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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC/SP Rodrigo Voltarelli de Carvalho Requisitos de admissibilidade recursal no novo Código de Processo Civil Mestrado em Direito São Paulo 2015

Rodrigo Voltarelli de Carvalho Requisitos de ... · Conforme cediço, ubi homo ibi societas; ubi societas, ibi jus (onde há o homem, há sociedade e onde há sociedade, há Direito)

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

PUC/SP

Rodrigo Voltarelli de Carvalho

Requisitos de admissibilidade recursal no novo Código de Processo Civil

Mestrado em Direito

São Paulo

2015

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

PUC/SP

Rodrigo Voltarelli de Carvalho

Requisitos de admissibilidade recursal no novo Código de Processo Civil

Mestrado em Direito Dissertação apresentada à Banca Examinadora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, como exigência parcial para obtenção do título de MESTRE em Direito Processual Civil, sob a orientação da Prof.ª Dr.ª Arlete Inês Aurelli.

São Paulo

2015

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Banca Examinadora

_________________________________

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À minha família, em especial aos meus pais, maior fonte inspiradora e incentivadora da minha vida.

À minha orientadora, pelos ensinamentos,

orientação e paciência.

Aos meus amigos, professores, colegas de trabalho e mestrado, pelas discussões sempre produtivas

e pelo apoio incondicional.

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RESUMO Para que qualquer pessoa (física ou jurídica) possa exercer seu direito de ação, direito este garantido pela Constituição Federal da República Federativa do Brasil de 1988, é necessário que essa pessoa preencha uma série de requisitos (condições da ação e pressupostos processuais de existência e validade). Caso não o faça, o conflito dessa pessoa nem sequer será examinado pelo Poder Judiciário. O mesmo raciocínio lógico é aplicável àquela parte da relação jurídica processual que pretende recorrer de determinada decisão: faz-se mister que a parte que se sinta prejudicada por determinada decisão judicial preencha outra série de requisitos para que o seu recurso seja admitido, processado e julgado pelo Tribunal ao qual for direcionado. O presente estudo trata exata e especificamente desses requisitos necessários para o conhecimento, processamento e julgamento dos recursos, notoriamente conhecidos como requisitos de admissibilidade recursal. Centralmente, as questões debatidas por este trabalho são aquelas relativas (i) à análise dos requisitos de admissibilidade recursal expressamente previstos no novo Código de Processo Civil, (ii) à forma adequada de preencher esses requisitos de admissibilidade, e (iii) às consequências que serão suportadas pela parte recorrente em razão de eventual falta de um ou mais dos requisitos de admissibilidade no recurso interposto. Faz-se necessário, pois, a ambientalização do Novo Código de Processo Civil no cenário atual do Direito Processual no Brasil – mormente à luz dos princípios e argumentos motivadores para seu debate, edição e sanção – e a identificação dos requisitos de admissibilidade recursal. Depois de identificados, buscar-se-á resposta à pergunta acerca dos efeitos da eventual ausência de um dos requisitos de admissibilidade recursal identificados, sistematizando-os sob esse aspecto. Em adiantada conclusão, observar-se-á que o legislador ordinário infraconstitucional alçou a tempestividade ao topo da hierarquia dos requisitos de admissibilidade – vez que insanável – e optou por tratar o vício em quase todos os outros requisitos de admissibilidade como sanáveis.

Palavras-chave: Direito Processual Civil. Recursos. Admissibilidade. Novo Código de Processo Civil.

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ABSTRACT To any person (natural or legal) exercise their right of action, which is guaranteed by the 1998’s Constitution of the Federative Republic of Brazil, it is essential that the person fulfill several requirements (conditions of action and procedural assumptions of existence and validity). Failing to do so, that person’s conflict will not even be examined by the Judiciary. The same logical reasoning applies to the one who aims to appeal a certain decision: the one who feels aggrieved by any given decision has to fulfill another series of requirements to have its appeal accepted, processed and judge by the Court. This paper studies those requirements that one of the litigants needs to fulfill in order to have its appeal accepted, processed and judge, notoriously known as appeal’s admissibility requirements. Centrally, the issues discussed in this paper are those concerning (i) the analysis of the appeal’s admissibility requirements expressly set forth in the New Brazilian Civil Procedure Code, (ii) the proper way to fulfill these admissibility requirements, and (iii) the consequences of not fulfilling them when filing an appeal. Therefore, it is necessary the greening of the New Brazilian Civil Procedure Code in the present scenario of Procedure Law in Brazil and identification of those admissibility requirements. Once identified, it will be answered the question about the effects of absence of one of those admissibility requirements, systematizing them in this regard. In early conclusion, it will be noted that the timely filing of an appeal is at the top of the hierarchy of admissibility requirements – since it is incurable and since the absence of almost any other of these requirements can be amended. Keywords: Civil Procedural Law. Appeals. Admissibility. New Brazilian Civil Procedure Code.

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LISTA DE QUADROS

Quadro 1 - Comparativo entre CPCs (Recursos). .................................................................. 34

Quadro 2 - Comparativo entre CPCs (Interposição de recurso). ............................................ 79

Quadro 3 - Comparativo CPCs (Fato impeditivo do direito de interpor agravo de instrumento)

.......................................................................................................................................... 103

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO .................................................................................................................. 11

CAPÍTULO I – DIREITO DE RECURSO ....................................................................... 15

1.1. Direito de ação e direito de recurso ........................................................................ 16

1.2. Duplo grau de jurisdição ......................................................................................... 22

1.3. Recurso .................................................................................................................... 27

1.4. Princípios processuais dos recursos relacionados ao juízo de admissibilidade ..... 29

1.5. Recursos em espécie no novo Código de Processo Civil – Lei no 13.105/2015 ....... 34

CAPÍTULO II – JUÍZO DE ADMISSIBILIDADE RECURSAL .................................... 38

2.1. Juízo de admissibilidade recursal no novo Código de Processo Civil .................... 41

2.2. Projeto de Lei nº 2.384/15........................................................................................ 45

CAPÍTULO III – REQUISITOS DE ADMISSIBILIDADE RECURSAL NO NOVO

CPC .................................................................................................................................... 46

3.1. Nomenclatura adotada: requisitos de admissibilidade recursal ............................ 47

3.2. Classificação dos requisitos de admissibilidade recursal no novo CPC ................ 49

3.3. Requisitos intrínsecos .............................................................................................. 52

3.3.1. Cabimento do recurso ............................................................................................ 52

3.3.1.1. Pronunciamentos judiciais recorríveis .......................................................... 53

3.3.1.2. Crítica ao artigo 1.001 do novo CPC ............................................................ 59

3.3.1.3. Recursos cabíveis para impugnar cada pronunciamento judicial ................... 61

3.3.1.4. Considerações acerca do princípio da fungibilidade recursal sob a óptica do

novo CPC ................................................................................................................. 77

3.3.2. Legitimação para recorrer ...................................................................................... 78

3.3.2.1. Legitimação para recorrer da parte ............................................................... 80

3.3.2.2. Legitimação para recorrer de terceiro ........................................................... 81

3.3.2.3. Legitimação para recorrer do Ministério Público .......................................... 83

3.3.2.4. Legitimação para recorrer do amicus curiae ................................................. 85

3.3.2.5. Legitimação para recorrer do advogado ........................................................ 87

3.3.3. Interesse em recorrer .............................................................................................. 89

3.3.3.1. Utilidade do recurso ..................................................................................... 90

3.3.3.2. Necessidade do recurso ................................................................................ 93

3.3.4. Inexistência de fato impeditivo ou extintivo do direito de recorrer ......................... 95

3.3.4.1. Desistência do recurso ................................................................................. 95

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3.3.4.2. Renúncia ao direito de recorrer .................................................................... 99

3.3.4.3. Aceitação do pronunciamento judicial ........................................................ 101

3.3.4.4. Ausência de comprovação na origem de interposição de agravo de

instrumento, desde que arguido e provado pelo agravado ........................................ 103

3.3.4.5. Ausência de depósito prévio de multa cominada por abuso do direito de

recurso ................................................................................................................... 106

3.3.4.6. Oposição de dois embargos de declaração sequenciais julgados como

manifestamente protelatórios .................................................................................. 107

3.3.4.7. Considerações acerca das chamadas “súmulas impeditivas de recurso” do

Código de 1973 e da sistemática do Código de 2015............................................... 108

3.4. Requisitos extrínsecos............................................................................................ 110

3.4.1. Tempestividade .................................................................................................... 111

3.4.2. Recolhimento das custas de preparo e de porte de remessa e de retorno ............... 116

3.4.3. Regularidade formal ............................................................................................ 119

3.4.3.1. Petição escrita subscrita por procurador constituído nos autos .................... 121

3.4.3.2. Identificação do processo e das partes ........................................................ 122

3.4.3.3. Exposição de fato e de direito .................................................................... 122

3.4.3.4. Razões recursais......................................................................................... 123

3.4.3.5. Pedido de reforma, invalidação ou aclaramento do pronunciamento judicial

impugnado ............................................................................................................. 124

3.5. Requisitos de admissibilidade específicos dos recursos nos tribunais superiores 125

3.5.1. Prequestionamento ............................................................................................... 126

3.5.2. Repercussão geral ................................................................................................ 130

3.5.2.1 A origem da repercussão geral .................................................................... 132

3.5.2.2. Aspectos fundamentais da repercussão geral .............................................. 133

3.6. Recurso adesivo ..................................................................................................... 137

3.7. Remessa necessária ................................................................................................ 138

CAPÍTULO IV – SANABILIDADE DA AUSÊNCIA E VÍCIOS DE (QUASE) TODOS

OS REQUISITOS DE ADMISSIBILIDADE RECURSAL NO NOVO CPC ............... 141

4.1. Sanabilidade da falta (ou do vício) de um ou mais requisitos de admissibilidade

recursal ......................................................................................................................... 144

4.2. Tempestividade: requisito de admissibilidade recursal invencível ...................... 148

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4.3. Não aplicação do princípio da sanabilidade aos fatos impeditivos ou extintivos do

direito de recorrer ........................................................................................................ 151

4.4. Proposta de sistematização dos requisitos de admissibilidade recursal no novo

CPC............................................................................................................................... 153

CONCLUSÕES ................................................................................................................ 156

BIBLIOGRAFIA ............................................................................................................. 161

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INTRODUÇÃO

Estudiosos e operadores do Direito – assim como toda a sociedade brasileira, porque

não? – estão ansiosos em relação ao novo Código de Processo Civil, cujo texto já foi

sancionado pela Presidente Dilma Rousseff.

O novo Código de Processo Civil, insculpido na Lei Federal nº 13.105, de 16 de março

de 2015, está em vacatio legis – que nada mais é do que o intervalo de tempo entre a data de

publicação da lei e a data de sua entrada em vigor –, de modo que passará a ter vigência, ou

seja, passará a existir no ordenamento jurídico pátrio, e deverá ser observada em 18 de março

de 2016, um ano após sua publicação no Diário Oficial (que ocorreu em 17 de março de

2015), conforme o artigo 1.045 do novo Código.

Passadas todas as discussões teóricas a respeito das possíveis redações do novo

Código enquanto seu texto tramitava nas casas do Poder Legislativo, tem-se, neste momento –

às vésperas de sua entrada em vigor – segurança com relação à legislação processual civil que

deverá ser observada na práxis do Direito.

Conforme cediço, ubi homo ibi societas; ubi societas, ibi jus (onde há o homem, há

sociedade e onde há sociedade, há Direito).

Isso porque, não há dúvidas de que a ordem jurídica tem como objetivo pacificar e

harmonizar as relações entre os sujeitos de determinado Estado, com o fim de maximizar os

valores humanos e minimizar os conflitos, sacrifício e desgaste entre as pessoas.

Nessa esteira, o Direito Processual, como ramo do Direito, é justamente o conjunto de

normas jurídicas (norma é todo elemento que objetiva direcionar a conduta dos indivíduos,

sendo norma jurídica esse elemento – regra ou princípio – que objetiva direcionar a conduta

dos indivíduos e que pode ser exigido através do uso da força, com o exercício do poder

coercitivo) que sistematiza os instrumentos pelos quais os indivíduos devem buscar a

harmonização dos conflitos emergentes de suas relações sociais intersubjetivas perante o

Estado.

As regras e princípios de Direito Processual Civil, pois e por sua vez, atuam como

elemento de ligação entre os sujeitos jurisdicionados e o Estado-juiz (Estado no exercício da

função jurisdicional) para a solução de conflitos de natureza civil lato sensu.

Anote-se, por relevante, que as normas de Direito Processual Civil são aplicáveis em

todas as esferas do conhecimento jurídico, ainda que de maneira subsidiária à solução de

conflitos envolvendo o Direito Penal, o do Trabalho, o Eleitoral e o Militar. Essas normas são

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ampla e irrestritamente aplicáveis à solução de conflitos de natureza civil, comercial,

tributária, administrativa, previdenciária, infância e juventude e de direitos coletivos lato

sensu.

Pode-se definir o Direito Processual Civil, com segurança, como o conjunto de normas

(regras e princípios) que regula e regulamenta os instrumentos, a organização e o

funcionamento da jurisdição civil, com foco no exercício do direito de ação, da ampla defesa

e do contraditório perante o Poder Judiciário, e que também disciplina as hipóteses de

jurisdição voluntária e os métodos de resolução de conflitos extrajudiciais.

No sistema brasileiro de Civil Law (direito codificado), as principais fontes do Direito

Processual Civil são a Constituição Federal e o Código de Processo Civil.

Nessa esteira, pode-se afirmar que o novo Código de Processo Civil, como fonte do

Direito Processual Civil, inaugurará, a partir de sua vigência, um novo sistema normativo de

Direito Processual Civil, o que, por si só, justifica a elaboração do presente trabalho (e de

qualquer outro que tenha como objetivo analisar o novo arcabouço normativo que será

implementado).

Nesse trabalho, além da exposição de alguns aspectos gerais da Teoria Geral do

Processo Civil e da teoria que envolve os recursos propriamente ditos, para fins de

ambientalização, buscar-se-á identificar, especificamente, cada requisito de admissibilidade

recursal insculpido no novo Codex e a forma de cumpri-los, assegurando, também,

justificativa para a elaboração do presente estudo sob o ponto de vista prático.

Para tanto, no primeiro capítulo, analisar-se-á o direito de recurso em si e seus

aspectos mais relevantes, tais como definições importantes, os princípios que o englobam no

ordenamento jurídico brasileiro e os recursos em espécie no novo Código de Processo Civil.

Ato contínuo, será necessária análise do juízo de admissibilidade em si e a verificação

de importantes alterações ocorridas no novo Código de Processo Civil, que acabam por

reafirmar a importância desse trabalho.

Já no terceiro capítulo, serão analisados os requisitos de admissibilidade no novo

Código de Processo Civil, forma de cumprimento e comparação com o regime atual.

Donde se indaga: será que há alteração relevante nesse sentido?

Uma vez identificados os requisitos de admissibilidade recursal no novo Código de

Processo Civil e a forma pela qual devem ser demonstrados no recurso interposto pela parte

que se entender prejudicada por determinada decisão judicial, buscar-se-á, no próprio sistema

trazido pelo novo Código de Processo Civil, as consequências que serão suportadas pela parte

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recorrente no caso de não preenchimento dos requisitos de admissibilidade recursal ou no

caso de serem identificados defeitos em seu cumprimento.

Mas, afinal, quais são os requisitos de admissibilidade recursal trazidos pelo Novo

Código de Processo Civil? Há inovação com relação àqueles previstos no Código de Processo

Civil de 1973? Como demonstrar seu cumprimento? Quais são os efeitos suportados pela

parte recorrente se não os demonstrar?

As respostas a essas perguntas, e a outras mais que advierem do estudo aqui proposto,

viabilizarão a sistematização hierárquica dos requisitos de admissibilidade recursal,

sistematização esta ausente inclusive nos dias de hoje.

Explica-se: a consulta de manuais de Direito Processual Civil e obras correlatas gera a

percepção de que não haveria necessidade de hierarquizar os requisitos de admissibilidade

recursal, uma vez que a falta de demonstração de qualquer um deles no recurso interposto

acarretaria o seu não conhecimento pelo Tribunal responsável pelo julgamento.

A dificuldade em sistematizar os requisitos de admissibilidade recursal é justamente

essa, a aparente horizontalidade dos requisitos de admissibilidade recursal entre si, no que diz

respeito à sua importância no recurso e à consequência para a parte recorrente que não o

cumpre conforme estabelecido em lei.

A partir dessas premissas, percebe-se que o advento do novo Código de Processo Civil

exige que temas antes estabilizados pela doutrina e pela jurisprudência sejam revisitados,

como os requisitos de admissibilidade recursal, matéria de máxima importância dentro do

Direito Processual Civil.

Por isso, elege-se esse tema como objeto do presente estudo.

Para tanto, opta-se, neste trabalho, por um enfoque sob a óptica do Direito positivo,

limitando-se a investigação e os estudos dos requisitos de admissibilidade recursal – tal como

proposto – tão somente ao texto da Lei nº 13.105/15 (novo Código de Processo Civil), à

eventual comparação com texto da Lei nº 5.869/73 (Código de Processo Civil de 1973) e às

normas da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 aplicáveis ao tema,

normas estas que formam o sistema do Direito Processual Civil no país (em conjunto,

obviamente, com outras leis extravagantes que eventualmente tratem sobre matéria de Direito

Processual e que não serão abordadas neste trabalho).

As conclusões do presente trabalho serão obtidas através da dogmática jurídica – a

problemática apresentada será investigada através da busca de respostas –, pois se objetiva a

apresentação de solução às questões apresentadas nessas considerações introdutórias.

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De nenhum modo se tem como objetivo oferecer solução absoluta ao tema tratado,

mas se propõe, sim, interpretação possível às normas em questão bem como contribuição para

o desenvolvimento da discussão do tema que se apresenta como extremamente relevante.

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CAPÍTULO I – DIREITO DE RECURSO

Sumário: 1.1. Direito de ação e direito de recurso. 1.2. Duplo grau de jurisdição. 1.3. Recurso. 1.4. Princípios processuais dos recursos relacionados ao juízo de admissibilidade. 1.5. Recursos em espécie no novo Código de Processo Civil – Lei nº 13.105/2015.

O direito de recurso é um direito subjetivo e fundamental, não autônomo, uma vez que

umbilicalmente dependente do prévio exercício do direito de ação.

De acordo com o novo Código de Processo Civil, o direito de recurso pode ser

exercido sempre que houver um pronunciamento judicial com conteúdo decisório que

prejudique uma das partes envolvidas no processo, um terceiro, Ministério Público ou amicus

curiae.

Destaca-se, desde logo, que nesta dissertação, utilizar-se-á a nomenclatura

“pronunciamento judicial” para os atos processuais praticados pelos representantes do Poder

Judiciário, em detrimento da nomenclatura legal “pronunciamentos do juiz”, estabelecida na

Seção IV do Capítulo I, do Título I do Livro IV do novo Código de Processo Civil.

Isso porque esse termo é equivocado ou, no mínimo, insuficiente: o termo “juiz”, ali

empregado, deve ser expandido a fim de englobar os pronunciamentos proferidos por todos os

órgãos julgadores, sejam eles monocráticos ou colegiados.

Se, de um lado, é verdade que sentença só pode ser proferida por juiz, e acórdão, por

órgão colegiado de tribunal, de outro lado, não é verdade que decisões interlocutórias e

despachos só podem ser proferidos por juízo singular, uma vez que também são proferidos

por desembargadores e ministros dos tribunais superiores.

Já com fundamento no novo Código de Processo Civil, entende-se como

pronunciamentos judiciais (que podem ou não causar prejuízo) as sentenças, decisões

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interlocutórias e despachos (artigo 203, parágrafos primeiro, segundo e terceiro1) e os

acórdãos (artigo 2042).

Esse direito de recurso é exercido através da interposição de um dos recursos previstos

em lei para impugnar o pronunciamento específico, momento no qual o recorrente deverá

preencher todos os requisitos de admissibilidade, sob pena de não conhecimento do recurso e

consequente trânsito em julgado da decisão impugnada.

Uma vez recebido o recurso, inicia-se novo grau de jurisdição sobre aquela questão3 já

decidida.

1.1. Direito de ação e direito de recurso

A jurisdição4 decorreu da evolução da própria sociedade bem como da necessidade de

pacificação dos conflitos intersubjetivos sem que o vencedor fosse o mais forte, mas sim

aquele que realmente tivesse direito à pretensão ou à resistência à pretensão do outro

indivíduo envolvido no conflito de interesses5.

A jurisdição se desenvolveu como função estatal e tem como uma de suas

características mais marcantes a inércia: o Estado, através do Poder Judiciário (e, por sua vez,

através dos magistrados), só tomará conhecimento e movimentar-se-á para dar solução

jurídica adequada a um conflito de interesses se qualquer das partes envolvidas nesse conflito

levá-lo ao seu conhecimento.

1 Art. 203. Os pronunciamentos do juiz consistirão em sentenças, decisões interlocutórias e despachos. § 1º Ressalvadas as disposições expressas dos procedimentos especiais, sentença é o pronunciamento por meio do qual o juiz, com fundamento nos arts. 485 e 487, põe fim à fase cognitiva do procedimento comum, bem como extingue a execução. § 2º Decisão interlocutória é todo pronunciamento judicial de natureza decisória que não se enquadre no § 1º. § 3º São despachos todos os demais pronunciamentos do juiz praticados no processo, de ofício ou a requerimento da parte. § 4º Os atos meramente ordinatórios, como a juntada e a vista obrigatória, independem de despacho, devendo ser praticados de ofício pelo servidor e revistos pelo juiz quando necessário. 2 Art. 204. Acórdão é o julgamento colegiado proferido pelos tribunais. 3 Entende-se por “questão” no processo todas as matérias que exigem pronunciamento judicial e que podem causar prejuízo. 4 Em 1965, Giuseppe Chiovenda já definia “a jurisdição como a função do Estado que tem por escopo a atuação da vontade concreta da lei por meio da substituição, pela atividade de órgãos públicos, da atividade de particulares ou de outros órgãos públicos, já no afirmar a existência da vontade da lei, já no torná-la, praticamente, efetiva”. (CHIOVENDA, 1965b, p. 91-92). 5 A origem da jurisdição é o momento no qual o Estado absorve para si, de forma exclusiva, os poderes de conhecer e julgar o mérito dos conflitos que lhe eram apresentados pelos indivíduos. A estabilização de seus elementos caracterizadores, por sua vez, ocorreu com a consolidação do Estado de Direito como modelo de organização das sociedades modernas.

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É exatamente dessa característica, da inércia, que o ser humano toma consciência de

um direito fundamental que detém, naturalmente: o direito de ação.

As relações jurídicas existentes na sociedade são reguladas pelo direito substantivo,

emanado, num primeiro momento, do Direito Natural.

Obviamente, seja pelo descumprimento de uma norma, seja pelo abuso de direito ou

mesmo pela existência de direitos conflitantes, a sociedade também é composta por diversos

conflitos de interesses, sendo que aquele que se entende por titular de um direito ameaçado ou

efetivamente violado, pode exigir o seu cumprimento.

Historicamente, o ser humano busca, num primeiro e primitivo momento, impor seu

alegado direito com base na força – o mais forte impõe sua vontade ao mais fraco – e, num

segundo momento, com a evolução da organização social, busca alternativas para a

composição racional da celeuma que se apresenta, sendo que, inexistindo a possibilidade de

composição entre os próprios envolvidos, havia a necessidade de um terceiro, imparcial,

decidir em favor de um, de outro, ou de nenhum deles.

É desse segundo cenário, no qual as partes necessitam que um terceiro decida a

celeuma existente entre eles – surgimento e consolidação da jurisdição, conforme analisado

no tópico anterior deste capítulo –, que se extrai o direito de ação, atualmente difundido de

modo amplo na Teoria Geral do Processo.

Muitas são as teorias que tentam explicar a natureza jurídica da ação.

Embora se possa buscar sistematizar as ações em período anterior, toma-se como

ponto de partida o Direito Romano, especificamente aquilo que se pode chamar, ainda que

precariamente, de Direito Processual Romano – até aquele momento (e até hoje, na verdade),

"processo" era sinônimo de imposição de força.

Pode-se dividir a história romana em três fases bem definidas6, quais sejam:

(a) Monarquia: desenvolvem-se nessa fase as noções de jurisdição, o

Poder de Império como meio de coerção e um processo formalista, as

legis actiones, caracterizadas pela tipicidade (cinco ações possíveis),

pela oralidade e por ser composta de duas fases, uma de

"conhecimento e produção de provas", diante de um pretor, e outra de

"julgamento", realizado por um leigo (o qual decidia se o autor

6 CRUZ E TUCCI; AZEVEDO, 2001.

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"ganhava ou perdia"), sendo que a execução da sentença também era

perante o pretor, "funcionário" do Rei;

(b) República: evolução do Direito Privado, desenvolvimento do

Direito como ferramenta para o exercício do Poder, surgimento do

"recurso de apelação" para realização e unificação da vontade

soberana em todo o território romano e o processo formular, em duas

fases e com a ampliação da produção de provas;

(c) Império: o processo, como forma de controle e emanação do poder

imperial, passou a ser exclusivamente perante pretores e de extrema

oficialidade.

Quando, historicamente posterior ao Império Romano, propôs-se a definição do

conceito e natureza jurídica da ação, preexistente, entendeu-se, inicialmente, a ação como o

direito de pedir em juízo aquilo que seria devido ao autor.

"Assim, pela escola denominada clássica ou imanentista (ou, ainda, civilista, quando

se trata de ação cível), a ação seria uma qualidade de todo direito ou o próprio direito

reagindo a uma violação"7 – essas teorias, por óbvio, falham em explicar o pedido julgado

improcedente e a ação declaratória negativa.

Na segunda metade do século XIX, passa-se a verificar a autonomia da ação em

relação ao direito material, visão esta decorrente de diversos estudos, nos quais o processo é

compreendido como uma relação jurídica, de onde se aufere que o direito de ação é exercível

não só contra o devedor, mas também contra o Estado.

Estabelecida a ação como direito autônomo, verifica-se a existência de diversas teorias

objetivando estabelecer a sua natureza jurídica8, das quais algumas merecem destaque para

fins de evolução histórica.

Pela teoria concretista, entende-se que a ação tem caráter público, dirigida contra o

Estado, e representa o direito à obtenção de uma sentença favorável, o que, por motivos

óbvios, não se sustenta.

7 CINTRA; GRINOVER; DINAMARCO, 2008, p. 272. 8 CINTRA; GRINOVER; DINAMARCO, 2008.

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19

A teoria do Direito Potestativo de Chiovenda9 sugere que a ação é dirigida à parte

adversária e que isso não lhe confere caráter público. No entanto, o direito à ação traria, em

contrapartida, a obrigação de o Estado emitir um pronunciamento favorável.

Já a teoria da ação como direito abstrato entende que tal direito é geral e abstrato, ou

seja, exercitável ainda que não seja o autor o titular do direito material invocado. Exigir-se-ia

apenas a referência a um direito que merecesse ser juridicamente protegido.

Ainda na atualidade, diversas definições são dadas para ação e sua natureza jurídica.

Enrico Tullio Liebman, com enorme influência na doutrina atual, define ação "como

direito subjetivo instrumental – e, mais do que um direito, um poder ao qual não corresponde

a obrigação do Estado, igualmente interessado na distribuição da justiça; poder esse

correlato com a sujeição e instrumentalmente conexo a uma pretensão material"10.

Sob uma óptica mais procedimental, Arruda Alvim define ação como "direito

[subjetivo] constante da lei processual civil [também a qualifica como instituto processual

mais a frente], cujo nascimento depende de manifestação da nossa vontade. Tem por escopo a

obtenção da prestação jurisdicional do Estado, visando, diante da hipótese fático-jurídica

nela formulada, à aplicação da lei (material)"11.

O próprio Arruda Alvim ainda esclarece que

“ação, na escorreita conceituação de Humberto Theodoro Jr., é ‘um direito abstrato (direito à composição do litígio), que atua independentemente da existência ou inexistência do direito substancial que se pretende fazer reconhecido ou executado. É, assim e apenas, o direito à prestação jurisdicional, direito instrumental, com que se busca a tutela jurídica. O direito de ação vem garantido, no plano constitucional, pelo art. 5º, XXXV; o efetivo exercício do direito de ação processual civil, contudo, fica condicionado ao preenchimento de determinados requisitos (condições da ação, por exemplo) impostos pela lei infraconstitucional’.”

Para a finalidade do presente estudo, propõe-se um conceito de direito de ação

extraído da definição proposta por Cintra, Grinover e Dinamarco12: ação é um direito

subjetivo, autônomo, garantido constitucionalmente, pelo qual o jurisdicionado pode exigir do

9 CHIOVENDA, 1965a, p. 25-31. 10 CINTRA; GRINOVER; DINAMARCO, 2008, p. 275. 11 ARRUDA ALVIM, J., 2010, p. 405. 12 “Ação, portanto, é direito ao exercício da atividade jurisdicional (ou o poder de exigir esse exercício). [...] Caracteriza-se a ação, pois, como uma situação de que desfruta o autor perante o Estado, seja ele um direito (direito público subjetivo) ou um poder. Entre os direitos públicos subjetivos, caracteriza-se mais especificamente como direito cívico, por ter como objeto uma prestação positiva por parte do Estado (obrigação de dare, facere, praestare): a facultas agendi do indivíduo é substituída pela facultas exigendi” (CINTRA; GRINOVER; DINAMARCO, 2008, p. 272 e 277).

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Estado a prestação de um dever-poder para que haja a imposição de uma solução de um litígio

não resolvido apenas pelos jurisdicionados.

Desse direito de ação se extrai o direito de recurso, que, ao que tudo indica, é tão

natural (o inconformismo do ser humano decorre da sua própria natureza) e fundamental

(necessário para a manutenção da ordem social) quanto o primeiro, embora só possa ser

exercido após o exercício do direito de ação. Em outras palavras, o direito de recorrer, que

pode ou não ser exercido por alguém que se sinta prejudicado por determinado

pronunciamento judicial, emana do direito de ação e depende dele – não é autônomo.

Faz-se mister, finalmente, definir a natureza de um direito fundamental, verificando-se

o que define algo como um direito de alguém (direito subjetivo) e de caráter fundamental,

como acredita-se sejam os direitos de ação e de recurso.

Doutrinariamente, "direito subjetivo" revela um direito positivado concedido ao ser

humano que, por detê-lo, pode, ou não, exigir sua observância por parte dos demais

personagens da sociedade, observância imposta esta que corresponderá a uma obrigação de

fazer, abster-se ou de tolerar.

Pontes de Miranda define o que seria o direito subjetivo:

“O direito subjetivo não é a faculdade, ainda que seja ela uma só; o direito subjetivo é que contém a faculdade. Porque o direito subjetivo é o poder jurídico de ter a faculdade. A faculdade é fática, é meio fático para a satisfação de interesses humanos; o direito subjetivo é jurídico, é meio jurídico para a satisfação desses interesses. Na ilha deserta, sem ordenamento jurídico, o náufrago dá a outro náufrago o fruto que colher; não doa. Doação é categoria jurídica. Se esse náufrago diz a outro que encontrou caverna, em que poderiam, sem perigo, dormir, não fez nenhuma declaração de vontade que o obrigue a irem os dois dormir na caverna. Há, aí, faculdade, e não há direito subjetivo. Não há direito subjetivo sem regra jurídica (direito objetivo), que incida sobre suporte fático tido por ela mesma como suficiente. Portanto, é erro dizer-se que os direitos subjetivos existiram antes do direito objetivo; e ainda o é afirmar-se que foram simultâneos. A regra jurídica é prius, ainda quando tenha nascido no momento de se formar o primeiro direito subjetivo”.13

Definição essa, irretocável e complementada pelas lições de Tércio Sampaio Ferraz

Júnior:

“[...], percebemos que a expressão direito subjetivo, em síntese, considerada à luz de sua função jurídica, aponta para a posição de um sujeito numa situação comunicativa, que se vê dotado de faculdades jurídicas (modos de interagir) que o titular pode fazer valer mediante procedimentos garantidos por normas. É possível, pois, ainda que sem rigor lógico absoluto, identificar no uso do conceito alguns

13 PONTES DE MIRANDA, 2000, p. 271.

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elementos básicos que constituem, por assim dizer, a sua estrutura. Em primeiro lugar aparece o sujeito do direito. Pode tratar-se de uma pessoa, de um grupo de pessoas ou apenas de uma entidade caracterizada por um conjunto de bens. O sujeito é o titular do direito. Em segundo lugar podemos falar do conteúdo do direito. Generalizando, trata-se da faculdade específica de constranger o outro, no caso dos direitos pessoais, ou de dispor (gozar e usar a coisa) sem turbação de terceiros, no caso dos direitos reais. Distinguimos, em terceiro lugar, o objeto do direito. Em princípio trata-se do bem protegido [...]. Por fim, mencionemos a proteção do direito, isto é, a possibilidade de fazer valer o direito por meio da ação processual correspondente. É com base nestes elementos, ora presentes, ora ausentes, e com manifestações distintas, que se classificam os direitos subjetivos”.14

Esclarecido o conceito de direito subjetivo, socorre-se a José Afonso da Silva para a

identificação das características, ou melhor, qualificação, de um direito (subjetivo) como

fundamental.

Ao adotar a nomenclatura "direitos fundamentais do homem" como a mais adequada,

o jurista estabelece que

“no qualitativo fundamentais acha-se a indicação de que se trata de situações jurídicas sem as quais a pessoa humana não se realiza, não convive e, às vezes, nem mesmo sobrevive; fundamentais do homem no sentido de que a todos, por igual, devem ser, não apenas formalmente reconhecidos, mas concreta e materialmente efetivados.”15

Com fundamento nesses necessários conceitos, pode-se concluir que tanto o direito de

ação como o direito de recurso são direitos fundamentais do homem, sendo o primeiro,

autônomo, e o segundo, obviamente, decorrente e dependente do primeiro.

É natural, diga-se, que o ser humano tenha o direito de apresentar sua pretensão ao

terceiro imparcial responsável pela resolução de conflitos, conforme legitimado pela própria

sociedade, assim como é natural a indignação do ser humano com uma decisão que não lhe é

favorável e também a vontade de ouvir uma segunda opinião sobre o mesmo assunto.

Nesse sentido, destaca-se as considerações preliminares elaboradas por Araken de

Assis antes de tentar definir “recurso”:

“O inconformismo arrebata homens e mulheres nas situações incômodas e desfavoráveis. Poucos aquiescem passivamente à adversidade. Envolvendo a rotina da condição humana conflitos intersubjetivos, resolvidos por intermédio da intervenção do Estado, a vida em sociedade se transforma em grandiosa fonte de incômodos. E a própria pendência do mecanismo instituído para equacionar os conflitos provoca dissabores de outra natureza. A causa mais expressiva do descontentamento, cumulada à sensação asfixiante de desperdício de tempo valioso,

14 FERRAZ JÚNIOR, 2007, p. 153/154. 15 SILVA, 2010, p. 178.

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avulta nos pronunciamentos contrários ao interesse das partes e de terceiros emitidos neste âmbito. O homem e a mulher na sociedade pós-moderna [...] reagem muito mal a qualquer demora e a soluções que não lhes atendam plena e integralmente os interesses”.16

1.2. Duplo grau de jurisdição

É impossível se estudar qualquer aspecto relacionado aos recursos, seja sob uma

óptica generalista, seja sob uma óptica mais específica, sem se analisar, ainda que não

exaustivamente, o princípio do duplo grau de jurisdição de forma destacada dos demais.

O jurisdicionado litigante em um processo só terá acesso ao duplo grau de jurisdição –

ou seja, a um segundo julgamento sobre uma questão já decidida por um órgão do Poder

Judiciário hierarquicamente superior – se ele interpuser recurso que preencha todos os

requisitos de admissibilidade recursal.

Pode-se dizer que o duplo grau de jurisdição existe em razão da existência dos

recursos e que estes, por sua vez, existem em razão do duplo grau de jurisdição.

Se, de um lado, é natural do ser humano o inconformismo com uma decisão que não

lhe seja favorável, também é natural que esse mesmo ser humano queira que aquela decisão

que não lhe foi favorável seja analisada por um órgão hierarquicamente superior, ainda que

isso não represente garantia de uma decisão qualitativamente melhor.

Como já estabeleceu Moacyr Amaral Santos, o duplo grau de jurisdição (e os próprios

recursos em si) “satisfaz a uma exigência humana”, pois “ninguém se conforma com uma

única decisão, que lhe seja desfavorável”17.

Moacyr Amaral Santos também define o princípio do duplo grau com exímia precisão:

“O princípio do duplo grau de jurisdição, consagrado pela Revolução Francesa, consiste em admitir-se, como regra, o conhecimento e decisão das causas por dois órgãos jurisdicionais sucessivamente, o segundo de grau hierárquico superior ao primeiro. Nesse princípio se acha um dos alicerces dos recursos e de sua teoria.”18

Araken de Assis denomina-o como “princípio do duplo grau na unidade do processo”

e o explica:

16 ASSIS, 2015, p. 43. 17 SANTOS, 1973, p. 106. 18 Ibidem, p. 106.

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“Ao vencido na primeira apresentação da solução do conflito, raramente convencido desse resultado, a lei confere o direito de provocar outra avaliação do seu alegado direito, de ordinário perante órgão judiciário diverso e de superior hierarquia. Às vezes, a reapreciação ocorre perante o mesmo órgão judiciário, alterada ou não a composição originária. A remessa da causa para outra avaliação, em órgão diferente, sugeriu a formulação básica e a ulterior explicitação do princípio do duplo grau de jurisdição. Fiel à natureza do recurso, aqui adotada, o duplo grau se efetiva no mesmo processo. Por essa razão, receberá a designação de princípio do duplo grau na unidade do processo”.19

Araken de Assis, no entanto, chama a atenção para o cuidado que se deve ter no

emprego da expressão “duplo grau”, mormente pela unidade da jurisdição, indicando seu real

significado:

“Todo cuidado é pouco na questão terminológica inserida na clássica expressão ‘duplo grau’. Entre nós, a jurisdição revela-se imune a graus. O direito brasileiro adotou o princípio da unidade jurisdicional. A separação baseia-se na hierarquia, e não na qualidade intrínseca do corpo julgador. Nesse sentido, a consagrada nomenclatura – duplo grau –, induzindo a ideia de pluralidade de jurisdições, revela-se imprópria. À semelhança do que sucede em outras situações, não convém substitui-la por outra mais adequada ao regime tratado, pois o apuro terminológico em nada auxilia a clareza em áreas impregnadas pela tradição”.20

O princípio do duplo grau de jurisdição, portanto, traduz justamente a vontade da parte

derrotada em ter um segundo julgamento, no qual serão analisados novamente suas razões e

pedidos.

Tem-se, desta forma, que a interposição de recurso com o objetivo de reformar ou

anular um pronunciamento judicial deve ser apreciado por um órgão julgador

hierarquicamente superior, justamente para que se possa impor o novo pronunciamento como

pronunciamento válido, em substituição ao primeiro, ainda que o novo pronunciamento seja

no mesmo sentido daquele recorrido.

A justificativa para a necessidade do duplo grau de jurisdição é de grande

simplicidade, uma vez que “reside na circunstância de o pronunciamento do primeiro grau se

sujeitar a erros e imperfeições”21.

Afinal,

“é um dado da experiência comum que uma segunda reflexão acerca de qualquer problema frequentemente conduz à mais exata conclusão, já pela luz que projeta sobre ângulos até então ignorados, já pela oportunidade que abre para a

19 ASSIS, 2015, p. 82-83. 20 ASSIS, 2015, p. 83. 21 Ibidem, p. 84.

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reavaliação de argumentos a que no primeiro momento talvez não se tenha atribuído o justo peso.”22

O segundo julgamento de uma questão já decidida – provocado pela interposição de

um recurso que preencha todos os seus requisitos de admissibilidade – viabiliza, ou melhor,

possibilita a correção de errores in procedendo e errores in judicando cometidos pelo juízo a

quo.

Destaca-se, no entanto, que a presunção de que o segundo julgamento, por um órgão

do Poder Judiciário hierarquicamente superior, é qualitativamente superior ao primeiro não é

uma presunção absoluta. A verdade é que nem sempre o pronunciamento judicial proferido

por um colegiado será qualitativamente melhor que o pronunciamento judicial impugnado,

embora essa seja uma expectativa legítima dos jurisdicionados envolvidos em um processo.

Araken de Assis destaca essa questão:

“É flagrante a falácia do argumento: em primeiro lugar, o atributo da experiência e o da sabedoria acumulada por força de numerosos julgamentos não se estende a todos os magistrados integrantes do segundo grau, e, simultaneamente, não socorre a todos os do primeiro grau; ademais, verdadeira que seja a generalização, a favor da qual inexiste evidência concreta, então as causas deveriam começar diretamente no segundo grau, abolindo a inútil primeira etapa. Em outras palavras, a vantagem residiria na composição do órgão, e não no hipotético duplo exame acometido a dois órgãos diferentes”.23

Feitas essas considerações, passa-se a um dos aspectos mais polêmicos da doutrina

autorizada acerca do princípio do duplo grau de jurisdição, a saber: se esse princípio tem ou

não natureza constitucional.

Essa dúvida existe justamente pelo fato de não haver previsão expressa do princípio do

duplo grau de jurisdição na Constituição Federal do Brasil de 1988.

Na verdade, apenas a Constituição Política do Império do Brazil, de 1824, outorgada

pelo então Imperador Dom Pedro I, tinha previsão expressa acerca da garantia ao duplo grau

de jurisdição, em seu artigo 158:

Art. 158. Para julgar as Causas em segunda, e ultima instancia haverá nas Provincias do Imperio as Relações, que forem necessarias para commodidade dos Povos.

22 BARBOSA MOREIRA, 2003, p. 237. 23 ASSIS, 2015, p. 84.

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Desde a outorga da Constituição de 1891, portanto, o princípio do duplo grau de

jurisdição não aparece previsto expressamente nas Constituições brasileiras, de modo que,

desde então, discute-se se tal princípio tem ou não natureza constitucional.

Nelson Nery Junior destaca que

“as constituições que se lhe seguiram limitaram-se a apenas mencionar a existência de tribunais, conferindo-lhes competência recursal. Implicitamente, portanto, havia previsão para a existência de recurso. Mas, frise-se, não garantia absoluta ao duplo grau de jurisdição”.24

Muito embora não exista previsão expressa ao princípio do duplo grau de jurisdição na

Constituição Federal do Brasil de 1988, é inegável que referido princípio tem raízes

constitucionais.

O inciso LV do artigo 5º da Constituição Federal garante que a todos os “litigantes, em

processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório

e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes”.

In casu, a expressão “recursos” deve ser entendida como o direito de recurso aqui

estudado, tendo em vista que o legislador constitucional originário optou, propositalmente, em

separar as expressões “meios” e “recursos”.

A expressão “meios” deve ser entendida como o direito de ação, previsto no inciso

XXXV do supracitado artigo constitucional. Por sua vez, a expressão “recursos” deve ser

compreendida como o direito de recurso do qual a parte interessada e legitimada a recorrer

pode se valer, utilizando um dos recursos expressamente previstos na legislação

infraconstitucional, observando-se, assim, o princípio do duplo grau de jurisdição.

No mesmo sentido, Luiz Guilherme Marinoni também entende que o princípio do

duplo grau de jurisdição estaria vinculado àquele dispositivo constitucional, por meio do qual

uma parte do litígio pode se utilizar de um dos recursos inerentes ao exercício do

contraditório25.

Nelson Luiz Pinto também destaca o caráter constitucional do princípio do duplo grau

de jurisdição a partir do inciso LV do artigo 5º da Constituição Federal. Para referido jurista, a

expressão “recursos” permite a conclusão de que todo pronunciamento judicial pode ser

24 NERY JUNIOR, N., 2004a, p. 211. 25 MARINONI, 1997, p. 217-218.

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impugnado, seja por um recurso stricto sensu, seja por uma ação de impugnação autônoma,

atendendo ao princípio do duplo grau de jurisdição26.

Teresa Arruda Alvim Wambier e Luiz Rodrigues Wambier asseveram que,

independentemente de não estar expressamente previsto na Constituição Federal de 1988, o

princípio do duplo grau de jurisdição encontra guarida constitucional. Isso porque, de acordo

com os autores, não só estão previstos tribunais com competência recursal na própria

Constituição, como também há o fato de o princípio do duplo grau de jurisdição estar

intimamente ligado ao conceito de Estado de Direito27.

Calmon de Passos, por sua vez, extrai o caráter constitucional do duplo grau de

jurisdição da garantia constitucional do devido processo legal (artigo 5º, inciso LIV, da

Constituição Federal de 198828):

“Devido processo constitucional jurisdicional, cumpre esclarecer, para evitar sofismas e distorções maliciosas, não é sinônimo de formalismo, nem culto da forma pela forma, do rito pelo rito, sim um complexo de garantias mínimas contra o subjetivismo e o arbítrio dos que têm poder de decidir. Exige-se, sem que seja admissível qualquer exceção, a prévia instituição e definição de competência daquele a quem se atribua o poder de decidir o caso concreto (juiz natural), a bilateralidade da audiência (ninguém pode sofrer restrição em seu patrimônio ou em sua liberdade sem previamente ser ouvido e ter o direito de ouvir suas razões), a publicidade (eliminação de todo procedimento secreto e da inacessibilidade ao público interessado de todos os atos praticados no processo), a fundamentação das decisões (para se permitir a avaliação objetiva e crítica da atuação do decisor) e o controle dessa decisão (possibilitando-se, sempre, a correção da ilegalidade praticada pelo decisor e sua responsabilização pelos erros inescusáveis que cometer)”.29

Dessa forma, não há outra conclusão possível senão a de que o princípio do duplo grau

de jurisdição tem natureza constitucional, ainda que não esteja previsto expressamente na

Carta Magna brasileira.

