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GERENCIAMENTO DE RISCOS HÍDRICOS NO BRASIL E O SETOR EMPRESARIAL: DESAFIOS E OPORTUNIDADES

RISCOS HÍDRICOS

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GERENCIAMENTO DE RISCOS HDRICOS NO BRASIL E O SETOR EMPRESARIAL:

DESAFIOS E OPORTUNIDADES

Realizao

Patrocnio Master

Patrocnio Ouro

Patrocnio Prata

CEBDS 3

GERENCIAMENTO DE RISCOS HDRICOS NO BRASIL E O SETOR EMPRESARIAL:

DESAFIOS E OPORTUNIDADES

Realizao

Patrocnio Master

Patrocnio Ouro

Patrocnio Prata

Maro de 2015

Crditos

Copyright Conselho Empresarial Brasileiro pelo Desenvolvimento Sustentvel (CEBDS) 2015

Contedo e Reviso Apoena Assessoria Ambiental Conselho Empresarial Brasileiro pelo Desenvolvimento Sustentvel (CEBDS)

Coordenao geralCmara Temtica de gua do CEBDS - CTgua

Projeto grfico e diagramaoI Graficci Comunicao e Design

ImpressoGrfica Grafitto

Endereos onlineCebds.org.brFacebook.com/CEBDSBRTwitter.com/CEBDSYoutube.com/CEBDSBR

Endereo completoAvenida das Amricas, 1155, grupo 208 - Barra da Tijuca22631-000 - Rio de Janeiro - RJ+55 21 2483-2250 [email protected]

sumrio

1. Mensagem da Presidente 7

2. O que o CEBDS 8

3. O que a CTgua 8

4. Introduo 9

5. Segurana hdrica 10

Segurana hdrica e a produo de alimentos 15

Segurana hdrica e a gerao de energia 17

Segurana hdrica e as mudanas do clima 20

Segurana hdrica e os servios ecossistmicos 20

6. Riscos hdricos e o Setor Empresarial 24

Incorporao do gerenciamento dos riscos hdricos na governana das organizaes 26

Identificao dos riscos associados ao uso da gua 28

Avaliao dos riscos associados ao uso da gua 32

Respostas para a preveno e mitigao dos riscos associados ao uso da gua 34

Desafios para o gerenciamento de riscos hdricos no setor empresarial 35

7. Ferramentas de gerenciamento dos riscos hdricos para o setor empresarial 36

WBCSD Global Water Tool (GWT) 37

WRI-Aqueduct Tool 38

Water Risk Filter (WRF) 38

Outras ferramentas 38

Informaes sobre recursos hdricos no Brasil 40

8. Polticas pblicas e segurana hdrica 41

9. Consideraes finais 44

10. Conceitos e indicadores para o gerenciamento dos riscos hdricos 46

11. Referncias 52

CEBDS 7

A publicao Gerenciamento de riscos hdricos no Brasil e o setor em-presarial: desafios e oportunidades expe um cenrio rico sobre a dimenso do desafio que temos pela frente para construir um modelo de desenvolvimento sustentvel com reflexes para o futuro associando o tema s questes climticas e conservao e recuperao dos servios ecos-sistmicos. O estudo dedica uma parte para os riscos inerentes ao setor empre-sarial e mostra metodologias e ferramentas disponveis para sua gesto.

Numa iniciativa da Cmara Temtica de gua do CEBDS (CTgua), o docu-mento foi concebido para guiar os gestores das empresas a implementar o gerenciamento de risco nas companhias, mostrando a relevncia da segu-rana hdrica para os negcios.

No mundo, a captao de gua triplicou nos ltimos 50 anos. Estima-se que 20% das reservas subterrneas so explorados acima de sua capacidade de recuperao natural. Alm disso, 2,5 bilhes de pessoas no tm acesso a saneamento e US$ 109 bilhes do Produto Interno Bruto (PIB) global so perdidos devido seca, mostrando que as questes hdricas afetam direta-mente a sociedade e a economia.

O Brasil, mesmo detendo a maior reserva de gua doce disponvel do mun-do, enfrenta srios problemas. No Nordeste, a populao convive com a seca h anos. No Sudeste, onde se concentram os principais polos de ne-gcios e as maiores regies metropolitanas, a crise hdrica, vivenciada em 2014 e 2015, aponta para a necessidade de mudana dos padres de con-sumo e aprimoramento da gesto dos recursos hdricos.

Essa situao agravada ainda mais pelo desperdcio de 37% da gua j tratada por conta das perdas na distribuio. Alm disso, 61% dos esgotos no so tratados e impactam na qualidade da gua disponvel, contribuindo para o cenrio de estresse hdrico.

Em poucos pases no mundo se observa uma dependncia to forte en-tre os recursos hdricos e a segurana energtica - mais de 70% de nossa produo de eletricidade gerada por hidreltricas. E mais, 61% da gua no Brasil utilizada para agricultura e pecuria, evidenciando a intrnseca relao entre recursos hdricos e a segurana alimentar.

No restam dvidas de que a segurana hdrica precisa ser um tema de prioridade absoluta no Brasil, por estar intimamente ligada ao desenvolvi-mento econmico e ao bem-estar da populao.

As abordagens tcnicas do documento so ilustradas com cases de sucesso de nossas empresas associadas. No entanto, esses bons exemplos na gesto dos riscos hdricos precisam ser replicados para que ganhem escala no pas.

No temos dvida de que, ao disponibilizar o presente documento, o CEBDS est prestando uma contribuio fundamental para a sociedade brasileira, abrindo o debate sobre o gerenciamento de riscos hdricos que precisa permear todas as atividades econmicas do pas.

Tenham uma boa leitura.

Marina Grossi

1. mensAgem dA Presidente

CEBDS 7

8 Gerenciamento de Riscos Hdricos no Brasil e o Setor Empresarial: Desafios e Oportunidades

o CEBDS uma associao civil sem fins lucra-tivos que promove o desenvolvimento sus-tentvel, nas empresas que atuam no Brasil, por meio da articulao junto aos governos e a socie-dade civil, alm de divulgar os conceitos e prticas mais atuais do tema.

O CEBDS foi fundado em 1997 por um grupo de gran-des empresrios brasileiros atento s mudanas e opor-tunidades que a sustentabilidade trazia, principalmente a partir da Rio 92. Hoje rene mais de 70 dos maiores grupos empresariais do pas, com faturamento de cerca de 40% do PIB e responsveis por mais de 1 milho de empregos diretos.

Representante no Brasil da rede do World Business Council for Sustainable Development (WBCSD), que conta com quase 60 conselhos nacionais e regionais em 36 pases e de 22 setores industriais, alm de 200 gru-pos empresariais que atuam em todos os continentes.

Primeira instituio no Brasil a falar em sustentabilidade dentro do conceito do Tripple Botton Line, que norteia a atuao das empresas a partir de trs pilares: o eco-

3. o que A CtguA

A Cmara Temtica de gua (CTgua) for-mada por grandes empresas brasileiras que buscam aprofundar o entendimento do seu papel na dinmica dos recursos hdricos. Este enten-dimento pressuposto para melhor alocao dos re-cursos, ganhos em eco-eficincia, diminuio de custos e gerenciamento de riscos e, principalmente, avano da sustentabilidade a partir de um movimento decisivo deste setor.

A CTgua tem como objetivos promover e auxiliar a participao das empresas, de forma decisiva e proati-va, nos comits de bacia nos quais esto inseridas; me-lhorar a qualidade e disponibilidade de gua a todos os usurios das bacias brasileiras, por meio de solues de maior eficincia no manejo e de mecanismos de mercado; instituir, aperfeioar e universalizar melhores prticas e ferramentas de gesto de recursos hdricos

nmico, o social e o ambiental, o CEBDS referncia na vanguarda da sustentabilidade tanto para as empre-sas quanto para parceiros e governos. reconhecido como o principal representante do setor empresarial na liderana de um revolucionrio processo de mudana: transformar o modelo econmico tradicional em um novo paradigma.

O CEBDS foi responsvel pelo primeiro Relatrio de Sustentabilidade do Brasil, em 1997, e ajudou a imple-mentar no Brasil, em parceria com o WRI (World Resour-ces Institute) e a FGV (Fundao Getlio Vargas), a partir de 2008, a principal ferramenta de medio de emis-ses de gases de efeito estufa no pas, o GHG Protocol.

A instituio representa suas associadas em todas as Con-ferncias das Partes das Naes Unidas sobre Mudana do Clima, desde 1998, e de Diversidade Biolgica, des-de 2000. Alm disso, integra a Comisso de Polticas de Desenvolvimento Sustentvel e Agenda 21; o Conselho de Gesto do Patrimnio Gentico; o Frum Brasileiro de Mudanas Climticas; o Frum Carioca de Mudanas Climticas e o Comit Gestor do Plano Nacional de Con-sumo Sustentvel; e o Conselho Mundial da gua.

para o setor empresarial; e auxiliar na compreenso da interface entre o setor empresarial e a problemtica do saneamento no Brasil.

A CTgua tambm busca entender e coordenar aes para superao dos riscos e das vulnerabilidades ine-rentes gesto dos recursos hdricos ao setor empre-sarial, em especial aqueles relacionados mudana do clima.

Representantes (08/2014 08/2016)

Presidente: Pedro Almada (Vale)

Vice-Presidente: Simone Veltri Pacheco (Ambev)

Coordenao: Marina Santa Rosa (CEBDS)

8 Gerenciamento de Riscos Hdricos no Brasil e o Setor Empresarial: Desafios e Oportunidades

2. o que o CeBds

CEBDS 9

4. introduo

A gua constitui o eixo central do desenvolvimento sustentvel e fundamental para o desenvolvimento socioeconmico, para man-ter os ecossistemas saudveis e para garantir a prpria sobrevi-vncia humana.

Este recurso somente pode ser considerado renovvel se for bem gerido. Isto porque o ciclo hidrolgico apesar de renovvel considerando a escala temporal, dependente de fatores locais. Isto significa que, mesmo que a gua evapore, a precipitao no necessariamente ser no mesmo local, ou no lugar adequado, tampouco em quantidade necessria para atender s demandas. Desta forma, os usos mltiplos da gua devem ser compatveis sua disponibilidade tendo em vista as condies locais e temporais, bem como acessibilidade dos diferentes usurios a este recurso.

Adicionalmente, as diversas inter-relaes entre gua, alimentos, energia e o meio ambiente tornam o gerenciamento dos recursos hdricos ainda mais complexo e desafiador, tanto no mbito empresarial quanto para o poder pblico.

A crise hdrica vivenciada no Brasil em 2014 e 2015 evidencia estas interde-pendncias, traz tona as fragilidades do sistema de gerenciamento de re-cursos hdricos e se traduz na necessidade de insero da segurana hdrica nas agendas setoriais.

A governana da gua no setor empresarial tem evoludo bastante nos l-timos anos. Para o setor, o foco est no aumento da eficincia no seu uso e reduo das emisses hdricas, motivados principalmente pela reduo de custos, garantia da licena social para operar e preveno dos riscos asso-ciados ao suprimento de gua.

No entanto, a gesto dos riscos hdricos ainda um desafio. A correlao com as condies locais, a ocorrncia de eventos climticos extremos, os usos mltiplos da gua, entre outros fatores, fazem com que a sua gesto seja um processo complexo, permanente, adaptativo e, por vezes, oneroso.

