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Rituais e Performance das visitas in lócus nos processos de avaliação do SINAES Margareth Guerra dos Santos¹ ¹ Departamento de Educação Universidade Federal do Amapá (UNIFAP) Macapá-Amapá [email protected]; [email protected]; RESUMO: O estudo apresentado teve como objetivo traçar uma análise metodológica de estudo de processos de Avaliação da qualidade da Educação Superior sob a ótica de Representações, Rituais e Perfomance. A base teórica foi acessada nos estudos dos autores Vitor Turner, Van Gennep e Goffman. O texto apresenta o SINAES, localizando-o em um estudo antroposociológico, no elenco teórico-metodológico com base nas categorias rituais, dramas e performances, em Van Gennep e Vitor Turner, e Representações, em Goffman. A relação entre estudos de processos de avaliação da qualidade da educação presentes no SINAES e a aproximação com categorias de cunho analítico antroposociológico é um esforço analítico no campo da pesquisa no Brasil, o que me fez aproximar dessa ferramenta metodológica. Palavras-Chave: Rituais, performance, Representações, Processos de Avaliação in loco, SINAES. ABSTRACT: The present study aimed to map out methodological study quality assessment processes of higher education from the perspective representations, Rituals and Perfomance. The theoretical basis has been accessed in the studies of authors Victor Turner, Van Gennep and Goffman . The text presents the SINAES, locating it in a antroposociológico study, theoretical and methodological cast based on ritual categories, dramas and performances in Van Gennep and Victor Turner , and representations in Goffman . The relationship between studies of the procedures for assessing the quality of education in the present SINAES and approach to antroposociológico analytical nature of categories is an analytical effort in the field of research in Brazil , which made me approach this methodological tool. Keywords: Rituals , performance, representations , on-site evaluation procedures , SINAES

Rituais e Performance das visitas in lócus nos processos ... · sociais a partir de seus processos de continuidade e manutenção de uma dada ordem ou estrutura social (LEACH, 2013)

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Rituais e Performance das visitas in lócus nos processos de

avaliação do SINAES

Margareth Guerra dos Santos¹

¹ Departamento de Educação – Universidade Federal do Amapá (UNIFAP)

Macapá-Amapá

[email protected]; [email protected];

RESUMO: O estudo apresentado teve como objetivo traçar uma análise metodológica

de estudo de processos de Avaliação da qualidade da Educação Superior sob a ótica de

Representações, Rituais e Perfomance. A base teórica foi acessada nos estudos dos

autores Vitor Turner, Van Gennep e Goffman. O texto apresenta o SINAES,

localizando-o em um estudo antroposociológico, no elenco teórico-metodológico com

base nas categorias rituais, dramas e performances, em Van Gennep e Vitor Turner, e

Representações, em Goffman. A relação entre estudos de processos de avaliação da

qualidade da educação presentes no SINAES e a aproximação com categorias de cunho

analítico antroposociológico é um esforço analítico no campo da pesquisa no Brasil, o

que me fez aproximar dessa ferramenta metodológica.

Palavras-Chave: Rituais, performance, Representações, Processos de Avaliação in

loco, SINAES.

ABSTRACT: The present study aimed to map out methodological study quality

assessment processes of higher education from the perspective representations, Rituals

and Perfomance. The theoretical basis has been accessed in the studies of authors Victor

Turner, Van Gennep and Goffman . The text presents the SINAES, locating it in a

antroposociológico study, theoretical and methodological cast based on ritual

categories, dramas and performances in Van Gennep and Victor Turner , and

representations in Goffman . The relationship between studies of the procedures for

assessing the quality of education in the present SINAES and approach to

antroposociológico analytical nature of categories is an analytical effort in the field of

research in Brazil , which made me approach this methodological tool.

Keywords: Rituals , performance, representations , on-site evaluation procedures ,

SINAES

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Introdução

No presente estudo propõe-se uma análise teórico-metodológica dos rituais,

performance e representações que envolvem o processo de avaliação ate a visita in loco

em uma instituição de ensino superior (IES), com o propósito de atender ao processo de

avaliação da qualidade da educação superior, o qual faz parte do Sistema Nacional de

Avaliação da Educação Superior (SINAES). A pretensão é relacionar os processos e a

rotina da visita a processos rituais, utilizando-se considerações analíticas de autores que

se dedicaram ao estudo. Nesse sentido, destacamos “Durkheim que observou que o

simbolismo presente nos rituais e que circunscrevia a vida das sociedades ‘primitivas’

também estava presente nas sociedades ‘modernas’” (RIBEIRO, 2011).

