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Robert Alexy - Teoria Discursiva Do Direito (2014)

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    Traduzido deEine Theorie des praktischen Diskurses und andereCopyright 2013 by Robert AlexyAll rights reserved.

    Teoria Discursiva do DireitoDireitos exclusivos da presente edio para o BrasilCopyright 2014 byFORENSE UNIVERSITRIA um selo da EDITORA FORENSE LTDA.Uma editora integrante do GEN | Grupo Editorial NacionalTravessa do Ouvidor, 11 6 andar 20040-040 Rio de Janeiro RJTels.: (0XX21) 3543-0770 Fax: (0XX21) 3543-0896 [email protected] | www.grupogen.com.br

    O titular cuja obra seja fraudulentamente reproduzida, divulgada ou de qualquer forma utilizada poder requerer a apreenso dosexemplares reproduzidos ou a suspenso da divulgao, sem prejuzo da indenizao cabvel (art. 102 da Lei n. 9.610, de 19.02.1998).Quem vender, expuser venda, ocultar, adquirir, distribuir, tiver em depsito ou utilizar obra ou fonograma reproduzidos com fraude,com a finalidade de vender, obter ganho, vantagem, proveito, lucro direto ou indireto, para si ou para outrem, ser solidariamenteresponsvel com o contrafator, nos termos dos artigos precedentes, respondendo como contrafatores o importador e o distribuidorem caso de reproduo no exterior (art. 104 da Lei n. 9.610/98).

    1 edio 2014

    Organizao, traduo e estudo introdutrio Alexandre Travessoni Gomes Trivisonno

    Produo Digital: Geethik

    CIP Brasil. Catalogao-na-fonte.

    Sindicato Nacional dos Editores de Livros, RJ.

    A573r Alexy, Robert, 1945-

    Teoria discursiva do direito / Robert Alexy; organizao, traduo e estudo introdutrio Alexandre Travessoni GomesTrivisonno. 1. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitria, 2014.

    il.Traduo de: Eine Theorie des praktischen Diskurses und andereInclui bibliografiaISBN 978-85-309-5434-5

    1. Alexy, Robert, 1945-. 2. Direito Filosofia. I. Trivisonno, Alexandre Travessoni Gomes. II. Ttulo.

    13-07255 CDD: 340.12

  • NDICE SISTEMTICO

    Prefcio

    Notas sobre a organizao e a traduo

    ESTUDO INTRODUTRIO

    A teoria discursiva do direito de Alexy e as duas questes fundamentais da filosofia do direitoAlexandre Travessoni Gomes Trivisonno

    Parte IDISCURSO E ARGUMENTAO

    1. Uma teoria do discurso prtico1.1. Sobre o problema da fundamentao de enunciados normativos1.2. As noes fundamentais da teoria do discurso1.3. A fundamentao das regras do discurso

    1.3.1. A fundamentao tcnica1.3.2. A fundamentao emprica1.3.3. A fundamentao definitria1.3.4. A fundamentao pragmtica-universal1.3.5. O discurso terico-discursivo

    1.4. As regras e formas do discurso prtico1.4.1. As regras fundamentais1.4.2. As regras da razo1.4.3. As regras do nus da argumentao1.4.4. As formas de argumento1.4.5. As regras de fundamentao1.4.6. As regras de transio

    1.5. A utilidade da teoria do discurso1.5.1. Necessidade, impossibilidade e possibilidade discursivas1.5.2. A funo da teoria do discurso como instrumento de crtica1.5.3. A funo da teoria do discurso como critrio hipottico1.5.4. A funo da teoria do discurso como explicao1.5.5. A funo da teoria do discurso como definio de um ideal1.5.6. Possibilidades e fronteiras da institucionalizao de discursos

  • 2. Teoria do discurso e sistema jurdico2.1. A teoria do discurso como uma teoria procedimental2.2. Um conceito procedimental de correo2.3. Discurso e sistema jurdico

    3. A tese do caso especial3.1. O carter autoritativo e discursivo da argumentao jurdica3.2. A tese do caso especial3.3. Objees

    3.3.1. Procedimentos judiciais3.3.2. Discurso moral, prtico geral e jurdico

    3.3.2.1. O discurso moral e a argumentao jurdica3.3.2.2. O conceito de discurso prtico geral3.3.2.3. Relaes de precedncia entre os elementos do discurso prtico geral3.3.2.4. O discurso prtico geral e a unidade da razo prtica

    3.3.3. O geral e o especfico3.3.3.1. O modo de validade diferenciado e a mudana de significado3.3.3.2. A pressuposio do subconjunto3.3.3.3. A pressuposio da especificao3.3.3.4. Direito injusto e no-razovel3.3.3.5. A integrao dos argumentos e a institucionalizao da razo prtica

    Parte II

    DIREITOS HUMANOS E FUNDAMENTAIS

    1. Direitos humanos sem metafsica?1.1. O conceito de direitos humanos1.2. A fundamentao dos direitos humanos

    1.2.1. Ceticismo e no-ceticismo1.2.2. Oito fundamentaes

    1.2.2.1. A fundamentao religiosa1.2.2.2. A fundamentao biolgica1.2.2.3. A fundamentao intuitiva1.2.2.4. A fundamentao consensual1.2.2.5. A fundamentao instrumental1.2.2.6. A fundamentao cultural1.2.2.7. A fundamentao explicativa1.2.2.8. A fundamentao existencial

    1.3. Direitos humanos e metafsica1.3.1. Conceitos metafsicos negativos e positivos

  • 1.3.2. O conceito enftico de metafsica1.3.3. Metafsica e naturalismo

    1.4. O conceito construtivo de metafsica

    2. Direitos fundamentais no estado democrtico constitucional2.1. A posio dos direitos fundamentais no sistema jurdico

    2.1.1. O grau mais elevado2.1.2. A maior fora executria2.1.3. Objetos de maior importncia2.1.4. A maior medida de abertura

    2.2. Direitos fundamentais e democracia2.2.1. Trs modelos2.2.2. Representao poltica e argumentativa

    2.3. O imposto sobre patrimnio como caso-teste

    3. A construo dos direitos fundamentais3.1. A construo em regras

    3.1.1. Regras e princpios3.1.2. O postulado da rejeio da ponderao3.1.3. Problemas da construo em regras

    3.2. A construo em princpios e a mxima da proporcionalidade3.3. Objees contra a construo em princpios3.4. A racionalidade da ponderao

    3.4.1. A posio central do problema da racionalidade3.4.2. A objeo da irracionalidade3.4.3. A otimalidade de pareto3.4.4. A lei da ponderao3.4.5. A frmula do peso

    Parte IIITEORIA DOS PRINCPIOS E APLICAO DO DIREITO

    1. Sobre o conceito de princpio jurdico1.1. Introduo1.2. A distino entre regras e princpios

    1.2.1. O carter tudo ou nada1.2.2. O teorema da coliso

    1.2.2.1. Colises de regras1.2.2.2. Colises de princpios

    1.2.3. O carter prima facie de regras e princpios1.2.4. Dever ser real e ideal

  • 1.3. Fundamentao e aplicao de princpios

    2. Dever ser ideal2.1. Duas objees terico-normativas

    2.1.1. Dever ser ideal2.1.1.1. A existncia do dever ser ideal2.1.1.2. Oi2.1.1.3. A normatividade dos objetos da ponderao2.1.1.4. A inviolabilidade do princpio retrocedente2.1.1.5. O dever ser ideal e a construo de direito fundamental

    2.1.2. O carter normativo do dever ser ideal2.2. Duas objees terico-argumentativas

    2.2.1. O intuicionismo2.2.2. O escalonamento

    3. Dois ou trs?3.1. A questo3.2. A ideia de operao bsica3.3. A estrutura da comparao de casos3.4. Caso e regra3.5. Caso e princpio3.6. Reformulao do esquema da analogia3.7. O carter bsico do esquema da analogia

    Parte IVO CONCEITO DE DIREITO

    1. Crtica ao positivismo jurdico1.1. A tese da separao e a tese da conexo1.2. Um quadro conceitual

    1.2.1. Conceito e validade1.2.2. Norma e procedimento1.2.3. Observador e participante1.2.4. Definio e ideal1.2.5. Combinaes

    1.3. O argumento da injustia1.3.1. Normas isoladas1.3.2. Sistemas jurdicos

    1.4. O argumento da correo1.4.1. A teoria da pretenso1.4.2. A teoria dos princpios

  • 1.4.2.1. A tese da incorporao1.4.2.2. A tese moral1.4.2.3. A tese da coerncia

    1.4.3. A teoria do discurso

    2. Defesa de um conceito de direito no-positivista2.1. A tese da separao e a tese da conexo2.2. Distines

    2.2.1. Argumentos analticos e normativos2.2.2. Normas isoladas e sistema jurdico como um todo2.2.3. O argumento da injustia e o argumento dos princpios2.2.4. Conexes classificatria e qualificatria2.2.5. Norma e procedimento2.2.6. Perspectivas do observador e do participante2.2.7. Tese

    2.3. O argumento da correo2.4. Oito argumentos

    2.4.1. O argumento lingustico2.4.2. O argumento da clareza2.4.3. O argumento da efetividade2.4.4. O argumento da segurana jurdica2.4.5. O argumento do relativismo2.4.6. O argumento da democracia2.4.7. O argumento da inutilidade2.4.8. O argumento da honestidade2.4.9. Resultado

    3. A dupla natureza do direito3.1. Ideal

    3.1.1. A pretenso de correo3.1.1.1. O direito capaz de levantar pretenses3.1.1.2. A necessidade da pretenso de correo3.1.1.3. O contedo da pretenso de correo3.1.1.4. A racionalidade da pretenso de correo

    3.1.2 A teoria do discurso3.2. Real3.3. A reconciliao entre ideal e real

    3.3.1. O limite exterior do direito3.3.2. O constitucionalismo democrtico

    3.3.2.1. A democracia3.3.2.2. Os direitos fundamentais

  • 3.3.3. A argumentao jurdica3.3.4. Dever ser real e dever ser ideal

    Parte VENTREVISTAS

    1. Entrevista a Atienza1.1. Pergunta 1 Carreira acadmica1.2. Pergunta 2 A Teoria da Argumentao Jurdica1.3. Pergunta 3 O positivismo jurdico1.4. Pergunta 4 Sobre Fuller e Hart1.5. Pergunta 5 Semelhanas e diferenas com a teoria de Dworkin1.6. Pergunta 6 A crtica de Toulmin1.7. Pergunta 7 A influncia de Habermas1.8. Pergunta 8 Diferenas com a teoria de Habermas1.9. Pergunta 9 A teoria dos princpios

    1.10. Pergunta 10 Os trs maiores filsofos do direito1.11. Pergunta 11 Os trs maiores filsofos do direito II1.12. Pergunta 12 Os trs maiores filsofos do direito do sculo XX1.13. Pergunta 13 A filosofia do direito na Alemanha hoje1.14. Pergunta 14 A filosofia do direito na Alemanha de antes e em outros crculos culturais1.15. Pergunta 15 Larenz, Esser, Schmitt e Luhmann1.16. Pergunta 16 Questes centrais da filosofia do direito1.17. Pergunta 17 Projetos para o futuro1.18. Pergunta 18 O futuro da filosofia do direito1.19. Pergunta 19 Conselho ao jovem filsofo do direito