A adoo de um processo estruturado de gerenciamento dos riscos hdricos pode reduzir as vulnerabilidades das organizaes em relao ao suprimento de gua, conflitos com as comunidades locais e com os demais usurios de recursos hdricos, bem como problemas com o fornecimento de matrias-pri-mas com o ciclo de vida intensivo em gua.

Deste modo, este documento tem o objetivo de contribuir com o gerencia-mento dos riscos hdricos no mbito empresarial na medida em que apre-senta e discute os principais conceitos, iniciativas, ferramentas e desafios voltados identificao e gesto destes riscos.

CEBDS 9

10 Gerenciamento de Riscos Hdricos no Brasil e o Setor Empresarial: Desafios e Oportunidades

Segurana

10 Gerenciamento de Riscos Hdricos no Brasil e o Setor Empresarial: Desafios e Oportunidades

5. hdrica

CEBDS 11

r ecentemente, as Naes Unidas definiram segurana hdrica como: A capacidade de uma populao para garantir o acesso sustentvel a quantidades adequadas de gua, com qualidade aceitvel para a subsistncia, o bem-estar humano e o desenvolvimento socioeconmico, assegurando a proteo dos recursos hdricos contra a poluio e os desas-tres relacionados com a gua, bem como a preservao dos ecossistemas em um clima de paz e estabilidade poltica (UN-Water, 2013).

Entretanto, os desafios para garantir a segurana hdrica em todo o planeta ainda so muitos (WRG, 2012):

Acaptaodegua triplicounosltimos50anoseaexploraodeguasubterrneaaumentanaproporode1a2%aoano,causandoestressehdricoemvrioslocais.Estimativasindicamque20%dosaqu-ferosestosendoexploradosalmdasuacapacidadederecuperao;

2,5bilhesdepessoasnotmacessoaosaneamentobsicoe894milhesdepessoasnotemacessoguaseguraparabeber,cozi-nhareparahigienepessoal;

US$109bilhesanuaisdoPIBglobalsoperdidosdevidoseca;

Maisde80%dosesgotosproduzidosnospasesemdesenvolvimentosolanadossemtratamentonoscorposhdricos.

O Instituto Trata Brasil uma Organizao da So-ciedade Civil de Interesse Pblico que atua desde 2007 na conscientizao da sociedade com vistas a universalizao do servio mais bsico, essencial para qualquer nao: o saneamento bsico. Levan-do em considerao as aes desenvolvidas pelo Instituto, o seu Presidente Executivo, dison Car-los destaca a seguir sua viso da inter-relao do saneamento com a segurana hdrica no Brasil.

Como o saneamento bsico pode contribuir com a segurana hdrica?

O saneamento bsico talvez seja a infraestrutu-ra que mais pode contribuir com a quantidade e qualidade da gua numa cidade, pois o acesso das casas gua tratada, coleta e tratamento dos esgotos faz com que a gua dos esgotos seja devolvida aos rios em condies de ser re-coletada e reutilizada (reso indireto). Quando no h saneamento, transformamos os rios em diluidores de esgoto, como o caso dos rios urbanos em So Paulo e Rio de Janeiro, a pon-to de no conseguirmos usar a gua desses rios

para nenhuma aplicao, sobretudo para abas-tecimento humano.

Ao olharmos os indicadores de saneamento bsico acabamos tambm chamando a ateno para as ab-surdas perdas de gua potvel nos sistemas de distri-buio (mdia de 37% de perdas no Brasil). Trabalhar para acelerar os servios de saneamento resultaria, portanto, em mais gua de qualidade adequada para as cidades, especialmente num momento to crtico que vivemos em 2015. No entanto, este tem que ser um esforo de todos os municpios, e no apenas dos governos estaduais ou das empresas.

Qual o papel do poder pblico no gerenciamen-to dos riscos hdricos?

Cabe ao poder pblico estimular a criao das po-lticas pblicas de uso racional dos recursos hdri-cos em seus vrios usos, de dar as grandes linhas, garantir recursos, de apoiar o fortalecimento dos comits de bacias hidrogrficas e de lutar por me-tas desafiadoras de reflorestamento, uso racional pelo cidado agricultura empresas cidado e, especialmente, no saneamento bsico.

Acessosustentvelaquantidadesadequadas

degua,comqualidade

aceitvelparaasubsistncia,obem-estarhumanoeo

desenvolvimentosocioeconmico

VISO dO ESPECIaLISTa: SanEamEnTO E SEgurana hdrICa

12 Gerenciamento de Riscos Hdricos no Brasil e o Setor Empresarial: Desafios e Oportunidades

As projees indicam crescimento na demanda de gua em termos glo-bais, notadamente para fins de abastecimento humano, uso industrial e gerao de energia, conforme indicado na Figura 1. Este aumento tam-bm ter impactos negativos nos ecossistemas aquticos, seja pela menor quantidade de gua, seja pelo aumento de contaminantes, impondo per-das econmicas para as atividades que dependem destes ecossistemas. Com isso, tende a aumentar a necessidade de gerenciamento das vazes ambientais com consequentes restries para a alocao de gua para os demais usos, como uso industrial e irrigao (OCDE, 2013).

0

1000

2000

3000

4000

5000

6000

2000 2050 2000 2050 2000 2050 2000 2050OCDE BRICS Demais pases Mundo

Demanda de gua - milhes m3

Irrigao Uso Domstico Agropecuria Indstria Eletricidade

Figura 1. Cenrios para a evoluo da demanda global de gua (OCDE, 2013)

Somente39%dosesgotosproduzidosnoBrasilso

tratados

Considerando o contexto brasileiro, a segurana hdrica tem contornos es-pecficos, em especial devido gran-de dependncia da gerao hidroel-trica, s dimenses continentais e s grandes disparidades regionais, tanto em relao disponibilidade quanto qualidade das guas.

82,5% dos brasileiros possuem gua tratada em suas torneiras, enquanto

ESTudO dE CaSO

gE E SanaSaESTaO munICIPaL PrOduTOra dE gua dE rEuSO (EPar CaPIVarI II)

a gE Power & Water vem buscando solues que tornem os processos de tratamento de efluentes cada vez mais eficientes e com reduo do impac-to ambiental. assim, a gE estabeleceu uma parce-ria com a Sanasa (Sociedade de abastecimento de gua e Saneamento S/a), em Campinas. Por meio desta parceria, se passou a utilizar tecnologias avanadas de tratamento de esgotos/efluentes, que incluem reatores biolgicos seguidos de sis-tema de membranas de ultrafiltrao, para viabili-zar a operao confivel da Estao de Produo de gua de reso (EPar) Capivari II.

a gua produzida na EPar utilizada pela ad-ministrao pblica municipal para lavagem de ruas, irrigao de jardins, etc., pelo Corpo de Bombeiros e pelo aeroporto de Viracopos, em seu sistema de refrigerao e nas obras de am-pliao, dentre outros usurios expordicos.

Para se ter uma ideia dos resultados, em dezem-bro de 2014 foram utilizados mais de 1.800 m3 de gua de reso tanto para uso interno quanto para comercializao (valor unitrio de r$ 1,40). O restante foi lanado no corpo hdrico de forma segura, dado que a qualidade da gua produzida altssima, possibilitando a recuperao do ma-nancial e do meio ambiente local.

Por se tratar da primeira estao municipal pro-dutora de gua de reso da amrica Latina, a Capivari II demonstra o potencial da reutilizao dos esgotos tendo em vista a qualidade da gua produzida na estao de tratamento.

Com esta iniciativa, possvel reduzir a retirada de gua de outras fontes ao mesmo tempo em que se reduz o lanamento de esgotos numa re-gio de elevado estresse hdrico.

CEBDS 13

37% da gua j tratada desperdiada por conta das perdas na distribui-o. Alm disso, somente 39% dos esgotos produzidos no pas so tratados (SNSA/MCIDADES, 2014). Isto agrava a situao dos corpos hdricos, con-tribuindo para cenrios de estresse hdrico.

Os problemas de qualidade da gua so mais expressivos nos grandes cen-tros urbanos devido ao lanamento de efluentes tratados ou esgotos doms-ticos lanados in natura nos corpos hdricos (ANA, 2013).

Adicionalmente, muitas bacias e re-gies apresentam condies desfa-vorveis em relao quantidade de gua disponvel. Esta combinao de disponibilidade de gua em quanti-dade e qualidade exemplificada na Figura 2, que mostra um balano quali-quantitativo para todo o Brasil.

Figura 2. Situao das bacias hidrogrficas brasileiras (ANA, 2013).

N

1 Criticidade quantitativa. Rios da Regio Nordeste. Baixa disponi-bilidade hdrica para atender a demanda.

2 Criticidade quantitativa. Rios no Sul do Brasil. Alta demanda para irrigao (arroz inundado).

Criticidade quali-quantitativa. Rios em regies metropolitanas. Alta demanda e grande carga de esgotos domsticos.

Legenda

satisfatrio

criticidade qualitativa

criticidade quantitativa

criticidade quali-quantitativa

Balano quali-quantitativo na ottobacia

Regio Hidrogrfica

1

2

14 Gerenciamento de Riscos Hdricos no Brasil e o Setor Empresarial: Desafios e Oportunidades

Em situaes de desequilbrio entre a oferta e a demanda, o aumento da segurana para o abastecimento de gua pode, por exemplo, reduzir a re-silincia dos ecossistemas devido reduo da vazo ambiental. Do mesmo modo, subsdios e polticas de incentivo setoriais podem comprometer a se-gurana hdrica, uma vez que estas iniciativas normalmente no consideram os demais usos da gua e condies locais.

A ocorrncia de eventos climticos extremos, por sua vez, aumenta a vulne-rabilidade das populaes, das atividades econmicas e dos ecossistemas em geral devido s mudanas nos padres temporais e espaciais de preci-pitao e de evapotranspirao, dificultando a gesto dos riscos hdricos.

nesse contexto que temas como a segurana hdrica, alimentar e energ-tica passam a ser prioritrios nas agendas polticas e setoriais.

Considerando a interdependncia entre estes recursos, podemos dizer, de forma simplificada, que a segurana hdrica a capacidade de gerir os recursos hdricos no contexto de aumento de demanda e de crescimento econmico. Ela apresenta estreita inter-relao com a segurana alimentar e energtica, bem como com as mudanas do clima, conforme indicado na Figura 3.

Interdependncias entre recursos, setores e polticas

PRESSES

Mudanas climticas

Crescimento populacional

Padres de produo e consumo

Crescimento econmico

SeguranaEnergtica

SeguranaAlimentar

SeguranaHdrica

RecursosHdricos

RecursosTerrestres

RecursosEnergticos

Ecossistema

So considerados trs nveis para as inter-relaes:

- gua, o solo e recursos energticos como parte do ecossistema;

- O fornecimento de gua para abastecimento humano, gerao de energia e produo de alimentos dependem dos mesmos recursos naturais e servios ecossistmicos;

- Cada setor depende dos servios dos outros setores.

Figura 3. Representao esquemtica da interdependncia da segurana hdrica, alimentar e energtica (BMZ, 2013)

CEBDS 15

SEgurana hdrICa E a PrOduO dE aLImEnTOS

Para produzir alimentos so neces-srios grandes volumes de gua, no apenas para a produo das culturas agrcolas, irrigadas ou no irrigadas, mas tambm ao longo de toda a cadeia produtiva dos alimen-tos, indo desde a produo de ferti-lizantes at o seu consumo final.

