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SHE - A CHAVE DO ENTENDIMENTO DA PSICOLOGIA FEMININA ROBERT A. JOHNSON EDITORA MERCURYO, S.P. 1996 INTRODUÇÃO O mito grego de Eros e Psiquê é um dos melhores que encontramos para explicar a psicologia feminina. Pré-cristão, esse mito foi registrado n a era clássica grega, mas antes disso já existia na tradição oral. E ainda hoje é relevante para nós. Que devesse ser assim, não é estranho, uma vez que a biologia humana parece ser a mesma dos idos tempos gregos. Igualmente, a dinâmica do inconsciente ps icológico da personalidade humana é semelhante. As necessidades básicas do ser humano - tanto fisiológicas quanto psíquicas - têm-se mantido estáveis, variando apenas a maneira de serem satisfeitas, através dos tempos. Por essa razão é que quando queremos estudar os padrões humanos básicos - de comportamento e de personalidade - é bom voltarmos às fontes primeiras, onde sua representação é tão direta e simples que não há como não aprender com elas. Aí, ao compreendermos a estrutura básica, começamos a ver as variações peculiares à nossa época. O PAPEL DESEMPENHADO PELO MITO Os mitos são ricas fontes de insights psicológicos. A produção literária e artística de alto nível registra e retrata a condição humana com uma precisão indelével. Os mitos, porém, constituem um gênero muito especial de literatura. Não são escritos ou criados por um único indivíduo, porque na realidade são produtos da imaginação e experiências de toda uma era, de toda uma cultura. Parece que eles se desenvolvem gradativamente quando certos motivos emergem; à medida que as pessoas contam e recontam algumas histórias que despertam e prendem sua atenção, os mitos vão-se aperfeiçoando até chegar à sua lapidação total. Deste modo, temas que são exatos e universais mantêm -se vivos, enquanto aqueles que dizem respeito a alguns poucos indivíduos, ou a alguma época em particular, desaparecem. Mitos, portanto, retratam imagens coletivas, mostram coisas que são verdadeiras para todos. Isso desmente a definição racionalizadora, que diz ser o mito mentiroso e imaginário: "Como? Ah, isso é só um mito, não tem nada de verdadeiro!" , é o que ouvimos com freqüência. Os detalhes da história mítica podem ser inverídicos ou até fantásticos, mas na realidade um mito é profunda e. universalmente verdadeiro. Um mito pode ser uma fantasia ou ainda produto de imaginação; não obstante, é verdadeiro e real. Descreve níveis de realidade que incluem o mundo racional exterior, assim como o pouco compreensível mundo interior. Essa compreensão a respeito da limitada definição da realidade pode ser perfeitamente ilustrada através do pensamento de uma criança de tenra idade logo após um pesadelo. Para confortá-Ia, os pais até poderão dizer-lhe: "Foi só um sonho, o monstro não era real!" Mas a criança não se convence, e tem toda a razão. Para ela aquilo é tão real e tão vivo quanto qualquer outra experiência. O monstro do sonho estava em sua cabeça e não em seu quarto; mesmo assim, era uma realidade aterrorizante" com poder sobre as suas reações físicas e emocionais. Essa realidade interior não pode nem deve ser negada. Os mitos foram alvo de estudos minuciosos de muitos psicólogos, como Jung, por exemplo, que, ao estudar as bases estruturais da personalidade humana, soube dar -Ihes atenção particular e neles encontrar a expressão de padrões psicológicos básicos. Espero poder fazer o mesmo com o nosso estudo sobre Eros e Psiquê. Precisaremos, em primeiro lugar, pensar mitologicamente - um processo delicioso e vibrante. Sentimentos muito fortes afloram quando alcançamos o p ensamento psicológico que

Robert a. Johnson - She - A Chave Do Entendimento Da Psicologia Feminina

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PEnsamento psicológico feminio

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  • SHE - A CHAVE DO ENTENDIMENTO DA PSICOLOGIA FEMININAROBERT A. JOHNSON

    EDITORA MERCURYO, S.P. 1996

    INTRODUO

    O mito grego de Eros e Psiqu um dos melhores que encontramos para explicar apsicologia feminina. Pr-cristo, esse mito foi registrado na era clssica grega, mas antes dissoj existia na tradio oral. E ainda hoje relevante para ns.

    Que devesse ser assim, no estranho, uma vez que a biologia humana parece ser amesma dos idos tempos gregos. Igualmente, a dinmica do inconsciente ps icolgico dapersonalidade humana semelhante. As necessidades bsicas do ser humano - tantofisiolgicas quanto psquicas - tm-se mantido estveis, variando apenas a maneira de seremsatisfeitas, atravs dos tempos.

    Por essa razo que quando queremos estudar os padres humanos bsicos - decomportamento e de personalidade - bom voltarmos s fontes primeiras, onde suarepresentao to direta e simples que no h como no aprender com elas. A, aocompreendermos a estrutura bsica, comeamos a ver as variaes peculiares nossa poca.

    O PAPEL DESEMPENHADO PELO MITO

    Os mitos so ricas fontes de insights psicolgicos. A produo literria e artstica de altonvel registra e retrata a condio humana com uma preciso indelvel. Os mitos, porm,constituem um gnero muito especial de literatura. No so escritos ou criados por um nicoindivduo, porque na realidade so produtos da imaginao e experincias de toda uma era, detoda uma cultura.

    Parece que eles se desenvolvem gradativamente quando certos motivos emergem; medida que as pessoas contam e recontam algumas histrias que despertam e prendem suaateno, os mitos vo-se aperfeioando at chegar sua lapidao total. Deste modo, temasque so exatos e universais mantm -se vivos, enquanto aqueles que dizem respeito a algunspoucos indivduos, ou a alguma poca em particular, desaparecem. Mitos, portanto, retratamimagens coletivas, mostram coisas que so verdadeiras para todos.

    Isso desmente a definio racionalizadora, que diz ser o mito mentiroso e imaginrio:"Como? Ah, isso s um mito, no tem nada de verdadeiro!" , o que ouvimos comfreqncia. Os detalhes da histria mtica podem ser inverdicos ou at fantsticos, mas narealidade um mito profunda e. universalmente verdadeiro.

    Um mito pode ser uma fantasia ou ainda produto de imaginao; no obstante, verdadeiro e real. Descreve nveis de realidade que incluem o mundo racional exterior, assimcomo o pouco compreensvel mundo interior.

    Essa compreenso a respeito da limitada definio da realidade pode ser perfeitamenteilustrada atravs do pensamento de uma criana de tenra idade logo aps um pesadelo. Paraconfort-Ia, os pais at podero dizer -lhe: "Foi s um sonho, o monstro no era real!" Mas acriana no se convence, e tem toda a razo. Para ela aquilo to real e to vivo quantoqualquer outra experincia. O monstro do sonho estava em sua cabea e no em seu quarto;mesmo assim, era uma realidade aterrorizante" com poder sobre as suas reaes fsicas eemocionais. Essa realidade interior no pode nem deve ser negada.Os mitos foram alvo de estudos minuciosos de muitos psiclogos, como Jung, por exemplo,que, ao estudar as bases estruturais da personalidade humana, soube dar -Ihes atenoparticular e neles encontrar a expresso de padres psicolgicos bsicos. Espero poder fazer omesmo com o nosso estudo sobre Eros e Psiqu.

    Precisaremos, em primeiro lugar, pensar mitologicamente - um processo delicioso evibrante. Sentimentos muito fortes afloram quando alcanamos o p ensamento psicolgico que

  • os mitos, os contos de fadas e os nossos prprios sonhos nos trazem. No entanto, os termos eos cenrios dos velhos mitos podem, primeira vista, parecer -nos estranhos, por seremarcaicos ou distanciados de ns. Mas, se prestarmo s bastante ateno e os tomarmosseriamente, comearemos por ouvi -Ios e entender-lhes o significado. Faz-se necessrio,algumas vezes, traduzir um smbolo, o que no difcil uma vez que se veja como isso feito.

    Muitos psiclogos interpretaram Eros e P siqu como sendo uma demonstrao dapersonalidade feminina. Talvez mais sbio fosse, desde o incio do estudo, dizer que estamosfalando da feminilidade onde quer que ela se encontre: seja no homem, seja na mulher.Jung, em um de seus mais profundos insights, mostrou que, como geneticamente todos oshomens tm cromossomos e hormnios recessivos femininos, eles apresentam um conjunto decaractersticas psicolgicas femininas - elementos que neles so minoritrios. Da mesmaforma, as mulheres tm um componen te masculino minoritrio em seu interior. Jung chamou deanima a faceta feminina do homem e de animus, a masculina da mulher.

    Muito tem sido escrito a respeito da anima e do animus, e teremos mais a dizer sobreesses dois aspectos, mais adiante. Nesse pon to, toda vez que nos referimos aos aspectosfemininos do mito Eros e Psiqu, estamos falando no somente da mulher, mas tambm daanima do homem, ou seja, sua face feminina. Pode ser mais bvio associ -Ia mulher, j quea feminilidade sua principal caracterstica psicolgica, mas existe tambm um paralelo com oaspecto interior feminino existente no homem, a anima.

    I - O NASCIMENTO DE PSIQU

    Nossa histria comea com uma frase: Era uma vez um reino... (E sempre existe umreino que o comeo de todas as coisas.) Por a j sabemos que vamos encontrar um insightdesse reino, que nosso prprio mundo interior. Se voc prestar ateno velha linguagem doconto, poder enxergar esse reino que est l dentro de ns e que raramente explorado pelamente racionalista de nossos dias. Uma verdadeira mina de ouro, no sentido de informao einsight, depreendida destas poucas palavras: Era uma vez um reino...

    INCIO DA HISTRIA

    Nesse reino h um rei, uma rainha e suas trs filhas. As duas primeiras so princesascomuns, sem qualquer expresso.

    A filha mais nova, que se chama Psiqu, que significa Alma, a personificao domundo interior. ela quem nos levar a uma jornada pelo reino interior, ela a que expressa,ao mesmo tempo, o reino mtico e o r eino terreno.

    Voc se d conta dessas trs personagens dentro de voc? Quem no tem conscinciada parte comum dentro de si mesmo, e da parte especial, no terrena, que pouco sabe lidarcom o cotidiano?

    Ela, a nossa princesa, uma pessoa extraordinria: bonita, charmosa, porte de deusa;sua forma de falar e o todo de sua personalidade merecem o culto de adorao que se formouao seu redor. O que levava as pessoas a assim se referirem a ela: "Eis a a nova Afrodite, eis anova deusa que tomar o lugar da antiga no templo, e a suplantar". E Afrodite teve desuportar o insulto de ver as cinzas do fogo sagrado de seu templo esfriarem e, ainda, assistir aum arremedo de mulher tomar seu lugar!

    Afinal, Afrodite havia sido a divindade reinante da feminilidade desde os primrdios,sem que ningum jamais pudesse definir a poca exata do incio de seu reinado. Portanto,presenciar a escalada de uma nova deusa da fertilidade era -lhe totalmente insuportvel! Raivae cimes apocalpticos marcaram, nesse momento, um n ovo rumo em nossa histria: mexercom a fria de divindades, ou exigir delas uma mudana, convulsionar as fundaes denosso mundo interior.

  • OS ELEMENTOS MTICOS

    As origens das duas deusas, Afrodite e Psiqu, so bem interessantes. Brandindo umapequena foice, Cronos, o filho caula de Urano - o deus dos cus -, cortou os genitais de seupai e arremessou-os ao mar, assim fertilizando as guas e permitindo o nascimento de Afrodite.Esse momento foi imortalizado por Botticelli, na sua magnfica obra O Nascimento de Vnus:1na plena majestade de sua feminilidade, Afrodite aparece em p em uma concha, emergindodas ondas.

    A est a origem divina do princpio feminino em sua forma arquetpica, um grandecontraste com o nascimento de Psiqu, concebida - diz-se - quando uma gota de orvalho docu caiu sobre a terra. Que linguagem mais curiosa! Rica, porm, em insight psicolgico, paraquem consiga ouvir sua mensagem arcaica e perene.

