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Cowboys do Vale 8 - Orgulhoso coração Resumo: Ele, um pobre vaqueiro sem emprego e com uma mulher que o transformara no palhaço da cidade. Era traído e envergonhado pela mulher com a quao vivia! Mas ele era trabalhador e cheio de orgulho. Por mais que rissem dele, não abaixava a cabeça e jamais aceitava favores, auxílio de qualquer tipo. Sentia-se ofendido se alguém lhe estendesse a mão. Gostava de se levantar sozinho, de seguir seu caminho, de fazer o seu chão! Ela, uma pessoa intolerante que nem da própria filha tivera coragem de cuidar. Superficial e fútil, rica e mimada. Como duas pessoas tão diferentes poderiam se entender? capitulo 1 - Acha que vou morar naquele barraco ao qual você chama de casa? - A mulher gritava desesperadamente para um homem de cara fechada e que se esforçava a duras penas para não perder a paciência. - Quer me enterrar naquela tapera caindo aos pedaços? O casal estava discutindo há horas no meio de uma estrada de terra. O mato era alto de cada lado da estrada estreita. Há bastante tempo que estavam naquele impasse, de pé, no meio de lugar algum. Pelo tempo que estavam ali, era muito difícil que alguém passasse por aquele caminho. Pelo menos, nas últimas três horas, nenhum ser humano passara por eles e o homem custava a acreditar que estavam perdendo um tempo precioso discutindo aquele assunto ali, no meio do nada quando ele tinha tantas obrigações a cumprir. Não fazia sentido algum aquela discussão. Ou iam para o sítio ou teriam que procurar uma ponte para morarem embaixo. Todavia, naquele vilarejo não havia pontes suficientemente grandes para que eles pudessem viver embaixo de alguma. E, caso houvesse uma, certamente se atiraria dela. Ou atiraria a mulher que há muito tempo o atormentava. O mais estranho, para ele, era ser visto como alguém de aparência tão assustadora quando na verdade, era o mais paciente dos seres humanos, capaz de ouvir aquela mulher falar e falar por horas a fio!

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Cowboys do Vale 8 - Orgulhoso coração

Resumo: Ele, um pobre vaqueiro sem emprego e com uma mulher que o transformara no palhaço da cidade. Era traído e envergonhado pela mulher com a quao vivia! Mas

ele era trabalhador e cheio de orgulho. Por mais que rissem dele, não abaixava a cabeça e jamais aceitava favores, auxílio de qualquer tipo. Sentia-se ofendido se

alguém lhe estendesse a mão. Gostava de se levantar sozinho, de seguir seu caminho, de fazer o seu chão! Ela, uma pessoa intolerante que nem da própria filha tivera

coragem de cuidar. Superficial e fútil, rica e mimada. Como duas pessoas tão diferentes poderiam se entender?

capitulo 1

- Acha que vou morar naquele barraco ao qual você chama de casa? - A mulher gritava desesperadamente para um homem de cara fechada e que se esforçava a duras

penas para não perder a paciência. - Quer me enterrar naquela tapera caindo aos pedaços?

O casal estava discutindo há horas no meio de uma estrada de terra. O mato era alto de cada lado da estrada estreita. Há bastante tempo que estavam naquele

impasse, de pé, no meio de lugar algum. Pelo tempo que estavam ali, era muito difícil que alguém passasse por aquele caminho. Pelo menos, nas últimas três horas,

nenhum ser humano passara por eles e o homem custava a acreditar que estavam perdendo um tempo precioso discutindo aquele assunto ali, no meio do nada quando ele

tinha tantas obrigações a cumprir. Não fazia sentido algum aquela discussão. Ou iam para o sítio ou teriam que procurar uma ponte para morarem embaixo. Todavia,

naquele vilarejo não havia pontes suficientemente grandes para que eles pudessem viver embaixo de alguma. E, caso houvesse uma, certamente se atiraria dela. Ou atiraria

a mulher que há muito tempo o atormentava. O mais estranho, para ele, era ser visto como alguém de aparência tão assustadora quando na verdade, era o mais paciente

dos seres humanos, capaz de ouvir aquela mulher falar e falar por horas a fio!

Mas o homem ponderou. Era bem capaz de, caso houvesse um buraco qualquer onde pudessem caber, que aquela louca desvairada se enfiasse nele e o obrigasse

a se enfiar num canto qualquer com ela.

Por sorte, era um homem grande e forte. Não caberia em qualquer buraco. Temia seriamente que a mulher conseguisse fazê-lo mudar de ideia e esquecer os objetivos

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que fora obrigado a traçar para sua vida com a repentina morte de seu pai. E de que lhe adiantava ser grande e forte quando sua mulher o reduzia a farrapos? Seus

amigos, se é que ainda tinha algum, o que duvidava, dizia que ele mais parecia um gladiador. Alto, forte, imponente. Mas um fracote quando o assunto era Lucinha!

Como um homem chegava a se tornar um joguete nas mãos de uma mulher? Como ela conseguira fazer dele um trapo humano sem respeito por si mesmo e sem o respeito

dos outros?

Naquele momento, Pedro olhava para a mulher raivosa a sua frente que batia o pé como uma criança pirracenta. O que vira naquela morena que o deixara cego,

surdo e sem vontade própria por cinco longos anos?

- Lucinha... ´- O rapaz já não sabia mais como convencer a mulher a se acalmar. - Lucinha...

Ele era um bobo. Sempre o fora. Mas já não estava na hora de fazer valer a sua vontade? Afinal, que diabos? Era um homem ou um rato?

- Não, Pedro! Dessa vez você foi longe demais! Não vou morar nessa tapera no meio do nada perto de lugar nenhum!

- Não temos mais onde morar. Sabe disso! - Tentava se justificar. Mas por que o tentava? Não era um fracassado por vontade própria. Se o era, devia grande

parte de seu fracasso a ela. Mas, logicamente, Lucinha pertencia aquele grande número de pessoas que jamais via falhas em si mesma. Aliás, a realidade dela era algo

que somente ela compreendia. Seria possível que existisse mais algum ser no planeta como ela? Alguém que achava que o mundo existia apenas por que ela estava nele?

O mais engraçado era que eram mais pobres que ratos de igreja. Não conseguia compreender como a mente de Lucinha funcionava. E, na verdade, já não o queria mais.

Tentara por cinco anos entender aquela mulher, agradá-la, fazer o que ela queria. E para onde tanta dedicação o levara? Para aquela estrada vazia, que levava ao

sítio de seu pai e por onde não passava, há horas, viva alma!

- Sei, sei... E por que não? Por que você é um incompetente!

A moça estava vermelha de ira. Gritava, chutava as pedrinhas no caminho e Pedro sabia que, se ela pudesse, chutaria a ele.

- Não fui eu quem arrumou confusão em todos os lugares em que fui trabalhar. Quando nos conhecemos, eu trabalhava para o Henrique Cassilhas e você me fez

perder o emprego de capataz quando arrumou aquela confusão com a mulher dele. E eu já trabalhava lá há quase oito anos. Trabalhava para poder levantar o sítio de

meu pai e quase o consegui, se você não me fizesse gastar tanto dinheiro com suas bobagens. Tudo o que eu ganhava, tinha que dar para você, lembra? Se eu tivesse

investido meu dinheiro no sítio de meu pai, agora teríamos alguma coisa para dar continuidade à vida... Fui trabalhar lá como peão para ajudar meu pai. Amália tinha

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morrido há pouco tempo e meu pai quis cuidar de meu filho enquanto eu trabalhava. Aceitei isso. Meu pai cuidara de mim quando minha mãe morreu e eu me sentia muito

bem por ele ter feito isso. Achei que meu filho se sentiria como eu quando crescesse. Agradecido. Fui muito feliz convivendo com meu pai. Mas tinha que sair do sítio

para trabalhar, para juntar dinheiro para fazer algumas melhorias em nossa propriedade. Logo que comecei a trabalhar, fui promovido a capataz e para minha desgraça,

conheci você. Então não pude mais cumprir com a promessa que eu fizera ao meu pai. Henrique Cassilhas investia mais da metade do que eu ganhava. Queria ajudar-me,

confiava na minha capacidade de fazer o sítio prosperar. E eu não tinha como pegar uma pequena quantia todo final de mês e comprar alguma coisa. Tinha que juntar,

investir em algo até ter uma boa quantia e poder começar dali. Mas aí você veio para minha vida e tudo o que eu ganhava, você gastava. E assim, o meu sonho despencou

enxurrada abaixo!

- Mas esse era o seu sonho, não o meu. Por que eu teria que economizar para que você comprasse vacas? Era como um marido. Tinha que me sustentar, me dar

coisas boas e presentes! Sabia que eu daria o fora se fosse diferente!

- Mas quem trabalhava era eu. Não poderia ficar ao menos com a metade do dinheiro para por meus planos em prática? Eu precisava comprar algumas vacas para

que o sítio viesse a prosperar. Se eu tivesse seguido com os meus planos, agora teríamos um bom lugar para viver e dinheiro para reformar e ampliar nossa casa.

- Besteira! Eu sou sua mulher e você tem que me bancar! E eu nunca ia querer morar naquele fim de mundo mesmo nem que você acrescentasse dez andares naquela

pocilga!

- Mas é para lá que vamos agora!

- Eu não vou! - Lucinha bateu o pé mais uma vez como se estivesse fazendo pirraça. Só faltava se atirar para trás!

- Não há outra escolha.

- Arranje outro emprego.

- Aonde? Você sujou meu nome em todos os lugares onde trabalhei. Ninguém mais quer me dar emprego a não ser que eu me separe de você.

- Eles são todos uns... Uns... Uns... Ingratos! Mentirosos! Fingidos! - A moça batia os pés com raiva no chão enquanto gritava. - Eu queria poder matar um

por um! Sabe por que eles não querem dar emprego para você, seu idiota? É por que eles me querem. Todos eles me querem! São todos malucos por mim mas não tem coragem

de me assumir por sua causa! Você atrapalha a minha vida. Se não fosse você eu teria muitos e muitos amantes ricos!

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- Então vá viver com eles! - Pedro perdera a pouca paciência. Como aquela mulher tinha coragem de dizer-lhe aquelas coisas na lata? Era uma mulher vadia

e vulgar. Amantes!

- Não vou não! Eles são uns fingidos!

Pedro trincava os dentes de tanto ódio. Por que ele ainda perdia seu tempo dando ouvidos aquela mulher? Por compaixão? Talvez. Se a abandonasse, ela não

teria nenhum lugar para ir. Mas era certo desgraçar sua vida, como fizera nos últimos cinco anos quando perdera o respeito de todos, perdera os amigos, perdera tudo

por causa daquela mulher?

- Você aprontou com eles e acha que são eles os culpados?

- Ah! Isso me deixa com muita raiva! Eles deram em cima de mim. Me cantaram! E você agora acredita neles! Acha que seus amigos são todos bonzinhos. Eles

me queriam. queriam a mim! A mim! A mim, seu idiota! E não ficaram comigo por que tinham pena de você! Tinham pena do Pedro, o chifrudo, o boi, o cornudo! - E riu

satisfeita.

Pedro olhou para os dois lados da estrada. Por que não aproveitava que não passava ninguém por ali e apertava aquele pescocinho até o último suspiro? E ainda

podia jogar o corpo dela naquele matagal na beira da estrada. O mato era tão alto que iam demorar meses para encontrá-la ali. Estremeceu com o mau pensamento. Não

era o tipo de homem violento e nem vingativo embora não fosse de levar desaforos para casa. Aquela mulher ainda era capaz de destruir-lhe até mesmo a boa índole

que sempre acreditara ter. E não valia a pena ter tais pensamentos ruins. Era perda de tempo acabar com sua liberdade por causa de Lucinha. Era pai de dois filhos

e tinha um sítio para levantar. O que aconteceria com Diego e com Tadeu se ele estrangulasse aquela mulher que só lhe dava amolação? Nunca mais ia se envolver com

mulher alguma depois que aquela cobra peçonhenta sumisse de sua vida!

- E o que quer que eu pense? Pedro parecia desanimado ao falar. - Depois que "seu" Henrique me despediu, fui trabalhar para os Sivelie. Já nem era mais

um capataz. Mas você me fez perder o emprego novamente ao dizer que o Ricardo Sivelie tinha dado em cima de você. E, quando ele disse que fora você quem dera em

cima dele você gritou para todos ouvirem que jamais daria em cima de um deformado como ele, que ele mais parecia um monstro do que um ser humano. Gritou isso para

todos ouvirem sabendo que o homem vivia atormentado por causa do rosto que fora queimado naquele incêndio na casa do irmão. Não satisfeita, foi reclamar para o patrão

Zac Sivelie que eu não era um homem de verdade que há muito tempo você sonhava com um homem como ele! E partiu para cima do patrão com tanta vontade que ele disse

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que não mais me queria ali na fazenda, que era uma pena abrir mão de meus serviços, que eu era o melhor vaqueiro da região mas que só podia ficar na fazenda sem

você. Exatamente como "seu" Henrique dissera antes. Então você chamou o patrão de aleijado! Deus meu! Você chamou Zac Sivelie de aleijado depois de ter chamado o

irmão dele de monstro! Qual deles me daria uma outra chance? Não satisfeita, deu em cima do Adriano Salviati e sabe-se lá mais de quem!

- Você nunca acreditou nessas coisas antes... - Ela parou de gritar e fez beicinho se aproximando dele.

- Eu estava cego e surdo! - Ele se afastou dela. Ainda não se sentia imune o suficiente para sentir as mãos dela em seu corpo sem que seu membro reagisse

embotando-lhe o cérebro. As vezes, uma mulher deixava um homem sem ação quando ele ficava muito vulnerável diante dela. E quando ela o tocava, costumava pensar mais

com a outra cabeça.

- Sabe que essas coisas são invenções desses camaradas. Eles dão em cima de mim e quando digo que não quero nada com eles... Aí eles inventam essas mentiradas

todas contra mim. Sabe que eles todos me querem, não sabe? Quando passo, ficam me olhando, me comendo com os olhos. E, quando estão sozinhos comigo, me agarram à

força. Aí, quando eu voto a boca no trombone, ficam com medo de você e dizem que fui eu quem deu em cima deles! Um bando de mentirosos!

- Sei que deu em cima de Henrique Cassilhas... Como pode negar isso?

- Mentira dele!

- E de Guilherme Lobo também quando eu trabalhei duas semanas para ele, no restaurante do navio.

- Conversa fiada!

- E em cima do Laerte também.

- Do ladrão de bebês? Prefere acreditar nele do que em mim? O cara até foi preso! Acha mesmo que ele não quis me agarrar naquele beco do lado da casa dele?

- No veterinário doutor Rabelo.

- Papo furado. Doutor Rabelo tá com mais de cinquenta anos! Eu não ia querer aquele velho gagá!

- Mas eu vi você em cima dele depois de ter atirado o pobre homem no chão!

- Que injúria! Como eu ia atirar um homem ao chão. Eu que sou toda pequenininha! Um absurdo! Aquele velho não serve nem para lamber meus pés!

- Também cantou o doutor Reys!

- Essa é boa! Aquele mal humorado? O homem parece envolto numa nuvem negra de mau humor!

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- Mas agarrou-o quando foi ao consultório dele com a desculpa de que ia desmaiar! E antes de fingir que desmaiava, tirou toda a roupa! Estava nua a gritando

que era ele quem a agarrara. O homem estava mais pálido que uma folha de papel de tão apavorado!

- Ah! Invenção da cabeça dele. Ele queria mesmo que eu o agarrasse!

Pedro ignorou os comentários de Lucinha e continuou a desfilar uma lista imensa de nomes dos possíveis homens que haviam se queixado do comportamento de

Lucinha para ele. Todos corriam dela quando a viam passar. Era certo que sempre havia alguns que não tinham escrúpulos e se deitavam com ela pelo meio do mato, já

que ela gostava tanto de se oferecer para qualquer um deles. Evidentemente, alguns a repeliram e até por mais de uma vez. Mas parecia que a moça não se tocava. Era

insistente e abordava suas possíveis vítimas com exagerada volúpia. E isso deixava os rapazes bastante desconcertados pois alguns eram vistos com ela em situações

seriamente comprometedoras. E como poderiam fazer para que Pedro, o mais chifrudos dos seres acreditasse neles? O pior era que por mais que haviam sido as situações

sem pé nem cabeça, Pedro sempre acreditava nela. E achava que aquelas histórias malucas que ela contava eram a mais pura verdade. E assim, quando era despedido de

algum emprego, na maior parte das vezes, se consumia de ódio e fúria por não ter quebrado a cara do patrão que dera em cima de sua mulher. Assim, sonhara em arrebentar

os irmãos Sivelie, Adriano Salviati e alguns outros. Mas conseguira tirar sangue da cara de alguns como Oliver Mattos e doutor Reys e muitos mais! E eles nem reagiram!

Na época, atribuíra tal atitude à culpa que sentiam. Agora sabia que apenas sentiam pena dele! Era um coitado tão grande que nem valia a pena revidar a agressão!

- E deu em cima do Luís Paulo. Nem respeitou a mulher paralítica dele! E ainda tentou matá-la!

- Já estou começando a ficar irritada. Esses camaradas só dizem uma porção de mentiras para você e agora, parece que prefere acreditar neles do que em mim!

E aquela Fernanda é muito sonsa! Só porque vive naquela cadeira de rodas acha que todo mundo tem que fazer o que ela quer!

- Hum! E a lista não termina aí. - Pedro continuou a falar aparentemente imperturbável. - Deu em cima do Tavinho, do Bento, do Crispim, do Vinícius Fernandes,

do Léo, do Adão e dos peões dessas fazendas todas por aqui, fossem eles casados ou solteiros. As mulheres deles a detestam. querem fazer picadinho de você!

- O que há com você? - Gritou exasperada. - Nunca acreditou nessas mentiras! Por que está dando ouvidos para essas fofocas agora?

- Fofocas? Fui demitido de meu último emprego por que você agarrou o patrão com tanta fúria que acabou rasgando a camisa dele. E depois rasgou a própria

roupa para simular um ataque sexual. Gritou, para todos ouvirem, que ele estava estuprando você. Por sorte não fui preso quando voei em cima dele e acertei-lhe um

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soco na cara.

- Ah! Ele bem que mereceu aquele soco!

- Você me fez dar um soco na cara de Oliver Mattos, um dos homens mais ricos de Vila Verde, se não for o mais rico!

Lucinha sacudiu os ombros.

- Ele mereceu!

- Só por que ele não quis o seu oferecimento? - Pedro gritou na rua deserta. Já perdera a paciência. amara aquela mulher e ela só lhe dera dor de cabeça!

- Escute aqui...

- Escute aqui você! Estou cansado de ser o otário, o trouxa, o chifrudo, o babaca de quem todos riem pelas costas.

- Ah é? E daí? Tô morrendo de medo de você!

- Quero saber o que vai fazer? Tem que decidir agora. Sabe que eu tenho dois filhos para criar e que eles vão precisar muito de mim.

- Eu não vou cuidar dos seus filhos. Não nasci para cuidar dos filhos de ninguém.

- Um deles também é seu filho, esqueceu? E só tem quatro anos!

- Não me sinto mãe. Sou muito novinha para tanta responsabilidade.

- Eu tenho que cuidar dos meus filhos agora que meu pai morreu. E tenho que morar na casa que ele deixou para mim.

- Aquela casa imunda? O telhado está todo estragado, as paredes estão de dar pena. Não vou morar lá. Além disso, fica lá onde o Judas perdeu as botas! Vou

demorar um dia inteiro para chegar lá pois não tem carro e nem cavalos. Só há por lá aquele jumento idiota! Não vou pra lá. O vizinho mais próximo está há mais de

meia hora de caminhada! Podia ao menos ter vindo pra cá naquele burro demente que você tem por lá? - Ela gritou. - Ao menos eu não teria que andar a pé nessa poeira

toda! Não vou pra lá! Não vou! Não vou! Não vou!

- Tudo bem. - Ele disse depois de respirar fundo. - E não trouxe o burro por que meu filho precisa dele para a lida na terra!

- É o fim do mundo! - Ela bufava de raiva. - As fazendas daqui são todas mecanizadas. E nenhuma tem menos de setenta, oitenta vacas! O que você vai fazer

com uma dúzia de vaquinhas, levantando as quatro da manhã, sentando no seu banquinho e ordenhando vacas com as mãos! quem quer ganhar dinheiro com leite hoje em

dia, mecaniza. Coitado de você! Já perdeu o jogo antes de começar! O que vai ganhar com suas vaquinhas mais magras que modelos de passarelas? Suas vacas são anoréxicas!

Acorda, peão!

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Pedro Rocha tinha que agradecer a Lucinha por ter-se tornado, ao longo daqueles cinco anos, o homem mais paciente do mundo. Era certo que nunca fora o tipo

que bate em mulher, mas que Lucinha merecia uns bons tabefes, isso merecia. Primeiro, acabara com o pouco dinheiro que recebia por seu trabalho e o pouco que conseguira

economizar para ajudar o pai a reerguer o pequeno sítio. Depois o envergonhara dando em cima da maioria dos homens daquele lugar a ponto de fazê-lo perder a cabeça.

Agora, não tinham mais trabalho e nem nenhum lugar para morar. Tinha que agradecer aos céus que seu pai lhe tivesse deixado aquele pedaço de terra. E ela agora fazia

o maior drama para segui-lo. Era certo que se ele fosse um homem de respeito já a teria mandado passear há muito tempo. E, muito ao contrário, estava lhe oferecendo

uma casa, um teto, um lugar para ficar já que tinham juntos um filho que deveria precisar da mãe. E ela fazia aquele dramalhão há mais de três horas naquela estrada

deserta onde nem um cão danado e perdido passava. Aquela estrada ficava do outro lado da cidade, bem afastada do centro, mas era o que ele tinha agora. Por isso,

sua mão chegara mesmo a se fechar de tanta vontade de arrastá-la pelos cabelos ou até mesmo coisa pior. Tava na cara que ela precisava de uns tabefes para cair na

real! Mas esse não era o seu pasto. Achava bem melhor dar as costas e ir-se embora. Se ela não queria ir com ele, paciência. Aprenderia a cuidar do filho de quatro

anos sozinho. Não seria o primeiro e nem o último pai solteiro do planeta. Além disso, podia contar com Diego, seu filho mais velho que era ouro puro. A outra alternativa

era caminhar por aquela longa estrada em silêncio e deixar que ela o acompanhasse resmungando, xingando, dizendo-lhe os piores desaforos. Naqueles momentos, em que

Lucinha perdia a calma, o melhor era deixá-la extravasar toda sua ira. Além disso ele ainda estava um tanto atordoado. O pai morrera de repente e ele se sentia culpado.

Fora o coração. Se ele não tivesse dado ouvidos a Lucinha, se ele tivesse ido ajudar seu pai na lida da roça como o velho lhe pedira, certamente seu pai ainda estaria

vivo. Mas Lucinha se negara a ir e ele, como sempre fizera, atendera a sua egoísta mulher.

Engraçado como só agora conseguia ver o quanto ela só pensava em si. O pior era saber que nenhum peão de respeito o via com bons olhos por causa das atitudes

dela. Como pudera ser tão cego? Sentia-se como alguém que tivera os olhos vendados por muito tempo e que, de repente, lhe retiravam a venda e ele se sentia chocado

com o que via e percebia a sua frente. Era, na verdade, um chifrudo! aquilo que chamam de corno manso. Seu pai mesmo cansara de pedir que ele se afastasse daquela

mulher. E ele, assim como era cego, também era surdo. Não via e nem ouvia a verdade.

E, enquanto tentava segurar as lágrimas por ter perdido seu pai, seu arrimo, seu verdadeiro apoio na vida, Lucinha ria e dizia, para quem quisesse ouvir,

que o velho já fora tarde demais!

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Ela não tinha coração?

- Não temos outro lugar para morar... - Disse ele com calma. - Ninguém na cidade quer me dar mais emprego. E, embora eu sinta muito a morte de meu pai, agradeço

aos céus por ele ter deixado aquela casa para mim.

- Casa? Bate na boca quando se referir aquele troço como casa!

- Meu pai viveu ali a vida toda.

- Percebe-se. Ele deve ter vivido ali uns mil, duzentos e cinquenta anos. A tapera é de dar pena! Deve ser por isso que sua mãe morreu cedo! Não suportou

tanta miséria!

- Não diga asneiras!

- Quem conseguiria suportar aquele velho bêbado? Nem sua mãe aguentou o coitado!

- Estou indo para lá agora. Meus filhos estão lá sozinhos. Não é justo que eu os deixe tanto tempo entregues a própria sorte! Já basta esses anos todos em

que eu os deixei com meu pai.

- E vai fazer o que com a bela herança que o velho te deixou? uma dúzia de vacas magras, um boi velho, cansado e morto de fome... E um jumento! Ah! E cinco

porcas e algumas galinhas velhas... Fala sério! Como vai matar a própria fome com toda essa herança.

- Antes eu não tinha nem isso. E tem mais que uma dúzia de vacas! E não fale mal de meu touro! É um Girolando! E não está nada velho!

- Grande coisa! Dez, vinte vacas! Que diferença faz? Pois é... Continua sendo um merda como sempre foi. Os Sivelie tem um plantel com mais de dez mil cabeças

de gado! E Oliver Mattos? Não tem mais que isso? E você? Dez vaquinhas? Vinte? Faz-me rir!

Pedro Rocha suspirou fundo. Há cinco anos que viver com Lucinha se transformara num cabo de guerra. Mas sempre fora muito cego de paixão por ela. Todavia,

aquela paixão parecia estar cedendo pois, somente agora, ele podia ver quem realmente era a Lucinha por quem perdera tantas oportunidades. Era para estar bem empregado,

cuidando da própria vida e de seus dois filhos. Diego, seu filho de dezesseis anos, fruto de seu casamento com Amália e o pequeno Tadeu, seu filho com Lucinha.

Seu pai sempre o apoiara, embora vivesse dizendo-lhe que ele só se tornaria alguma coisa quando conseguisse se livrar daquela cobra peçonhenta, como ele

sempre a chamava.

Era óbvio que os dois nem podiam se ver que saía faísca de cada encontro. E Lucinha não deixava de gritar para o seu pai que ele não passava de um velho

bêbado e fracassado. E nem mesmo lhe agradecia, já que seu velho e cansado pai cuidava do filho dela.

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- Deixe o menino aqui comigo, filho, enquanto você precisa por a cabeça no lugar, encontrar um emprego. Deixar o pequeno com essa desmiolada não vai dar

certo. Ela não cuida nem dela. - Seu pai dissera pouco depois que Tadeu nascera e ele tinha que trabalhar.

- Mas pai... Você já cuida de Diego...

- Diego já está um rapazinho. Vai me ajudar a cuidar do pequeno.

E não houvera argumento que fizesse seu pai ceder. Não que Pedro quisesse que seu pai cedesse. Sabia que Lucinha jamais cuidaria do filho. Entretanto, ele

alimentara tal esperança de que a maternidade melhorasse aquela cabeça oca. Mas, como estava muito apaixonado por ela... Acabava fazendo vistas grossas a tudo de

errado que acontecia ao seu redor. Porém, parecia que as coisas estavam mudando!

- Já disse que não vou me enterrar naquele fim de mundo com você!

- Tudo bem. Eu estou indo para lá então.

Lucinha arregalou os olhos e parou bem na frente de Pedro.

- Está dizendo que vai para aquela casa horrorosa e vai me deixar aqui na cidade?

- Estou.

- Você não está falando sério, está?

- Estou.

Lucinha partiu pra cima dele.

- Seu desgraçado dos infernos! Está pensando em me abandonar aqui, sozinha? Como vou viver?

- Você não diz que todos os homens querem você e que sou eu que atrapalho a sua vida? Chegou a hora de se livrar de mim.

Lucinha olhou para ele com a palidez escondendo totalmente a tez morena.

- Está falando sério? quer me abandonar aqui sozinha na cidade?

- Você disse que não vai para a casa que meu pai me deixou.

A moça o olhava de olhos arregalados, avaliando se ele estava mesmo falando a verdade. Aquele homem sempre comera na sua mão. Fizera dele gato e sapato.

Ele estava mesmo lhe dando o fora depois de cinco anos? Impossível. Ele morria por ela. Todos sabiam disso!

- E o que eu vou fazer? - Os lábios de Lucinha tremiam.

- Não tenho a menor ideia!

- Não vai se livrar de mim assim tão facilmente!

- Você disse que não ia para o sítio.

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- Sítio? Tem coragem de chamar aquilo de sítio? - Ela zombou.

- É a minha casa.

- Uma porcaria de casa! Uma porcaria que você herdou pois nem para ter sua própria casa teve capacidade!

Pedro Rocha olhou para o fim da estrada. Por que aquela mulher fazia questão de diminuí-lo tanto?

- Bem... É isso, Lucinha! Se quiser viver comigo vai ter que ser desse jeito agora. Estou indo para o sítio e pronto. Se quiser vir, terá o seu lugar lá,

comigo!

- Pensa que vou pra aquele fim de mundo para lavar, passar, cozinhar, cuidar de vaca e tirar água do poço? Nem luz tem naquele fim de mundo! - E, batendo

os pés no chão. - Não vou, não vou, não vou!

- É claro que tem luz elétrica lá! - Ele tentou explicar. - Não viu as lâmpadas?

- Grande coisa! Tem luz, né? E o ferro de passar roupa é de carvão! E a água ainda tem que ser tirada do poço! E a louça tem que ser lavada de um jeito deplorável

numa bacia! Não tem pia. E o banheiro! Bah! O banheiro é um buraco no chão! Seu pai vivia como um animal! Acha que vou morar naquele lugar? Para fazer um xixi tenho

que sair de dentro de casa e me abaixar num buraco a quase dez metros longe de casa! Nem morta!

Pedro deu de ombros, virou as costas e começou a andar. Talvez chegasse ao sítio antes do anoitecer. Desde que seu pai fora enterrado, há dois dias, que

deixara os dois filhos voltarem para casa sozinhos. Não ia mais se descuidar de seus deveres de pai para ficar paparicando aquela mulher ingrata, que ria dele pelas

costas e que não acreditava nele nem um pouco. Ia trabalhar nas terras do pai e ia transformar aquelas terras num lugar próspero e lucrativo. Ia mostrar para Lucinha

que ele era capaz de tirar leite das pedras!

Lucinha olhou para Pedro durante um bom tempo. Enquanto ele se afastava pela estrada poeirenta, ela ia desejando a ele todos os males possíveis e imagináveis.

- Vou morar com um figurão rico, você vai ver. Um monte desses ricaços vai querer cuidar de mim. E, quando eu tiver numa boa, vou até aquele barraco imundo

e vou tirar o meu filho de você! Vou criar aquele moleque como se ele fosse um Sivelie, um Mattos, um Cassilhas!

Pedro continuou andando sem olhar para trás. Mas ouvir que ela levaria o filho, mexeu com seu ânimo. Ela jamais cuidara do filho. Teria coragem de tirar

o menino dele só para se vingar? Era claro que teria! Lucinha era capaz das piores coisas!

E, abismado com o repentino medo de perder o filho, não reparara que a mulher correra atrás dele. Acabara sendo atingido por uma pedrada na parte posterior

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da cabeça. Sentiu o sangue escorrer e, antes que entendesse o que estava acontecendo, foi atingido por outra pedrada. Ficou um pouco tonto. Logo, sentiu mais outra.

E mais outra. O que estava lhe acontecendo?

Seu raciocínio ficara lento de repente! as pedradas o deixaram meio grogue. Logo agora que precisava se defender da insanidade de Lucinha que lhe atirava

uma pedra atrás da outra gritando, ao mesmo tempo, uma infinidade de palavrões e ameaças, ficara lento e confuso. Se não fizesse alguma coisa, ela ia matá-lo a pedradas,

ia estourar sua cabeça! Ela era louca mesmo e não ia nem mesmo pensar na repercussão daquilo que estava fazendo. Sua cabeça não era de pensar nas consequências de

seus atos! Ela simplesmente agia seguindo seus instintos! Já caído, se arrastou para o mato alto na beira da estrada. Lucinha teria medo de entrar ali. Ao menos,

contava com isso. Era melhor encontrar uma cobra do que ter que enfrentar a fúria doentia de Lucinha. Além disso, suas forças estavam indo embora. Se Lucinha resolvesse

entrar ali ele não teria como se defender. Era como o gigante Golias abatido pelo pequenino Davi!

Já estava escuro quando Pedro voltou a si. Perdera muito sangue e estava ainda meio tonto. Sua mente demorou um tempão para informá-lo de tudo o que se passara

e de como deveria agir agora que recobrara a consciência. Para piorar, estava numa estrada onde pouquíssimas pessoas passavam. Voltar para a cidade seria difícil

e seguir adiante, tanto pior.

Passou a mão pela cabeça e percebeu que o sangue secara, mas tudo parecia espesso demais. Todavia, precisava se esforçar para sair do meio daquele matagal.

- Conseguiu, com muita dificuldade, arrastar-se outra vez para a estrada. Era claro que Lucinha não mais estaria ali.

Na estrada, ergueu-se com muita dificuldade. Estava tonto e não tinha aonde se apoiar.

Entretanto, mal se levantara e dera de cara com um par de farois altos. Sentiu-se cego por alguns milésimos de segundos e então veio a pancada. E tudo ficou

negro outra vez!

capitulo 2

- Ai meu Deus! ai meu Deus! ai meu Deus! Matei o homem! Matei um homem! sou uma assassina! - Evelyn Mattos gritava sem o menor controle de si mesma. As lágrimas

brotavam de seus olhos como água de nascentes. Estava tão assustada que não conseguia ter um único pensamento coerente.

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- Mãe! Pare de gritar! Estou com medo! - A mocinha começou a chorar ao ver o desespero da mãe. - Você está me assustando! Será que o homem está morto?

- Ai, Raíssa! Matei um homem! - As lágrimas de medo e horror desciam pelo rosto exageradamente maquiado de Evelyn.

- Mãe! - A menina chorava copiosamente acompanhando o desespero da mãe. - Nós vamos ser presas? Hein, mãe? Nós vamos pra cadeia? Eu também matei ele?

- Ai, ai, ai, ai, ai... Eu não sei... eu não sei... Não sei o que fazem com pessoas que atropelam os outros!

- Ah, meu Deus! O que esse homem estava fazendo nessa estrada escura? Seria um bandido, mãe?

Se assim fosse, elas haviam acabado de salvar suas vidas. Evelyn, de um segundo para o outro, começou a clarear o cérebro. Não tinha o hábito de pensar,

de resolver problemas a não ser o tipo de roupa que combinaria com determinado sapatos e bolsas, mas agora estava numa estrada escura e deserta e de nada ia adiantar

recorrer às lágrimas. Não havia por perto nenhum homem para que se penalizasse dela. E sua filha estava ficando cada vez mais aterrorizada! Assim, concluíra que

precisava pensar. Não tinha outro jeito e já estava passando da hora de aprender a se virar sozinha! E, de repente, se fez a luz! Era como se alguém houvesse ligado

um interruptor numa central qualquer e que, de repente, iluminara uma cidade inteira, antes perdida na escuridão. Reviveu o momento crítico. Ela estava dirigindo

ao mesmo tempo em que brigava com a filha. aliás, como sempre faziam desde que resolvera brincar de mamãe e filhinha, como seu centrado irmão Oliver Mattos vivia

a lhe atirar na cara! Só porque nunca cuidara de Raíssa não significava que não poderia aprender a ser mãe, embora já se tivessem passado dezesseis anos desde que

sua filha nascera e, em vez de colocá-la em seus braços e amá-la, correra noutra direção, totalmente apavorada por saber que aquela coisinha minúscula era agora

sua responsabilidade!

Todavia, naquele momento tinha uma excelente desculpa para estar tão distraída. Raíssa! Acontecera algo com sua filha que ela não tinha a menor ideia de

como resolver. E não queria colocar aquele problema nas mãos do irmão e nem de sua mãe, como sempre fizera até então. Mas como resolveria aquilo?

Entretanto, agora, tinha coisas mais urgentes para pensar do que relembrar seu confuso e insignificante passado e os erros que cometera. Quanto a sua filha...

De qualquer modo, aquele problema quase insolúvel de Raíssa teria que esperar. Fosse ou não por causa de suas preocupações com a filha que acabara atropelando aquele

sujeito, tinha que resolver aquilo primeiro e depois se preocupar com o resto. Aquele homem grande como um gigante surgira a sua frente de repente! Não tivera tempo

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para parar o carro. Quando freara, já estava em cima dele. Ouvira o baque e... Ele tinha a cara coberta de sangue antes mesmo que ela o acertasse. Tinha certeza

disso. Fora essa visão que fizera com que acabasse demorando, por um milésimo de segundo, a pisar nos freios. Na verdade, freara no reflexo. A imagem do homem completamente

ensanguentado não lhe saía da mente. Todavia, ao ouvir o barulho da pancada ao acertar o homem e perceber que ele desaparecera do seu campo de visão, entrara em

desespero, esquecendo, por alguns instantes, o que vira antes de atingi-lo.

Seria ele um bandido que fora deixado ali para morrer sem ajuda alguma? Sim, por que naquela estrada quase não passava ninguém.

- Mãe! O que vamos fazer? - Raíssa chorava ainda presa dentro do maior terror.

Evelyn sabia que precisava ordenar os pensamentos. Podia fugir e deixar o homem ali para morrer à mingua. Na manhã seguinte, poderia pedir ao mecânico que

cuidava dos tratores e dos carros da família que ajeitasse o seu carro. Certamente deveria ter amassado bastante pois o atropelado parecia ser muito grande e forte.

- Mãe... Estou com medo, mãe. Vamos embora daqui.

- E vamos deixar o homem largado aqui na rua? - Evelyn perguntou como se quisesse deixar aquela decisão nas costas de sua filha.

"Não posso fazer isso! É uma responsabilidade muito grande. E como Raíssa ficaria se lesse no jornal de Vila Verde que o homem morrera?" Era certo que jamais

parara para pensar em como uma ação de hoje repercutiria mais tarde no seu destino mas... Chegara o momento de pensar com clareza? Era verdade que naqueles poucos

dias em que estava convivendo com o seu centrado irmão, tomara a decisão de crescer, de amadurecer. Talvez aquele não fosse o momento certo para dar um passo tão

grande rumo ao mundo desconhecido das pessoas maduras e equilibradas! Com um homem que podia morrer a qualquer momento por sua causa não era, certamente, o momento

ideal para que a maturidade que todos lhe cobravam, surgisse do nada. Evidentemente, jamais estivera numa situação tão conflituosa quanto aquela. Era certo que já

perdera a conta de quantos homens já a passara para trás, já nem sabia contar quantas vezes sofrera com seu coração partido. E quem já fora trocada por outra, quem

já fora enganada, traída, roubada, humilhada pelo homem amado compreenderiam o que ela sentira ao longo da vida. Por outro lado, tinha que reconhecer que seus sentimentos

eram tão superficiais que mal terminava um romance e chorava por uns três dias, já estava de cabeça erguida, pronta para enfrentar uma nova conquista amorosa.

Todavia, aquilo ali era diferente. Ela acabara de atropelar um homem numa estrada escura e deserta. Que atitude tomar? E tinha que reconhecer que estava

bastante difícil pensar com sua filha berrando alucinada em seus ouvidos. Raíssa estava histérica e não demoraria muito, surtaria.

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Mãe! quero ir embora daqui! Vamos embora!

- Quer que deixemos o homem aí para morrer?

- Mãe! Vamos embora!

Por outro lado, mesmo com os incessantes berros de Raíssa, tinha que colocar seus pensamentos em ordem. O homem poderia ser um assaltante de estradas e poderia

até estar de tocaia, esperando que um carro passasse por ali. Assim, lançava-se na frente do carro e já deveria ter bastante experiência, como os dublês de cinema,

para não se machucarem com o impacto e nem com a queda. Mas não seria muito idiota da parte dele ficar de tocaia numa estrada onde não passava ninguém? Mas talvez

fosse exatamente essa a sua intenção. Ficar numa estrada quase deserta onde dificilmente outro carro passaria e o pegaria em flagrante.

E o que um homem poderia fazer com duas mulheres além de roubá-las? Poderia estuprá-las e matá-las. Depois, abandonaria seus corpos no meio daquele matagal!

Entretanto, seu carro era tão escuro! Como o homem poderia saber quem estava lá dentro?

Era muito difícil saber o que fazer. Poderia, ao sair do carro para ajudar alguém ferido, acabar morta junto com sua filha. E nenhuma mulher de bom senso

poderia confiar em seus instintos. Muita gente havia perecido por seguir sua intuição. E os instintos dela, a julgar pela quantidade de vezes que fora enganada por

um homem, não eram muito bons! Nada! Mas nadinha mesmo, confiáveis!

E como se sentiria se o homem estivesse mesmo ferido? E se viesse a saber que o homem morrera por sua causa, que se ela tivesse tido a coragem de sair do

carro e prestado socorro ao indivíduo, ele pudera se restabelecer?

Tentava trazer à mente que casas vira pelo caminho ou quem morava naquela estrada deserta. Enquanto se encaminhava nervosamente até a fazenda onde sua filha

estava, depois de receber a ligação onde Raíssa chorava, apavorada, procurou o caminho mais rápido para chegar ao tal lugar onde ela dissera que estaria com algumas

amigas que conhecera naquele único mês em que estudara no colégio de Vila Verde.

Na pressa, no desespero de encontrar o lugar onde Raíssa deveria estar, achara que se cortasse caminho por ali, chegaria mais rápido. Ao final daquela estrada

poeirenta, havia uma outra estradinha que a levaria a uma outra e que no final de tantos caminhos, chegaria a fazenda onde sua filha tinha ido a uma festinha com

as novas amiguinhas que havia feito em Vila Verde. O chato era saber que fora ela quem incentivara sua filha a participar do evento já que tinha a intenção de passar

a viver ali naquela cidade.

Mas agora se recriminava por não conhecer direito o lugar onde nascera e ao qual sempre detestara. Não saíra de Vila Verde na primeira oportunidade com a

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desculpa de que ia estudar longe dali? E depois, evitara ao máximo visitar aquele lugar. Afinal, morava em São Paulo, uma metrópole de dar inveja às melhores cidades

do primeiro mundo!

Seu irmão Oliver dissera-lhe que não havia perigo algum em ir por ali, mas que, por precaução, era melhor que voltasse pelo outro caminho, mais longo, mas

muito mais movimentado.

"Ora essa!" Ela pensara. Se a estrada fosse deserta, qual o perigo de passar por ali mais tarde?

- Seu carro pode sofrer qualquer avaria e não há, naqueles lados, sinal para que você possa ligar seu celular. - Fora a resposta tranquila de seu tranquilo

irmão.