Comparativamente aos demais se-tores, a demanda de gua para a agricultura representa 70% da cap-tao em termos globais, e mais de 90% se considerado o consumo (FAO, 2014).

No Brasil, embora haja um padro diferenciado em cada regio, a ir-rigao juntamente com os demais usos na agricultura e pecuria so os maiores usurios de gua, con-forme Figura 4.

Urbano Industrial AgropecuriaIrrigao

Captao (m3/s)

17%

8%

53%

22%

Figura 4. Uso de gua no Brasil (ANA,2013).

A maior parte dos volumes capta-dos para uso agrcola consumida devido evapotranspirao.

O aumento populacional e as mu-danas nos hbitos alimentares as-sociados melhoria da qualidade de vida demandaro o aumento de um bilho de toneladas na produ-o anual de gros e de 200 milhes de toneladas na produo de carne, segundo avaliaes feitas pela FAO (UN Water, 2013). Considerando que o Brasil um importante pro-dutor e exportador de alimentos, h

VISO dO ESPECIaLISTa: PEgada hdrICa

a Pegada hdrica, segundo Water Footprint network (WFn), um indicador de consumo de gua para produo de bens e servios. a The nature Conservancy (TnC) uma Ong internacional com atua-o no Brasil desde 1988 cuja misso conservar as terras e guas das quais a vida depende. no Brasil, albano arajo, Coordenador de Conservao de gua doce da TnC, desenvolve projetos apli-cando este indicador e comenta abaixo a sua relao com gerencia-mento de riscos hdricos.

Quais os principais desafios para a determinao da pegada hdrica?

O primeiro desafio o correto entendimento do conceito, j que o uso inadequado dos nmeros da pegada hdrica na mdia criou uma percepo incorreta sobre a aplicao da metodologia. Em segundo lugar alm de saber o valor da pegada preciso definir se ela sustentvel ou no e, com base nesta informao, formular uma resposta para buscar a neutralidade hdrica e o uso susten-tvel dos recursos hdricos. Finalmente o grande desafio imple-mentar as aes de resposta que vo gerar os benefcios reais, j que em muitos casos estas aes podem ter um custo elevado e demandar um tempo de implementao longo, mas geralmente tero um retorno de investimento garantido e uma reduo efeti-va do risco hdrico corporativo.

Como a determinao da pegada hdrica pode contribuir para a gesto dos riscos hdricos?

A avaliao completa da pegada hdrica inclui 4 etapas, entre elas a Avaliao da Sustentabilidade na qual so identificadas as reas em uma bacia hidrogrfica que em um determinado perodo do ano tm a pegada hdrica qualificada como insustentvel. Conhe-cendo os pontos crticos possvel construir estratgias de res-posta que busquem tornar a pegada hdrica sustentvel. O que, em essncia, significa reduzir riscos buscando um equilbrio de de-manda e oferta que garanta a disponibilidade hdrica necessria s atividades que ocorrem naquela bacia.

Quais as principais vantagens, do ponto de vista empresarial, de utilizar o ferramental da pegada hdrica para a gesto de riscos hdricos?

Para as corporaes a grande vantagem do uso da pegada hdrica a flexibilidade de ser adaptada a diferentes escalas e atividades produtivas. Com isto ela pode ser usada para avaliar o risco de escassez hdrica em uma grande bacia hidrogrfica ou para subsi-diar um plano de reso de gua em uma planta industrial. Outra grande vantagem a definio de indicadores que permitem s corporaes acompanhar a disponibilidade hdrica nos aspectos especficos que afetam a operao das plantas, como o ndice de Sustentabilidade da Pegada Hdrica (compara o tamanho da pega-da disponibilidade hdrica da bacia) e o ndice de Neutralidade Hdrica (compara a disponibilidade hdrica gerada por aes de compensao com a pegada hdrica da corporao).

16 Gerenciamento de Riscos Hdricos no Brasil e o Setor Empresarial: Desafios e Oportunidades

perspectivas de crescimento da produo de gros e de carne no perodo de 2013-2023, na ordem de 20% e 35%, respectivamente, segundo estudo do Ministrio da Agricultura, Pecuria e Abastecimento (Mapa/ACS, 2013).

Com isso, ainda que acompanhado de ganhos de produtividade e de efi-cincia no uso da gua, o aumento da produo de alimentos implicar numa maior demanda de gua superficial e subterrnea, com possveis im-pactos na qualidade.

Segundo o mapa apresentado na Figura 5, que indica as principais regies e bacias onde h irrigao de culturas, possvel observar que esta atividade est localizada em regies onde j existe intenso uso da gua e problemas de qualidade ou quantidade de gua.

Figura 5. Vazo de retirada total para irrigao por microbacla (ANA, 2013)

A garantia do suprimento de gua para os demais usos nestas regies de-mandar um conjunto de aes e intervenes voltadas tanto para o con-trole da demanda (reduo do uso da gua), quanto para a ampliao da oferta de gua.

Vazo de retiradaIrrigao (m3/s)

Total Brasil = 1.270 m3/s

< 0,01

0,01 a 0,1

0,1 a 0,25

0,25 a 0,5

0,5 a 1

1 a 4,4

CEBDS 17

No que se refere ao aumento da oferta para a produo de alimentos, as primeiras e menos onerosas intervenes so o aumento da reservao de gua, seguida do reso, conforme apontado na Figura 6.

Figura 6. Gesto da oferta e da demanda de gua na agricultura (FAO, 2012)

Adicionalmente, a reduo da demanda tambm pode ser obtida por inter-mdio do aumento da produtividade e pela reduo das perdas. Em condi-es limite, no entanto, tanto para a oferta quanto para a demanda, as alter-nativas podem ser: transposio de bacias, dessalinizao e importao de alimentos. Estas alternativas no se aplicam necessariamente nesta ordem para todas as bacias que sofrem com problemas de gua para a agricultura. sempre importante ter em mente que situaes envolvendo recursos h-dricos devem considerar as especificidades de cada regio.

SEgurana hdrICa E a gEraO dE EnErgIa

A gua um recurso indispensvel para a gerao de energia. Ela usada na indstria mineradora para extrao de carvo, urnio, leo e gs, bem como para a produo de biocombustveis (a partir do milho, cana de a-car, etc.). Alm disso, ela o insumo bsico para sistemas de resfriamento de termeltricas, turbinas a vapor e para a gerao de energia hidroeltrica.

Os sistemas de captao, transporte, tratamento e distribuio de gua tam-bm so altamente dependentes de energia, assim como o tratamento de efluentes. Portanto, aumentar a eficincia energtica dos processos produtivos significa reduzir o uso da gua, do mesmo modo que reduzir o uso da gua significa reduzir o consumo de energia.

NoBrasil,hperspectivasdecrescimentodaordemde20%naproduodegrose

35%decarnenoperodode

2013-2023

Dessalinizao e transferncias entre bacias Controle de poluio Reutilizao de gua Aumento da reservao (superficial e subterrnea)

Importao de comida Alocao inter e intra-setorial Aumento da produtividade agrcola Reduo das perdas

O foco varia com o tempo

O esforo total aumenta com o tempo

Ges

to

da

dem

and

a

O a

umen

to d

a o

ferd

a(S

upri

men

to)

O f

oco

rel

ativ

o p

ara

as d

ifere

ntes

op

es

Tempo

18 Gerenciamento de Riscos Hdricos no Brasil e o Setor Empresarial: Desafios e Oportunidades

Devido ao crescimento econmico, urbanizao e melho-ria das condies de vida da populao, a demanda mun-dial por energia deve aumentar em mais de um tero at 2035, segundo cenrios elaborados em 2014 pela Agn-cia Internacional de Energia (IEA, na sigla em ingls).

Apesar do Plano Decenal de Expanso de Energia - 2012/2021 (EPE, 2013) sinalizar um aumento de 40% na gerao hidroeltrica neste perodo, de 2010 a 2013 a energia hidrulica teve uma reduo de, aproximada-mente 2% na matriz eltrica. Neste mesmo perodo, a participao das fontes renovveis aumentou apenas 3,7% enquanto as no-renovveis aumentaram em 75%.

Mesmo diante deste cenrio, a hidroeletricidade ainda representa mais de 70% da matriz eltrica brasileira, conforme mostrado na Figura 7.

70.6%

7.6%

11.3%

2.4%2.6%

4.4%

1.1% Matriz eltricaAno base: 2013

Hidrlica Biomassa Gs Natural Nuclear

Carvo e derivados Derivados do Petrleo Elica

Figura 7. Oferta no Brasil de Energia Eltrica por Fonte (EPE, 2014)

Em 2014, se observou claramente as sinergias entre se-gurana hdrica e segurana energtica, com a situao preocupante de reduo do volume til dos principais reservatrios utilizados para a gerao de energia no Brasil (Figura 8).

ESTudO dE CaSO

CaIxa ECOnmICa FEdEraL ETIQuETagEm daS EdIFICaES

a eficincia energtica tambm tem relao direta com o uso racional da gua e com os padres de construo para fins domsticos e comerciais.

neste sentido, a Caixa Econmica Federal, em seu compromisso com racionalizao do uso da gua e com eficincia energtica, tor-nou-se a empresa pioneira, na categoria edi-ficaes comerciais, a receber a etiqueta de qualidade nvel a do Programa Brasileiro de Etiquetagem (PBE). Esta etiqueta o Selo de Conformidade que evidencia o atendi-mento a requisitos de desempenho estabe-lecidos em normas e regulamentos tcnicos com relao a eficincia energtica.

at 2015, oito edificaes da Caixa estavam certificadas pelo PBE, dentre elas a agncia Jardim das amricas/Pr, primeira agncia bancria com Etiqueta de Eficincia Energti-ca que, por meio da captao de gua pluvial para irrigao, lavagem de reas externas e descargas sanitrias, alm do uso de econo-mizadores de gua em bacias e torneiras, con-seguiu reduzir o uso de gua em at 65%. a sede administrativa da Caixa em Belm/Pa re-cebeu a Etiqueta nvel a do Sistema nacional de Conservao de Energia (EnCE), tendo em vista o aproveitamento e filtragem de gua pluvial para alimentao de vasos sanitrios e sprinklers (sistema de incndio), com uma economia de gua estimada em 50%.

alm destes projetos, a Caixa reformulou, desde 2010, os normativos e padres insti-tucionais determinando que nas novas edi-ficaes, ou nas edificaes que sofrerem intervenes, seja obrigatrio o uso de equi-pamentos com economizadores de gua, tais como torneiras com acionamento automtico e bacias sanitrias com acionamento de at seis litros e/ou com sistema de dual Flush.

medidas como estas contribuem para reduzir a dependncia de edifcios comerciais e residen-ciais dos sistemas de abastecimento pblico, garantindo maior segurana no que diz respei-to ao abastecimento. alm disso, a captao de gua de chuva, se adotada em larga escala, pode contribuir para a reduo dos riscos de inundaes, gerando um benefcio tanto para a prpria empresa, quanto para a sociedade.

70%daenergiaeltricadoBrasilproduzidaapartirdehidreltricas

CEBDS 19

Figura 8. Evoluo do volume til dos principais reservatrios utilizados para a gerao de energia no Brasil (ONS, 2015)

Como se pode observar, houve um aumento da entrada em operao de usinas trmicas em funo da baixa dos reservatrios e, consequentemente, decrscimo na gerao de energia hidroeltrica. Como resultado, houve um aumento do custo da produo da energia eltrica. No entanto, os impac-tos decorrentes da operao dos reservatrios do sistema eltrico nacional vo alm da elevao dos custos de gerao. Nos subsistemas com maior desequilbrio entre a oferta e a demanda, houve interrupo do transporte aquavirio em muitos trechos de rios e reduo da vazo disponvel para os demais usos.