    A diferena entre esses dois nascimentos, se entendida de forma justa, rev ela adiversidade de natureza desses dois princpios femininos. Afrodite a que nasceu do mar:primeva, ocenica, em todo o seu poder feminino. Ela desde o incio do tempo, faz parte deum estado de evoluo pr-consciente; sente-se vontade no fundo do mar e l mesmomantm sua corte.

    Em termos psicolgicos, ela reina no inconsciente, simbolizado pelas guas do mar.Por isso raramente acessvel em termos conscientes, comuns; como se nosconfrontssemos com um vagalho. Tambm difcil atingir a natureza de Afrodite, enquantofeminilidade primitiva, ou com ela conviver. Pode -se admir-Ia, ador-Ia, ou ser esmagado porsua feminilidade arquetpica, pois muito difcil relacionar -se com ela. E esta ser a tarefa dePsiqu, dada a vantagem que leva por ser humana: integrar e suavizar essa feminilidadeocenica arquetpica. Eis a o propsito de nosso mito.

    Toda mulher tem dentro de si uma Afrodite, reconhecida pela sua irresistvelfeminilidade, pela sua intensa, impessoal, inatingvel majestade. Su as principais caractersticasso a vaidade, a luxria, a fertilidade e a tirania, quando contrariada.

    Mas as histrias a respeito de Afrodite e sua corte so maravilhosas. Uma aia semprecarrega um espelho diante da deusa, para que ela possa estar consta ntemente mirando-senele, e algum est a borrifar -lhe perfume a toda hora. Ciumenta, no tolera nenhum tipo decompetio, e continuamente est arranjando casamentos para quem quer que seja. No sesatisfaz nunca a no ser que todos estejam muito ocupados , servindo sua fertilidade.

    Afrodite o princpio que est constantemente espelhando para o nosso inconscientecada experincia vivida. Enquanto o homem se ocupa em expandir, encontrar e explorar tudoaquilo que novo, Afrodite est refletindo, espelhan do e assimilando. Esse espelho simbolizauma das qualidades mais marcantes da deusa do amor: sempre colocando um espelho disposio do self, que, sem o auxlio desse espelho, poderia ficar preso na projeo. Aobuscar a resposta, porm, para aquilo que e st sendo espelhado, poder ter incio o processoque leva ao entendimento, no permitindo que se fique aprisionado num emaranhadoemocional sem soluo. O que no quer dizer que no haja influncia de fatores externos. Mas importante perceber e entender que muitas coisas de nossa natureza interior, mascaradascomo sendo fatos externos, deveriam refletir esses fatos de volta ao mundo subjetivo, de ondese originaram.

    Afrodite oferece esse espelho com mais freqncia do que gostaramos de admitir. Acada vez que algum se apaixona e v as caractersticas do deus ou da deusa na pessoaamada, Afrodite refletindo em seu espelho nossa imortalidade ou qualidades divinas.Relutamos em ver nossas virtudes, tanto quanto nossos erros, e um longo perodo desofrimento geralmente interpe-se entre o ver no espelho e a realizao do que quer que seja.Psiqu leva um longo tempo entre apaixonar -se por Eros e descobrir sua prpria imortalidade. 2

    Esta Afrodite a grande deusa-me, como vista pelos olhos de sua futur a nora.Quando uma mulher intermedia a beleza e a graa para o mundo, a energia de Vnus - ouAfrodite - em ao. Mas quando confrontada com a nora, a deusa se torna ciumenta,competitiva, determinada a criar obstculos o tempo todo para Psiqu.

    1 Nome romano de Afrodite. (N. A.)2 Devo a Betty Smith esse insight (N. A.)

  • Esse drama envolvendo sogra e nora levado em todas as culturas, e representa umadas irritaes psquicas que mais contribuem para o crescimento de uma jovem. Conseguirlidar com o universo de sua sogra significa para ela atingir a maturidade. Deixar de ser a quelagota de orvalho, chegada de forma to ingnua a este mundo e ao casamento.

    bem embaraoso para uma mulher moderna, razoavelmente inteligente, descobrirsua natureza-Afrodite, com seus truques e instintos primitivos. Essa deusa freqentementemostra seu lado tirnico e cr que sua palavra lei.

    natural que, quando uma nova forma de feminilidade aparece num grau evolutivo,essa velha deusa sinta-se irada. Ela est alm de qualquer moralidade, pois existia antes dotempo da moralidade. Usar, port anto, todos os meios de que dispe para subjugar aoponente. E as mulheres sabem muito bem disso, pois quando acontecem as sbitasregresses sua natureza-Afrodite elas se tornam figuras aterrorizantes, enquanto presasdela. raro encontrar um lar em qu e a mulher, quando se deixa levar por suas sbitaserupes, reconhea-se nesse momento como Afrodite e saiba dar o uso real para essaenergia sublime que se desprende dessas exploses.

    A energia-Afrodite uma fora de grande valor, que se pe a servio dodesenvolvimento pessoal quando domina seu poder aterrador, fazendo com que todos suavolta cresam. Quando chega o tempo de crescimento, as velhas formas e os velhos hbitosdevem dar as boas-vindas aos novos. As velhas formas de agir parecem persegui r, em cadaponto, as novas que desabrocham. Mas uma questo de se perseverar, pois esse caminhotrar luz uma nova conscincia.

    H uma histria sobre o primeiro elefantinho nascido em cativeiro. O tratador ficoudeslumbrado, mas logo a seguir apavorou -se, quando os outros animais juntaram -se numcrculo e comearam a lanar o recm -nascido para o ar, atirando-o de um para outro. Numprimeiro momento, ele pensou que o estivessem tentando matar, mas depois verificou que ointuito era faz-Io respirar.

    No processo de um novo crescimento, fatos terrveis parecem acontecer; mas, seobservarmos com ateno, veremos que eram absolutamente necessrios. Afrodite, que impiedosamente criticada a cada passo, faz tudo para tornar possvel a evoluo de Psiqu. muito fcil ser otimista depois de ocorrido o fato, mas infernalmente doloroso o seu processo.Enquanto se processa essa evoluo, instala -se um estado verdadeiramente catico, deguerra, dentro do ser. A velha maneira, a natureza -Afrodite regressiva. Leva a mulher devolta ao inconsciente, mas ao mesmo tempo fora -a nova vida - s vezes com grande risco.Talvez a evoluo possa ser alcanada de outra forma; pode ser que Afrodite seja, por vezes,o nico elemento capaz de promover o crescimento. Exist em mulheres, por exemplo, que noconseguiriam evoluir a no ser sob a tirania ou de uma sogra ou de uma madrasta.

    A COLISO

    Muitos dos conflitos de uma mulher moderna resumem -se na coliso entre suas duasnaturezas intrnsecas - Afrodite e Psiqu. Isso ajuda-a a adquirir uma estrutura para entender oprocesso; se ela for capaz de vislumbrar o que lhe est ocorrendo, estar a caminho de umanova conscincia. Reconhecer Afrodite pode ser -lhe de grande valia. Quando o homemreconhece Afrodite na mulher e sabe o que deve ou no fazer, ele estar numa posioprivilegiada.

    II - A MOCIDADE DE PSIQU

    Agora que j conhecemos algo sobre a natureza de Afrodite - o mais antigo e primitivonvel de feminilidade -, passaremos a observar a nova expresso do femi nino. Diferente deAfrodite, que surgiu do mar, Psiqu nasceu de uma gota de orvalho que, vinda do cu, caiusobre a terra. Essa mudana do oceano de Afrodite para a terra de Psiqu a progresso daprimeva feminilidade ocenica para uma nova forma, mais humana. Em vez de turbilhesocenicos, temos as controlveis guas de uma gota de orvalho.

  • A natureza de Psiqu to magnificente, to fora deste mundo, to original e pura, que adorada, mas no cortejada. Eis a uma experincia brutalmente solitria, pois a pobrePsiqu no encontra marido.

    Nesse sentido, existe uma Psiqu em toda mulher, o que significa ser muito s. Por umlado, toda mulher filha de rei: muito adorvel, muito perfeita, com uma riqueza interior muitogrande para um mundo to vulga r. Quando uma mulher se v solitria e incompreendida,quando percebe que as pessoas so afveis para com ela mas mantm um certodistanciamento, acaba descobrindo o seu lado -Psiqu. E como di. As mulheres tornam -se porvezes agudamente conscientes desse dolorido estado de alma, sempre que consigam decifrar -lhe a origem, que nada mais que o surgimento de seu lado -Psiqu em sua prpriapersonalidade. Ficar presa neste aspecto do carter feminino significa permanecer intocvel eprivar-se de relacionamentos afetivos.

    Absurdos de toda sorte acontecem, quando as mulheres tentam acomodar sua parte -Psiqu dentro do dar-e-receber cotidiano que constitui esses relacionamentos afetivos. Se suaparte-Psiqu abranger uma posio considervel de sua personalidade, essa mulher ter umapenosa tarefa nas mos. Cair em pranto bradando: "Ningum me entende". E verdade! Asmulheres tm dentro de si essa caracterstica, e no faz diferena nem sua condio socialnem sua idade. Se a mulher souber dessa caracterstica e puder atingi-Ia, ento o manancialda beleza e da divindade de Psiqu tornar -se-o conscientes para ela, e uma evoluo, cheiade nobreza, ter incio.

    Se a mulher for muito bonita, o problema ser mais complexo. Marilyn Monroe umbom exempIo. Foi excessivamente idolatrada, e mesmo assim nunca conseguiu manter umrelacionamento bem-sucedido e duradouro. Por fim, no pde mais suportar. Pessoas assimparecem ser as portadoras dessa condio de deusa, uma perfeio quase inatingvel por noter lugar no mbito humano do relacionamento comum. possvel pr em movimento aevoluo necessria a Psiqu, se bem entendida a sua dinmica.

    Certa vez assisti a um filme em que dois pacientes de um manicmio, terrivelmentedesfigurados, apaixonaram-se. Atravs da magia da fantasia, viam-se como seres infinitamentebelos, e o amor entre eles floresceu. Ao trmino do filme, a cmara, focalizando suas faces, foiaos poucos desfocando as imagens at reaparecerem aqueles rostos deformados. Mas aplatia sabia onde ambos haviam estado: viram o deus e a deusa que habita cada alma, o que mais poderoso do que a realidade exterior da desfigurao. Esse episdio mostra a fraturaexistente entre o divino interior e o cotidiano exterior, que o cerne de nossa histria.

    O CASAMENTO

    Psiqu a preocupao de seus pais, porque, enquanto as irms mais velhas estocasadas com reis de reinos vizinhos e vivem felizes, ningum aparece para pedir -lhe a mo. Oshomens s fazem ador-Ia. O rei ento vai consultar um orculo, que por "acaso" dominadopor Afrodite. Cheia de raiva e inveja de Psiqu, Afrodite faz com que a resposta seja umaterrvel profecia! A jovem ter de desposar a Morte, a mais horrenda e repulsiva das criaturas.A pobre moa ento levada ao alto de uma montanha , acorrentada a uma pedra e l deixadapara ser violada por essa criatura repugnante, a Morte.

    Os orculos, nas sociedades da Grcia antiga, eram inexorveis, tidos como verdadeabsoluta. Portanto, os pais de Psiqu no questionaram a profecia e promovera m um cortejonupcial maneira de funeral. Seguindo meticulosamente as instrues, acorrentaram a filha rocha no alto da montanha, onde se mesclaram rios de lgrimas, atavios de casamento etristeza de morte. O rei e a rainha apagam as tochas e Psiqu abandonada sua sorte naescurido.

    Que podemos extrair disso? Psiqu est prestes a casar -se. O marido vir, sem dvida,mas uma ocasio trgica, porque o esposo a prpria Morte. Na verdade, a donzelarealmente morre no dia de suas bodas: uma etapa de sua vida se extingue e ela morre paramuitos aspectos femininos que vivera at ento. Em certo sentido, o casamento representa umfuneral para ela.

    Muitas de nossas tradies matrimoniais so, na verdade, cerimnias funerrias,herdadas das culturas pr imitivas. Assim, o noivo, seu padrinho e alguns amigos raptavam a

  • noiva, e as damas de honra encarregavam -se de salvaguardar sua virgindade. A "batalha",ritualisticamente, levada a cabo, com a noiva chorando pela morte de uma etapa de sua vida,ou seja, a donzela est morrendo. As portas de uma nova vida abrem -se para ela, e asfestividades so para celebrar um novo poder que ela conquistar como noiva e comomatriarca.

