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Rituais e Performance das visitas in lócus nos processos de
avaliação do SINAES
Margareth Guerra dos Santos¹
¹ Departamento de Educação – Universidade Federal do Amapá (UNIFAP)
Macapá-Amapá
[email protected]; [email protected];
RESUMO: O estudo apresentado teve como objetivo traçar uma análise metodológica
de estudo de processos de Avaliação da qualidade da Educação Superior sob a ótica de
Representações, Rituais e Perfomance. A base teórica foi acessada nos estudos dos
autores Vitor Turner, Van Gennep e Goffman. O texto apresenta o SINAES,
localizando-o em um estudo antroposociológico, no elenco teórico-metodológico com
base nas categorias rituais, dramas e performances, em Van Gennep e Vitor Turner, e
Representações, em Goffman. A relação entre estudos de processos de avaliação da
qualidade da educação presentes no SINAES e a aproximação com categorias de cunho
analítico antroposociológico é um esforço analítico no campo da pesquisa no Brasil, o
que me fez aproximar dessa ferramenta metodológica.
Palavras-Chave: Rituais, performance, Representações, Processos de Avaliação in
loco, SINAES.
ABSTRACT: The present study aimed to map out methodological study quality
assessment processes of higher education from the perspective representations, Rituals
and Perfomance. The theoretical basis has been accessed in the studies of authors Victor
Turner, Van Gennep and Goffman . The text presents the SINAES, locating it in a
antroposociológico study, theoretical and methodological cast based on ritual
categories, dramas and performances in Van Gennep and Victor Turner , and
representations in Goffman . The relationship between studies of the procedures for
assessing the quality of education in the present SINAES and approach to
antroposociológico analytical nature of categories is an analytical effort in the field of
research in Brazil , which made me approach this methodological tool.
Keywords: Rituals , performance, representations , on-site evaluation procedures ,
SINAES
Introdução
No presente estudo propõe-se uma análise teórico-metodológica dos rituais,
performance e representações que envolvem o processo de avaliação ate a visita in loco
em uma instituição de ensino superior (IES), com o propósito de atender ao processo de
avaliação da qualidade da educação superior, o qual faz parte do Sistema Nacional de
Avaliação da Educação Superior (SINAES). A pretensão é relacionar os processos e a
rotina da visita a processos rituais, utilizando-se considerações analíticas de autores que
se dedicaram ao estudo. Nesse sentido, destacamos “Durkheim que observou que o
simbolismo presente nos rituais e que circunscrevia a vida das sociedades ‘primitivas’
também estava presente nas sociedades ‘modernas’” (RIBEIRO, 2011).
Com base nas análises de Durkheim (1996) acompanho a linha de reflexão de
que os estudos das sociedades primitivas podem ser trazidos para a contemporaneidade,
com os devidos cuidados epistemológicos e contextualização. Utilizarei, a título de
similaridade, outras experiências de pesquisa que cunharam conceitos reforçadores de
autores antropólogos, entre os quais Van Gennep (1873-1957), antropólogo francês
conhecido por seus estudos sobre os ritos de passagem de sociedades primitivas, e
Victor Witter Turner (1920-1983), antropólogo britânico e conhecido por seus trabalhos
com as temáticas: símbolos, rituais e ritos de passagem.
O estudo está centrado na apresentação do SINAES, em sua sistemática e rituais,
com foco em torno da performance do momento da visita in loco dos avaliadores ad hoc
do Instituto Nacional de Pesquisas Anísio Teixeira (INEP). Neste estudo, a visita in loco
a uma IES é o campo empírico, onde observarei os procedimentos aplicados por ocasião
da visita por parte dos avaliadores, mas também os comportamentos da comunidade
acadêmica das IES por ocasião da visita, e as performances assumidas pelos atores
envolvidos no processo da avaliação.
A estrutura textual concentra uma breve apresentação do SINAES, seguido do
caminho teórico-metodológico adotado para a análise, os rituais e performance
apresentados por ocasião da visita in loco, finalizando com algumas questões a título de
reflexões.