A reduo da precipitao pode justificar em parte os problemas de armaze-nagem nos reservatrios observados em 2014, cujo impacto aos usos mltiplos

da gua deve repercutir tambm para os anos subsequentes, com maior ou menor gravidade, dependendo das condies climticas e hidrolgicas.

Todavia, a segurana energtica e h-drica pressupe a adoo de medidas concretas em infraestrutura e gesto que permitam reduzir as vulnerabili-dades associadas s condies clim-ticas desfavorveis, compatibilizando a oferta com a demanda.

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Jan Fev Mar Abr Mai Jun Jul Ago Set Out Nov Dez

Volume til do reservatrio de Furnas (%)

2014 2013

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35

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Jan Fev Mar Abr Mai Jun Jul Ago Set Out Nov Dez

Volume til do reservatrio Emborcao (%)

2014 2013

0

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50

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Jan Fev Mar Abr Mai Jun Jul Ago Set Out Nov Dez

Volume til do reservatrio Promisso (%)

2014 2013

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Jan Fev Mar Abr Mai Jun Jul Ago Set Out Nov Dez

Volume til do reservatrio Sobradinho (%)

2014 2013

0

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Jan Fev Mar Abr Mai Jun Jul Ago Set Out Nov Dez

Volume til do reservatrio Tucuru (%)

2014 2013

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30

40

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70

80

90

100

Jan Fev Mar Abr Mai Jun Jul Ago Set Out Nov Dez

Volume til reservatrio Ilha Solteira (%)

2014 2013

20 Gerenciamento de Riscos Hdricos no Brasil e o Setor Empresarial: Desafios e Oportunidades

Tendo em vista que os impactos das mudanas climticas podem afetar diferentes reas da eco-nomia foram criadas pelo governo diversas redes temticas para subsidiar a elaborao do Pna. dentre estas redes, a rede gua, cujas principais linhas de atuao so apresentadas a seguir pelo Especialista em recursos hdricos da agncia na-cional de guas, alexandre resende Tofeti.

Como o Plano de adaptao s mudanas Clim-ticas pode contribuir com a preveno e mitigao dos riscos hdricos?

O plano de adaptao s mudanas climticas est focado em reduzir os riscos da mudana do clima nas esferas social, econmica e ambiental do pas. No tocante aos recursos hdricos as principais dire-trizes que esto sendo propostas so: aumentar o monitoramento para possibilitar antever eventos crticos, principalmente em bacias de pequenas dimenses; estimular os setores usurios a cons-trurem planos de contingncia para eventos ex-tremos (secas e enchentes); estimular comits de

bacia a formularem planos de contingncia para a bacia; aprofundar linhas de pesquisa que possibili-tem construir cenrios possveis para as diferentes regies hidrogrficas do Brasil a partir da melhor evidncia cientfica disponvel; propor adaptaes aos instrumentos de gesto dos recursos hdricos (outorga, cobrana, enquadramento, planos, Siste-ma Nacional de Informaes de Recursos Hdricos) e propor novos instrumentos; fortalecer os rgos estaduais de recursos hdricos para que sejam ca-pazes de lidar com situaes atpicas de modo eficaz; propor modelo de gesto de risco sobre recursos hdricos.

importante salientar que o referido Plano ainda est em fase de elaborao com a expectativa de ser concludo at o final do primeiro semestre de 2015, quando ser levado ao Comit Interministerial criado pelo Decreto 6.263 de 21 de novembro de 2007. Tambm importante destacar que est se prevendo a elaborao de um plano operativo baseado nas diretrizes propostas nesse momento.

VISO dO ESPECIaLISTa: PLanO naCIOnaL dE adaPTaO S mudanaS CLImTICaS (Pna)

SEgurana hdrICa E aS mudanaS dO CLIma

A segurana hdrica afetada pela maior variabilidade hidrolgica decor-rente da maior incidncia de extremos climticos, com consequentes im-pactos para a sociedade. Os efeitos podem diferir regionalmente e depen-dem de uma srie de fatores como: localizao geogrfica, disponibilidade e usos da gua, mudanas demogrficas, sistemas de gesto e de alocao da gua, bases legais para a gesto da gua, estruturas de governana exis-tentes, e a resilincia dos ecossistemas.

As mudanas no ciclo hidrolgico, dentre outros impactos, pem em risco as infraestruturas hdricas existentes tornando a populao mais vulnervel aos eventos hidrolgicos extremos, como secas e enchentes, resultando em aumento da insegurana hdrica (UNESCO, 2012).

Os cenrios dos efeitos das mudanas do clima no comportamento da pre-cipitao e da evapotranspirao so contraditrios para algumas das re-gies hidrogrficas do Brasil devido s limitaes de processamento dos modelos computacionais usados nestas projees. Deste modo, as previ-ses e cenrios relativos frequncia e magnitude das secas e cheias, assim como em relao variabilidade das chuvas e disponibilidade hdrica ficam prejudicados (CGEE, 2014).

No entanto, a adaptao , antes de qualquer coisa, um processo cont-nuo de aprendizado que admite no haver informaes suficientes para

chegar a uma deciso ideal em situaes complexas. Deste modo, destaca-se a importncia do plane-jamento flexvel apoiado por siste-mas robustos de monitoramento e gerenciamento de informaes para avaliar e gerir os riscos hdri-cos (UN Water, 2012).

SEgurana hdrICa E OS SErVIOS ECOSSISTmICOS

A disponibilidade e qualidade dos recursos hdricos dependem de ecossistemas saudveis - capazes de prover servios ambientais. No sentido inverso, o uso da gua pode comprometer os ecossistemas e, deste modo, afetar a proviso de servios. A Figura 9 ilustra as princi-pais interaes entre gua, energia e servios ecossistmicos.

CEBDS 21

Figura 9. Ecossistemas, energia e servios ambientais (WWAP, 2014)

Em 2007, a Brasil Kirin firmou parceria com a Ong Fundao SOS mata atlntica, para criao do Centro de Experimentos Florestais SOS mata atlntica-Brasil Kirin. Para tanto, 386 hectares (de um total de 540 hectares de fazenda prpria no municpio de Itu, So Paulo) foram cedidos em regime de comodato por 20 anos Ong, com a finalidade de produzir mudas nativas para recupe-rao de reas degradadas, desenvolver ativida-des de educao ambiental e promover a realiza-o de pesquisas em parcerias com universidades.

a capacidade de produo anual de 750 mil mudas e, at o final de 2014, foram produzidas mais de 3 milhes de mudas de 110 espcies

nativas da mata atlntica, que contriburam com a restaurao de 857 hectares em reas pblicas e privadas.

a restaurao florestal resgata os servios ecos-sistmicos que so perdidos com o desmatamen-to, pois colabora com a preservao da fauna e da flora, alm de impactar na qualidade e quanti-dade de gua. Esse processo protege as nascen-tes e evita a eroso e o assoreamento de rios e lagos. aps a restaurao da rea da Brasil Kirin (mais de 380 hectares) foi observado o aflora-mento de 19 nascentes, com uma estimativa de aumento de 20% do nvel das guas subterr-neas e 5% das guas superficiais.

ESTudO dE CaSO

BraSIL KIrIngESTO dE rECurSOS hdrICOS POr mEIO dE rESTauraO FLOrESTaL

Nota: Setas em negrito indicam maior dependncia; setas tracejadas indicam impactos mais relevantes; sombreamento indica onde os fluxosde gua so mais importantes.

Eco

ssis

tem

as s

aud

vei

s

Servios de proviso Alimentos Madeira Biocombustveis

Servios de regulao Fluxos de gua Polinizao Controle de eroso Fixao de CO2 Regulao do clima

Servios estticos,culturais e de recreao

Servios de suporte e ciclagem Nutrientes Formao de solo (turfa, combustveis fosseis) Mitigao das mudanas climticas

EnergiaBiocombustveis

EnergiaHidroeletricidade

EnergiaCombustveisfsseis

22 Gerenciamento de Riscos Hdricos no Brasil e o Setor Empresarial: Desafios e Oportunidades

Um exemplo de relao de interferncia a perda da vegetao ciliar in-fluenciando o aporte de sedimentos que chega aos rios e reservatrios, diminuindo ou redirecionando a vazo superficial dos fluxos de gua e a ca-pacidade de reservao. O assoreamento e o escoamento de gua sob solo exposto impactam diretamente os negcios e a populao, pois potenciali-zam enchentes e crises de abastecimento hdrico e energtico que podem resultar em racionamento e aumento de custos, alm de perdas humanas. Dessa forma, os servios ecossistmicos esto ligados no somente a sade dos sistemas, mas a prpria economia.

O provimento de servios ecossistmicos dependente, em ltima esca-la, das condies locais. Bacias hidrogrficas resilientes so fundamentais para a conservao dos ecossistemas aquticos, ao mesmo tempo em que contribuem para a reduo dos riscos hdricos e das suas vulnerabilidades, conforme ilustrado na Figura 10.

Figura 10. Atributos de uma bacia hidrogrfica saudvel (WBCSD, 2013b)

Integrar os servios ecossistmicos s estratgias de polticas governamen-tais e de negcios no apenas uma questo de preservao ambiental, mas de garantia de manuteno da economia e do bem-estar social.

A sua degradao impacta diretamente o abastecimento humano, a pro-duo de alimentos, a gerao de energia, a produo industrial, dentre outros setores.

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8

5

7

2

1 6

3 4

1

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3

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7

8

Dentre outros atributos, uma bacia hidrogrfica saudvel:

Captura e armazena gua de chuva; Permite a recarga de aquferos; Mantm os fluxos de gua; Minimiza a eroso e protege a qualidade do solo; Armazena e recicla os nutrientes; Contribui para a mitigao da poluio filtrando o runoff; Fornece habitat para espcies aquticas nativas; Permite atividades recreacionais; Contribui com a resistncia ou recuperao a eventos extremos que podem comprometer habitaes e atividades produtivas (inundaes, incndios, etc.).

Precipitao

gua subterrnea

Rio

Filtrao

Zonas midas

Evapotranspirao

Cidade

Produo energia e de alimentos.

CEBDS 23

a fim de promover a valoriza-o dos ambientes naturais, por meio da premiao finan-ceira a proprietrios de reas que se comprometam com a conservao das reas natu-rais e adoo de prticas con-servacionistas de uso do solo, a Fundao Boticrio lanou o Programa Osis.

Este programa j foi implan-tado com sucesso em 4 muni-cpios brasileiros (So Paulo/SP, apucarana/Pr, So Bento do Sul/SC e Brumadinho/mg) e possui no total 11 parcerias com estados e municpios. Para o Projeto Brumadinho, a escolha da Serra da moeda se deu por dois principais moti-vos: a importncia do munic-pio na proteo de mananciais que fazem parte de um siste-ma de abastecimento pblico para quase quatro milhes de habitantes na regio metro-politana de Belo horizonte e a possibilidade de formao de corredores de interligao en-tre unidades de Conservao e relevantes remanescentes de vegetao da regio.

a iniciativa acontece em par-ceria, como pode ser visto no esquema ao lado:

Integrarosserviosecossistmicossestratgiasdepolticasgovernamentaisedenegciosnoapenasumaquestodepreservaoambiental,masdegarantiademanutenodaeconomiae

dobem-estarsocial

a seleo das propriedades leva em conta diversos fatores, alm da exigncia de estar localizada em uma das bacias prioritrias do projeto. Os pagamentos variam de r$ 250 a r$ 650 por hectares de rea de vegetao nativa preservada por ano, e se do por meio de contrato com vigncia de 5 anos. Os pagamentos esto atrelados avaliao tcnica, feita na propriedade, e ao acompa-nhamento da mesma ao longo do perodo da vigncia do contrato com o proprietrio rural.