    Na verdade, no reconhecemos suficientemente o aspecto da dualidade no casamento,somente tentamos faz-Io cor-de-rosa, alegre e feliz. Mas em algum momento deveramoslevar em considerao a parte que morre, deveramos honr -Ia, pois do contrrio as emoesvo aflorar mais cedo ou mais tarde, de uma forma inadequada. Algumas mulheres, p orexemplo, podero manifestar uma violenta repulsa com relao ao seu casamento, depois depassados alguns meses ou anos.

    Certa vez vi uma estampa que representava a festa de um casamento turco, em quegarotos de oito ou nove anos pulavam num p s, com o outro amarrado na coxa. Tal costumeera para lembrar aos convivas que a dor e a alegria estavam presentes, ao mesmo tempo.

    Na frica, a no ser que a noiva saia da noite de npcias coberta de hematomas eferidas, e tenha sido raptada, o casamento no nem vlido nem real. Se o elemento sacrifciodo matrimnio homenageado, a alegria da unio se torna possvel. Afrodite no gosta quedonzelas morram pelas mos dos homens, pois no de sua natureza ser submetida por umhomem. Por essa razo, a Afrodite , em uma mulher que se casa, chora ao deixar de serdonzela. Ela representa seu papel paradoxal: quer o matrimnio, mas ao mesmo temporessente-se da perda da virgindade. Esses anos to longnquos ainda jazem dentro de ns eso homenageados com propriedade nas cerimnias feitas com conscincia.

    Aqui, outra vez, observamos o paradoxo da evoluo: a prpria Afrodite quemcondena Psiqu morte, mas tambm ela a casamenteira que provoca o matrimnio ao qualela prpria se ope. ela tambm a que chora e range os dentes durante a cerimnia, pelasfuturas perdas da liberdade, individualidade e virgindade da noiva.

    O "empurro" para a evoluo, que o casamento traz, acompanhado por um "puxo"regressivo, causado pela nostalgia da independncia e da liber dade que a noiva gozava antesdele.

    Uma vez vi uma tira humorstica que conseguiu resumir com genialidade a foraarquetpica do casamento. Retratava os pensamentos dos pais dos noivos durante a cerimnia:o pai da noiva, furioso com o tipo que teve a aud cia de roubar-lhe a "princesinha" adorada; odo noivo, sentindo-se triunfante com a supremacia masculina da comunidade; a me da noiva,horrorizada com o bruto que estava levando sua criana para longe dela; a do noivo, tambmenfurecida, mas com a lambisgia que seduziu e arrancou-lhe o filhinho.

    Muitos dos arqutipos mais primitivos - aqueles padres de pensamento ecomportamento arraigados, incrustados no inconsciente da psique humana, ao longo demilhares de anos de evoluo - estavam retratados nessa caricatura. Se no os respeitarmos,no seu devido tempo eles voltaro e podero causar muitos problemas.

    III - EROS

    Para destruir Psiqu, como gostaria de faz -Io, Afrodite pede ajuda a seu filho, Eros, odeus do Amor. Eros, Amor e Cupido so os vrios nomes dados ao deus do amor. J queCupido foi reduzido s ilustraes de cartes do Dia dos Namorados e Amor foi despojado desua dignidade, vamos usar o nome de Eros para esse nobre deus.

    Eros leva a tiracolo a aljava com suas flechas e pe a perder todos do Olimpo; nem osdeuses escapam de seu poder, at mesmo Zeus, pois essas flechas podem levar a confusos mais altas hierarquias. No obstante, dominado pela me, que lhe ordena inflamar deamor o corao de Psiqu pelo monstro hediondo que viria reclam-Ia, para assim acabar devez com o desafio que a jovem representava para ela. Uma das caractersticas de Afrodite ser constantemente regressiva, querer as coisas exatamente como estavam antes. Ela querque a evoluo caminhe para trs; a pr pria voz da tradio e, ironicamente, exatamenteesta tendncia que impulsiona nossa histria para sua real evoluo.

  • Podemos analisar Eros sob vrios pontos de vista: como o homem exterior, o marido ouo homem em qualquer relacionamento, como o homem i nterior, ou seja, o animus da mulher, asua masculinidade interior. Ou tambm podemos v -Io como o princpio da unio e harmonia,que o clmax de nossa histria. Eros no apenas a sensualidade, bastando lembrar quesuas flechas tm por alvo o corao, no os genitais. No decorrer do mito, abordaremos essesaspectos de Eros.

    O CASAMENTO DA MORTE

    Eros obedece s ordens da me, mas ao bater os olhos em Psiqu, acidentalmenteespeta o dedo em uma de suas flechas. No mesmo instante apaixona -se perdidamente por elae decide torn-Ia sua esposa. Pede ao Vento Oeste, seu amigo, que a carregue, suavemente,montanha abaixo, at o Vale do Paraso. E Psiqu, que esperava a Morte e agora se v, aoinvs, no paraso da Terra, no faz qualquer pergunta a Eros, ineb riada que est com suainesperada boa sorte. Ao ver-se pousando numa sala de alabastro, com msica e servos, claro que ela no faz perguntas, pois j fora suficiente haver sido salva da morte. No quernem precisa de nenhuma explicao por ora.

    Apesar de belo, Eros vem a ser a morte para Psiqu. Todo marido a morte para a suaesposa, porque representa a destruio da donzela que ela ainda e a impele na direo damaturidade, como mulher. paradoxal, mas podemos sentir ao mesmo tempo gratido eressentimento em relao a quem nos fora a palmilhar nosso prprio caminho de crescimento.

    O orculo tinha razo, pois o homem a morte para a mulher, no sentido arquetpico.Ao perceber um olhar angustiado no rosto de sua mulher, hora de o marido ser suav e ecauteloso; talvez ela esteja acordando para o fato de estar morrendo um pouco como donzela.Ele facilitaria muito as coisas para ela sendo gentil e compreensivo.

    Raramente o homem entende que o casamento morte e ressurreio para a mulher. que o homem no tem o mesmo parmetro em sua vida, pois falta -lhe no casamento acaracterstica sacrificial que este tem para a mulher. Um dia, a esposa poder olhar seu maridocom pavor, ao dar-se conta de que est subjugada ao casamento, enquanto ele, no. E mu itomais subjugada se houver filhos; poder ressentir -se, mas deixar de passar por essesentimento talvez seja algo pior que a morte.

    Existem mulheres de cinqenta anos que nunca estiveram na montanha da Morte,apesar de j serem avs. Isso no significa que o frescor virginal esteja fora de alcance nessaidade. Por outro lado, existem garotinhas de dezesseis anos que passaram pela experincia damontanha, sobreviveram a ela e mostram no olhar uma desconcertante sabedoria.

    Essas coisas acontecem independentemente da idade. Conheci uma menina dedezesseis anos que teve um beb "fora de hora" e recolheu -se para t-lo em privacidade. Umavez nascido, deu-o em adoo, sem ao menos haver olhado para ele. Voltou como se nadativesse acontecido, ou seja, passou em branco pela experincia da montanha da Morte. Depoisde muitos anos, veio a casar-se, e se algum pudesse ser adjetivada de "virginal", esse algumera ela. Psicologicamente, no fora atingida, ainda que tivesse dado luz um filho.

    Eros extermina a ingenuidade e a inocncia pueril da mulher, o que pode dar -se emqualquer poca de sua vida, no exatamente por ocasio do matrimnio. Muitas garotaspassam por essa experincia muito cedo na vida, o que dodo; em contrapartida, outrasjamais chegam a experiment-Ia.

    A experincia do casamento diferente para o homem e para a mulher: ele vacrescentado algo sua estatura, seu mundo torna -se mais forte, escala um degrau, portanto,em estatura e posio. E geralmente no entende que est matando Psiqu den tro de suaesposa; no entanto, algo que ele deve mesmo fazer. Se ela se comporta de maneiraestranha, ou se acontece alguma coisa irremediavelmente errada, ou ainda se houver muitaslgrimas, dificilmente ele vai compreender que a experincia de ambos muito diferente. Amulher tambm consegue uma nova estatura em seu casamento, mas no antes de haverpassado pela experincia da montanha da Morte.

  • O JARDIM DO PARASO

    Psiqu v-se num paraso magnificente. Tem tudo que algum possa desejar. Seumarido-deus, Eros, vai ter com ela todas as noites, mas faz -lhe algumas restries: arranca-lhea promessa de que nunca vai olh -Io nem fazer perguntas sobre seus atos. Ela poderia terqualquer coisa que quisesse, viveria em seu paraso, desde que no o olhasse nem tentassesaber quem era ele. Psiqu concorda, sem discutir. Afinal, quer ser sua esposa e fazer tudoque ele desejar.

    Quase todos os homens querem exatamente isso da esposa. Se ela no fizer questoda conscincia e proceder em tudo ao jeito dele, re inar na casa uma paz perfeita. Ele quer, naverdade, manter o velho sistema patriarcal do casamento, em que o homem tem o poder dedeciso sobre todos os assuntos importantes, a mulher diz amm e a harmonia reina. A maioriados homens acalenta a esperana de que as coisas aconteam dessa forma, e, por algumtempo, realmente existe a possibilidade de que o casamento assim seja.

    So esses os ecos de uma estrutura patriarcal primitiva, quando a mulher erasubjugada pelo homem. Ainda existem alguns resqucios desse mundo patriarcal em nossoscostumes, como, por exemplo, a mulher carregar o sobrenome do marido. Eros insiste em queela no lhe faa perguntas nem o veja: so essas as condies do casamento patriarcal. ComoPsiqu concorda, vivem no paraso.

    Todo Eros imaturo um fazedor de parasos. tpico do adolescente arrebatar umajovem prometendo-lhe a felicidade para todo o sempre. Eis o Eros ao nvel secreto; ele querseu prprio paraso, mas no aceita nem a responsabilidade nem o relacionamento consci ente.H uma pitada disso tudo em todo homem. A necessidade de evoluo e crescimento - nomito, a maior parte do crescimento advm do elemento feminino, seja da anima ou da mulher -representa experincias terrveis para o homem. Ele simplesmente quer fic ar no paraso.

    Observe os enamorados enquanto esto construindo o paraso! Tanto a conversaquanto o vocabulrio pertencem a um outro mundo, ao mundo paradisaco. uma pr -estriado paraso que ser alcanado muito tempo depois, e com bastante trabalho. Ningum podecriticar tal pr-estria, mas um espectador j sabe, primeira vista, que o paraso no nemestvel nem duradouro. Todos os parasos so suspeitos; no funcionam muito bem. acriancice de Eros (o puer eternus) que necessita deles.

    H alguma coisa no inconsciente do homem que o leva a desejar um acordo com suamulher, para que ela no o questione. Freqentemente o desejo do marido, no casamento, que ela deva estar em casa, esperando -o, at que ele chegue, e de modo algum dever ser -lheum estorvo. Ele quer sentir -se livre para esquec-Io quando quiser focalizar sua ateno emqualquer outro assunto. grande o choque da mulher quando descobre tal postura no seuhomem. O casamento uma total entrega para a mulher, o que no acontece com o homem.Recordo-me de uma senhora que me contou haver chorado por dias quando descobriu que seucasamento era apenas um aspecto na vida de seu marido, enquanto para ela era o eventoprimordial de sua vida. Descobrira em seu marido a natureza de Eros -fazedor-de-parasos.

    PARASO PERDIDO

    Todo paraso tem sua queda, todos tm sua serpente que traz o oposto da paz e datranqilidade do Jardim do den.

    E logo a serpente tambm aparece no paraso de Psiqu, na forma de suas irms, queestiveram lamentando sua perda - se bem que l sem muita convico. Souberam que Psiquestava vivendo num jardim paradisaco e que tinha por marido um deus. A inveja delas noconhecia limites. Vo at o penhasco onde a jovem fora acorrentada e chamam por ela, queest l embaixo, no jardim, para saber como est passando e tambm para desejar -lhe seusmelhores votos.