Situando as Políticas de avaliação da qualidade da Educação Superior
O ethos predominante no contexto da modernidade tem impulsionado diversas
instituições, segmentos e atores sociais em busca da inserção no cenário neoliberal1,
principalmente no campo da eficiência tecnológica, alterando a dinâmica da oferta da
educação superior que se torna cada vez mais influenciada e determinada pelos
processos de globalização e internacionalização. Para refletir sobre as implicações da
modernidade na vida social hodierna, penso no que diz Boaventura de Sousa Santos:
Pela sua complexidade interna, pela riqueza e diversidade das ideias novas
que comporta e pela maneira como procura a articulação entre elas, o projeto
da modernidade é um projeto ambicioso e revolucionário. As suas
possibilidades são infinitas, mas por o serem, contemplam tanto o excesso
das promessas como o déficit de seu cumprimento. [...] excesso reside no
próprio objetivo de vincular o pilar da regulação ao pilar da emancipação e
de os vincular a ambos à concretização de objetivos práticos de
racionalização global da vida coletiva e da vida individual (SOUSA
SANTOS, 2008, p. 78).
Nessa perspectiva de concepção da modernidade, Boaventura de Sousa Santos
pensa o pilar da regulação social como constituído pelos princípios do Estado, do
mercado e da sociedade. Nessa modernidade, concepções de tom emancipatório estão
presentes nos discursos das políticas que os Estados Nacionais adotam, e os Estados
adotam políticas neoliberais que trazem concepções emancipatórias, mas, observa
Boaventura de Sousa Santos (2008), dentro de padrões de regulação. Isso é visível no
texto do documento base do SINAES:
A avaliação precisa ter também legitimidade ética e política, assegurada
pelos seus propósitos proativos, respeito à pluralidade, participação
democrática e também pelas qualidades profissionais e cidadãs de seus
atores. É, portanto, a concepção democrática de educação e de avaliação que
1 “O neoliberalismo é em primeiro lugar uma teoria das práticas político-econômicas que propõe que o
bem-estar humano pode ser mais bem promovido liberando-se as liberdades e capacidades
empreendedoras individuais no âmbito de uma estrutura institucional caracterizada por sólidos direitos a
propriedade privada, livres mercados e livre comércio. O papel do Estado é criar e preservar uma
estrutura institucional apropriada a essas práticas.” (HARVEY, 2014, p. 12).
confere aos processos avaliativos um grande sentido de legitimidade ética e
política. (INEP, 2009, p. 100)
[...] Nas avaliações permanentes e internalizadas como cultura de
melhoramento e emancipação, no entanto, a comunidade educativa assume
de modo ativo as suas responsabilidades na construção da educação
comprometida com os interesses e valores da sociedade. (INEP, 2009, p. 101)
[...] O Estado supervisiona e regula a educação superior para efeitos de
planejamento e garantia da qualidade do sistema. Para isso, precisa
estabelecer clara e democraticamente a sua política e, para viabilizá-la, os
seus aparatos normativos de controle, fiscalização e supervisão, bem como os
meios para implementá-los [...] (INEP, 2009, p. 95).
Assim, não é possível desconsiderar que a padronização de parâmetros de
avaliação se fundamenta em modelos de referência que, em sua aplicabilidade prática,
se deparam com demandas e tensões específicas de realidades locais, em que a cultura –
por que não dizer a diversidade cultural? – também produz seus arranjos, entre situações
de resistência, assimilação ou mesmo rejeição a determinados padrões.
Nesse sentido, a reprodução de mecanismos de avaliação aplicados a
determinados padrões de qualidade lança-se em um cenário de possibilidades, não
configurando, necessariamente, os resultados almejados com a importação e a
replicação de tais mecanismos. É importante considerar isto, levando em conta também
que não cabe, em tempos de globalização, pensar sobre a cultura a partir de uma visão
essencialista ou vê-la como entidade estanque. Aliás, independente dos debates sobre
globalização que se articulam desde as últimas décadas, as Ciências Sociais,
notadamente a Antropologia, chamam a atenção para o dinamismo das culturas,
superando a visão funcionalista que outrora tendia a reduzir a observação dos sistemas
sociais a partir de seus processos de continuidade e manutenção de uma dada ordem ou
estrutura social (LEACH, 2013).
