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Depois das profundas transformações políticas que mudaram a fisionomia do planeta nas últimas décadas, a pequena obra- prima de Orwell pode ser vista sem o viés ideológico reducionista. Mais de sessenta anos depois de escrita, ela mantém o viço e o brilho de uma alegoria perene sobre as fraquezas humanas que levam à corrosão dos grandes projetos de revolução política. É irônico que o escritor, para fazer esse retrato cruel da humanidade, tenha recorrido aos animais como personagens. De certo modo, a inteligência política que humaniza seus bichos é a mesma que animaliza os homens. Escrito com perfeito domínio da narrativa, atenção às minúcias e extraordinária capacidade de criação de personagens e situações, A revolução dos bichos combina de maneira feliz duas ricas tradições literárias: a das fábulas morais, que remontam a Esopo, e a da sátira política, que teve talvez em Jonathan Swift seu representante máximo. Estas alegorias são a base de “Animal Farm”, onde os animais se revoltam contra os patrões humanos e resolveram gerenciar eles mesmos a Granja onde habitam. Ao ouvirem as sábias palavras do velho porco Major, os animais fazem uma revolução guiada pela 'liberdade', em prol da 'igualdade'. Mas devem aprender a 'gerenciar' as duas instâncias metafísicas, que se limitam, que se constrangem. ANÁLISE: A obra de George Orwell é um romance, mas podemos afirmar que é uma fábula sobre o comportamento humano. Destacaremos dois pontos que nos comprovam isso. Primeiro: consideramos uma fábula porque os personagens são animais e agem como homens “ (…) os primeiros foram os três cachorros (…) depois os porcos (…) As galinhas empoleiravam-se nas janelas, e as pombas voaram (…) as ovelhas e as vacas deitaram-se atrás dos porcos.”. Segundo: os fins das fábulas vêm sempre acompanhados por uma lição de moral, e isso também acontece na obra. “ Todos são iguais mas alguns são mais iguais que outros”.

Revolução Dos Bichos

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Depois das profundas transformações políticas que mudaram a fisionomia do planeta nas últimas décadas, a pequena obra-prima de Orwell pode ser vista sem o viés ideológico reducionista. Mais de sessenta anos depois de escrita, ela mantém o viço e o brilho de uma alegoria perene sobre as fraquezas humanas que levam à corrosão dos grandes projetos de revolução política. É irônico que o escritor, para fazer esse retrato cruel da humanidade, tenha recorrido aos animais como personagens. De certo modo, a inteligência política que humaniza seus bichos é a mesma que animaliza os homens.

Escrito com perfeito domínio da narrativa, atenção às minúcias e extraordinária capacidade de criação de personagens e situações, A revolução dos bichos combina de maneira feliz duas ricas tradições literárias: a das fábulas morais, que remontam a Esopo, e a da sátira política, que teve talvez em Jonathan Swift seu representante máximo.

Estas alegorias são a base de “Animal Farm”, onde os animais se revoltam contra os patrões humanos e resolveram gerenciar eles mesmos a Granja onde habitam. Ao ouvirem as sábias palavras do velho porco Major, os animais fazem uma revolução guiada pela 'liberdade', em prol da 'igualdade'. Mas devem aprender a 'gerenciar' as duas instâncias metafísicas, que se limitam, que se constrangem.

ANÁLISE: A obra de George Orwell é um romance, mas podemos afirmar que é uma fábula sobre o comportamento humano. Destacaremos dois pontos que nos comprovam isso. Primeiro: consideramos uma fábula porque os personagens são animais e agem como homens “ (…) os primeiros foram os três cachorros (…) depois os porcos (…) As galinhas empoleiravam-se nas janelas, e as pombas voaram (…) as ovelhas e as vacas deitaram-se atrás dos porcos.”. Segundo: os fins das fábulas vêm sempre acompanhados por uma lição de moral, e isso também acontece na obra. “ Todos são iguais mas alguns são mais iguais que outros”.

