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Relicário

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Relicário

Alysson Rosa

Derek Soares Castro

Fábio Henrique Pupo

Felipe Valle

Gabriel Rübinger

Innocencio do Nascimento e Silva Neto

Ivan Eugênio da Cunha

Matheus de Souza

Maurilo Rezende

Nestório da Santa Cruz

Renan Tempest

Sérgio Carvalho

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O Soneto

Nas formas voluptuosas o Soneto

Tem fascinante, cálida fragrância

E as leves, langues curvas de elegância

De extravagante e mórbido esqueleto.

A graça nobre e grave do quarteto

Recebe a original intolerância,

Toda a sutil, secreta extravagância

Que transborda terceto por terceto.

E como um singular polichinelo

Ondula, ondeia, curioso e belo,

O Soneto, nas formas caprichosas.

As rimas dão-lhe a púrpura vetusta

E na mais rara procissão augusta

Surge o Sonho das almas dolorosas...

Cruz e Sousa

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Sumário

Alysson Rosa ........................................................................ 15

Momentos Mortos ............................................................................... 16

Perdão! ................................................................................................. 17

Cemitério Lôbrego .............................................................................. 18

Recordações ......................................................................................... 19

Reencontro Impactante ..................................................................... 20

Derek Soares Castro .................................................. 22

As Nossas Mãos .................................................................................. 23

Buganvília de Lástimas .................................................................... 24

Réquiens Lacrimosos ......................................................................... 25

Suplício de Tântalo ............................................................................ 26

Musa Imortal ...................................................................................... 27

Fábio Henrique Pupo ............................................... 29

Hipnose Lírica .................................................................................... 30

Confissões do Tempo ......................................................................... 31

Agonias do Ego ................................................................................... 32

Deste a Epicuro o fado igual fez Dante .......................................... 33

Invulnerável n’alma mesoclítica ..................................................... 34

Felipe Valle ............................................................................ 36

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Flor de Ciclâmen ................................................................................ 37

A Tocha Que Incendeia a Raiva ...................................................... 38

Eu Amo a Tua Sinuosa Brancura ................................................... 39

A Canção d'Outono............................................................................. 40

Inútil Dizer .......................................................................................... 41

Gabriel Rübinger ........................................................... 43

Inquietação .......................................................................................... 44

Fogueira ............................................................................................... 45

O Acender da Pira .............................................................................. 46

O Sono do Anjo.................................................................................... 47

Lavo minhas mãos ............................................................................. 48

Innocencio do Nascimento e Silva

Neto ................................................................................................. 50

Anjinho do bar .................................................................................... 51

Lembranças de natal ......................................................................... 52

Saudades .............................................................................................. 53

Só uma mãe ......................................................................................... 54

De um Amor sem condição ............................................................... 55

Ivan Eugênio da Cunha ......................................... 57

Horas Vazias ....................................................................................... 58

Perecendo ............................................................................................. 59

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Fala-me destes lírios que tu vês ...................................................... 60

Navio Fantasma ................................................................................. 61

Rosa Negra .......................................................................................... 62

Matheus de Souza .......................................................... 64

Onde está Maíra? ............................................................................... 65

Soneto Inglês Shakespeariano. ....................................................... 66

Soneto Italiano Petrarquiano. ......................................................... 67

Caveira. ................................................................................................ 68

O Lado Incógnito da Cidade. ............................................................ 69

Maurilo Rezende ............................................................. 71

Médio Médium .................................................................................... 72

Eiva ....................................................................................................... 73

Ao Inferno ............................................................................................ 74

Condição ............................................................................................... 75

Mefitismo ............................................................................................. 76

Nestório da Santa Cruz .......................................... 78

Teu Livro ............................................................................................. 79

Acabou de Morrer ............................................................................... 80

Meu Lar................................................................................................ 81

Anjo Recolhido .................................................................................... 82

Camponesa .......................................................................................... 83

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Renan Tempest ................................................................. 85

Musa Gótica ........................................................................................ 86

Numa necrópole... .............................................................................. 87

Amor... .................................................................................................. 88

Adeus! ................................................................................................... 89

Morro deste amor... ............................................................................ 90

Sérgio Carvalho ............................................................... 92

Jazigo do Amor ................................................................................... 93

Flores Fúnebres .................................................................................. 94

Fúnebre Amada .................................................................................. 95

Paraíso ................................................................................................. 96

Despedida ............................................................................................ 97

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Alysson Rosa

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Momentos Mortos

Recordo suspirando, aos calafrios,

Momentos que ficaram para trás;

Recordo a doce dama que se jaz

No Campo-Santo dos meus desvarios…

Sussurro versos lúgubres e frios,

Vindos do frio que na minh'alma faz.

Estou sozinho e sei que nunca mais

Verei alguém, nos meus jardins sombrios.

Sonho malditos sonhos que me fazem

Lembrar de bons momentos que se jazem

No cemitério do meu pensamento.

Fico na escuridão, sozinho e triste,

Chorando numa angústia que persiste

A eternizar meu último momento…

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Perdão!

Se fiz da tua foto um amuleto;

Se é teu olhar, a lua que eu admiro;

Se é tua alma, o ar do qual respiro;

Se dei teu nome para um vil soneto;

Se já teu nome é todo o meu dialeto;

Se o vento me oferece o teu suspiro;

Se é com as tuas unhas que eu me firo;

Se apenas com teu riso o meu completo;

Se em cada sonho meu estás inclusa;

Se do meu verso pobre te fiz musa;

Se és cada flor que beija o colibri;

Se é teu gemido que ouço no trovão;

Se a chuva é teu chorar: Perdão! Perdão!