- Aconteceu alguma coisa? - Seu correto e equilibrado irmão perguntara, desconfiado de alguma coisa. Havia esquecido que Oliver Mattos tinha uma visão além

do alcance? Aqueles olhos serenos e tranquilos podiam ver através da alma.

- Não... É que Raíssa quer que eu a busque agora. Ela havia me pedido para ficar o fim de semana nessa fazenda. Até conversei com o casal que mora lá!

Não disse que Raíssa chorara. Embora não tivesse muita prática como mãe, não levara muito a sério o choro da filha. Apenas se apavorara quando recebera a

ligação mas logo colocara a cabeça no lugar. Já reparara que, tal qual a sua mãe, Raíssa também gostava de fazer drama. De qualquer modo, ia pelo caminho mais rápido

e logo se inteiraria do que se tratava realmente.

Antes de chegar na segunda estradinha, havia, naquela estrada, dois ou três casebres caindo aos pedaços. Eram sítios de antigos moradores de Vila Verde e

que não possuíam verba suficiente para melhorar as condições em que viviam. Eram famílias que praticamente sobreviviam da pesca, da venda de ovos e algumas verduras.

Produziam pouco leite e pouca carne de porco ou frango e seu irmão comprava o que podia daquelas pessoas para que não morressem de fome.

Então, aquele grandalhão deveria ser um dos moradores daquelas casinhas pobres. Devia ter mulher e filhos e não devia ter um cavalo ou uma carroça para poder

ir de um lado ao outro da cidade. Era um pobre coitado. Tinha que ajudá-lo! Se tivesse um burro, certamente teria que deixá-lo em sua casa na maior parte do tempo

para os trabalhos com a terra ou com o gado.

Ao chegar a essa conclusão, esqueceu-se totalmente de seus medos e receios, abriu a porta do carro e desceu. Somente ao sair do carro teve um vislumbre de

seus receios anteriores mas expulsou a preocupação com sua segurança e com a segurança de sua filha para debaixo do tapete de sua mente. Não ia dormir em paz nunca

mais se o homem morresse. E se ele tivesse mulher e oito filhos? O que faria então?

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Ouviu os gritos aterrorizados de sua filha quando abriu a porta da caminhonete.

- Mããããããeeeee! Onde você vai? Não vá lá fora, não, mãe!

- Vou ver o atropelado.

- Não vai não, mãe! ele pode ter-se transformado num morto vivo como nos filmes e se vingar de nós! Quem sabe virou um zumbi?

- Não vou deixar o homem aqui, esteja ele vivo ou morto!

Tremeu ao ouvir aquelas palavras saírem de sua própria boca! Embora se sentisse calma sem saber como e nem porque, o fato de que o homem poderia estar morto

não lhe assentara muito bem. Entretanto, se ele estivesse vivo, também seria um contratempo imenso.

Antes porém, de descer do carro, pegara seu celular dentro de sua bolsa. Nenhum sinal. Deixou-o la e, mal descera, olhou para a frente do carro que ainda

mantinha os faróis acesos.

- Raíssa!

A menina pulou ao ouvir a voz da mãe.

- Pegue uma lanterna aí no porta luvas.

A menina obedeceu e ficou em dúvida se descia ou não para acompanhar a mãe. Por fim, suspirou fundo e, criando coragem, desceu pela outra porta e entregou

a lanterna para sua mãe que estava diante do carro, iluminada pelos faróis.

- Vê ali? - E apontou para o canto da estrada. O homem estava lá, caído, imóvel, um tanto entortado.

Evelyn tornou a entregar a lanterna para a filha e se encaminhou para o ferido.

- Ilumine o homem. Vou ver se ele está vivo e o que poderemos fazer. Não tenho como ligar para o doutor Reys e não tenho como mandar você até a cidade sozinha

para buscar ajuda, Vamos ter que nos virar sozinha. Entende o que digo?

A mocinha passou a mão pelo rosto a fim de enxugar as lágrimas. Balançou afirmativamente a cabeça e se prontificou, numa devoção muda e recém nascida, a

apoiar a mãe no que fosse preciso. Assim, abaixou-se ao lado de Evelyn e viu a mãe passar a mão pelo corpo do homem ensanguentado a procura de ossos quebrados.

- Incrível! - Disse de repente alertando a filha que assustada olhou em volta e em seguida para sua mãe.

- O que?

- Ele está vivo e aparentemente sem nenhum osso quebrado. Deve ser de aço, de pedra, de uma rocha muito forte!

- Como você sabe? Não é médica!

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Evelyn olhou para a filha. Somente naquele momento reparou que até ali, Raíssa não havia se mostrado hostil. Acreditara que a trégua fosse por causa dos

acontecimentos desastrosos na fazenda onde ela estava e de onde ligara chorando. Mas parecia que, com aquela pergunta, o tom de animosidade voltava à voz da filha.

O medo devia estar passando. O medo por terem atropelado o homem e o medo do que ocorrera na fazenda onde ela estava. Antes, a garota se comportara como uma filha

de verdade, esperando que a mãe decidisse o que fazer.

"É muito difícil ser mãe! Devia tê-la deixado com a avó!" Pensou mas logo se arrependeu daquele pensamento covarde. Raíssa era sua filha e portanto, sua

responsabilidade!

- Não bata de frente comigo agora. Estamos sozinhas numa estrada deserta e com um homem ferido. - Pediu num tom de voz submisso, quase desconhecido. Afinal,

ela e Raíssa só se dirigiam uma à outra, aos berros e acusações de todos os tipos. E havia pouquíssimo tempo que estavam juntas!

- Não tenho nada com isso, mãe. Foi você que atropelou o homem e não eu.

- Não acha que já me deu motivo suficiente esta noite para que eu me distraísse na estrada e acabasse atropelando o homem?

- Desculpas! Admita que não estava prestando a atenção no caminho. Foi sua falha, como sempre, Você sempre comete um erro, mãe! Não ponha a culpa em mim!

Evelyn respirou fundo após erguer levemente as sobrancelhas. Fazer o que? A trégua terminara e voltariam ao velho ringue de luta livre. E como seria agora

quando teria que manter uma vigilância total sobre a filha. Não queria que a menina fosse para uma daquelas instituições para menores como o juiz ameaçara!

- Tá bom, Raíssa! apenas ilumine o homem aqui, sim?

Raíssa pensou em largar a lanterna para lá, mas aquietou-se. O homem estava muito machucado e não tinha culpa dela odiar sua mãe. Mas assim que resolvessem

aquele problema, ia dar um jeito em sua vida. Já estava com dezesseis anos e tinha que ir embora cuidar de si própria. Não suportava mais viver com a mãe, com o

tio ou com a avó. Todos queriam mandar em sua vida. E que culpa ela tinha se sua mãe acreditava que o seu milésimo marido queria levá-la para a cama? Ela sabia que

não dera em cima do camarada. Além disso, ela detestava o cara. Mas quem acreditaria nela? Sua mãe jamais pensaria que a culpa era dela por trocar de marido daquela

forma. Já fora a tantos casamentos de sua mãe que já perdera a conta. E, como se nada mais fosse o bastante, ao ser matriculada naquela escola insuportável de Vila

Verde, acabara sendo enganada pelas amigas erradas. Logo ela que se achava tão esperta! Caíra numa armadilha e o juiz dos infernos a ameaçara com algo com o nome

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tão feio como FEBEM ou FUNABEM! Mas ela precisava fugir de casa. Não ia suportar ficar presa a saia da mãe até completar a tal maioridade! Estava cansada de toda

aquela gente!

- Temos que levá-lo para o carro. - Evelyn disse.

- Está maluca? ele deve pesar uma tonelada! Além disso, não dizem que não se pode mover um acidentado? E se você ferrar com a coluna dele e ele ficar tetra...

Tetra...

- Tetraplégico?

- Isso.

- vamos ter que arriscar. Se ele ficar aqui poderá morrer. Não posso esperar que o dia clareie para que eu possa enviar você até a cidade para trazer uma

ambulância. Se é que aquele hospital que o nojento do prefeito João Batista construiu e que custou os olhos da cara, tem uma ambulância.

- Ah, tem sim. Mas ela vive estragada. Dizem que o prefeito embolsou todo o dinheiro destinado à construção do hospital.

- Não me fale daquele prefeito maldito! - Evelyn gritou exasperada mas depois achou melhor acalmar-se. Ficar nervosa não ia adiantar nada mesmo! - E como

você sabe disso? - Evelyn olhava espantada para a filha.

- Lá no colégio, um dos maiores passatempos de alguns professores, é meter o pau no prefeito. É lógico que todo mundo deve concordar entre si pois até agora

nenhum deles foi demitido. E você sabe que o colégio é do prefeito, né? Ao menos foi o que me contaram! E se todos falam mal dele por lá e nada acontece com ninguém

é por que todos pensam mais ou menos do mesmo jeito, né?

Havia tão pouco tempo que estavam naquela cidade e sua filha já conhecia as tramooias políticas do lugar! Pior ainda! Acabava de sair de uma delas!

- Então não temos outro jeito mesmo. - Evelyn falou depois de pensar um pouco. Não queria pensar no prefeito naquele momento e nem no que vira há menos de

duas horas! - Vamos ter que colocar esse homem ferido no carro e levá-lo até lá.

Ia ser uma tarefa penosa. O homem era imenso! Devia pesar uns duzentos quilos!

Depois de se atrapalharem de todos os modos possíveis e imagináveis, Evelyn, há sem paciência, pegou os braços do homem e Raíssa, as pernas.

- Sabia que as adolescentes têm mais força que uma mulher adulta? - A jovem provocou referindo-se ao fato da parte de cima do homem ser mais pesada que as

pernas.

- Sabia que se eu deixar você pegá-lo pelos braços vai acabar quebrando o pescoço dele e nem vai perceber, já que todas as adolescentes que eu conheço são

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desajeitadas?

- Hum! - A menina bufou e demonstrando o menor interesse possível, ajudou a mãe a colocar o homem no banco de trás da caminhonete.

- O que houve?

Evelyn estremeceu ao ouvir a voz áspera e hesitante do homem a quem tentava ajeitar a cabeça. Aquela voz grave, rouca e cavernosa invadira seus sentidos

provocando-lhe as mais desconhecidas sensações. E ele nem dissera nada!

- Oh, mãe! Ele está falando! Ele está vivo! Não matamos ele! Ou melhor, você não o matou!

O homem gemeu e tentou, sem conseguir, abrir os olhos cobertos por uma plasta de sangue seco. Aliás, ele tinha a cabeça coberta por sangue seco e também

boa parte de sua blusa. Evelyn se pegou pensando se aquela seria a melhor camisa do homem. Se assim fosse, estava perdida. E depois balançou a cabeça. Eram inacreditáveis

as coisas em que se pensava num momento de crise!

- Eu... Atropelei o senhor! Mas foi sem querer. Não vi o senhor. quando percebi, já não dava mais tempo para frear! - Evelyn atropelava agora as palavras

e, olhando para sua filha, viu o medo escrito no rosto dela.

- Me atropelou?

- Sim... Mas foi sem querer...

O homem tentava raciocinar. Era certo que tudo era-lhe muito difícil. Tinha a cabeça ferida.

- Onde está Lucinha?

- Lucinha? Que Lucinha?

- Minha mulher.

"Ai, meu Deus! Será que eu a atingi também?" Evelyn e a filha pareciam ter pensado a mesma coisa pois ambas olharam para o mato alto que beirava a estrada

como uma cerca viva.

- Lucinha foi embora? - Ele perguntou.

- Acho que foi... - Evelyn ainda tentava enxergar alguma coisa através da escuridão do mato alto.

- Tomara que tenha ido. Não a deixe se aproximar.

- Quem? A Lucinha? - Evelyn achou que o homem estava delirando e que deveriam levá-lo logo ao hospital.

- Ele está bem? ele vai conseguir se levantar daí, mãe?

Evelyn olhou para o homem e para sua filha como se não soubesse responder tal pergunta. Ainda estava intrigada com a mulher desaparecida. Deveria procurar

por ela naquela escuridão?

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- Tenho que ir para casa... Meus filhos... Estão sozinhos... - O homem gemia.

- Eu tenho que levá-lo ao hospital. O senhor está muito ferido!

- Não! Tenho que ir para casa...

- Moço... O senhor está muito ferido...

- Não... Tenho que ir para casa...

- Pode ter algum osso quebrado...

- Não tenho...

- Pode ter uma hemorragia interna.

- Tenho que ir, dona... Eu me responsabilizo...

Evelyn olhou para o céu estrelado em busca de ajuda e consolo. Por que tinha que tomar tantas decisões naquele dia? E se o homem apenas estivesse fingindo

e quando ela começasse a dirigir ele a atacasse? Ou se o lugar para onde o levaria estivesse cheio de malfeitores? "Droga!" Aquele não era mesmo um bom dia!

- E onde o senhor mora.

- No primeiro sítio dessa estrada. Assim que a senhora fizer a curva vai avistar minha casa.

- Raíssa... Você vai ter que dirigir, filha.

Raíssa gostou da ideia. Ao menos para isso aquele acidente servira. Ninguém deixava que ela guiasse nenhum dos carros da fazenda do tio.

- Eu vou com o homem no banco de trás. - Evelyn achava que ela saberia arrebentar a cabeça do desconhecido caso ele tentasse qualquer coisa. Ia ficar com

a chave de fenda na mão. Estava relutante e receosa. Mas não pensaria duas vezes se o homem tentasse ferir sua filha de alguma forma.

Sorriu para si mesma com melancolia. De onde lhe surgira aquele instinto maternal que sempre estivera adormecido? Mas não podia reclamar. De repente, percebera

que gostava de ser mãe. Só se arrependia por ter acordado para esse sentimento com dezesseis anos de atraso e temia que agora, nada mais pudesse ser feito. Talvez

nunca conseguisse recuperar o amor de sua filha. Se assim fosse, não poderia jamais acusar quem quer que fosse. Ela era a única culpada disso!

Ao chegarem ao sitio, Evelin temia que alguém saísse da casa empunhando uma arma. Mas viu um menino pequeno, tão receoso do carro que acabara de parar em

frente ao casebre como ela tinha de enfrentar fosse lá quem fosse que morasse ali. Logo viu um camarada segurar o pequenino e puxá-lo para dentro da casa. Seria

irmão do homem que ela levava em seu carro? Era quase do mesmo tamanho! Mas, se assim não fosse, torcia que ao menos fosse amigo!

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Dois cachorros apareceram latindo furiosamente e Evelyn não saberia dizer de onde eles tinham saído.

A luz da varanda era tão fraca que Evelyn pediu a Raíssa que mantivesse os faróis acesos.

- Onde vai, Tadeu? Não sabe quem está naquele carro! Espere aqui dentro de casa.

Evelyn viu que o homem grande e musculoso tinha uma arma nas mãos. Era justamente o que ela mais temia. Não sabia lidar com aquele tipo de situação. Em

sua cabeça passaram alguns dos rifles que ela já vira nos noticiários de TV falando sobre a guerra no Afeganistão, no Iraque e nos morros cariocas, ora pelas mãos

da polícia, ora pelos bandidos. Seria aquela arma que usariam contra ela e sua filha? Esperou. Não conhecia nada sobre armas e morria de medo delas. Olhava fascinada

para o cano apontado em sua direção e por sua cabeça passavam alguns nomes que já ouvira antes como rifles, fuzis, submetralhadoras... Até em Al Capone ela pensou.

Como alguém conseguia se livrar de situações como aquela? O problema era saber que enquanto segurava a cabeça do desconhecido em seu colo tremia de medo pelo que

podia acontecer.

Alheio ao medo que a mulher sentia, Pedro só conseguia pensar no quanto ela cheirava bem.

- Quem está aí? - O homem perguntou procurando manter o corpo dentro da casa, mas a arma, apontada para o carro. Tinha um tom de voz assustado mas ao mesmo

tempo, agressivo.

Evelyn se perguntava se o farol do carro em cima dele não o atrapalhava ver que eram apenas duas mulheres. E não sabia dizer se isso era bom ou ruim. Alguns

homens viam as mulheres como algo a ser protegido. Outros viam na fragilidade feminina uma oportunidade para subjugá-las, torná-las vítimas ou reféns!

Os cachorros não paravam de latir.

- Diego... - O homem machucado gemeu dentro do carro. - Diego... Meu filho...

"Filho? Então não era um adulto! Era só um adolescente!" Evelyn soltou o ar dos pulmões.

- Quem está aí? Vão embora! Vão embora senão vou atirar! - O rapaz parecia muito assustado dentro da casa tentando defender a si e ao menino.

- Diga que sou eu, seu pai e que estou ferido.

- Diego...

O rapaz pareceu ficar ainda mais nervoso. Gritou para que os cachorros se aquietassem, no que foi prontamente atendido.

- Quem é você? Como sabe o meu nome? - Perguntou deixando a arma tremer em suas mãos.

- Trouxemos seu pai... - Evelyn falou preocupada. O garoto podia acabar atirando por causa do nervosismo e acertar uma das duas.

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- Meu pai? Como assim trouxeram meu pai? O que fizeram com ele? Quem são vocês?

- Ele está ferido... - Evelyn temia mover-se dentro do carro e provocar , com isso, uma reação no rapaz.

- Meu pai, ferido? Como? Quem o feriu? Quem é você? Deixe meu pai aí no chão e vá embora!- O rapaz fez menção de sair da casa mas tornou a entrar.

- Não podemos deixá-lo aqui. Ele deveria estar num hospital agora. Mas disse que precisava vir para casa por que os filhos estavam sozinhos.

- Hospital? O que você fez com meu pai? Como poderei acreditar em você? Como posso acreditar que meu pai está mesmo aí com você? E ferido?

- Diga que sou eu, Pedro Rocha.

Pedro tinha dificuldade de raciocinar com clareza e não sabia se isso se devia ao fato de ter a cabeça ferida ou por ter a cabeça recostada naquela dona

danada de cheiroso! Nunca sentira um cheiro tão bom numa mulher!

- É seu pai... Pedro Rocha... - Evelyn estava encantada com aquela voz rascante. E o que dizer do homem , então? Nunca vira um espécime tão masculino, alguém

que representasse tão bem o sexo oposto. Ele era escandalosamente másculo, agressivo, mesmo deitado ali como um saco largado. A sensualidade que brotava dele a desconcertava.

E o rosto? Com barba de dois ou três dias? A virilidade daquele homem era tanta que Evelyn se sentia ofendida. E nem entendia o por que. Afinal, seu irmão era um

vaqueiro. E em sua fazenda e na fábrica de laticínios havia vaqueiros para todos os lados. Mas nenhum era como ele! O que aquele ali tinha em especial que mexia

tanto com sua libido? Seria por que quase o matara atropelado?

Os cachorros, agora calados, pareciam acompanhar a conversa.

O rapaz pareceu hesitar.

- Diga-lhe que é Pedro Rocha... Diga-lhe que água mole em pedra dura tanto bate até que a água acaba pois Pedro Rocha é duas vezes mais forte! - O acidentado

falava com dificuldade.

Evelyn pareceu duvidar de que deveria dizer aquelas palavras sem sentido. Todavia, o arrepio que percorrera o seu corpo ao ouvi-lo falar quase fizera com

que esquecesse do que estava fazendo. Esforçou-se para se concentrar e manter a mente livre de pensamentos tortuosos.

- Diga isso a ele. É uma brincadeira entre mim e meus filhos! Ele vai acreditar que estou mesmo aqui!

A mulher repetiu as palavras sem sentido que o homem dissera há pouco.

Imediatamente a postura do rapaz mudou. Mesmo assim, falou algo para o irmão que Evelyn juraria que era para o menino se esconder e que só saísse do esconderijo

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quando ele o chamasse. Foi até o carro. E Evelyn notou que o tão apavorante rifle AR15 que ela tanto temera era somente uma espingarda de chumbinho.

- Pai! - Disse assombrado ao ver o homem ensanguentado no banco de trás. - Pai! O que lhe aconteceu? O que fizeram com você? Quem o machucou desse jeito?

Olhou acusadoramente para as duas mulheres.

- Foi Lucinha... - Pedro gaguejou. ainda lhe custava crer que a mulher a quem amara por cinco anos, a mulher que o colocara na boca do povo como corno manso

atentasse contra a vida dele. Sim, por que percebia agora que Lucinha tentara matá-lo. A pedradas! A pedradas como se ele fosse um vil inseto! Como ela tivera coragem?

E o que acontecera depois? Ah, sim! Os faróis! Os faróis do carro e ele pensara que era o fim. que Lucinha conseguira convencer alguém a dar cabo dele de uma vez

passando-lhe com o carro por cima!

Lucinha? - O rapaz parecia confuso. Os cachorros recomeçaram a latir.

O menininho, que desobedecendo o irmão viera correndo ao ouvir o nome do pai, estacou ao ouvir o nome daquela mulher.

- Sim... - Pedro falou. - Ela não queria vir morar aqui no sítio. Queria que eu ficasse com ela na cidade. Então, depois de muito discutir, virei-lhe as

costas e comecei a andar. Sabia que vocês estavam sozinhos há dois dias. Não queria abandonar você e seu irmão. Aí, ela começou a me atirar pedras. Como eu estava

de costas, fui atingido algumas vezes a´té que me escondi no mato. Quando escureceu, comecei a me sentir melhor e me levantei, com dificuldades, para vir caminhando.

Estava todo ensanguentado e fraco. Mal me levantei e dei de cara com os faróis do carro da madame aqui... - E apontou, com mãos trementes, para Evelyn.

- Calem a boca! - Gritou para os cachorros. - A senhora atropelou o meu pai?

- Eu... Ahhh... - Evelyn não sabia o que dizer.

- Foi seu pai que entrou na frente do carro! Minha mãe não teve tempo de frear! - Raíssa, que parecera até então encantada com o rapaz, falou num tom agressivo.

- Minha mãe não teve culpa. Ainda podíamos tê-lo abandonado por lá! quem saberia quem o atropelara?

Só então o rapaz olhou para a moça. Seu olhar fora tão penetrante que Raíssa ficou vermelha.

Mas pareceu ignorá-la.

- Pai... - O rapaz falou enquanto dava a volta no carro para descobrir como tirar seu pai dali. - Tem que dar queixa da Lucinha na delegacia... Sabe que

se não fizer isso, ela vai aprontar outra vez! Consegue ir até a casa se eu lhe carregar?

Pedro pensou um pouco em seu estado físico, levantou um pouco a cabeça, sacudiu as pernas.

- Acho que sim.

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Evelyn e Raíssa viram o filho levar o pai, com alguma dificuldade, para dentro daquele barraco ao qual chamavam de casa.

Raíssa, entretanto, estava impressionada com a musculatura firme do rapaz. Além disso, ele era simplesmente lindo!

- Eu conheço você, não? - Ela arriscou a perguntar.

O rapaz se virou levemente sendo acompanhado pelos cachorros que agora balançavam o rabo.

- Pode ser... Vila rica é uma cidade muito pequena. Todo mundo se conhece.

capitulo 3

Na manhã seguinte, Evelyn estava na casa de Pedro Rocha. Quase não conseguira dormir de tão preocupada que estava. Ou seria por que ansiava desesperadamente

vê-lo outra vez? E se ele estivesse mentindo? E se estivesse mal mas temesse hospitais como a maioria dos homens? E se ele morresse durante a noite e aqueles dois

meninos ficassem sozinhos no mundo sem ninguém que olhasse por eles? Se aquele homem morresse seria o maior desperdício de vitalidade, de masculinidade, de sensualidade

do qual já ouvira falar. E ver! E tocar! E ela seria a única culpada se a humanidade perdesse aquele escândalo de homem!

Quando conseguiu fechar os olhos já passava das quatro da manhã. Lá pelas oito, estava na caminhonete rumo ao sítio que caía aos pedaços. E só então pode

reparar na desolação que era aquele lugar. Mas se esqueceu da casa ao ver o homem que atropelara na noite anterior. E espantou-se ao vê-lo de pé, ou melhor, ajoelhado,

consertando o portão do casebre onde moravam. Em seu interior não saberia dizer se o que sentia ao vê-lo aparentemente bem disposto era alívio por ele estar vivo.

De qualquer forma, achou que seu contentamento estava um pouco acima do normal. Era claro que se sentia aliviada pelo fato do homem estar vivo e bem, embora tivesse

as costas cobertas por manchas rochas e algumas feridas. A tal Lucinha não temera matá-lo a pedradas! E ela... O atropelara! A um homem ferido!. Mas por que aquele

calor a envolvia numa aura de imensa alegria? E por que, mesmo sabendo que ele não era o mais bonito dos homens que ela já vira, parecia-lhe ter errado completamente

pois podia jurar que ele era o mais belo, o mais atraente e o mais desejável dos homens!

"Desejável?" Era melhor esconder aquele pensamento debaixo de um tapete qualquer de sua consciência. A distância entre eles era maior que uma viagem a Saturno!

- Não deveria estar deitado, descansando? - Ela perguntou enquanto descia da caminhonete.

Pedro Rocha olhou para ela de cima a baixo e voltou a se concentrar em seu serviço.

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- Bom dia pra senhora também. - Disse enquanto os cachorros pareciam dar as boas vindas a recém chegada.

- Como pode estar trabalhando depois do que lhe aconteceu ontem?

- Tenho que trabalhar, dona. - Ele continuou a martelar a madeira podre em suas mãos. - Meu pai morreu há três dias e meus filhos precisam comer. Não tenho

emprego mas me restou isso aqui. Agora, tenho que fazer isso aqui dar certo ou estaremos fritos!

Pedro se irritou consigo mesmo por dar tantas explicações para aquela perua que cheirava bem. Talvez fosse o perfume dela que o deixava falante ou talvez

quisesse mostrar a ela que era um morto de fome. Ou para si mesmo. Por outro lado, estava aborrecido consigo mesmo por ter fingido que as coisas no sítio iam bem.

O leite que vendiam dava para comer. Mas... de resto... O sítio estava acabado! Lucinha teria razão em não querer ter ido pra lá?

- Mas está se sentindo bem?

- Estou sim, obrigado. E obrigado por me trazer ontem à noite.

- Eu... Hã... o atropelei... Tinha que fazer alguma coisa.

- Seu carro não me pegou de jeito, não, dona. Pode ficar tranquila. Se a senhora não tivesse aparecido por lá e me atropelado, eu teria caminhado, mesmo

com dificuldades, e chegado em casa numa boa. Como eu disse, sou Pedro Rocha. Duas vezes pedra e por isso, com a cabeça duas vezes mais dura!

Ela ficou em dúvida se ele estava tentando parecer gentil. Mesmo assim, sorriu amarelamente para ele que continuou carrancudo. Todavia, não entendia por

que ele pregava pregos naquele portão que só serviria para lenha. A cerca em volta também não era lá grande coisa. Por ali não havia nada que pudesse ser consertado!

- Eu... Bem... Trouxe algumas coisinhas...

- Que tipo de coisinha? - ele se levantou de modo brusco e um tanto ameaçador, sentiu a cabeça ficar zonza e se apoiou no portão de madeira podre que ele

tentava consertar.

- O senhor está se sentindo bem? - Evelyn se apressou a segurá-lo. Ela já o tocara na noite anterior mas agora seu corpo estremecera ao tocá-lo. Ele tinha

os braços duros como pedra. O rosto, não necessariamente bonito, mas muito másculo. Era um homem impressionante. Alto, forte, com um corpo de fazer inveja aos deuses

e com um par de olhos castanhos de tirar o fôlego. Como um peão pobre e desconsolado podia ser tão sexy e atraente?

Pedro Rocha tirou o chapéu, olhou para o céu infinitamente azul e tornou a olhar para a mulher. Então ela reparou nos fartos cabelos desgrenhados e nas ruguinhas

pequenas ao redor dos olhos do vaqueiro.

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- Que tipo de coisinhas, dona?

Evelyn estava um tanto paralisada pelo conjunto que via a sua frente. Sem o velho chapéu, ele era ainda mais lindo e viril. Aquela cabeleira escura, aquelas

sobrancelhas cerradas, aquele jeito carrancudo de ser...

- Dona?

- Ah! Eu... Achei que o senhor ia precisar de algumas coisinhas... Trouxe alguns enlatados, pão, refrigerantes, biscoitos, massas e...

- Dona! - A voz de trovão ressoou como uma bofetada! - A gente não está passando fome! Pode levar suas coisinhas para o mesmo lugar de onde trouxe.

- Mas eu...

- Aqui na minha casa a gente não vive da caridade. Sabemos e podemos trabalhar!

Era um absurdo. Sempre que olhava para aquela madame, sentia algo mexer em suas entranhas. Sabia que ela era rica, que não era o tipo de mulher que daria

bola para ele. Era capaz até de mandar prendê-lo caso ela notasse que ele a olhava com... Com tesão. Mas tratá-lo como se ele fosse um mendigo já era demais, não?

Era o modo que ela encontrara para fazê-lo ver qual era o seu lugar e que entre eles nada era possível de acontecer? Mas ele era mais que ciente desse fato!

- Eu eu eu... Eu não tive a intenção de...

- Dona... - A voz continuava irritada e grave. - A senhora é de outro mundo. Agradeço por ter me ajudado ontem... Mas já passou. Um dia, talvez eu possa

retribuir por sua bondade. Mas é só isso. Eu não quero ser alvo de sua caridade e nem da caridade das pessoas de Vila Verde! Tenha um bom dia!

E, assim falando, dirigiu-se à casa.

Evelyn ficou parada por alguns instantes sem saber o que fazer. Era certo que ele era um daqueles pobres orgulhosos. Não tinha onde cair morto mas queria

fazer de conta que estava por cima. Mas bastava olhar a casa dele para ver que era um pobre coitado.

Teve vontade de gritar isso e muito mais na cara dele mas achou que não seria uma boa ideia. Ele tinha cara de quem comia canivetes no café da manhã!

Seria aquele homem o mesmo homem de quem seu irmão lhe falara, na noite anterior, quando ela lhe contara o que lhe ocorrera?

Oliver lhe dissera que Pedro Rocha era o palhaço da cidade. Era apaixonado por uma mulher que só o levava para a ruína. Perdera excelentes oportunidades

de emprego por que todos os fazendeiros da região, embora apreciassem muito o seu modo de trabalhar, tinham pavor da mulher dele. E o mais chato era que todos o

estimavam muito e ficavam tristes por que ele não enxergava um palmo adiante do nariz quando o assunto era aquela abominável mulher.

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E Pedro, por lealdade, por amor, por fidelidade à mulher, abria mão de tudo o que lhe era oferecido, pois sempre vinham com a advertência de que só lhe dariam

emprego se ele mandasse a tal Lucinha passear, embora reconhecessem que com ele, os lucros de suas fazendas duplicariam pois ele era o melhor administrador de fazendas

daquela região.

Mas Pedro agonizava ao lado da mulher que o envergonhava sem nem mesmo pestanejar!

Evelyn invejou a mulher. A tal Lucinha fora dona daquele homem maravilhoso e imponente, com aquele corpo esculpido por um deus da perfeição e o lançara fora.

Mesmo que a virilidade e a perfeição daquele homem não fossem de levar uma mulher a nocaute, só o fato dele ser tão leal a ela, tão apaixonado já eram razões

mais que suficiente para uma mulher se sentir agradecida. Nunca, em toda a sua vida, um homem lhe fora tão dedicado! A maioria dos homens, ao menos os homens com

os quais ela se envolvera, não eram leais, fiéis, amorosos, apaixonados. E quando demonstravam qualquer tipo de carinho ou afeição era por que tinham algo em mente,

por que queriam algo em troca. E, quando ela dava o relacionamento por acabado, iam embora sem nem mesmo olhar para trás, como se estivessem aliviados por se livrarem

dela. Por que algumas mulheres, como a Lucinha conseguiam levar seus homens ao fundo do poço sem que eles se voltassem contra elas? Eram eles uns babacas ou elas

eram mulheres excepcionais?

Ouvindo seu irmão, percebeu que Pedro Rocha agira ao contrário. Dera tudo de si para aquela mulher e ela lhe atirara, literalmente, pedras às costas!

Ele amara a tal Lucinha e ela invejava aquele amor.

Sentia agora que nunca fora amada. Se o tivesse sido, seus inúmeros casamentos não terminariam, a maioria, depois de três meses de vida à dois.

Nenhum homem a amara de verdade a ponto de chegar a serem pacientes com ela, cuidadosos, preocupados.

Por outro lado, ela também não fora lá essas grandes coisas. Suas paixões eram superficiais e ao primeiro desentendimento ela queria separar-se de seu cônjuge.

Não tinha paciência para discussões e seu amor morria em dois minutos depois da primeira briga.

Talvez ela fosse mais parecida com a tal Lucinha do que pensava!

- Ei!

Evelyn saiu de suas divagações para ver o garotinho que vinha em sua direção. Olhou adiante e viu o vaqueiro entrando na casa sem lhe dar a menor pelota.

Mais adiante, indo em direção a casa, o filho mais velho do vaqueiro vinha carregando uma grande vasilha, a qual deixou na varanda, olhou curiosamente para ela e

para o seu irmão e entrou pela mesma porta por onde seu pai acabara de entrar.

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- Eu vi a senhora ontem. Trouxe meu papai, né?

- Trouxe sim. - Evelyn respondeu ainda dividindo seu olhar entre o garotinho e a casa na vã esperança de ver o homem sair dali.

- Meu pai disse um monte sobre a senhora.

Agora o menino tinha sua total atenção.

- Um monte?

- Disse que as madames como a senhora dirigem como se a estrada fosse sua! Que se a senhora não o tivesse atropelado, ele estaria se sentindo bem melhor.

que seu carro grande quase quebrara seu ombro e que tão cedo ele não ia poder ajudar meu irmão nas tarefas mais pesadas. Aí, os dois xingaram a senhora!

Evelyn ficara estarrecida.

- Tadeu! Entre agora! - A voz forte do vaqueiro ressoou em seus ouvidos.

Evelyn ainda levantou os olhos acreditando que o homem estava naquilo que ele chamava de varanda, mas a voz viera do interior da casa. Abandonada naquele

triste pátio, só lhe restava partir para a luxuosa fazenda de seu irmão Oliver.

- Mandou me chamar? - Pedro Rocha perguntou ao ex patrão quando entrou em seu escritório na fazenda dos Cassilhas. Não sabia como tratar ao amigo pois sempre

o chamara de patrão.

- Mandei sim, Pedro. Temos algo muito importante para conversar!

Pedro respirou fundo.

- Está se perguntando por que o mandei chamar, não?

- Mais ou menos. Sei que não é para me oferecer o lugar de capataz outra vez por que o que você tem agora é muito bom.

- Não tanto quanto você, mas dá pra levar. Você é o melhor! Soube que Lucinha foi embora. - Henrique Cassilhas mudara de assunto pegando Pedro de surpresa.

Incomodado pela mudança de assunto, Pedro mexeu-se na cadeira e desviou seus sincero olhar dos olhos de seu ex patrão. Teve vontade de dizer que aquele assunto

não era da conta de ninguém mas refreou seus impulsos. O que Lucinha lhe fizera doía ainda em seu corpo mas mais ainda em sua alma, em seu orgulho de macho.

- Sabe quem foi a mulher que o atropelou naquela noite?

- Sei... - Respondeu secamente. Mas prontamente a imagem da loura maravilhosa surgira em sua mente. Uma imagem que ele estava tentando manter afastada. Aquela

mulher não era para ele. E quem era ele? Um peão sem eira e nem beira e ela era a irmã de Oliver Mattos, um fazendeiro milionário. Não podia pensar nela, no perfume

dela, naquela voz de seda!

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- Ela contou o ocorrido para o irmão e ele contou-o a mim.

Pedro nada disse.

- Sei que não gosta de falar sobre Lucinha, mas quero lhe perguntar uma coisa. Tem intenção de aceitá-la de volta, caso ela queira voltar para você?

Pedro olhou bem de frente para o ex patrão. Tinha vontade de mandá-lo para o inferno e um lugar ainda pior. Continha sua irritação com custo. Por que as

pessoas se achavam no direito de se meterem em sua vida? Depois, seu mal humor deu lugar a outro tipo de indignação. Se não fosse por Lucinha, seria agora um dono

de sítio, obviamente não tão imenso quanto o do ex patrão ou dos outros fazendeiros da região, mas não estaria enfiado naquela ampla e total calamidade. Lucinha

lhe tirara tudo. O amor próprio, a convivência com o pai e com seus filhos, o orgulho por ser um homem de verdade, os amigos, o dinheiro para levar o sítio pra

frente. Aquela mulher o destruíra completamente. Dificilmente ele conseguiria levantar o lugar que seu pai lhe deixara. Por sorte, ainda tinha o amor de seus filhos.

Mas duvidava que Diego ficasse com ele por mais tempo naquela penúria. Seu filho fazia um bom curso técnico e logo estaria empregado numa daquelas fazendas, exatamente

como ele estivera um dia. E, como seu pobre pai, ele ficaria naquele sítio desolado, cuidando do filho que Lucinha lhe dera e o qual por pouco não entregara para

a adoção. A pobre e solitária história de vida de seu pai se repetiria com ele! E um dia, morreria velho e solitário como o pai. Mas lhe doía a alma pensar no quanto

idiota e otário ele fora. Sabia que em Vila Verde, todos, sem exceção, riam do papel de chifrudo que ele fizera. Sabia que era visto como o palhaço da cidade. Mas

sempre achara que deveria acreditar na sua mulher e nunca dar ouvidos as fofocas! Além disso, ele amara Lucinha. E acreditara que ela também lhe devotava o mesmo

amor.

- Não a aceitarei de volta, caso ela retorne! - Deixou escapar por entre os dentes trincados.

- Acredito em você. Você sempre foi um homem de palavra, um homem de honra!

De que lhe servia a honra agora? Estava no fundo do poço. Mas tinha o que comer em casa. Suas vaquinhas lhe permitiam isso. Ao menos isso! Ao menos ter comida

em sua mesa! E, ao lembrar-se disso, a imagem da loura cheirosa e metida a besta apareceu em sua frente. O que aquela mulher pensava dele? Podia estar na maior

penúria mas... Não ia aceitar caridade de ninguém!

- O que tem para me dizer, na verdade?

- Bem, Pedro... - Henrique Cassilhas hesitou. - Fui um pouco desleal com você e não lhe estendi a mão quando você precisou de dinheiro para ajudar seu pai

e...

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Depois que Pedro perdera vários empregos, o sítio começou também a andar para trás. Não que seu pai precisasse do dinheiro que ele ganhava como capataz,

mas parecia que uma maré de azar varrera a sua vida num abrir e fechar de olhos. O fato era que perdera algumas novilhas e uma grande quantidade de porcos, patos

e galinhas. O pai ficara doente e ele nada podia fazer para ajudá-lo pois Lucinha detestava aquele lugar. Mas quando o pai morrera, vira as marcas deixada pela desolação

em que o pai se encontrava e tivera que optar. Tinha que retornar para o sítio. Era seu pedacinho de chão. E tinha seus dois filhos para cuidar. Não podia mais contar

com a ajuda do pai. Diego, seu filho de dezesseis anos, estivera sempre com seu pai desde que enviuvara. E Tadeu... Pobre Tadeu. Era quase um ófão de mãe viva! Não

podia abrir mão do sítio e de seus filhos por Lucinha. Mas acreditava que ela o acompanharia para ficar do seu lado como ele sempre ficara ao lado dela!

- Eu não lhe pedi nada! - Pedro resmungou orgulhoso. - Nunca pedi dinheiro para ninguém aqui em Vila Verde! Sempre trabalhei!

- Eu não disse que você pediu dinheiro, disse?

Pedro ficou calado. Na verdade, nem sabia o que Henrique Cassilhas queria com ele. Desde que fora demitido de sua função de capataz naquela fazenda há pouco

mais de um ano, que não via aquele homem. Era certo que perambulara pelas fazendas daquela cidade, trabalhando ora com um, ora com outro, mas nunca pedira nada a

ninguém. E nem mesmo saíra da fazenda de Henrique Cassilhas aborrecido. Sabia que Lucinha aprontara com a mulher do patrão e por mais de uma vez. Quando fora demitido,

fora homem suficiente para reconhecer que o patrão até que aturara demais. Lucinha colocara a vida de dona Joana em risco. E o patrão não o demitira. Só mandara

Lucinha embora. Ele sim que fora o otário em ir atrás daquela mulher!

- Quando você veio trabalhar para mim, disse que pretendia juntar dinheiro para ajudar a incrementar o sítio de seu pai e me pediu que o ajudasse a fazer

isso, lembra?

Pedro assentiu com um movimento de cabeça.

- Trabalhou como meu capataz por muitos anos até aquele dia em que decidiu-se por ir embora acompanhando Lucinha depois que ela... Bem... Você sabe! Certo?

Novamente Pedro balançou a cabeça concordando. Como esquecer-se daquele dia em que deixara a fazenda onde trabalhara desde que sua mulher morrera?

- Quando fizemos o acordo, você pediu que eu investisse o dinheiro que iria separar para um dia poder cuidar do sítio. Disse que não adiantava levar um pouquinho

todo o mês para o seu pai, que o melhor era ir juntando e, quando tivesse uma boa quantia, usaria para comprar umas vacas, reformar a casa, concorda?

- Sim...

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- Então, durante muitos anos, você deixou comigo mais da metade de seu salário todos os meses. O restante você repartia com seu pai para os gastos com seu

filho Diego, de quem seu pai cuidava e com seus gastos pessoais, o que não era muito, já que aqui você tinha alojamento e refeição. Não gastava muito, certo?

- Certo.

- E o sítio, embora não lhes rendesse muitos lucros, dava para tirar um bom dinheirinho para a sobrevivência de seu pai e de seu filho, né?

- Sim...

- Aí, Lucinha entrou em sua vida e tudo debandou.

Pedro tornou a se remexer na cadeira em frente a escrivaninha de Henrique. Por mais que tentasse manter os olhos nos olhos do ex patrão, não conseguiu manter

o olhar. Mirou o chão e toda a sua vergonha lhe passou pela cabeça em questão de segundos.

- Hum!

- Bem... Tínhamos um acordo. Eu investia mais da metade do que você ganhava até então, mas Lucinha começou a exigir seu pagamento integral. Tanto que era

ela agora quem vinha pegá-lo, com o seu consentimento. Lembra?

- Sim...

- Então, sabendo como ela agia, eu não permitia que ela lhe levasse tudo. Era óbvio que por ela não saber ler, não sabia bem o quanto você ganhava. E, como

você não mais via seu pagamento, também não sabia o quanto ganhava. Assim, eu contimuei a investir o seu dinheiro pois acreditava que assim que descobrisse quem

Lucinha era de fato, você teria uma escelente quantia para recomeçar sua vida!