Com base nas análises de Durkheim (1996) acompanho a linha de reflexão de

que os estudos das sociedades primitivas podem ser trazidos para a contemporaneidade,

com os devidos cuidados epistemológicos e contextualização. Utilizarei, a título de

similaridade, outras experiências de pesquisa que cunharam conceitos reforçadores de

autores antropólogos, entre os quais Van Gennep (1873-1957), antropólogo francês

conhecido por seus estudos sobre os ritos de passagem de sociedades primitivas, e

Victor Witter Turner (1920-1983), antropólogo britânico e conhecido por seus trabalhos

com as temáticas: símbolos, rituais e ritos de passagem.

O estudo está centrado na apresentação do SINAES, em sua sistemática e rituais,

com foco em torno da performance do momento da visita in loco dos avaliadores ad hoc

do Instituto Nacional de Pesquisas Anísio Teixeira (INEP). Neste estudo, a visita in loco

a uma IES é o campo empírico, onde observarei os procedimentos aplicados por ocasião

da visita por parte dos avaliadores, mas também os comportamentos da comunidade

acadêmica das IES por ocasião da visita, e as performances assumidas pelos atores

envolvidos no processo da avaliação.

A estrutura textual concentra uma breve apresentação do SINAES, seguido do

caminho teórico-metodológico adotado para a análise, os rituais e performance

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apresentados por ocasião da visita in loco, finalizando com algumas questões a título de

reflexões.

Situando as Políticas de avaliação da qualidade da Educação Superior

O ethos predominante no contexto da modernidade tem impulsionado diversas

instituições, segmentos e atores sociais em busca da inserção no cenário neoliberal1,

principalmente no campo da eficiência tecnológica, alterando a dinâmica da oferta da

educação superior que se torna cada vez mais influenciada e determinada pelos

processos de globalização e internacionalização. Para refletir sobre as implicações da

modernidade na vida social hodierna, penso no que diz Boaventura de Sousa Santos:

Pela sua complexidade interna, pela riqueza e diversidade das ideias novas

que comporta e pela maneira como procura a articulação entre elas, o projeto

da modernidade é um projeto ambicioso e revolucionário. As suas

possibilidades são infinitas, mas por o serem, contemplam tanto o excesso

das promessas como o déficit de seu cumprimento. [...] excesso reside no

próprio objetivo de vincular o pilar da regulação ao pilar da emancipação e

de os vincular a ambos à concretização de objetivos práticos de

racionalização global da vida coletiva e da vida individual (SOUSA

SANTOS, 2008, p. 78).

Nessa perspectiva de concepção da modernidade, Boaventura de Sousa Santos

pensa o pilar da regulação social como constituído pelos princípios do Estado, do

mercado e da sociedade. Nessa modernidade, concepções de tom emancipatório estão

presentes nos discursos das políticas que os Estados Nacionais adotam, e os Estados

adotam políticas neoliberais que trazem concepções emancipatórias, mas, observa

Boaventura de Sousa Santos (2008), dentro de padrões de regulação. Isso é visível no

texto do documento base do SINAES:

A avaliação precisa ter também legitimidade ética e política, assegurada

pelos seus propósitos proativos, respeito à pluralidade, participação

democrática e também pelas qualidades profissionais e cidadãs de seus

atores. É, portanto, a concepção democrática de educação e de avaliação que

1 “O neoliberalismo é em primeiro lugar uma teoria das práticas político-econômicas que propõe que o

bem-estar humano pode ser mais bem promovido liberando-se as liberdades e capacidades

empreendedoras individuais no âmbito de uma estrutura institucional caracterizada por sólidos direitos a

propriedade privada, livres mercados e livre comércio. O papel do Estado é criar e preservar uma

estrutura institucional apropriada a essas práticas.” (HARVEY, 2014, p. 12).