Se tudo o que imagino é sobre ti…

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Cemitério Lôbrego

Andejo a ponderar, pranteando agruras

Em madrugadas gélidas, sozinho,

Errando por um tétrico caminho

Que torna as minhas noites mais escuras.

Contemplo, num perene desalinho,

Uma aura matizada de tristuras,

Que envolve as plangitivas sepulturas

E faz o meu respiro ser daninho…

As aflições a cada instante aumentam,

Conforme as almas tristes me atormentam,

Por corredores frios e medonhos.

Vagueio, numa angústia colossal,

Num cemitério lôbrego, no qual

Se quedam, inumados, os meus sonhos…

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Recordações

Não sei se te recordas, ó meu Bem,

Daquelas noutes lindas, de verão,

Em que nós dous, em meio à viração,

Contávamos estrelas… E, também,

Não sei se vais lembrar das tardes em

Que nós, deitados lado a lado ao chão,

Flagrávamos, na douda mutação

Das nuvens, formas que somente quem

Está deveras muito apaixonado

Consegue perceber… Ah, que passado!

Não sentes essa imensa nostalgia,

Ao recordares, nessa tumba fria,

O tempo em que na nossa vida havia

Nuvens formosas e céu estrelado?…

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Reencontro Impactante

Depois de duros anos com a ausência

Daquela que estremece o peito meu,

Voltei, enfim, ao bairro em que ocorreu

O mais bonito sonho, em minha ciência.

Quando cheguei na sua residência,

O lúgubre senhor que me atendeu

Gentil e tristemente disse que eu

Podia entrar, a voz em decadência…

Entrei sorrindo — estava mui contente;

Eu poderia vê-la, finalmente!

Era, p'ra mim, o dia mais perfeito!

Mas ela estava pálida e tão fria,

Num leito de madeira, em que dormia

Com suas mãos unidas sobre o peito…

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Derek Soares Castro

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As Nossas Mãos

Por esses traços, nessas tortas linhas,

Que estão em minha palma tão marcadas,

Reflito sobre ter as mãos sozinhas,

As minhas mãos assim, desnorteadas...

Onde estarão as tuas mãos amadas?

Dois passarinhos, duas andorinhas,

As nossas mãos perdidas, separadas,

Tão desunidas tuas mãos das minhas.

E tenho as mãos dum roto vagabundo,

Tal como quem buscou e não achou,

Por procurar o sonho mais fecundo.

Por onde estarão? Quem as encontrou?

As nossas mãos perdidas nesse mundo,

Mãos, que o cruel destino separou!

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Buganvília de Lástimas

"O que serei, então, depois de velho."

(António Nobre)

Em trágicas ruínas, tristemente

Tenho por resumida a juventude;

Turvou-me a aurora prematuramente

A escuridão mortal da senectude.

Envelheci no alvor da solitude

Lançado no infortúnio, penitente;

É-me pesada, tão intensa e rude,

A mão do meu fadário de sofrente.

A flor da idade é bela, forte e ardente!

Quanta ventura pela vida existe!

Que eu tudo vi tornar-se decadente...

Quanta velhice em mim se conglomera!

Senhor! Não há de haver algo mais triste,

Do que um outono em plena primavera!

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Réquiens Lacrimosos

Escuta Amor, os prantos, os lamentos,

Vindos dos mais arcaicos campanários,

Desses chorosos sinos solitários

Que se pranteiam pelos firmamentos.

Escuta os êneos ecos sonolentos,

Esses profundos sons do além — diários;

Esses sacrais queixumes mortuários,

Nesses ocasos frios, fumarentos...

Escuta Amor, a breve melodia,

A prece divinal do fim do dia,

O réquiem melódico e perfeito.

Escuta ainda Amor, o badalar,

Deste meu coração a prantear,

Na catedral augusta do meu peito!

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Suplício de Tântalo

"Tudo, porém, era neblina e poeira,"

(Gastão de Deus)

E eu que sonhei durante a travessia,

Da vida inteira a fúlgida visão,

Com os Elísios campos, na utopia,

Plenos de alacridade e floração;

Tanto busquei por esse claro dia,

A glória desses sonhos, na ilusão...

Em minha mente, idealizado eu via,

O meu porvir em gozo e exultação.

Sonhei... Busquei... Mas, tudo no caminho

Era bifurcação e me era espinho,

Um íngreme destino de expiação!

E eu que nutri minh'alma em sonhos tantos,

Vejo hoje, que eram esses vis encantos,

Um Tártaro de imensa decepção!

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Musa Imortal

Branca, soturna, gélida e imponente,

De corpo cadavérico — Rainha —

O corpo sepulcral de quem definha,

A lua cheia, lúgubre e languente.

Imaculada Santa tão sozinha,

Dama despida, nua, alvinitente,

Mirífica e lucífera nubente,

A lua morta qu'eu julguei ser minha.

Da escuridão amante tenebrosa,

Noturna Senhorita livorosa,

Virgem de tantas faces, tão secretas!

Oh Lua dos errantes desgraçados,

Lua dos solitários malfadados,

A Musa ideal de todos os Poetas!

