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Revolucao de 1932 em sao joao da boa vista

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Revolução Constitucionalista de 1932 em São João da Boa Vista. Coluna Romão Gomes. Sodado Maria Sguassábia. Um livro escrito por Neusa Menezes, Francisco Arten e Lucelena Maia.

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1932 em São João da Boa Vista

Publicação sugerida pela Academia de Letras de São João da Boa Vis-ta, em comemoração aos 80 anos do Movimento Constitucionalista.

Coordenação:Francisco de Assis Carvalho ArtenCapa, diagramação e iconografia:Neusa Maria Soares de MenezesProdução:Lucelena MaiaFotos:Acervo Tita OliveiraAcervo Museu Histórico Armando de Salles OliveiraAcervo Antônio Carlos LoretteAcervo Cidinha DezenaAcervo Herbert LevyAcervo Academia de Letras de São João da Boa VistaRevisão:Vedionil do Império

Academia de Letras de São João da Boa Vista�0��[email protected]@[email protected]@netsite.com.br

Capa: No pátio da E.E. Joaquim José, o Comandante Romão Gomes posa ao lado de soldados e voluntários. A escola havia sido requisitada como quartel adminis-trativo das tropas constitucionalistas. No dia 6 de setembro, após o recuo dos paulistas, a mesma escola serviu de quartel à tropa federal. Os paulistas reocupa-ram o prédio no dia 12 de setembro, quando da retomada da cidade.

Como diz Maria Sguassábia em mensagem deixada aos sanjoanenses: foi ontem.

Os comícios atraem multidão para ouvir oradores indignados com a ditadura. As fa-mílias, antes de lamentar, sentem orgulho do filho que parte para a guerra. As mulheres se organizam. As crianças se alvoroçam: querem participar. Os mais velhos tentam empolgar os mais novos. E quando alguém precisa de aju-da, todas as mãos se estendem. E na desventu-ra, quando algum tomba, sem exceção, todos choram.

Nunca São João da Boa Vista esteve tão unida e solidária como em 1932. Só tamanha união explica seu feito épico: ter sido a única a vencer nos campos de batalha a guerra que São Paulo só venceu no campo moral.

Para Gilberto Freire, estudar a história “leva-nos perto, o mais perto possível dessa eterna fugitiva, sempre a esvair-se deixando apenas o perfume: a verdade”.

Eric Hobsbawn diz que “o historiador deve lembrar coisas que a sociedade insiste em es-quecer”. Penso que a história é fundamental para entender a vida.

O sanjoanense sonhou um só sonho, acre-ditou nele, lutou por ele e sofreu unida nas horas de angústia e derrota. Por todo canto exalava-se um amor desenfreado pelo ideal constitucionalista, pela liberdade e pelos direi-tos ultrajados.

Escrever sobre este momento foi prazero-so. Dar voz aos heróis de 32, faz-nos sentir dotados do poder de ressuscitar os mortos, dando a eles a oportunidade de falar às novas gerações sobre seus ideais, angústias e cren-ças. E suas vozes continuam fortes e corajosas, 80 anos depois.

(Francisco Arten, professor e presidente da Academia de Letras de São João da Boa Vista)

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São João da Boa Vista marcou importante presença no cenário do Estado de São Paulo na Revolução Constitucionalista de 1932, e dela se serve para reviver os acontecimentos - pro-vavelmente sem a exaltação cívica da época e sem o mesmo entusiasmo pelas demonstra-ções de eficiência com que os civis aderiram ao movimento – buscando fortalecer a ideia de preservação da memória, por esta respeitá-vel história que se abrirá nas próximas 80 pági-nas, em que a cidade se apresenta com perso-nagens que fizeram e ficaram na biografia do País.

Não tivéssemos história para contar, nada saberíamos do Brasil épico que passou a refle-tir sobre si próprio e seu destino, após a Revo-lução Constitucionalista.

O povo é protagonista dos acontecimen-tos, mas tornar-se-á esquecido na história e a história no tempo se imagens e textos não

forem juntados como garantia da memória do fato.

Por isso, mais uma vez engajei-me, junta-mente com o Presidente Arten e a confreira Neusa Menezes, a realizar um projeto, de mi-nha parte, buscando nos amigos da cultura - protetores das letras, ciências e arte – o apoio para que nossa missão fosse cumprida.

As logomarcas na contracapa deste livro são respostas de credibilidade à história, mas também de generosidade para conosco.

Pensando assim, reforço o agradecimento, em nome da Academia de Letras:

Patrocinadores, muito obrigada por acre-ditarem no livro que lhes foi apresentado an-tes mesmo de estar pronto!

(Lucelena Maia - Academia de Letras de São João da Boa Vista, romancista e poeta)

Ao pesquisar a história da Revolução Cons-titucionalista de 1932 na região de São João da Boa Vista, fiquei fascinada pela saga de uma mulher, chamada Stela Rosa e que na pia ba-tismal teve acrescentado Maria em seu nome, viúva, com uma filha de 10 anos de idade, pro-fessora primária, destemida e corajosa.

Lecionava na pacata fazenda Paulicéia, quando o local fora requisitado para tornar-se um quartel, em virtude da proximidade com a fronteira com Minas Gerais.

Maria começou a interessar-se pelo movi-mento da guerra, pois seu irmão encontrava-se aquartelado nesta fazenda.

Quando, ao perceber que os jovens solda-dos estavam apavorados diante da incerteza trazida pela guerra e começaram a desertar, vestiu a farda do irmão, soldado voluntário e entrou escondida no caminhão, quando este

passou rente à escola onde ela lecionava. Era um entardecer...

Não sabia atirar e aprendeu tudo a duras penas, já dentro de uma trincheira.

Esta mulher, filha de imigrantes italianos, conservadores, não mediu esforços para dar sua contribuição ao país naquele momento tão conturbado.

Pagou um preço elevado por ser mulher e ter prendido um comandante das tropas inimi-gas. Perdeu seu emprego, mas nunca a digni-dade.

Desafiou os preconceitos de uma época em que a mulher não tinha nenhum direito, nem sequer ao voto e nos deixou um belíssimo legado: É nossa HEROÍNA!

(Neusa Menezes - Academia de Letras de São João da Boa Vista e pesquisadora)

JOVENS DE 32

Onde estais com vossos ponchos,os fuzis sem munição,os capacetes de aço,os trilhos do trem blindado,o leme de vossas vidas,a saga de vossos passos... Onde estão?

Em que ossário vossa audáciafala aos que dormem por fuga,em que campo vossa morteclama aos que morrem em vida,em que luta vosso lutoamortalha os tempos novos?

Voltai daquelas trincheiras,voltai de vosso martírio,voltai com ou sem aqueles ideais,

voltai com o sangue que destes,voltai com os brios de julho,voltai ao chão ocupado,voltai à causa esquecida,voltai à terra traída,voltai , jovens soldados...Apenas ...voltai!

Em boa hora São João da Boa Vista, através de sua Academia de Letras, com a iniciativa das acadêmicas Neusa Menezes e Lucelena Maia, assim como do Presidente Francisco de Assis Carvalho Arten, celebra os 80 anos da Revolu-ção Constitucionalista de 1932.

Farta documentação fotográfica e textos inéditos acompanham este resgate histórico de uma época injustamente esquecida.

Que o exemplo da Academia de Letras de São João da Boa Vista seja seguido.

Não podemos deixar morrer os nossos mortos.

Paulo Bonfim

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O QUE FOI A REVOLUÇÃO DE 32

O principal objetivo da Revolução Consti-tucionalista de �� era derrubar a ditadura de Getúlio Vargas e a promulgação de uma nova Constituição para o Brasil. Para os paulistas , desde então, representa a resistência em favor da democracia. Foram 87 dias de combates, de 9 de julho a 4 de outubro de 1932, com um saldo oficial de 934 e estimativas não oficiais de 2.200 pessoas.

A Força Pública, atual Polícia Militar do Es-tado de São Paulo, foi o sustentáculo do Exérci-to Revolucionário Paulista durante os três me-ses de confronto.