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confere aos processos avaliativos um grande sentido de legitimidade ética e

política. (INEP, 2009, p. 100)

[...] Nas avaliações permanentes e internalizadas como cultura de

melhoramento e emancipação, no entanto, a comunidade educativa assume

de modo ativo as suas responsabilidades na construção da educação

comprometida com os interesses e valores da sociedade. (INEP, 2009, p. 101)

[...] O Estado supervisiona e regula a educação superior para efeitos de

planejamento e garantia da qualidade do sistema. Para isso, precisa

estabelecer clara e democraticamente a sua política e, para viabilizá-la, os

seus aparatos normativos de controle, fiscalização e supervisão, bem como os

meios para implementá-los [...] (INEP, 2009, p. 95).

Assim, não é possível desconsiderar que a padronização de parâmetros de

avaliação se fundamenta em modelos de referência que, em sua aplicabilidade prática,

se deparam com demandas e tensões específicas de realidades locais, em que a cultura –

por que não dizer a diversidade cultural? – também produz seus arranjos, entre situações

de resistência, assimilação ou mesmo rejeição a determinados padrões.

Nesse sentido, a reprodução de mecanismos de avaliação aplicados a

determinados padrões de qualidade lança-se em um cenário de possibilidades, não

configurando, necessariamente, os resultados almejados com a importação e a

replicação de tais mecanismos. É importante considerar isto, levando em conta também

que não cabe, em tempos de globalização, pensar sobre a cultura a partir de uma visão

essencialista ou vê-la como entidade estanque. Aliás, independente dos debates sobre

globalização que se articulam desde as últimas décadas, as Ciências Sociais,

notadamente a Antropologia, chamam a atenção para o dinamismo das culturas,

superando a visão funcionalista que outrora tendia a reduzir a observação dos sistemas

sociais a partir de seus processos de continuidade e manutenção de uma dada ordem ou

estrutura social (LEACH, 2013).

É sabido que a educação recebe a influência de tais fatores, sobretudo em

tempos em que os processos identitários não mais se encontram engessados em

representações sociais fixas, pelo fato de serem afetados por fluxos simbólicos que,

muitas vezes, resultam em arranjos sociais com possibilidades abertas ou em

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hibridações culturais, como sugerem as discussões propostas por Stuart Hall para

pensarmos sobre a cultura e as identidades no contexto da era global (HALL, 2005).

O Contexto das políticas da avaliação da qualidade da Educação Superior e

o caso brasileiro

O caso brasileiro da implantação de políticas de avaliação da qualidade da

educação superior faz parte de um contexto de mudanças no cenário da educação

superior internacional, que tem sua origem nas consequências das políticas neoliberais

de expansão da educação superior e privatização, especialistas, entre os quais Amaral

(2003), destacam que, no caso brasileiro, o período pós-Constituição de 1988 foi

marcado por mudanças na educação superior como reflexo de um pensamento único

mundial que, entre outras questões, estabelece uma linha de ação pautada na ampliação

das instituições privadas, implantação de outras fontes de financiamento para os estudos

em IES privadas, estabelecendo um quase-mercado educacionali, em que a oferta

atenderia a demanda que se expandia no número de matrículas.

Guadilla (2002) chama a atenção para as consequências das transformações

drásticas que o mundo vivia na segunda metade do século XX, as quais

incidiam diretamente sobre as IES. O contexto social e econômico

pressionava as IES a transformações orientadas em busca de maiores níveis

de qualidade, pertinência e internacionalização. A Educação Superior,

portanto, passou a vivenciar reformas com indicadores econômicos como

seus pilares e organismos internacionais de financiamento determinando suas

políticas. (SANTOS, 2010, p. 33)

A década de 1990 foi o período considerado o auge do quase-mercado da

educação superior. Com a falência do ensino técnico e a tendência do processo

globalizador de profissionais qualificados em nível superior, o acesso à educação

superior foi incentivado pelo mercado de trabalho. O novo perfil do profissional

imposto pela economia globalizante impulsionou a expansão de novas instituições de

ensino superior privado, criando um mercado lucrativo e promissor.

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O fenômeno denominado globalização se fortaleceu sob a égide do

desenvolvimento tecnológico, econômico e social, transplantando-se para países

considerados em desenvolvimento, através de empresas transnacionais. Diante desse

cenário, com clara necessidade de qualificação para o trabalho, as universidades se

tornaram necessárias ao processo de globalização neoliberal (SANTOS, 2010).

