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1 A TUTELA ANTECIPATÓRIA NO DIREITO ITALIANO * EDOARDO F. RICCI ** SUMÁRIO: 1. Introdução.- 2. O emergir de uma tutela antecipatória na prática, através de uma extensão das medidas cautelares inominadas (art. 700 do CPC).- 3. A introdução de normas sobre a tutela urgente em hipóteses setoriais: os provimentos antecipatórios de pagamento previstos pelo art. 423 do CPC no processo do trabalho (graças à Lei de reforma nº 533/73).- 4. O debate precedente à introdução da tutela antecipatória no âmbito do processo civil ordinário. O provimento antecipatório de pagamento de somas não contestadas previsto pelo art. 186 bis do CPC (introduzido pela Lei de reforma nº 353/90).- 5. O provimento injuncional previsto pelo art. 186 ter do CPC (também introduzido pela Lei de reforma nº 353/90).- 6. O último instituto: o provimento antecipatório sucessivo ao encerramento da instrução, previsto pelo art. 186 quater do CPC (introduzido pelo Decreto nº 432/95, convertido na Lei nº 534/95).- 7. Observações conclusivas. 1. Entre as recentes reformas do direito processual brasileiro, particular interesse significa para mim aquela relativa à introdução da tutela antecipatória, devida às novas disposições previstas pelos artigos 273 e 461, § 3º, do Código de Processo Civil. Mediante esta novidade o direito processual brasileiro enfrenta em modo orgânico e sem reticências um dos mais graves problemas relativos à tutela jurisdicional nos estados modernos: aquele de atenuar, para o autor que tem razão, o custo ínsito na demora do processo; e o faz no modo melhor sob o perfil estrutural, inserindo a tutela antecipatória no tecido do próprio processo ordinário. Não era esta a única solução possível, como demonstra a experiência de outros países. O problema de dar ao autor uma tutela urgente tem sido algumas vezes resolvido também de outro modo: mediante institutos colaterais ao processo ordinário antes que mediante institutos capazes de inserir-se organicamente no tecido deste processo. Dentro em pouco, falando do direito italiano, deverei fornecer também o exemplo de uma tutela antecipatória de qualquer modo extraída de procedimentos cautelares, possíveis também ante causam (“infra” nº 2); e o mais clássico exemplo de

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A TUTELA ANTECIPATÓRIA NO DIREITO ITALIANO *

EDOARDO F. RICCI ** SUMÁRIO: 1. Introdução.- 2. O emergir de uma tutela antecipatória na prática, através de uma extensão das medidas cautelares inominadas (art. 700 do CPC).- 3. A introdução de normas sobre a tutela urgente em hipóteses setoriais: os provimentos antecipatórios de pagamento previstos pelo art. 423 do CPC no processo do trabalho (graças à Lei de reforma nº 533/73).- 4. O debate precedente à introdução da tutela antecipatória no âmbito do processo civil ordinário. O provimento antecipatório de pagamento de somas não contestadas previsto pelo art. 186 bis do CPC (introduzido pela Lei de reforma nº 353/90).- 5. O provimento injuncional previsto pelo art. 186 ter do CPC (também introduzido pela Lei de reforma nº 353/90).- 6. O último instituto: o provimento antecipatório sucessivo ao encerramento da instrução, previsto pelo art. 186 quater do CPC (introduzido pelo Decreto nº 432/95, convertido na Lei nº 534/95).- 7. Observações conclusivas. 1. Entre as recentes reformas do direito processual brasileiro, particular interesse significa para mim aquela relativa à introdução da tutela antecipatória, devida às novas disposições previstas pelos artigos 273 e 461, § 3º, do Código de Processo Civil. Mediante esta novidade o direito processual brasileiro enfrenta em modo orgânico e sem reticências um dos mais graves problemas relativos à tutela jurisdicional nos estados modernos: aquele de atenuar, para o autor que tem razão, o custo ínsito na demora do processo; e o faz no modo melhor sob o perfil estrutural, inserindo a tutela antecipatória no tecido do próprio processo ordinário. Não era esta a única solução possível, como demonstra a experiência de outros países. O problema de dar ao autor uma tutela urgente tem sido algumas vezes resolvido também de outro modo: mediante institutos colaterais ao processo ordinário antes que mediante institutos capazes de inserir-se organicamente no tecido deste processo. Dentro em pouco, falando do direito italiano, deverei fornecer também o exemplo de uma tutela antecipatória de qualquer modo extraída de procedimentos cautelares, possíveis também ante causam (“infra” nº 2); e o mais clássico exemplo de

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tutela urgente atuada mediante institutos colaterais ao processo ordinário é oferecido pelos sistemas francês e belga, mediante o instituto do référé: já que o procedimento de référé é um autêntico procedimento alternativo ao ordinário processo civil (tanto alternativo a esse, que já domina a grande maioria das controvérsias)1. Mas, não é de hoje estar eu convencido que não seja este último o caminho justo; e não é de hoje sustentar eu (também em polêmica com outros processualistas do meu país) que somente mediante uma orgânica inserção da tutela antecipatória no processo civil ordinário, o problema pode ser resolvido em modo satisfatório sob o duplo perfil prático e teórico2. Esta é a única percepção, que consente salvar a centralização sistemática do processo ordinário como instrumento de justiça. A solução pré-escolhida pelo legislador brasileiro é, portanto, por mim considerada com particular aprovação e pessoal simpatia. Justificado está, portanto, o meu desejo em discutir este tema. Mas, prudência exige que, não sendo o direito brasileiro o direito do meu país, eu não entre no mérito das questões de regime positivo ou de caráter sistemático, sobre os quais a doutrina brasileira está se sedimentando. Também, se a doutrina brasileira é para a doutrina italiana uma doutrina irmã (e já existe entre uma e outra um tal intercâmbio, uma tal comunhão de conceitos e de linguagem, de fazer pensar a uma autêntica unidade cultural), fica, todavia, sempre para mim o obstáculo insuperável de um defeito de experiência. Penso, então, poder contribuir ao debate num modo certamente mais modesto, mas certamente mais adequado à minha tarefa: delineando um breve esboço da tutela antecipatória no direito italiano, como experiência pela qual as novidades brasileiras possam ser postas em confronto. É este, portanto, o objeto dos parágrafos seguintes. 2. Antes de mencionar os institutos, através dos quais o legislador italiano entendeu introduzir no tecido do processo civil uma tutela antecipatória, diga-se que na Itália este particular tipo de tutela surgiu e é por * Conferência pronunciada em 27.9.96, no Congresso Gênesis de Direito Processual Civil, realizado em Foz do Iguaçu - PR. Tradução de Clayton Maranhão, Professor da Pontifícia Universidade Católica do Paraná, sob autorização do autor. ** Professor Ordinário da Universidade de Milão. 1 Em relação ao procedimento de référé na Bélgica veja-se, por exemplo, MARCHAL, Les référés, Bruxelles, 1992, onde são estudadas numerosíssimas hipóteses aplicáveis. Para um panorama dos problemas relativos à tutela provisória em vários países europeus, veja-se AA.VV. Les mesures provisoires en procédure civile, Atti del colloquio internazionale, Milano, 12-13 ottobre 1984, a cura di G. TARZIA. 2 Permito-me em reenviar ao meu escrito Per una efficace tutela provvisoria ingiunzionale dei diritti di obbligazione nell’ordinario processo civile, ‘in’ Riv. Dir. Proc., 1990, 1.021 ss.

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longo tempo vivido (como vive ainda hoje) também em virtude da experiência aplicativa de uma norma, cujo escopo originário era provavelmente diverso. Refiro-me ao art. 700 do Código de Processo Civil, em tema dos chamados “provvedimenti d’urgenza”, onde se lê que “quem tenha fundado motivo de temer que durante o tempo necessário para fazer valer um direito seu em via ordinária, este seja ameaçado por um prejuízo iminente e irreparável, pode requerer com ‘ricorso’ ao juiz os provimentos urgentes, que apareçam, segundo as circunstâncias, mais idôneos a assegurar provisoriamente os efeitos da decisão sobre o mérito”. Trata-se de uma norma inserida no capítulo III, do livro IV, do Código de Processo Civil, intitulado “Dei procedimenti cautelari”. “Assegurar” os efeitos da decisão de mérito não quer dizer, a rigor, “antecipar” tais efeitos. A expressão usada pelo legislador faz, portanto, pensar, pelo menos a uma leitura rigorosa, que nos termos do art. 700 do Código de Processo Civil, não possam ser pronunciados provimentos dirigidos a antecipar a tutela, cuja obtenção se dá mediante sentença. O fim perseguido pelo legislador parece, antes, aquele de consentir provimentos de caráter lato sensu conservativos, tais a evitar que, uma vez prolatada a sentença, nesse meio tempo a satisfação efetiva do direito seja tornada impossível; e neste sentido tem sido, de resto, a tese sustentada por uma parte da doutrina3. Mas a rigorosa interpretação dessa corrente doutrinária rapidamente desencontrou-se com as tendências da prática, que tem aplicado o artigo 700 do CPC bem além dos confins, dentro dos quais a norma devia ser contida segundo o seu provável fim originário. Precisamente por esta razão, tornou-se moda (se assim posso expressar-me) o confronto entre os provvedimenti d’urgenza “como são” e os provvedimenti d’urgenza “como deveriam ser”4: onde a diferença entre o escopo originário da norma e a sua experiência aplicativa tem sido posta a lume nos seus vários aspectos; e uma certa tendência a empregar o art. 700 do CPC, como hipótese de tutela antecipatória, faz parte da experiência em discurso5.