Pedro olhou-o com desconfiança. E Henrique o conhecia bem. Sabia o quanto ele era orgulhoso e teimoso. Se alguém lhe oferecesse qualquer coisa, mesmo que

fosse para lhe salvar a vida, ele morreria recusando!

- O que eu quero lhe dizer, Pedro, é que você tem uma certa quantia de dinheiro investida comigo e que vai dar para levantar seu sítio e fazer um pouco mais,

até. Na realidade, é uma pequena fortuna! Um bom dinheirinho mesmo!

Pedro sentiu a esperança crescer em seu peito mas logo seu olhar se enfureceu. Não era do tipo que aceitava esmolas!

- Hã... Henrique... Sei o que está tentando fazer. Sei que quer me ajudar, sabe que estou no fundo do poço, mas não posso aceitar uma coisa dessas!

- Não entendi...

- Está querendo me dar seu dinheiro!

- É claro que não! - Henrique Cassilhas estava pasmo! - de onde tirou essa ideia?

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- Sei que Lucinha pegou todo o dinheiro do investimento que eu tinha aqui. Ela mesma me disse!

- E você viu esse dinheiro com ela?

- E Lucinha me deixava ver a cor do meu dinheiro? Nunca soube nem mesmo o que ela fazia com ele e nem o que realmente comprava.

Na atualidade, Pedro acreditava que Lucinha dava seu dinheiro para os homens com os quais se deitava pois ela nunca tinha dinheiro e sempre estava lhe pedindo

mais. Mas somente agora, depois que a rua até já se esquecera do quanto chifrudo ele fora, era que pensava naquilo. Um pouco tarde demais para abrir os olhos. Mesmo

assim, tinha seu orgulho. Se fora idiota o bastante para deixar que uma mulher lhe tirasse tudo durante anos, não era digno de pena! Era um otário chifrudo! E otários

chifrudos não mereciam compaixão de ninguém! Afinal, todo mundo tentara lhe abrir os olhos e ele fora cego por escolha própria! Até enxergava as coisas, mas não

via!

- Ela não era boa em contas. Não lhe demos nada. Apenas a enganamos e ela, que não sabia ler e nem contar, caiu na nossa conversa.

Pedro parecia hesitar.

- Talvez... Mas não quero a caridade de ninguém! Sei que quer me ajudar, mas...

- Acha que sou homem de sair distribuindo meu dinheiro por aí? Sou um empreendedor, Pedro! Não a madre Teresa! Tudo bem que parte da minha fortuna eu devo

ao seu excelente trabalho, mas você foi pago para isso, não?

- Sim, mas...

- Se digo que seu dinheiro está investido comigo é por que está! Acha que minha palavra é o que?

Pedro percebeu que o tranquilo Henrique Cassilhas estava ficando irritado. Fato quase inédito. Por sorte, aquela conversa fora interrompida pois bateram

à porta do escritório.

- Entre! - Henrique Cassilhas ordenou ainda irritado com a postura de seu ex empregado.

- Patrão! Dona Joana está... Tendo neném! - O peão falou meio sem jeito.

Henrique ficou pálido como uma folha de papel e se esqueceu que Pedro estava ali.

- Já chamaram a parteira Angel?

- Sim... Tiana já cuidou disso. A parteira Angel já está vindo!

E Henrique saiu do escritório deixando um pasmado Pedro para trás entregue aos mais confusos pensamentos.

Torcendo para que tudo desse certo para Henrique e Joana, ainda ficou perambulando pela fazenda do ex patrão relembrando os velhos tempos quando era ele

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quem mandava e desmandava ali com o aval de Henrique Cassilhas. Agora, não passava de um ninguém!

- Ei, vaqueiro! Está perdido por aqui?

Pedro voltou-se para ver um velho amigo. Durante um bom tempo eles não se falaram por causa dos ciúmes de Pedro por Lucinha.

- Boa tarde, Luís Paulo. Faz tempo que não te vejo. - Afastou um pouco do rosto o seu chapéu de vaqueiro para melhor olhar ao amigo.

Pedro gostara de ver o amigo e cumpadre e que agora era advogado como sempre sonhara. Tinha agora um escritório no centro de Vila Verde. Antes ele fora bombeiro.

Durante quatro anos, os dois amigos ficaram sem se falar por causa das intrigas de Lucinha. Reataram a amizade há pouco mais de um ano quando o pai de Pedro passara

mal e Luís Paulo o socorrera levando-o ao posto de saúde da cidade.

- Vim ver minha mãe. E meu pai também. E pensar que eu achava que um dia me tornaria advogado e os levaria daqui comigo.

- Eles gostam da vida na fazenda. - Pedro disse com um sorriso. - Como vai o seu caçulinha?

Pedro se referia ao bebê de Fernanda e Luís Paulo que nascera um ano antes.

- Aprontando todas! - O papai coruja sorriu.

Pedro pensou que era bom ter seu amigo de volta. Como pudera ser tão cego e deixar que Lucinha o fizesse perder tantos amigos? Pegou um de seus cigarros

de palha, e o acendeu.

- Como vai meu afilhado? - Luís Paulo quis saber.

- Dando duro como sempre. Aquele menino é um orgulho para um pai! Vale ouro!

Luís Paulo aquieceu sorrindo.

- Foram chamar Angel mais uma vez. Acho que dessa vez é para valer!

- Também acho. O mais novo pimpolho de Vila Verde está a caminho! Angel vai ter bastante trabalho já que teve até que colocar a Joana de molho.

- Mas as mãos de Angel são mágicas. Ela nunca perdeu nenhum bebê!

- Sei... Nem mesmo no caso da Mayara, né? Lembra? Todo mundo achou que o bebê havia morrido mas ele tava bem vivinho!

- Graças a Deus!

- Tudo por causa daquele canalha do Laerte!

- É... Mas a Joana teve bastante trabalho dessa vez. Da outra o bebê dela nasceu bem no meio da estrada e foi Henriqye quem fez o parto! E eu sei como ele

deve estar se sentindo. Quando Fernanda teve o nosso caçulinha, pensei que ia quebrar todos os dentes de tanto que eu os apertava. Eu me sentia feliz e na pior das

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angústias ao mesmo tempo. Sabe, né? Quando soube que Fernanda estava grávida... Morri de medo. Minha mulher, paraplégica e grávida! Como me odiei naquele dia por

tê-la engravidado! Logo eu que tomava o maior cuidado!

Pedro assentiu. Sabia como o amigo deveria ter-se sentido embora, naqueles dias eles não se falassem. Mas acompanhara, um pouco antes de Lucinha surgir em

sua vida, o desespero do amigo com relação a mãe de seus filhos e a sua paralisia.

- Ah! Sei bem como é. Não demora muito e Tavinho vai aparecer por aqui. Está tão preocupado com a irmã!

- Só assim para ele sair da frente do computador. Passa o dia inteiro com a cara enterrada naquele troço! -

- É... Mas nas noites... Cada noite está numa cama diferente.

Os dois homens riram.

- Tomara que tudo corra bem para Henrique. Não há nesse mundo alguém com um coração maior que o dele! - Luís Paulo falou depois de um tempo e Pedro concordava.

Por isso aquela relutância em aceitar o que lhe era oferecido.

Os dois amigos ficaram conversando um pouco. Depois, Pedro foi para sua casa ainda aborrecido com a oferta de Henrique Cassilhas. Não ia aceitar esmolas.

Não ia aceitar aquele dinheiro que ele sabia não lhe pertencer. Aquela história estava mal contada. Lucinha pegara o dinheiro que ele pedira que Henrique Cassilhas

investisse a fim de ter uma boa quantia no final de seu trabalho quando iria se dedicar ao próprio negócio!

Quando retornara à pé para seu sítio, que ficava do lado oposto das fazendas dos Cassilhas, dos Salviati, dos Sivelie e dos Mattos, já sabia que Joana a

mulher de seu ex patrão, havia tido um casal de Gêmeos!

Por um longo tempo experimentou a sensação de sonhar com coisas boas que podiam acontecer em sua vida. Uma delas era poder ter um cavalo para não ter que

andar tantos quilômetros à pé. Era certo que, naquele momento ele havia conseguido uma carona de um dos peões até o centro da cidade mas teria que seguir caminhando

para sua casa. E sua casa era longe do centro. Ficava no lado oposto da fazenda de Henrique Cassilhas. Em sua rua, comprida e deserta, nada havia. No início até

que tinha a fábrica de máquinas agrícolas que pertencia aos irmãos Sivelie e logo depois, vinha o bairro Mutirão São João Baptista, onde sua prima Beatriz tinha

uma casa. E depois, naquele mesmo lado da estrada, tinha umas terras dentro dum brejo e que pertenciam a prefeitura. O prefeito quisera doá-las ao pessoal de baixa

renda mas as terras precisavam de aterro e o prefeito não quisera gastar seu dinheiro com aquilo. Do outro lado da estrada, tinha uma fazenda abandonada e que os

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donos se mandaram mal o patriarca morrera e haviam largado tudo para trás. E aquela fazenda abandonada era o sonho de Pedro. Lá havia uma casa de dois andares, uma

piscina abandonada e um monte de galpóes para guardar máquinas e usados também como estábulo e celeiro. Tinha açude, nascentes e um riacho que passava por dentro

das terras. Era uma "belezura" como Pedro a chamava. Mas sabia que aquilo não era para o seu bico! Aquela fazenda ficava entre o iniciozinho da estrada, bem próxima

ao centro da cidade, bem emfrente a fábrica dos Cassilhas e Sivelie e fazia divisa com o seu sítio caindo aos pedaços. Fora no matagal daquela fazenda que ele se

escondera para que Lucinha não o matasse a pedradas como se ele fosse um inseto nojento!

Além de pensar num cavalo e na fazenda vizinha a suas terras, ele também gostaria de ter ao menos uma carroça, já que pensar numa caminhonete, mesmo bastante

velha, era algo inviável. E, pondo os pés no chão, sabia que tinha que esquecer a fazenda vizinha e pensar na realidade possível. Assim, sonhava em poder aumentar

sua casa. Um quarto para os meninos e um para si. Além de um banheiro de verdade dentro de casa. Nada de ir tomar banho lá fora e enfrentar o frio na volta para

o lar quentinho à noite!

Por sorte, seu filho estava fazendo um bom curso técnico e ele sempre tentava colocar na cabeça do filho que a melhor riqueza que um pobre podia adquirir

em sua vida era o estudo. Pobre com uma boa educação tinha mais chances de vencer na vida. Assim, mesmo com todo o sacrifício, Diego sempre ia para o colégio no

caminhão do leite que passava recolhendo o produto dos pequenos produtores que não tinham como levar o leite todos os dias para a fábrica de laticínios.

E ele era tão fracassado que nem mesmo uma bicicleta ele pudera comprar para o filho que trabalhava duro nas terras pela própria sobrevivência.

E pensar que poucos anos antes ele estava cheio de esperanças. Tinha um bom dinheiro para melhorar as condições do sítio do pai que, naquela época, cinco

anos atrás, era muito melhor do que era agora. Tinha até seu próprio cavalo! E era um bom cavalo!

O mais chato era ter que admitir que a culpa de toda aquela devastação era toda sua. Fora ele que se deixara levar por Lucinha e suas artimanhas femininas.

E jurava a si mesmo que nenhuma outra mulher faria com ele o que Lucinha fizera!

E ele nem saberia dizer se o que sentira fora paixão. De qualquer forma, acabara. Ele agora estava livre daquela mulher pérfida e cruel.

O mais estranho, entretanto, era que Lucinha sempre lhe parecera tão convincente! Sempre que ouvia algo que deixava claro que Lucinha o traíra, que fora

vista com Fulano ou Sicrano, ela lhe dava uma desculpa aceitável. Exatamente como aquelas em que jurava, entre lágrimas, que os homens a cantavam, tentavam até forçá-la

ao sexo e, quando ela se negava, eles diziam que fora ela quem dera em cima deles.

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Como ele podia não acreditar quando ela mostrava as roupas rasgadas e marcas roxas pelo corpo que comprovavam a violência a qual fora submetida?

E, em cinco anos aquela histórias se repetiram tantas e tantas vezes que até ele, o mais imbecil dos homens, tivera que desconfiar.

Pedro e seu filho Diego estavam ordenhando as poucas vacas que possuíam quando um barulho de motocicleta quebrou o tranquilo canto dos pássaros naquela manhã

que ainda não se abrira para receber o calor do sol e a luminosidade do dia! Os cachorros latiram alertados por algo diferente.

Ambos estranharam. O caminhão da fábrica de frios e laticínios só passaria por ali dali a uns trinta minutos e nenhum outro veículo era visto naquele lugar.

Os sítios vizinhos não tinham veículos, assim como ele e ninguém passava por aquela estrada naquela hora quando o sol ainda nem havia nascido.

A moto entrou em seu quintal derrubando, deliberadamente, seu podre portão. Pedro disse um palavrão e mais outro quando viu Lucinha saltar, em meio a escuridão

da madrugada que já começava a se dissipar, da moto do desconhecido.

- Preciso de dinheiro! - Foi logo falando, enquanto dava um forte pontapé num dos cachorros com a ponta de sua botas que, ganindo, caiu no chão, desmaiado.

- Oh, Deus! - Diego gemeu de dor por seu cachorro. Viu o outro receber um tratamento idêntico do homem que acompanhava Lucinha quando o cão avançara em sua

direção.

Pedro chutou a cerca do curral onde estava. Percebeu que a situação era pior do que ele poderia supor. Ficara preocupado com os cachorros mas pela violência

gratuita, percebeu que as coisas não iam bem e ele ia precisar manter a calma, o controle e observar as coisas com cuidado.

- E de onde acha que eu tiraria dinheiro? - Rosnou.

- Não me interessa. Você está com meu filho. Tem que pagar por ele!

Pedro elevou as sobrancelhas. Teria ouvido direito?

- Não entendi.

- Você ficou com Tadeu, não ficou? É justo que pague por ele.

- Você está me pedindo uma pensão?

- Pensão? - a mulher deu uma gargalhada. - Pensão, não! Uma idenização! Muita grana! Uma criança vale muita grana!

- Lucinha... - Falou o nome da mulher entre os dentes e bem devagar. Tinha vontade de voar naquele pescoço e apertá-lo até que a lingua dela servisse de

tapete para ele limpar os pés. Olhou para os dois cachorros caídos no pátio.

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- Deixa de onda, Pedro. Preciso de dinheiro. O Tony aqui não tem nada e eu prometi que se ele me desse guarita eu arranjaria alguma coisa para nós dois!

- Acha que eu vou sustentar você e seus machos?

- É só uma ajudinha. Além disso, você não me pagou por Tadeu. Ele está com você desde que nasceu!

- Você ia dar seu filho para a adoção! E ele é meu filho também, esqueceu?

- Bem... Sei não...

- O que você não sabe?

- Se ele é seu filho... Além disso não sou de dar nada a ninguém. eu ia ganhar uma grana boa com ele. Tinha um casal que queria pagar muito dinheiro, mas

você e aquele velho gagá atrapalharam tudo! Agora você me deve!

Pedro respirou fundo com dificuldade.

- Ele não é? Ele não é meu filho?

- Sei lá! Deve ser, ué! Não me lembro.

- Essa é a minha gatinha! - O motoqueiro se aproximou de Lucinha dando-lhe um beijo apaixonado. - Nem sabe de quem é o filho que teve! Adoro mulheres despreocupadas!

Pedro engoliu a raiva. Viu o volume de uma arma na cintura do sujeito que viera com a mulher.

- Não tenho dinheiro. Faz uma semana que estou aqui e mal temos alguma coisa para comer. Sabe da situação do sítio melhor que ninguém.

Lucinha riu.

- Sabia que esse idiota queria que eu viesse com ele morar aqui nesse pardieiro? Nem banheiro tem aqui, sabia? Tem uma casinha com um buraco no chão. Bem...

É verdade que tem um caixotinho para a gente se sentar e fazer as necessidades... Se precisar ir ao banheiro de madrugada, tem que sair da cama quentinha e enfrentar

o frio e a escuridão da noite... - Ela ria divertida enquanto falava com o motoqueiro. - E a casa? Tem que cortar lenha para cozinhar, inclusive com a chuva caindo

no lombo. E mesmo debaixo de chuva, tem que ir até o poço puxar água num balde e trazer até aqui. E, quando se quer comer uma galinha, tem que sair, com um facão

na mão, correndo feito um doido atrás da bichinha. Depois, cortar-lhe o pescoço, depenar a desgrapenta, queimar as penugens que ficam... Um nojo só. Tudo aqui é

primitivo! Vê se eu ia querer morar nesse fim de mundo!

- É isso aí, gatinha. diz pra ele que agora você mora em São Paulo! Na cidade grande!

- É isso aí... Viu Pedro. O Tony aqui sabe como tratar uma mulher.

- Mesmo assim, você veio aqui atrás de dinheiro. O Tony aí não tem de onde tirar? - Pedro foi irônico.

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- Não brinque comigo não, ô seu matuto! Quer que eu lhe dê um corretivo? Acha que tenho medo desses músculos saltados? Minha pistola acaba com essa sua valentia

em dois segundos! Matuto de merda! Caipira idiota!

- Olha aqui, Pedro! - Lucinha ignorou as demonstrações de excesso de testosteronas dos dois machos. - Sabe que preciso de dinheiro e não vou embora daqui

se não me der.

- Não tenho um centavo em casa. Se quiser esperar, vai ter que ficar por aqui por muito tempo. Olha a sua volta. Vê algum tipo de melhora por aqui? Nada

tenho para lhe dar, Lucinha!

- E mesmo que meu pai tivesse não o daria a você! - Diego falou irritado. - Quase matou meu pai lá na estrada. Como teve coragem de atirar pedras em meu

pai e depois deixá-lo lá para morrer?

- Ele me parece bem vivo! - Lucinha riu. - Tem a cabeça dura como Pedra! E você, fedelho, não se meta na conversa senão mando o Tony aqui lhe ensinar a ficar

de bico fechado.

Diego ia retrucar mas o toque de seu pai em seu braço o fez calar.

- Onde está o dindim?

- Já disse que não tenho dinheiro algum!

- Bem, então vou levar meu filho comigo. Quando ele nasceu...

- Não vai levar Tadeu a lugar algum.

- É claro que vou. É claro que agora ele não vai me render um bom dinheiro como quando era bebê mas ele é um menino bonito. Pensando bem, acho que ele é

seu filho de verdade. Parece com você!

Lucinha se dirigiu ao interior da casa pois sabia onde o menino dormia. Pedro deu um passo a fim de impedi-la mas Tony pegou a pistola num gesto muito rápido

e a encostou na cabeça de Diego, imobilizando-o e obrigando Pedro a recuar.

- Deus meu! Vai atirar num menino?

- Atiraria até na minha mãe se ela se colocasse no meu caminho. aliás... - O homem riu alto. - Acho que já fiz isso com ela!

Pedro, inconformado, ouviu os gritos do filho mais novo dentro da casa. Depois viu o garoto ser atirado ao chão, para fora da pequena casa. Lucinha não tinha

pena da criança. Tinha tirado o menino da cama quentinha onde ele dormia alheio a confusão do lado de fora e agora o agredia com raiva por que o menino tinha medo.

- Vamos, moleque. vou vender você!

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- Pai! Pai! Papai! - O menino gritava desconsolado enquanto era arrastado para a moto. - Não deixe que ela me leve, papai! eu não quero ir com ela! Ela é

má! Não quero ir! Não quero ir!

- Cale essa boca, peste! - A mulher bateu no rosto do menino. - Se o seu pai bancar o herói, o outro filho dele morre! quer ver seu irmão morrer? Quer que

o meu amigo mate seu irmão e seu pai?

Tadeu pareceu entender, no alto de seus quatro anos, o que significavam as palavras gritadas pela mãe. E entendeu também que aquela era a última vez que

via o pai e o irmão.

capitulo 4

Mas Lucinha não estava satisfeita com a desgraça que provocava. Amarrou o menino na moto e voltou para render Tony que segurava a arma.

- O que faço, amor? - Perguntou ao parceiro.

- Se não amarrar os dois safados eles vão querer ir atrás de nós! - O camarada resmungou. amarre os dois. E aviso para você, papai... Se tentar qualquer

coisa, seu filhão aqui ganha um tiro na cabeça e em seguida, faço questão de fazer um buraco no pequeno. assim, você fica com duas mortes na consciência!

Lucinha procurou e pegou o varal usado para estender roupas. Amarrou primeiro ao Pedro que, vendo o cano da pistola na cabeça de seu filho, não ofereceu

resistência. Depois, Diego foi amarrado. Em seguida, Lucinha derrubou o leite que eles haviam acabado de tirar das vacas e rindo, foi até a casa onde sabia que Pedro

guardava querosene para os lampiões, já que ali faltava energia constantemente.

Espalhou um pouco de querosene em volta da casa e depois, um pouco no curral onde Pedro e o filho estavam amarrados. Rindo, ateou fogo. Tudo isso diante

do olhar horrorizado de Tadeu e das gargalhadas de Tony.

O casal subiu na moto e foi embora. Ao longe, Pedro ouvia os gritos do filho mais novo. Seu filho mais velho tinha lágrimas nos olhos. E embora o fogo não

lhes ameaçasse a vida naquele momento imediato, ele via sua casinha velha queimando nas chamas que a consumiam avidamente.

Com esforço conseguiu se soltar e em seguida, soltar o filho. No minuto seguinte o caminhão que recolhia o leite chegava ao sítio e juntos assistiram a destruição

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do pouco que lhe restara. Mas tinham que agir rápido a fim de salvar alguma coisa. Assim, Pedro e o filho tiraram as vacas do curral que também se incendiava. Salvaram

também algumas gaiolas com os passarinhos que seu velho pai sempre tivera. Correram para os cachorros e perceberam que teriam que pedir auxílio ao doutor Rabelo,

o veterinário que atendia a vários fazendeiros. Os cães pareciam muito mal. Perdera sua casinha velha, perdera muito com a loucura daquela mulher a quem ele tanto

amara. E então se perguntou para onde aquela louca estaria levando seu filho de quatro anos!

- Já soube da última, mãe?

Evelyn levantou os desconfiados olhos da xícara de café com leite que estava tomando para ver por qual razão sua filha falava num tom ameno. Era já meio

dia e Raíssa já voltara do colégio, onde cursava o Magistério.

- Não. E qual é?

- Bem... Aquele caipira que você salvou na semana passada está lá na delegacia prestando queixa nesse momento. Tem uma porção de gente lá na porta comentando

o caso.

A expressão de Evelyn nada revelava mas não por que assim o desejasse, mas por que ficara momentaneamente sem ação.

- O vaqueiro grandalhão?

- É aquele matuto mesmo! Ele e o filho estão lá na delegacia agora.

- O que aconteceu?

- Acho que a mulher dele sequestrou o filho pequeno e ateou fogo no... Na... Naquilo que ele chama de casa.

- Ela o que?

- Acabou de destruir o que, ninguém sabe como, teimava em ficar de pé! - Disse a garota com humor.

- Deus meu! E o que eles vão fazer agora?

- Sei não, mãe... Mas ouvi dizer que o atual namorado da tal mulher colocou uma pistola na cabeça do filho mais velho. Aí o vaqueiro teve que ficar quieto

vendo a mulher atear fogo naquele lugar e levar o filho caçula.

- Coitado...

- coitado? Ele é homem, mãe! Certamente teve o que mereceu!

Raíssa! Não fale do que desconhece.

- Ah! que se danem! São todos um bando de pobretões! Não tô nem aí para eles! Odeio gente pobre!

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Aquele comportamento de sua filha era por sua culpa. Deixara que a menina fosse criada por sua mãe, uma mulher cheia de ódios e rancores!

- vamos até lá! - Evelyn disse largando o seu café da manhã e ignorando, como sempre fazia, as observações maldosas de sua filha.

- Que droga, mãe! Tenho que lhe acompanhar em todos os lugares? Isso já está ficando chato, sabia? E eu não gosto de me misturar com a gentalha! Se é que

eles podem ser considerados gente!

Evelyn puxou o ar do fundo de sua alma. Sabia que merecia aquilo. Era o seu castigo por ter abandonado a filha aos cuidados de sua mãe, por ter se preocupado

mais consigo mesma do que com o bem estar da própria filha!

- Ou isso ou a FEBEM! Pode escolher! - Agora, tinha que ser dura! E isso lhe doía muito.

Em minutos, Evelyn e sua mal humorada filha também estavam nas devastadas terras de Pedro Rocha. O inspetor Jorge del Toro também estava lá vendo os estragos.

Luís Paulo, que fora o chefe dos bombeiros anos antes, também comparecera mas nada mais podia ser salvo.

E, para a surpresa de Pedro Rocha, a maioria dos fazendeiros de Vila Verde foram lhe prestar sua solidariedade e todos se dispuseram a ajudá-lo, algo que

Pedro não aceitou. Era orgulhoso demais para permitir que os Sivelie lhe dessem material para que ele reconstruísse sua casa, que ouvisse Henrique Cassilhas falar

novamente sobre o dinheiro que pertencia a ele, que Guilherme Lobo lhe oferecesse um de seus cavalos que estavam no estábulo de Oliver Mattos e que o próprio Oliver,

a quem havia agredido fisicamente por causa de Lucinha, se prontificasse a ajudá-lo do modo que Pedro considerasse melhor.

Doutor Rabelo já medicara os cachorros e dissera a Pedro que os dois iriam se recuperar dos machucados provocados pelas botas de seus agressores.

Pedro estava perdido de vergonha! Nem podia pagar pelos serviços do veterinário! Tornara-se tão miserável que até as mulheres do grupo AMOVIVER, o bando

de fofoqueiras da cidade, apareceram para lhe oferecer auxílio.

Se não estivesse tão preocupado com o desaparecimento de seu filho Tadeu, era ele quem desapareceria. Sabia que, numa cidade grande, nem ele nem Diego conseguiriam

sobreviver por muito tempo, mas era isso o que tinha vontade de fazer. Vender o pouco que lhe restara e sumir no mundo!

Mas amava a terra, o gado, os cavalos, a vida ao ar livre. Além disso, se fosse embora dali, jamais reencontraria seu filho pequeno. Vila Verde era o seu

ponto de referência. Se Tadeu conseguisse se desvencilhar daquela mulher do inferno, era por Vila Verde que ele procuraria. E, se o menino pedisse a qualquer pessoa

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que entrasse em contato com qualquer um daquela cidade, não haveria nenhum único ser que não soubesse quem ele era e como dar as coordenadas para que ele pudesse

ir buscar seu filho onde quer que Tadeu estivesse e trazê-lo de volta ao lar!

"Lar? Que lar?"

Havia mais algum degrau para descer? Mas tinha que agradecer aos céus pois ainda tinha suas novilhas! Não perdera nenhuma delas e nenhum de seus bezerros!

Quando todos partiram, Evelyn e a filha se aproximaram do pai e do filho que continuavam tentando encontrar, com o semblante devastado pela dor e pelo desespero,

em meio as cinzas, algo que pudessem usar quando conseguissem reconstruir a casa.

Raíssa, irritada, reclamava que a mãe tinha que arrastá-la para onde quer que fosse!

- Onde vai dormir essa noite? - Evelyn perguntou ignorando as reclamações irritadas de sua filha.

- Aqui...

- Aqui, onde? - Ela olhou em volta e não viu nenhuma outra construção. tudo bem que o terreno era bem grande, possivelmente uns trinta alqueires, mas não

havia nada com paredes ou telhados por onde sua visão pudesse alcançar.

- Aqui, nas minhas devastadas terras! - Respondeu mal humorado.

- Mas não há nada! Nem mesmo um telhado sobrou para lhe cobrir a cabeça. E mesmo que um telhado tivesse ficado de pé, estamos em julho, em pleno inverno.

Sem paredes, vocês morreriam de frio!

Pedro apenas olhou feio para ela e nem se deu ao trabalho de encolher seus ombros.

- Seus animais não foram feridos, foram?

- Não.

Evelyn não sabia dizer por que se preocupava tanto com aquele peão pobre e que se encontrava no fundo do poço. Talvez fosse por compaixão. Ele tinha algo

de diferente. Não mantinha diante dela, aquela postura excessivamente humilde que a maioria dos peões da fazenda de seu irmão tinham para com ela. Ou ficavam nervosamente

retorcendo, entre as mãos, seus velhos chapéus de palha ou a olhavam de um modo um tanto ofensivo, como se ela estivesse pronta para se deitar com um deles a qualquer

momento!

Aquele peão a sua frente era diferente de todos os outros. Não era humilde e nem desrespeitoso. Não retorcia seu chapéu diante dela e nem a olhava com lascívia.

Olhava-a nos olhos como se não se sentisse inferior a ela por se encontrar numa situação economicamente inferior. Olhava-a como se fossem iguais, como se sua classe

social fosse a mesma que a dela! E demonstrava um olhar de muita curiosidade, como se não pudesse compreender o que ela e a filha ainda faziam ali! Todavia, tinha

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que confessar para si mesma, por mais que procurasse esnconder tal fato de si mesma, que aquele peão a intrigava. Tinha uma necessidade muito grande de saber quem

era ele, o que ia fazer diante de tanta desolação. E queria ajudá-lo. que diabos! Era rica! Podia reerguer ali uma mansão que isso em nada contribuiria para diminuir

a sua fortuna. Podia comprar para ele mil, duas mil, dez mil cabeças de gado da melhor raça. Podia comprá-lo e pagar por ele! Ele só precisava dizer quanto ele valia!

Afastou tais pensamentos e se concentrou na conversa.

- ainda bem... Ainda bem que sobrou alguma coisa, né? - Ela tentava levantar-lhe o ânimo.

No entanto, Pedro não via nada em que pudesse se agarrar. Para piorar, seu filho caçula estava em algum lugar daquele vasto mundo e ele não tinha a menor

ideia de onde. E não entendia o que aquela grã-fina fazia ali junto com sua petulante e antipática filha. Não tinha paciência para lidar com peruas. Por sorte, em

todas as fazendas em que trabalhara, as esposas de seus patrões eram pessoas amáveis e simpáticas. E, por sorte, quando trabalhara para Oliver Mattos, o irmão daquela

perua loura, ela não estava vivendo por ali! Ia detestar receber ordens daquela mulher! Mas que ela a mulher mais bonita e cheirosa que ele já vira, lá isso era

a mais pura verdade!

- Não acha melhor ir para um hotel, para uma das pousadas de Vila Verde?

- Dona... - Ele teve vontade de rir, mas esse hábito ele perdera há muito tempo. Só calou-se e abanou a cabeça desolado. Pegou suas luvas que estavam presas

em seu cinto, olhou-as e depois, como se não soubesse o que fazer, recolocou-as no lugar e fitou o chão.

- Eu queria ajudar...

- Não aceito esmolas, dona! Viu quantas pessoas estiveram aqui hoje me oferecendo isso e aquilo? Não quero ser devedor de ninguém. Já basta estar devendo

ao doutor Rabelo por ter cuidado dos meus cachorros, mas...

- Já que não quer ir para lugar algum... Tem aquela fazenda abandonada que fica vizinha as suas terras e...

- Dona... - Ele parecia muito infeliz. - Não vou invadir a propriedade de ninguém, dona. Aquela fazenda pode estar aparentemente abandonada, mas tem dono

e a senhora sabe muito bem disso! Meu lugar é aqui, tenha uma casa aqui ou não!

- Por que não aceita alguma ajuda como um empréstimo, algo que você possa pagar depois? - Evelyn insistia.

Pedro olhou-a desanimado. Puxou o ar do fundo da alma. Depois, pegou em um dos bolsos de seu velho jeans um cigarro de palha, acendeu-o, soltou a fumaça,

e ficou olhando para o ar.

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- Você pode aceitar um empréstimo para reconstruir sua casa e seu curral. Isso não seria muito. Pode construir uma casa pequena, como a que tinha antes...

Ele olhou a mulher. Mas não queria ficar olhando para aquela mulher tão bela, tão perfeita! E, ao desviar os olhos da mulher Pedro viu um sinal de esperança

nos olhos de seu filho Diego. Mas que inferno! Seu filho queria que ele aceitasse esmolas? Ia ter que ensinar ao garoto que, por pior que fosse uma situação, não

era muito bom ser devedor de alguém. Quando uma pessoa prestava um favor, nunca se sentia satisfeita por mais favores que recebesse como pagamento! Sempre acharia

que seu devedor não lhe pagara o suficiente. E sempre dirria isso aos outros!

Olhou inquisidoramente para o rapaz mas dessa vez foi o garoto quem desviou o olhar.

Pedro se sentia ainda mais fracassado. Estava reduzido a nada diante do filho. Devia tê-lo deixado ir para a casa do padrinho que se oferecera para que pai

e filho ficassem em sua casa. Mas, como sempre, Pedro não aceitara o oferecimento de seu amigo de infância e compadre Luís Paulo.

- Ao menos deixe Diego dormir lá em casa. Sabe que ele e meu filho Juliano se dão bem, têm a mesma idade e são amigos desde pequenos... - Dissera Luís Paulo

naquele dia. Mas Pedro nem deixara o amigo terminar a frase. Agora, parecia-lhe ouvir as mesmas palavras mas pela boca daquela dona danada de bonita e danada de

cheirosa.

- Se quiser, posso lhe arranjar algum dinheiro e...

- Dona! - Ele a interrompeu irritado.

- Mas você me paga depois!

- E como vou pagá-la? - Rosnou. - Quer que eu roube um banco? Já lhe disse que não tenho um centavo. Aliás, foi por isso que Lucinha levou meu filho. Queria

dinheiro! Dinheiro que eu não tinha! Acha que se eu tivesse algum dinheiro permitiria que aquela louca levasse com ela um menino de quatro anos, que sempre viveu

aqui, para que ela o vendesse como se fosse uma peça de roupa usada? E a senhora acha que alguém vai comprar um menino de quatro anos?

- Ei! Não grite com minha mãe, seu estúpido! Não vê que ela só está querendo ajudar? Sei que ela é uma boba por se preocupar com vocês mas...

- Então não grite você com o meu pai! Não consegue ver que ele está nervoso? Olhe a sua volta, menininha riquinha! Não temos nem um telhado para por sobre

nossas cabeças!

- Seu pai é um grosso!

- E sua mãe é uma chata que bate sempre no mesmo ponto!

- Ei! Os dois podem parar! - Pedro esbravejou.

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- Não grite comigo, seu porco! Quem pensa que é? Não passa de um indigente! Não tem onde cair morto!

- Raíssa! Isso não são modos de falar com os mais velhos!

- E você é uma burra, mãe! Vai ficar tentando ajudar a esse pobre coitado que não quer ajuda de ninguém? É um pobre orgulhoso! Deixe-os dormir no relento!

Deixe-os pegar uma pneumonia! Por que se importa com eles? Se morrerem, que falta vão fazer? Assim, quem sabe, em cima da cama de um hospital ele perca um pouco

a pose de dono do mundo? Talvez ele se alimente do orgulho, se medique com o orgulho, se vista com o orgulho e acabe morando dentro do orgulho. Vamos embora, mãe!

Você tá malhando em ferro frio! Largue esses... Esses dois pra lá! - A garota berrava raivosa e descontrolada. - Onde já se viu? O cara não tem onde cair morto mas

se acha o tal!

Pedro e Diego estavam pasmos diante das palavras ofensivas da menina. E Evelyn, por mais que procurasse na memória, não conseguia encontrar uma só palavra

para amainar um pouco aquela situação constrangedora que as palavras de Raíssa haviam provocado. Era uma mulher que nunca sabia como agir em situações conflituosas.

E não sabia como agir como mãe! Não sabia mesmo o que fazer!

Por sua vez, Pedro se recolhera a sua insignificãncia. Acreditava que a garota raivosa só dissera a verdade. quem era ele afinal? Um nada! Não tinha mesmo

onde cair morto e, vivo, não tinha onde repousar sua cabeça! Estava no fim da linha!

- Quer que eu o leve a uma pousada? Prometo encontrar uma bem baratinha. - Foi o que disse antes mesmo de pensar nas palavras que saíam de sua boca. Mas

viu a filha levantar os olhos num gesto de desamparo.

Tal comentário fez sua filha bufar e os olhos de Diego brilharem de esperança. Por mais que a garota tivesse ofendido a ele e ao pai, não queria dormir sob

o céu gelado do inverno. De uma certa forma, reconhecia que ter orgulho numa situação daquelas era pura bobagem. Por outro lado, não ia se importar com o que uma

garota mimada como aquela, falava. Sabia que todas as garotas daquela cidade e que vinham de famílias abastadas pensavam como ela. Afinal, ele estudava, com uma

bolsa de estudos, numa escola particular e todas as garotas e todos os rapazes olhavam para ele como se ele fosse um vírus que podia contaminá-los a qualquer instante!

Inclusive a menina da qual ele gostava.

Pedro se sentia arrasado, derrotado, humilhado demais para bancar o orgulhoso naquele momento. Tudo o que tinha, se perdera na fumaça. Por mais que tentasse

colocar suas ideias em ordem, não conseguia. Não era capaz de seguir uma linha qualquer de pensamento. Estava confuso, quase liquidado. E a garota tinha razão. O

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que era ele? Um nada! Um mendigo sem eira e nem beira. E nem tinha coragem de olhar para seu filho. Afinal, não fora homem o bastante para evitar que levassem Tadeu

bem diante de seus olhos. E, enquanto vivesse ele se lembraria dos gritos de seu filho, chamando-o para que ele o salvasse das garras da própria mãe!

- E a senhora sabe onde pode haver uma bem baratinha? - Pedro falou com tanta humildade que Diego pensou em se beliscar para ter certeza de que não sonhara

com aquelas palavras tão ansiadas. O que a garota dissera deixara seu pai molenga? Ou fora o ato maldito de Lucinha que transformara seu orgulhoso pai num homem

derrotado?

Evelyn ficava cada vez mais encantada com aquele homem. Quem olhava para ele, alto, forte, grande e moreno, teria medo de enfrentá-lo. Aquele queixo quadrado

sugeria que era bastante agressivo. Os olhos escuros quase desapareciam por trás das sobrancelhas grossas e retas. O corpo, bastante musculoso sugeria força. A voz

áspera e rouca arrepiava todos os sentidos dela. E, ao mesmo tempo, ele demonstrava uma vulnerabilidade que a enternecia. Era durão. disso ela não tinha a menor

dúvida. Mas com toda a sua rudeza, uma mulher o colocara no bolso. Não era sempre assim que acontecia?

- Não sei onde tem, mas tenho amigas que sabem onde posso encontrar uma.

Assim, os dois homens dirigiram-se para o carro apenas com a roupa do corpo. Nada mais tinham para levar consigo! Evelyn sorriu intimamente. Domara a fera.

Ao menos, por alguns instantes. E agora, assim que saíssem daquela zona sem sinal, ligaria para suas novas amigas. Seria daquele jeito que a tal Lucinha amansava

a fera? Falando com ele como Raíssa falara?

Ainda se lembrava de como visitara Lila Rose no mês passado, quando ela passava por uma situação muito difícil. Era óbvio que estava super sem graça por

visitar uma pessoa a quem não conhecia, mas por fim, o gelo fora quebrado. Dias depois, Lila Rose a colocara em contato com suas amigas Angel, Letícia, Joana, Genevieve,

Mayara e a louca Beatriz. Fora gratificante conhecer aquelas garotas. Certamente elas ainda a consideravam uma estranha no ninho mas as coisas estavam mudando. Ela

própria estava mudando e estava aprendendo a deixar de ser tão esnobe.

- Alô? Bia? - Falou assim que deu um pontinho de sinal.

- Fala! Mas não se prolongue muito. Estou me concentrando para o meu casamento no próximo sábado. Tem que ser mais arrasador do que foi o casamento de Genevieve

no sábado retrasado! Você vai, não? Por falar nisso, viu os bebês de Joana? Um casal! Henrique está no sétimo céu! Mas o que você manda?

- Sabe onde posso encontrar uma pousada baratinha?

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- Humm. Se é para meu primo, nem precisa pensar muito. Acabei de saber o que lhe aconteceu. Tem a minha casa que está vazia. Não ofereci antes pois ele ia

achar que era algo meio parecido com esmolas! E se você o conhece um pouquinho deve saber que ele não aceita ajuda de ninguém! Mas acredito que você vai conseguir

convencê-lo a tomar conta da minha casa enquanto desfruto da minha lua de mel! Os coitadinhos estão desabrigados, não?

- Isso mesmo!

- Estão aí com você?

- Isso.

- Mas vou adverti-la de uma coisa! Acho que você está dando varada nágua!

- Por que?

- Esse homem só tem olhos para aquela víbora em forma de mulher!

- Não estou interessada dessa forma!

- Me engane que eu gosto!

- Bia!

- Tá bom! Tá bom! Leve-os para minha casa no Parque São João Baptista. Está desocupada desde que Mayara foi morar na fazenda de Zac Sivelie e eu preciso

urgentemente que alguém more por lá e tome conta de tudo! Sabe onde fica aquele bairro de pobretões?

Evelyn pigarreou.

- Sei sim. É lá que a rua comprida onde está o sítio do Pedro começa.

- Isso! Isso mesmo menina rica! Está conhecendo bem a sua cidade, hein! Ah! Tinha me esquecido! Foi lá que você quase o mandou dessa para melhor!

- Bia!

- Desculpa! Mas vamos ao que interessa! Sei o quanto Pedro é orgulhoso. Assim ele não vai achar que está recebendo esmolas de ninguém e eu não tenho que

perder um tempão procurando alguém para morar lá até que eu me desfaça do imóvel! Sabe, né? Agora sou rica. Espero nunca mais morar num lugar daqueles!

- Sabia que as vezes você é muito antipática?

- Bobagem! Nunca me disseram isso. Ah, sim... As fofoqueiras do AMOVIVER sempre me jogaram isso na cara! Isso e outras palavras igualmente carinhosas! -

Beatriz caiu na risada do outro lado da linha e Evelyn se perguntou se aquilo seria uma boa ideia. Mas não tinha outra!

- O chato é que eles terão que andar a pé até o sítio todas as madrugadas para ordenhar as vacas que lhes restaram e voltar para o seu bairro e...

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- Diz pra ele usar minha bicicleta. Está enferrujando por falta de uso! Ela é forte e tem bagageiro. Era com ela que eu e Bruna íamos para todos os cantos

de Vila Verde! Sabe, né? Antes eu não podia comprar um carro. Agora tenho dois!

- Bicicleta?

- Ah! Sei que mesmo sendo madame você já deve ter visto uma, não?

- É claro que sim! Mas estou é achando tudo muito bom. Acho que a sorte está sorrindo para Pedro e Diego.

- Duvido! Enquanto aquele urubu agourento estiver com o filho dele... Ou continuar ameaçando a paz de espírito do meu primo...

- É... você tem razão;.