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Fábio Henrique Pupo

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Hipnose Lírica

Concatenando, engendras teus sofismas,

Na apoteose idílica do léxico,

Mesmerizando o indouto em teu complexo

E pseudolinguajar cheio de prismas.

Decuplicados, termos nos quais cismas,

Na insipidez diáfana, sem nexo;

Vidrado, encaras máximas, perplexo,

A arder febris vocabuloaneurismas.

Insone, pois, julgando a mente invicta,

Da microencefalia tens o facto

No olvido, até –– o Saber sepulto à cripta,

Quando o apogeu neural houver no impacto

Tolhido em ócio a mística da escripta ––

Caíres, qual o inepto, mentecapto.

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Confissões do Tempo

O Tempo não afasta da memória

Recordações do Amor primeiro, pois

Distância o próprio Tempo é, afora,

Saudade que a Distância lhe impôs.

O Tempo, então: Saudade por si só,

Reafirmada ao longo do seu tempo,

Que na Extensão, saudoso, o Amor do pó

Retorna um dia, a tempo dum intento:

Amar ardentemente o já amado,

Re-descobrindo o Amor, Ser imutável,

À Intensidade excelsa à do passado,

Que é sentimentalmente mais instável...

Desnudo, o Amor se faz mais atraente

À nostalgia têmpora latente...

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Agonias do Ego

Morre irrequieto, preso ao leito, à míngua,

À luz mortiça, ao som do peito tísico,

Padece junto ao corpo metafísico

Dos Ideais pegado ao pé e à língua.

E, enquanto cospe a alma, queima a íngua

Do incerto que é partir do mundo físico

E embora sofra neste estado mísero

Rejeita até o fim a Luz contígua.

Até que o corpo à própria enfermidade

Dê cabo e deixe ir o esp’rito, imune

À dor e as chagas, ir à Eternidade.

(Se porventura houver no cosmos vasto

Esse lugar longínquo o qual reúne

Nem causa mortis, nem querer nefasto.)

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Deste a Epicuro o fado igual fez Dante

Deste a Epicuro o fado igual fez Dante

Que fê-lo, por herege, herege em Cristo;

O Estige ouviu-te os votos e ultrajante

Denúncia incauta a alguém puro e benquisto.

Segues, funesto, o trilho à displicência

E, proclamando à Atenas novo culto

Em prol da falsa ética, na eloquência

De orador-mor, filósofo do insulto,

Agrega a massa leiga às vãs doutrinas

O logro –– teu ludíbrio ––, reles plágio

Desse atomismo o qual tu recriminas.

Destarte, a pão e circo, o vil sufrágio

Faz, do cambista mísero, Alighieri

Que a própria alma a ferro e fogo fere.

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Invulnerável n’alma mesoclítica

Invulnerável n’alma mesoclítica,

Juraste, dir-me-ia quais invólucros

Do liliáceo bulbo da autocrítica

Impõem-te regra e cárcere nos rótulos.

Enquanto, em ti, por si, desejos módicos

Cujo controle, breque à consciência,

A causticar a mente efeitos sódicos,

Proíbe-te, sujeito à penitência,

De esclarecer-me a mim, alma mais pobre,

Com que esp’riência e esp’rito nobre atuas

No discursar velado, o qual encobre,

Ao miseravelmente expor às ruas,

Desta feita, esse infausto misantropo

Que em ti habita (em mim) o espaço oco.

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Felipe Valle

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Flor de Ciclâmen

Na minha derradeira hora, suprema,

Os campos de meus lôbregos olhares,

Fanarão as noctívagas das flores.

E o céu d'alacridade, seu emblema,

Tornar-se-á mais roxo pelas dores,

Que carrego, além d'outros mais sofreres...

Sorvendo-me a míngua do mortório,

E contemplando o trágico destino;

Flores dentre as mais belas em silêncio,

Adornarão o olhar meu cristalino.

Anêmica a mão flébil, da Tristeza,

Tocará delicada, finalmente,

Os meus olhos tão cheios da pureza

Perdidos na penumbra opalescente...

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A Tocha Que Incendeia a Raiva

Pluvial a Dor que vejo na cidade.

O archote acende a chama tenebrosa,

Ao ver toda ira e tanta atrocidade

Entorno da metrópole vultuosa.

Um gato tenta achar tranquilidade,

E agita-se a pelugem asquerosa;

Minh'alma numa atroz perversidade,

Ao telhado erra a noute sulfurosa.

Lamentações, e a tíbia acha de lenha,

Queimando vaga a pêndula rouquenha,

Dentre um jogo de ácidos pesares.

Então minhas mãos frágeis e entrevadas,

Revelam do baralho, vãs jogadas;

Que em tudo queimaram priscos horrores.

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Eu Amo a Tua Sinuosa Brancura

Cada vez mais eu amo tua brancura;

Lábios que me respondem com carícias,

Olhos desvendadores de delícias!

E madeixas em sua rica negrura...

És a mulher, a única procura,

E entre tantos lugares, e renúncias,

Achei-me em ti no enigma, e me entendias;

Como a um irmão, senti tua ternura.

Em mim, achaste tu um novo homem,

Igualmente ganhamos nosso amém!

E assim íamos, fartos, de paixão.

E, por um certo tempo, assim será,

Porém passado 'sto, tal fim virá;

Sei qu'eu sentirei o gosto da traição!

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A Canção d'Outono

Tu não sabes da queda d'uma folha

como o coração sente u'a tristeza.

Sulcou n'alma que só assim desfolha

doce n'Outono, minha maior pureza.