Alguns especialistas destacam que na América Latina teria ocorrido uma

segunda reforma no século XX, em que o foco seria a mercantilização da educação

superior.. O Brasil não escapou dessas transformações e passou a adotar uma política de

disciplina fiscal,, assim ocorreu o início de uma escala de privatizações de empresas

estatais, abrindo espaço para a iniciativa privada.

As políticas de governo no Brasil dedicaram-se a criar condições para o acesso

da rede privada à educação superior, criando um clima favorável através de discursos:

A defesa da maior diversificação das instituições de ensino superior teria por

base três análises principais, pela ótica do financiamento: 1. A universidade

de pesquisa (modelo humboldtiano) é de alto custo; 2. As instituições não

universitárias contribuiriam para atender à demanda crescente por educação

superior a um custo muito baixo; 3.a expansão do setor privado provocaria

uma melhor adequação do sistema de educação superior às exigências do

quase-mercado educacional, além de se efetivar a um custo muito mais baixo

para o Fundo Público. (AMARAL, 2003, p. 93).

Diante do quadro que se instalou em todos os continentes, ganhou palco a

discussão acerca da qualidade da oferta da educação superior. E no cenário das

discussões da qualidade da educação superior o governo brasileiro inseriu, em suas

políticas, medidas para a avaliação da qualidade da educação superior.

A avaliação pode favorecer a compreensão coletiva sobre as qualidades

positivas, pontos fortes, aspectos em que a instituição se autorreconhece

melhor que as outras. Permitir revisar falhas, os erros, e também, e o que é

mais importante – definir prioridades para a gestão democrática da

universidade. (LEITE, 2003, p.29).

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O sistema nacional de avaliação da educação superior – SINAES

As discussões em torno da qualidade da oferta da educação superior tornaram-se

discussões pela busca de políticas oficiais em países do continente europeu e nos EUA,

o que, diante do processo de globalização, ultrapassou suas fronteiras, chegando ao caso

brasileiro. Políticas de avaliação da qualidade da educação superior passaram a ser

adotadas na expectativa de melhorar a qualidade do ensino ofertado nesse nível.

No caso brasileiro, apesar da criação do Programa da Reforma Universitária –

PARU (1983) e do Programa de Avaliação Institucional das Universidades Brasileiras –

PAIUB (1993), suas experiências não foram duradoras e não construíram uma cultura

da avaliação nas IES. Apesar do quadro de instabilidade nas políticas de avaliação da

qualidade da educação superior no Brasil, o Ministério da Educação não hesitou em

organizar uma Comissão que se dedicasse aos estudos da avaliação, o que provocou, em

quatorze de abril de 2004, no então governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, a

promulgação da Lei nº 10.861 da Presidência da República, que instituía o Sistema

Nacional de Avaliação da Educação Superior – SINAES.

§1º O SINAES tem por finalidade a melhoria da qualidade da educação

superior, a orientação da expansão da usa oferta, o aumento permanente de

sua eficácia institucional e efetividade acadêmica e social e, especialmente, a

promoção do aprofundamento dos compromissos e responsabilidades sociais

das instituições de educação superior, por meio da valorização de sua missão

pública, da diversidade, da afirmação da autonomia e da identidade

institucional. (BRASIL, 2004).

Com a proposta de melhorar a qualidade da educação superior e regulamentar as

IES, no âmbito da oferta da educação superior no Brasil, o SINAES foi instituído

atendendo a um rito como representação de um modelo de educação de qualidade aceita

internacionalmente. É claro, que há muitas questões a serem discutidas na tela da

qualidade aceita internacionalmente, mas neste artigo não entro nessa temática; aqui

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apresento o processo ritual, dramático, e as performances assumidas nos processos de

avaliação do SINAES.

O SINAES apresenta as bases para as funções de regulaçãoii, supervisãoiii e

avaliaçãoiv2 exercidas pelos seguintes órgãos governamentais: Ministério da Educação

(MEC); Conselho Nacional de Educação (CNE); Instituto Nacional de Estudos e

Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP); e a Comissão Nacional de Avaliação

da Educação Superior (CONAES), instituídas pelo Decreto nº 5.773 de nove de maio de

2006.