O pagamento por servios ambientais (PSa) visa a garantir a manu-teno e melhoria dos servios ambientais providos pelas proprie-dades, entre eles a melhoria da qualidade da gua que chega aos corpos dgua. Iniciativas como estas so relativamente recentes e esto em processo de consolidao no Brasil. Em 2014, este projeto contava com a participao de 12 proprietrios contratados desde o incio de 2013, totalizando 392 hectares de reas naturais com 29 nascentes protegidas.

ESTudO dE CaSO

FundaO gruPO BOTICrIO dE PrOTEO naTurEza OSIS, uma InICIaTIVa dE PagamEnTO POr SErVIOS amBIEnTaIS: CaSE OSIS BrumadInhO

AMDAApoio tcnico Ministrio

Pblico - MG

Fundao GrupoBoticrio

PROPRIETRIOS RURAISProvedor dos servios / Recebedor do PSA

Beneficirios - Sociedade

Cadastramento eMonitoramento das propriedades rurais Contratao

e premiao

Recurso financeiroe apoio tcnico

Recurso financeiroe apoio tcnico

24 Gerenciamento de Riscos Hdricos no Brasil e o Setor Empresarial: Desafios e Oportunidades24 Gerenciamento de Riscos Hdricos no Brasil e o Setor Empresarial: Desafios e Oportunidades

hdricoS

6. e o Setor empreSarial

riScoS

!

CEBDS 25

A segurana hdrica um fator vital para a perenidade dos negcios. Problemas no suprimento de gua podem implicar em perdas significativas de produo, aumento dos custos com impactos na competitividade e perda da licena para operar. A m gesto deste recurso, no mbito empresarial, tambm eleva os riscos de no atendimento s nor-mas legais e compromete a imagem da organizao.

De acordo com a pesquisa de percepo de riscos realizada pelo Frum Econmico Mundial, o maior risco global identificado em 2014 est relacio-nado questo hdrica (WEF, 2015).

As principais interaes dos riscos hdricos com os negcios esto ilustradas na Figura 11.

Figura 11. Representao esquemtica dos riscos hdricos e sua implicao para os negcios (CERES Aqua Gauge, 2011).

Segundo pesquisa realizada em 2014 pela Iniciativa CDP Water Report, 68% dos entrevistados se consideram expostos aos riscos hdricos que podem impactar seus negcios. Esta pesquisa foi feita com 573 empresas que de-tm cerca de U$ 60 trilhes de ativos.

Ainda segundo pesquisa do CDP, 60% dos entrevistados acreditam que a escassez e os problemas com a qualidade da gua so os riscos mais rele-vantes para as organizaes.

RISCOS HDRICOS RESPOSTAS

Avaliao

Gerenciamento

Divulgao

Engajamento

IMPACTOS AOS NEGCIOS

Demanda do produto

Custos com matrias-primas

Licena para operar

Competitividade

Percepo das partes interessadas

CONSEQUNCIAS FINANCEIRAS

Valor dos ativos Receitas Fluxo de caixa Custos

Financeiros

Operacionais

Regulatrios

Reputacionais

Mercado

26 Gerenciamento de Riscos Hdricos no Brasil e o Setor Empresarial: Desafios e Oportunidades

Adicionalmente, em termos de gerenciamento dos riscos hdricos, a pesqui-sa aponta que a reduo de custos, o aumento da eficincia operacional no uso da gua, a valorizao da marca e o desenvolvimento de novos produ-tos e servios so as maiores oportunidades para os negcios.

Desta forma, fica evidente a relevncia de se incorporar o gerenciamento de riscos hdricos aos sistemas de gesto das companhias.

InCOrPOraO dO gErEnCIamEnTO dOS rISCOS hdrICOS na gOVErnana daS OrganIzaES

Em linhas gerais, a governana corporativa est ligada aos mecanismos ou princpios que governam o processo decisrio dentro de uma empresa, os quais se desdobram em polticas e prticas corporativas, envolvendo des-de a alta administrao, como tambm as demais partes interessadas (fun-cionrios, clientes, fornecedores, comunidade, governo, dentre outros).

Normalmente, o foco inicial da gesto empresarial o atendimento legal e a melhoria do desempenho operacional, conforme pode ser observado na Figura 13. O olhar para fora da cerca resulta do amadurecimento da governana ou da ocorrncia de problemas severos de escassez ou quali-dade da gua.

O processo de gerenciamento dos riscos hdricos interativo e pode ser composto de diversas etapas e arranjos. De uma maneira simplificada, po-de-se dizer que ele consiste em uma etapa de conhecimento e uma etapa de respostas (Figura 14).

Figura 13. Governana da gua e maturidade da gesto (CEO Water Mandate, 2012)

Oprocessodegerenciamento

dosriscoshdricosinterativoepodeser

compostodediversasetapas

earranjos

Aumento naeficincia do uso

da gua

Entendimento decomo a empresa

interage comas bacias

Desenvolvimentode uma estratgia

consistente eestruturada com

foco na gua

Desdobramentos das aes de

melhoria ao longo da cadeia produtiva

Gerenciamentoavanado do uso

da gua comenvolvimento deatores externos

Oportunidadespara o negcio

Poltica,governana

e metas

Desempenho(cadeia produtiva)

Riscos aos negcios(cadeia produtiva)

Aes internas(com foco na

cadeia produtiva)

Envolvimento departes interessadas

externas

Contexto local

Riscos aos negcios

Impactosexternos

Eficincia/desempenho

Atendimento legal

Aes internas

Evoluo da gesto

CEBDS 27

a organizao Alliance for Water Stewardship (aWS) responsvel pelo desenvolvimento de um padro internacional de manejo responsvel do uso da gua no mbito empresarial. Esta norma estabelece um conjunto de critrios e indicadores, tendo como base a melhoria continua da governana da gua por meio de um processo estruturado de gesto que gere be-nefcios ambientais, sociais e econmicos para a bacia hidrogrfica. a verificao do atendimento aos indi-cadores e critrios feito por entidade credenciada, que recomendar a certificao da empresa, unidade ou corporao com um todo, se forem atendidos os requisitos previstos. Tendo-se em vista esta abor-dagem, o especialista em uso responsvel da gua, alexis morgan da WWF International, explica como a aWS pode contribuir com a segurana hdrica e qual o estgio atual de desenvolvimento da norma.

Como o uso responsvel da gua no setor empresa-rial pode contribuir para a reduo dos riscos hdricos?

O uso responsvel da gua envolve mais do que o uso eficiente deste recurso e a reduo das emisses hdricas. Este conceito envolve a adoo de boas pr-ticas no gerenciamento do uso da gua considerando as condies locais (bacia hidrogrfica), os servios ecossistmicos e o engajamento com as diferentes partes interessadas (comunidade, poder pblico, ou-tros usurios). Desta forma, expandir o escopo da

governana da gua para fora da cerca e, ao mes-mo tempo, alinhar estas prticas com a gesto corpo-rativa dos negcios permite reduzir no somente os riscos de suprimento de gua, como tambm os ris-cos associados ao atendimento legal e de reputao.

Em uma situao hipottica na qual a retirada de gua subterrnea afete a disponibilidade de gua e comprometa o abastecimento de comunidades lo-cais, a mitigao dos riscos pode incluir, por exemplo, aumento da reutilizao de gua, assim como aes de engajamento com a comunidade e os rgos ges-tores. Dessa forma, a empresa pode melhorar a sua imagem, diminuindo a probabilidade de que o rgo gestor imponha restries ao uso da gua ao mesmo tempo em que enderea o problema da escassez.

Em que estgio est o desenvolvimento norma de uso responsvel da gua?

A verso internacional da norma foi lanada em abril de 2014 (AWS 1.0), com previso de atualiza-o em dois anos e de reviso a cada trs anos aps este perodo. O objetivo das revises incorporar as diferentes perspectivas das partes interessadas, bem como as melhores prticas de uso da gua. At o momento, esta verso est disponvel em ingls, espanhol e chins. No entanto, h uma ver-so beta da norma disponvel em portugus.

Figura 14. Gerenciamento dos riscos hdricos (Modificado de OCDE, 2013)

Avaliao dos riscosGerao do conhecimento

Gesto dos riscos (Respostas)Deciso e implementao

Gesto (Respostas)

Deciso: Identificao da estratgia; Definio de instrumentos e avaliao da sua efetividade e coerncia tendo em vista a poltica adotada;

Implementao: Monitorar e avaliar; Modificar e/ou inserir novas ferramentas, se necessrio.

Conhecimento (Parte 1)

Partes interessadasMercado

ONGsPoder pblico

Conhecimento (Parte 2)

Avaliao Identificao dos riscos: Probabilidade (a) e Identificao da exposio e vulnerabilidade (b); Estimativa do risco: a x b;

Avaliar a percepo dos riscos

Ponderao de aspectos econmicos, sociais e ambientais.

Definio de limites e nveis aceitveis; Avaliao dos mecanismos de compensao.

Caracterizao dos riscos(baseada em evidncias)

Avaliao dos riscos(baseada em juzode valor)

VISO dO ESPECIaLISTa: WATER STEWARDSHIP

28 Gerenciamento de Riscos Hdricos no Brasil e o Setor Empresarial: Desafios e Oportunidades

As principais motivaes para incorporar o gerenciamen-to de riscos hdricos na governana dos negcios so:

Assegurar a viabilidade do negcio, prevenindo ou reagindo s crises operacionais resultantes da inadequada disponibilidade, fornecimento e qualidade da gua tanto nas operaes prprias quanto na cadeia de suprimentos;

Assegurar sua licena para operar e obter vantagem competitiva, demonstrando s partes interessadas que a empresa utiliza este recurso natural escasso com responsabilidade, de forma a minimizar os im-pactos adversos a comunidades ou ecossistemas.

Garantir aos investidores, financiadores e outras partes interessadas que os riscos de gua, parti-cularmente aqueles que ocorrem fora da cerca da fbrica, so adequadamente tratados;

Defender os valores corporativos e compromissos relacionados com o desenvolvimento sustentvel, contribuindo para o bem-estar das bacias hidro-grficas, dos ecossistemas e das comunidades em que a empresa atua.

IdEnTIFICaO dOS rISCOS aSSOCIadOS aO uSO da gua

Segundo estudo recente conduzido pela Organizao Para a Cooperao e Desenvolvimento Econmico (OCDE), se-gurana hdrica significa aprender a conviver com um nvel aceitvel de riscos hdricos levando-se em conta fatores socioeconmicos e ambientais, alm das questes pura-mente hidrolgicas. Para tanto, necessrio conhecer e avaliar as diversas categorias de riscos de forma a identifi-car quais so tolerveis e quais precisam ser mitigados, a fim de que o seu controle resulte no menor custo possvel.

