

A hegemonia é exercida em três esferas diferentes, simultaneamente, embora em graus diferentes em cada etapa da luta pela hegemonia. Primeiramente, a de um grupo social sobre a inteira sociedade civil, disputando-a com o grupo dominante.

Depois, a da sociedade civil, “já conquistada” sobre a sociedade política, influindo sobre ela pela direção política e cultural. Finalmente, a do partido sobre todo o processo revolucionário, inclusive sobre outros partidos e organizações políticas e privadas de hegemonia.

A hegemonia é portanto uma etapa necessária e preparatória para a obtenção

do poder. A sua conquista pelas classes subalternas (retirando-a das mãos da classe

dominante no seio da sociedade civil) e a formação do consenso (livre da coerção) são o

centro da concepção estratégica gramscista de transição para o socialismo, significando

construir as bases do socialismo, mesmo antes de tomar o poder.

Na construção da hegemonia não se desprezará as alianças e colaborações

com elementos centristas. Gramsci (apud COUTINHO, 1999, p.56-57) afirma:

Para vencer nosso inimigo de classe, que é poderoso, que tem muitos meios e reservas à sua disposição, devemos aproveitar qualquer rusga em seu seio e devemos utilizar todo aliado possível, ainda que incerto, vacilante e provisório.

[...] Na guerra dos exércitos, não se pode atingir o fim estratégico, que é a destruição do inimigo e a ocupação de seu território, sem ter atingido antes uma série de objetivos táticos tendentes a desagregar o inimigo antes de enfrentá-lo em campo aberto.

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2.5 DA DISTINÇÃO ENTRE DIREÇÃO E DOMÍNIO

Há uma distinção que se não pode desconsiderar: a que Gramsci faz entre

dominar e dirigir. Os detentores da hegemonia exercem o poder de direção. Este último

difere substancialmente do poder de domínio ou controle. Avellar Coutinho (2002, p.23)

explica que classe dominante é aquela que detém o poder, exercendo o domínio e a

coerção por intermédio da sociedade política. Ao passo que, grupo dirigente ou

hegemônico é aquele que tem a hegemonia, ou seja que tem capacidade de influir e de

orientar a ação política, sem uso da coerção.

Gramsci (apud COUTINHO, 1999, p.130) em seus Cadernos esclarece que a

supremacia de um grupo social manifesta-se de dois modos:

Como “domínio” [coerção] e como “direção intelectual e moral” [hegemonia]. Um grupo social é dominante dos grupos adversários que tende a “liquidar” ou submeter também mediante a força armada; e é dirigente dos grupos afins ou aliados.

Em circunstâncias históricas estáveis, o grupo dominante é também dirigente. O

aparelho de coerção estatal (sociedade política) é o instrumento legal do grupo

dominante que assegura a conformidade social e política daqueles que dissentem e

que, por ação ou omissão, podem gerar uma crise de comando ou de direção

(AVELLAR COUTINHO, 2002, p.23).

Daí decorre a idéia de Estado para Gramsci: como articulação da sociedade

política (Estado em sentido estrito) com a sociedade civil (organizada) exercendo

concomitantemente as funções de dominação (poder pela força) e direção (poder

consentido). Este é o fundamento do Estado ampliado.

Olavo de Carvalho (1994, p.37) também reconhece a importância da distinção

gramsciana entre as duas espécies de poder. Acredita que não se trata apenas de uma

conceituação abstrata, mas de um dos fundamentos da estratégia de tomada do poder:

[O domínio é o poder] sobre o aparelho de Estado, sobre a administração, o exército e a polícia. A hegemonia é o domínio psicológico sobre a multidão. A revolução leninista tomava o poder

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para estabelecer a hegemonia. O gramscismo conquista a hegemonia para ser levado ao poder suavemente, imperceptivelmente.Não é preciso dizer que o poder, fundado numa hegemonia prévia, é poder absoluto e incontestável: domina ao mesmo tempo pela força bruta e pelo consentimento popular – aquela forma profunda e irrevogável de consentimento que se assenta na força do hábito, principalmente dos automatismos mentais adquiridos que uma longa repetição torna inconscientes e coloca fora do alcance da discussão e da crítica. O governo revolucionário leninista reprime pela violência as idéias adversas. O gramscismo espera chegar ao poder quando já não houver mais idéias adversas no repertório mental do povo.

O Prof. Carlos Nelson Coutinho (1999, p.155) afirma, coincidindo em larga

medida com a afirmação de Carvalho, que essa conquista da hegemonia, a

transformação da classe dominada em classe dirigente antes da tomada do poder, é o

elemento central da estratégia gramsciana de transição ao socialismo; uma estratégia

que além de imposta pela maior complexidade das sociedades ocidentais, tem ainda a

vantagem de oferecer resultados mais estáveis e seguros, “pois – segundo Gramsci – ‘a

guerra de posição, uma vez vencida, é decidida definitivamente’ ” [grifo do autor].

No fundo da distinção entre essas duas “categorias” (dirigir e dominar), está a

idéia de uma nova mentalidade:

O socialismo é também a criação de uma nova cultura, sem o que não poderá realizar plenamente suas potencialidades: e essa é uma idéia que Gramsci jamais abandonará, como podemos ver em suas reflexões carcerárias sobre a importância de uma “reforma intelectual e moral”, da luta pela hegemonia (COUTINHO, 1999, p.20).

Há entretanto que se evitar equívocos com o uso gramsciano da palavra

reforma. Com efeito, Bobbio (1999, p.67) explica que o pensador sardo não atribui a

esse termo o sentido “fraco”, de uso corrente em nossos dias:

Gramsci entende a introdução de uma “reforma” no sentido forte que esse termo possui quando se refere a uma transformação dos costumes e da cultura, em antítese ao sentido fraco que ele adquiriu na linguagem política.

Hegemonia compreende assim em toda a amplitude o momento decisivo do

processo gramsciano. A sua conquista pressupõe um longo percurso já percorrido,

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durante o qual se logrou êxito em reformar o senso comum e alcançar o consenso. A

conseqüência direta e última é o domínio político baseado duplamente, na força e no

assentimento, que dirige ao mesmo tempo em que domina.

2.6 DA REFORMA DO SENSO COMUM

O senso comum é o conjunto de valores, história, tradições, hábitos e costumes,

conceitos e expectativas (culturais, religiosas, cívicas, sociais, filosóficas etc.) aceito

consciente ou inconscientemente e praticado pelos membros de uma sociedade em

geral. Constitui uma “cultura” ou “filosofia” generalizada que se enraíza na consciência

coletiva e que se expressa numa concepção de vida, de homem e do mundo (GRAMSCI,

2000, v.2, p.209). Gramsci, entretanto, constatava que o senso comum não coincidia

com a ideologia de classe. Considerava esse fato como um complicado obstáculo para

sua estratégia:

É precisamente aí que está o problema. Na maior parte das pessoas, o senso comum se compõe de uma sopa de elementos heteróclitos colhidos nas ideologias de várias classes. É por isto que, movido pelo senso comum, um homem pode agir de maneiras que, objetivamente, contrariam o seu interesse de classe, como por exemplo quando um proletário vai à missa.

Nesta simples rotina dominical oculta-se uma mistura das mais surpreendentes, onde um valor típico da cultura feudal-aristocrática, reelaborado e posto a serviço da ideologia burguesa, aparece transfundido em hábito proletário, graças ao qual um pobre coitado, acreditando salvar a alma, comete, na realidade, [uma “traição”] contra seus companheiros de classe e contra si mesmo (CARVALHO, O., 1994, p.38).

A sua reforma consiste em apagar certos valores tradicionais e uma parte

significativa da herança cultural (intelectual e moral) da sociedade dita burguesa.

Concomitantemente, substituí-las por conceitos novos e pragmáticos, capazes de criar

no imaginário coletivo a idéia de inevitabilidade e modernidade da futura sociedade

sem classes (AVELLAR COUTINHO, 2002, p.53; MACCIOCCHI, 1977, p. 198-199). É essa

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a razão pela qual a estratégia gramsciana não fica limitada aos embates ideológicos e

doutrinários:

A luta pela hegemonia não se resume apenas ao confronto formal das ideologias, mas penetra num terreno mais profundo, que é o daquilo que Gramsci denomina — dando ao termo uma acepção peculiar — “senso comum”. O senso comum é um aglomerado de hábitos e expectativas, inconscientes ou semiconscientes na maior parte, que governam o dia-a-dia das pessoas. Ele se expressa, por exemplo, em frases feitas, em giros verbais típicos, em gestos automáticos, em modos mais ou menos padronizados de reagir às situações. O conjunto dos conteúdos do senso comum identifica-se, para o seu portador humano, com a realidade mesma, embora não constitua de fato senão um recorte bastante parcial e freqüentemente imaginoso. O senso comum não “apreende” a realidade, mas opera nela ao mesmo tempo uma filtragem e uma montagem, segundo padrões que, herdados de culturas ancestrais, permanecem ocultos e inconscientes (CARVALHO, O., 1994, p.38).

A superação do senso comum é um empreendimento de profunda e demorada

transformação cultural e psicológica da sociedade civil como um todo e das classes

subalternas em particular. No novo senso comum, “podem ser preservados alguns velhos

conceitos que possam ser ‘instrumentais’, bastando aprimorá-los para também

contribuírem para a formação da nova mentalidade” (AVELLAR COUTINHO, 2002, p.53).

Trata-se de elaborar uma filosofia que torne o senso comum renovado, coerente

com a filosofia popular e com os fins buscados no processo político-ideológico no

qual tudo deve estar inserido. Para isso, será necessário estabelecer um amplo sistema

de difusão do senso comum (GRAMSCI, 2000, v.2, p.205):

É preciso ainda estabelecer um amplo sistema orgânico e também “espontâneo” no interior da sociedade civil, abrangendo variados canais informais, desligados das organizações políticas (partidos e estado), por meio do qual se fará a penetração dos novos sentimentos, conceitos e expectativas. Dentre os canais de difusão do novo senso comum, em primeiro lugar estão os meios de comunicação social (imprensa, rádio e televisão), mas não excluindo, como igualmente importantes, o setor editorial, a cátedra, o magistério, a expressão artística e o meio intelectual tradicional (AVELLAR COUTINHO, id.).

Essa renovação deve conter ares de espontaneidade, decorrência natural da

“evolução das consciências”. Por isso mesmo, “são indispensáveis os multiplicadores,

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‘ampliando’ e ‘orquestrando’ os novos conceitos sociais, ‘universalizando’ a sua

difusão e construindo a aparência de espontâneo desenvolvimento intelectual e moral

da sociedade moderna” (AVELLAR COUTINHO, 2002, p.54; GRAMSCI, 2000, v.2, p.21).

As alterações que se pretende não se circunscrevem ao campo das convicções

políticas, mas tem em vista especialmente as reações espontâneas, os sentimentos de

base, às cadeias de reflexos que determinam inconscientemente a conduta. Condutas

sedimentadas no inconsciente humano há séculos ou milênios devem ser

desarraigadas, para ceder lugar a uma nova constelação de reações (CARVALHO,

O.,1994, p.40). A Igreja, por seu considerável poder de influência sobre o pensar,

sentir e agir da sociedade, não poderia de forma alguma ser negligenciada. A sua

participação nessa reforma é imprescindível:

[Gramsci] considerava o cristianismo o principal inimigo do socialismo. Sonhava com um mundo em que toda transcendência fosse abolida em favor de uma “terrestrialização absoluta”, na qual a simples idéia de Deus e de eternidade se tornasse inacessível.

Mas não queria destruir a igreja como instituição, e sim usá-la como fachada. Para isso, propunha que os comunistas se infiltrassem nela, substituindo a antiga fé por idéias marxistas enfeitadas de linguagem teológica. Assim, a pregação comunista chegaria às massas sob outro nome, envolta numa aura de santidade (Id., 2003).