    Psiqu, candidamente, conta tudo a Eros, que a adverte vrias vezes sobre o perigoque ela estava correndo. Diz-lhe que se ela desse ouvidos curiosidade de suas irms poderiaacontecer-lhe um verdadeiro desastre. Ou seja, Psiqu deveria continuar a manter -se submissae obediente. Tambm lhe diz que se continuasse sem fazer -lhe perguntas, a criana que traziano ventre seria um varo, um deus imortal. Se, porm, q uebrasse seus votos, nasceria uma

  • menina que no passaria nunca de uma mortal comum. E, para coroar, ele, Eros, aabandonaria. Psiqu ouve-o atentamente e resolve no perguntar -lhe nada.

    Mas suas irms voltam e finalmente a jovem consegue dele permisso p ara que asmoas a visitem. Ento elas so carregadas por uma rajada do Vento Oeste do penhasco ecolocadas ss e salvas no adorvel jardim. Ficam encantadas com tudo que vem e sotratadas com toda a deferncia. Claro que se remoem de inveja e cimes por tudo queacontece irm caula. Submetem -na a uma saraivada de perguntas e Psiqu, em suaingenuidade, retrata seu marido atravs de sua prpria fantasia, pois jamais havia posto osolhos nele. D pilhas de presentes finssimos s irms e as manda de vol ta para casa.

    Eros no se cansa de preveni -Ia, mas apesar de tudo as irms voltam. Desta vez,esquecida do que lhes havia dito antes a respeito do marido, conta -lhes outras fantasias. Umavez em casa, as duas discutem esses pontos controvertidos e tecem u m plano diablico. Numaterceira visita, dizem coitada que ela estava mesmo era casada com uma serpente, umacriatura asquerosa, que tinha planos para devor -Ia e ao recm-nascido.

    Mas, tambm, como eram to caridosas, haviam preparado um plano para sal var apobrezinha da irm desse tenebroso destino. Aconselham -na a tomar de uma lmpada,escond-Ia sob uma redoma e deix-Ia mo em sua cabeceira. Deveria tambm armar -se dafaca mais afiada que pudesse encontrar e coloc -Ia a seu lado, na cama. Assim, no meio danoite, quando seu marido estivesse dormindo pesadamente, ela o exporia lmpada para ver,pela primeira vez, aquela repugnante criatura e poder, ento, cortar -lhe a cabea. Psiqu caina trama delas e prepara-se para desmascarar to terrvel mar ido.

    Eros vai para a cama noite e adormece ao lado da jovem. Ela ento levanta -se, retiraa redoma, empunha a faca, debrua-se sobre o marido e olha-o pela primeira vez. Para suasurpresa e deslumbramento, mas cheia de sentimento de culpa, descobre o de us, o deus doamor, a mais bela criatura de todo o Olimpo! V -se presa do terror, tremendo dos ps cabea, e chega a pensar em matar -se pelo erro cometido. Desajeitada, derruba a faca e, noaf de peg-Ia, acidentalmente espeta o dedo em uma das flechas de Eros e apaixona-seperdidamente pelo marido, que acabara de ver pela primeira vez.

    Afasta a lmpada bruscamente e uma gota de leo quente cai no ombro direito de Eros,que acorda com a dor. D-se conta do que sucedera e, como dotado de asas, voa para bemlonge. A infeliz Psiqu agarra-se a ele e levada por tempo suficiente para sair do jardimparadisaco. Mas no agenta muito mais e cai em terra exaurida e desolada. Eros pousa pertodela, acusa-a de lhe haver desobedecido e quebrado a promessa feit a. E agora, como j haviasido avisada, a criana por nascer seria menina e, ainda por cima, mortal. Ela tambm seriapunida com seu afastamento. Ato contnuo, voa para longe, para sua me, Afrodite.

    O DRAMA MODERNO

    Eis um drama encenado e reencenado exausto em muitos casamentos. Que nosest dizendo essa linguagem arcaica, potica e mtica a respeito da mulher e seurelacionamento com o homem - tanto interior quanto exterior?

    As irms so aquelas vozes rabugentas, que resmungam sem parar, dentro de cadaum, executando a dupla tarefa de destruir o velho e trazer a conscincia do novo. Osmexericos so o cenrio ideal para as irms tecerem suas tramas destrutivas. Elas estosempre levando a cabo seu duplo dever: desafiar o velho mundo patriarcal e ob rigar todos a seconscientizarem, o que alis poder custar muito mais do que elas poderiam imaginar.Estamos sujeitos a pagar o preo que Prometeu pagou para obter a conscincia que tocorajosamente exigimos.

    As irms perguntadoras constituem um espetc ulo aterrador, pois, apesar de serem osarautos da conscincia, tambm representam um estgio de evoluo perigoso, porque se nelepermanecer a mulher tornar-se- destrutiva para o resto da vida. Destruir tudo aquilo que ohomem tentar construir. Mas ela tambm poder ficar acorrentada montanha da Morte portoda a vida, e a imagem que ter do homem ser distorcida, passando a v -lo sempre comoterrvel portador de catstrofes.

    A mulher est sujeita a passar pelas mais desnorteantes experincias no seurelacionamento com o parceiro. Ele tanto o deus quanto a morte no penhasco; aquele

  • desconhecido do paraso, mas tambm o empecilho quando ela exige conscincia. E,finalmente, o deus do amor que a espera, no pice do Olimpo, quando ela se torna umadeusa. Tudo isso simplesmente muito complicado para o homem. No toa que, quandochega em casa, d uma paradinha, antes de entrar, para decidir que papel vai ter dedesempenhar. Acrescente-se a tudo isso seus prprios envolvimentos com sua anima, eteremos uma histria bem complexa - mas tambm muito linda.

    As "irms" representam a demanda para um estgio evolutivo, que vem por uma fonteinesperada. Elas podem muito bem ser a sombra de Psiqu. Jung descreve os elementos -sombra de uma personalidade como aquilo que foi reprimido, ou, ainda, facetas no vividasdentro da potencialidade global de um indivduo. Seja por no receberem a devida ateno,seja por no serem devidamente trabalhados, esses elementos permanecem arcaicos outornam-se escuros e ameaadores. Essas potencialidades, que podem ser canalizadas para obem ou para o mal, apesar de reprimidas, ficam no inconsciente armazenando energia. Atque, finalmente, irrompem arbitrariamente em nossa vida consciente, da mesma forma que asirms de Psiqu surgiram em sua vida, num momento crtico.

    Se, conscientemente, s nos virmos como criaturas puras, adorveis e gentis, como ofez Psiqu, ento estaremos subestimando nosso lado escuro, que acabar por emergir eimpulsionar-nos para fora desse estado de auto-satisfao, desse paraso ingnuo, na direode novos descobrimentos sobre a nossa verdadeira natureza.

    Jung disse tambm que a necessidade de expandir a conscincia muitas vezes parteda sombra. Assim, as irms, essas facetas pouco agradveis e i mperfeitas de Psiqu, servem-lhe muito bem.3

    IV - A CONFRONTAO

    Eros faz o possvel para manter Psiqu na inconscincia; prometeu -lhe o paraso se elano o visse nem o questionasse. Foi esse o caminho que buscou para subjug -Ia.

    freqente a mulher viver algumas etapas de sua vida sob o jugo do homem em suavida exterior; mas tem de estar sempre alerta para evitar submeter -se ao homem interior, ouseja, o animus. A crnica da vida de uma mulher pode ser descrita em sua luta para evoluir emrelao ao princpio masculino de vida, seja encontrando -o fora de si mesma, na figura de umhomem, ou dentro de si, atravs do animus. O mesmo pluralismo existe na vida do homem,quando ele tenta conseguir um relacionamento inteligente com o princpio feminino de vida,quer o encontre numa mulher, quer na herica batalha com sua mulher interior, sua anima.Dentro ou fora, esse o grande drama da vida.

    Apesar de serem infinitas as variaes que constrem a individualidade da vida, ochegar-a-um-acordo com o elemento masculino tem um roteiro previsvel. Provavelmente, oprimeiro contato de uma jovem com a masculinidade foi -lhe proporcionado pelo pai. Depois,veio a masculinidade como devoradora, no seu casamento com a Morte, e, em seguida, pormeio de Eros, que lhe promete o paraso mas com a condio de no lhe fazer nenhumapergunta. Mais tarde, ver como ele realmente, ou seja, o deus do amor. Vivenciando essedrama, interior ou exteriormente, despendemos tanta energia consciente...

    Se tivermos oportunidade de examinar a autobiografia de uma mulher, vamos observarcaptulos eletrizantes: como ela se apaixonou, a descoberta e a perda do jardim paradisaco e,queira Deus, sua redescoberta - maravilhoso, exatamente como lhe fora prometido um dia -, nachegada de sua maturidade.

    O cu-na-terra, no perodo do namoro, que exatamente o jardim paradisaco, nosatrai. Ali Psiqu se v no mais adorvel e tranqilo dos parasos, onde at seus menoresdesejos so satisfeitos. O prprio Jardim do den, o lugar de perfei o. Desejamos de todo ocorao que dure para todo o sempre, mas todo jardim - como j vimos antes - tem a suaserpente, ou um elemento-sombra, que abruptamente acaba com a tranqilidade.

    3 C. S. Lewis trata esse aspecto do mito com genialidade - a identificao ingnua de Psiqu com sua prpriacapacidade de ser agradvel, e as reaes, no to agradveis, das irms - em seu livro Till we have faces. (N. A.)

  • AS FERRAMENTAS

    A sombra obriga a mulher a questionar o jardim para disaco e d-lhe algumasferramentas maravilhosas, mas ao mesmo tempo terrveis para usar em seu propsito: almpada e a faca, esta um smbolo masculino.

    A lmpada, de incio velada, significa sua habilidade para ver o que quer que seja,representa sua capacidade para conscientizar-se. A luz sempre foi o smbolo da conscincia,esteja ela nas mos do homem ou da mulher. A conscincia natural da mulher mpar e bela:a lmpada. Ela queima o petrleo ou o azeite e d uma luz particularmente clida e suave, semaquela forte intensidade da luz solar. o doce calor feminino, que se faz presente na naturezadessa luz. Lumina Naturae um de seus nomes.

    A faca bem afiada. Das duas ferramentas, Psiqu s faz uso da primeira, jamais dasegunda, e penso que esse um sbio conselho que nos d o mito. A mulher, ao trazer luz auma situao, produz verdadeiros milagres; se, por outro lado, empunhasse a faca, poderiamatar. Transformar ou matar? Eis uma escolha crtica, especialmente para a mulher moderna.

    Se a faca vier primeiro, provavelmente haver muito perigo, mas, se em seu lugar forusada a lmpada, haver a possibilidade de crescimento e manifestao de inteligncia. A facaserve s para o uso pessoal, para o discernimento, para a clareza, para abrir caminh o atravsdo nevoeiro. Para uso interno. Se ela puder lembrar -se de usar a lmpada em primeiro lugar,durante os perodos difceis do casamento, saber escolher entre usar ou no a faca. Se optarefetivamente pela lmpada, saber onde us -Ia. S que, na prtica, a faca vem primeiro e sdepois que ela toma a lmpada para ver o estrago que causou.

    A faca aquela capacidade destruidora que a mulher tem para afogar o homem comuma torrente de palavras. o comentrio custico que faz do homem um pedao de carne noespeto. essa tambm a forma como a anima do homem - seu lado feminino - age com ele,quando o relacionamento de amor deixa muito a desejar. cortante e sarcstica; vem de facana mo. A recomendao de usar a lmpada, e no a faca, aplica -se igualmente animamasculina e mulher.

    Se a mulher souber manejar bem suas ferramentas, produzir o milagre datransformao - nada menos que a anunciao de um deus, Eros em sua luz real. Ela vaipoder sentir-se perfeitamente bem por sua luz ter produzid o o milagre. Podemos verificar quequando um homem anseia por uma mulher - um anseio quase que silencioso -, pelanecessidade que sente de sua lmpada para mostrar a si prprio - e a ela tambm - sua realnatureza e sua divindade. Toda mulher detm nas m os esse maravilhoso-terrvel poder.

    Mas que a lmpada e que mostra ela? Na pior das hipteses, ele fica sabendo quem e que tambm tem um deus dentro de si. Um ser magnfico, em algum lugar dentro delemesmo. E quando a mulher acende a lmpada e v o deus nele, ele se v obrigado a manter -se altura dessa condio recm -descoberta, precisa manter-se firmemente estruturado emsua conscincia do masculino. obvio que ele treme! Ainda assim, parece necessitar dessereconhecimento feminino. Coisas horrv eis acontecem aos homens quando privados dapresena feminina - dentro ou fora -, pois parece que essa presena que lembra a ele o quetem de melhor.