E como o tênue toque me farfalha,

vacilo ao passar, passa a vagareza...

N'Outono, vai-me o gosto da trebolha,

e volteia em meu olhar tua rareza.

Tu não sabes que vens n'uma colheita

fortes dores sofríveis, que m'espreita,

a alma sente doída u'a gavela;

E a morte me parece ser tão bela

n'Outono, dores, flores, m'assemelha...

Tu não sabes da queda d'uma folha?

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Inútil Dizer

Horas, passadas horas infrutuosas,

Que levaram, p'ra bem longe, a tristura.

E como assim, quem sente a quentura

Tornar ao rosto as lágrimas penosas.

Foram as incontáveis tristes horas,

Se incrustando na fria e baça nervura.

Teu retrato, revendo, a ida alvura,

No meu peito arfou dores lutuosas.

E a nostalgia sentida em cada canto,

Teu andar se vê, mas vejo-o nevoento,

Entre as arestas, entre os lios de luz;

Sala, quartos, e noutros aposentos,

Pudera eu guardar nossos bons momentos,

Quando tu ias ao esquife num cambaluz.

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Gabriel Rübinger

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Inquietação

Onde deixei meu coração baldio?

Na tarde de um outono envelhecido,

de folhas a carpir os desenganos

de quem viveu e não amou a vida?

Queixei-me, ao alaúde, das venturas

que agora o vento trouxe. Consolou-me

o vulto violeta de uma breve

verbena que soltou-se de seu galho...

Vesti as ilusões e os velhos sonhos

da imensidão dos campos do cerrado

e cavalguei em nuvens e estrelas.

Banhei meus pés nas lágrimas de um rio

que eu mesmo derramei. Se eu amava,

eu já não sei. Lavei minha alma escrava.

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Fogueira

Quero queimar meus versos na fogueira,

jogar-me junto, arder-me nessa chama,

pois meu destino é o mesmo da madeira

que enquanto morre o seu choro declama.

Como ela quando canta a derradeira

cantiga aquebrantada, e o fogo brama,

estala e treme o dorso e a cabeleira

do galho que se esfuma em lindo drama.

Quero queimar-me para ter na boca

a voz dos ventos, dos rios uivantes,

da noite lamentosa, fria e oca,

Para acalantar no berço ardendo,

como plangem os ramos soluçantes

pela fogueira, lúgubres, morrendo...

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O Acender da Pira

Desfraldam-se as nuvens altaneiras

no glacial brancor da antiga Roma,

e um vate colhe a ode, e do ar toma

as brumas soniais das oliveiras...

O escravo faz coroas derradeiras,

e as põe no altar de fora, onde o aroma

que invade tristemente o bosque assoma

os mármores, as folhas, as roseiras.

O Sol atrás morrendo. A tarde expira,

no esmaecer de sombras, de falenas

dançando flébeis, no calor da pira.

A terra cobre o corpo, e as serenas

estrelas lacrimejam. Resta a lira,

tangendo até o chorar das açucenas...

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O Sono do Anjo

Manhã. Flores tremidas, gotejando

o orvalho frágil... O corpo seu jazia

na cama. E delicada, ela dormia

co'a luz do Sol no rosto atravessando...

As madeixas castanhas perfumando

o quarto... Estranha e doce calmaria.

A pele de marfim, branca, luzia,

ao meu olhar tristonho iluminando.

Os cílios fimbriando, as mãos pequenas,

e, ao suspirar, ingênuas açucenas

na campa morna e pura vão surgindo...

Beijo-lhe a testa, suave e sincero.

E vou-me devagar, por que não quero

que desperte o meu anjo ali dormindo!

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Lavo minhas mãos

Jurei por Deus deixar paixões de lado,

limpar da alma o negro sofrimento.

Antes pudesse! O teu olhar sedento

matou as juras de um desesperado.

Cintila dentro em mim esse momento,

elísio vento que varre o passado...

A cor do teu olhar esverdeado,

morrendo nele aquele juramento.

Tenho, desde esse dia, um mar de pranto,

mas nesse mar verti meu amor todo...

Não sobrou nada mais dentro do peito.

Meti meus pés nas sandálias de um santo,

andei por sobre a brasa e sobre o lodo,

e disfarcei num riso o teu despeito.

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Anjinho do bar

"E como um par

O vento e a madrugada

Iluminavam à fada

Do meu botequim"

(Oswaldo Montenegro)

Depois d'um estressante e duro dia

Busquei, num bar, a paz devida aos trapos.

Cansado da tarefa "engole sapos",

Busquei, num bar, um pouco d'alegria.

Largado no balcão, ali dormia...

Foi quando a mão mais doce, pelos papos,

Rasgou-me do meu sonho e, em guardanapos,

Virou uns versos ébrios de magia.

O toque mais gostoso em minha face!

E a mão daquela moça, há quem falasse,

Guardava um segredinho lá das gazas!

Talvez não fosse um anjo, mas eu juro

Que quando deu a costa ao vinho escuro

Eu vi em sua costa duas asas...

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Lembranças de natal

Eu lembro qu'eu corria atrás das mangas...

Papai, naqueles anos, já careca

Dizia: "toma, filho, tal peteca

São três petecas... Não são três pitangas!"

Mamãe, com vozes meigas de boneca,

Contava-me relatos de capangas;

Enquanto consolava as minhas zangas,

Lavava a minha única cueca.