A diferença entre os dois exércitos era gri-tante. A Força Pública, ao entrar no conflito, estava com seu arsenal em estado precário, pois desde a Revolução de 1930 não era abas-tecido, além de ter sofrido com a eliminação de sua Artilharia e Aviação. O Governo Fede-ral vinha, desde aquele ano, enfraquecendo os

paulistas, promovendo cortes drásticos, procu-rando enfraquecer a Força Pública, com a reti-rada de seus destacamentos, armas e veículos. O governo Federal temia uma possível reação de São Paulo ao golpe dado contra o Governo do paulista Washington Luís. Na época, com sua Infantaria e Aviação Militar, São Paulo era o segundo maior corpo armado da América La-tina, perdendo apenas para o próprio Exército Brasileiro. A revolta dos militares de São Pau-lo se acentuou quando foi nomeado para co-mandá-los o Major Miguel Costa, pois ele ha-via sido expulso de suas fileiras em 1924, por tentar derrubar o governo Paulista.

As intervenções do Governo Federal na Força Pública vinha surtindo efeito e a situa-ção era crítica quando do início do movimento Constitucionalista. A tropa contava com cerca de 10.200 homens, dispunha de 8.685 fuzis em péssimo estado de conservação. No total os paulistas contavam com pouco mais de trin-ta e cinco mil homens, a maioria, voluntários

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sem nenhum preparo militar. Já do outro lado, o Governo Federal contava com cem mil ho-mens, todos treinados e equipados com farto e moderno equipamento bélico, adquirido no exterior. Portanto, os soldados paulistas en-frentaram com imensa desigualdade as tropas da Ditadura de Vargas, buscando com imenso patriotismo o restabelecimento da democra-cia.

A GUERRA PAULISTA

A “guerra paulista” tem uma característica curiosa. A voz amplamente dominante é dos vencidos e não dos vencedores. Enquanto para os primeiros não passou de um ato de rebel-dia, para os vencidos foi um exemplo de parti-cipação dos cidadãos em defesa dos mais altos ideais. O poeta Paulo Bonfim resume o ideal paulista no poema intitulado “É sempre 9 de julho” quando diz:

Enquanto houver injustiça; enquanto houver sofrimento; enquanto a terra chorar; enquanto houver pensamentos; enquanto a história falar; enquanto existir beleza; enquanto florir paixão; enquanto o sonho só for sonho; enquanto existir saudade; enquanto houver esperanças; enquanto os mortos valerem; É sempre 9 de julho.”

Na foto, oficiais e voluntários da Coluna Romão Go-mes. Entre eles Luiz Quinzani, José Paschoal, Tenentes Adrião e Falcão, Francisco de Bernardis, - sem farda, - encarregado da alimentação dos soldados. Ao lado de Francisco de Bernardis, está Roque Fiori.

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O 9 DE JULHO NA REGIÃO

Na região de São João da Boa Vista a re-volução de 1932 teve características diferentes das demais regiões do Estado. A começar pelo líder que aqui comandou os revolucionários: Romão Gomes. Sobre ele o capitão Herbert Levy assim se referiu:

“Somente os que tiveram a ventura de estar com ele em contato, a princípio, no Pri-meiro Batalhão Paulista da Milícia Civil e mais tarde, sob a bandeira da coluna que tomou o seu nome, serão capazes de avaliar a grande soma de qualidade com que a providência o distinguiu”.

Herbert Levy era um dos jovens voluntá-rios vindos da capital para combater na região. Eficiente e disciplinado, chegou ao posto de ca-pitão. Anos depois, escreveu o livro: ‘A Coluna Invicta”, onde relata os feitos da Coluna Romão Gomes. Herbert Levy foi posteriormente depu-tado federal por vários mandatos.

Ao eficiente comando de Romão Gomes também se atribui outra característica única da

revolução na região de São João da Boa Vista. Sua coluna foi a única invicta em todo Estado. E o próprio Romão Gomes é quem faz um balan-ço da atuação da coluna que comandou:

“O destacamento em questão, se teve, fo-ram vinte mortos e algumas dezenas de feri-dos, não perdeu material e conquistou muito: deixou apenas sete prisioneiros e fez várias centenas: não abandonou cidades sem ser por ordem superior e conquistou várias. À nossa tropa, jamais se poderá apontar uma derrota, uma retirada imposta pelo adversário.”

Mas como isso foi possível, se no restante do Estado, São Paulo perdeu? Teria, na região, maior concentração de homens e de armas? Ainda é Romão Gomes quem esclarece:

“Começamos a luta com �00 fuzis, modelo espanhol, que é a pior arma do sistema Mau-ser. Só conseguimos obter as duas primeiras metralhadoras depois do primeiro contato em Guaxupé, pois como se tratava de uma tropa irregular, composta a princípio exclusivamente de voluntários, não pareceu prudente, e com razão, à administração da Força Pública, con-fiar-lhe armas automáticas”.

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Os adversários na região contavam com renomadas tropas e com uma grande quanti-dade de armas sofisticadas, segundo Romão Gomes:

“A tropa que nos atacou em Guaxupé era composta exclusivamente de policiais minei-ros, soldados velhos, tropa aguerrida, o que pudemos verificar pelos prisioneiros que fize-mos: um sargento e dois soldados. O seu co-mandante era o major Lemos, oficial dos mais brilhantes da Força Pública mineira. Mais tar-de, em Águas da Prata, eram já outras tropas, além da mineira, que nos atacavam.“

Nessa cidade, os paulistas enfrentaram a brigada Amaral, uma das mais temidas e res-peitada tropa federal. Anos depois, quando perguntaram a Romão Gomes como é possível conseguir de uma tropa tal eficiência, ele res-pondeu: Muito fácil. Apenas três coisas deve fazer o chefe: alimentar os homens, fazer-lhes justiça, conduzi-los.

E foi pensando assim que Romão Gomes

conseguiu fazer com que seus homens conse-guissem vencer a Brigada Amaral.

“Na zona de Caldas as forças mineiras ocu-param posições na estação da Cascata antes da nossa chegada. O bravo tenente Izidoro Rodri-gues de Moura, da milícia do Estado, para ali foi mandado e não trepidou em aceitar o com-bate, apesar de contar com �0 praças apenas e alguns destemidos voluntários de São João da Boa Vista. Quando ali chegamos, como tínha-mos instruções para não atacar a Força Públi-ca Mineira e, ao mesmo tempo, nosso efetivo era muito reduzido, resolvemos tirar do terre-no todo o partido que era possível. Mais tarde quando a polícia mineira nos atacou canaliza-mos esse ataque pela disposição que tomamos no terreno, para o ponto exato que desejáva-mos. Ali tínhamos apenas 300 homens em 1ª linha e uma reserva de 100. Com esse efetivo conseguimos desbaratar e desmoralizar a Bri-gada Amaral. A brigada era formada por mais de 1000 homens.”

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A batalha em Águas da Prata durou seis dias e seis noites ininterruptas. E o revés sofri-do pelos mineiros foi de tal ordem, que a Bri-gada Amaral nunca mais atacou com o ardor e eficiência daqueles primeiros dias da Revolu-ção de 9 de julho.

O Coronel Homero da Silveira, da Força Pública do Estado, em depoimento que deixou sobre a revolução de ���� na região, aponta Romão Gomes como o principal responsável pelos feitos heroicos dos paulistas na região:

“Relembramos com altivez as vitórias de nossa tropa e, à frente dela, o vulto do seu grande comandante, cujo espírito continuará pelos séculos, tenho certeza, a alertar os nos-sos corações de patriotas a proteger o nosso amor pela terra Bandeirante e a fazer reflorir, pelo entusiasmo dos moços, o nosso Brasil es-plendoroso.”

Já com relação aos civis, o Coronel cita como heróis da Revolução, os professores: Ma-ria Sguassábia e Mário dos Santos Meira.

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A REVOLUÇÃO EM SÃO JOÃO DA BOA VISTA

Em São João da Boa Vista, entusiasmados comícios, artigos em jornais e discursos na rá-dio local, precederam o movimento constitu-cionalista. No livro “Memórias de um Bancá-rio”, Gilberto Nóbrega descreveu os primeiros dias da revolução na cidade:

“As tensões políticas existentes desde o dia 23 de maio, quando houve o sacrifício de Martins, Miragaia, Dráusio e Camargo, prepa-raram, de certo modo, o espírito das popu-lações interioranas para os acontecimentos. Por isso, a população de São João, ao deparar nos jornais com a eclosão do movimento de 9 de julho, apenas se convenceu de que a fibra bandeirante não se estiolara com o correr dos séculos. As apreensões eram evidentes, pois ficamos, desde logo, isolados da Capital e as poucas notícias nos chegavam via Campinas. Salvo uma natural retração dos negócios e uma justa preocupação, a vida não sofreu, inicial-mente, nenhuma modificação.”