O SINAES pretende subsidiar os atos regulatórios de autorização3,

reconhecimento4 e renovação de reconhecimento de5 cursos superiores. Para tanto,

obedece a uma normatização que impõe ritos a todos os atores envolvidos no processo,

e a avaliação do SINAES compreende os seguintes processos de avaliação institucional:

avaliação interna das IES - Autoavaliação6; avaliação externa da educação superior

(visita da comissão ad hoc do INEP); avaliação dos cursos de graduação (visita da

comissão ad hoc do INEP), e avaliação do desempenho acadêmico dos estudantes de

cursos de graduação (ENADE).Os procedimentos para a avaliação do SINAES constam

da Portaria nº 2.051, de nove de julho de 2004. Neste estudo, detenho-me nas

comissões externas de avaliação institucional e nas de avaliações de cursos, que são

casos que subsidiam as análises propostas neste estudo.

Representações nos circuitos da avaliação

A avaliação é uma ação que envolve sociedade, dirigentes educacionais,

instituição política e a classe acadêmica, e ocorre em determinado tempo e espaço. As

etapas que envolvem a avaliação são: análise de documentos produzidos pela

2 Processo formativo e referencial para a regulação e supervisão da educação superior, a fim de promover

a melhoria de sua qualidade através da auto avaliação e a visita in loco de avaliadores do INEP. 3 A oferta de cursos superiores em faculdades e instituições depende da autorização do Ministério da

Educação. 4 Ato de reconhecimento é condição essencial para a validação nacional do curso e expedição de diplomas 5 São processos constantes de verificação da regulação do cursos dentro dos indicadores de qualidade 6 A autoavaliação compreende o processo de submeter à apreciação da comunidade universitária o

diagnóstico da IES, dar voz aos interlocutores: docentes, discentes e pessoal técnico-administrativo.

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instituição, estrutura da instituição e a composição do corpo docente. Para cada item a

ser avaliado é depositada uma nota que, no geral, indicará a qualidade do ensino

ofertado pela Instituição.

O processo de avaliação de uma Instituição ocorre por etapas preestabelecidas,

que iniciam com o contato entre a comissão avaliadora e a Instituição de Educação,

representada, geralmente, por um corpo técnico. A equipe avaliadora ou o avaliador é

conduzido/convidado a um determinado espaço, com certa estrutura operacional, para

que os avaliadores iniciem o seu trabalho.

Envolvida no processo de avaliação, percebo que a chegada à Instituição impõe,

independente da vontade de ambas as partes, certo suspense, considerando que tais

interações se impõem de forma coercitiva, induzindo os atores a representarem

comportamentos ditos de fachada.Os momentos das visitas me parecem verdadeiras

fachadas, com representações sociais criadas para atender aos indicadores da qualidade

definidos externamente à realidade institucional.

Goffman (1989, p. 13) explica melhor:

Todas as pessoas vivem num mundo de encontros sociais que as envolvem ou

em contato face a face, ou em contato mediado com outros participantes. Em

cada um desses contatos a pessoa tende a desempenhar o que às vezes é

chamado de linha – quer dizer, um padrão de atos verbais e não verbais com

o qual ela expressa sua opinião sobre a situação, e através disto sua avaliação

sobre os participantes, especialmente ela própria.

As questões citadas por Goffman demonstram que as fachadas7são produzidas

no momento da avaliação, visando a atender ao padrão estigmatizada da avaliação. No

processo de visita in locus pode-se perceber, de forma clara, as representações que se

sucedem ao encontro “são as olhadelas, gestos, posicionamentos e enunciados verbais

que as pessoas continuamente inserem na situação, intencionalmente ou não...”

(GOFFMAN, p.9).

Pode-se imaginar que a Instituição, na condição de avaliada, desenvolva, frente a

outros atores, uma fachada que, segundo Goffman (1989, p. 29), é um desempenho que

funciona regularmente, de forma geral e fixa, com o intuito de definir a situação para os

7(...)A fachada é uma imagem do eu delineada em termos de atributos sociais aprovados.” (p.13-14)

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que observam a representação — docentes e alunos, por exemplo — ou, então, os

avaliadores. Fachada, portanto, seria um "equipamento expressivo". Algo um tanto

padronizado e intencional ou uma manifestação que pode ser inconscientemente

empregada pelo sujeito quando ele é chamado a fazer a sua representação.

A Fachada caracteriza-se por múltiplas composições. No caso deste estudo

destaco o cenário; a fachada pessoal e fachada como representação coletiva.