Descalço e nu, brincava no quintal

Aquele menininho que, no samba,

Nasceu em mim à vista d'um curral.

Brincava e, à cada queda, um tal “caramba"...

E, nessas mil visões de corda bamba,

Habita o meu tão único natal!

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Saudades

Escritas nas estrelas, nossas vidas

Andam à convergência de destinos.

Os astros cantam notas de violinos...

Enquanto nos perdemos em partidas.

Estrelas guiam nossas despedidas,

Enquanto ouvimos cantos celestinos.

Talvez só sejam sopros repentinos

Que ditam nossas calmas repartidas...

Por isso, sinto o tempo prematuro!

Eu vivo no passado o meu presente...

Esqueço todo o tempo atroz e puro.

Eu sinto coisas vagas, de repente...

E, na presença mádida d'ausente,

Eu sinto já saudades do futuro!

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Só uma mãe

Profundamente bela sob os medos,

Andava uma donzela sobre os mortos.

Naqueles grandes ossos vis e tortos,

Acomodava os pés em bons segredos.

Com risos cadavéricos e ledos,

Os mortos só causavam desconfortos!

Porém, com gestos gélidos e absortos,

A dama não limpou seus lindos dedos.

A linda e flébil dama só queria

De novo ver o rosto d'alegria:

Do filho que morreu à paz d'um cedro!

Depois da dor, cadáveres nas palmas...

Até qu'ela encontrou - em meio às almas -

O filho. E assim bradou: "Pedro!... Meu Pedro!"

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De um Amor sem condição

"Eu sei que eu vou te amar

Por toda a minha vida..."

(Tom Jobim / Vinicius de Moraes)

Se amar-te fosse um erro incompreensível,

Meu ser, sem entender, só te amaria

Bem mais, a cada erro e a cada dia

Vivendo d'um Amor imperecível...

Se ter o teu Amor fosse impossível,

Meu peito, no silêncio, pulsaria

O bem d'amar teu ser em fantasia...

Versando o teu sorriso inconfundível!

Se tudo o que tu tens no olhar brilhante

Devesse ser escrito num retrato,

O céu seria o quadro para tanto.

Assim, cada estrelinha cintilante

Seria, dos teus risos, um relato

Porém com menos luz, menor encanto...

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Ivan Eugênio da Cunha

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Horas Vazias

Desde quando meu canto entristeceu,

Tanto tempo... já tanto se passou;

E, nas horas vazias que se passam,

Lembranças me transportam donde'stou;

P'ra quando eram alegres e sem breu;

Os meus dias... mas tudo já passou;

E, nas horas vazias que se passam,

Eu retorno e lamento o que mudou.

O tempo, inexorável, sempre avança,

Mas minha mente, turva em nostalgia,

Não mensura, no tempo, a travessia.

Ah! quiçá não me perca nas mudanças;

Se eu passar a contar o tempo em danos,

Pois posso os danos já contar em anos.

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Perecendo

Foi, outrora, euclidiana minha mente,

Com retas, que eram retas, de clareza;

E planos, que eram plenos na certeza;

De que o Sol nasceria novamente.

Mas o amor, que m'invade persistente,

Entortou estas retas co'aspereza;

E curvou os meus planos co'a tristeza...

Fez nova geometria: a dum demente!

Ora canto este túrbido universo;

Com dores, com pesar em cada verso...

Com melodia feita de negrura,

Pois só escuridão foi o que vi;

Quando, em minha geodésica, eu caí;

No vil buraco negro d'Amargura.

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Fala-me destes lírios que tu vês

Fala-me destes lírios que tu vês,

Suas cores, olor, toque de seda.

Fala-me p’ra que tua voz me ceda;

Os lírios que tu vês com nitidez.

Fala-me deste céu com vividez,

Seu azul, esplendor, luz alva e leda.

Fala-me p’ra que tua voz me ceda;

O céu, com sua vasta placidez.

Fala-me desta pulcra natureza;

Que dizes nos cercar com tal vasteza;

De portentos de toda bela sorte.

Fala-me como eu vejo o que tu contas,

Pois, p’ra todo lugar que tu apontas,

Tudo é vil, tudo é cinza, tudo é morte!

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Navio Fantasma

Balançam o alto mastro quebrantado;

Os duros ventos vários da procela,

Mas, pronta, a chusma eleva cada vela;

— Não teme mais os mares neste estado.

E vaga o grã navio contristado;

(Alheio da existência que o flagela);

Cortando os vagalhões sob a tutela;

Da Morte, que o conduz por este fado.

Sem rumo já navega este navio;

No vário d'horizonte mui sombrio,

Na turva tez dos mares mais medonhos.

Oh!, vê, leitor, meu fado lastimável,

Pois sou este navio abominável;

E os nautas são fantasmas de meus sonhos!

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Rosa Negra

De espinhos longos, pétalas escuras,

Cresce..., ah!, cresce, bela e florescente,

A rosa que não cresce noutra gente;

Que não cresçam saudades e tristuras.

E expõe suas mil faces, tão impuras,

E exala seu perfume entorpecente,

E cresce..., como cresce!, cresce rente;

À árvore apodrecida das venturas.

Suga, p'ra sua seiva enegrecida,

Esta rosa, a minh'alma, minha vida...

Rosa negra, oh! vil rosa conspurcada,

Por que fui te plantar?! Que grande enfado!

Ah!, como pude ser tão enganado?!...

Acreditado, o amor, ser flor dourada?!