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Um dos fundadores da Academia de Letras de São João da Boa Vista, o advogado Emílio Lansac Thôa, teve papel decisivo na movimen-tação Constitucionalista na cidade e região. Ca-bia a ele empolgar a população. E o fazia atra-vés de pronunciamentos na Rádio Piratininga, ou em artigos nos jornais e ainda nos concorri-dos comícios em praças públicas:

“São Paulo vencerá, não haja dúvida, na gloriosa cruzada que esposou. E vencerá bri-lhantemente, nobremente, em toda a linha... E vencerá, não haja dúvida, pelo seu espírito de entusiasmo na luta, pela sua coesão, pela unidade de pensamento e, sobretudo, pela legitimidade da causa que defende nesta re-volução inabalável, nesse movimento de civis-mo extraordinário, inesperado, de que jamais deram notícia de igual as páginas da história brasileira.”

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Benedito Fernandes Oliveira, o Cajuca, no livro “Revolução Paulista”, lembra a agitação da cidade nos primeiros dias do Movimento Constitucionalista.

“Fileiras intermináveis de soldados e de caminhões sumindo na sinuosidade das es-tradas. Marcha frenética dos batalhões pelas ruas, de permeio com o povo a vibrar de pa-triotismo. Os adeuses sentidos das mães e das noivas que iam ficando para trás, com lágrimas nos olhos. Nas primeiras horas do memorável dia 9 de julho de 1932 tudo estourou, como uma potente bomba... São João da Boa Vista não podia ficar à margem do movimento revo-lucionário, entrando decididamente na luta, foi além das expectativas. Já de início a massa po-pular ficou completamente empolgada e, nos comícios que se sucediam nas praças públicas, os eventuais oradores eram delirantemente ovacionados porque as suas palavras e orações iam ao encontro do sentimento de todos...”

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“Vista farda ou vista saia”. Essa expressão corria solta nas ruas das cidades que fazem divisa com Minas Gerais, conclamando os jo-vens a se alistarem como voluntários, segun-do a historiadora e fundadora da Academia de Letras de São João da Boa Vista, Maria Leonor Alvarez Silva:

“ Tempo de sobressalto e de preocupações

de toda espécie. As atividades normais de uma comunidade estavam suspensas. Fechadas as escolas. O quartel general que fora organiza-do às pressas no antigo fórum foi transferido para o prédio do Grupo Escolar Joaquim José. Tensão. Medo. Caminhões carregados de víve-res e de soldados atravessando as ruas, boatos desencontrados. Famílias abandonando a cida-de.”

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A região estava insegura. Em Pinhal, um grupo de voluntários se formou para defender a cidade. Os primeiros voluntários de São João da Boa Vista foram enviados para São Paulo e outros pontos de concentração, nos primeiros dias da revolução.

Um destes voluntários, Benedito Araújo, acabou perdendo a vida na cidade de Guapiara. Foi sepultado por seus companheiros no cam-po de batalha. Mais tarde seu corpo foi transla-dado para o cemitério de São João da Boa Vista, com imponentes homenagens. É celebrado em São João como herói, homenageado no poema de Paulo Emílio Oliveira Azevedo:

No setor sul tiveste heroicamente,Atravessado o peito varonil,Porque quiseste, só, unicamente,O regime da lei para o Brasil.

O sanjoanense, com gran devoção,Com grande ardor, venera tua memória.Do sanjoanense estás no coração.E em São João, na Praça principal, Há de brilhar um dia – para tua glória,Para tua honra teu nome imortal! Paulo Emílio Oliveira Azevedo ao lado de Ademar de Barros e Professor Cyro Rezende.

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A notícia de que as tropas ditatoriais esta-vam concentrando-se em Poços de Caldas, dias após deflagrada a revolução, provocou muito medo e preocupação em todas as cidades que fazem limite com Minas Gerais. As atividades na zona rural praticamente foram paralisadas. Os lavradores, além de não poderem trabalhar sossegados, eram obrigados a fornecer alimen-tos para as tropas. Mesmo assim, o entusiasmo dos primeiros dias prevalecia.

No dia 14 de julho, cinco dias depois de haver sido deflagrada a revolução em São Pau-lo, os sanjoanenses organizam um grandioso comício em prol do movimento. Panfletos são distribuídos pela cidade, conclamando o povo a participar:

“SÃO JOÃO COM SÃO PAULO PELA OR-DEM, PELA LIBERDADE, PELA CONSTITUINTE, POR SÃO PAULO E PELO BRASIL.”

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O Tenente Mário dos Santos Meira, de Casa Branca, foi um dos voluntários que se destacou na Revolução na região de São João da Boa Vista. Par-ticipou do primeiro combate na Cascata e logo de-pois assumiu o comando da Companhia “Benedito Araújo”. Foi injustamente acusado pela fracassada manobra dos paulistas no combate da Cascata. Es-clarecido o episódio, recebeu ordens para assumir o comando da tropa paulista aquartelada na Fazen-da Paulicéia, divisa de São João da Boa Vista com Andradas.

O coronel Homero da Silveira, da Força Pública do Estado, assim se referiu sobre Mário Meira, o Tenente Comandante da 4ª. Companhia do 1º Ba-talhão Paulista da Milícia:

“Eis aí um homem a quem devemos render nossa sincera admiração pela bravura, brio e hon-radez de que é dotado. De simples civil transfor-mou-se em um perfeito militar, com quase todos os conhecimentos e predicados para realizar um bom comando.’

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A convocação dos civis começou às 18 ho-ras do dia 8 de julho de 1932 em São Paulo. O número de voluntários, a grande maioria estudantes, era impressionante. Os jovens que combateram na região de São João da Boa Vis-ta vieram do setor do Largo das Perdizes, mui-tos deles estudantes da Faculdade de Direito, do largo de São Francisco. Alguns dias depois já estavam nas trincheiras da região:

São João recebeu contingentes dos bata-lhões: Rio Grande do Norte, Legião Negra, Ba-talhão Esportivo e mais soldados da Força Pú-blica de São Paulo.

“Quem examinasse, nesse instante, os nossos homens, veria nas trincheiras, maltra-tados, sujos, mal dormidos, exaustos, os filhos das melhores famílias de São Paulo... A fina flor da mocidade paulista desabrochava na poeira das trincheiras a sua reserva de civismo... Lá estão todos. Esgotados de cansaço, mas riso-nhos e confiantes, prontos para o primeiro si-nal de alarme.” (Herbert Levy)

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Soldados voluntários na trincheira em Águas da Prata. De óculos escuros e mãos sobre os joelhos, o Capitão Herbert Levy

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Segundo Benedito Fernandes Oliveira, a movimentação de soldados ditatoriais na divi-sa da cidade provoca reação dos sanjoanenses. Um grupo de paulistas vai até a divisa de Mi-nas, no bairro da Cascata e tenta negociar com os inimigos. Três sanjoanenses acabam sendo presos: Joaquim Cândido de Oliveira Filho, Chi-co Pianista e Emílio Esteves.

“Agora tínhamos a dupla responsabilidade de defender não só a causa da revolução, mas, também, a nossa própria cidade, as nossas fa-mílias e haveres. Alistaram-se rapazes de todas as classes sociais, insuficientemente prepara-dos para a lide da guerra. Um grupo, com re-duzida quantidade de armas e munições, lá se foi postar nas serranias da Cascata, ao lado de quarenta soldados da Força Pública.

O primeiro embate, no bairro da Cascata, faz crescer a tensão em São João da Boa Vista, relata Maria Leonor:

“Cascata fora tomada pelos mineiros e até Águas da Prata fora atingida pelas forças dita-toriais. Romão Gomes, disciplinado e intrépido Capitão que deixou tanta saudade em nossa região, dirigiu as forças para as zonas tomadas. Houve luta, muitos mortos e inúmeros feridos. A população sabia agora que a situação era pe-rigosa. Ali demonstraram o seu valor, não ape-nas Romão Gomes, como também o Capitão Homero da Silveira, Tenentes Hugo Bradaschia, Cardoso, Brandãozinho, Capitão Rui, Elpídio, Haldo Ribeiro da Luz e outros”.

Na foto, voluntários que lutaram na primeira bata-lha no bairro da Cascata. Entre eles: José Noronha, Dr. Guarita, Mílton Nogueira, Zezé Coelho. Em pé: Durval Nogueira, Juca Jacinto, Zininho Azevedo, Joel Cortês, Jo-aquim Cândido de Oliveira Filho, Hugo Andrade e Chico Pianista.