Essa ausência de previsão expressa não lhe retira a natureza constitucional:

“A diferença é sutil, reconheçamos, mas de grande importância prática. Com isto queremos dizer que, não havendo garantia constitucional do duplo grau, mas mera previsão, o legislador infraconstitucional pode limitar o direito de recurso, dizendo, por exemplo, não caber apelação nas execuções fiscais de valor igual ou inferior a 50 OTNs (art. 34, da Lei 6.860/80) e nas causas, de qualquer natureza, nas mesmas

26 PINTO, 2000, p. 85-87. 27 WAMBIER, L.; WAMBIER, T., 2002, p. 140. 28 Art. 5º [...] LIV - ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal. 29 CALMON DE PASSOS, 2003, p. 69-70.

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condições, que forem julgadas pela Justiça Federal (art. 4º, da Lei 6.825/80), ou, ainda, não caber recurso dos despachos (art. 504, CPC).”30

Apesar de se concordar com a possibilidade de limitação do direito de recurso, como

acertadamente discorreu Nelson Nery Junior, não se concorda com a alegação de que haveria

uma limitação ao direito de recurso no artigo 504 do Código de Processo Civil, reproduzido

ipsis litteris no artigo 1.001 do novo Código de Processo Civil de 2015, no qual está

estabelecido que “dos despachos não cabe recurso”31.

O princípio do duplo grau de jurisdição deve ser aplicado plenamente sempre que

alguém sofrer prejuízo em razão de um pronunciamento judicial, independentemente do nome

que este receba.

1.3. Recurso

A palavra “recurso” (recurso, em língua espanhola; ricorso, em língua italiana;

recours, em língua francesa), um substantivo, deriva do verbo “recorrer”, que, por sua vez,

tem origem do termo em língua latina recurrere, que significa “tornar a correr, a

percorrer.”32

Fragmentando o substantivo sob análise, percebe-se que se trata nada mais da palavra

“curso”, outro substantivo, mas com o prefixo (afixo que vem antes ou no começo) “re”.

Enquanto o substantivo “curso” significa “caminho”33, o prefixo “re” revela sentido de

“voltar”, “tornar”, “fazer novamente”, permitindo-se, portanto, inferir que “recurso” significa

“fazer novamente o caminho” – justamente a finalidade do princípio do duplo grau de

jurisdição, visto acima.

Aplicando esses conceitos de língua portuguesa ao universo jurídico, revela-se a

verdadeira face da palavra “recurso”, traduzindo que

“quem recorre pretende, justamente, uma restitutio in integrum, ou mesmo parcial que seja, algo assim como um ritorno da capo na partitura onde se espelha sua posição processual. Ou seja, o caráter de infringência ao julgado, típico dos

30 NERY JUNIOR, N., 2004a, p. 211-212. 31 Essa questão referente ao artigo 1.001 do novo Código de Processo Civil será analisada com propriedade quando da análise do “cabimento do recurso”, um dos requisitos de admissibilidade recursal. 32 FERREIRA, A. 1975. 33 Ibidem.

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recursos propriamente ditos (e que servem ao argumento que nega o caráter de recurso aos embargos declaratórios, por isso que estes não infringem, mas antes servem à integração do decisório), revela o objetivo de atacar a decisão guerreada (por nulidade ou por error in judicando, in procedendo), propiciando a recondução da situação processual ao seu estágio anterior, vale dizer: como ela estava antes do julgado que veio contrariar o interesse da parte, a qual, assim tornara sucumbente, fica autorizada a manejar o recurso.”34

Não se limitando à mera vontade de restabelecer o status quo ante, Nelson Luiz Pinto

corretamente assinala que, por “recurso”, deve-se entender

“meio através do qual pode a parte impugnar, dentro do processo, um pronunciamento judicial que lhe tenha causado prejuízo, objetivando a modificação, anulação, esclarecimento ou integração desse pronunciamento, que, para ser recorrível, há de ter, em princípio, conteúdo decisório.”35

O recurso, em sentido amplo, é justo acalento à natureza dos seres humanos, qual seja,

a do não conformismo com uma decisão proferida em contrariedade com à sua vontade, sem

que ela seja revisada por órgão diferente do primeiro.

Nesse sentido, Gilson Delgado Miranda estabeleceu da seguinte forma, que merece

destaque:

“O juiz deve atuar com imparcialidade na relação jurídica processual, razão pela qual não seria de todo desarrazoada a idéia de se conferir a suas decisões o caráter de imutabilidade. Entretanto, considerando a vulnerabilidade dos juízes ao cometimento de erros e injustiças variados, é próprio da natureza humana, assim, exigir a possibilidade de se reexaminar o ato decisório. Isso, vale dizer, torna imperiosa a inserção, nas normas processuais, de mecanismos tendentes a enquadrar o modo à interposição de recurso pela parte inconformada. Em outras palavras: ‘O recurso conforta o espírito do homem e possibilita, ao mesmo tempo, o aprimoramento da atividade do Judiciário’ (Gilson Delgado Miranda e Patricia Miranda Pizzol, Processo civil: recursos, p. 17). No mesmo sentido: Moacyr Amaral Santos, Primeiras linhas de direito processual civil). Desta feita, o recurso deve ser entendido, tecnicamente, em sentido amplo, na lição de José Carlos Barbosa Moreira, ‘como o remédio voluntário idôneo a ensejar, dentro do mesmo processo, a reforma, a invalidação, o esclarecimento ou a integração da decisão judicial que se impugna’ (Comentários ao Código de Processo Civil, v. 5, p. 231)”.36

Garante-se, desta forma, além do conforto ao sucumbente, um aperfeiçoamento da

atividade jurisdicional prestada pelo Estado, protegendo os jurisdicionados da falibilidade dos

juízes, como humanos que também o são.

34 MANCUSO, 2007, p. 19-20. 35 PINTO, 1992, p. 18. 36 MIRANDA, 2008, p. 1715-1716.

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Sem embargo, Nelson Nery Junior define o conceito de “recurso”37 já estando este

atrelado ao texto legal38.

Acerca do motivo de existência dos recursos, permite-se, aqui,

“trazer à discussão interessante abordagem feita por Mantovanni Colares Cavalcanti. Este autor se pergunta: porque existem os recursos? E justifica esta existência em três ordens de razões: 1) pode-se ver nos recursos uma forma de controlar a magistratura do primeiro grau. Observa, ainda, o autor, que no sistema recursal brasileiro há uma série de hipóteses de autocontrole da magistratura de 1º grau, exercida, por exemplo, no juízo de retratação do agravo de instrumento ou retido; 2) os recursos têm a função de moderar paixões, depurando a causa. No segundo grau, há o que o autor chama de depuração quanto ao juízo sobre os fatos, e meditação quanto à matéria de direito. É um segundo momento de reflexão a respeito da matéria decidida; 3) a terceira razão que explica e justifica a existência dos recursos é sua função pedagógica.”39

Analisado o princípio do duplo grau de jurisdição no tópico anterior e, neste momento,

esclarecidos os aspectos etimológicos e jurídicos da expressão “recurso”, cabe analisar, ainda

que sem a pretensão de esgotar a matéria, os princípios recursais, bem como apontar os

recursos em espécie previstos no novo Código de Processo Civil, para, então, passar-se à

análise de seus requisitos de admissibilidade, mas não sem realizar primeiramente uma breve

explanação do juízo de admissibilidade propriamente dito.

1.4. Princípios processuais dos recursos relacionados ao juízo de admissibilidade

Não diferentemente de todo o ordenamento jurídico brasileiro, os recursos também se

pautam por uma série de princípios, sejam eles de direito em geral, de direito processual civil

em si, ou, ainda, nos princípios recursais especificamente considerados.

Analisa-se, neste tópico, sucintamente, os princípios recursais que guardam relação

direta com o juízo de admissibilidade recursal.

37 Nelson Nery Junior estabelece, de maneira concisa e eficaz, que recurso “é o remédio processual que a lei coloca à disposição das partes, do Ministério Público ou de um terceiro, a fim de que a decisão judicial possa ser submetida a novo julgamento, por órgão de jurisdição hierarquicamente superior, em regra, àquele que a proferiu”. (NERY JUNIOR, N., 2004b, p. 204). 38 Ao estabelecer o conceito transcrito na nota de rodapé anterior, o incomparável jurista faz indiscutível menção ao artigo 499, caput, do Código de Processo Civil de 1973, tendo em vista que já estabelece os legitimados para interpor recurso. 39 WAMBIER, T., 2008, p. 245.

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Primeiramente, recorda-se que o princípio do duplo grau de jurisdição foi analisado

em tópico próprio deste capítulo, tendo em vista sua importância destacada para a teoria geral

dos recursos. Relembre-se, o princípio do duplo grau de jurisdição

“consiste, em linhas gerais, na possibilidade de provocar o reexame da matéria apreciada e decidida, isto é, de pleitear, mediante a interposição de um recurso (o adequado, segundo as normas constantes da legislação infraconstitucional), novo julgamento, por órgão hierarquicamente superior.”40

Em seguida, pelo princípio da taxatividade, tem-se que todos os recursos estão,

rigorosamente, previstos em normas cogente positivadas, seja na Constituição Federal

(recursos extraordinário e especial), seja no Código de Processo Civil, seja em leis especiais

ou, ainda, em Regimentos Internos dos tribunais (nestes, no caso do agravo interno).

Afinal,

“nenhum ordenamento jurídico pode deixar à autonomia dos litigantes a instituição dos meios hábeis para impugnar as resoluções judiciais. Razões do mais elevado interesse público exigem que os litígios sejam extintos no menor tempo possível. Esse objetivo jamais se mostraria realizável na hipótese de o vencido, por iniciativa própria, criar mecanismo para impugnar o pronunciamento do órgão judiciário. Em tal contingência, o processo se prolongaria indefinidamente ou, no mínimo, seu término dependeria da aquiescência do vencido ao provimento. À vontade convergente das partes tampouco se concede a possibilidade de instituir via de impugnação.”41

O artigo 49642 do diploma processual pátrio em vigor e o artigo 994 do novo Código

de Processo Civil (este último será especificamente analisado no próximo tópico deste

capítulo), em rol taxativo – numerus clausus –, elencam os recursos cabíveis, ressaltando-se

que, imprescindivelmente, faz-se mister que as formalidades para a interposição dos recursos

também estejam expressamente previstas em lei (requisitos de admissibilidade recursal, objeto

dessa dissertação).

40 MIRANDA; PIZZOL, 2006, p. 22-23. 41 ASSIS, 2015, p. 91-92. 42 Art. 496. São cabíveis os seguintes recursos: I - apelação; II - agravo; III - embargos infringentes; IV - embargos de declaração; V - recurso ordinário; VI - recurso especial; VII - recurso extraordinário; VIII - embargos de divergência em recurso especial e em recurso extraordinário.

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Em decorrência lógica do princípio da taxatividade, encontra-se o princípio da

singularidade ou unicidade dos recursos ou da unirrecorribilidade dos pronunciamentos

judiciais: de acordo com este princípio, há apenas um recurso adequado para impugnar cada

pronunciamento judicial específico.

Para fins de análise da unirrecorribilidade dos pronunciamentos judiciais, destaca-se o

fato de que um pronunciamento que, do ponto de vista formal, é único, materialmente pode se

dividir em diversos capítulos autônomos, cada um impugnável por um recurso próprio43.

Já houve discussão acerca de serem os embargos declaratórios uma exceção a este

princípio, discutindo-se inclusive se tal recurso teria mesmo natureza recursal; entretanto,

atualmente, tanto jurisprudência44 quanto doutrina são pacíficas em afirmar que não há ofensa

a tal princípio, tendo em vista os objetivos distintos dos embargos de declaração e do outro

recurso cabível – não impugnam a decisão atacada no mesmo aspecto e os embargos de

declaração interrompem o prazo para a interposição do outro recurso cabível.

Pelo princípio da taxatividade, tanto recurso como suas formalidades para interposição

devem estar previstos em lei. Entretanto, em caso de dúvida fundada e objetiva e não de erro

grosseiro, o princípio da fungibilidade recursal permite que se proponha um e não o outro

recurso – atente-se, mais uma vez, que o recurso interposto ao invés do outro só será admitido

se não houver erro grosseiro, devendo, portanto, haver dúvida real e objetiva sobre qual

recurso deve ser apresentado, inclusive, ao que parece, com divergência doutrinária e

jurisprudencial (não basta, portanto, dúvida do recorrente, caso haja decisões pacíficas em

favor de um dos recursos).

Nos dizeres do Superior Tribunal de Justiça, “a adoção do princípio da fungibilidade exige que sejam presentes: a) dúvida objetiva sobre qual o recurso a ser interposto; b) inexistência de erro grosseiro, que se dá quando se interpõe recurso errado quando o correto encontra-se expressamente indicado na lei e sobre o qual não se opõe nenhuma dúvida; c) que o recurso erroneamente interposto tenha sido agitado no prazo do que se pretende transformá-lo.”45

A exigência de que o recurso interposto no lugar do outro tenha sido interposto no

prazo do último é absurda, pois, se há reconhecidamente dúvida objetiva e inexistência de

erro grosseiro, é óbvio que o recorrente deveria obedecer ao prazo do recurso que interpôs;

43 Nesse sentido, cf. ASSIS, 2015, p. 99. 44 Nesse sentido, exempli gratia, EDcl no AgRg no REsp nº 763.481, Ministro Relator Arnaldo Esteves Lima, 5ª Turma do STJ, D.J. 26/06/2006, p. 194. 45 RMS no 888-DF, Min. Rel. Gomes de Barros, 1a Turma, STJ. DJU em 25.03.1996, p. 8.544.

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pela lógica do Superior Tribunal de Justiça, em caso de dúvida objetiva em relação a qual

recurso interpor, deve-se optar pelo de menor prazo.

Destaca-se que o novo Código de Processo Civil, embora não consagre o princípio da

fungibilidade recursal de forma expressa (do mesmo modo como o faz o Código de Processo

Civil em vigor), apresenta duas hipóteses legais de fungibilidade:

a) hipótese do parágrafo 3º do artigo 1.024, que possibilita o

recebimento de embargos de declaração como agravo interno: “o

órgão julgador conhecerá dos embargos de declaração como agravo

interno se entender ser este o recurso cabível, desde que determine

previamente a intimação do recorrente para, no prazo de 5 (cinco)

dias, complementar as razões recursais, de modo a ajustá-las às

exigências do art. 1.021, § 1º”; e,

b) hipótese do artigo 1.033, pelo qual o Supremo Tribunal Federal

pode converter o recurso extraordinário em recurso especial: “se o

Supremo Tribunal Federal considerar como reflexa a ofensa à

Constituição afirmada no recurso extraordinário, por pressupor a

revisão da interpretação de lei federal ou de tratado, remetê-lo-á ao

Superior Tribunal de Justiça para julgamento como recurso

especial”46.

Por sua vez, o princípio da proibição de reformatio in pejus impede o tribunal ad quem

de, uma vez devolvida a ele toda a matéria já debatida, julgar além ou aquém da matéria

impugnada, não podendo prejudicar o recorrente, ou mesmo o recorrido.

Não há dúvidas, no entanto, na possibilidade de o tribunal ad quem reconhecer matéria

de ordem pública, mesmo que esse reconhecimento prejudique o recorrente.

Fredie Didier Junior e Leonardo José Carneiro da Cunha destacam que

“a proibição da reformatio in pejus não afasta de modo algum a possibilidade de o tribunal revisar aquilo que ex vi legis se sujeita ao duplo grau de jurisdição, como

46 A hipótese do artigo 1.032 se trata de verdadeira correção do recurso interposto e não de mera fungibilidade recursal e será tratada adiante, em capítulo próprio sobre a sanabilidade dos vícios dos recursos.

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por exemplo as questões de ordem pública que, se acolhidas em detrimento do interesse do recorrente, poderão, de certo modo, levar a uma reforma para pior.”47

Por fim, destaca-se o princípio da dialeticidade:

“De acordo com este princípio, exige-se que todo recurso seja formulado por meio de petição na qual a parte, não apenas manifeste sua inconformidade com ato judicial impugnado, mas, também e necessariamente, indique os motivos de fato e de direito pelos quais requer o novo julgamento da questão nele cogitada. Na verdade, trata-se de princípio ínsito a todo processo, que é essencialmente dialético.”48

Esse princípio, de acordo com Araken de Assis, trata-se de “ônus de o recorrente

motivar o recurso no ato de interposição”49.

Há manifestação do princípio da dialeticidade sempre que o legislador indica, como

requisito recursal, a necessidade de o recorrente apresentar “as razões do pedido de reforma

ou de decretação de nulidade”, como acontece, exemplificativamente, nos incisos III dos

artigos 1.01050 e 1.01651 do novo Código de Processo Civil.

Esses são os princípios processuais recursais que mereciam destaque nesta dissertação.

Não se ignora, no entanto, a existência de outros princípios recursais, tais como os

princípios da voluntariedade52 (pelo qual a interposição do recurso depende da vontade da

parte prejudicada, que pode renunciar ao direito de recurso ou mesmo desistir dele após sua

interposição), da complementaridade53 (que permite ao recorrente a complementação do

recurso interposto quando a parte ex adversa opõe embargos de declaração contra aquela

mesma decisão54) e o da consumação55 (que impõe a preclusão consumativa para que a parte

recorra de determinado pronunciamento judicial se já o tiver feito).

47 DIDIER JUNIOR; CUNHA, 2009, p. 79. 48 DIDIER JUNIOR; CUNHA, 2009, p. 62. 49 ASSIS, 2015, p. 109. 50 Art. 1.010. A apelação, interposta por petição dirigida ao juízo de primeiro grau, conterá: [...] III – as razões do pedido de reforma ou de decretação de nulidade. 51 Art. 1.016. O agravo de instrumento será dirigido diretamente ao tribunal competente, por meio de petição com os seguintes requisitos: [...] III – as razões do pedido de reforma ou de invalidação da decisão e o próprio pedido. 52 ASSIS, 2015, p. 111-113. 53 Ibidem, p. 114-115. 54 Princípio este sem razão atualmente, tendo em vista a orientação do Superior Tribunal de Justiça no sentido de que o recurso interposto na pendência de julgamento de embargos de declaração é intempestivo, vez que extemporâneo (cf. AgR no Ag no 789.041/SP, Min. Rel. Maria Thereza de Assis Moura, 5ª Turma, STJ. DJU em 14.05.2007). No entanto, a partir da entrada em vigor do novo Código de Processo Civil, em 2016, esse princípio voltará a ter relevância, tendo em vista que o parágrafo 4º do artigo 218 prevê expressamente que “será considerado tempestivo o ato praticado antes do termo inicial do prazo”.

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1.5. Recursos em espécie no novo Código de Processo Civil – Lei no 13.105/2015

O objetivo desta dissertação, como já adiantado, é analisar os requisitos de

admissibilidade recursal trazidos pelo novo Código de Processo Civil, que entrará em vigor

no primeiro semestre de 2016; trata-se, portanto, de estudo da maior relevância para os

operadores e estudiosos do direito, tendo em vista que é só com o correto preenchimento dos

requisitos de admissibilidade que a parte interessada terá acesso ao duplo grau de jurisdição

através do exercício do seu direito de recurso.

Dessa forma, no Capítulo 3 desta dissertação, analisar-se-á os requisitos de

admissibilidade recursal de acordo com a nova sistemática normativa trazida pelo novo

Código de Processo Civil.

Por ora, analisa-se os recursos em espécie no novo Código de Processo Civil.

Conforme visto no tópico anterior, o princípio da taxatividade recursal exige que os

recursos cabíveis estejam expressamente previstos em lei.

Nesta esteira, confira-se o artigo 994, que inaugura o Título II do Livro III da Parte

Especial do diploma legislativo processual em vacatio legis, comparado ao artigo 496 do

Código de Processo Civil em vigência:

Quadro 1 - Comparativo entre CPCs (Recursos).

Novo CPC, de 2015 CPC atual, de 1973

Art. 994. São cabíveis os seguintes recursos:

I - apelação;

II - agravo de instrumento;

III - agravo interno;

IV - embargos de declaração;

V - recurso ordinário;

VI - recurso especial;

VII - recurso extraordinário;

VIII - agravo em recurso especial ou

extraordinário;

IX - embargos de divergência.

Art. 496. São cabíveis os seguintes recursos:

I - apelação;

II - agravo;

III - embargos infringentes;

IV - embargos de declaração;

V - recurso ordinário;

VI - recurso especial;

VII - recurso extraordinário;

VIII - embargos de divergência em recurso

especial e em recurso extraordinário.

Fonte: Autoria própria.

55 ASSIS, 2015, p. 116-117.

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A simples leitura em comparação dos dispositivos legais acima revela que o legislador

infraconstitucional optou por realizar alterações significativas no sistema recursal pátrio.

Não houve, no entanto, redução drástica do número de recursos.

O recurso de apelação permanece como o recurso cabível para a impugnação da

sentença prolatada no processo, conforme o caput do artigo 1.009 do novo Código de

Processo Civil56.

O agravo retido, regra no ordenamento jurídico-processual atual, deixará de existir e

haverá apenas a possibilidade de interposição de agravo de instrumento, desde que presentes

uma das hipóteses previstas no rol do artigo 1.01557.

Os pronunciamentos judiciais que não poderão ser imediatamente recorridos através

da interposição de agravo de instrumento não são mais afetados pela preclusão de forma

imediata, devendo ser questionados em sede de preliminar do recurso de apelação ou em sede

de preliminar das contrarrazões ao recurso de apelação, conforme regra prevista no parágrafo

primeiro do artigo 1.00958.

O agravo interno ganha posição de destaque no novo Código de Processo Civil e é o

recurso pelo qual se provoca uma decisão colegiada das decisões monocráticas proferidas

pelos tribunais (artigo 1.02159).

O mesmo ocorre com o agravo em recurso especial ou extraordinário, que passa a ter

maior destaque.

56 Art. 1.009. Da sentença cabe apelação. 57 Art. 1.015. Cabe agravo de instrumento contra as decisões interlocutórias que versarem sobre: I - tutelas provisórias; II - mérito do processo; III - rejeição da alegação de convenção de arbitragem; IV - incidente de desconsideração da personalidade jurídica; V - rejeição do pedido de gratuidade da justiça ou acolhimento do pedido de sua revogação; VI - exibição ou posse de documento ou coisa; VII - exclusão de litisconsorte; VIII - rejeição do pedido de limitação do litisconsórcio; IX - admissão ou inadmissão de intervenção de terceiros; X - concessão, modificação ou revogação do efeito suspensivo aos embargos à execução; XI - redistribuição do ônus da prova nos termos do art. 373, § 1o; XII - (VETADO); XIII - outros casos expressamente referidos em lei. Parágrafo único. Também caberá agravo de instrumento contra decisões interlocutórias proferidas na fase de liquidação de sentença ou de cumprimento de sentença, no processo de execução e no processo de inventário. 58 § 1o As questões resolvidas na fase de conhecimento, se a decisão a seu respeito não comportar agravo de instrumento, não são cobertas pela preclusão e devem ser suscitadas em preliminar de apelação, eventualmente interposta contra a decisão final, ou nas contrarrazões. 59 Art. 1.021. Contra decisão proferida pelo relator caberá agravo interno para o respectivo órgão colegiado, observadas, quanto ao processamento, as regras do regimento interno do tribunal.

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O agravo em recurso especial ou extraordinário é cabível contra: (a) o pronunciamento

que indeferir pedido de inadmissão do recurso especial ou extraordinário em razão da

intempestividade de sua interposição (artigos 1.035, § 6º60, e 1.036, § 2º61, ambos do novo

Código de Processo Civil); (b) o pronunciamento que negar seguimentos aos recursos

extraordinário ou especial em razão da alegação de que o acórdão recorrido coincide com a

orientação do respectivo tribunal superior (artigo 1.040, inciso I62); e (c) contra o

pronunciamento que inadmitir o recurso extraordinário que tiver negada a existência de

repercussão geral (artigos 1.035, § 8º63 e 1.039, parágrafo único64).

Os embargos de declaração permanecem previstos, com a inclusão expressa da

possibilidade de sua oposição para “corrigir erro material” (artigo 1.022, inciso III), além das

hipóteses clássicas de esclarecer obscuridade, eliminar contradição e suprir omissão.

Os recursos ordinário, especial e extraordinário estão expressamente previstos na

Constituição Federal65 e isso não poderia ser alterado pelo novo Código de Processo Civil.

Não há alteração relevante com relação ao recurso ordinário – que é um recurso à

semelhança do recurso de apelação –, cujas hipóteses de cabimento estão previstas no artigo

1.027 do novo Código de Processo Civil66.

60 § 6o O interessado pode requerer, ao presidente ou ao vice-presidente do tribunal de origem, que exclua da decisão de sobrestamento e inadmita o recurso extraordinário que tenha sido interposto intempestivamente, tendo o recorrente o prazo de 5 (cinco) dias para manifestar-se sobre esse requerimento. 61 § 2o O interessado pode requerer, ao presidente ou ao vice-presidente, que exclua da decisão de sobrestamento e inadmita o recurso especial ou o recurso extraordinário que tenha sido interposto intempestivamente, tendo o recorrente o prazo de 5 (cinco) dias para manifestar-se sobre esse requerimento. 62 I - o presidente ou o vice-presidente do tribunal de origem negará seguimento aos recursos especiais ou extraordinários sobrestados na origem, se o acórdão recorrido coincidir com a orientação do tribunal superior. 63 § 8o Negada a repercussão geral, o presidente ou o vice-presidente do tribunal de origem negará seguimento aos recursos extraordinários sobrestados na origem que versem sobre matéria idêntica. 64 Parágrafo único. Negada a existência de repercussão geral no recurso extraordinário afetado, serão considerados automaticamente inadmitidos os recursos extraordinários cujo processamento tenha sido sobrestado. 65 O recurso ordinário, extraordinário e especial estão previstos nos artigos 102, incisos II e III e 105, incisos II e III, da Constituição Federal de 1988. 66 Art. 1.027. Serão julgados em recurso ordinário: I - pelo Supremo Tribunal Federal, os mandados de segurança, os habeas data e os mandados de injunção decididos em única instância pelos tribunais superiores, quando denegatória a decisão; II - pelo Superior Tribunal de Justiça: a) os mandados de segurança decididos em única instância pelos tribunais regionais federais ou pelos tribunais de justiça dos Estados e do Distrito Federal e Territórios, quando denegatória a decisão; b) os processos em que forem partes, de um lado, Estado estrangeiro ou organismo internacional e, de outro, Município ou pessoa residente ou domiciliada no País. § 1o Nos processos referidos no inciso II, alínea “b”, contra as decisões interlocutórias caberá agravo de instrumento dirigido ao Superior Tribunal de Justiça, nas hipóteses do art. 1.015. § 2o Aplica-se ao recurso ordinário o disposto nos arts. 1.013, § 3o, e 1.029, § 5o.

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O mesmo pode-se dizer com relação aos embargos de divergência, que perderam a

complementação “em recurso especial e em recurso extraordinário” uma vez que só são

cabíveis nesses procedimentos (artigo 1.04367).

As hipóteses de cabimento dos recursos extraordinário e especial permanecem

inalteradas, tendo em vista que, por serem previstas na Constituição Federal, não podem

sofrer limitação pela legislação infraconstitucional.

Não obstante, o “novo CPC aprimora (e muito) a disciplina dos recursos especiais e

extraordinários, inclusive na sua forma de processamento como recursos repetitivos (arts.

1.029 e 1.041)”68.

Finalmente, deve-se destacar a opção do legislador infraconstitucional em eliminar os

embargos infringentes do sistema processual pátrio.

“O novo CPC aboliu-os, colocando em seu lugar a técnica de julgamento constante

de seu art. 942, que não tem natureza recursal”69.

Analisados os recursos em espécie no novo Código de Processo Civil, analisar-se-á, no

próximo capítulo, o juízo de admissibilidade para, após, adentrar-se nos requisitos de

admissibilidade recursal propriamente dito, matéria objeto desta dissertação.

67 Art. 1.043. É embargável o acórdão de órgão fracionário que: I - em recurso extraordinário ou em recurso especial, divergir do julgamento de qualquer outro órgão do mesmo tribunal, sendo os acórdãos, embargado e paradigma, de mérito; II - em recurso extraordinário ou em recurso especial, divergir do julgamento de qualquer outro órgão do mesmo tribunal, sendo os acórdãos, embargado e paradigma, relativos ao juízo de admissibilidade; III - em recurso extraordinário ou em recurso especial, divergir do julgamento de qualquer outro órgão do mesmo tribunal, sendo um acórdão de mérito e outro que não tenha conhecido do recurso, embora tenha apreciado a controvérsia; IV - nos processos de competência originária, divergir do julgamento de qualquer outro órgão do mesmo tribunal. § 1o Poderão ser confrontadas teses jurídicas contidas em julgamentos de recursos e de ações de competência originária. § 2o A divergência que autoriza a interposição de embargos de divergência pode verificar-se na aplicação do direito material ou do direito processual. § 3o Cabem embargos de divergência quando o acórdão paradigma for da mesma turma que proferiu a decisão embargada, desde que sua composição tenha sofrido alteração em mais da metade de seus membros. § 4o O recorrente provará a divergência com certidão, cópia ou citação de repositório oficial ou credenciado de jurisprudência, inclusive em mídia eletrônica, onde foi publicado o acórdão divergente, ou com a reprodução de julgado disponível na rede mundial de computadores, indicando a respectiva fonte, e mencionará as circunstâncias que identificam ou assemelham os casos confrontados. § 5o É vedado ao tribunal inadmitir o recurso com base em fundamento genérico de que as circunstâncias fáticas são diferentes, sem demonstrar a existência da distinção. 68 BUENO, 2015, p. 638. 69 Ibidem, p. 637.

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CAPÍTULO II – JUÍZO DE ADMISSIBILIDADE RECURSAL

Sumário: 2.1. Juízo de admissibilidade recursal no novo Código de Processo Civil. 2.2. Projeto-Lei nº 2.384/15.

Não há como se passar à análise dos requisitos de admissibilidade recursal no novo

Código de Processo Civil sem que se aborde, antes, o juízo de admissibilidade em si.

Juízo de admissibilidade recursal é um ato realizado pelo órgão julgador (seja a quo ou

ad quem), por meio do qual se realiza minucioso exame de todos os requisitos de

admissibilidade recursal, sejam os gerais (que devem estar presentes sempre,

independentemente do instrumento processual manejado), sejam os específicos (definidos por

lei como necessários para a interposição de determinados instrumentos especificamente

considerados).

É nesse momento que o órgão julgador decide se o instrumento processual utilizado

tem aptidão para transformar70 o processo.

Barbosa Moreira estabelece, com precisão, que o juízo de admissibilidade recursal é

“uma primeira operação”, anterior ao juízo de mérito, que se destina “a verificar se estão

satisfeitas as condições impostas pela lei para que o órgão possa apreciar o conteúdo da

postulação”71.

Além disso, o mesmo autor estabelece que o “objeto do juízo de admissibilidade são

os requisitos necessários para que se possa legitimamente apreciar o mérito do recurso, a fim

de dar-lhe ou negar-lhe provimento”72.

Tão somente após o esgotamento desta análise, com a devida conclusão de que todos

os requisitos de admissibilidade recursal foram devidamente preenchidos, é que o

procedimento pode ser encaminhado para análise de mérito (juízo de mérito) – juízo positivo

–, do contrário, o pretendido deve, desde logo, perecer – juízo negativo.

70 Opta-se pelo termo “transformar” tendo em vista que, de fato, tanto uma petição inicial como um recurso transformam o processo: a petição inicial o cria, estabelecendo uma relação jurídica processual, cuja lide estará completamente estabelecida e estabilizada com a regular citação do réu; e o recurso, por sua vez, em extensão ao direito de ação, expande o processo para uma nova fase, provocando o duplo grau de jurisdição e prorrogando o final da lide. 71 BARBOSA MOREIRA, 2003, p. 260. 72 Ibidem, p. 262.

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Barbosa Moreira é incisivo nesse ponto ao destacar que “é óbvio que só se passa ao

juízo de mérito se o de admissibilidade resultou positivo”73 – não seria possível concluir de

outra maneira.

Com efeito, com relação aos recursos em geral, tem-se, acertadamente, a proposição

de Nelson Nery Junior, de que os recursos nada mais são do que “repetição do direito de ação

em fase posterior do procedimento”74, considerando-se, portanto, que recursos só podem ser

interpostos se existir, previamente, ação devida e validamente constituída75.

Daí o porquê de se poder traçar um paralelismo entre os procedimentos da ação e do

recurso.

Nelson Nery Junior qualifica como salutar e inevitável, em sede de recursos, buscar a

identificação de elementos correspondentes às condições da ação e aos pressupostos

processuais. Daí esse professor fazer o cotejo entre interesse processual e interesse recursal,

legitimidade ad causam e legitimidade para recorrer, e possibilidade jurídica do pedido e de

existência do recurso.

No mesmo sentido, merece citação o trecho no qual Bruno Dantas destaca que

“Teresa Arruda Alvim Wambier é ainda mais incisiva, e afirma que, ‘sem medo de errar, pode-se fazer uma analogia entre o mecanismo que há entre os pressupostos de admissibilidade e julgamento da lide (que são, especificamente, os pressupostos processuais e as condições da ação) e o mérito da ação, e as condições de admissibilidade de um recurso e o mérito do recurso’.”76

Ainda nesse sentido:

“Assim como o juiz, para prover sobre o mérito da lide, precisa de um processo existente e válido (isto é, revestido de seus pressupostos) e de uma ação onde foram preenchidas suas condições (interesse processual, legitimação para agir, possibilidade jurídica do pedido), também os recursos apresentam um símile com esse binômio – processo/ação –, exigindo o implemento de alguns pressupostos que, por serem comuns a todos os recursos, são chamados de ‘pressupostos recursais genéricos’.”77

O juízo de admissibilidade em sede recursal tem, pois, como função e objetivo,

verificar a existência de todas as exigências impostas pela Constituição Federal (no caso dos

73 BARBOSA MOREIRA, 2003, p. 261. 74 NERY JUNIOR, N., 2004b, p. 233. 75 Para aprofundamento acerca da matéria dos pressupostos processuais de existência e validade do processo, cf. ARRUDA ALVIM (2005b). 76 DANTAS, 2008, p. 149. 77 MANCUSO, 2007, p. 235-236.

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recursos extraordinários, ou excepcionais, e do recurso ordinário) e pela lei

infraconstitucional, para que o tribunal ad quem possa prosseguir na análise do mérito e

manifestar posterior julgamento.

Conclui-se, destarte, que, uma vez maculados em algum dos requisitos de

admissibilidade, os recursos nem sequer deverão ser conhecidos pelo órgão julgador.

Concorda-se, portanto, com as conclusões tiradas por Bruno Dantas, como se vê, in

verbis:

“Com efeito, quando Barbosa Moreira afirma, sobre o juízo de admissibilidade dos recursos, que ele ‘destina-se a verificar se estão satisfeitas as condições impostas pela lei para que o órgão possa apreciar o conteúdo da postulação’, o que se extrai da lição do mestre fluminense é que, se a pretensão do recorrente estiver maculada no plano da validade, essa postulação, embora reúna condições de entrar no mundo jurídico, ela o faz de maneira viciada, razão pela qual o órgão responsável pelo seu julgamento dela não conhecerá. Assim, se um determinado recurso não satisfaz os respectivos pressupostos, ter-se-á a invalidade do procedimento, que culminará com a impossibilidade do seu exame. Isso porque a lei processual estabelece diversos requisitos que devem ser preenchidos para que uma pretensão recursal seja submetida a julgamento, e o exame desses requisitos precede lógica e cronologicamente o exame do mérito.”78

As decisões que negam seguimento aos recursos, em sede de juízo de admissibilidade,

via de regra, são passíveis de recurso79.

Desta forma, em contrario sensu, uma vez preenchidos corretamente todos os

pressupostos de admissibilidade de determinado recurso, é imperioso que o tribunal ad quem

o receba, processe e conheça, passando ao julgamento de seu mérito (seja ele positivo ou não)

– “quando o tribunal ad quem profere juízo de admissibilidade no procedimento recursal,

dizemos que ele conheceu ou não conheceu do recurso, conforme seja positivo ou negativo o

juízo de admissibilidade”80.

78 DANTAS, 2008, p. 149-150. 79 Exempli gratia, o artigo 544, caput, do CPC atual, permite a interposição de agravo, no prazo de dez dias, contra as decisões que inadmitem o recurso extraordinário e o recurso especial endereçados, respectivamente, para o Supremo Tribunal Federal e Superior Tribunal de Justiça, recurso este mantido no novo Código de Processo Civil (artigo 1.042). 80 NERY JUNIOR, N.; NERY, R., 2014, p. 810.

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2.1. Juízo de admissibilidade recursal no novo Código de Processo Civil

O novo Código de Processo Civil traz uma diferença fundamental quanto ao juízo de

admissibilidade recursal, quando comparado ao atual regime de admissibilidade recursal do

Código de 1973.

Como visto acima, juízo de admissibilidade recursal é o ato jurisdicional de análise do

preenchimento dos requisitos de admissibilidade pelo recorrente para que, caso positivo, o

tribunal ad quem possa apreciar o mérito do recurso – a análise do mérito do recurso

interposto depende do preenchimento de todos os requisitos de admissibilidade recursal.

No sistema processual vigente, a regra é o que se pode chamar de duplo juízo de

admissibilidade recursal: a análise do preenchimento dos requisitos de admissibilidade

recursal é realizada tanto pelo órgão jurisdicional a quo – quando o recurso é interposto

perante ele – quanto pelo órgão jurisdicional ad quem.

Atualmente, interpostos os recursos de apelação, ordinário, especial e extraordinário, o

órgão jurisdicional no qual foi interposto o recurso, mesmo não sendo o órgão competente

para conhecimento do mérito daquele recurso, realiza juízo de admissibilidade, podendo,

desde logo, não conhecer o recurso:

“Em regra, tanto o juízo de admissibilidade quanto o juízo de mérito devem ser feitos pelo órgão ad quem. Porém, a lei atribui ao órgão a quo, quando perante este o recurso é interposto, a possibilidade de realizar o juízo de admissibilidade. Por isso, p. ex., faltando à apelação algum de seus requisitos de admissibilidade, o juiz poderá indeferir seu prosseguimento (cf. art. 518). [...]. Quando permitido, o juízo de admissibilidade realizado pelo órgão a quo é provisório, e não vincula o órgão ad quem.”81

O novo Código de Processo Civil altera esse paradigma e exclui do sistema processual

o duplo juízo de admissibilidade.

A partir da entrada em vigor do novo Código de Processo Civil, a regra será o juízo

único de admissibilidade, realizado exclusivamente pelo órgão jurisdicional ad quem.

Trata-se de medida que objetiva simplificar o sistema recursal do ordenamento

jurídico pátrio, o que, diga-se, era um dos objetivos do legislador infraconstitucional quando

do início da elaboração do novo Codex82.

81 MEDINA, 2012, p. 550. 82 “Quer na versão entregue pela primeira Comissão, quanto naquela que saiu do Senado, depois de ter sido trabalhada pela Comissão composta por Athos Gusmão Carneiro, Cassio Scarpinella Bueno e Dorival Renato Pavan, havia mais simplicidade. A idéia era (e é) a de que o Processo, que é um método de resolução de

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Com relação ao recurso de apelação (artigos 1.009 e seguintes do novo Código de

Processo Civil), o parágrafo 3º do novo artigo 1.010 estabelece que, “após as formalidades

previstas nos §§ 1º e 2º, os autos serão remetidos ao tribunal pelo juiz, independentemente de

juízo de admissibilidade”.

Teresa Arruda Alvim Wambier, Maria Lúcia Lins Conceição, Leonardo Ferres da

Silva Ribeiro e Rogério Licastro Torres de Mello destacam que

“este dispositivo deixa clara a nova regra, no sentido de que não há mais juízo de admissibilidade da apelação no primeiro grau. O juiz, depois de tomadas as providências dos §§ 1º e 2º, remeterá os autos ao Tribunal, independentemente de juízo de admissibilidade. Elimina-se, assim, uma decisão – e correlatamente, um eventual recurso.”83

No mesmo sentido, Cassio Scarpinella Bueno sublinha, sobre o parágrafo 3º do artigo

1.010 do novo Código de Processo Civil, que

“neste dispositivo reside importante novidade do novo CPC: o juízo de admissibilidade da apelação será feito uma única vez perante o Tribunal competente para julgá-la, não estando mais submetido, portanto, ao duplo exame do CPC atual, primeiro perante o juízo de primeira instância, órgão de interposição do recurso, e depois perante o Tribunal, órgão de julgamento do recurso.”84

Essa mesma regra de juízo único de admissibilidade recursal é aplicável ao recurso

ordinário (artigos 1.027 e 1.028 do novo Código), que conta com dispositivo legal similar no

parágrafo 3º do artigo 1.028:

§ 3º Findo o prazo referido no § 2º [prazo de 15 dias para o recorrido apresentar contrarrazões ao recurso ordinário], os autos serão remetidos ao respectivo tribunal superior, independentemente de juízo de admissibilidade.

A exemplo do regime adotado como regra ao recurso de apelação,

“quando se tratar de recurso ordinário, interposto de acórdão de 2º Grau, o juízo de admissibilidade se dará no órgão ad quem, e o contraditório se forma perante o órgão a quo: o presidente ou o vice do Tribunal a quo determina a intimação do

conflitos, não se deve transformar em um centro de atenção do juiz. O processo é instrumento facilitador. Por isso, por exemplo, resolveu, a primeira Comissão, pôr fim às cautelares em espécie, que no CPC/73 têm procedimentos diferenciados.”. (WAMBIER, T. et al., 2015b, p. 50). 83 WAMBIER, T. et al., 2015b, p. 1442. 84 BUENO, 2015, p. 648.

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recorrido, para responder ao recurso em 15 (quinze) dias. Com isso, aboliu-se mais um ‘degrau’: mais um recurso.”85

Finalmente, mas não menos importante, em consonância com a regra adotada para os

recursos de apelação e ordinário – recursos que são interpostos no órgão a quo –, presidente

ou vice-presidente do órgão jurisdicional de interposição não terão mais competência para a

realização do juízo de admissibilidade dos recursos especial e extraordinário.

À luz do parágrafo único do artigo 1.030 do novo Código de Processo Civil, “a

remessa de que trata o caput dar-se-á independentemente de juízo de admissibilidade”.

Conforme Cassio Scarpinella Bueno,

“a novidade não só se harmoniza com a eliminação do juízo de admissibilidade da apelação perante o juízo de interposição (art. 1.010, § 3º), tanto quanto para o recurso ordinário (art. 1.028, § 3º), mas também, cabe afirmar desde logo, acaba tendo importante impacto na configuração do ‘agravo em recurso especial e extraordinário’ do art. 1.042.”86

Essa decisão do legislador infraconstitucional é louvável e acaba, de uma vez por

todas, com a fábrica de decisões de inadmissibilidade dos recursos aos tribunais superiores

instaurada pelos tribunais regionais.

Nesse sentido, reporta-se à crítica tecida por Clito Fornaciari Junior a essa “decisão

padrão” adotada pela Presidência do E. Tribunal de Justiça de São Paulo, para negar

seguimento à maioria dos recursos especiais interpostos contra acórdãos daquela Corte,

aplicável a todas as demais decisões proferidas pelos tribunais regionais:

“É texto padronizado para a não-admissibilidade de recurso especial pela presidência da seção de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo o que afirma haver sido a decisão combatida ‘decorrência de convicção formada pela turma julgadora diante das circunstâncias fáticas próprias do processo sub judice’, aduzindo, ainda, o despacho como simples conseqüência da premissa anterior, ‘aterem-se as razões do recurso a uma perspectiva de reexame desses elementos’ [...]. [...] não é correto, porém, que, se o acórdão for decorrência da convicção formada pelos julgadores, diante das circunstâncias fáticas do processo, ele não poderá ser conhecido. São duas realidades diferentes, até porque uma diz respeito à decisão e outra, ao recurso, que não se encontram sempre atreladas [...]. [...] o que o regime jurídico do especial veda (e a súmula estampa essa vedação) é o enfrentamento da questão de fato, ou seja, não se pode discutir fatos e provas pela via do especial. [...]. Nada impede, portanto, que o acórdão recorrido retrate discussão de fatos; revele convicção do órgão julgador sobre os fatos trazidos pelas partes; discuta provas e

85 WAMBIER, T. et al., 2015b, p. 1490. 86 BUENO, 2015, p. 669.

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as interprete. Isso é próprio dos recursos ordinários (apelação, embargos infringentes, agravo) e, por si só, não é óbice ao cabimento do especial, desde que a discussão nesse se aperte dos fatos. Um acórdão resultante de fatos pode trazer questão jurídica e que, como tal, autorize a interposição, a subida e o conhecimento do recurso especial. [...] Qualquer alusão a fato, no acórdão ou no recurso, está sendo usada como pretexto para impedir a subida do especial, [...] o que se proíbe é apenas o pedido de reexame de fatos e provas, nada além disso.”87

A supressão do duplo exame de admissibilidade recursal, além de simplificar o

procedimento, evita decisões padrões repudiadas pelos estudiosos e operadores do Direito.