    Durante a Segunda Grande Guerra, alguns grupos isolados de soldados ficaramsediados nas Aleutas, por d ificuldade de transporte para resgat -los. Estavam privados dedescanso e relaxamento. Nenhum dos shows, que usualmente entretm os soldados, sequerchegou perto deles. Mais da metade dos homens estava sofrendo de colapso nervoso; no sebarbeavam, no cortavam o cabelo nem faziam qualquer coisa para melhorar seu moral.Simplesmente porque l no havia nenhuma mulher, ou seja, nenhuma Psiqu olhando paraEros para lembrar-lhes suas qualidades.

    Quando um homem chega ao ponto de sentir -se desencorajado, um simples olharfeminino pode induzi-lo a restaurar seu senso de valor. Parece haver aqui um estranho vcuona psicologia masculina. A maioria dos homens consegue seu auto -preo atravs de umamulher: esposa ou me. Se ele for altamente consciente, porm, o e xtrai de sua prpria anima.A mulher v e mostra ao homem seu valor ao acender a lmpada.

    Certa vez, estava eu bem no meio de uma batalha familiar, vendo uma mulher a brandirsua faca. Em meio lista dos pecados mortais do marido, l estava a acusao de que eleconseguia sempre chegar atrasado em casa depois do trabalho. Ao que ele respondeu: "Ser

  • que voc ainda no entendeu que fico naquela droga de escritrio exatamente por sua causa,para poder conseguir dinheiro e sustentar a famlia?" A esposa desm ontou; conseguira ouviralgo. Imediatamente a lmpada substituiu a faca. E ele continuou: "Eu no iria ao escritrio nofosse por voc. Detesto aquilo. S vou trabalhar por voc e pelas crianas!" De repente aquelecasamento ganhou uma nova dimenso por t er a esposa usado a lmpada e olhado para ver oque ele era. E devo dizer que gostou muito do que viu.

    O homem depende bastante da mulher pela capacidade que ela tem de trazer a luzpara a famlia, pois ele no consegue bem encontrar um significado real p ara si mesmo. A vida muitas vezes sem graa e estril para ele, a no ser que algum lhe confira um significadomaior de vida. Em poucas palavras a mulher pode dar uma razo para a luta diria do homem,e ele lhe ser ento profundamente grato. O homem s abe e quer que assim seja, e at faz todoo possvel para que acontea, porque isso vai incentiv -Ia a dar-lhe um pouco de luz. Quandoele chega em casa e conta esposa todos os acontecimentos do dia, na verdade est pedindoa ela que lance um pouco de luz para que ele possa entender o significado de tudo quepassou. Ser a portadora da luz uma das qualidades femininas.

    O facho de luz ou a luz do conhecimento abrasador. Leva o homem a tomarconscincia do que o faz temer, tantas vezes, o feminino. Em s ua maioria esmagadora, oshomens, quando se comportam como" galo garnis", o que esto fazendo um esforoabsolutamente intil para esconder seu medo do feminino. Grande parte da tarefa de umamulher guiar o homem para que o relacionamento entre eles a tinja um outro nvel deconscincia. quase sempre ela que prope: "Que tal nos sentarmos para analisar em que pestamos?" Ela aquela que leva o relacionamento de ambos ao crescimento. exatamente doque ele tem medo, se bem que tema muito mais perd -Io.

    fcil entender a funo ou o significado do azeite da lmpada de Psiqu. So doisaspectos: o azeite no sentido de engraxar, suavizar as situaes difceis, e tambm no sentidode "ser fervido em leo". O azeite mantm a luz mas tambm queima Eros. Os homens, emsua falta de clareza na anlise do feminino, sentem dificuldade em separar esses doisaspectos.

    Um velho patriarca judeu, muito falastro, foi ver -me queixando-se da falta de vida emsua casa. Os filhos se haviam ido, ele estava aposentado, e a tristeza se havia estabelecidoem seu lar, minando-o. Senti o que estava errado e perguntei -lhe sobre as cerimnias em suacasa: "Ah! j deixamos isso de lado h sculos; no tm nenhum sentido!" Sugeri -lhe quepedisse a sua esposa que acendesse as vel as do sabbath na sexta-feira seguinte.4 Ao que eleme respondeu: "Besteira!" Mas eu insisti e me pus a pensar no que iria ele contar -me naprxima semana, quando voltasse. "Eu no sei o que aconteceu, mas quando pedi minhamulher que acendesse as velas do sabbath, ela caiu no choro e fez o que eu lhe pedi: "Minhacasa passou a ficar diferente desde esse dia!"

    Duas coisas sucederam: a cerimnia fora restaurada naquele lar e a mulher puderacumprir sua antiga funo de ser a portadora da luz, a lmpada de luz suave que aquece,anima e d significado s coisas. A mulher d luz.

    O simbolismo da lmpada no mito aponta direto para essa qualidade feminina de ser aportadora da luz. Nos mistrios de Elusis so elas que geralmente carregam as tochas queespalham uma forma de luz bem feminina. A tocha ilumina com suavidade o ambiente,mostrando com preciso o prximo passo a ser tomado. No igual luz csmica e masculinado Sol, que ilumina tudo ao mesmo tempo e pode ofuscar.

    Poucas so as mulheres que comprendem a grande necessidade que os homens tmde estar perto da feminilidade. Tal necessidade no pode ser vista como sendo um peso paraelas, e nem precisam suportar essa carga por toda a vida. medida que o homem descobresua prpria feminilidade interior passar a no depender tanto da mulher exterior para obt -Ia.

    Se ela quiser dar-lhe o mais precioso dos presentes, se realmente quiser preencher asnecessidades masculinas - uma coisa que ele raramente vai admitir, mas que est semprepresente -, ter de ser muito feminina quando seu homem estiver pedindo - silenciosamente -essa qualidade to cara. Principalmente quando ele tornar -se presa de humores que vai

    4 Num lar judeu ortodoxo o sabbath tem incio ao pr-do-sol da sexta-feira. de praxe que a mulher acenda asvelas. (N. A.)

  • precisar, e muito, da real feminilidade da mulher, para que possa catar os cacos e fazer -sehomem novamente.

    V - AMOR OU ESTAR APAIXONADO

    Afrodite completou sua tarefa de expanso de conscincia, mas de que forma! primeira vista, por intermdio de um amontoado de estragos e erros aconteceu uma histria deevoluo! Afrodite, bendita alma pou co honesta, por cimes envia Psiqu a seu casamentofatal com um monstro horripilante, no cume da montanha. No contente com isso, recorre aofilho, o deus do amor, para arranjar o casamento. Mas Eros, quando vai cumprir as ordens dame, espeta acidentalmente o dedo em uma de suas flechas de amor e apaixona -seperdidamente por Psiqu. Depois, num terrvel momento de revelao, quando acende almpada para ver um suposto marido demonaco, Psiqu tambm fere o dedo em uma dessasflechas e apaixona-se pelo deus do amor!

    Que caracterstica essa de "estar apaixonado" que parece ter o poder de pr de ladoos ditames do destino e produzir tais milagres? Faz -se necessrio diferenciar amor e estarapaixonado, antes de comear a deslindar esse mistrio.

    Amar algum uma experincia humana que une dois seres de uma forma tambmhumana. ver a pessoa como ela na realidade e gostar dele ou dela por sua maneira comumde ser, com suas falhas mas tambm com toda a magnificncia de sua personalidade humana.Se algum dia nos pudermos desfazer da cortina de fumaa das projees que vivemos, e olharverdadeiramente para o outro, nos daremos conta de como pode ser maravilhosa a criaturaterra a terra. O problema que estamos cegados por nossas prprias projees; raramen teconseguimos ver com clareza e profundidade o outro ser - homem ou mulher.

    Esse amor durvel e mantm -se firme dentro das experincias do dia -a-dia. Umamigo o descreve de uma maneira adorvel: "Mexer o mingau de aveia do amor". O amor serealiza nos fatos e acontecimentos corriqueiros e no necessita de uma dimensoextrapessoal.5

    Amar encarar o outro da maneira real, simples, como o ser humano que de fato .Amar nada tem de ilusrio; ver o indivduo, v -Io, mas no atravs de um determinado pap elou imagem que tenhamos planejado para ele. dar valor individualidade daquela pessoa,dentro do contexto do mundo comum.

    Quando algum se apaixona, alcana um nvel supra -humano de experincia, e instantaneamente elevado ao reino divino, onde todo s os valores humanos so superados. assim como se de repente fssemos envolvidos por um tufo e atirados num reino onde todosos valores so calcinados. Por exemplo, se a corrente eltrica do amor fosse de 110 volts, a doestar-apaixonado seria de 100000, uma corrente de energia supra-humana, impossvel de sercontida em limites domsticos. Apaixonar-se pertence a deuses e deusas, est muito alm dotempo-espao.

    De repente, v-se no ser amado um deus ou uma deusa, e atravs dele - ou dela -vislumbra-se um estado alm do pessoal. So sensaes explosivas e inflamadas, umaverdadeira loucura divina.

    Ao observarmos um casal apaixonado olhando um para o outro, vamos perceber muitobem que eles esto "olhando atravs". Cada um deles est apaixonado por uma idia, umaimagem, um ideal ou ainda uma emoo. Esto apaixonados pelo amor. As mulheres sopsiqu vendo o ser amado mais como Eros, o deus do amor, do que como o homem que elasconhecem e poderiam amar pelo que ele .

    Mas tem uma coisa no estar-apaixonado, que no dura. Um belo dia, a fulguranteimagem do ser amado - que antes pairava com radiante beleza diante dos olhos doenamorado, ou enamorada - torna-se banal, sem graa. A virtude transpessoal e divina apaga -se e surge o ser simples e comum. Eis a um dos sentimentos mais tristes e mais dodos davida. O estar-apaixonado a visitao de algo divino.

    5 Para maiores esclarecimentos sobre o tema, ver WE, do mesmo autor, Editora Mercuryo, So Paulo, 1987.(N. T.)

  • Portanto, que nos est dizendo o mito? O deus do amor, ele prprio picado por umade suas flechas e se apaixona por uma mortal. Mas no difcil para o prprio deus do amorser tomado de assalto pelo estar-apaixonado, porque isso faz parte de sua natureza. Porm,quando um simples mortal, de repente, ferido pela flecha fatal e se apaixona, ento o caso setorna mais srio.

    Dizem que Psiqu foi o primeiro ser mortal que chegou a ver um deus em todo o seuesplendor e viveu para contar a experincia. Eis o cerne de nossa histria: uma simples mortalapaixona-se por um deus, consegue manter -se leal sua condio humana e, ao mesmotempo, fiel a seu amor. O final sublime do mito conseqncia dessa lealdade a si prpria eao amor.

    Vamos fazer um teste: imagine que, por qualquer motivo, a humanidade hajadesaparecido da face da Terra, menos voc e uma outra pessoa. E voc vai tentar encontraressa tal pessoa, ao longo do dia. Sinta o quanto ela significa para voc, dadas ascircunstncias. Essa sensao nem pode ser comparada do "mexer -o-mingau-de-aveia-do-amor", que durvel, que consegue manter a estabilidade de um lar.

    Se h vinte anos algum me tivesse dito que um dia eu estaria equiparando amor aestabilidade, com certeza eu ficaria chocado e muito bravo. Mas suponho que tal mudana sejaprpria da meia-idade, que traz seus lampejos de sabedoria.

    Tanto Eros quanto Psiqu tiveram o dedo pica do pela flecha mgica einstantaneamente foram transportados ao reino do estar-apaixonado. Na seqncia, milagrese, inevitavelmente, muito sofrimento. Psiqu resgatada de seu casamento com a Morte; Eros desmascarado e mostra-se um deus; Psiqu banida de seu paraso; Eros voa de volta paraa me, cheio de dor. A experincia do apaixonar-se consegue mesmo acabar com atranqilidade; mas, de outra parte, cria uma energia muito forte que vai gerar evoluo.