É sabido que a educação recebe a influência de tais fatores, sobretudo em
tempos em que os processos identitários não mais se encontram engessados em
representações sociais fixas, pelo fato de serem afetados por fluxos simbólicos que,
muitas vezes, resultam em arranjos sociais com possibilidades abertas ou em
hibridações culturais, como sugerem as discussões propostas por Stuart Hall para
pensarmos sobre a cultura e as identidades no contexto da era global (HALL, 2005).
O Contexto das políticas da avaliação da qualidade da Educação Superior e
o caso brasileiro
O caso brasileiro da implantação de políticas de avaliação da qualidade da
educação superior faz parte de um contexto de mudanças no cenário da educação
superior internacional, que tem sua origem nas consequências das políticas neoliberais
de expansão da educação superior e privatização, especialistas, entre os quais Amaral
(2003), destacam que, no caso brasileiro, o período pós-Constituição de 1988 foi
marcado por mudanças na educação superior como reflexo de um pensamento único
mundial que, entre outras questões, estabelece uma linha de ação pautada na ampliação
das instituições privadas, implantação de outras fontes de financiamento para os estudos
em IES privadas, estabelecendo um quase-mercado educacionali, em que a oferta
atenderia a demanda que se expandia no número de matrículas.
Guadilla (2002) chama a atenção para as consequências das transformações
drásticas que o mundo vivia na segunda metade do século XX, as quais
incidiam diretamente sobre as IES. O contexto social e econômico
pressionava as IES a transformações orientadas em busca de maiores níveis
de qualidade, pertinência e internacionalização. A Educação Superior,
portanto, passou a vivenciar reformas com indicadores econômicos como
seus pilares e organismos internacionais de financiamento determinando suas
políticas. (SANTOS, 2010, p. 33)
A década de 1990 foi o período considerado o auge do quase-mercado da
educação superior. Com a falência do ensino técnico e a tendência do processo
globalizador de profissionais qualificados em nível superior, o acesso à educação
superior foi incentivado pelo mercado de trabalho. O novo perfil do profissional
imposto pela economia globalizante impulsionou a expansão de novas instituições de
ensino superior privado, criando um mercado lucrativo e promissor.
O fenômeno denominado globalização se fortaleceu sob a égide do
desenvolvimento tecnológico, econômico e social, transplantando-se para países
considerados em desenvolvimento, através de empresas transnacionais. Diante desse
cenário, com clara necessidade de qualificação para o trabalho, as universidades se
tornaram necessárias ao processo de globalização neoliberal (SANTOS, 2010).
Alguns especialistas destacam que na América Latina teria ocorrido uma
segunda reforma no século XX, em que o foco seria a mercantilização da educação
superior.. O Brasil não escapou dessas transformações e passou a adotar uma política de
disciplina fiscal,, assim ocorreu o início de uma escala de privatizações de empresas
estatais, abrindo espaço para a iniciativa privada.
As políticas de governo no Brasil dedicaram-se a criar condições para o acesso
da rede privada à educação superior, criando um clima favorável através de discursos:
A defesa da maior diversificação das instituições de ensino superior teria por
base três análises principais, pela ótica do financiamento: 1. A universidade
de pesquisa (modelo humboldtiano) é de alto custo; 2. As instituições não
universitárias contribuiriam para atender à demanda crescente por educação
superior a um custo muito baixo; 3.a expansão do setor privado provocaria
uma melhor adequação do sistema de educação superior às exigências do
quase-mercado educacional, além de se efetivar a um custo muito mais baixo
para o Fundo Público. (AMARAL, 2003, p. 93).