Por essa razão, o pensador sardo, a exemplo de August Comte, propõe a

criação de um novo calendário dos santos, que pudesse desbancar, na imaginação

popular, o prestígio do hagiológio católico – já que a Igreja, na visão dele, era o maior

obstáculo ao avanço do comunismo. A idéia é varrer do imaginário popular figuras

tradicionais de heróis e de santos que expressem determinados ideais, pois esses

personagens estão imantados de uma força motivadora que dirige a conduta dos

homens num sentido hostil à proposta gramsciana.

O novo panteão seria inteiramente constituído de líderes comunistas célebres, e baseado no critério segundo o qual ‘Rosa Luxemburgo e Karl Liebknecht são maiores do que os maiores santos de Cristo’ – palavras textuais de Gramsci (Id., 1994, p.36).

A reforma cultural não se dirige apenas às classes subalternas mas também à

classe dominante, à burguesia, com a finalidade de assimilá-la ou, pelo menos, de levá-la

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a aceitar as mudanças intelectuais e morais como parte dessa natural e moderna

evolução da sociedade, explorando sua passividade, indiferença e permissividade

(AVELLAR COUTINHO, 2002, p.52).

Quando uma pessoa supera criticamente o senso comum e aceita novos valores e

conceitos culturais e sociais, terá aceitado a filosofia nova e estará em condições de

compreender a nova concepção do mundo e contribuir para a sua concretização

(COUTINHO, 1999, p.172). Uma expressão bastante didática para designar essa

mudança do senso comum é “inversão de valores”. Olavo de Carvalho (1994, p.39)

explica a adequação do termo:

É quase impossível que, a esta altura, a expressão “inversão de valores” não ocorra ao leitor. Essa inversão é, de fato, um dos objetivos prioritários da revolução gramsciana, na fase da luta pela hegemonia. Mas Gramsci é, neste ponto, bastante exigente: não basta derrotar a ideologia expressa da burguesia; é preciso extirpar, junto com ela, todos os valores e princípios herdados de civilizações anteriores, que ela de algum modo incorporou e que se encontram hoje no fundo do senso comum. Trata-se enfim de uma gigantesca operação de lavagem cerebral, que deve apagar da mentalidade popular, e sobretudo do fundo inconsciente do senso comum, toda a herança moral e cultural da humanidade, para substituí-la por princípios radicalmente novos, fundados no primado da revolução e no que Gramsci denomina “historicismo absoluto”.

Como o que interessa não é tanto a convicção política expressa, mas o fundo inconsciente do “senso comum”, Gramsci está menos interessado em persuasão racional do que em influência psicológica, em agir sobre a imaginação e o sentimento. Daí sua ênfase na educação primária. Seja para formar os futuros “intelectuais orgânicos”, seja simplesmente para predispor o povo aos sentimentos desejados, é muito importante que a influência comunista atinja sua clientela quando seus cérebros ainda estão tenros e incapazes de resistência crítica.

Uma operação dessa envergadura transcende infinitamente o plano da mera pregação revolucionária, e abrange mutações psicológicas de imensa profundidade, que não poderiam ser realizadas de improviso nem à plena luz do dia. O combate pela hegemonia requer uma pluralidade de canais de atuação informais e aparentemente desligados de toda política, através dos quais se possa ir injetando imperceptivelmente na mentalidade popular toda uma gama de novos sentimentos, de novas reações, de novas palavras, de novos hábitos, que aos poucos vá mudando de direção o eixo da conduta.

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Daí que Gramsci dê relativamente pouca importância à pregação revolucionária aberta, mas enfatize muito o valor da penetração camuflada e sutil. Para a revolução gramsciana vale menos um orador, um agitador notório, do que um jornalista discreto que, sem tomar posição explícita, vá delicadamente mudando o teor do noticiário, ou do que um cineasta cujos filmes, sem qualquer mensagem política ostensiva, afeiçoem o público a um novo imaginário, gerador de um novo senso comum. Jornalistas, cineastas, músicos, psicólogos, pedagogos infantis e conselheiros familiares representam uma tropa de elite do exército gramsciano. Sua atuação informal penetra fundo nas consciências, sem nenhum intuito político declarado, e deixa nelas as marcas de novos sentimentos, de novas reações, de novas atitudes morais que, no momento propício, se integrarão harmoniosamente na hegemonia comunista.

Milhões de pequenas alterações vão assim sendo introduzidas no senso comum, até que o efeito cumulativo se condense numa repentina mutação global (uma aplicação da teoria marxista do “salto qualitativo” que sobrevem ao fim de uma acumulação de mudanças quantitativas).

Ao esforço sistemático de produzir esse efeito cumulativo Gramsci denomina, significativamente, “agressão molecular”: a ideologia burguesa não deve ser combatida no campo aberto dos confrontos ideológicos, mas no terreno discreto do senso comum; não pelo avanço maciço, mas pela penetração sutil, milímetro a milímetro, cérebro por cérebro, idéia por idéia, hábito por hábito, reflexo por reflexo.

2.7 DOS INTELECTUAIS ORGÂNICOS

Aos intelectuais incumbirá a tarefa de reformar o senso comum. Por esse motivo,

lhes cabe uma posição de destaque para a consecução da estratégia definida por

Gramsci: são o elemento dinâmico do sistema de difusão, como educadores,

transformadores da cultura e elaboradores de uma consciência coletiva homogênea

(GRAMSCI, 2000, v.2, p.52-53).

Existem – segundo o pensador sardo – dois tipos de intelectuais: os orgânicos e

inorgânicos. Estes últimos seriam elementos deslocados, baseados em critérios e valores

oriundos de outras épocas; sem uma ideologia de classe; ignorados pela massa e cujas

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idéias não exercem qualquer influência no processo histórico (AVELLAR COUTINHO,

2002, p.49; CARVALHO, O., 1994, p.37-38; COUTINHO, 1999, p.175).

Os orgânicos seriam aqueles conscientes de sua posição de classe. Podem ou não

estar vinculados formalmente a movimentos políticos. Não gastam uma palavra sequer

que não seja para elaborar, esclarecer e defender sua ideologia de classe (CARVALHO, O.,

1994, p.38). “A missão do intelectual orgânico é compreender e realizar a reforma

intelectual e moral que leva toda a massa a ascender ao status de intelectual, rompendo

com a antiga subordinação do povo à cultura tradicional” (MALISKA, 1995, p.86).

O conceito gramsciano de intelectual é bastante amplo. Para ele todos os

homens são intelectuais, mas nem todos desempenham a função de intelectuais. Isso

se dá por uma razão: em Gramsci há uma identificação funcional do termo. Qualquer

diferença entre um filósofo e um homem do povo seria meramente quantitativa e

acidental, e não qualitativa e essencial (ADAMS, 1995, p.52; ARRUDA JÚNIOR, 1995b,

p.33; GRAMSCI, 1989, p.34; Id., 2000, v.2, p.18).

O conceito gramsciano de intelectual funda-se exclusivamente na sociologia das profissões e, por isto, é bem elástico: há lugar nele para os contadores, os meirinhos, os funcionários dos Correios, os locutores esportivos e o pessoal do show business. Toda essa gente ajuda a elaborar e difundir a ideologia de classe, e, como elaborar e difundir a ideologia de classe é a única tarefa intelectual que existe, uma vedette [...] num espetáculo de protesto pode ser bem mais intelectual do que um filósofo, caso se trate de um inorgânico [grifo do autor] (CARVALHO, O., 1994, p.38).

Nesse sentido amplo, os intelectuais são o verdadeiro exército da revolução

gramsciana. Encarregado de realizar a primeira e mais decisiva etapa da estratégia:

reformar o senso comum, para conquistar a hegemonia – um processo longo, complexo e

sutil de mutações psicológicas graduais e crescentes, no qual a tomada do poder é

apenas conseqüência e corolário (BOBBIO, 1999, p.68; CARVALHO, O., 1994., 39).

O resultado prático desse entendimento de Gramsci a respeito da atividade

intelectual é sua redução a mera propaganda ideológica. Nas origens dessa concepção

está a idéia de que a verdade não corresponde a um estado objetivo, mas àquilo que

contribui para realização de um fim desejado:

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Uma lavagem cerebral de tão vasta escala não poderia, certamente, limitar-se a extirpar da cabeça humana crenças religiosas, imagens, mitos e sentimentos tradicionais: ela deveria também estender-se às grandes concepções filosóficas e científicas. [...] Para Gramsci, as tradições filosóficas devem ser todas varridas de uma vez, e junto com elas a distinção entre “verdade” e “falsidade”.

Através de seu mestre Antonio Labriola, ele recebeu uma poderosa influência do pragmatismo, escola para a qual o conceito tradicional da verdade como uma correspondência entre o conteúdo do pensamento e um estado de coisas deve ser abandonado em proveito de uma noção utilitária e meramente operacional. Nesta, “verdade” não é o que corresponde a um estado objetivo, mas o que pode ter aplicação útil e eficaz numa situação dada. Enxertando o pragmatismo no marxismo, Labriola e Gramsci propunham que se jogasse no lixo o conceito de verdade: na nova cosmovisão, toda atividade intelectual não deveria buscar mais o conhecimento objetivo, mas sim a mera “adequação” das idéias a um determinado estado da luta social. A isto Gramsci denominava “historicismo absoluto”. Nesta nova cosmovisão, não haveria lugar para a distinção — burguesa, segundo Gramsci — entre verdade e mentira. Uma teoria, por exemplo, não se aceitaria por ser verdadeira, nem se rejeitaria por falsa, mas dela só se exigiria uma única e decisiva coisa: que fosse “expressiva” do seu momento histórico, e principalmente das aspirações da massa revolucionária. Dito de modo mais claro: Gramsci exige que toda atividade cultural e científica se reduza à mera propaganda política, mais ou menos disfarçada. A “filosofia” de Gramsci resolve-se assim num ceticismo teorético que completa a negação da inteligência pela sua submissão integral a um apelo de ação prática; ação que, realizada, resultará em varrer a inteligência da face da Terra, por supressão das condições que possibilitam o seu exercício: a autonomia da inteligência individual e a fé na busca da verdade. Substituída a primeira pela arregimentação de “intelectuais orgânicos”, e a segunda pela concentração de todas as energias intelectuais no nobre mister da propaganda revolucionária, quê sobrará da aptidão humana para discernir entre verdade e mentira? (CARVALHO, O., 1994, p.40).

2.8 LIBERDADE E DEMOCRACIA EM GRAMSCI

É fato não muito raro, falar-se em um “Gramsci democrático”. Tal equívoco

muito provavelmente é resultado de leituras superficiais e de entendimento enganoso

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de certas expressões utilizadas pelo autor sardo: transição pacífica para o socialismo,

pluralismo socialista, via democrático-consensual, socialismo democrático, democracia radical

etc. Avellar Coutinho (2002, p.29) explica que um dos pontos mais obscuros e de mais

difícil tradução do pensamento político de Gramsci é o que se refere aos conceitos de

liberdade e de democracia:

O assunto é delicado, pois os conceitos gramscianos não correspondem àqueles do senso comum na sociedade civil ocidental. Não correspondem ao entendimento generalizado de liberdade como “prerrogativa individual de ser, agir e pensar segundo o próprio arbítrio” [...] [grifo nosso].

2.8.1 Do conceito de liberdade

“Na leitura de Gramsci, o conceito de liberdade vai sendo formado aos

poucos, quase sempre adjetivado ou cercado de muitos condicionamentos particulares.

Assim: a liberdade individual é um aspecto da liberdade coletiva” (AVELLAR

COUTINHO, 2002., p.29) aquela do grupo social que se libertou da opressão do “grupo

dominante burguês”. Esse conceito de liberdade está intimamente ligado ao consenso

obtido pela reforma do senso comum:

A liberdade como expressão do arbítrio pessoal, especificamente a liberdade política e civil, é posta em termos restritos. Mas é exercida sim nas “opções livres” no âmbito da organização coletiva, em sucessivos momentos. As expressões desta liberdade são o consenso e a vontade coletiva.