Não obstante o fim da realização do juízo de admissibilidade no órgão jurisdicional no

qual interposto o recurso, a Súmula 123 do Superior Tribunal de Justiça permanece

irretocável – os tribunais superiores deverão, ipso facto, fundamentar os pronunciamentos

proferidos em sede de juízo de admissibilidade recursal com o exame dos pressupostos gerais

e dos pressupostos constitucionais: “Súmula 123: A decisão que admite, ou não, o recurso

especial deve ser fundamentada, com o exame dos seus pressupostos gerais e constitucionais”.

Ficam fora de dúvida, pois, as benesses da inovação trazida pelo novo Código de

Processo Civil, que elimina do ordenamento jurídico pátrio a dupla realização do juízo de

admissibilidade recursal, atribuindo apenas ao órgão jurisdicional competente para julgar o

mérito do recurso interposto no órgão jurisdicional a quo a competência para realização do

juízo de admissibilidade, sob pena de usurpação de competência88.

87 FORNACIARI JUNIOR, 2007, p. 589. 88 Nesse sentido, merecem destaque os Enunciados nº 99 e 207 a 212 do Fórum Permanente de Processualistas Civis: - Enunciado nº 99: (art. 1.010, §3º) O órgão a quo não fará juízo de admissibilidade da apelação. - Enunciado nº 207: Cabe reclamação, por usurpação da competência do tribunal de justiça ou tribunal regional federal, contra a decisão de juiz de 1º grau que inadmitir recurso de apelação. - Enunciado nº 208: Cabe reclamação, por usurpação da competência do Superior Tribunal de Justiça, contra a decisão de juiz de 1º grau que inadmitir recurso ordinário, no caso do art. 1.027, II, ‘b’. - Enunciado nº 209: Cabe reclamação, por usurpação da competência do Superior Tribunal de Justiça, contra a decisão de presidente ou vice-presidente do tribunal de 2º grau que inadmitir recurso ordinário interposto com fundamento no art. 1.027, II, ‘a’. - Enunciado nº 210: Cabe reclamação, por usurpação da competência do Supremo Tribunal Federal, contra a decisão de presidente ou vice-presidente de tribunal superior que inadmitir recurso ordinário interposto com fundamento no art. 1.027, I. - Enunciado nº 211: Cabe reclamação, por usurpação da competência do Superior Tribunal de Justiça, contra a decisão de presidente ou vice-presidente do tribunal de 2º grau que inadmitir recurso especial não repetitivo. - Enunciado nº 212: Cabe reclamação, por usurpação da competência do Supremo Tribunal Federal, contra a decisão de presidente ou vice-presidente do tribunal de 2º grau que inadmitir recurso extraordinário não repetitivo.

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2.2. Projeto-Lei nº 2.384/15

Destaca-se, pela relevância e pelo retrocesso, que o novo Código de Processo Civil

nem entrou em vigor e já existe projeto de lei para alterá-lo.

O Projeto-Lei nº 2.384/2015, em tramitação avançada, altera o juízo de

admissibilidade recursal dos recursos especial e extraordinário previsto no novo Codex, para

que ele seja mantido inalterado, com duplo exame, nos mesmos moldes previstos no Código

de 1973.

Nesse Projeto-Lei, inclusive, há a previsão da possibilidade de interposição de agravo

nos próprios autos contra a decisão denegatória de seguimento dos recursos excepcionais – no

jargão popular, é “a volta dos que não foram”.

Ele já foi aprovado na Câmara dos Deputados, casa legislativa na qual surgiu, e,

recentemente (em 15.02.2015), pelo plenário do Senado, casa legislativa na qual tramita como

Projeto de Lei da Câmara – PLC nº 168/2015.

Ao que tudo indica, salvo alguma mudança drástica de posicionamento político acerca

da matéria – que não resistiu à pressão (injustificada) dos Ministros do Supremo Tribunal

Federal e do Superior Tribunal de Justiça, diga-se –, ele será sancionado pela Presidente da

República e valerá já a partir de 18 de março de 2016, data na qual o novo Código de

Processo Civil entra em vigor.

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CAPÍTULO III – REQUISITOS DE ADMISSIBILIDADE RECURSAL

NO NOVO CPC

Sumário: 3.1. Nomenclatura adotada: requisitos de admissibilidade recursal. 3.2. Classificação dos requisitos de admissibilidade recursal no novo CPC. 3.3. Requisitos intrínsecos. 3.3.1. Cabimento do recurso. 3.3.1.1. Pronunciamentos judiciais recorríveis. 3.3.1.2. Crítica ao artigo 1.001 do novo CPC. 3.3.1.3. Recursos cabíveis para impugnar cada pronunciamento judicial. 3.3.1.4. Considerações acerca do princípio da fungibilidade recursal sob a óptica do novo CPC. 3.3.2. Legitimação para recorrer. 3.3.2.1. Legitimação para recorrer da parte. 3.3.2.2. Legitimação para recorrer de terceiro. 3.3.2.3. Legitimação para recorrer do Ministério Público. 3.3.2.4. Legitimação para recorrer do amicus curiae. 3.3.2.5. Legitimação para recorrer do advogado. 3.3.3. Interesse em recorrer. 3.3.3.1. Utilidade do recurso. 3.3.3.2. Necessidade do recurso. 3.3.4. Inexistência de fato impeditivo ou extintivo do direito de recorrer. 3.3.4.1. Desistência do recurso. 3.3.4.2. Renúncia ao direito de recorrer. 3.3.4.3. Aceitação do pronunciamento judicial. 3.3.4.4. Ausência de comprovação na origem de interposição de agravo de instrumento, desde que arguido e provado pelo agravado. 3.3.4.5. Ausência de depósito prévio de multa cominada por abuso do direito de recurso. 3.3.4.6. Oposição de dois embargos de declaração sequenciais julgados como manifestamente protelatórios. 3.3.4.7. Considerações acerca das chamadas “súmulas impeditivas de recurso” do Código de 1973 e da sistemática do Código de 2015. 3.4. Requisitos extrínsecos. 3.4.1. Tempestividade. 3.4.2. Recolhimento das custas de preparo e de porte de remessa e de retorno. 3.4.3. Regularidade formal. 3.4.3.1. Petição escrita e subscrita por procurador constituído nos autos. 3.4.3.2. Identificação do processo e das partes. 3.4.3.3. Exposição de fato e de direito. 3.4.3.4. Razões recursais. 3.4.3.5. Pedido de reforma, invalidação ou aclaramento do pronunciamento judicial impugnado. 3.5. Requisitos de admissibilidade específicos dos recursos nos tribunais superiores. 3.5.1. Prequestionamento. 3.5.2. Repercussão geral. 3.5.2.1. A origem da repercussão geral. 3.5.2.2. Aspectos fundamentais da repercussão geral. 3.6. Recurso adesivo. 3.7. Reexame necessário.

No capítulo anterior, estabeleceu-se que o juízo de admissibilidade realizado em sede

recursal é realizado com o objetivo de verificar a existência de todas as exigências impostas

pela Constituição Federal (no caso dos recursos extraordinários, ou excepcionais, e do recurso

ordinário) e pela lei infraconstitucional, para que o tribunal ad quem possa prosseguir na

análise do mérito e manifestar posterior julgamento.

Essa assertiva gera, quase que instantaneamente, ao menos uma pergunta: quais são

todas essas exigências impostas pela Constituição Federal e pela lei infraconstitucional que

devem ser observadas e cumpridas pela parte recorrente para que ela possa ter o mérito do seu

recurso analisado pelo tribunal ad quem?

Essas exigências nada mais são do que o próprio título da presente dissertação, ou seja,

são os requisitos de admissibilidade recursal.

Portanto, pode-se dizer, com segurança, que os requisitos de admissibilidade recursal

nada mais são do que as exigências normativas explícitas – constitucionais e

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infraconstitucionais – que devem ser atendidas pelo recorrente a fim de que o recurso

interposto possa ser recebido, conhecido e processado para que, após e nessa exata ordem

lógica, possa ter seu mérito analisado pelo tribunal ao qual foi direcionado.

Neste capítulo, analisar-se-á os requisitos de admissibilidade recursal dos recursos em

espécie sob a óptica do novo Código de Processo Civil.

Para tanto, investigar-se-á, além da nomenclatura atribuída ao conjunto de elementos

necessários para a admissão dos recursos, se ainda fará sentido, após a entrada em vigor do

novo Codex, a clássica classificação dos requisitos de admissibilidade recursal em requisitos

de admissibilidade recursal extrínsecos e requisitos de admissibilidade intrínsecos.

Finalmente, abordar-se-á, em subcapítulo próprio, os requisitos de admissibilidade

recursal dos recursos destinados ao Supremo Tribunal Federal e ao Superior Tribunal de

Justiça, dada a relevância e complexidade da matéria quando comparada à questão dos

requisitos de admissibilidade recursal dos recursos destinados a tribunal local, tendo em vista

que possuem requisitos de admissibilidade específicos e não aplicáveis aos demais.

3.1. Nomenclatura adotada: requisitos de admissibilidade recursal

O título do presente trabalho revela ao leitor, desde o início, que se optou por nomear

o conjunto de elementos que devem ser preenchidos – a fim de que o recurso seja admitido –

como requisitos de admissibilidade recursal.

Com a iminência da vigência do novo Código de Processo Civil, o que ocorrerá ainda

no primeiro semestre de 2016, parece importante estabelecer uma nomenclatura única para

identificar esses elementos em conjunto.

Isso porque, a leitura dos diversos manuais e cursos de Direito Processual Civil,

especialmente aqueles dedicados aos recursos, seja de forma geral, seja de forma mais

específica, revela que, até agora, não há unicidade na doutrina no que se refere ao nome que

deve ser dado ao conjunto de exigências normativas que precisam ser cumpridas pelo

recorrente para que seu recurso seja admitido.

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Moacyr Amaral Santos, exempli gratia, nomeia a legitimação e o interesse para

recorrer como condições para recorrer89, ao mesmo tempo em que chama os demais requisitos

de admissibilidade recursal de pressupostos do recurso90.

Araken de Assis, por sua vez, nomeia-os como condições de admissibilidade dos

recursos91, em razão da expressão contida no artigo 500, parágrafo único do Código de

Processo Civil de 197392.

Teresa Arruda Alvim Wambier93, Nelson Nery Junior e Rosa Maria de Andrade

Nery94 e Fredie Didier Junior e Leonardo José Carneiro da Cunha95, de outro lado, utilizam a

mesma nomenclatura que a adotada na presente dissertação: chamam o conjunto de

exigências para a admissibilidade dos recursos de requisitos de admissibilidade recursal.

Ainda há aqueles que adotam duas ou mais das nomenclaturas acima, como Rodolfo

de Camargo Mancuso, que os nomeia como requisitos e como pressupostos de

admissibilidade, dando maior destaque à última nomenclatura96.

E o mesmo ocorre nos tribunais superiores.

O Supremo Tribunal Federal ora os chama de requisitos de admissibilidade recursal97,

ora os chama de pressupostos de admissibilidade recursal98.

O mesmo ocorre no Superior Tribunal de Justiça: breve pesquisa jurisprudencial

acerca do tema revela que o Tribunal Superior também os nomeia como requisitos de

admissibilidade recursal99 ou como pressupostos recursais100.

89 SANTOS, 1973, p. 107. 90 Ibidem, p. 108 et seq. 91 ASSIS, 2015, p. 149 et seq. 92Art. 500. Cada parte interporá o recurso, independentemente, no prazo e observadas as exigências legais. Sendo, porém, vencidos autor e réu, ao recurso interposto por qualquer deles poderá aderir a outra parte. O recurso adesivo fica subordinado ao recurso principal e se rege pelas disposições seguintes: [...] Parágrafo único. Ao recurso adesivo se aplicam as mesmas regras do recurso independente, quanto às condições de admissibilidade, preparo e julgamento no tribunal superior. 93 WAMBIER, T., 2008, p. 249. 94 NERY JUNIOR, N.; NERY, R., 2014, p. 1018. 95 DIDIER JUNIOR; CUNHA, 2009, p. 44. 96 MANCUSO, 2007, p. 236-237. 97 ARE no 906.344 ED / MS, Min. Rel. Edson Fachin, Primeira Turma, STF. DJe 23.10.2015. 98 HC no 125.024 AgR / DF, Min. Rel. Rosa Weber, Primeira Turma, STF. DJe 12.08.2015. 99 AgRG no AREsp no 1.174.676 / PR, Min. Rel. Nefi Cordeiro, Sexta Turma, STJ. DJe 29.10.2015. 100 AgRG no AREsp no 26.745 / SP, Min. Rel. Ricardo Villas Bôas Cueva, Terceira Turma, STJ. DJe 20.10.2015.

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Muito embora todas essas nomenclaturas (requisitos, pressupostos ou condições de

admissibilidade) sejam utilizadas como sinônimos umas das outras, parece importante

interromper essa prática com a adoção de uma nomenclatura única.

A utilização de diversos nomes para definir um único instituto jurídico nunca é

adequada, seja para fins teóricos, seja para fins práticos. Inevitavelmente, haverá confusão.

Sob a óptica do novo Código de Processo Civil de 2015, estudiosos e operadores do

Direito devem nomear o conjunto de elementos cujo preenchimento é necessário – a fim de

que o recurso interposto seja admitido – como requisitos de admissibilidade recursal, tão

somente.

Essa é a nomenclatura utilizada, de maneira uniforme, pelo legislador no novo Codex,

como se pode depreender da leitura dos artigos 997, parágrafo segundo e 1.028, caput.

Em outras palavras, a dualidade de expressões para nomear os requisitos de

admissibilidade recursal existente no Código de Processo Civil de 1973 – que em seu artigo

500, parágrafo único, chama-os de condições de admissibilidade, e em seu artigo 540 os

chama de requisitos de admissibilidade – não existe mais no novo Código de Processo Civil,

razão pela qual não há mais motivações para se adotar nomenclatura diversa daquela utilizada

no presente estudo.

3.2. Classificação dos requisitos de admissibilidade recursal no novo CPC

Antes de se adentrar nos requisitos de admissibilidade recursal em si, sob a óptica do

novo Código de Processo Civil, analisa-se a sua classificação, cuja construção é doutrinária e

não ex lege.

Na doutrina atual, encontra-se duas classificações diversas101.

Há autores, como Moacyr Amaral Santos102, que classificam os requisitos de

admissibilidade recursal como requisitos objetivos e subjetivos.

Os requisitos de admissibilidade recursal objetivos seriam aqueles que dizem respeito

ao recurso propriamente dito, quais sejam, o cabimento do recurso e sua adequação para

101 Não se ignora a existência de outras classificações na doutrina, como a de Nelson Luiz Pinto (2000), o qual agrupa todos os requisitos de admissibilidade recursal comuns a todos os recursos como requisitos de admissibilidade genéricos; e como a de Gilson Delgado Miranda e Patrícia Miranda Pizzol (2006), que não adotam nenhuma classificação. 102 SANTOS, 1973, p. 108.

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impugnar a decisão, a regularidade procedimental (preparo, motivação, pedido de nova

decisão e o contraditório) e a inexistência de fato impeditivo ou extintivo (deserção,

desistência, renúncia, transação acerca do objeto litigioso do processo)103.

De outro lado, os requisitos de admissibilidade recursal subjetivos seriam aqueles que

“dizem respeito à pessoa do recorrente”104. Seriam a legitimidade e o interesse para recorrer

da parte.

Esquematicamente, a fim de facilitar a visualização, são esses os requisitos de

admissibilidade recursal na classificação supracitada:

A partir de outro ponto de vista e, pela primeira vez na doutrina pátria, Barbosa

Moreira105 compreende os requisitos de admissibilidade recursal como requisitos de

admissibilidade recursal intrínsecos e extrínsecos.

De acordo com Barbosa Moreira:

“Os requisitos de admissibilidade dos recursos podem classificar-se em dois grupos:

requisitos intrínsecos (concernentes à própria existência do poder de recorrer) e

requisitos extrínsecos (relativos ao modo de exercê-lo).”106

103 MANCUSO, 2007, p. 237. 104 SANTOS, 1973, p. 108. 105 BARBOSA MOREIRA, 1968, p. 46. 106 BARBOSA MOREIRA, 2003, p. 262.

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No mesmo sentido, Araken de Assis estabelece, sob essa óptica, que “no contexto da

admissibilidade, intrínseco é o requisito relativo à existência do poder de recorrer”107 e o

extrínseco é aquele requisito respeitante “ao modo de exercer o recurso”108.

Os requisitos de admissibilidade intrínsecos são o cabimento do recurso, a legitimação

da parte interessada para recorrer, o interesse da parte em recorrer e a inexistência de fato

impeditivo ou extintivo do direito de recorrer109.

Por sua vez, os requisitos de admissibilidade extrínsecos são a tempestividade, o

recolhimento das custas processuais de preparo e a regularidade formal.

No formato esquematizado, são esses os requisitos de admissibilidade recursal

intrínsecos e extrínsecos:

Conforme destacado por Araken de Assis, essa classificação dos requisitos de

admissibilidade entre requisitos de admissibilidade intrínsecos e extrínsecos “é o critério que

logra ampla aceitação nos estudos mais recentes”110.

Não há motivos para, neste ponto, propor uma nova classificação.

107 ASSIS, 2015, p. 151. 108 Ibidem, p. 202. 109 Com relação à “inexistência de fato impeditivo ou extintivo do direito de recorrer”, destaca-se que Nelson Nery Junior (2004b), com o que concorda Rodolfo de Camargo Mancuso (2007), classifica esse requisito de admissibilidade recursal como um requisito extrínseco. Na presente dissertação, entende-se que se trata de requisito de admissibilidade intrínseco – assim como Barbosa Moreira (2003), Araken de Assis (2015) e Fredie Didier Junior e Leonardo Carneiro da Cunha (2009) –, pois se trata de um “requisito negativo” diretamente relacionado ao direito de recorrer (e não ao modo pelo qual se exerce esse direito): se houver um fato impeditivo ou extintivo do direito de recorrer, a parte interessada não poderá exercer esse direito. 110 ASSIS, 2015, p. 149.

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Sob a óptica do novo Código de Processo Civil, os requisitos de admissibilidade

recursal que serão investigados adiante são os mesmos.

De igual modo, sua classificação entre requisitos de admissibilidade recursal

intrínsecos – como aqueles requisitos diretamente relacionados à existência do direito de

recorrer – e extrínsecos – como aqueles diretamente relacionados ao modo de exercer o

direito de recorrer – ainda fará sentido.

Na prática – e para todos os recursos previstos no ordenamento jurídico pátrio111 –

todos esses requisitos de admissibilidade recursal ainda deverão ser preenchidos

simultaneamente pela parte recorrente a fim de que seu recurso possa ser recebido e

conhecido, viabilizando a análise de seu mérito.

As grandes inovações que serão incorporadas ao ordenamento jurídico pátrio com a

entrada em vigor do novo Código de Processo Civil estão relacionadas às consequências

impostas à parte em razão do não preenchimento de um dos requisitos de admissibilidade

recursal, assunto o que será explorado no próximo capítulo.

3.3. Requisitos intrínsecos

Conforme adiantado acima, os requisitos de admissibilidade recursal intrínsecos são

aqueles intimamente relacionados à existência do direito de recurso (direito subjetivo,

fundamental e não autônomo) a uma ou a ambas as partes da relação jurídico-processual.

São esses requisitos que se passa a examinar.

3.3.1. Cabimento do recurso

O cabimento deve ser considerado como a demonstração, por parte do recorrente, de

que o recurso interposto é exatamente aquele que deveria ser apresentado, nos exatos termos

da lei, em face daquele determinado pronunciamento judicial impugnado.

111 Os requisitos de admissibilidade intrínsecos e extrínsecos destacados no subcapítulo devem ser preenchidos pelo recorrente para a interposição de todos os recursos existentes à sua disposição para impugnar os pronunciamentos judiciais – em determinados e específicos casos, pode haver a dispensa legal do cumprimento de algum desses requisitos de admissibilidade (se a lei institui determinado requisito de admissibilidade recursal, só a lei pode dispensar o seu cumprimento).

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Trata-se de flagrante manifestação dos princípios da unirrecorribilidade dos

pronunciamentos judiciais e da taxatividade recursal.

O rol taxativo dos recursos que existirão no ordenamento jurídico a partir da vigência

do novo Código de Processo Civil está insculpido no artigo 994 do novo Código, pelo qual

“são cabíveis os seguintes recursos”: (i) apelação; (ii) agravo de instrumento; (iii) agravo

interno; (iv) embargos de declaração; (v) recurso ordinário; (vi) recurso especial; (vii) recurso

extraordinário; (viii) agravo em recurso especial ou extraordinário; e (ix) embargos de

divergência.

Destaca-se que a própria norma que precede o rol numerus clausus de recursos

estabelece que os recursos arrolados são aqueles “cabíveis”, mantendo-se, nesse ponto, a

mesma expressão utilizada no artigo 496 do Código de Processo Civil de 1973.

Ao realizar o juízo de admissibilidade, o órgão julgador avaliará se o pronunciamento

judicial é passível de impugnação e, em caso positivo, se o recurso interposto pela parte

recorrente é exatamente aquele previsto no ordenamento jurídico para impugnar o

pronunciamento judicial recorrido.

O recurso será cabível se o pronunciamento judicial for recorrível exatamente pelo

recurso interposto pela parte.

Em outras palavras, a fim de identificar o recurso cabível para impugnar determinado

pronunciamento judicial, faz-se mister que a parte legitimada e interessada para tanto

identifique, anteriormente, a natureza do pronunciamento judicial que pretende impugnar.

3.3.1.1. PRONUNCIAMENTOS JUDICIAIS RECORRÍVEIS

Araken de Assis assevera, com propriedade, que “a recorribilidade se funda na

natureza do provimento”112, daí o porquê da necessidade de identificação da natureza do

provimento judicial que se pretende impugnar, como adiantado.

Marcelo Alves Dias de Souza destaca:

“Realmente, é importantíssimo distinguir/definir cada um desses pronunciamentos judiciais. Antes de mais nada, porque o nosso direito processual permite, à parte que se sinta prejudicada com o pronunciamento judicial, interpor um recurso, em

112 ASSIS, 2015, p. 152.

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regra, a instâncias superiores. Os recursos, todavia, são diversos, a depender do tipo de decisão proferida.”113

No novo Código de Processo Civil, os pronunciamentos judiciais estão previstos no

caput do artigo 203:

Art. 203. Os pronunciamentos do juiz consistirão em sentenças, decisões

interlocutórias e despachos.

E no artigo 204:

Art. 204. Acórdão é o julgamento colegiado proferido pelos tribunais.

Analisa-se, brevemente, cada um dos pronunciamentos judiciais, a partir de suas

definições legais estabelecidas no novo Código de Processo Civil.

O parágrafo primeiro do artigo 203 estabelece que, “ressalvadas as disposições

expressas dos procedimentos especiais, sentença é o pronunciamento por meio do qual o juiz,

com fundamento nos arts. 485 e 487, põe fim à fase cognitiva do procedimento comum, bem

como extingue a execução”.

Em outras palavras, sentença é o pronunciamento judicial que põe fim à fase cognitiva

do procedimento comum ou à execução, com fundamento nas hipóteses legais do artigo 485

ou do artigo 487.

Em raciocínio invertido, para pôr fim à fase cognitiva do procedimento comum ou à

execução, o órgão julgador monocrático pronunciar-se-á com fundamento no artigo 485 ou no

artigo 487 do novo Código de Processo Civil.

Destaca-se, pela relevância, que o novo Código de Processo Civil tenta pôr fim a uma

das mais ferrenhas críticas à definição legal de sentença – estabelecida no artigo 162,

parágrafo primeiro, do CPC de 1973 – ao acrescentar que a sentença não é só identificável

pelo seu conteúdo, mas também pela sua finalidade.

Portanto, há dois aspectos que devem ser observados pela parte recorrente a fim de

identificar um pronunciamento judicial como sentença: sua finalidade e seu conteúdo.

Quanto à finalidade, tem-se que sentença será um pronunciamento judicial que porá

fim à fase cognitiva do procedimento comum ou ao processo de execução.

113 SOUZA, 2015, p. 623.

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É esse o objetivo da sentença: encerrar uma fase judicial, ou a de conhecimento ou a

de execução.

Com relação ao seu conteúdo, uma sentença pode ser proferida com fundamento no

artigo 485 do novo Código de Processo Civil, a saber:

Art. 485. O juiz não resolverá o mérito quando: I - indeferir a petição inicial; II - o processo ficar parado durante mais de 1 (um) ano por negligência das partes; III - por não promover os atos e as diligências que lhe incumbir, o autor abandonar a causa por mais de 30 (trinta) dias; IV - verificar a ausência de pressupostos de constituição e de desenvolvimento válido e regular do processo; V - reconhecer a existência de perempção, de litispendência ou de coisa julgada; VI - verificar ausência de legitimidade ou de interesse processual; VII - acolher a alegação de existência de convenção de arbitragem ou quando o juízo arbitral reconhecer sua competência; VIII - homologar a desistência da ação; IX - em caso de morte da parte, a ação for considerada intransmissível por disposição legal; e X - nos demais casos prescritos neste Código.

O artigo 485 do novo Código de Processo Civil trata das hipóteses nas quais o juiz irá

sentenciar e pôr fim à fase de conhecimento ou de execução de um processo sem o

julgamento do seu mérito, pois traz situações de questões preliminares à análise do mérito

que, caso identificadas, são suficientes para impedir que se avance ao mérito da causa.

Caso o juiz não identifique nenhuma das hipóteses do artigo 485 para proferir

sentença, deverá resolver o mérito da ação e encerrar a fase cognitiva do procedimento

comum ou a execução com fundamento no artigo 487 do novo Código de Processo Civil:

Art. 487. Haverá resolução de mérito quando o juiz: I - acolher ou rejeitar o pedido formulado na ação ou na reconvenção; II - decidir, de ofício ou a requerimento, sobre a ocorrência de decadência ou prescrição; III - homologar: a) o reconhecimento da procedência do pedido formulado na ação ou na reconvenção; b) a transação; c) a renúncia à pretensão formulada na ação ou na reconvenção.

As decisões interlocutórias, por sua vez, e nos termos do parágrafo segundo do artigo

203, são todos os pronunciamentos judiciais de natureza decisória que não sejam uma

sentença.

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Não obstante o esforço do legislador ordinário infraconstitucional, a definição é

precária e insuficiente, haja vista não parecer adequado definir um conceito jurídico a partir

da exclusão de outro.

Sob a óptica do novo Código de Processo Civil, deve-se entender decisão

interlocutória como um pronunciamento judicial com qualquer conteúdo decisório

juridicamente possível (inclusive aqueles dos artigos 485 e 487 do novo CPC) proferido em

qualquer grau de jurisdição, apto a gerar prejuízo a uma ou mais partes da relação jurídico-

processual e que não ponha fim à fase cognitiva do procedimento comum ou à execução, pois

essa finalidade é exclusiva das sentenças.

Como mencionado no primeiro capítulo da presente dissertação, as decisões

interlocutórias, embora estabelecidas no novo CPC como um dos “pronunciamentos do juiz”,

também podem ser proferidas em segundo grau de jurisdição ou nas instâncias superiores – é

por isso, como já adiantado, que se optou por nomear esses pronunciamentos como

“pronunciamentos judiciais” ou “pronunciamentos do Poder Judiciário” em detrimento à

limitada e não suficiente expressão “juiz” adotada pelo legislador infraconstitucional.

Araken de Assis trata bem o tema:

“Não se confinam ao primeiro grau de jurisdição as decisões interlocutórias. A despeito de o art. 163114 designar de acórdãos aos atos emanados do tribunal, conforme já se assinalou, seja qual for seu conteúdo, a circunstância de os recursos receberem no órgão fracionário do tribunal um relator e a competência que a lei atribui, em variadas situações (v.g., arts. 557 e 558115), a semelhante personagem determinam o afloramento de decisões no segundo grau. Trata-se de atos que, não se originando dos órgãos fracionários do tribunal, e, portanto, desprovidos de caráter colegiado, escapam da moldura do art. 163 e só podem ser considerados, por tal razão, como decisões interlocutórias.”116

Assim como o faz Teresa Arruda Alvim Wambier:

“É importante que se acrescente aqui que decisões interlocutórias não existem exclusivamente no âmbito do 1º grau de jurisdição. Há interlocutórias proferidas no âmbito dos Tribunais [...].”117

Essa crítica – presente e atual com relação ao CPC de 1973 e inteiramente aplicável

aos despachos – permanecerá válida e atual, ainda com mais razão, na vigência do novo

114 Correspondente ao artigo 204 do novo CPC. 115 O artigo 932 do novo CPC estabelece extensivo rol de poderes do relator. 116 ASSIS, 2015, p. 152. 117 WAMBIER, T., 2000, p. 94.

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Codex em 2016, no qual expressamente se atribuiu a qualidade de “julgamento colegiado” ao

acórdão.

Assim, exempli gratia, são decisões interlocutórias os pronunciamentos judiciais que

concedem ou não um requerimento de tutela de urgência, que deferem ou não a produção de

determinada prova e que, em âmbito recursal, concedem ou não efeito suspensivo a

determinado recurso.

Em comparação ao código vigente, de 1973, destaca-se que o legislador

infraconstitucional optou por desvincular o conceito de decisão interlocutória da ideia de

necessária resolução de “questão incidente” (art. 162, §2º do CPC/73), concedendo-lhe

conceito mais abrangente, quiçá expansivo, se analisado em comparação ao restritivo conceito

de sentença visto anteriormente.

Parece que a preocupação do legislador foi a de distinguir – de uma vez por todas e à

prova de confusão – os conceitos de sentença e de decisão interlocutória, o que é de máxima

importância para a identificação do recurso a ser interposto pela parte prejudicada.

Ainda dentro dos pronunciamentos judiciais arrolados no artigo 203 do novo Código,

tem-se os despachos, que também estão mal conceituados em seu parágrafo terceiro.

Como já adiantado, a técnica de definir conceitos jurídicos por exclusão não é

adequada (a norma define como “todos demais pronunciamentos”) e a característica de ser

proferido “de ofício ou a requerimento da parte” não é exclusividade dos despachos, sendo

totalmente desnecessária nessa conceituação.

Os despachos são os pronunciamentos judiciais que têm um conteúdo decisório

mínimo, não significativo, e que decorrem da atividade intelectual do julgador (ainda que em

menor grau de complexidade de raciocínio quando comparado ao raciocínio exigido para

proferir uma decisão interlocutória ou uma sentença).

Costumeiramente, são proferidos em aplicação “quase que automática da lei”, como

destaca Teresa Arruda Alvim Wambier:

“Os despachos se caracterizam, de fato, por terem conteúdo decisório não significativo, na medida em que, na maioria das vezes, representam a aplicação quase que automática da lei, não envolvendo, pois, de regra, nenhuma atividade de natureza interpretativa.”118

118 WAMBIER, T., 2000, p. 96.

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São despachos, por exemplo, os pronunciamentos judiciais que: determinam a citação,

facultam a especificação de provas pelas partes, designam uma audiência et cetera.

Diferem-se dos atos meramente ordinatórios (art. 203, § 4º, CPC/2015), pois estes,

além de serem praticados de ofício pelo servidor público, funcionário do juízo no qual tramita

a ação – ou seja, não se caracterizam como pronunciamento judicial –, não exigem nenhum

raciocínio interpretativo e têm como função apenas e tão somente impulsionar o processo,

sem nada resolver.

A verdade é que se deveria coibir a delegação de despachos aos serventuários da

Justiça – como a abertura de vistas às partes para a especificação de provas e a designação de

audiência, por exemplo –, pois esses despachos, ainda que minimamente, exigem algum nível

de interpretação e aplicação de norma jurídica, o que se entende como atividade exclusiva e

indelegável do magistrado.

Esses despachos, quando praticados de ofício pelo servidor, não se tornam atos

meramente ordinatórios e devem, necessariamente, ser revistos pelo juiz, à luz do artigo 203,

parágrafo 4º, in fine, do novo Código de Processo Civil, sob pena de causarem inequívoco

prejuízo às partes pelo simples fato de terem sido proferidos pelo servidor e não pelo

magistrado.

Finalmente, dentre os pronunciamentos judiciais estabelecidos pelo novo Código de

Processo Civil, tem-se o acórdão, que “é o julgamento colegiado proferido pelos tribunais”,

nos termos do artigo 204 do novo CPC.

Há importante e adequada inovação na conceituação do acórdão: diferentemente do

que trazia o artigo 163 do Código de Processo Civil de 1973, o novo Codex incluiu a

expressão “colegiado”, de modo a diferenciar, de uma vez por todas, o acórdão da decisão

monocrática (de natureza de decisão interlocutória).

Marcelo Alves Dias de Souza deixa patente que “os acórdãos, portanto, são

pronunciamentos de Turma, Câmara, Grupo de Câmaras, Seção, Órgão Especial, Corte

Especial, Tribunal Pleno [...]”119.

119 SOUZA, 2015, p. 629.

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3.3.1.2. CRÍTICA AO ARTIGO 1.001 DO NOVO CPC

Antes de se analisar qual o recurso cabível para impugnar cada pronunciamento

judicial – o que será feito no próximo subtópico –, faz-se mister criticar a péssima redação do

artigo 1.001 do novo Código de Processo Civil, cópia ipsis litteris do artigo 504 do Código de

1973.

A saber:

Art. 1.001. Dos despachos não cabe recurso.

Todavia, tanto o artigo 504 atual como o futuro artigo 1.001 são incompletos, ou seja,

no jargão popular, “dizem menos do que deveriam dizer” e merecem interpretação – do

contrário, seria inconstitucional pelo simples fato de possibilitar a existência de

pronunciamento judicial que cause prejuízo a uma ou mais partes da relação jurídico-

processual, ainda que de conteúdo decisório mínimo.

Destaca-se que, em trabalho de 1995, Roberto Schmidt Junior já advertia que “desde

há muito já não se faz interpretação puramente gramatical do art. 504, admitindo-se,

destarte, interposição de recurso dos ditos despachos de mero expediente”120.

Entende-se, na presente dissertação, que qualquer pronunciamento judicial que cause

prejuízo a uma ou mais partes envolvidas em um processo, independentemente do nome dado

a esse pronunciamento, é passível de controle judicial por outro órgão jurisdicional, ou seja, é

recorrível:

“Não raro, a existência de prejuízo é critério utilizado não só para se entender que

o despacho é recorrível, como, de outro lado, a ausência de prejuízo serve para

atestar a irrecorribilidade do pronunciamento.”121

Sendo os despachos pronunciamentos judiciais, conforme o parágrafo terceiro do

artigo 203 do novo Código de Processo Civil, eles podem ser objeto de controle jurisdicional

por outro órgão do Poder Judiciário, caso gerem prejuízo a uma ou mais partes da relação

jurídico-processual, à luz do princípio do duplo grau de jurisdição.

120 SCHMIDT JUNIOR, 1995, p. 40. 121 WAMBIER, T., 2014, p. 39.

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E isso, mesmo com conteúdo decisório mínimo, que, diga-se, não altera a natureza de

despacho do pronunciamento judicial para decisão interlocutória.

No mesmo sentido, Teresa Arruda Alvim Wambier destaca que o pronunciamento

judicial de conteúdo decisório mínimo que causa prejuízo “não descaracteriza o

pronunciamento como despacho, mas o torna, a nosso ver, recorrível, porque apto a gerar

prejuízo”122.

Nelson Nery Junior e Rosa Maria de Andrade Nery123 e Gilson Delgado Miranda124

concluem no mesmo sentido: por mais que o pronunciamento judicial se chame “despacho”,

se ele tiver conteúdo decisório e causar prejuízo a alguma das partes do processo, pode sofrer

controle jurisdicional por outro órgão do Poder Judiciário.

Esse também é o entendimento da jurisprudência atual125:

“PROCESSO CIVIL. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO ANULATÓRIA. CUMPRIMENTO DE SENTENÇA. DECISÃO INTERLOCUTÓRIA. DESPACHO MERO EXPEDIENTE. CONTEÚDO DECISÓRIO. GRAVAME À PARTE. AGRAVO. CABIMENTO. 1. Independentemente do nome que se dê ao provimento jurisdicional, é importante deixar claro que, para que ele seja recorrível, basta que possua algum conteúdo decisório capaz de gerar prejuízo às partes. 2. Na hipótese, o provimento judicial impugnado por meio de agravo possui carga decisória, não se tratando de mero impulso processual consubstanciado pelo cumprimento da sentença transitada em julgado. 3. Recurso especial provido.” (REsp nº 1.219.082/GO, Min. Rel. Nancy Andrighi, 3ª Turma, STJ. DJe de 10.04.2013 e Informativo nº 0518 do STJ, de 15.05.2013).

Arruda Alvim ainda destaca que

“a realidade é a de que é possível haver um despacho de expediente flagrantemente errado. Neste caso, é evidente que pode ocorrer prejuízo, apesar de a idéia contrária estar subjacente à norma do art. 504. Nesta hipótese, configura-se lesão, claramente, dado que só se o despacho de mero expediente houvesse sido proferido corretamente é que inocorreria prejuízo.”126

Athos Gusmão Carneiro expõe pensamento no mesmo sentido, de forma

exemplificativa:

122 WAMBIER, T., 2000, p. 129. 123 NERY JUNIOR, N.; NERY, R., 2014, p. 1029. 124 MIRANDA, 2008, p. 1739. 125 No mesmo sentido: REsp nº 1.307.481/MA, Min. Rel. Nancy Andrighi, 3ª Turma, STJ. DJe de 24.05.2013; EDcl no AgRg no Ag nº 512.272/PA, Min. Rel. José Delgado, 1ª Turma, STJ. DJ 02.05.2005. 126 ARRUDA ALVIM, J. 1987, p. 7/26.

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“o pronunciamento, digamos, que admite rol de testemunhas e manda intimá-las é, de regra, um despacho sem conteúdo decisório algum [...]. Caso, porém, houvesse a outra parte requerido o julgamento antecipado da lide, o aludido pronunciamento judicial teria adquirido pronunciamento judicial relevante, por implicar na rejeição do requerimento.”127

Desta forma, entende-se que o artigo 1.001 do novo Código de Processo Civil deveria

ou ser suprido – tendo em vista que todo pronunciamento judicial que causar prejuízo a uma

ou mais partes de um processo será recorrível – ou estar assim redigido: “em regra, dos

despachos não cabe recurso, desde que não causem prejuízo a nenhuma das partes da relação

jurídico-processual”.

Por mais óbvio que pareça, é importante estabelecer que “despacho” com conteúdo de

decisão interlocutória não é despacho, e sim decisão interlocutória, recorrível pelo meio

próprio para tanto.

Despachos sem potencial de gerar prejuízo são aqueles de conteúdo “meramente

ordinatórios” (artigo 203, parágrafo 4º do novo Código de Processo Civil), que, inclusive,

podem ser praticados de ofício pelos servidores do órgão jurisdicional competente para

julgamento do caso concreto.

Esses “atos meramente ordinatórios”, de fato, não são recorríveis sob a vigência do

código de 1973 e nem serão recorríveis quando vigente o novo Codex.

Não é outro o entendimento de Teresa Arruda Alvim Wambier, Maria Lúcia Lins

Conceição, Leonardo Ferres da Silva Ribeiro e Rogério Licastro Torres de Mello:

“[...] sendo o pronunciamento judicial desprovido de conteúdo significativamente decisório e não tendo, portanto, capacidade de gerar prejuízo, é irrecorrível, tanto à luz do CPC/73 quanto segundo do NCPC. Não havendo prejuízo, não nasce, para as partes, nem para o Ministério Público, nem para terceiros, interesse de agir.”128

3.3.1.3. RECURSOS CABÍVEIS PARA IMPUGNAR CADA PRONUNCIAMENTO JUDICIAL

Conforme afirmado anteriormente, o requisito de admissibilidade recursal intrínseco

“cabimento” está umbilicalmente ligado aos princípios da unirrecorribilidade dos

pronunciamentos judiciais e da taxatividade os recursos.

127 CARNEIRO, A. 2003, p. 102. 128 WAMBIER, T. et al., 2015b, p. 1432.

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Isso porque, para atender a esse requisito de admissibilidade intrínseco, a parte

recorrente deverá interpor o recurso adequado exatamente para impugnar aquele determinado

pronunciamento judicial.

Fredie Didier Junior e Leonardo Carneiro da Cunha explicam que, “no exame do

cabimento, devem ser respondidas duas perguntas: a) a decisão é, em tese, recorrível? b)

qual o recurso cabível contra esta decisão?”129.

São a essas duas perguntas que se passa a responder, adiantando-se, desde já, que as

considerações a respeito dos embargos de declaração serão feitas por último neste subtópico.

Assim como no Código atual, as sentenças (art. 203, § 1º, CPC/2015) são recorríveis

por meio da interposição de recurso de apelação, conforme o artigo 1.009, caput, do novo

CPC:

Art. 1.009. Da sentença cabe apelação.

Já com relação à forma de impugnação das decisões interlocutórias proferidas em

primeira instância, por juízo monocrático, por sua vez, existem diferenças fundamentais no

novo Código de Processo Civil, pois este extingue o agravo retido – que deixará de ser

recurso cabível no ordenamento jurídico pátrio – e altera as regras para cabimento do agravo

de instrumento.

De acordo com o novo artigo 1.015, tem-se:

Art. 1.015. Cabe agravo de instrumento contra as decisões interlocutórias que versarem sobre: I - tutelas provisórias; II - mérito do processo; III - rejeição da alegação de convenção de arbitragem; IV - incidente de desconsideração da personalidade jurídica; V - rejeição do pedido de gratuidade da justiça ou acolhimento do pedido de sua revogação; VI - exibição ou posse de documento ou coisa; VII - exclusão de litisconsorte; VIII - rejeição do pedido de limitação do litisconsórcio; IX - admissão ou inadmissão de intervenção de terceiros; X - concessão, modificação ou revogação do efeito suspensivo aos embargos à execução; XI - redistribuição do ônus da prova nos termos do art. 373, § 1º; XII - (VETADO); XIII - outros casos expressamente referidos em lei.

129 DIDIER JUNIOR; CUNHA, 2009, p. 45.

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Parágrafo único. Também caberá agravo de instrumento contra decisões interlocutórias proferidas na fase de liquidação de sentença ou de cumprimento de sentença, no processo de execução e no processo de inventário.

Há uma tentativa patente, por parte do legislador infraconstitucional, de limitar as

hipóteses de cabimento de agravo de instrumento e diminuir o número desses recursos nos

tribunais pátrios, razão pela qual se deve entender que o rol de hipóteses de cabimento de

agravo de instrumento do artigo 1.015 do novo Código de Processo Civil é um rol taxativo.

Em outras palavras, a partir da vigência do novo Código de Processo Civil, o agravo

de instrumento só será cabível para impugnar as decisões interlocutórias que tenham o

conteúdo de um dos incisos do supracitado artigo 1.015.

Por sua vez, as decisões interlocutórias que não têm em seu conteúdo nenhuma das

matérias dos incisos do artigo 1.015 do novo CPC – ou, ainda que tenham, componham um

dos capítulos da sentença – não precluem e devem ser impugnadas em sede de preliminar do

recurso de apelação que venha a ser interposto para impugnar a sentença, conforme

preconizam os parágrafos primeiro e terceiro do artigo 1.009 já citado. Confira-se:

§ 1º As questões resolvidas na fase de conhecimento, se a decisão a seu respeito não comportar agravo de instrumento, não são cobertas pela preclusão e devem ser suscitadas em preliminar de apelação, eventualmente interposta contra a decisão final, ou nas contrarrazões. [...] § 3º O disposto no caput deste artigo aplica-se mesmo quando as questões mencionadas no art. 1.015 integrarem capítulo da sentença.

Em comparação, o que o novo Código de Processo Civil faz é impedir a preclusão das

matérias que seriam objeto do atual agravo retido, eliminando-o, que passam a ser

impugnáveis em sede de preliminar do recurso de apelação, em modelo semelhante à

reiteração de eventual agravo retido interposto necessária no modelo processual do código de

1973.

Nesse ponto, portanto, surge uma indagação: “caso a decisão cause lesão grave e de

difícil reparação e não esteja no rol de cabimento do agravo de instrumento, é possível a

impetração de Mandado de Segurança?”130.