3 Cf. G. ARIETA, I provvedimento d’urgenza, 2ª ed.,Padova, 1985, 68. Para um aprofundado exame destes temas veja-se F. TOMMASEO, I provvedimenti d’urgenza, 1983, 7 ss. e recentemente L. DITTRICH, ‘in’ Il nuovo processo cautelare, a cura di G. TARZIA, Padova, 1993, 195. 4 G. VERDE, Considerazioni sul provvedimento d’urgenza (come è e come sí vorrebbe che fosse), ‘in’ I processi speciali, Studi offerti a Virgilio Andrioli dai suoi allievi, Napoli, 1979, 407. 5 Cf. sobre este ponto Trib. Milano, 23 dicembre 1993 (ord.), De Nitto c. Benedetto, ‘in’ Giur. it., 1995, I, 2, 848, com nota de R. CONTE, Dalla tutela d’urgenza alla tutela sommaria (note minime de iure condito e de iure condendo); e A. PROTO PISANI, Appunti sulla tutela sommaria (note de iure condito e de iure condendo), ‘in’ I processi speciali, cit., 311.

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Pode-se, em suma, dizer que em certa medida a tutela antecipatória ingressou no direito italiano, antes ainda que o legislador se propusesse em criá-la com institutos expressos; o quanto dito vale também como descrição da atual disciplina, se - além do tenor da norma - tenhamos em conta o chamado “direito vivente”. A tutela antecipatória é na Itália, ainda hoje, legada em parte à aplicação do artigo 700 do CPC, com todas as conseqüências do caso, seja em relação às suas formas, seja em relação à sua duração no tempo e às suas relações com a definitiva tutela de mérito (ou como se prefira: com os efeitos da sentença de mérito). No que concerne às formas, falar do art. 700 do CPC significa evocar integralmente a disciplina geral dos procedimentos cautelares que, após a Lei nº 353, de 26 de novembro de 1990, em vigor nesta parte desde 01º de janeiro de 1993, está caracterizada por vistosas novidades em relação ao passado. As normas encontradas nos artigos 669 bis e seguintes (até o artigo 669 quaterdecies) do CPC, delineiam hoje um autêntico modelo geral de procedimento, aplicável onde as disposições relativas aos simples provimentos cautelares não derrogue aquelas normas, e os chamados “provvedimenti d’urgenza”, previstos pelo art. 700 do CPC, recepcionem esta disciplina por inteiro. Delineia-se aqui um procedimento caracterizado pelo duplo grau (graças à possibilidade de recurso previsto pelo art. 669 terdecies do CPC)6; e prevê-se, outrossim, que o provimento não impugnado, como o provimento confirmado pelo Tribunal, tenha um certo grau de estabilidade, podendo ser revogado ou modificado somente com base em novas circunstâncias: o que induziu alguém a propor em sede de sistematização dogmática o conceito de “coisa julgada cautelar”, dando novo impulso à categorias dogmáticas como aquelas de “ação cautelar” e de “direito à cautela”7. No que concerne à relação com a definitiva tutela de mérito (e com a sentença de mérito), o reenvio à disciplina geral dos provimentos cautelares conduz a algumas importantes conseqüências. De um lado, de fato, devem ser aplicados os artigos 669 octies e 669 novies do CPC, em virtude dos quais a eficácia do provimento cessa toda vez que a ação de mérito não venha proposta dentro de um certo prazo, ou se após a sua propositura

6 Com relação à introdução do duplo grau de jurisdição em virtude do reclamo, vejam-se M. CIRULLI, La nuova disciplina dei rimedi contro i provvedimenti cautelari, Padova, 1996, 77; F. TOMMASEO, commento alla L. 26 novembre 1990, n. 353, ‘in’ Corriere giuridico, 1991, 96. 7 No que se refere a chamada coisa julgada cautelar vejam-se por exemplo: Pret. Roma, 5 luglio 1993, Salassa c. Federconsorzi, ‘in’ Giur. lav. Lazio, 1994, 150; E. MERLIN, Il nuovo processo cautelare; a cura di G. TARZIA, cit., 353; M. CIRULLI, La nuova disciplina ecc., cit., 102;

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dentro do prazo estabelecido venha a se extinguir8. Por outro lado vale o princípio (de sua vez estabelecido pelo art. 669 novies do CPC), segundo o qual “o provimento ... perde ... eficácia ... se com sentença, ainda que não transitada em julgado, é declarado inexistente o direito a cautela pelo qual tenha sido concedido”. Estabelece-se, portanto, a subordinação da tutela em exame à tutela de mérito, ainda que desta última derive uma sentença não transitada em julgado. No passado as coisas eram diferentes, porque antes da reforma devida à já recordada Lei nº 353/90, a sentença de primeiro grau que contivesse a declaração de inexistência do direito, não era capaz de alterar a eficácia do provimento cautelar ou urgente (ainda que este tivesse um substancial conteúdo antecipatório). A Lei nº 353/90, todavia, potencializou a eficácia da sentença de primeiro grau, sobre vários perfis, inclusive no concernente a sua atitude à imediata cessação dos provimentos urgentes ou cautelares. Disto se deve levar em consideração, ao meu ver, também para descrever em modo correto as relações entre o provimento antecipatório e a sentença que acolhe a demanda do autor, reconhecendo a existência do direito, cuja tutela também o provimento antecipatório tenha sido pronunciado. Antes da referida Lei nº 353/90, a sentença de primeiro grau não era, em linha de princípio, imediatamente executiva (embora podendo ser declarada provisoriamente executiva em determinadas hipóteses)9; e vigia também neste caso o princípio da permanente eficácia dos provimentos urgentes. Podia, portanto, ocorrer que o direito reconhecido existente na sentença, embora não podendo receber atuação forçada em virtude da mesma sentença, pudesse recebê-la em virtude do provimento urgente: caso em que se devia reconhecer que - não obstante a superioridade das valorações contidas na sentença relativamente às valorações sumárias no provimento urgente - o provimento urgente era mais precioso que a própria sentença de mérito, do ponto de vista da completa satisfação do autor. Mas com a Lei nº 353/90, a sentença de primeiro grau tornou-se imediatamente executiva, salvo a possibilidade que a executoriedade seja

8 Sobre este ponto veja-se, por todos, E. MERLIN ‘in’, Il nuovo processo cautelare, a cura di G. TARZIA, cir., 299 ss. 9 O art. 282 do c.p.c., antes da lei n. 353/90 assim recitava : “ [parágrafo 1º] A requerimento de parte, a sentença apelável pode ser declarada provisoriamente executiva entre a partes com ou sem caução, se a demanda for fundada sobre ato público, escritura particular reconhecida ou sentença transitada em julgado, ou se há perigo na demora. [parágrafo 2º] A execução provisória deve ser concedida, sempre a requerimento de parte, no caso de sentenças que pronunciem condenação ao pagamento de provisionais ou de prestações alimentares, exceto quando ocorram particulares motivos para rejeitá-la.”