Diante do quadro que se instalou em todos os continentes, ganhou palco a
discussão acerca da qualidade da oferta da educação superior. E no cenário das
discussões da qualidade da educação superior o governo brasileiro inseriu, em suas
políticas, medidas para a avaliação da qualidade da educação superior.
A avaliação pode favorecer a compreensão coletiva sobre as qualidades
positivas, pontos fortes, aspectos em que a instituição se autorreconhece
melhor que as outras. Permitir revisar falhas, os erros, e também, e o que é
mais importante – definir prioridades para a gestão democrática da
universidade. (LEITE, 2003, p.29).
O sistema nacional de avaliação da educação superior – SINAES
As discussões em torno da qualidade da oferta da educação superior tornaram-se
discussões pela busca de políticas oficiais em países do continente europeu e nos EUA,
o que, diante do processo de globalização, ultrapassou suas fronteiras, chegando ao caso
brasileiro. Políticas de avaliação da qualidade da educação superior passaram a ser
adotadas na expectativa de melhorar a qualidade do ensino ofertado nesse nível.
No caso brasileiro, apesar da criação do Programa da Reforma Universitária –
PARU (1983) e do Programa de Avaliação Institucional das Universidades Brasileiras –
PAIUB (1993), suas experiências não foram duradoras e não construíram uma cultura
da avaliação nas IES. Apesar do quadro de instabilidade nas políticas de avaliação da
qualidade da educação superior no Brasil, o Ministério da Educação não hesitou em
organizar uma Comissão que se dedicasse aos estudos da avaliação, o que provocou, em
quatorze de abril de 2004, no então governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, a
promulgação da Lei nº 10.861 da Presidência da República, que instituía o Sistema
Nacional de Avaliação da Educação Superior – SINAES.
§1º O SINAES tem por finalidade a melhoria da qualidade da educação
superior, a orientação da expansão da usa oferta, o aumento permanente de
sua eficácia institucional e efetividade acadêmica e social e, especialmente, a
promoção do aprofundamento dos compromissos e responsabilidades sociais
das instituições de educação superior, por meio da valorização de sua missão
pública, da diversidade, da afirmação da autonomia e da identidade
institucional. (BRASIL, 2004).
Com a proposta de melhorar a qualidade da educação superior e regulamentar as
IES, no âmbito da oferta da educação superior no Brasil, o SINAES foi instituído
atendendo a um rito como representação de um modelo de educação de qualidade aceita
internacionalmente. É claro, que há muitas questões a serem discutidas na tela da
qualidade aceita internacionalmente, mas neste artigo não entro nessa temática; aqui
apresento o processo ritual, dramático, e as performances assumidas nos processos de
avaliação do SINAES.
O SINAES apresenta as bases para as funções de regulaçãoii, supervisãoiii e
avaliaçãoiv2 exercidas pelos seguintes órgãos governamentais: Ministério da Educação
(MEC); Conselho Nacional de Educação (CNE); Instituto Nacional de Estudos e
Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP); e a Comissão Nacional de Avaliação
da Educação Superior (CONAES), instituídas pelo Decreto nº 5.773 de nove de maio de
2006.
O SINAES pretende subsidiar os atos regulatórios de autorização3,
reconhecimento4 e renovação de reconhecimento de5 cursos superiores. Para tanto,
obedece a uma normatização que impõe ritos a todos os atores envolvidos no processo,
e a avaliação do SINAES compreende os seguintes processos de avaliação institucional:
avaliação interna das IES - Autoavaliação6; avaliação externa da educação superior
(visita da comissão ad hoc do INEP); avaliação dos cursos de graduação (visita da
comissão ad hoc do INEP), e avaliação do desempenho acadêmico dos estudantes de
cursos de graduação (ENADE).Os procedimentos para a avaliação do SINAES constam
da Portaria nº 2.051, de nove de julho de 2004. Neste estudo, detenho-me nas
comissões externas de avaliação institucional e nas de avaliações de cursos, que são
casos que subsidiam as análises propostas neste estudo.