Gilberto Gomes Bruschi entende que sim:

130 BRUSCHI, 2015, p. 2249.

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“Havendo relevância e urgência, tornando necessária e primordial a revisão pelo tribunal e não havendo como se aguardar a análise do recurso de apelação pelo tribunal (v.g. decisão que indefere a alegação de incompetência relativa) ou, ainda, quando a decisão tornar impossível a interposição da apelação (v.g. decisão que inadmite os embargos de declaração mercê de sua intempestividade), surgiria ao menos numa primeira análise, o cabimento do mandado de segurança contra ato judicial.”131

No entanto, tendo em vista que o mandado de segurança não é o meio próprio para a

impugnação de pronunciamentos judiciais, entende-se que a solução dada por Teresa Arruda

Alvim Wambier para defender o cabimento de agravo de instrumento para impugnar um

“despacho errado” no sistema recursal atual é a solução jurídica adequada para impugnar as

decisões interlocutórias que não tenham o conteúdo de uma das matérias dos incisos do artigo

1.015, mas que causem lesão grave ou de difícil reparação. Contra essas decisões, é cabível o

agravo de instrumento:

“[...] dependentemente do grau de prejuízo que seria em tese passível de ser causado pelo pronunciamento judicial, poder-se-ia pensar até no uso do mandado de segurança como meio que poderia ser visto como sendo o adequado para vulnerá-lo. Entretanto, o agravo é um meio recursal, enquanto que o mandado de segurança, embora, em diversas hipóteses, seja o meio adequado para vulnerar certos pronunciamentos do juiz, tem caráter excepcional e, sob certo aspecto, anômalo, o que não deve ser olvidado. Por isso, diante de um despacho errado [ou uma decisão que não tenha o conteúdo de uma das matérias dos incisos do artigo 1.015, mas que cause lesão grave ou de difícil reparação], entre fazer o uso do agravo e lançar mão do mandado de segurança, deve-se, a nosso ver, interpor o recurso, por ser a solução mais afeiçoada à mecânica processual, usual e ordinária, tendo-se em vista a regra de que o meio ‘normal’ de se vulnerarem os atos do juiz são os recursos, e não as ações autônomas, salvo excepcionalmente.”132

Dessa forma, sem excluir a conclusão adiantada de que o rol do artigo 1.015 do novo

Código de Processo Civil é numerus clausus, tem-se que a norma já surgirá com uma exceção

quando da entrada em vigor do novo diploma legislativo processual, com uma espécie de

“hipótese de cabimento sistemática” (extraída do sistema constitucional-processual, que não

admite a existência de decisão que cause lesão grave ou de difícil reparação sem que possa ser

imediatamente impugnada pela parte prejudicada): caberá agravo de instrumento para

impugnar as decisões interlocutórias que não tenham o conteúdo de uma das matérias dos

incisos do artigo 1.015, mas que causem lesão grave ou de difícil reparação.

131 Ibidem, p. 2251. 132 WAMBIER, T., 2000, p. 129.

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Caso isso não ocorra, dever-se-á aceitar a impetração de mandado de segurança contra

pronunciamento judicial, o que, conforme adiantado, não parece ser a melhor solução para a

celeuma.

Cassio Scarpinella Bueno faz preciosa observação quando também advoga pela não

generalização do mandado de segurança contra pronunciamentos judiciais supostamente

irrecorríveis:

“Antes de aceitar a generalização do mandado de segurança contra ato judicial, talvez seja chegado o momento de se refletir se sobrevive a compreensão de que toda interlocutória tem que ser recorrível imediatamente ou se a redução, tal qual a empreendida pelo novo CPC, não é senão legítima opção política. É insinuar a seguinte resposta à pergunta formulada: não cabe nenhum recurso nos casos que estão fora do alcance do art. 1.015. Resta ao interessado suscitar a questão em razões ou contrarrazões de apelação (art. 1.009, § 1º) e, naquele instante, - a posteriori, não imediatamente, portanto –, tentar reverter o que for reversível ou, pura e simplesmente, conformar-se com a decisão tal qual proferida anteriormente. No máximo, será bem-vinda, justamente para não generalizar o emprego do mandado de segurança como sucedâneo recursal, interpretação ampliativa das hipóteses do art. 1.015, sempre conservando, contudo, a razão de ser de cada uma de suas hipóteses para não generalizá-las indevidamente.”133

Mas isso não é tudo com relação às decisões interlocutórias.

Como visto em tópico anterior, as decisões interlocutórias monocráticas também

podem ser proferidas em sede recursal, mormente pelo relator do processo.

Para impugnar essas “decisões interlocutórias do relator”, independentemente da

matéria veiculada por elas e do tribunal no qual o processo se encontra, é cabível a

interposição do agravo interno, nos termos do caput do artigo 1.021 do novo Código de

Processo Civil:

Art. 1.021. Contra decisão proferida pelo relator caberá agravo interno para o

respectivo órgão colegiado, observadas, quanto ao processamento, as regras do

regimento interno do tribunal.

A grande novidade introduzida pelo novo Codex, nessa matéria, é a inclusão do agravo

interno como um dos recursos típicos, com capítulo próprio, e a sua normatização, inexistente

no ordenamento jurídico-processual atual.

133 BUENO, 2015, p. 653.

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Conforme destacado por Luiz Henrique Volpe Camargo, “a nova disposição legal é

muito superior ao regramento anterior, já que disciplina diversos temas sobre os quais o

CPC/1973 era omisso”134.

Com essa nova normatização do agravo interno pelo novo Código de Processo Civil,

encerra-se uma discussão recorrente – na doutrina135 e em salas de aula – acerca da natureza

do agravo interno, pois, no sistema atual, é predominantemente previsto pelos regimentos

internos dos tribunais pátrios (salvo a hipótese do art. 557, § 1º, do CPC/1973): no novo

Código de Processo Civil, o agravo interno é recurso, por natureza, sem nenhuma dúvida.

Nessa esteira, tendo em vista a crítica formulada com relação ao artigo 1.001 do novo

Código de Processo Civil, entende-se que tudo o quanto alegado para as decisões

interlocutórias é válido para os despachos; conclusão essa, possível através da interpretação

sistemática do novo Código de Processo Civil.

Despachos que causem prejuízo às partes da relação jurídico-processual, mas que não

gerem lesão grave ou de difícil reparação, não precluirão e deverão ser impugnados em sede

de preliminar de recurso de apelação eventualmente interposto.

Por sua vez, despachos que, com um conteúdo decisório mínimo, além de causarem

prejuízo às partes, gerem lesão grave ou de difícil reparação, devem ser enfrentados através da

interposição de agravo de instrumento.

Caso isso não ocorra, os tribunais pátrios deverão aceitar a impugnação desses

pronunciamentos judiciais pelo meio impróprio, qual seja, através da impetração de mandado

de segurança contra pronunciamento judicial, o que se entende que deve ser evitado.

Despachos proferidos por relatores nos tribunais em geral, se causarem prejuízo,

podem ser impugnados através da interposição de agravo interno.

Com relação à impugnação de acórdãos, pode-se dizer que existe um recurso

específico cabível para impugnar cada aspecto deles, de modo que se mostra mais razoável

analisar a hipótese de cabimento de cada um desses recursos, ao invés de tentar construir

assertivas a partir da frase: “os acórdãos são impugnáveis por...”.

Primeiramente, destaca-se que o novo Código de Processo Civil extinguiu o recurso de

embargos infringentes (art. 496, III, CPC/1973). Ele foi substituído, no sistema processual

134 CAMARGO, 2015, p. 2260. 135 Destaca-se, dentre as críticas acerca do assunto, que Araken de Assis nem sequer entende o “agravo regimental” como admissível: “Rigorosamente, o ‘agravo regimental’, promiscuamente criado nos regimentos internos dos Tribunais, não se mostra admissível. E a razão é curial: não compete aos tribunais legislar sobre direito processual, matéria reservada à União (art. 22, I, da CF/1988)” (ASSIS, 2015, p. 160).

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que será instaurado pelo novo diploma legislativo, por uma técnica de julgamento

questionável (que não se constitui como objeto da presente dissertação), pela qual “sempre

que o resultado da apelação for não unânime – seja para dar-lhe ou para negar-lhe

provimento –, o julgamento há de prosseguir com a presença de outros julgadores, em

número suficiente para garantir a possibilidade de inversão do resultado inicial”136,

conforme o caput do novo artigo 942137.

Além dos embargos de declaração (que, como adiantado, serão analisados por último),

os acórdãos proferidos pelos tribunais estaduais e regionais federais podem ser recorríveis

através da interposição de um dos recursos constitucionais, a saber:

a) recurso ordinário (arts. 102, II e 105, II, CF/1988 e arts. 994, V, c.c.

1.027 e 1.028, CPC/2015);

b) recurso especial (art. 105, III, CF/1988 e arts. 994, VI, c.c. 1.029 et

seq., CPC/2015); e,

c) recurso extraordinário (art. 102, III, CF/1988 e arts. 994, VII, c.c.

1.029 et seq., CPC/2015).

As hipóteses de cabimento desses recursos estão estabelecidas na Constituição Federal

de 1988, cabendo ao novo Código de Processo Civil apresentar o modo de exercer esses

recursos (embora, com relação ao recurso ordinário, ele reproduza suas hipóteses de

cabimento com exceção das hipóteses de cabimento relativas às matérias de Direito Penal138).

Com relação às matérias cíveis, “a leitura das hipóteses constitucionais de

admissibilidade do recurso ordinário (art. 102, II, a, da CF/88, c/c art. 539, I [art. 1.027, I,

CPC/2015]; art. 105, II, a e b, c/c 539, II, a [art. 1.027, II, a, CPC/2015]) revela que, em

136 JORGE, 2015, p. 2218. 137 Art. 942. Quando o resultado da apelação for não unânime, o julgamento terá prosseguimento em sessão a ser designada com a presença de outros julgadores, que serão convocados nos termos previamente definidos no regimento interno, em número suficiente para garantir a possibilidade de inversão do resultado inicial, assegurado às partes e a eventuais terceiros o direito de sustentar oralmente suas razões perante os novos julgadores. 138 Destaca-se que, na presente dissertação, tratar-se-á das hipóteses de cabimento do recurso ordinário relativo às matérias cíveis, de modo que não será reservada nenhuma linha sobre o cabimento de recurso ordinário para impugnar decisão denegatória de habeas corpus e para impugnar decisões sobre crime político, hipóteses constitucionais estas que foram excluídas do novo Código de Processo Civil.

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primeiro plano, a impugnação cabe de pronunciamentos provenientes de tribunais, em razão

de sua competência originária, na área civil, sempre que o pronunciamento na origem se

revista de conteúdo ‘denegatório’”139.

Confira-se os novos dispositivos legais acerca da matéria:

Art. 1.027. Serão julgados em recurso ordinário: I - pelo Supremo Tribunal Federal, os mandados de segurança, os habeas data e os mandados de injunção decididos em única instância pelos tribunais superiores, quando denegatória a decisão; II - pelo Superior Tribunal de Justiça: a) os mandados de segurança decididos em única instância pelos tribunais regionais federais ou pelos tribunais de justiça dos Estados e do Distrito Federal e Territórios, quando denegatória a decisão.

Nas hipóteses acima destacadas (que excluem a hipótese de cabimento insculpida no

art. 102, II, “c”, CF/1988 c.c. art. 1.027, II, “b”, CPC/2015), exige-se, para o cabimento do

recurso ordinário, que o pronunciamento judicial seja colegiado (é o que se depreende da

expressão “decididos pelos tribunais”), proferido em única instância (em processo de

competência originária do tribunal a quo) e de natureza denegatória.

São acórdãos de natureza denegatória – portanto, passíveis de serem impugnados por

recurso ordinário quando prolatados em mandado de segurança, habeas data e mandado de

injunção originários dos tribunais a quo – tanto os pronunciamentos judiciais que apreciam o

mérito dos writs constitucionais, quanto aqueles que não apreciam o mérito, conforme

entendimento do Supremo Tribunal Federal:

“RECURSO EM MANDADO DE SEGURANÇA. ADMINISTRATIVO. SERVIDOR PÚBLICO. REAJUSTE. RESÍDUO DE 3,17%. LEI Nº 8.880/94. MP Nº 2.225-45/01. PERDA DE OBJETO. INOCORRÊNCIA. Cabimento do recurso contra decisões denegatórias da segurança, assim entendidas tanto aquelas que apreciem como as que não apreciem o mérito da controvérsia material suscitada. Precedentes. Havendo a MP 2.225-45/01 determinado a incorporação do reajuste reclamado na inicial a partir de 1º de janeiro de 2002 -- portanto após a data de ajuizamento do mandamus --, não perdeu este, integralmente, seu objeto, pois remanesce o interesse processual do impetrante quanto ao período intermédio. Tal questão, entretanto, não pode ser apreciada pelo Supremo Tribunal Federal em grau de recurso ordinário, pois isso implicaria supressão de instância. Recurso parcialmente provido para que o Tribunal de origem examine, como entender de direito, o pedido mandamental, na parte em que não restou prejudicado.” (RMS nº 24.639/DF, Min. Rel. Carlos Britto, Primeira Turma, STF. DJ em 19.12.2003)

139 ASSIS, 2015, p. 711.

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A outra hipótese de cabimento do recurso ordinário é para impugnar a sentença

“proferida nos processos em que forem partes, de um lado, Estado estrangeiro ou organismo

internacional e, de outro, Município ou pessoa residente ou domiciliada no País” (conforme

art. 105, II, “c”, CF/1988 c.c. art. 1.027, II, “b”, CPC/2015).

Em outras palavras: o recurso ordinário, nessa hipótese específica escolhida pelo

legislador constituinte originário, é o recurso adequado para impugnar sentença proferida por

juiz federal no exercício de sua competência constitucional estabelecida no artigo 109, inciso

II – trata-se de exceção à regra do artigo 1.009 do novo Código.

Em qualquer uma das suas hipóteses de cabimento, o recurso ordinário faz as vezes de

um recurso de apelação, ou seja, serve como recurso para devolver a matéria de fato e de

direito ao tribunal ad quem.

Os recursos excepcionais (ou extraordinários lato sensu), cujas hipóteses de cabimento

estão insculpidas em rol fechado na Constituição Federal (arts. 102, III e 105, III), são

recursos de argumentação vinculada, ou seja, só podem ser interpostos se rigorosamente

presente, no pronunciamento judicial recorrido, uma das hipóteses de cabimento dos recursos

extraordinário e especial140.

Vale dizer, o mero inconformismo da parte vencida não é suficiente para viabilizar o

cabimento de um desses recursos.

Não obstante ambos os recursos excepcionais exigirem o prévio esgotamento de todas

as instâncias e recursos cabíveis e o prequestionamento da matéria objeto recursal141, o

recurso extraordinário – ao Supremo Tribunal Federal – pode ser interposto para impugnar

qualquer pronunciamento judicial proferido em última instância (ainda que não seja contra um

acórdão142) e o recurso especial143 – ao Superior Tribunal de Justiça – só pode ser interposto

para impugnar acórdãos proferidos por tribunais.

As hipóteses de cabimento do recurso extraordinário estão previstas nas alíneas “a” a

“d” do inciso III do artigo 102 da Constituição Federal.

140 Nesse sentido, cf. Teresa Arruda Alvim Wambier (2008, p. 248). 141 Esses requisitos específicos de admissibilidade dos recursos excepcionais (esgotamento das instâncias ordinárias, prequestionamento e, no caso do recurso extraordinário, repercussão geral) serão, adiante, objeto de subcapítulo próprio. 142 Súmula nº 640 do STF: “É cabível recurso extraordinário contra decisão proferida por juiz de primeiro grau nas causas de alçada, ou por turma recursal de juizado especial cível e criminal”. 143 A inclusão do recurso especial no ordenamento jurídico pátrio é simultânea à criação do próprio Superior Tribunal de Justiça, na Constituição Federal de 1988.

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A primeira hipótese de cabimento do recurso extraordinário, trazida pelo texto

constitucional, é a de que caberá recurso extraordinário ao Supremo Tribunal Federal contra

pronunciamentos judiciais proferidos em única ou última instância que contrariam dispositivo

constitucional – a palavra “contrariar” tem enorme abrangência, supondo-se, por tal, toda e

qualquer forma de ofensa ao texto constitucional144.

Deve-se admitir que o constituinte original foi infeliz com o uso das palavras no

presente excerto. A demonstração de que a decisão impugnada contraria ou não dispositivo da

Constituição, bem como a consequente decisão dessa impugnação, é questão de mérito, sendo

certo que, no plano do juízo de admissibilidade, bastaria a mera alegação de contrariedade.

Nesse sentido, Nelson Nery Junior explica que a

“efetiva violação da Constituição Federal, que é um dos casos de recurso extraordinário (CF 102 III a), é o próprio mérito do recurso. O que cabe ao tribunal examinar é a admissibilidade do recurso. Na hipótese ventilada, a tão somente alegação da inconstitucionalidade já preenche o requisito de admissibilidade do recurso extraordinário. Basta, portanto, haver mera alegação de ofensa à Constituição para que seja vedado ao tribunal federal ou estadual preferir juízo de admissibilidade negativo ao apelo extremo.”145

Assim como o faz Nelson Luiz Pinto:

“Ora, como se sabe, a circunstância de a decisão recorrida estar certa ou errada diz respeito ao mérito do recurso e não à sua admissibilidade. O juízo de mérito do recurso pressupõe juízo prévio e positivo quanto à admissibilidade, que corresponde a um passo lógico necessariamente anterior àquele. Assim, negar seguimento ao recurso sob o fundamento de que não teria efetivamente ocorrido a alegada contrariedade à Constituição Federal é o mesmo que adiantar um juízo de mérito do recurso, cuja competência é privativa do STF. Não pode, por isso, o presidente do tribunal a quo fazê-lo, sob pena de invasão de competência do STF. Portanto, a situação fática que corresponde ao preenchimento dos requisitos exigidos pela hipótese constitucional de cabimento do recurso extraordinário prevista na alínea a do art. 102, III, da CF [...] consiste na alegação razoável e plausível, por parte do recorrente, de ter a decisão recorrida contrariado dispositivo constitucional [...], ficando o exame da questão de ter ou não havido efetivamente a alegada contrariedade reservado ao STF [...], como questão de mérito do recurso, da qual resultará o provimento ou não do mesmo, e não seu conhecimento ou inadmissão.”146

144 Isso levou o STF, no intuito de conter um número razoável de recursos extraordinário, a editar a Súmula nº 400, a qual estipula que “decisão que deu razoável interpretação à lei, ainda que não seja a melhor, não autoriza recurso extraordinário pela letra ‘a’ do art. 101, III, da Constituição Federal”. 145 NERY JUNIOR, N., 2004b, p. 257. 146 PINTO, 2008, p. 1826.

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No entanto, os tribunais superiores têm – em seu esforço ininterrupto e reprovável de

eliminar, a qualquer custo, um número sem fim de processos – “deixado de conhecer

inúmeros recursos extraordinários e especiais, respectivamente, sob o argumento de não ter

havido ofensa ao dispositivo constitucional ou legal apontado pela parte, realizando, para

isso, autêntico juízo de mérito”147.

A segunda hipótese de cabimento escolhida pelo legislador constituinte é

demonstração cabal da função de controle de constitucionalidade difuso, realizado pelo

Supremo Tribunal Federal nos casos concretos, através do recurso extraordinário. Destarte,

basta que o pronunciamento judicial declare inconstitucional tratado ou lei federal, que deverá

o Supremo Tribunal Federal, em sede de julgamento de recurso extraordinário, analisar tal

declaração para convalidá-la ou não.

Em justa contraposição à hipótese de cabimento anterior, a terceira hipótese de

cabimento de recurso extraordinário é precisamente se o pronunciamento judicial combatido

declarar constitucional148 lei ou ato de governo local. Por essa hipótese de cabimento, o STF,

mais uma vez, no exercício de sua função de guardião da Carta Máxima brasileira, exercerá o

controle difuso de constitucionalidade, desta feita, analisando declaração positiva.

A última hipótese de cabimento do recurso extraordinário foi adicionada à Magna

Carta pátria pelo legislador no exercício do poder constituinte derivado, através da Emenda

Constitucional nº 45/2004, e nada mais é do que uma antiga hipótese de cabimento de recurso

especial149, qual seja, a hipótese de cabimento de recurso extraordinário para impugnar o

pronunciamento judicial que julgar válida lei local contestada em face de lei federal.

Esta matéria foi transferida para a competência do Supremo Tribunal Federal, tendo

em vista que, por ser um sistema jurídico uno, as celeumas geradas em ocasião do debate

sugerido por essa hipótese de cabimento do apelo extraordinário sempre iam de encontro à

análise constitucional da situação.

Nesse sentido, concorda-se com Nelson Luiz Pinto, que, sobre essa transferência de

competência, expõe e conclui:

147 Ibidem, p. 1826. 148 A alínea “c” do art. 102, III, da CF, estabelece que é cabível recurso extraordinário para questionar pronunciamento judicial que julgar válido lei ou ato de governo local em face da Constituição Federal, que nada mais quer dizer que declarar constitucional a norma local sub judice. 149 Hipótese de cabimento do recurso especial está prevista na antiga redação do art. 105, III, “b”, que assim dispunha: “julgar válida lei ou ato de governo local contestado em face de lei federal”.

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“Como já mencionamos acima, ao tratar dessa hipótese de cabimento do recurso especial, isso vinha trazendo uma série de inconvenientes, uma vez que o confronto entre uma lei local, estadual ou municipal, e uma lei federal, deve ser resolvido com a análise do texto constitucional, pois tem a ver com a competência legislativa atribuída pela CF à União, Estados e Municípios. Desta forma, estamos em face de questão constitucional, cuja solução melhor se encarta na competência do STF, através de recurso extraordinário. Daí por que, acertadamente, através da Emenda Constitucional nº 45/2004 se corrigiu esse equívoco, incluindo-se a mencionada alínea d no art. 102, III, da CF, passando essa matéria para a competência do STF.”150

O recurso especial, como adiantado, só é cabível para impugnar acórdãos proferidos

pelos tribunais não superiores e tem suas hipóteses de cabimento previstas nas alíneas “a” a

“c” do inciso III do artigo 105 da Constituição Federal.

Mutatis mutandis, as observações realizadas com relação à primeira hipótese de

cabimento do recurso extraordinário são válidas para a primeira hipótese de cabimento do

recurso especial: é cabível recurso especial para impugnar acórdão de tribunal que contrariar

ou negar vigência a tratado ou lei federal (em tese, a mera alegação de negativa de vigência

ou contrariedade bastaria para o cabimento do recurso especial com fundamento no artigo

105, inciso III, alínea “a” da Constituição Federal).

Além disso, pela alínea “b” do dispositivo constitucional, também é cabível recurso

especial para enfrentar acórdão que tenha julgado “válido ato de governo local contestado em

face de lei federal”151.

Da mesma forma que compete ao Supremo Tribunal Federal convalidar julgamento

que declarou válida lei ou ato de governo local em face da Constituição Federal, dado que é

seu guardião, compete ao Superior Tribunal de Justiça convalidar julgamento que declarou

válido ato de governo local em face de lei federal, tendo em vista que é sua função

uniformizar a interpretação da legislação federal no Brasil.

Em terceiro lugar, também é cabível recurso especial para forçar que o Superior

Tribunal de Justiça unifique a interpretação do direito federal em todo o território

brasileiro152.

Caso haja pronunciamentos judiciais de diferentes tribunais – inclusive entre tribunal

local e o próprio STJ153 – que deem, em casos idênticos, interpretação diversa ao mesmo

150 PINTO, 2008, p. 1827. 151 Conforme Araken de Assis, “nunca se mostram especialmente expressivos e numerosos os recursos fundados em tal permissivo” (ASSIS, 2015, p. 855). 152 Art. 105, III, “c”, CF/1988. 153 Araken de Assis destaca que “a expressão ‘outro tribunal’ é suficientemente ampla para autorizar a invocação como paradigma de acórdãos do próprio STJ [...]” (ASSIS, 2015, p. 857-858).

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dispositivo da lei federal, é cabível o recurso especial a fim de que o Superior Tribunal de

Justiça reforme o acórdão recorrido para que o caso concreto tenha solução jurídica idêntica

àquela daquele que foi apresentado pelo recorrente como acórdão paradigma.

Com a supressão da realização de juízo de admissibilidade dos recursos excepcionais

pelos tribunais a quo154, o novo Código de Processo Civil suprimiu o “agravo nos próprios

autos” que era cabível contra a decisão de inadmissão do recurso extraordinário ou recurso

especial (art. 544, CPC/1973)155.

Em seu lugar, como um “sucessor espiritual”, o legislador infraconstitucional criou o

“agravo em recurso especial e em recurso extraordinário”, recurso adequado para impugnar

pronunciamento judicial de presidente ou vice-presidente do tribunal que

“indeferir pedido de inadmissão de recurso especial e extraordinário sobrestados porque intempestivos (inciso I); ou que inadmitir recurso especial ou extraordinário sob o fundamento de que o acórdão recorrido coincide com a orientação do Tribunal Superior (inciso II); ou, ainda, que inadmitir recurso extraordinário, sob o fundamento de que o Supremo Tribunal Federal reconheceu a inexistência de repercussão geral da questão constitucional discutida (inciso III).”156

Essas hipóteses taxativas de cabimento, que demonstram que o agravo em recurso

especial e em recurso extraordinário é recurso de fundamentação vinculada, estão previstas no

artigo 1.042 do novo Código de Processo Civil:

Art. 1.042. Cabe agravo contra decisão de presidente ou de vice-presidente do tribunal que: I - indeferir pedido formulado com base no art. 1.035, § 6º, ou no art. 1.036, § 2º, de inadmissão de recurso especial ou extraordinário intempestivo; II - inadmitir, com base no art. 1.040, inciso I, recurso especial ou extraordinário sob o fundamento de que o acórdão recorrido coincide com a orientação do tribunal superior; III - inadmitir recurso extraordinário, com base no art. 1.035, § 8º, ou no art. 1.039, parágrafo único, sob o fundamento de que o Supremo Tribunal Federal reconheceu a inexistência de repercussão geral da questão constitucional discutida.

Além de estabelecer o agravo em recurso especial e em recurso extraordinário no rol

taxativo dos recursos previsto no artigo 994, o novo Código de Processo Civil também inova

com a inclusão dos embargos de divergência nesse mesmo rol.

154 Art. 1.030, parágrafo único, CPC/2015. 155 Sobre esse ponto específico, remete-se ao subcapítulo 2.2. 156 BUENO, 2015, p. 686.

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Alexandre Freire define que “os embargos de divergência são o recurso com a função

de uniformizar a jurisprudência interna e atual do Superior Tribunal de Justiça e do Supremo

Tribunal Federal”, e explica a necessidade desse recurso com base na missão constitucional

dos tribunais superiores:

“Os Tribunais Superiores possuem a missão constitucional de uniformizar a interpretação do direito federal. Nesse sentido, não se admite divergência interna. Porém, ocorrendo o dissídio jurisprudencial a respeito de teses jurídicas no âmbito das Cortes de vértice, o recorrente poderá interpor o recurso de embargos de divergência com o propósito de uniformizar a compreensão do direito federal infraconstitucional ou constitucional.”157

Suas hipóteses taxativas de cabimento estão insculpidas nos incisos do novo artigo

1.043:

Art. 1.043. É embargável o acórdão de órgão fracionário que: I - em recurso extraordinário ou em recurso especial, divergir do julgamento de qualquer outro órgão do mesmo tribunal, sendo os acórdãos, embargado e paradigma, de mérito; II - em recurso extraordinário ou em recurso especial, divergir do julgamento de qualquer outro órgão do mesmo tribunal, sendo os acórdãos, embargado e paradigma, relativos ao juízo de admissibilidade; III - em recurso extraordinário ou em recurso especial, divergir do julgamento de qualquer outro órgão do mesmo tribunal, sendo um acórdão de mérito e outro que não tenha conhecido do recurso, embora tenha apreciado a controvérsia; IV - nos processos de competência originária, divergir do julgamento de qualquer outro órgão do mesmo tribunal.

Esse recurso, cabível apenas contra acórdãos proferidos pelos tribunais superiores, é o

instrumento adequado para buscar a uniformização da jurisprudência, ou melhor, da

interpretação constitucional – se no STF – ou infraconstitucional federal – se no STJ – diante

de divergência de interpretação existente entre as decisões dos órgãos fracionários desses

tribunais.

Finalmente, como informado, deixou-se o cabimento dos embargos de declaração para

o final.

Isso se justifica pelo fato de que os embargos de declaração são recurso tipificado (art.

994, IV, CPC/2015) cabível “contra qualquer decisão judicial” (art. 1.022, caput, CPC/2015).

157 FREIRE, A., 2015, p. 2349.

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Em outras palavras, com a inclusão dessa importante expressão no texto legal158, não

há mais nenhuma dúvida de que qualquer parte da relação jurídico-processual pode opor

embargos de declaração contra todo e qualquer pronunciamento judicial, sem nenhuma

exceção (inclusive contra despachos e atos meramente ordenatórios revisados pelo juiz).

Barbosa Moreira destaca esse cabimento irrestrito contra qualquer pronunciamento

judicial, ainda sob a égide do código de 1973, em lição que permanecerá atualíssima após a

entrada em vigor do código de 2015:

“Na realidade, tanto antes quando depois da reforma, qualquer decisão judicial comporta embargos de declaração: é inconcebível que fiquem sem remédio a obscuridade, a contradição ou a omissão existente no pronunciamento, não raro comprometer até mesmo a possibilidade prática de cumpri-lo. Não tem a mínima relevância que se trate de decisão de grau inferior ou superior, proferida em processo de cognição (de procedimento comum ou especial), de execução ou cautelar. Tampouco importa que a decisão seja definitiva ou não, final ou interlocutória. Ainda que o texto legal, expressis verbis, a qualifique de ‘irrecorrível’, há de entender-se que o faz com a ressalva implícita concernente aos embargos de declaração [...].”159

Os embargos de declaração, também de fundamentação vinculada, são o recurso

adequado para esclarecer obscuridade (art. 1.022, I, CPC/2015), eliminar contradição (art.

1.022, I, CPC/2015), suprir omissão (art. 1.022, II, CPC/2015) e corrigir erro material (art.

1.022, III, CPC/2015) presentes no pronunciamento judicial embargado.

O pronunciamento judicial é obscuro quando for ininteligível, ilegível ou dúbio. O

pronunciamento judicial será obscuro sempre que não for claro, de modo a impedir sua

correta compreensão pelas partes, seja porque é realmente incompreensível, seja porque

permite a compreensão de dois ou mais sentidos logicamente possíveis que impedem a certeza

de se saber, de fato, qual o objeto daquele provimento judicial.

Será contraditório o pronunciamento judicial que contiver, em seu texto, uma ou mais

proposições antagônicas, incomunicáveis entre si (e.g. uma sentença na qual, na

fundamentação, o juiz assevera que o autor tem direito ao bem da vida pleiteado e, no

decisum, julga improcedente a ação). Os embargos de declaração não são o recurso adequado

para impugnar aparente contradição entre pronunciamentos judiciais de um mesmo processo,

mas são cabíveis – e, portanto, adequados – para sanar contradição presente apenas no próprio

pronunciamento judicial embargado. 158 Cassio Scarpinella Bueno destaca a inclusão da expressão “contra qualquer decisão judicial” um “mérito importante” do novo CPC. (BUENO, 2015, p. 659). 159 BARBOSA MOREIRA, 2003, p. 544-545.

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Por sua vez, o pronunciamento judicial será omisso sempre que não houver

manifestação expressa sobre: (i) um pedido formulado pela parte, Ministério Público ou

terceiro interessado; (iii) uma questão incidental prejudicial ao mérito da ação ou do recurso;

(iii) sobre todos os argumentos de direito formulados pelas partes (é óbvio que, para acolher

algum pedido, não há necessidade de se enfrentar todos os argumentos da parte vencedora,

mas para não o acolher, sim, sob pena de violação das garantias constitucionais da ampla

defesa e do contraditório e, inclusive, inviabilizar a abertura das instâncias superiores); (iv)

qualquer ponto ou questão que o órgão julgador deveria se manifestar de ofício; (v) “tese

firmada em julgamento de casos repetitivos ou em incidente de assunção de competência

aplicável ao caso sob julgamento” (art. 1.022, parágrafo único, I, CPC/2015); e (vi) quando o

pronunciamento judicial “incorra em qualquer das condutas descritas no art. 489, § 1º”160

(art. 1.022, parágrafo único, II, CPC/2015).

Como se pode ver, o pronunciamento judicial que contenha qualquer omissão, sobre

qualquer ponto ou questão do processo, independentemente de ele estar ou não expressamente

previsto no artigo 1.022 do Código de Processo Civil de 2015, pode ser objeto de embargos

de declaração.

Entende-se, nessa esteira, que, acerca da omissão, o novo Código de Processo Civil,

no jargão popular, “diz mais do que haveria necessidade”, pois as hipóteses não exaustivas de

omissões constantes no parágrafo único do artigo 1.022 já estão englobadas pela hipótese

(genérica) de omissão do inciso II desse mesmo artigo.

Por fim, os embargos de declaração são cabíveis para corrigir erro material (vícios

materiais percebíveis à primeira vista, como por exemplo, indicação de um valor numérico e

160 Art. 489. São elementos essenciais da sentença: [...] § 1o Não se considera fundamentada qualquer decisão judicial, seja ela interlocutória, sentença ou acórdão, que: I - se limitar à indicação, à reprodução ou à paráfrase de ato normativo, sem explicar sua relação com a causa ou a questão decidida; II - empregar conceitos jurídicos indeterminados, sem explicar o motivo concreto de sua incidência no caso; III - invocar motivos que se prestariam a justificar qualquer outra decisão; IV - não enfrentar todos os argumentos deduzidos no processo capazes de, em tese, infirmar a conclusão adotada pelo julgador; V - se limitar a invocar precedente ou enunciado de súmula, sem identificar seus fundamentos determinantes nem demonstrar que o caso sob julgamento se ajusta àqueles fundamentos; VI - deixar de seguir enunciado de súmula, jurisprudência ou precedente invocado pela parte, sem demonstrar a existência de distinção no caso em julgamento ou a superação do entendimento.

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outro por extenso, entre parênteses) constante no pronunciamento judicial, hipótese legal

expressa esta que apenas consagra o entendimento doutrinário161 e jurisprudencial162 atual.

Vale destacar que, à luz do inciso I do artigo 494 do novo Código de Processo Civil163,

nem sequer seria necessária a oposição de embargos de declaração para a correção de erro

material. De toda forma, a inclusão dessa hipótese de cabimento dos embargos de declaração

de forma expressa no novo Código é bem-vinda, pois impede algumas interpretações literais

absurdas que vez ou outra se encontra no Poder Judiciário.

3.3.1.4. CONSIDERAÇÕES ACERCA DO PRINCÍPIO DA FUNGIBILIDADE RECURSAL SOB A ÓPTICA DO

NOVO CPC

Ainda que não seja objeto de estudo aprofundado da presente dissertação, vale

destacar que o princípio da fungibilidade recursal também está atrelado ao requisito de

admissibilidade recursal intrínseco “cabimento”.

Por esse princípio recursal já analisado anteriormente, no caso de dúvida real e

objetiva e se não houver erro grosseiro, um recurso interposto equivocadamente pela parte

pode ser conhecido como o outro que o tribunal entende como adequado para impugnar

determinado pronunciamento judicial.

Esse princípio, de aplicação excepcional sob a vigência do código atual, terá aplicação

ainda menor quando da vigência do novo Código de Processo Civil.

Explica-se: uma das vigas estruturais do novo Codex é o aproveitamento dos atos

praticados, com possibilidade de correções, caso necessário, num esforço conjunto das partes

da relação jurídico-processual (dentre as quais se inclui o órgão julgador) para se chegar à

solução das questões de mérito levadas ao Poder Judiciário.

161 Nesse sentido, cf. Araken de Assis (2015, p. 667), Nelson Nery Junior e Rosa Maria de Andrade Nery (2014, p. 1119), Fredie Didier Junior e Leonardo Carneiro da Cunha (2009, p. 184). 162 Nesse sentido: EDcl no AgRg no REsp nº 1.537.424/SC, Min. Rel. Mauro Campbell Marques, 2ª Turma, STJ – DJe em 05.11.2015; EDcl no AgRg nos EDcl no REsp nº 1.076.756/PR, Min. Rel. Gurgel de Faria, 5ª Turma, STJ – DJe em 28.10.2015; EDcl no AgRg no AREsp nº 751.743/RS, Min. Rel. Luis Felipe Salomão, 4ª Turma, STJ – DJe em 26.10.2015. 163 Art. 494. Publicada a sentença, o juiz só poderá alterá-la: I - para corrigir-lhe, de ofício ou a requerimento da parte, inexatidões materiais ou erros de cálculo.

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E é com base nessa viga estrutural que o legislador infraconstitucional optou,

politicamente, pela inclusão do parágrafo único do artigo 932 do novo Código164, pelo qual

“antes de considerar inadmissível o recurso, o relator concederá o prazo de 5 (cinco) dias ao

recorrente para que seja sanado vício ou complementada a documentação exigível”.

Esse dispositivo, além de ser uma evidente tentativa de extirpar a chamada

jurisprudência defensiva165 dos tribunais pátrios, torna quase que imprestável o princípio da

fungibilidade recursal.

Isso porque, de acordo com referido dispositivo e a partir da vigência do novo Código,

a parte recorrente terá o direito de sanar todo e qualquer vício identificado no recurso

interposto, antes do recurso ser considerado inadmissível.

Dessa forma, em caso de dúvida real e objetiva, e considerando que o prazo para

interposição de todos os recursos será de 15 (quinze) dias, com exceção dos embargos de

declaração (art. 1.003, § 5º, CPC/2015), não haverá nenhuma necessidade de o tribunal

receber e conhecer um recurso pelo outro: bastará, com fulcro no parágrafo único do artigo

932, determinar que o recorrente adéque seu recurso para aquele cabível, sanando vícios e

complementando com documentos, se for o caso.

3.3.2. Legitimação para recorrer

A legitimidade é condição para o exercício do direito de ação, assim como,

analogamente, a legitimação para recorrer figura no rol dos requisitos de admissibilidade

recursal intrínsecos: se nenhuma delas existir, o Poder Judiciário não avançará na análise do

mérito da causa e recursal, respectivamente.

A legitimação para recorrer é a qualidade atribuída por lei ao recorrente (que não é,

obrigatoriamente, parte da relação jurídico-processual, como se verá adiante) que o torna apto

a recorrer, tendo ele interesse ou não, exercendo ou não seu direito de recurso no caso

concreto.

164 No tocante à admissibilidade recursal, esse é um dos dispositivos mais importantes e inovadores apresentados pelo Código de Processo Civil de 2015 e será o epicentro da discussão do próximo capítulo, de forma que, neste momento, ele é analisado brevemente e apenas sob a óptica do princípio da fungibilidade dentro do requisito de admissibilidade intrínseco “cabimento”. 165 Que, na definição de Rodrigo da Cunha Lima Freire, são “empecilhos artificiais criados pelos Tribunais para não apreciarem o mérito dos recursos” (FREIRE, R., 2015, p. 2090).

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Se, de um lado, é verdade que todos os requisitos de admissibilidade recursal

(intrínsecos e extrínsecos) têm que estar simultaneamente presentes no recurso interposto para

que o órgão julgador possa ultrapassar o juízo de admissibilidade e partir para a análise do

mérito recursal, também é verdade, de outro lado, que nem sequer se chegará ao exame da

existência ou não do interesse em recorrer166 se aquele que recorre não tiver legitimidade para

tanto.

É a nova lei que estabelece quem está legitimado a recorrer, qualidade esta atribuída

ex lege às partes da relação jurídico-processual, ao terceiro e ao Ministério Público, mantendo

a norma estabelecida para a matéria mediante artigo 499 do Código de 1973.

Confira-se as redações de forma comparada entre o atual artigo 499 e o novo artigo

996:

Quadro 2 - Comparativo entre CPCs (Interposição de recurso).

Novo CPC, de 2015 CPC atual, de 1973

Art. 996. O recurso pode ser interposto pela

parte vencida, pelo terceiro prejudicado e pelo

Ministério Público, como parte ou como fiscal da

ordem jurídica.

Parágrafo único. Cumpre ao terceiro demonstrar

a possibilidade de a decisão sobre a relação

jurídica submetida à apreciação judicial atingir

direito de que se afirme titular ou que possa

discutir em juízo como substituto processual.

Art. 499. O recurso pode ser interposto pela parte

vencida, pelo terceiro prejudicado e pelo

Ministério Público.

§ 1º Cumpre ao terceiro demonstrar o nexo de

interdependência entre o seu interesse de intervir

e a relação jurídica submetida à apreciação

judicial.

§ 2º O Ministério Público tem legitimidade para

recorrer assim no processo em que é parte, como

naqueles em que oficiou como fiscal da lei.

Fonte: Autoria própria.

Embora com diferenças sutis na redação, a regra normativa é a mesma: o parágrafo

segundo do artigo 499 foi absorvido pelo caput do artigo 996 e o parágrafo primeiro do artigo

499 foi transportado – sob nova redação, mas com o mesmo conteúdo – para o parágrafo

único do novo artigo 996.

166 Próximo requisito de admissibilidade recursal intrínseco a ser analisado.

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Assim como a norma estabelecida pelo Código de 1973, o artigo 966 do novo Código

de Processo Civil mistura em seu texto as ideias de legitimação para recorrer e interesse em

recorrer com relação à parte e ao terceiro.

Isso porque, as partes e o terceiro têm legitimação para recorrer, sendo que a parte

vencida e o terceiro prejudicado, além de legitimação, têm interesse em recorrer pois sofrem

prejuízo em razão do pronunciamento judicial prolatado.

3.3.2.1. LEGITIMAÇÃO PARA RECORRER DA PARTE

A parte tem legitimação para recorrer, ou seja, tem, em estado de inércia, qualidade

para, se houver interesse, recorrer.

Parte é quem compõe ou o polo ativo ou o polo passivo de qualquer relação jurídico-

processual.

Se houver litisconsórcio, ativo ou passivo, todas as pessoas (físicas e jurídicas) que

compõem um dos polos da demanda terão, de forma autônoma e independente167, legitimação

para recorrer como parte, independentemente do número de pessoas.

Também é parte, para fins de legitimação para recorrer, o terceiro incluído na lide

antes de prolatado o pronunciamento judicial que se pretende impugnar por meio do recurso

cabível168. A própria definição jurídico-processual do termo “terceiro” – aquele que não é

parte do processo – leva à presente conclusão.

Desse modo, a partir do momento em que aquele que era terceiro passa a integrar a

relação jurídico-processual – seja através de requerimento próprio (como assistente simples

ou litisconsorcial), seja em resultado decorrente de denunciação da lide, chamamento ao

processo ou incidente de desconsideração da personalidade jurídica –, ele deixa de ser terceiro

e passa a ter legitimação para recorrer como parte.

Esse é também o entendimento de Araken de Assis com relação à regra do artigo 499

do Código de 1973, que, conforme adiantado, permaneceu inalterada pelo novo Código:

167 O que não exclui a possibilidade de um recurso interposto por um dos litisconsortes surtir efeitos na esfera jurídica dos demais, conforme se depreende do artigo 1.005 do CPC/2015. 168 A intervenção de terceiros no processo, que não é objeto da presente dissertação, está disciplinada, de uma forma geral, no Título III do Livro III do CPC/2015.

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“Além da(s) pessoa(s) que figura(m) como autor(es) ou réu(s), igualmente os terceiros, uma vez admitidos no processo, tornaram-se parte e recorrem nessa qualidade. [...] Ora, empregada uma das modalidades para o terceiro intervir, [...], o estranho ao processo passa a nele figurar e se transformará em parte.”169

Ainda, “são legitimados a recorrer [como parte] os sucessores, a título universal ou

singular, por fato concomitante com a decisão, ou ocorrido depois dela, mas ainda dentro do

prazo recursal”170.

Isso porque, muito embora seja regra no ordenamento jurídico-processual a

impossibilidade de partes e juiz modificarem os aspectos subjetivos da lide171 – regra esta

mantida pelo novo CPC –, há hipóteses legais restritivas172 e, ipso facto, excepcionais, que

autorizam a alteração subjetiva da lide, desde que haja concordância da parte contrária.

Exemplificativamente, pode haver sucessão processual quando houver alienação da

coisa litigiosa ou direito sub judice (art. 109, CPC/2015) ou quando houver o falecimento de

uma das partes, hipótese na qual a parte falecida será sucedida pelo espólio ou pelos

herdeiros, na forma do artigo 110, “observado o disposto no art. 313, §§ 1º e 2º”, todos do

novo Código de Processo Civil.

Finalmente, deve-se destacar que a existência de legitimação para recorrer da parte

não tem relação direta com sua legitimidade ad causam para compor um dos polos da relação

jurídico-processual.

Em outras palavras, a parte eventualmente declarada como ilegítima para propor

determinada ação – ou para ser excluída do polo passivo – recorre como parte, e não como

terceiro.

3.3.2.2. LEGITIMAÇÃO PARA RECORRER DE TERCEIRO

É considerado terceiro aquele que, por exclusão, não é parte da lide, seja por nunca ter

sido, seja por ter deixado de ser173.

169 ASSIS, 2015, p. 164. No mesmo sentido e já sobre o dispositivo do CPC/2015, cf. Flávio Cheim Jorge (2015, p. 2221). 170 BARBOSA MOREIRA, 2003, p. 291. 171 O que decorre do princípio processual da estabilidade subjetiva da lide. Nesse sentido, cf. Teresa Arruda Alvim Wambier et al. (2015, p. 198). 172 Do CPC/2015: Art. 108. No curso do processo, somente é lícita a sucessão voluntária das partes nos casos expressos em lei. 173 BARBOSA MOREIRA, 2003, p. 293.

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Qualquer terceiro com qualquer tipo de relação direta ou indireta com a coisa ou

direito sub judice, e que, portanto, pode vir a ser atingido pelos pronunciamentos judiciais

proferidos no processo, tem legitimação para recorrer.

O terceiro que tem legitimação para recorrer é aquele que pode ter sua esfera de

direitos pessoais atingida por algum pronunciamento judicial proferido em processo do qual

não é parte, de modo que, eventualmente e em caso de prejuízo, terá que defender direito

próprio em nome próprio.

Não se trata de legitimidade de terceiro para proteger ou pleitear direito alheio.