Do ponto de vista de efetividade, o foco deve ser nos riscos de maior impacto. Entretanto, subestimar riscos crnicos de baixo impacto no curto prazo, como conflitos de uso da gua ou poluio, podem gerar consequncias severas e at irreversveis no longo prazo. As respostas, por conseguinte, dependero da compatibilizao dos riscos mitigados com os custos e com a desejvel equi-dade aos diferentes usurios afetados/beneficiados.

Os principais riscos associados gesto empresarial da gua podem ser agrupados nas seguintes categorias:

riscos financeiros: empresas sem programas eficazes para avaliar e gerir os usos e descartes de gua so susceptveis a enfrentar restrio de acesso ao capital, taxas de emprstimo mais ele-vadas e reduo nos prmios de seguro;

riscos operacionais (fsicos): os custos de produ-o podem aumentar, devido diminuio da dis-

ESTudO dE CaSO

BraSKEmrESO dE gua na IndSTrIa

a fim de garantir o suprimento de gua de qualidade para suas operaes, a Braskem buscou parcerias para viabilizar um projeto para a gerao de gua de reso para sua unidade no Polo Petroqumico da regio do aBC Paulista. assim, o Projeto aquapo-lo foi criado em 2010 por intermdio de uma Parceria Pblico-Privada (PPP) entre a Odebrecht ambiental e a Sabesp, represen-tando um investimento de r$ 364 milhes. Ele contempla uma estao de produo de gua de reso para fins industriais com ca-pacidade 1000 l/s, uma adutora de 17 km de extenso e 3,6 km de redes de distribuio.

a gua de reso industrial produzida a partir de tratamentos avanados do esgoto domstico, que inclui membranas de ultra filtrao e osmose reversa. a Braskem utiliza 65% da capacidade instalada da estao, o que equivale a 650 litros por segundo. O fornecimento para a indstria est garanti-do por 41 anos, o que traz maior segurana para as operaes da prpria companhia.

alm deste projeto, a Braskem possui um sis-tema semelhante de reso de gua instalado no Polo Petroqumico de Camaari, na Bahia. Este o projeto gua Viva, que alia reutiliza-o de efluentes industriais e aproveitamento de gua da chuva com objetivo de reduzir a captao de gua nova para abastecimento das empresas instaladas neste Polo.

adicionalmente, de 2002 a 2014, a Braskem investiu r$ 250 milhes em aes melhoria da eficincia hdrica, obtendo uma economia acu-mulada da ordem de r$ 154 milhes em redu-o de custos com tratamento da gua e dos efluentes lquidos. Como resultados destes in-vestimentos, a gerao especfica de efluentes lquidos caiu neste perodo em 34% e a reu-tilizao de gua aumentou 55%. O ndice de consumo de gua manteve-se praticamente es-tvel desde 2002, aumentando apenas 0,5%, um valor que 6 (seis) vezes inferior a mdia da indstria qumica mundial1. ao deixar de captar, a empresa colabora para a reduo da presso sobre os mananciais. Em 2013 e 2014, a Braskem utilizou 38 milhes de m3 de gua de reso, deixando de captar um volume de gua equivalente a 15 mil piscinas olmpicas.

1 2010 2012, International Council of Chemical as-sociations. ICCa responsible Care Progress Report growing our Future.

CEBDS 29

ponibilidade, qualidade e confiabilidade do fornecimento de gua, quer seja em operaes prprias, quer seja na sua cadeia de suprimentos;

riscos de mercado (do produto): com os clientes e consumidores cada vez mais preocupados com os seus impactos ambientais, as em-presas correm o risco de perder participao de mercado para con-correntes que ofeream produtos com menores impactos ambientais;

riscos de reputao: conflitos de interesses pblicos, nos quais o uso corporativo da gua compete com as necessidades da comunidade local, podem trazer ameaas licena de operao da companhia;

riscos regulatrios: risco de reduo das outorgas (autorizaes de uso da gua), novas taxas, regulamentos e processos legais nos quais o uso da gua visto como conflitante com o interesse pblico.

importante destacar que a legislao brasileira prev que o abastecimento humano prioritrio aos demais usos e que a outorga de uso dos recursos hdricos um instrumento de carter precrio. Isto significa que em situaes de escassez ou conflito de uso, o rgo gestor outorgante pode reduzir as vazes outorgadas ou at cancelar as outorgas tendo em vista a garantia dos usos considerados prioritrios. Estes riscos podem ter relao direta com a bacia hidrogrfica, com a governana da organizao ou com ambos. A re-presentao esquemtica destas interaes est indicada na Figura 15.

Figura 15. Representao esquemtica das inter-relaes do estresse, escassez e riscos hdricos (Adaptado de CEO Water mandate, 2014)

A identificao dos riscos para posterior avaliao deve ser feita site a site, tendo em vista a sua estreita relao com as condies locais. Tambm importante incluir a avaliao dos riscos associados cadeia de suprimen-tos, uma vez que problemas como escassez, poluio e enchentes podem comprometer o fornecimento de insumos e matrias-primas.

As Figuras 16 e 17 apresentam algumas questes-chave que podem orientar a identificao de riscos no mbito da empresa e no mbito das bacias hidrogrficas.

Estresse hdrico:Situao decorrente da escassez, de problemas dequalidade ou de eventos crticos como inundaes.

Escassez:Relao

desfavorvelentre a oferta e

a demanda.

Riscosaos

negcios

Acessibilidade

Quantidade

Riscos associados organizao

Riscos associados bacia

hidrogrfica

Fsicos

Reputacionais

Regulatrios

Operacionais

Mercado

Qualidade

Inundaes/enchentes

30 Gerenciamento de Riscos Hdricos no Brasil e o Setor Empresarial: Desafios e Oportunidades

mBITO EmPrESarIaL

aSPECTOS QuESTES

Suprimento de gua (quantidade e qualidade)

Qual(is) (so) a(s) fonte (s) de gua?

Se a principal fonte de suprimento oriunda de concessionria, qual a fonte utilizada por esta concessionria?

Qual foi o histrico de disponibilidade de gua nos ltimos 5 a 10 anos?

A unidade vivenciou problemas de suprimento de gua?

Qual a qualidade desta gua e o seu comportamento nos ltimos 5 a 10 anos?

Qual a expectativa de que o suprimento de gua possa no atender s demandas futuras de gua (qualidade ou quantidade) da unidade?

Qual seria o impacto de reduo ou interrupo no suprimento de gua por um perodo mais longo?

O aumento da demanda de gua devido ao desenvolvimento local e/ou aumento populacional podem limitar seu acesso gua nos prximos 5 a 10 anos?

uso da gua e consumo A unidade faz uso eficiente da gua, comparativamente a outras unidades com processos similares?

A unidade tem um programa de melhoria continua para uso da gua?

Lanamento de efluentes Onde feito o lanamento de efluentes da unidade?

Os efluentes so lanados em ambientes aquticos sensveis?

Os usurios a jusante do lanamento dependem dos nveis de qualidade do efluente lanado pela unidade?

requisitos legais A unidade j teve racionamento no suprimento de gua devido seca ou baixa vazo?

Alguma das fontes de suprimento tem limites de captao? Estes limites so atendidos?

Quais os nveis de regulao das fontes de captao ou dos padres de lanamento? Eles tendem a ser mais restritivos?

A unidade atende os padres de lanamento em termos de quantidade e qualidade?

Custos da gua Quanto representa os custos com o tratamento de gua e com o pagamento pelo uso da gua em relao aos custos de operao?

Quanto representa os custos de tratamento de efluentes e devido ao pagamento lanamento de efluentes em relao aos custos de operao?

Quais os impactos econmicos decorrentes de eventos de falhas no suprimento?

Maturidade da governana da gua

A unidade tem metas de desempenho associadas ao uso da gua e ao lanamento de efluentes?

Quais as oportunidades de aumentar a eficincia no uso da gua?

A unidade tem planos de expanso de produo para os prximos 5 a 10 anos?

Foram identificados os principais fornecedores de matrias-primas para avaliar se os mesmos podem ter problemas no suprimento de gua ou com seus efluentes?

A empresa tem conhecimento dos impactos do uso e do descarte dos seus produtos em relao aos recursos hdricos?

A unidade tem plano de contingncia para problemas de suprimento de gua usada nas operaes industriais ou para fornecedores de matrias-primas?

Envolvimento da comunidade

Houve algum tipo de engajamento com a comunidade nos ltimos 5 anos decorrentes de processos voluntrios ou reativos a problemas?

A unidade conhece e monitora as demandas associadas gua das comunidades no entorno?

Houve alguma demanda da comunidade relacionada ao lanamento de efluentes?

do conhecimento da comunidade quanto de gua usada em relao s outras indstrias?

Figura 16. Riscos no mbito empresarial (Modificado de BIER, 2012)

CEBDS 31

mBITO da BaCIa hIdrOgrFICa

aSPECTOS QuESTES

Segurana hdrica e sustentabilidade

Alguma fonte de suprimento est em rea protegida ou sensvel do ponto de vista ambiental?

Como tem sido a evoluo nos ltimos 5 a 10 anos em termos de relao oferta e demanda de gua? O uso da gua est compatvel com a disponibilidade, considerando tambm os aspectos ambientais?

Os volumes ou vazes de gua destas fontes so medidos, conhecidos e divulgados?

Qualidade da gua Qual a qualidade da gua? H problemas com a qualidade da gua tendo em vista os usos que so feitos?

H ecossistemas frgeis que podem ser afetados pelo lanamento de efluentes?

requisitos regulatrios Existem normas legais que visem proteo da bacia hidrogrfica?

Os rgos gestores tem planos de longo prazo para o gerenciamento de recursos hdricos?

Existem regras legais para a alocao e/ou outorga de gua? H regras distintas para uso da gua subterrnea? Estas regras so normalmente respeitadas e fiscalizadas?

H regras/normas para a alocao e /ou outorga de gua em situaes de escassez?

Custos da gua Houve evoluo dos custos associados ao uso da gua nos ltimos 5 a 10 anos?

Comunidade, outras partes interessadas e cobertura da mdia

A comunidade tem acesso gua de qualidade adequada?

Qual o nvel de envolvimento da comunidade e da mdia local para as questes hdricas?

H preocupao com a falta de gua ou com a deteriorao da qualidade?

Ongs e ativistas ambientais

H instituies ativas atuando na bacia/regio?

Houve alguma manifestao contra as indstrias locais?

Figura 17. Riscos no mbito da bacia (Modificado de BIER, 2012)

Em termos corporativos, os esforos e a demanda de tempo para obter as informaes adequadas depen-dem da localizao geogrfica, nmero de unidades, disponibilidade e uniformidade de mtricas e de infor-maes, dentre outros aspectos.

Alm disso, a obteno de dados relativos cadeia de suprimentos um grande desafio.

Dentre as dificuldades para a obteno de dados est a falta de clareza e/ou entendimento de qual informao est sendo solicitada, relutncia em fornecer informaes devido insegurana quanto ao propsito e uso dos da-dos. Portanto, necessrio criar um ambiente de coope-rao e confiana que permita a viabilizao dos objeti-vos e programas voltados gesto dos riscos hdricos.

importante ressaltar que lacunas de informaes po-dem ser contornadas por intermdio de bancos de dados

disponveis, anlise de dados histricos e/ou estimativas. Trata-se de um processo de melhoria contnua que no deve ser paralisado pela ausncia de dados primrios.