A liberdade também é aceitação voluntária, por convicção (opção livre) de certos princípios que se propõem com vista a certos fins desejados. No grupo social, os arbítrios são múltiplos mas a parte homogênea (coletiva) prevalece. Em cada momento do processo ativo, é feita pelo indivíduo uma escolha nova e livre, de acordo com a direção dada ao conjunto de pessoas, tornando homogêneas as opções de todos, num clima ético-político [grifo nosso] (Ibid., p.30).

Essa idéia particular de liberdade está em oposição à acepção corrente entre

nós. E só pode ser entendido, se colocada em termos de adesão aos fins almejados e

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ao processo para alcançá-los. Pois em Gramsci, os conceitos de ética e de moral têm

conotação com os “fins a alcançar” ou com a aceitação “espontânea e livre” do

protagonista. Assim os empreendimentos, atos, ações e criações intelectuais são éticos

pelos fins que a sociedade julga necessário alcançar ou pela adesão voluntária dos seus

realizadores. Sem esta “relação ética”, a liberdade não será um “valor”, mas uma “falácia”

(AVELLAR COUTINHO, 2002., p.30). Tal instrumentalização proposta pelo ideólogo sardo

ao uso da liberdade, parece soar como aplicação da fórmula “os fins justificam os meios”.

2.8.2 Da democracia radical, do socialismo democrático e do intermezzo democratico

O conceito de democracia em Gramsci passa pelo seu entendimento do que

seja a sociedade civil. Esta última (cf. item 2.3, supra) não compreende a nação como um

todo, mas os organismos sociais coletivos voluntários, independentes da sociedade

política: clubes, sindicatos, corporações, partidos, Igrejas, órgãos de comunicação de

massa, editoras, expressões artísticas, movimentos populares, sociais... Por outro lado, a

classe média é na acepção gramsciana, não-povo. Avellar Coutinho (2002, p.30-31)

esclarece:

Etimologicamente, democracia é “governo do povo”. Ora, no pensamento gramsciano, a burguesia é “não-povo”. Portanto, numa dedução simplista, a democracia é o governo do proletariado, dos camponeses e dos marginais da sociedade, excluindo os burgueses. “Democracia Radical” ou “Radicalismo Democrático” como é comumente mencionado na atual promoção política. O pensamento de Gramsci não é tão elementar assim, embora a afirmação acima não esteja afastada da verdade.

Entendimento comum de democracia é o de sistema político que se funda nos princípios de soberania popular e na distribuição eqüitativa do poder. Bem diferente da acepção gramsciana, cujo “conceito de democracia pode ser assim sintetizado e antecipado: sistema político que se funda nos princípios de hegemonia das classes subalternas e de integração da sociedade civil e política”.

O sistema político, assim definido e projetado para a fase que se

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segue à tomada do poder na transição para o socialismo, não é necessariamente representativo nem propriamente participativo.

A manifestação política das massas é feita no âmbito e por meio dos organismos privados, voluntários e homogêneos. (algo como foram os sovietes, mas de natureza diversificada), não como referendo, mas como expressão do consenso e da vontade coletiva. Além do mais, o partido orgânico da classe exerce também sua hegemonia na sociedade civil e na sociedade política (Estado), cumprindo sua função dirigente e educadora.

Esta concepção de “socialismo democrático” (não confundir com social-democracia) entende que não está em contradição com a concepção de estado altamente centralizado para conduzir as transformações necessárias para a edificação do socialismo após a tomada do poder [grifo do autor].

A democracia em sua acepção moderna, Gramsci também a admite,

entretanto, não a considera como um bem em si mesmo, mas como meio necessário à

passagem para o socialismo. A esse período democrático em que se realizará a luta pela

hegemonia, o pensador deu o nome de “intermezzo democratico” (COUTINHO, 1999,

p.59).

Até a tomada do poder, a vanguarda revolucionária se submeterá às regras

institucionais vigentes, realizará alianças, em suma, apresentar-se-á como mais um dos

elementos integrantes do jogo democrático, sem maiores pretensões:

Antes da tomada do poder, há fases do processo político de transição que se desenvolvem ainda no seio da sociedade burguesa. As iniciativas conduzidas nestes momentos exploram ou se valem das franquias do regime democrático vigente na sociedade burguesa e, por isto, assumem feições democráticas. Esta realidade em certas ações ou aparência em outras são freqüentemente formas dissimuladas que induzem convenientemente à impressão geral de que o processo político tem caráter “consensual-democrático”. Principalmente, garante o respaldo de legalidade evitando e afastando eventuais resistências e reações da sociedade e do aparelho coercivo do estado.

Ainda nas fases que antecedem à tomada do poder, as relações políticas do partido das classes subalternas com os outros partidos, particularmente com os de linha socialista, sugerem a aceitação do pluralismo partidário e, em especial, o “pluralismo das esquerdas”, como modernamente tem sido sugerido pela intelectualidade política. Realmente, Gramsci admite as alianças dos partidos e das

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organizações de massa, principalmente na luta pela hegemonia e para o enfraquecimento e neutralização das “trincheiras” da sociedade e do Estado burgueses. Admite até as alianças com partidos adversários em certas circunstâncias que contribuam para o êxito do movimento (AVELLAR COUTINHO, 2002, p.31-32).

Parece-nos, portanto, que qualquer pretensão de um Gramsci plural e

democrático não se sustenta. O quadro conceitual de um chamado socialismo-

democrático poderia “fazer crer em um processo ‘consensual-democrático’, algo com

feições liberais e implicações positivas nos planos individual e institucional, o que é um

equívoco” (Ibid., p.32). Colleti (apud ARRUDA JÚNIOR, 1995a, p.17-18), nesse sentido,

é incisivo:

O pluralismo, o pluripartidarismo, a alternância de maioria e minoria, o governo parlamentar e tudo mais não estão presentes em Gramsci. O tema da “hegemonia” em Gramsci não significa nada disso. E significa ainda menos a superação do abandono da ditadura do proletariado de Lênin.

2.9 GRAMSCI E MAQUIAVEL

Da leitura dessas rápidas linhas a propósito do pensamento estratégico de

Gramsci, é bem possível de que seja suscitada uma indagação: não há algo de

maquiavélico na doutrina proposta por Gramsci? Carvalho (1994. p.37) acredita que

sim, e chega a ressaltar algumas analogias existentes entre os dois estrategistas

políticos. Para ele a distinção reside apenas em uma “coletivização do príncipe”:

[Que sua estratégia era maquiavélica], o próprio Gramsci o reconhecia, mas fazendo disto um título de glória, já que Maquiavel era um dos seus gurus. Apenas, ele adaptou Maquiavel às demandas da ideologia socialista, coletivizando o “Príncipe”. Em lugar do condottiere individual que para chegar ao poder utiliza os expedientes mais repugnantes com a consciência tranqüila de quem está salvando a pátria, Gramsci coloca uma entidade coletiva: a vanguarda revolucionária. O Partido, em suma, é o novo Príncipe. [...]

O Novo Príncipe tem uma consciência ainda mais tranqüila que a do antigo. O condottiere da Renascença não tinha apoio senão de si

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mesmo, e nas noites frias do palácio tinha de suportar sozinho os conflitos entre consciência moral e ambição política, encontrando no patriotismo uma solução de compromisso. No Novo Príncipe, a produção de analgésicos da consciência é trabalho de equipe, e nas fileiras de militantes há sempre uma imensa reserva de talentos teóricos que podem ser convocados para produzir justificações do que quer que seja.

2.10 CONSIDERAÇÕES GERAIS

Não pretendemos nessas escassas linhas fazer um apanhado minucioso da

estratégia proposta por Antonio Gramsci. Quiséramos tão somente ressaltar suas

etapas mais gerais assim como seu modo de operar, afim de que se entenda mais

facilmente – como tentaremos demonstrar no último capítulo – que está em plena

operação uma tentativa – pequena, diga-se de passagem – de se utilizar o direito como

mais um tentáculo a serviço do gramcismo.

Vale a pena ainda ressaltar que o fenômeno que se observa no direito não

constitui a totalidade de um projeto gramsciano de tomada do poder. Conclui-lo seria

mais que um equívoco, um erro. É, antes disso, a tentativa de inserir mais um campo

da atividade humana nesse vastíssimo plano engendrado pelo pensador sardo: nada

deve ser descartado (CARVALHO, O., 1994, p.17). E se bem que seja verdade que

Gramsci dissera muito pouco a respeito do direito, por outro, dava-lhe muita

importância. Por essa razão, seus seguidores não têm sido negligentes na tentativa de

inserir o direito em sua estratégia.

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Capítulo 3 DA DESAGREGAÇÃO DA CONCEPÇÃO

INTEGRAL DO DIREITO

Na Idade Média [...] variavam os códigos jurídicos; porém o código moral para toda a Europa era uniforme. Ora a partir do século XIV, operou-se uma inversão de todas as condições (Lewis Mumford).

SUMÁRIO: 3.1 A concepção do direito na Idade Média. 3.2 A hipertrofia da vontade em Scot e Ockam. 3.3 Um novo personagem: o legista. 3.4 A degenerescência representada por Maquiavel. 3.5 O despotismo jurídico de Hobbes. 3.6 Influências da Revolução Protestante. 3.7 Grotius: o direito como fonte de si mesmo. 3.8 A Escola moderna do Direito Natural. 3.9 O contratualismo de Rousseau. 3.10 O individualismo jurídico de Kant. 3.11 A desjurisdização do direito.

O processo revolucionário, em sua marcha, produziu uma série de doutrinas

e filosofias que, ante as quais, o Direito não permanecera incólume. Afinal, a

Revolução é “um processo de tanta profundidade, de tal envergadura e tão longa

duração [que] não pode desenvolver-se sem abranger todos os domínios da atividade

do homem, como por exemplo, a cultura, a arte, as leis, os costumes e as

instituições” (CORRÊA DE OLIVEIRA, 2002, p.15).

Gilberto Callado de Oliveira (2002, p.41-42) constata esse fato, distinguindo

como principal conseqüência desses influxos no Direito, a perda da noção do justo:

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Claro está que a Revolução também atinge o mundo do direito, onde se apresenta como revolução jurídica, pois vem fomentando através dos erros doutrinários disseminados pelos séculos precedentes a perda do sentido do justo e do injusto. E principalmente no terreno das idéias, em que ela atua como agente destrutor das instituições jurídicas tradicionais [grifo do autor].

3.1 A CONCEPÇÃO DO DIREITO NA IDADE MÉDIA

Alceu Amoroso Lima – mais conhecido pelo pseudônimo de Tristão de

Athayde – em sua Introdução ao Direito Moderno faz um apanhado da história da

Filosofia do Direito. Explica que ao analisar a desagregação da concepção integral do

direito, “convém partir do momento histórico em que o direito se nos apresenta em

toda a sua plenitude” (LIMA, 2001, p.79). Segundo o autor, “esse momento, com as

devidas reservas históricas e intelectuais, é em síntese: a Idade Média do século IX ao

século XIII” (Ibid.). E justifica a afirmação:

Durante esses quatro séculos, integrou-se numa concepção geral e harmoniosa da vida todo o corpo jurídico elaborado pelos Romanos e pelos Padres da Igreja, marcando o direito, por assim dizer, os limites mais remotos de seu âmbito de alcance, tanto na sociedade como na doutrina (Ibid., p.80).

Lagarde (1926, p.14) corrobora a explicação de Lima ao afirmar que “de

todas as épocas é a Idade Média aquela que mais amplitude deu à teoria do Direito”.

Com efeito, – é Maurice de Wulf (1924, v.1, p.5-7) quem o afirma – “o descrédito da

Idade Média data dos humanistas do século XV [...]. Hoje, o descrédito que por tanto

tempo pesou sobre a Idade Média está dissipado”. Lima prossegue em seus

comentários desse “direito integral”:

O princípio que, na sociedade medieval, forma a sua unidade política é justamente: a supremacia da Lei. A vida social estava minuciosa-mente sujeita a toda sorte de regras e preceitos, que a presidiam em seus mínimos detalhes. Vida política, vida social, vida literária, vida econômica – tudo era objeto da mais estrita subordinação a

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preceitos legais, a tradições, a costumes. O direito, a organização jurídica da sociedade, penetrava-lhe todos os recantos. O direito era a coordenação da sociedade [...]. A ordem medieval era o direito inserindo-se em todas as modalidades da vida. Era a limitação, a regra, por toda a parte, em vez da licença e do arbítrio. [...]