É essa a conclusão que se extrai da análise do parágrafo único do artigo 996 do Código

de Processo Civil de 2015, que exige do terceiro, no momento da interposição do recurso

cabível, a demonstração da “possibilidade de a decisão sobre a relação jurídica submetida à

apreciação judicial atingir direito de que se afirme titular ou que possa discutir em juízo como

substituto processual”.

Em regra, portanto, o terceiro com legitimação para recorrer será aquele que poderia

ter sido assistente no processo.

Destaca-se, ainda, que o terceiro com legitimação para recorrer tem ao seu dispor

todos aqueles recursos tipificados no artigo 994 do novo Código – nenhum a mais e nenhum a

menos – e, para exercer seu direito de recurso, deve preencher todos os requisitos de

admissibilidade recursal exigidos pela legislação constitucional (para os recursos excepcionais

e recurso ordinário) e infraconstitucional.

Essa possibilidade de o terceiro com legitimação para recorrer poder se utilizar de

todos os instrumentos recursais disponíveis às partes – e tão somente eles – trata-se de

verdadeira decisão política do legislador brasileiro.

Em outros sistemas de Civil Law, permite-se que o terceiro legitimado interponha um

recurso próprio e utilizável apenas por ele: é assim, por exemplo, na França (la tierce

opposition, art. 582, Code de Procédure Civile), na Bélgica (la tierce opposition, art. 1.122,

Code Judiciaire) e na Itália (dell’opposizione di terzo, art. 404, Codice di Procedura Civile).

Por fim, muito embora não haja proibição legal, não parece possível admitir que o

terceiro possa interpor recurso na sua forma adesiva, uma vez que o artigo 997 estabelece,

expressamente, que “sendo vencidos autor e réu, ao recurso interposto por qualquer deles

poderá aderir o outro” – é evidente que o legislador se refere às partes quando se utiliza das

expressões “autor” e “réu”, assim como é patente que só as partes podem ser vencedoras e

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vencidas no processo (e não o terceiro com legitimação para recorrer por ser prejudicado ou

não pelos pronunciamentos judiciais).

3.3.2.3. LEGITIMAÇÃO PARA RECORRER DO MINISTÉRIO PÚBLICO

Não menos importante, principalmente em um diploma legislativo processual civil que

tem como um dos valores estruturais a aplicação de idêntica solução jurídica a casos

idênticos, com o flagrante prestígio à resolução de demandas repetitivas, o artigo 996 mantém

a legitimação para recorrer do Ministério Público sempre que ele for parte, seja quando ele

atuar como fiscal da lei.

O destaque ex lege de que o Ministério Público tem legitimação para recorrer como

parte, mantido da redação do artigo 499 do código de 1973, é inútil e poderia ter sido

suprimido sem causar nenhuma alteração no sistema.

Como visto acima, as partes têm legitimação para recorrer: a legitimação para recorrer

da parte independente do fato de ela ser pessoa física, jurídica (pública ou privada), o

Ministério Público, a Defensoria Pública, órgão de classe (como a Ordem dos Advogados do

Brasil) et cetera.

Todas as partes, sejam elas quem e quantas forem, têm, em razão deste estado no

processo, legitimação para recorrer. Tanto o artigo 499 do código de 1973 quanto o artigo 996

do novo Código de Processo Civil, no tocante à legitimação para recorrer do Ministério

Público quando ele é parte do processo, enunciam mais do que deveriam ou precisavam.

É óbvio que o Ministério Público tem legitimação para recorrer sempre que é parte.

Com relação ao fato de o Ministério Público ter legitimação para recorrer na qualidade

de fiscal da lei, o artigo 996 do novo Código de Processo Civil traz uma sutil e bem-vinda

diferença em sua redação.

Enquanto o atual artigo 499 assevera, literalmente, em seu parágrafo segundo, que o

Ministério Público tem legitimidade para recorrer no processo no qual “oficiou como fiscal da

lei”, o artigo 996 do novo Código preconiza que o Ministério Público pode interpor recurso

“como fiscal da lei”.

Cessam-se as dúvidas, portanto, acerca da existência de legitimação para recorrer do

Ministério Público mesmo nos casos nos quais ele deveria ter atuado como fiscal da lei e não

o fez, seja porque não foi intimado, seja porque não havia vislumbrado motivo para se

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manifestar até aquele momento (ou tenha apenas se manifestado com cotas padronizadas,

declarando-se “ciente” em todas as oportunidades – o que, substancialmente, é o mesmo do

que não ter atuado no processo).

Araken de Assis já defendia que o parágrafo segundo do artigo 499 do código de 1973

não podia ser interpretado em sua literalidade:

“Em sua literalidade, o § 2º do art. 499 alude aos processos em que o Ministério Público ‘oficiou como fiscal da lei’, vale dizer, processos em que já se operou sua intervenção. No entanto, idêntica legitimidade lhe socorrerá quando for o caso de intervenção e ela ainda não ocorreu, ou lhe foi indeferida [...]. Acrescente-se que inexiste razão plausível para negar ao Ministério Público o direito de corrigir o processo viciado pela falta de sua intervenção (art. 246 [art. 279 do CPC/2015]), através do recurso destinado a invalidá-lo (error in procedendo) [...].”174

E é nesse exato sentido o comentário de Flávio Cheim Jorge ao novo artigo 996:

“Quanto a esta última hipótese [de legitimação para recorrer do Ministério Público quando atua como fiscal da lei], ressalte-se que a legitimação do parquet não depende de ter ele, efetivamente, oficiado no processo, bastando a possibilidade de que houvesse atuado. Ou seja, é suficiente que a causa esteja entre aquelas descritas no art. 1789 do CPC, sendo irrelevante que, até o momento do recurso, não tenha ele atuado no processo.”175

O Ministério Público também terá legitimação para recorrer mesmo se nenhuma das

partes interpuserem recurso contra determinado pronunciamento judicial, de modo que a

Súmula nº 99 do Superior Tribunal de Justiça176 permanecerá hígida mesmo após a entrada

em vigor do novo Código.

As hipóteses de intervenção do Ministério Público como custos legis estão previstas,

genericamente177, no artigo 178 do novo Código de Processo Civil:

Art. 178. O Ministério Público será intimado para, no prazo de 30 (trinta) dias, intervir como fiscal da ordem jurídica nas hipóteses previstas em lei ou na Constituição Federal e nos processos que envolvam: I - interesse público ou social; II - interesse de incapaz; III - litígios coletivos pela posse de terra rural ou urbana.

174 ASSIS, 2015, p. 166. No mesmo sentido, cf. José Carlos Barbosa Moreira (2003, p. 296-297). 175 JORGE, 2015, p. 2222. 176 Súmula nº 99: “O Ministério Público tem legitimidade para recorrer no processo em que oficiou como fiscal da lei, ainda que não haja recurso da parte”. 177 As hipóteses de intervenção do Ministério Público como fiscal da lei não são taxativas e podem ser ampliadas por lei. O próprio CPC/2015 traz outra hipótese, por exemplo, ao determinar que, “se não for o requerente, o Ministério Público intervirá obrigatoriamente no incidente [de resolução de demandas repetitivas] [...]”. (art. 976, § 2º, CPC/2015).

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Parágrafo único. A participação da Fazenda Pública não configura, por si só, hipótese de intervenção do Ministério Público.

Finalmente, destaca-se que as mesmas observações realizadas no tópico anterior para

os terceiros com legitimação para recorrer – referentes a quais recursos podem ser interpostos

e aos recursos em sua modalidade adesiva – são aplicáveis à legitimação para recorrer do

Ministério Público enquanto fiscal da ordem jurídica: ele pode interpor qualquer um dos

recursos previstos no artigo 994 do novo Código – somente estes –, e não pode, nessa

qualidade, interpor recurso na sua forma adesiva, pois essa modalidade de interposição dos

recursos é reservada às partes, quando ambas tiverem sido sucumbentes no processo.

3.3.2.4. LEGITIMAÇÃO PARA RECORRER DO AMICUS CURIAE

A normatização da figura do amicus curiae (amigo da corte, em língua latina) é

novidade do Código de Processo Civil de 2015 (art. 138, CPC/2015) e é uma das forma de

intervenção de terceiros.

A sua inclusão expressa e especificamente disciplinada no novo Código de Processo

Civil tem como objetivo propiciar, nos processos nos quais o amicus curiae intervir, uma

prestação jurídica qualitativamente melhor acerca de uma matéria sub judice que é relevante,

demasiadamente específica e que tenha repercussão social destacada – essas qualidades da

matéria sub judice, requisitos para a intervenção do amicus curiae, são independentes, de

modo que “a presença de um deles já justifica a intervenção do amicus curiae”178.

Em linhas gerais, o amicus curiae (cuja origem está calcada nos sistemas de Common

Law) é um terceiro (ou seja, não é parte) admitido em qualquer processo e em qualquer fase e

grau de jurisdição (de ofício, a requerimento das partes ou do próprio terceiro) para prover o

órgão julgador de subsídios probatórios e jurídicos que auxiliem na solução da controvérsia

direcionada ao Poder Judiciário – o amigo da corte pode ser qualquer pessoa física, jurídica,

órgão ou entidade especializada179.

No entanto, o interesse do amicus curiae na solução do caso concreto não é o

“interesse jurídico”, com o qual se identificam os terceiros das demais modalidades de

178 WAMBIER, T. et al., 2015b, p. 256. 179 Como o amicus curiae não é objeto da presente dissertação, sugere-se a leitura da obra Amicus curiae no processo civil brasileiro, de Cassio Scarpinella Bueno, para aprofundamento na matéria. (cf. BUENO, 2006).

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intervenção de terceiro – o amicus curiae nem sequer passa a incorporar a lide e, por essa

razão, não adquire legitimação para recorrer como parte.

Em anotação ao artigo 138 do código de 2015, Cassio Scarpinella Bueno

destaca que a lei exige do amicus curiae

“‘representatividade adequada’, isto é, que mostre satisfatoriamente a razão de sua intervenção e de que maneira seu ‘interesse institucional’ – que é o traço distintivo desta modalidade interventiva, que não se confunde com o ‘interesse jurídico’ das demais modalidades interventivas – relaciona-se com o processo.”180

Por esses motivos e por opção política do legislador infraconstitucional, o amicus

curiae não tem legitimação para recorrer ampla e irrestritamente nos casos em que intervém,

diferentemente da legitimação para recorrer dos demais terceiros intervenientes.

A regra é a de que o amicus curiae não tem legitimação para recorrer nos processos

nos quais intervém, o que se justifica pelo fato de que o amicus curiae não tem “interesse

jurídico” nos moldes dos demais terceiros intervenientes – ou seja, em tese, não há direito

dele direta ou indiretamente afetado por pronunciamento judicial proferido no caso em que

intervir.

Essa regra, no entanto, admite duas exceções expressas na lei:

a) à luz do parágrafo primeiro do artigo 138 do novo Código, o amicus

curiae sempre terá legitimação para opor embargos de declaração,

independentemente do processo no qual intervenha; e,

b) de acordo com o parágrafo primeiro, in fine, e parágrafo terceiro,

ambos do novo artigo 138, o amicus curiae terá legitimação para

recorrer “da decisão que julgar o incidente de resolução de demandas

repetitivas” (disciplinado a partir do artigo 976 do CPC/2015).

Essas duas exceções têm razões bem definidas para existirem no ordenamento

jurídico: primeiramente, concede-se legitimação para opor embargos de declaração pois, em

regra, é um recurso que não tem como objetivo a reforma da decisão e proteção de um direito,

mas apenas e tão somente aclarar o pronunciamento judicial embargado para que a prestação

180 BUENO, 2015, p. 135.

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jurisdicional seja qualitativamente melhor; segundo, permite-se que o amicus curiae recorra

do pronunciamento judicial que der solução jurídica a incidente de resolução de demanda

repetitiva, pois esse incidente de resolução de questões de massa se trata de processo que,

necessariamente, envolverá matéria relevante e de inequívoca repercussão social, de modo

que o legislador infraconstitucional optou por dar posição de destaque ao amicus curiae na

fixação de teses jurídicas a serem aplicadas nessas questões.

As hipóteses nas quais o amicus curiae tem legitimação para recorrer são taxativas,

mas podem, eventualmente, ser ampliadas por lei.

3.3.2.5. LEGITIMAÇÃO PARA RECORRER DO ADVOGADO

O advogado constituído no processo, além de procurador da parte que lhe outorgou

mandato para representá-la em juízo, é, inequivocamente, um terceiro, tendo em vista que não

é parte do processo (utiliza-se, aqui, o mesmo critério de exclusão utilizado anteriormente).

Ocorre que, se, em um primeiro momento, o advogado não tem nenhum interesse

jurídico na resolução da demanda (obviamente, há o interesse profissional e econômico em se

sair bem sucedido na causa, com a vitória da parte que ele representa, mas não há reflexo

direto ou indireto em seus direitos), em um segundo momento, com a fixação de honorários

advocatícios sucumbenciais em seu favor, o advogado passa, sim, a ter interesse jurídico na

demanda, com relação a esse direito específico tutelado.

Em consonância com o artigo 23 do Estatuto da Advocacia e da Ordem dos

Advogados do Brasil (Lei nº 8.906/94)181, o novo Código de Processo Civil ampliou as regras

referentes aos honorários advocatícios em seu artigo 85 e fez constar que “os honorários

constituem direito do advogado e têm natureza alimentar, com os mesmos privilégios dos

créditos oriundos da legislação do trabalho, sendo vedada a compensação em caso de

sucumbência parcial” (art. 85, § 14, CPC/2015).

Não há nenhuma dúvida de que os honorários advocatícios de sucumbência são direito

autônomo do advogado, de modo que este pode exigi-los por ação autônoma própria.

181 Art. 23. Os honorários incluídos na condenação, por arbitramento ou sucumbência, pertencem ao advogado, tendo este direito autônomo para executar a sentença nesta parte, podendo requerer que o precatório, quando necessário, seja expedido em seu favor.

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Por que então, de uma vez por todas, não definir expressamente na legislação federal

que o advogado, na qualidade de terceiro, tem legitimação para recorrer do capítulo do

pronunciamento judicial que fixar, ou deixar de fixar quando deveria fazê-lo, os honorários

advocatícios sucumbenciais, caso seja prejudicado?

Seja sob a vigência do código de 1973, seja sob a vigência do código de 2015, é

ilógico imaginar que o advogado, em nome próprio e de forma autônoma, em recurso próprio,

não pode recorrer para proteger seu direito.

O advogado que, em um processo, tem honorários advocatícios de sucumbência

arbitrados em seu favor, passa, automaticamente e em razão de seu direito que foi tutelado, a

deter legitimação para recorrer, como terceiro, do capítulo do pronunciamento judicial que os

fixou, caso prejudicado.

Não é outro o entendimento de Araken de Assis:

“Legitimado a executar o capítulo acessório da sucumbência, também se habilita o advogado a recorrer para defender tal direito – por exemplo, pleiteando o aumento da verba – na qualidade de terceiro prejudicado.”182

O próprio Superior Tribunal de Justiça, mesmo na falta de previsão legal nesse

sentido, já se manifestou na mesma direção:

“PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. HONORÁRIOS DE ADVOGADO. LEGITIMIDADE DOS ADVOGADOS PARA, EM NOME PRÓPRIO, APELAR DA SENTENÇA NA PARTE EM QUE FIXOU OS HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. 1. O advogado, na condição de terceiro interessado, tem legitimidade para recorrer de parte da sentença onde fixados os honorários. 2. Recurso especial conhecido e provido para que, afastada a ilegitimidade ativa, prossiga o Tribunal a quo no julgamento da apelação.” (REsp nº 724.867/MA, Min. Rel. Fernando Gonçalves, 4ª Turma, STJ. DJ em 11.04.2005).

Não há nenhuma razão para essa orientação mudar a partir da vigência do Código de

Processo Civil de 2015.

Se, de um lado, o novo Código de Processo Civil obteve progresso e eliminou as

dúvidas existentes com relação à titularidade e à natureza dos honorários advocatícios

sucumbenciais, de outro, retrocedeu e não dedicou nem uma linha sequer para explicitar e

impedir discussão acerca de sua legitimação para recorrer do capítulo de pronunciamentos

182 ASSIS, 2015, p. 174.

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judiciais que fixa (ou não, pois pode haver omissão com relação a esse aspecto) os honorários

advocatícios de sucumbência, o que deveria ter sido feito.

O advogado também tem legitimação para recorrer, como terceiro prejudicado, de

pronunciamento judicial que lhe retirar o direito de vista dos autos fora do cartório, impuser

multa correspondente à metade do salário-mínimo e determinar a expedição de ofício à seção

local da Ordem dos Advogados do Brasil para procedimento disciplinar e imposição de multa

(art. 234, §§ 2º e 3º, CPC/2015).

Por se tratar de decisão que afeta a esfera jurídica dos direitos do advogado e por ter

consequências diretas no exercício de sua função no próprio processo no qual atua, não faria

sentido exigir do advogado que ele manejasse ação autônoma para proteção desse direito,

razão pela qual é razoável e lógico, dentro do sistema recursal do novo Código de Processo

Civil, que se admita ao advogado legitimação para recorrer nos próprios autos e em nome

próprio, nessa hipótese.

3.3.3. Interesse em recorrer

Para a prática de qualquer ato processual, aquele que o faz deve ter interesse em

efetuar aquele ato, objetivando obter um pronunciamento judicial que lhe seja favorável.

No que concerne aos recursos, não é diferente.

O interesse em recorrer – mais um dos requisitos de admissibilidade recursal

intrínsecos – não deve ser confundido com a legitimação para recorrer, analisada acima, muito

embora esses dois requisitos de admissibilidade recursal intrínsecos estejam umbilicalmente

ligados.

Se a legitimação para recorrer se faz presente antes da prolação do pronunciamento

judicial que pode ser objeto do recurso adequado, o interesse em recorrer somente passa a

existir após tal prolação, a partir do momento que aquele legitimado a recorrer é submetido a

uma situação de prejuízo ou mesmo a uma situação menos vantajosa do que aquela que

poderia ter sido obtida com aquele determinado pronunciamento judicial.

Pode-se dizer que o interesse em recorrer é a força motriz que faz com que o indivíduo

que detém legitimação para recorrer interponha recurso (que deve ser cabível).

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Em sentido contrário, aquele que possui legitimação para recorrer não terá interesse

em fazê-lo se o pronunciamento judicial não lhe causar prejuízo e nem deixar de conferir a ele

tudo aquilo que poderia ter obtido.

Para definir e caracterizar o interesse em recorrer se deve, necessariamente, investigar

a utilidade e a necessidade do recurso para o recorrente: “utilidade da providência judicial

pleiteada, necessidade da via que se escolhe para obter essa providência”183.

O exame para se auferir a existência desse requisito de admissibilidade, portanto, dá-se

através da identificação do binômio utilidade-necessidade, pelo qual se tem que o recurso

adequado interposto pelo recorrente (parte, terceiro ou Ministério Público) é necessário, pois é

o único instrumento jurídico-processual (tanto no plano do processo quanto no plano fático da

celeuma levada ao Poder Judiciário) do qual o recorrente pode se socorrer a fim de obter uma

situação mais vantajosa do que aquela refletida pelo pronunciamento judicial recorrido.

Nesse sentido, Flávio Cheim Jorge:

“[...] o interesse em recorrer resulta da combinação da utilidade do recurso para o recorrente, que de seu julgamento pode esperar o alcance de uma situação mais vantajosa do ponto de vista prático, com a necessidade de se utilizar daquela específica via para se obter referido benefício.”184

3.3.3.1. UTILIDADE DO RECURSO

“O recurso deve servir para alguma coisa”185, o recorrente deve interpor o recurso

com o objetivo declarado de obter uma situação mais vantajosa ou menos gravosa do que

aquela na qual se encontra em razão do pronunciamento judicial recorrido.

O recurso interposto deve ser útil ao recorrente, ou seja, apto a lhe gerar uma situação

qualitativamente melhor.

Um recurso só será útil àquele legitimado a interpô-lo se o recorrente identificar no

pronunciamento judicial que pretende ver reformado (ou aclarado) uma situação que lhe for

desfavorável – essa fórmula é aplicável a todos aqueles com legitimação para recorrer.

O recurso pode ter utilidade para a parte em diversas hipóteses, não exaustivas: (i)

extinção liminar da ação que propôs; (ii) indeferimento de um pedido seu; (iii) deferimento de

183 BARBOSA MOREIRA, 2003, p. 297. 184 JORGE, 2015, p. 2220. 185 ASSIS, 2015, p. 175.

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um pedido, da parte contrária, em seu desfavor; (iv) deferimento parcial de um pedido seu; (v)

acolhimento de um pedido subsidiário em detrimento de um pedido principal; (vi) não

recebimento de um recurso interposto; (vii) deferimento de pedido de terceiro.

Ainda com relação às partes, destaca-se que o artigo 996 do novo Código de Processo

Civil apresenta apenas uma situação na qual a parte terá interesse em recorrer, qual seja, na

hipótese de a parte ser “vencida” no processo.

Destaca-se que essa expressão “parte vencida” nem sequer deveria ter sido utilizada

na redação do novo Codex: a uma, pois ela é insuficiente para caracterizar o interesse em

recorrer da parte; e, a duas, porque se tem o princípio da cooperação (ou colaboração) como

um de seus pilares fundamentais, positivado em seu artigo 6º186 – a expressão “parte vencida”

está relacionada, inevitavelmente, aos conceitos de disputa, briga, luta, guerra, conceitos estes

que o moderno modelo constitucional do processo quer afastar de si187.

O recurso terá utilidade ao terceiro quando um pronunciamento judicial de um

processo do qual ele não faz parte (e, exatamente por isso, é que ele se constitui como

terceiro) atingir sua esfera jurídica, modificando, extinguindo ou limitando um direito ou o

exercício de um direito seu.

O terceiro que pode ser prejudicado por um pronunciamento judicial tem legitimação

para recorrer, já o terceiro prejudicado (art. 996, caput, CPC/2015) tem legitimação para

recorrer e interesse em recorrer.

O Ministério Público, na qualidade de custos legis, e o amicus curiae – apenas e tão

somente nas hipóteses nas quais ele tem legitimação para recorrer – encontrarão utilidade no

recurso sempre que o pronunciamento judicial estiver em sentido contrário à tese fática ou

jurídica sustentada por esses agentes que, na posição que ocupam no processo – como fiscal

da lei e amigo da corte –, atuam em benefício do interesse público e, por essa razão, podem

defendê-lo.

186 Art. 6o. Todos os sujeitos do processo devem cooperar entre si para que se obtenha, em tempo razoável, decisão de mérito justa e efetiva. 187 Em comentário ao supracitado artigo 6º do CPC/2015, Paulo Cezar Pinheiro Carneiro, no mesmo sentido, estabelece que “o regime democrático exige a participação em cooperação de todos aqueles que possam ser afetados pelo exercício de determinado poder do Estado, que só assim poderá ser considerado como legítimo” e, assim, “nos processos jurisdicionais, a cooperação é verificada com a participação das partes e terceiros que devem construir, juntamente com o juiz, a decisão” (CARNEIRO, P., 2015, p. 70). Também nesse sentido, mas em crítica ao art. 499 do CPC/1973, Araken de Assis estabeleceu que “a fórmula ‘parte vencida’, em si, soa antiquada, relembrando uma concepção já superada de processo, qual duelo ou jogo entre as partes, quando hoje se busca a colaboração das partes com o órgão judiciário para obter provimento justo” (ASSIS, 2015, p. 176).

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Em razão do fato de se identificar a utilidade do recurso nas diversas hipóteses

demonstradas neste subcapítulo, repudia-se qualquer tentativa de se limitar a utilidade do

recurso no caso da parte ser “vencida”, como já adiantado; e também se repudia qualquer

tentativa de se associar a utilidade do recurso e o interesse em recorrer à expressão

“sucumbência”, pois tal termo também é insuficiente para englobar todas as hipóteses nas

quais se verifica o interesse em recorrer, além de ser aplicável apenas às partes.

Finalmente, na esteira da lição de Barbosa Moreira188, tem-se que a utilidade, como

um dos critérios para a identificação do interesse em recorrer, deve ser sempre analisada sob

uma óptica prospectiva, sob a perspectiva da utilidade do novo pronunciamento judicial que

será proferido em razão do reexame da matéria provocado pelo recurso, e não sob uma óptica

retrospectiva, pela qual se daria ênfase ao que foi decidido.

O recurso terá utilidade para aquele legitimado que pretende recorrer sempre que ele

estiver numa situação desfavorável ou de prejuízo e a interposição do recurso puder alterar

essa situação para uma mais favorável ao recorrer através da reforma da parte dispositiva do

pronunciamento judicial.

O provimento judicial pretendido com a interposição do recurso, portanto, também

deve ser útil: deve ser suficiente para conferir ao recorrente uma situação qualitativamente

melhor (eliminando ou diminuindo um prejuízo, ou conferindo mais do que aquilo obtido

através do pronunciamento recorrido).

Teresa Arruda Alvim Wambier também destaca que

“quando se fala em interesse de recorrer, do ponto de vista da ótica prospectiva, ou seja, a que se liga à perspectiva da obtenção de uma decisão mais vantajosa, é-se levado a pensar numa noção de interesse que tenha sentido tanto com relação à parte recorrente, quanto no que diz com o Ministério Público e com o terceiro prejudicado.”189

Imperioso concluir, portanto, que a análise da utilidade do recurso e do

pronunciamento judicial que se almeja com sua interposição, no âmbito do interesse em

recorrer, sob a óptica prospectiva, como sugerido pelos importantes autores supracitados,

também se revela adequada sob à égide do sistema recursal instituído pelo novo Código de

Processo Civil.

188 BARBOSA MOREIRA, 2003, p. 298. 189 WAMBIER, T., 2000, p. 157.

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3.3.3.2. NECESSIDADE DO RECURSO

Como já se adiantou, a análise do interesse em recorrer passa pela verificação da

existência, no caso concreto, do binômio utilidade-necessidade do recurso.

Além da utilidade do recurso e, consequentemente, do pronunciamento judicial a ser

obtido através do julgamento de mérito do recurso interposto, para se verificar a existência do

interesse em recorrer, faz-se mister analisar, também, a necessidade prática do recurso para o

recorrente buscar uma situação mais vantajosa.

Como o próprio nome sugere, para identificação dessa característica do recurso, basta

que se analise se o recurso que será interposto pelo recorrente é, de fato, na prática, necessário

para que ele busque uma situação mais vantajosa – essa regra é válida sob a vigência do

código de 1973 e continuará a ser a partir da vigência do novo Código de Processo Civil.

Não há fórmula mágica para verificar se o recurso é ou não necessário.

No momento de sua interposição, o recorrente deverá avaliar se ele pode ou não obter

a situação mais vantajosa que almejará com o instrumento processual de outra forma que não

com a interposição do recurso: se a resposta a esse questionamento for positiva, o recurso será

desnecessário e, fatalmente, o recorrente não terá interesse em recorrer no caso concreto.

Nelson Nery Junior e Rosa Maria de Andrade Nery, ainda sobre o artigo 499 do

código de 1973, são categóricos ao afirmar que “se a parte puder obter o benefício por outro

meio que não o recurso, não terá interesse em recorrer”190. Isso ocorre justamente porque,

nesse caso, não será identificada a necessidade do recurso.

Esse critério de identificação da necessidade do recurso é válido e aplicável a todos

aqueles com legitimação para recorrer, independentemente da utilidade que o recurso tenha a

eles.

Um exemplo notório de recurso cabível, útil, mas desnecessário, seria um recurso

manejado pelo recorrido em um processo para impugnar a decisão que recebeu determinado

recurso e designou sua intimação para contrarrazões mesmo diante da flagrante inexistência

de um dos requisitos de admissibilidade recursal: para escancarar a falta de um requisito de

admissibilidade recursal, basta que o recorrido o faça em preliminar nas suas contrarrazões, de

modo que um recurso para esse fim, nesse caso, ser-lhe-ia desnecessário.

190 NERY JUNIOR, N.; NERY, R., 2014, p. 1019.

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De igual modo, para a personagem da relação jurídico-processual que tem seu

provimento acolhido por um fundamento e não por outro, que restou afastado ou não pela

decisão, é desnecessário interpor recurso para o acolhimento do fundamento afastado pelo

pronunciamento judicial impugnado pela parte ex adversa, uma vez que, caso o tribunal ad

quem resolva afastar o fundamento acolhido no órgão julgador a quo, ele terá que reexaminar

todos os fundamentos suscitados originalmente, sem a necessidade de um recurso para tanto.

Uma questão que pode gerar dúvidas e que está relacionada à necessidade do recurso

quando da análise do interesse em recorrer, é aquela acerca da necessidade do recurso para

impugnar pronunciamentos judiciais inexistentes ou afetados por nulidade absoluta191.

Em um primeiro momento, a interposição de um recurso para impugnar

pronunciamentos judiciais inexistentes ou contaminados com alguma nulidade absoluta seria

desnecessária, pois esses vícios podem ser alegados a qualquer tempo e grau de jurisdição,

por simples petição, não sendo afetados pela preclusão.

Ocorre que, enquanto a inexistência ou a nulidade absoluta de determinado

pronunciamento judicial não for declarada, este continuará a produzir efeitos sob a esfera

jurídica dos direitos e obrigações das partes da relação jurídico-processual, de modo que a

necessidade do recurso e o próprio interesse em recorrer subsistem.

Nessas hipóteses, “o interesse em recorrer advém da necessidade de o vencido

subtrair-se aos efeitos do pronunciamento viciado”192.

Enquanto o pronunciamento judicial viciado produzir efeitos, haverá interesse em

recorrer pela parte legitimada a tal. Pouco importa, nessas hipóteses, a existência de outros

instrumentos processuais para obter essa situação mais vantajosa, como uma simples petição

(se antes do trânsito em julgado), a ação rescisória (disciplinada a partir do artigo 966 no

CPC/2015) ou da ação declaratória de inexistência (querela nullitatis).

191 Não há dúvidas com relação à existência de eventual necessidade do recurso para impugnar pronunciamentos judiciais contaminados por uma nulidade relativa, vez que passíveis de preclusão (art. 278, CPC/2015 – as regras gerais sobre as nulidades estão insculpidas nos artigos 276 a 283 do CPC/2015). Deve-se lembrar, no entanto, que o agravo de instrumento teve hipóteses de cabimento restringidas pelo novo CPC, de modo que, como regra, a impugnação do pronunciamento judicial sobre uma questão referente à nulidade relativa deverá ser realizada através de preliminar do recurso de apelação. 192 ASSIS, 2015, p. 185.

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3.3.4. Inexistência de fato impeditivo ou extintivo do direito de recorrer

O último requisito de admissibilidade recursal intrínseco é a inexistência de fato

impeditivo ou extintivo do direito de recorrer.

Trata-se de um requisito “negativo”, ou seja, que não deve ser identificado no recurso

interposto a fim de que o seu mérito possa ser analisado e julgado.

De acordo com Fredie Didier Junior e José Carneiro da Cunha, são “fatos que não

podem ocorrer para que o recurso seja admissível”193.

Há previsão ex lege de fatos extintivos ou impeditivos do direito de recurso daquele

legitimado e interessado em fazê-lo – pretéritos ou posteriores à interposição do recurso – que

lhe retiram a aptidão para ter o seu mérito julgado e que, subsequentemente e em

consequência, geram a estabilização do pronunciamento judicial recorrido (acarretam o

trânsito em julgado do pronunciamento judicial).

Analisa-se, pois, os fatos impeditivos e extintivos do direito de recorrer estabelecidos

pelo novo Código de Processo Civil.

3.3.4.1. DESISTÊNCIA DO RECURSO

De acordo com o caput do artigo 998 do novo Código de Processo Civil, “o recorrente

poderá, a qualquer tempo, sem a anuência do recorrido ou dos litisconsortes, desistir do

recurso”.

Trata-se de fato impeditivo do direito de recorrer que, obviamente, apenas poderá ser

praticado pelo recorrente após a interposição do recurso, uma vez que não se pode desistir de

algo que não existe.

Num conceito que engloba todos os ângulos pelos quais se deve analisar a matéria, a

desistência do recurso consiste em declaração unilateral e inequívoca por parte do recorrente,

por simples petição (ou oralmente, de imediato antes do início do julgamento do recurso),

pela qual ele afirma desistir do recurso interposto – manifesta que, a despeito de sua

interposição, não deseja que ele seja julgado, mas sim que tenha seu processamento

interrompido no mesmo instante – a qualquer tempo, da sua interposição até o momento

193 DIDIER JUNIOR; CUNHA, 2009, p. 52.

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imediatamente antes do início de seu julgamento, e independentemente da anuência da parte

contrária ou dos litisconsortes.

A desistência do recurso, por não ter forma prescrita em lei, pode ser praticada, como

mencionado, por simples petição escrita, sem nenhuma formalidade específica, ou por via

oral, imediatamente antes do início do julgamento do recurso interposto, ou seja, na sessão de

julgamento designada para esse fim.

A desistência do recurso só pode ser praticada pelo próprio recorrente ou por

advogado regularmente constituído nos autos e com poderes específicos para desistir de

recurso (art. 105, caput, CPC/2015).

Além disso, com a extinção dos recursos que poderiam ficar retidos nos órgãos

julgadores de origem (agravo retido e recursos especial e extraordinário retidos), a partir da

vigência do novo Código de Processo Civil, só haverá a possibilidade de desistência do

recurso de forma expressa, e nunca tácita (a qual se dava pela não reiteração do recurso retido

na oportunidade adequada definida em lei).

Ao manifestar a desistência do recurso, o recorrente acaba por revogar a sua

interposição: a desistência do recurso “vale pela revogação da interposição”194.

Tal desistência pode ser total ou parcial.

É lícito ao recorrente, pois, desistir parcialmente do seu recurso se ele versar sobre

mais de uma matéria cumulada na origem. Exemplificativamente, o recorrente que interpôs

recurso com o objetivo de reformar uma sentença para obter acolhimento de pedido de

indenização por dano material e de pedido de indenização por dano moral pode desistir

apenas do pedido de reforma com relação à indenização por danos morais pretendida, que

restará impossibilitada de ser conhecida pelo órgão julgador ad quem, de modo que o recurso

prosseguirá apenas para a apreciação do mérito com relação ao pedido de reforma referente ao

pleito de indenização por danos materiais.

A desistência do recurso causa, imediatamente, a sua inadmissibilidade, ou ao menos

de parte dele, à luz do caput do artigo 200 do novo Código de Processo Civil195, e, por isso,

não admite retratação. Vale dizer que, se não houver outros recursos no caso, a desistência do

recurso causa imediatamente o trânsito em julgado do pronunciamento judicial recorrido. 194 BARBOSA MOREIRA, 2003, p. 330. No mesmo sentido, cf. Gilson Delgado Miranda (2008, p. 1732). 195 A condicionante constante no parágrafo único do art. 200, CPC/2015, é aplicável, restritivamente, à desistência da ação, e não à desistência do recurso. Confira-se o artigo 200: Art. 200. Os atos das partes consistentes em declarações unilaterais ou bilaterais de vontade produzem imediatamente a constituição, modificação ou extinção de direitos processuais. Parágrafo único. A desistência da ação só produzirá efeitos após homologação judicial.

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Isso dito, tem-se que a desistência do recurso pelo recorrente não afeta, em nenhuma

extensão, o recurso autônomo eventualmente interposto pela parte contrária (no caso de

sucumbência recíproca), por um dos outros litisconsortes, pelo terceiro prejudicado, pelo

Ministério Público ou pelo amicus curiae (nos casos em que puder recorrer, obviamente).

No entanto, caso haja recurso interposto em sua forma adesiva196 no caso concreto, a

desistência do recurso principal causa o não conhecimento do recurso adesivo, nos termos do

inciso III do parágrafo 2º do artigo 997 do novo Código, pelo qual o recurso adesivo “não

será conhecido, se houver desistência do recurso principal”.

O oposto, no entanto, não é verdade: a desistência do recurso adesivo não gera

nenhum efeito sobre o recurso principal.

No caso de litisconsórcio no polo da demanda do recorrente, deve-se fazer algumas

considerações, tendo em vista a regra do artigo 1.005 do Código de 2015 (que mantém a regra

do art. 509 do CPC/1973): de acordo com esse dispositivo legal, “o recurso interposto por um

dos litisconsortes a todos aproveita, salvo se distintos ou opostos os seus interesses”.

Como já adiantado, na pluralidade de recursos interpostos pelos litisconsortes, a

desistência de um deles não afeta os demais. No entanto, no caso de pluralidade de recursos

por litisconsortes que se encontrem em situação de litisconsórcio unitário (art. 116,

CPC/2015197), a desistência do recurso por um deles não surtirá efeitos para o recorrente que

desistiu do seu recurso, pois, em razão da natureza da relação jurídica na qual está inserida, o

ordenamento jurídico não admite solução jurídica diversa com relação aos litisconsortes, de

modo que, mesmo desistindo do seu recurso, não haverá estabilização do pronunciamento

judicial recorrido com relação a ele e o desistente continuará sujeito ao resultado dos recursos

interpostos pelos litisconsortes.

De outro lado, se apenas um dos litisconsortes recorre, mesmo em um cenário de

litisconsórcio unitário, ele pode desistir do recurso independentemente da anuência dos

demais litisconsortes. Prestigia-se, nessa hipótese, a manifestação da vontade original de cada

litisconsorte: enquanto um restou inconformado e interpôs recurso, os demais se conformaram

com o pronunciamento judicial recorrido e, quando tiveram a oportunidade, não recorreram,

razão pela qual não podem se insurgir contra a desistência do recurso perpetrada pelo

196 O recurso adesivo está previsto nos parágrafos 1º e 2º do art. 997, CPC/2015 e será tratado mais adiante, neste capítulo. 197 Art. 116. O litisconsórcio será unitário quando, pela natureza da relação jurídica, o juiz tiver de decidir o mérito de modo uniforme para todos os litisconsortes.

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recorrente – há plena contemplação da autonomia recursal insculpida no caput do artigo 997

do novo Código de Processo Civil.

É exatamente nesse sentido a anotação de Ricardo de Carvalho Aprigliano ao artigo

998 do CPC/2015:

“Contudo, se um litisconsorte (o fiador, por exemplo) não recorre contra a sentença condenatória, mas se beneficia do recurso interposto pelo outro litisconsorte (o devedor principal), fato é que o seu comportamento inicial – conformar-se com a decisão – deve ser levado em consideração. Aliada esta circunstância à previsão de autonomia entre os recursos, conclui-se que os demais litisconsortes não poderão se insurgir contra a desistência do recurso, nem tampouco deverá o tribunal julgá-lo apenas para satisfazer interesses dos litisconsortes que não recorreram.”198

Finalmente, o novo Código de Processo Civil acrescenta uma novidade importante

com relação à desistência do recurso, tratada pelo parágrafo único do artigo 998, ipsis litteris:

Parágrafo único. A desistência do recurso não impede a análise de questão cuja repercussão geral já tenha sido reconhecida e daquela objeto de julgamento de recursos extraordinários ou especiais repetitivos.

Essa regra será incluída no ordenamento jurídico pátrio, a partir da vigência do novo

Codex, justamente para evitar um entendimento jurisprudencial atual199, no sentido de que

não se poderia desistir de recurso especial ou extraordinário afetado pelo regime dos recursos

repetitivos ou pelo regime da repercussão geral, respectivamente.

Com a nova regra estabelecida em lei, dada pela vigência do novo Código de Processo

Civil, ficará preservado o direito de desistir do recurso do recorrente, mesmo quando seu

recurso especial ou extraordinário estiver afetado pelo regime dos recursos repetitivos ou pelo

regime da repercussão geral, respectivamente.

De igual modo, ficará preservado o interesse público inerente aos recursos afetados

por esses regimes, permitindo que os tribunais superiores discutam e decidam acerca da tese

jurídica objeto daqueles recursos, sem que, no entanto, a tese jurídica fixada seja aplicada

àquele caso concreto no qual se desistiu do recurso, sendo aplicável apenas àqueles casos que

tenham controvérsia idêntica.

Nesse sentido, confira-se a anotação de Cassio Scarpinella Bueno a esse dispositivo do

novo Código:

198 APRIGLIANO, 2015, p. 1550. 199 QO no REsp nº 1.063.343/RS, Min. Rel. Nancy Andrighi, Corte Especial, STJ. DJe em 04.06.2009.

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“A melhor interpretação para a nova regra é a de que a questão jurídica derivada do recurso poderá ser julgada, a despeito da desistência; não o recurso do qual se desistiu, cujo processo terá sorte apartada daquele outro julgamento, ocasionando que a decisão recorrida, eventualmente – se for este o caso –, transite materialmente em julgado.”200

3.3.4.2. RENÚNCIA AO DIREITO DE RECORRER

A renúncia ao direito de recorrer é um fato extintivo do direito de recorrer que,

diferentemente da desistência, deve ocorrer em momento anterior à interposição do recuso.

Pela renúncia – prevista no artigo 999 do código de 2015201 –, aquele com legitimação

para recorrer abdica do seu direito de recorrer, manifesta seu desejo de não recorrer do

pronunciamento judicial proferido.

Assim como a desistência, a renúncia ao direito de recorrer é um ato unilateral e que

independe de aceitação de qualquer outra personagem da relação jurídico-processual; deve ser

manifestada de forma expressa, por simples petição ou oralmente (não há forma prescrita em

lei), pela parte ou por procurador regularmente constituído e com poderes específicos para

praticar esse ato.

Muito embora o caput do artigo 105 do Código de Processo Civil de 2015 estabeleça

que é necessário poderes específicos apenas para “renunciar ao direito sobre o qual se funda

a ação” – que não se confunde com a renúncia ao direito de recorrer –, a interpretação

sistemática da norma legal impede aceitar que seja necessário poderes específicos para

desistir do recurso (nesse dispositivo legal, a expressão “desistir” é apresentada sem

especificação, de modo que, para qualquer desistência feita pelo advogado no processo, é

necessário, para tanto, poder específico em mandato), mas não para renunciar: entende-se que

a regra do artigo 105 do novo Código é no sentido de que o advogado necessita de poderes

específicos para praticar, pela parte, todo e qualquer ato voluntário que resulte no trânsito em

julgado de pronunciamento judicial ou em sua irrecorribilidade.

A renúncia ao direito de recorrer deve ser inequívoca, à margem de qualquer dúvida, e

praticada no interregno de tempo entre a prolação do pronunciamento judicial ao qual se

200 BUENO, 2015, p. 640. 201 Art. 999. A renúncia ao direito de recorrer independe da aceitação da outra parte.

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pretende recorrer e o último dia do prazo para a interposição do recurso ou à própria

interposição do recurso.

Afinal, “assim como não se desiste de recurso ainda não interposto, tampouco se

renuncia a recurso ainda não interponível”202.

Só seria aceitável a renúncia ao direito de recorrer antes da existência do

pronunciamento judicial recorrível se, no ato da renúncia, o renunciante pudesse prever e

renunciar expressamente ao seu direito de recurso com relação a todas as hipóteses possíveis e

imagináveis de pronunciamentos judiciais a serem proferidos pelo órgão julgador, o que,

diga-se, é tarefa virtualmente impossível, porque o renunciante teria que prever, inclusive, a

possibilidade de pronunciamentos judiciais flagrantemente errados, inconstitucionais, ilegais

et cetera.

Uma vez renunciado ao direito de recorrer por aquele com legitimação para tal, a

decisão tornar-se-á irrecorrível para ele, independentemente de homologação judicial (art.

200, CPC/2015), e esse fato não atingirá o direito de recorrer de nenhum outro legitimado e

interessado para tanto, tendo em vista que, como já visto anteriormente, o direito de recurso

das partes (inclusive litisconsortes), terceiro prejudicado, Ministério Público e amicus curiae é

autônomo e independente.

No caso de litisconsórcio unitário, se houver recurso de um dos litisconsortes, entende-

se que aquele que renunciou ao seu direito de recorrer – e, portanto, não recorreu – também

será afetado pelos efeitos da decisão do recurso interposto em razão da natureza da relação na

qual está inserido, nos mesmos moldes do que ocorre quando mais de um litisconsorte em

litisconsórcio unitário recorre e apenas um deles desiste do recurso.

Se o renunciante vier a recorrer após a renúncia ao direito de recorrer, esse recurso não

deverá ser admitido devido à identificação de um fato extintivo do direito de recorrer,

requisito de admissibilidade intrínseco negativo. Ainda, se houver a interposição de recurso

adesivo a esse recurso manifestamente inadmissível, obviamente, o recurso adesivo também

não será admitido.

202 BARBOSA MOREIRA, 2003, p. 340.

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3.3.4.3. ACEITAÇÃO DO PRONUNCIAMENTO JUDICIAL

A aceitação do pronunciamento judicial corresponde ao instituto da aquiescência

consagrado pela doutrina e está estabelecida no novo Codex em seu artigo 1.000203:

Art. 1.000. A parte que aceitar expressa ou tacitamente a decisão não poderá recorrer. Parágrafo único. Considera-se aceitação tácita a prática, sem nenhuma reserva, de ato incompatível com a vontade de recorrer.

Ela “consiste na aceitação tácita ou expressa, mas sempre espontânea, no todo ou em

parte, do ato decisório”204.

Trata-se de fato extintivo do direito de recorrer pelo qual aquele legitimado a recorrer

do pronunciamento judicial prolatado pratica ato de concordância com o mandamento do

pronunciamento judicial recorrível, de modo que, consequentemente, este passa a ser

irrecorrível: “pode consistir na aceitação expressa ou tácita da decisão, normalmente

expressada pelo cumprimento desta”205.