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suspensa pelo juiz da apelação, ocorrendo certas condições10. A hipótese em que o provimento urgente possa conservar a sua eficácia, também depois da prolação da sentença, parece portanto limitar-se aos casos nos quais tal provimento - pelo fato de ter um conteúdo não antecipatório - não seja absorvido pela decisão; e o provimento de caráter antecipatório parece precisamente aquele destinado à absorção. Em suma: após a prolação da sentença imediatamente executiva, o problema deve ser somente o de executar tal sentença; e se é iniciada a execução com base no provimento urgente, pode-se prosseguir com base na sentença com substituição do título no âmbito do mesmo processo executivo. Exprimo, todavia, sobre este ponto somente uma opinião pessoal. que não posso apresentar como pacífica11 : tanto mais que, toda vez que a executividade da sentença de primeiro grau for suspensa pelo juiz da apelação, precisamente a permanente eficácia do provimento urgente poderia consentir a atuação forçada do direito (com uma solução que pessoalmente não gosto, mas pode agradar a outros). Se for interessante, a experiência da tutela antecipatória mediante provimento de urgência, nos termos do art. 700 do CPC, não deve todavia ser supervalorizada num discurso de conjunto sobre o vigente direito italiano. Trata-se de fato de uma experiência muito limitada no que concerne às situações jurídicas tuteláveis. Sublinhando a exigência da irreparabilidade do dano (sobre este ponto, também, os juízes foram sempre fiéis à letra da lei), a jurisprudência constantemente excluiu, de fato, a possibilidade de ordenar, aos termos do art. 700 do CPC, o adimplemento de obrigações pecuniárias, ou de obrigações cujo adimplemento pode ser reparado mediante ressarcimento do dano12. Deste modo exclui-se, de fato, o setor mais importante (ou se preferir: mais relevante do ponto de vista quantitativo) dos direitos tuteláveis; e somente nos últimos tempos, esta visão restritiva, começou a atenuar-se nos casos particulares, nos quais o direito tutelado,

10 Cf. art. 283 cpc. 11 Veja-se C. MANDRIOLI, Corso di diritto processuale civile, 10ª. ed., III, Torino, 1995, 199; ID., Caducazione dei cosidetti accertamenti anticipati per efetto della pronuncia della sentenza di primo grado ancorchè non esecutivi, ‘in’ Riv. dir. civ., 1961, 518 ss.; E. GARBAGNATI, I procedimenti d’ingiunzione e di convalida di sfratto, 5ª ed., Milano, 1979, 234. 12 No sentido do texto, por exemplo: Pret. Roma, 14 de dezembro de 1989, Sosti c. Esatt. Roma, ‘in’ Giur. merito, 1991, 261; Pret. Roma, 27 de janeiro de 1989, Soc. Mobiliare immobiliare Scorpione, ‘in’ Temi romana, 1989, 410; sobre este ponto veja-se outrossim Pret. Anagni, 24 de março de 1988, Pepsico c Pepsi Italia, ‘in’ Giur. it., 1989, I, 2, c. 402, com nota de M.A. LIVI, Tutela del credito e provvedimenti d’urgenza.

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embora tendo conteúdo pecuniário, aparecia muito importante sobre o perfil da sensibilidade social de ser qualificado como “fundamental”13. Não se trata, em suma, somente de uma experiência, mediante a qual as normas foram aplicadas de modo disforme (e mais amplo) daquele que deveria ser próprio à sua originária função. Trata-se, também, de uma experiência muito setorial: tanto que, se este fosse o único tema a considerar, deveríamos colocar o direito italiano entre aqueles tendencialmente contrários (e talvez, muito contrários) à tutela antecipatória. 3. A introdução das primeiras normas objetivando instituir a tutela antecipatória no direito italiano não pertine à generalidade dos casos, mas ao processo que tem por objeto determinadas matérias; e a mais importante destas hipóteses concerne ao processo do trabalho, a qual o CPC dedica o art. 409 e seguintes. Refiro-me ao atual artigo 423 CPC, como posto pela Lei nº 533, de 11 de agosto de 1973. Esta norma prevê no parágrafo 1º que, “o juiz, a requerimento de parte, em qualquer fase do processo, dispõe com ordinanza o pagamento de somas não contestadas”; e acrescenta no parágrafo 2º que “igualmente, em qualquer fase do processo, o juiz pode, a requerimento do trabalhador, dispor com ordinanza ao pagamento de uma soma a título provisório quando entenda o direito declarado e nos limites da quantia pela qual entenda já provada”. São previstas, portanto, uma ordem de pagamento de somas não contestadas (parágrafo primeiro) e uma ordem de pagamento de somas tidas como provadas (parágrafo segundo); e ambas (nos termos do parágrafo 3º, da mesma disposição) são título executivo. Enquanto a colocação, no âmbito da tutela antecipatória, não é controversa no que concerne à ordem de pagamento de somas tidas como provadas (parágrafo 2º), as coisas se dão diversamente no que concerne à ordem de pagamento de somas não contestadas (parágrafo 1º). Segundo alguns, de fato, a ordinanza para o pagamento de somas não contestadas é

13 No sentido do texto, Pret. Roma, 14 de fevereiro de 1983, Soc. coop. ed. Il Manifesto c. Presid. Cons. Ministri, ‘in’ Foro it., 1983, I, 446; Pret. Roma, 6 de julho de 1987 (ord.), Zappalà c. Rossi d’ Albizzate, ‘in’ Giur. it., 1991, I, 2, 467, com nota di L. A. SCARANO, Pregiudizio irreparabile del credito e tutela atipica d’urgenza; Trib. Milano, 23 de dezembro de 1993 (ord.), cit; Trib. Roma, 6 de julho de 1995 (ord.), Soc. Catering Food Service c. Soc. Videotime, ‘in’ Foro it., 1996, I, 708, com nota de F. MACARIO, Determinazione giudiziale del corrispettivo nei contratti di durata e tutela cautelare atipica; Trib. Milano, (ord.), 11 de outubro de 1994, Longobardi c. Banca fideuram, ‘in’ Gius., 1995, 1429. Recentemente divergiu de tal orientação a ‘ordinanza’ do Trib. Milano, 14 de agosto de 1995, Fall. Selezione Garda s.r.l. c. Venezia 59 e Lampugnani, ‘in’ Giur. it., 1996, I, 2, 354, com nota de R. CONTE, La tutela del diritto di credito tra provvedimento d’urgenza e ordinanza ex art. 186 quater.

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uma verdadeira e própria decisão definitiva, fundada no acordo das partes14; em suma, algo próximo de uma autêntica sentença do ponto de vista substancial, ainda que a forma do provimento seja uma ordinanza; e nascem desta concessão conseqüências relevantes sobre o perfil prático e teórico. Por um lado, abre-se deste modo o caminho à possibilidade de uma impugnação mediante recurso de cassazione, nos termos do art. 111, parágrafo 2º, da Constituição; e por outro, pensa-se que o provimento não impugnado ou confirmado pela Corte de Cassação consiga a autoridade da coisa julgada à semelhança de todas as sentenças15. Não creio, todavia, que esta orientação seja correta. A minha preferência é pelas diversas concepções que vêem, também no parágrafo 1º do art. 423, do CPC, um caso de antecipação provisória da tutela, estabelecendo que a decisão definitiva deverá derivar da sentença16; e penso, portanto, que só na sentença se possa estatuir sobre a relação existente entre as partes, ainda que de modo diverso do previsto na ordinanza, em razão de uma contestação sucessiva ao provimento17; e creio que o juiz possa julgar a favor da parte requerida, como ao contrário não poderia se a ordinanza tivesse substancial natureza de sentença definitiva, em relação ao seu objeto específico18. Descendem também destas premissas, as devidas conseqüências acerca das relações entre a ordinanza e a sentença. O parágrafo 4º, do art. 423, dispõe expressamente que é revogável com a sentença a ordinanza de pagamento das somas tidas como provadas, enquanto nada dispõe em relação a ordinanza de pagamento de somas não contestadas. Não creio todavia que esta aparente lacuna tenha relevância. A meu ver, a revogação deve ser admitida, através da sentença de mérito, seja quanto a ordinanza de pagamento de somas tidas como provadas, seja quanto a ordinanza de pagamento de somas não contestadas19; em relação a ambas as hipóteses creio que se deva falar de uma revogação implícita, todas

14 G. TARZIA, Manuale del processo del lavoro, 3ª ed., Milano, 1987, 182; V. DENTI, G. SIMONESCHI, Il nuovo processo del lavoro, Milano, 1974, 136-137; C. VOCINO, G. VERDE, Appunti sul processo del lavoro, 3ª ed., Napoli, 1979, 76. 15 Sobre a recorribilidade à Corte de Cassação, confira-se em C. VOCINO, G. VERDE, Appunti, cit., 76. 16 Assim, G. FABBRINI, A proposito delle ordinanze di condanna al pagamento di somme non contestate, ‘in’ Riv. dir. proc., 1975, 151 ss.; A. PROTO PISANI, Le controversie in materia di lavoro, 2ª ed. Roma - Bologna, 1987, 745 ss; L. MONTESANO, R. VACCARELLA, Manuale di diritto processuale del lavoro, 3ª ed., Napoli, 1996, 223; C. MANDRIOLI, Corso, cit., III, 487; 17 G. FABBRINI, A proposito delle ordinanze di condanna, cit., 154; A. PROTO PISANI, ‘in’ V. ANDRIOLI, C.A. BARONE, G. PEZZANO, A. PROTO PISANI, Le controversie in materia di lavoro, cit., 758 ss.; Cass., sez. un., 12 de abril de 1980, n. 2321, ‘in’ Foro it., 1980, I, 1919. 18 Cass., 11 de julho de 1989, n. 3269, ‘in’ Mass. Foro it., 1989. 19 Assim, C. MANDRIOLI, Corso, III, cit., 458; G. FABBRINI, Diritto processuale del lavoro, Milano, 1975, 198; A. PROTO PISANI, ‘in’ V. ANDRIOLI, C. A. BARONE, G. PEZZANO, A. PROTO PISANI, Le controversie., cit., 758, Cass., sez. Un., 12 de abril de 1980, n. 2321, ‘in’ Foro it., 1980, I, 1919.