O cenário que inclui a mobília e palco, ou seja, neste estudo o contexto das

diferentes universidades e lugares. Normalmente, o cenário não muda. É o indivíduo

que se coloca em determinada parte do cenário. Coloca-se de certa maneira, com certa

aparência. Ocorre aí uma representação no modo de olhar do que avalia, de ver esse

“lugar” sob uma lente de inferioridade ou superioridade.

A fachada pessoal seria um distintivo da função ou da categoria, traduzindo-se

pelo vestuário, sexo, idade, raça, altura, aparência, atitudes, padrões de linguagem,

expressões faciais, gestos corporais. Nesse caso, todos os atores avaliados e avaliadores

apresentam uma fachada para avaliação da universidade.

Goffman assegura que cada sujeito age como ator, cada personagem desenvolve

sua fachada. Embora se reporte à sociedade anglo-americana, seus estudos podem ser

adequados para o nosso meio à medida que "dão abrigo ao funcionamento do eu

individual" que se representa para outros indivíduos: "O ator é um atormentado

fabricante de impressões envolvido na tarefa demasiado humana de encenar a

representação. O personagem é algo alojado no corpo do possuidor, um nódulo da

psicologia da personalidade" (1989, p. 231).

Desse ponto de vista, os sujeitos, como personagens, representam a cena geral,

produto dos acontecimentos locais; os sujeitos, na qualidade de atores, desenvolvem a

capacidade de aprender, especialmente quando treinados para desempenhar um papel.

No caso do objeto aqui proposto — a avaliação —, todos os envolvidos nesse processo

passam a desempenhar o papel de fabricantes de impressões, sujeitos avaliadores e

avaliados. As percepções desse mundo acadêmico são pertinentes para se entender as

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formas de agir na e sobre as instituições envolvidas, no caso a que avalia e a que é

avaliada.

A VISITA IN LOCO DA COMISSÃO EXTERNA DE AVALIAÇÃO

INSTITUCIONAL E DE CURSOS: os ritos e a performance

As comissões externas de avaliação, sejam de instituição ou de cursos, são

compostas por avaliadores pertences ao Basis — um banco de avaliadores composto de

especialistas em avaliação da qualidade da educação superior, escolhidos pelo INEP a

partir de suas competências em matéria de avaliação. Essas comissões, através de

sorteio eletrônico pelo Sistema de fluxo de processo e-mec, são constituídas e

designadas para proceder a avaliações in loco. As avaliações in loco seguem diretrizes

estabelecidas no código de ética, nos indicadores e cursos de capacitação de avaliadores

do INEP.

Segundo Rodrigues apud DaMatta (2011, p. 257), “o mundo social é fundado

em convenções e símbolos e, por esta razão, todas as ações sociais são realmente atos

rituais ou atos passiveis de uma ritualização (...)”. E nessa perspectiva de análise que

pretendo apresentar os processos de avaliação externa. A avaliação cria um rito, tanto

para as comissões de avaliação quanto para a comunidade acadêmica da IES que irá

receber a comissão.

Obedecendo a um ciclo avaliativo, as IES realizam suas autoavaliações através

de suas Comissões Próprias de Avaliação (CPA), postando seus relatórios no sistema de

fluxo de processo e-mec. O ciclo avaliativo corresponde a um período cronológico de

três anos, contendo os processos de autoavaliação anuais, visita das comissões externas

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de avaliação e avaliação do desempenho dos alunos. O caso de estudo proposto é a

visita in loco a uma instituição de ensino superior privadav8.

O ritual da avaliação, aqui cunhando a expressão ritual a partir dos estudos das

pesquisas e textos, apresentados na disciplina sistemas simbólicos com a Prof.ª Dra. Léa

Rodrigues, será entendido como todo o processo de organização e visita da comissão de

avaliação externa a uma IES. Considerei os diversos papéis representados pelos atores

sociais envolvidos no processo de avaliação, desde a chegada da comissão externa até o

termino da visita in loco.

O processo ritual começa desde a chegada da designação do INEP à comissão e

aos representantes da IES. Posso apresentar a lente da pesquisadora, pois vivo os dois

lados na condição de avaliadora e de professora de uma instituição de ensino superior, o

que me autoriza a falar em um processo ritual de preparação, acolhimento e despedida

da comissão externa de avaliação in loco. Sob a lupa da avaliadora, abrem-se os e-mails

e lá está a designação, o procedimento, e é aceitar ou não, o que vai depender em grande

medida da disponibilidade de agenda. Consultada a agenda, passa-se a aceitar a

designação no campo referente a tal procedimento para o avaliador no e-mec.