    2. Cinco questes2.1. Pergunta 1 Interesse pela filosofia do direito2.2. Pergunta 2 Contribuies filosofia do direito2.3. Pergunta 3 Questes centrais da filosofia do direito2.4. Pergunta 4 Filosofia do direito e prtica jurdica2.5. Pergunta 5 Questes da filosofia do direito que merecem ateno

    3. Entrevista a Aguiar de Oliveira e a Travessoni Gomes Trivisonno3.1. Pergunta 1 Argumentao prtica geral e direito3.2. Pergunta 2 Utilidade da frmula de Radbruch3.3. Pergunta 3 Ponderao e razo prtica3.4. Pergunta 4 Resposta a algumas objees contra a teoria dos princpios3.5. Pergunta 5 A questo da objetividade3.6. Pergunta 6 Futuros desenvolvimentos da teoria discursiva do direito

  • Bibliografia

  • LISTA DOS SMBOLOS LGICOS EMPREGADOS

    no (negao)

    e (conjuno)

    ou (disjuno)

    se..., ento... (condicional)

    ... se e somente se ... (bicondicional)

    x para todo x, ... (quantificador universal)

    O comandado (obrigatrio) ... (operador dentico)

    P permitido ... (operador dentico)

    P ... tem precedncia sobre ... (operador de preferncia)

  • PREFCIO

    Os artigos contidos neste livro tratam de temas de todas as reas do meu pensamento

    jusfilosfico. Tomados em conjunto eles propiciam uma representao ampla de suas linhasfundamentais.

    No centro dos meus primeiros trabalhos est a relao entre discurso e direito. Disso tratam ostrs artigos da primeira parte. A ideia fundamental que expressada neles que a razo prtica , emprimeiro lugar, possvel e, em segundo lugar, destinada a se realizar no direito. A teoria do discurso hoje um elemento necessrio do meu sistema. Ela constitui a base da teoria dos direitos humanos efundamentais, de que se ocupam os trs artigos da segunda parte. Uma das teses centrais da teoria dodiscurso que na argumentao so pressupostas a liberdade e a igualdade dos parceiros dodiscurso. Esse o ponto de partida da fundamentao dos direitos humanos como direitos morais.Contudo, para que sejam realizados no mundo, como ele , os direitos humanos precisam serinstitucionalizados como direitos positivos. Direitos fundamentais constituem a tentativa de positivaros direitos humanos e, nesse sentido, de transform-los em direitos jurdicos. Essainstitucionalizao se realiza de forma plena com a criao do controle de constitucionalidade.Porm, com isso no esto todos os problemas resolvidos. Coloca-se a questo de como se deveinterpretar e aplicar os direitos fundamentais. Disso tratam os artigos da terceira parte. No centroest a distino entre regras e princpios, que est inseparavelmente conectada mxima maisimportante da interpretao dos direitos fundamentais, a mxima da proporcionalidade. O discurso,os direitos humanos e fundamentais e a teoria dos princpios so pedras fundamentais da minha teoriasobre o conceito e a natureza do direito, que constituem o objeto dos trs artigos da quarta parte.Trata-se, aqui, da defesa de um conceito de direito no-positivista, que constitui a expresso dadupla natureza do direito. A isso se adicionam, na quinta parte, trs entrevistas, em que os temasabordados experimentam novas abordagens.

    Estou muito contente que os artigos e entrevistas aqui reunidos tenham tido AlexandreTravessoni Gomes Trivisonno como tradutor. Traduzir sempre tambm interpretar, e todainterpretao um desafio. Em vrias discusses que tive em Kiel com Alexandre Trivisonno sobrequestes referentes traduo pude constatar que, com ele, a traduo estava nas melhores mos. Sougrato a ele tambm pela magistral escolha e organizao dos artigos.

    Kiel, janeiro de 2014Robert Alexy

  • NOTA SOBRE A ORGANIZAO E A TRADUO

    1. OBSERVAES SOBRE OS OBJETIVOS DESTE LIVRO

    A obra de Robert Alexy consideravelmente vasta, sendo constituda basicamente por trslivros monogrficos, a saber, Teoria da Argumentao Jurdica (1978), Teoria dos DireitosFundamentais (1985) e Conceito e Validade do Direito (1992), bem como por cerca de 120 artigosescritos originalmente em sua grande maioria em alemo (e alguns em ingls), sendo que muitosdeles foram traduzidos em diversas lnguas como portugus, ingls, italiano, francs, espanhol,japons, chins etc. Alguns deles foram reunidos (e eventualmente traduzidos) em coletneas emalemo, espanhol e portugus.1 H tradues dos trs livros monogrficos em portugus, ingls,italiano, espanhol, japons, chins etc., bem como tradues esparsas em diversas lnguas de vriosdos artigos produzidos pelo autor.

    Este livro rene 12 artigos publicados por Alexy entre 1978 e 2012, bem como trs entrevistas,duas publicadas e uma indita, esta ltima realizada especialmente para o livro. Dentre os 15 textos,13 so inditos em lngua portuguesa.2 Embora, como j notado, os trs livros fundamentais de Alexye vrios de seus artigos tenham sido traduzidos em portugus, a organizao de um livro contendoartigos de Alexy em sua maioria inditos em portugus pareceu oportuna para se alcanar osseguintes objetivos:

    (1) Abordar de forma conjunta o sistema da teoria discursiva do direito desenvolvida porAlexy, propiciando assim, ao mesmo tempo, uma viso de conjunto de seus trs elementosfundamentais, a saber, o discurso e a argumentao jurdica, os direitos fundamentais e suaconstruo em princpios e o conceito e a natureza do direito , bem como, ao mesmo tempo,propiciar o acompanhamento do desenvolvimento da evoluo da referida teoria ao longo do tempo.Para atingir esse objetivo o livro traz no s textos contemporneos aos trs livros monogrficos deAlexy acima mencionados, mas tambm textos a eles posteriores, que constituem assimdesenvolvimentos da teoria de Alexy que no se encontram nas trs obras monogrficas.

    (2) Divulgar a resposta de Alexy aos principais crticos de sua teoria discursiva do direito.Como acontece com toda grande teoria, a teoria de Alexy teve, por um lado, grande aceitao eampla recepo e, por outro lado, foi alvo de severas objees em relao a seus trs elementosfundamentais. A tese do caso especial, que afirma ser o discurso jurdico um caso especial dodiscurso prtico geral, foi criticada, especialmente no espao teuto-lingustico, das mais variadasformas (crticas ao primeiro ncleo da teoria, discurso e argumentao jurdica), destacando-se acrtica de J. Habermas, que afirma que o discurso jurdico no deveria ser concebido como umsubconjunto da argumentao moral. A construo dos direitos fundamentais em princpios tambmfoi alvo de diversas objees, novamente no espao teuto-lingustico mas no somente nele

  • (crticas ao segundo ncleo da teoria, direitos fundamentais e teoria dos princpios); algunsafirmaram que ela atribui poder demais quele que aplica o direito, enquanto outros, ao contrrio,afirmaram ter ela retirado em demasiado esse poder do aplicador. Houve ainda um terceiro grupo decrticos que se concentrou na estrutura lgica dos princpios. Dentre essas crticas, talvez a de maiordestaque, mas, a meu ver, no a mais consistente, seja a j antiga crtica de Habermas, que apontauma suposta irracionalidade da ponderao como mtodo de aplicao de direitos fundamentais. Oterceiro ncleo da teoria (conceito e natureza do direito ) tambm foi criticado; a concepo deAlexy sobre como deve ser definido o direito, debate que se realiza de forma intensa no espaoanglofnico, foi atacada tanto por autores fora desse espao, por exemplo, E. Buligyn, quanto porautores que participam do debate atual que nele ocorre, como, por exemplo, J. Raz. Grande parte dascrticas se dirige aqui tese da conexo necessria entre direito e moral, defendida pela teoriadiscursiva do direito de Alexy.

    No Brasil, as objees mais repetidamente divulgadas e conhecidas so as de Habermas,sobretudo aquelas apresentadas em Direito e Democracia Entre Facticidade e Validade. Elas sedirigem tanto contra a tese do caso especial quanto contra a construo dos direitos fundamentais emprincpios. Porm, infelizmente, a resposta de Alexy a essas crticas no tem sido divulgada, noBrasil, na mesma proporo. A fim de minimizar esse problema foram escolhidos artigos que no scontm uma exposio, por parte de Alexy, dos pontos fundamentais de seu sistema, como tambmapresentam respostas s principais crticas referidas acima.

    A escolha dos 12 artigos, sua organizao e diviso ao longo dos quatro captulos do livro, bemcomo a escolha das entrevistas, teve sempre em vista cumprir esses dois objetivos acimaapresentados. Alm de duas entrevistas j publicadas (mas inditas em portugus), foi realizada umaterceira entrevista com Alexy, em 2012, especialmente para este livro. Como j notado acima, dentreos 12 artigos e as trs entrevistas, ou seja, dentre os 15 textos, 13 so inditos em lngua portuguesa,o que refora a esperana de que este livro possa cumprir os objetivos acima expostos.

    2. OBSERVAES SOBRE A TRADUO

    Dentre os 15 textos que ora se publicam, a grande maioria, a saber, 11, foi originalmente escritaem alemo, e quatro foram originalmente escritos em ingls. As tradues foram feitas a partir dessesoriginais.

    Na traduo procurei, na mxima medida possvel, manter a fidelidade letra do texto original,exceto nos casos em que ela prejudicaria o sentido. Em outros termos, foi dada a precedncia, emcaso de choque entre literalidade e sentido, ao segundo. O problema que muitas vezes estavam emjogo no s esses dois princpios fundamentais, mas tambm outros, que igualmente precisavam serponderados, como a tradio, o respeito estrutura da lngua a ser traduzida, o emprego dalinguagem clara, dentre outros. Em muitos casos as opes de um tradutor no so fceis. Para pioraras coisas, em uma traduo, ao contrrio, por exemplo, do que ocorre em uma deciso judicial, no possvel fundamentar expressamente todas as decises. A insero de notas do tradutor na formade notas de rodap toda vez que surgisse uma polmica de traduo quebraria completamente a

  • sequncia de leitura. Do mesmo modo, uma nota inicial explicando a traduo de todos os termos dedifcil traduo no parece adequada. Porm, quatro observaes so necessrias.