O autor fala diretamente dos humanos ao atribuir a cada animal uma característica na personalidade deles pertencentes aos homens, como: autoritarismo, ingenuidade, crueldade, bondade, egoísmo, indignação, dentre outros. “ (…) Bola-de-Neve era mais ativo que Napoleão, de palavra mais fácil, mais imaginoso, porém não gozava da mesma reputação quanto à solidez do caráter.” Ele também revela traços do comportamento humano quando mostra a busca dos animais por uma vida melhor, a procura da liberdade e de seus direitos.

“(…) qual é a natureza desta nossa vida? (…) Nascemos, recebemos o mínimo de alimento necessário (…) e os que podem trabalhar são exigidos até a última parcela de suas forças, (…) trucidam-nos com hedionda crueldade. (…) Nenhum anila é livre.”

A leitura se mostra o melhor auxílio para quem quer ter uma mente esclarecida e não ser enganado.

Um dos personagens mais interessantes é Benjamin, o burro. Ele é um dos poucos que sabem ler e que desfrutam do privilégio do raciocínio, o fato de saber ler e interpretar o priva de cair nos engôdos a que estão expostos aqueles com espíritos de ovelhas. Benjamim acredita que a vida sempre será dura, árdua e vê os eventos com a clareza de

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uma mente aberta e disposta a encarar os fatos. Já velho e conformado com a dureza do existir, Benjamim não se mostra disposto a convencer ninguém sobre o que está correto ou errado. Esse conformismo, talvez já tenha me atingido muitas vezes, e até acredito que é assim que me sinto agora com relação ao modo como as coisas estão funcionando na sociedade e no mundo, mas, talvez eu esteja certo, ou não, penso que sempre devemos lutar, seja com palavras ou, quando necessário, pela força. Devemos sempre lutar pela liberdade e nos mostrar contra todo o tipo de servidão, exploração e escravidão. Mas, e quando um dia as coisas estiverem melhores, não voltarão elas a ficarem ruins? Parece que há muito do espírito de Jones em cada ser humano, e que sempre surgirão diferenças, classes, melhores e piores, letrados e iletrados, fortes e fracos. Mas talvez seja esse o propósito da vida humana em sociedade, lutar para atingir o melhor, ainda que seja um melhor passageiro.

Gostaria de ressaltar, dentre tantas figuras presentes na obra, a do corvo e das ovelhas.

Enquanto os cavalos representam a real força da revolução. Animal mais forte e mais trabalhador, porém ignorante, com dificuldades de raciocínio e de interpretar as idéias dos porcos... As ovelhas representam aqueles que devido a grande ignorância, a ausência de senso crítico causada em grande parte pelo analfabetismo e falta de educação, simplesmente não conseguem raciocinar, nem sequer notar que existe alguma coisa errada na forma como estão levando a vida, que apenas repetem as palavras bonitas e os argumentos ocos que recebem de seus líderes. Pessoas que acabam se convencendo que os erros do sistema econômico não passam de acertos ou pequenas demonstrações de que nem tudo é perfeito mas que estão fazendo o melhor que podem, e que as coisas são como são e pronto. Pessoas incapazes de tomarem decisões próprias e que precisam de um guia, um pastor, alguém a quem possam recorrer intelectualmente, que mostre o que é certo e o que é errado, a quem jamais devem questionar.

Essas mesmas pessoas são tentadas a acreditar em contos de fadas e por acreditar neles, não lutam para melhorar a realidade. Se existe algo errado, alguém um dia nos salvará, precisamos apenas confiar, é o lema delas. Em Animal Farm, quando os animais enfim se veem livres de Jones, eles também desfrutam da ausência de um pesado fardo, o corvo de Jones que o segue em sua fuga. O corvo é responsável por encher a mente dos animais com promessas de um céu repleto de conforto e torrões de açúcar e alimentos sem fim que virão após a morte. Suas palavras são tão bonitas e sua eloquência em comparação com a ignorância das ovelhas tão admirável que praticamente todos são tentados a crer no que diz o corvo, inclusive aqueles que como os cavalos, notam que existe algo errado, mas que seus raciocínios não conseguem alcançar. Essa crença os leva a manterem-se estagnados, é algo como tudo acontece com a permissão de deus e por isso só precisamos esperar.