Por toda parte, o princípio da supremacia jurídica é o que dá unidade ao corpo social. E se a economia medieval era tudo menos arbitrária e competitiva, o mesmo se dava com a vida política. Nada mais estranho a esses séculos de plenitude medieval do que a autoridade arbitrária. Se abusos houve – pois não pretendemos de forma alguma apresentar da Idade Média um quadro ideal e romântico – a discordância entre a realidade e a legalidade ocorria então como hoje ocorre [...]. A Lei era superior ao Estado. Este devia obediência à lei, porque o direito era nascido e não feito [...].

Se a supremacia do direito era o princípio de unidade da vida social, hierarquia do direito era o princípio de unidade da doutrina jurídica de então. E a soma de um e de outra é que dá, a esse momento supremo do direito na história, o caráter de integralidade que lhe comunica uma força vital, um equilíbrio e uma solidez de base, que devem servir de modelo a todas as sociedades desejosas de evitar os males do unilateralismo jurídico [grifo do autor] (LIMA, 2001, p.89).

Longe de ser verdade que o medieval concebia a autoridade como qualquer

coisa de arbitrário e caprichoso, concebiam-na como coisa muito agudamente

definida e muito severamente limitada (CARLYLE, 1928, v.3, p.31). O rei ou legislador

era concebido não como senhor, mas como servo da lei; a noção de um rei absoluto

não era medieval, e só se desenvolveu durante o período de declínio da civilização

política da Idade Média (Ibid.). Lima (2001, p.125) relata como os fatos se

desencadearam nesse sentido:

Se a Idade Média, sempre dentro da sua relatividade histórica, representou, doutrinariamente ao menos, a integralização do Direito – assistimos com a Reforma e o Renascimento à desagregação desse grandioso edifício de idéias. Aparecem então os primeiros elementos daquilo que, em nosso tempo, viria a constituir o racionalismo e depois o materialismo jurídico. Como sempre, porém, os germes de movimentos como esses se encontram nos períodos anteriores. E como a Idade Média não é qualquer coisa de maciço e de único, mas uma era de intensa vibração intelectual, em que conviveram as mais variadas tendências, é no seio dela que vamos encontrar os primeiros sinais das fendas que mais tarde iriam destruir o harmonioso edifício do direito integral.

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3.2 A HIPERTROFIA DA VONTADE EM SCOT E OCKAM

Duns Scot foi o primeiro a sustentar, contra Santo Tomás, uma doutrina que

ia ser fonte de todo o relativismo jurídico. É o que podemos chamar o voluntarismo

legal (LIMA, 2001, p.126). Mais tarde surgiria o nominalismo ou “terminismo”, de

Marcílio de Pádua e Guilherme de Ockham, que apesar de ter nascido em parte

como reação contra a filosofia de Scot “não fez mais nesse ponto do que acentuar o

voluntarismo scotista” [grifo do autor] (Ibid., p.127).

Oliveira (2002, p.44) explica que os nominalistas é que introduziram o poder

absoluto da vontade contra a realidade objetiva e substancial do direito. Uma

perspectiva na qual se suprimem as relações de dependência da vontade à razão. O

justo não encontra qualquer necessidade racional, e “depende inteiramente da

vontade ou do arbítrio do jurista (e, antes dele, do próprio legislador)”.

O nominalismo “transforma a vida moral e portanto jurídica em domínio do

acaso” (LIMA, 2001, p.128). Isto porque equipara a necessidade e a contingência,

“converte o bem e o mal em palavras, tornando-os dependentes apenas da vontade,

divina ou humana, e não mais da razão” (Ibid.). Uma vez assumida como legítima

essa hipertrofia da vontade, seria ingenuidade imaginar inócuas as suas

conseqüências. Oliveira (2002, p.45) esclarece:

A justiça – enquanto ato de virtude de dar a cada um o seu – transforma-se naquilo que agrada o jurista; o justo e o injusto não existem em si, residindo a diferença entre um e outro sobre um decreto do legislador, que poderia determinar o oposto. Estava assinalado o ponto de ruptura com a tradição escolástica anterior e instaurado o gérmen do positivismo e do materialismo posteriores.

Lewis Mumford, professor de Humanidades na Universidade de Stanford,

Estados Unidos, assinala o termo em que essas idéias começam a ter aplicação: “na

Idade Média [...] variavam os códigos jurídicos; porém o código moral para toda a

Europa era uniforme. Ora, a partir do século XIV, operou-se uma inversão de todas

as condições” (MUMFORD, 1956, p.192).

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3.3 UM NOVO PERSONAGEM: O LEGISTA

Coincidentemente, trata-se do mesmo momento histórico em que aparece a

figura do legista:

Ao lado do rei justo e bom que julga segundo a Lei, mas não julga a Lei, os juristas que invadiram os órgãos governamentais na segunda metade do século XIII impõem a todo o ocidente, da Itália à Escandinávia, o ideal abstrato e frio do príncipe legislador, do “rex lex animata” (GUENÉE, 1971, p.140).

A historiadora francesa Régine Pernoud, renomada medievalista francesa, há

pouco falecida, indigita o perfil desse personagem novo: “todos esses legistas

defendem com ardor, até com paixão, o interesse do Estado. São os seus zelosos

servidores, e todos os meios lhes parecem bons quando está em causa defender o

Estado” (PERNOUD, 1926, p.33). Continua sua explanação, tratando dos métodos,

nem sempre ortodoxos, utilizados por esses especialistas:

Surpreende mesmo a ausência de escrúpulos com que, em caso de necessidade, praticam fraudes. A questão de Bonifácio VIII, a dos templários, dão ocasião a uma verdadeira avalanche de falsificações [...]. Mentiras, injúrias, ameaças, falsos testemunhos, a tudo se recorre, quando a razão de Estado – por eles inventada muito antes de Maquiavel aparecer – parecia estar em jogo. Este estado, tal como eles o concebem nada tem a ver com o Estado feudal, com sua hierarquia e com a repartição do poder que o caracteriza [...] (Ibid., p.36-37).

3.4 A DEGENERESCÊNCIA REPRESENTADA POR MAQUIAVEL

“O Renascimento representou, com o Humanismo, o início da secularização e

da nacionalização do direito. E uma figura primordial poderíamos apontar como típica

desse movimento nos seus primórdios: Maquiavel” (LIMA, 2001, p.133). Pastor (1905,

v.3, p.50) descreve a amplitude da degenerescência naquele momento histórico:

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Na segunda metade do século XV, aparece cabalmente, ao observador atento, uma terrível corrupção nas relações políticas da Itália. De mão em mão, a arte de governar tinha degenerado num sistema de perjúrios e traições, segundo o qual não se dava importância ao cumprimento dos contratos; por toda parte temia-se a astúcia e a violência; a suspeita e a desconfiança envenenavam o trato entre os príncipes e os Estados.

Com assombroso cinismo, Maquiavel recomendou esta ciência de governo, esta política de força, a qual, sem a menor consideração e como se não existisse nenhuma sanção coercitiva, calcava brutalmente as leis da justiça e da moral, e admitia como lícita toda espécie de meios desde que servissem à consecução do fim desejado.

Para Lima (2001, p.134), Maquiavel não opõe, mas separa, a política do direito

e o direito da ética. E em vez de ser a ética “a regra e a medida das ciências e

atividades sociais, passa a política, no seu campo, a ser independente e reguladora de

todas as demais”. Mais adiante, o mesmo autor afirma a importância de se aproximar

Maquiavel de outro escritor de significativa influência “que embora tendo vivido

mais de um século mais tarde e revelando uma influência profunda da Reforma, em

seu ramo puritano, também se distingue pelo impulso que deu à secularização do

direito: Thomas Hobbes” (Ibid., p.139).

3.5 O DESPOTISMO JURÍDICO DE HOBBES

“Só um nome convém para designar o sistema de Hobbes: o de despotismo

jurídico. Foi o que lhe deu a História” (Ibid.). Hobbes altera radicalmente o estatuto

ontológico da pessoa humana deixando-a à mercê de suas paixões mais desregradas,

num estado natural de guerra, de todos contra todos, em que não existe a noção de

justiça ou de injustiça, mas apenas a noção de força. Direito e poder se confundem

(OLIVEIRA, 2002, p.47; LIMA, 2001, p.140).

Sobre a concepção de direito natural em Hobbes, Lima (2001, p.142) define-

a como individualismo jurídico. Isto porque o direito passa a ser considerado como

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um poder, ou pior que isso, um poder arbitrário do indivíduo. A lei já não é fonte do

direito, mas o seu oposto:

Ao passo que o direito é uma ação, a lei é uma coação. Ao passo que o direito faculta a liberdade, a lei a impede. Hobbes como se vê, le-vanta o seu edifício jurídico sobre uma oposição artificial entre direi-to e lei que ia ser o germe de toda a dissociação jurídica moderna e representava uma desagregação radical da concepção geral de direito, baseado na lex aeterna, que o mundo moderno ia esquecer (LIMA, 2001, p.142).

3.6 INFLUÊNCIAS DA REVOLUÇÃO PROTESTANTE

A eclosão da Revolução Protestante (denominada também de Reforma) traz

em seu bojo uma série de elementos que também influenciariam o direito. Nessa

concepção, há “uma perfeita heteronomia entre o direito humano e o direito divino e

nossas obras como nossos sistemas são perfeitamente inúteis para alcançar a Deus”

(Ibid., p.149).

Só a fé justifica, a fé sem obras, a fé sem sistema filosófico ou jurídico. O cristão verdadeiro desdenha a lei e refugia-se passivamente na justiça de Deus. A lei humana é obra do pecado, é obra da vontade serva, da natureza humana viciada irremediavelmente pelo mal, pois o homem é “nada”, com diz Calvino (Ibid., p.149).

A Reforma arranca ao direito toda a sua base racional. Suprime a liberdade

da razão humana na obra jurídica e vê na lei natural somente uma réplica do

decálogo. Oliveira (2002, p.47) aponta também a influência de Ockam:

Lutero é seguidor de Ockam, sua tese de natura corrupta, em que o pecado destruiu completamente a integridade natural do homem, trouxe evidentes reflexos na filosofia jurídica, dentro da qual se concebe o direito pela vias racionalista e individualista. ‘com o protestantismo – escreve José Mendive – se foi desfigurando a verdadeira idéia de Direito; o direito começou a separar-se da moral e tanto esta como aquele foram arrancados de seu próprio fundamento

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que é Deus, fonte primeira de toda moralidade e de todo direito, para ser colocados sobre a frágil e movediça vontade do homem, reaparecendo assim a ominosa estatolatria e o estado onipotente, fonte e origem de todos os direitos, entre os antigos romanos. Quatro escolas engendradas pela idéia racionalista do protestantismo pretendem explicar a origem do direito, a saber: a utilitária, de Hobbes, de Bentham e dos materialistas em geral; a individualista, de Rousseau, de Kant e dos liberais, a panteísta, de Schelling, Hegel e Krause e a histórica, de Savigny e Stahl, e todas elas por distintos caminhos vieram a dar na mesma conclusão de que o Estado é a única fonte de Direito’ [grifo do autor] (OLIVEIRA, 2002, p.47).

3.7 GROTIUS: O DIREITO COMO FONTE DE SI MESMO

Grotius libertou-se do pensamento escolástico e marcou, definitivamente, o

fim da Idade Média, e o início do mundo moderno, para a ciência do direito. Elaborou

esta em bases novas, inteiramente livres e autônomas. Muito embora Hobbes tenha

sido o precursor de uma nova concepção do direito natural e da sua autonomia

naturalista, a obra De jure belli ac pacis de Grotius é apontada como o primeiro tratado

de direito natural digno do pensamento moderno (LIMA, 2001, p.157-158).