Representações nos circuitos da avaliação
A avaliação é uma ação que envolve sociedade, dirigentes educacionais,
instituição política e a classe acadêmica, e ocorre em determinado tempo e espaço. As
etapas que envolvem a avaliação são: análise de documentos produzidos pela
2 Processo formativo e referencial para a regulação e supervisão da educação superior, a fim de promover
a melhoria de sua qualidade através da auto avaliação e a visita in loco de avaliadores do INEP. 3 A oferta de cursos superiores em faculdades e instituições depende da autorização do Ministério da
Educação. 4 Ato de reconhecimento é condição essencial para a validação nacional do curso e expedição de diplomas 5 São processos constantes de verificação da regulação do cursos dentro dos indicadores de qualidade 6 A autoavaliação compreende o processo de submeter à apreciação da comunidade universitária o
diagnóstico da IES, dar voz aos interlocutores: docentes, discentes e pessoal técnico-administrativo.
instituição, estrutura da instituição e a composição do corpo docente. Para cada item a
ser avaliado é depositada uma nota que, no geral, indicará a qualidade do ensino
ofertado pela Instituição.
O processo de avaliação de uma Instituição ocorre por etapas preestabelecidas,
que iniciam com o contato entre a comissão avaliadora e a Instituição de Educação,
representada, geralmente, por um corpo técnico. A equipe avaliadora ou o avaliador é
conduzido/convidado a um determinado espaço, com certa estrutura operacional, para
que os avaliadores iniciem o seu trabalho.
Envolvida no processo de avaliação, percebo que a chegada à Instituição impõe,
independente da vontade de ambas as partes, certo suspense, considerando que tais
interações se impõem de forma coercitiva, induzindo os atores a representarem
comportamentos ditos de fachada.Os momentos das visitas me parecem verdadeiras
fachadas, com representações sociais criadas para atender aos indicadores da qualidade
definidos externamente à realidade institucional.
Goffman (1989, p. 13) explica melhor:
Todas as pessoas vivem num mundo de encontros sociais que as envolvem ou
em contato face a face, ou em contato mediado com outros participantes. Em
cada um desses contatos a pessoa tende a desempenhar o que às vezes é
chamado de linha – quer dizer, um padrão de atos verbais e não verbais com
o qual ela expressa sua opinião sobre a situação, e através disto sua avaliação
sobre os participantes, especialmente ela própria.
As questões citadas por Goffman demonstram que as fachadas7são produzidas
no momento da avaliação, visando a atender ao padrão estigmatizada da avaliação. No
processo de visita in locus pode-se perceber, de forma clara, as representações que se
sucedem ao encontro “são as olhadelas, gestos, posicionamentos e enunciados verbais
que as pessoas continuamente inserem na situação, intencionalmente ou não...”
(GOFFMAN, p.9).
Pode-se imaginar que a Instituição, na condição de avaliada, desenvolva, frente a
outros atores, uma fachada que, segundo Goffman (1989, p. 29), é um desempenho que
funciona regularmente, de forma geral e fixa, com o intuito de definir a situação para os
7(...)A fachada é uma imagem do eu delineada em termos de atributos sociais aprovados.” (p.13-14)
que observam a representação — docentes e alunos, por exemplo — ou, então, os
avaliadores. Fachada, portanto, seria um "equipamento expressivo". Algo um tanto
padronizado e intencional ou uma manifestação que pode ser inconscientemente
empregada pelo sujeito quando ele é chamado a fazer a sua representação.
A Fachada caracteriza-se por múltiplas composições. No caso deste estudo
destaco o cenário; a fachada pessoal e fachada como representação coletiva.
O cenário que inclui a mobília e palco, ou seja, neste estudo o contexto das
diferentes universidades e lugares. Normalmente, o cenário não muda. É o indivíduo
que se coloca em determinada parte do cenário. Coloca-se de certa maneira, com certa
aparência. Ocorre aí uma representação no modo de olhar do que avalia, de ver esse
“lugar” sob uma lente de inferioridade ou superioridade.