    (1) A primeira diz respeito traduo de alguns termos tcnicos alemes. Tome-se comoexemplo o termo alemo Universalisierbarkeit. Universalisierbarkeit poderia ser traduzido, sefosse feita a opo por uma traduo analtica, como propriedade ou qualidade de poder seruniversalizado. Se fosse feita a opo por uma tal traduo analtica, isso significaria que, quandono original em alemo aparece o termo Universalisierbarkeitsprinzip, a traduo em portugusteria que ser princpio da possibilidade de algo poder ser universalizado, o que teria a vantagemde evitar a criao de um termo na lngua portuguesa, mas a desvantagem de tornar a leitura maisdifcil, devido extenso da traduo. Ocorre que o termo Universalisierbarkeit no existiaoriginalmente na lngua alem; trata-se de um termo tcnico que foi criado no mbito das discussesfilosficas decorrentes do impacto, na filosofia, do imperativo categrico de Kant. Como se sabe,uma das frmulas do imperativo categrico, a frmula da lei universal, reza: age apenas de acordocom aquela mxima, atravs da qual voc possa ao mesmo tempo querer que ela se transforme em leiuniversal.3 Essa propriedade da mxima, a saber, a propriedade de poder valer como uma leiuniversal, passou a ser designada Universalisierbarkeit (universalizabilidade). Como aqui setrata, portanto, de um termo tcnico da filosofia, que no existia no vocabulrio da lngua alem e quefoi criado como termo tcnico da filosofia, achei que se justificava optar pela traduouniversalizabilidade. A fim de se manter a coerncia do texto, a mesma diretriz foi aplicada paratermos anlogos, como Verallgemeinerbarkeit (propriedade ou qualidade de algo poder sergeneralizado, que foi traduzido por generalizabilidade), Begrndbarkeit (propriedade ouqualidade de algo poder ser fundamentado, que foi traduzido por fundamentabilidade),Institutionalisierbarkeit (propriedade ou qualidade de algo poder ser institucionalizado, que foitraduzido por institucionalizabilidade), Beweisbarkeit (propriedade ou qualidade de algo poderser provado, que foi traduzido por provabilidade) etc.

    (2) A segunda observao diz respeito traduo dos quatro textos traduzidos a partir deoriginais em ingls. Neles, s vezes deixei de lado uma traduo literal e preferi empregar o termohabitualmente empregado por Alexy em alemo. Um exemplo: na lngua inglesa faz sentido falar lawclaims [...] e law claims nothing [...]. A traduo literal, o direito alega [...] ou o direitoreivindica [...] e o direito no alega nada [...] ou o direito no reivindica nada [...] ficariaestranha em portugus. Por isso, e para manter a coerncia com os textos traduzidos a partir doalemo, traduzi law claims [...] por o direito levanta uma pretenso [...] e law claims nothing[...] por o direito no levanta qualquer pretenso [...], que correspondem s expresses alemsdas Recht erhebt einen Anspruch [...] e das Recht erhebt keinen Anspruch, usadas por Alexynos textos originalmente escritos em alemo. Outro exemplo: em vrias passagens dos textosoriginalmente escritos em ingls Alexy usa os termos justification e justifiability, que,literalmente, teriam que ser traduzidos por justificao e justificabilidade (propriedade ouqualidade de algo poder ser justificado); optei, porm, por traduzi-los por fundamentao efundamentabilidade (respectivamente Begrndung e Begrndbarkeit em alemo), que so ostermos usados por Alexy nos textos originalmente escritos em alemo, exatamente nos mesmoscontextos em que aparecem, nos textos por ele originalmente escritos em ingls, justification ejustifiability. Em sntese, para manter a unidade da traduo, os quatro textos traduzidos a partir deoriginais em ingls foram traduzidos com um olho naquilo que Alexy escreveu sobre o tema em

  • alemo, que sua lngua materna.(3) A terceira observao diz respeito s referncias a leis e decises judiciais da Repblica

    Federal da Alemanha. O texto da Lei Fundamental da Alemanha tem como unidade fundamental oartigo (Artikel), que pode estar dividido em uma unidade menor, o pargrafo (Absatz). Dentro dospargrafos as frases so numeradas, e recebem o nome Satz, que pode ser traduzido por frase,sentena ou proposio. Adotei, como traduo, nas citaes da Lei Fundamental da Alemanha,a terminologia artigo-pargrafo-proposio. Assim, por exemplo, traduzi a referncia Art. 28, Abs.1, Satz 1 GG como a primeira proposio (proposio 1) do primeiro pargrafo do artigo 28 daLei Fundamental. No caso das leis, a unidade fundamental o pargrafo (Paragraph), que representado pelo smbolo , que pode se dividir em uma unidade menor, denominada em algunscasos Nummer (nmero) e, em outros, Absatz, que pode, eventualmente, estar ainda dividido emuma unidade menor, Satz. Utilizei, quando aparece a nomenclatura Absatz-Nummer, a traduopargrafo-nmero. Quando aparece a nomenclatura Paragraph-Absatz, utilizei a traduopargrafoinciso, uma vez que a traduo de Absatz por pargrafo levaria a uma duplicao(pargrafo-pargrafo). No caso das decises judiciais, sobretudo do Tribunal Constitucional Federal(BVerfGE), as referncias indicam o volume, a pgina em que a deciso comea, e, entre parnteses,a pgina em que se encontra a citao. Assim, por exemplo, a referncia BVerfGE, 65, p. 1 (p. 43),significa que a deciso foi publicada no volume 65, comeando na pgina 1, e o material citado seencontra na pgina 43.

    (4) A quarta observao diz respeito forma das citaes e referncias usadas neste livro. Aforma alem consideravelmente diferente da brasileira. Havia duas possibilidades: manter a formaoriginal ou converter todas as citaes e referncias para o padro usado no Brasil. Por fidelidadeao texto original, foi mantida, em essncia, a forma original, com algumas pequenas modificaes.

    3. AGRADECIMENTOS

    Por fim, mas no menos importante, agradecimentos so necessrios.Agradeo Fundao Alexander von Humboldt, que me concedeu uma bolsa de Pesquisa

    George Forster, que tornou possvel a concepo e execuo deste livro, a Cynthia Pereira deArajo, pela cuidadosa leitura das tradues e sugestes de modificaes, a Stanley L. Paulson, quecomigo discutiu as possibilidades de traduo de alguns termos em ingls, a Carsten Bcker, que nos discutiu comigo a traduo de vrios termos e passagens dos originais em lngua alem comotambm apresentou importantes sugestes referentes organizao do livro, e, sobretudo, a RobertAlexy, que gentil e pacientemente se reuniu comigo vrias vezes no semestre de inverno 2012/2013,em Kiel, para discusso das partes mais complexas da traduo. Naturalmente, a responsabilidadepor eventuais inadequaes da traduo exclusivamente minha.

    Belo Horizonte, janeiro de 2014Alexandre Travessoni Gomes Trivisonno

  • _______________1 Cf. http://www.alexy.jura.uni-kiel.de/schriftenverzeichnis.2 Os textos originalmente traduzidos a partir de originais em alemo foram (em ordem cronolgica de sua produo): (1)

    Eine Theorie des praktischen Diskurses; (2) Zum Begriff des Rechtsprinzips; (3) Zur Kritik des Rechtspositivismus; (4)Zur Verteidigung eines nichtpositivistischen Rechtsbegriffs; (5) Grundrechte im Demokratischen Verfassungsstaat; (6)Diskurstheorie und Rechtssystem; (7) Interview durch Manuel Atienza; (8) Menschenrechte ohne Metaphysik?; (9) DieKonstruktion der Grundrechte; (10) Ideales Sollen; e (11) Gesprch mit Robert Alexy Fragen von Jlio Aguiar deOliveira und Alexandre Travessoni Gomes Trivisonno. Os textos traduzidos a partir de originais em ingls foram(novamente em ordem cronolgica de produo dos textos): (1) The Special Case Thesis; (2) Five Questions; (3) Twoor Three? e (4) The Dual Nature of law. Dentre esses 15 textos possuem traduo em lngua portuguesa apenas ZumBegriff des Rechtsprinzips e Die Konstruktion der Grundrechte. Cf. http://www.alexy.jura.uni-kiel.de/schriftenverzeichnis.

    3 No original: handle nur nach derjenigen Maxime, durch die du zugleich wollen kannst, da sie allgemeines Gesetzwerde (I. Kant, Grundlegung zur Metaphysik der Sitten, IV, 421 (edio da Academia). Interessante notar que Kant usa otermo allgemein(es), que, embora possa ser literalmente traduzido por geral, costuma ser traduzido, nesse caso, poruniversal. O fato que, embora Kant use, em seus textos, o adjetivo allgemein(es), a partir da surgiu o termoUniversalisierbarkeit.

  • ESTUDO INTRODUTRIO

    A teoria discursiva do direito de Alexy e as duas questesfundamentais da filosofia do direito

    Alexandre Travessoni Gomes Trivisonno

    1. AS DUAS QUESTES FUNDAMENTAIS DA FILOSOFIA DO DIREITO

    As duas questes fundamentais da filosofia do direito so o conceito e a aplicao do direito.Essas duas questes tm estado presentes nas reflexes filosficas desde o seu nascimento. Algumasteorias filosficas sobre o direito concentram-se na questo do conceito de direito, no abordandosua aplicao, como o caso por exemplo da teoria de Kant e, talvez, possa se dizer, tambm dateoria de Hart. Outras teorias, ao contrrio, concentraram-se nos problemas referentes aplicao dodireito, sem contudo desenvolver um estudo sistemtico sobre o que o direito, como por exemplo ateoria de Dworkin. Por fim, algumas teorias procuraram abordar os dois temas de forma coordenada.Essa abordagem dos dois temas fundamentais por essas teorias decorre da percepo, por partedelas, de que as duas questes so questes intimamente ligadas entre si: a aplicao do direitodepende de como se conceitua o direito e, por outro lado, o conceito de direito depende do modocomo se encara a aplicao do direito. As teorias que se dedicam s duas questes so geralmentedenominadas teorias abrangentes.

    Algum poderia questionar os dois pontos que acabei de mencionar. Em primeiro lugar algumpoderia dizer que toda teoria filosfica sobre o direito abrange as duas questes, pelo menos emalguma medida, ainda que de forma implcita. Poder-se-ia afirmar, por um lado, que uma teoria queaparentemente se dedica somente aplicao do direito pressupe um conceito de direito, ainda queesse conceito no seja explicitamente formulado e desenvolvido e, por outro lado, que uma teoriaque se dedica aparentemente somente ao conceito do direito pressupe ou mesmo implica um tipo deaplicao do direito. Assim, por exemplo, poder-se-ia dizer, por um lado, que a teoria de Dworkin,cujo foco a aplicao do direito, sobretudo pelas cortes americanas, pressupe um conceito dedireito, a saber, um conceito de direito que inclui elementos morais e, por outro lado, que a teoria deKant, que se concentra no conceito de direito, leva a um certo tipo de aplicao maisespecificamente, a um modelo de aplicao apenas incipiente, que decorre do carter estrito dosdeveres de direito. Isso sem dvida verdade; uma teoria que se concentra na aplicao do direitocertamente pressupe um conceito de direito e, por outro lado, uma teoria que se concentra noconceito de direito certamente tem implicaes na aplicao do direito. Mas o fato de isso serverdade no afeta a legitimidade daquilo que foi dito aqui; uma teoria abrangente desenvolve os dois

  • temas; ela no se contenta em pressupor um conceito de direito para gastar sua energia apenas com aaplicao do direito ou, ao contrrio, ela no se contenta em no explicitar os efeitos prticos queseu conceito de direito tem na aplicao do direito. Em outros termos, ela aborda explcita edetidamente as duas questes.