Informaes associadas s vulnerabilidades da organi-zao em relao a sua imagem e reputao podem ser obtidas por intermdio de acompanhamento das diver-sas mdias sociais, interao com as comunidades locais, dentre outros meios.

Situaes especficas, como secas intensas, dados con-traditrios, potencial alto de interrupo das opera-es e conflitos locais devem ser objeto de avaliaes mais detalhadas.

Segundo relatrio publicado pela Beverage Industry En-vironmental Roundtable (BIER, 2012), a identificao e avaliao dos riscos fsicos demanda cerca de 60% do tempo requerido nesta fase.

32 Gerenciamento de Riscos Hdricos no Brasil e o Setor Empresarial: Desafios e Oportunidades

ESTudO dE CaSO

amBEV BuSCandO SInErgIaS a nVEL LOCaL

aVaLIaO dOS rISCOS aSSOCIadOS aO uSO da gua

A avaliao dos riscos a etapa que permitir determinar a sua significncia de forma a direcionar as respostas para a sua preveno e mitigao. No existe um consenso universal de qual a melhor maneira de fazer a avaliao e a priorizao dos riscos hdricos. No entanto, independentemente da for-ma adotada, ela deve:

a) Ser apropriada para o objetivo desejado;

b) Ser exequvel em termos de praticidade, recursos disponveis e apli-cabilidade;

c) Permitir que a organizao detecte, entenda e gerencie os riscos e as oportunidades mais relevantes para o negcio.

Segundo relato de lies aprendidas do estudo Practical Perspective of Managing Water-Related Business Risks and Opportunities in the Beverage Industry, cada etapa do gerenciamento dos riscos envolve a dicotomia: simplicidade versus complexidade. Cada organizao deve avaliar qual a melhor alternativa para a sua realidade, tendo em vista a maturidade or-ganizacional, tipo de negcio, riscos financeiros envolvidos, exposio na mdia, reputao etc. (BIER, 2012).

a ambev atua h mais de 20 anos com esforo contnuo para garantir a economia de gua em todas as suas unidades e, assim, reduzir o uso deste importante recurso natural e matria-pri-ma de seus produtos. Com este trabalho, entre 2002 a 2013, a ambev diminuiu em 38% a capta-o de gua em suas unidades, tornando-se refe-rncia internacional.

alm de trabalhar internamente com adoo de boas prticas, como a reduo de desperdcios e incluso de metas atreladas ao uso de gua nas fbricas, a ambev tambm atua com parceiros em aes de preservao e conservao da gua fora dos seus muros.

um exemplo desta iniciativa o projeto de reuti-lizao dos efluentes tratados que so gerados na unidade da ambev no maranho e so utilizados no processo da refinaria da alumar. Ou seja, o que seria descartado no rio Pedrinhas bombeado at uma lagoa de sedimentao da alumar para ser reaproveitado. dessa forma, a alumar deixa de captar gua subterrnea e reusa o efluente tra-tado que seria descartado no rio pela ambev.

Com a iniciativa, houve a reduo de 72% no descarte de gua no rio Pedrinhas, ao mes-

mo tempo em que, ao longo de 2013, 500 mi-lhes de litros de gua limpa foram poupados graas iniciativa, o equivalente ao consumo de uma cidade com 118 mil habitantes por um ms, o que aponta para a relevncia de se buscar parcerias entre os diversos usurios de recursos hdricos de modo a otimizar o uso destes recursos.

alm de projetos como este, uma das oito me-tas globais da empresa participar junto com parceiros locais de medidas de proteo de ma-nanciais em todos os locais estratgicos onde h instalaes fabris em sete pases, incluindo o Brasil. a busca de sinergias com as organizaes locais a base do Projeto Bacias, lanado em 2010, com o objetivo de recuperar e preservar importantes bacias hidrogrficas do Brasil. Ele j foi implementado na bacia do gama (dF) em parceria com a WWF Brasil e est em fase de implementao na Bacia hidrogrfica dos rios Piracicaba, Capivari e Jundia (PCJ), em parceria com a Ong The nature Conservancy (TnC). Esta iniciativa faz parte de um movimento mais am-plo, o movimento Cyan, que prev replicar este projeto para outras bacias localizadas em reas de risco hdrico no Brasil.

A avaliao dos riscos envolve crit-rios quantitativos e qualitativos, ao mesmo tempo em que no pode prescindir de critrios de percepo dos riscos, relacionados ao juzo de valor, bem como de considerar a sua evoluo temporal. Riscos crnicos podem evoluir para situaes limite.

A elaborao de uma matriz de ris-co que relacione a probabilidade de ocorrncia com a magnitude dos im-pactos uma das maneiras de fazer esta avaliao, conforme indicado na Figura 18. Entretanto, a matriz poder relacionar cada categoria de risco com outras dimenses, por exemplo, risco para os negcios, os quais levam em conta outros fato-res, como escala de produo, cus-tos para a mitigao, entre outros.

CEBDS 33

Figura 18. Avaliao dos riscos

De forma mais simples, possvel adaptar esta abordagem adotando crit-rios quantitativos agrupados, considerando as condies locais por unidade ou site e a corporao como um todo. As escalas adotadas, neste caso, en-globam simultaneamente as duas variveis (impacto e probabilidade) numa nica mtrica. Deste modo, o panorama corporativo dos riscos conter a avaliao individual de cada unidade, conforme pode ser observado na ta-bela a seguir, que exemplifica este tipo abordagem.

TIPO dE rISCO/ImPaCTO POTEnCIaL (VuLnEraBILIdadE)

unIdadE

Fsico

(a)

regulatrio

(B)

Imagem/

Reputao (C)

mercado

(d)

Financeiro

(E)

risco da unidade

1 Negligencivel

2 Baixo

3 Baixo-mdio

4 Mdio

5. Mdio alto

6 - Alto

7 - Extremo

1 Negligencivel

2 Baixo

3 Baixo-mdio

4 Mdio

5. Mdio alto

6 - Alto

7 - Extremo

1 Negligencivel

2 Baixo

3 Baixo-mdio

4 Mdio

5. Mdio alto

6 - Alto

7 - Extremo

1 Negligencivel

2 Baixo

3 Baixo-mdio

4 Mdio

5. Mdio alto

6 - Alto

7 - Extremo

1 Negligencivel

2 Baixo

3 Baixo-mdio

4 Mdio

5. Mdio alto

6 - Alto

7 - Extremo

AxBxCxDxE ou A+B+C

Unidade A 7 5 4 2 3 840 (21)

Unidade B 3 2 2 2 1 24 (10)

Unidade C 4 4 3 2 5 480 (17)

Avaliaodosriscosenvolve

critriosquantitativosequalitativos,aomesmotempoemqueno

podeprescindirdecritrios

depercepodosriscos

Mag

nitu

de

do

imp

acto

Baixa

Elevada

ElevadaProbabilidade

Baixa

Operacional

Imagem

Financeiro

Produto/mercado

Regulatrio

34 Gerenciamento de Riscos Hdricos no Brasil e o Setor Empresarial: Desafios e Oportunidades

Cada escala do nvel de impacto (1 a 7) precisa ser definida previamente de forma a orientar a sua apli-cao, ou seja, devem ser estabelecidas quais so as condies que tipificam os diversos nveis de impac-to para cada uma das categorias de risco. As escalas para os nveis de impacto podem ser simplificadas, baixo, mdio e alto (1, 3 e 5) ou ampliadas, depen-dendo da situao.

Caso seja necessrio, tendo em vista as diversas dimen-ses das consequncias adversas dos riscos hdricos, alm de ajustar a escala, podem ser utilizados tambm coeficientes ponderadores que permitam a obteno de um valor agregado mais representativo no mbito da corporao (riscos mais significativos) e quais as uni-dades esto mais expostas aos riscos, de forma a dire-cionar as respostas.

Vrias ferramentas esto disponveis no mercado para avaliao dos riscos. As principais sero abordadas neste documento.

rESPOSTaS Para a PrEVEnO E mITIgaO dOS rISCOS aSSOCIadOS aO uSO da gua

A partir da avaliao dos riscos, necessrio identificar quais so as medidas que precisam ser adotadas para a sua preveno ou mitigao.

Estas respostas precisam ser adequadas para cada tipo-logia de risco e individualizadas por unidade. Elas podem ser de natureza operacional, por exemplo, investimento em infraestrutura ou de mercado via securitizao.

a viso de sustentabilidade da arcelormittal conjuga aes de ecoeficincia, valorizao de seus empregados e aprimoramento constante das relaes da empresa com as comunidades em que est presente e com os demais pblicos com os quais tm contato. O estabelecimento de um sistema de gesto robusto, com objetivos e metas anuais, mantm o foco na gesto holsti-ca, permitindo a melhoria concreta do sistema. um exemplo o Programa de descarte zero de Efluentes Industriais implantado nas unidades industriais de Joo monlevade, Piracicaba, Juiz de Fora e Cariacica, alm do Plano diretor de guas, recentemente implantado nas unidades de Tubaro e Vega.

dentre os resultados obtidos em 2013, o ndice de recirculao de gua nas unidades arcelormit-tal do Brasil atingiu o valor de 98,3%, enquanto a mdia do parque siderrgico brasileiro foi 96%1.

Outra prtica na melhoria continua da gesto in-tegrada foi a incluso dos riscos hdricos no pro-cesso de gerenciamento dos demais riscos aos negcios. Tendo em vista que os riscos associa-dos ao suprimento de gua foram considerados prioritrios, as respostas para a sua mitigao foram customizadas para cada unidade operacio-nal. Para a unidade de Piracicaba, por exemplo, houve reduo de 40% do volume de captao

de gua no rio Piracicaba. Em termos especfi-cos, a demanda de gua para produzir uma tone-lada de ao bruto foi reduzida de 2 m3 em 2004 para 1,2 m3 em 2014 em funo de investimentos em automao de processos industriais, controle de processo, monitoramento on-line, dentre ou-tros. Complementarmente, em 2013, foi instala-do um sistema de coleta de gua de chuva que tornou autossuficiente o abastecimento de gua nas bacias sanitrias do escritrio administrati-vo. na arcelormittal Brasil, a demanda mdia de gua em 2014 foi de 2,9 m3 por tonelada. Este valor reflete o uso das melhores prticas e tec-nologias, tendo em vista que a mdia reportada pela associao mundial do ao (World Steel Association) superior a 28 m3 para cada tonela-da de ao bruto produzida2.

alm destas medidas internas, a empresa consi-dera fundamental a sua participao nos comi-ts de bacias hidrogrficas federais e estaduais, uma vez que os riscos hdricos so intrinsica-mente dependes do contexto social e poltico local. desta forma, a arcelormittal participa dos comits das bacias do rio Piracicaba, Capivari e Jundia (PCJ SP), rio Paraba do Sul (mg), rio Par (mg), rio da Velhas (mg), rio Piracicaba (mg), rio Santa maria da Vitria (ES), rio da Pa-lha (SC), dentre outros.

ESTudO dE CaSO

arCELOrmITTaL BraSILgESTO InTEgrada dE rECurSOS hdrICOS

1 Instituto ao Brasil, 2014. relatrio de Sustentabilidade 2014.2 World Steel association, 2011. disponvel em: http://www.worldsteel.org/media-centre/press-releases/2011/water-management-report.html

CEBDS 35

A escolha da melhor estratgia para a preveno e mitigao dos riscos deve levar em conta os se-guintes aspectos:

Custo - Quanto ser necess-rio para sua implementao?