Para ele, o direito “tem sua fonte em si mesmo [sic!] e é imutável como a

natureza e a razão” (apud LIMA, 2001, p.157). Oliveira (2002, p.48) explica que já

“não é mais o justo como entendia a escolástica – o direito das pessoas no

significado de res justa, rigorosamente ininteligível sem o Criador – mas um direito

imanente dos indivíduos e entregue nas mãos do Estado” [grifo do autor].

3.8 A ESCOLA MODERNA DO DIREITO NATURAL

Grotius exerceria grande influência no conjunto de pensadores formado por

Puffendorf, Thomasio, Wolff e Vattel, os quais formariam depois a Escola Moderna

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do direito natural. “Em vez de dar ao direito natural uma preeminência absoluta,

parecerá subordiná-lo aos interesses políticos e às condições locais, acentuando que

o direito natural dos Estados é outro que não o dos indivíduos” (LIMA, 2001, p.184-

185).

Prepararam assim francamente o individualismo jurídico de Rousseau (1712-

1778), e o racionalismo de Kant (1724-1804). Rousseau e Kant representam os

primeiros e grandes precursores imediatos das concepções niilistas, materialistas e

negativistas presentes nas mais diversas escolas jurídicas contemporâneas.

3.9 O CONTRATUALISMO DE ROUSSEAU

O amoralismo de Spinoza e de Hobbes começa a dar frutos e manifesta-se

em Rousseau pelo predomínio da vontade soberana e arbitrária na confecção do

direito. “Spinoza não fez senão acentuar a amoralidade da idéia jurídica de Hobbes e

a eficácia obrigatória da vontade soberana, que prega o filósofo britânico. O que

Rousseau acresce a essa concepção de origem do direito é a exaltação do elemento

individual e o estabelecimento da lei da maioria” (ARAMBURO, 1924, v.1, p.61). Lima

(2001. p.188-191) completa a explicação:

Em Rousseau atinge sua repercussão mais pura e adquire a sua repercussão mais ampla a teoria do consensualismo, que Grotius lançara [...]. Em Rousseau a idéia de contrato Social se torna fundamental. O estado de liberdade natural, em que o homem era feliz, desconhecia as regras de justiça. [...]

Rousseau baseia o direito no consenso das vontades e dá o grande impulso, teórico e prático, ao individualismo jurídico que estava latente [até então] [...]. Mas que só ele deu expressão iniludível.

O “direito natural” que explodiu na Revolução Francesa a partir da “declaração dos direitos do homem” [...] não é direito natural objetivo, que fomos encontrar na antigüidade greco-romana e na Idade Média [...]. O direito natural de Rousseau é um direito subjetivo, baseado na vontade individual e a que o Estado empresta apenas a força para sua defesa.

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Rousseau representa uma encruzilhada jurídica no início do mundo

moderno, da qual se originam os caminhos mais contraditórios do terreno do direito.

É aí em que irão abeberar-se tanto os partidários do individualismo, como aqueles

desejosos de uma ciência jurídica penetrada de princípios socialistas. Trata-se apenas

de adaptar essa “ascendência absoluta da vontade popular” aos gostos

revolucionários mais em voga (LIMA, 2001, p.192).

3.10 O INDIVIDUALISMO JURÍDICO DE KANT

Esse predomínio do indivíduo manifestar-se-á também, de modo patente, no

racionalismo de Kant. Este representará na história do direito um papel muito mais

importante que Rousseau. Foi ele o verdadeiro sistematizador de todas as idéias

novas, sobre a matéria, que andavam esparsas desde a Reforma e o Renascimento.

Henri Ahrens (1852, p.30), em seu Curso de Direito Natural, o confirma:

Em toda a doutrina filosófica de Kant, o espírito novo, nascido da Reforma religiosa e desenvolvido durante três séculos, é pela primeira vez elevado à altura de um princípio metafísico. É o espírito de exame, de crítica, partindo da liberdade pessoal e chegando no fim à consagração da personalidade e da liberdade individuais.

Para Kant, direito e moral se dividem, conforme regulam a liberdade interna

ou externa. Legalidade e moralidade dirigem respectivamente os atos exteriores e

interiores do homem. E só a moral implica para o homem a idéia de dever. O direito,

já então radicalmente separado da moral, é apenas um “princípio de restrição”. O

direito não leva à ação. Limita-se a proteção exterior, à tarefa coercitiva, pois o

direito e a faculdade de coagir são duas coisas idênticas (LIMA, 2001, 191-195).

Kant também aceita a origem consensual da sociedade, e o estado pré-

jurídico, como Rousseau e a escola moderna do direito natural, mas não atribui ao

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direito uma origem apenas consensual e sim racional. Essa racionalização do direito

representa uma forma de individualismo voluntarista porque para ele “o fundamento

de toda legislação prática é a idéia de vontade de cada ser racional como vontade

legisladora universal” (BOUTROUX, 1926, p.301). A conseqüência será uma

exteriorização do direito. Sua redução a um simples corpo de regras, capaz de conter

as liberdades individuais em choque, na sociedade.

Lima (2001, p.195) afirma que o próprio Kant reconhecera que “esse

formalismo jurídico perdia toda ligação profunda com a inclinação natural da alma

humana e convertia o direito em um caso de mero policiamento social”. Com efeito,

o que se observa é um deperecimento da noção do justo natural.

Concomitantemente, o Estado paulatinamente é erigido em única fonte do direito.

Oliveira (2002, p.49), assim sintetiza essa nova rotura:

Rousseau e Kant, nos fins do século XVIII, representam uma nova ruptura: aquele com a teoria do consensualismo jurídico; este com o predomínio absoluto da razão subjetiva. Ambas as idéias – o contrato e a razão individual – conduzem à concentração de poderes de criação do justo nas mãos do Estado, este mesmo Estado divinizado por Hegel, para quem os direitos individuais são apenas um reflexo dos direitos do Estado. Para Hegel a liberdade do indivíduo é o fundamento do direito, cujo conceito só tem realidade efetiva na sociedade estatal.

Kant foi quem submeteria o direito natural a uma última transformação,

ainda mais profunda que a de Rousseau: declararia o direito imanente ao homem e

não mais transcendente, o que o tornaria conseqüentemente mera criação humana, e

não algo superior que se lhe impõe (LE FUR, 1928, p.332).

3.11 A DESJURISDIZAÇÃO DO DIREITO

As grandes teorias do século subseqüente partiriam – todas elas – do marco

estabelecido por Kant e Rousseau. Algumas acentuando a ação do espírito impessoal

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na formação do direito, como o idealismo jurídico de Hegel. Outras reduzindo a

história do direito à história do espírito nacional dos povos, como a escola histórica

de Savigny. Haveria ainda aquelas que, negando toda a metafísica do direito, o

reduziriam a um produto da evolução social da humanidade, como no positivismo

jurídico de Spencer e Ihering. Finalmente, apareceriam as que iriam combater a

própria idéia do direito, ora em nome do socialismo, como Fourier ou Louis Blanc,

ora em nome da sociologia, como Augusto Comte (LIMA, 2001, p.187 et seq.).

As idéias desintegradoras do direito situam-se no contexto de uma Revolução filosófica global – do homem, da cultura, da civilização e do próprio universo. A reforma diluiu a base metafísica do justo desligando-o da lei eterna. E na busca de uma nova ordem jurídica fundada na Razão, a Revolução Francesa transportou para o Estado a tarefa de plasmar em códigos um direito pré-concebido cerebrinamente em laboratórios (OLIVEIRA, 2002, p.49).

A Revolução Francesa é sem dúvida o momento, a partir do qual, o Estado

torna-se adminículo e fonte de todo direito. Cambacérès em um discurso sobre a

ciência social afirmará que “todo direito há de emanar da autoridade pública” (apud

JOUVENEL, 1978, p.151). Posicionamentos assim se sucederam, de requinte em

requinte. Assim já se admitia que o indivíduo só vale através do Estado; que os

direitos individuais são apenas um reflexo do direito do Estado, afinal de contas, os

deveres que o Estado impõe devem necessariamente confundir-se com os direitos

dos seus membros (HEGEL, 1928, p. 82, 196, 251).

Os desdobramentos mais extremados desse legalismo (comumente

denominado por nossos juristas de positivismo jurídico, ou legalismo positivo –

expressões ao nosso ver bastante vagas) consubstanciaram-se nos ordenamentos

jurídicos elaborados pelos Estados totalitários do século XX, notadamente, os de

orientação nacional-socialista e comunista.

Entretanto, em nações de normalidade democrática, tal positivismo jurídico

foi capaz de assegurar por muito tempo, a segurança jurídica, a paz interna, e a

mantença das instituições. Ocorre que no decorrer de mais de dois séculos,

transcorridos desde a Revolução Francesa, o organismo jurídico continuara a ser

buído em sua integridade. Já desprovido de seus fundamentos metafísicos, o que

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sobrará ao direito? Lima (2001, p.23) acredita que, a continuar nesta marcha,

estaremos à mercê de um incerto relativismo jurídico, negador de toda juridicidade,

corolário do materialismo filosófico que pervadiu todas instâncias da atividade

humana:

Chegamos, finalmente, com o relativismo e o materialismo jurídicos, à supressão final de toda independência e de toda dignidade do direito e sua subordinação servil a outros valores históricos, de caráter político, econômico ou técnico. Em suma: o absolutismo jurídico do Renascimento levou-nos ao negativismo jurídico dos tempos modernos [grifo do autor].

Adiante, veremos como o alternativismo jurídico encaixa-se perfeitamente

como um dos agentes desta desvirtuação extremada que sofre o direito. Para

descrever a essência do direito alternativo é que se burilou o capítulo seguinte,

derradeiro da presente pesquisa.

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Capítulo 4 DA REVOLUÇÃO CULTURAL

NO DIREITO

Criar um sistema jurídico proletário; trazer à superfície aquilo que Marx e Lenine escreveram acerca da sobrevivência do direito burguês e sobre o desenvolvimento da sociedade comunista no seio da sociedade capitalista; renunciar à compreensão objetiva do direito e afirmar o ponto de vista normativo ou da vontade subjetiva (Paschukanis).

SUMÁRIO: 4.1 Um movimento de essência ideológica. 4.2 A razão do rótulo direito alternativo. 4.3 O direito: importante intrumento a serviço da revolução. 4.4 A linguagem alternativista e as categorias gramscianas. 4.5 Sociedade civil: movimentos sociais e direito alternativo. 4.6 Reforma do senso comum: alterar a noção do justo.

4.1 UM MOVIMENTO DE ESSÊNCIA IDEOLÓGICA

Quando o primeiro grupo de magistrados se reuniu na sede da Associação de

Juízes do Rio Grande do sul, para “pensar o direito comprometido com o novo

modelo de sociedade” (CARVALHO, A., 1993, p.30), foram convidados apenas juízes

socialistas. Era uma exigência ideológica ser juiz socialista.

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Esse aspecto ideológico não é acessório, mas faz parte da essência mesma do

Movimento do direito alternativo. Rodrigues (1992, v.2, p.184) dá prova disso ao

afirmar que “o movimento defende a construção de uma sociedade democrática [Cf.

item 2.8.2, supra] e socialista. Assume-se como dialético e parte da constatação de

uma luta de classes que não pode ser negada” [grifo nosso].

Arruda Júnior (1991, v.1, p.86) complementa esse entendimento

reconhecendo que os alternativos “assumem em grande medida, o referencial

marxista como ponto de partida para a compreensão do fenômeno jurídico”, ou

como afirma em outro de seus escritos:

O marxismo continua sendo um referencial importantíssimo para a análise do direito e, mais do que isso, da sociedade que pretendemos transformar, transformando a superestrutura jurídico-política (Id., 1993, p.91).