    A segunda objeo poderia ter como alvo os exemplos mencionados acima. Algum poderiadizer que a teoria de Dworkin no trata somente da aplicao do direito, ou que a teoria de Kant no uma teoria somente sobre o conceito de direito. Ora, o que foi dito no pargrafo anteriorresponderia j essa segunda objeo. Se tratar a questo do conceito de direito significa de fatoabordar, de forma detida, sistemtica e explcita esse tema, Dworkin no possui uma teoria sobre oconceito de direito; se porm tratar a questo do conceito de direito significasse pressupor umconceito de direito, fazer observaes esparsas sobre ele, ento de fato teria que se concordar queDworkin tem uma teoria sobre o conceito do direito. Do mesmo modo, se tratar a questo daaplicao do direito significa de fato abordar esse tema de forma detida, sistemtica e explcita, nose pode dizer ter Kant dela tratado. Se porm tratar a questo da aplicao do direito significassedesenvolver um conceito de direito que tem consequncias na aplicao do direito, ainda queconsequncias implcitas ou apenas incipientemente exploradas, no s Kant, mas provavelmentetodo terico que se concentrou no conceito de direito teria simultaneamente tratado da questo daaplicao do direito.

    Isso no significa que a teoria no-abrangente de Kant, que se concentra no conceito de direito,e que a teoria no-abrangente de Dworkin, que se concentra na aplicao do direito, no tenham nadaa dizer sobre a aplicao do direito (no caso de Kant) e sobre o conceito de direito (no caso deDworkin). Elas de fato tm; mas certamente elas no o fazem da mesma forma que as teoriasabrangentes o fazem. Naturalmente pode ser bastante interessante para um intrprete reconstruir porexemplo aquilo que teria sido uma teoria da aplicao coerente com o conceito de direito de Kant ouum conceito de direito coerente com a teoria da aplicao do direito de Dworkin. Porm, taisreconstrues no seriam mais partes das teorias de Kant e Dworkin, mas sim reconstrueskantianas e reconstrues dworkinianas.

    No possvel ir mais fundo nesse tema aqui. Meu objetivo nesse estudo introdutrio apresentar a teoria de Alexy como uma teoria abrangente, apontando seus principais avanos e asquestes que ela deixa em aberto no que diz respeito s duas questes fundamentais do direito, ouseja, ao conceito e aplicao do direito. Para esse fim a breve conceituao de teoria abrangente jalcanada suficiente. Antes de passar abordagem de como a teoria discursiva do direito de Alexytrata as duas referidas questes preciso analisar problemas que as duas questes centrais dafilosofia do direito envolvem. o que passo a fazer.

    2. OS PROBLEMAS QUE SUBJAZEM S DUAS QUESTES FUNDAMENTAIS DAFILOSOFIA DO DIREITO: POR UM LADO CONEXO VERSUS SEPARAO E,POR OUTRO LADO, PERFEIO KANTIANA VERSUS IMPERFEIOPOSITIVISTA

  • No que diz respeito questo do conceito de direito, o subtema especfico fundamental se odireito se conecta necessariamente moral ou no. J no que diz respeito questo da aplicao dodireito o subtema especfico fundamental como se pode resolver a anttese entre o modelo tericode aplicao decorrente de um conceito de direito em que deveres de direito so perfeitos (Kant) e omodelo que, em oposio ao modelo kantiano, limita-se a descrever a indeterminao da aplicaodas normas jurdicas (Kelsen e Hart). Vou denominar o modelo kantiano o modelo da perfeio e omodelo de Kelsen e Hart o modelo da imperfeio.

    Assim, as duas questes centrais da filosofia do direito, o conceito e a aplicao do direito,podem ser especificadas em dois problemas: (1) conexo versus separao entre direito e morale (2) perfeio kantiana versus imperfeio positivista. Esses problemas precisam ser melhorexplicados.

    (1) No que diz respeito ao conceito de direito o problema central a conexo ou no do direito moral porque, de modo geral, nenhum terico do direito contesta hoje o fato de o direito ser umaordem normativa coercitiva dotada de eficcia social. Esses dois elementos, na linguagem de Alexy alegalidade autoritativa (ou estabelecimento em conformidade com o ordenamento) e a eficcia social,fazem parte do conceito de direito tanto de positivistas (por exemplo Kelsen e Hart) quanto de no-positivistas (por exemplo Kant, Radbruch aps 19451 e o prprio Alexy). Assim, a polmica gira emtorno da adio ou no de um terceiro elemento, a correo material (ou moral). Essa questoconstitui o ponto central da disputa entre o no-positivismo de Alexy e o positivismo jurdico.2

    (2) No que diz respeito questo da aplicao do direito o problema central a estrutura deaplicao das normas jurdicas. Embora a teoria de Kant seja, como vimos, uma teoria no-abrangente que se concentra no conceito de direito, o modelo de aplicao dela decorrente possuigrande significado. Na Metafsica dos Costumes Kant concebe os deveres de direito (econsequentemente o direito) como perfeitos e estritos; isso significa que deveres de direito noadmitem excees, so especficos.3 Os deveres de virtude (moral) seriam, ao contrrio, para Kant,imperfeitos e amplos, ou seja, admitem excees ou, em termos kantianos, a limitao de umamxima de ao por outra.4 A consequncia disso drstica para a aplicao do direito: o direitoexige, em Kant, preciso matemtica.5 No toa que Kant no desenvolve, na Doutrina do Direito,uma casustica, reservando-a Doutrina da Virtude.6 Seu conceito de direito leva quase desnecessidade de uma teoria da aplicao. Ora, se deveres de direito so especficos, oferecendopreciso matemtica, basta, na sua aplicao, encontrar o direito aplicvel e subsumir o fato norma,chegando-se assim soluo. Assim, argumentao e ponderao no tm lugar na Doutrina doDireito de Kant, ficando restritas Doutrina da Virtude. Por essa razo denomino o modelo de Kant,que foi aqui provavelmente influenciado pela crena exagerada de seu tempo na legislao a lei (nocaso da Prssia poca de Kant a Allgemeines Landrecht fr die Preuischen Staaten),7 omodelo da perfeio. No modelo positivista de Kelsen e Hart a inadequao dessa forma deaplicao expressamente apontada. Se, por um lado, Hart admite no ter se concentradodetidamente na aplicao do direito8 enquanto Kelsen dedica certa ateno ao tema,9 por outro ladoas duas teorias possuem um importante ponto em comum: de modos diferentes, Kelsen10 e, depoisdele Hart,11 apontam o fato de que quando uma norma (geral) aplicada a um caso concreto a suavagueza impossibilita a obteno de uma nica soluo. Normas jurdicas, devido sua generalidade(Kelsen) ou sua textura aberta (Hart), impossibilitam a deduo de uma nica soluo quando desua aplicao. bem verdade que o modelo de Kelsen mais complexo e completo que o de Hart,

  • porque se destina a toda aplicao de normas (seja pelo legislador ou pelo juiz), unindo legislao ejurisdio como formas ao mesmo tempo de produo e aplicao do direito.12 Mas isso nointeressa aqui. Aqui suficiente constatar o acerto parcial de Kelsen e Hart ao constatar que odireito, tomado como conjunto de normas (ou, em Hart, regras), no determina em princpio umanica soluo para cada caso: h uma relativa indeterminao na produo, a partir de uma normasuperior, de uma norma inferior. Exatamente por isso eu denomino esse modelo, em oposio aomodelo da perfeio de Kant, o modelo da imperfeio.

    Assim, os positivistas Kelsen e Hart afirmam um modelo imperfeito de aplicao, em oposioao modelo kantiano, o modelo da perfeio. O fato de, passada a euforia das codificaes, ter-semostrado que o modelo kantiano insustentvel,13 no quer dizer porm que o modelo da imperfeiode Kelsen e Hart seja correto. Ele em princpio correto, porque, primeira vista, parece de fatohaver uma indeterminao na aplicao do direito. Mas talvez essa indeterminao possa serreduzida pela metodologia de aplicao do direito. O desafio da teoria jurdica nos ltimos 50 anosvem sendo desenvolver um modelo de aplicao que no seja to indeterminado quanto o modeloimperfeito, mas que no signifique a volta ao modelo perfeito de Kant. Constituem tentativas nessesentido as teorias de Dworkin e Alexy. Por um lado, a teoria de Dworkin prega, como o modelo daperfeio de Kant, uma nica soluo para cada caso, mas, por outro lado, ela diverge do modelokantiano, pois nela a soluo no decorre de uma legislao perfeita, mas sim de um processo deaplicao em que possvel descobrir a nica resposta correta.14 Em outros termos, a nica respostasurge no processo de interpretao (legal reasoning). Por essa razo vou denominar o modelo deDworkin o modelo da aplicao perfeita. O modelo de Alexy tem um ponto em comum com omodelo de Dworkin: a aceitao de que a legislao no perfeita e a constatao da importncia doprocesso de interpretao (em Alexy, argumentao). Mas Alexy, ao contrrio de Dworkin, noentende ser possvel uma nica soluo para todo e qualquer caso.15 Alexy entende que seriainadequado afirmar a tese da nica resposta correta sem oferecer um procedimento para alcan-la.Por isso, a nica resposta correta transforma-se, em Alexy, em uma ideia regulativa, isto , uma ideiametodologicamente construda, que deve ser buscada no discurso real, mas que nem sempre pode seralcanada. Por essa razo, denominarei o modelo de Alexy o modelo da aplicao relativamenteperfeita (ou relativamente imperfeita).16

    Abordarei como essas duas questes fundamentais da filosofia do direito, o conceito e aaplicao do direito, so tratadas na teoria discursiva do direito de Alexy. Mas, para faz-lo, preciso antes verificar como se constitui o sistema dessa teoria.

    3. A ESTRUTURA DA TEORIA DISCURSIVA DO DIREITO DE ALEXY COMO SISTEMA

    A obra de Alexy at o presente momento consideravelmente vasta, tendo sido elaboradadurante um perodo de cerca de 35 anos. Ela constituda basicamente por trs livros monogrficos ecerca de 120 artigos, alguns deles reunidos em coletneas publicadas em alemo e em outras lnguas.Os trs livros, que constituem trs marcos importantes na teoria de Alexy, so a Teoria daArgumentao Jurdica, que foi produzida como tese de doutorado sob a orientao de Ralf Dreierentre 1973 e 1976 junto Universidade de Gttingen (publicada pela primeira vez em 1978), a

  • Teoria dos Direitos Fundamentais , que foi produzida como tese de livre docncia tambm sob aorientao de Ralf Dreier e apresentada na mesma universidade em 1984 (publicada pela primeiravez em 1985) e Conceito e Validade do Direito , que foi produzido quando Alexy j era professor naUniversidade de Kiel, tendo sido publicado em 1992.