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Romão Gomes gozava de grande prestígio quando chegou a São João da Boa Vista. Uma grande manifestação foi preparada a ele no Theatro Municipal. Ele vinha da cidade de Gua-xupé, onde havia comandado, com sucesso, a ocupação da cidade mineira. A popularidade de Romão Gomes em São João da Boa Vista é lembrada pelo escritor Gilberto Nóbrega:

“O Capitão Romão Gomes era uma das glórias da então Força Pública e uma das es-trelas de primeira grandeza na constelação de oficiais combatentes. Sua vinda à região de São João da Boa Vista incentivou muitos jovens a se alistarem como voluntários, muitos com curso superior: médicos, advogados, engenheiros, dentistas, professores etc.”

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O Comandante Romão Gomes é homenageado no Theatro Municipal de São João da Boa Vista

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Romão Gomes é considerado um dos prin-cipais heróis da Revolução de 32 em todo Esta-do de São Paulo. Era Tenente Coronel da Força Pública do Estado de São Paulo e tinha uma liderança nata. Ao término da Revolução, foi exilado. Ao retornar voltou a servir a Força Pú-blica como Juiz do Tribunal de Justiça Militar.

O Presídio Policial Militar de São Paulo leva seu nome. É admirado pelos militares como afirma o Tenente Coronel Homero da Silveira:

“Figura homérica, cujo valor militar, he-roísmo e bondade há de atrair, pelos anos em fora, o culto da nossa mais reverente recorda-ção, porque a sua memória, sempre envolta num crepe de respeito e admiração, passou a viver na saudade de cada um daqueles que fi-zeram parte de sua invicta Coluna, a que atuou em São João da Boa Vista. Relembremos, pois, com altivez, as vitórias de nossa tropa e, à fren-te dela, o vulto de seu grande comandante.

Na foto, Romão Gomes na Estação Ferroviária de Aguai logo no início da Revolução.

��Comandante Romão Gomes à direita e seus oficiais em foto em frente à Escola Estadual Joaquim José

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Os soldados e os voluntários que chegam a São João da Boa Vista, para reforçar a divi-sa com Minas Gerais, são calorosamente re-cebidos pelos sanjoanenses, segundo Herbert Levy:

“O povo de São João nos cobre de genti-lezas. Se vamos aos barbeiros, os profissionais não nos querem cobrar. Se adquirimos algo das casas de comércio, não querem receber. As mo-ças nos proporcionam uma risonha e agradável estada, à qual não faltou mesmo uma pequena festa dançante. Recebemos numerosos convi-tes para tomarmos refeições nas casas particu-lares.”

Jovens e até crianças participaram da mo-vimentação constitucionalista. As crianças formaram um batalhão infantil, que servia de estímulo aos combatentes. A causa constitucio-nalista empolgava os jovens.

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Batalhão Infantil na Praça Joaquim José em foto tirada em 24 de agosto de 1932

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Cristhiano Osório de Oliveira, fazendeiro e proprietário de uma casa bancária, fez fortu-na em São João da Boa Vista, principalmente após a crise de 1929. A família participou ati-vamente do movimento Constitucionalista na cidade. Seu nome figurava em todas as listas de doações, como na campanha para adquirir capacetes aos soldados paulistas. Fez a doação de trezentas unidades.

Sua filha, Gabriela Oliveira Costa, a Beloca, que mais tarde se elegeu a primeira mulher ve-readora de São João da Boa Vista, era das mais engajadas no movimento.

“Dona Beloca, virtuosa esposa do Dr. João Batista Costa, demonstrou grande amor à sua terra, prestando inestimáveis serviços à causa. Trabalhou na Casa do Soldado, instituição or-ganizada em São João, indo até às trincheiras,

para que nada faltasse aos combatentes.” (Cel.

Homero da Silveira)

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Elias - de terno branco - filho do Coronel Joaquim José Oliveira, ao lado do Capitão Homero, Tenentes: Herbert Levy, Antônio Azevedo e Paulo Carvalho

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Em Águas da Prata, que até 1935 perten-ceu ao município de São João da Boa Vista, no antigo Hotel São Paulo, quase na divisa com Minas Gerais, ficava o quartel general da Co-luna Romão Gomes. Perto dali, aconteceu uma das mais dramáticas batalhas. Do dia 24 de agosto até 1º de setembro, as tropas paulistas resistiram ao avanço das tropas federais, a Bri-gada Amaral.

Segundo Romão Gomes: “Calcula-se que esta brigada tinha mais de 1.000 soldados.Os paulistas contavam com �00 homens em pri-meira linha e uma reserva de 150 homens. Embora fosse considerada temida, depois dos combates em Águas da Prata, a Brigada Amaral nunca mais atacou com o ardor e eficiência da-queles seis dias e seis noites memoráveis.

Nosso efetivo era muito reduzido e resol-vemos tirar do terreno todo o partido possí-vel”.

Dali, do Hotel São Paulo, os paulistas se or-ganizaram na região:

“O batalhão está distribuído numa exten-são de 122 quilômetros. À nossa direita, quase à retaguarda, está colocada Espírito Santo do Pinhal, guarnecida por tropa regular da Força Pública e alguns voluntários. À esquerda, está São Roque da Fartura, guarnecida por tropa voluntária comandada pelo capitão Maluf.

Uma das nossas metralhadoras está colo-cada na trincheira do tenente Camilo e a outra está conosco. As demais possuem apenas fu-zis. Ao todo, na frente do Prata, somos 450 ho-mens, todos componentes do 1º Batalhão’...

Em Cascata havia, de fato, forte concentra-ção de forças inimigas e, em Jacutinga, próxi-mo a Pinhal, notava-se igualmente movimento de tropas.” (Herbert Levy)

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O tenente Homero da Silveira envia tele-grama a Romão Gomes, descrevendo o início da batalha em Águas da Prata:

“ – Neste momento, a uma e trinta da tar-de, iniciamos combate tropas ditatoriais setor do Prata. Entusiasmo da rapaziada no auge.’ Herbert Levy descreve a primeira noite de combate:

“Alguns tiros se ouvem do nosso lado es-querdo. A tropa inimiga desembarcou em ca-minhões e está iniciando um ataque. Os nos-sos respondem. Funcionam as metralhadoras inimigas e a metralhadora da trincheira do te-nente Camilo responde repetidamente.

No crepúsculo o tiroteio do inimigo tornou-se cerrado. A quantidade de armas automáticas era enorme. A munição existia em abundância, porque não tínhamos um minuto de interva-lo. Cada tiro de fuzil que disparávamos, era

respondido por rajadas de metralhadora, que não cessavam. Protegidos pela noite, o inimigo parece ter-se aproximado bastante. Os seus ti-ros vêm agora de todas as direções e acertam frequentemente no parapeito da trincheira. De vez em quando, a nossa metralhadora funcio-na para evitar qualquer investida mais séria. A noite está escura e para prever um avanço de surpresa descem as sentinelas para a estrada que conduz ao morro em que estamos e na qual existe uma trincheira.

A quantidade de balas que caem na nos-sa retaguarda impede que nos tragam comida, pois as latas são muito pesadas para arrastar. Arranjam-nos, entretanto, uns pacotes com sanduíches, duas bananas, um doce de amen-doim e um bolinho de fubá. Jantar, como se vê bastante bom, oferecido pelas senhoras de São João da Boa Vista”.

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Soldados na Fazenda Retiro em Águas da Prata

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Paulistas e mineiros que combatem em Águas da Prata estão tão próximos que nos momentos de trégua é possível ouvir os insul-tos e provocações dos inimigos, como descre-ve Herbert Levy:

“A cada momento se intensifica mais o fogo do inimigo. .. Cada tiro de fuzil que dispa-rávamos era respondido por rajadas de metra-lhadoras que não cessavam. As horas da noite vão passando e o tiroteio do inimigo não ces-sa. Às vezes, intensifica-se extraordinariamen-te, parecendo que apoiam uma ofensiva e, às vezes decai ligeiramente, para reanimar-se em seguida. Não podemos, evidentemente, dor-mir e não sentimos sono. A primeira noite de combate contém sensações demasiado novas para permitir um repouso.

Durante as ligeiras tréguas, que às vezes se faziam, ouvíamos os gritos selvagens dos ad-versários.

– Paulista! ... Nós vamos almoçar amanhã na Prata e jantar em São João.”