“O Direito é a vontade, feita Lei, da classe dominante”, ou seja, o Direito é

um instrumento de dominação. Após o exame de extensa bibliografia, pôde-se

verificar que essa informação básica é nela fornecida com bastante clareza, e até com

certa insistência, com as mesmas palavras ou com semelhantes.

É, realmente, o ponto de máxima insistência. Tomada assim, como se lê nos

autores alternativos, a frase parece um truísmo (em nenhuma das obras, havia a

referência bibliográfica, citando sua fonte). A conseqüência imediata desse

pressuposto é que a estrutura jurídica vigente careceria de plena legitimidade. Pois, se

o direito é mero instrumento de dominação “que defende os intentos de grupos

privilegiados e de minorias elitistas” (WOLKMER, 1991, v.1, p.138), não pode ter

legitimidade plena. Junqueira (1992, v.2, p.105-106) confirma a idéia ao fixar um dos

traços centrais do pensamento alternativo:

[No alternativismo jurídico] em qualquer de suas vertentes, o modelo de transformação da ordem estatal constrói-se a partir de um movimento de subversão do ordenamento jurídico existente – percebido, a partir de uma leitura marcadamente marxista, como um instrumento de dominação e de proteção dos interesses da classe detentora do poder econômico e político.

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Nessa lógica, seria preciso refazer a realidade histórica, satisfazer às

exigências de emancipação de uma classe social: “o proletariado portador da

consciência da transformação social, na concepção marxista clássica” (SOUZA

JÚNIOR, 1991, v.1, p.133). Trata-se de uma concepção, segundo a qual, o direito já

não é aceito como objeto da Justiça (CATHREIN, 1958, p.51 et seq.). O que se tem é

uma “proposta tanto de caráter prático, quanto teórico, de utilizar e consolidar o

direito e os instrumentos jurídicos numa direção emancipadora [...] como fator de

mudança social” (GOMEZ, 2001, p. 82).

O direito fica assim reduzido a mero uso por parte daqueles juristas

empenhados em construir o socialismo, convertendo-se em uma prática

revolucionária processual – a qual Gramsci denominou guerra de posições (ANDRADE,

1996, p. 127):

À dominação deve preceder um conjunto de direções culturais em instituições (na sociedade civil mas também no Estado), que possam dar consistência ao novo, desconstruindo o velho e apontando os sinais de perda da hegemonia global. Por conseqüência, a crise orgânica e a crise do bloco histórico que lhe acompanha, ao expressarem um novo rearranjo de forças no Estado, redefinem também o direito positivo [grifo nosso] (ARRUDA JÚNIOR, 1997c, p.104).

Por essa razão, o ordenamento jurídico vigente é rejeitado não por seus

defeitos e vicissitudes – afinal de contas, isso não lhe implicaria a perda da

legitimidade, visto no seu conjunto. “Consideram-no injusto em si mesmo porque

está a serviço da classe dominante, contrário à emancipação igualitária” (OLIVEIRA,

2002, p.126).

4.2 A RAZÃO DO RÓTULO DIREITO ALTERNATIVO

Essas posições adotadas pelos membros do alternativismo jurídico são

suficientemente diáfanas para esclarecer uma questão que já foi posta por vários

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autores: qual o sentido do termo “alternativo” adotado como auriflama? Tratar-se-ia

de uma alternativa à ordem jurídica vigente? Em que sentido? Deseja-se outra ordem

jurídica? As duas ordens – a odiada e a desejada – se alternariam como se alternam as

estações do ano? Ou coexistiriam pacífica e simultaneamente, no sentido em que se

pode dizer, que o peixe e a carne bovina são duas alternativas de que dispõe o

freguês? Ou haveria incompatibilidade entre ambas, sendo sua alternatividade a

mesma que existe, por exemplo, entre a vida e a morte, a saúde e a doença, o

trabalho e o roubo?

Eis aí vários tipos de alternatividade bem diversos: sucessão,

complementação, oposição. Não nos parece tarefa custosa concluir qual delas

convém ao termo direito alternativo. Adeodato (1992, p.164) explica que a palavra

“alternativo” “reclama um complemento nominal: alter(outro)nativo a que? A

resposta é simples [...]: ao direito dominante, oficial, dogmático”. O que se “exige é a

criação de um direito paralelo, este sim – pretendem – com plena legitimidade, em

função do qual sempre se julgariam os feitos, aproveitando-se ou não os preceitos do

direito posto, conforme certas conveniências” (DANIELE, 1995, p.318). Entende-se

portanto que, “na sociedade dividida existem dois direitos, o Direito da Dominação e

o direito alternativo da Libertação” (BOLETIM..., 1992, p.3).

O direito alternativo concorrerá com o direito vigente, ao mesmo tempo em

que se integrará a ele. Nisto consiste a alternatividade:

A simultaneidade de duas ordens jurídicas, de dois poderes, sendo um o “insurgente”. Dá-se a corrosão de um em benefício do outro, como se pode imaginar que acontecesse com dois irmãos siameses. Um (o Poder paralelo) iria crescendo e se nutrindo do outro (o Poder oficial), até lhe exaurir toda a seiva vital (DANIELE, 1995, p.324).

Nesse sentido, tem muito valor a explicação de Tarso Genro (1991, v.1,

p.26) ao se referir ao direito alternativo: “uma ordem dominante não está isenta nem

descontaminada de uma outra ordem, potencialmente existente, que concorre com

ela e ao mesmo tempo a integra”. Andrade (1992b, v.2, p.92) define muito

claramente como isso se dará em termos práticos:

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O Direito Alternativo será construído junto com uma nova sociedade. Sua origem está no uso alternativo do direito, pois, quando hegemônico, deixará de ser uso, para transformar-se no próprio direito. A reiterada interpretação alternativa do direito dogmático poderá levar a seu desmoronamento e transformação, mesmo de forma paulatina, em algo novo, o próprio Direito Alternativo [grifo nosso].

Todas essas idéias são desenvolvidas na tentativa de “encontrar uma teoria

que justifique esta praxis” (CARVALHO, A., 1993, p.32). Elas formam um quadro de

conjunto nitidamente revolucionário, composto de doutrina e de ação (OLIVEIRA,

2002, p.60).

4.3 O DIREITO: IMPORTANTE INTRUMENTO A SERVIÇO DA REVOLUÇÃO

“Combate-se com o Direito ante o fracasso das revoluções” (CARVALHO, A.,

1991, p.57). O Movimento do direito alternativo é dessa forma um braço dentro do

meio jurídico. Não é um processo revolucionário em si mesmo; nem tampouco uma

proposta em curso de revolução a partir do direito; mas sim a transposição de uma

praxis revolucionária também para a esfera jurídica – uma seara que não pode ser

negligenciada em um projeto eficiente de tomada do poder. “O direito está

teorizado, assim, como elemento dialético do processo revolucionário” (OLIVEIRA,

2002, p.65):

Sem embargo, devemos deixar claro que nenhum dos defensores do uso alternativo do direito crê que a revolução proletária há de se fazer prioritária ou fundamentalmente através do direito. O que destacam estes autores é a importância relativa do nível jurídico nas sociedades capitalistas avançadas. Seu abandono ou marginalização dentro da luta de classes poderia significar [...] uma falência de suas estratégias (GOMEZ, 2001, p.82).

Arruda Júnior (1992b, p.57-64) acredita ser difícil alcançar a hegemonia

alternativa entre os juristas. Mas deixa claro que o objetivo é ampliar os espaços de

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luta, para conseguir a hegemonia socialista em outras esferas da sociedade civil. Ou seja,

o direito é meio e não fim. A razão, segundo o autor, é que não se pode ter certeza

de que o direito novo nascerá após o último estampido revolucionário. Deve-se

então começar a construir esse direito emancipado “no seio da sociedade que se quer

negar, transformando-a numa processualidade que envolve vários campos de lutas

institucionais”, dentre eles, o direito [grifo nosso] (ARRUDA JÚNIOR, 1992a, p.173).

Gilberto Callado de Oliveira (2002, p.65) também conclui nesse sentido:

pode-se seguramente afirmar que o proselitismo alternativo é o mesmo

proselitismo comunista metamorfoseado ante o declínio de seu poder persuasório,

constituindo uma mera adaptação da Revolução ao âmbito da justiça. Mais a frente

prossegue o pensamento:

Assumindo inteiramente os seus princípios [da Revolução comunista], os alternativos não podem deixar de admitir aquela metamorfose, justificando-a como uma etapa dialeticamente experiencial, progressiva, rumo ao socialismo pleno (Ibid., p.66-67).

Na raiz dessa metamorfose comunista está acesa a idéia de que “o marxismo

não morreu, nem os ideais socialistas, sendo ambos necessários e úteis” (ARRUDA

JÚNIOR, 1995a, p.12). Arruda Júnior (1997a, p.17) acredita que uma forma de

retomar o pensamento de Marx é levar em consideração algumas pistas deixadas por

Gramsci, dentre elas, a estratégia de luta institucional democrática. Assim, como

“reside no marxismo historicista o terreno mais fértil para a projeção da tradição

marxista para o século XXI, sendo Gramsci o representante de maior impacto teórico

e prático” (Id., 1995a, p.13).

Perceba-se que começam a surgir traços de afinidades entre os anseios e o

discurso alternativo, e a doutrina de revolução cultural proposta por Antonio Gramsci.

Em um “trabalho que tem como objetivo levantar algumas questões pertinentes ao

direito contemporâneo a partir do Pensamento de Antonio Gramsci”, José de Lima

Soares (2000, p.160) procura enfatizar que, “na atual conjuntura – para os que buscam

uma alternatividade do direito e a constituição de uma nova sociabilidade humana – o

pensamento gramsciano poderá se constituir em um verdadeiro ponto de referência”.

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4.4 A LINGUAGEM ALTERNATIVISTA E AS CATEGORIAS GRAMSCIANAS

O pensamento alternativo é expresso em uma “linguagem recheada de

neologismos, quase impenetrável para quem não se acostume com ela” (OLIVEIRA,

2000, p.63). Por outro lado, é quase impossível de se decifrar, o verdadeiro sentido

dos textos alternativos sem um conhecimento prévio das categorias Gramscianas.

Termos como, por exemplo, sociedade civil, transição pacífica para o socialismo,

democracia, via democrático-consensual, socialismo democrático, pluralismo socialista, estado

ampliado, democracia radical, emancipação das classes subalternas devem ser entendidos

em sua acepção gramsciana. Não se pode, portanto, tomá-los em seu significado

corrente, sob pena de lhes retirar seu sentido autêntico e original.

4.5 SOCIEDADE CIVIL: MOVIMENTOS SOCIAIS E DIREITO ALTERNATIVO

Um dos aportes essenciais da estratégia gramsciana é a luta pela conquista da

hegemonia no seio da sociedade civil como condição para a tomada do poder.

Resulta desse pressuposto a necessidade de uma perfeita sincronia entre sociedade civil

e direito alternativo – entre as entidades privadas responsáveis pela conquista da

hegemonia e seus coadjutores nos meios jurídicos. Isso se explica porque “o processo

social de mudança é um movimento que tem na sociedade civil uma fonte originária e

redefinidora da esfera estatal” [grifo nosso] (ARRUDA JÚNIOR, 2001, p.45).

Como já se afirmou antes [Cf. item 2.3, supra], o conceito de sociedade civil

não coincide com o de povo, nação ou sociedade nacional, mas compreende –

tomando as palavras de Roberto Lyra Filho, um dos pioneiros do alternativismo

jurídico – aquele conjunto de grupos que “adotam posições vanguardeiras, como

determinados sindicatos, partidos, setores de igrejas, de associações profissionais e

culturais e outros veículos de engajamento progressista” (LYRA FILHO, 1996, p.10).

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Diego Duquelsky Gomez (2001, p.52) diz que essa “lista poderia ampliar-se

ainda mais com a incorporação de movimentos como o zapatismo de Chiapas ou o

sandinismo na Nicarágua”.