No banco do carona Pedro fazia caras e bocas. Não gostava que falassem dele daquele jeito sem que ele nem mesmo soubesse do que falavam!

- Vai no meu casamento, né?

- Vou. Claro!

- Sabe que adiei meu casamento para poder me casar no mesmo dia em que Mayara também vai se casar. Vai ser uma festança lá na fazenda dos Sivelie. Afinal,

Zac já estava quase virando vovô!

- O Pedro também foi convidado?

- É claro que foi. Mas duvido que vá. Tente ao menos levar o garoto. Acho que nunca foi a uma festa dessas!

- vou fazer o possível! E obrigada, Bia.

E Pedro aceitou a ideia. Por mais que tentasse dizer a si mesmo que estava cuidando da casa da prima, sentia que estava, no fundo, recebendo a caridade das

pessoas. Mas tinha que se manter penitente naquele momento. Estava mesmo precisando de ajuda. De onde tinha tirado a ideia de que ele e seu filho dormiriam no relento

em pleno inverno? E agora podia ver, satisfeito, o olhar maravilhado de Diego diante da TV que podiam ligar à noite. No sítio, não podiam ter tv pois nem dava sinal.

Na verdade, seu filho não tinha entretenimento algum. Levantava as quatro e meia da manhã para ordenhar as vacas, depois limpavam o curral, alimentavam os animais

do sítio, limpavam o chiqueiro, davam milho às galinhas e, quando tinha aulas, tinha que ir para a escola no caminhão de leite e depois, voltar à pé e ter uma porção

de tarefas para cumprir. As sete da noite, Diego estava morto de cansado e antes de poderem dormir, tinham que fazer a janta, pegar água no poço para o banho e para

a limpeza da casa. O dia inteiro era só trabalho! Que tipo de pai era ele? Seu filho, quase com dezessete anos, não tinha nada! Nem mesmo uma tv! Nem um videogame!

Nem um simples pangaré! E não lhe pedia nada!

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Agora, duas semanas depois que estavam acomodados na casa de Beatriz, via como seu filho se adaptara ao chuveiro elétrico, a água encanada, ao jantar diante

da tv. Até telefone tinha ali! Para Diego a vida da prima que criara uma filha trabalhando como faxineira era vida de rico! Ao menos era assim que Diego via as coisas!

E comparecer ao casamento da prima de seu pai, estar na fazenda dos Sivelie o tinha encantado. Era um rapaz deslumbrado com o mundo que lhe era, de repente,

apresentado. Era certo que estava fazendo um curso técnico no colégio que pertencia ao prefeito pois conseguira uma bolsa de estudos e lá ele via uma porção de garotos

e garotas cheios da grana, mas nenhum deles conversava com ele. Assim, sempre se mantinha na sombra, sonhando com o dia que seria visto como um igual.

Pelas manhãs, iam de bicicleta até a fábrica de frios e laticínios e pegavam carona no caminhão de leite. Desciam no sítio, ordenhavam as vacas em tempo

recorde, enquanto o caminhão ia recolhendo o leite das outras fazendas e, quando o veículo retornava, Diego voltava com eles para a cidade, ia até a casa onde estavam

morando e se arrumava com gosto para o colégio que já reiniciara as aulas, vestindo as roupas que ganhara já que perdera todas as suas coisas no incêndio provocado

por Lucinha! Agora ia bonito e cheiroso com os sabonetes e os desodorantes que Evelyn lhe dera. Até uma colônia masculina ele ganhara!

Mesmo assim, a filha de Evelyn o desprezava no colégio. Mas ele não se importava com o desprezo das jovens de sua idade. Sabia que eles pertenciam a um mundo

diferente do seu e só de poder estar ali, usando roupas boas, mesmo doadas, e estar cheiroso como os outros rapazes, já lhe levantava o astral.

De qualquer forma, não queria nada mesmo com aquela gente. Gostava da sua vida no sítio com seu pai, gostava de ficar sozinho, como seu pai.

De qualquer forma, Pedro sabia que ficariam por ali por mais um mês. Beatriz estava numa viagem de dois meses pela Europa em sua lua de mel. E ele tinha

que pensar no que fazer para poder devolver-lhe a casa quando ela retornasse.

Mas Pedro, perdido em autocomiseração, ainda não conseguira dar um passo na direção do que quer que fosse que tivesse que fazer. Por sorte, seus cachorros

se recuperaram em tempo recorde sem que ficasse qualquer sequela.

Sabia que tinha que reconstruir sua casa. Mas como, se não tinha dinheiro! Não queria pegar nada emprestado com ninguém. A produção de leite estava baixa,

tinha quatorze vacas prenhas e outras duas não estavam rendendo nada. O leite que conseguia vender para a fábrica de laticínios era muito pouco e mal dava para ele,

o filho e seus animais sobreviverem. Por sorte, suas terras eram abençoadas com uma nascente poderosa e o capim crescia por todos os lados! Todavia, ele teria que

repensar o trabalho que seu pai mantivera ali por tantos anos. As vacas não estavam rendendo mais que cinco ou seis litros de leite, cada uma. Ele precisava, urgentemente,

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aumentar a produção pois não conseguiriam sobreviver com tão pouco! E sabia que bem alimentadas as vacas poderiam dobrar a produção de leite!

capitulo 5

Evelyn estava abismada consigo mesma! Parecia que sua cabeça, em um curtíssimo espaço de tempo, tinha dado uma volta de cento e oitenta graus. Se não chegasse

a tanto, estava bem próxima disso.

Há dois meses ela terminara mais um desastroso casamento. Como sempre se considerava superficial, não sofrera muito. Ao menos, era assim que sentia agora.

No momento da separação, achou que ia morrer. Seu ego não suportava mais conviver com tantos fracassos amorosos.

Sim. O ego. Era o seu amor próprio que sofria sempre que uma relação terminava e não o seu coração. E ela nem sabia que ainda tinha um coração. Ao menos,

pensava assim até ver aquele moreno rústico e sensual, que vivia coberto de suor e poeira, de cara fechada como se o mundo inteiro fosse seu inimigo.

Ela percebia que ele só demonstrava um pouco de amolecimento quando seus filhos eram o seu alvo.

Agora, por causa do menino mais novo, ele andava destroçado, sem ânimo para seguir adiante. E, se ainda lutasse para se manter de pé, era somente pelo filho

mais velho que, aceitasse ele ou não, era totalmente dependente emocionalmente do pai.

Mas nos últimos dias ela se pegava, volta e meia, fantasiando uma caliente noite de amor com aquele touro selvagem. E delirava só de imaginar aquelas mãos

grandes e cheias de calos percorrendo o seu corpo, sempre muito bem hidratado com óleos franceses.

E aquela boca escandalosamente sensual? Imaginar aquela boca pecaminosa beijando-lhe cada milímetro de seu corpo a deixavam em ponto de bala. Que mulher

normal, com seus instintos femininos podia resistir ao desejo de ir para a cama com aquele homem rude e um tanto bruto.

Mas como uma mulher como Lucinha conseguira colocar aquela fera debaixo de seus pés? Domar aquela rusticidade toda devia ser algo para se ganhar uma medalha.

Era como abater um leão, um tigre, um felino muito feroz!

Mas pensar em Lucinha não ajudava muito. Sentia por aquela mulher um imenso desprezo e abominava a conduta cruel de levar o filho para longe de seu pai.

Aquela mulher maldita, mesmo ao se afastar dele, ainda lhe devastava o mundo!

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Mas agora tinha que pensar em si mesma, no que faria de sua vida. Ela, que nascera em Vila Verde, sempre detestara aquele lugar. Fora embora para estudar

no exterior assim que pode e quase não esteve em casa durante os anos em que morou na Europa.

Soubera, por telefone, que seu pai expulsara sua mãe de casa.

Seu pai tivera o desplante de trair sua mãe com uma das empregadas, uma mãe solteira sem eira e nem beira! Soubera, ainda à distância, que sua mãe saíra

de casa e que seu pai quisera se abancar lá com a nova amante e com a família que ela já possuía.

Certamente, seu irmão Oliver não permitira tanta semvergonhice e seu pai fora viver com a amante em um outro lugar qualquer do planeta.

Ela sempre fora mais agarrada com o pai do que com sua egoísta mãe. Mas Dalilah era sua mãe! Não ia ficar do lado de uma amantezinha qualquer!

Sua mãe, incomodada com a falta de vergonha do marido, humilhada por ter sido trocada diante de toda uma cidade, fora viver com ela na Espanha e ajudá-la

a cuidar de sua filhinha ainda muito pequena.

Nessa época, Evelyn já havia se casado e se separado e já tinha uma filha para cuidar. Mas que, por acaso, deixava nas mãos das babás por se achar inexperiente

demais.

Ela se casara ainda muito jovem e, antes mesmo de saber que estava grávida de seu marido, o casamento, que durara apenas três meses, descera ralo abaixo.

Em seguida, surgiram tantos outros casamentos que ela nem se lembrava mais quantas vezes se casara ou com quem.

Quando sua filha nascera, a princípio deixara a menina com um batalhão de babás que iam e vinham. Depois deixara a menina aos cuidados de sua mãe. Não sabia

segurar aquela coisinha tão pequenina, entrava em pânico todas as vezes que o bebê chorava.

Assim, achou melhor afastar-se da criança pois a cada chorinho, a cada dorzinha de ouvido, a cada cólica que o bebê sentia, ela ficava arrasada, destruída

por não saber como agir. Assim, como tudo o que fazia na vida, fugiu da própria filha.

E não era assim que sempre se comportara? Fugira da fazenda por não suportar mais as brigas entre seu pai e sua mãe. Deixou seu irmão, três anos mais novo,

com a responsabilidade de servir de mediador naquelas discussões que, na maioria das vezes, chegavam a se tornarem agressões físicas de ambos os lados.

Seu paina verdade, se cansara também daquela vida e fora Oliver, ainda quase um menino que se vira sozinho para cuidar de todos os negócios da propriedade.

Jamais pensou em retornar para ajudar seu irmão a gerenciar a fazenda. E mais uma vez, Oliver, o equilibrado Oliver tivera que se virar sozinho pois ela

tinha pavor de conflitos ou de qualquer situação onde ela tivesse que colocar suas emoções.

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Quando seu irmão ligara para ela pedindo ajuda, ela virara-lhe as costas. Deixara que Oliver saísse sozinho da situação em que se encontrava, naquela briga

com o pai, pois ele queria que seu pai fosse embora da fazenda com a mulher que arranjara.

Como voltaria a tomaria parte daquela confusão? Ela não era uma pessoa de personalidade forte, que soubesse lidar com conflitos. Achava sempre melhor esquivar-se

deles.

E como ela podia agir de forma diferente. Logo ela que, ao conhecer um homem, se sentia terrivelmente apaixonada, corria atrás do indivíduo até torná-lo

seu marido e, na primeira briga, tudo ruía como um castelo de cartas.

Ao se ver encostada na parede, fosse pela mais idiota das razões, seu amor se diluía na fumaça. Não conseguia manter nenhum relacionamento onde um homem

se sobrepunha a ela. Não admitia jamais que outra pessoa tivesse a última palavra. Perder uma discussão era o fim do mundo para ela, uma prova de seu fracasso, uma

imperfeição.

Mas como não perderia uma discussão se temia qualquer situação conflituosa?

E era esse o seu círculo vicioso.

Quando conhecia alguém e queria torná-lo seu marido, não media esforços para consegui-lo. Era óbvio que nem sempre se casava no civil mas sempre fazia de

conta. Comprava um caro e lindíssimo vestido de noiva, dava uma festa maravilhosa onde compareciam seus inúmeros amigos e sempre tinha um que se fazia de juiz de

paz. E então, mal trocavam as taças de champanha, e ela se sentia enjoada daquele relacionamento que nem mesmo começara.

E, na primeira briga, o barco virava.

As brigas eram sempre por razões bobas como o fato de um deles não elogiar seu vestido novo, seu novo corte de cabelo e uma vez se separara por que seu marido

naquela época não percebera que ela trocara a cor do esmalte e do batom!

Aquilo era normal?

Era claro que não!

Agora, depois de seu último marido dar em cima de sua filha e também depois de ouvi-lo dizer que ela não passava de uma bonequinha sem sangue e sem sentimentos,

ela olhara para dentro de si mesma!

O pior fora ouvir de Davi Afonso o quanto ela era mimada e superficial. Não! O pior fora ouvi-lo dizer que era claro que ele tinha que olhar para sua filha!

Era uma nifeta linda e saudável! Tinha pele de pétalas de rosas. E tinha o vigor da juventude!

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Ouvir algo tão inesperado, sair de um relacionamento, pela primeira vez com o rabo entre as pernas, fora um golpe duro para o seu ego sempre tão inflado.

Não acreditava que ela era a maior beldade de todas que era uma concessão de sua parte aceitar envolver-se com quem quer que fosse?

Davi Afonso enxergara-lhe o fundo podre de sua alma exatamente como ela era. E ela jamais se olhara antes. Sempre saía de seus relacionamentos antes que

alguém a visse como realmente era. Mas Davi Afonso vira isso duas semanas depois de estarem dividindo o mesmo espaço.

- Você só pensa em roupas, maquiagem, perfumes e todas essas bobagens! - Ele gritara-lhe na cara, do mesmo modo como outros já a haviam acusado antes. Até

ali, nada de mais. Estava acostumada com aquele tipo de discussão.

- você é um insensível, Davi! Não posso ficar casada com um homem que não consegue notar quando troco de roupas, que não percebe que mudei de penteado...

- Acha que o mundo gira em torno de seus cabelos e de seus vestidos?

Ué! Não girava? Existia algo além de suas coisas no mundo?

- Não me traz mais flores quando chega e só temos duas semanas de casados!

- E até quando terei que ficar mimando você? O mundo vai acabar se não recebe flores um dia ou dois?

- Realmente, ele tinha razão. Não acabaria. Mas...

- Não posso viver com um homem que não me coloca como o centro de seu universo!

- Ah! isso eu posso ver. Você é tão vazia que precisa acreditar que alguém consegue ver mais do que tem por aí! Sabe o que é mais chato? Não há nada! Por

mais que eu olhe, por mais que eu procure, não vejo nada, não encontro nada!

Do que ele estava falando?

- Do que está falando? - Sabia que não devia perguntar. Naquele ponto das discussões, talvez por que seus anteriores maridos fossem iguais a ela, tudo já

estaria virando fumaça. Mas Davi queria briga. Davi queria mostrar a ela quem ela era de verdade. Fazia questão disso!

- Para que você serve, Evelyn? só como cabide de roupas caras? Sua cabeça só serve para experimentar novos xampus?

- Sou uma mulher bem nascida! Posso me vestir como achar melhor.

- deus meu! você nem consegue compreender sobre o que estou falando. Não falo de bens materiais, Falo do que você tem dentro de si. Para que você serve,

Evelyn?

Ela não sabia. Sempre achara que a vida se resumia em comprar, comprar, comprar e fugir dos problemas.

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- Olhe sua filha...

O que tem Raíssa a ver conosco? - ela perguntou desconfiada.

- Ela é linda, não?

- Você está de olho em minha filha?

Davi Afonso riu.

- O que mais eu poderia esperar de uma mulher como você sem nada por dentro. Daqui a pouco vai me acusar de estar dando em cima de uma adolescente.

- E não está?

- Sabia que sua cabecinha torta ia nessa direção. O que mais eu poderia esperar de alguém tão vazia?

- Está querendo dizer que minha filha tem algo dentro de si?

- sua filha? Nem mesmo a criou! Fugiu de medo da responsabilidade de ser mãe. Não quis ter nenhum problema para resolver. Largou sua filha com sua mãe e

foi atrás de uma quantidade impressionante de homens que pudessem deixar claro para você que o mundo deles girava ao seu redor. Homens fracos! que se deixavam levar

por sua falsa beleza! Até eu deixei-me envolver por você! Não percebi que dentro de você não havia nada. Apenas essa beleza passageira como folha de alface!

- Falsa beleza? Está querendo dizer que não sou bonita? Certamente acha que minha filha é, não?

- É claro que sua filha é muito bonita! Cai na real, Evelyn. Seu tempo está passando. sua filha é jovem e tem algo para repartir com alguém, algo que você

não tem. Olhe a pele dela. Parece pétalas de rosas. Macia... Olhe para você... Seu tempo já era. sua pele já não é mais como antes, seu ccorpo está cedendo à lei

da gravidade. O que vai fazer daqui a dez anos? Se matar por que não pode mais conservar a beleza da juventude? Por que era só isso o que você tinha por dentro.

A beleza da sua juventude. E quando isso acabar? O que vai ter para oferecer a alguém?

Não entendia a metade das coisas que ele falava, mas sabia que ele estava querendo dizer que Raíssa, sua filha, era melhor que ela!

- Vá embora da minha casa! Não quero ver você nunca mais na minha frente!

- E acha que eu não teria prazer em me afastar de alguém como você? Enganei-me. Antes de morarmos juntos, você parecia outra pessoa. Se eu tivesse olhado

para dentro de você em vez de me deixar distrair pelo seu charme e por sua beleza, eu não teria chegado até aqui. É isso que dá para um homem não enxergar as coisas

com seus olhos. Vi apenas o que eu queria ver. Uma mulher deslumbrante, linda, elegante e... E... Nada mais! Não há nada aí. Não sabe amar. Nem mesmo o amor de mãe

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soube cultivar. Sim, por que amor se cultiva. E você é incapaz de semear, de regar, de cuidar, de ver germinar, de ver crescer uma árvore ou um arbusto qualquer

que você plantou, de ter trabalho com qualquer coisa! Na verdade, é a pessoa mais egoísta, mais centrada em si mesmo que eu tive o desprazer de conhecer. até mesmo

no sexo não sabe se dar. É presa e egoísta até nisso! É incapaz de qualquer forma de amor!

E agora, somente agora, dois meses depois, ela era capaz de começar a compreender o que Davi Afonso dissera naquela noite onde, pela primeira vez, ela não

terminara um relacionamento com o prazer de mandar o camarada embora, cheia de razão e com a última palavra.

Era óbvio que ele não dera em cima de sua filha. Ou realmente não entendera as palavras cruéis de Davi Afonso?

De qualquer forma, não mais importava. Ela, imediatamente retornara para casa do irmão com uma imensa dor de cabeça que mais tarde descobriu ser uma terrível

dor na consciência, algo que nem sabia que tinha.

E, viu, em dezesseis anos, sua filha, pela primeira vez com olhos de mãe.

Entretanto, como no dia em que ela nascera, não sabia como lidar com aquela adolescente raivosa, teimosa, temperamental, ciumenta, irritante, implicante,

atrevida, que proferia insultos para todos os lados! E, se não soubera lidar com um bebê vulnerável e indefeso como lidaria com aquele vulcão de agressividade?

Mas tinha que pensar em como ela se sentiria como filha se sua mãe tivesse feito aquilo com ela!

E até que já melhorara bastante. Já conseguira deixar alguns dos modelitos Prada, Gucci e Armani que trouxera em sua elegante mala de viagem assim como aquelas

altas sandálias de tiras fininhas que tanto adorava. Mas os saltos finos sempre acabavam afundando naquela ruas sem calçamento.

Há séculos não ia a um bom cabeleireiro ou fazia uma boa massagem! Mas por que as mulheres de Vila Verde não se cuidavam? Achavam besteira se entregarem

nas mãos de um sexy massagista? Achavam perda de tempo cuidarem da pele, dos cabelos e do corpo? Era impossível que um lugar daquele, cheio de turistas e com a boate

Le Mirage da madame Vartan a todo vapor, não tivesse um SPA maravilhoso onde as mulheres pudessem se entregar ao aprazível desejo de serem paparicadas. Tudo bem

que num SPA ela seriam amassadas, envernizadas, lixadas, enceradas, esfoladas, esticadas, espremidas, dobradas ao meio ou em quatro partes mas sairiam dali lindas

e esvoaçantes. Ah! Esquecera-se de acrescentar que elas também podiam ser, às vezes, envolvidas em barro ou em outras substâncias pegajosas. E também podiam ser

mergulhados em chás estranhos mas que traziam benefícios a pele e ao corpo. Mas tudo em nome da beleza! E todas não saiam de um SPA com a sensação de que estavam

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leves, soltas e absolutamente sensacionais? Então, por que ali não tinha um daqueles templos da perfeição feminina?

Amaldiçoou-se por seus pensamentos. Voltava a ser fútil como sempre fora? Mas cuidar-se era sinal de futilidade? Talvez, se soubesse dosar seu bom gosto

para roupas, se não fizesse das compras o seu ideal de vida, aprendesse a ser tão centrada, tão equilibrada como seu irmão, a quem nada tirava do sério.

De qualquer forma, agora tinha que ter sua filha como meta principal. Spas, butiques e joias assinadas podiam esperar. Raíssa era mais importante que qualquer

passatempo, cabeleireiro, massagem com óleos perfumados e viagens ao exterior. sua filha era seu mundo. Agora entendia isso e torcia para que não fosse tarde. Mas

não sabia se devia agradecer a Davi Afonso por Tê-la tirado dos seu mundinho onde o glamour era quem ditava as regras.

Mas Davi Afonso estava certo. Ela estava envelhecendo e o que teria para oferecer a alguém se não aprendesse a cultivar o amor dentro de si?

E estava indo bem. ao menos a paciência com sua difícil filha ela estava vendo crescer e se transformar numa árvore gigantesca. Jamais imaginara que seria

tão paciente com uma menina cheia de vontades como Raíssa! Mas aquilo não devia ser uma prova de que seu amor também estava germinando, crescendo?

Mas ia aprender a lidar com sua filha. Isso ela ia fazer, custasse o que custasse!

E, como se não bastasse ter que lidar com aquele furacão chamado Raíssa, tinha aquela fera selvagem ao extremo, chamada Pedro Rocha para domar!

capitulo 6

Pedro e o filho estavam cortando grandes toras de eucalipto, revezando-se no machado e na arrumação das mesmas.

Enquanto fazia seu serviço Pedro se perguntava o que aquela mulher maluca queria dele. Estava tentando deixá-lo louco? Aparecia em sua atual casa quase todas

as noites, cada hora com uma desculpa diferente. E sempre com a filha mal humorada que, assim que chegava, deixava claro que melhor seria estar assando nas chamas

do inferno, ou seja, que qualquer outro lugar do mundo seria melhor do que estar ali com Pedro e com seu filho. Obviamente, Pedro não tava nem aí. Não as queria

a sua volta. No entanto, poucos minutos depois, a cara feia da garota desaparecia e ela estava rindo e confraternizando com seu filho Diego como se fossem unha e

carne, amigos de longa data, quase irmãos!

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E Pedro nunca entendia que raio de dinâmica era aquela! Só entendia que aquela madame loura e cheirosa, toda cheia de frescura, tomava conta da maior parte

de seus pensamentos! Seria muito bom se ela e a filha mal criada sumissem de uma vez! Queria paz! Não queria pensar em mulher alguma. Menos ainda numa que lhe traria

mais problemas que Lucinha. Entretanto, era mais que evidente que a perua não o via como um homem e sim com o um pobre coitado, um miserável que precisava de caridade

e de esmolas! E enquanto ela o via como se ele fosse um verme, ele ardia de tesão por ela!

Na primeira noite, óbvio, já que fora a madame dona Evelyn quem lhe arranjara aquela casa, ele engolira tudo como se fosse vidro moído, mas ficara calado.

Não ia cuspir no prato que comia. Tinha que aturar a perua se pavoneando a sua volta, falando sem cessar, entrando a todo instante em conflito com a filha, fato

que o deixava desgostoso. Se o seu filho falasse com ele do jeito que aquela menina falava com a mãe, ele nem sabia o que faria! Todavia, aquilo não era de sua conta.

Certamente, a mulher o deixaria na casa de Beatriz, já que ela ajeitara tudo e logo depois desapareceria de seu mundo.

Compreendia a perua. Ela se sentia culpada por achar que o atropelara. Devia crer que devia algum tipo de ajuda a ele por tê-lo quase matado!

Pedro entendia desse tipo de coisas pois pensava do mesmo modo. Ao menos, acreditava que a mulher agia como ele, pois sempre gostava de saldar suas dívidas,

fossem ela do tipo que fossem.

Mas aquela mulher parecia nunca saldar a tal dívida que achava ter com ele. Mal o levara até a casa de Beatriz, entrara, mostrara-lhe tudo, como se já tivesse

estado ali inúmeras vezes. Mas ela mesma dissera que nunca estivera numa daquelas casas do mutirão organizado pelo prefeito João Baptista, uma obra que ele fizera,

anos antes, a fim de conseguir votos da classe menos favorecida de Vila Verde.

Tudo bem. Ele calara-se e permitira que a madame o levasse num tour pela pequena casa de sala e dois quartos!

Mas nada terminara ali. Mal a mulher o deixara lá com seu filho Diego, sua mágoa pelo que Lucinha fizera ao incendiar o pouco que ele possuía, pela preocupação

do que aquela doida faria com seu filho Tadeu e a perua dona Evelyn já retornava à pequena casa, quarenta minutos depois com alguns pares de calças jeans, várias

camisetas e camisas com botões, duas jaquetas de couro, cintos, lenços, carteiras, meias e até cuecas novinhas. Tudo para ser repartido entre pai e filho. Eram roupas

de qualidade. As maiores, certamente podiam até ser de Oliver Mattos. As outras, ligeiramente menores, deviam ser as roupas de algum dos ex maridos da madame, já

que todos diziam que ela tinha por hobby, colecionar maridos! Ah! E trouxera alguns pares de botas e tênis para ver se alguns dos calçados serviriam. Serviram, óbvio!

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Homens ricos ou pobres costumavam ter pés grandes!

- Dona... Assim a senhora me deixa sem jeito... - Pedro dissera vermelho de vergonha. Detestava ser o alvo da caridade de alguém. Mas realmente, só tinham

agora a roupa do corpo! Existia algum degrau a mais para descer? E, enquanto descia pela escada da miséria, seus pensamentos ficavam cada vez mais obsessivos com

relação a madame dona Evelyn.

- Vocês não tem mais roupa alguma pra usar. Suas roupas se perderam no meio do fogo. Eu tinha tudo isso aí entulhando meu armário. Ninguém mais vai usá-las.

Querem andar pelados pelas ruas de Vila Verde?

Mais vermelhos ainda, pai e filho pegaram as roupas, totalmente sem graça ao encontrarem as cuecas naquele bolo.

Pai e filho se olharam desconcertados e pensando como iriam vestir aquelas roupas caríssimas para pegar na enxada, para rachar lenha com o machado, limpar

chiqueiro ou carregar as trinta e duas vacas e os vinte e cinco bezerros e mais o seu touro Girolando de nome Terêncio de um pasto a outro!

Era óbvio que guardariam o que estavam vestindo e que cheirava a suor e fumaça para trabalharem na roça! Ou trabalhariam pelados! Com aquelas roupas bonitas

era que eles não iam cuidar do que sobrara do sítio!

Mas aquela coisas doadas, aquela demonstração de... De algo que ele não compreendia, o perturbavam bastante. Não gostava que lhe dessem nada. E não podia

ficar aceitando roupas e mais roupas ainda como desculpa pelo fato da perua acreditar que quase o matara! Ela queria aplacar a consciência dando-lhe coisas.

Como se não bastasse, ela trouxera uma outra bolsa com pão, leite, ovos, biscoitos, pó de café, açúcar, margarina e sabe-se lá mais o que. Eram tantas as

guloseimas e numa quantidade tão grande que Pedro imaginou que poderiam se alimentar com tudo aquilo durante uma semana inteira!

A que ponto chegara! Usando roupas doadas por uma mulher e sendo alimentado por ela! Onde estava sua vergonha? Perdera? Fora queimada junto com sua casa?

A que ponto chegara!

"Deus!" Gemeu baixinho por não saber mais o que fazer. Diego podia compreender o quanto ele se sentia envergonhado? Humilhado? Desnorteado? Talvez. Seu filho

o compreendia bem. Sempre o compreendera, sempre aceitara tudo o que ele dizia e sempre lhe obedecera como um bom garoto!

Mas foi com horror que Pedro viu seu filho encantar-se quando Evelyn e a filha foram para a cozinha imaculadamente limpa de Beatriz para juntos descobrirem

como funcionava a cafeteira e o microondas.

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Pedro se esquecera de sua humilhação para ficar pasmo diante de duas mulheres que não sabiam como fazer um café de cafeteira. Se isso tivesse vindo de sua

falecida mãe, até poderia entender. sua mãe jamais vira uma cafeteira por toda a vida. Mas aquelas mulheres...

"Ricas!" Pensou embasbacado. Um tipo diferente de mulheres ricas! Não como Letícia, não como Joana! Aquelas duas a sua frente nunca deviam nem mesmo saber

onde ficava a cozinha ou para que servia uma vassoura! Deviam achar que vassoura era apenas o transporte das bruxas!

No fim, fora o próprio Pedro que, deixando de lado sua exasperação por tanto enxerimento, resolvera fazer uma demonstração para os três abobalhados de como

se fazia um café numa cafeteira elétrica e como se esquentava o leite no forno. Ao fim, teve que fritar ovos e linguiça e, as visitas haviam ficado tão maravilhadas

por ele saber cozinhar que se ofereceram para fazer companhia, comendo junto com eles. E olhando-o como se ele tivesse acabado de inventar a roda! Ou o fogo!

Tudo bem... Pensara Pedro. Não foram as duas mulheres quem trouxeram a comida? Nada mais justo que comessem também!

- Não sabem cozinhar? - Diego perguntara pasmo. Era certo que nunca vira uma cafeteira mas sabia fazer uma porção de coisas no velho fogão à lenha.

- Nem mesmo um ovo! - Evelyn respondera como sempre o fizera antes, mas agora sem o orgulho que caracterizava sua falta de aptidão para o serviço doméstico.

Sentiu-se como uma aleijada em meio aquelas pessoas. Não servira para ser mãe, não servira para ser esposa, não servira nem para fazer um café na cafeteira e cozinhar

um ovo!

Na noite seguinte, mãe e filha haviam levado sabonetes, pasta de dentes, escovas, xampus, desodorantes, loção após barba...

Ele nem fazia a barba todos os dias! O que ela queria? Dizer que ele parecia um homem das cavernas? Um ogro?

Na outra noite, bolos. Levaram também achocolatados, para o deleite de Diego!

Depois, sorvetes. Pipocas. CDs, DVDs. Banco Imobiliário. Dominó. Xadrez. Violão, livros, videogame, notebook... A cada noite, aparecia algo novo. Ou, quando

não aparecia, voltavam para rever, refazer, jogar outra vez, qualquer coisa que já haviam feito antes!

E aquilo tudo o incomodava muitíssimo. A perua não ia deixar a ele e seu filho em paz? Tinha sempre que se esforçar para lembrar-se de que ela o via como

um pobre coitado, um João Ninguém! As fantasias de desejo, de sexo louco estavam apenas na cabeça dele. Para ela, ele era um projeto, alguém que não tinha onde cair

morto e que precisava de esmolas!

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Era ele que, por mais de uma vez, a imaginara na cama, embaixo dele, gemendo desesperada de desejo.

"Cai na real, peão! Quem você pensa que é para por suas mãos cheias de calos naquela pele de seda??" - Ele tentava sempre se lembrar que ela não o via como

um homem e sim como um quase mendigo!

E assim, aquele suplício parecia não ter fim. Ela aparecia noite após noite com a filha malcriada e uma novidade para mostrar a eles!

Mas Pedro se assustara mesmo fora no dia em que as duas apareceram com um convite para jantarem fora! Naquela noite, até a garota malcriada e sempre amarga

parecia feita de doce!

- Não temos dinheiro para esse tipo de coisas, dona!

- Eu pago dessa vez e depois você me paga. Veja como um empréstimo.

- Se eu fosse pegar dinheiro emprestado, dona, certamente não seria para jantar num restaurante!

- Mas pense bem, "seu" Pedro. Eu quase matei o senhor e... Não me deve nada. sou eu quem lhe deve... E o jantar é apenas um modo de eu agradecer por sua

compreensão. É por minha conta!

Pedro sentiu um calafrio percorrer-lhe as costas. Tudo bem que o achassem um bronco, um jeca, um caipira... Mas tinha seu orgulho. Nunca recebera dinheiro

de uma mulher. Não ia comer, fosse lá onde fosse e ver uma mulher lhe pagar a conta! Mas como faria se não tinha nem dez centavos? E por que tinham que comer num

restaurante? Aquele blá, blá, blá de sempre que ele não mais suportava ouvir! Aquela mulher parecia um grude, um chiclete! Se ele fosse um homem com grana até que

poderia entender aquilo tudo. Por vezes, até parecia que a perua estava interessada nele. Mas tinha os dois pés no chão. Era um pobre diabo, sem casa, sem eira e

nem beira e ela era aquilo que se chamava de socialite. Nada a ver com ele. E não ia cair na besteira de achar que ela estava dando em cima dele e pagar um mico

colossal ao ser colocado em seu devido lugar. Mas qual era a daquela perua?

- Ah! Vamos, "seu" Pedro! - A menina pedira fazendo beicinho. - Hoje vai tocar no restaurante do Guilherme, um artista que estou doidinha pra ver!

Aquela menina estava doente? Com febre? Desde quando aquela menina falava com ele com aquele tom amável? A febre devia ser muito alta!

- Vamos ou não? A mãe só me leva até lá se o senhor for...

"Restaurante do Guilherme?" Aquilo custava sua produção de leite de uma semana inteira! Ou mais! Não podia fazer algo tão impensável! Ele ia dizer um grandíssimo

não mas o olhar de curiosidade de seu filho o deixara mudo. Sabia que Diego estava encantado com tudo o que lhe acontecia no momento, ao mesmo tempo em que sofria

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pelo sumiço do irmão. Não queria desapontar o filho. Diego bem que precisava de uma distração. Mas não no restaurante do Guilherme! E, daquele jeito ele nunca ia

conseguir juntar dinheiro suficiente para poderem erguer sua cabana e sair da casa de Beatriz.

Mas qual o adolescente pobre de Vila Verde que já não crescera os olhos para aquela magnífica criação do prefeito João Baptista? Um navio! Um navio de verdade

no centro do rio que atravessava a cidade! E os meninos pobres nunca iam ali. E era ali que estava o restaurante de Guilherme Lobo! O ricop, o fino, o caro restaurante

de Guilherme Lobo!

Na verdade, sabia que estava dando murros em ponta de faca! O dinheiro que entrava não era suficiente nem para comprar as telhas para cobrir o curral, quanto

mais para refazer a casa!

Estava realmente perdido e sem saída! Não tinha como manter o sítio e se ainda o mantinha era por pura teimosia! Não havia como continuar, não havia mais

nada a fazer!

Por outro lado, já estava de saco cheio daquela perua loura se metendo, dia sim e outro também, em sua vida. Era só virar a cabeça e ela estava lá e ele

ainda não atinava por que. E o que sempre ouvia era aquela desculpa de que ela quase o matara, que ela atrapalhara sua vida... Aquele papo sem o menor sentido e

que o enredava como uma viúva negra pegava uma mosca em sua teia!

Tudo bem! Ele ia no restaurante do Guilherme Lobo! Mas ia fazer aquele sacrifício pelo filho. Não tinha mais nada a perder mesmo! Mas ficar perto daquela

loura bonita como o diabo era um teste para o qual ele não estava preparado. Era certo que ela não largava o seu pé e ele não entendia o porque! Afinal, dissera

a si mesmo que não ia, nunca mais enquanto vivesse, se envolver com mulher alguma! Por outro lado, era perda de tempo se martirizar daquele jeito. Uma madame daquelas

nunca ia lhe dar confiança. Se ela estava a todo momento no seu pé devia ser por que sua filha insistia em bater papo com seu filho. A garota devia estar a fim de

Diego e a mãe fazia as vontades dela. Estava claro como água pois onde a mulher aparecia, a filha sempre estava junto!

Mas também não fazia sentido. que mãe cheia de frescura como aquela ia incentivar o namoro da filha com o filho de um ninguém como ele que não tinha casa

e até as roupas que usava foram-lhe dadas por ela?

Aquilo era um mistério insondável!

O que aquela mulher queria aparecendo noite após noite, sempre levando alguma coisa para eles, sempre com aquela desculpa esfarrapada de que lhe devia algo,

deixando-o sempre numa sinuca de bico, onde ele não podia dizer um não bem grande e redondo pois Diego sempre estava animado demais com todas as novidades que aquela

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dupla maluca inventava!

- A gente pode entrar vestido assim no restaurante? - Diego perguntara apavorado, meio metro antes de entrar pela porta adentro.

- Claro que pode! Você está bem vestido, limpinho e cheiroso. Nada há de errado com você! Além disso, é muito bonito! - Evelyn dissera dando uma injeção

de ânimo em seu filho além de uns tapinhas em seu braço.

Diego quase flutuara de prazer ao ouvir que estava bonito e cheiroso!

E assim seu filho jantara fora, num restaurante com música ao vivo, pela primeira vez em seus dezesseis anos! E pela primeira vez entrava no navio da cidade

de Vila Verde, obra que todos sabiam, ser uma resposta ao iate que os Vartan haviam colocado no centro do lago de sua propriedade e que servia como hotel de luxo!

Pedro estava preocupado. Seu filho se abria em sorrisos todas as vezes que via aquela mulher batendo em sua porta.

O pior era aquele perfume que ficava impregnado por toda a casa depois que a perua cheirosa ia embora. E, quando acordava à noite, procurava aspirar aquele

cheiro para poder continuar sonhando com ela!

O que estava lhe acontecendo? Não podia ficar fantasiando com aquela mulher bonita e perfumada, com aqueles cabelos que pareciam fios de seda dourada e aqueles

olhos tão azuis quanto um céu de primavera!

Mas estava muito preocupado com seu filho. Sabia o que ele vinha sentindo nos últimos dias, desde que aquele homem que acompanhava Lucinha havia colocado

a arma na cabeça do garoto e levado seu filho mais novo. Diego chegara mesmo a comentar, às vezes por entrelinhas, às vezes, com todas as letras, que o pai devia

ter deixado o sujeito atirar. Talvez, se o homem tivesse atirado, Tadeu ainda estaria ali e a casa não teria sido incendiada.

Como ele faria para livrar seu filho mais velho de uma culpa que ele não deveria carregar sobre seus ombros? Diego não era culpado dele ter colocado Lucinha

em sua vida!

Dessa forma, acabara aceitando a maior parte das bobagens que aquela mulher provocantemente linda lhe impunha.

E era por isso que estavam ali, num ambiente que não era o seu, sentado numa mesa de um restaurante chique, comendo uma comida estranha que ele nem desconfiava

de que era feita. E ainda se atrapalhando com a tal taça de vinho e com aquela imensa quantidade de talheres!

- Quero vinho branco! - Raíssa dissera a mãe daquela forma autoritária e desafiante que tanto desagradava a Pedro.

- Sabe que não pode beber aqui! - A mãe dissera num tom tranquilo.

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- Se fosse para beber refrigerante eu não tinha pedido para vir.

- Você queria ver o cantor que vai se apresentar daqui a pouco.

- Quero vinho branco! - A menina bateu o pé e Pedro se lembrou das pirraças de Lucinha. Mas não se intrometeu. Deixou que as duas batessem boca, aliás, como

sempre faziam. E no fim a garota ganhou a tal taça de vinho branco!

Pedro pensou no quanto seu filho e aquela garota mimadas eram diferentes. Diego, com todas aquelas mudanças drásticas em sua vida, mesmo animado com algumas

delas, padecia de um imenso sentimento de culpa. Nem por isso, Pedro aceitaria que seu filho o dominasse daquela forma. Mas abriria mão de algumas coisas para que

o garoto se sentisse melhor. Certamente não permitiria que ele tomasse vinho. Mas de resto, estava disposto a qualquer sacrifício para que o filho compreendesse

que ele o amava e que não o culpava, nem um átimo de segundo, por nada que acontecera naquele dia infeliz! Só esperava que seu filho compreendesse o quanto ele o

amava, embora nem sempre soubesse expressar seus sentimentos!

Mas Diego sabia! E sentia o quanto seu pai o amava! E, naquele dia, sabia o que seu pai deveria estar sentindo naquele ambiente diferente de seu mundo. Conhecia

bem aquele homem e sabia do seu orgulho. E, naquele dia, estava jantando num restaurante chique, comendo as coisas que uma mulher se oferecera para pagar para os

dois!

Mas Diego, momentaneamente deixando sua culpa de lado, acabara se maravilhando assim mesmo com os garçons, com o menu, com tudo o que via a sua volta. Pessoas

bonitas e cheirosas dançando, conversando educadamente. Tudo muito diferente do mundo que conhecera até então.

Era certo que a culpa o consumia, que todas as noites, quando ia dormir, se lembrava do avô e do irmão e não conseguia evitar as lágrimas.

E seu irmão se fora por sua causa, seu pai perdera a casa por que o desconhecido lhe enfiara o cano de uma pistola na cabeça. Se aquele camarada não tivesse

ameaçado sua vida, seu pai o teria feito em pedaços em menos de um minuto.

Um dia ele sairia pelo mundo e encontraria seu irmão e o traria de volta para o pai. E acabaria com aquele monstro que acompanhava aquela víbora da Lucinha!

E pensar que quando seu pai começara a namorar aquela cascavel ele a imaginara como sua mãe! Nem o capeta ia querer uma mãe como aquela mulher!

Mas agora não ia ficar triste. Ia olhar tudo para pensar naquelas coisas mais tarde, na hora em que fosse dormir. Talvez assim não se sentisse tão triste

por que seu irmão não estava ali com eles! Mas daria seu braço direito para que Tadeu estivesse naquela mesa, comendo aquela comida estranha e tendo que segurar

aqueles talheres que brilhavam mais que estrelas!

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Estava abismado com tudo! Era tudo muito bonito, muito bacana! E um dia contaria ao irmão onde ele fora jantar com a madame, irmã do fazendeiro rico! E,

quem sabe, um dia poderia levar seu irmão num lugar como aquele?

Mas Diego ficara verdadeiramente aparvalhado quando o dono do restaurante viera até a mesa e cumprimentara seu pai e a irmã de Oliver Mattos. E a ele e

a filha da looura.

Cumprimentara a ele!

O dono do restaurante cumprimentara seu pai como se fossem amigos!

- Ele o conhece, pai? - Perguntou assim que Guilherme Lobo se afastou.

- Filho... Eu nasci aqui.

- Mas ele é rico! É dono do restaurante e dos três postos de gasolina de Vila Verde!