“Atravessamos o dia e entramos na nossa segunda noite de combate. Poder-se-iam con-tar, pelos dedos, os minutos de trégua que os adversários haviam proporcionado. A noite pouco esmorecia o seu ataque.”

“ O tempo tende a mudar e ameaça chover. Vamos buscar alguns agasalhos nas barracas, o que não é tarefa fácil, pois uma quantidade de balas cai sobre o acampamento.”

“Começa a chover. Encostamo-nos uns aos outros para conservar melhor o calor e tirar maior proveito das barracas de lona que servem para abrigo. O inimigo parece ser in-sensível a chuva, pois continua infatigável. O temporal aperta. Está encharcando-se a terra da trincheira sobre a qual estamos deitados. A umidade começa a penetrar o corpo.’

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Próximo da área de combate em Águas da Prata, na Fazenda Paulicéia em São João da Boa Vista, outra divisa preocupava os paulis-tas: a divisa com a cidade de Andradas. E ali, naquela fazenda, é formada a 4ª. Companhia, batizada de Benedito Araújo, em homenagem ao primeiro sanjoanense morto na revolução. Benedito Fernandes Oliveira, o autor de Revo-lução Paulista, estava entre os soldados desta Companhia:

“E foi ali que começamos a experimentar a rigidez da disciplina militar e a responsabilida-de da guerra em curso. Assumiu o comando o Tenente Mário Meira. Logo à sua chegada, com energia digna de um grande chefe, distribuiu os voluntários a vários sargentos, a fim de irem receber pelos passos instruções de campanha e de manejo de armas. Mandou os mais cale-jados abrirem trincheiras pelos altos dos mor-ros e escorraçou para a cidade os rebeldes e moleirões que não se submetiam às ordens.”

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Soldados protegem a Fazenda Fartura, entre São João e Águas da Prata

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Os paulistas têm a primeira baixa em Águas da Prata. A morte é assim descrita pelo solda-do Herbert Levy:

“O bravo Moysés, soldado valente e habi-tuado à campanha, caminhando de um lado para o outro, alegre e jovial, vai dando a todos uma palavra de incentivo:

-- Aí, rapaziada. É assim que eu gosto! Ne-nhuma bala fica sem troco. Vem uma, vai ou-tra.

Pede um fuzil e dispara. Vai fazer a mira e repentinamente estremece como que ofusca-do. Um jorro de sangue nos salpica a farda, e ele se arremessa redondamente ao solo. Uma bala certeira o atingira no meio da testa, partí-culas de sangue e massa craniana salpicam os nossos uniformes.

A realidade da campanha se nos desenha com toda a plenitude ao contemplarmos aque-le corpo, há dois minutos tão cheio de vida.

Mal balbuciamos:--‘Morre com Deus, Moysés.’

À tarde, felizmente, um acontecimento novo devia tirar-nos o pensamento do desas-tre. Chegara a Águas da Prata nova arma fa-bricada em São Paulo e cuja experiência inicial em campanha seria feita em nossa trincheira, a mais atacada na ocasião.

De fato, logo em seguida chegava-nos a peça acompanhada por quinze homens do Cor-po de Bombeiros. Aguardávamos o primeiro tiro com muita ansiedade, antegozando a im-pressão que a novidade havia de proporcionar aos adversários, que havia mais de 24 horas não nos davam sossego. Preparada a peça, é lançada a primeira bomba, infelizmente a uma distância não superior a 300 metros...

Da Prata nos informaram, afinal, da vin-da do nosso avião para desalojar a artilharia inimiga. Foram-nos enviados painéis para es-tendermos no solo, a fim de que não nos con-fundissem com os adversários. A cada passo olhamos para o céu à procura do avião amigo que está para chegar. Mas as horas passam e o avião não vem. Não virá jamais.”

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Estação Ferroviária de Águas da Prata, onde desembarcaram os soldados a caminho das trincheiras

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Pelo relato de Herbert Levy é possível per-ceber que, embora estejam em número bem superior aos paulistas assim como também em armamentos, o ânimo dos mineiros vai-se ar-refecendo aos poucos. Contra todas as previ-sões, as tropas federais caminham para a der-rota:

‘As horas passam, entretanto, sem ne-nhuma novidade. Os adversários continuam a consumir abundantemente a sua munição, embora se perceba que não têm, já, o mesmo ímpeto.

O combate assume proporções extraor-dinárias. O inimigo demonstra uma ousadia a toda prova. As granadas são lançadas con-secutivamente, tão próxima se acha o adver-sário. A luta torna-se tremenda e decisiva. Da nossa parte, estamos conseguindo atrapalhar o flanco direito dos atacantes e não cessamos de molestá-los. O resultado é muito incerto.”

No sexto dia de combate em Águas da Pra-ta, os paulistas comemoram a vitória:

“A certa altura, a dois passos das trinchei-ras, no meio da escuridão, os nossos prendem cinco adversários, entre os quais um sargento. A luta, pouco antes, afrouxara. Os prisionei-ros são conduzidos ao posto de comando e aí interrogados. Acabavam de sofrer a perda de um capitão e dois tenentes. A vanguarda das suas forças havia sido totalmente desmante-lada e os seus elementos, tomados de pânico, haviam debandado. Estava revelando-nos, as-sim, a impressionante e completa derrota.

Mais tarde, um oficial pormenorizou-nos que, durante os dias de fogo, haviam tido cerca de 160 mortos, muitos feridos e deserções. O efetivo, superior a 1.000 homens, reduzira-se à quase metade. Nessa altura, apenas poucos tiros eram disparados pelo inimigo e de longa distância, indicando uma retirada em grande escala.’

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A notícia nos atordoa. Devemos abandonar Águas da Prata, quando acabávamos de bater em toda a linha o adversário? E devemos deixar São João, tão boa e tão hospitaleira, sem a nos-sa proteção, entregue à sanha do adversário? Não haverá um meio de evitar? Não se pode tentar alguma coisa. Infelizmente, não. A reali-dade é dura. Estávamos no dia 1º de setembro e combatíamos em Águas da Prata desde 24 de agosto, sem descanso.... Nessa altura, sem que houvesse havido combate, as nossas forças haviam recebido ordens de evacuar Mococa, Caconde, Itaiquara, Vargem Grande e algumas estações que caíram, assim, em poder do ini-migo. Chegamos a Casa Branca num estado fí-sico lastimável. O desgosto não se manifestava apenas na tropa. Todas as populações lamen-tavam. Pedidos de políticos e chefes influentes são feitos pelo telégrafo. Querem destituir os comandantes que deram a ordem para a tropa recuar... A irritação atinge, então, o auge. Há um verdadeiro início de rebelião”.

Embora tenha vencido as tropas federais, em Águas da Prata, a tropa paulista é obrigada a deixar a região:

“Rapidamente o comandante Romão Go-mes nos explica:

--Pinhal caiu. Estamos, dessa forma, com a nossa retaguarda ameaçada e temos ordem de retirada imediatamente. Nem em São João poderemos deter-nos.”

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A ordem para abandonar as trincheiras chega até a Fazenda Paulicéia e é descrita por Benedito Fernandes Oliveira:

“Não havia mais nenhuma alternativa: ur-gia uma retirada estratégica, a fim de por as tropas em salvaguarda. Imenso foi o desalento que se refletiu nos semblantes de todos. Preci-samente à meia noite começaram os prepara-tivos para a grande retirada. Ainda lembramos bem que fomos acordados na trincheira, na frente da Paulicéia, aos pontapés, e que, cor-rendo desabaladamente na escuridão da noite, nos penduramos nos caminhões e abalamos para a cidade agitada”.

A notícia de que os soldados paulistas vão deixar Águas da Prata e São João da Boa Vista provoca pânico na população:

“São João estava em reboliço. Encontramos soldados correndo para todos os lados e viatu-

ras varrendo as ruas como foguetes. Populares iam e vinham, desnorteados, e famílias inteiras fugiam, desesperadas, em busca da zona rural. Muitas portas escancaradas, iluminadas, onde se vislumbravam rostos apreensivos e indeci-sos. Nunca vimos tanta gente e igual movimen-to nas ruas a horas avançadas como aquelas. E criaturas que corriam apesar do frio reinante, no maior desespero.

A cidade era um verdadeiro formigueiro humano e, tamanha era a confusão reinante, que tivemos a desoladora impressão de que tudo ia ficar deserto, abandonado, perdido para sempre, nas mãos de inimigos sanguiná-rios.