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a vezes cuja sentença - ainda que não contenha uma declaração expressa sobre a revogação - declare a inexistência do direito a tutela do qual a ordinanza tenha sido concedida. A sentença de primeiro grau favorável ao autor, que obteve a pronúncia da ordinanza, é imediatamente executiva, salvo a possibilidade da suspensão da executividade (ocorrendo certos pressupostos) da parte do juiz de apelação20; e, ao meu ver, é de admitir-se que tal sentença absorva todo o provimento antecipatório, privando-o de eficácia. Penso, portanto, que após a prolação da sentença, deva-se executar somente este último provimento, e não mais a ordinanza antecipatória. Conseqüentemente, se a executoriedade da sentença de primeiro grau é suspensa, não se pode (sempre sob minha ótica pessoal) pretender iniciar ou continuar a execução forçada com base às ordinanze previstas no artigo 423 do CPC. Nem surgem problemas, quando a execução forçada for iniciada com base na ordinanza e a prolação da sentença tiver lugar durante o processo executivo : como já dito admite-se, de fato, que nos casos de substituição do título executivo por um título executivo novo, este possa pretender o lugar do precedente no âmbito da execução forçada em curso21. Resta ver a que conseqüências se submetem as ordinanze previstas pelo art. 423 do CPC, toda vez que o processo seja extinto após a sua emanação. À respeito a lei silencia, mas a necessária ligação sistemática com os provimentos antecipatórios sucessivamente introduzidos no âmbito do procedimento ordinário (dos quais falar-se-á nos próximos parágrafos), induz-me a compartilhar a opinião segundo a qual a eficácia executiva do provimento se conserva22. Naturalmente, uma vez que a extinção do processo não impede a repropositura da demanda (por regra geral aplicável também ao processo do trabalho: art. 310 do CPC), não exclui que a sentença de mérito venha prolatada no futuro; e tal sentença sobre o mérito terá em relação a eficácia das ordinanze antecipatórias, os mesmos efeitos que teriam sido próprios da sentença de mérito prolatada no curso do mesmo processo. Este último aspecto do direito positivo, torna as ordinanze previstas no art. 423 do CPC, muito mais preciosas e úteis do que os provimentos antecipatórios que a prática conhece na aplicação do art. 700 do CPC (sobre os quais falou-se no parágrafo anterior). À diferença dos provimentos antecipatórios pronunciados na aplicação do art. 700 do CPC (cuja eficácia 20 Art. 431, c.p.c. 21 A. PROTO PISANI, ‘in’ V. ANDRIOLI, C. A. BARONE, G. PEZZANO, A. PROTO PISANI, Le controversie, cit., 759; 22 Assim P. F. LUISO, Il processo ecc., cit., 228.

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não sobrevive à extinção sobre o processo de mérito, em virtude do previsto no já recordado art. 669 novies do CPC), os provimentos aqui considerados são dotados, em relação ao processo extinto, de uma ultra-atividade que consente configurá-los (embora dentro de certos prazos) como uma forma autônoma de tutela do direito subjetivo: sobre o que deveremos retornar em breve (infra nº 7). 4. Até a promulgação da já recordada Lei de reforma nº 353/90, o processo ordinário italiano não conhecia nada de similar aos institutos típicos do processo em matéria trabalhista, descritos no parágrafo anterior. Mas com tal lei a situação mudou, graças à introdução de duas novas normas: o art. 186 bis e o art. 186 ter, do CPC. Estas novidades legislativas foram precedidas por um fecundo debate doutrinário e por um considerável número de propostas. A partir do início dos anos 80, de fato, as hipóteses de introdução da tutela antecipatória no tecido do processo de conhecimento concretizaram-se numa sucessão de importantes projetos de lei23: projetos que, embora não sendo traduzidos em direito positivo, impuseram o tema à atenção de práticos e estudiosos24, preparando o terreno às novidades de 1990. Sem a obra criativa dos autores desses projetos, e sem o debate cultural que lhe é conseqüente, as novidades introduzidas pela Lei nº 353/90 não teriam, provavelmente, sido esclarecidas; e provavelmente as discussões, que estimuladas pelos projetos 23 Recordam-se a tal propósito as Proposte per una riforma del processo di cognizione da Comissão Liebman, que podem ser lidas na Riv. dir. proc. 1977, 454 ss.; as Proposte di riforma urgenti del processo civile, de G. FABBRINI, A. PROTO PISANI, G. VERDE, em seguida modificadas por G. FABBRINI e A. PROTO PISANI, e publicadas no Foro it., 1986, V, 511 ss.; o Texto provvisorio di una proposta di riforme urgenti del c.p.c., elaborado pela Magistratura Democratica, que se pode ler no Foro it., 1987, V, 74 ss.; o denominado “progetto Rognoni” (d.d.l. 2214/S/IX), aprovado pelo Conselho dos Ministros, em 6 de fevereiro de 1987, ‘in’ Quadrimestre, 1987, 42 ss.; o denominado “progetto Vassalli” (d.d.l. n. 1288/S/X), apresentado às Câmaras do Conselho dos Ministros, em 18 de agosto de 1988, publicado no Foro it., 1988, V, 330 ss.; 24 Entre tantos, vejam-se, por exemplo, A. CERINO CANOVA, In tema di riforma del codice di procedura civile, ‘in’ Riv. dir. proc., 1982, 316 ss.; V. DENTI. L’idea del codice e la riforma del processo civile, ‘in’ Riv. dir. proc., 1982, 316 ss.; G. TARZIA, Sul procedimento di primo grado, ‘in’ Riv. dir. proc., 1979, 241; ID., Una proposta di riforma parziale del processo civile, ‘in’ Giur. it., 1988, IV, 257 ss.; ID, Sulla riforma del processo civile e l’istituzione del giudice di pace, ‘in’ Riv. dir. proc., 1994, 238 ss.; A PROTO PISANI, Emergenza nella giustizia civile, ‘in’ Foro it., 1987, V, 1 ss.; AA. VV.; Atti dell’incontro di studio sulle riforme del processo civile (Modena, 14 de junho de 1986), Milano, 1987; G. COSTANTINO, Appunti sulle proposte di riforma urgente del processo civile, ‘in’ Documenti giustizia, 1988, fasc. 10, 7; C. CONSOLO, Le proposte <<Vassalli>> di riforma del c.p.c.: note sulla disciplina della sentenza e delle sue fasi di gravame, ‘in’ Giust. Civ., 1989, II, 189 ss.; S. CHIARLONI, L’amministrazione della giustizia in Italia - Linee di tendenza delle attuali proposte di riforma, ‘in’ Questione giustizia, 1989, 255 ss.; M. TARUFFO, Tendenze di riforma del processo civile e poteri del giudice, ‘in’ Questione giustizia, 187, 762 ss.; V. COLESANTI, L’ultimo progetto di riforma del processo civile, ‘in’ Quadrimestre, 1987, 23 ss.; B. CAPPONI, Le proposte di <<riforma urgente>> del processo civile, ‘in’ Foro it., 1989, V, 122; E. F. RICCI, Il progetto Rognoni di riforma urgente del processo civile, ‘in’ Riv. dir. proc., 1987, 626 ss.