- Mas viveu aqui desde que era um rapazinho! E todos tínhamos mais ou menos a mesma idade. Não só Guilherme como Henrique Cassilhas, os Sivelie, os Salviati,

os Mattos, Você nunca me viu com nenhum deles pois sempre esteve no sítio com seu avô. Mas eu e muitos desses fazendeiros ricaços, há muitos anos, quando meninos,

já corremos juntos por esse chão atrás de passarinho, de pipas, caçando tatus, jogamos peladas e aprendemos a... ´- Ia dizer que até bebiam escondidos e pegavam

algumas garotas. Mas achou melhor suprimir essa parte. Diego só tinha dezesseis anos! - E uma porção de coisas mais! Éramos todos jovens! Não tínhamos tantas responsabilidades

e nem preconceitos sobre a quantidade de dinheiro que os pais de cada um tinha ou deixava de ter. E além disso, todo mundo trabalhava duro no pasto. Não viu que

todos eles foram até lá depois do... Bem... Não viu que todos foram até lá para prestar solidariedade?

- Eu vi um monte de gente, de caminhonetes, mas não sabia que eram dos fazendeiros ricos... Eu só conheço o padrinho...

Diego parecia orgulhoso de seu pai. Por alguma razão desconhecida, pensara que todo mundo olharia para eles como se fossem mendigos e que os expulsariam

do restaurante chique por que não tinham o direito de estarem ali com todas aquelas pessoas bonitas e bem vestidas! Tremera quando vira o dono do restaurante ir

na direção deles. Viu quando o homem cumprimentou dona Evelyn e aguardou que os mandassem se retirar. Depois o homem sorriu para seu pai e cumprimentaram-se com

um forte aperto de mão. Seu pai, que se levantara, conversara com o homem sem que ele pudesse ouvir sobre o que falavam. Ele, porém, tentava se tranquilizar. Dona

Evelyn parecia serena. O homem a conhecia. Sabia que ela era rica. Não iam tirar ele e seu pai do restaurante por que eram pobres!

Por fim, o dono do restaurante se afastou e eles continuaram ali, observando tudo em volta!

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Diego também achara tudo muito bonito pois as pessoas falavam baixo, nada parecido com o jeito que ele via os vaqueiros falando um com outro, no campo.

E, acreditou que, por mais que vivesse, jamais esqueceria da primeira vez que jantara num restaurante e que seu pai lhe dissera que fora amigo de infância

dos ricaços daquele lugar!

E se a menina rica de quem ele gostava o visse ali, jantando, como se fosse um deles?

Pedro retomara sua linha de pensamento enquanto procurava uma solução para os inúmeros problemas que precisava resolver e que pareciam cada vez mais difíceis

de serem resolvidos!

Naquele dia, um mês depois de tudo ter virado de vez em sua vida, estava ali, tentando cortar madeira com um machado, já que não tinha uma serra, o que seria

mais apropriado para o serviço que tencionava fazer. Mas já se habituara às dificuldades. Nos últimos tempos, o que mais lhe aconteciam eram problemas e aborrecimentos!

Todavia, parou ao ouvir um barulho de moto. Ficara um tanto receoso, todas as vezes que ouvia um barulho de moto, estivesse ele onde fosse. Mas por ser ali,

parecia ainda mais assustador. Afinal, fora um sujeito numa moto que levara seu filho!

Os dois cachorros também vieram latindo verificar o que acontecia. Mas até eles pareciam um tanto ressabiados ao ouvir aquele barulho, medonho para eles.

Felizmente, naquele instante, era um amigo de infância que vinha para um dedinho de prosa. Alguém que correra com ele por aquelas terras, que nadara com

ele naqueles rios, que roubava frutas nas terras dos abastados e que tentava cavalgar nos cavalos que pastavam por perto de onde eles estivessem.

- Quando pensa em reconstruir sua casa? - o agora doutor Luís Paulo Machado perguntou a Pedro. Tinha ido fazer uma visita ao sítio do amigo e encontrou,

pai e filho, cortando troncos de árvores.

- Não tenho a menor ideia. - Pedro suspirou enquanto tirava as luvas de trabalho e as atava em seu cinto. Acendeu um cigarro de palha. Tragou enquanto olhava

a devastação ao seu redor. - Talvez, se eu conseguisse um emprego em algum lugar, desse para fazer alguma coisa. Mas aí eu teria que deixar isso aqui nas costas

de Diego e ele não está com tempo agora pois não acho justo que ele abandone o curso técnico. Esse curso de Zootecnia é a única chance que ele tem de encontrar,

mais tarde, uma boa colocação por aqui ou para qualquer lugar para onde queira ir. Além disso, ele estudou feito um maluco para conseguir essa bolsa de estudos.

Não posso atrapalhar a vida de meu filho. Eu já o sacrifiquei demais! - Enquanto ia falando ele ia se afastando do lugar onde o filho continuava a cortar as toras

de madeira. - As vezes penso em vender isso aqui. Ainda mais agora que o meu pequenino foi com a mãe.

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- Jorge del Toro não tem nenhuma notícia do seu filho?

- Não! - Pedro abaixou os olhos. - Ainda estava escuro, então não teve como ver o número da placa da moto do sujeito. Isso, se a moto tivesse uma placa!

Mas o inspetor deu a descrição do camarada e de Lucinha para um monte de delegacias.

- O que está fazendo com esses troncos de eucalipto? Está pensando em construir sua casa com toras?

- Olha... Até que não seria uma má ideia, não! - Pedro balançou a cabeça como quem pensava no que acabara de ouvir. - Por que não pensei nisso antes? Uma

casa de toras! Como aquelas cabanas do cinema, coisa de americanos, né? E nem precisaria gastar muito. Era só me embrenhar, junto com Diego, por essa mata e cortar

algumas toras e depois colocar meu burro para puxar!

- Mas uma casa de pau a pique como a que havia antes aqui também sai bem barata!

Ficaram em silêncio, pensando no assunto.

- A cerca viva que seu pai plantou funciona mesmo como um muro de concreto, né?

Pedro olhou orgulhoso pela extensão afora. A cerca viva que seu pai plantara há mais de dois anos, era alta e densa. Da estrada, era impossível ver o interior

do pátio. Ninguém podia saber como eram os animais, se havia ou não máquinas agrícolas e era uma cerca impenetrável pois seu pai misturara cedrinho com hibiscos,

mourões vivos e Sansão do campo. Infelizmente, na frente da antiga casa, a cerca era de bambu, que já estava bem envelhecido e podre. Mas, naqueles dias de quase

ociosidade, Pedro resolvera trazer a cerca viva também para frente da casa. Tinha muito tempo livre para estas tarefas agora!

- Esse negócio de cerca viva economiza um bocado de arame e toras! E o gado não consegue fugir por ela!

- Mas então, o que está fazendo com essas toras aí? Não é para cercar a frente de sua futura casa?

- Estou tentando levantar um cercado para o rebanho. Meu gado está solto por aí desde o dia em que Lucinha incendiou minha casa e levou meu filho. Tive

sorte de nenhuma cabeça ter-se desgarrado. São poucas, eu sei, mas é tudo o que eu tenho! Andei meio desanimado. Pelo tempo que estou na casa de Beatriz já era para

ter levantado minha casa, construído um novo curral, mas... Fico preocupado com Diego. Assim que reconstruir tudo por aqui, ele terá que voltar a adaptar-se ao nada.

Aqui não tem nada das coisas as quais ele está se acostumando na casa de Beatriz. E eu ando meio sem rumo. De qualquer forma, eu não tenho dinheiro para nada. O

que eu ganho com a venda do leite é muito pouco. Dá para eu pagar um aluguel para Beatriz, que me ofereceu a casa dela e para comprar comida. Não sobra para muita

coisa. Só consegui comprar até agora, um rolo de arame farpado e alguns pregos.

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- Está pagando um aluguel para Beatriz? Achei que ela lhe emprestara a casa! Ela é sua prima, compadre!

- E emprestou. Mas você me conhece. Não gosto de ficar devendo obrigação para ninguém e menos ainda para uma mulher. E não importa se é parente ou não!

- Entendo... - E Luís Paulo entendia mesmo. Em Vila Verde, o orgulho de Pedro era do conhecimento de todos!

- Diego me disse que está gostando muito de morar na casa de Bia.

- Ah! Ele está mesmo muito contente. Quando morei no alojamento na fazenda dos Cassilhas, ele andou ficando uns tempinhos comigo, mas era muito pequeno para

se lembrar. Quando ganhei uma das casas ao morar lá com Lucinha, ela nunca permitiu que eu o levasse comigo. Também eu não queria deixar meu velho sozinho no sítio.

Assim, ele nunca teve acesso às coisas modernas. Está apaixonado pela água encanada, pelo chuveiro com água quente, pela tv, pela geladeira, pelo microondas, pela

cafeteira elétrica, pela máquina de lavar roupas. Beatriz deixou tudo o que ela tinha na casa pois agora, morando no lugar que o marido dela recebeu como herança,

não ia precisar de nada daquilo. Adriano Salviati é um homem rico e, é claro, agora Bia, a nossa velha amiga Bia virou dona de fazenda! Até ofereceu para eu comprar

tudo o que ela tem quando minha casa ficar pronta pois ela vai vender o cafofinho dela como o chama. E olha que ela tem de um tudo. Cama, guarda roupa, sofá, mesa,

fogão... Tinha que ver como Diego adorou cozinhar no fogão a gás. E adorou comer pão pela manhã. Sabe, né... Aqui no sítio não tem padaria por perto. A gente faz

uma broa de milho e vai levando. É muita gemada e broa com café!

- Com o dinheiro que você tem investido com Henrique Cassilhas você conseguiria construir uma casa boa, com todas essas comodidades da qual seu filho gostou

tanto e ainda lhe sobraria uma grana para comprar uns dois cavalos, uma caminhonete usada e alguns embriões...

- Isso me ajudaria muito... Se fosse verdade. Mas não posso acreditar que um fazendeiro investiu meu dinheiro por um longo tempo e agora pretende me devolver

tudinho, tim tim por tim tim. Isso não faz o menor sentido! Qualquer um que investisse a grana de alguém, sabendo que essa pessoa nem desconfiava de nada, ficaria

com a grana para si.

- Sabe que Henrique Cassilhas jamais esculhambaria com você! Ele o respeita muito para agir de uma forma tão mesquinha e desonesta. Nem parece que o conhece

tão bem. Fomos amigos por anos! Muito antes de você se tornar seu empregado e você sempre soube o quanto ele é correto em seus negócios!

- Eu sei... Por isso é que fico cismado. Lucinha me jurou que foi até lá para pegar o dinheiro. Não posso ter nada a receber, nada investido com ele! Isso

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não pode ser verdade!

- Mas é. Eu e meus pais somos testemunhas disso. Henrique falou que não daria o dinheiro a você pois Lucinha acabaria com tudo. Eu sei o que vi. Estava lá

quando ela exigiu o dinheiro que ela sabia estar sendo investido em algum negócio e vi como Henrique a enrolou dizendo que as ações da bolsa haviam caído e que tudo

fora perdido. E ela engoliu pois ele fora muito convincente, inclusive mostrando a ela um monte de extratos bancários. Sabe que ela não sabe ler, né? Saiu de lá

achando que entendera tudo!

- Foi Henrique que mandou você aqui para me convencer? - Pedro disse num tom agressivo.

- Não. Foi minha mãe. Sabe o quanto o menino está encantado com a casa de Beatriz e disse que você precisa assentar a cabeça e pensar no seu filho e esquecer

esse orgulho besta! Palavras de dona Tiana! Além disso, concordo com minha mãe. E, como sou padrinho de diego, gostaria que ele parasse de viver do modo como vive...

O menino só trabalha. quase nunca sai daqui, a não ser para estudar. Há anos que ele não vai até minha casa para passar um tempo comigo e com meus filhos. Quem vem

aqui de vez em quando, é Juliano. Mas esse também não tem muito tempo disponível.

Pedro olhou desconfiado para o amigo de infância.

- Acha que sou traíra? Se não acreditasse no que estou dizendo, jamais viria aqui para convencê-lo. Conheço você desde que me entendo por gente e sei o quanto

orgulhoso você é. Se digo que Henrique investiu seu dinheiro é por que é verdade. Sou testemunha disso!

Pedro, agora que estava um pouco distante de seu filho Diego, olhou para o menino penalizado.

- Sabe... quase todas as noites eu o ouço chorar. apesar de estar encantado com a casa de Beatriz, com um conforto que ele jamais vira, ele sofre pela ausência

do avô, que era mais pai para ele do que eu fui a vida inteira. E agora chora também pela falta do irmão. Ele perdeu duas pessoas a quem amava muito num curto espaço

de tempo.

Luís Paulo olhou para o menino que agora empilhava as toras para facilitar o trabalho do pai.

- Você também perdeu.

- É... Mas eu já estou acostumado a levar porrada da vida. Ele está começando agora.

- Ele é um menino de ouro. Qualquer pai se orgulharia dele. Ainda bem que você sempre esteve presente na vida dele, orientando-o, mesmo tendo que trabalhar

e morar nas fazendas onde trabalhava.

- Eu o visitava todos os dias quando estava na fazenda dos Cassilhas. Era fácil. Tinha meu cavalo e tinha a caminhonete a minha disposição. Nunca deixei

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de vir aqui mesmo contrariando Lucinha. Isso ela não conseguiu se meter. Vinha ver meu pai e meus meninos. Ia pescar com eles, caçar tatu e preá...

- Seu cavalo Dom Quixote, ainda está lá na fazenda dos Cassilhas.

- Não é meu!

- Henrique tinha dado ele para você. Desde que saiu da fazenda, ninguém mais teve coragem de montá-lo. Está mais brabo que um leão faminto. Está lá, largado.

E é uma belezura de Cavalo!

- Sei disso! É um cavalo e tanto! No dia em que fui a fazenda tive vontade de ir ao estábulo, mas desisti. Não queria ver meu cavalo sendo montado por outro

peão.

- Nenhum dos peões da fazenda falou do seu cavalo para você?

- Todo mundo me conhece. quando saí da fazenda, jurei a mim mesmo que aquela página da minha vida estava virada para sempre. Nenhum deles, caso me encontrasse

em algum lugar qualquer, comentaria alguma coisa sobre a fazenda dos Cassilhas! Era um assunto morto e enterrado! Mas o destino me passou uma rasteira!

- Sei... - Luís Paulo ponderou. Nenhum peão ia querer enfrentar Pedro Rocha falando qualquer coisa que o desagradasse. Conheciam a sua fama e todos sabiam

que a sua direita derrubava um touro! O que ninguém conseguia entender era como Lucinha conseguira dobrar aquele homem com aquele gênio tão terrível!

- E então?

- Então, o que? - Pedro olhou o amigo.

- Vai conversar com Henrique Cassilhas e deixar que ele lhe mostre no papel tudo o que ele investiu e como? Se você deixar o orgulho um pouquinho de lado,

vai poder ver todos os documentos, com datas e com as quantias investidas e o quanto rendeu durante todos esses anos! Naquele dia você não quis ver nada!

- Naquele dia, os filhos de Henrique e Joana estavam chegando ao mundo. Acha que ele ia querer perder tempo me mostrando contas e mais contas?

- Mas agora, tudo está no lugar certo.

Pedro concordou com um movimento de cabeça.

- E então?

- Então o que?

- Você vai?

- aonde?

- Sabe do que estou falando!

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Pedro olhou para o filho. Olhou o seu sítio destruído, a madeira que conseguira salvar amontoada num canto. Podia ir até a mata e cortar bastante bambus

e fazer uma outra cabana rústica, como a anterior. Mas se ele ia morar ali com seu filho, tinha que dar alguma coisa para o menino se distrair um pouco. Uma casa

com um banheiro, com um quarto só para ele, uma cozinha com fogão a gás... Se o dinheiro de Henrique desse ao menos para construir uma boa casa para deixar para

seu filho, já seria algo muito bom. E o seu cavalo. Seu cavalo ia dar a ele um outro ânimo. andar aquilo tudo a pé como vinha fazendo desde que saíra da fazenda

dos Cassilhas... Se tivesse sua casinha um pouco melhor que a anterior e se tivesse seu cavalo, o que ganhava com o leite de seu rebanho daria para se segurar até

que seu filho terminasse o curso técnico. aí, ele deixaria o sítio na mão de seu filho e ia procurar um lugar de capataz em alguma fazenda. Sabia que muita gente

o empregaria pois era muito competente em seu trabalho!

- Vou pensar no assunto.

- É... Você nunca vai abaixar essa cabeça mesmo! Nem sei por que perco meu tempo tentando mudar alguma coisa!

- Você me conhece desde sempre. Crescemos juntos!

Luís Paulo pigarreou o que fez com que Pedro olhasse outra vez para o amigo.

- Tem mais sermão para dar? - Pedro perguntou sentindo uma pontinha de irritação.

- Bem... É algo um tanto desagradável...

- Desembucha logo!

- É algo um tanto complicado... - Luís Paulo avisou.

- Fala logo! - Pedro parecia impaciente. Fez um cigarrinho de palha e soltou uma baforada.

- Bem... Lá vai... Sabia que estão dizendo por aí que a irmã de Oliver Mattos está sustentando você?

Pedro se engasgou com o cigarro de palha. Tossiu muito, o que fez com que Diego ameaçasse a ir até onde o pai estava, mas este fez um gesto para que o filho

continuasse seu trabalho. Depois, apertou os olhos como se tivesse sido atingido por um soco.

- O que? - Berrou tão alto que era possível ouvi-lo em Marte. Seu Urro saiu com tanta violência que mais parecia um leão gravemente ferido. Ficou momentaneamente

sem ar e lutou para respirar, o que deixara Luís Paulo preocupado. Era visível o esforço que Pedro Rocha fazia para trazer o ar das profundezas de suas entranhas,

para organizar suas ideias, para compreender que o amigo acabara de dizer. Estava com a cara tão vermelha que parecia que iria enfartar a qualquer instante! Mas

os sinais de cólera, fúria, e indignação eram flagrantes. - O que?

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capítulo 7

Naquela noite, quando Evelyn Mattos chegara a casa onde Pedro estava morando até que sua situação se resolvesse, não vira nenhum sinal de que alguém estivesse

em casa. Assim, ela e sua filha ficaram esperando que o vaqueiro chegasse, sentadas na pequena varanda.

- Por que vai esperar aqui? Não podemos ir até a lanchonete beber um guaraná? Estou com sede. - Raíssa estava impaciente.

- Fique calma. Daqui a pouco ele vai estar chegando. Deve ter-se atrasado por alguma razão.

- É... Quem sabe ele foi atropelado por outra madame naquele caminho escuro?

- Raíssa! Pare de me importunar!

- Ah! Mamãe! Estou de saco cheio de acompanhar você todos os dias até aqui na casa desse peão chato! Isso mais parece programa de índio!

- Não vou deixar você sozinha por aí! Nem adianta pedir. Viu o que aconteceu da última vez, não?

- Vi. Vi sim. Você atropelou o vaqueiro!

- E o que aconteceu antes, quando fui buscar você lá na fazenda onde disse que ia ter uma reuniãozinha de amigos? Um lugar onde você queria passar todo o

final de semana?

- Não tive culpa. Afinal, deveria ser mesmo uma reuniãozinha. De gente bem nascida como você e a vovó vivem falando! Não tenho culpa se a polícia recebeu

uma denúncia de que estava rolando drogas e...

- E o maior bacanal, né? Sabe que agora tem que ficar colada comigo, caso contrário vou mandar você para uma dessas casas de menores!

Evelyn sabia que não ia mandar a filha para lugar algum. Mas, a julgar pelo que a garota acreditava ter visto e ouvido, acabara acatando tudo o que a mãe

a obrigasse fazer com medo mesmo de ser internada numa instituição para menores infratores. Ao menos o juiz que fora designado para o caso ameaçara todos os menores

presentes na festinha de arromba que acontecia numa das fazendas do prefeito João Baptista e que ficava fora dos limites de Vila Verde.

Na tal "reuniãozinha", estavam o prefeito João Baptista, um homem com quase sessenta anos, o vice prefeito conhecido como Pimentinha e que era noivo da filha

do prefeito, oito fazendeiros de fora de Vila Verde e que já haviam passado dos cinquenta e vinte menores. Quatorze mocinhas, incluindo Raíssa e seis garotos. A

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idade dos menores ia dos oito aos dezesseis anos! E estavam lá, todos com a autorização de seus pais que acreditavam que os filhos estavam em boas mãos, com famílias

respeitáveis onde teriam uma espécie de mini colônia de férias!

Quem ia imaginar que as coisas estavam naquele pé? Havia drogas de todos os tipos e muita bebida alcoólica! Quatro crianças estavam sedadas! Fora o mesmo

que olhar para o inferno!

Raíssa, que parecia ter entrado naquela confusão sem o saber, conseguira ligar para Evelyn as escondidas e pedira que a mãe fosse buscá-la. Chorava desconsolada

ao telefone e dizia que ela e as outras estavam sendo obrigadas a beber e a usar drogas! Que mãe ouviria aquilo e se sentiria bem? E nem podia ligar para a polícia

pois aquilo tudo podia ser invenção da cabeça maluca de sua filha que queria voltar a viver com a avó, a estudar na antiga escola em São Paulo e a conviver com os

velhos amigos.

Por sorte, algumas crianças agiram da mesma forma ligando para os pais e pedindo socorro! Outras não! Algumas estavam bêbadas e dançavam seminuas em cima

das mesas para aquele bando de homens doentes!

Todavia, uma delas fora mais esperta. Por ser parente do juiz, ligara para ele e para a polícia, que, por mais incrível que pudesse parecer, chegara em

poucos instantes. Certamente a mocinha deveria ter dito que era parente do juiz Fulano de Tal.

De qualquer forma, todos os adultos safados haviam conseguido fugir. Não se sabia como e nem por que, mas a verdade era que os pedófilos safados conseguiram

evaporar como fumaça! Talvez os policiais tivessem feito vistas grossas. Quem saberia dizer o que rola por baixo dos panos, quanto dinheiro não estava molhando a

mão dos que fingiam que nada viam?

Evelyn, a princípio, ficara tão estupefata que não soubera como agir. Seguira o conselho de outros pais que ali se encontravam pois jamais se imaginara numa

situação tão apavorante como aquela.

Sentia-se culpada. Não sabia como educar sua filha, não sabia se podia confiar nela quando ela dizia que não fizera nada com aqueles homens! E nem queria

saber daquilo agora. Não sabia o que fazer e se sentia desamparada como mãe. Errara muito ao não cuidar de sua filha quando ela nascera mas agora estava disposta

a fazer qualquer sacrifício para poder se penitenciar. E a sua penitência era manter sua filha a um puxão de distância de si!

Por mais incrível que pudesse parecer, havia, entre os poucos pais que tinham chegado ali, um consenso de que não queriam expor seus filhos às fofocas da

mídia ou qualquer coisa do gênero. queriam abafar o caso, como se nada houvesse acontecido. Não queriam ver seus nomes arrastados em nenhum escândalo. Preferiam

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lidar com aquela vergonha usando panos quentes!

E os poucos pais que queriam colocar a boca no mundo, foram aconselhados a se calarem. E assim foi.

Os pedófilos desgraçados sairiam ilesos!

Quanto a conduta do prefeito... Nenhum deles queria tocar no assunto. A maioria era pessoas ricas, de nome conhecido em suas cidades. Preferiram tapar o

sol com uma peneira. Não era sempre assim que os iguais agiam? Por que atirar aquilo tudo no ventilador e se ver em meio a processos, advogados, imprensa... No fim,

eram bem capazes de colocarem a culpa nas crianças e absolverem os verdadeiros culpados.

Evelyn estava aparvalhada. Não era de estranhar que, para fechar sua noite com chave de ouro houvesse atropelado o vaqueiro que agora não saía de seus pensamentos.

Para sorte dos presentes naquela confusão, o juiz que recebera as denúncias e os menores, talvez para poder lavar suas mãos e ficar o mais distante daquela

situação possível lidou com os poucos pais que compareceram ao Fórum como alguém que queria passar o problema adiante. Dera uma bronca sem tamanho nos pais ali presentes

e ouvira de todos que não largariam do pé de seus filhos um só instante. Quanto aos demais, os verdadeiramente implicados naquilo que deveria ser classificado como

um crime hediondo, nada se ficara sabendo. E Evelyn se perguntou se o juiz não era farinha do mesmo tacho!

Quanto aos outros menores cujo pais não compareceram diante do juiz, continuavam suas vidas livremente. Onze deles viviam em Vila Verde e Evelyn, agindo

como toda e qualquer mãe, proibira sua filha de falar com eles. E rezava para que fosse obedecida embora nunca pudesse saber ao certo!

E era assim que as coisas estavam. Aonde ia carregava Raíssa consigo, ouvindo a menina reclamar, xingar, falar muitas abobrinhas o tempo todo. Mas o que

mais ela poderia fazer?

- Nunca pensou em namorar o Diego? - Evelyn nem sabia por que aquela pergunta saltara-lhe dos lábios.

Raíssa caiu numa risada debochada.

- Qual foi a graça?

- Fala sério, mãe! Acha que eu ia mesmo me interessar por um caipira pé rapado que nem casa para morar o camarada tem!

Evelyn ficara chocada com a resposta. Sabia que sua filha era um pouco esnobe mas não sabia que era tanto. Ela era um monstro? Mas nada podia dizer. Ela

também pensava daquela forma aos dezesseis anos! Na verdade, pensara assim por muitos e muitos anos depois. Só começara a olhar para as coisas de uma forma mais

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significativa há uns três meses. Se tivesse atropelado o vaqueiro meses antes, certamente o teria largado naquela estrada e, talvez, ao chegar em casa, pediria a

um peão qualquer que fosse na estrada dar uma olhada e consequentemente, esqueceria o assunto sem se preocupar-se o peão fora mesmo verificar o que ocorrera, se

o vaqueiro morrera ou não. Antes, ela era assim mesmo. Tal e qual sua filha. Fora realmente aquela conversa boba com Davi Afonso que lhe mudara a mente de maneira

tão drástica? quase nem se reconhecia agora!

Avistaram pai e filho se dirigindo para a casa. Vinham como duas locomotivas descontroladas pela rua. Na verdade, Pedro era uma máquina de guerra sem controle

e seu filho apenas o acompanhava, mudo, como na maioria das vezes!

Evelyn preocupou-se. Algo certamente acontecera. Haviam perdido o restante das coisas, do gado, das galinhas? Lucinha voltara e aprontara mais alguma coisa

ruim? Haviam recebido alguma notícia de Tadeu?

Ainda pensava nessas coisas quando Pedro e Diego irromperam pelo portão adentro com tanta fúria que o portão bateu e voltou três vezes no muro.

- Que aconteceu? - Ela perguntou olhando de um para o outro mas a fúria que vira nos olhos de Pedro Rocha fizeram com que seu corpo estremecesse de cima

a baixo.

- Quero que pegue suas roupas, essas aí que a senhora trouxe para mim e para meu filho, suas coisinhas, sua comida e suma da minha frente. - E, enfiando

a mão na carteira em seu bolso, tirou-a, contou algumas notas e jogou em cima de Evelyn. O dinheiro caiu no chão mas ela estava tão apavorada que nem o percebeu.

- Aí está o dinheiro do jantar e das compras que a senhora cismou de fazer para mim sem que eu pedisse! Não quero nada seu! Não sou homem sustentado por mulher!

Leve seus perfumes, seus trecos cheirosos, suas comidas chiques e desapareça! suma! Vire fumaça! Suma da minha frente! Não quero ver e nem ouvir sua voz outra vez

enquanto eu viver!

Nas casas vizinhas, as pessoas já saíam para ver o que acontecia.

- "Seu" Pedro... eu...

- "Seu" Pedro o cacete! Acabou! Acabou, dona! Acabou a palhaçada de ficar me cercando, me seguindo, me ajudando seja lá o que a senhora acha que está fazendo!

Estou de saco cheio de Vê-la a minha volta toda vez que me viro! Some daqui agora!

- Ei! Não grite com a minha mãe, seu grosso! ela só queria ajudar!

- E você não se meta na conversa, sua malcriada! Não lhe dirigi a palavra! Está vendo o meu filho? Está ali, calado, obediente, esperando para fazer o que

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eu lhe mandar. Assim, cale essa sua boca e desapareça junto com a sua mamãe perua! E sabe muito bem aonde ela pode enfiar a ajuda dela, né?

- Mas... Evelyn balbuciava.

- Sem mais, madame! - Pedro gritava tão alto que a cada sílaba que dizia, mãe e filha se encolhiam automaticamente. Por mais que Raíssa quisesse bater de

frente não se sentiu muito encorajada para tanto.

- As pessoas estão olhando... - Evelyn tentou argumentar.

- quero que as pessoas se... - Explodiu.

E Pedro entrou na casa, foi até o quarto, pegou as roupas que a mulher levara para ele e o filho e as jogou porta afora! Depois, saiu da casa acompanhado

por Diego, deixando uma Evelyn aparvalhada e uma Raíssa sem ação.

- O que deu nele, mãe? - A menina perguntou depois de um tempo.

- Sei não, filha... - Disse ainda sem conseguir conter a tremedeira.

- Eu sei, dona Evelyn... - Uma vizinha falou orgulhosa por poder se dirigir a uma das mulheres mais ricas de Vila Verde. - Ele deve ter ouvido sobre as fofocas

que rolam por aí.

- Fofocas?

- Sim... Estão dizendo que a senhora está sustentando ele, pagando tudo o que ele precisa desde o sabonete que eles usam para tomar banho até as roupas chiques.

E ele parece não ter gostado do que ouviu, né? Sabe como seu Pedro é, né? somente a Lucinha colocava ele no bolso!

Pedro voltara com o filho para o ´sitio.

- Amanhã a gente vai cortar alguns troncos e fazer nossa casa com o que pudermos encontrar. Para essa noite a gente vai dormir na barraca que Luís Paulo

me arranjou. Depois a gente vê como fica.

Ainda estava furioso. O dinheiro que dera para a mulher a fim de pagar pelos gastos desnecessários que ela tivera com ele, comprando artigos de luxo, levando-o

para jantar num restaurante caro como o de Guilherme Lobo acabaram por abalar o resto das finanças de Pedro Rocha. Agora estava zerado de tudo. E só lhe restava

implorar aos céus que Oliver Mattos não ficasse ainda mais injuriado com ele pelo modo como tratara sua irmã. O fazendeiro, certamente, ainda não engolira o soco

que levara por causa de Lucinha. Se Oliver Mattos não comprasse mais o leite de suas crias, ele ia mesmo ter que vender aquelas terras e ir embora com Diego para

um outro lugar!

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Na primeira noite, dormiram na barraca. Ao se levantar, Pedro sentiu a necessidade de conversar com seu filho. Afinal, acabara tirando-o do conforto com

o qual ele já estava se acostumando.

- Diego, filhão...

O menino olhou para o pai.

- Temos que ordenhar as vacas, pai. Daqui a pouco o caminhhão do leite vai passar por aqui e eu não posso faltar a aula hoje.

Pedro assentiu com um leve movimento de cabeça.

Enquanto trabalhavam, arrependeu-se do que fizera na noite anterior. Seu filho estava com as roupas velhas e não deviam estar muito cheirosas, pois a usara

no dia anterior na lida. Como ele iria para o colégio agora? Seus colegas, certamente, estariam limpos. E seu filho, certamente, seria repudiado por estar vestido

como um mendigo!

- Trouxe alguma roupa da madame com você, filho?

O rapaz o olhou cheio de mágoa.

- Não, pai. O senhor pegou tudo e jogou na madame.

Pedro parecia que tinha uma pedra cheia de pontas na garganta.

- Eu... Estava indignado, filho. Não pensei em nada.

- Tudo bem, pai. Eu consegui salvar alguma coisa do incêndio... Sabe, né... Está um pouco queimada nas pontas mas vai dar para eu usar hoje no colégio.

Pedro achou que algo lhe impedia de respirar direito.

- Estraguei sua vida mais uma vez, filho.

- Pai... Daqui a pouco o caminhão vai chegar e antes eu vou ter que me lavar.

Pedro olhou para a lata de água no fogo que eles haviam feito para aquecê-los durante a noite e também para fazerem um chá de ervas pela manhã, já que não

tinham pó de café. Mas tinham leite, ovos e foi isso que comeram .

Quando o caminhão de leite chegou, Diego usava uma roupa esfarrapada que ele conseguira limpar um pouco na noite anterior e colocado perto da fogueira para

secar. Obviamente estava cheirando a fumaça. Nada parecido com os desodorantes perfumados que a perua havia levado para eles.

Diego embarcara em sua carona no caminhão de leite pensando em Marcela, a garota rica de quem gostava. Mas não ia fazer diferença estar bem vestido e cheiroso

ou esfarrapado, cheirando a fuligem como estava. Marcela era apenas um sonho. Nunca seria digno dela!

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Quando Diego retornara das aulas, o trabalho que Pedro tinha em mente, começara.

Aquela semana fora de muito sacrifício para o pai e para o filho. Alguns peões até que foram ao sítio dar uma mãozinha a Pedro, o que lhe melhorou um pouco

o astral.

Primeiro fora uma caça sem trégua. Pedro e o filho, embrenhados na mata, cortaram uma quantidade imensa de bambus. Depois, com a ajuda do burro, transportaram

todo o material para o terreno do sítio. Cortaram e amarraram os bambus com cipós, também retirados da mata. Levantaram as estruturas da casa, deixando o espaço

para três portas e para três janelas. Cobriram a estrutura também com bambus mais grossos, que, cortados ao meio de cima a baixo, foram sendo colocados como telhas

francesas, um virado para cima, outro, para baixo, num encaixe perfeito e sendo muito bem amarrados com cipós ou com tiras feitas do caule de algumas ramagens.

Nesse ponto, Pedro quase sorria. Quase. Se tivesse, um dia, aprendido a sorrir.

Levantadas as paredes de bambu da casa, começaram então o trabalho de atirar barro por toda aquela parede. Vinte metros quadrados de uma casa de pau a pique

ou de taipa, exatamente como a que seu pai tivera ali até que Lucinha acabara com tudo.

O fogão à lenha já estava no lugar e as camas, a mesa, os bancos logo foram construídos com o material que eles retiravam da mata.

Luís Paulo trouxera-lhes algumas roupas. Pedro vendera as suas porcas, duas vacas que já não rendia uma boa produção de leite e com o dinheiro pedira ao

amigo que comprasse algumas coisas para seu filho.

E Diego, naquela primeira noite na casa nova, que tinha paredes, telhado e luz elétrica, abriu um imenso sorriso ao ver o embrulho que seu padrinho lhe estendera.

- Pra mim?

- São roupas usadas... - Luís Paulo advertiu. - Sabe que Fernanda, minha mulher trabalha em São José dos Campos e costuma comprar roupas para ela e para

o meu filho. Algumas pessoas chamam esses lugares de brechó! Mas a gente pode comprar uma roupa de qualidade por um preço até dez vezes menor!. E só tem coisa boa.

Aliás, essas aí foram ela e meu filho que escolheram para você. Mas minha filha Ana Júlia também opinou. Disse que ia dar o toque jovem e feminino já que a mãe dela

estava mais perto dos quarenta! Disse que somente uma garota sabe como gosta de ver um garoto vestido! Aí foi uma luta para ver quem escolhia o que! Sabe como Juliano

é vaidoso, não? Por falar nisso, ele disse que agora que você virou um expert no videogame, ele quer que vá até lá em casa para desafiá-lo! Ele disse que antes você

era barbada!

E o menino assentiu sem constrangimentos e vibrou ao ver as roupas que a esposa e os filhos de Luís Paulo haviam escolhido para ele. Era amigo de Juliano

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e de sua irmã gêmea Ana Júlia. Mas pouco se viam pois os horários não batiam. Juliano e Ana Júlia estudavam próximo a mesma instituição onde sua mãe trabalhava.

Só podiam se ver nos finais de semana. Todavia, os trabalhos no sítio tomava o tempo todo de Diego.

- Maneiro! Tudo muito transado! Juliano e Ana Júlia conhecem mesmo os meus gostos! Adorei! E a tia Fernanda também!

- Achei mesmo que ia gostar. - Luís Paulo parecia satisfeito.

- Obrigado, dindo!

Com o dinheiro da venda das porcas e das vacas, Pedro também produzira seus milagres. Coisas como sabonete e desodorante estavam lá sobre a cama de Diego.

E o rapaz pensou em sua garota dos sonhos.

Um mês depois, a vida de pai e filho parecia estar voltando ao normal. Tinham outra vez a sua casa, o seu sossego. Diego ia para o colégio no caminhão de

leite e retornava na hora do almoço. Era óbvio que Pedro, volta e meia, se cobrava por não poder dar ao filho um pouco do luxo que o menino experimentara enquanto

moraram na casa que Beatriz lhe emprestara, mas a vida real deles era aquela ali. Sorte que tinham luz elétrica. Mas a tv, os games, os CDs e os DVDs haviam ficado

naquela outra vida junto com os livros, a máquina de lavar, com a cafeteira elétrica, o fogão a gás e o forno microondas.

Mas a água encanada e o chuveiro elétrico ele levara para seu novo lar.

Fizera um banheiro de chão de cimento e paredes de toras. Comprara uma caixa dágua e junto com Luís Paulo, fizera todas as instalações elétricas e hidráulicas.

Sua casa agora tinha água na cozinha, no banheiro, num tanque e no curral. Seu banheiro tinha agora um vaso sanitário de verdade que ele comprara junto com um lavatório

e um espelho para que Diego pudesse se pentear pelas manhãs.

Para muita gente, aquela coisas nada significavam além de muita pobreza mas para ele e seu filho, eram coisas mais que luxuosas. Não tinham que ir ao meio

do quintal no meio da noite para usar a privada ou tomar um banho! E nem tinham mais que puxar água do velho poço! Agora tinham uma bomba para puxar água até a caixa

dágua e para irrigar suas pastagens!

Pedro estava orgulhoso de si mesmo! Conseguira dar a volta por cima sem que tivesse que esticar sua mão para pedir alguma coisa. Ainda era o mesmo pobre

coitado de três meses atrás, mas tinha sua casa para descansar sua cabeça no travesseiro sem estar devendo nada a ninguém! só lhe faltava o filho mais novo para

que ele se sentisse mais satisfeito. E uma cinco ou seis vaquinhas a mais!

- O bezerro da malhada já está nascendo, pai!

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Deus estava ouvindo suas preces? Seu rebanho estava aumentando. Já era a quarta novilha a dar cria! Logo sua produção de leite ia aumentar!

Naquela manhã, ele estava sozinho pois seu filho estava na escola quando uma caminhonete novinha em folha parou em frente a sua casa.

- Ei, peão!

Pedro viu a morena jambo descer do veículo e vir em sua direção.

- Ei, Bia! Já acabou a lua de mel? Seu carro brilha mais que um cometa, hein!

- Que isso, vaqueiro? Está me estranhando? Vou deixar meu anjo louro extenuado. Acha que dois meses de viagem por um mundo que eu nem sequer podia imaginar

que existia seriam suficientes para mim? Mas agora, chega de viagem. quero ser dona de casa e uma excelente esposa e mãe. Ah! Vou ter outro bebê. Sabe, né? Bruna,

minha filha, já está quase uma mocinha! E o meu carrão novo brilha mesmo, não?

- Então o Adriano está nas nuvens!

Beatriz ficou em silêncio por algum tempo. Adriano temia ser pai outra vez pois havia perdido dois filhos para um acidente de carro que também levara sua

primeira esposa. Mas Bia acreditava que ele acabaria superando o medo e a dor.

- É... Estou na torcida.

- Vai dar tudo certo, morena. Você merece.

Beatriz riu.

- Por falar nisso, você desceu o barraco lá na minha casa. As vizinhas ainda estão comentando sobre o modo como berrou por lá!

- Desculpe por isso. Perdi a cabeça.

- Liga não, primo. Por lá todo mundo desce do salto. Inclusive eu, né? Lembra de quantas vezes teve que me segurar para eu não dar uns tapas na mulher do

pai da minha filha? Mas você sempre foi tão clamo...Foi isso que aquela lambisgoia da Lucinha fez com você, né? Acabou com a sua paciência!

- Ora essa, Bia! Nunca fui muito paciente. A Lucinha sim, fez com que eu aprendesse a contar até mil antes de quebrar a cara de alguém.

- Bem... Nesse ponto, ela o deixou meio boboca mesmo! Melhor assim, senão você teria quebrado a cara de todos os homens de Vila Verde. Até pra cima de meu

Adriano aquela maluca veio passar uma cantada! Vaca!

- Ah! Vamos deixar aquela lá de lado. O que a trouxe por aqui?

- Bem... Sabe que vou vender meu cafofinho. Já tenho até uma compradora em vista. Mas ela tem os móveis dela e eu queria saber se você está interessado em

comprar algumas coisas. Soube que seu filho adorou o fogão a gás. E sei que ainda não tem um...

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- Entre outras coisas. quase morreu de tristeza por causa da Tv.

- Tadinho... Compre aquelas tralhas de mim. Vendo bem baratinho pois preciso desocupar a casa. Só não vou dar tudo aquilo pra você por que eu sei que não

aceitaria. Mas preciso mesmo me livrar de tudo aquilo.

Pedro tirou seu chapéu de vaqueiro e coçou a cabeça. Olhou suas luvas no cinto, pegou-as... Estaria Bia fazendo aquilo por que o achava incapaz de poder

comprar uma TV ou um fogão a gás?

- aquela perua maluca não está metida nessa história não, tá?

- De certa forma, sim. as roupas que ela deu para você e seu filho também estão lá atravancando o caminho. Ela não as levou com ela. Mas sou eu quem precisa

vender as coisas. Já tinha dito isso para você no dia que eu liguei de... Adivinha de onde eu liguei? De Londres! Sabia que eu fui a Londres, a Paris, a Barcelona,

a Roma, a Milão e a Lisboa? eu! A faxineira pirigueti! Ganhei até um colar de diamantes. Eu! que nunca tinha visto nenhuma pedra preciosa em minha vida a não ser

as bijuterias! E olha que, muitas vezes eu nem podia comprar aquelas bugingangas por que o dinheiro não dava. Acredita nisso? Acredita que não tinha dinheiro para

comprar um brinco de bijuteria que custava um real? Agora eu tenho ouro e diamantes! E pérolas! E rubis! E esmeraldas! Quem diria!

- Acho que sei do que está falando! Meu filho ficou encantado com a sua casa. Achou que lá tudo era moderno e luxuoso. Agora, finge estar bem para não me

aborrecer, mas sente falta de tudo o que experimentou em sua casa!