Caminhões, com soldados e viveres, desa-pareciam roncando em direção às estradas, e trens apitavam na Estação da Mogiana, em ba-rulhentas manobras, aumentando a confusão. Oficiais davam ordens ríspidas, gritavam, ame-açavam e soldados subiam e desciam correndo pelas ruas.”.

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Embora tenham vencido os combates em Águas da Prata e São João, os soldados paulistas recebem ordem de recuar até Casa Branca

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Com o recuo dos soldados paulistas, dia 06 de setembro de 1932, as tropas federais entram em São João da Boa Vista. O Prefeito Joaquim Pinto Noronha (Dico) é destituído e assume a Prefeitura da cidade o capitão Mário de Souza Vieira. Os que ficaram na cidade rea-gem com absoluta frieza. As ruas estão deser-tas e os poucos transeuntes se negam a falar ou cumprimentar os invasores, embora, relata Maria Leonor, a ocupação tenha sido bem me-nos drástica do que se previa:

“Ao contrário do que todos esperavam, as tropas invasoras deram provas, desde logo, de muita disciplina e educação militar. O coman-dante ditatorial fez distribuir vários boletins concitando as famílias a regressarem a seus lares, ao trabalho normal. “

O capitão Mário de Souza Vieira tenta ga-

nhar a confiança dos sanjoanenses, informan-do ao povo:

“Conforme é do conhecimento do povo desta terra, este município, bem como muitos outros deste Estado, já se acham sob o con-trole do Governo da República, pela ocupação natural, lógica e necessária feita pelas tropas federais.

Muitas coisas disseram os desocupados sobre os nossos hábitos de selvageria. Os fa-tos, porém, patenteiam o contrário. Podem, a população urbana, bem como a rural do muni-cípio, estar absolutamente tranqüilas, que ne-nhuma medida será por nós tomada que não seja única e exclusivamente dentro da ordem, da disciplina e do bem público...

Animados destes propósitos, concitamos a população civil desta cidade a voltar para suas casas e retornarem ao seu labor habitual...

Tenhamos fé no governo da República”.

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dos a inquéritos os chefes suspeitos e assumis-se todo o comando do setor, o major Romão Gomes, com a primeira missão de recuperar as cidades tomadas

“Nessa ocasião, a situação era das mais precárias. Mas a mudança do comando, entre-gue a Romão Gomes, provoca profunda modi-ficação no ânimo dos paulistas recuados em Casa Branca:

“Como que por encanto, com a mudança do comando se transforma o ânimo da tropa. De irritada que se achava, passa a entusiasta, decidida e confiante. O comandante Romão age imediatamente. O 1º Batalhão é enviado para Lagoa, para deter o avanço das tropas mi-neiras.

Em terreno plano e completamente des-campado é que se deverá travar a luta em La-goa. Estamos sendo atacados por diversos la-dos, sendo Casa Branca o objetivo evidente do inimigo, como importante chave da Mojiana e ponto estratégico de valor. No dia 3 tem início o combate em Lagoa. (Herbert Levy)

Enquanto as cidades da região são ocupa-das, um grupo de paulistas, que não aceita o recuo, reage. Suspeitam de que esteja ocorren-do traição. Ameaçam rebelião e exigem pro-vidências imediatas. O apelo é ouvido. Logo a situação se inverte e chegam novas ordens: para que fossem recolhidos presos e submeti-

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Sob o comando de Romão Gomes, os pau-listas iniciam a retomada das cidades e luga-rejos ocupados pelas tropas federais. A 4ª. Companhia, com vários voluntários sanjoanen-ses e que estava na Fazenda Paulicéia em São João da Boa Vista está agora em Lagoa, vilarejo próximo a Casa Branca, onde também concen-tram-se as tropas federais que tentam entrar naquela cidade. É o primeiro combate:

“Nas imediações de Lagoa nos preparamos eficazmente para o entrevero. Abrimos diver-sas trincheiras, em vários pontos estratégicos, agora com auxilio do Batalhão de Sapadores, vindo de São Paulo... E a luta, sempre renhida e intensa, durou vários dias. Vários foram os fe-ridos, leve e gravemente... Começaram as de-serções em massa e o tiroteio na linha inimiga começou a enfraquecer-se cada vez mais. Os nossos comandantes, prevalecendo-se da situ-

ação, ordenaram um ataque geral... Em poucos minutos ficamos senhores de toda a frente de Lagoa.” (Benedito Oliveira)

As forças paulistas conseguem uma impor-tante vitória no vilarejo de Lagoa Branca. Che-gam a derrubar um avião do governo federal. Os feitos nesta batalha dão novo ânimo à tro-pa que parte em direção às cidades ocupadas pelos federais. A primeira a ser recuperada é Vargem Grande, considerada por Maria Sguas-sábia como uma das mais difíceis destas bata-lhas:

“Depois de deixarmos Lagoa Branca, fomos convocados para combate em Vargem Grande do Sul, sem que pudéssemos descansar. Cami-nhamos por cerca de �� horas e enfrentamos ali um duro combate. Recuperamos a cidade enfrentando o inimigo que estava espalhado pela cidade. Combatemos de casa em casa.”

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Soldados paulistas exibem os destroços do avião federal derrubado no vilarejo de Lagoa, próximo da cidade de Casa Branca

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Após recuperar a cidade de Vargem Gran-de do Sul, a coluna Romão Gomes retoma o bairro do Pedregulho, onde havia vários solda-dos mineiros e, depois, finalmente, São João da Boa Vista, entrando na cidade no dia �� de setembro.

“A notícia da aproximação da tropa paulis-ta correu de boca em boca. O povo, pelas ruas, mesmo às barbas do inimigo, dava expansão ao seu contentamento. ... Diante da crescen-te e temerária manifestação de hostilidade do povo, e diante dos visíveis sinais de aproxi-mação da grande coluna Romão Gomes, com o fim de evitar um choque de conseqüências catastróficas, os ditatoriais deliberaram reti-rar-se da cidade. Os primeiros contingentes foram saindo furtivamente, tomando vulto pela tardinha a retirada do grosso dos solda-dos, tendo, antes, sido feita a entrega das re-partições públicas... Populares mais exaltados davam vaias estridentes aos componentes dos caminhões que partiam repletos em direção a

Poços de Caldas. Nessa mesma hora, um outro grupo, tendo à frente João Luhmann, secretá-rio da Prefeitura, soltava os presos políticos da cidade, os quais eram carregados pelas ruas sob delirantes vivas.”

A retomada de São João da Boa Vista pelos paulistas foi um acontecimento épico para a ci-dade, segundo Benedito de Oliveira.

“A coluna tinha conhecimento da retirada do inimigo. Os soldados estavam impacientes para entrar na cidade e, isso, com a luz do dia. ... às oito horas da noite começou a desfilar pela cidade a 1ª Companhia do Batalhão Ro-mão Gomes. Que triunfo! Que delírio!. É in-descritível o entusiasmo do povo! Muita gente chorava, reconhecendo e abraçando pessoas da família. Nas primeiras ruas a tropa marchou regularmente. Ao atingir as ruas centrais não foi mais possível manter-se a ordem, e a solda-desca ficou misturada com o povo que estava como que alucinado.”

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Soldados paulistas retomam São João da Boa Vista. Sobem a rua Saldanha Marinho em direção ao centro e são aclamados pelo povo

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Após reconquistar Vargem Grande do Sul, o bairro Pedregulho e São João da Boa Vista, os soldados da coluna Romão Gomes marcharam em direção a São Sebastião da Grama, último reduto dos soldados ditatoriais, que resistiam aos ataques das forças paulistas de São José do Rio Pardo e Divinolândia. A batalha ali travada foi considerada por Maria Sguassábia como a mais violenta de todas as de que havia parti-cipado.

“Foi em São Sebastião da Grama que tive-mos os combates mais violentos. E sentimos a verdadeira noção de uma guerra. A resistên-cia foi intensa e durou dias. Os soldados da ditadura pareciam que endiabrados. Vi muitos homens desertando, outros chorando, outros amaldiçoando. Vi o diabo.’

Embora as vitórias da Coluna Romão Go-

mes na região, o movimento Constitucionalista perdia força em todo o Estado. As tropas locais mais uma vez foram deslocadas, desta feita para combater em Campinas. Era o recuo final dos paulistas:

“Em Fazendinha, concentraram-se apro-ximadamente vinte mil homens, vigiados por aviões da ditadura que os metralhavam e atira-vam bombas. Como feras, os soldados paulis-tas passaram a ser perseguidos e caçados.