    3.1. Os trs elementos fundamentais do sistema

    Uma anlise elementar dessas trs obras principais revela bastante sobre o contedo da teoriade Alexy. Em primeiro lugar ela revela os elementos fundamentais dessa teoria: o discurso prticogeral e o discurso jurdico, tematizados na Teoria da Argumentao Jurdica , uma anlise dosdireitos fundamentais, tanto no plano terico do direito, destacando-se a estrutura das normasjurdicas garantidoras de direitos fundamentais e sobretudo sua distino em regras e princpios,quanto no plano da dogmtica do direito constitucional, realizada na Teoria dos DireitosFundamentais, e o conceito e a natureza do direito, tematizados em Conceito e Validade do Direito.

    Em segundo lugar uma anlise elementar das trs obras revela uma evoluo, que, porm,ocorre sem ruptura: o discurso jurdico racional, tematizado na Teoria da Argumentao Jurdica , um pressuposto essencial da teoria dos princpios, ponto central da Teoria dos DireitosFundamentais, e a teoria dos princpios ao lado da teoria do discurso so, por sua vez, incorporadasna teoria sobre o conceito de direito, tematizada por Alexy em Conceito e Validade do Direito.

    Essa anlise ainda elementar sugere portanto que a teoria de Alexy composta por trselementos fundamentais: o discurso jurdico (abordado na Teoria da Argumentao Jurdica ), aestrutura dos direitos fundamentais, ou seja, a distino entre regras e princpios e a ponderao(abordadas na Teoria dos Direitos Fundamentais ), e o conceito de direito (abordado em Conceito eValidade do Direito ). Vrios intrpretes de Alexy seguem essa tendncia, como, por exemplo, Klatt,que fala nos trs pilares do sistema de Alexy.17

    A meu ver, embora de fato se possa falar em trs elementos do sistema de Alexy, um delespossui um papel de destaque: a tese do caso especial desenvolvida na forma da teoria do discurso.Isso no quer dizer que os outros elementos no sejam importantes, nem que a teoria de Alexy noconstitua um sistema, mas apenas que, dentre os trs elementos, um deles, a tese do caso especial naforma da teoria do discurso, possui uma caracterstica que os demais elementos fundamentais nopossuem. Essa ideia precisa ser melhor explicada.

    3.2. O papel de destaque da tese do caso especial na forma da teoria do discurso nosistema de Alexy

    Se uma anlise inicial das trs obras principais de Alexy sugere, por um lado, um sistemacomposto por trs elementos fundamentais com a mesma importncia, por outro lado uma anlisemais aprofundada das prprias trs obras principais acrescida de uma anlise de alguns dos quase120 artigos produzidos por Alexy sugere uma outra configurao.

    Essa anlise mais aprofundada do contedo das trs obras sugere que a Teoria daArgumentao Jurdica desempenha um papel de destaque, porque nela j se encontram teses dasquais decorrero as outras caractersticas do sistema de Alexy, desenvolvidas na Teoria dos

  • Direitos Fundamentais e em Conceito e Validade do Direito . Portanto, o desenvolvimento dos doiselementos seguintes, a saber, a teoria dos princpios e o conceito de direito, ocorre sob a ideiafundamental da tese do caso especial na forma da teoria do discurso. Para se demonstrar essa tese preciso, em primeiro lugar, explicar o que se entende aqui por papel de destaque. Depois disso preciso mostrar por que a tese do caso especial na forma da teoria do discurso constitui o elementoque possui esse papel de destaque.

    3.2.1. O papel de destaque

    Entendo aqui por papel de destaque a caracterstica de um elemento do sistema de dirigir aorientao de pesquisa de uma teoria. Uma teoria pode ter vrios elementos fundamentais, e pode atmesmo ter mais de um elemento mais fundamental, mas geralmente um deles se destaca. A distino simples: uma teoria ter um elemento mais fundamental quando os outros elementos fundamentaisdessa teoria puderem ser extrados desse elemento mais fundamental, que pode ento, exatamente porisso, ser denominado o mais fundamental. Uma teoria ter dois (ou mais) elementos maisfundamentais que os demais quando eles dirigirem a orientao de pesquisa dessa teoria, mas um nopuder ser extrado do outro. Essa distino superficial, e mereceria maiores consideraes. Masela no pode ser aprofundada aqui, sendo suficiente, para o propsito deste estudo, essa brevedescrio que acabei de fazer, aliada constatao de que, pelas razes apresentadas acima, quandouma teoria possui um elemento de maior destaque que os outros, esse elemento pode ser consideradoo mtodo dessa teoria.

    3.2.2. A tese do caso especial na forma da teoria do discurso como mtodo do sistema deAlexy

    Agora, para se demonstrar que a tese do caso especial na forma da teoria do discurso possui umpapel de destaque, constituindo assim a diretriz fundamental do sistema de Alexy, isto , seu mtodo, preciso explicar o que ela e verificar ento se ela preenche os requisitos apontados acima, ouseja, preciso verificar se ela uma candidata que passa pelo critrio posto como critrionecessrio para que um elemento seja considerado o elemento mais fundamental de um sistema. Masisso no suficiente, pois pode ser que a tese especial passe no teste mas no seja o nico elementomais fundamental, porque pode ser que outros elementos tambm passem no teste. Portanto, precisotambm verificar se as outras duas candidatas, ou seja, a teoria dos princpios e a teoria sobre oconceito de direito, passam ou no no teste do elemento mais fundamental. Se a tese do caso especialna forma da teoria do discurso passar e as outras duas candidatas no passarem, a tese esboadaacima, ou seja, a tese do sistema com um elemento mais fundamental que os demais, estardemonstrada, e poder ento se afirmar ter a tese do caso especial na forma da teoria do discurso umpapel de destaque, constituindo assim o mtodo de Alexy. As duas candidatas adicionais nopassaro no teste se for demonstrado que elas decorrem da primeira.

    A fim de poder verificar se minha suposio verdadeira comearei com uma descrio eanlise das trs obras monogrficas principais de Alexy. Aps isso passarei a uma anlise de algunsartigos escritos pelo Autor.

  • 3.2.2.1. Anlise das trs obras monogrficas principais de Alexy

    N a Teoria da Argumentao Jurdica defende-se essencialmente a tese do caso especial naforma da teoria do discurso: o discurso jurdico constitui um caso especial do discurso prtico geral.Para demonstrar essa tese Alexy procura mostrar em que consiste o discurso prtico geral, em queconsiste o discurso jurdico, e por que este um caso especial daquele. Para mostrar o que odiscurso prtico geral Alexy adota um mtodo interessante: parte de diversas teorias existentes e comelas vai progressivamente aprendendo, at chegar a um esboo de uma teoria da argumentaoprtica geral. No cabe aqui uma anlise aprofundada desse desenvolvimento nem mesmo umaabordagem crtica de suas virtudes e problemas. Basta aqui constatar que Alexy, a partir de vriasteorias sobre o discurso prtico geral como o naturalismo, o intuicionismo, o emotivismo, asabordagens do discurso enquanto atividade guiada por regras como as de Wittgenstein, Hare,Toulmin e Baier, a teoria consensual da verdade de Habermas, a teoria da deliberao prtica daEscola de Erlangen e a teoria da argumentao de Chaim Perelman,18 elabora seu esboo de umateoria do discurso prtico racional geral. Esse esboo, que constitui a formulao de regras e formasdo discurso para que seja possvel a fundamentao de enunciados normativos, incorpora muito dasteorias acima mencionadas, como, s para citar dois exemplos, o princpio da universalizabilidadede Hare, que foi incorporado s regras fundamentais do discurso,19 e as distintas variantes doprincpio da generalizabilidade, como as de Hare, Habermas e Baier, incorporadas s regras defundamentao.20 Aps esboada uma teoria do discurso prtico geral chega a hora de se mostrarpor que o discurso jurdico um caso especial do discurso geral. Para se mostrar que uma espcie espcie de um gnero preciso basicamente duas coisas: em primeiro lugar, preciso mostrar queela possui caractersticas essenciais do gnero e, em segundo lugar, preciso mostrar que ela possuicaractersticas essenciais no comuns a alguns indivduos do gnero.21 Ora, o discurso jurdicoconstitui um caso especial do discurso prtico geral porque, assim como todo discurso prtico geral,ele diz respeito a questes prticas (isto , do agir), cujas solues implicam uma pretenso decorreo; isso justifica ser o discurso jurdico um discurso prtico geral. Por outro lado, o discursojurdico se diferencia de outras formas de discurso prtico geral por ter uma caracterstica que taisoutras formas no possuem, a saber, o vnculo lei, aos precedentes e dogmtica; isso justifica sero discurso jurdico uma espcie de discurso prtico geral.22

    N a Teoria dos Direitos Fundamentais abordada a estrutura dos direitos fundamentais.Embora existam na obra temas interessantes, que infelizmente no posso abordar aqui, como porexemplo os direitos fundamentais como direitos subjetivos23 e os direitos fundamentais comostatus,24 o ponto que interessa principalmente a anlise da estrutura das normas de direitosfundamentais, realizada no Captulo 3, sobretudo a distino entre regras e princpios e a soluo dascolises de princpios atravs da mxima da proporcionalidade. Alexy parte de uma anlise doscritrios tradicionalmente usados para distinguir regras de princpios, sobretudo do clssico critrioquantitativo da generalidade, para ento desenvolver seu prprio critrio: princpios so comandosde otimizao, ou seja, comandos que exigem que algo seja realizado na mxima medida possvel,observadas as circunstncias fticas e jurdicas, enquanto regras so comandos definitivos, ou seja,exigem simplesmente que uma conduta seja praticada. Colises de princpios so solucionadas pelamxima da proporcionalidade, atravs de suas trs mximas parciais, a saber, a mxima parcial daadequao, a mxima parcial da necessidade e a mxima parcial da proporcionalidade em sentido

  • estrito. As duas primeiras exigem que algo seja realizado na mxima medida possvel relativamentes circunstncias fticas, enquanto a terceira exige que algo seja realizado na mxima medidapossvel relativamente s circunstncias jurdicas.25 A atividade de ponderao, sobretudo no planoda mxima da proporcionalidade em sentido estrito, significa atribuir peso ao grau da interferncia aum princpio, importncia do cumprimento do outro, e ento verificar qual deles maior. No cabeaqui uma anlise mais detalhada dessa estrutura. O foco aqui a identificao do elemento maisfundamental do sistema de Alexy e, para isso, essa breve descrio suficiente.