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tiveram lugar nos anos 80, constituem um dos momentos mais vivos da cultura jurídica italiana dos últimos vinte anos. O art. 186 bis, do CPC, é o primeiro fruto deste progresso cultural. A norma dispõe que “a requerimento de parte, o juiz instrutor pode dispor, até o momento da definição das conclusões, o pagamento das somas não contestadas pelas partes constituídas” (parágrafo 1º); acresce que “a ordinanza constitui título executivo e conserva a sua eficácia em caso de extinção do processo” (parágrafo 2º); e conclui fixando o princípio da revogabilidade da ordinanza por parte do juiz que a pronunciou (parágrafo 3º). É evidente o estreito parentesco que liga a norma ao mais antigo artigo 423 do CPC, relativo ao processo do trabalho, sobre o qual se fez referência no parágrafo anterior; e este parentesco foi, de fato, notado pelos comentaristas. Não se pode admirar, portanto, se também em relação a esta disposição manifestaram-se orientações doutrinárias análogas àquelas já vistas: já que também aqui, enquanto alguns sublinharam o caráter meramente antecipatório do provimento25, outros viram uma autêntica decisão fundada sobre o acordo das partes26. Mas a norma, prevendo expressamente a revogabilidade do provimento, favoreceu a prevalência do primeiro entendimento sobre o segundo27; e resolveu expressamente um problema que o artigo 423 do CPC havia deixado (quanto à ordinanza de pagamento de somas não contestadas em matéria trabalhista) na sombra: o problema da permanente eficácia executiva do provimento, na hipótese de extinção do processo. Pode-se dizer, portanto, com uma visão de conjunto, que o art. 186 bis do CPC, constitui uma versão mais completa e refinada da própria disciplina, que já o art. 423 do CPC, deixava entrever. Também aqui, vige o princípio da absorção do provimento antecipatório por parte da sentença: e isto (uma vez mais) seja na hipótese cuja sentença declare a inexistência do direito tutelado pelo provimento 25 Por todos, A. CARRATTA, v. Ordinanze anticipatorie di condanna, ‘in’ Encicl. Giuridica, Roma, 1995, 3; 26 Sobre este ponto ver A. CARRATTA, v. Ordinanze anticipatorie di condanna, cit., 8; é de se observar, todavia, que muitos entre aqueles que sustentam a natureza negocial do acordo ex art. 423 do c.p.c., não confirmaram a mesma opinião no que concerne ao provimento em análise. Assim, por exemplo, TARZIA, Lineamenti del nuovo processo di cognizione, reimpressão atualizada, Milano, 1996, 131. 27 Conferir, por exemplo, G. TARZIA, Lineamenti del nuovo processo di cognizione, cit., 128; C. MANDRIOLI, Corso, II., 106; C. CECCHELLA, ‘in’ R. VACARELLA, B. CAPONI, C. CECCHELLA, Il processo civile dopo le riforme, Torino, 1992, 117; A. TOTARO, I provvedimenti anticipatori di condanna, ‘in’ Giur. merito, 1992, 771; M FABIANI, Procedimenti anticipatori ed esecutività della sentenza di primo grado, ‘in’ fall., 1992, 1237 ss. Na jurisprudência, acenam pela natureza antecipatória do provimento: Trib. Milano, 28 de fevereiro de 1994, Soc. Imprendinvest it. c. Torricelli, ‘in’ Lav. Giur., 1994, 1254, com nota de F. COLLIA; Trib. Milano, 16 de maio de 1995, Soc. Bagliori c. Soc. O. T. Service, ‘in’ Foro it., 1995, I, 2588.

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antecipatório, talvez por força de uma contestação sucessiva à própria pronúncia; seja na hipótese cuja sentença declare a existência do direito, condenando o réu ao pagamento da soma. Em ambas as hipóteses, a ordinanza de pagamento das somas não contestadas perde eficácia, porque o único problema torna-se aquele da execução da sentença28. Para apreciar convenientemente este princípio, é preciso refletir que no direito italiano - e também esta é uma novidade introduzida pela Lei nº 353/90 - a sentença de primeiro grau é imediatamente executiva, salvo a possibilidade de uma suspensão da executividade disposta, “quando ocorram graves motivos”, pelo juiz da apelação (art. 283 do CPC). O problema de maior relevância, cuja leitura do art. 186 bis deu lugar, é provavelmente aquele relativo ao modo de entender a expressão “somas contestadas”. Segundo alguns, a soma pedida pelo autor deve entender-se como “contestada” pelo réu, cada vez que este último negue ser devedor: e isto também no caso em que o réu não conteste os fatos constitutivos do direito do autor ou se abstenha de alegar como exceções fatos extintivos ou impeditivos. Outros são, ao contrário, da opinião que se o réu não nega os fatos constitutivos alegados pelo autor, ou não contrapõe-lhes fatos extintivos ou impeditivos, de nada vale a sua afirmação de “não dever”, com a conseqüente admissibilidade da ordinanza de pagamento29; e cada um vê que se joga aqui, em grande medida, a mesma sorte prática do art. 186 bis do CPC. Seguir a primeira corrente, de fato, significa reduzir a aplicação da norma a casos excepcionalíssimos; enquanto a segunda corrente abre um espaço a uma certa valoração do juiz sobre a seriedade da contestação. Com base na segunda corrente, pode-se dizer que a afirmação de “não dever” não acompanhada pela negação dos fatos constitutivos, ou pela narração dos fatos impeditivos ou extintivos, não é uma contestação “séria”, e como tal não é uma contestação eficaz. Quanto a minha opinião, adiro totalmente a esta última concepção. A importância do art. 186 bis do CPC, não deve ser, todavia, supervalorizada, nem menos em se adotando as correntes mais amplas em relação ao seu possível âmbito de aplicação. É claro que a tutela antecipatória ligada à não contestação do réu, é destinada a ter máxima utilidade em caso de contumácia; e o art. 186 bis mostra a sua insuficiência pelo fato de limitar a admissibilidade da ordinanza antecipatória, no caso de 28 A. CARRATTA, v. Ordinanze anticipatorie di condanna, cit., 10; 29 Sobre este ponto (e por todos), B. CIACCIA CAVALLARI, La non contestazione nel processo civile, II, 1993, 56 ss.

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somas não contestadas “pelas partes constituídas”. Na realidade, graças ao artigo 186 bis do CPC, a contestação do réu torna-se na prática mais diligente que no passado. Hoje é muito difícil encontrar nos atos judiciais a afirmação de “não dever” sem uma (embora temerária) negação do fato constitutivo, ou sem uma (embora temerária) alegação dos fatos impeditivos ou extintivos; e a regra em virtude da qual somente o réu constituído pode ser atacado com a ordinanza antecipatória, diminui enormemente a importância da norma. Outros são os institutos dignos de maior atenção; e vem finalmente o momento de considerá-los mais de perto. 5. O primeiro destes institutos é previsto pelo art. 186 ter do CPC. Para compreender o significado desta disposição é necessário inicialmente argumentar que o direito positivo italiano já conhece por muito tempo o procedimento monitório ou por injunção. O instituto, que pode ser comparado ao procedimento monitório recentemente introduzido no direito brasileiro, é disciplinado pelos artigos 633 e seguintes do CPC, os quais prevêem que em uma primeira fase (a certas condições, e sobretudo quando a parte autora oferece prova escrita do seu crédito) a autoridade judicial prolata um decreto inaudita altera parte; e em segundo momento, após a citação ter sido realizada, a parte requerida pode opor-se, instaurando um processo de rito ordinário em confronto com o autor30. Aos fins que interessam nesta sede, dois pontos devem se sublinhados sobre qualquer outro. Antes de tudo, ressalte-se que - toda vez que a oposição não seja proposta nos termos da lei, ou o procedimento de oposição se extinga - o decreto torna-se executivo (art. 653, parágrafo 1º, do CPC): com a advertência de que, segundo grande parte da doutrina e a unanimidade da jurisprudência, tal executividade se acompanha também no formar-se de uma verdadeira coisa julgada, quase como se o decreto fosse o equivalente a uma sentença não mais recorrível31. Em segundo lugar, diga-se que o decreto pode tornar-se provisoriamente executivo, em certas condições, seja por ocasião da pronúncia, seja durante o processo instaurado com a oposição32.

30 Sobre as características deste processo, vejam-se por todos: E. GARBAGNATI, Il procedimento d’ingiunzione, cit., 127; C. MANDRIOLI, Corso di diritto processuale civile, cit., 187 ss.; G. COLLA, Il decreto ingiuntivo, Padova, 291. 31 E. GARBAGNATI, Il procedimento d’ingiunzione, cit., 6; C. MANDRIOLI, Corso di diritto processuale civile, cit., 202. Na jurisprudência: Cass., 3 de maio de 1991, n. 4833, Covitti c. Barone; Cass., sez un., 7 de julho de 1993, n. 7448, Soc. Full Dress c. Banca pop. di Abbiategrasso ‘in’ Giust. Civ., 1993, I, 2041 ss. 32 Art. 648 c.p.c.