A fachada pessoal seria um distintivo da função ou da categoria, traduzindo-se
pelo vestuário, sexo, idade, raça, altura, aparência, atitudes, padrões de linguagem,
expressões faciais, gestos corporais. Nesse caso, todos os atores avaliados e avaliadores
apresentam uma fachada para avaliação da universidade.
Goffman assegura que cada sujeito age como ator, cada personagem desenvolve
sua fachada. Embora se reporte à sociedade anglo-americana, seus estudos podem ser
adequados para o nosso meio à medida que "dão abrigo ao funcionamento do eu
individual" que se representa para outros indivíduos: "O ator é um atormentado
fabricante de impressões envolvido na tarefa demasiado humana de encenar a
representação. O personagem é algo alojado no corpo do possuidor, um nódulo da
psicologia da personalidade" (1989, p. 231).
Desse ponto de vista, os sujeitos, como personagens, representam a cena geral,
produto dos acontecimentos locais; os sujeitos, na qualidade de atores, desenvolvem a
capacidade de aprender, especialmente quando treinados para desempenhar um papel.
No caso do objeto aqui proposto — a avaliação —, todos os envolvidos nesse processo
passam a desempenhar o papel de fabricantes de impressões, sujeitos avaliadores e
avaliados. As percepções desse mundo acadêmico são pertinentes para se entender as
formas de agir na e sobre as instituições envolvidas, no caso a que avalia e a que é
avaliada.
A VISITA IN LOCO DA COMISSÃO EXTERNA DE AVALIAÇÃO
INSTITUCIONAL E DE CURSOS: os ritos e a performance
As comissões externas de avaliação, sejam de instituição ou de cursos, são
compostas por avaliadores pertences ao Basis — um banco de avaliadores composto de
especialistas em avaliação da qualidade da educação superior, escolhidos pelo INEP a
partir de suas competências em matéria de avaliação. Essas comissões, através de
sorteio eletrônico pelo Sistema de fluxo de processo e-mec, são constituídas e
designadas para proceder a avaliações in loco. As avaliações in loco seguem diretrizes
estabelecidas no código de ética, nos indicadores e cursos de capacitação de avaliadores
do INEP.
Segundo Rodrigues apud DaMatta (2011, p. 257), “o mundo social é fundado
em convenções e símbolos e, por esta razão, todas as ações sociais são realmente atos
rituais ou atos passiveis de uma ritualização (...)”. E nessa perspectiva de análise que
pretendo apresentar os processos de avaliação externa. A avaliação cria um rito, tanto
para as comissões de avaliação quanto para a comunidade acadêmica da IES que irá
receber a comissão.
Obedecendo a um ciclo avaliativo, as IES realizam suas autoavaliações através
de suas Comissões Próprias de Avaliação (CPA), postando seus relatórios no sistema de
fluxo de processo e-mec. O ciclo avaliativo corresponde a um período cronológico de
três anos, contendo os processos de autoavaliação anuais, visita das comissões externas
de avaliação e avaliação do desempenho dos alunos. O caso de estudo proposto é a
visita in loco a uma instituição de ensino superior privadav8.
O ritual da avaliação, aqui cunhando a expressão ritual a partir dos estudos das
pesquisas e textos, apresentados na disciplina sistemas simbólicos com a Prof.ª Dra. Léa
Rodrigues, será entendido como todo o processo de organização e visita da comissão de
avaliação externa a uma IES. Considerei os diversos papéis representados pelos atores
sociais envolvidos no processo de avaliação, desde a chegada da comissão externa até o
termino da visita in loco.
O processo ritual começa desde a chegada da designação do INEP à comissão e
aos representantes da IES. Posso apresentar a lente da pesquisadora, pois vivo os dois
lados na condição de avaliadora e de professora de uma instituição de ensino superior, o
que me autoriza a falar em um processo ritual de preparação, acolhimento e despedida
da comissão externa de avaliação in loco. Sob a lupa da avaliadora, abrem-se os e-mails
e lá está a designação, o procedimento, e é aceitar ou não, o que vai depender em grande
medida da disponibilidade de agenda. Consultada a agenda, passa-se a aceitar a
designação no campo referente a tal procedimento para o avaliador no e-mec.