A epopeia se encerrara. Foi num triste dia 1º de outubro, depois de três meses de entu-siasmo, angústia, terror, dúvidas, luto, muti-lações e estagnação do labor paulista inteira-mente devotado à conquista da vitória.

Derrota? Não! Um povo que pode contar em sua história páginas de arrojo, altivez, luta, sacrifício e coragem para prosseguir e continu-ar a ser o líder de uma grande nação, não pode considerar-se derrotado. (Maria Leonor)

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Soldados paulistas na última batalha na região de São da Boa Vista, no município de São Sebatião da Grama

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MARIA, MULHER SOLDADO

Maria Sguassábia foi uma das personagens

mais interessantes da revolução em São João

da Boa Vista e em São Paulo. Professora, viú-

va com uma filha de seis anos, não hesitou em

passar por homem, vestir farda e ir para as trin-

cheiras lutar. Lecionava na Fazenda Paulicéia,

onde havia uma tropa paulista concentrada.

Entre os soldados estava seu irmão Antônio.

“Da janela eu vi um soldado desertar, jo-

gando o fuzil. Corri. Se alcançasse o patife lhe

daria uns bons tapas. Foi quando tomei a deci-

são. Apanhei a arma, vesti uma farda que meu

irmão havia dado para lavar, levei minha filha

para o administrador da fazenda. Meu irmão

havia dito que a tropa ia avançar. Avistei o ca-

minhão dos soldados e subi.”

Antonio foi o único a notar a presença da

irmã entre os soldados. Tentou, desesperada-

mente, convencê-la a desistir. Inútil. O cami-

nhão levava os soldados para a trincheira e, já

naquela noite, iriam combater.

“Dentro da trincheira eu percebi que não

sabia manejar o fuzil e, no primeiro tiro, quase

caí de costas com o recuo da arma e tive de

recorrer a meu irmão. Felizmente tudo correu

bem e o combate terminou sem baixas para os

nossos. Pela manhã, cessou o fogo e o tenente

Meira procedeu a revista dos seus homens, um

por um. Quando chegou perto de mim tentei

engrossar a voz, porém meus cabelos se solta-

ram ao vento. Meu irmão, que estava perto, foi

logo dizendo:

-É minha irmã.

O Tenente ficou furioso.

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Maria e seu irmão Antônio Sguassábia

68

Maria insistiu com o Tenente Meira para fi-

car entre os soldados. Sem saber o que fazer, o

tenente leva o caso para o comandante Romão

Gomes:

“Ao contrário do que se esperava, Romão

Gomes consentiu que eu continuasse, dizen-

do:

--Pode deixar a tropa no momento em que

quiser. Porém, se resistir, será um exemplo para

muitos homens barbados que fogem ao ouvir

os primeiros tiros. Alistei-me com o nome de

soldado Mário. Neste mesmo dia, debaixo de

um tremendo aguaceiro, ainda pela madruga-

da, iniciamos o deslocamento da nossa tropa

para o lugarejo conhecido por Lagoa Branca,

um pouco antes de Casa Branca, onde havia

um foco de resistência”.

A noite toda, Maria Sguassábia ajudou

abrir trincheiras. Pela manhã, verifica que se encontram numa colina, dominando vasta pla-nície, cortada ao centro pelos trilhos da Mojia-na. Juntam-se ao grupo outros soldados. Casa Branca é estratégica e, por isso, ali próximo, em Lagoa Branca, acontece um renhido com-bate:

“O inimigo é impiedoso. Despeja em cima das trincheiras um dilúvio de chumbo. Meu capacete é riscado por um projétil. Alguns dos nossos morrem e a soldadesca inimiga cres-ce diante de nós. Percebemos que estão em maior número. De súbito, surge na planície o trem blindado, arma de guerra improvisada pela indústria paulista. Vem solene e vagaro-so. As balas do inimigo se chocam agora contra a blindagem, produzindo um ruído igual uma máquina de costura picando aço. Nossos ho-

mens assistem ao duelo de camarote.”

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Maria Sguassábia e soldados na trincheira

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Romão Gomes assume o comando de toda a região e isso dá novo ânimo aos soldados. O inimigo é derrotado em Lagoa, onde a tropa de Maria Sguassábia derruba um dos seis aviões do Governo Federal, aumentando a moral dos paulistas. Após a vitória, Romão Gomes decide recuperar as cidades ocupadas após o recuo paulista. A primeira delas será Vargem Grande do Sul, onde estão ��0 soldados mineiros:

“Mal refeitos do combate em Lagoa Bran-ca recebemos ordens para marchar em dire-ção a Vargem Grande. Foram 11 horas de ca-minhada.

Chegamos às imediações da cidade às 4 horas da manhã. Assim exige o plano de Ro-mão Gomes. Devemos penetrar na cidade no escuro da noite, atacar de surpresa. As 6 ho-ras da manhã estava tudo liquidado. Setenta prisioneiros, vários mortos e feridos, o resto debandado. Quando os vargem-grandenses acordaram já eram paulistas de novo.

Entre Vargem Grande do Sul e São João da

Boa Vista está o bairro do Pedregulho. Ali os soldados federais instalaram um posto avan-çado e é preciso recuperar o bairro. Romão Gomes confia esta missão à 4ª. Companhia, formada na maioria por voluntários de São João da Boa Vista e da região, entre eles Ma-ria Sguassábia, que irá sair dali efetivamente como uma heroína paulista:

“Em Pedregulho, encontramos as tropas federais. O combate teve início às 6 horas da manhã. Meu irmão e eu e mais dois soldados resolvemos cercar o inimigo acampado atrás da igreja local. Eu me aproximei de alguns de-les que estavam deitados e de arma em punho gritei:

--Rendam-se. Quando me viram, os solda-dos federais quase não acreditaram. Nenhum deles esboçou qualquer reação, nem procura-ram suas armas. Limitaram-se a comentar, sur-presos:

-- É uma moça!!! “

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Maria e soldados na trincheira

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Maria Sguassábia, como havia previsto Ro-mão Gomes, torna-se exemplo para os paulis-tas e uma das líderes da tropa. Benedito Fer-nandes de Oliveira diz que era ela a primeira a se levantar nas trincheiras e ir de encontro ao inimigo levando consigo os demais paulistas. E foi ela quem prendeu, no bairro do Pedregulho, Artur Noce, comandante da tropa mineira. O fato é relatado pelo Tenente Mário Meira:

“O comandante mineiro tentou fugir e Ma-ria Sguassábia foi atrás dele, apontando-lhe o fuzil e dando voz de prisão. Depois de preso, ele se recusou a entregar-lhe as armas. Não se conformava ter sido preso por Maria Sugassá-bia. Considerava uma desonra e estava dispos-to a morrer mas não se render a uma mulher. Foi quando cheguei e percebendo a situação lhe disse.

–Não se envergonhe por isso, pois você acaba de ser preso pelo mais valente dos sol-dados paulistas.”

Após a batalha do Pedregulho, Maria Sguassábia e seus companheiros retomam São João da Boa Vista. Não houve combate, pois os soldados que ocupavam a cidade, sabendo dos feitos heroicos da Coluna Romão Gomes, ao perceber a aproximação da tropa, fogem em direção a Poços de Caldas. A coragem e os fei-tos no Pedregulho renderam a Maria Sguassa-bia a promoção a cabo e logo depois a sargen-to. Porém, o comandante mineiro preso por ela jamais esqueceu o fato. Após a revolução, o tenente Artur Noce voltou a São João e exigiu do Prefeito sua exoneração como professora. Jamais ela voltou a lecionar:

“Durante seis meses eu consegui sobrevi-ver costurando para um alfaiate. Depois, com o governador Armando Salles Oliveira, conse-gui ser nomeada inspetora de alunos numa es-cola estadual.”

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Após retomar São João da Boa Vista, Maria Sguassábia e a 4ª Companhia ainda participa-ram de outro combate: o de São Sebastião da Grama, considerado por ela como o mais feroz de todos. Em seguida, a tropa é chamada a re-cuar, mais uma vez. Desta feita todos são des-locados para Campinas. Naquela cidade é que recebem a notícia de que São Paulo havia capi-tulado. Era o fim da revolução. Maria também fica sabendo que o Tenente Artur Noce estava no seu encalço e coloca sua cabeça a prêmio. Por precaução ela e o irmão decidem retornar a pé.