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Ora: o decreto de injunção provisoriamente executivo equivale, durante o processo de oposição a uma particular forma de tutela antecipatória; e o art. 186 ter do CPC, não fez se não criar uma espécie de decreto de injunção internamente ao processo ordinário. A norma dispõe que durante o processo (e “até o momento da definição das conclusões”) a parte, que poderia pedir o decreto de injunção, pode pedir ao juiz instrutor (e obter) uma ordinanza em confronto com o seu adversário: ordinanza que tem por objeto, seja o pagamento de somas, seja (em perfeito paralelo no que é previsto pelo decreto de injunção) a entrega de coisas fungíveis. A ordinanza pode ou não ser executiva, segundo existam ou não condições queridas pela lei para a provisória executividade do decreto de injunção; e se o primeiro caso (ordinanza não executiva) interessa muito pouco num discurso sobre a tutela antecipatória, o segundo (ordinanza executiva) é, ao contrário, de grande interesse aos nossos fins. A ordinanza executiva é, de fato, como o decreto de injunção executivo durante o processo de oposição, uma forma particular de tutela antecipatória. A analogia entre a ordinanza prevista pelo art. 186 ter do CPC, e o decreto de injunção, é reforçada por dois princípios respectivamente enunciados nos parágrafos 4º e 5º, do art. 186 ter do CPC. Nos termos do parágrafo 4º, no caso de extinção do processo, não somente conserva eficácia executiva a ordinanza que já a tinha, mas torna-se executiva, também, a ordinanza que antes era desprovida de tal eficácia. Nos termos do parágrafo 5º, a ordinanza pronunciada em confronto com o contumaz, deve ser-lhe notificada (como deve ser notificado ao requerido o decreto de injunção), e torna executiva toda vez que o contumaz não se constitua dentro de um certo prazo (como torna executivo o decreto de injunção, toda vez que o intimado não proponha, nos termos da lei, a sua oposição). Além disso, a analogia sistemática da ordinanza em exame com o decreto de injunção, induziu muitos intérpretes a entender que, quando o provimento torna-se executivo pela extinção do processo ou pela falta de constituição do intimado contumaz, tal executividade vem acompanhada da coisa julgada, adquirindo a ordinanza todos os efeitos da sentença não mais recorrível33. A analogia da ordinanza prevista pelo art. 186 ter, com o decreto de injunção sofre uma derrogação muito importante. Enquanto o decreto pode ser revogado somente com a sentença que define o processo sobre a 33 G. TARZIA, Lineamenti, cit., 142; A. PROTO PISANI, La nuova disciplina del processo civile, Napoli, 1991, 249; G. BALENA, La riforma del processo di cognizione, Napoli, 1994, 277; A. CARRATTA, v. Ordinanze anticipatorie di condanna, cit., 17.

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oposição, a ordinanza prevista pelo art. 186 ter, é sempre revogável no curso do processo, pelo juiz que a emitiu. Provavelmente, uma divergência similar não é justificável, e pode ser criticada de iure condendo. Mas, de iure condito uma tal divergência deve ocorrer. Uma vez mais, vale o princípio da completa absorção da ordinanza por parte da sentença sucessivamente prolatada. Se a sentença declara a inexistência do direito, a tutela da qual a ordinanza tenha sido pronunciada, a ordinanza perde eficácia, e quem a obteve não tem mais nenhuma tutela executiva. Se, ao contrário, a sentença declara a existência do direito (com condenação da outra parte à prestação), o problema não é mais aquele da execução da ordinanza, mas aquele da execução da sentença; e ainda mais uma vez, deve admitir-se que a execução iniciada com base na ordinanza, prossiga com base na sentença, com prévia substituição do título executivo no âmbito da execução em curso. 6. O quadro da tutela antecipatória no direito italiano é finalmente enriquecido, recentemente, por força do decreto legislativo nº 432, de 18 de outubro de 1995, convertido na Lei nº 534, de 20 de dezembro de 1995. Esta lei introduziu no tecido do Código de Processo Civil, o art. 186 quater, em cujo parágrafo 1º se lê que “exaurida a instrução, o juiz instrutor, a requerimento da parte que propôs ação condenatória ao pagamento de somas ou à entrega e à liberação de bens, pode dispor com ordinanza o pagamento ou a entrega ou a liberação nos limites pelos quais já entenda produzida a prova. Com a ordinanza o juiz delibera sobre as custas processuais”. O parágrafo 2º da norma prossegue, após, estabelecendo que “a ordinanza é título executivo. Ela é revogável com a sentença que define o processo”. Para compreender a utilidade desta disposição, é necessário refletir sobre uma característica peculiar do processo civil italiano, como ele vive na prática diária, prescindindo de normas legais. Refiro-me ao fato de, uma vez terminada a fase de preparação e instrução da controvérsia, é necessário esperar ainda por muito tempo pela prolação da sentença. Isto se verifica, em primeiro lugar, nas controvérsias ainda dominadas pelo chamado “velho rito”, vale dizer pelas normas anteriores à reforma introduzida com a Lei nº 353/90. Em virtude de uma série de normas transitórias, as quais é inútil revisitar aqui, tal “velho rito” aplica-se ainda hoje a todas as controvérsias, que já eram pendentes na data de 30 de abril de 1995. Pode-se, portanto, falar de um “velho rito”, mas não ainda de um rito superado. Tal rito prevê que, uma vez encerrada a instrução, as partes precisem as suas conclusões e a controvérsia seja remetida a uma audiência

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de discussão para a chamada “spedizione a sentenza”. Ora: da audiência de precisão das conclusões à audiência de expedição a sentença, transcorre assim em muitos tribunais um lapso de tempo de dois ou três anos. Parece (assim, pelo menos, se afirma da parte dos magistrados) que isto seja devido à sobrecarga de tarefa incumbida a cada juiz instrutor singular: o qual não está, portanto, em condições de poder decidir as controvérsias, no exato momento em que estas estão maduras para ser decididas34. Nem é o caso de nutrir ilusões acerca da possibilidade de uma efetiva melhora com o chamado “novo rito”, delineado pela Lei nº 353/90 (“novo rito” que, em virtude do que já foi dito, se aplica somente às controvérsias iniciadas após 30 de abril de 1995). Neste “novo rito”, após a precisão das conclusões, a controvérsia é decidida de modo automático, e a sentença deve ser prolatada dentro de um certo prazo pelo juiz35. Além disso, é de se acrescentar que nos julgamentos perante o Tribunal, enquanto o “velho rito” prevê que o juiz instrutor leve a controvérsia perante o colegiado, para ser por este decidida, no chamado “novo rito” é o juiz instrutor que decide a controvérsia como órgão unipessoal, pelo menos na generalidade dos casos36. A esperança de uma mais célere decisão poderia ser nutrida por uma visão otimista das coisas. Mas - se o inconveniente descrito deriva verdadeiramente da sobrecarga de função do juiz instrutor - é de se aguardar que as esperanças sejam frustradas. Por um lado, tenha-se presente que os prazos assinalados à autoridade judicial são, pela natureza deles, incoercíveis e não suscetíveis de sanções. Por outro lado, é fácil prever que o juiz instrutor, o qual deseja respeitar os prazos que lhe são impostos para a decisão após a precisão das

34 Realçam este aspecto G. BALENA, Ancora <<interventi urgenti>> sulla riforma del processo civile, ‘in’ Giur. it., 1995, IV, 317; G. CAMPESE, L’ordinanza successiva alla chiusura dell’instruzione di cui all’art. 186 quater c.p.c., ‘in’ Corriere giuridico, 1996, 109; A. DIDONE, Per la difesa dell’ordinanza successiva alla chiusura dell’istruzione (art. 186 quater c.p.c.) ‘in’ Riv. dir. proc., 1996, 70. Enquanto não parece compreender a importância que a norma assume, pelo menos sob este aspecto, G. COSTANTINO, La lunga agonia del processo civile (Note sul d.l. 21 giugno 1995, n. 238), ‘in’ Giur. it., 1995, 321. Permito-me, outrossim, fazer referência ao meu escrito sobre o art. 186 quater, de próxima publicação sobre Le leggi civili commentate, 1996 (em particular, sobre este ponto, conferir o par. nº 6). 35 Conferir o art. 190 bis do c.p.c. para a hipótese relativa ao juiz singular e o art. 275 do c.p.c. para a hipótese relativa ao órgão colegiado. 36 O último parágrafo do art. 48 do ordenamento judiciário, modificado pelo art. 88 da Lei nº 353, de 26 de novembro de 1990, com efeito dispõe que “fora dos casos reservados pelo parágrafo segundo à decisão colegiada, nas matérias civis o Tribunal decide na pessoa do juiz instrutor ou do juiz da execução em função do juiz singular com todos os poderes do órgão colegiado.” Sobre o tema veja-se A. IACOBONI, I rapporti tra giudice único e giudice collegiale nel nuovo processo civile, ‘in’ Foro it., 1994, V, 174.