Efetividade Quanto das per-das (econmicas ou no) pro-jetadas sero evitadas?

Viabilidade Qual o nvel de dificuldade de sua implemen-tao? Quais as barreiras in-ternas e externas?

Predisposio e maturidade Existe um ambiente empresa-rial e determinao gerencial para promover e estabelecer parcerias, bem como se rela-cionar com outros segmentos e partes interessadas?

O resultado desta etapa deve ser a elaborao de um plano de ao es-truturado com estratgias, objetivos, metas, indicadores de desempenho, responsveis e custos envolvidos.

dESaFIOS Para O gErEnCIamEnTO dE rISCOS hdrICOS nO SETOr EmPrESarIaL

O gerenciamento dos riscos requer a habilidade de contemplar de for-ma simultnea, consistente e fle-xvel as questes globais e locais, assim como a interdependncia da segurana hdrica com a segurana energtica e alimentar, conside-rando tambm a manuteno dos usos mltiplos da gua e os ecos-sistemas aquticos.

Estas caractersticas fazem com que o gerenciamento do uso da gua no mbito empresarial seja intrinsecamente diferente e mais complexo que a gesto das emis-ses de carbono e dos seus meca-nismos de compensao.

Segundo relato de especialistas discutidos no Forum World Water Week realizado em Estocolmo, as principais dificuldades para o ge-renciamento dos riscos so: aborda-

gem global versus local; complexidade das mtricas e conceitos; obteno de dados; inter-relaes com outras dimenses e diversidade de demandas das partes interessadas (WBCSD, 2011).

As principais informaes requeridas para avaliar cenrios e gerir os riscos hdricos so dados locais de disponibilidade e demandas de gua superficial e subterrnea, bem como dados de qualidade da gua dos mananciais e dos ecossistemas aquticos. A obteno destas informaes requer esfor-os extras comparativamente quelas usualmente utilizadas no dia a dia das empresas, conforme pode ser observado na Figura 19.

Avaliao dos impactose riscos associados ao uso da gua

(condies locais)

Balano hdrico da unidade

Relatrios de meio ambiente

e sustentabilidade

GRI

Aumento da complexidadee demanda

de informaes

Aumento da escala

Figura 19. Relao entre escala de trabalho e demanda de informaes relacionadas ao uso da gua (Adaptado de WAF, 2014)

Alm destas questes, a estrutura, a robustez e a coerncia da gesto cor-porativa so imprescindveis para viabilizar respostas adequadas da orga-nizao aos riscos observados. A governana corporativa do uso da gua, incluindo a segurana hdrica, demanda infraestrutura, recursos humanos e financeiros, alm da predisposio e capacidade de engajamento com diversas partes interessadas.

Apartirdaavaliaodosriscos,necessrioidentificarquaissoasmedidasqueprecisamseradotadasparaasuaprevenooumitigao

36 Gerenciamento de Riscos Hdricos no Brasil e o Setor Empresarial: Desafios e Oportunidades36 Gerenciamento de Riscos Hdricos no Brasil e o Setor Empresarial: Desafios e Oportunidades

7. FerramentaSde gerenciamentodoS riScoS hdricoSpara o Setor empreSarial

CEBDS 37

P roblemas de escassez, degradao da qualida-de da gua, aumento dos custos, presso da sociedade e aumento das demandas regulat-rias contriburam para o desenvolvimento de diversas metodologias, protocolos, normas e ferramentas vol-tadas ao aprimoramento da gesto de riscos hdricos nas organizaes.

No entanto, a dependncia das condies locais e tem-porais, bem como os usos mltiplos dos recursos h-dricos, faz com que o gerenciamento do uso da gua no setor produtivo seja um processo complexo e de-pendente de fatores internos (boas prticas) e externos (mercados, comunidades, poder pblico).

Essa complexidade se reflete na dificuldade de defi-nio e/ou harmonizao dos conceitos e indicadores de uso, consumo, intensidade de uso, disponibilidade, escassez, vazo ambiental, dentre outros. Estes proble-mas perpassam tanto a gesto pblica quanto a privada e interferem decisivamente no desenvolvimento e apli-cao de ferramentas de gerenciamento dos riscos. Em vista disso, as ferramentas disponveis tm abordagens e caractersticas distintas.

preciso, portanto, identificar quais as metodologias so mais adequadas realidade, s demandas e ao nvel de maturidade de cada organizao.

Em linhas gerais, a escolha de ferramentas para o geren-ciamento dos riscos hdricos deve considerar:

Alinhamento com os objetivos e demandas da organizao;

Capacidade de orientar a tomada de decises;

Facilidade de uso e capacidade de integrar outras dimenses de sustentabilidade;

Custo-benefcio;

Reconhecimento e credibilidade.

importante destacar que a maioria das ferramentas fornece subsdios para avaliaes iniciais que precisaro ser aprofundadas para a elaborao de planos de ao de curto, mdio e longo prazos.

Para que seja possvel identificar os riscos preciso co-nhecimento das condies locais. As bases de dados disponveis nestas ferramentas, na maioria dos casos, no permitem esta avaliao, quer seja pela defasagem dos dados, quer seja pela ausncia de dados na escala requerida para esta anlise.

Segundo estudo conduzido pela entidade Beverage Industry Environmental Roundtable, as trs ferramen-tas mais amplamente referenciadas e utilizadas para apoiar as avaliaes de riscos hdricos e identificar as oportunidades para sua gesto, so: WBCSD Global

Water Tool (GWT); WRI Aqueduct Tool; e WWF/DEG Water Risk Filter (WRF).

Em linhas gerais, estas trs ferramentas;

Podem contribuir para avaliaes corporativas iniciais de carter mais geral;

Tm bases de dados muito limitadas em relao as bacias hidrogrficas cadastradas, em especial para as bacias brasileiras;

So desenvolvidas em Excel, o que limita suas funcionalidades;

Podem requerer treinamento para uso.

O resumo das principais funcionalidades das ferramen-tas GWT, WRI Aqueduct e WRF apresentado a seguir.

WBCSd gLOBaL WaTEr TOOL (gWT)

Foi desenvolvida pelo World Business Council for Sustainable Development em 2007 e a verso mais recente de 2012. Esta ferramenta permite obter in-dicadores GRI, CDP Water, Bloomberg, Dow Jones Sustainability Index, bem como indicadores de risco e de desempenho, que so apresentados na forma de tabela e grficos.

H tambm a possibilidade de correlacionar os locais onde feita a retirada/consumo com a disponibilidade hdrica de regio, que relacionada aos seguintes ndices:

Environmental Water Stress Index

Physical and Economic Water Scarcity

Ogerenciamentodousodaguano

setorprodutivoumprocessocomplexoedependentedefatoresinternos(boasprticas)eexternos(mercados,comunidades,poder

pblicoetc.)

38 Gerenciamento de Riscos Hdricos no Brasil e o Setor Empresarial: Desafios e Oportunidades

Annual Renewable Water Supply per Person (1995)

Annual Renewable Water Supply per Person (Pro-jections for 2025)

Mean Annual Relative Water Stress Index

Biodiversity Hotspot (2004)

uma ferramenta til para avaliaes mais amplas, tendo em vista que dispe de dados compilados de diversos pases. Ela compatvel e pode ser usada em paralelo com outra ferramenta, a GEMI Local Water Tool, que permite um maior detalhamento no nvel de avaliao, a partir de dados cadastrados de algumas bacias hidrogrficas. Entretanto, existem limitaes para determinao das condies locais e h poucas bacias cadastradas.

A partir de 2013 foram disponibilizadas quatro verses customizadas:

India Water Tool;

Global Water Tool for Power Utilities;

Global Water Tool for Oil & Gas; e

Global Water Tool for the Cement sector.

Alm destas, esto em fase de desenvolvimento ver-ses customizadas para a Europa e China.

WrI-aQuEduCT TOOL

A metodologia desenvolvida em 2010 pelo World Re-sources Institute (WRI) avalia os riscos associados quantidade e qualidade das guas bem como os riscos regulatrios e de reputao.

Esta metodologia contempla duas escalas:

a) Mapa Global: considera aspectos como estresse, estiagens/secas a partir de diferentes modelos de mudanas climticas;

b) Mapa especfico das bacias hidrogrficas mais re-presentativas em relao ao estresse hdrico.

Trs categorias de risco (fsicos, reputacionais e legais) do origem a 12 indicadores que fazem parte do mo-delo de avaliao dos riscos. Para obter o nvel de ris-co agrupado, o modelo permite ajustes nos pesos dos indicadores para diferentes segmentos (minerao, gerao de energia, leo e gs, alimentos e bebidas, dentre outros).

De maneira similar a GWT, alm da questo de escala, no h muitas bacias brasileiras cadastradas. Ademais, as fontes de dados referenciadas no aplicativo esto de-fasadas (dados de 2008).

WaTEr rISK FILTEr (WrF)

uma metodologia de avaliao de riscos associados ao uso da gua desenvolvido pela WWF e pelo Deutsche Investitions- und Entwicklungsgesellschaft mbH (DEG).

A abordagem apresenta uma estreita relao com as demais metodologias de avaliao da governana das corporaes em relao s questes hdricas.

O questionrio base para a avaliao contempla 30 questes e considera os seguintes riscos:

a) Fsicos;

b) Poluio (relacionado qualidade);

c) Na cadeia de suprimentos;

d) Regulatrios;

e) Reputacional.

As principais informaes demandadas para utilizao desta ferramenta so: volumes de retiradas por tipo de fonte, lanamentos, nvel de poluio causado pela in-dstria (eutrofizao, acidificao e ecotoxicidade), per-centagem de reso, atendimento legal, exposio na mdia, dentre outros.

Tambm so requeridos dados relativos aos volumes de gua captada e nvel de poluio dos principais fornecedores.

As questes feitas em relao qualidade de gua cap-tada (tipos de tratamento requeridos) no so compa-tveis com os processos usuais de tratamento de gua, dificultando seu preenchimento.

H muitas informaes j cadastradas para diferentes setores/tipologias relativas ao nvel de poluio e im-pactos nos ecossistemas. Entretanto, os critrios e ba-ses adotadas tanto para quantificao destes nveis, quanto para os desdobramentos em relao aos riscos no esto acessveis.

Os resultados so plotados em uma matriz de risco, as-sociando-se os riscos decorrentes da localizao aos ris-cos inerentes da empresa/site.

Este aplicativo contempla uma abordagem mais ampla em relao aos riscos e incorpora orientaes para pos-sveis aes de mitigao.

OuTraS FErramEnTaS

Dependendo dos objetivos de cada setor ou corpora-o, outras fontes podem contribuir com o gerencia-mento dos riscos e com a governana do uso da gua no mbito empresarial, conforme tabela a seguir:

CEBDS 39

FOnTES: InICIaTIVaS, FErramEnTaS, rELaTrIOS, nOrmaS, rEFErnCIaS

TIPO dE FOnTE

riscos mais til em:

Fsi

cos

reg

ulat

ri

os

rep

utac

iona

l

nv

el 1

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el 3

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po

si

o

com

a

go

vern

ana

Agncia Nacional de guas: Relatrio de Conjuntura dos Recursos Hdrico no Brasil, sistema de informaes.

Relatrio, Banco de dados

x x

Alliance For Water Stewardship e Water Stewardship Standard: Objetiva obter uma norma de uso responsvel da gua, contendo princpios, critrios e indicadores relacionados ao site e bacia hidrogrfica.