4
Brasília, 10 de outubro de 2008 Para: Coordenadora da 4ª Câmara: Sandra Cureau [email protected] Coordenadora da 6º Câmara: Deborah Macedo Duprat de Britto Pereira [email protected] Com cópia para: Coordenador do GT de Licenciamento de Grandes Empreendimentos: João Akira Omoto - PRM/Londrina - PR [email protected] Prezadas Coordenadoras, O objetivo desta manifestação é o de demonstrar nossa extrema preocupação com a concretização dos projetos das usinas hidrelétricas de Santo Antônio e Jirau no Rio Madeira, no estado de Rondônia, num contexto de flagrante desrespeito à legislação brasileira e internacional sobre direitos humanos e o meio ambiente. Como é sabido, a extensão territorial da bacia do Rio Madeira, maior afluente do Amazonas, é compartilhada entre o Brasil, a Bolívia e o Peru, o que requer esforços de cooperação entre os três países com base em parâmetros de justiça ambiental e social, reconhecendo-se a vinculação indissociável entre a biodiversidade e a sociodiversidade regional, e as conseqüentes territorializações protagonizadas pelos povos tradicionais e locais. Cabe ressaltar ainda a enorme complexidade biológica da região do Rio Madeira, assim como a importância da Amazônia para manter o equilíbrio climático no Brasil e em todo o Planeta. O Complexo Rio Madeira, como vem sendo conduzido, iniciando com as usinas hidrelétricas de Santo Antônio e Jirau, traz enormes riscos de danos sociais, ambientais e econômicos gravíssimos e irreversíveis em toda a região, desde o Alto Madeira até a sua foz no Rio Amazonas. Por todo este contexto e... Considerando as fortes evidências de irregularidades no processo de

Rio Madeira: solicitando reunião com a Procuradoria Geral da República

Embed Size (px)

DESCRIPTION

Considerando as graves lacunas dos estudos ambientais, e o não atendimento dos quesitos inerentes à segurança, bem estar e identificação de populações afetadas e ao meio ambiente, a Rede Brasil solicitou uma reunião conjunta com a 4ª Câmara e a 6ª Câmara da Procuradoria Geral da República para que sejam identificadas medidas específicas para interromper imediatamente o grave quadro de violações de direitos humanos e de desrespeito à legislação ambiental. Exige-se também que seja debatido o que pode significar o início da construção da usina de Santo Antônio em meio a essa panóplia de abusos, atropelos e irregularidades no processo de licenciamento ambiental no País, em especial quanto à sequência de projetos de grandes empreendimentos hidrelétricos previstos para a Bacia Amazônica no Plano Decenal de expansão de energia elétrica.

Citation preview

Page 1: Rio Madeira: solicitando reunião com a Procuradoria Geral da República

Brasília, 10 de outubro de 2008

Para: Coordenadora da 4ª Câmara: Sandra [email protected]

Coordenadora da 6º Câmara:Deborah Macedo Duprat de Britto [email protected]

 Com cópia para:

Coordenador do GT de Licenciamento de Grandes Empreendimentos: João Akira Omoto - PRM/Londrina - [email protected]

 

Prezadas Coordenadoras,

O objetivo desta manifestação é o de demonstrar nossa extrema preocupação com a concretização dos projetos das usinas hidrelétricas de Santo Antônio e Jirau no Rio Madeira, no estado de Rondônia, num contexto de flagrante desrespeito à legislação brasileira e internacional sobre direitos humanos e o meio ambiente. Como é sabido, a extensão territorial da bacia do Rio Madeira, maior afluente do Amazonas, é compartilhada entre o Brasil, a Bolívia e o Peru, o que requer esforços de cooperação entre os três países com base em parâmetros de justiça ambiental e social, reconhecendo-se a vinculação indissociável entre a biodiversidade e a sociodiversidade regional, e as conseqüentes territorializações protagonizadas pelos povos tradicionais e locais. Cabe ressaltar ainda a enorme complexidade biológica da região do Rio Madeira, assim como a importância da Amazônia para manter o equilíbrio climático no Brasil e em todo o Planeta.