O segundo passo da comissão formada é a articulação entre os membros dessa
comissão, o quais passam a trocar comunicações. Destaco o fato de que em cem por
cento dos casos a comissão é composta por profissionais que nunca se viram, ou seja,
que têm a missão de executar uma visita, estabelecendo entre si relações diplomáticas
para que seja garantida a execução do processo de avaliação.
A avaliação in loco dura em torno de dois (avaliações de cursos) a três dias
(avaliações institucionais), a há toda uma preparação para o processo: a IES deve
apresentar documentos, organizar reuniões com a participação dos técnico-
administrativos, dos docentes, discentes e gestores da IES, recepcionar os avaliadores e
acompanhá-los em todo o processo, assumindo o que considero uma performance da
avaliação. Os avaliadores devem apresentar performance diplomática, ética e assumir
postura de neutralidade em relação a posições e opiniões.
8 O caso estudado está registrado em meu diário de campo de avaliações realizadas como avaliadora do
INEP e minhas percepções.
A performance assumida irá definir em grande medida a dinâmica da avaliação,
que segue todo o rito que está pré-estabelecido nos padrões de qualidade a serem
seguidos pelas IES pelo SINAES. Todo o processo da avaliação nos parece ser uma
grande performance assumida pelos atores envolvidos, que se envolvem nos ritos
estabelecidos para o período em que ocorre as avaliações.
Dessa forma, a título de reflexão, compreendo que os atores sociais envolvidos
no processo de avaliação, como personagens, representam a cena geral, produto dos
acontecimentos locais; os sujeitos, na qualidade de atores, desenvolvem a capacidade de
aprender, especialmente quando treinados para desempenhar um papel. No caso do
objeto aqui proposto — a avaliação —, todos os envolvidos nesse processo passam a
desempenhar o papel de fabricantes de impressões, sujeitos avaliadores e avaliados. As
percepções desse mundo acadêmico são pertinentes para se entender as formas de agir
na e sobre as instituições envolvidas, no caso a que avalia e a que é avaliada. As
performances de que trato neste estudo, produzem evidências de uma avaliação forjada
nas inspirações do atender aos critérios, não produzem sentido real ao que entendemos
ser avaliação. Neste rito, os atores envolvidos no processo almejam atender o cenário
tangível de ethos universitário, que está nas representações de um imaginário contrário a
realidade amazonida, um cenário de esquecimento pelos órgãos de fomento, pelas
agências de capacitação. Na fala dos atores, há um conformismo presente do que seja
imputado a eles – A universidade do século XXI. Todavia, é perceptível em seus relatos
as frustrações com os resultados, pois na sua percepção de ator envolvido com o ciência
da exuberante floresta que penetra no fazer pedagógico. A fachada construída por força
dos indicadores externos, imputam as IES o distanciamento com sua realidade de
problemas deficitários de uma política de cruel distribuição de recursos, para atender ao
imperialismo dos modelos da universidade forjados nos moldes europeus, a
universidade adota representações inexpressivas da realidade regional. Estas são as
primeiras impressões deste estudo , que estrutura-se em uma pesquisa maior dos tramas
presentes nas visitas em lócus, as fronteiras da realidade das instituições do extremo-
norte do Brasil , em especial as da Amazônia amapaense .
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i Expressão utilizada por Amaral (2003) para ilustrar o caso brasileiro adotado para a sobrevivência das instituições de ensino públicas que tem a compressão dos recursos financeiros adotando regras e lógicas de mercado financeiro. ii Realizada por atos autorizativos de IES e de cursos de graduação (credenciamento, recredenciamento,
autorização, reconhecimento e renovação de reconhecimento) pelo Ministro da Educação. iii Constante acompanhamento por parte do MEC com o objetivo de zelar pela qualidade da oferta de
educação superior no sistema federal.