    Antigamente, a experincia de ser tocado pelos deuses tinha lugar no contextoreligioso. Ns, os modernos, relegamos a religio a um plano secundrio em nossas vidas.Hoje, raramente ouvimos algum contar que foi profundamente atingido por um xtase mstico -religioso. A religio foi esfriada na cultur a ocidental. Mesmo as pessoas que ainda se agarrams formas tradicionais religiosas, quase nunca so movidas ou alimentadas intensamente porelas. No mais so sacudidas por intensas sensaes dentro de sua vida espiritual.

    Temo que a sensao profunda da viso interior do esplendor e da grandiosidade deum deus esteja sendo substituda, confundida com um mero "apaixonar -se" , noopeculiarmente ocidental.

    Parece que a nica forma de as pessoas comuns serem atingidas pelos deuses, nosnossos dias, por intermdio do romance. Apaixonar -se a experincia de olhar atravsdaquela pessoa em particular e ver o deus ou a deusa que est nela. No toa que nostornamos cegos instantaneamente quando nos apaixonamos. Passamos reto pela pessoaamada, no seu aspecto humano, e vamos direto a algo muito maior.

    Psicologicamente falando, isso significa que antes da poca do nosso mito, se algumatingisse um arqutipo, fatalmente seria desintegrado. O mito mostra que a partir de Eros ePsiqu, e sob certas circunstncias, quando simples mortais passassem por uma experinciaarquetpica poderiam sobreviver a ela, mas sofreriam uma mudana radical.

    Creio ser essa a pedra de toque de nossa histria: um mortal alcana uma dimensosupra-humana e vive para contar a histria. Neste contexto, possvel ver no s o quesignifica ser trespassado pelas flechas do deus do estar-apaixonado, como tambm aprofundidade dessa experincia, com todas as interpenetraes dos mais diferentes nveis queela envolve. Essa a incrvel , a explosiva experincia do apaixonar-se.

    Os asiticos no tm a tradio do apaixonar-se. Entram em seus relacionamentos comtranqilidade, sem dramas, aparentando serem intocveis com relao s flechas de Eros. Oscasamentos so arranjados. Tradiciona lmente, o homem no v a noiva antes do final dacerimnia, quando as guirlandas so levantadas. A ele a leva para sua casa e segue umpadro cuidadosamente prescrito para recm -casados. Ele concentra e guarda a energia queexperimentamos quando estamos apaixonados, para despend-Ia no templo, com os deuses edeusas, que lhe do este grande poder.

    Ento, nossa histria fala de uma mulher que foi tocada por algo muito alm daexperincia humana. O resto do mito nos vai esclarecer como ela conseguiu sobrevi ver a estetoque divino.

  • VI - A DESPEDIDA DE EROS

    Quando a lmpada de Psiqu desvelou a divindade de Eros, f -Io sofrer muito, causou-lhe dor profunda. O paraso havia acabado, pois ficou patente quem era ele na realidade - noo deus do casamento mortal nem o fazedor de paraso, mas a prpria encarnao do amor. Eisso foi mais difcil e mais doloroso do que descobrir nele um impostor, ou, pelo menos, algumpior do que ele prprio havia prometido. espantoso que a melhor das possibilidades possachegar a ser to doda! Embora seja totalmente inesperado, isso vem a ser verdadeiro emmuitas situaes na vida. Certa vez, uma professora que tive contou -me uma passagem queposso usar para ilustrar esse ponto: um jovem muito agitado chegou para um controle, d epoisde seis semanas de anlise, dizendo:- Toni, muito horrvel! Como, quais so as ms notcias? - perguntou Toni, aflita.- No me pergunte; tenebroso!- Me conte, por favor me conte!- Toni, minha neurose desapareceu, e que que eu vou fazer ago ra?

    A moral da histria transparente: perder uma velha forma de adaptao m notcia,mesmo quando substituda por outra muito, mas muito melhor. Tanto Eros quanto Psiqu ficamprofundamente feridos quando desponta para ambos uma nova etapa de evolu o, emboramuito superior anterior.

    Que ironia! No instante em que algum se apaixona, bom que saiba que o ser amado encarado como um ser absolutamente nico e, por conseqncia, inatingvel. A d -se contada distncia, da separao e da dificuldade de relacionamento. Tambm pode advir um terrvelsentimento de inferioridade, tanto no homem como na mulher, quando descobrem que seucompanheiro, ou companheira, um deus ou uma deusa. Solido e isolamento se seguem.

    Eros sustenta sua ameaa: Psiqu da r luz uma menina mortal ao invs de ummenino-deus, e ainda por cima ser abandonada por ele. Portanto, a condio humana,comum, vem a substituir o jardim paradisaco.

    Quando isso se manifesta no mundo exterior, nos primeiros tempos do casamento, quase certo que vai transformar-se num triste drama. quando ela descobre que, afinal decontas, ele no nenhum fazedor de parasos, como ela esperava, e ainda mascara suasartimanhas, fazendo-as invisveis a ela. Conseqncia: ambos vo sofrer um grande choque.Eis o potencial para a subida de um grande degrau na escalada da conscincia, mas quetambm significa muita dor. Ambos so expelidos do paraso e cravados firmemente naspropores humanas. Esse pode ser um momento muito propcio para ser aproveit ado, porqueas pessoas so melhores como seres humanos do que como deuses ou deusas. Seja comofor, causa sofrimento emocional.

    Eros voa de volta para a me, Afrodite, e age muito pouco at o final da histria. Apobre Psiqu deixada sozinha para empree nder sua jornada, sem nem imaginar que contacom tantos auxiliares. At Afrodite, a sogra -megera, cuida dela, de uma forma bem dura, hque se dizer. Durante essa experincia o marido pode abandonar a mulher e voltar para a casados pais. Mas tambm pode no abandon-Ia fisicamente, mas por meio de incontveisataques de mudez total, indiferena surda e ausncia emocional. Voltou para a casa da mame- se no fisicamente, refugiando-se em seu complexo materno interior. assim que Afroditereina absoluta na conscincia da mulher.

    Se virmos Eros como animus da mulher - seu lado masculino interior -, podemos dizerque ele manteve Psiqu num estado inconsciente tpico de possesso de animus, at a horaem que ela acendeu a lmpada da conscincia. Fato que trou xe luz sua verdadeiraidentidade e o obrigou a voar para o mundo interior a que pertence.

    O ANIMUS

    Jung disse que a funo mais eficiente da anima e do animus agir como mediadoresentre a parte consciente e a inconsciente de nossa personalidade. Qu ando Eros volta para omundo interior de Afrodite, est apto para interceder por Psiqu junto deusa, Zeus e outrosdeuses e deusas do mundo arquetpico interno. Como poderemos verificar, coloca todas as

  • suas aptides para ajud-Ia nos momentos mais crticos de sua jornada evolutiva, atravs doselementos da terra, tais como formigas, guia e juncos.

    Se alguma mulher quiser mudar algum aspecto da adolescncia ao qual ainda estejapresa, precisar quebrar o domnio de seus componentes masculinos, a que est subordinadainconscientemente e que vo comandar seus relacionamentos no mundo exterior. Para que elaevolua, o animus conscientemente reorganizado como tal - precisar assumir a posio entre oego consciente e o mundo interior inconsciente, onde poder atuar como mediador. Uminestimvel auxiliar para ajud-Ia. Ele poder abrir-lhe as portas para uma verdadeira vidaespiritual. A mulher, num estado de possesso do animus, ou seja, durante essa mediaoentre mundo interior e exterior, no tem a mnima c onscincia de seu animus. Ela cr que seucomportamento advm dele, mas a escolha determi nada por seu prprio ego. De fato, seuego que foi subjugado pelo animus nessas circunstncias.

    Quando a mulher acende a lmpada da conscin cia v o animus, e o v bem,independente de seu ego. Assim como Psiqu, geralmente ela se apavora, pois ele parece -lheto poderoso e divino, enquanto ela, por comparao, v seu self consciente completamenteintil e frgil. Eis um momento perigo so e desesperador para ela. Depois de passar pelochoque, apavorante, de reconhecer seu animus e assustar-se com sua prpria incapacidade delidar com ele, tambm estar em perigo de ver -se esmagada pela grandiosidade do que elerepresenta. Se se der conta de que tem um elemento divino dentro de si, o resultado pode seruma alegria muito grande, prxima a uma experincia culminante. O grande pe rigo "apaixonar-se pelo prprio amor".

    Se voc conseguir entrar em um acordo com es se desenvolvimento e manter -se nasuperfcie entre os dois extremos - homem-morte e homem-deus, paraso e expulso, alegria edesespero -, poder ento empreender a real tarefa humana de am pliar a conscincia. A sim,a promessa vai soar verdadeira e se cumprir: se voc agentar ver o seu homem exata mentecomo ele e, depois, acender a lmpada, o que s voc poder fazer, descobrir que ele umdeus - provavelmente no no sentido do paraso, o que lhe agradaria tanto, mas no sentidoOlimpo, o que muito mais grandioso. No conheo maior promessa n a vida.

    Esse evento na vida de Psiqu tem algo que ver com a primeira viso que Parsifal tevedo castelo do Graal.6 Parsifal v um mundo magnfico, alm da imaginao, mas no podepermanecer nele. Da mesma forma, Psiqu perde Eros logo aps haver descobe rto sua real,magnificente natureza.

    VII - O SOFRIMENTO DE PSIQU

    Em seu desalento, diante da viso de Eros que voa para longe dela, Psiqu pensa emafogar-se no rio. Alis, toda vez em que se v diante de uma tarefa difcil vem -lhe o mpeto desuicidar-se. Ser que essa tendncia no aponta para uma espcie de auto -sacrifcio -sacrificar um estgio de conscincia em favor de um novo, que se avizinha? Quase sempre odesejo de suicidar-se mostra o incio de um novo nvel de conscincia. Se se mata a co isacerta - a velha forma de adaptao -, sem ferimentos pessoais, uma nova era plena de energiasurgir.

    Quando atingida por uma experincia arquetpica, a mulher desestrutura -se, e aque recobra rapidamente sua ligao arquetpica e restaura seu se r interior. Isso tambm fazcom que ela rena todos os elementos que a podero ajudar e que esto nas profundezas doseu self. Essa forma de agir peculiar mulher, pois o homem tem a sua prpria, diferente dadela. Enquanto ele vai sair cata de alguma tarefa herica, ou seja, "matar muitos dragespara salvar frgeis donzelas" , geralmente ela se retira para um lugar muito tranqilo e l fica,pacienciosa, sem se ocupar de nada, esperando at que algo dentro dela lhe d os meios, ocaminho e a coragem.

    Um amontoado de paradoxos! Ela pode descobrir que abraou a Morte quando secasou; sim, morte de uma velha forma de vida.

    6 Ver HE - Editora Mercuryo, So Paulo, 1987, 1992 (edio re vista e aumentada). (N. T.)

  • desconcertante para o homem dar -se conta do alto grau de controle que a mulherexerce sobre os sentimentos e sobre o mundo interi or, uma habilidade desconhecida damaioria deles. Ela pode entrar quando queira no lugar mais profundo do seu ser, onde a cura conseguida e o equilbrio restaurado. Grande parte dos homens no tem tal controle sobreseus sentimentos, nem sobre sua vida i nterior. Muitas so as mulheres que percebem essadiferena em seus companheiros e sentem -se machucadas por no perceberem neles omesmo grau de sensibilidade.

    Estar dominado pela paixo como ser feito em pedaos, mas traz em si apossibilidade de soluo. Se houver fora e coragem suficientes, o indivduo poder sair desse"desmembramento" com uma nova conscincia sobre seu prprio valor e sua unicidade comoser. uma senda muito difcil de ser trilhada, mas para alguns temperamentos talvez no hajaoutra a percorrer. Parece que os ocidentais elegeram esse caminho para refazer a conexocom as energias arquetpicas, s quais damos nomes de deuses e deusas.

    Qual a melhor forma de solucionar esse problema? ficar absolutamente parado, nofazer nada. E exatamente o que acontece com Psiqu. Supera seu impulso suicida epermanece quieta. Quando voc sentir que alguma coisa o fez perder o p em algumasituao, quando voc sai de rbita, o melhor a fazer dar uma parada.