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Matheus de Souza

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Onde está Maíra?

Raia a aurora de meus dias caídos

E não vejo Maíra novamente,

Exceto na candura desta mente

Que os tem mais que de si por compridos.

Em que parte do mundo abastecido

De dúvidas e monstros recorrentes,

Em que parte, cativa por quais Entes

Maíra passa o tempo, reduzido?

Oh!, Maíra, tão longe de meus braços!

Rompe já nosso eterno, nosso laço,

Imudável, que nada romperia!

E meu coração são candeias de monges...

Maíra não estava, estava longe.

É que Maíra foi na padaria.

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Soneto Inglês Shakespeariano.

Os deuses em cor de prata banqueteiam

No ocaso de um fio áspero de vento,

Num fausto que eles próprios falseteiam

Por ser da sua essência, do seu intento.

Já não temem mais o oblívio e o fim das eras,

Já se esqueceram a cor da eversão:

Suas sombras são suas próprias quimeras,

Seu passado a sua própria diversão.

E quando ao final do movimento eterno

O último dos deuses se destruir,

Descambando para uma forma de inferno

Que ainda não deixou de existir,

Novos deuses cor de prata se desatam,

Num passado que de ermo não dilatam.

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Soneto Italiano Petrarquiano.

Enlevado sou posto acidentado,

Que a Fortuna faz que se ordene

Minha desdita feita ser perene

E da lembrança ser revisitado.

Mas se crê da procela tribulado

Ser atado meu siso, que condene

Meu ser a estados onde mais se encene

Seu poder de tenção concatenado,

Pois se destas lembranças consistir

A que pena agravar de meu penhor,

Que saiba cousa outra definir,

Que não julgo por mal ser eu senhor

Da lembrança que me faz persistir

Na memória empenhar de meu Amor.

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Caveira.

Capacete em plangor de vidas encerradas,

Extensão alvacenta, a fulgir em relâmpagos,

Quando um negror apossa extático âmagos

Imanes que abrigam as longas balaustradas;

Capacete coberto inteiro de fumaça,

Ornado de argila enxovalhada em fel,

Logo após distinguir o plácido tropel

A carregar na crina a existência e a desgraça;

Capacete, oficina iluminada, fúlgida,

Lar das ideias, lar dos sonhos consumados,

Do sonho refugado em dias de machados;

Capacete, que me orna com toga túrgida,

Neste Calvário qual pétala em roseira,

Me fita e me desata: Caveira, Caveira!

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O Lado Incógnito da Cidade.

Eis o lado incógnito da cidade,

Onde as luzes parecem véus de luz

Que aos olhos do viandante seduz,

Quando ele encara esta imensidade:

Um maquinário maior que a montanha,

Inteiro ornado em vastas cicatrizes

Erigidas em chamas de vernizes

Que o próprio maquinário emaranha.

Depois, diante do mar de produtos,

Diante do escarcéu de funcionários,

Depois dos sopros rudes, revolutos,

O viandante afronta seu tamanho:

Ser simplesmente peça dos calvários

Feitos não só de ossos – mas de antanho.

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Maurilo Rezende

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Médio Médium

Ouço barulhos no meu quarto escuro,

Cortando a noite a lâmina da dor.

Corta também meu peito frio, duro,

Derrama no chão todo o meu Amor...

Familiar presença do anjo puro

Que sempre me protege em meu temor

Some deste recinto, em que depuro

Minha fé, que perdeu qualquer valor...

Percebo que se trata de algo mau,

Dirige a voz contando o meu final,

Revelando que a morte está consigo...

Tremo, aterrorizado e sem saber

Por que Deus tanto me permite ver

Esses vultos, que vêm dormir comigo...

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Eiva

Gota de tristeza em taça de amargura,

Satanás sorri enquanto eu me deploro,

O mundo não vai cumprir a sua jura

E, por isso, cada vez mais eu o ignoro...

Não há compaixão... Minh'alma nem procura

Mais pelo perdão, a Deus eu não imploro,

É minha paisagem uma sala escura,

Infinitas lágrimas por dia eu choro...

Foi crucificado um homem só por mim,

A divina culpa jamais terá fim,

Enforquei-me várias vezes... Traidor...

Acelera o tempo rumo à minha morte,

Nesta vida nunca tive azar ou sorte,

Assim como nunca conheci o Amor...

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Ao Inferno

São centenas de cravos no meu peito,

Toda angústia do mundo está em mim,

Todo encanto que havia foi desfeito,

Esta tristeza enorme não tem fim...

Aperta-me este esquife em que me deito,

Há muito a vida dói-me sempre assim,

Pago o preço de tudo que foi feito

E sobra-me somente a mágoa... Enfim...

Ah, quem me dera algum momento bom,

Ouvir na voz de um anjo o lindo som

De um conselho trazendo-me esperança...

Quem me dera saber se o deus que existe,

É o mesmo deus que me abandona triste

Já que seu céu minh'alma não alcança...

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Condição

Amarga a morte em minha boca agora,

Desgraças acontecem sem parar,

Toda a minha existência a dor devora,

A cada dia falta-me mais o ar...

Minh'alma, quando ao céu azul implora

Os amores melhores de se amar,

Recebe indiferença e muito chora

— Nuvens cinzas compondo vasto mar...

Tristeza... Mais tristeza sem ter fim...

Despeja o tempo muito medo em mim...

Viver matando amores fez-me louco.