O Complexo Rio Madeira, como vem sendo conduzido, iniciando com as usinas hidrelétricas de Santo Antônio e Jirau, traz enormes riscos de danos sociais, ambientais e econômicos gravíssimos e irreversíveis em toda a região, desde o Alto Madeira até a sua foz no Rio Amazonas.

Por todo este contexto e...

Considerando as fortes evidências de irregularidades no processo de licenciamento ambiental das hidrelétricas de Santo Antônio e Jirau, em termos de sub-dimensionamento da área de influência direta e indireta dos empreendimentos na fase do Estudo de Impacto Ambiental (EIA), inclusive em relação a países vizinhos inseridos na bacia hidrográfica do Madeira, e da falta de avaliação adeqüada de impactos socioambientais referentes a questões chave, como sedimentos, ictiofauna, mercúrio, saúde pública e índios isolados;

Considerando que as fragilidades no processo de licenciamento ambiental colocam sérias dúvidas quanto à legalidade da concessão de Licença Prévia (LP) das AHE de Santo Antônio e Jirau, em julho de 2007, e da Licença de Instalação (LI) da AHE

Page 2: Rio Madeira: solicitando reunião com a Procuradoria Geral da República

de Santo Antônio, em agosto de 2008;

Considerando que a existência de protestos por movimentos sociais e outras organizações da sociedade civil no Brasil, Bolívia e Peru, que alegam a falta de cumprimento de legislação nacional e internacional referente à proteção do meio ambiente e dos direitos humanos, especialmente das populações ribeirinhas;

Considerando o recente surgimento de constrangimentos diplomáticos entre o Brasil e a Bolívia referentes à construção das hidrelétricas de Santo Antônio e Jirau, perante os fortes indícios de impactos transfronteiriços que não foram devidamente estudados, assim como a recente condenação do Brasil no Tribunal Latinoamericano de Águas (TLA), no dia 12 de setembro, na Guatemala;

Considerando os claros indícios de impactos sociais e ambientais, individuais e cumulativos dos empreendimentos do Complexo Rio Madeira e de outras obras de infra-estrutura, a exemplo da rodovia Interoceânica, que integram o eixo Peru-Bolívia-Brasil da Iniciativa para a Integração da Infra-estrutura Regional Sul-Americana (IIRSA);

Considerando que o Consórcio iniciou de forma ilegal a retirada das famílias ribeirinhas da área do canteiro de obras, antes mesmo da emissão da Licença de Instalação;

Considerando que o Presidente do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), Sr. Roberto Messias Franco, assinou a Licença de Instalação, no dia 13 de agosto de 2008, contrariando a recomendação do Parecer Técnico 45/2008 elaborado pela equipe técnica do Ibama que analisou o Projeto Básico Ambiental (PBA);

Considerando o anúncio feito pelo Consórcio Madeira Energia S.A. (MESA) sobre o início das obras da hidrelétrica de Santo Antônio - o que, de fato, vem acontecendo;

Considerando que não há a garantia mínima de equivalência da qualidade de vida das famílias ribeirinhas, com destino ainda incerto e privadas das atividades da pesca e transporte pela interdição do uso do rio na área do canteiro de obras;

Considerando que, nesse caso, o Projeto Básico Ambiental (PBA) nada mais é que um procedimento “negocial”, conduzido de forma impositiva, unilateral, individualizada e que redundou em um quadro de desrespeito aos direitos de famílias ribeirinhas;

Considerando o risco de aumento de contaminação por mercúrio, de perda da qualidade da água, de imprevisibilidade da extensão das áreas inundáveis, de disseminação dos focos de malária, de perda de biodiversidade, de perda irreversível da singularidade cultural e econômica das áreas ribeirinhas, de aumento do desmatamento, da grilagem e dos conflitos por terra, de ocupação urbana desordenada no entorno e de seus efeitos, favelização, criminalidade e violência;