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conclusões, reenvie-os no tempo para o exato cumprimento da precisão das conclusões37. Nasceu da consideração desta realidade a idéia de que o juiz instrutor, o qual pelo fato de ter assistido e providenciado à instrução da controvérsia, tem a memória dos fatos acontecidos no processo, possa, a requerimento do autor, ordenar ao réu o cumprimento mediante uma ordinanza: vale dizer, mediante um provimento sucintamente motivado e imediato. Naturalmente, isto não impede que a sentença, quando prolatada, prevaleça sobre o provimento antecipatório a cada fim, segundo os princípios que já estão ilustrados nos parágrafos anteriores. Se a sentença reconhece a inexistência do direito, à tutela do qual o provimento tinha sido pronunciado (para uma mudança de opinião do juiz), a mesma acarreta uma decadência da ordinanza, enquanto a sentença favorável ao autor absorve a ordinanza; após o problema não ser mais aquele de executar a ordinanza, mas aquele de executar a sentença, a qual se inicia mediante uma substituição do título executivo no âmbito da execução pendente38. A mais admirável e talvez mais interessante característica do provimento previsto pelo artigo 186 quater é, todavia, constituída pela aptidão em transformar-se (no que concerne aos efeitos) em uma verdadeira sentença recorrível. Duas hipóteses devem estar presentes a este propósito. A primeira hipótese é prevista pelo parágrafo 4º da norma, onde se lê que “a parte intimada pode renunciar à prolação da sentença, através de notificação à outra parte, entregue em cartório. Da data do depósito da notificação, a ordinanza adquire a eficácia da sentença recorrível sobre o objeto do requerimento.” Aqui o legislador levou em consideração o interesse da parte, contra a qual o provimento foi pronunciado. Esta parte pode prever que o juiz - se decidiu com adequada ponderação - propalará futuramente uma sentença com o mesmo conteúdo da ordinanza. O seu interesse pode ser, ainda, o de investir imediatamente um juiz superior na controvérsia; e a norma lhe dá a possibilidade de fazê-lo, com a condição de renunciar à formal prolação da sentença por parte do juiz requerido, atribuindo os efeitos da sentença recorrível ao provimento antecipatório. Em 37 E. F. RICCI, Per una efficace provvisoria ingiunzione dei diritti di obbligazione nell’ordinario processo civile, cit., 1030; A. DIDONE, Per la difesa dell’ordinanza successiva alla chiusura dell’instruzione (art. 186 quater c.p.c.), cit., 73. 38 A. CARRATTA, v. Ordinanze anticipatorie di condanna, cit., 21; P. NAPPI, Rilievi problematici sull’ordinanza successiva alla chiusura dell’istruzione (art. 186 quater), ‘in’ Foro it., 1995, I, 3313; G. SCARSELLI, Osservazioni sparse sul nuovo art. 186 quater c.p.c., ‘in’ Foro it., 1995, V, 396. Veja-se, outrossim, S. CHIARLONI, Valori e tecniche dell’ordinanza di condanna ad istruzione esaurita ex art. 186 quater c.p.c., ‘in’ Riv. trim. dir. proc. civ., 1996, 533, o qual entende que a sentença substitui a ‘ordinanza’ somente nos limites em que com ela esteja em contradição. Veja-se, outrossim, o meu escrito ‘in’ Le nuove leggi civili commentate, 1996, par. n. 2.

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tal modo, o provimento antecipatório transforma-se (no que concerne aos efeitos) em uma sentença propriamente dita. Mas, atenção: se o requerimento do autor foi deferido somente em parte, os efeitos da sentença se produzem, seja em relação à parte deferida do requerimento, seja em relação à parte indeferida39. O teor da norma é muito claro em estabelecer que tais efeitos se produzam sobre o objeto do requerimento, seja qual for o modo que o juiz tenha decidido. Pode também acontecer que o requerimento do autor tenha sido deferido somente em parte mínima, e que o réu aproveite da situação para transformar em sentença uma ordinanza que lhe é favorável em grande medida. O legislador italiano pensou aqui que, para o autor, o requerer a ordinanza prevista pelo art. 186 quater é uma mera faculdade; e que seja justo associar à sua proposição uma margem de risco, por razões de seriedade. O autor que pede a pronúncia da ordinanza, deve saber que - se esta lhe for favorável somente em parte - o réu poderá aproveitá-la: tanto que, por prudência, pode ser útil pedir ao juiz uma ordinanza com objeto inferior ou menor em relação àquele da demanda40. O réu não pode, ao contrário, transformar em sentença o provimento, com o qual o juiz rejeita totalmente o requerimento do autor: no caso de rejeição total, não existe um “intimado” que renuncie à prolação da sentença, nos termos da lei em exame41. A segunda hipótese a ser levada em consideração é delineada no parágrafo 3º, do art. 186 quater, onde se lê que “se, após a pronúncia da ordinanza, o processo se extingue, a ordinanza adquire a eficácia da sentença recorrível sobre o objeto do requerimento”. Também esta norma, como outras de que já se falou a propósito da extinção do processo, é animada pela intenção de conservar uma utilidade ao provimento antecipatório; e move-se da idéia que, se as partes deixaram encerrar o processo, isto quer dizer que elas aceitam a ordinanza como disciplina definitiva de seus interesses (pelo menos no âmbito do grau de jurisdição em que se encontra); e, obviamente, os efeitos da sentença se produzem, uma vez mais, no caso de deferimento somente parcial do requerimento do autor, 39 G. BALENA, Ancora interventi urgenti, cit., 332; G. CAMPESE, L’ordinanza, cit., 114; F. P. LUISO, Il d.l. n. 238/1995 sul processo civile, ‘in’ Giur. it., 1995, IV, 346; F. LAPERTOSA, L’ art. 186 quater c.p.c: una rivoluzionaria novità nella giustizia civile, ‘in’ Riv. dir. proc., 1996, 54; E. F. RICCI, ‘in’ Le nuove leggi civili commentate, cit., par. 3. 40 A. BUCCI, L’art. 186 quater: una norma <<grimaldello>>, ‘in Giust., civ., 1995, II, 299; G. SCARSELLI, Osservazioni sparse, cit., 391 e 394; M. FABIANI, L’ordinanza post-istruttoria alla prova della revoca fallimentare, ‘in’ Foro it., 1996, I, 1068; E. F. RICCI, ‘in’ Le nuove leggi civili commentate, cit., par. 25; contra, S. CHIARLONI, Valori e tecniche, cit., 525. 41 A. CARRATTA, v. Ordinanze anticipatorie di condanna, cit., 22; E. F. RICCI, ‘in’ Le nuove leggi civili commentate, cit., par. 3.

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seja em relação à parte deferida, seja em relação à parte rejeitada do mesmo requerimento. Mas aqui, os comentaristas foram além (pelo menos na sua maioria). Uma vez que falta qualquer referência a uma parte “intimada”, também falta a possibilidade de excluir do panorama a hipótese de total rejeição do requerimento. É claro que o juiz, caso pronuncie uma ordinanza quando defere o requerimento do autor, o mesmo deve fazer quando o rejeita: e a norma, pelo fato de prever a formação dos efeitos próprios da sentença recorrível sobre o objeto do requerimento, parece poder referir-se a todos os casos possíveis. Do ponto de vista da ratio, esta solução é totalmente irracional, porque o autor, o qual não quer deixar extinguir-se o processo, tem a possibilidade de fazê-lo42. O problema é de não confundir, jamais, a verdadeira rejeição de mérito com uma rejeição por motivos processuais (por exemplo: impossibilidade jurídica do pedido), de modo a associar os efeitos da sentença recorrível somente à ordinanza de rejeição de mérito43. A norma em exame despertou enorme interesse e inflamadas polêmicas44; e pessoalmente sou um dos seus admiradores. Em qualquer caso, trata-se de um das novidades mais interessantes aparecidas no direito italiano nos últimos decênios. 7. Encerra-se aqui o panorama dos institutos, que no seu conjunto compõe a tutela antecipatória no direito do meu país; e ao se confrontar o quadro apenas descrito com o conjunto das normas, em virtude das quais a tutela antecipatória foi recentemente introduzida no direito brasileiro, uma observação se impõe imediatamente (caso se queira melancolia para o jurista italiano). Enquanto no direito brasileiro a tutela antecipatória foi introduzida com um conjunto orgânico e coordenado de disposições, tais a convidar imediatamente uma visão sistemática de conjunto e a um aprofundamento dos princípios, no direito italiano nos encontramos diante de um grupo de institutos diversos uns dos outros, cada um dos quais aspirando a resolver os seus problemas setoriais. Por um lado, surgem problemas de coordenação que um projeto unitário poderia evitar ou atenuar; e por outro, a aproximação sistemática e também muito mais difícil para o estudioso.