    Em Conceito e Validade do Direito , Alexy tematiza o conceito de direito e sua natureza. Emtermos mais simples, o objeto central aqui responder pergunta o que o direito?. Alexy partede uma anlise das teorias positivistas, com foco sobretudo em Hans Kelsen, Herbert L. A. Hart eNorbert Hoerster, para com elas concordar que o conceito de direito engloba os elementos dalegalidade autoritativa (ou estabelecimento em conformidade com o ordenamento) e da eficciasocial. Mas, segundo Alexy, ao contrrio do que defendem os positivistas, o conceito de direito nose limita a isso. Alexy afirma que nenhum no-positivista que deva ser levado a srio exclui essasduas dimenses, mas apenas inclui uma terceira: a da correo material. O direito possui portantotrs elementos, e no apenas dois, a saber: legalidade autoritativa, eficcia social e correomaterial. Os dois primeiros dizem respeito dimenso ftica do direito, enquanto o terceiro dizrespeito sua dimenso ideal. Essa dimenso ideal no significa que, no no-positivismo defendidopor Alexy, a justia (correo material) sempre prevalea sobre o direito positivo, ou seja, nosignifica que toda vez que o direito positivo for injusto ele deve ser considerado invlido, mas tosomente que quando o limiar da injustia extrema for ultrapassado o direito deixa de ser vlido.Alexy retira essa ideia da conhecida frmula de Radbruch, que foi desenvolvida em 1945 quandoRadbruch reviu parcialmente aquilo que tinha defendido antes da guerra.26

    Agora j temos material suficiente para comear a testar as teses candidatas. A Teoria daArgumentao Jurdica trata do discurso jurdico na forma da tese do caso especial, a Teoria dosDireitos Fundamentais trata sobretudo da estrutura dos direitos fundamentais e Conceito e Validadedo Direito trata do conceito e da natureza do direito. Trata-se, claramente, de trs temas diferentes.Dada a importncia dos temas, pode-se falar em trs elementos fundamentais do sistema. Aabordagem de trs temas diferentes, ainda que os trs sejam importantes, no porm suficiente parase afirmar que todos so igualmente fundamentais, por dois motivos: um pode ser mais importanteque os outros e, alm disso, um (ou dois) pode(m) decorrer do outro.

    Minha tese que, em Alexy, das trs candidatas a saber, a tese do caso especial na forma dateoria do discurso, a teoria dos princpios e a tese da conexo entre direito e moral as duas ltimasdecorrem da primeira. Em outros termos, a tese do caso especial, do modo como desenvolvida porAlexy, ou seja, na forma da teoria do discurso, possui j, dentro de si, a ideia de ponderao e deprincpios, bem como a ideia de uma conexo necessria entre direito e moral. Assim, a tese do casoespecial na forma da teoria do discurso teria um papel de destaque, mostrando-se como o elementomais fundamental do sistema de Alexy.

    A tese do caso especial na forma da teoria do discurso afirma, como vimos, que o discursojurdico um caso especial do discurso prtico geral. Isso significa, tambm como vimos, que odiscurso jurdico parte do discurso prtico geral, porque trata de questes prticas e levanta umapretenso de correo, mas possui caractersticas especficas que o diferenciam das demais formasde discurso prtico, a saber, o vnculo lei, aos precedentes e dogmtica. Minha tese de que a

  • mera ideia de um discurso prtico geral, como formulada por Alexy, ou seja, no contexto de umateoria discursiva, implica j ponderao e, com isso, princpios enquanto comandos de otimizao.Isso assim porque argumentar implica ponderar. A ponderao constitui uma estrutura fundamentalda racionalidade prtica; no possvel argumentar sem ponderar. A ponderao est implcita natese do caso especial na forma da teoria do discurso.

    No caso da tese da conexo entre direito e moral, presente no conceito de direito de Alexy, ofenmeno da derivao ainda mais evidente. A tese do caso especial na forma da teoria do discursosignifica que o discurso jurdico um genus proximum do discurso prtico geral exatamente porqueeste, assim como aquele, levanta uma pretenso de correo. Ora, a pretenso de correo exatamente o que, na teoria de Alexy sobre o conceito de direito, conecta o direito moral. Nobastasse isso, a tese da conexo, como defendida por Alexy, ou seja, na forma de um no-positivismoinclusivo, implica uma ponderao entre os princpios da segurana jurdica (que representa adimenso real do direito) e da correo material ou justia (que representa a dimenso ideal dodireito).27 Assim, a tese da conexo, na forma como defendida por Alexy, decorre da tese do casoespecial na forma da teoria do discurso e da teoria dos princpios.

    Algum poderia dizer que embora o discurso jurdico racional, tematizado na Teoria daArgumentao Jurdica, tenha sido, como afirmei, incorporado Teoria dos DireitosFundamentais, sobretudo s ideias de ponderao e proporcionalidade, a conexo entre esses doiselementos fundamentais no explicitamente trabalhada na Teoria dos Direitos Fundamentais . Combase nisso algum poderia ento defender se tratar do surgimento, na Teoria dos DireitosFundamentais, de um elemento to fundamental quanto a tese do caso especial na forma da teoria dodiscurso. Mas o fato de no existir, na Teoria dos Direitos Fundamentais , uma conexoexplicitamente formulada entre a teoria dos princpios e a tese do caso especial na forma da teoria dodiscurso no significa que essa conexo no exista, mas sim que ela no explcita ou, em outrostermos, que ela implcita. Embora no exista, na Teoria dos Direitos Fundamentais , um captulodedicado a essa conexo ou mesmo um ponto no Captulo 3 a ela dedicado, essa conexo existe j,como vimos, na prpria ideia da tese do caso especial na forma da teoria do discurso.

    Em sntese, por um lado, a tese do caso especial na forma da teoria do discurso traz consigo asideias de ponderao e conexo entre direito e moral e, por outro lado, da tese do caso especial naforma da teoria do discurso e da ideia de ponderao juntas decorre a conexo entre direito e moralna forma do conceito de direito de Alexy. Assim a tese do caso especial na forma da teoria dodiscurso se mostra como o elemento mais fundamental do sistema da teoria discursiva de Alexy.

    Essa conexo implcita entre os trs elementos e sobretudo o fato de os dois segundosdecorrerem do primeiro tornam-se mais evidente na resposta de Alexy aos crticos das ideiascentrais de cada uma das obras monogrficas, ou seja, atravs das respostas de Alexy aos crticos datese do caso especial na forma da teoria do discurso, defendida originalmente na Teoria daArgumentao Jurdica, aos crticos da teoria dos princpios, tematizada na Teoria dos DireitosFundamentais, ou seja, sobretudo aos crticos da ideia de que princpios so comandos deotimizao cujos conflitos exigem uma ponderao operada atravs da mxima daproporcionalidade, bem como, por fim, aos crticos da tese da conexo defendida no contexto dono-positivismo inclusivo. Como a resposta de Alexy aos crticos de sua teoria aparecefundamentalmente em artigos esparsos, passo, portanto, agora, a uma anlise de alguns deles que, ameu ver, confirmam a posio central da tese do caso especial na forma da teoria do discurso em seu

  • sistema.

    3.2.2.2. Breve anlise de alguns artigos esparsos de Alexy

    Uma anlise dos artigos publicados por Alexy entre 1978 e o dia de hoje refora a ideia de quea tese do caso especial na forma da teoria do discurso possui um papel de destaque no sistema deAlexy. Como a anlise de todos os artigos escritos por Alexy nesse perodo seria, no curto espao deum estudo introdutrio, invivel, limitar-me-ei anlise dos artigos que se publicam neste volume.Vejamos.

    Inmeras evidncias textuais comprovam a ideia de que a tese do caso especial na forma dateoria do discurso contm j a ideia de ponderao. Alexy afirma, em A Tese do Caso Especial , quea argumentao jurdica est aberta a ponderao de interesses e compromissos.28 Mas sobretudono contexto das respostas de Alexy aos crticos da ponderao que a conexo entre a tese do casoespecial na forma da teoria do discurso e a ponderao aflora. Respondendo crtica de que aponderao seria irracional, Alexy afirma, em A Construo dos Direitos Fundamentais, ser elauma forma de argumento do discurso jurdico racional.29 Em Dever Ser Ideal,30 assim como emDois ou Trs?,31 novamente respondendo crtica da irracionalidade, Alexy defende ser aponderao uma forma de argumento racional. Portanto, a prova da racionalidade da ponderaodecorre da demonstrao de sua racionalidade enquanto uma forma de argumento prtico geral e,mais especificamente, jurdico. Isso evidencia a tese de que a ponderao est implcita na prpriaideia de argumentao e, assim, na tese do caso especial na forma da teoria do discurso. Mas hevidncias textuais mais fortes. Na Entrevista a Atienza, tratando da crtica de Habermas irracionalidade da ponderao, Alexy afirma que Habermas entende faltarem critrios racionais32para a ponderao, mas que ele, Alexy, entende que se existem critrios racionais para respostas aquestes prticas, esses critrios racionais para a ponderao existem.33 Essa passagem mostra quea racionalidade da ponderao depende da existncia de critrios racionais para a existncia derespostas a problemas prticos em geral. Fica claro, assim, que a ponderao decorre daargumentao.

    As evidncias textuais em artigos esparsos de Alexy a favor da derivao da tese da conexo apartir da tese do caso especial na forma da teoria do discurso e da teoria dos princpios so aindamais numerosas. Em Crtica ao Positivismo Jurdico, Alexy claramente liga a conexo do direito moral pretenso de correo, e esta fundamentabilidade de enunciados normativos.34 O mesmo semostra em Defesa de um Conceito No-positivista de Direito35 e em A Dupla Natureza do Direito .36Neste ltimo a conexo entre a pretenso de correo ligada tese do caso especial na forma dateoria do discurso, a teoria dos princpios e a tese da conexo ainda mais clara, quando Alexyafirma por exemplo que a dupla natureza da argumentao jurdica expressada pela tese do casoespecial. Essa tese afirma que o discurso jurdico um caso especial do discurso prtico geral.37Ora, a dupla natureza do direito o que fundamenta a existncia de uma dimenso moral alm dadimenso real, ou seja, a conexo entre direito e moral. Como a dupla natureza do direito parte jda tese do caso especial na forma da teoria do discurso pode-se dizer que o conceito de direito deAlexy uma derivao dessa sua tese do caso especial. Alm disso, no mesmo ensaio, a importnciada teoria dos princpios para o conceito de direito fica clara quando Alexy, tratando dos j

  • mencionados princpios da segurana jurdica, que representa a dimenso real do direito, e da justiaou correo material, que representa a dimenso ideal, afirma:

    O princpio da segurana jurdica um princpio formal. Ele exige um compromisso com aquilo que foi estabelecidoautoritativamente e socialmente eficaz. O princpio da justia um princpio material ou substantivo. Ele exige que a decisoseja moralmente correta. Esses dois princpios, como princpios em geral, podem colidir, e de fato eles frequentemente colidem.Um nunca pode tomar o lugar do outro completamente, ou seja, em todos os casos. Ao contrrio, a dupla natureza do direitoexige que eles sejam considerados reciprocamente em uma proporo correta. Na medida em que essa proporo correta obtida, alcanada a harmonia do sistema jurdico.38

    E em outra passagem Alexy afirma que a dupla natureza do direito mostrou-se presente explcita ou implicitamente em todas as questes fundamentais do direito.39 Em sntese, da duplanatureza do direito, essencial tese do caso especial na forma da teoria do discurso, deriva-se tantoa ideia de que o direito possui uma conexo com a moral quanto a ideia de que o conceito de direitoconstitui uma ponderao entre dois princpios, a saber, segurana jurdica e justia (ou correomaterial).