    A mulher tem a grande virtude de parar nos momentos adequados, e talvez esteja auma das condutas mais sbias de que o ser humano capaz. Ela obrigada a retornar a umncleo central fixo, cada vez que algo muito forte lhe acontece. um ato altamente criativo,mas que deve ser levado a cabo corretamente. A mulher deve ser receptiva, no passiva.

    Uma velha histria chinesa ilustra bem esse princpio feminino, que muitas vezes no bem compreendido no nosso mundo ocidental. Uma aldeia estava sofrendo uma estiagemterrvel; as colheitas estariam totalmente arruinadas caso no chovesse logo. Um famosofazedor de chuva foi chamado, e lhe ofereceram tudo para que trouxesse a chuva vivificadora.Ele andou pela cidade, observou tudo, depois pediu uma cabana de palha, comida e gua porcinco dias. Foi tudo rapidamente providenciado, e no quarto dia choveu. Os habitantesacorreram cabana, cheios de alegria e gratido, levando presentes ao fazedor de chuva porter ele salvado suas colheitas. Desconcertado, o homem explicou -Ihes que ainda no haviainiciado os rituais para fazer chover. Sentira -se to desarmnico consigo prprio, quandovagara pela cidade, que ainda precisava de um tempo para afinar -se. A chuva vieranaturalmente. Esse "afinar-se" a grande arte feminina - tanto da mulher quanto da anima.(Deve ficar claro que no nos estamos referindo propriamente a homem e mulher, mas sim afeminino e masculino.) algo que o feminino sempre consegue ao ficar bem quieto.

    A forma feminina de entregar-se similar, se no igual, do fazedor d e chuva do Tao.Mas um homem tambm pode agir assim, caso se manifeste seu lado feminino. Uma formadivina de entregar-se.

    possvel transmudar o estar-apaixonado para amor, o que a histria de umcasamento bem-sucedido. Nossos matrimnios ocidentais t m seu ponto de incio na paixo e,felizmente, mudam para o amor. Esse o tema bsico de nossa histria: comea com umacoliso entre uma mortal e um deus, ou seja, dois nveis de ser: a caracterstica humana e asupra-humana. Ambas tm de aprender, mas isso s conseguido dolorosamente, pois umano pode viver sem a outra. A caracterstica supra -humana no pode ser vivida ao nvelhumano.

    Lembro-me de uma charge de James Thurber: um casal de meia -idade est brigando eo marido dispara: "Bom, mas quem f oi que acabou com a magia do nosso casamento?"

    Quando tocados por um deus ou uma deusa, que devemos fazer? Esta uma perguntaque no tem resposta em nossa cultura. Muitos, na verdade, tm de suportar a deteriorao daviso divina do ser amado, acabam p or acomodar-se na monotonia da meia-idade e resolvemque, afinal de contas, aquela virtude divina era uma tremenda bobagem.

    A alternativa feminina para transpor a auto derrota e a depresso que acompanham oinfeliz final do estar-apaixonado vai-nos ocupar pelo resto de nossa histria.

  • PSIQU SOZINHA

    Ser atingido por emoes divinas tornar -se aberto para captar a conscincia divina,mas divina no sentido grego, do Olimpo. Os gregos referiam -se aos arqutipos como se fossemdeuses, numa terminologia mais adequada e mais potica do que a que usamos hoje em dia.Referir-se aos grandes arqutipos que agem dentro de ns, quando nos apaixonamos, comosendo deuses e deusas, uma forma inteligente e bela. Uma vez que nos tocam, jamaispoderemos retornar condio comum, despreocupada e inconsciente de antes. Atualmente,uma das nicas formas de ser visitado pelos deuses quando um ocidental se apaixona, eento um caminho de evoluo que tenha em si a conscincia como meta, poder serpercorrido.

    Depois de um trgico "caso de amor", a tarefa da mulher traduzir a dor e o sofrimentonos degraus de seu desenvolvimento pessoal.

    A mulher tem dentro de si aquela virtude feminina de retornar quietude sacrificatria,que pode ser observada na tradio crist quando se diz: "Aqui nos entregamos e nosapresentamos ao Senhor... num sacrifcio vivo".

    Psiqu sacrifica-se: vai ao rio para entregar-se, talvez pelos motivos errados, mas comos instintos certos.

    Pan, o deus de ps fendidos, est sentado beira do r io com a ninfa Eco ao colo.Percebe que Psiqu est a ponto de atirar -se nas guas e a dissuade.

    Mas por que exatamente Pan? Ele o deus que se coloca ao lado do self, aquele jeitoselvagem, aquela quase-loucura considerada sagrada pelos povos antigos, d e que tanto nosarrependemos quando se apodera de ns. Da o nome pnico. E essa especfica virtude quesalva Psiqu. Se pudermos encontrar o deus Pan no lugar certo e conseguirmos ser guiadospara fora de ns mesmos, na direo de algo maior, aquela ene rgia ser usada em nossobenefcio. Se levados para algo inferior, como o suicdio, ser o caminho errado.

    O ataque de choro na mulher uma reao que advm da experincia -Pan. Emborapossa ser humilhante (essa palavra significa estar perto do humus ou da terra), derreter-se emlgrimas poder levar voc a algo maior que voc mesma. a fora evolutiva de Afrodite queleva voc a esse ponto e mostra-lhe o prximo degrau.

    Pan tambm sempre tem algo a dizer a Psiqu em momentos como este. Portanto,aconselha-a a rogar ao deus do amor, pois ele quem compreende os que esto abrasadospor suas flechas. Que ironia sutil, ou seja, voc, que foi "ferida" por esse deus, ter de pedirexatamente a ele que a cure de suas flechas!

    Sendo o deus do amor, Eros o deus do relacionamento. da natureza do princpiofeminino - seja homem ou mulher - ser fiel a Eros, ao relacionamento. Seguir sempre ocaminho que manter o relacionamento com a anima ou com o animus, pois com ele quevoc ter de se haver intimamente. N o caso da mulher, ela ter de aceitar Eros como seuprincpio-guia.

    Contudo, para encontrar o deus do amor, Psiqu necessita confrontar -se com Afrodite,pois ele est sob seus poderes, nesse momento. A moa rebela -se e, em vez de ir a Afrodite,dirige-se a alguns outros templos dedicados a vrias outras deusas. sistematicamenterejeitada, pois nenhum deus ou deusa ousa correr o risco de ofender Afrodite. Seu dio seriaum perigo!

    Existe um paralelo muito esclarecedor, nesse ponto, entre Psiqu e Parsifa l. Ela vai emperegrinao de altar em altar, at que chega quela a que realmente deveria recorrer. Ele, desua parte, est passando por sua experincia - Rei-Pescador: lutando heroicamente nasbatalhas, derrotando drages e salvando donzelas. O trabalho de ambos igualmente nobre,s que diferente. Seja voc homem ou mulher, esses processos dinmicos dos princpiosmasculinos e femininos so importantes para serem lembrados. Ambos tm caractersticafeminina/masculina, e necessrio escolher a ferrament a adequada para a tarefa especficaque se lhe apresenta.

    Psiqu deve continuar sofrendo at que seu caminho esteja desimpedido. Fritz Kunkeldisse, certa vez, que no se deve tirar ningum de seu sofrimento prematuramente. Seestivermos no caminho do sof rimento, ou numa poca estril, talvez seja porque deveramosmesmo passar por isso, durante algum tempo. Ao entendermos a estrutura global dosofrimento, um trecho estril do caminho no parecer assim to assustador.

  • Finalmente, Psiqu vai ao altar de Afrodite, pois quase sempre aquilo que provocou umferimento tambm um instrumento de cura.

    Afrodite no resiste e passa-lhe um duro sermo, reduzindo-a a zero. Diz-lhe que noserve mesmo para nada, a no ser para lavar pratos, e que se existisse algum lugar para elaneste mundo - coisa muito duvidosa -, seria apenas para desempenhar tarefas muitosubalternas. Por fim, designa-lhe quatro tarefas, que significaro para a moa sua redeno.

    VIII - AS TAREFAS

    Psicologicamente falando, a carga das taref as impostas por Afrodite pobre da Psiqu a mais pesada registrada na literatura. A mentalidade moderna assim reagiria: "Est bem,obrigada por toda essa teoria, mas, e agora, que que eu fao?" Esse ponto do nosso mitomostra o padro mais coerente possvel para o princpio feminino. O fato de a histria haversido tirada de uma poca to longnqua, em relao nossa histria psquica, no a tornamenos til; ao contrrio, faz jus sua universalidade e atemporalidade. Existe um sem -nmerode frmulas para a maneira masculina de resoluo, mas nossa histria uma das poucas quemostram a sada feminina em nossa herana cultural.

    Depois de haver conseguido sobreviver causticidade da preleo de Afrodite, Psiqurecebe dela as instrues, to precisas quanto apavorantes. Mas por que tivemos de recorrer aAfrodite para tal coisa? No haveria como ir a qualquer outro lugar. Eventos psicolgicos vmnum pacote: ingenuidade, problema, espera e soluo so perfeitamente conseguidos em umaestrutura coerente.

    A PRIMEIRA TAREFA

    Afrodite aponta a Psiqu uma enorme montanha de sementes de diferentes tipos, todasmisturadas, e diz-lhe que ela dever separar e selecionar as semente antes do cair da noite.Se no o lograr, a pena ser a morte. Dito isso, encen a uma sada dramtica e pomposa paraparticipar de um festival nupcial. A pobre da Psiqu deixada s com sua tarefa. Tarefaimpossvel, que ningum conseguiria realizar. Senta -se outra vez, imvel, chora, e mais umavez decide-se pelo suicdio.

    De repente, aparece em seu socorro um exrcito de formigas que selecionam eseparam as sementes com grande rapidez e aptido e terminam o trabalho antes de anoitecer.Afrodite reaparece, como prometera, e muito a contragosto admite que uma boa -para-nadacomo Psiqu at que havia cumprido a tarefa de forma tolervel.

    Que belo toque de simbolismo o desse monte de sementes a serem selecionadas! Emtantas coisas prticas da vida, tais como a rotina da dona -de-casa, por exemplo, ou em suaprpria vida profissional, o desafio da mulher o de fazer prevalecer a ordem e o mtodo. Sejao grito l da sala: "Me, cad o outro p de meia?" ou a lista de compras, ou, ainda, um novorascunho para aquele manuscrito - tudo isso selecionar, ordenar e colocar em forma. Semessa tarefa essencial de estabelecer a ordem haveria o caos.

    O homem recorre mulher para conseguir a organizao domstica, pois ele sai para omundo atrs de coisas que v como muito mais importantes, deixando a cargo dela amanuteno da ordem do lar. Ele no a acha capaz de selecionar, separar, ordenar.

    Ao fazer amor com uma mulher, o homem d -lhe um nmero incalculvel de sementes.Ela ter de escolher uma e iniciar o milagre da gestao. A natureza, em sua caracterstica -Afrodite, produz tanto! A mulher, com sua capacidade de selecionar, tem de escolher umasemente e lev-Ia frutificao.

    Muitas so as culturas que eliminaram o selecionar e ordenar, atravs dos costumes edas leis. Estipulam o que a mulher deve fazer e, com isso, a salvam da tarefa de selecionar.Segunda-feira dia de lavar; tera-feira, de passar, etc. Ns, ocidentais, somos povos livres eno temos tais protecionismos. A mulher deve saber como diferenciar, como selecionarcriativamente. Para que isso acontea, ela precisa encontrar s ua natureza-formiga, aquela

  • primitiva, ctnica,7 aquela caracterstica telrica que ir auxili -Ia. A natureza-formiga no ointelecto; no nos fornece regras a seguir. Primitiva, instintiva, silenciosa, legitimamenteacessvel mulher.

    Talvez esse atributo de selecionar sementes faa parte da masculinidade interior damulher - um eco de Eros. Mas ela deve lembrar -se desta lei bsica: fazer uso de tal funo,altamente discriminatria, fria, seca, prpria de seu animus, como ligao entre seu egoconsciente e o mundo interior, o Inconsciente Coletivo. O animus e a anima pertencemprincipalmente aos cus e aos infernos do mundo interior. Curiosamente fazem, a um tempo,parte do humano e do divino, do pessoal e do transpessoal. Por isso que so intermedi riosexcelentes entre a personalidade e o Inconsciente Coletivo. Mantm um p em cada mundo:agem como eficientes guias espirituais internos para o ego consciente, nas relaes deste como mundo exterior.