A aceitação será expressa quando aquele com legitimação para recorrer declarar,

expressamente nos autos (por via escrita ou oral, pois também não tem forma prescrita em

lei), pela parte ou advogado com poderes específicos para esse fim, que concorda, aceita,

aquiesce com mandamus do pronunciamento judicial que poderia ser objeto de recurso.

De outro lado, a aceitação será tácita quando o aquiescente praticar um ato

incompatível com a vontade de recorrer, sem se reservar o direito de recorrer, justificando o

porquê da prática daquele ato (art. 1.000, § único, CPC/2015). Ocorre, por exemplo, quando

aquele condenado a pagar determinada quantia a título de indenização, pura e simplesmente o

faz.

O cumprimento espontâneo do pronunciamento judicial, sem nenhuma reserva e antes

de sua exequibilidade é, sem dúvida, ato incompatível com a vontade de recorrer.

Vale destacar que o cumprimento de uma decisão pelo recorrente – pois o recurso

interposto não é dotado de efeito suspensivo, ou porque a decisão já é definitiva e exequível –

não caracteriza aceitação do pronunciamento judicial recorrido: trata-se de mero

203 Destaca-se que, no trecho em que se lê “decisão” no dispositivo legal, deve-se ler “qualquer pronunciamento judicial recorrível”. 204 ASSIS, 2015, p. 195. 205 WAMBIER, T. et al., 2015b, p. 1431.

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“comportamento conforme ao direito”206 e não interfere, em nenhuma esfera, no direito de

recorrer na primeira hipótese.

A inadmissibilidade do recurso, no caso de se identificar a aceitação do

pronunciamento judicial daquele que poderia recorrer, é consequência do ato praticado, uma

vez que não diz respeito, diretamente, ao direito de recurso, diferentemente da desistência e da

renúncia, vistos acima.

Assim como a renúncia, a aceitação do pronunciamento judicial pode ser realizada a

partir da data da prolação da decisão (afinal, até a interposição de recurso) ou até o último dia

do prazo recursal e, também, independe da concordância de qualquer outra personagem

processual – trata-se de ato unilateral – e de homologação judicial.

Além disso, pode ser total ou parcial, à semelhança do que já explicado quando da

análise da desistência do recurso: exempli gratia, é lícito àquele legitimado a recorrer cumprir

um capítulo da sentença e recorrer de outro.

Diferentemente de Araken de Assis, que defende que “a faculdade de anuir compete a

todos os legitimados para recorrer do pronunciamento”207, à luz do que foi exposto

anteriormente acerca da legitimação para recorrer e do interesse em recorrer, parece mais

preciso estabelecer que podem assentir com o pronunciamento judicial prolatado todos

aqueles que têm interesse em recorrer, e não somente legitimidade para tanto.

Isso porque, o interesse em recorrer surge justamente a partir da situação de prejuízo

que o pronunciamento judicial submete aquele com legitimação para recorrer, e é justamente

com essa situação de prejuízo que o interessado em recorrer terá que se conformar e

concordar, seja de forma expressa, seja praticando algum ato incompatível com o desejo de

recorrer.

Não basta, portanto, que alguém (parte, terceiro, Ministério Público, amicus curiae)

detenha legitimação para recorrer, é necessário que esse alguém, além da legitimação, esteja

interessado em recorrer para que possa aceitar o pronunciamento judicial.

No mais, mutatis mutandis, aplicam-se à aceitação do pronunciamento judicial as

mesmas conclusões acima estabelecidas para a renúncia ao direito de recorrer com relação à

existência de litisconsortes e com relação ao recurso adesivo, no caso de interposição de

recurso mesmo após a prática de um ato incompatível com o desejo de recorrer.

206 ASSIS, 2015, p. 196. 207 Ibidem, p.196.

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103

3.3.4.4. AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO NA ORIGEM DE INTERPOSIÇÃO DE AGRAVO DE INSTRUMENTO,

DESDE QUE ARGUIDO E PROVADO PELO AGRAVADO

O legislador infraconstitucional, de forma pouco evidente, optou por manter, no novo

Código de Processo Civil, o fato impeditivo do direito de interpor agravo de instrumento,

presente no artigo 526 do Código de 1973.

Confira-se o artigo 1.018, do Código de 2015, comparado ao artigo correspondente no

Código de 1973:

Quadro 3 - Comparativo CPCs (Fato impeditivo do direito de interpor agravo de instrumento)

Novo CPC, de 2015 CPC atual, de 1973

Art. 1.018. O agravante poderá requerer a

juntada, aos autos do processo, de cópia da

petição do agravo de instrumento, do

comprovante de sua interposição e da relação dos

documentos que instruíram o recurso.

§ 1º Se o juiz comunicar que reformou

inteiramente a decisão, o relator considerará

prejudicado o agravo de instrumento.

§ 2º Não sendo eletrônicos os autos, o agravante

tomará a providência prevista no caput, no prazo

de 3 (três) dias a contar da interposição do

agravo de instrumento.

§ 3º O descumprimento da exigência de que trata

o § 2º, desde que arguido e provado pelo

agravado, importa inadmissibilidade do agravo

de instrumento.

Art. 526. O agravante, no prazo de 3 (três) dias,

requererá juntada, aos autos do processo, de cópia

da petição do agravo de instrumento e do

comprovante de sua interposição, assim como a

relação dos documentos que instruíram o recurso.

Parágrafo único. O não cumprimento do disposto

neste artigo, desde que argüido e provado pelo

agravado, importa inadmissibilidade do

agravo.

Fonte: Autoria própria.

Pelo artigo 526 do Código vigente, após a interposição de agravo de instrumento, o

recorrente tem o prazo de três dias para noticiar a interposição do recurso na origem através

de petição escrita instruída com cópia da petição do agravo de instrumento (interposição e

razões recursais), comprovante de interposição (comprovante de protocolo do recurso perante

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o tribunal ad quem) e com a relação dos documentos que instruíram o recurso (lista com a

identificação dos documentos que acompanharam o agravo de instrumento).

Se o agravante não o fizer e o agravado arguir e comprovar em sua resposta ao agravo

de instrumento que o agravante não cumpriu com esse ônus que a lei lhe impõe em razão da

interposição do agravo de instrumento, o recurso será inadmissível.

De maneira totalmente inadequada, esse fato impeditivo do direito de interpor agravo

de instrumento foi, de certa forma, mantido no novo Código de Processo Civil, como se

depreende da leitura do artigo 1.018 reproduzido no quadro acima.

De acordo com parágrafo segundo do novo artigo 1.018, em “não sendo eletrônicos os

autos”, o recorrente continuará obrigado a noticiar nos autos de origem a interposição de

agravo de instrumento através de petição escrita instruída com cópia da petição do agravo de

instrumento, comprovante de interposição e relação dos documentos que o instruíram.

Se o recorrente não o fizer, o agravo de instrumento será inadmissível caso o recorrido

argua e comprove o não cumprimento desse ônus por parte do primeiro (art. 1.018, § 3º,

CPC/2015).

No entanto, a verdade é que essa norma deveria ter sido expelida do ordenamento

jurídico-processual que será inaugurado pelo Código de Processo Civil de 2015, pelos

motivos ora listados.

A uma, porque, da forma como prevista, ela é inconstitucional.

Há flagrante incompatibilidade entre o parágrafo segundo do artigo 1.018 e o princípio

da igualdade (art. 5º, caput, CF/1988), pois o novo Código estabelece um fato impeditivo do

direito de recorrer do agravo de instrumento apenas no caso de “não serem eletrônicos os

autos”, de modo que não há obrigatoriedade de noticiar a interposição de agravo de

instrumento se os autos do processo forem inteiramente eletrônicos.

Tratando-se de um requisito de admissibilidade recursal intrínseco, era defeso à lei

estabelecer sua existência apenas quando os autos do processo não forem eletrônicos.

Em outras palavras, em matéria de recursos e no âmbito dos requisitos de

admissibilidade recursal, o princípio da igualdade impõe – a todos os jurisdicionados – que

um mesmo recurso tenha sempre os mesmos requisitos de admissibilidade recursal para que

possa ser interposto, independentemente de ser por via física ou eletrônica.

Além disso, não é razoável que o recorrente que litiga em um processo cujos autos não

são eletrônicos tenha que suportar um ônus em decorrência de fato ao qual ele não deu causa;

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afinal, não são as partes do processo que decidem se ele será eletrônico ou não: trata-se de

questão ligada exclusivamente à organização judiciária.

A duas, pois essa norma vai de encontro com o parágrafo único do artigo 932 do

Código de 2015: no caso de não cumprimento desse requisito de admissibilidade e, em sendo

esse fato noticiado e comprovado pelo recorrido em suas contrarrazões, bastaria que o

recorrente fosse intimado a fazê-lo, no prazo de cinco dias, para que então seu recurso fosse

considerado inadmissível.

A três, em razão da contradição entre o caput e o parágrafo segundo do artigo 1.018 e

da péssima redação empregada pelo legislador infraconstitucional.

Num primeiro momento, no caput, está estabelecido que noticiar a interposição do

agravo de instrumento seria uma faculdade do recorrente (“o agravante poderá requerer a

juntada...”), sem nenhuma ressalva.

Num segundo momento, no parágrafo segundo, estabelece-se a faculdade prevista no

caput como um ônus, sob pena de não conhecimento do recurso (art. 1.018, § 3º, CPC/2015),

em “não sendo eletrônicos os autos”, criando diferenciação que era vetada, como exposto

acima.

Além disso, o legislador não teve nem sequer o cuidado de esclarecer em que caso

deve haver a comprovação da distribuição do agravo de instrumento nos autos de origem: se é

na hipótese dos autos de origem serem físicos, se é na hipótese de os autos do agravo de

instrumento serem físicos ou se é na hipótese de ambos os autos serem físicos (tanto os de

origem quanto os do agravo).

A quatro, porque esse ônus em nada beneficia os jurisdicionados e apenas impede,

quase que por motivo torpe, que o mérito do recurso seja apreciado pelo tribunal.

A verdade é uma só: a norma é confusa e dependerá de pacificação jurisprudencial

para ser aplicada com segurança, isso se não vier a ser declarada inconstitucional, como

defendido na presente dissertação.

Na dúvida, aconselha-se que o operador do Direito continue a evitar a existência desse

fato impeditivo do direito de interpor agravo de instrumento através da comprovação da sua

interposição na origem em todas as hipóteses.

Se era para manter esse ônus aos litigantes que pretendem interpor agravo de

instrumento – que em nada ajuda à busca pela Justiça, destaca-se –, era melhor que o

legislador infraconstitucional tivesse mantido inalterada a regra do atual artigo 526.

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106

3.3.4.5. AUSÊNCIA DE DEPÓSITO PRÉVIO DE MULTA COMINADA POR ABUSO DO DIREITO DE RECURSO

Não é novidade do novo Código de Processo Civil estabelecer a aplicação de multa ao

litigante que abusa do direito de recurso que lhe é conferido por lei e, nessa esteira,

condicionar a interposição dos recursos subsequentes ao depósito prévio dessa multa208, sob

pena de inadmissibilidade do recurso interposto, ainda que todos os outros requisitos de

admissibilidade estejam presentes.

Trata-se de multas previstas pelo diploma legislativo processual federal pátrio que

revelam o objetivo do legislador de inibir e coibir a interposição de recursos manifestamente

protelatórios, utilizados pelo recorrente apenas para retardar o andamento do processo, na

contramão do princípio da celeridade processual.

A ausência de depósito prévio de eventual multa cominada ao recorrente em razão do

abuso do direito de recurso é verdadeiro fato impeditivo do exercício desse direito e, por essa

razão, deve ser incluída no rol deste subcapítulo.

Assim, a interposição de agravo interno “manifestamente inadmissível ou

improcedente” pode ensejar a aplicação de multa ao agravante, “fixada entre um e cinco por

cento do valor atualizado da causa”, desde que o tribunal reconheça essa manifesta

inadmissibilidade ou improcedência de forma expressa, fundamentada e em votação unânime

(art. 1.021, § 4º, CPC/2015).

Uma vez cominada essa multa ao agravante, “a interposição de qualquer outro

recurso está condicionada ao depósito prévio do valor da multa [...], à exceção da Fazenda

Pública e do beneficiário de gratuidade da justiça, que farão o pagamento ao final” (art.

1.021, § 5º, CPC/2015).

De igual modo, “na reiteração de embargos de declaração manifestamente

protelatórios”, a multa fixada em razão do primeiro recurso manifestamente protelatório (art.

1.026, § 2º, CPC/2015) “será elevada a até dez por cento sobre o valor atualizado da causa, e

a interposição de qualquer recurso ficará condicionada ao depósito prévio do valor da multa,

à exceção da Fazenda Pública e do beneficiário de gratuidade da justiça, que a recolherão

ao final” (art. 1.026, § 3º, CPC/2015).

Qualquer um interessado em recorrer após ser condenado ao pagamento da multa do

parágrafo quarto do artigo 1.021 ou do parágrafo terceiro do artigo 1.026, ambos do novo 208 Arts. 538, parágrafo único, e 557, § 2º, CPC/1973.

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Código de Processo Civil, deverá depositar, previamente (leia-se, antes da interposição do

novo recurso), o valor fixado a esse título, a fim de poder interpor qualquer outro recurso, sob

pena de o novo recurso nem sequer ser conhecido.

A ausência de depósito prévio de multa cominada por abuso do direito de recurso,

portanto, torna o novo recurso interposto inadmissível.

Nesse sentido, mesmo com a iminente vigência do novo Código de Processo Civil,

parece que se mantém hígido o entendimento do Superior Tribunal de Justiça acerca da parte

final do parágrafo único do artigo 538 do código de 1973, no sentido de que “qualquer outro

recurso [...] deve ser interpretado restritivamente, alcançando apenas ‘qualquer outro

recurso’ da mesma cadeia recursal”, pois “a sanção prevista pela norma tem a evidente

finalidade de inibir a reiteração de recursos sucessivos sobre a questão já decidida no

processo”209.

Exemplificativamente, a ausência de depósito prévio de multa cominada por abuso do

direito de recurso não é fato impeditivo do direito de interpor apelação se a multa punitiva foi

cominada em sede de julgamento de agravo interno ou embargos de declaração decorrentes de

julgamento de agravo de instrumento.

Por fim, tem-se que as exceções, a quem a lei permitirá o pagamento ao final do

processo, são apenas e tão somente à Fazenda Pública e ao beneficiário de gratuidade da

justiça – trata-se de rol taxativo. Portanto, de um modo geral, salvo essas exceções, as partes,

os terceiros e o Ministério Público devem realizar o depósito prévio da multa, ora tratada, para

poder continuar a exercer o seu direito de recurso.

3.3.4.6. OPOSIÇÃO DE DOIS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO SEQUENCIAIS JULGADOS COMO

MANIFESTAMENTE PROTELATÓRIOS

No novo Código de Processo Civil, o legislador infraconstitucional federal revela

evidente opção política de coibir, de forma incisiva, a utilização de instrumentos processuais

recursais com fins protelatórios.

Nessa esteira, além das multas sancionadoras analisadas no item anterior, o Código de

2015 inova e apresenta um novo fato impeditivo do direito de recorrer, especificamente

aplicável aos embargos de declaração, conforme parágrafo quarto do artigo 1.026: 209 REsp nº 1.129.590/MS, Min. Rel. Teori Albino Zavascki, 1ª Turma, STJ. DJe em 25.10.2011.

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§ 4º Não serão admitidos novos embargos de declaração se os 2 (dois) anteriores

houverem sido considerados protelatórios.

Por essa nova regra, se dois embargos de declaração opostos sequencialmente em uma

mesma cadeia recursal (sem a interposição de nenhum outro recurso entre eles) forem

julgados como manifestamente protelatórios (o que deve ser feito expressa e

fundamentalmente pelo tribunal, cominando as multas previstas em lei), o embargante estará

impedido de opor novos embargos de declaração imediatamente após o julgamento do

segundo.

Trata-se de providência legislativa inovadora a fim de evitar a perpetuação da

discussão acerca de uma mesma matéria dentro do processo.

Caso se identifique, no caso concreto, o julgamento de dois embargos de declaração

opostos na sequência dentro de uma mesma cadeia recursal como manifestamente

protelatórios, se o embargante opuser um terceiro, ele não será conhecido tendo em vista que

será inadmissível ex lege.

Pelo princípio da taxatividade inerente às regras processuais recursais, nem sequer se

deve cogitar que essa regra poderia ser aplicada a algum outro recurso.

A partir da vigência do novo Codex, estar-se-á diante de um fato impeditivo do direito

de recorrer exclusivamente aplicável aos embargos de declaração. Pode-se cogitar, inclusive,

em chamá-lo de fato impeditivo do direito de opor embargos de declaração, requisito de

admissibilidade intrínseco negativo exclusivo desse recurso.

3.3.4.7. CONSIDERAÇÕES ACERCA DAS CHAMADAS “SÚMULAS IMPEDITIVAS DE RECURSO” DO

CÓDIGO DE 1973 E DA SISTEMÁTICA DO CÓDIGO DE 2015

Durante a vigência do código de 1973, evoluiu, ainda que de forma atabalhoada, a

política pública judiciária no sentido de se uniformizar os pronunciamentos judiciais dos

tribunais e de fazer com que os demais órgãos da organização judiciária e administrativa do

Estado brasileiro passassem a observar esses “precedentes”, essa “orientação jurisprudencial”,

em suas decisões, observadas suas áreas de atuação e competência.

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No que interessa a esta dissertação, dentro desse cenário acima destacado, vale

evidenciar a inclusão dos artigos 518, parágrafo 1º e 557, caput, ambos do código de 1973, os

quais trazem em seu texto as chamadas “súmulas impeditivas de recurso”.

Por esses dispositivos, atualmente, o relator pode negar seguimento a um recurso que

esteja em “confronto com súmula ou com jurisprudência dominante do respectivo tribunal, do

Supremo Tribunal Federal, ou de Tribunal Superior” (art. 557, caput, in fine, CPC/1973),

assim como o magistrado de primeiro grau pode não receber o recurso de apelação “quando a

sentença estiver em conformidade com súmula do Superior Tribunal de Justiça ou do

Supremo Tribunal Federal” (art. 518, § 1º, CPC/1973).

Trata-se, pois, de fatos impeditivos de recurso existentes sob a vigência do código de

1973.

O novo Código de Processo Civil, no entanto, extingue essas figuras sui generis.

O Código de 2015 avança de forma contundente na política pública judiciária de

uniformização dos pronunciamentos judiciais e na necessidade de observância desses

pronunciamentos judiciais uniformizados pelos demais órgãos da organização judiciária e da

administração pública.

Nessa esteira, destaca-se o caput do artigo 926 do novo Código, de acordo com o qual

“os tribunais devem uniformizar sua jurisprudência e mantê-la estável, íntegra e coerente”,

bem como a respectiva anotação a ele feita por Teresa Arruda Alvim Wambier, Maria Lúcia

Lins Conceição, Leonardo Ferres da Silva Ribeiro e Rogério Licastro Torres de Mello:

“Este dispositivo revela, de forma inequívoca, uma preocupação que esteve presente, como pano de fundo, em todos os momentos de elaboração do novo CPC. Esta preocupação diz respeito à extrema desuniformidade da jurisprudência brasileira, que ocorre mesmo em torno de temas extremamente relevantes, desuniformidade esta que compromete de maneira profunda e indesejável a previsibilidade e a segurança jurídica.”210

Assim, com essa preocupação em mente, o legislador infraconstitucional federal

tomou o cuidado de extinguir a figura da “súmula impeditiva de recurso” (e da

“jurisprudência dominante impeditiva de recurso”) existente no sistema processual vigente

como fato impeditivo do direito de recurso, para, acertadamente211, transformá-la (junto com

210 WAMBIER, T. et al., 2015b, p. 1313. 211 As “súmulas impeditivas de recurso” sempre foram alvo de críticas pela doutrina, por serem fatos impeditivos do direito de recorrer que exigem o exame da fundamentação do recurso em confronto com o que foi decidido pelos tribunais e em comparação ao dispositivo do pronunciamento judicial recorrido – há, nesses casos, óbvio exame de mérito do recurso. Araken de Assis, exemplo gratia, destaca que “a distinção entre o juízo de

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110

outros pronunciamentos decorrentes da uniformização jurisprudencial pretendida) em causa

de julgamento liminar do mérito recursal pelo relator.

Confira-se o teor do inciso IV do artigo 932 do CPC/2015:

Art. 932. Incumbe ao relator: [...] IV - negar provimento a recurso que for contrário a: a) súmula do Supremo Tribunal Federal, do Superior Tribunal de Justiça ou do próprio tribunal; b) acórdão proferido pelo Supremo Tribunal Federal ou pelo Superior Tribunal de Justiça em julgamento de recursos repetitivos; c) entendimento firmado em incidente de resolução de demandas repetitivas ou de assunção de competência.

Sob a óptica desse novo dever do relator dos processos em trâmite nos tribunais,

portanto, no caso de determinado recurso contrariar súmula dos tribunais superiores ou

entendimento dos tribunais superiores ou locais em julgamento de demandas repetitivas, o

recurso não será barrado quando do seu exame de admissibilidade, mas sim quando do

julgamento do seu mérito, momento no qual deverá ter provimento negado monocraticamente.

3.4. Requisitos extrínsecos

Os requisitos de admissibilidade recursal extrínsecos são aqueles diretamente

relacionados ao modo de exercer o direito de recurso.

Esses requisitos, ex lege obviamente, são as exigências formais que o recorrente tem

que cumprir para poder, de fato e na prática, interpor o recurso.

São eles, como já adiantado, a tempestividade, o recolhimento das custas de preparo e

a regularidade formal, que passam a ser analisados um a um.

admissibilidade e de mérito, em geral nítida, fica turvada perante a regra do art. 518, § 1º” (ASSIS, 2015, p. 201).

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3.4.1. Tempestividade

O mais importante dos requisitos de admissibilidade recursal a ser observado, dentre

todos – como restará demonstrado adiante –, é a tempestividade: a lei estabelece o prazo no

qual aquele legitimado e interessado em recorrer deve interpor o recurso.

Sobre a tempestividade dos recursos, destaca-se a anotação de Flávio Cheim Jorge:

“A previsão de determinado prazo para interposição dos recursos decorre de razões ligadas à segurança jurídica, impedindo que uma decisão seja revista a qualquer tempo. Fixando-se um prazo para a impugnação, as partes e os interessados sabem que, uma vez não interposto o recurso, a decisão não poderá mais ser alterada.”212

As regras gerais com relação ao prazo para interposição dos recursos estão

estabelecidas no artigo 1.003 do novo Código de Processo Civil:

Art. 1.003. O prazo para interposição de recurso conta-se da data em que os advogados, a sociedade de advogados, a Advocacia Pública, a Defensoria Pública ou o Ministério Público são intimados da decisão. § 1º Os sujeitos previstos no caput considerar-se-ão intimados em audiência quando nesta for proferida a decisão. § 2º Aplica-se o disposto no art. 231, incisos I a VI, ao prazo de interposição de recurso pelo réu contra decisão proferida anteriormente à citação. § 3º No prazo para interposição de recurso, a petição será protocolada em cartório ou conforme as normas de organização judiciária, ressalvado o disposto em regra especial. § 4º Para aferição da tempestividade do recurso remetido pelo correio, será considerada como data de interposição a data de postagem. § 5º Excetuados os embargos de declaração, o prazo para interpor os recursos e para responder-lhes é de 15 (quinze) dias. § 6º O recorrente comprovará a ocorrência de feriado local no ato de interposição do recurso.

O prazo para a interposição de qualquer um dos recursos tipificados no novo Código

de Processo Civil, com exceção dos embargos de declaração – cujo prazo para oposição é de

cinco dias (art. 1.023, caput e § 2º, CPC/2015), é de quinze dias úteis213, contados a partir do

primeiro dia útil subsequente à data da intimação (art. 224, CPC/2015214).

212 JORGE, 2015, p. 2227. 213 De acordo com a regra inovadora trazida pelo CPC/2015 em seu artigo 219, os prazos processuais (como os prazos para interposição dos recursos) serão contados apenas em dias úteis. Confira-se: Art. 219. Na contagem de prazo em dias, estabelecido por lei ou pelo juiz, computar-se-ão somente os dias úteis. Parágrafo único. O disposto neste artigo aplica-se somente aos prazos processuais. 214 Art. 224. Salvo disposição em contrário, os prazos serão contados excluindo o dia do começo e incluindo o dia do vencimento.

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A apelação, o agravo de instrumento, o agravo interno, o recurso ordinário, o recurso

especial, o recurso extraordinário, o agravo em recurso especial ou extraordinário e os

embargos de divergência, têm, todos eles, prazo de quinze dias úteis para sua interposição – o

novo Código de Processo Civil unificou os prazos recursais e extinguiu o prazo de dez dias

para a interposição de determinados recursos.

A intimação daqueles estabelecidos no caput do artigo 1.003 supracitado, que nada

mais são do que aqueles que detêm capacidade postulatória (com exceção da sociedade de

advogados, que se trata de uma inovação do CPC/2015), ou a ciência voluntária (hipótese na

qual o interessado, voluntariamente, comparece ao cartório e toma ciência, por escrito, nos

próprios autos do processo), é o gatilho que dispara o início da contagem do prazo para a

interposição do recurso.

A “intimação é o ato pelo qual se dá ciência a alguém dos atos e dos termos do

processo”, conforme definição legal do caput do artigo 269 do novo Código, e deve ser feita,

preferencialmente, por meio eletrônico (art. 270, CPC/2015), aqui considerado como a

publicação no Diário de Justiça Eletrônico ou no próprio processo eletrônico (arts. 4º e 5º,

respectivamente, da Lei nº 11.419/2006), a não ser, obviamente, que haja prolação do

pronunciamento judicial em audiência, momento no qual os envolvidos no processo já serão

intimados.

No caso de eventual recurso a ser interposto por réu para impugnar pronunciamento

judicial proferido antes da sua citação (de modo que ele ainda não terá constituído procurador

nos autos), o seu prazo recursal iniciar-se-á a partir de uma das hipóteses dos incisos I a VI do

artigo 231 do novo CPC215, que trata justamente do início da contagem dos prazos

processuais para os casos nos quais não há intimação pelo meio eletrônico.

§ 1º Os dias do começo e do vencimento do prazo serão protraídos para o primeiro dia útil seguinte, se coincidirem com dia em que o expediente forense for encerrado antes ou iniciado depois da hora normal ou houver indisponibilidade da comunicação eletrônica. § 2º Considera-se como data de publicação o primeiro dia útil seguinte ao da disponibilização da informação no Diário da Justiça eletrônico. § 3º A contagem do prazo terá início no primeiro dia útil que seguir ao da publicação. 215 Art. 231. Salvo disposição em sentido diverso, considera-se dia do começo do prazo: I - a data de juntada aos autos do aviso de recebimento, quando a citação ou a intimação for pelo correio; II - a data de juntada aos autos do mandado cumprido, quando a citação ou a intimação for por oficial de justiça; III - a data de ocorrência da citação ou da intimação, quando ela se der por ato do escrivão ou do chefe de secretaria; IV - o dia útil seguinte ao fim da dilação assinada pelo juiz, quando a citação ou a intimação for por edital; V - o dia útil seguinte à consulta ao teor da citação ou da intimação ou ao término do prazo para que a consulta se dê, quando a citação ou a intimação for eletrônica;

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Faz-se mister ressaltar que, na hipótese do parágrafo anterior, no caso de litisconsórcio

passivo, a intimação de cada réu do pronunciamento judicial a ser impugnado deflagra

contagem de prazo individual para cada um deles, na medida em que forem sendo intimados,

conforme interpretação do parágrafo segundo do artigo 231 do novo Código de Processo

Civil, pelo qual “havendo mais de um intimado, o prazo para cada um é contado

individualmente”.

Aquele com legitimação e interesse em recorrer pode fazê-lo até o último dia do prazo

recursal.

Recurso interposto fora do prazo imposto por lei, ou seja, após seu esgotamento, será

considerado intempestivo, acarretando a preclusão temporal da matéria que poderia ser tratada

nele, e, consequentemente, não será sequer conhecido.

Com precisão, Luiz Guilherme Marinoni e Sérgio Cruz Arenhart estabelecem que

“a preclusão consiste – fazendo-se um paralelo com figuras do direito material, como a prescrição e a decadência – na perda de “direitos processuais”, que pode decorrer de várias causas. Assim como acontece com o direito material, também no processo a relação jurídica estabelecida entre os sujeitos processuais pode levar à extinção de direitos processuais, o que acontece, diga-se, tão freqüentemente quanto em relações jurídicas de direito material. A preclusão é o resultado dessa extinção, e é precisamente o elemento (aliado à ordem legal dos atos, estabelecida na lei) responsável pelo avanço da tramitação processual.”216

A partir da vigência do novo Código de Processo Civil, não haverá nenhuma

possibilidade de manutenção do esdrúxulo entendimento jurisprudencial que se solidificou

durante a vigência do código de 1973, no sentido de que é intempestivo, eis que prematuro, o

recurso interposto antes de iniciada a contagem do prazo recursal217.

VI - a data de juntada do comunicado de que trata o art. 232 ou, não havendo esse, a data de juntada da carta aos autos de origem devidamente cumprida, quando a citação ou a intimação se realizar em cumprimento de carta. 216 MARINONI; ARENHART, 2006, p. 665. 217 Nesse sentido, confira-se ementa de 2015, que ainda adverte que “a jurisprudência desta Corte [STJ] firmou-se no sentido de considerar intempestivo o recurso interposto antes da publicação da decisão no veículo oficial...”: “PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. ARGUMENTOS INSUFICIENTES PARA DESCONSTITUIR A DECISÃO ATACADA. SÚMULA Nº 418/STJ. RECURSO ESPECIAL PREMATURO. I - A jurisprudência desta Corte firmou-se no sentido de considerar intempestivo o recurso interposto antes da publicação da decisão no veículo oficial e, de acordo com o enunciado da Súmula nº 418/STJ e com o disposto expressamente no art. 506, III, do CPC, o prazo para a interposição do especial conta-se da data da publicação do dispositivo do acórdão no órgão oficial, não da publicação do resultado do julgamento. II - A Agravante não apresenta, no regimental, argumentos suficientes para desconstituir a decisão agravada. III - Agravo Regimental improvido.” (AgRg no AREsp nº 698.361/BA, Min. Rel. Regina Helena Costa, 1ª Turma, STJ. DJe em 26.08.2015)

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Isso porque, está expressamente insculpido no parágrafo quarto do artigo 218 do novo

Código de Processo Civil que “será considerado tempestivo o ato praticado antes do termo

inicial do prazo”.

Afinal, conforme comentários de Teresa Arruda Alvim Wambier, Maria Lúcia Lins

Conceição, Leonardo Ferres da Silva Ribeiro e Rogério Licastro Torres de Mello, “não há

maior tempestividade do que a prática do ato processual antes mesmo que flua o prazo para

tanto, de modo que se afigura acertada (acertadíssima, aliás) a disposição constante do § 4º

ora comentado”218.

A partir da vigência do Código de 2015, portanto, recurso intempestivo será apenas e

tão somente aquele que for interposto após o último dia do prazo recursal219.

Pela sistemática do novo Código de Processo Civil, o Ministério Público (art. 180), a

Fazenda Pública (art. 183), a Defensoria Pública (art. 186) e “os litisconsortes que tiverem

diferentes procuradores, de escritórios de advocacia distintos” (art. 229, caput), em processo

físico (art. 229, § 2º), têm o prazo em dobro para recorrer, ou seja, dez dias úteis para opor

embargos de declaração e trinta dias úteis para interpor qualquer outro recurso previsto no

novo Codex.

Além disso, deve-se sempre se lembrar que a fluência do prazo recursal está sujeita a

causas interruptivas (o prazo é interrompido e voltará a fluir desde o começo quando cessar a

causa de interrupção) e a causas suspensivas (paralisa-se o prazo recursal e se retoma a

contagem do prazo do momento em se havia parado assim que cessar a causa de suspensão)

legais.

Nos dizeres de Araken de Assis:

“O curso do prazo recursal se suspende e se interrompe nos casos legalmente previstos. No caso de interrupção, restituir-se-á à parte, beneficiada pelo evento interruptivo, o prazo por inteiro, ignorando o lapso já decorrido; na hipótese de suspensão, devolve-se à parte o interregno que faltaria para o prazo se completar, não houvera o evento suspensivo. Percebe-se então, cogitar-se de eventos ocorridos entre o termo inicial e o final do prazo, inclusive, e não posteriores ou anteriores aos acontecimentos, expressis verbis, dotados desses efeitos.”220

218 WAMBIER, T. et al., 2015b, p. 387. 219 Nesse sentido, confira-se o Enunciado nº 22 do Fórum Permanente de Processualistas Civis: “O Tribunal não poderá julgar extemporâneo ou intempestivo recurso, na instância ordinária ou na extraordinária, interposto antes da abertura do prazo”. 220 ASSIS, 2015, p. 214-215.

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Exemplos de causas interruptivas dos prazos recursais são a oposição de embargos de

declaração (art. 1.026, caput, CPC/2015) e as hipóteses insculpidas no artigo 1.004 do novo

Código: interrompe-se os prazos recursais se “sobrevier o falecimento da parte ou de seu

advogado ou ocorrer motivo de força maior que suspenda o curso do processo”.

Exemplo de causa suspensiva dos prazos recursais são as “férias forenses”

estabelecidas pelo caput do artigo 220 do Código de 2015221.

A aferição da tempestividade do recurso se dá através da verificação da data na qual

foi realizado o protocolo (que, de acordo com o § 3º do art. 1.003 do CPC/2015, em regra,

deve ser realizado em cartório) ou da data na qual foi realizada a postagem do recurso, no

caso de remessa do recurso via correio (art. 1.003, § 4º, CPC/2015)222.

É irrelevante, para fins de aferição da tempestividade recursal, a data na qual o

advogado, procurador, defensor ou promotor devolve os autos ao cartório (no caso de

processos físicos, obviamente).

Finalmente, a previsão legal de que os feriados locais devem ser comprovados pelo

recorrente no ato da interposição do recurso (art. 1.003, § 6º, CPC/2015) merece críticas,

porque, em interpretação literal, impõe ônus descabido ao recorrente.

A imposição desse ônus ao recorrente é bizarra e está em dissonância com todo o

sistema processual que será inaugurado a partir da vigência do novo Código de Processo

Civil.

Isso porque, ou o recurso é tempestivo ou não é – de rigor, nem a famosa preliminar

sobre a tempestividade recursal, costumeiramente elaborada pelos advogados na prática

forense, seria necessária.

Vale dizer, sob a vigência do novo Codex, ou o recurso foi interposto até o último dia

do prazo recursal, contando-se apenas os dias úteis e considerando suas causas interruptivas e

suspensivas, ou não o foi.

Com a vigência do Código de 2015, os feriados, nacionais e locais, não deverão ser

computados, pois, como já adiantado, os prazos processuais serão contados apenas em dias

úteis (art. 219, CPC/2015).

221 Art. 220. Suspende-se o curso do prazo processual nos dias compreendidos entre 20 de dezembro e 20 de janeiro, inclusive. 222 Fica superada, portanto, a Súmula nº 216 do STJ, pela qual “a tempestividade de recurso interposto no Superior Tribunal de Justiça é aferida pelo registro no protocolo da Secretaria e não pela data da entrega na agência do correio”. É nesse sentido o Enunciado nº 96 do Fórum Permanente de Processualistas Civis.

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Desta feita, não tem nenhuma importância – para a tempestividade do recurso e para o

direito (líquido e certo, diga-se) da parte legitimada e interessada em recorrer – contar o prazo

para interposição do recurso cabível apenas em dias úteis, se ela comprova ou não “a

ocorrência de feriado local no ato de interposição do recurso”.

Se o recorrente não computar dia de feriado local na sua contagem do prazo recursal e

não comprovar sua ocorrência no ato de interposição do recurso, mas interpuser o recurso até

o último dia do prazo recursal, ele não será intempestivo.

De acordo com o parágrafo único do artigo 932 do novo Código de Processo Civil,

“antes de considerar inadmissível o recurso, o relator concederá o prazo de 5 (cinco) dias ao

recorrente para que seja sanado vício ou complementada a documentação exigível”,

dispositivo este que está em consonância com o princípio da sanabilidade dos vícios,

amplamente adotado pelo novo Código de Processo Civil223.

Assim, no caso de dúvida acerca da tempestividade do recurso interposto, o órgão

julgador deve, antes de extingui-lo, intimar o recorrente para que demonstre que, quando da

sua interposição, o recurso era tempestivo.

A tempestividade do recurso independe de prova, mas esta pode vir a ser demonstrada

no caso de dúvida do órgão julgador: não se trataria de fazer o recurso virar tempestivo, mas

apenas e tão somente de demonstrar que ele era tempestivo à época de sua interposição.

Nessa esteira, a única interpretação possível, pois, do parágrafo sexto do artigo 1.003

do novo Código de Processo Civil, sob a óptica do novo CPC (e também sob a óptica

constitucional do processo), é de que ele traz uma faculdade, uma recomendação ao recorrente

(a de auxiliar o Poder Judiciário) e não um ônus.

A tempestividade do recurso não depende de comprovação.

3.4.2. Recolhimento das custas de preparo e de porte de remessa e de retorno

O segundo requisito de admissibilidade recursal extrínseco analisado, o recolhimento

das custas preparo e de porte de remessa e de retorno, nada mais é do que a necessidade de

pagamento das custas devidas na interposição do recurso a título de preparo, destinadas para

custear o seu processamento, e das custas de porte de remessa e de retorno dos autos físicos,

223 WAMBIER, T. et al., 2015b, p. 460-463.

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que custeiam a remessa do processo ao órgão julgador ad quem e sua devolução ao órgão

julgador a quo.

A necessidade de pagamento das custas referentes ao porte de remessa e de retorno

dos autos deve ser incluída neste requisito de admissibilidade recursal, em conjunto com as

custas referentes ao preparo do recurso, em decorrência do que está expresso no caput do

artigo 1.007, uma vez que também impõe a possibilidade da cominação da pena de deserção

em caso de não recolhimento dessas custas especificamente.

Vale dizer, para fins de admissibilidade recursal, que não adianta o recorrente realizar

o pagamento apenas das custas referentes ao preparo e não realizar o pagamento daquelas

referentes ao porte de remessa e de retorno ou vice-versa. Confira-se, ipsis litteris:

Art. 1.007. No ato de interposição do recurso, o recorrente comprovará, quando

exigido pela legislação pertinente, o respectivo preparo, inclusive porte de remessa

e de retorno, sob pena de deserção.

Destaca-se, no entanto, que com a modernização do Poder Judiciário e a ampla

implementação do processo eletrônico, será cada vez mais incomum a necessidade de

pagamento das custas referentes ao porte de remessa e de retorno dos autos, tendo em vista

que o parágrafo terceiro do artigo 1.007 citado dispensa expressamente a necessidade do

pagamento dessas custas “no processo em autos eletrônicos”.

O não cumprimento desse requisito de admissibilidade recursal, nos termos da lei,

implica na aplicação da pena de deserção ao recorrente e acarreta a inadmissibilidade do

recurso interposto.

Ademais, é proposital a definição do presente requisito de admissibilidade recursal

extrínseco sem o estabelecimento de que o recolhimento das custas supramencionadas deva

ser prévio e comprovado no ato de interposição do recurso, a despeito do caput do artigo

1.007.

Trata-se de sutil, mas necessária alteração do conceito proposto pela doutrina224.

Isso porque, pelo sistema processual que será inaugurado a partir da vigência do novo

Código de Processo Civil, o não pagamento das custas de preparo e de porte de remessa e de

224 José Carlos Barbosa Moreira (2003, p. 390), Araken de Assis (2015, p. 229), Fredie Didier Junior e Leonardo José Carneiro da Cunha (2009, p. 62) e Flávio Cheim Jorge (2015, p. 2233), todos eles, estabelecem, no conceito desse requisito de admissibilidade recursal extrínseco, que o recolhimento das custas de preparo e de porte de remessa e de retorno deve ser realizado em momento anterior ao da interposição do recurso.

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retorno em momento pretérito à interposição do recurso e a não comprovação da realização

desses pagamentos no ato da interposição (através da anexação das guias comprobatórias de

pagamento dessas taxas judiciárias à petição do recurso) não geram a imediata

inadmissibilidade do recurso interposto.

Se o recorrente não o fizer, será intimado a fazê-lo em dobro (art. 1.007, § 4º,

CPC/2015), no prazo improrrogável de cinco dias – muito embora o parágrafo quarto seja

omisso com relação a esse prazo, não há como se admitir que seja concedido outro prazo que

não o de cinco dias, tendo em vista que em todas as outras hipóteses do artigo 1.007 há

previsão expressa do prazo de cinco dias225.

De igual modo, se o recorrente recolher custas em valor insuficiente (leia-se, pagar

menos do que era devido ao Poder Judiciário), também será intimado a complementar os

valores devidos, no prazo de cinco dias (art. 1.007, § 2º, CPC/2015).

A determinação para o recorrente pagar em dobro as custas de preparo e as custas de

porte de remessa e de retorno dos autos não admite posterior complementação (art. 1.007, §

5º, CPC/2015).

Além disso, o órgão julgador também concederá cinco dias de prazo para que o

recorrente cumpra esse requisito de admissibilidade recursal no caso de o recorrente

comprovar “justo impedimento” (art. 1.007, § 6º, CPC/2015), assim como concederá cinco

dias para que o recorrente sane eventual vício identificado pelo órgão julgador no

preenchimento das guias de custas (art. 1.007, § 7º, CPC/2015).

Conforme Cassio Scarpinella Bueno, “o § 7º, por fim, que evitar as armadilhas

comuns do que eloquentemente é chamado de ‘jurisprudência defensiva recursal’”226.

Apenas se o recorrente não cumprir com algum desses mandamentos acima, apesar de

não ter cumprido com aquilo determinado pelo caput do artigo 1.007, é que ele será apenado

com a sanção de deserção e seu recurso será inadmitido.

A necessidade de “recolhimento prévio”, portanto, perde importância com a vigência

do novo Código de Processo Civil, de modo que não deve mais fazer parte da conceituação

desse requisito de admissibilidade recursal extrínseco227.

225 É nesse sentido o Enunciado nº 97 do Fórum Permanente de Processualistas Civis: “É de cinco dias o prazo para efetuar o preparo”. 226 BUENO, 2015, p. 645. 227 A partir da vigência do CPC/2015, ficará superada a Súmula nº 187 do STJ, assim enunciada: “é deserto o recurso interposto para o Superior Tribunal de Justiça, quando o recorrente não recolhe, na origem, a importância das despesas de remessa e retorno dos autos”.

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Em comentário ao supracitado artigo 1.007, Teresa Arruda Alvim Wambier, Maria

Lúcia Lins Conceição, Leonardo Ferres da Silva Ribeiro e Rogério Licastro Torres de Mello

asseveram que

“este dispositivo trata do preparo e já contém, em si mesmo, manifestação da tendência antes referida, quando dos comentários aos artigos que tratam das nulidades: a idéia é a de sanar os defeitos de forma do processo, para que este possa atingir seu fim, que é o de produzir decisão de mérito.”228

O quanto é devido ao Estado a título dessas custas processuais “é fixado na lei de

organização judiciária para cada recurso”229, os valores variam para cada ente federativo –

não há regra –, e podem ser fixados a partir de dois critérios: ou se atribui às custas um

percentual referente ao valor da causa, do benefício econômico pretendido ou do benefício

econômico auferido; ou se atribui um valor fixo às custas.

Ainda, nos termos do parágrafo primeiro do artigo 1.007, “são dispensados de

preparo, inclusive porte de remessa e de retorno, os recursos interpostos pelo Ministério

Público, pela União, pelo Distrito Federal, pelos Estados, pelos Municípios, e respectivas

autarquias, e pelos que gozam de isenção legal”.

Finalmente, vale destacar que o valor do preparo e o valor das custas de porte de

remessa e de retorno não serão devolvidos ao recorrente se o recurso interposto não for

admitido ou tiver provimento negado. A única hipótese de devolução de algum pagamento

realizado a esse título é no caso de pagamento a maior ou em dobro, o que também é

disciplinado pelas normas de organização judiciária de cada ente federativo.

3.4.3. Regularidade formal

Em terceiro lugar, dentro dos requisitos de admissibilidade recursal extrínsecos, deve

ser rigorosamente obedecida a regularidade formal de cada recurso.

Como visto, quando da análise dos princípios processuais dos recursos, o princípio da

taxatividade impõe não só a existência de previsão legal do recurso em si, mas também exige

228 WAMBIER, T. et al., 2015b, p. 1437. 229 ASSIS, 2015, p. 229.

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normatização de todos os seus requisitos formais – a forma de exercício do direito de recurso

não é livre230.

O não cumprimento desses requisitos formais (estejam eles previstos na Constituição

Federal – no caso dos recursos constitucionais –, estejam eles insculpidos nas demais normas

processuais existentes no país) acarreta o não conhecimento do recurso por parte do eminente

julgador.

Em outras palavras, sem o preenchimento de seus requisitos formais, o recurso será

inadmissível.