    3.2.3. O sentido da tese aqui defendida

    A tese aqui defendida, a saber, que o sistema da teoria discursiva do direito de Alexy possui umelemento de destaque ou mais fundamental que os demais, pode levar a mal-entendidos. Com essatese no quero dizer que a teoria dos princpios e a teoria de Alexy sobre o conceito de direito nopossuem um grande significado. Exatamente o contrrio o caso. A tese aqui defendida ressalta queAlexy foi capaz de elaborar um sistema coerente, o que algo extremamente difcil de se alcanar.

    A tese aqui defendida no significa tambm que a partir da tese do caso especial na forma dateoria do discurso pode-se deduzir automaticamente todas as teses subsequentes defendidas porAlexy, sobretudo aquelas ligadas ponderao e ao conceito de direito. Talvez seja possveldefender que o discurso jurdico um caso especial do discurso prtico geral sem defender queprincpios so comandos de otimizao sujeitos ponderao e sem defender ainda que o direitopossui uma conexo com a moral. A segunda parece mais difcil que a primeira. Mas, mesmo se forpossvel defender ambas as teses, defender, como faz Alexy, que no direito existem padresnormativos que possuem a estrutura de comandos de otimizao sujeitos ponderao e ainda que odireito possui uma conexo conceitual necessria com a moral parece ser mais coerente com umatese do caso especial formulada na forma de uma teoria discursiva do direito do que no defenderessas duas teses.40

    Cabe ainda, antes de passarmos s questes centrais da teoria de Alexy, uma ltima observaosobre a tese aqui defendida. preciso enfatizar que o elemento de maior destaque da teoria deAlexy, e que constitui assim o mtodo de sua teoria, a tese do caso especial na forma da teoria dodiscurso, ou, para ser ainda mais preciso, na forma da teoria do discurso como defendida por Alexy.Isso significa que o que central na teoria de Alexy no apenas a mera vinculao do direito moral, ou seja, a unio atravs da pretenso de correo, mas a unio entre direito e moral nocontexto de uma teoria do discurso prtico racional e do discurso jurdico. A vinculao entredireito e moral s traz consigo implcita a teoria dos princpios e o no-positivismo inclusivo porqueela foi desenvolvida no contexto de uma teoria do discurso prtico geral da qual decorre uma

  • teoria do discurso jurdico. Por isso preciso enfatizar que o elemento central da teoria de Alexy a tese do caso especial na forma da teoria do discurso. Se o elemento de maior destaque do sistemade Alexy a tese do caso especial na forma da teoria do discurso, pode-se ento concluir que seumtodo, isto , a direo fundamental de sua pesquisa, pode muito bem ser denominado teoriadiscursiva do direito.

    Poderia parecer que dentre os trs elementos fundamentais do sistema de Alexy (a tese do casoespecial na forma da teoria do discurso, a teoria dos princpios e a conexo entre direito e moral) omais fundamental a teoria dos princpios ou a conexo entre direito e moral, e no a tese do casoespecial. No se pode negar que esse argumento tem certa fora. Entre o primeiro elemento e oterceiro parece haver quase uma identidade, e portanto poderia no ter grande significado para a teseaqui defendida substituir o primeiro (a tese do caso especial na forma da teoria do discurso) peloterceiro (a conexo entre direito e moral), uma vez que ambos parecem ter como ponto central aconexo entre direito e moral. Mas essa impresso falsa, porque, como acabamos de ver, a tese docaso especial no constitui uma mera conexo entre direito e argumentos prticos gerais, e sim umaconexo entre direito e argumentos prticos gerais no contexto de um teoria discursiva do direito.Exatamente por essa razo eu emprego no lugar do curto e elegante nome tese do caso especial olongo e deselegante nome tese do caso especial na forma da teoria do discurso, que possui porm omrito de pr em evidncia que, em Alexy, a conexo entre direito e moral ocorre no contexto deuma teoria discursiva.

    J o primeiro elemento fundamental (a tese do caso especial na forma da teoria do discurso) e osegundo (a teoria dos princpios) parecem ser diferentes. Algum poderia afirmar que a teoria dosprincpios e a tese do caso especial na forma da teoria do discurso no so equivalentes, o quesignificaria a falsidade da tese aqui apresentada. Sem dvida as duas no so equivalentes. Mas issono significa que a tese aqui apresentada seja falsa, pois no se afirmou, aqui, em nenhum momento,que as duas so equivalentes, mas apenas que a segunda decorre da primeira. Elas no so portantoidnticas, mas a tese do caso especial na forma da teoria do discurso, que mais geral, tem comoconsequncia a ideia de princpios como comandos de otimizao sujeitos ponderao.

    Concluda a anlise dos elementos fundamentais do sistema de Alexy, posso agora me dedicarao modo como ele trata os problemas centrais referentes s duas questes fundamentais da filosofiado direito, isto , os problemas referentes ao conceito e aplicao do direito.

    4. O PROBLEMA CENTRAL REFERENTE AO CONCEITO DE DIREITO E SUAABORDAGEM NA TEORIA DISCURSIVA DO DIREITO DE ALEXY

    O problema central do conceito de direito adotado por Alexy consiste na relao entre direito emoral. Alexy defende, como vimos, um conceito de direito no-positivista, por ele prpriodenominado no-positivismo inclusivo. Esse no-positivismo inclusivo no implica a negao dosdois elementos que, na viso positivista, constituem o direito, mas sim a adio de um elemento. ParaAlexy o positivismo jurdico se caracteriza pela separao entre direito e moral, limitando-se aconsiderar como elementos do direito a legalidade autoritativa (o estabelecimento em conformidade

  • com o ordenamento) e a eficcia social. Segundo Alexy, o no-positivismo, sobretudo na variantepor ele defendida, o no-positivismo inclusivo, aceita que os dois elementos do conceito positivistafazem parte do conceito de direito, mas adiciona um terceiro: a correo moral. Essa adio significaque, alm da dimenso real, representada pelos dois elementos do conceito de direito positivista, odireito possui uma dimenso ideal.41 A dimenso ideal implica a existncia de uma conexoconceitual necessria entre direito e moral. A fim de provar essa existncia de uma conexoconceitual necessria entre direito e moral Alexy afirma que o direito levanta uma pretenso decorreo, o que pode ser demonstrado atravs da contradio performativa cometida por aquele quea nega.42

    Tendo o direito uma dimenso real, representada pela legalidade autoritativa e pela eficciasocial, e um dimenso ideal, representada pela conexo com a moral, pode Alexy afirmar que elepossui uma dupla natureza. Cada uma das duas dimenses representada por um princpio: adimenso real pela segurana jurdica e a dimenso ideal pela justia.43 O no-positivismo inclusivodefendido por Alexy incorpora a frmula de Radbruch, que afirma dever ser o direito positivorespeitado, mesmo que injusto, a no ser quando a injustia atinge o limiar da injustia extrema, casoem que o direito positivo no vlido.44 Essa posio representa portanto um compromisso entre asegurana jurdica e a justia.

    Essa concepo de Alexy tem sido objeto de vrias objees. As principais dizem respeito aofato de o direito no levantar qualquer pretenso,45 ao fato de a frmula de Radbruch, adotada porAlexy, ser intil ou at mesmo arbitrria e desonesta,46 e principalmente, ao fato de o conceito deinjustia extrema ser algo extremamente subjetivo.47 No possvel tratar de todas essas objeesaqui. Cumpre porm, no que diz respeito a esta ltima objeo, constatar duas coisas: em primeirolugar, Alexy afirma que a adoo da frmula de Radbruch pressupe um mnimo de objetividademoral, ou seja, uma rejeio do relativismo radical,48 e, em segundo lugar, Alexy afirma que quantomais extrema a injustia maior a possiblidade objetiva de seu reconhecimento enquanto injustiaextrema.49

    Muito mais poderia ser dito sobre esse tema. hora porm de passar aos problemas centrais dateoria discursiva do direito de Alexy referentes aplicao do direito.

    5. PROBLEMAS CENTRAIS REFERENTES APLICAO DO DIREITO NA TEORIADISCURSIVA DO DIREITO DE ALEXY

    Na seo 2 acima identifiquei quatro modelos de aplicao jurdica: (i) o modelo kantiano, quedenominei modelo da perfeio, (ii) o modelo positivista de Kelsen e Hart, que denomineimodelo da imperfeio, o modelo de Dworkin, que denominei modelo da aplicao perfeita e,por fim, o modelo de Alexy, que denominei modelo da aplicao relativamente perfeita. 50 Nocabe, aqui, tratar dos quatro modelos. Vou me dedicar ao modelo da aplicao relativamente perfeitade Alexy, que enseja vrias importantes questes referentes aplicao do direito. Aqui seroabordadas rapidamente duas: por um lado a adequao da conceituao de princpios comocomandos de otimizao cujas colises se resolvem por meio da ponderao e, por outro lado, aquesto do poder discricionrio do legislador e do juiz.

  • 5.1. Comandos de otimizao e ponderao

    Como vimos acima, para Alexy princpios so comandos de otimizao, cujas colises seresolvem atravs da ponderao. No se deve tratar aqui, em um estudo introdutrio, de expor emdetalhes a distino entre regras e princpios e a ponderao, muito menos de analisarexaustivamente as objees teoria dos princpios. Isso j foi feito pelo prprio Alexy de forma, ameu ver, satisfatria.51 Por isso vou me limitar aqui quela que, embora seja antiga e j tenha sidorespondida por Alexy, tem sido talvez a crtica teoria dos princpios que tem obtido maiorrepercusso no Brasil: as objees de Habermas.