- E eu vou lhe dizer uma coisa, Pedro. Pelo que sempre vi na casa de Letícia, De Lila Rose, de Joana, Da madame Jacqueline Vartan e outras mais por aí, eu

sabia que eu era uma pobre coitada... Em termos de bens materiais, quero dizer. E seu filho acha que minha casa era luxuosa! Tadinho! Nem sabe o que é luxo! Você

nem pode imaginar o que é o tal de hotel cinco estrelas, lençóis de seda, copos de cristal e champanha de verdade. Há um outro mundo aí fora do qual a gente nem

tem ideia. Coisas que a imaginação da gente é incapaz de compreender. Ao menos eu sempre me perguntava por que uma pessoa ia querer morar numa casa imensa sem necessidade

de tanto espaço ou por que uma pessoa tinha tantas propriedades sem nem mesmo ir visitar suas posses. Agora eu entendo o que se passa na cabeça de gente rica! Ao

menos um pouco! Agora eu também vou morar numa casa tão imensa que acredito ter que fazer um mapa para não me perder dentro dela! E sabe o que é melhor? Não sou

eu quem vai limpar!

Beatriz caiu na risada.

- Por falar em espaço... Suas coisas não cabem todas aqui.

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- Ora essa! Faça um quarto para seu filho! E outro para você. Deixe essa parte aqui só para sala e cozinha! Sabe que eu tenho lá os móveis completos de quarto

de casal e o de solteiro. Comprei nas Casas Bahia. O problema eé que os móveis de minha filha Bruna são rosa! Diego não vai querer um guarda roupa, uma cama, um

criado mudo e uma cômoda cor de rosa, né?

- Humm... - Pedro ficara pensativo. - Acho que não. Mas sempre se pode comprar uma latinha de tinta, né?

No dia seguinte, quando Diego chegou do colégio, sua casa estava atulhada. Tinha fogão a gás, microondas, liquidificador e um monte de outras coisas das

quais ele gostara. Tinha até uma TV e o técnico iria, o mais rápido que pudesse, instalar a parabólica. Naquela mesma noite, Diego teria uma Tv para ver! Todavia,

mesmo retirando as camas que Pedro fizera quando construíra a casa, os móveis de Beatriz estavam apinhados num canto. Eram armários, camas, sofás, estante, mesa,

cadeiras, armários de cozinha. Iam mesmo precisar de fazer os dois quartos. E Pedro providenciaria isso já no dia seguinte. Cada um ia ter o seu quarto. Deveria

fazer um quarto para Tadeu? Seu filho caçula retornaria para eles, para sua verdadeira família? Por onde andaria seu filho? Estaria vivo ainda?

- Sabe que teremos que aumentar nossa casa, certo? - Disse ao filho que tinha um sorriso mais resplandecente que o sol.

- Pode deixar, pai. Eu vou ajudar você! E vou alisar as paredes e pintá-las depois como fizemos aqui nesse cômodo. Vai fazer um quarto para Tadeu, né?

Pedro pensou um pouco.

- Vou sim. Tenho esperanças de que seu irmão volte para nós. Aquela maluca da Lucinha não vai cuidar direito de meu filho e nem ter paciência com ele. E

tenho medo de me lembrar de que ela dissera que o venderia!

- Não vamos pensar nisso agora, pai.

Um peão da fazenda de Henrique Cassilhas estivera no sítio.

- O patrão mandou entregar esse cavalo a você! - Foi logo dizendo e desatrelando o cavalo que vinha amarrado numa carroça conduzida pelo peão. Incrivelmente,

o cavalo parecia ter acabado de rever um velho amigo. Relinchou, bufou, arrastava as ferraduras no chão de terra. O cavalo estava feliz!

Pedro não conseguia esconder sua alegria ao rever seu cavalo Dom Quixote! Há mais de um ano que não lhe punha os olhos em cima! Era o reencontro de dois

grandes amigos!

- O patrão disse que você é o homem mais teimoso que ele já conheceu. Pior que touro brabo e cavalo chucro!

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- Humm... - Pedro sabia que Henrique Cassilhas estava aborrecido por que já lhe mandara uma porção de recados para que ele fosse até a fazenda para conferir

as contas, mas Pedro sempre se recusava. Não acreditava que Henrique Cassilhas tivesse qualquer coisa para lhe dar.

- Diga ao seu patrão que eu não sou teimoso. Sou justo! E que agradeço pelo presente.

- Ele disse que você diria que o cavalo é um presente mas que ele é seu, que o mereceu por seu trabalho e que no final, ninguém ia conseguir montar esse

cavalo brabo mesmo!

Depois de uma semana vendo seu filho trabalhar assoviando, Pedro conseguiu relaxar. Agora o menino não precisava mais ir no caminhão de leite pois tinha

a bicicleta de Beatriz. E uma porção de roupas boas! Assim, para coroar sua nova vida de luxo, Pedro comprara uma carroça de segunda mão. Estava com uma dívida do

tamanho do mundo, mas Beatriz vendera-lhe as coisas bem baratinhas e dera-lhe um tempo bem prolongado para que ele pudesse efetuar seus pagamentos.

Tudo estava correndo tão bem em suas terras que ele até tinha medo de que as coisas se desmoronassem num estalar de dedos. E não era sempre assim? Sempre

que as coisas iam bem algum diabinho invejoso não revirava tudo?

Olhava orgulhoso para seu sítio. Havia optado pelo sistema de pastagem rotativo irrigado. Dividira seu terreno em quinze partes iguais e a cada dia as

vacas comiam o pasto de uma área diferente. Quando chegavam ao último pasto, voltavam para a primeira área onde o pasto já crescera e estava no ponto para nova

pastagem exatamente quando o capim concentrava o maior teor de proteína. Agora ele até usava planilhas para controlar o pequeno rebanho. Tinha assim os dados de

cada animal: peso, idade e quanto leite produziam. E cada vaca estava lhe presenteando com quase quinze litros em média!

Não ia permitir que nenhum diabinho se interpusesse em sua vida agora. Já lhe bastara aquele furacão destrutivo chamado Lucinha. Depois dela, qualquer catástrofe

seria fácil de transpor. Além disso, não tinha a intenção de tornar-se rico. Queria apenas viver com dignidade e poder dar um melhor futuro para seus filhos. Não

queria muito da vida. Queria Tadeu de volta e quem sabe, uma mulher para lhe fazer companhia, acabar com aquela solidão que o maltratava.

Todavia, a mulher que povoava seus pensamentos era impossível para ele. Mesmo que não a tivesse expulsado de sua vida como fizera, sabia que ela não era

para ele. Era uma madame, acostumada as coisas francesas, ao luxo, aos homens educados e bem vestidos. A mulher que morava em seu coração agora jamais olharia para

um nada como ele. Os homens que a interessavam eram como os Sivelie, como Guilherme Lobo, como Henrique Cassilhas ou do mesmo nível. Tinha que arrancar aquela mulher

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de sua cabeça!

Assim, só faltava mesmo Tadeu em sua vida. E... E...

- E nada! - Berrou consigo mesmo!

Não! Não ia pensar na perua loura! Aquele tipo não era para o seu bico. Ele era um bronco, um ogro diante de toda aquela elegância e delicadeza! Pobre feito

um rato de igreja e ela era rica até não poder mais. Não tinha nada para oferecer para a perua. E mesmo que algo acontecesse, ele nunca admitiria viver com o dinheiro

dela. Não era esse tipo de homem. E como ele obrigaria a loura chique e a filha esnobe a viverem naquela casa de pau a pique?

Era até engraçado pensar nisso. A dondoca nem lhe dera bola. apenas o atormentava com aquela história de que devia algo para ele pois quase o matara atropelado!

As coisas estavam escritas na vida de um homem desde o momento em que ele era gerado. Quando ele nascera naquela casa e naquela família, já estava determinado,

em algum lugar do universo, que ele e a perua perfumada nunca iam pertencer um ao outro. E se seus pensamentos continuassem a martelar naquela tecla era por que

ele era um homem danado de burro! Já não lhe bastara a maldita experiência com Lucinha?

- Sua casa ficou bem legal!

Ele ouvira aquela voz?

Temia virar-se. Não queria se decepcionar. Era certo que estava imaginando coisas pois ultimamente a perua não saía de seus pensamentos!

- Dona! - Era ela! Ainda mais linda do que se lembrava!

- Eu... - Ela hesitou por causa do último encontro que ainda fervia em sua mente. - Eu quis vir antes mas fiquei com medo de aborrecer você!

- Eu... - Ele estava tremendo? - eu queria pedir desculpas, dona! fui muito grosseiro. Não era minha intenção magoá-la. Sei que a senhora só queria me ajudar

e... Bem... É isso. Desculpe...

- Que bom... - Ela falou olhando-o com tanta intensidade que Pedro acreditou ver algo mais naquele olhar. - Sua casa está bonita! Ouvi falar que é de pau

a pique mas nem parece. Você alisou as paredes e as pintou!

- E fiz mais três quartos lá atrás e um banheiro de verdade! - Ele disse orgulhoso e depois se lembrou da casa onde ela morava que tinha dois andares e uma

porção de suítes. Calou-se envergonhado esquecido do orgulho momentâneo. Ela, certamente, estava rindo por dentro do orgulho besta de pobre que ele demonstrara.

- Eu... Bem... Vou direto ao ponto. Quis vir antes mas precisei de todo esse tempo para criar coragem.

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Ela olhava para ele como se ele fosse um precioso tesouro o qual ela temia perder de vista. Ele era o homem mais absolutamente delicioso no qual já pusera

seus claros olhos azuis. E aquela barba, eternamente por fazer? E aquele corpo todo musculoso? E aqueles ombros largos e fortes? E aquela cara fechada, cara de quem

sempre estava pronto para uma briga? E aquela voz rouca, baixa, extremamente áspera, extremamente sensual? E aquela boca onde nunca, em tempo algum ela vira, ao

menos o esboço de um sorriso? Por que ele nunca sorria?

Ele esperou pelo que ela tinha para dizer. De cara sempre fechada, respirou fundo e se arrependeu em seguida. O cheiro dela entrara por suas narinas. Como

podia manter-se afastado se o que mais queria era apertá-la em seus braços?

Mas tinha que cair na real. Ela era de outro mundo, de outra vida. Ele nem tinha ideia de como era a vida com a qual ela estava acostumada. Sempre tivera

boas roupas, joias, aqueles perfumes que o inebriavam... Ela estudara, fizera faculdade. Conhecia vários países pelo mundo afora. Podia comprar o que quisesse.

Já pertencera a vários homens. Homens educados, bem vestidos, cheios de gentilezas. Ele nada tinha a ver com ela. Eram como água e óleo. Jamais se misturariam!

- Eu... - Ela começou a falar. - Não consigo parar de pensar em você. Durmo e acordo com você em meus pensamentos. Sonho contigo nas noites e vejo você

em cada rosto, em cada lugar para onde olho. Acho que estou apaixonada. Não! Tenho certeza! Estou muito apaixonada por você!

capitulo 8

Por mais de um minuto a mente de Pedro ficara completamente vazia. Ele olhava para a mulher que lhe povoava os pensamentos nos últimos quatro meses mas não

conseguia compreender sobre o que ela estava falando. O que ela dissera não fazia nenhum sentido. Ele não podia ter ouvido direito.

Mas, como sua mente era incapaz de tomar qualquer decisão ou mesmo de entender o que acontecia, seu corpo tomou a iniciativa e em instantes, ele estava com

Evelyn em seus braços.

- Não ficou zangado?

- Eu? Por que ficaria? - disse ele depois de aspirar o perfume dos cabelos loiros dela. Estava com a mulher desejada em seus braços! Tê-la ali, tão próxima

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ao seu corpo era algo extremamente delicioso de sentir. Ia poder beijá-la, ia poder sentir o gosto daqueles lábios que tanto ansiava experimentar. Ia até, quem sabe,

fazer amor com ela! Ia poder sentir a maciez daquela pele em suas mãos, o gosto do corpo dela na ponta de sua lingua. Não parecia um sonho? Não sonhara infinitas

vezes com aquele momento? E, ele que nem imaginava que aquilo pudesse ser possível, tinha a mulher a qual tanto ansiara envolta em seus braços, junto ao seu corpo

cheio de desejos! Não sabia ao certo o que sentia por ela, mas sabia que a queria junto de si, em sua cama e, se possível, pra sempre ao seu lado! Queimava por

isso!

Beijou-a.

E, em questão de segundos, as mãos dele percorriam o corpo dela, ao menos onde era possível percorrer.

Nem sabia como os mamilos dela haviam ido parar em sua boca.

Ia deitá-la naquela relva e fazer amor com ela ali mesmo, como os animais se amavam nos pastos.

Ele estava queimando de desejo. E já havia perdido a razão em meio ao cheiro dela envolto naquele perfume que o enfeitiçava.

- Ah, dona... Seu cheiro é danado de bom! - Sussurrou-lhe no ouvido causando em Evelyn arrepio e provocando-lhe ainda mais os sentidos.

Pedro queria aquela mulher para si. queria Evelyn para sempre em sua vida, em sua cama, para ser sua! Sua! Somente sua! queria tanto que isso se tornasse

verdade que sentia o calor da paixão queimar-lhe a alma.

Em sua cama? Pra sempre ao seu lado? Para ser sua mulher? O que acontecera a ele? Estava ficando louco de pedra? Como ia poder levar aquela deusa para sua

casa, para morar naquele lugar pobre demais para ela? Afastou-se. E aquilo quebrou o seu espírito. Doía no fundo do coração. Sentia-se dilacerado, como se o cortassem

em mil pedaços. Mas não podia ousar pensar em tal asneira! Se tivesse que se queimar por isso, que se incinerasse. Aquela mulher não era para ele! Nunca, em tempo

algum ela seria sua!

- Oh, não! Abrace-me, por favor. Não se afaste de mim. Não suporto mais ficar longe de você.

- Dona... - Ele estava rouco de desejo, de medo, de emoção. E ouvi-la pedir que a abraçasse, ver aquele olhar pedindo por seus braços o despedaçava. O que

mais queria era poder tê-la consigo, em seus braços, para sempre. Mas aquilo seria justo? Em pouquíssimo tempo, ela o deixaria, o abandonaria e o odiaria por tê-la

feito viver em condições tão adversas! Ela ia odiá-lo eternamente se ele não se afastasse agora! - A senhora pertence a um outro mundo. Não tenho nada para lhe oferecer,

dona... Sou pobre... Muito pobre... Olhe a sua volta, dona... O que quer realmente de mim? A senhora tem tudo! Me deixe em paz!

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- Eu tenho tudo o que o dinheiro pode comprar. Mas não tenho você...

- Falta um peão matuto na sua coleção? Acha que só por que banquei o idiota com Lucinha que estou disposto a fazer o mesmo papelão de otário outra vez? Acha

que sou do tipo panaca, babaca, do tipo capacho de mulher? Pensa que eu não sei o que a cidade fala sobre mim? Sei que me consideram um palhaço, um idiota, um...

Um...

- Não é nada disso... - Ela não temia a agressividade dele. Sabia que ele jamais a machucaria. Se gritava, era por que estava ferido.

- Dona... Vá embora... Vá para o seu mundo de gente rica, bem alimentada e bem vestida. Deixe-me aqui com minhas vaquinhas, minha horta, meu burro, meus

cachorros e meu filho... Vá viver, dona. Isso aqui não é lugar para uma dama que já deu a volta ao mundo, que já teve uma porção de maridos, que é dona de uma das

fazendas mais bem sucedidas da região, que é irmã de Oliver Mattos, o dono de uma fábrica de laticínios que exporta seus produtos até para a Europa! Minha casa é

de pau a pique! Pelo amor de Deus, dona!

- Não vamos pensar nisso agora, Pedro... - Ela achegou-se a ele e ele não pode resistir. A blusa de seda que ela usava roçava no peito suado dele. Sentia-lhe

os mamilos apontados para os pelos do seu corpo. Aquilo era tortura, não era? Como afastar-se da perua quando o que mais queria era amá-la com a ferocidade de seu

louco desejo?

- Dona... Isso não está certo! - Ele falava sem convicção alguma. Estava perdido no corpo dela, no cheiro dela, na necessidade que as mãos dela, quando o

acariciavam, o fazia sentir.

Assim, tocado no fundo de sua alma, beijou-a com a maior docilidade da qual era capaz. Ela não era bruta como ele. Era delicada e meiga, muito feminina e

ele não sabia como agir com pessoas que mais lhe pareciam de vidro. Tinha que aprender a ser sutil, delicado pois senão quebraria aquela mulher maravilhosa! E como

ele faria tal coisa? Era um grosso! Um brutamontes! Assim, tentava ser cada vez mais gentil, mais doce, para não espantá-la. Entretanto, o desejo contido de tantos

dias deu lugar a beijos cada vez mais profundos, mais exigentes, a afagos cada vez mais ousados. E as mãos dele voltaram a percorrer outra vez aquele corpo e a boca

dele estava novamente naqueles mamilos cor de rosa! A paixão explodira entre eles! E a fúria louca que pontilhava sua personalidade, veio à tona! Pedro era intenso

demais! Exuberante demais! Tinha vida demais dentro de si!

- Mãe!

Pedro Rocha demorou a entender o que se passava. Conseguiu, com muito custo, levantar a cabeça na direção da cerca perto de seu portão de entrada. Por cima

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da cerca viva, viu o topo da caminhonete vermelha. Acordou. Estava outra vez em seu pequeno e pobre sítio, com a perua loira em seus braços enquanto a filha malcriada

dela a chamava insistentemente.

- Mãe?

O casal se afastou bruscamente.

- Estou aqui, - Evelyn dizia enquanto tentava se recompor. Seios para dentro do sutiã e logo depois a blusa estava corretamente abotoada, o zíper da calça

jeans outra vez em seu lugar...

- Eu sei que você está aí! Só estou chamando para que possamos ir embora! Acha que vou ficar assando aqui nesse calor dos infernos no meio do nada?

- Liga o ar... - Ela disse.

Evelyn olhou para Pedro como se pedisse desculpas.

E ele pareceu compreender o que ela sentia.

Enquanto via a mulher se afastar dele com pesar pensou em Lucinha. Jurara a si mesmo nunca mais se envolver com uma mulher como ela mas agora parecia que

a cópia de Lucinha vinha em forma de filha da mulher a quem ele desejava. Seria aquela a sua sina? De qualquer forma,

Durante toda aquela semana, Evelyn e Pedro se encontravam no fim da lida no sítio. Ela ia até a casa dele, ouvindo os resmungos da filha por todo o caminho

e, ao chegarem, tanto ela quanto Pedro tentavam esconder dos dois adolescentes o que nascia entre ambos.

Às vezes, conseguiam, com muito custo, uma desculpa qualquer para saírem da casa e irem até o novo estábulo, onde podiam se abraçar, se beijar e ficarem

com um desejo ainda maior de terminarem o que começaram.

Mas não havia um modo. Raíssa era capaz de tentar o suicídio se imaginasse que a mãe estava interessada naquele vaqueiro rústico como uma mulher se interessava

por um homem.

- Por que vem todos os dias nesse fim de mundo? Não tem um lugar melhor para ir, mãe? Não posso acreditar que ainda se sente culpada por ter atropelado o

Jeca Tatu!

- Não fale de Pedro desse jeito!

- E por que não? Ele é um jeca! Não passa de um matuto semi analfabeto!

- Raíssa! Por que você é tão insuportável?

- Seria por que você me obriga a acompanhá-la nesses programas para índio? Odeio esse lugar!

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- Não gosta de vir aqui?

- Está maluca? Isso aqui é o fim do mundo!

- Mas agora a casinha deles até que está agradável, não acha?

- Fala sério, mãe! E eles estão mortos de cansados muito antes das nove! E eu não consigo entender o que você vê nessa gente! Se é que são gente!

- Raíssa! - Evelyn pensou um pouco. - Sabia que E eu penso em morar num lugar como esse sítio aqui!

- Desde que não me traga junto! Não consigo imaginar você num lugar desses sem ninguém para cuidar das tarefas. Você cozinharia, lavaria roupas, louça e

plantaria uma horta? E ordenharia as vacas? Tudo isso vestida em sua roupa de grife e com suas botas Prada e com seu perfume importado?

- Não preciso dessas coisas para ser feliz...

- Você? Que vai ao cabeleireiro duas vezes por semana? Conta outra, mãe! Isso não pe vida para ninguém!

- Pelo que eu saiba, muita gente faz isso!

- Não você, mãe. Nasceu para ser perua! Só sabe mandar. E mesmo que conseguisse comprar um lugar assim para você brincar de roceira, em duas semanas enjoaria

de tudo, como sempre. Nunca conseguiu levar nada a serio. Nem mesmo ao meu pai. Nem quis ser mãe durante todos esses anos. Somente agora, quando eu não preciso mais

de você é que cismou de brincar de mamãe e filhinha como diz o tio Oliver!

- Ora essa, Raíssa. Viver comigo não é tão ruim assim, é?

- Eu odeio vir aqui nessa casa horrorosa, odeio morar com você, odeio essa cidade! Por que não me deixa ir morar com minha avó?

- Você é minha responsabilidade!

- Eu não quero ser a responsabilidade de ninguém. E nem quero ser sua filha! Estou de saco cheio de ter que andar agarrada a sua saia. Acha mesmo que eu

tive culpa naquela história da festinha na fazenda do prefeito? Acha mesmo que eu ia querer me deitar com aqueles velhos gagás? E acha que uso drogas? Não uso nada!

Não fumo e não bebo! Não quero ser igual a você que bebia champanhe o tempo todo e nem quero fumar como aqueles seus maridos idiotas que fumavam o dia inteiro e

cheravam cocaína escondido de você, no banheiro. ao menos, seus três últimos maridos eram viciados. Eu vi! E não quero parecer em nada com você ou com eles! Quero

voltar para a casa de minha avó, para meu antigo colégio, para meus amigos, para minha vida! Quero que pare de me ameaçar com essa história de Febem o tempo todo!

Se me internar num lugar desses eu fujo e nunca mais você vai ouvir falar de mim!

- Pare de dizer bobagens, Raíssa. Nem sabe do que está falando.

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- E você sabe, mãe?

Evelyn sentia, a cada dia que não sabia mesmo ser mãe. O que uma mãe fazia ao ouvir tantas asneiras? Metia a mão na cara da filha? Colocava-a de castigo?

Dialogava? Mas que diabos significava dialogar? Como podia ter uma conversa com a filha se tudo o que ouviria seriam reclamações, recriminações e acusações. E, consequentemente,

ela se irritaria, diria um monte de ofensas para a garota e o diálogo empacaria ali com as duas se odiando.

Mas era bem feito que sua filha fosse daquele jeito. Saíra bem do jeitinho da avó. Afinal, fora dona Dalilah que moldara sua filha, não?

O melhor a fazer era ignorar. Aliás, essa tinha sido sua atitude até então. Um dia, quem sabe, descobriria como conversar com a filha? No momento, conseguira

adiar a discussão entre ambas mais uma vez. Raíssa parara de espernear querendo retornar para São Paulo, para voltar a morar com a avó.

E enquanto Evelyn sondava o terreno para dar a notícia a filha de que ela e o vaqueiro estavam namorando, Pedro conversava com Diego.

- Achei mesmo que entre o senhor e a moça rica estava acontecendo alguma coisa. Mas, papai... Nada tenho a ver com sua vida... Mas isso não é um pouco complicado?

A dona Evelyn nada tem a ver conosco. A vida dela é totalmente diferente da nossa. Acho que isso nunca daria certo. somos pobres e ela muito rica!

Pedro puxou o ar do fundo da alma. Diego tinha razão. Aquilo tinha todos os ingredientes para formar um belo desastre. Mas ele não conseguia ficar longe

de Evelyn.

Numa daquelas noites, quando pai e filho descansavam depois do jantar de um dia cheio de tarefas, as moças também confraternizavam com eles jogando dominó.

Claro estava que Raíssa não se sentia à vontade. Como sempre, estava emburrada.

- Quero lhe mostrar uma coisa lá no antigo poço. - Pedro dissera sem olhar para os dois jovens.

- Ah, sei... - Evelyn disse num tom afetado.

E ambos saíram.

No estábulo, sob o céu repleto de estrelas numa noite sem luar, Pedro e Evelyn se abraçavam, se beijavam, presos de um incontrolável desejo.

- Meu filho disse que não há futuro para nós.

- E por que não? - Ela estava concentrada na dureza daqueles músculos tão duros como pedra. Os braços dela ao redor de seu corpo eram uma fortaleza. As

pernas dele eram fortes. Isso sem falar daquele largo peito de aço. E o que dizer daquela barba rude, que era feita somente de três em três dias?

- Por que somos de mundos diferentes. Você é rica. Sempre foi. E eu sempre fui pobre.

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- Eu poderia investir meu dinheiro aqui em seu sítio e a gente podia transformar esse lugar numa fazenda tão rentável quanto a fazenda do meu irmão. Sabia

que essas terras vizinhas a sua estão para vender?

- Nem pense nisso! Eu prefiro morrer de fome a pedir dinheiro a uma mulher. O sítio está indo bem. - Pigarreou. - Estou indo bem para os planos que tracei

para mim. Em muito pouco tempo cheguei quase ao lugar que eu queria. Não tenho a intenção de me tornar um homem tão rico quanto seu irmão. Não saberia o que fazer

com tanto dinheiro! Só quero o bastante para uma vida tranquila, sem sobressaltos. Gosto de trabalhar na terra, gosto de trabalhar com o gado. Se meu filho voltar

para casa, serei um homem feliz.

- E eu não faço parte desse seu quadro de felicidade.

- Você não pertence ao meu mundo.

- Por acaso acha que sou de Marte? Ou de Vênus?

Pedro ficou calado. Por mais que procurasse uma saída para que eles pudessem se amar em paz, não encontrava. Nada entre eles poderia dar certo. E saber daquilo

fazia com que ele quisesse ainda mais aquela mulher.

- Sabe que eu já me casei quatorze vezes?

- sério? Como assim?

- Meus casamentos nunca duraram mais de duas semanas com esceção do primeiro que durou três meses. Nunca consegui sobreviver a uma crítica, a uma discussão.

A qualquer sinal de desavença, arrumava as malas e ia embora.

Pedro ficou em silêncio, mas ainda abraçado a ela. Pensava que ela queria torná-lo o seu décimo quinto marido. E, duas semanas depois o chutaria de sua vida.

- Minha filha nasceu e eu não tive coragem para cuidar dela. Achei mais cômodo ir embora e deixá-la aos cuidados de minha mãe. Até que meu último marido

me disse o quanto eu era egoísta e mimada. Disse que eu não servia nem para ser mãe, que eu não servia para nada. Disse que as pessoas ficavam comigo porque eu era

bonita mas que nada mais tinha a oferecer. Disse que eu era vazia, que ninguém gostava realmente de mim. E, de lá para cá, tenho comprovado, na prática que não sirvo

mesmo para ser nada!

- Não concordo. Quando precisei de ajuda você moveu céus e terras e veio em meu socorro! E meu filho foi muito feliz naqueles dias. Nunca tinha visto meu

filho sorrir tão satisfeito.

- E eu nunca vi você sorrir, Pedro.

Ele desviou o olhar um tanto encabulado.

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- Um dia eu aprendo, pode deixar. Mas, voltando a sua filha... Você não pega pesado demais obrigando-a a ficar agarrada a você o tempo todo? Ela é uma mocinha.

Deve querer ficar com os amigos...

- Sei disso... Mas Raíssa é tão difícil! Não sei como lidar com ela. E as vezes acho que peguei essa responsabilidade de mãe um pouco tarde demais!

- Quando eu era um rapazote, meu pai sempre falava de responsabilidades. Mas mesmo sendo um cara durão, um analfabeto, um homem sem instrução, ele deixava

claro que me amava. Que minha mãe tinha morrido mas que ele seria tão bom para mim como ela fora. Era claro que eu tinha minhas obrigações a cumprir e ele não poupava

bronca quando eu deixava a desejar. Mas vivia me incentivando, me elogiando, mostrando o quanto minha ajuda era importante para ele. Eu gostava tanto de meu pai

que queria ser tão bom pai como ele fora. E acho que cheguei perto. Diego sabe que ele é o centro de meu mundo. Ele e Tadeu. Sabe que eu morreria por eles. Mas sabe

que mereço seu respeito, que ele deve cumprir com a sua parte para que eu também possa cumprir com a minha. As coisas, na maior parte das vezes, são simples. Nem

mesmo quando vivia enredado por Lucinha deixei meus filho largados. Vinha vê-los todos os dias, conversávamos muito, caçávamos tatu ou passarinhos, pescávamos...

Sabia que meu pai cuidava deles como cuidara de mim. E sabia que os dois não me queriam com Lucinha. Sempre falávamos sobre isso! Só me arrependo de não ter esganado

aquele maldito que levou Tadeu. Mas não posso fazer nada. Foi a mãe que o levou. Sinto muita falta de meu filho e sei que ele deve estar pensando que eu falhei com

ele ao permitir que aqueles dois o levassem. Mas espero encontrar meu filho logo e pedir ao juiz que o deixe comigo pois aquela maluca não serve para ser mãe!

- Eu... Ah... No dia em que atropelei você eu estava vindo do Fórum da cidade vizinha... Raíssa tinha ido com algumas pessoas da idade dela para uma festinha

onde estava o prefeito, o vice prefeito e outros homens influentes e... Era uma espécie de orgia.

Pedro respirou fundo, indignado. Seu semblante adquirira um toque de crueldade. Evelyn percebia as explícitas mudanças no semblante do homem mas não tinha

a menor noção da causa daquilo tudo. Ela, até pensou numa chaleira de pressão pois ele só faltava apitar. Era certo que explodiria em breve. Assim, ela acelerou

sua explanação a fim de esperar para saber o que significava aquele ódio todo no olhar de Pedro Rocha. Dissera algo que o irritara tanto assim?

- A polícia foi chamada e levou todos diretamente para o Forum onde um juiz já nos aguardava. Mas, mesmo sendo o Fórum de outra cidade com um juiz de outra

cidade, estava claro que ele não queria que aquela história viesse à tona. Nem nós! Ali ficou resolvido que nenhuma denúncia de pedofilia seria feita. Nenhum dos

dois lados queriam se expor. Mas o juiz fez algumas ameaças aos jovens que estavam por lá. eu gostei disso. As ameaças faziam com que minha filha, por temer ir para

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uma dessas instituições para menores, aceitasse ficar atrelada a mim o tempo todo.

Pedro estava possesso! E incrédulo!

- E você não denunciou o maldito aproveitador de crianças? - Disse espumando de raiva. Se apoiou apenas no fato de sua filha obedecer mediante uma ameça

de ir para uma instituição?

- Não... - Ela respondeu com alguma pontinha de culpa, mais assustada com a reação dele do que com o que acontecera com a filha. - Não queria expor minha

filha e nem o nome da família.

- Sua filha tem razão por não lhe ter nenhum respeito!

Evelyn se encolheu assustada.

- Se algo tão ruim acontecesse com meu filho eu ia querer matar o desgraçado com minhas próprias mãos... Mas, como tal atitude poderia trancar-me numa prisão

e me privar da convivência com ele, eu, ao menos, poria a boca no mundo e não descansaria enquanto o maldito não estivesse devidamente fora de circulação.

- Mas... Achei que... Meu irmão ia ficar muito aborrecido com uma publicidade tão negativa.

- Duvido! - Berrou indignado. - Duvido que seu irmão ia se preocupar com o próprio rabo quando um desgraçado desses, quando um molestador anda solto no meio

de nossas crianças! Oliver Mattos ia estrangular esse prefeitinho de merda com as próprias mãos, isso sim. E você, por egoísmo, está permitindo que esses canalhas,

enquanto estiverem livres, abusem de outras crianças! Só por que o juiz safado te deu os meios para menter sua filha presa a barra de sua saia! Que respeito espera

receber dela? Está tendo a companhia de sua filha por que a amaeaça entregá-la a uma instituição caso ela não te obedeça!

Evelyn deixou as lágrimas que estavam contidas, rolarem livremente por seu rosto.

- Nunca faço nada direito mesmo!

- Pare de sentir pena de si mesma! o foco dessa discussão não é você. É sua filha, É um velho safado. E um monte de crianças desavisadas. Nesse momento,

suas lágrimas não poderão salvar algumas delas de um destino que elas não escolheram. Pare de chorar! Pare de querer me comover e ponha mãos à obra para salvar outras

crianças desavisadas!

Evelyn achou-o duro mas reconheceu, a contra gosto, que Pedro tinha razão. Ele não ia

ficar com peninha dela e confortá-la. Ela não era o centro das atenções naquele momento. Algo muito mais sério estava ocorrendo a sua volta para que ela ficasse

cheia de "mimos e não me toques"! Era hora de crescer de uma vez e deixar para trás o mundo infantil onde, a todo momento, alguém tinha que ficar alisando-lhe o

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ego, acariciando sua alma sedenta de atenção.

- O que eu posso fazer para consertar essa confusão? É só dizer que eu faço. Se eu errei foi por que achei que estava agindo certo.

Pedro olhou para ela e começou a se abrandar. Ela não estava habituada a lidar com nenhum tipo de problema. Ela lhe confessara isso. Sempre que as coisas

se complicavam, ela dava no pé. Mas ficara com a filha, ouvindo um monte de desaforos a todo momento da menina malcriada. E estava, de uma forma ou de outra, mantendo

a filha longe de confusão. Era como uma criança. Ainda estava aprendendo a agir. Aliás, como todos os seres humanos. As pessoas não iam aprendendo a viver conforme

iam vivendo? Ninguém chegava na vida com um manual de instruções. Nem mesmo as mães. Cada um aprendendia no dia a dia. E uns conseguiam, outros não! E era um aprendizado

que nunca acabava. Certamente, até aqueles que passavam dos cem anos, acabavam morrendo sem terem aprendido muita coisa! Mas a vida era assim mesmo! E Pedro não

sabia por que! Apenas vivia como todo mundo!

- Você tem que Procurar os outros pais e denunciar esses safados! E tem que dizer ao seu irmão tudo o que aconteceu. Ele é rico. Que juiz vai tomar o partido

do prefeito se tiver que bater de frente com Oliver Mattos? E tenho certeza de que seu irmão, além de estar sempre muito bem resguardados por excelentes advogados,

ainda vai procurar engrossar esse bloco com os Sivelie, os Cassilhas, os Salviati, e todos os demais amigos! Afinal, essas pessoas tem filhos ou irmãos pequenos...

Evelyn pensou um pouco.

- Vai ser difícil convencer os pais a fazerem isso, mas juro a você que farei o impossível para resolver essa situação e colocar aqueles patifes na cadeia.

- Faça isso não por que acha que gosta de mim e nem por você. Faça por amor a sua filha! Ela precisa que você a defenda dos malfeitores desse mundo enquanto

ainda não criou meios para isso!

- Vou fazer por ela. Acredite em mim.

Pedro a olhou com ternura.

- Vem cá minha loura! - E começou a enxugar as lágrimas dela com seus lábios.

- Oh, Pedro! Eu te amo! De verdade mesmo!

- Ama? Ama mesmo? - Ele experimentou o bem estar que aquelas palavras lhe davam. Sua falecida esposa nunca dissera que o amava. Mas Pedro sabia que Amália

tinha gostado muito dele. E vice versa. E Lucinha, nem isso. Mas ouvir sua loura cheirosa dizer aquilo o enchia de contentamento. Entretanto, sabia que não podia

sonhar com o impossível. A realidade era a realidade. Nada tinha a ver com a fantasia e as ilusões que sua mente criava. - Tenho certeza de que se você viesse morar

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aqui em uma semana, se tanto, seu amor fugiria pela janela!

- É claro que não!

- Acha que conseguiria viver aqui comigo nessa vida rústica e selvagem, nessa paisagem bucólica?

- É claro que sim!

- Sorte sua que não vou lhe lançar esse desafio.

- Então, desafie-me.

- jamais faria algo assim. Jamais tiraria você do luxo ao qual está acostumada para enterrá-la nesse lugar. Eu nasci assim e gosto dessa vida.

Evelyn não queria discutir. Fora ali para fora para poder namorá-lo um pouquinho. E até agora só haviam conversado. Ela sonhava com o dia em que conseguiriam

fazer amor. Até o momento, mais de uma semana depois de ter dito que o amava, nada além de beijos ousados acontecera entre eles.

- Beije-me, Pedro.

Ele beijou-a. Adorava sentir o gosto dos lábios dela. Nunca se cansava de beijá-la. E, entre uma carícia e outra, num instante ele tinha os seios dela entre

seus lábios e os sugava com desespero ansiando por mais, por algo mais que pudesse saciar aquela fome que ele tinha dela.

Os corpos dos amantes era quase um só.

- Mãe! Mamãe! O que está fazendo com esse... Com esse... com esse indigente? Não acredito que está beijando esse Zé ninguém!

E agora? O que Pedro poderia dizer? A filha era dela. Não podia responder a altura!

Num segundo, a situação parecia fora de controle pois a garota berrava histericamente, os cachorros começaram a latir e Diego correra para o estábulopara

saber o que estava acontecendo.

- O que aconteceu, papai? - O rapaz perguntou depois de fazer os cachorros se calarem e se afastarem.

- A mocinha mal humorada nos pegou no flagrante.

- Flagrante?

Pedro olhou para ver se Evelyn já estava composta já que um minuto antes tinha os seios desnudos.

- Eu... Hã... Estava namorando, filho. - Pedro disse num tom rouco.

- Ah! - O menino baixou o olhar.

- Vamos embora daqui, mãe! Vamos embora agora! E nunca mais me convide para vir nesse... Nesse... sei lá como se chama essa tapera!

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Diego e o pai se olharam. Agora, a luz do estábulojá estava acesa. E ambos se lembraram de Lucinha. Não era sempre daquela forma que ela falava com eles?

Mas Pedro deu de ombros. Não podia se meter. A garota não era nada dele.

- Vamos para casa, filho.

- Ei! - Raíssa gritou. - Ficou aqui beijando minha mãe e acha que vai ficar por isso mesmo? Está pensando que você é alguém? Minha mãe não tem juízo algum!

Já se casou mais de mil vezes e não sabe lidar com críticas. acha que ela suportaria viver com você aqui nesse chiqueiro? Ah! Já sei! Está de olho no dinheiro dela,

né? Bem que eu desconfiava! Você deve ser um desses parasitas que vivem as custas da mulher! Pobretão! Matutu! Jeca! Mas não se iluda não! ela não fica com você

nem duas semanas! É o máximo que ela consegue suportar um homem!

- Chega! - Pedro berrou com sua voz potente e cavernosa. - Chega! Não vou ficar aqui ouvindo desaforos de uma menina mimada que não sabe cuidar de si mesma!

Não vai falar comigo do mesmo jeito como fala com a sua mãe! E não vai falar com ela desse jeito enquanto estiver dentro da minha propriedade, não importa o que

ache de minha casa e de mim ou deixe de achar! Aqui o rei sou eu! Só eu grito! Só eu esperneio! Só eu digo os desaforos! Por que você não cala essa boca e escuta

sua mãe só um pouquinho? A mãe aqui é ela e não você! É ela quem tem que ditar as normas, dizer o que você tem que fazer e não o contrário!

Evelyn e Raíssa nem ousavam piscar.

- Uma vez eu tive uma mulher igualzinha a você. - A voz de Pedro ainda era alta e sonora. - Quando você abre essa sua boca, até imagino que seja Lucinha

que entrou em seu corpo e fico enojado só de ouvir as asneiras que você diz. Vou para minha casa. Se sua mãe acha que deve continuar a ser mandada por você, que

deve obedecer e acatar tudo o que você diz isso é problema de vocês. me tirem desse rolo. Minha vida já é complicada demais para ter que conviver com tanta frescura!

Estou farto de mulheres mandonas, cheias de vontade. Vão para o inferno, as duas!

E Pedro virou as costas para as duas mulheres e foi para sua casa com seu filho.

De lá, ouviu quando a caminhonete partiu. Respirou fundo. Mais uma página de sua vida era virada. Ia doer. gostara da perua mais do que de qualquer outra

mulher em sua vida. Mas não podia mais ser uma marionete nas mãos de outra Lucinha. Nenhuma outra ia fazer dele gato e sapato outra vez!

Naquela mesma semana, Vila Verde foi sacudida por notícias devastadoras. Dezessete das vinte famílias das crianças que estavam na fazenda onde a polícia

dera batida aceitaram denunciar o prefeito e toda sua corja. A confusão fora tanta que João Baptista e o vice Pimentinha desapareceram de Vila Verde. Psraa piorar,

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vieram repórteres de vários pontos do país para fazer a cobertura do fato. Afinal, eram crianças da alta classe que haviam sido molestadas!

O inspetor Jorge del Toro não mediu esforços para conseguir o máximo de provas, de todos os tipos, contra o prefeito e seus asseclas. As acusações iam desde

tráfico de drogas a corrupção de menores passando por tráfico de escravas brancas, evasão de divisas, estelionato, corrupção ativa e passiva. A folha criminal era

imensa!

"Pedófilos desgraçados!" Uma faixa aparecera em meio a multidão que se aglomerava em frente a delegacia.

"Fora pedófilos!" Estava escrito em vermelho em outra faixa.

E havia outras mais. Algumas perguntando onde estava o hospital, a creche, as escolas prometidas em campanha, a rodoviária e por aí afora!

Os vereadores que faziam oposição ao prefeito aproveitaram para verem seus nomes crescerem.

O presidente da câmara de vereadores assumiu, interinamente, o mandato do prefeito até que o governo federal tomasse suas providências sobre o destino de

Vila Verde.

Era um caos! Vila Verde estava de cabeça para baixo!

Milhares de pessoas vinham cumprimentar Evelyn Mattos por sua coragem em fazer a denúncia.

Curiosamente, Josepha e seu bando não se mostraram nem contra e nem a favor dos políticos da cidade. Pareciam não ter opinião alguma sobre o assunto o que

deixara muitos moradores de Vila Verde, tão habituados às fofocas das quatro amazonas do Apocalipse, um tanto decepcionados. Por que o bando do AMOVIVER não falava,

como sempre fazia, pelos cotovelos? Tinham rabo preso com a corja do prefeito? Muitos acharam que sim.

Mas Josepha não estava de todo com suas presas venenosas escondidas. Mal vira Pedro Rocha passar pela rua, encaminhou-se até ele como um anjo vingador.

- Gostei muito da atitude que Lucinha tomou. Ainda bem que ela levou o menino. Como ficaria a cabeça daquele inocente ao viver na maior pouca vergonha onde

o pai dele anda com uma mulher que já se casou mais de vinte vezes e o irmão mais velho, fica de sassaricos com a filha da mulher desmiolada? A mesma filha que foi

vista, mais de uma vez, de agarramento com homens casados com idade para serem seus pais! E pensar que tive pena de você quando sua mulher incendiou sua casa! Foi

bem feito! Na certa Lucinha estava bastante aborrecida por você ter-se tornado amante dessa aí!

Incrivelmente fora Oliver Mattos, o mesmo em quem ele acertara um soco por causa de Lucinha, que viera em sua defesa.