Desta vez fecho a porta e engulo a chave,

Minha mazela sempre é muito grave,

Mas tudo diz-me que inda sofro pouco...

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Mefitismo

Qual demônio roubou minha esperança?

Qual inferno será a minha casa?

Vivendo na desgraça eu fui criança,

Por que Deus inda minha morte atrasa?!

Tristeza e solidão são minha herança

Dos meus pais, que cortaram a minha asa,

Que alava meu sonhar, minha alma mansa...

Meu espírito co'esta dor se arrasa...

Se Satã já tem tudo que é de mim,

Por que não vejo logo disso o fim?

Por que, além da maldade, a covardia?...

Qual báratro será o meu abrigo?

Enorme maldição está comigo

Desde meu nascimento... Triste dia...

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Nestório da Santa Cruz

(Rafael Dalle Vedove Geber)

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Teu Livro

"São assim todas, todas as mulheres."

(Alphonsus de Guimaraens)

Amada, teu carinho me transporta

Ao pélago infinito vaporoso;

Meu coração deságua rios de gozo

Onde a doçura mansamente aporta.

Toda lembrança fere, mas conforta,

Deixando um rastro pálido... moroso;

Meu coração deságua tão choroso

Ao ver partir a sombra pela porta.

Meu coração... antigo muro branco;

Antigo livro alegre, aberto e franco.

Página tua, amada... teu amigo...

Meu coração... hoje padece só;

Restando traça e fungo sob o pó.

Meu coração hoje é teu livro antigo!

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Acabou de Morrer

"Ó Formas alvas, brancas, Formas claras

De luares, de neves, de neblinas!"

(Cruz e Sousa)

Ela morreu. Lá fora chove tanto...

Lavando a estrada em larga despedida.

A natureza dantes refletida

Naquela face. Hoje é só mágoa e pranto!

Tão meiga e fria em pulcro e vil encanto;

Um anjo airoso! a vida reprimida...

A flor tão branca foi por Deus colhida

Para habitar - talvez - outro recanto.

Que bela e pura! E magra e tão pequena...

A face altiva hoje é feliz, serena...

Modesta roupa em frágil perfeição;

Dedos que obravam... hoje frios, parados;

Seus olhos vivos... hoje estão cerrados;

Funesta imagem d'anjo em oração!

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Meu Lar

Dias. Anos. Retorno ao lar materno.

Reviro as caixas das recordações.

Fito os retratos, oiço mil canções;

Vejo meu pai fardado, firme e terno.

Lá fora chove. Tremo ao frio do inverno.

Cravo a santinha... dúzias de orações;

Primeira virgem minha das visões!

Soluço e gemo… tudo me é fraterno.

Corro à vozinha, o cheiro de café;

Vejo as irmãs brincando, também peço;

Cerro os portões pesados, me despeço…

Mas que deserto… Aqui nada mais é!

Eu vejo as cruzes no Salgueiro, juntas;

E vou-me embora co'as visões defuntas…

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Anjo Recolhido

"Saúde, irmão! Eu sou a Indiferença."

(E. Berthoud)

Estava tão serena... recostada

Na cama de madeira sob o pálio;

Um anjo meigo, ao fim de triste ordálio

Que a vida ofereceu na curta estrada.

Como era bela! A monja tão parada,

Jamais sorveu do amor o mago idálio;

O seio em flor... indômito petálio

Que rescendeu o odor d'alma exilada.

Aquele rosto pálido, já morto;

Lembrava o Cristo lânguido, que no horto

Fitara o céu, sentido, em dor profunda;

A pobre também fora abandonada:

Sem Deus! Sem pai! Sem mãe! Sem luz! Sem nada!

Seu premio? era uma cova fria... imunda...

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Camponesa

Ela era a mais doce morena, pura!

Sempre vestida tão discretamente,

Colhia as flores rosas, calmamente,

Para bordá-las com sua costura;

Na mão pequena, calos de ternura,

Pois carregava as roupas, fortemente;

Sempre a passar, sorrindo, brevemente;

Pr'a toda dor, era a divina cura!

Um dia, ansioso, eu bem tomei coragem,

Levantei cedo e preparei a aragem,

E fui buscá-la ao pé de humilde porta;

Bati três vezes, e aguardei sorrindo,

Foi quando eu vi que um velho foi surgindo,

Dizendo: — É tarde! A camponesa é morta!

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Renan Tempest

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86

Musa Gótica

Contemplo-te, belíssima, em meus sonhos,

Pálida, a reluzir na noite escura,

Lânguida tal como uma rosa pura,

Adormecendo os meus prantos tristonhos;

Sem ti, meus dias são tristes, medonhos;

Desejo teu Amor, tua ternura,

Dantes qu'eu durma numa sepultura,

Farto de viver dias enfadonhos...

Teu encanto inefável me deslumbra

Na bela e melancólica penumbra

Da noite terna, eterna em solidão...

Musa gótica dos sonhares meus,

Flor regada p'las lágrimas de Deus,

P'ra sempre será teu, meu coração!

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87

Numa necrópole...

À sombra de um 'scuríssimo cipreste,

Próximo destas árvores chorosas,

Descerram-se lembranças dolorosas

Do derradeiro beijo que me deste.

Recordo-me de teu olhar celeste,

A então contemplar as lôbregas rosas,

Que estavam congeladas... mas brilhosas,

P'lo Inverno, — que de dor a tudo veste. —

Co'a face deplorando amargo pranto,

Sobre um gótico túmulo, falaste:

"Vê como de tais flores morre o encanto!