Pode-se afirmar que direito alternativo e sociedade civil é um binômio

irrevogável. Sendo parte de um processo autenticamente gramsciano, o direito

alternativo, emerge “em meio a uma cultura instituinte dos movimentos sociais”

(WOLKMER, 1992, v.2, p.17). A explicação reside no fato de que, para os

alternativistas, este direito, por ter origem na sociedade civil, é mais justo e legítimo em

relação ao Direito Estatal, motivo pelo qual serve de base para o novo paradigma

jurídico (ANDRADE, 1996, p.312).

Não se pode olvidar que sociedade civil é o termo técnico com que Antonio

Gramsci designa a rede de entidades extrapartidárias a serviço do Partido. Não é

correto, entretanto, afirmar que o Partido as controla. Elas fazem parte da essência

do que Gramsci chamava de Partido ampliado ou Estado ampliado.

É impossível não reconhecer a genialidade do conceito de Estado ampliado

como interação entre sociedade política e sociedade civil organizada. Com isso Gramsci

criou uma forma de poder irresistível e disfarçada. A sociedade civil, então convertida

em legítima procuradora da totalidade dos cidadãos, fará suas reivindicações à

sociedade política. Esta última atenderá aos “anseios do povo” – representado pela

sociedade civil organizada.

A palavra “diálogo” seria inadequada para descrever esse processo, uma vez que

estaria pressuposta a existência de dois indivíduos distintos. O que se tem é um

monólogo, porque seus personagens (sociedade civil e sociedade política) são etapas ou

instâncias de um mesmo ente: o estado ampliado. Quando a rede formadora do estado

ampliado já abrange os principais canais de expressão da sociedade, não há mais opinião

pública, Olavo de Carvalho (2004), citando Gramsci no final do parágrafo, esclarece:

Há apenas a voz do Partido, ecoada em muitos tons e oitavas que simulam variedade espontânea. É a materialização da “hegemonia cultural” que monopoliza as idéias em circulação e forja até o vocabulário dos debates públicos, adquirindo sobre a mentalidade

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geral “o poder onipresente e invisível de uma lei natural, de um imperativo categórico, de um mandamento divino” [grifo nosso].

A difusão da estratégia de Antonio Gramsci nos meios alternativos foi um

forte elemento orientador de rumos e objetivos. Da análise das posições do

movimento ao longo do tempo, pôde-se observar, gradativamente, um movimento

migratório para as “categorias” gramscianas, ainda que nem todos os autores façam

referência expressa a Gramsci. A linguagem marxista clássica foi em larguíssima

medida substituída. Até mesmo as expressões “direito alternativo” e “uso alternativo

do direito”, passaram a ser utilizadas mais escassamente. No último Congresso

Internacional de Direito Alternativo, elas não apareciam em nenhuma das teses

aprovadas (OLIVEIRA, 2002, p.11). Tudo isso representa um aparente recuo

estratégico, que permite a continuidade da marcha do processo revolucionário, com

mais força inclusive.

A gradualidade defendida por Gramsci não descarta o uso da violência em

um momento decisivo. Quer dizer que para os alternativistas, “aceitar a tese da

revolução processual não significa abandonar, por considerar fora de questão, o

‘momento explosivo’ que não deve ser descartado, afinal, difícil crer que a burguesia

recuará [...]” (ARRUDA JÚNIOR., 1991, p.97).

A relação de simbiose com movimentos organizados não chega a ser uma

postura caritativa ou humanitária por parte dos adeptos do direito alternativo, como

poderia parecer, à primeira vista (Cf. ANDRADE, 1992b, p.82). Interessam-se por

esses grupos porque a base desse direito são “os novos movimentos sociais enquanto

sujeitos coletivos capazes de produzir Direito” [grifo nosso] (Id., 1996, p.312).

Quando essas “coletividades” mostram-se avessas à luta de classes ou não estão

“conscientizadas” tornam-se incapazes de “produzir direito”. Isso cria um problema

para a teoria do direito alternativo, na medida em que, sua fonte é justamente a

sociedade civil.

Henri Lefèbvre (1970, p.56), conceituado interprete da teoria da luta de

classes, na célebre obra O marxismo, elucida o fenômeno ao censurar com escárnio

àqueles que assumem posições humanistas e caritativas, classificando sua atitude

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como “humanismo sentimental e choraminguento”. Ressalta que “o marxismo vê no

proletariado seu futuro e possibilidade” e por isso é preciso interessar-se por ele

“não enquanto é fraco, mas enquanto é forte”.

Gramsci soube ampliar imensamente a massa de manobra a serviço da

revolução. Quando cunhou a expressão classes subalternas tinha em mente uma

zurrapa bem heteróclita, a qual não se limitava meramente ao proletariado [Cf. item

2.3, supra]. Isso explica a aparente contradição de que a sociedade civil não seja

constituída unicamente de “explorados”, guardando em suas fileiras não pequeno

número de pessoas que ostentam uma cornucópia invejável.

Há uma relação umbilical entre o alternativismo jurídico e os chamados

movimentos sociais, porque, aqui no Brasil, tais grupos constituem o mais

preponderante elemento daquela lista de organizações privadas pertencentes à

sociedade civil. Por esse motivo, os partícipes do direito alternativo devotam tamanha

importância a esses movimentos.

Na realidade o alternativismo jurídico é um direito concorrente e antagônico

ao Direito vigente (DANIELE, 1995, p.319). Por isso seus partidários consideram o

MST e seus congêneres não só como fonte, mas também uma manifestação típica

desse direito na ordem dos fatos. As invasões, rurais e urbanas, consubstanciam um

momento impar: é quando o poder paralelo sai dos livros, e enfrenta o Estado

(Ibid.).

Com o respaldo que se confere a esses movimentos, se está a favorecer a

conquista da hegemonia através de “novas práticas de cunho emancipatório” (ARRUDA

JÚNIOR, 1997b, p.66). José Moreira Pinto não deixa dúvidas ao afirmar que os

alternativistas vinculam “a proposta de justiça nesses movimentos à utopia

comunista” (PINTO, 1992, p.53).

Importante também é destacar que em um detalhe os alternativistas

ultrapassaram a estratégia gramsciana. Gramsci concebera que a guerra de posições

seria travada unicamente no âmbito da sociedade civil. Os líderes do movimento

alternativo têm movido essa guerra na esfera da sociedade política (Estado em sentido

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estrito), por meio de sua inserção e participação no Poder Judiciário.

Não acreditamos que tal fato constitua uma descaracterização do

gramscismo, mas, um incremento dessa estratégia. Afinal, a realização da guerra de

posição junto à sociedade política não é novidade. A sua prática fora antecipada e

sistematizada, já antes, pelo autor neo-gramscista Nicos Poulantzas (Cf.

POULANTZAS, 1977). Para Arruda Júnior (1997b, p.65), “trata-se de um

enriquecimento de Gramsci, ampliando o conceito de hegemonia” e – continua o

autor – “os operadores jurídicos, no seio do Estado, aproveitam essa tese” (Ibid.).

Por tudo isso, verifica-se dois pontos de originalidade no movimento do

direito alternativo brasileiro, se comparado com os de outros países: a adoção da

estratégia gramsciana e, por corolário, sua articulação com a sociedade civil. Lédio

Rosa de Andrade (1996, p.320) afirma que os magistrados brasileiros “uniram-se aos

demais partícipes da esfera jurídica e buscam uma aproximação com os movimentos

populares organizados, percorrendo, então, um caminho não seguido pelos juristas

italianos e espanhóis” [grifo nosso].

4.6 REFORMA DO SENSO COMUM: ALTERAR A NOÇÃO DO JUSTO

Gramsci não engendrou uma diretriz concreta de atuação no meio jurídico.

Não o fez por absoluta desnecessidade. A explicação é simples: uma vez que o

gramscismo atinge um certo grau de difusão, ele começa a pervadir – quase que por

automatismo – as manifestações culturais, idéias e instituições de uma determinada

sociedade. A justiça e o direito não poderiam fugir a essa regra. Olavo de Carvalho

(1994, p.46) explica o fenômeno:

Ninguém entenderá o gramscismo se não perceber que o seu nível de atuação é muito mais profundo que o de qualquer estratégia esquerdista concorrente. Nas demais estratégias, há objetivos políticos determinados, a serviço dos quais se colocam vários instrumentos, entre eles a propaganda. A propaganda permanece, em

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todas elas, um meio perfeitamente distinto dos fins. Por isto mesmo a atuação do leninismo, ou do maoismo, é sempre delineada e visível, mesmo quando na clandestinidade. No gramscismo, ao contrário, a propaganda não é um meio de realizar uma política: ela é a política mesma, a essência da política, e, mais ainda, a essência de toda atividade mental humana. O gramscismo transforma em propaganda tudo o que toca, contamina de objetivos propagandísticos todas as atividades culturais, inclusive as mais inócuas em aparência.

O gramscismo é menos uma filosofia do que uma estratégia de ação

psicológica “destinada a predispor o fundo do ‘senso comum’ a aceitar a nova tábua de

critérios proposta pelos comunistas, abandonando, como ‘burgueses’, valores e

princípios milenares” [grifo nosso] (CARVALHO, O., 1994, p.45). Uma das funções

primordiais do direito alternativo será suprimir, do senso comum, a idéia tradicional de

justiça (OLIVEIRA, 2002, p. 69).

Gramsci enfatizava a importância de ter às mãos a educação primária. É que

seu plano de ação é extremamente “pedagógico”. É difícil delimitar a exata

concepção gramsciana do direito, mas há nela um traço fundamental: a função

pedagógica do direito. Arruda Júnior (1997b, p.65) explica que Gramsci ao mesmo

tempo em que “enfatizava o caráter negativo, admitia a função pedagógica do direito. Ao

mesmo tempo em que se referia aos técnicos do direito como zonas de indiferença, propõe

a construção de uma concepção do direito essencialmente inovadora” [grifo do autor].

Essa chamada “função pedagógica do direito” é a chave para se entender a

razão de existir um movimento jurídico revolucionário, fundado em métodos

gramscianos. Gramsci acredita que o direito desempenha função idêntica à da escola,

só que de maneira coativa. Os tribunais seriam instrumentos pelos quais se

processaria, de forma negativa, o exercício pedagógico da hegemonia [grifo nosso]

(GRAMSCI, 2000, v.3, p.284; SOARES, 2000, p.161). Dessa forma, ter-se-ia um

eficiente meio de educação e assimilação das massas:

[...] é um problema de educação das massas, de sua “conformação” segundo as exigências do fim a alcançar. Esta é precisamente a função do direito no Estado e na sociedade; através do “direito”, o Estado torna “homogêneo” o grupo dominante e tende a criar um conformismo social

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que seja útil à linha de desenvolvimento do grupo dirigente (GRAMSCI, 2000, v.3, p.240).

Há uma “preocupação de Gramsci com o novo senso comum. Ele acreditava

na possibilidade de transformação social construída a partir da ampliação de

expectativas morais indicadas em princípios jurídicos” (ARRUDA JÚNIOR, 1997a,

p.36). Conseqüentemente, alterando-se os princípios jurídicos, criando-se um “novo

direito” se estará dando mais um passo para a substituição do senso comum. E nos

meios jurídicos, “o direito alternativo é o projeto mais próximo da redefinição do

senso comum” [grifo nosso] (ARRUDA JÚNIOR, 1997c, p.103). Gomez (2001, p.11-16)

explica mais detalhadamente:

Nos encontramos frente à emergência de um novo “senso comum” jurídico e político, a partir do qual é possível fundamentar uma nova teoria da democracia e da emancipação. [...]

O ponto de chegada de nosso largo caminho será a conclusão da imperiosa necessidade de entender o direito alternativo, seus limites e possibilidades, no marco de uma redefinição do papel da juridicidade, de mãos dadas com os “atores não-convencionais”, sem os quais o novo “senso comum”, ao qual fazíamos referência anteriormente, não poderia ser sequer imaginado [grifo nosso].

Os operadores do direito ficam investidos do status de intelectuais orgânicos.