- Já chega, dona Josepha. Está falando de minha irmã e de minha sobrinha! Não vai gostar de ter que me responder diante de um juiz, vai? Vá para o seu canto

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falar sobre pessoas que conhece bem e assuntos que domina. Aqui não tem nada para a senhora remexer e deixe o nome de minha família em paz ou vai se arrepender!

Pedro viu agradecido que o bando se afastava dele, embora resmungasse. Olhou meio desconcertado para Oliver. Estava em falta com ele. Não apenas por ter-lhe

agredido quando ele não era culpado de nada. Agredira Oliver Mattos por causa das acusações de Lucinha. Preferira desconfiar de um amigo de infância do que duvidar

daquela mulher maldita que só lhe dera amolação. Mas ainda tinha outro porém. Pedro também ansiava , desesperadamente, dormir com a irmã de Oliver. E quem era

Pedro Rocha para ter tais desejos? Ninguém. Fora apenas mais um dos empregados de Oliver Mattos, um dos fazendeiros mais bem sucedidos de Vila Verde e dono de uma

empresa de frios e laticínios que exportava seus produtos até para alguns países da Europa. Os anos idos da infância, em que corriam por aquele chão, que subiam

em árvores, que nadavam nos rios e cachoeiras de Vila Verde já haviam se perdido no esquecimento das responsabilidades de adultos. Cada um deles tinha sua metas

a cumprir. A de Oliver era ficar cada vez mais rico, ver seus animais premiados, receber prêmios como empresário do ano. A dele era sobreviver, rezar para que não

faltasse o pão de cada dia, que as chuvas e os ventos não lhe derrubassem a casinha de barro e bambu, que as suas parcas vaquinhas continuassem a dar o leite todos

os dias e nem um litro a menos daquilo que ele esperava!

Olhou o ex patrão.

- Eu sei... Eu entendi... Quando a gente ama uma mulher, por mais esperto que a gente seja, ela nos coloca embaixo de seus pés. - Oliver disse estendendo

a mão para cumprimentá-lo e ao mesmo tempo, dar um abraço em Pedro.

Comovido, Pedro recebeu o cumprimento e desviou o olhar para Jorge del Toro a fim de mudar de assunto. Sabia que Oliver não lhe guardava mágoas. Já o imaginara

pois quando Lucinha pusera fogo em sua casa, Oliver estivera entre os amigos que haviam ido até lá para lhe estender a mão.

- O inspetor está aproveitando para afundar com esse prefeito maldito de vez. A nomeação de Jorge del Toro como delegado de Vila Verde ainda não saiu por

que o prefeito João Batista, muito amigo do governador do estado, conseguiu embargar. Sabe como é suja a política, não? Devia ser polititica, isso sim! É só merda

que tem nesse meio!

Oliver Mattos assentiu com um movimento de cabeça mas tinha outro assunto em mente.

- Ainda bem que você aconselhou minha irmã a tomar tal atitude. E ela achando que fazendo vistas grossas estaria me protegendo. Ainda bem que o desgraçado

fugiu. Se eu tivesse posto minhas mãos naquele miserável, estaria agora atrás das grades por assassinato a sangue frio!

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Pedro queria saber como Oliver soubera que fora ele quem aconselhara Evelyn mas não achou prudente perguntar. -

- Passei pelo seu sítio um dia desses e vi que você tirou leite das pedras. Sempre fiz a maior fé em você! É o melhor capataz de todo o estado. Somente você

conseguiria reverter aquela situação em que se encontrava. Se fosse meu sócio, eu teria ficado rico há muito tempo. Tenho certeza de que logo mudarão o título de

melhor capataz para o melhor fazendeiro!

- Você sempre foi rico! - Pedro falou embaraçado com o elogio.

- Pois é... Sempre fui. Imagine você em meu lugar? Seria o primeiro da lista dos mais ricos!

- Eu... - Pedro não sabia o que dizer. - Eu... Hã...

- Minha irmã está muito apaixonada por você. Sabe disso, não?

Pedro engasgou com o próprio ar que respirava. Parecia que alguém acabara de lhe dar um soco em seu pomo de Adão. Para onde fora o ar que estava ali?

- Ei! Disse algo que o aborreceu? - Oliver perguntou ingenuamente. - Minha irmã já passou há muito dos trinta! Sabe muito bem o que faz da vida! E posso

lhe garantir que ela nunca sentiu por nenhum de seus... Hã... Como direi? Maridos? O que ela sente por você! Dessa vez Cupido acertou-a de jeito. E também estou

gostando de ver como ela assumiu o papel de mãe. Um pouco tarde, é verdade, mas antes tarde do que mais tarde, né? Tinha que ver como minha sobrinha mudou da água

para o vinho nesta última semana quando viu o quanto a mãe se empenhava e se arriscava por ela e pelas outras crianças. Encheu-se de orgulho pela mãe. Até parou

de reclamar da vida na fazenda e, na noite passada, eu a vi acompanhando o parto de uma égua numa das minhas baias. Imagine só a minha surpresa! A menina sempre

dissera que odiava a fazenda, os cavalos, as vacas e tudo o que havia por lá! Mas ao assistir ao parto da égua, parecia tão surpresa e radiante com aquilo que

dei a égua e o potrinho para ela! É outra menina! Mas sei que Evelyn também tomou outras providências para se fazer entender pela filha. Aquela menina estava ficando

fora de controle! Tinha que ver como ela falava comigo! Agora parece uma seda. Evelyn perdeu o medo que tinha da filha e mostrou quem é que manda! Sabe, né? Em qualquer

situação sempre tem que haver um léder senão a vaca vai probrejo. até entre os animais é assim!

Pedro entendia daquilo.

- Estou contente por minha irmã ter-se apaixonado por um homem de verdade!

Pedro nem ousava encarar o ex patrão e ex amigo de infância.

- Sei o quanto você é orgulhoso e sei que você vai colocar minha irmã nos eixos!

- Sabe... - Pedro gaguejou mas tentou falar francamente. - Sabe que nossos mundos são diferentes, que lá não há lugar para sua irmã e para sua sobrinha.

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eu... Nunca vou conseguir ser um homem desses com os quais ela está acostumada...

- Se ela quisesse um homem igual a qualquer um que ela já tenha conhecido antes, certamente ele já teria se tornado seu marido. Ela não quer mais esses...

Almofadinhas que sempre estiveram no pé dela. E quanto a sua casa... Ela já passa mais tempo lá do que aqui...

- Ela nunca se acostumaria com a vida lá no sítio! É muito dura para quem não está acostumado. Ela não conseguiria trabalhar comigo e com meu filho de sol

a sol. E nem a menina! E eu não aceitaria as coisas de outro modo!

- Ah! Pode ter certeza de que Evelyn se acostuma. E a turrona da Raíssa também.

Pedro duvidava. Mas não ia perder seu tempo debatendo um assunto que não valia a pena!

- Além disso... Oliver continuou a falar. - O Cassilhas te deve uma grana preta. Com o dinheiro que você tem investido com ele vai poder construir uma boa

casa, comprar algumas novilhas... Talvez até mesmo pegar um empréstimo e aumentar suas terras... O céu é o limite para alguém como você. Nasceu para se dar bem.

Só não havia dado a volta por cima por causa daquele encosto que era a Lucinha em sua vida. Aquilo é igual a mulher chumbinho. Comeu, morreu!

Oliver se afastou para falar com Zac Sivelie e Pedro, ainda atônito com a conversa, aproveitou a deixa para se mandar dali da delegacia antes que Henrique

Cassilhas se aproximasse dele com aquela conversa de dinheiro investido. Ele dissera que Henrique Cassilhas lhe devia um dinheiro? Que coisa mais absurda!

capitulo 9

Pedro estava montando seu garanhão quando viu a caminhonete vermelha aparecer na estrada. Estava um pouco longe de suas terras mas agora com o seu cavalo

Dom Quixote, ele se dava ao luxo de cavalgar para longe quando sua cabeça ficava um tanto embaralhada. E, naquele momento, estava muito confusa. Soubera do ato de

coragem de Evelyn em enfrentar o prefeito e todos aqueles que faziam parte de seu bando. Antes, tivera que usar de todo o seu poder de persuasão para convencer aos

outros pais a darem queixa, junto com ela, contra aqueles abusadores. Mas não conseguia deixar de pensar nela, de desejá-la, de querer estar com ela mesmo sabendo

que isso era impossível. ela não pertencia ao seu mundo e, por mais que a filha dela fosse hostil e amarga, estava coberta de razão. além disso, a própria Evelyn

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lhe confessara que era imatura e superficial, que ao primeiro sinal de complicação, enfiava a viola no saco e ia tocar noutro terreiro. E a vida no sítio estava

repleta de complicações. Como ele ia se levantar as quatro da manhã para a lida e ter ao seu lado uma mulher que só se levantava lá pelas onze horas, meio dia? A

essa hora ele já teria almoçado e já estava na lida outra vez. Não tinha empregados como o irmão dela e nem quem fizesse as tarefas de casa. As oito da noite, ele

e Diego já estavam caindo de sono pois teriam que se levantar as quatro e meia da manhã do dia seguinte. Que mulher ia aceitar viver uma vida daquelas? somente quem

sempre vivera daquele jeito! Não uma pessoa como ela! Por outro lado, ela nem sabia ligar uma cafeteira elétrica, não saberia remendar suas roupas quando necessário

e nem estava habituada a comer as coisas que ele e o filho comiam. Aquilo nunca daria certo!

- olá vaqueiro! - A voz de Evelyn lhe produziu um delicioso arrepio na espinha.

- Olá, dona.

- Não está um pouco longe de casa? Que eu saiba, seu sítio fica do outro lado da cidade, do outro lado do rio.

- A madame também está um pouquinho distante de sua casa embora sua fazenda fique aqui do lado. - E apontou para a cerca viva que tomava toda a extensão

da estrada. - Mas a entrada fica lá no início pertinho da cidade.

- Vim trazer Raíssa para cuidar dos bebês de Joana. ela fica com eles todos os dias à tardinha.

Pedro olhou-a sem compreender.

- Ela agora tem responsabilidades. Se não trabalha, não ganha dinheiro para comprar as coisas das quais precisa.

- Interessante! E está dando certo?

- O que? Só ganhar alguma coisa quando faz por merecer?

- Sim...

- É claro que está dando certo! Desde que aquela confusão com o prefeito venho à tona, que ela parece um pouco assustada com a repercussão de tudo. Acredito

agora, e nem sei por que nunca havia parado para pensar nisso antes, que uma garota de dezesseis anos ainda não sabe muito da vida, embora todos os adolescentes

acreditem que saibam de tudo e que os mais velhos são uns bobões, uns gagás! Mas, como eu nunca soube como agir como mãe, pensei que mantê-la presa a mim sob ameaça

de entregá-la ao juiz para que ele a encaminhasse para uma instituição qualquer, resolvia o problema. Todavia, ela ficou mais agressiva, usando as palavras para

nos ofender. E eu não sabia mais como evitar aquilo. Ela tratava você e Diego como...

- Lixo humano. - Pedro falou.

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- Sim... - Evelyn se sentia envergonhada por causa da atitude de sua filha. - Acho que é por aí. Mas eu não tinha ideia melhor além de amedrontá-la.

- Eu acho que muitos pais acham essa a melhor atitude. Quando as crianças são pequenas, eles batem, espancam... Quando os filhos crescem, usam a ameaça,

o medo... Ou largam para lá.

- Mas eu não sabia mesmo o que fazer com ela.

- Fernanda, a mulher de Luís Paulo sempre conversava essas coisas comigo. Ela trabalha com crianças problemas... Não! Não são crianças problemas do tipo

malcriadas ou coisa assim. Mas ela tem uma vasta experiência com crianças e adolescentes de todos os tipos. E ela disse que uma das maiores queixas dos pais é exatamente

essa.

- Essa, qual?

- Dizer que não sabem como agir com o filho, como educá-lo, como fazê-lo obedecer... Coisas desse tipo. Ela diz que na adolescência as coisas pioram. Uma

vez ela me disse que os filhos, geralmente, tornavam-se inimigos dos pais aos doze, treze anos e lá pelos vinte, voltavam a amar seus pais outra vez.

- Isso é terrível!

- Não é não. Os jovens costumam mesmo se rebelarem nessa idade. Depois, quando vão amadurecendo...

- E o que se faz enquanto eles não amadurecem? - Eles conversavam na estrada. Ela, dentro do carro e ele montado em seu garanhão.

- Devemos educá-los com amor.

- Você fala isso por que Diego não lhe dá problemas. É o que se chama de menino de ouro. No meu caso... Já tirei minha filha de uma festinha infernal, onde

algumas adolescentes da idade dela dançavam com os peitos de fora. E estavam drogadas, bêbadas, sei lá mais o que. E havia meninos... Meninos! E alguns pais nem

se importaram. Ouvi um pai dizer que ia processar o prefeito e ganhar uma grana boa em cima dele!

- Os pais que são viciados não ligam se os filhos agem como eles. Pais promíscuos não se importam se os filhos seguem seus passos, assim como pais criminosos.

O mesmo acontece em qualquer lar. O problema é quando os pais agem de maneira um tanto aversa mas quer que o filho siga o caminho que ele acha correto. Aí não vai

dar certo. Se um dia o Diego arranjar uma mulher como a Lucinha, estaria apenas copiando um comportamento meu.

- Eu... Sei que não agi direito com ela... Meu comportamento como mãe sempre foi vergonhoso!

- Mas agora, você resolveu agir como uma mãe.

- Não tenho a menor ideia de como uma mãe deve agir.

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- Não tem? E o que fez por ela denunciando aquele miserável? Aquilo foi uma demonstração de amor sem tamanho! Basta amar sua filha e deixar que ela saiba

disso. E use o truque que a gente usa com os animais.

- Truque com os animais? Acha que vou tratar minha filha como um animal?

- Ele encolheu os ombros.

- A filha é sua.

- Que truques são esses? - Ela admitiu para si mesma que estava curiosa.

- Bem... - Ele hesitou um instante. - Eu acho que a maioria das pessoas gostam de se sentir importante, amados, desejados, queridos. E todo mundo gosta de

ser elogiado por que fez algo de bom, algo bem feito. É assim que eu trato meus filhos. Sempre os elogio diante de outras pessoas por que eles fizeram bem alguma

tarefa. E deixo claro que foi tão importante que ele tivessem feito aquilo bem pois eu não tinha como cuidar de uma porção de coisas. Então eles aprendem que eles

são uma peça imprescindível para o bom andamento do sítio, que eu não posso fazer nada sozinho e que mesmo eles sendo ainda muito jovens são tão importantes quanto

eu para que tudo funcione direito. Quando eu era capataz, agia assim com meu pessoal. Não mandava. Trabalhava junto com eles. E sempre que as coisas iam bem, os

recompensava. Sempre com elogios, sempre deixando claro que o bom desempenho das funções deixava claro para quem quisesse ver o quanto o trabalho deles era importante.

E também os motivava com um dinheirinho extra. E volta e meia fazia um churrasquinho. Quando eles estavam juntos gostavam de me ouvir proferir elogios sobre seu

desempenho nas funções para que os demais os apreciassem. Coisas de seres humanos.

- Mas não há nenhuma punição, não é? Acho que a maioria dos pais temem chamar a atenção de seus filhos, castigá-los, puni-los com medo de que as crianças

deixem de gostar deles. é óbvio que há pais e pais. Muitos não se importam com o comportamento dos filhos, não estão nem aí, não querem ter trabalho. Mas muitos

temem perder o amor de seus filhos o que parece mesmo acontecer quando eles entram na adolescência.

- Bem... Eu não diria que a palavra certa é punir, mas corrigir alguns comportamentos estranhos. Acho esse negócio de punição muito forte. Como capataz eu

jamais usaria de punição com os peões que estavam sob meu comando.

- Mas se eles cometessem uma falta grave, você teria que puni-los, despedindo-os.

- Sim... Mas essa é uma atitude pré estabelecida. Se um empregado não trabalha direito, é demitido. Mas se um filho age de maneira errada, um pai não vai

mandá-lo embora. Vai ter que ensinar para essa criança o que é certo. E se a criança não quiser compreender, não quiser dançar conforme a música que seus pais estão

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executando, a sociedade, de uma forma ou de outra, vai puni-la. Mas enquanto são jovens, os pais conseguem manter os filhos na linha. Só não consegue, aquele pai

que não quer ter trabalho, disciplina, diálogo. É claro que uma criança não vai querer ser castigada a todo momento. Ninguém gosta disso. Na verdade, eu vejo as

coisas de uma forma bem simples. Trate sua filha como você gostaria de ser tratada, Estabeleça com ela as recompensas que ela gostaria de ganhar e quais os castigos

que ela acha que merece receber pelas faltas cometidas. É tudo muito simples. Ame-a e converse com ela sobre tudo. Mesmo que o assunto não seja de seu interesse,

ouça-a. Assim vai sempre ouvir o que está nas entrelinhas. Vai saber do que ela gosta, o que ela quer, com o que ela sonha. Por mais que um adolescente consiga dar

nó em pingo dágua, acaba se entregando quando fala bastante. É só saber ouvir. E compreender.

- Você está na profissão errada. Devia ser psicólogo!

- Bobagem, dona. Terminei o curso técnico com muito esforço. Sou um peão de boiadeiro e é isso que eu gosto de ser. Mas a gente aprende a observar as pessoas

que convivem com a gente. Elogios são prazerosos. E quando há uma platéia para ouvir o quanto você é bom, esperto, inteligente... O prazer motiva mais que o dinheiro,

embora nunca se deve deixar também de recompensar alguém por esse meio. Mas somente quando as obrigações forem cumpridas a contento! Quem não gosta de ser reconhecido

e de saber que faz a diferença? E todo mundo está cansado de saber que as nossas atitudes determinam o comportamento e as ações das outras pessoas que nos cercam.

- Então... Como devo agir com Raíssa?

- Isso somente Você pode saber. Mas pelo que percebi já encontrou um caminho, né?

Evelyn suspirou entre satisfeita e preocupada.

- Espero que sim. Ao menos, cortei a mesada. Aqui em Vila Verde ela não tinha mesmo tanta necessidade de ganhar tanto dinheiro! E disse a ela que ia precisar

trabalhar para merecer o dinheiro que quer ganhar. Assim, ela aceitou, sem reclamar, cuidar dos bebês de Joana. E ela acabou descobrindo que adora bebês! Está encantada

com o casal de gêmeos!

- Mas explicou tudinho pra ela? Crianças e adolescentes precisam saber por que seus pais tomam essa ou aquela atitude... - Pedro pensou um pouco. - Os adultos

também são assim. Se não nos dizem por que estão agindo dessa ou daquela forma, ficamos cismados. E a cisma é algo muito ruim.

Ele pareceu entristecer-se após o último comentário.

- De qualquer forma, eu sempre observava como você tratava Diego, como você conversava com ele. - Ela falou ao acreditar que ele estava pensando em Lucinha.

- Assim, aprendi e estou aprendendo com você. Não é assim que age com seu filho?

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- Humm...

- Está voltando para a cidade? - Ela perguntou.

- Eu ia para minha casa.

Imediatamente Evelyn se lembrou do que ouvira as meninas falarem sobre a cachoeira nas terras dos Sivelie. Se conseguisse arrastá-lo até lá e fazer amor

com ele será que a magia também funcionaria para ela? Ele ia quere ficar com ela para toda a vida como Bia e Lila rose disseram?

- Já esteve na cachoeira que fica nas terras dos Sivelie? - Arriscou.

- Ah! Muitas vezes. Lá é um lugar muito bonito. Arrebenta a retina de tão exuberante!

Evelyn queria saber se ele estivera lá com Lucinha ou com alguma outra, mas não sabia como perguntar. Se Lucinha tivesse estado com ele na cachoeira mágica

e se tudo aquilo que as suas novas amigas diziam fosse verdade... Isso queria dizer que Lucinha era a mulher da vida dele? Ah, não! Isso era pior que a morte!

- Já levou uma garota lá? - Teve que perguntar.

- Eu? Não! claro que não! Aquelas terras são dos Sivelie! Acha que eu invadiria as terras de outras pessoas para ficar com uma mulher?

- E por que não?

- Por que não é certo, ora essa!

- Ah! Deixa de conversa! Nunca levou uma garota para ver um lugar que você diz ser muito bonito?

- Não! Nunca levei nenhuma mulher até lá nem para mostrar as belezas do lugar.

- Nem a Lucinha?

- Lucinha não era uma garota romântica. Por que iria gostar de um lugar daqueles?

- Lá é tão bonito assim?

- Parece um pedacinho do Paraíso na terra. É o lugar mais lindo do mundo!

- Ah! Estou louquinha para conhecer. você me levaria?

Pedro olhou para o fim da estrada. Depois, retirou o chapéu, coçou a cabeça com movimentos lentos e preguiçosos, recolocou calmamente o chapéu na cabeça...

- Aquele lugar tem dono, dona!

- Posso ligar para Letícia ou para Mayara e pedir permissão para que você me leve até lá.

Enquanto Pedro parecia relutante, Evelyn sacou o celular e ligou para suas amigas. Era uma sorte que naquela parte de Vila Verde sempre houvesse sinal.

- Viu? Disse as duas que você me mostraria a cachoeira e elas disseram que tudo bem. Assim você não vai estar invadindo as terras de ninguém!

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- Acho que lá não é um bom lugar para se ir acompanhado...

Evelyn começava a perder as esperanças. Acreditando ou não que a cachoeira era mágica, que se fizesse amor naquele lugar seu destino estaria eternamente

atrelado ao de Pedro, sentiu que ele não queria ir até lá. Com ela! Certamente, não era ela a mulher da vida dele!

- Dona... Não acha melhor deixar as coisas entre nós como estão. em ponto morto? - Ele disse de um modo arrastado, preguiçoso, deixando claro que de uma

forma ou de outra, ele também conhecia aquela lenda.

- Não! Eu quero você. quero fazer amor com você. E quero que seja na cachoeira!

- Isso não passa de um capricho, não? O que dizem sobre aquele lugar é pura lenda!

- E se não for?

Ele encolheu os ombros.

- Se não tiver que ser, não será.

- Tudo bem... Nas se não for, o que você tem a perder. Ao menos a gente mata a fome que tinha um do outro.

Pedro duvidava que saciaria, algum dia, aquela fome que sentia dela. Mal sabia ele que Evelyn pensava o mesmo!

- Tudo bem. Eu dirijo.

Ele desceu do cavalo, amarrou o garanhão em algum lugar atrás da caminhonete, pediu para que ela cedesse a ele o lugar na direção, pegou o volante e voltou,

entrando num caminhozinho que ela juraria não estar naquele lugar uns instantes atrás quando passara por ali.

Chegara ao lugar mais lindo que ela já vira em toda a sua vida. E estranhara pois ela já viajara para todos os tipos de lugares, dos exóticos aos mais sofisticados.

De um lado, a montanha imponente, a queda dágua, o lago formado pelas águas que mais parecia uma tela de vidro. Todas as cores do universo estavam impressas

naquela lago e ela acreditou que era mesmo um lugar cheio de magia.

Caminharam de mãos dadas até as águas e se sentaram na beira do laguinho, olhando um para o outro, como se a vida de um estivesse dentro do outro.

- Eu te amo. - Ela disse, envolta numa atmosfera de magia e paixão.

Ele nada disse. apenas beijou-a como se aquele fosse seu último beijo, como se temesse que alguém os separasse a qualquer momento.

Num minutos estavam nus e dentro da água, ainda se beijando.

Pedro ergueu-a das águas e admirou cada pedacinho de seu corpo. Depois, levou-a em seus braços até a margem e deitou-a na relva.

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Pedro a olhava como se ela fosse a mais preciosa das joias. E beijava-a com tanta delicadeza como se temesse quebrá-la.

- Quero você, Evelyn. quero-a como jamais quis outra mulher em minha vida!

- Oh, Pedro! eu o amo tanto!

Pedro não conseguia mais manter sua boca longe do corpo de Evelyn. Queria mordê-la, lambê-la, sugá-la, saboreá-la. queria banquetear-se com aquela maravilha

que vinha deixando-o louco há vários meses. E temia não conseguir se segurar, tanta era a necessidade de saciar sua fome e sua sede!

Beijava-a como se estivesse bebendo água no deserto depois de uma longa caminhada. Ela era o seu oásis, a sua salvação. Como conseguiria viver sem aquela

mulher ao seu lado?

Tentava, mesmo com a mente nebulosa de delírio, manter-se calmo. Não queria assustá-la com os seus gestos grosseiros. Esforçava-se ao máximo da capacidade

que sua excitação permitia, para ser gentil, delicado, suave.

Todavia, no exato instante em que se postou sobre ela para penetrá-la, a calma, a suavidade, a delicadeza foram esquecidas num canto escuro de sua mente

e o instinto de macho tomou conta da situação.

Penetrou-a de uma vez indo até o mais profundo âmago de Evelyn.

E, por mais que tentasse ser gentil, não conseguia. Os gemidos roucos dela o entonteciam.

Ele entrava naquela cavidade como um louco furioso que temia que aquele prazer que o invadia, se extinguisse.

E, por mais que ansiasse pela paz que acompanhava o orgasmo, prolongava o mais que podia a chagada desse momento.

Não queria afastar-se dela. Não queria sair de dentro daquele corpo que fingia lhe pertencer. Ela era dele! ao menos naquele momento! E não queria que aquele

momento se perdesse, se tornasse apenas uma recordação.

Amou-a como um desesperado que teme que o sonho se perca a qualquer momento.

Quase chorara quando a penetrara. Mas não conseguira evitar o gemido. Se aquela primeira vez que fazia amor com ela também fosse a última, melhor lhe seria

morrer ali. Não ia suportar não tê-la outra vez. Não tê-la para sempre.

Com ela ele foi as estrelas e sentiu-se cair das alturas quando o prazer lhe atravessou a alma.

Mas, como temia muito que tudo terminasse ali, nem se retirara dela. Antes mesmo que tomasse ciência do que lhe acontecia, cavalgava outra vez no firmamento.

Evelyn, que gemia e sussurrava o quanto o amava, o quanto o adorava, achou que era impossível sentir tanto prazer, tanta dor e tanta paz ao mesmo tempo.

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Não podia viver sem aquele homem. Ele era a sua vida!

Mas ele pedira desculpas.

- Pelo que?

- Eu... Sou um bruto... Machuquei você?

- Claro que não! Foi tudo muito lindo, muito maravilhoso. Você é perfeito. O homem da minha vida.

Era óbvio que o orgulho de macho de Pedro gostara de ouvir aquelas palavras. E ele quase sorrira de satisfação. Mas... Havia muitas serpentes em seu jardim

do Edem.

Já estava escuro quando decidiram voltar ao mundo real.

- Tudo acaba aqui? - Ela perguntou enquanto se encaminhavam para a caminhonete. Notara que ele parecia mais duro, mais sombrio, mais fechado que de costume.

Ele respirou fundo.

- Não sei, Evelyn. Se eu pudesse decidir, não acabaria. Mas não posso pedir que venha comigo. Não tenho nada a lhe oferecer e nossos mundos, nossas vidas

são completamente opostas.

- Podia, ao menos, deixar-me tentar.

- Sabe que não suportaria nem um dia.

- Como pode ter certeza? Nunca me deu uma chance!

- Vai acordar as quatro e meia da manhã para fazer o café? Vai cozinhar, lavar louça, estragar essas suas mãos cuidadas com cremes franceses? Vai lavar nossas

roupas imundas da lida? Vai remendar nossas roupas quando está acostumada a comprar suas roupas na Europa? Vai comer as coisas que eu e meu filho comemos quando

o que gosta mesmo é da comida chique do restaurante de Guilherme Lobo e de outros similares ao dele? Vai plantar nossa horta, a comida que nós comemos ou vai degolar

e depenar uma galinha para o jantar?

- Não podemos ter um pouco dos dois mundos?

- Eu não vivo as custa de mulher! Como acha que poderemos sair para jantar fora? Com o que eu ganho no sítio? Ou acha que vou me empanturrar de comida e

depois deixar que pague a conta. Já me basta a vergonha que senti naquele dia!

- Eu não disse que você viveria as minhas custas!

- Como poderíamos ter um pouco dos dois mundos então?

- Eu cedo em algumas coisas e você, em outras...

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- E em que eu cederia? Na construção de uma casa mais de acordo com o seu estilo de vida? Na compra de móveis sofisticados como os de sua casa ou da casa

de suas amigas? Ou quer que contratemos uma empregada para lhe servir o café da manhã na cama quando der meio dia?

- Sabia que em alguns momentos você não sabe conversar? - Ela falou pulando para o carro. As vezes fala mesmo como um semi analfabeto, como uma pessoa sem

cultura, sem instrução.

- Mas eu sou um homem sem cultura e sem instrução. Fiz um curso técnico que não me tornou um conhecedor das coisas chiques da vida. Só aprendi sobre o meu

trabalho. Li bastante, quando era capataz pois queria sempre estar por dentro das coisas que aconteciam tanto perto quanto longe de mim. Mas o que é isso perto da

educação que você teve? Nunca poderemos manter um alto nível em nossas conversas pois meu nível cultural é realmente muito baixo. Assim como o social e o financeiro.

E não há perspectivas de melhora para nenhum deles.

- Então... É mesmo o fim?

Pedro olhou-a desanimado.

- Se você fosse outro tipo de pessoa, eu podia dizer que era pegar ou largar. Mas não vou me arriscar a tanto. E nem arriscar a sua pele. além disso, se

fosse morar comigo, como acha que sua filha receberia tal decisão? Se ela reclama de morar na casa de Oliver Mattos que é um palácio, com empregados para tudo...

Imagine a bela Raíssa morando numa casa feita de barro e de bambu! Isso nunca daria certo! Qualquer um pode ver! Por hora, dona, pode apenas voltar e pegar a direção

da sua caminhonete vermelha. A senhora vai dirigir para sua casa. Eu vou para minha, do outro lado do rio, montado no meu cavalo! - E assim dizendo, pulou na sela

e cavalgou como um condenado que fugia da pena de morte.

"Droga! A tal magia de amor da cachoeira dos Sivelie não funcionou comigo!"

- Não acredito! - Beatriz deu um grito que fez com que algumas cabeças se virassem para olhar a mesa onde bonitas mulheres almoçavam num clima de animação.

Estavam no restaurante de Guilherme Lobo, já haviam sido recebidas por ele e agora ouviam atentamente os relatos de Evelyn Mattos, que também pedira as suas novas

amigas para lhe darem alguns conselhos sobre um projeto que tinha em mente.

Todavia, naquele exato momento, Evelyn deixara escapar seu encontro romântico com Pedro Rocha na cachoeira dos Sivelie. Isso fizera com que o bando de mulheres

ficasse em polvorosa!

- Fora lá mesmo? - Genevieve perguntou curiosa.

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- Ah! Fui sim. Mas ele é muito cabeça dura! - Evelyn respondeu. - Acha que entre mim e ele nada daria certo!

- Talvez seja por que ele teve aquele fiasco com Lucinha. - Angel deu o seu palpite. - Sabe como é, né? Gato escaldado tem medo de água fria!

- Mas tudo parecia tão bem entre nós!

- Ah! Eu sei como é isso! - Mayara dava sua contribuição à conversa. - Mas acredite em mim. Tudo vai dar certo entre vocês dois!

- Ah! Isso é verdade! - Lila rose concordava com a amiga. - Se conseguiu fazer amor na cachoeira, é certo que tudo vai dar certo!

- Também acho! - Disse Joana.

- Bem... - Evelyn falou com pouco entusiasmo. - Não quero acredito mesmo que ele se interesse por mim. Vamos ver como é que vai ficar essa história! Mas

queria falar de outra coisa. Estava interessada em montar aqui algo assim meio parecido com um SPA, um salão de belezas... Algo voltado para a beleza feminina. -

Isso seria o máximo! - Genevieve aplaudiu a ideia.

- Eu seria sua freguesa! - Lila Rose prontificou-se.

- Bem... - Letícia parecia em dúvida. - Eu domo cavalos... É muito difícil que eu não esteja montada em um... Não sei se me interessaria em cuidar da beleza

e...

- Vai por esse caminho que logo, logo seu marido arranja outra! - Beatriz disse determinada. - Tem que se manter bonita!

- Mas um SPA não seria demais? - Joana quis saber.

- Você e Letícia até parecem duas velhas! Não querem cuidar da aparência? - Genevieve estava aborrecida.

- Acha que meu marido me trocaria por outra só por que a gente não vive se emperequetando o tempo todo? - Letícia também não parecia satisfeita.

- Claro que não é isso! - Beatriz contornou. - Mas imagine o seu gato chegando cansado à noite e passando aquela mão enorme naquela pele de sede, macia,

naqueles cabelas cheirosos e bem tratados...

- Vai criar algo para que os homens fiquem mais interessantes? - Letícia perguntou para Evelyn.

- Claro! - Evelyn respondeu sem pestanejar.

- Então vou mandar meu marido para lá toda a semana! E eu vou junto. Faça o favor de criar um tratamento para casais. Assim vou poder namorar e cuidar de

mim e dele ao mesmo tempo!

É isso aí! - Joana gostou. - Vou levar Henrique para cuidar da pele, dos cabelos e para fazer as unhas!

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- Bem... Assim eu levo o Zac também!

- E eu levarei Adriano!

- Ei! querem transformar meu Spa que nem saiu do papel ainda num motel?

Riram.

- Mas, voltando ao assunto Pedro Rocha... - Letícia estava interessada. - Se pretende ficar com ele, como vai fazer se resolver levar esse seu projeto adiante?

- Acho que ele não vai gostar nem um pouco! - Beatriz opinou. - Meu primo é do tipo machista. Não acredita que mulher deva trabalhar fora!

- Mas Lucinha trabalhava quando morava com ele lá na minha fazenda! - Joana lembrou.

- Ela fingia ajudar na arrumação da casa ou como ajudante de cozinha. Na verdade, o que ela fazia era dar e cima de nossos maridos da maneira mais agressiva

possível! - Letícia não deixou por menos. - Uma safada, isso sim!

- Ah! - Mayara parecia preocupada. - Mas esse negócio aí que a Evelyn quer fazer é algo que o Pedro não vai gostar. Ele é muito esquisitão. Não vai aceitar

ser o marido de uma empresária que além de já ser rica, ainda vai ter um negócio lucrativo. Acho que você está arriscando demais!

- Sei não! - Disse Lila Rose. - Para uma pessoa que enfrentou o prefeito e o vice prefeito denunciando-os como você fez, acho que saberá como colocar Pedro

Rocha no bolso!

- Lá isso é verdade! Não é qualquer uma que sai de porta em porta convocando pais e filhos para obrigar a justiça a ser feita!

- Mas foi o próprio Pedro que me fez enxergar a verdade!

- E isso diz tudo. Ele é justo. Pode ser o cara mais sério do mundo, pode viver sempre com aquela cara amarrada, mas é justo!

- Mas será que as coisas vão dar certo? Quero dizer, com Pedro e com o Spa?

Todas olharam para Angel.

- O que foi? Angel perguntou assustada com todos aqueles olhares.

- Você bem que podia por as cartas de Tarô para Evelyn, não? Assim ela entraria nesse negócio sabendo no que ia dar, heim? - Lila Rose falou.

- Ei, gente! Eu não faço milagres, não! Além disso, se o que vocês querem saber se o o negócio que ela tem em mente poderá atrapalhar o romance dela com

o Pedro, esqueçam as preocupações. Ela fez amor com ele na cachoeira mágica! Assim nada vai abalar esse amor! Quando um casal se ama naquele lugar é por que sua

união já está escrita nas estrelas!

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capitulo 10

Uma semana depois do idílico encontro de Pedro e Evelyn na cachoeira, ele ainda podia sentir o cheiro e o gosto dela em seu corpo. Não conseguia parar de

pensar nela. Era como um castigo que o atormentava a cada segundo de sua existência.

E, naquela noite, enquanto Pedro e o filho faziam o jantar, os pensamentos do vaqueiro estavam deixando-o louco de tanta saudade. Evelyn não o procurara

mais. Não gostara de fazer amor com ele? Não haviam brigado. Só sabiam que um romance entre eles, entre duas pessoas tão diferentes, tinha tudo para não dar certo.

Até falaram muito sobre isso. E ela sumira de vez. Será que chegara a conclusão de que não valia mesmo a pena tentar? Ou fora o jeito um tanto violento dele fazer

amor que a afastara para sempre? Afinal, ela estava acostumada a conviver com pessoas finas, requintadas, amantes de teatro e todos os tipos de arte. E o que ele

fazia para se divertir? Cavalgava, pescava, ouvia música sertaneja e, nos bons tempos, dançava forró. Agora, nem isso! O que tinha para oferecer para aquela perua

loira e toda cheia de sofisticação? Que ela levantasse as quatro e meia da manhã e fosse ordenhar vacas com ele? Que pegasse na enxada e fizesse a horta? Que limpasse

o galinheiro e alimentasse as galinhas? Que morasse com ele naquela casa de barro?

"Oh, Deus! Tudo está tão errado! Mas por que ela não mais me procurou?"

- Nossa, pai. vamos jantar muito tarde essa noite. Onde você se meteu? - Diego invadiu as preocupações de seu pai.

- Atrasei um pouco por que estive resolvendo alguns probleminhas. Já descascou as batatas?

- Já. Pegue-as. É algo com o sítio?

- É... Em parte. Você acha que eu deveria aceitar aquele dinheiro que Henrique Cassilhas diz que é meu?

- Ora essa, pai... Se o dinheiro é seu, por que não aceitar?

- É que... As vezes acho que eles cismaram de me ajudar, sabe disso, né?

- Pai... Henrique Cassilhas é um fazendeiro rico. Acha mesmo que ele lhe daria dinheiro assim, do nada?

Pedro ficou pensativo.

Ouviram uma buzina no portão do sítio.

- Quem será? - Diego perguntou preocupado, já procurando com os olhos, a sua espingarda no lugar de sempre.

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- Vou ver. - E Pedro saiu arregalando os olhos ao ver Raíssa descer da caminhonete e abrir a porteira para que o veículo, que trazia duas éguas e um potrinho

atrelados à carroceria, entrasse no quintal. Esperou até que o carro parasse diante da porta da frente. Depois viu, estupefato, uma Evelyn se dirigir a traseira

da caminhonete e começar a descer de lá, uma, duas, três, quatro, cinco malas. Depois ela pegou as rédeas de casa um dos animais e as entregou a um Pedro estupefato.

- Essa é Belinha, minha égua. Essa aqui é Darling, a égua de Raíssa e esse potrinho aqui é o filhinho dela, Ventania. Ele é muito novinho ainda mas vai

ser um garanhão de primeira! Oliver deu essa égua para Raíssa depois que ela se apaixonou pela mãe e pelo filhote após vê-lo nascer. Antes, Raíssa nunca chegava

nem perto das baias! E nem sabemos por que ficou curiosa em ver o parto do potrinho. Agora diz até que quer ser veterinária, acredita nisso? - Mudou o tom de voz.

- Há um cantinho para eles por ai, não? E para mim e minha filha?

- Você e sua filha? - Pedro gaguejava.

- Sim... Raíssa e eu conversamos e ela concordou em vir morar aqui no sítio comigo.- Ela falava com a autoridade de dona da casa.

- O que pensa que está fazendo? - Pedro, meio apatetado, falava enquanto segurava as três rédeas em suas calosas e enormes mãos. Como Evelyn falava sem parar

ele estava confuso pois ela não lhe permitia organizar seus pensamentos.

- Vindo morar com você!

Pedro ficou mudo e de olhos esbugalhados! Quase largou os cavalos!

- Não posso saber se vai dar certo ou não se eu não tentar, não é? Mas por favor, providencie um lugar para os meus bichinhos, tá? São bichinhos de raça.

Estão acostumados com uma baia quentinha! E estão cansados da viagem. O potrinho é só um bebê!

Pedro se perguntou, sem nem mesmo atinar o porque, se os animais seriam tão frescos quanto mãe e filha. Mas isso nem vinha ao caso já que esse era o menor

dos problemas. E um presentão para seu garanhão Dom Quixote! Todavia, sabia que, na manhã seguinte, as duas peruas estariam fora de sua casa. Era melhor nem tocar

em Evelyn para não sentir falta dela depois em sua cama.

Em sua cama! Só de imaginar tal fato, seu estômago lhe revoltava. Aquela mulher dormindo em sua cama! Na sua casa de barro e bambu! Usando seu banheiro rústico!

Cozinhando... Não! Imaginá-la cozinhando em suas panelas já era demais! Nem sua imaginação apaixonada podia ir tão longe!

Imaginação apaixonada? Tal ideia assustou-o mas acreditou que era exatamente aquilo! Estava apaixonado por aquela perua que em meio aquela casa pobre usava

maquiagem pesada e um perfume que devastava seus sentidos! ela iria se deitar em sua pobre cama, em seu pobre quarto, invadindo suas narinas com aquele cheiro bom

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e ele iria fingir que ela não estava ali ao seu lado? Como ele conseguiria fazer tal coisa?

E não deu outra! Mal ela entrara em seu tosco banheiro e saíra de lá de banho tomado, com aquela camisola transparente e aquele cheiro que o colocava de

joelhos que caiu em cima dela como um homem perdido há dias no deserto pulava num copo dágua!

E tanto bebeu daquela água naquela noite que pela manhã era o mais feliz e o mais estafado dos homens! Estava exausto e sonolento! Quase não dormira. Fizera

amor com sua perua loura a noite inteira! Seu membro ardia de satisfação. sua alma cantava de alegria. Seu coração estava completo pois sua metade estava ali.

Mas até quando? Certamente, quando ele retornasse do curral após ordenhar suas novilhas, ela já deveria estar fazendo as malas para retornar a fazenda luxuosa

do irmão! Isso, caso tivesse acordado! De qualquer forma, sabia que fosse lá a hora que se levantaria, iria embora naquele dia mesmo! Ela não fora feita para viver

naquele lugar, naquela casa, daquele modo! E nem sua mimada filha!

Pedro ia pensando nessas coisas enquanto admirava as duas éguas que tinha agora no seu reduzido estábulo! Aquele potrinho era um puro sangue! aquelas éguas,

se cruzassem com seu garanhão, iam dar boas crias! Eram da melhor qualidade e seu garanhão não ficava atrás!

Mas como poderia pensar no futuro de seu cavalo quando o seu próprio parecia tão incerto? E se ela se fosse? Como sobreviveria sem ela? Saber que ela estava

ali, tão perto, ao alcance de sua mão era tão apaziguador!

Não queria que ela se fosse. Mas não podia condenar uma rainha a viver com o mais ralé dos plebeus! Como podia pensar na própria felicidade se ela estivesse

infeliz por viver em condições tão miseráveis?