42 A. CAMPESE, L’ordinanza, cit., 114; G. SCARSELLI, Osservazioni sparse, cit., 398; S. CHIARLONI, Valori e tecniche, cit., 528; E. F. RICCI, ‘in’ Le nuove leggi civili commentate, cit., par. 4. 43 P. NAPPI, Rilievi problematici, cit., 3309; G. VERDE, Il nuovo processo di cognizione. Lezioni sul primo grado e impugnazioni in generale, Napoli, 1995, 62; S. CHIARLONI, Valori e tecniche, cit., 532; E. F. RICCI, ‘in’ Le nuove leggi civili commentate, cit., par. 5. 44 Com efeito, veja-se AA. VV., Giustizia di Babele, ‘in’ Il Sole 24 Ore, 27 luglio 1995, 21; e G. TARZIA, E. F. RICCI, Il decreto migliora il processo, ‘in’ Il Sole 24 Ore, 27 luglio 1995, 21.

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Nenhum direito positivo é, obviamente, perfeito, e não posso excluir que também o direito brasileiro revele, antes ou depois, algum defeito, e faça emergir tormentoso problema. Mas não existe dúvida que a recente reforma brasileira revela, da parte do legislador, um projeto complexo, uma visão de conjunto a qual o legislador italiano não fora capaz. Não obstante isto, gostaria de experimentar igualmente uma visão de conjunto da tutela antecipatória no direito italiano, pelo menos com três observações de fundo. A primeira observação diz respeito à associação entre a tutela antecipatória e a sentença sobre a situação controversa. Já tive ocasião de ilustrar nos parágrafos precedentes, o princípio da prevalência da sentença sobre o provimento antecipatório, seja na hipótese em que a sentença declare a existência do direito, seja na hipótese contrária. Mas a este ponto, devo acrescer mais alguma coisa: o problema de uma tutela antecipatória não pôde traduzir-se em soluções legislativas, até quando não se afirmou como regra geral, o princípio da imediata executividade da sentença de primeiro grau. A tutela antecipatória foi, de qualquer modo, inserida no processo do trabalho, através do art. 431 do CPC, quando, com a reforma de 1973, também o princípio da imediata executividade da sentença foi introduzido na sentença a favor do trabalhador45; e notar-se-á que somente a favor do trabalhador pode ser pronunciada a mais importante das ordinanze previstas pelo art. 423 do CPC, aquela fundada sobre a apreciação do juiz sobre as provas produzidas. Os artigos 186 bis e 186 quater, depois introduzidos no tecido do CPC, pela Lei nº 353/90, a qual tem ao mesmo tempo afirmado o princípio da executividade imediata da sentença de primeiro grau (inovando em relação ao sistema então vigente) como regra geral; e o art. 186 quater, foi, por sua vez, introduzido quando o princípio da imediata executividade da sentença de primeiro grau constituía um dado adquirido. Ora, se o terreno dos acontecimentos históricos é considerado sempre rigorosamente distinto daquele das observações sistemáticas, permito-me colocar à atenção de meus co-irmãos brasileiros um problema de fundo: aquele de ver, se por hipótese um sistema, o qual de um lado concede uma tutela antecipatória (enquanto tal imediatamente eficaz) e de outro não seja disposto a reconhecer imediata executividade à sentença de primeiro grau, não tenha a necessidade de algum ajuste.

45 Por todos, sobre este tema, vejam-se L. MONTESANO, R. VACCARELLA, Manuale di diritto processual del lavoro, cit., 276; L. DE ANGELIS, L’esecutività delle sentenze di primo grado in materia di lavoro alla luce della riforma del 1990, ‘in’ Giur. it., 1992, IV, 396 ss.

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É, de fato, ineliminável a sensação que a sentença seja, de qualquer modo, sempre algo mais confiável do que o provimento antecipatório pronunciado no curso do processo; e que, ao se dispor a ter confiança nos provimentos antecipatórios, semelhante confiança se deva ter na sentença. Em linha de princípio, eu estaria inclinado a compartilhar a seguinte orientação interpretativa: a sentença que confirma o provimento antecipatório imediatamente eficaz, que não seja, de sua vez, imediatamente eficaz com base nos princípio gerais que disciplinam as sentenças, deveria ser considerada imediatamente eficaz em via de um nexo sistemático entre a disciplina da decisão e a disciplina da tutela antecipatória. O segundo relevo, diz respeito aos limites da tutela antecipatória, que é, em linha de princípio, uma tutela executiva (pelo menos quando é pronunciado o provimento antecipatório). Lendo as recentes normas brasileiras sobre tutela antecipatória, tive em um primeiro momento a impressão que o legislador brasileiro tivesse ido além, porque não consegui encontrar disposições capazes de limitar, expressamente, o conteúdo da tutela antecipatória à tutela executiva. Mas, depois, dei-me conta que os comentaristas brasileiros perceberam imediatamente o problema; e se não compreendi mal os seus pensamentos (ou o pensamento de alguns destes), parece-me poder dizer que a possibilidade de extrair do provimento antecipatório, imediatos efeitos declaratórios ou imediatos efeitos constitutivos é, pelo menos, ao centro de um problema. Ora: nos limites dentro dos quais a experiência de outros países possa trazer um auxílio, e em particular possa trazer um auxílio a experiência amadurecida no âmbito do direito italiano, a limitação da tutela antecipatória à tutela executiva, pode encontrar alguma sustentação. O terceiro relevo se atém à vocação dos provimentos antecipatórios à colocar-se como fonte de regramento definitivo para as partes, quando se verifiquem certos pressupostos. Parte-se aqui de uma aspiração mínima para uma aspiração máxima. A aspiração mínima é aquela que extrai do procedimento antecipatório uma disciplina definitiva, em termos de atuação forçada dos direitos, ainda que encerrado o processo no qual o provimento foi pronunciado, até quando a inexistência não seja declarada com sentença. Este é um resultado importantíssimo, porque o principal efeito da sentença, identificado na declaração, é o tema mais importante da jurisdição do ponto de vista teórico, mas não é o tema mais importante da jurisdição, do ponto de vista prático. Na prática, a atuação forçada do direito é freqüentemente mais importante que a declaração; e a existência de instrumentos que fixem a disciplina entre as partes, em termos de atuação forçada dos direitos, embora sem

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declaração, constitui, a meu submisso entender, um notável enriquecimento do direito positivo, um avanço ao caminho da civilidade. A aspiração máxima é aquela que transforma o provimento antecipatório na própria decisão (dotada também dos efeitos declaratórios), quando as partes - pelo fato de aquietarem-se à disciplina delineada em termos de satisfação coativa dos direitos - mostram per facta concludentia não ter muito interesse à pronúncia formal de uma decisão declaratória. O direito italiano pode ser objeto de meditação sobre este ponto, seja quando associa à ordinanza prevista pelo art. 186 ter, os efeitos do decreto de injunção não mais atacável, no caso de extinção do processo ( “supra” nº 6); seja apenas pelo quanto se disse sobre a aptidão da ordinanza prevista pelo art. 186 quater do CPC, a adquirir os efeitos da sentença recorrível. Pergunto-me ainda se, olhando de longe, a tutela antecipatória não tenha em si o germe de uma grande e potencial transformação do processo civil e da tutela jurisdicional civil no seu complexo. Entrevê-se, talvez, na distância de uma época, na qual a formação dos efeitos típicos da sentença não será mais fruto exclusivo de provimentos nascidos com as confirmações formais de tal provimento, mas o fruto de uma série diversa de casos complexos; e talvez não mais se diga, neste futuro hipotético, que a pronuncia formal de um provimento chamado “sentença” seja do ponto de vista prático a mais importante das hipóteses, nas quais os efeitos típicos da sentença se formam. Mas paro por aqui, porque só colocar problemas é talvez prova de temeridade mais que de simples coragem.