Uma de suas tarefas mais essenciais será a de extirpar do senso comum a noção natural

de justiça. Para tanto, vêm realizando um árduo trabalho de “desconstrução”

(ARRUDA JÚNIOR, 1997b, p.66) do ordenamento jurídico existente, por meio de

diversos canais e práticas.

Não nos lançaremos à empresa de analisar, de forma pormenorizada, proble-

mas como segurança jurídica ou limites interpretativos do julgador sob pena de extra-

vasar os limites da pesquisa. Mas cabem algumas considerações em face das investidas

alternativistas contra o senso comum jurídico que – acreditam – deve ser substituído.

Os alternativistas adentram no terreno da aplicação da lei por entender que o

processo legal existente é uma “farsa” (ANDRADE, 1992a, p.102). Admitido esse

pressuposto, a lei atual poderá ser frontalmente desobedecida, já que “em

determinados casos há que se romper os limites da legalidade” (CARVALHO, A., 1991,

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v.1, p.57); ou simplesmente manipulada, por meio de uma operação de “guerrilha

interpretativa” (Id., 1992, p.89).

Há quem afirme que essas duas visões a respeito dos limites de interpretação

constituem duas correntes do movimento, sendo uma radical, por defender as

decisões contra legem, e outra moderada, por contentar-se apenas em praticar

guerrilha interpretativa. Entretanto, ambas pressupõem logicamente o mesmo

fundamento: o direito vigente careceria de plena legitimidade, da qual seria detentor

o Direito achado na rua, insurgente e alternativo.

Essa diferenciação entre moderados e radicais não se sustenta, tendo em

vista o escopo revolucionário e utópico que rege o movimento. Interpretar ou

desobedecer à Lei de frente, não passam de dois matizes que dependem de tática ou

de paladar, dentro de um mesmo sistema. Nada mais que uma divisão interna,

quanto aos métodos.

Entretanto, é preciso ponderar que a corrente intitulada de “moderada” tem

suscitado menos reações e possibilitado, com muito mais eficiência, a difusão de suas

idéias, inclusive entre pessoas infensas aos “radicais”. Isso se deve não só à proposta

de manipular a lei em vez de afrontá-la, mas também à adoção de um discurso muito

mais sentimental do que contestatário, à escamoteação dos objetivos mais

extremados, além de outros tantos pequenos pontos que fazem muita diferença na

hora angariar simpatias e conquistar adeptos.

Esse modo de agir está muito mais adequado à estratégia gramsciana, por sua

capacidade de influenciar, sem levantar oposições. Mas, não quer dizer que os

radicais não tenham o seu papel: a aparente divisão entre moderados e radicais é um

dos elementos daquela miscelânea de propensões [Cf. item 1.3, p.23] ínsita a

qualquer processo revolucionário:

A explosão desses extremismos levanta um estandarte, cria um ponto de mira fixo que fascina pelo seu próprio radicalismo os moderados, e para o qual estes se vão lentamente encaminhando. Assim, o socialismo repudia o comunismo mas o admira em silêncio e tende para ele. Mais remotamente o mesmo se poderia dizer do comunista Babeuf e seus sequazes nos últimos lampejos da

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Revolução Francesa. Foram esmagados. Mas lentamente a sociedade vai seguindo o caminho para onde eles a quiseram levar. O fracasso dos extremistas é, pois, apenas aparente. Eles colaboram indireta, mas possantemente, para a Revolução, atraindo paulatinamente para a realização de seus culposos e exacerbados devaneios a multidão incontável dos “prudentes”, dos “moderados” [grifo nosso] (CORRÊA DE OLIVEIRA, 1998, p.47).

A atitude de rejeição do direito alternativo não se limita ao direito positivo.

Inclui também uma série de princípios jurídicos admitidos como válidos desde as

primeiras fímbrias de civilização. É o caso da segurança jurídica. Amilton Bueno de

Carvalho está convicto de que é um instituto que deve ser abolido, chegando a afirmar

que “quem precisa de segurança jurídica é conservador” (apud DANIELE, 1993, p.8).

Por conseguinte, o próprio direito alternativo fica transformado em uma

“roda-viva”, permanentemente cambiante, uma vez que a segurança jurídica é conde-

nada in totum, e enquanto princípio. E a despeito de alguns autores afirmarem que o

direito alternativo seja também a construção de um “novo direito” já no seio da

sociedade burguesa (ANDRADE, 1992b, v.2, p.92; ARRUDA JÚNIOR, 1992a, p.173; Id.,

1997c, p.104; CARVALHO, A., 1993, p.30), a negação do princípio basilar da seguran-

ça jurídica o torna apenas um direito de “negação” ou “desconstrução” (GOMEZ,

2001, p. 82; JUNQUEIRA, 1992, v.2, p.105-106) do ordenamento jurídico vigente e da

sociedade atual. Não passa de um mero instrumento de revolução, que será

descartado no momento oportuno, quando já tiver cumprido o seu papel.

A segurança jurídica é um elemento indispensável para a subsistência e

manutenção de qualquer sociedade minimamente organizada. Ao admitir a hipótese

de uma “justiça insegura”, o direito alternativo mostra, mais uma vez, que tem em

vista apenas o esboroamento do direito instituído. Porque, se por um lado, a

hipótese de uma “segurança in-justa é inadmissível, não menos o será – e aqui até

inclusive, se supõe, como impossível de fato – uma justiça in-segura, uma justiça in-

certa” [grifo do autor] (DIP, 2003). O Prof. Ricardo Dip (2003) esclarece mais

detalhadamente:

Os homens precisamos saber em que nos fiar, a que nos ater, quais são as regras do jogo, as regras da vida jurídica em concreto. Isto é

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indispensável para que possamos exercitar o direito de observância de nossos deveres de justiça e de exigir que, a nosso respeito, se observem também os deveres jurídicos que lhes correspondam [grifo do autor].

Na verdade, para o intelectual orgânico operador do direito, defensor do

direito alternativo, essa discussão não tem o menor interesse, já que esse tipo de pro-

cedimento desestabilizador objetiva criar um “caos criativo” (GOMEZ, 2001, p.57),

armando conflitos, para possibilitar que o próprio direito alternativo entre em cena

com suas “soluções” (Ibid.). Assim é que se considera que as invasões rurais e urbanas

constituem verdadeiro direito, válido contra a Lei que as proíbe (DANIELE, 1993, p.8).

Todo esse conjunto de disposições atesta o reduzido caráter jurídico

presente no direito alternativo. Mas isto não preocupa seus asseclas. Seguindo dessa

forma, o direito alternativo vai realizando sua missão de reformar o senso comum, por

meio de seus adeptos – os intelectuais orgânicos, operadores do direito.

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CONCLUSÃO

Os Romanos, inspirados filosoficamente nos gregos, criam o Direito como arte autônoma, relativamente livre da álea fugaz da sorte política. E concebem-no com parte natural e parte positiva. Compreendendo que a aspiração humana à Justiça nunca se deixará enclausurar no papel das leis. Daí que o Direito Natural seja o grande inspirador e o grande julgador do Direito positivo (Paulo Ferreira da Cunha).

Uma das maiores realizações da civilização foi ter arrancado o direito ao

império dos caprichos pessoais, dos interesses políticos, da submissão servil a toda

ordem de interesses responsáveis por desviá-lo daquela razão única que é a de ser

objeto da justiça. Essa conquista, entretanto, não duraria para sempre. Por volta do

século XIV, o direito começaria a ser corroído lenta e sucessivamente. De ciência

independente e autônoma foi paulatinamente se submetendo à política, à economia,

e a um vazio tecnicismo.

Apesar de tudo isso, difícil era conceber que viria o dia em que se defenderia

o uso do direito como elemento desagregador do tecido social. A instrumentalização

do direito proposta pelos alternativistas jurídicos ultrapassa em grande medida todo

tipo de desvirtuação que essa ciência sofrera até então. O direito alternativo ao

mesmo tempo em que defende uma espécie de negativismo jurídico, não reconhecendo

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a validade do sistema jurídico vigente, prega a utilização do direito para fins

declaradamente ideológicos.

A sua idéia de justiça já não passa pelo suum cuique, mas adquire legitimidade

em vista dos fins almejados. O que se tem em vista é a realização de uma estratégia

revolucionária, a qual não se desenvolve unicamente na seara do direito: a estratégia

gramsciana. O interesse pelo direito, reside simplesmente na sua importância para a

realização utópica. Tudo o mais se desenvolve em torno dessa idéia principal –

inclusive a noção do justo.

A confrontação com a ordem estabelecida repousa na escusa de que o

ordenamento jurídico vigente não passaria da vontade, feita Lei, da classe dominante.

Quem detém o poder faz as leis. Estas por sua vez refletem a vontade de seus

autores. Nisso não há qualquer descoberta. Ocorre que pela glosa alternativista

acredita-se que as Leis são feitas exclusivamente de acordo com os interesses

econômicos da classe que prepondera na sociedade.

Não se nega aqui a possibilidade de haver abuso de poder, por parte de

quem o detém. Lamentavelmente, pode ocorrer que a elite responsável, por exemplo,

pela criação das leis, faça-o em favor próprio. O que não é possível de se admitir é a

inevitabilidade determinista de que isto se dê, como querem os alternativistas. Da

mesma forma, não se pode acolher nem a legitimidade de um projeto que passe pela

eliminação de uma classe social – por meio de uma longa guerra de posições – nem

tampouco o direito dos adeptos do direito alternativo em coadjuvar esta guerra.

É preocupante observar como os alternativistas voltam o mais completo

desprezo a quem não concorde com seus pontos de vista. Isso se deve à condição de

intelectuais orgânicos ocupada pelos juristas partidários do direito alternativo dentro da

estratégia proposta por Antonio Gramsci. Aos outros juristas, intelectuais tradicionais,

que não aceitem a tábua do “direito novo”, restará duas opções: aderir aos intelectuais

orgânicos, ou se conformar a perder o bonde da história (GRAMSCI, 2000, v.2, p.16, 20).

Fazemos nossas as palavras de Avellar Coutinho (2003, p.42), para descrever

esse fenômeno intrigante: a convicção dos gramscistas de que são arautos da

modernidade, encobertos por um manto de legitimidade que tudo justifica:

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[Os intelectuais orgânicos] assimilando ou tomando os intelectuais tradicionais adesistas ou ingênuos por aliados, “inocentes úteis” ou “companheiros de viagem”, constituem uma oligarquia autoritária que, fazendo censura de fato e assumindo o monopólio do discurso, exercem a direção cultural e política da sociedade civil e do próprio Estado. O projeto gramsciano de superação do senso comum burguês é um elemento desencadeador de um fenômeno em cadeia, criando um clima de mudanças, naturalmente estimulador, que elimina a estabilidade dos valores e conceitos da sociedade, enfraquecendo suas convicções culturais e suas resistências morais e cívicas.

Os adeptos do direito alternativo são pouco numerosos, para se falar em

censura de fato, como ocorre em outras áreas do saber. Mas já é de causar espécie a

massa de operadores do direito que, de forma incauta, faz coro a fragmentos do

pensamento alternativista, mesmo sem o saber. Em geral, simpatizam com aspectos

acessórios desse movimento, sem contudo ter noção da estratégia revolucionária aí

existente. Chega a ser estranho notar como é desconhecido esse aspecto essencial do

alternativismo jurídico, uma vez que não haveria razões para isso, já que seus autores

dizem-no abertamente.

A continuar ignota a verdadeira face do alternativismo jurídico, a penetração

sutil de suas doutrinas não cessará. A substituição do senso comum jurídico realizar-se-

á, sem que para isso o direito alternativo, enquanto movimento distinto do restante

dos juristas, seja preponderante, afinal, militância declarada não era a preocupação de

Gramsci, e os seguidores do direito alternativo sabem disso. Talvez quando nossos

juristas se derem conta de que o Movimento do direito alternativo não é

simplesmente um grupo de aventureiros, mas parte de uma matizada estratégia

revolucionária, possa ser tarde demais.

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