Mas Evelyn ficara! Ela e a filha! E ele nem podia acreditar que todos os dias, quando retornava para sua casinha de barro e bambu, ela estava lá!

E assim, um mês e meio se passara e Pedro, até agora, não tinha muito o que reclamar de Evelyn. Era certo que ela não cozinhava muito bem mas estava aprendendo.

O bolo solava mas era comível. As roupas, por sorte, eram lavadas pela máquina de lavar que pertencera a Beatriz mas ele vira, mãe e filha, esfregando a escovinhas

nas calças jeans por mais de uma vez.

E agora ela usava muito pouco daquela massa que chamava de base em seu rosto. Usava mais um batom e não muito mais. Entretanto, continuava elegante, embora

quase não calçasse aqueles sapatos tão altos.

E só de ver aquela menina! Raíssa trabalhando duro! quem acreditaria?

Tudo bem que em seu banheiro não havia espaço para sua lâmina de barbear e em seu quarto, o guarda roupa que ele comprara de Beatriz ia explodir a qualquer

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momento. Mas ele não a acordava as quatro da manhã. Entretanto, quando ele voltava depois de ter ordenhado as vacas, quando Raíssa e Diego se aprontavam para o colégio,

lá estava ela, linda e cheirosa, fresca como uma pétala orvalhada, pronta com o café da manhã e pronta para levar os meninos para a escola naquela caminhonete vermelha.

Depois, quando ela voltava, varria a casa e fazia o almoço. E a vida parecia perfeita.

Ou quase!

Ainda achava que ela merecia um pouco mais que aquela vida. Uma casa melhor,. Uma pessoa para ajudá-la nas tarefas de casa. Não queria que ela estragasse

aquelas mãos macias que percorriam seu corpo pelas madrugadas. E nem que aquela pele sensível, por onde sua boca se deleitava todas as noites, perdesse aquele viço,

aquela textura de seda, de veludo, de maciez. E não queria que aqueles olhos azuis perdessem o brilho por causa do cansaço. E como se sentiria se ela se negasse

a se abrir para recebê-lo em sua cama por que as tarefas do sítio durante o dia a deixavam exausta? Uma mulher como ela não suportaria aquela vida rude por muito

tempo!

Até a intragável Raíssa parecia ter aprendido a respeitá-lo. Quando elas chegaram, o quarto que Pedro construíra para seu filho Tadeu estava vazio. Tinha

apenas uma cama. Assim, Diego cedera para sua agora meia irmã o guarda roupa que um dia pertencera a filha de Beatriz, a pequena Bruna e que Diego, tão tranquilamente,

mudara a cor pink para marrom.

- Não é muito pequeno para suas roupas? - Ele perguntara ao ver que a maioria das coisas ainda estavam numa mala enorme.

- Eu me viro. - disse abaixando a cabeça.

- O que deu nela? - Perguntou um dia para Evelyn.

- Repeti o que você dissera. Que eu era a mãe e era eu quem mandava.

- E ela aceitou? assim? Sem dar nenhum pinote?

- Deixei claro que a amo! E venho demonstrando isso a cada minuto de minha existência. Acho que ela está começando a compreender que amor nada tem a ver

com casa luxuosa ou roupas caras! E ela sabe que foi você que me aconselhou a denunciar aqueles infelizes!

- Humm... Isso é muito bom. Mas luxo é uma coisa, conforto é outra. Estou pensando em ir falar com Henrique Cassilhas sobre o dinheiro que ele insiste em

proclamar aos quatro cantos que é meu.

- E eu tenho que falar com você sobre um projeto que tenho em mente.

E, quando Evelyn contou suas ideias a Pedro, ficara pasma. Ele a ouvira sem dar nenhum ataque de machismo.

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- Acho legal esse negócio. Quero dizer... É coisa de mulher, muita frescura, mas acho que entendo isso. As mulheres gostam muito dessas coisas, né? Arrumar

cabelo, unhas e tomar banho de lama para melhorar a pele. É estranho, mas quem vai entender as mulheres? Li sobre esse negócio de Spa um dia desses numa revista.

E via a foto de uma mulher numa banheira cheia de um troço verde! E ela parecia feliz da vida! E você, provavelmente, vai ficar ainda mais rica! Mas não quero

que gaste seu dinheiro com o sítio. Isso já ficou bem entendido entre nós. O que é seu é seu!

Então, ela aproveitou uma brecha.

- Mas eu e minha filha não vivemos as suas custas?

- Vocês duas dão duro aqui no sítio. Além disso, a obrigação de cuidar de sua família é do homem. Não me considero machista. Se quer ter seu próprio negócio...

Tudo bem. Mas saiba que a noite, quando chegarmos em casa cansados de tanta labuta, ainda teremos tarefas domésticas para cumprir, como limpar a casa, fazer comida

para a janta e para o almoço do dia seguinte...

- Teremos que dividir tudo, Pedro.

Ele ficou olhando para ela como se ela estivesse falando uma lingua estranha.

- Como assim, dividir tudo.

- Eu vou estar muito cansada, empenhada em construir uma empresa. Vou ficar com a cabeça cheia de coisas para resolver e não me sentirei muito disposta ao

chegar em casa a noitinha e ter que ir para o fogão fazer comida ou pegar numa vassoura para limpar o chão!

- Mas todos faremos isso juntos! Sempre foi assim. Eu e Diego fazíamos juntos o jantar, colocávamos a roupa na lavadora, limpávamos a casa e lavávamos a

louça.

Evelyn concluiu que as batalhas deveriam ser lançadas aos poucos. E sempre quando tivesse a certeza de que as venceria!

- Certo. Trabalharemos juntos. Sei que você e Diego não vão fugir da raia e deixar tudo nas minhas costas pois a vida de vocês sempre foi de muito trabalho.

Mas... Que tal se você pegasse o dinheiro que tem com Henrique e construísse uma casa maior para nós e nossos filhos e eu ficaria com a incumbência de mobiliar a

casa?

Pedro pensou um pouco.

- É isso que você fala que é ceder?

- Mais ou menos.

- Aí você se casaria comigo?

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Evelyn ficou pasma.

- Casar? Eu e você?

- A ideia a assusta? Sei que sou um pobretão, mas... Você tem estado aqui por esse tempo todo... Trabalhando duro... E não tem reclamado de nada. Até sua

filha arruma as camas, dá milho as galinhas, varre a casa, ajuda a fazer o jantar...

- Sabe que o amo! Sabe que adoraria ser sua esposa, mas... É que eu já me casei tantas vezes!

- Você não se casava. Você fazia um teatro. quero me casar com você de verdade, no civil e no religioso. Quero que seja minha para sempre. Acho que as duas

semanas de prazo para que a nossa união desse com os burros nágua, já se passaram! E eu estou no lucro. Nenhum dos aborrecimentos que teve por aqui fez com que você

fosse embora. Mas tenho certeza de que não deixei de elogiar sua beleza nem um só dia! E pelo que vejo, não cortou os cabelos, não está usando esmalte algum e não

estreou nenhum vestido novo! E o seu batom é o mesmo!

Pedro conseguira levantar um dos cantos de seus lábios sensuais.

- Você sorriu!

Ele ficou olhando para ela como se não entendesse sobre o que ela estava falando.

- Você sorriu! - Ela repetiu ainda surpresa. - Foi um sorriso meio tosco mas foi o esboço de um sorriso. Não sabia que você tinha senso de humor! Até tentou

fazer piada sobre meus rompimentos passados!

- Você me acha muito sério? - Ele parecia encabulado.

- Demais! Até estava preocupada! Está sempre com um vinco entre as sobrancelhas! Nunca dava um sorrisinho! Achei que podia ser algum problema no fígado!

Pedro gargalhou para valer.

- Oh! Estou realmente surpresa! - Evelyn dissera satisfeita. - Meu homem sabe sorrir!

- Então me acha mal humorado por que tenho um problema no fígado, hein?

- Bem... eu... - Agora era ela quem estava embaraçada.

- E seu homem acha que te ama! - Ele disse dengoso.

- Acha que me ama? - As surpresas não acabariam nunca? Ela ia acabar desfalecendo! Um pedido de casamento de verdade e uma declaração de amor! A única declaração

de amor que lhe interessara ouvir em sua vida! Na verdade, não era bem uma declaração de amor, mas... Quando se queria muito uma coisa, as pessoas acabavam se contentando

com aquilo que fosse o mais próximo de seu desejo. E o que poderia ser mais próximo de uma declaração de amor do que ouvir seu amado dizer que achava que a amava?

Se ele achava, podia logo se tornar verdade, não?

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- Eu... Não se importa que eu fale do meu envolvimento com Lucinha, não?

É claro que ela se importava! Que mulher não ia morrer de ciúmes das ex? Se ele nunca se importava quando ela falava de seus ex, era por que não a amava

de verdade. Mas embora ela se importasse em ouvi-lo falar de Lucinha, aquela sádica curiosidade em saber como era o relacionamento deles, roía-lhe as entranhas!

E daí que Lucinha fosse a mulher chumbinho, do tipo, comeu, morreu? Havia muitos homens que adoravam suas mulheres barraqueiras! Tudo bem que Lucinha fora longe

demais ao levar-lhe o filho, ao incendiar sua casa, ao amarrar a ele e ao Diego para que também morressem queimados. Mas já ouvira histórias estranhas demais em

sua vida. Já ouvira falar de homens que até balearam suas esposas e elas continuavam a morrer por eles e vice versa. Pessoas com paixões obsessivas não raciocinavam

como o resto da humanidade. Tinham um amor mórbido, doentio, sadomasoquista, do tipo matar ou morrer! E queria saber, por mais que lhe doesse na alma, que tipo de

amor Pedro sentia por aquela cascavel em forma de mulher!

- Humm... Pode falar...

- Quando conheci Lucinha, gostava daquele jeito dela atrevido. Ela parecia gostar de medir forças comigo, de me colocar na beira do abismo. E eu achava aquilo

tudo muito excitante. Todavia, confiava nela. Acreditava quando ela dizia que um amigo meu havia tentado agarrá-la a força. que homem iria pensar que sua mulher

dava em cima de seus amigos de forma tão agressiva? Ela sempre me parecia tão vítima, tão sincera!

- Amava-a muito? - Evelyn tinha que saber por mais que temesse a resposta.

- Não... Nunca amei Lucinha. Ela não se deixava amar e eu não queria ir tão longe!

- Não entendo...

- Lucinha me desafiava. Só isso.

- Mas ela mandava em você, gastava todo o seu dinheiro, não cuidava do próprio filho...

- Para tudo isso havia uma explicação razoável. Eu achava que o dinheiro que um homem ganha deve ser dado a sua esposa. É ela que sabe onde e como deve ser

empenhado o dinheiro. Quanto ao fato dela mandar em mim... Um marido deve ser fiel e leal a sua mulher. Um deve obedecer ao outro. E sobre Tadeu... - Ele fez uma

cara de dor. - Eu sabia que ela não queria filhos. Mas Tadeu estava na barriga dela e eu não ia deixar que ela abortasse. Além disso, eu sabia que ela não tinha

nenhum instinto materno. Algumas mulheres não tem. E meu pai se ofereceu para cuidar do meu filho. Eu sabia que Tadeu estava em boas mãos!

Evelyn não parecia muito certa disso. Mas ela também não cuidara de sua filha. Então, nada podia dizer quanto a isso. E, de certa forma, ela também não tratava

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os seus ex quase que da mesma maneira, sem o menor respeito? Seria ela tão parecida com Lucinha que Pedro a usava como substituta? Não ia gostar nada se fosse aquele

o caso.

- Mas com você é diferente. - Ele disse. - Com você me sinto um homem completo pois você parece ter posto no meu mundo algo que eu sentia falta e nem sabia

bem o que era. Só sabia que faltava alguma coisa na minha vida e agora meu coração está cheio de alegria e contentamento. Só falta mesmo o meu filho para que eu

me sinta inteiro!

- Oh, Pedro! Assim vou acreditar que me ama de verdade!

- Mas eu a amo!

- Disse ainda pouco que achava que me amava...

Ele a olhou intensamente.

- Foi só uma maneira de me expressar. Eu a amo. Nunca senti isso por ninguém antes. É como o que sinto pelos meus filhos, embora Tadeu não esteja comigo!

É uma necessidade imensa de cuidar de você, de temer te perder a cada segundo, de querer você para sempre em minha vida, de saber que posso enlouquecer se um dia

me deixar. É quase o mesmo sentimento que tenho por Tadeu e por Diego. Só que eu aceito que meus filhos um dia se casem, que morem sozinhos, que vão viver suas vidas.

Mas não você! Se um dia me deixar, morrerei, não vou conseguir respirar e acho que nem ia querer! E tem mais! Sinto por você um desejo atordoante, alucinante, desesperado!

Por mais que faça amor com você, por mais que me sinta saciado dessa fome e dessa sede que tenho por você, isso nunca acaba. Sinto-me saciado, satisfeito, acalmado,

mas é só por alguns segundos. Basta olhar para você outra vez para sentir exatamente o que sentia quando a desejava e não podia tocá-la! É insano de tão intenso

esse sentimento!

- Oh, Pedro! Acho que você me ama mesmo!

- Amo muito! E nunca achei que podia haver tanto amor por uma mulher dentro de mim. Achei que Lucinha me tirara tudo mas o que eu sentia por ela nem de longe

se assemelha ao que sinto por você! Amo você, Evelyn. E torno a perguntar. quer se casar comigo? Um casamento de verdade e para sempre?

- Oh, Pedro! É claro que sim, meu amor! É claro que sim! Eu também te amo tanto!

Eles se beijaram. E como uma coisa levava a outra, em segundos estavam no quarto fazendo amor. E Pedro achou que a vida era boa!

Mas a paz teve duração curta.

Na manhã seguinte, logo que o caminhão de leite passara, um barulho de moto alertou os cachorros e a Pedro. E, para sua total consternação, viu o tal de

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Tony descer da moto e vir em sua direção acompanhado de Lucinha.

"Que porra! Pedro pensou já olhando para a casa onde estavam as pessoas de sua família. Também olhou para os cachorros que, inteligentemente latiam, mas

não se aproximavam muito do homem. Num segundo, Pedro já anotara em sua consciência, todos os pormenores que podiam ser ou não favoráveis a ele ou ao indivíduo que

adentrava em seu mundo mais uma vez. Dessa vez, mataria o desgraçado se ele tentasse machucar alguém que estivesse ali ou se ousasse destruir qualquer uma das coisas

que ele reconstruíra com tanto sacrifício!

- Se chutar meus cachorros outra vez, já venha pronto para acabar comigo senão eu mato você com as minhas mãos! - Avisou ao recém chegado.

- Ei ei ei! Quanta amargura! Os caninos estão aí, né?

Diego, Evelyn e Raíssa saíram da casa. Justamente o que Pedro não queria.

Pedro olhou para Lucinha que tirara o capacete. Estava muito magra e parecia ter envelhecido vinte anos naquele curto espaço de tempo.

- Onde está o meu filho? - Era só o que interessava a Pedro.

- Está seguro! - O homem falou.

- Quero meu filho aqui comigo. Traga-o para cá.

- Ei! Sou eu quem dá as ordens por aqui agora! Estou vendo que conseguiu o dinheiro para se reerguer. Queremos um pouco disso também. sua ferinha anda mansa

demais e não está trazendo o suficiente para que possamos viver com conforto, sabe, né? Já que ela gosta tanto de homens, botei ela na rua para me encher de dinheiro.

Mas agora ela parece ter perdido o brilho. Deve estar doente, a coitada! Não consegue nem pagar um café da manhã decente. Está decaída! Acho que toda aquela vontade

de estar com um homem acabou!

Pedro não estava interessado na vida que eles levavam. Só queria saber do filho e nada mais.

- Quero meu filho aqui comigo!

- Já disse que sou eu quem dá as cartas. Estou vendo que seu jardim está florido! Essas duas dariam um bom dinheiro nas ruas. Elas tem classe!

E Tony foi na direção das mulheres. Diego quis correr para pegar sua espingarda mas Tony foi mais rápido. Em uma fração de segundos, tinha, como antes, a

cabeça do menino presa numa gravata e na mira de sua pistola.

Diego sentiu-se o último dos seres do planeta. Fora imobilizado outra vez por aquele animal. Quem ele levaria agora? E ia colocar fogo de novo na casa? Seu

pai perderia tudo novamente por sua causa? Nunca ia ser rápido o bastante para se esquivar de um golpe de luta? Era mesmo um molengão! Mas não conseguia entender

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como fora pego. Tentara ser o mais rápido possível!

- Você é muito cheio de músculos para se mover com agilidade, moleque! E eu sou muito vivido para me deixar pegar por um molecote! Sabe há quanto tempo vivo

nas ruas? Sou esperto demais para cair nas garras de um fedelho que ainda cheira a leite!

Tony riu da própria piada e Lucinha se achegou a ele sorrindo com maldade no olhar.

- Ha, ha, ha, ha... O moleque vive ordenhando vacas! Tá na cara que vai cheirar a leite por toda a vida! Como o pai!

capitulo 11

Pedro jurou a si mesmo que não perderia a calma. E orou aos céus para que seu filho não tentasse nada que acabasse machucando a si mesmo ou aos outros. Sabia

o quanto Diego se culpava pelo que acontecera da primeira vez. O que aquele marginal iria fazer agora? amarrar uma das mulheres na moto como fizera com seu filho

caçula.?

- Onde está meu filho, Lucinha?

- Não enche! - A mulher vociferou.

Pedro então se perguntava por que Tadeu não estava ali com aqueles dois doentes! O que aquele maldito fizera com seu filhinho?

- Onde está meu filho, porra! - Berrou. A ira de Pedro explodia por todos os seus poros!

- Eu... - Tony gaguejou ao se ver diante da fúria desconhecida de Pedro mas logo recuperou o sangue frio. Por alguns segundos, temera seu oponente. Mas

a vida lhe ensinara a seguir adiante, com ou sem medo. Se abaixasse a cabeça, se acabasse se rendendo, era ele quem perdia tudo. Não ia fracassar só por que o dono

daquele sítio mais parecia uma fera enjaulada do que um homem. Era só manter-se distante dele e um passo a frente. Tudo ia dar certo. - Eu lhe devolvo ele se me

der uma boa quantia para que eu o traga de volta.

- Sem negociação. - Berrou Pedro com aquela voz potente e sonora que era capaz de provocar uma avalanche na serra próxima! - Onde está meu filho, porra?

Irritado ao extremo, Pedro caminhou lentamente na direção do homem sempre repetindo a pergunta.

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- Onde está meu filho, seu desgraçado?

Tony estava um tanto apavorado. Aquele homem caminhava para ele e ao que parecia, não o temia e não temia a arma na cabeça do garoto.

- Se der mais um passo eu atiro no moleque. Espalho os miolos dele por todo esse terreno.

Evelyn e Raíssa nem respiravam. Estavam aterrorizadas. O homem podia atirar em Pedro e em Diego a qualquer momento. Por que Pedro caminhava na direção do

sujeito se estava desarmado?

- Se atirar no meu filho, se ao menos marcar o meu filho de alguma forma, vai virar ração para os meus cachorros! - Falou entre dentes.

Evelyn e Raíssa nunca viram antes tanto ódio no olhar de outro ser. Pedro era pura fúria, pura ira, pura violência contida pronta para desabar em cima daquele

homem idiota. E o tamanho de Pedro o tornava ainda mais ameaçador. Parecia um gigante descontrolado. E Tony já demonstrava um tremor na mão que segurava a arma,

o que deixou as duas mulheres ainda mais apavoradas. Ele, por medo, ia acabar puxando o gatilho. Um tiro seria o único meio para parar aquela enorme locomotiva arrasadora

que vinha em sua direção pronta para esmagar e destruir.

Mas antes mesmo que tal pensamento pudesse ser compreendido na mente das duas mulheres, Pedro já derrubara Tony no chão e dava-lhe uma surra entre socos

e pontapés.

- Vai matá-lo! - Gritou Evelyn assustada com a violência dos golpes. - Pare senão vai matá-lo!

- Se não disser onde está o meu filho vou matá-lo mesmo. O que fez com Tadeu?

- Eu... - Arquejou em meio ao sangue que fluía do nariz e de outros ferimentos nos lábios, na testa, nos olhos que inchavam muito rapidamente. - Socorro,

Lucinha! Esse louco vai me matar! Me ajude!

- Onde está Tadeu, seu filho da puta?

Lucinha correu para impedir que Pedro continuasse a bater em Tony. Tinha uma faca nas mãos e parecia que a enterraria nas costas de Pedro. Então Evelyn puxou-a

pelos cabelos e jogou-a no chão, desarmando-a após dar-lhe uns bons tabefes.

- Humm... Até que as aulas de defesa pessoal serviram para alguma coisa! - Disse triunfante, sentada em cima do peito de Lucinha e logo entregando a faca

para que Diego sumisse com ela.

- Saia de cima de mim, branca azeda!

- Fique aí senão quebro sua cara, vadia! Evelyn gritou. - E cale essa boca suja senão faço você comer essa terra!

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- Onde está meu filho, seu desgraçado? Vou matar você se não disser logo! E Pedro recomeçou a socar o homem.

- Não! - Tony recomeçou a choramingar. - Piedade! Nós o perdemos! Nós o perdemos!

- Como assim o perdemos?

- Ninguém quis comprá-lo. Então nós o colocamos para pedir esmolas num sinal de trânsito. Um mês depois, ele sumiu. - O homem falava com dificuldades.

Pedro largou o homem agonizando no chão.

- Sua vadia desgraçada! - Gritou com Lucinha. - Colocou meu filho de apenas quatro anos para pedir esmolas na rua? Maldita! eu devia matá-la, desgraça de

mulher! E agora dizem que meu filho sumiu! vou matar esse desgraçado!

- Não! Não! Por favor! Piedade! Piedade! - Tony implorava.

- Você teve piedade de um garoto de quatro anos, seu... Seu... Verme nojento?

E, com muito ódio no olhar, Pedro amarrou Lucinha ou o que restava da mulher que fora sua um dia e o homem que minutos antes queria fazer e acontecer, jogou-os

na caçamba da caminhonete.

- Me dê as chaves! - Pediu para Evelyn.

- Quer que eu vá com você?

- Não. Fique aqui. Vou levar Diego. Volto assim que der.

Já ia embora cheio de uma fúria assassina, mas voltou e deu um beijo nos lábios da mulher.

- Diego... - Deu a pistola de Tony para seu filho. - Vá na caçamba com ele e não os tire da mira. Se esse maldito tentar alguma coisa, atire para matar,

entendeu?

- Deixe comigo, pai!

Quando a caminhonete saiu em direção a cidade Evelyn se perguntou por que Pedro não permitiu que ela fosse dirigindo e ele ficasse de olho no casal de bandidos.

Não queria que Diego tivesse que atirar. Era ainda um menino para ter tanta responsabilidade. Mas talvez Pedro confiasse mais no filho para aquela tarefa do que

em si mesmo. Certamente não resistiria a qualquer provocação, embora ela acreditasse que nenhum dos dois estava em condições de provocar alguém.

Mais tarde, quando Pedro voltara, estava lívido de ódio.

- Onde vou encontrar meu filho agora? - Se perguntava a todo instante.

Como se tudo isso ainda não fosse o suficiente, enquanto o casal era transferido para outro município com mais condições para mantê-los presos, Tony e Lucinha

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conseguiram subjugar os dois policiais que os conduziam e, após atirar em ambos, fugiram deixando os dois feridos para morrerem na estrada deserta. Por sorte, um

carroceiro que passava por ali, socorreu os feridos, entrando em contato com os bombeiros que se encarregaram de salvar a vida dos dois policiais.

O casal fugira em disparada levando a viatura da polícia. E, alguns quilômetros adiante, o carro fora encontrado, destroçado, partido ao meio após bater

violentamente num poste a beira da estrada. A colisão fora tão forte que o poste fora arrancado de suas fundações. O casal morrera instantaneamente!

Pedro ficara desolado. Não tinha a menor noção do local da cidade de São Paulo para onde Tadeu fora levado. Em qual parte daquela imensa cidade seu filho

havia se perdido? E ainda estaria vivo? E se estivesse, em que condições estaria? Com tanta gente cruel que havia nesse mundo, o que poderia ter acontecido ao menino?

Cansada de ouvir Pedro repetir a mesma coisa por toda aquela semana, se recusando a comer e a trabalhar, Evelyn tomou uma decisão.

- Tenho algo para lhe pedir... Um favor... Para nós dois... Para o nosso bem.. pois já não suporto mais vê-lo assim. Está emagrecendo, se auto destruindo

a olhos vistos. Não trabalha mais, não se alimenta, não olha mais para mim...

- Não me abandone... - Ele pediu submisso. - Se é isso que vai dizer, imploro... Não me deixes!

- Nem pensei em tal coisa! quero apenas que esse nosso sofrimento acabe. Vê-lo sofrer dessa forma está acabando comigo!

- E o que acha que sinto. O natal está chegando e o meu menino está perdido naquela cidade imensa! Estou impotente! Não sei o que fazer!

Evelyn tinha vontade de se entregar a dor junto com ele. aquilo era de partir o coração!

- Vamos para São Paulo!

- Como?

- vamos procurar Tadeu! - ela disse.

- Mas como? Nem sabemos onde ele está!

- Existe uma porção de detetives por lá.

- Eu não posso pagar um detetive!

- Vai continuar bancando o orgulhoso? Eu tenho dinheiro e seu filho pode estar em apuros! O que decide?

Pedro não pensou muito.

- Vamos para são Paulo. Mas vamos deixar Raíssa e Diego aqui sozinhos?

- É claro que não! São meninos ainda!

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- Mas e o sítio? - Pedro hesitou por alguns instantes. Embora sempre resolvesse os problemas por onde trabalhara antes, ali ele estava por sua conta. Se

fosse viajar, só teria a Diego para tomar conta de tudo, como acontecera antes quando seu pai morrera e o menino ficou responsável pelo sítio e pelo irmão. Mas agora

as coisas pareciam diferentes.

- Peça para alguém cuidar das coisas enquanto estaremos fora.

Pedro hesitou mas ela o olhou firme.

- Já está na hora de ter uma pessoa para ajudá-lo. Há muito trabalho por aqui só para você e Diego cuidarem sozinhos. E tem lugar no estábulo para que um

peão possa dormir ali.

Pedro lembrou-se de Crispim. Era um de seus amigos de infância e recentemente estivera internado numa clínica para o tratamento do alcoolismo. Estava desempregado

e precisava de um voto de confiança. E deixar Crispim em sua casa por alguns dia seria o maior voto de confiança que poderia dar a alguém. O rapaz poderia dormir

no novo estábulo, também feito de banbu e barro que Pedro construíra para seu cavalo e para as éguas que Evelyn trouxera junto com o potrinho Ventania.

Diego e Raíssa já estavam de férias do colégio. Assim, não teriam problemas em levá-los consigo. Mas resolveram que Raíssa ficaria com o tio Oliver e Diego

na casa de seu padrinho Luís Paulo. Assim, Raíssa poderia cuidar de seu bezerrinho, o qual adotara após a morte trágica de sua mamãezinha. A vaca, que fora encontrada

já se esvaindo em sangue após o parto mal sucedido, tivera que ser abatida com um tiro por Pedro que sabia que nada mais poderia ser feito. Raíssa então tomara para

si a responsabilidade de amamentar o bichinho com uma mamadeira até que ele pudesse se virar sozinho. E acabara se apaixonando pelo bezerrinho. Logo também se apaixonara

pelos pintinhos e tomara para si o cuidado com as galinhas. Pelas manhãs, antes de ir para o colégio, ia dar canjiquinha para os pintinhos, milho picado para os

franguinhos e milho inteiro para os mais adultos. A menina não ia querer se afastar de todo de "sua criação". E Diego poderia cuidar do sítio junto com Crispim!

- Posso perguntar uma coisa? - Evelyn hesitava.

- Claro!

- Tem alguma dúvida de que Tadeu seja mesmo seu filho?

Pedro olhou-a como se não tivesse entendido a pergunta. Depois falou.

- Acho que isso não importa muito. Desde que eu o vi, assim que nasceu, amei-o. Se ele tem o meu sangue, isso não importa. Ele é meu filho de coração. Além

disso, acho-o muito parecido com Diego.

- Não tem vontade de fazer um exame para ter a certeza?

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- Não! Um exame não ia mudar o que sinto por ele. Ele é meu filho e só isso importa!

Ela olhou para aquele homem grande e de cara sempre fechada. Parecia um gladiador, um gigante, um casca grossa da pior espécie! Como as aparências enganavam!

E o amou ainda mais pelo coração enorme que ele tinha.

Na grande cidade de São Paulo, logo entraram em contato com um detetive. E, enquanto estavam ali, Pedro mandou instalar em sua casa um telefone fixo. assim

podia manter contato com Diego e saber como as coisas estavam caminhando.

Ao fim de uma semana, Tadeu foi encontrado. Uma senhora idosa o vira com frio e desprotegido e o levara consigo.

Não fora difícil encontrar a criança. A boa senhora pedira aos vizinhos que a ajudassem a encontrar a família do menino pois ele não sabia dar seu endereço

corretamente. Afinal ele não era de sair do sítio e não conhecia muito bem a cidade onde vivia. Por outro lado, acreditava que o pai e o irmão haviam morrido no

fogo já que a última coisa que se lembrava do sítio era ver o pai e o irmão amarrados no curral enquanto o fogo se alastrava ao redor deles!

- Tadeu! - Pedro esforçou-se para não chorar na frente dos outros enquanto apertava seu filho em seus braços pois era um vaqueiro e um peão de respeito

não chorava como uma mulherzinha por mais emocionado que estivesse! Mas estava sendo difícil bancar o machão naquele momento! Não conseguia disfarçar o tremor de

sua voz e tentava enxugar o rosto banhado em lágrimas nos cabelos do menino procurando esconder dos outros toda a emoção que sentia. - Tadeu, meu filho! Meu filho!

Meu filho! Quanto medo senti por você! Deus! quanto medo senti! Pensei que nunca mais ia abraçá-lo! Meu filho! Meu filho! eu te amo, meu filho!

Tadeu, ainda sem entender como seu pai podia estar vivo, não quis ouvir explicação alguma naquele momento. Agarrou-se ao pai e não o largou mais até que

chegaram no sítio. Aí, ao ver o irmão, agarrou-se a ele e chorava de contentamento. Seu pai e seu irmão estavam vivos. E ele estava de volta em casa, embora a casa

agora fosse bem diferente da que ele se lembrava. Mas não queria saber. Nunca mais ia sair de perto do pai e do irmão outra vez!

- A vovó Maria foi muito boazinha comigo. Ela me via pedindo esmolas e me tirou daquele lugar. Disse que a rua era um lugar muito perigoso para mim. Ela

disse que já cuidou de um monte de meninos pequenos que ela encontrara na rua e arranjara uma casa para eles. Ia arranjar uma para mim também mas eu só queria voltar

para casa. Mas a... A Lucinha disse que vocês tinham morrido queimados no fogo! - Tadeu tentava explicar com seu jeito de menino tímido de quatro anos!

- Ela mentiu para você, filhão!

Tadeu aquiesceu mas estava cismado com a presença de Evelyn naquela casa.

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- Quem é ela, pai?

- É a mulher do papai, filhão.

- Ela também vai me mandar embora como a Lucinha fazia?

- Não, filhão! Essa mamãe aí gosta de você. Foi ela que ajudou o papai a te encontrar.

Tadeu olhava desconfiado para Evelyn. Mas estava claro que se dariam bem em breve. Evelyn estava mesmo aprendendo a ser mãe. E bastava ver o amor por seu

filho nos olhos da mulher amada e o sorriso terno que ela sempre tinha para o pequeno.

- Diego... - Raíssa falou. - Dei o meu nome e o seu para ajudarmos Fernanda na distribuição dos brinquedos e das cestas básicas na véspera de natal na campnha

do padre Jacinto. Topa ir comigo?

Diego ficou um tanto aborrecido. Os jovens que estariam naquele lugar eram os mesmo que estudavam com ele e achavam que ele era pobre demais para merecer

sua amizade.

- Acho que eu não gostaria de ir até lá...

- Bem... Eu disse que só iria se o meu irmão também fosse. E a Fernanda não tem as frescuras do pessoal do AMOVIVER! Ela é diferente. Tanto que os alunos

mais metidinhos do colégio nem vão comparecer. Os que estarão por lá são aqueles que consideram você e seu pai heróis por que enfrentaram o Tony e a Lucinha! Eles

até querem fazer amizade contigo mas como você é idêntico ao seu pai e está sempre com essa cara fechada... Eles morrem de medo de chegar perto!

- Sério? - Era um Diego incrédulo e mais sorridente que falava agora. - Se é assim, eu vou. É verdade que disse que somos irmãos?

- Ué! E não somos? Moramos na mesma casa e minha mãe é agora a sua mãe e mãe de Tadeu e o seu pai agora é o meu pai. Assim, somos uma família, né? E eu sempre

quis ter uma família!

Pedro se emocionara ao ouvir Raíssa tratar seu filho daquele jeito depois de ter visto, por várias vezes, a menina tratar o rapaz como se ele fosse um indigente.

E agora até o considerava como pai! Era um milagre de natal?

- Vão ajudar a Fernanda? E dona Josepha e as outras mulheres do AMOVIVER? O grupo mudou de líder? - Pedro, ainda emocionado, acabou por perguntar. - Todos

os anos é a velha fofoqueira que organiza, junto com aquele bando que sempre a acompanha, a festa de natal!

- Esse ano, não. - Evelyn se apressou em responder. - Eu, Letícia, Lila Rose e as demais meninas estamos cansadas das fofocas daquelas faladeiras maldosas.

Se ao menos elas fofocassem sem ofender e humilhar as pessoas... Assim, como retaliação, iremos auxiliar Fernanda em seu novo projeto. Ela agora, já que resolvemos

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dar-lhe uma mãozinha, vai trabalhar aqui em Vila Verde. Ela é paralítica e está ficando bastante difícil para ela ir todos os dias trabalhar em São José dos Campos.´E

Vila Verde precisa de uma pessoa como ela por aqui. Por isso é para ela que daremos nossos donativos esse ano. Até Ivana, uma das fofoqueiras que acompanhava dona

Josepha já se passou para o nosso lado!

- Mas e as pessoas carentes que o AMOVIVER sempre auxiliaram? Essas crianças vão ficar sem seus presentinhos de papai Noel?

- É claro que não! Nossa retaliação é contra o bando de fofoqueiras e não contra as pessoas carentes. Já providenciamos um saco enorme de brinquedos e um

caminhão cheio de cestas básicas!

O natal chegara e se fora e Pedro Rocha tinha agora a mente cheia de planos.

- Já pensei até em criar jumentos e mulas! - Pedro explicava para uma Raíssa compenetrada, totalmente diferente da garota briguenta que ele conhecera. Realmente

ela o respeitava como se ele fosse o seu pai.

O novo ano chegara e Pedro, preocupado demais com o bem estar de sua nova família, resolveu aceitar o dinheiro que Henrique insistia que lhe pertencia.

Seu ex patrão lhe mostrara uma quantidade imensa de recibos e documentos, que Pedro, ainda muito desconfiado, fez questão de verificar um por um. Não ia aceitar

esmolas de ninguém por mais alto que fosse o valor dessa esmola. Gostava de se fazer por si mesmo e se as coisas não dessem certo da primeira vez, tinha prazer em

tentar quantas vezes fosse preciso. De fome, nem ele nem a sua família morreria. E as coisas já estavam bastante bem em seu sítio. Acreditava mesmo que dera a volta

por cima! No entanto, tivera que dar sua mão à palmatória. Tudo estava registrado. Tudo muito correto e acabou por aceitar que aquele dinheiro realmente lhe pertencia.

Henrique Cassilhas era um homem honesto e de palavra!

E o que Pedro Rocha fez em seguida? Pediu que seu amigo e cumpadre Luís Paulo, que se tornara advogado, o representasse, já que agora tinha algum dinheiro

e precisava estar resguardado. Então, pediu ao amigo que entrasse em contato com os advogados dos herdeiros da fazenda que ficava ao lado de seu sítio e quase caiu

duro ao saber que os atuais donos estavam pedindo um preço muito baixo por aquela propriedade. Menos até do que ele pediria pelo seu sítio que tinha menos da metade

do tamanho da fazenda com a qual ele sonhara um dia poder comprar. Logo então, ela seria sua! E logo ele seria, como tinha certeza em seu interior, um fazendeiro

muito bem sucedido. Não tão rico quanto os Sivelie, os Cassilhas e os Mattos, mas não estaria mal de vida. E poderia dar a sua mulher e aos seus filhos, uma vida

mais confortável.

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Diego, seu filho mais velho, bem que merecia um pouco de descanso. Mas Pedro não o deixaria viver como um filhinho de papai. Sabia que a responsabilidade,

as regras a serem seguidas, ajudavam a formar o caráter de um homem. E todo homem precisava sentir-se útil e necessário, além de amado.

-´Sério? E quem compraria mulas e jumentos? - Raíssa perguntou interessada.

- Muita gente. Há um excelente mercado para quem se dedica a esse ramo.

- Nunca pensei que alguém se interessasse em comprar um jumento!

- Mas o senhor quer mesmo criar jumentos e mulas? - Diego também estava curioso.

Pedro puxou o ar dos pulmões.

- Até em pôneis eu pensei já que posso agora pensar em diversificar. Poderia tentar algo que não tem por aqui! - Falou com um meio sorriso um tanto travesso.

- Pôneis? - Raíssa, Diego, Tadeu e Evelyn falaram ao mesmo tempo.

- Sim. Não precisa de muito espaço. E só aqui no sítio já teria espaço mais que suficiente!

- Isso significa que o senhor desistiu do gado leiteiro? - Diego ainda parecia confuso.

- Pensei muito. Pensei na maioria das raças que são criadas aqui no Brasil.

- Comprei um rebanho! - Disse orgulhoso mal entrara em casa. Estavam morando numa parte da fazenda que Pedro comprara e a casa velha ficara para Crispim,

que agora era um dos três empregados que Pedro contratara. Mas ocupavam um pequeno espaço da casa nova pois o lugar estava em reforma. Todavia, naquele mês de fevereiro,

Evelyn havia dado um tempo em seu trabalho embora adorasse reformar e comprar as coisas para seu novo lar. Tinha acompanhado Pedro em sua viagem em busca de mais

novilhas para o seu rebanho.

- Até que enfim! - Raíssa disse sorrindo. - Ficamos aqui esperando que você e mamãe retornasse dessa lua de mel misturada com a compra de um rebanho novo

e já estava ficando curiosa.

- Que raça acabou escolhendo, pai? - Diego parecia ansioso. - Vai continuar com o gado Gir leiteiro? Ou pensa em mundar para outras raças?

- Comprei um rebanho de cabras e ovelhas.

Até Tadeu com seus quatro aninhos olhou estupefato para o pai.

- Ovelhas? Cabras? - Diego falou junto com Raíssa.

- Sim... Comprei um rebanho completo para iniciarmos na caprinoovinocultura.

- Capri o que?

- Caprinovinocultura.

- Humm... - Resmungou Diego. - E o que isso quer dizer?

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- que vamos criar cabras e ovelhas. Nessa semana fiz um curso intensivo sobre o assunto. Havia um fazendeiro querendo se desfazer de seu rebanho.

- Não acha que se ele queria se desfazer de seu rebanho era por que algo podia ter dado errado com ele? - Diego ainda não estava convencido de que o pai

agira certo. Afinal, o pai estava "meio" em lua de mel. Talvez não estivesse pensando muito bem.

- Sim... Ele não gostava do que fazia. Por isso me vendeu tudo, praticamente pela metade do preço. Mas antes de fechar negócio, fui procurar me inteirar

do assunto. Pesquisei bastante, conversei com muitos criadores e resolvi que nos dedicaríamos a esse ramo.

Olhou para Evelyn, agora sua esposa e lhe estendeu a mão.

- Vai desistir do gado leiteiro então?

- É claro que não! Temos algumas novilhas e esse é um negócio que tem dado certo até agora. Não vou mudar tão radicalmente. Agora, as nossas terras tem quatro

vezes o tamanho que tinha antes. Dá para criar nossas novilhas, as cabras e as ovelhas. Temos bom pasto, temos o touro Terêncio, temos bastante água e temos braços

fortes e boa vontade para o trabalho. De que mais precisamos, filho? Não fique tão taciturno! Confie em seu pai. Tudo vai dar certo!

Diego sabia disso. Assim, abraçou seu pai que ainda segurava uma das mãos de sua esposa.

Evelyn olhou enternecida para os dois gigantes. Tal pai, tal filho!

- É claro que confio, papai! E quando as ovelhas e cabras vão chegar?

- Quinta-feira. Mas é melhor irmos ajeitando tudo por aqui para recebê-las.

- Nunca mais falou sobre o SPA que queria construir aqui em Vila Verde. Desistiu dessa ideia? - Pedro perguntara naquela noite a sua esposa.

- É claro que não! Mas agora quero apenas me dedicar a reforma de nossa casa. Quero ter tempo para escolher cada objeto de nosso lar, meu amor. Mais tarde

eu vou pensar no SPA. Agora só quero pensar no meu cafofo!

- E está agastando todo o seu dinheiro nisso, né? Sabe que não me sinto muito à vontade sabendo que tomou para si qa responsabilidade da reforma da casa,

da compra dos móveis...

- Você comprou a casa, certo? Agora, como ela vai funcionar, é comigo. quero que ela seja do jeitinho que eu sonhei. Vai ficar legal, você vai ver! E não

quero que meu marido dê pitaco nas minhas compras!

- Mas...

- Amor... A casa é nossa! Minha e sua! Somos casados agora! E não estou dando dinheiro a você! Estou gastando dinheiro com a nossa casa e comprando as coisas

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que gosto para que essa casa fique com um toque de Evelyn!

- E para isso vai usar o seu dinheiro, né?

- Nada mais justo. A casa também é minha, não? Ou você pretende me abandonar qualquer dia desses?

- Claro que não, minha loura cheirosa! Não sou louco para fazer tal coisa! Eu te amo, linda!

- Também te amo, querido! Mas quero que esqueça a reforma da casa e o meu dinheiro. Somos parceiros! E deixe de ser tão cabeça dura!

- Minha loura! Sou Pedro. Pedro Rocha! Tenho a cabeça dura como pedra! E sou duas vezes mais duro! Duro como pedra e duro como a rocha! Lembra disso?

- É claro que me lembro, amor!

FIM

Livro escrito por Clarice Mascena

Se você conseguiu ler até aqui, diga se gostou ou não da minha historinha. Se já leu alguns de meus outros livros, por favor, dê sua opinião sincera sobre as coisas

que escrevo!

Obrigada!!!