“Enterrei minha arma. Deixei minha farda numa casa onde consegui novas roupas e re-tornamos a São João da Boa Vista. Caminha-mos cerca de 250 quilômetros. Passamos mui-ta fome e sede e após vários e intermináveis dias é que consegui rever minha cidade, meu velho pai e minha filhinha.”

Maria Sguassabia faleceu no dia �� de mar-

ço de ����, aos �� anos de idade, sem nunca ter sido devidamente reconhecida como uma heroína da revolução constitucionalista. Po-rém, jamais se arrependeu de ter lutado, o que deixou expresso numa última mensagem:

“Recordar é viver. E vive-se cada dia relem-brando o que guardamos no coração.

Nas horas de incerteza, os momentos que passamos empolgados num ideal, são revividos na lápide da memória. Foi ontem. Tenho bem presente a audácia da investida, o sacrifício e a grandeza da vitória....

E eu, mulher soldado, tive a glória ventu-rosa de participar da vitória. Fiz da minha fra-queza uma força, de meu peito um escudo e do meu coração uma trincheira.“

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Maria, junto com soldados e a população, sobem a rua Saldanha Marinho rumo ao centro, depois da retomada de São João

76

RELAÇÃO DOS SOLDADOS SANJOANENSES QUE LUTARAM NAS LINHAS DE FRENTE

Abílio Ferreira Guarita, Alcebíades Teixeira, Alfredo Geremias, Albertino dos Santos, André Loiola, Américo Moreti, Antenor Prézia, Antero de Azevedo Coelho, Armando Lamberti, Antônio Inácio dos Santos, Antônio de Nardo, Antônio Ribeiro Segundo, Antônio Sguassábia, Antônio Nunes, Antônio Vitorino, Antônio Alves Moreira, Antônio Rossi, Antônio Aleixo, Antônio Cândido de Oliveira Filho, Benedito Fernandes de Oliveira (Cajuca), Benedito Oliveira (Bauru), Benedito Fernandes (Dito Foca),

Cristóvão de Rezende, Cirano de Andrade, Divino Rosa, Esdras de Rezende, Eugênio Moreti, Emílio Esteves, Eugênio Gambá, Eurípedes França, Chico Pianista, Felício Valente, Faustino Alves, Francisco de Bemardis, Guilherme Buzon, Henrique Lemos, Heitor Macedo, Jorge Cabral de Vasconcelos, Justiniano Alves de Sousa, João Carvalho de Oliveira, João Batista Pinto, João Cirelo, João Aparecido, João Tristão de Azevedo Coelho, João Ferreira Varzim,João Fernandes de Oliveira (João Cunha), João Consentino, João Rodrigues Santana,

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José Diniz, José Noronha de Andrade, José de Freitas, José Amorim, José Lobo, José Mendes, José Ferraz, José Amando Diniz, José de Oliveira Azevedo, José de Oliveira Fontão, José Ananias Ramiro, José Teixeira de Aguiar, Joaquim José de Oliveira Azevedo, Joaquim Fernandes de Oliveira, Leopoldo de Abreu, Lázaro Guimarães, Lázaro Fernandes de Oliveira, Luiz Ferrari, Luiz dos Santos, Luiz Guimarães,Mário Santos Meira, Milton Azevedo Nogueira, Maria Sguassábia, Manoel Assunção Ribeiro, Napoleão de Castro, Nildes Fontão de Souza, Noé Marcondes, Otávio de Oliveira,

Pedro Laurentino da Silva, Paulo Maciel de Godói, Paulo Lúcio (Baião),Pedro Lúcio, Roque Teixeira Fiori, Rogério de Oliveira Fontão, Saturnino Alves, Sebastião Domiciano, Sérgio de Oliveira Coutinho, Sebastião Pomeranzi, Vidal Fontão

SOLDADOS MORTOS:Benedito Araújo, Moisés Justino, Vicente de Oliveira, Manoel Martins, Américo Brisa, José Lobo

OFICIAIS:Comandante Gal. Romão Gomes, Tenente Cel. Homero Silveira, Tenente Mário dos Santos Meira, Tenente Esdras Rezende, Tenente Cristóvão Rezende

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VOLUNTÁRIAS DA CRUZ VERMELHA SANJOANENSE

Tita Teixeira — Presidente

Adazir CarvalhoAída Pomeranzi, Alice A. Andrade, Amália Varzim Fiori, Ana Ferreira Brandão, Ana Mota, Anesia Silveira, Angelina A. Aguiar, Angelina Abrantes de Aguiar, Anita Andrade, Anita Hansin, Antonia Andrade Ferreira, Antônia Teixeira Mourão, Aparecida Flecri Castelano, Aureolinda Batista, Aurora Bruno, Guiomar Rezende, Basilisa Peres Paschoal, Belinha Ansin de Andrade, Beloca de Oliveira Costa, Benedita Guimarães, Bepa Deltregio, Carlota de Siqueira Ricci, Celeste Stefani, Benedita Soares, Celina Ferreira Brandão, Cotinha Vasconcelos, Criseida de Oliveira, Ditinha Santamaria, Elza Batista, Elza de Andrade Sarmento, Ema S. Barbosa,

Ernestina Westin Murr, Eudoxia Santos Cruz, Eunice Andrade, Filhinha de Magalhães, Filoca Nogueira de Azevedo, Francisca V. Pirajá, Gabriela Dias, Gabriela Oliveira Azevedo, Geni Mota, Georgina Batista Parreira, Georgina de Oliveira Deltrégio, Guiomar Machado, Haydée Mancini, Herdi Fabris Risoto,Herminia Ferrante, Idalina Batista, Iraci Oliveira, Izabel Carvalho Bastos.Izolina Westin, Joana Parreira Costa,Joaquina Fajardo, Jordelina Maria Delgado, Judit Braga Ferreira, Julieta Silva Barreto, Leonirda Mota, Lourdes Godói, Lourdes Rezende Nogueira, Lucina Raposo Vasconcelos, Lucinda Peres Fontão, Magdalena de Oliveira Azevedo, Maninha A. França, Marcemira Carvalho, Marciana Guimarães,

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Maria Fontes de Rezende, Maria J. Azevedo Andrade, Maria José Barbosa, Maria José Ferreira Andrade, Maria José Loiola, Maria Luiza Andrade, Maria Luiza de Azevedo Costa, Maria Rosa R. de Azevedo, Maria V. Ferreira, Maria Vasconcelos Westin, Máxima Alvanira de Andrade, Miréia Mendes Teixeira Noronha, Mota Rocha, Nadir de Castro, Nair dos Santos, Conceição Magalhães, Nair Almeida, Neguinha Guglioti, Nina Oliveira Nogueira, Noêmia Quaresma, Normantina de Castro, Odete Loiola, Odilia Andrade, Olímpia de Oliveira Andrade, Ondina Ferreira de Andrade, Osvaldina Carvalho,Placidina Mota, Rita de Cássia de Azevedo Costa, Rita Valentim Ferraz, Tereza Pasquino, Titã Ferreira Kielander, Tomazina Aceturi, Zinha de Almeida Carvalho, Zulmira Costa, Zulmira Lima

Margarida de Azevedo Coelho, Margarida Noronha, Maria Aparecida Fontão de Sousa, Maria Braga, Araci Silveira, Maria Conceição Amorim, Maria Conceição de Oliveira Andrade, Maria Conrado Donadi, Maria das Dores França, Maria de Lourdes Aguiar, Maria de Lourdes Nogueira, Maria do Carmo Fleuri,

Voluntárias no Centro Recreativo Sanjoanense - CRS

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SOLDADOS SANJOANENSES QUE LUTARAM EM OUTRAS FRENTES

Américo Brisa,Arlindo MendesArtuzio Gianelli,Benedito Araújo,Calimério Ferreira,Euclydes Carvalho Silva,Francisco Lino,Francisco Salomão,José Lobo,Lulu,Moacir Alvarez,Paulo Emílio Oliveira Azevedo,Primo Sguassábia,Ruy Alvarenga,Sérgio Loiola,Vicente Andrigueto,Xandico

Eucydes de Carvalho Silva teve papel im-portante na vida social de São João da Boa Vis-ta. Foi vereador, diretor do jornal “A Cidade de São João” entre outras funções. Em 1932 foi soldado voluntário em Jaú.

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REFERÊNCIAS:

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