Alguns recursos contam com elementos relacionados à regularidade formal que lhes

são únicos, como:

(i) o agravo de instrumento, no qual o recorrente tem que informar

expressamente na petição “o nome e o endereço completo dos

advogados constantes do processo” (art. 1.016, IV, CPC/2015), bem

como deve realizar a juntada dos documentos mencionados no artigo

1.017 do novo Código;

(ii) o recurso especial interposto em razão de dissídio

jurisprudencial e os embargos de divergência, nos quais se deve fazer

prova da divergência (arts. 1.029, § 1º, e 1.043, § 4º, respectivamente,

ambos do CPC/2015) e realizar o cotejo analítico entre o

pronunciamento judicial paradigma e o impugnado231;

(iii) os recursos extraordinário e especial, nos quais se deve,

expressamente, realizar “a demonstração do cabimento do recurso

interposto” (art. 1.029, II, CPC/2015); e,

(iv) os agravos em recurso extraordinário e especial, nos quais, “sob

pena de não conhecimento do agravo, incumbirá ao agravante

230 Nesse sentido, cf. Araken de Assis (2015, p. 220). 231 Nesse sentido, Tereza Arruda Alvim Wambier (2008, p. 266) assevera que “não se dispensa o recorrente, igualmente, da realização da demonstração analítica da divergência, a que se referiu acima, apontando as circunstâncias que identifiquem ou assemelhem os casos confrontados”.

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demonstrar, de forma expressa” tudo o quanto apresentado nos incisos

do parágrafo primeiro do artigo 1.042 do novo Código232.

Não obstante, são cinco os requisitos formais que devem ser preenchidos para

viabilizar a interposição de qualquer um dos recursos estabelecidos no artigo 994 do novo

Código, a saber: (i) petição escrita subscrita por procurador constituído nos autos; (ii)

identificação do processo e das partes; (iii) exposição de fato e de direito; (iv) razões

recursais; e (v) pedido de reforma, invalidação ou aclaramento do pronunciamento judicial

impugnado.

Destaca-se, nessa esteira, que é uma novidade do novo Código de Processo Civil a

exigência expressa para que o recorrente exponha, ainda que sucintamente, os fatos e o direito

sub judice, o que consagra uma prática costumeira dos operadores do Direito.

3.4.3.1. PETIÇÃO ESCRITA SUBSCRITA POR PROCURADOR CONSTITUÍDO NOS AUTOS

Com a já noticiada extinção do agravo retido no novo Código de Processo Civil (que

admitia forma de oposição oral em audiência – art. 523, § 3º, CPC/1973), todos os recursos

previstos no novo Código de Processo Civil (art. 994, CPC/2015) devem ser interpostos por

meio de petição escrita.

Essa petição escrita será endereçada, em regra, ao órgão julgador que proferiu o

pronunciamento judicial impugnado (exceção feita ao agravo de instrumento, que é interposto

diretamente no tribunal ad quem) e conterá uma primeira parte introdutória, na qual se

anuncia a interposição do recurso, e uma segunda parte contendo as razões e pedido recursais.

Nesse sentido, Araken de Assis:

232 Art. 1.042. Cabe agravo contra decisão de presidente ou de vice-presidente do tribunal que: [...] § 1º Sob pena de não conhecimento do agravo, incumbirá ao agravante demonstrar, de forma expressa: I - a intempestividade do recurso especial ou extraordinário sobrestado, quando o recurso fundar-se na hipótese do inciso I do caput deste artigo; II - a existência de distinção entre o caso em análise e o precedente invocado, quando a inadmissão do recurso: a) especial ou extraordinário fundar-se em entendimento firmado em julgamento de recurso repetitivo por tribunal superior; b) extraordinário fundar-se em decisão anterior do Supremo Tribunal Federal de inexistência de repercussão geral da questão constitucional discutida.

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“Em geral, o recorrente apresenta sua petição dividida em duas partes autônomas. Na primeira peça, o recorrente realiza a identificação do processo que originou o ato, indica o recorrido e o ato impugnado, requerendo, por fim, ao órgão competente a admissão do recurso e o respectivo processamento. [...] A segunda peça, anexada à anterior, contém as razões da sua inconformidade e nela o recorrente formula o pedido (reforma, invalidação e integração) pertinente à espécie.”233

Independentemente disso, o ato processual é único: no processo civil brasileiro, não há

nenhuma hipótese na qual o recorrente deve primeiramente anunciar a interposição de

determinado recurso e, depois, em outro momento, apresentar suas razões.

É obrigatório que a petição do recurso seja subscrita por procurador com capacidade

postulatória e que ele esteja regularmente constituído nos autos – caso a petição não esteja

assinada (física ou eletronicamente) ou o procurador signatário não esteja constituído para

representar a parte recorrente, aplicar-se-á o disposto no parágrafo único do artigo 932.

Finalmente, o recurso interposto por meio eletrônico (apresentado em arquivo digital),

o recurso interposto pelos correios e o recurso interposto por sistema fac-símile ou similar

(art. 1º, Lei nº 9.800/1999) não perdem o caráter de “petição escrita”.

3.4.3.2. IDENTIFICAÇÃO DO PROCESSO E DAS PARTES

Em sua petição escrita recursal, o recorrente deverá identificar o processo no qual

interpõe o recurso, sob o risco de o seu recurso jamais chegar aos autos do processo correto a

partir do protocolo realizado em setor próprio ou na secretaria do órgão julgador.

De igual modo, em sua petição escrita, o recorrente deverá identificar as partes do

processo, indicando com clareza quem são recorrente(s) e recorrido(s), requisito formal este

bastante importante quando existente litisconsórcio ativo, passivo ou ambos, e no agravo de

instrumento, que é interposto diretamente no tribunal ad quem.

3.4.3.3. EXPOSIÇÃO DE FATO E DE DIREITO

Os artigos 1.010, inciso II, 1.016, inciso II e 1.029, inciso II, todos do novo Código de

Processo Civil, estabelecem para apelação, agravo de instrumento e recursos especial e

233 ASSIS, 2015, p. 221-222.

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extraordinário, a necessidade de o recorrente realizar a exposição de fato e de direito

envolvidos no caso concreto – não há razão para que esse elemento da regularidade formal

dos recursos não seja exigido nos demais recursos do artigo 994 do Código de 2015.

Trata-se, como adiantado, de novidade do novo Código de Processo Civil que reflete

uma prática comum entre os operadores do Direito.

Como o próprio nome desse requisito formal sugere, o recorrente deverá, antes de

apresentar suas razões para a reforma do pronunciamento judicial impugnado, apresentar um

resumo dos acontecimentos de fato, de direito e do andamento processual da ação em trâmite

perante o Poder Judiciário.

Nas palavras de Teresa Arruda Alvim Wambier, Maria Lúcia Lins Conceição,

Leonardo Ferres da Silva Ribeiro e Rogério Licastro Torres de Mello, em comentário ao

artigo 1.010 do novo Código, “deve haver um relatório sucinto e meramente descritivo, sobre

fatos e direitos”234.

É na exposição de fato e de direito que o recorrente deve identificar, com clareza e à

margem de dúvidas, o pronunciamento judicial que impugna com o recurso interposto.

3.4.3.4. RAZÕES RECURSAIS

Como se pode perceber, ao observar a regularidade formal do recurso que irá interpor,

o que deve ser feito sob pena de não conhecimento, o recorrente segue uma espécie de

“roteiro” para a elaboração do recurso.

Nessa esteira, após identificar o processo, as partes e realizar breve exposição de fatos

e de direito em sua petição escrita, o recorrente, por via lógica de consequência e por

exigência legal (arts. 1.010, III, 1.016, III, 1.021, § 1º e 1.029, III, todos do CPC/2015), deve

apresentar as razões pelas quais pretende a reforma, a anulação ou o aclaramento do

pronunciamento judicial recorrido.

Vale dizer, não basta ao recorrente apenas revelar inconformismo concernente ao

pronunciamento judicial recorrido, ele deve fundamentar esse inconformismo, explicitando ao

tribunal ad quem o porquê da necessidade de acolhimento do seu pedido recursal, o porquê o

desacerto da decisão recorrida.

234 WAMBIER, T. et al., 2015b, p. 1441.

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Não basta ao recorrente, também, apenas e tão somente reproduzir suas razões

expostas no órgão judicial a quo, numa espécie de “copia e cola”. O recorrente deve atacar

especificamente aquilo que entende ser inconsistente e insustentável no pronunciamento

judicial recorrido.

A exigência formal para que o recorrente apresente suas razões recursais na petição do

recurso decorre diretamente do princípio da dialeticidade dos recursos, analisado

anteriormente nesta dissertação quando da análise dos princípios de Direito Processual Civil

diretamente relacionados aos recursos.

Esse princípio, rememore-se, estabelece exatamente o que foi exposto aqui: quando da

interposição do recurso, o recorrente não pode se limitar a afirmar que o pronunciamento

judicial lhe foi desfavorável, prejudicou-o e que ele está inconformado com o pronunciamento

judicial e quer sua reforma, anulação ou aclaramento; o recorrente deve arrazoar seu recurso,

deduzir os fundamentos de fato e de direito pelos quais o pronunciamento judicial recorrido

está equivocado e o porquê seu pedido recursal deve ser acolhido.

Destaca-se, ainda, que o recorrente deve atentar aos recursos com fundamentação

vinculada, que exigem que ele apresente razões recursais no exato sentido da hipótese que

viabiliza a sua interposição.

Nesses casos, a hipótese de cabimento do recurso com fundamentação vinculada já

adiantará ao recorrente qual a fundamentação que deve ser desenvolvida por ele em suas

razões recursais (exempli gratia, ao interpor um recurso especial com fundamento na alínea

“a” do art. 105, III, CF/1988, o recorrente deverá apresentar quais os fundamentos de direito

que explicitam a violação à legislação federal infraconstitucional perpetrada no

pronunciamento judicial recorrido).

3.4.3.5. PEDIDO DE REFORMA, INVALIDAÇÃO OU ACLARAMENTO DO PRONUNCIAMENTO JUDICIAL

IMPUGNADO

Finalmente, na conclusão do caminho lógico percorrido para se identificar quais os

requisitos formais que devem ser preenchidos pelo recorrente quando da interposição de um

recurso, tem-se a necessidade de o recorrente formular, expressamente, pedido de reforma,

invalidação ou aclaramento do pronunciamento judicial impugnado.

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Assim como é indispensável à petição inicial que o autor formule os pedidos,

revelando aquilo que busca como resposta do Poder Judiciário, o recorrente deve requerer ao

órgão julgador ad quem um provimento substitutivo do pronunciamento judicial impugnado.

Não obstante a pretensão recursal do recorrente ser, comumente, deduzível das razões

recursais, isso não é suficiente para que o recurso interposto seja admissível: o recorrente

deve, sempre, em todo e qualquer recurso que interpuser, declinar expressamente qual o seu

pedido recursal (o que é costumeiramente realizado em tópico próprio na petição do recurso).

No novo Código de Processo Civil, a exigência do pedido recursal é encontrada

expressamente nos artigos 1.010, inciso IV (com relação ao recurso de apelação) e 1.016,

inciso III, in fine (com relação ao agravo de instrumento), mas é exigível na interposição de

todos os recursos previstos no artigo 994.

Com relação ao pronunciamento judicial impugnado, o pedido recursal pode ser de

anulação (no caso de error in procedendo, requer-se a anulação do pronunciamento judicial e

que os autos sejam devolvidos para o juízo a quo, a fim de que novo pronunciamento judicial

seja proferido), de reforma (no caso de error in judicando, requer-se a reforma da decisão, no

mérito) ou de aclaramento (pedido próprio dos embargos de declaração, no qual o recorrente

requer que se sane omissão, obscuridade, contradição ou erro material constatado no

pronunciamento judicial impugnado).

3.5. Requisitos de admissibilidade específicos dos recursos nos tribunais superiores

Em razão da notória excepcionalidade dos recursos especial e extraordinário,

conforme analisado anteriormente quando da análise do cabimento como requisitos de

admissibilidade recursal intrínseco, eles possuem requisitos de admissibilidade específicos,

aplicáveis apenas e tão somente a eles.

Esses requisitos, diferentemente do que se poderia pensar, não têm como objetivo

impedir o acesso do jurisdicionado aos tribunais superiores, mas sim o objetivo de garantir

que o jurisdicionado tenha acesso aos tribunais superiores sempre, mas apenas quando, ele

estiver diante de uma das hipóteses de cabimento e preencher todos os requisitos de

admissibilidade recursal dos recursos extraordinários.

Assim, são dois os requisitos de admissibilidade recursal específicos dos recursos

especial e extraordinário ainda não analisados nesta dissertação: o prequestionamento

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(aplicável a ambos os recursos) e a repercussão geral (requisitos de admissibilidade recursal

próprio do recurso extraordinário).

3.5.1. Prequestionamento

O prequestionamento tem origem simultânea à do recurso extraordinário em si, como

ensina Nelson Luiz Pinto:

“Trata-se da exigência do prequestionamento, que tem origem no texto da Constituição Federal de 1891, cujo art. 59, III, dispunha: ‘Das sentenças das Justiças dos Estados, em última instância, haverá recurso para o Supremo Tribunal Federal: (a) quando se questionar sobre a validade ou a aplicação de tratados ou leis federais e a decisão do tribunal dos Estados for contra ela.’ [...] Vê-se, pois, que o prequestionamento da questão objeto do recurso extraordinário ou do recurso especial é da própria natureza desses recursos e vem sendo exigido desde suas origens, inclusive no direito comparado, tendo sido consagrado pela Súmula nº 282 do STF, também aplicável no STJ.”235

A expressão “prequestionamento” surgiu justamente do termo “questionar” que estava

expressamente previsto no dispositivo constitucional correspondente das Constituições de

1891 (dispositivo este transcrito no trecho supracitado), 1934, 1937 e de 1946 – desde o

surgimento do recurso extraordinário (que é anterior ao surgimento do recurso especial);

exige-se, para sua interposição, que a matéria de direito que será objeto do recurso

extraordinário tenha sido questionada pelas partes no processo e efetivamente decidida pelo

tribunal a quo, além de expressamente constante no pronunciamento judicial impugnado.

Após a Constituição de 1946, a expressão “questionar” foi abandonada pelo legislador

constituinte e não está expressamente prevista na Constituição Federal de 1988. Vale dizer, na

Carta Magna atual, não consta expressamente o termo “questionar” e nem o vocábulo

“prequestionar” (que, diga-se, nunca esteve presente em nenhum texto constitucional).

No entanto, isso não faz com que esse requisito de admissibilidade recursal não exista.

Após natural evolução desse requisito de admissibilidade, tem-se que o

prequestionamento, no ordenamento jurídico atual, decorre da expressão “causas decididas”,

235 PINTO, 2008, p. 1828.

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constante tanto no artigo 102, inciso III, quanto no artigo 105, inciso III, ambos da

Constituição Federal.

Pelo prequestionamento, pois, exige-se que a matéria constitucional que será objeto do

recurso extraordinário e que a matéria infraconstitucional que será objeto do recurso especial

– como questões processuais – sejam expressamente decididas pelo tribunal a quo e constem

do pronunciamento judicial recorrido.

Nas palavras de Nelson Luiz Pinto, “a expressão causas decididas sempre foi

interpretada no sentido amplo, como quaisquer ‘questões’ que venham a ser decididas em

única ou última instância [...]”236.

O objeto dos recursos extraordinário e especial deve ser uma “causa decidida” pelo

órgão julgador a quo e, para viabilizar sua interposição, o prequestionamento deve ser

demonstrado expressa, formal e preliminarmente nesses recursos (art. 1.029, II, CPC/2015).

Sem embargo, em conhecido artigo doutrinário237, Nelson Nery Junior estabelece que

o prequestionamento não é um requisito de admissibilidade em si, mas sim “um dos meios

para chegar-se ao requisito de admissibilidade dos recursos excepcionais (extraordinário e

especial), que é o do cabimento do recurso”.

Com a devida vênia, deve-se discordar desse entendimento quanto à natureza, mas

concordar com o objetivo: o prequestionamento é, sim, requisito de admissibilidade recursal,

posto que se trata de requisito constitucional cujo preenchimento é necessário para evitar a

inadmissibilidade do recurso especial ou extraordinário; não obstante, a demonstração do

prequestionamento, de fato, é meio pelo qual o recorrente demonstra que o recurso foi

interposto diante da existência de uma das suas hipóteses de cabimento.

Em outras palavras, pode haver hipótese de cabimento para interposição de recurso

extraordinário ou de recurso especial, mas que não será conhecido se lhe faltar o

prequestionamento.

E, exatamente com relação a essa última afirmação, deve-se destacar as orientações

seguidas pelo Superior Tribunal de Justiça e pelo Supremo Tribunal Federal no que concerne

ao prequestionamento dos recursos especial e extraordinários.

236 Idem, p. 1827. 237 NERY JUNIOR, N., 2001.

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Destaca-se que, ao que tudo indica, as orientações demonstradas na sequência não

serão alteradas com a vigência do novo Código de Processo Civil, tendo em vista que ele não

trouxe nenhuma inovação no que tange ao prequestionamento.

O Superior Tribunal de Justiça entende que não há prequestionamento no caso

concreto se o tribunal a quo, ainda que instado pelo recorrente ou recorrido, não se manifestou

expressamente sobre a matéria que seria objeto de recurso especial.

É o que se extrai da Súmula nº 211 do STJ:

Súmula nº 211: Inadmissível recurso especial quanto à questão que, a despeito da

oposição de embargos declaratórios, não foi apreciada pelo Tribunal a quo.

Dessa forma, caso haja omissão do tribunal de origem acerca de questão de matéria

infraconstitucional federal sobre a qual ele deveria ter se manifestado, deve-se,

primeiramente, opor embargos de declaração a fim de que essa omissão seja sanada e,

posteriormente, caso o tribunal a quo permaneça omisso sobre tal questão, deve-se interpor

recurso especial no qual se alega violação ao artigo 1.022, inciso II, do Código de Processo

Civil de 2015 (correspondente ao art. 535, II, CPP/1973).

Relativamente ao cabimento de recurso especial por violação ao artigo 535 do Código

do Processo Civil de 1973, confira-se lição de Nelson Nery Junior e Rosa Maria de Andrade

Nery:

“Recurso Especial. STJ 211: ‘Inadmissível recurso especial quanto à questão que, a despeito da oposição de embargos declaratórios, não foi apreciada pelo tribunal a quo’. Quando o tribunal rejeitar EDcl, na hipótese em que deveria acolhê-los e, por isso, o vício permanecer, cabe REsp com fundamento na ofensa ao CPC 535. O STJ, se der provimento ao REsp, anulará o acórdão e determinará que o tribunal de origem julgue os EDcl. Só então caberá REsp quanto à questão que fora objeto dos EDcl.”238

E não é outro o entendimento jurisprudencial da Corte Superior: tem-se reconhecido a

obrigatoriedade de se interpor recurso especial alegando ofensa ao dispositivo legal referente

aos embargos de declaração contra o acórdão que se omitiu em enfrentar questão federal

prequestionada.

Veja-se:

238 NERY JUNIOR, N; NERY, R., 2014, p. 1120.

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“CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO RECEBIDOS COMO AGRAVO REGIMENTAL. CUMPRIMENTO DE SENTENÇA. NUNCIAÇÃO DE OBRA NOVA, C/C REPARAÇÃO POR DANOS MORAIS E MATERIAIS. AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO. SÚM. 211/STJ. DECISÃO FUNDADA EM FATOS E PROVAS. ENUNCIADO SUMULAR N. 7/STJ. PERSISTÊNCIA DE OMISSÃO, MESMO APÓS O JULGAMENTO DOS ACLARATÓRIOS. NECESSIDADE DE ALEGAÇÃO DE VIOLAÇÃO AO ART. 535 DO CPC NO ESPECIAL. AGRAVO NÃO PROVIDO. 1. Os embargos de declaração que objetivam exclusivamente o novo exame do mérito da decisão impugnada devem ser recebidos como agravo regimental, em homenagem ao princípio da fungibilidade recursal. 2. A matéria referente aos arts. 21 e 125 do CPC não foi objeto de discussão no acórdão recorrido, apesar da oposição de embargos de declaração, não se configurando o prequestionamento, o que impossibilita a sua apreciação na via especial (Súmulas 282/STF e 211/STJ). 3. O acórdão recorrido, analisando o título executivo - sentença -, entendeu que não haveria falar em sucumbência recíproca e que a forma como foi efetivado o cumprimento da sentença destoaria dos termos do julgado executado. Incidência da Súm. 7/STJ. 4. Se o Tribunal a quo, mesmo após a oposição dos embargos declaratórios, insiste em não se manifestar sobre questões que lhe foram submetidas, deve a parte interpor o recurso especial, necessariamente, com fulcro no art. 535 do Código de Processo Civil. 5. Embargos de declaração recebidos como agravo regimental a que se nega provimento.” (EDcl no AREsp 641427/SP, Min. Rel. Luís Felipe Salomão, 4ª Turma, STJ. DJe em 26.03.2015).

O Supremo Tribunal Federal, de outro lado, admite o chamado prequestionamento

ficto, pelo qual se entende presente o requisito de admissibilidade recursal do

prequestionamento mesmo se o tribunal a quo se mantiver omisso com relação à questão

constitucional suscitada após instado a saná-la com a oposição de embargos de declaração.

Esse é o entendimento que o próprio Supremo Tribunal Federal extraiu da sua Súmula

nº 356:

Súmula 356. O ponto omisso da decisão, sobre o qual não foram opostos embargos

declaratórios, não pode ser objeto de recurso extraordinário, por faltar o requisito

do prequestionamento.

Confira-se recente julgado da Corte Suprema, na qual se considerou ausente o

prequestionamento, pois, a despeito da omissão acerca dos dispositivos constitucionais

violados no pronunciamento judicial impugnado, o recorrente não opôs embargos de

declaração:

“Agravo regimental no recurso extraordinário com agravo. Ausência de prequestionamento. Incidência das Súmulas nos 282 e 356/STF. Tributário. Alegada nulidade dos débitos fiscais. Matéria infraconstitucional. Necessidade de reexame dos fatos e das provas. Súmula nº 279/STF. 1. Os dispositivos constitucionais indicados como violados no recurso extraordinário carecem do necessário prequestionamento, sendo certo que não foram opostos embargos de declaração para sanar eventual omissão no acórdão recorrido. Incidem na espécie os

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enunciados das Súmulas nos 282 e 356 do STF. 2. Para ultrapassar o entendimento do Tribunal de origem acerca da alegada nulidade dos débitos fiscais e acolher a pretensão recursal, seria necessário o reexame da controvérsia à luz da legislação ordinária bem como o revolvimento dos fatos e das provas constantes dos autos, o que não se admite em sede de recurso extraordinário. Incidência da Súmula nº 279 da Corte. 3. Agravo regimental não provido.” (ARE nº 883800 AgR/SC, Min Rel. Dias Toffoli, 2ª Turma, STF. DJe em 20.10.2015)

À luz dessas orientações, portanto, é imperioso concluir que, mesmo após a vigência

do novo Código de Processo Civil, manter-se-á hígida a Súmula nº 98 do Superior Tribunal

de Justiça, pela qual “embargos de declaração manifestados com notório propósito de

prequestionamento não têm caráter protelatório”.

3.5.2. Repercussão geral

A repercussão geral deve ser demonstrada preliminarmente no recurso extraordinário e

é um requisito de admissibilidade específico do apelo extremo relativamente recente,

introduzido no ordenamento jurídico pátrio pela Emenda Constitucional nº 45/2004239.

No novo Código de Processo Civil, a repercussão geral está disciplinada, de forma

complementar àquilo que já existe na Constituição Federal, no artigo 1.035, transcrito

integralmente abaixo devido a sua relevância:

Art. 1.035. O Supremo Tribunal Federal, em decisão irrecorrível, não conhecerá do recurso extraordinário quando a questão constitucional nele versada não tiver repercussão geral, nos termos deste artigo. § 1º Para efeito de repercussão geral, será considerada a existência ou não de questões relevantes do ponto de vista econômico, político, social ou jurídico que ultrapassem os interesses subjetivos do processo. § 2º O recorrente deverá demonstrar a existência de repercussão geral para apreciação exclusiva pelo Supremo Tribunal Federal. § 3º Haverá repercussão geral sempre que o recurso impugnar acórdão que: I - contrarie súmula ou jurisprudência dominante do Supremo Tribunal Federal; II - tenha sido proferido em julgamento de casos repetitivos; III - tenha reconhecido a inconstitucionalidade de tratado ou de lei federal, nos termos do art. 97 da Constituição Federal. § 4º O relator poderá admitir, na análise da repercussão geral, a manifestação de terceiros, subscrita por procurador habilitado, nos termos do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal. § 5º Reconhecida a repercussão geral, o relator no Supremo Tribunal Federal determinará a suspensão do processamento de todos os processos pendentes,

239 Art. 102, § 3º, CF: “No recurso extraordinário o recorrente deverá demonstrar a repercussão geral das questões constitucionais discutidas no caso, nos termos da lei, a fim de que o Tribunal examine a admissão do recurso, somente podendo recusá-lo pela manifestação de dois terços de seus membros”.

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individuais ou coletivos, que versem sobre a questão e tramitem no território nacional. § 6º O interessado pode requerer, ao presidente ou ao vice-presidente do tribunal de origem, que exclua da decisão de sobrestamento e inadmita o recurso extraordinário que tenha sido interposto intempestivamente, tendo o recorrente o prazo de 5 (cinco) dias para manifestar-se sobre esse requerimento. § 7º Da decisão que indeferir o requerimento referido no § 6º caberá agravo, nos termos do art. 1.042. § 8º Negada a repercussão geral, o presidente ou o vice-presidente do tribunal de origem negará seguimento aos recursos extraordinários sobrestados na origem que versem sobre matéria idêntica. § 9º O recurso que tiver a repercussão geral reconhecida deverá ser julgado no prazo de 1 (um) ano e terá preferência sobre os demais feitos, ressalvados os que envolvam réu preso e os pedidos de habeas corpus. § 10. Não ocorrendo o julgamento no prazo de 1 (um) ano a contar do reconhecimento da repercussão geral, cessa, em todo o território nacional, a suspensão dos processos, que retomarão seu curso normal. § 11. A súmula da decisão sobre a repercussão geral constará de ata, que será publicada no diário oficial e valerá como acórdão.

José Rogério Cruz e Tucci, sobre a criação do instituto, estabelece:

“Considerando a necessidade de diminuir o número e, ao mesmo tempo, de acelerar a marcha dos recursos nos tribunais superiores, a EC 45/2004 introduziu, no § 3º do art. 102 da CF/88, um novo requisito objetivo de admissibilidade do recurso extraordinário, que exige do recorrente a demonstração da repercussão geral da questão ou questões constitucionais debatidas na demanda.”240

Arruda Alvim, em comentário sobre a criação desse requisito de admissibilidade,

estabelece que a repercussão geral se apresenta como um “filtro ou de um divisor de águas em

relação ao cabimento do recurso extraordinário”241.

Não há nenhuma dúvida quanto ao fato de a repercussão geral ser um requisito de

admissibilidade para a interposição de recurso extraordinário.

Nesse sentido, Arlete Inês Aurelli:

“Como já se asseverou em trabalho anterior, a natureza jurídica da repercussão geral é de verdadeiro requisito de admissibilidade do recurso extraordinário, uma vez que, se a demonstração da existência de repercussão geral não for realizada no corpo do recurso apresentado pelo interessado, tal recurso não será conhecido pelo Supremo Tribunal Federal.”242

Sendo a repercussão geral um requisito de admissibilidade recursal, uma vez

inexistente, tanto formal quanto fundamentadamente, o recurso extraordinário não será

240 CRUZ E TUCCI, 2007, p. 151-162. 241 ARRUDA ALVIM, J., 2005ª. 242 AURELLI, 2014, p. 87-105.

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conhecido e terá seu seguimento negado, causando o trânsito em julgado do pronunciamento

judicial impugnado.

O recorrente deve demonstrar expressamente a existência da repercussão geral em

preliminar ou tópico próprio na petição do recurso extraordinário, à luz do parágrafo segundo

do artigo 1.035. A ausência de demonstração formal da repercussão geral gera a

inadmissibilidade do recurso.

3.5.2.1 A ORIGEM DA REPERCUSSÃO GERAL

Observa-se que no direito comparado, muitos outros ordenamentos jurídicos modernos

já preveem instituto similar ao da repercussão geral brasileira.

Nos Estados Unidos da América, para que o writ of certionary possa ser devidamente

analisado pela Supreme Court, ele deve apresentar “imperative public importance” (Rule 11

of the Supreme Court of the United States of America)243.

Da mesma forma, no Direito alemão, o acesso à Corte Máxima daquele país se dá

através do recurso de Revision, que necessariamente deve apresentar “significação

fundamental”244.

Ainda, está estabelecido no ordenamento jurídico da Argentina que o apelo extremo

do país não será conhecido pela Corte Suprema de Justicia de la Nación Argentina “por falta

de agravio federal suficiente o cuando las cuestiones planteadas resultaren insustanciales o

carentes de transcendencia”245.

Como se sabe, não é a primeira vez que o legislador constitucional institui requisito de

admissibilidade do recurso extraordinário com base na relevância da matéria por ele abordada.

Anteriormente, a arguição de relevância fora criada com o intuito de que se admitisse referido

recurso que era, à primeira vista, incabível246, e tinha como aspecto fundamental a relevância

da questão suscitada.

243 Rule 11. Certiorari to a United States Court of Appeals before Judgment. A petition for a writ of certiorari to review a case pending in a United States court of appeals, before judgment is entered in that court, will be granted only upon a showing that the case is of such imperative public importance as to justify deviation from normal appellate practice and to require immediate determination in this Court. 244 MARINONI; MITIDIERO, 2007, p. 20. 245 Art. 280 do Código Procesal Civil y Comercial de la Nación Argentina. 246 ARRUDA ALVIM, J., 1988, p. 26-32.

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133

Ao contrário, a repercussão geral fora inserida no ordenamento jurídico do Brasil com

o objetivo não só de fazer com que o Supremo Tribunal Federal apreciasse apenas matérias de

relevância transcendental ao interesse subjetivo das partes no processo, mas também com o

escopo de barrar a entrada de um número sem fim de recursos extraordinários interpostos

mensalmente ao Supremo Tribunal Federal247.

A Emenda Constitucional nº 45/2004, portanto, nada mais fez, com a introdução deste

requisito de admissibilidade do writ of error pátrio, que reagir à infindável crise do Supremo

Tribunal Federal e do recurso extraordinário, criando mais um necessário óbice a sua

interposição.

Nesse sentido, Arlete Inês Aurelli destaca que “a repercussão geral funciona assim

como verdadeiro e necessário filtro ao acesso ao Supremo Tribunal Federal a fim de

possibilitar que desempenhe de modo satisfatório a importante missão de guardião da Carta

Magna”248.

3.5.2.2. ASPECTOS FUNDAMENTAIS DA REPERCUSSÃO GERAL

A repercussão geral é legalmente caracterizada pelo binômio relevância-

transcendência, conforme estabelecido no parágrafo primeiro do artigo 1.035:

§ 1º Para efeito de repercussão geral, será considerada a existência ou não de

questões relevantes do ponto de vista econômico, político, social ou jurídico que

ultrapassem os interesses subjetivos do processo.

A repercussão geral exige que a matéria objeto do recurso extraordinário seja relevante

sob a óptica econômica, política, social ou jurídica, e que ela ultrapasse os interesses pessoais

das partes do processo – o Supremo Tribunal Federal não julgará, primeiramente, se o

recorrente tem ou não o direito pleiteado, ele dará a interpretação constitucional adequada à

matéria dos autos e, consequentemente, decidirá quem tem razão no processo.

247 Teresa Arruda Alvim Wambier (2008, p. 292), afirma, em sentindo oposto, que ambos os institutos são fundamentalmente idênticos. 248 AURELLI, 2014, p. 87-105. No mesmo sentido, Cassio Scarpinella Bueno também assevera que a repercussão geral se apresenta como “filtro sobre os casos em que cabe o recurso extraordinário” e que não há nenhuma inconstitucionalidade nisso, tendo em vista que tem como objetivo permitir que o STF desempenhe melhor sua função constitucional” (BUENO, 2011, p. 291).

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A questão debatida

“tem de contribuir, em outras palavras, para a persecução da unidade do Direito no Estado Constitucional brasileiro, compatibilizando e/ou desenvolvendo soluções de problemas de ordem constitucional. Presente o binômio, caracterizada está a repercussão geral da controvérsia.”249

Não é sem razão que o legislador infraconstitucional federal manteve, no novo Código

de Processo Civil, a caracterização da repercussão geral através de conceitos vagos, sem

definir o que seriam “questões relevantes do ponto de vista econômico, político, social ou

jurídico”.

Utilizou-se, mais uma vez, conceitos vagos, justamente para que a Corte Suprema

possa continuar seu trabalho no sentido de, de acordo com a situação atual de evolução da

sociedade brasileira, estabelecer, caso a caso, o que teria ou não relevância para julgamento

em sede de recurso extraordinário.

Destaca-se, de todo modo, que o fato de se tratar de conceitos vagos não significa que

haja discricionariedade aos julgadores para o seu preenchimento, pois a decisão a ser tomada

é apenas uma: se há, ou não, repercussão geral. Se se admitisse haver discricionariedade250

quanto a esses conceitos, criar-se-ia uma zona de imunidade quanto a qualquer espécie de

controle, caracterizando, pois, ato arbitrário, incompatível com o Estado de Direito.

Desta forma, quanto à relevância do ponto de vista econômico, político, social ou

jurídico, deve-se estabelecer que tais conceitos tem de ser sempre procurados dentro do

próprio ordenamento jurídico brasileiro. Vale dizer, a relevância tem que se dar em face do

ordenamento jurídico em si, em não em face da opinião pessoal de cada ministro do Supremo

Tribunal Federal.

Até por isso, sustenta-se que sempre que uma questão tiver relevância política, social

ou econômica, também terá relevância jurídica: é importante ao ordenamento e à própria

segurança jurídica que o Supremo Tribunal Federal resolva essas questões relevantes,

unificando a interpretação constitucional da matéria, mormente a partir da vigência do novo

Código de Processo Civil, o qual dará maior destaque à verticalização das decisões exaradas

nos pronunciamentos judiciais.

Nessa esteira, Luiz Guilherme Marinoni e Daniel Mitidiero estabeleceram, in verbis:

249 MARINONI; MITIDIERO, 2007, p. 33. 250 Deve-se entender por discricionariedade, pois, a possibilidade de o julgador determinar, caso a caso, o modus operandi que lhe for mais oportuno para a realização de determinada tarefa, existindo mais de uma solução jurídica adequada, o que não acontece no exercício do poder típico do Poder Judiciário.

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“Nossa Constituição, com efeito, trata da ordem econômica em seu Título VII (‘Da Ordem Econômica e Financeira’), arts. 170 a 191; no Título VIII, na seqüencia, cuida da ordem social (‘Da Ordem Social’), arts. 193 a 232; nos Títulos III e IV empresta sua atenção à organização do Estado e dos Poderes, arts. 18 a 135, disciplinando a vida política brasileira. No Título II e no Título VI, Capítulo I, arts. 5º a 17 e arts. 145 a 162, finalmente, disciplina os direitos e garantias individuais e o sistema constitucional tributário, cujas normas constituem, em grande parte, direitos fundamentais. De se notar que a disciplina aí posta é, obviamente, fundamental para a realização do programa constitucional brasileiro. Em outras palavras: as questões aí tratadas são relevantes para a República Federativa do Brasil. Relevantes, igualmente, para efeitos de demonstração da repercussão geral no recurso extraordinário.”251-252

Cabe afirmar, com segurança, que o conceito das questões relevantes, inicialmente

vagos, é preenchido com o advento das decisões da Corte Suprema, as quais vêm reduzindo,

gradativamente, a zona de incerteza, facilitando o controle das decisões por parte do Supremo

Tribunal Federal253:

“Seja como for, os critérios que serão estabelecidos para o exame e avaliação da

repercussão geral jamais poderão ser discricionários, até porque a Corte deverá

explicitar a respectiva ratio decidendi.”254

Fredie Didier Junior e Leonardo Carneiro da Cunha destacam, na esteira dos

ensinamentos de José Carlos Barbosa Moreira sobre a finada arguição de relevância, que

teriam pertinência, sob a óptica da repercussão geral:

“i) decisão capaz de influenciar concretamente, de maneira generalizada, em grande quantidade de casos; ii) decisão capaz de servir à unidade e ao aperfeiçoamento do Direito, ou particularmente significativa para o seu desenvolvimento; iii) decisão que tenha imediata importância jurídica ou econômica para círculo mais amplo de pessoas ou para mais extenso território da vida pública; iv) decisão que possa ter como conseqüência a intervenção do legislador no sentido de corrigir o ordenamento positivo ou de lhe suprir as lacunas; v) decisão que seja capaz de exercer influência capital sobre as relações

251 MARINONI; MITIDIERO, 2007, p. 36. 252 Chama-se a atenção para um dos principais motivos da eterna crise do STF e do RE, muito bem percebida neste excerto trazido, qual seja, da infinidade de matérias constitucionais que são “fundamentais” para a concretização do Estado de Direito brasileiro. O fato é que, com tão amplo rol de matéria constitucional, sua discussão é quase sempre viável, restando ao caráter de transcendência da repercussão geral impedir o conhecimento de recursos extraordinários cuja matéria não ultrapasse a particularidade da causa. 253 Nesse sentido, Teresa Arruda Alvim Wambier afirma que “o uso de determinado conceito jurídico, durante um espaço de tempo razoavelmente longo, pode fazer com que ele deixe de ser vago, ou, pelo menos, que diminua o grau de sua indeterminação. Nesta linha de raciocínio, observa Azzariti, os conceitos jurídicos ‘amadurecem’, se o desenvolvimento social reclama sua utilização” (WAMBIER, T., 2002, p. 147). 254 CRUZ E TUCCI, 2007, p. 151-162.

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com os Estados estrangeiros ou com outros sujeitos de Direito Internacional Público.”255

Não basta, porém, o simples reconhecimento da relevância da matéria arguida em sede

de recurso extraordinário para que se tenha por configurada a repercussão geral. Como já

afirmado, o requisito de admissibilidade ora estudado faz jus ao binômio relevância-

transcendência para existir.

A transcendência nada mais é do que a efetivação da verdadeira função do recurso

extraordinário.

Explica-se: a função primária do recurso extraordinário é viabilizar o controle de

constitucionalidade e a unificação do direito constitucional pátrio por via difusa, sendo

evidente que o objetivo principal é atender ao interesse social no julgamento daquele recurso.

Destarte, a transcendência exigida para a matéria do recurso extraordinário é

justamente a capacidade de a decisão de mérito que por ventura vier a ser proferida

ultrapassar os limites da individualidade das partes e atingir a sociedade de maneira eficaz.

Caracterizando a transcendência, estabeleceram Luiz Guilherme Marinoni e Daniel

Mitidiero que:

“A transcendência da controvérsia constitucional levada ao conhecimento do Supremo Tribunal Federal pode ser caracterizada tanto em uma perspectiva qualitativa como quantitativa. Na primeira, sobreleva para individualização da transcendência o importe da questão debatida para a sistematização e desenvolvimento do direito; na segunda, o número de pessoas susceptíveis de alcance, atual ou futuro, pela decisão daquela questão pelo Supremo e, bem assim, a natureza do direito posto em causa (notadamente, coletivo ou difuso).”256

Outrossim, pode-se referendar que questões levadas à Suprema Corte brasileira, que

tenham por discussão a observância ou a direta violação de direitos e garantias fundamentais,

têm, naturalmente, transcendência, uma vez que interessam a todos a decisão que jurisdiciona

acerca de direito inerente a uma grande gama de pessoas. Ainda, as questões relativas a

interesses difusos e coletivos, como, por exemplo, direitos do consumidor e direito ambiental,

quando debatidas no campo coletivo do interesse social, também têm, fundamentalmente,

transcendência.

255 DIDIER JUNIOR; CUNHA, 2009, p. 336. 256 MARINONI; MITIDIERO, 2007, p. 37.

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Finalmente, destaca-se que o novo Código de Processo Civil avançou no sentido de

expandir as matérias nas quais há repercussão geral. Confira-se o parágrafo terceiro do artigo

1.035:

§ 3º Haverá repercussão geral sempre que o recurso impugnar acórdão que: I - contrarie súmula ou jurisprudência dominante do Supremo Tribunal Federal; II - tenha sido proferido em julgamento de casos repetitivos; III - tenha reconhecido a inconstitucionalidade de tratado ou de lei federal, nos termos do art. 97 da Constituição Federal.

Nessas hipóteses, portanto, nem sequer haverá discussão acerca da existência ou não

da repercussão geral e o recurso extraordinário, com relação à repercussão geral, será

necessariamente conhecido257, tendo em vista que essas matérias são dotadas, ex lege, de

relevância e transcendência.

3.6. Recurso adesivo

O recurso adesivo não é uma espécie recursal, de modo que não há que se falar em

requisitos de admissibilidade próprios a ele.

Conforme se depreende dos dispositivos legais constantes nos parágrafos primeiro e

segundo do artigo 997 do novo Código, “recurso adesivo” é uma forma de interposição de um

dos recursos tipificados no artigo 994, nada mais.

Confira-se:

Art. 997. [...] § 1º Sendo vencidos autor e réu, ao recurso interposto por qualquer deles poderá aderir o outro. § 2º O recurso adesivo fica subordinado ao recurso independente, sendo-lhe aplicáveis as mesmas regras deste quanto aos requisitos de admissibilidade e julgamento no tribunal, salvo disposição legal diversa, observado, ainda, o seguinte: I - será dirigido ao órgão perante o qual o recurso independente fora interposto, no prazo de que a parte dispõe para responder; II - será admissível na apelação, no recurso extraordinário e no recurso especial; III - não será conhecido, se houver desistência do recurso principal ou se for ele considerado inadmissível.

257 WAMBIER, T. et al., 2015b, p. 1507.

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Ademais, conforme destaca Cassio Scarpinella Bueno, “não há [no novo Código], fora

a melhor distribuição das regras, nenhuma modificação substancial naquela diferenciada

forma de interposição do recurso”258, de modo que os ensinamentos atuais acerca do recurso

adesivo permanecerão válidos mesmo após a vigência do Código de Processo Civil de 2015.

O recurso (de apelação, especial ou extraordinário – conforme art. 997, § 2º, II,

CPC/2015) adesivo pressupõe sucumbência recíproca.

Aquele vencedor em parte que era, num primeiro momento, apenas recorrido, além de

contra-arrazoar o recurso interposto pelo outro vencedor em parte, pode interpor recurso

próprio, de mesma natureza do recurso interposto primeiramente, de forma adesiva.

Para tanto, deve preencher os mesmos requisitos de admissibilidade recursal que

deveria preencher se tivesse interposto o recurso de forma independente (art. 997, § 2º, caput,

CPC/2015).

No entanto, o recurso interposto de forma adesiva não é autônomo (art. 997, § 2º,

caput, CPC/2015): além de preencher seus próprios requisitos de admissibilidade recursal,

para ser conhecido, depende do conhecimento do recurso interposto pela parte ex adversa.

Em outras palavras, caso o recurso ao qual aderiu não venha a ser conhecido por

qualquer motivo, o recurso adesivo também será inadmitido.

Nesse sentido, Teresa Arruda Alvim Wambier, Maria Lúcia Lins Conceição, Leonardo

Ferres da Silva Ribeiro e Rogério Licastro Torres de Mello, em comentário ao parágrafo

segundo do artigo 997, destacam:

“Como diz o § 2º, o recurso adesivo depende do principal. Este regime de subordinação implica que o adesivo deva seguir o mesmo destino do principal, salvo quanto à decisão de mérito. Sendo inadmitido o principal, não será conhecido o adesivo (art. 997, [§ 2º], III).”259

3.7. Remessa necessária

Assim como o recurso adesivo, a remessa necessária também merece algumas breves

considerações à luz do novo Código de Processo Civil, mormente no que concerne ao exposto

no artigo 496:

258 BUENO, 2015, p. 640. 259 WAMBIER, T. et al., 2015b, p. 1429.

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Art. 496. Está sujeita ao duplo grau de jurisdição, não produzindo efeito senão depois de confirmada pelo tribunal, a sentença: I - proferida contra a União, os Estados, o Distrito Federal, os Municípios e suas respectivas autarquias e fundações de direito público; II - que julgar procedentes, no todo ou em parte, os embargos à execução fiscal. § 1º Nos casos previstos neste artigo, não interposta a apelação no prazo legal, o juiz ordenará a remessa dos autos ao tribunal, e, se não o fizer, o presidente do respectivo tribunal avocá-los-á. § 2º Em qualquer dos casos referidos no § 1º, o tribunal julgará a remessa necessária. § 3º Não se aplica o disposto neste artigo quando a condenação ou o proveito econômico obtido na causa for de valor certo e líquido inferior a: I - 1.000 (mil) salários-mínimos para a União e as respectivas autarquias e fundações de direito público; II - 500 (quinhentos) salários-mínimos para os Estados, o Distrito Federal, as respectivas autarquias e fundações de direito público e os Municípios que constituam capitais dos Estados; III - 100 (cem) salários-mínimos para todos os demais Municípios e respectivas autarquias e fundações de direito público. § 4º Também não se aplica o disposto neste artigo quando a sentença estiver fundada em: I - súmula de tribunal superior; II - acórdão proferido pelo Supremo Tribunal Federal ou pelo Superior Tribunal de Justiça em julgamento de recursos repetitivos; III - entendimento firmado em incidente de resolução de demandas repetitivas ou de assunção de competência; IV - entendimento coincidente com orientação vinculante firmada no âmbito administrativo do próprio ente público, consolidada em manifestação, parecer ou súmula administrativa.