    Freqentemente depreciamos o animus, mas isso s se justifica se ele usado emcircunstncias imprprias ou se se manifesta externamente, caso em que origina problemas.Mas ele a chave para a vida espiritual da mulher, sempre que trabalha internamente. o eloprincipal entre ela, ser individual, e a grande unidade, a divindade, o Inconsciente Coletivo,lugar de origem do animus.

    Ter de selecionar coisas objetivas no mundo exterior no tarefa requerida a todas asmulheres. O tipo amazona (Tony Wolff descreve quatro tipos de mulheres: a me, a hetaira,8 amdia e a amazona), ou seja, a mulher de negcios, poder encarar esse tipo de seleo. Temsua natureza-formiga altamente desenvolvida, podendo usar seu componente masculino nomundo exterior.

    O feminino na mulher, ou a anima no homem, precisa selecionar e retirar o material queest no inconsciente, para traz-Io com ordenao e lgica para o consciente. Esta , na minhaopinio, a grande funo feminina, freqentemente negligenciada.

    Toda mulher tem competncia para esse atributo de selecionar. T arefas podem serfeitas de um modo geomtrico: o que est mais perto em primeiro lugar, ou o que estiver maisprximo a um sentimento. Dessa maneira simples, p -no-cho, voc poder quebrar o impassedo "demasiado".

    fcil no tomar conhecimento de uma o utra dimenso do processo de seleo - ainterior. Ao mesmo tempo que uma grande quantidade de material nos chega do inconscientepedindo-nos para ser selecionada, tambm estamos recebendo o tudo -cai-em-cima-de-mimque vem do mundo exterior.

    uma rdua tarefa, para a mulher, fazer a seleo nessa dimenso interior e proteger -se, e famlia, das torrentes internas que so, no mnimo, to avassaladoras quanto as quevm do mundo exterior. Sentimentos, valores, modulao, limites, eis a timas bases paraselecionar que podero produzir excelentes frutos. E todas so peculiares mulher e feminilidade.

    Pode-se ver um casamento como duas pessoas que esto costas com costas, cadauma protegendo a outra de uma forma particular. Ele voltado para o mundo exter ior e ela, parao interior, um nvel onde se sente mais vontade. Essa situao no esttica, pois cada umdeles caminha para a plenitude, que a personalidade integral representada pelas duas facesde Janus que olham, ao mesmo tempo, para o mundo inte rior e para o exterior.

    A tarefa da mulher , alm de proteger -se, proteger seu homem e sua famlia dosperigos do mundo interior: humores, inflao do ego, excessos, vulnerabilidade e o que secostumava chamar "possesses". So coisas que o gnio da mulh er sabe manejar bem melhorque o do homem. A ele tambm cabe sua prpria tarefa, ou seja, virado para o mundo exterior,manter a salvo sua famlia. Existe um perigo em particular na mentalidade de nossos dias, ouseja, ambos estarem virados para o mundo ex terior, ambos dedicando todo o seu tempo scoisas externas. Essa atitude deixa o mundo interior desguarnecido, ficando o lar merc dosperigos que o rodeiam e que acabam por encontrar uma brecha desprotegida para assalt -Io.As crianas so primordialmente vulnerveis a essa falta de salvaguarda.

    7 Ctnico: relativo aos deuses e demnios que habitam os subterrneos da Terra. (N. T.)8 Hectairas: Cortezs profissionais da Grcia antiga que, alm de cultivar a beleza fsica, cultivavam tambm amente e o esprito, elevando-se muito acima da mdia das mulheres da tica.(N. T.)

  • No incio do casamento, o casal forma dois discretos crculos que quase se sobrepem.A diviso entre os dois grande, e ambos tm suas tarefas especficas. medida queamadurecem, aprendem um pouco mais sobr e o gnio do outro e, gradativamente, os crculosaproximam-se mais e mais, e a rea de sobreposio torna -se maior.

    Jung conta o caso de um senhor que o procurou por causa de um problema. QuandoJung lhe pediu que falasse sobre seus sonhos, respondeu -lhe que jamais sonhava, mas queseu filho de seis anos o fazia, com todos os detalhes. Jung ento disse -lhe que recordasse ossonhos do filho. Durante semanas e semanas, levou -lhe os sonhos do menino, at que derepente passou a sonhar, ao mesmo tempo que a c riana deixava de faz-Io! Jung explicou-lhe, ento, que, sem querer - pois se havia deixado levar pela moderna mentalidade coletiva,to comum, em relao a tais coisas -, falhara, deixando de cuidar de uma dimenso toimportante de sua prpria vida. Ao mesmo tempo, o filho vira-se obrigado a suportar a cargasozinho.

    Se voc quiser deixar a melhor herana possvel a seu filho, deixe -lhe um inconscientelimpo, no lhe deixe sua vida no vivida, que estar escondida no seu inconsciente at o diaem que voc estiver pronto para olh-Ia cara a cara.

    Geralmente a mulher quem cuida desses lumes interiores, mas, nesse exemplo, foi atarefa do pai que recaiu sobre a criana. Quando falamos do masculino e do feminino, preciso que fique bem claro, uma vez mai s, que no estamos falando exclusivamente dehomem e mulher. O lado feminino do homem pode tomar a si a tarefa que normalmentepensamos pertencer mulher e vice-versa.

    A SEGUNDA TAREFA

    Afrodite, de forma insultuosa e arrogante, determina a segunda das tarefas de Psiqu:dever ir a um campo, do outro lado do rio, e juntar um pouco de l de ouro dos carneiros queali pastam. E dever estar de volta ao cair da noite, sob pena de morrer se no o conseguir.

    Psiqu precisa ser muito corajosa (temerria ser ia a palavra correta) para cumprir taltarefa, pois os carneiros so ferozes. Uma vez mais ela se desestrutura e pensa em suicdio.Aproxima-se do rio que a separa da pastagem dos carneiros do sol, com o firme propsito dejogar-se s guas. No ltimo momento, os juncos que margeiam o rio falam -lhe e lhe doconselhos.

    Os juncos, humildes plantas que brotam do lugar onde a gua encontra a terra,advertem-na para que no se aproxime dos animais, em busca da l, enquanto houver luz dodia. Se no seguisse esse conselho seria morta a marradas. Se fosse noitinha, porm,conseguiria facilmente recolher a l que costumava ficar presa aos arbustos e galhos maisbaixos das rvores do bosque, e obteria, assim, suficiente quantidade de l de ouro parasatisfazer Afrodite, sem atrair para si a fria dos carneiros.

    A Psiqu no lhe foi dito para ir diretamente aos carneiros ou tentar conseguir a l deouro pela fora. Na confrontao direta, seriam muito perigosos. Portanto, ela deve abordaresses animais agressivos, de cabea de touro, apenas de forma indireta.

    Quantas vezes a masculinidade no se parece com isso, aos olhos de uma mulher,quando chega a hora de ela assimilar um pouquinho dessa caracterstica para sua prpria vidainterior! Imagine uma jovem, muito f eminina, no incio de sua vida, observando o mundo dehoje e sabendo que necessita abrir seu caminho nele. Tem medo de ser esmagada, morta oudespersonalizada pela natureza-carneiro da sociedade impessoal, competitiva e patriarcal emque vivemos.

    O carneiro representa uma caracterstica masculina poderosa, elemental, instintiva, quepode entrar em erupo quando menos se espera, como uma "entidade" invadindo apersonalidade. um poder terrvel e numinoso, como a experincia da sara ardente, asprofundezas abissais do inconsciente, que pode esmagar o frgil ego se no for corretamentedominado.

    preciso fazer aqui uma distino entre carneiro e Velocino. Talvez convenharecordarmos o mito da busca do Velocino de Ouro, para melhor compreenso desta tarefa dePsiqu. O Velocino de Ouro - ou Toso de Ouro - um dos grandes mitos da Antigidade que

  • versam sobre a masculinidade. Nele, Jaso e seus companheiros do provas de coragem evirilidade.

    Era o pelego de um carneiro que salvara dois irmos - Helle, a menina, Phrixos, omenino - das mos assassinas do pai e da madrasta. No instante em que ia ser desferido ogolpe mortal, o carneiro, que era muito forte, aproximou -se voando e arrebatou ambas ascrianas. Infelizmente, porm, a menina caiu no mar e afogou -se, e s o menino chegou so esalvo a um outro reino, onde sacrificou o animal em ao de graas. O Velocino de Ouro foidado por Phrixos ao rei daquelas terras, e s muito mais tarde que Jaso e os argonautasforam em busca dele.

    Ao sacrificar o carneiro, Phrixos guarda o Velocino de Ouro, que o smbolo do Logos.H uma ligao ntima, orgnica, entre Logos e poder, assim como entre Velocino e carneiro.

    Como poder o homem bem controlar tal poder, to terrvel, e us -Io em benefcio de siprprio e da natureza? Os mitos antigos mostram como: sacrificar o carneiro e guardar oVelocino; ou, ainda, apenas recolher a l que ficou presa nas ramas, para no despertar a friaanimal. Outra alternativa nos mostrada por Tolkien - o moderno criador de mitos -, que mandadevolver terra o anel do poder. Na terminologia oriental, manter o equilbrio entre o Yin e oYang, entre Logos e Eros. O mito de Psiqu diz que no se deve tentar arrancar ou usar a lenquanto ela estiver no carneiro. O conhecimento pri mordial, ligado ao poder tambmprimordial, tem uma capacidade instantnea de destruio.

    Nosso mito nos d instrues bastante explcitas sobre como Psiqu deve, sabiamente,aproximar-se desse poder-carneiro. No deve chegar perto dos animais durante o d ia, mas aocrespsculo, e somente deve recolher a l que tenha ficado presa aos galhos e arbustos,nunca obt-Ia diretamente dos carneiros.

    Hoje em dia so muitas as pessoas que pensam que poder s se adquire se searrancar um punhado de l dos flancos de um carneiro e sair exibindo-o em triunfo. Desde queo poder uma faca de dois gumes, bom s tomar o necessrio, o que perfeitamenteplausvel. Usar pouco o poder continuar dominado pelas vozes interiores que representam ospais. Exerc-Io em demasia pode significar abuso e violncia, deixando atrs de si danos edestruio.

    John Sanford, escritor e terapeuta, diz que se um jovem faz uso de drogas, seu ego no suficientemente forte para suportar a enorme carga das experincias interiores, com as q uaisele se defronta; poder ser totalmente destrudo. Isso seria tentar obter o poder -carneirodiretamente, ou obt-Io em grande quantidade. Ns, hoje, homens e mulheres, estamospegando unha um carneiro muito, mas muito grande, que poder virar -se contra ns e nosdestruir. Nosso mito nos adverte para que tomemos o poder na medida da necessidade, paraque sacrifiquemos o no-necessrio e mantenhamos poder e relacionamento na proporojusta.

    H uma distino entre as formas masculina e feminina de obte r o Velocino: a maneirade Phrixos e a de Psiqu. Aquele precisou sacrificar o carneiro, ao passo que ela no: recolheuo excedente. A idia de juntar somente o que sobrou, os restos do Logos, a energia masculinaracional e cientfica, o que estava nas ram as, pode parecer intolervel mulher moderna. Porque deveria ela pegar s um pouquinho do Logos, um pouquinho dessa qualidade? Por queno simplesmente abater o carneiro, arrancar -lhe o pelego - o Velocino de Ouro - e exibi-Io emtriunfo, tal qual faz o homem?

    Foi exatamente o que Dalila fez, transformando seu ato, depois, num grande jogo depoder; s que deixou um rastro de destruio. O mito de Psiqu mostra que a mulher podeconseguir a energia masculina, necessria a seus propsitos, sem nenhum jogo de poder. Amaneira de Psiqu bem mais suave, no precisa transformar -se numa DaliIa e matar Sansopara adquirir o poder.

    H mulheres que precisam de uma poro maior de masculinidade, mais do que a queo mito mostra. bom lembrar que as amazonas atro fiavam o seio esquerdo (o que significaabrir mo de uma parte considervel de sua feminilidade), para que pudessem manejar o arcocom desenvol