Ah, o Inverno da vida também — que amaste —

Faz das almas cessar o breve canto!"

E beijando-me, "adeus!" tu suspiraste...

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88

Amor...

Viver é sofrer, sofrer é amar,

Amar é viver verdadeiramente.

Morrer sem numa vida amar o amar

Não é viver, é existir brevemente.

Se não amas, não sonhas; e sonhar

É não findar, é ser perenemente.

Não sonhar é não sentir, não chorar;

É se arrepender quiçá eternamente.

Ama o amor e escalda em suas chamas,

Ama e sê como aquilo que tu amas,

E em vez de só existires, viverás!

Doce é a morte se a vida consumamos,

E a consumamos quando nela amamos...

Ama, pois, e florente morrerás!

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Adeus!

Adeus, meus sonhos! Adeus, meu amor!

P'ra fenecer minh'alma triste chora,

Ora apagou-se-me o fulgor doutrora,

Cobre-me a face, angelical palor.

Adeus, maldito spleen! Adeus, langor!

Uma sombria e fria dor me aflora,

Sem nostalgias, partirei agora,

Entristecido como murcha flor.

Quando jazer entre sepulcros, quedo,

Sentir-me-ei outra vez deveras ledo,

Morrerá a dor atra que a mim domina...

Quando p'r'o inferno me levar Satã,

Não lacrimeis por minha vida vã,

Olvidai esta desgraçada sina!

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Morro deste amor...

Perder-te não quis; só quis o amor ter-te,

Na amara solidão em que eu te amara,

Mas se aprazer-te não é qual pensara,

Acaso te perder pode aprazer-te!?

Pois se a ti eu amara e tentei crer-te,

Era embalde como a flor que murchara!

Só de entrever-te assaz eu me encantara,

E ora ver-te faz querer esquecer-te...

Morro deste amor... oh, lágrimas bebo!

Eis a sina dum lúgubre mancebo

Que amou demais... tal é o seu grave crime!

Ah, nunca é cedo para uma partida,

E a alma já cedo à Morte em despedida!

Enfim, hei de sair de onde perdi-me...

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Sérgio Carvalho

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Jazigo do Amor

Oh! Noiva amada vem velar meu pranto!

Nos pomos alvos de mortal ternura,

Que as flores mortas — que deitei-te em canto —,

Cobrem c’os lírios nossa sepultura.

Sobre teu leito que a bruma trescala,

Vamos fulgir nas tumbas nosso amor,

Nubentes mortos nesta negra vala,

Por entre as cruzes, num fanal de dor.

Defuntos podres — que mil vermes comem —,

Num atro escuro dos pudores nossos,

Trocando beijos no ranger dos ossos.

Dois astros níveos pelos prados somem,

Luzindo o espaço num fulgor eterno

Qu’encheu de luz o breu do próprio inferno.

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Flores Fúnebres

No leito convulsiva inda me fita,

Pranteio teus instantes de aflição;

Em rútilos espasmos tua mão

Acena-me; e, partindo, inda me grita.

Me junto aos teus suplícios tão sofridos,

Que fluem entre a febre e agonia,

Em plácidos momentos de utopia;

Carpindo sobre os sonhos destruídos.

No derradeiro “ai!” Partimos juntos

No mesmo chão; os corpos se apodrecem

De tanto amor, as plantas que ali crescem

Carregam a paixão destes defuntos;

Em pleno inverno a tumba se vestiu

De orquídeas, deste amor que não floriu.

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Fúnebre Amada

E quando tu partiste oh! Dama linda,

Deixaste no meu leito o branco lírio

Que a morte — em negros prantos de martírio —,

Conduz-me ao teu sepulcro novo ainda...

No breu da noite o Bufo vem ruflando

As asas pelos vales mais sombrios;

Bramindo entre seus galhos mais esguios

Que sinto a voz d’amada me chamando...

E sobre tua lousa d’alma em pranto,

Em cirros me açoitando um branco véu

Arrebatado, eu vago pelo céu...

Pairando em vestes alvas por um canto

Que me conduz ao leito que dormia

Unindo dois defuntos neste dia.

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Paraíso

E quando a luz da lua entristecida

Resvala em minha campa abandonada,

Coberta — pelo mato empoeirada —,

Nas ruas da necrópole perdida,

Meus ossos, sob a pele enegrecida,

Despertam-se na fria madrugada

Pra ver em cada tumba desolada,

A luz da lua cheia refletida...

A lua é um barco etéreo — luzido,

Clarão sobre o meu mundo tão perdido

É luz que, no momento, eu mais preciso.

Por entre as tumbas, sacras esculturas;

Eu vago, feito a lua, nas alturas,

A espera que me venha o Paraíso.

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Despedida

E quando, enfim, findar-se o dom da vida

No badalar dos sinos mais tristonhos,

Debrucem sobre o véu desta partida

Mil flores pra cobrir meus tristes sonhos.

Ceifaram minhas asas, meu lamento,

Nos prados verdejantes — já despidos —,

Vagou nos braços fúnebres do vento

Meu coração deserto, ressequido...

E a chuva que caiu no pó da terra

Desceu nos trilhos fúnebres da serra,

Tornando o vale infértil, infecundo...

No sangue que correu pelo meu rosto

Havia solidão, dor e desgosto

E um luto que cobriu de negro o mundo...

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