A terminologia “remessa necessária” foi unificada no novo Código (arts. 496, 936,

942, § 4º, II, 947, 978, parágrafo único, e 1.040, II) e deve ser a nomenclatura mais adequada

a ser utilizada a partir de sua entrada em vigor, mas isso não impede que outros nomes sejam

empregados em sua referência, tais quais “reexame necessário”, “remessa oficial”, “remessa

obrigatória” et cetera.

A remessa necessária não é, sob nenhum ponto de vista, um recurso e, por essa razão,

não possui requisitos de admissibilidade recursal e tampouco lhe foi dada especial atenção

nesta dissertação.

A saber, a remessa necessária não está prevista no artigo 994 (e nenhuma outra lei

federal lhe confere a natureza de recurso), não é voluntária, não obedece a nenhum requisito

formal, não está sujeita a nenhum prazo e o juiz, que é quem realiza a remessa necessária, não

é legitimado e nem tem interesse em recorrer, tendo em vista que a sentença não lhe causa

prejuízo.

Trata-se de condição de eficácia das sentenças proferidas “contra a União, os Estados,

o Distrito Federal, os Municípios e suas respectivas autarquias e fundações de direito

público” e “que julgar[em] procedentes, no todo ou em parte, os embargos à execução

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fiscal”, excetuadas aquelas nas quais presentes uma das exceções legais previstas nos

parágrafos terceiro e quarto acima transcritos.

No mesmo sentido e em comentário a referido artigo do novo Código, Teresa Arruda

Alvim Wambier, Maria Lúcia Lins Conceição, Leonardo Ferres da Silva Ribeiro e Rogério

Licastro Torres de Mello asseveram:

“Não se trata, aqui, de recurso, mas de condição de eficácia da sentença e para que

se opere o trânsito em julgado. Falta-lhe a característica, típica dos recursos, que é

a voluntariedade.”260

A remessa necessária é hipótese legal de duplo grau de jurisdição obrigatório e,

consequentemente, não voluntário.

Uma sentença sujeita à remessa necessária apenas transitará em julgado após a

apreciação do caso pelo tribunal ad quem a esse título, independentemente do prazo havido

entre a sentença e o julgamento da remessa necessária.

Além disso, a sujeição da sentença à remessa necessária não exclui a possibilidade de

o legitimado e interessado em recorrer interpor o recurso cabível contra a sentença: a remessa

necessária não é ato processual de impugnação da sentença e, por isso mesmo, não exclui o

recurso da parte, terceiro, Ministério Público ou do amicus curiae.

260 WAMBIER, T. et al., 2015b, p. 808.

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CAPÍTULO IV – SANABILIDADE DA AUSÊNCIA E VÍCIOS DE (QUASE) TODOS

OS REQUISITOS DE ADMISSIBILIDADE RECURSAL NO NOVO CPC

Sumário: 4.1. Sanabilidade da falta (e do vício) de um ou mais requisitos de admissibilidade recursal. 4.2. Tempestividade: requisito de admissibilidade recursal invencível. 4.3. Não aplicação do princípio da sanabilidade aos fatos impeditivos ou extintivos do direito de recorrer. 4.4. Proposta de sistematização dos requisitos de admissibilidade recursal no novo CPC.

O novo Código de Processo Civil não representa uma ruptura com o ordenamento

jurídico-processual já existente sob a égide do Código de Processo Civil de 1973.

Ele representa – ora para melhor, ora para pior – uma evolução do ordenamento

jurídico-processual existente e busca, nitidamente, proporcionar aos jurisdicionados a

existência de um processo civil mais célere, que prestigia a conciliação entre as partes e que,

sem desrespeitar a Constituição Federal e nem a própria lógica do sistema que será

inaugurado a partir da vigência do novo Código de Processo Civil, busca ainda superar os

vícios que eventualmente se façam presentes a fim de se atingir uma solução definitiva, de

mérito.

De acordo com Teresa Arruda Alvim Wambier, Maria Lúcia Lins Conceição,

Leonardo Ferres da Silva Ribeiro e Rogério Licastro Torres de Mello, “cria-se [ou ao menos

se pretende criar], com o NCPC, o processo que rende: que resolve de vez a controvérsia

subjacente à demanda”261.

Nessa esteira, como já exposto em algumas oportunidades nesta dissertação, o novo

Código de Processo Civil tem como uma de suas vigas estruturais o princípio da sanabilidade

dos vícios processuais262-263, cuja compreensão é indispensável para que se entenda a

conclusão que será exarada ao final deste capítulo e a nova sistematização dos requisitos de

admissibilidade recursal proposta.

Pelo princípio da sanabilidade dos vícios processuais, que restará incorporado à

garantia constitucional do devido processo legal a partir da vigência do Código de 2015, tem- 261 WAMBIER, T. et al., 2015b, p. 51. 262 Destaca-se que, para finalidade desta dissertação, pouco importa a natureza da nulidade do vício a ser sanado; investigar-se-á as formas de sanabilidade no caso de ausência dos requisitos de admissibilidade recursal, e não se o não preenchimento deles acarreta nulidade absoluta, relativa ou até mesmo inexistência do ato praticado. 263 Ainda sobre o princípio da sanabilidade dos vícios processuais que atingem os atos praticados, destaca-se o enunciado nº 278 do Fórum Permanente de Processualistas Civis: “O CPC adota como princípio a sanabilidade dos atos processuais defeituosos.”

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se que os atos processuais que não puderem ser aproveitados, independentemente da forma

(princípio da instrumentalidade dos atos processuais), e que não puderem ser ignorados pelo

fato de não causarem nenhum prejuízo (pas de nullité sans grief) devem ser sanados com a

intimação daquele que praticou o ato viciado, ou para refazê-lo ou para retificá-lo.

Essa regra geral está estabelecida no caput do artigo 282 do Código de Processo Civil

de 2015:

Art. 282. Ao pronunciar a nulidade, o juiz declarará que atos são atingidos e ordenará as providências necessárias a fim de que sejam repetidos ou retificados. § 1º O ato não será repetido nem sua falta será suprida quando não prejudicar a parte. § 2º Quando puder decidir o mérito a favor da parte a quem aproveite a decretação da nulidade, o juiz não a pronunciará nem mandará repetir o ato ou suprir-lhe a falta.

Além dessa norma, notadamente voltada ao julgador de primeiro grau, o legislador

infraconstitucional federal procedeu bem e a reproduziu, de forma adaptada e adequada, como

uma das “incumbências” do relator nos processos em trâmite perante o tribunal.

Confira-se o parágrafo único do artigo 932 do novo Código:

Art. 932. Incumbe ao relator: [...] Parágrafo único. Antes de considerar inadmissível o recurso, o relator concederá o prazo de 5 (cinco) dias ao recorrente para que seja sanado vício ou complementada a documentação exigível.

Essa “incumbência” se trata de verdadeiro dever imposto pelo legislador

infraconstitucional ao relator dos recursos nos tribunais (locais e superiores): é vedado ao

relator não conhecer o recurso interposto sem que antes seja conferido o prazo legal de cinco

dias úteis para que o recorrente sane o vício identificado e/ou complemente a documentação

exigível264.

No mesmo sentido, Teresa Arruda Alvim Wambier, Maria Lúcia Lins Conceição,

Leonardo Ferres da Silva Ribeiro e Rogério Licastro Torres de Mello, em comentário ao

supracitado artigo 932:

264 É nesse mesmo sentido o Enunciado no 82 do Fórum Permanente de Processualistas Civis: “É dever do relator, e não faculdade, conceder o prazo ao recorrente para sanar o vício ou complementar a documentação exigível, antes de inadmitir qualquer recurso, inclusive os excepcionais”.

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“O parágrafo único contém regra que permeia todo o NCPC, no sentido de que deve haver o amplo aproveitamento da atividade processual, com ampla sanabilidade de vícios. Segundo essa regra, ao considerar a hipótese de inadmitir o recurso (inciso III), deve o relator conceder ao recorrente o prazo de cinco dias para que complemente documentação faltante ou promova a sanação do vício.”265

O prazo de cinco dias úteis é improrrogável: se, de um lado, o novo Código de

Processo Civil disponibiliza todas as ferramentas processuais possíveis para se atingir o

mérito da causa e se dar uma decisão que a resolva, efetivamente e de forma definitiva, de

outro lado, o Código de 2015 não admite a eternização do processo.

Depois de interpor um recurso defeituoso, o recorrente terá apenas uma chance de

consertá-lo.

Ainda sobre esse dispositivo do novo Código, Cassio Scarpinella Bueno assevera que

“merece destaque o parágrafo único do art. 932, segundo o qual é generalizado

(corretamente) o dever de o relator criar oportunidade de o recorrente sanar vício,

aprimorando, com a iniciativa, a regra que, no CPC atual, está no art. 515, § 4º.”266

Destaca-se, ainda, que a norma do parágrafo único do artigo 932 não distingue os

vícios que podem ser sanados e nem estabelece grau de gravidade entre eles, de modo que até

mesmo os erros crassos, grosseiros, poderão ser corrigidos.

Essa regra geral, no entanto e como se poderia presumir, não é absoluta: existem

requisitos de admissibilidade recursal que, se viciados, independentemente da disposição do

parágrafo único do artigo 932 do novo Código, não podem ser sanados.

Passa-se a analisar, neste último capítulo, essa nova sistemática de sanabilidade no

caso de ausência (ou vício de qualquer natureza) de quase todos os requisitos de

admissibilidade recursal.

Isso porque, como se demonstrará adiante, defende-se nesta dissertação que não é

possível sanar vício com relação à tempestividade e nem se deve cogitar o princípio da

sanabilidade dos atos processuais aos fatos impeditivos e extintivos do direito de recorrer.

265 WAMBIER, T. et al., 2015b, p. 1328. 266 BUENO, 2015, p. 581.

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4.1. Sanabilidade da falta (ou do vício) de um ou mais requisitos de admissibilidade

recursal

Em regra, como adiantado no tópico anterior, caso o relator designado para o

julgamento do recurso interposto constate a existência de um ou mais vícios relativos aos

requisitos de admissibilidade recursal, ou até mesmo sua inexistência, ele deve intimar aquele

que praticou o ato processual contaminado a fim de que ele sane o vício identificado, no prazo

improrrogável de cinco dias úteis.

No caso de interposição de um recurso que não era cabível para impugnar o

pronunciamento judicial que lhe é objeto, o recorrente deve ser intimado a ajustar seu recurso

para aquele adequado no caso concreto, no prazo de cinco dias.

Como o novo Código de Processo Civil não apresenta nenhuma exceção à regra do

parágrafo único do artigo 932, deve-se assumir – até que haja a consolidação da

jurisprudência diante da prática forense na vigência do novo Codex – que todo e qualquer

recurso interposto pode ter seu cabimento ajustado.

Essa regra deve valer, inclusive, quando o recorrente interpuser determinado recurso

com fundamento em uma das suas hipóteses de cabimento e o relator identificar que deveria

ter interposto aquele mesmo recurso por outra – isso pode ocorrer nos recursos de

fundamentação vinculada que apresentam pluralidade de hipóteses de cabimento, tais como os

embargos de declaração, o agravo de instrumento e os recursos excepcionais.

Conforme adiantado quando da análise do cabimento enquanto requisitos de

admissibilidade recursal intrínseco, essa possibilidade de correção do cabimento – que deve

ser determinada pelo relator no caso de não cabimento do recurso interposto – tem o potencial

para diminuir a quase zero as hipóteses nas quais se deve aplicar o princípio da fungibilidade

recursal, pois inexistiria razão para o tribunal conhecer um recurso pelo outro, bastaria

determinar que o recorrente adequasse o recurso interposto para aquele cabível.

Ainda com relação à possibilidade de se corrigir o cabimento do recurso, adequando-o

a outro, existe a hipótese legal do artigo 1.032 do novo Código:

Art. 1.032. Se o relator, no Superior Tribunal de Justiça, entender que o recurso especial versa sobre questão constitucional, deverá conceder prazo de 15 (quinze) dias para que o recorrente demonstre a existência de repercussão geral e se manifeste sobre a questão constitucional. Parágrafo único. Cumprida a diligência de que trata o caput, o relator remeterá o recurso ao Supremo Tribunal Federal, que, em juízo de admissibilidade, poderá devolvê-lo ao Superior Tribunal de Justiça.

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Nessa hipótese legal, o recorrente terá quinze dias úteis267 (ao invés de cinco) para: (i)

adequar o cabimento do recurso interposto para recurso extraordinário; (ii) sanar a

inexistência de demonstração de repercussão geral; e (iii) sanar vício nas razões recursais, que

deverão ser acerca da matéria constitucional identificada pelo Superior Tribunal de Justiça.

Não se trata, pois, de mero conhecimento do recurso especial como se extraordinário

fosse, razão pela qual se entende indevido considerar o caput do artigo 1.032 como uma

hipótese legal de aplicação do princípio da fungibilidade (ao contrário do que ocorre com a

hipótese do artigo 1.033, como já analisado).

A norma do artigo 1.032 ainda revela uma outra característica relativa à sanação do

conhecimento dos recursos: sempre que se identificar vício relativo a este requisito de

admissibilidade recursal, identificar-se-á vícios com relação a outros requisitos de

admissibilidade recursal, mormente relacionados à regularidade formal.

A mesma regra vale para as hipóteses de se verificar vício na legitimação para recorrer

e no interesse em recorrer do recorrente.

Se o relator identificar algum vício, ou mesmo se tiver dúvidas com relação à

legitimidade para recorrer e interesse do recorrente em interpor o recurso, deve intimar o

recorrente para que emende o recurso (à semelhança do que ocorre no caso de emenda à

petição inicial) a fim de que esclareça e demonstre, de forma cabal, a existência desses

requisitos de admissibilidade recursal intrínsecos, sob pena de não conhecimento do recurso

interposto.

De igual modo, uma vez identificado algum vício com relação aos elementos da

regularidade formal do recurso, ou até mesmo, a inexistência de algum deles (como a falta de

razões recursais, a falta de pedido recursal ou ainda, a falta de documentos obrigatórios no

agravo de instrumento – art. 1.017, § 3º, CPC/2015 –, por exemplo), o recorrente também

deve ser intimado a sanar o vício no prazo de cinco dias.

Obviamente, a inexistência de petição escrita não pode ser encarada como um vício do

recurso: conforme analisado no capítulo anterior, sob a vigência do Código de 2015, todo e

qualquer recurso previsto no artigo 994 deverá ser interposto através de petição escrita; se não

267 Identifica-se, nesse dispositivo, flagrante prestígio do legislador infraconstitucional à resolução de casos pelos tribunais superiores que, em última instância, servirá para compor o “banco de dados jurisprudencial” utilizado para a verticalização das decisões sobre as matérias que forem apreciadas pelo STF e pelo STJ. Assim, se o STJ identificar uma questão constitucional que deva ser resolvida pelo STF, o legislador entende que essa é uma questão importante e que o recorrente deve ter mais que os cinco dias previstos no art. 932, § único, CPC/2015, para adequar seu recurso e viabilizar sua apreciação pelo STF.

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houver esta, inexistirá recurso e, inexistindo recurso, nem sequer há que se falar em análise de

requisitos de admissibilidade recursal, que dirá na possibilidade de existência de algum vício.

E não há diferença nenhuma de tratamento com relação a eventuais vícios

identificados nos recursos destinados ao Supremo Tribunal Federal e ao Superior Tribunal de

Justiça.

Se for identificado algum vício ou até mesmo a falta de demonstração de algum dos

requisitos de admissibilidade recursal que lhes são específicos, como o prequestionamento e a

repercussão geral, por exemplo, o recorrente deverá ser intimado a saná-lo, sob pena de não

conhecimento do recurso.

O mesmo vale dizer no caso de o Superior Tribunal Federal entender que o recorrente

não realizou o cotejo analítico a contento entre o acórdão paradigma e o acórdão impugnado,

necessário para o conhecimento do recurso especial pela alínea “c” do artigo 105, III, da

Constituição Federal268.

Finalmente, com relação aos requisitos de admissibilidade recursal que podem ser

sanados pelo recorrente à luz do disposto no supracitado parágrafo único do artigo 932,

merece especial destaque o tratamento dado pelo novo Código ao recolhimento das custas de

preparo e de porte de remessa e de retorno dos autos.

Confira-se, pela relevância, os parágrafos do artigo 1.007 do Código de 2015

relacionados à forma de preenchimento desse requisito de admissibilidade recursal em caso de

vício:

Art. 1.007. No ato de interposição do recurso, o recorrente comprovará, quando exigido pela legislação pertinente, o respectivo preparo, inclusive porte de remessa e de retorno, sob pena de deserção. [...]

268 Com isso, estanca-se a proliferação de decisões de inadmissibilidade de recurso especial, pois o recorrente teria realizado, na óptica do STJ, mera transcrição dos acórdãos. Confira-se exemplo de decisão recente nesse sentido, que deverá se tornar rara a partir da vigência do CPC/2015: “PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. AUSÊNCIA DE AFRONTA AO ART. 535 DO CPC. REEXAME DO CONJUNTO FÁTICO-PROBATÓRIO. INCIDÊNCIA DA SÚMULA N. 7/STJ. DIVERGÊNCIA JURISPRUDENCIAL NÃO DEMONSTRADA. DECISÃO MANTIDA. 1. Inexiste afronta ao art. 535 do CPC quando o acórdão recorrido analisou todas as questões pertinentes para a solução da lide, pronunciando-se, de forma clara e suficiente, sobre a controvérsia estabelecida nos autos. 2. No caso concreto, o Tribunal de origem reconheceu estar presente o perigo de dano de difícil reparação, motivo pelo qual atribuiu efeito suspensivo ao recurso de apelação. Dissentir de tal entendimento demandaria o reexame da prova dos autos, o que encontra óbice na Súmula n. 7/STJ. 3. Não se conhece do dissídio jurisprudencial suscitado no recurso especial quando descumpridas as exigências dos artigos 541, parágrafo único, do CPC e 255, §§ 1º e 2º, do RISTJ. Ressalte-se que a mera transcrição das ementas dos acórdãos apontados como paradigmas não serve para configurar a divergência. 4. Agravo regimental improvido.” (AgRg no AREsp nº 766.095/SP, Min. Rel. Antonio Carlos Ferreira, 4ª Turma, STJ. DJe em 27.11.2015)”.

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§ 2º A insuficiência no valor do preparo, inclusive porte de remessa e de retorno, implicará deserção se o recorrente, intimado na pessoa de seu advogado, não vier a supri-lo no prazo de 5 (cinco) dias. [...] § 4º O recorrente que não comprovar, no ato de interposição do recurso, o recolhimento do preparo, inclusive porte de remessa e de retorno, será intimado, na pessoa de seu advogado, para realizar o recolhimento em dobro, sob pena de deserção. § 5º É vedada a complementação se houver insuficiência parcial do preparo, inclusive porte de remessa e de retorno, no recolhimento realizado na forma do § 4º. § 6º Provando o recorrente justo impedimento, o relator relevará a pena de deserção, por decisão irrecorrível, fixando-lhe prazo de 5 (cinco) dias para efetuar o preparo. § 7º O equívoco no preenchimento da guia de custas não implicará a aplicação da pena de deserção, cabendo ao relator, na hipótese de dúvida quanto ao recolhimento, intimar o recorrente para sanar o vício no prazo de 5 (cinco) dias.

A aplicação da pena de deserção ao recorrente que falha no recolhimento das custas de

preparo e de porte de remessa e de retorno não é automática e nem poderia ser pelo tudo o

quanto exposto adrede.

Dessa forma, o legislador infraconstitucional federal, por opção de política judiciária,

estabeleceu regras específicas para o recorrente sanar eventuais vícios com relação a esse

requisito de admissibilidade recursal.

Confira-se os vícios identificados ex lege e a forma de corrigi-los:

a) recolhimento insuficiente (pagamento a menor) das custas de

preparo e de porte de remessa e de retorno dos autos: o recorrente será

intimado a complementar as custas devidas no prazo de cinco dias

úteis;

b) não comprovação de nenhum recolhimento de custas no ato de

interposição do recurso: intimação do recorrente para realizar o

pagamento em dobro das custas devidas;

c) não comprovação de nenhum recolhimento de custas no ato de

interposição do recurso, mas com prova, pelo recorrente, de justo

impedimento: o recorrente deve ser intimado a realizar o pagamento

das custas no prazo de cinco dias úteis; e,

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d) equívoco no preenchimento das guias de custas: o recorrente

será intimado a, no prazo de cinco dias úteis, sanar o vício (se o

recorrente não puder fazer prova de que ele realizou o recolhimento

das custas devidas, a despeito da incorreção das guias, ele deve, já

nesse prazo, realizar o recolhimento em dobro dos valores devidos; se

só se puder fazer prova do recolhimento parcial, o recorrente deverá,

além de comprovar esse recolhimento, realizar a complementação do

pagamento).

O não atendimento à determinação do órgão julgador para que o recorrente sane vício

com relação ao recolhimento das custas de preparo e de porte de remessa e de retorno acarreta

a aplicação da pena de deserção e o não conhecimento do recurso por esse motivo.

Destaca-se, ainda, que as hipóteses previstas nos parágrafos do artigo 1.007 não são

cumulativas (como se depreende de seu parágrafo quinto): caso o recorrente seja intimado a

sanar algum vício com relação a esse requisito de admissibilidade recursal, ele tem que fazê-

lo a contento nessa primeira e única oportunidade de correção, sob pena de deserção.

Vale dizer, exemplificativamente, que é defeso ao recorrente, intimado a pagar em

dobro as custas devidas ao Estado, recolher esse valor a menor, pois ele não será intimado a

complementar esse valor: haverá aplicação imediata da pena de deserção e seu recurso será

inadmitido.

Destaca-se, por derradeiro, pela exegese do parágrafo primeiro do artigo 938 do novo

Código de Processo Civil, que os vícios sanáveis podem ter sua correção determinada mesmo

se identificados no momento do julgamento em sessão do tribunal.

Ademais, se for possível, o relator deve determinar que o vício seja sanado

imediatamente, prosseguindo no julgamento do mérito do recurso (art. 938, § 2º, CPC/2015).

4.2. Tempestividade: requisito de admissibilidade recursal invencível

Ou o recurso interposto é tempestivo, ou não o é: com relação à tempestividade

recursal, não se admite meio-termo.

Isso permite que se afirme, categoricamente, que a tempestividade é o requisito de

admissibilidade recursal invencível, insanável no novo Código de Processo Civil.

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Conforme Teresa Arruda Alvim Wambier, Maria Lúcia Lins Conceição, Leonardo

Ferres da Silva Ribeiro e Rogério Licastro Torres de Mello afirmam, “não são sanáveis, por

exemplo, existência de coisa julgada, litispendência [esses dois são elementos que impedem o

exercício do direito de ação], intempestividade”269.

E isso ocorre, basicamente, por um único motivo: o decurso de prazo recursal sem a

interposição de recurso – transcurso in albis do prazo – acarreta a coisa julgada (formal ou

material) do pronunciamento judicial que poderia ser impugnado.

De acordo com o artigo 502 do novo Codex, “denomina-se coisa julgada material a

autoridade que torna imutável e indiscutível a decisão de mérito não mais sujeita a recurso”.

No mesmo sentido, o artigo 507 estabelece que “é vedado à parte discutir no curso do

processo as questões já decididas a cujo respeito se operou a preclusão”. A preclusão à qual

se refere o artigo 507 do CPC/2015 nada mais é que a coisa julgada formal, imutável dentro

do processo e que surge a partir da irrecorribilidade do pronunciamento judicial que não tenha

conteúdo de mérito.

Assim, se o recurso for intempestivo, ou seja, interposto após o decurso do prazo

recursal estabelecido em lei, o pronunciamento judicial do qual se pretendia recorrer tornar-

se-á imutável, irrecorrível (se se tratar de decisão sobre a qual se operou a coisa julgada

material, ela somente poderá ser rescindida ou anulada por meio de ações autônomas).

Não é possível corrigir a tempestividade do recurso interposto, a não ser que se

invente a máquina do tempo (ou se fraude o comprovante de protocolo, o que nem sequer se

cogita).

Se o recurso foi interposto após o decurso do prazo recursal, não há como se remediar,

não existe ato processual que possa ser praticado a fim de tornar o recurso tempestivo.

Com a interposição de recurso intempestivo, o pronunciamento judicial que se

pretendia impugnar se torna imutável e esse fenômeno ocorre no primeiro dia (útil ou não)

imediatamente subsequente ao último dia do prazo recursal do qual o recorrente gozava.

É o recurso interposto tempestivamente que abre a via recursal.

Sob a óptica dos demais requisitos de admissibilidade recursal, deve-se dizer, sem

medo de errar, que a sua análise depende da interposição de recurso tempestivo.

De igual modo, só haverá determinação para que o recorrente sane algum vício

identificado no recurso se ele for tempestivo.

269 WAMBIER, T. et al., 2015b, p. 1335.

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Em sentido oposto, se o recurso for intempestivo, o órgão julgador nem sequer deve

realizar a análise dos outros requisitos de admissibilidade recursal.

No tocante à tempestividade, é possível que o relator determine a intimação do

recorrente para que ele demonstre a tempestividade do recurso com fulcro no parágrafo único

do artigo 932.

Não se trata de sanar eventual intempestividade do recurso, mas sim de demonstrar, de

forma cabal e à margem de dúvidas, que o recurso foi interposto tempestivamente – conforme

ventilado anteriormente, o recorrente pode ser intimado com fulcro no artigo 932, parágrafo

único, do Código de 2015, exempli gratia, para demonstrar a ocorrência de feriado local ou

para demonstrar, por “A + B”, que realizou a contagem do prazo recursal de forma correta e

interpôs o recurso tempestivamente.

O mesmo raciocínio deve ser aplicado caso a data do protocolo do recurso ou de sua

postagem no correio esteja ilegível: o recorrente pode ser intimado a demonstrar a

tempestividade do recurso, assim como se pode determinar que auxiliares do juízo atestem, ou

não, comprovadamente, a tempestividade do recurso.

Ocorre que, se o recurso for intempestivo, ele será inadmitido – não há como fazê-lo

tempestivo.

A tempestividade é um requisito de admissibilidade recursal extrínseco, objetivo,

exato e de extremos, não admitindo relativização.

O sistema de sanabilidade dos atos processuais que será inaugurado a partir da

vigência do novo Código de Processo Civil é exatamente nesse sentido, de que a

tempestividade não pode ser relativizada.

Nessa esteira, destaca-se o parágrafo terceiro do artigo 1.029 do novo Código:

§ 3º O Supremo Tribunal Federal ou o Superior Tribunal de Justiça poderá

desconsiderar vício formal de recurso tempestivo ou determinar sua correção,

desde que não o repute grave.

Esse dispositivo, que decorre diretamente do parágrafo único do artigo 932, deixa

evidente que qualquer vício pode ser corrigido, desde que o recurso seja tempestivo.

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Os comentários de Teresa Arruda Alvim Wambier, Maria Lúcia Lins Conceição,

Leonardo Ferres da Silva Ribeiro e Rogério Licastro Torres de Mello a esse dispositivo do

novo Código são no mesmo sentido de tudo o quanto defendido nesta dissertação270:

“Esta é uma grande novidade do NCPC que tem em vista desestimular a jurisprudência defensiva e está em perfeita consonância com uma das linhas mestras do novo Código, que é a de que haja revelação ou sanação de vícios, para que o mérito (da ação ou do recurso) seja julgado. É isso que a parte quer e é isso que a sociedade precisa: processos que gerem real e efetiva solução aos conflitos subjacentes. Não se releva intempestividade. Mas se houver carimbos borrados, por exemplo, não há como deixar-se de determinar a correção do defeito ou relevá-lo, pois não se trata de vício que possa ser reputado grave, sob ângulo algum.”271

Há, portanto, flagrante hierarquia entre eles: a tempestividade está acima de todos os

outros.

A tempestividade do recurso interposto é pré-requisito para que o tribunal possa

avançar na análise dos outros requisitos de admissibilidade recursal e para que o tribunal

possa, eventualmente e se necessário, desconsiderar ou determinar que se corrija determinado

vício identificado.

4.3. Não aplicação do princípio da sanabilidade aos fatos impeditivos ou extintivos do

direito de recorrer

A inexistência de fatos impeditivos ou extintivos do direito de recorrer é um requisito

de admissibilidade recursal intrínseco “negativo”, como afirmado anteriormente.

Espera-se, portanto, que eles não existam para que o recurso possa ser interposto ou

possa ter prosseguimento, de modo que se exclui, por consequência lógica, a possibilidade de

se sanar a inexistência deles.

Mas não é só: para fins de admissibilidade recursal, entende-se que não se pode aplicar

o princípio da sanabilidade à existência de um fato impeditivo ou extintivo do direito de

recorrer.

270 Também no mesmo sentido, Pedro Miranda de Oliveira (OLIVEIRA, 2015, p. 2298-2299) destaca, em comentário ao art. 1.029 do novo CPC, que o princípio da primazia do julgamento do mérito (art. 4º, CPC/2015) causou a flexibilização dos requisitos de admissibilidade recursal. 271 WAMBIER, T. et al., 2015b, p. 1496.

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Em outras palavras, se no momento de interposição do recurso perdura um fato

extintivo do direito de recorrer, o recurso não poderá ser conhecido.

De igual modo, a superveniência de um fato impeditivo do direito de recorrer já

exercido acarreta sua imediata inadmissibilidade.

Isso decorre diretamente da natureza dos fatos impeditivos e extintivos do direito de

recorrer.

A desistência do recurso, a renúncia ao direito de recorrer e a aceitação do

pronunciamento judicial desfavorável, conforme já analisado, são todos atos voluntários e que

não admitem retratação: uma vez praticado um desses atos pelo recorrente, seu recurso deverá

ser inadmitido.

Com relação a esses requisitos, o máximo que pode acontecer é a intimação do

recorrente para que sane eventual vício constatado nesses atos a fim de que eles surtam o

efeito obstativo ao recurso interposto, o que não será feito à luz do parágrafo único do artigo

932, pois esse dispositivo é voltado para a correção de vícios para que o recurso seja

admitido, e não o contrário.

Já com relação à ausência de depósito prévio de multa cominada por abuso do direito

de recurso e à impossibilidade de oposição de novos embargos de declaração após a oposição

de dois embargos de declaração sequenciais julgados como manifestamente protelatórios,

entende-se que se tratam de penas impostas ao recorrente que abusa do direito de recorrer e

age com deslealdade processual.

O recorrente não pode ser intimado a realizar o pagamento de multa cominada por

abuso do direito de recurso após a interposição do recurso e nem pode ser intimado a adequar

o terceiro recurso embargos de declaração oposto para outro recurso cabível após os dois

embargos de declaração anteriores terem sido julgados como protelatórios, sob pena de

beneficiar o recorrente da sua própria torpeza.

Ademais, como exposto em tópico próprio, a ausência de depósito prévio de multa

cominada por abuso do direito de recurso e a impossibilidade de oposição de novos embargos

de declaração após a oposição de dois embargos de declaração sequenciais julgados como

manifestamente protelatórios são verdadeiros fatos impeditivos do direito de recorrer, e não

condições suspensivas da tramitação do recurso.

Assim, se esses fatos impeditivos estiverem presentes no ato da interposição do

recurso, ele não será admitido e não haverá possibilidade de afastá-los posteriormente.

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Por fim, quanto à ausência de comprovação na origem de interposição de agravo de

instrumento, desde que arguido e provado pelo agravado, destaca-se o entendimento já

exarado no sentido de que, no novo Código de Processo Civil (art. 1.018), trata-se de péssimo

dispositivo mal transplantado do artigo 526 do Código de 1973, inconstitucional e que nem

sequer deveria existir.

De toda forma e a despeito disso, por natureza, esse fato extintivo do direito de

recorrer é ônus imposto ao recorrente que tem prazo preclusivo expresso para ser praticado,

de modo que, pelo que se depreende do sistema recursal do novo Código de Processo Civil,

não pode ser praticado a posteriori – mais uma vez, o recorrente não pode se beneficiar da sua

própria torpeza.

Se o agravante não cumprir com o ônus estabelecido no artigo 1.018, parágrafo

segundo, do Código de 2015, o agravo de instrumento que interpôs deve ser inadmitido caso,

e apenas se, o agravado arguir esse descumprimento e comprová-lo quando da apresentação

de suas contrarrazões ao recurso.

Se, de um lado, parece que o agravante não pode ser intimado a cumprir com esse

ônus após o decurso do prazo legal, de outro, parece que o princípio da sanabilidade dos atos

processuais pode, nesse caso, ser aplicado em favor do agravado: se este alegar o

descumprimento daquele ônus pelo agravante, mas não comprová-lo, o órgão julgador pode

intimá-lo para que comprove sua alegação no prazo de cinco dias úteis, sob pena de

prosseguimento do agravo de instrumento.

De toda forma, independentemente das convicções apresentadas nesta dissertação,

destaca-se que a jurisprudência que vier a se consolidar após a entrada em vigor do novo

Código de Processo Civil é que irá determinar a amplitude da aplicação prática do parágrafo

único do artigo 932 e dispositivos dele decorrentes.

4.4. Proposta de sistematização dos requisitos de admissibilidade recursal no novo CPC

A análise dos requisitos de admissibilidade recursal sob a óptica do princípio da

sanabilidade dos atos processuais consagrada no novo Código de Processo Civil, como a

acima realizada, exige que se proponha uma nova sistematização, uma nova classificação

desses requisitos.

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Isso ocorre não porque a classificação desses requisitos entre intrínsecos e extrínsecos

não seja mais adequada e nem útil, ela é e permanecerá assim com a vigência do novo

Código.

De todo modo, diante de tudo o quanto exposto nesta dissertação, também se revela

como adequada e útil uma classificação dos requisitos de admissibilidade recursal a partir da

sua sanabilidade ou não, nos moldes da sistemática do novo Código de Processo Civil.

Como visto, a tempestividade emerge como um requisito de admissibilidade recursal

hierarquicamente superior a todos os demais, não só porque a intempestividade é vício

insanável, mas também, porque somente o recurso tempestivo é que propiciará a análise dos

demais requisitos de admissibilidade recursal e, consequentemente, a possibilidade de sanação

de algum vício eventualmente identificado.

Abaixo da tempestividade, encontra-se a existência de fato impeditivo ou extintivo do

direito de recorrer, que também é insanável.

Por fim, na base e na mesma linha hierárquica, encontram-se todos os demais

requisitos de admissibilidade recursal, intrínseco e extrínsecos.

Explica-se.

Tudo decorre do raciocínio lógico que deve ser empregado na análise dos requisitos de

admissibilidade recursal: primeiramente, constata-se a tempestividade do recurso; sendo

tempestivo, verifica-se se existe um ou mais fatos impeditivos ou extintivos do direito de

recorrer; caso essa segunda verificação seja negativa, passa-se à análise dos demais requisitos

de admissibilidade recursal, que devem estar presentes simultaneamente no recurso para que

este seja conhecido; se todos esses outros requisitos de admissibilidade estiverem presentes,

prossegue-se ao julgamento do mérito recursal, caso contrário, concede-se o prazo de cinco

dias úteis para que o recorrente sane os vícios identificados pelo órgão julgador.

Esse raciocínio lógico de verificação dos requisitos de admissibilidade recursal, diga-

se, é o mesmo empregado sob a vigência do Código de 1973.

Acontece que, agora, com a sistematização da sanabilidade dos atos processuais

viciados no novo Código, apresenta-se como indispensável a hierarquização deles ora

proposta.

Desse modo, encerra-se a parte discursiva que precede à conclusão apresentando ao

leitor o seguinte esquema hierárquico-classificatório dos requisitos de admissibilidade

recursal, tomando-se como critério a possibilidade de sanação de eventuais vícios

identificados quando da realização do juízo de admissibilidade recursal.

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Por uma questão prática de esquematização, separara-se os requisitos de

admissibilidade recursal em não sanáveis e sanáveis. Confira-se:

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CONCLUSÕES

O novo Código de Processo Civil está na iminência de sua vigência e demanda estudo

pormenorizado de todos os seus 1.072 artigos. Se nada for alterado no meio de seu percurso,

ele entra em vigor em 17 de março de 2016.

Na presente dissertação, propôs-se o estudo dos requisitos de admissibilidade recursal

no novo CPC.

Optou-se pela análise detalhada tanto dos requisitos de admissibilidade recursal – ora

artigo por artigo, ora de forma comparativa com o sistema vigente em razão do Código de

1973 – como da nova sistemática de sanabilidade dos vícios processuais que, conforme

demonstrado, revelaram a necessidade de sistematizar hierarquicamente os requisitos de

admissibilidade recursal e classificá-los entre não sanáveis e sanáveis.

Antes de abordar o tema propriamente dito, fez-se necessário, em consideração à boa

técnica, ambientalizar o tema.

Num primeiro momento, verificou-se o direito de recurso como um direito subjetivo e

fundamental do ser humano, mas não autônomo, vez que dependente do prévio exercício do

direito de ação. O exercício do direito de recurso – através da interposição de um recurso

dotado de todos os requisitos de admissibilidade recursal –, por sua vez, permite ao recorrente

o acesso ao duplo grau de jurisdição.

Recurso é o instrumento processual pelo qual se exerce o direito de recurso, utilizado

por quem pretende reformar, anular ou aclarar um pronunciamento judicial que lhe foi

desfavorável – o recurso é um justo acalento ao inconformismo natural do ser humano e

viabiliza o duplo grau de jurisdição.

O duplo grau de jurisdição, ou melhor, o princípio do duplo grau de jurisdição, de

natureza constitucional, garante ao jurisdicionado a possibilidade de provocar uma segunda

análise – por um órgão hierarquicamente superior – de matéria já decidia, o que, vale dizer,

não é sinônimo de uma decisão qualitativamente melhor.

Além do princípio do duplo grau de jurisdição, constatou-se que os recursos estão

envoltos em uma série de princípios processuais recursais, dentre os quais se destacou: (i)

taxatividade; (ii) unirrecorribilidade dos pronunciamentos judiciais; (iii) fungibilidade; (iv)

proibição da reformatio in pejus; (v) dialeticidade; (vi) voluntariedade; (vii)

complementariedade; e (viii) consumação.

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Tratadas essas questões preliminares, verificou-se que, a partir da vigência do novo

Código de Processo Civil, aquele interessado em recorrer poderá interpor um dos recursos

taxativamente previstos no artigo 994:

Art. 994. São cabíveis os seguintes recursos: I - apelação; II - agravo de instrumento; III - agravo interno; IV - embargos de declaração; V - recurso ordinário; VI - recurso especial; VII - recurso extraordinário; VIII - agravo em recurso especial ou extraordinário; IX - embargos de divergência.

De um lado, o legislador infraconstitucional realizou alterações significativas no

sistema recursal pátrio; de outro, não reduziu o número de recursos cabíveis.

A interposição de um recurso por alguém com legitimidade e interesse para tanto,

deflagra a realização do juízo de admissibilidade, que, como visto, é um ato realizado pelo

órgão julgador, no qual realiza minucioso exame de todos os requisitos de admissibilidade

recursal – é nesse momento que tal órgão decide se o instrumento processual manejado tem

aptidão para inaugurar uma fase recursal do processo.

Caso o juízo de admissibilidade seja positivo, o recurso será conhecido e terá seu

mérito julgado; caso seja negativo, o recurso não será conhecido e o pronunciamento judicial

impugnado restará estabilizado e imutável.

Com relação ao juízo de admissibilidade em si, o novo Código de Processo Civil

trouxe importante e inovadora mudança: altera o paradigma do Código de 1973 e estabelece a

regra do juízo único de admissibilidade, excluindo a apreciação dos requisitos de

admissibilidade recursal pelo órgão julgador a quo.

Essa regra, no entanto, deve prevalecer apenas para o recurso de apelação e para o

recurso ordinário, pois o Projeto de Lei nº 2.384/2015 da Câmara dos Deputados, já em fase

avançada de tramitação, altera a forma de processamento dos recursos especial e

extraordinário, mantendo a regra do CPC/1973 do duplo exame do juízo de admissibilidade.

Uma vez estabelecidas essas questões pertinentes, todas elas intrinsecamente

relacionadas com o tema central da presente dissertação, alcançou-se os requisitos de

admissibilidade recursal propriamente ditos.

Primeiramente, esclareceu-se que a nomenclatura adotada – “requisitos de

admissibilidade recursal” – está em consonância com a nomenclatura unificada pelo novo

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Código para se referir aos requisitos que devem ser preenchidos a fim de que o mérito do

recurso interposto possa ser analisado.

Posteriormente, constatou-se que a classificação dos requisitos de admissibilidade

recursal entre requisitos intrínsecos e requisitos extrínsecos, consagrada pela doutrina,

continuará adequada para classificá-los sob a óptica da existência do direito de recorrer e da

forma de exercer esse direito de recurso.

Ademais, essa classificação é útil para a identificação dos requisitos de

admissibilidade recursal no novo Codex.

A partir dessa classificação, foi possível identificar os requisitos de admissibilidade

recursal intrínsecos (cabimento, legitimação para recorrer, interesse em recorrer e inexistência

de fato impeditivo ou extintivo do direito de recorrer) e os requisitos de admissibilidade

recursal extrínsecos (tempestividade, recolhimento das custas de preparo e de porte de

remessa e de retorno e regularidade formal).

Esses requisitos de admissibilidade recursal, estudados minuciosamente na presente

dissertação, podem ser sucintamente definidos:

a) Cabimento: demonstração de que o recurso interposto é

exatamente o qual deveria ter sido interposto para impugnar aquele

determinado pronunciamento judicial (acórdão, sentença, decisão

interlocutória ou despacho) que lhe é objeto;

b) Legitimação para recorrer: é a qualidade atribuída à parte,

terceiro, ao Ministério Público e ao amicus curiae que os permite

recorrer caso – e apenas se – também tiverem interesse;

c) Interesse em recorrer (caracterizado pelo binômio utilidade-

necessidade): é a força motriz que faz com que aquele que detém

legitimação para recorrer interponha recurso – tem interesse em

recorrer todos aqueles legitimados a recorrer que são submetidos a

uma situação de prejuízo ou menos vantajosa do que aquela que

poderia ter sido obtida com o pronunciamento judicial recorrível;

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d) Inexistência de fato impeditivo ou extintivo do direito de

recorrer: trata-se de um requisito de admissibilidade recursal

“negativo”, que não deve ser identificado no recurso interposto, sob

pena de inadmissibilidade;

e) Tempestividade: diz-se que o recurso é tempestivo sempre que

ele for interposto até o último dia do prazo recursal estabelecido por

lei;

f) Recolhimento das custas de preparo e de porte de remessa e de

retorno: para a interposição de um recurso, a lei impõe que o

recorrente realize o pagamento de custas destinadas ao custeio do seu

processamento e ao custeio da sua remessa ao órgão julgador ad quem

e do seu retorno ao órgão julgador a quo;

g) Regularidade formal: são os requisitos formais ex lege que

devem ser preenchidos quando da interposição do recurso, tais como

petição escrita subscrita por procurador regularmente constituído nos

autos, identificação do processo e das partes, exposição de fato e de

direito, razões recursais e pedido recursal.

Além destes, pôde-se identificar e analisar os requisitos de admissibilidade recursal

específicos dos recursos especial e extraordinário, quais sejam: (i) o prequestionamento, pelo

qual se exige que a matéria objeto do recurso excepcional seja expressamente decidida pelo

tribunal a quo e conste do pronunciamento judicial impugnado; e (ii) a repercussão geral do

recurso extraordinário – que deve ser demonstrada expressa e preliminarmente –, que é

legalmente caracterizada pelo binômio relevância-transcendência.

Por fim, após a análise de todos os requisitos de admissibilidade recursal e suas

respectivas normas no novo Código de Processo Civil, procedeu-se à análise do sistema de

sanabilidade dos vícios eventualmente identificados nos requisitos de admissibilidade recursal

introduzido pelo Código de 2015.

O novo Código de Processo Civil tem, dentre suas vigas estruturais, o princípio da

primazia da resolução de mérito e o princípio da sanabilidade dos atos processuais.

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Nesse sentido, o parágrafo único do artigo 932 do novo Código estabelece,

expressamente, que “antes de considerar inadmissível o recurso, o relator concederá o prazo

de 5 (cinco) dias ao recorrente para que seja sanado vício ou complementada a documentação

exigível”, que se trata de verdadeiro dever imposto pelo legislador infraconstitucional federal

ao relator dos recursos, seja nos tribunais locais, seja nos tribunais superiores.

Sob a égide dessa nova sistemática processual que será incorporada aos recursos a

partir da vigência do novo Código de Processo Civil, fez-se necessária a análise da

sanabilidade da ausência ou de vício de um ou mais requisitos de admissibilidade recursal.

Em regra, identificado algum vício ou a total ausência de um dos requisitos de

admissibilidade recursal, o recorrente deve ser intimado a saná-lo, no prazo improrrogável de

cinco dias úteis.

Essa regra, no entanto, não é aplicável nem à tempestividade – alçada ao posto de

requisito de admissibilidade invencível – e nem aos fatos impeditivos ou extintivos do direito

de recorrer, por sua natureza.

A análise da sanabilidade dos vícios dos requisitos de admissibilidade recursal no

novo Código de Processo Civil levou à natural hierarquização desses requisitos.

Sob a óptica do Código de 2015, portanto, emergiu a necessidade de se apresentar

nova classificação e sistematização dos requisitos de admissibilidade recursal,

hierarquizando-os e classificando-os como não sanáveis e sanáveis:

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