    Dentre as objees contra a teoria dos princpios, as de Habermas no so, a meu ver, as maisimportantes. As objees e desenvolvimentos crticos de Bcker, 52 Klement,53 Poscher,54 Riehm,55Sieckmann56 e outros so mais agudas.57 Porm, no cabe tratar delas aqui.58 A razo pela qual meconcentro, aqui, nas objees de Habermas, a difuso e a repercusso que elas experimentaram, oque certamente ocorreu em virtude da importncia de Habermas no cenrio filosfico atual.Comearei com a objeo de Habermas aos princpios como comandos de otimizao. EmFacticidade e Validade , Habermas afirma que princpios jurdicos no devem ser concebidos comocomandos de otimizao, porque a ideia de padres que podem ser cumpridos em graus suprimiria ocdigo binrio do direito, lcito-ilcito,59 no havendo, alm disso, um critrio racional para aponderao.60

    A crtica de Habermas contra os princpios como comandos de otimizao no se sustenta. Elase baseia na falsa suposio de que todos os padres jurdicos possuem um carter binrio. Que asnormas concretas, isto , normas referentes a casos concretos, possuem sempre um carter definitivo,ou seja, um cdigo binrio lcito-ilcito, admite o prprio Alexy. 61 Assim, para Alexy, no pode sermais ou menos proibido e assim mais ou menos ilcito trafegar em certa velocidade em certavia. Imagine-se que a velocidade mxima de trfego em determinada via seja 60 km/h. claro que,para Alexy, dirigir abaixo desse limite lcito e dirigir acima desse limite ilcito, ou seja, dirigirpor exemplo a 50 km/h lcito e dirigir a 70 km/h ilcito. Alm disso, no se pode a rigor dizer,mesmo para Alexy, que dirigir a 140 km/h nessa via mais ilcito que dirigir a 70 km/h nessamesma via. At a Habermas e Alexy esto de acordo. Mas, para Alexy, h padres no direito quepodem ser cumpridos em graus; esses padres so os princpios, que, enquanto comandos deotimizao, no so comandos definitivos. Assim, embora no se possa dizer que dirigir a 140 km/hem uma via cujo limite de velocidade 60 km/h seja mais ilcito que dirigir a 70 km/h nessa mesmavia, no s se pode mas na verdade deve-se reconhecer que dirigir a 140 km/h nessa via gera maisinsegurana no trnsito (ou mais inseguro) que dirigir a 70 km/h nessa mesma via. Se Habermastiver razo, ou seja, se na argumentao jurdica no existirem, de modo algum, padres que socumpridos em graus, no se pode falar em maior e menor segurana no trnsito: dirigir a 70 km/he a 140 km/h em uma via cujo limite de velocidade 60 km/h tm que ser consideradas condutasigualmente inseguras, porque ilcitas. No so necessrias consideraes filosficas profundas parademonstrar a impropriedade dessa tese de Habermas; do ponto de vista do senso comum j sepercebe ser ela inadequada. Se isso no for considerado suficiente, basta porm mencionar umexemplo tcnico real do direito, relacionado ao j citado exemplo hipottico do limite develocidade. O Cdigo Brasileiro de Trnsito, em seu artigo 218, determina a existncia de trssanes diferentes para aqueles que dirigem acima do limite de velocidade: um primeiro nvel,

  • quando se ultrapassa a velocidade mxima em at 20% (cuja sano : infrao mdia e multa), umsegundo nvel, quando se ultrapassa a velocidade mxima em mais que 20% e menos que 50% (cujasano : infrao grave e multa), e um terceiro nvel, quando se ultrapassa a velocidade mximaem mais que 50% (cuja sano : infrao gravssima, multa com valor triplicado, suspensoimediata do direito de dirigir e apreenso do documento de habilitao). Isso demonstra que asegurana no trnsito pode ser descumprida em graus. Poder-se-ia citar mais exemplos. Porm, issono necessrio. O exemplo citado acima mostra, a meu ver, que a objeo de Habermas no sesustenta, e que Alexy tem razo quando afirma que naturalmente o resultado definitivo de umafundamentao de direito fundamental deve possuir uma estrutura binria. Algo s pode ser vlido ouno ser vlido. Porm, o carter binrio do resultado no implica o carter binrio de todos ospassos da fundamentao.62 Por isso, se embora, por um lado, seja preciso apontar tanto aimportncia de Habermas na formao da teoria discursiva de Alexy quanto a importncia deHabermas para a filosofia poltica em geral, por outro lado preciso tambm apontar a inadequaocom que Habermas trata algumas questes especficas da teoria do direito, como a questo daestrutura lgica dos princpios, que acabei de abordar.

    No que diz respeito racionalidade da ponderao no vou abordar todos os pontos da respostade Alexy. Basta consignar que a ponderao seria um processo arbitrrio se ela no estivesseconectada argumentao jurdica. Se a atribuio de pesos abstratos aos princpios envolvidos, aatribuio de grau leso a um princpio (leve-mdia-grave), bem como importncia documprimento do princpio oposto e, por fim, a comparao entre ambas, fosse um processo arbitrriono sujeito a qualquer fundamentao, poder-se-ia falar em arbitrariedade e assim em falta deracionalidade. Mas a teoria dos princpios e com ela a ponderao dependem da argumentaojurdica. Aquele que aplica princpios deve fundamentar as atribuies de pesos aos princpios bemcomo o escalonamento da interferncia no princpio envolvido em uma coliso e o escalonamento daimportncia do cumprimento do princpio oposto. Essa fundamentao racional possvel, porqueso possveis argumentos prticos e jurdicos que comparam esses pesos e esses escalonamentos.Naturalmente, como ressalta o prrpio Alexy, no se pode exigir, aqui, preciso matemtica. Masno existem, aqui, apenas duas opes, a saber, preciso matemtica e arbtrio puro. Existe umterceiro caminho, que afirma ser possvel a racionalidade da ponderao, porque possvelfundamentar juzos de valor e de dever. Esse o caminho da teoria discursiva do direito de Alexy.

    5.2. Discricionariedade do legislador e discricionariedade judicial

    A questo discricionariedade do legislador versus discricionariedade judicial ganhoutratamento especial na Teoria Pura do Direito de Kelsen, de forma bastante interessante sobretudopara a poca mas tambm ainda hoje. No Captulo VIII da Teoria Pura do Direito Kelsen afirma quea clssica distino entre legislao e jurisdio, tida como uma diferena qualitativa, na medida emque ao legislador caberia produzir o direito e ao judicirio apliclo, constitui, na verdade, umadiferena de grau. Ambos, legislativo e judicirio, aplicam e ao mesmo tempo produzem direito. Olegislativo, ao produzir uma norma geral, aplica normas superiores, as normas constitucionais, e ojudicirio, ao aplicar normas gerais a um caso concreto, produz normas individuais. Existe, emambos os casos, uma relativa indeterminao, pois a norma superior determina em certa medida o atonormativo inferior, mas no integralmente. Naturalmente, a indeterminao no caso do legislador

  • maior, e por isso possui ele maior margem de manobra que o juiz. Mas a diferena de grau.63Embora essas ideias tenham ganhado repercusso como ideias de Kelsen, elas so originalmente deMerkl, que, no contexto de sua teoria da estrutura escalonada da ordem jurdica, desenvolve a ideiade que a produo normativa , ao mesmo tempo, aplicao normativa.64

    Essa interessante ideia de Merkl, desenvolvida por Kelsen, representa um avano considervelpara a teoria jurdica. Na teoria discursiva de Alexy a aplicao do direito recebe novo tratamento,pois a argumentao jurdica passa a integrar o direito. A discricionariedade tanto do juiz quanto dolegislador consideravelmente diminuda, porque aquilo que faltava em Kelsen, um mtodo quepudesse apontar qual a melhor interpretao dentro das vrias possibilidades de aplicao de umanorma superior quando do ato produtor da norma inferior, agora apresentado: a argumentaojurdica e com ela a teoria dos princpios. Isso no quer dizer que Alexy adote a tese de que sempreexiste uma nica resposta correta para todo caso, como faz Dworkin. Na verdade, a teoria de Alexypossibilita, em alguns casos, uma nica resposta, mas em outros no. No cabe tratar dessa questode forma detalhada aqui.65 Cabe apenas ressaltar a importncia que os princpios formaisdesempenham no tratamento dessa questo. Isso porque, em muitos casos, a partir de normasgarantidoras de direitos fundamentais, sobretudo por causa de sua vagueza (ou, em termoskelsenianos, por causa da relativa indeterminao, ou ainda, na linguagem de Hart, por causa datextura aberta), so possveis, em princpio, vrias solues. A teoria da argumentao jurdica e ateoria dos princpios tornam possvel, em muitos casos, reduzir as opes, algumas vezes a umanica opo. Contudo, o princpio formal do respeito s normas postas, que, na teoria discursiva dodireito de Alexy, levado a srio, significa que, nos casos em que a teoria no determina uma nicaresposta, cabe quele que produz-aplica o direito, seja ele o legislativo ou o judicirio, decidir, nosem fundamentar sua deciso, mas com margem de manobra. Naturalmente h uma diferena, emAlexy, entre legislao e jurisdio: no plano da legislao, a margem de manobra no constitui umproblema. Ao contrrio, ela reconcilia os direitos fundamentais com a democracia, na medida em quea indeterminao justifica a deciso no processo legislativo parlamentar. No plano da jurisdio aquesto mais complexa: se, por um lado, o poder do juiz sempre ser menor que o do legislativo,pelo simples fato de o juiz estar vinculado ao material autoritativo produzido pelo legislativo, poroutro lado, quando subsistem, na jurisdio, casos de indeterminao, no se pode recorrer aoprincpio da democracia. A meu ver, correta a posio de Alexy de no adotar a tese de quesempre existe nica resposta correta para todos os casos, pois no seria coerente preg-la semoferecer um procedimento minimamente objetivo para obt-la. Porm, isso traz problemas referentes segurana jurdica, na medida em que a margem de manobra deixada ao juiz pode significar umrisco para os direitos fundamentais. Alexy sabe disso, e vem procurando minimizar esse problemaabordando duas questes: o j mencionado papel dos princpios formais e a teoria das escalas nodireito.66 Mas o princpio formal do respeito ao material autoritativo, como acabamos de ver, nemsempre resolve a questo. Estaria a soluo no desenvolvimento de uma escala mais acurada pararesolver as colises entre direitos fundamentais?

    O problema da escala se apresenta quando, em uma coliso entre princpios, preciso medir ospesos abstratos, a intensidade da interferncia que uma determinada medida representa a umprincpio e a importncia do cumprimento do princpio colidente. Alexy desenvolveu uma escalatridica para essas atribuies de pesos e intensidades.67 Aqui surge um dilema: uma escala simplescomo a escala tridica (que atribui os valores leve, mdio e grave) de fcil compreenso mas no

  • resolve todos os casos, enquanto escalas mais elaboradas resolveriam em tese questes que umaescala mais simples no resolve, mas no poderiam ser compreendidas e no poderiam, ento, nofinal das contas, de fato resolver o problema.68 No entendimento do prprio Alexy esse ponto de suateoria dos princpios merece ateno. De fato, trata-se de uma questo aberta.

    No cabe, no plano de um estudo introdutrio, resolver essa questo, mas apenas constatar quenovamente aqui se mostra a importncia da teoria discursiva do direito de Alexy: ela importanteno s por aquilo que diz, pelos problemas que resolve e pelo conhecimento que agrega; ela importante tambm e sobretudo pelas perspectivas que ela abre para o desenvolvimento futuro dafilosofia e da teoria do direito, tanto no que diz respeito ao conceito de direito quanto no que dizrespeito sua aplicao, ou seja, no que diz respeito s duas questes fundamentais da filosofia dodireito.

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  • _______________1 Eu me refiro a Radbruch aps 1945 porque, a partir da, praticamente unnime que sua teoria no-positivista.

    Porm, no que diz respeito sua teoria antes da guerra, existem polm