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Sr. Jones – proprietário da Granja do Solar

- Major – porco de 12 anos de idade, de porte majestoso, com um ar sábio e benevolente, a despeito de suas presas jamais terem sido cortadas.

- Ferrabrás; Lulu e Cata-vento – são cães e pode-se dizer que representam as forças. A feroz matilha que coage os outros bichos e protege os porcos

Sansão – cavalo - era um bicho enorme, de quase um metro e noventa de altura, forte como dois cavalos. A mancha branca no focinho dava-lhe certo ar de estupidez e, realmente, não tinha lá uma inteligência de primeira ordem, embora fosse grandemente respeitado pela retidão de caráter e pela tremenda capacidade de trabalho.

- Quitéria – égua volumosa, matronal já chegada à meia-idade, cuja silhueta não mais se recompusera após o nascimento do quarto potrinho.

- Benjamin – burro – era o animal mais idoso da fazenda, e o mais moderado. Raras vezes falava e, normalmente, quando o fazia era para emitir uma observação cínica. Era o único dos animais que nunca ria. Sem que o admitisse abertamente, tinha certa afeição por Sansão.

- Mimosa – égua branca, vaidosa e fútil. Representava a oposição. Não satisfeita com os resultados da Revolução, fugiu da granja

- Moisés – corvo domesticado, que dormia fora, num poleiro junto à porta dos fundos. Era um espião linguarudo, mas hábil na conversa.

- Napoleão – um dos porcos mais inteligentes da granja. Era um cachaço Berkshire, de aparência ameaçadora, o único Berkshire da granja, pouco falante, mas com a reputação de possuir grande força de vontade.

- Bola-de-neve – um dos porcos mais inteligentes da granja. Era mais ativo do que Napoleão, de palavra mais fácil e mais imaginoso, porém não gozava da mesma reputação quanto à solidez do caráter.

- Garganta - era um porco de bochechas redondas, olhos sempre piscando, movimentos lépidos e voz aguda. Manejava a palavra com brilho e, quando discutia algum ponto mais difícil, tinha o hábito de dar pulinhos de um lado para o outro e abanar o rabicho, o que era assaz persuasivo. Diziam que ele era capaz de convencer que o preto era branco.

- Maricota – era uma cabra, lia um pouco melhor que os cachorros e costuma ler para os demais à noite os pedaços de jornal que achava no lixo.

- Sr. Pilkington - proprietário da granja Foxwood. Sujeito indolente, granjeiro que passava a maior parte do tempo caçando ou pescando, conforme a estação.

- Sr. Frederick - proprietário da granja Pinchfield. Homem rude e sagaz, permanentemente envolvido em processos na justiça e com a reputação de levar a cabo barganhas muito difíceis.

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- Mínimo - porco de notável talento para compor canções e poemas.

- Sr. Whymper - procurador em Willingdon. Era o intermediário entre a Granja dos Bichos e o mundo exterior. Era ele que negociava as mercadorias dos humanos com Napoleão. Era um homenzinho finório, de suíças crescidas, procurador de pouca clientela, porém suficientemente vivo para perceber, antes de qualquer outro, que a Granja dos Bichos precisaria de um representante e que as comissões seriam polpudas.

- Rosito - um jovem porco que fora incumbido de provar a comida de Napoleão para evitar que ele fosse envenenado.

Descrito acima o perfil dos personagens que mais aparecem no texto podemos perceber que a espécie mais importante e que efetivamente trabalhou (para o bem ou para o mal) durante a revolução da Granja do Solar é a suína. Aqui, os porcos são sinônimos de inteligência, força e liderança, mas cá para nós este paralelo entre líderes do mundo real com porcos é algo altamente sarcástico, porém de certa forma, real.

Importante citar que todos os porcos da fazenda eram castrados, exceto Bola-de-neve e Napoleão, o que nos leva a crer que neste caso não ser castrado é sinal de liberdade e respeito, pois quem não era castrado podia tudo.

O autor finaliza o texto com a seguinte frase, que serve para uma reflexão pessoal: “Mas já se tornara impossível distinguir quem era homem quem era porco.”.