Considerando que a Relatoria Nacional para o Direito Humano ao Meio Ambiente, da Plataforma Brasileira de Direitos Humanos Econômicos, Sociais, Culturais e Ambientais (Plataforma DhESCA Brasil) apresentou um relatório sobre as violações de direitos humanos associadas à implementação das usinas no Rio Madeira (anexo), que chama a responsabilidade do Estado brasileiro para o cumprimento dos diplomas internacionais que garantem a defesa e promoção dos direitos humanos e manifesta a necessidade de suspensão de quaisquer atos relativo ao licenciamento das usinas de Santo Antonio e Jirau;

Page 3: Rio Madeira: solicitando reunião com a Procuradoria Geral da República

Considerando o descumprimento da Lei Federal 9.433, de 8 de janeiro de 1997, que institui a Política Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos, e que regulamenta o inciso XIX do Artigo 21 da Constituição Federal, no que se refere a seu artigo 23, que determina que Compete ao Conselho Nacional de Recursos Hídricos: III – deliberar sobre os projetos de aproveitamento de recursos hídricos cujas repercussões extrapolem o âmbito dos Estados em que serão implantados;

Considerando a Resolução N° 37, de 26 de março de 2004, que estabelece diretrizes para a outorga de recursos hídricos para a implantação de barragens em corpos de água de domínio dos Estados, do Distrito Federal ou da União, que determina no artigo 9°: No caso de barragens destinadas ao uso de potencial de energia hidráulica, a outorga de direito de uso de recursos hídricos será precedida da declaração de reserva de disponibilidade hídrica, ficando estas sujeitas ao cumprimento das exigências estabelecidas nesta Resolução e legislação pertinente;

Em suma, considerando as graves lacunas dos estudos ambientais, a falta de compromisso dos empreendedores com um processo participativo e transparente, as irregularidades na concessão das licenças ambientais devido ao não atendimento dos pareceres técnicos do próprio Ibama, assim como o não atendimento dos quesitos inerentes à segurança, bem estar e identificação de populações afetadas e ao meio ambiente;

Solicitamos uma reunião conjunta com a 4ª Câmara e a 6ª Câmara da Procuradoria Geral da República para que (i) sejam identificadas medidas específicas para interromper imediatamente o grave quadro de violações de direitos humanos e de desrespeito à legislação ambiental; (ii) seja debatido o que pode significar o início da construção da usina de Santo Antônio em meio a essa panóplia de abusos, atropelos e irregularidades no processo de licenciamento ambiental no País, em especial quanto à seqüência de projetos de grandes empreendimentos hidrelétricos previstos para a Bacia Amazônica no Plano Decenal de expansão de energia elétrica; (iii) sejam discutidas formas de superar a extrema lentidão na tramitação dos processos, a exemplo de Ações Civis Públicas (ACPs) já protocoladas, o que acaba comprometendo seus efeitos práticos.

Nessa reunião estariam presentes representantes das populações ribeirinha/rural/urbana ameaçadas, dos povos indígenas, dos movimentos e organizações sociais que vêm se dedicando à defesa do Rio Madeira e de seus povos.

Indicativamente, gostaríamos de sugerir que esta reunião seja realizada com a maior brevidade possível, ainda no mês de outubro.

Respeitosamente, aguardaremos seu retorno.

Atenciosamente,

Associação Terra Laranjeiras (Atla) Associação para Taxação das Transações Financeiras para a Ajuda aos Cidadãos (Attac)International RiversInstituto Madeira VivoRede Brasil sobre Instituições Financeiras Multilaterais*Via Campesina - Rondônia

Page 4: Rio Madeira: solicitando reunião com a Procuradoria Geral da República

* A Rede Brasil sobre Instituições Financeiras Multilaterais reúne 80 organizações e movimentos da sociedade civil com o objetivo de acompanhar e intervir em questões relativas às ações das IFMs e agências financiadoras como o BNDES