O segundo passo da comissão formada é a articulação entre os membros dessa

comissão, o quais passam a trocar comunicações. Destaco o fato de que em cem por

cento dos casos a comissão é composta por profissionais que nunca se viram, ou seja,

que têm a missão de executar uma visita, estabelecendo entre si relações diplomáticas

para que seja garantida a execução do processo de avaliação.

A avaliação in loco dura em torno de dois (avaliações de cursos) a três dias

(avaliações institucionais), a há toda uma preparação para o processo: a IES deve

apresentar documentos, organizar reuniões com a participação dos técnico-

administrativos, dos docentes, discentes e gestores da IES, recepcionar os avaliadores e

acompanhá-los em todo o processo, assumindo o que considero uma performance da

avaliação. Os avaliadores devem apresentar performance diplomática, ética e assumir

postura de neutralidade em relação a posições e opiniões.

8 O caso estudado está registrado em meu diário de campo de avaliações realizadas como avaliadora do

INEP e minhas percepções.

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A performance assumida irá definir em grande medida a dinâmica da avaliação,

que segue todo o rito que está pré-estabelecido nos padrões de qualidade a serem

seguidos pelas IES pelo SINAES. Todo o processo da avaliação nos parece ser uma

grande performance assumida pelos atores envolvidos, que se envolvem nos ritos

estabelecidos para o período em que ocorre as avaliações.

Dessa forma, a título de reflexão, compreendo que os atores sociais envolvidos

no processo de avaliação, como personagens, representam a cena geral, produto dos

acontecimentos locais; os sujeitos, na qualidade de atores, desenvolvem a capacidade de

aprender, especialmente quando treinados para desempenhar um papel. No caso do

objeto aqui proposto — a avaliação —, todos os envolvidos nesse processo passam a

desempenhar o papel de fabricantes de impressões, sujeitos avaliadores e avaliados. As

percepções desse mundo acadêmico são pertinentes para se entender as formas de agir

na e sobre as instituições envolvidas, no caso a que avalia e a que é avaliada. As

performances de que trato neste estudo, produzem evidências de uma avaliação forjada

nas inspirações do atender aos critérios, não produzem sentido real ao que entendemos

ser avaliação. Neste rito, os atores envolvidos no processo almejam atender o cenário

tangível de ethos universitário, que está nas representações de um imaginário contrário a

realidade amazonida, um cenário de esquecimento pelos órgãos de fomento, pelas

agências de capacitação. Na fala dos atores, há um conformismo presente do que seja

imputado a eles – A universidade do século XXI. Todavia, é perceptível em seus relatos

as frustrações com os resultados, pois na sua percepção de ator envolvido com o ciência

da exuberante floresta que penetra no fazer pedagógico. A fachada construída por força

dos indicadores externos, imputam as IES o distanciamento com sua realidade de

problemas deficitários de uma política de cruel distribuição de recursos, para atender ao

imperialismo dos modelos da universidade forjados nos moldes europeus, a

universidade adota representações inexpressivas da realidade regional. Estas são as

primeiras impressões deste estudo , que estrutura-se em uma pesquisa maior dos tramas

presentes nas visitas em lócus, as fronteiras da realidade das instituições do extremo-

norte do Brasil , em especial as da Amazônia amapaense .

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BIBLIOGRAFIA

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Page 15: Rituais e Performance das visitas in lócus nos processos ... · sociais a partir de seus processos de continuidade e manutenção de uma dada ordem ou estrutura social (LEACH, 2013)

i Expressão utilizada por Amaral (2003) para ilustrar o caso brasileiro adotado para a sobrevivência das instituições de ensino públicas que tem a compressão dos recursos financeiros adotando regras e lógicas de mercado financeiro. ii Realizada por atos autorizativos de IES e de cursos de graduação (credenciamento, recredenciamento,

autorização, reconhecimento e renovação de reconhecimento) pelo Ministro da Educação. iii Constante acompanhamento por parte do MEC com o objetivo de zelar pela qualidade da oferta de

educação superior no sistema federal.