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1 Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo Arthur Rodrigues de Moraes Daniel Kenjy Endo Onaga Alienação da coisa litigiosa São Paulo 2014

RODRIGUES de MORAES Arthur. ONAGA Daniel Kenjy Endo. Alienacao Da Coisa Litigiosa. USP. 2014

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Alienação da coisa litigiosa

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Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo

Arthur Rodrigues de Moraes

Daniel Kenjy Endo Onaga

Alienação da coisa litigiosa

São Paulo

2014

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Arthur Rodrigues de Moraes – Nº USP 8592295

Daniel Kenjy Endo Onaga – Nº USP 8592145

Alienação da coisa litigiosa

Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo

Disciplina: Teoria Geral do Processo - DPC0213

Professor: Heitor Vitor Mendonça Sica

São Paulo

2014

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Sumário

1. Introdução ............................................................................................. 5

2. Partes do processo ................................................................................. 6

3. Capacidade processual e postulatória ................................................... 7

4. Legitimidade ad causam ....................................................................... 7

5. A figura do assistente ............................................................................ 8

6. Sucessão x Substituição ........................................................................ 9

7. A alienação da coisa litigiosa .............................................................. 10

7.1. Efeitos da alienação da coisa litigiosa ............................................. 12

7.2. Análise jurisprudencial do Superior Tribunal de Justiça ................. 14

7.2.1. Compreensão quanto as partes ...................................................... 14

7.2.2. A boa-fé e a ciência do adquirente sobre a litigiosidade da coisa 15

7.2.3. A restrição do §1º do art. 42, CPC................................................ 18

8. Conclusão ............................................................................................ 19

9. Bibliografia ......................................................................................... 20

9.1. Acórdãos........................................................................................... 21

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1. Introdução

A alienação da coisa litigiosa encontra-se positivada no artigo 42 do Código

de Processo Civil de 1973, dentro do Capítulo IV, “Da Substituição das Partes e dos

Procuradores”. Primeiramente, a análise deste instituto do direito processual passa pela

análise do conceito de parte no direito processual. Aspartes do processo são sujeitos

processuais parciais que “figuram como titulares das situações jurídicas ativas e passivas

integrantes da relação jurídica processual”e “estão em busca da satisfação de uma pretensão

própria, ou alheia”1.

Contudo, o direito processual estabelece como norma fundamental a

legitimidade da parte, prescrita no artigo 6º do Código de Processo Civil, in verbis:

“Ninguém poderá pleitear, em nome próprio, direito alheio, salvo quando

autorizado por lei.”

Disso decorrem algumas consequências. Por exemplo, é comum que no

direito material ocorra mudança da titularidade do direito - através da transmissão das

obrigações, sucessão etc. - mas esse fenômeno, no direito processual civil, necessita de uma

filtragem que permita adequá-lo às relações jurídicas processuais. Neste estudo, trataremos

especificamente de um fenômeno que é a alienação da coisa litigiosa por terceiro.

No direito brasileiro optou-se por adotar o termo “alienação da coisa

litigiosa”, porém ressaltemos que o estudo proposto trata da alienação do direito litigioso2,

terminologia que permite compreender a alienação da coisa litigiosa e a cessão do direito

litigioso.

Ocorre que para algumas hipóteses de substituição das partes do processo,

como a sucessão causa mortis ou universal, prescrita no artigo 43 do diploma processual, a

habilitação do sucessor é suficiente para que este passe a tomar o lugar da parte original

1DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de Direito Processual Civil, vol.2, 6ª ed., 2010. p. 203

2HÉLIO TORWAGHI, Comentários ao Código de Processo Civil, São Paulo, RT ,1975, II, p. 277

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dando seguimento ordinário ao processo já em curso3. Não é o que ocorre no caso da

alienação da coisa litigiosa em meio ao processo. Não há a mesma harmonização das

alterações subjetivas, como veremos em seguida, entre as relações de direito material e de

direito processual quando alienado o objeto da lide4.

Não pode o alienado substituir-se ao alienante como parte da demanda – art.

42, §1º, do CPC/1973 - nem ser compelido a intervir no processo ou ausentar-se dele5 - art.

42, §2º, do CPC. Destarte, algumas situações acarretadas por esse tipo de alienação

comprometeriam princípios fundamentais do processo, por exemplo, o artigo 6º, supracitado,

do Código de Processo Civil. Ora, imagine-se que, ocorrida a alienação, o alienado se valesse

da alteração subjetiva das relações de direito material para arguir ilegitimidade ad causam,

com base no artigo 3º do Diploma Processual, ou, ainda em situação mais grave, só podendo a

sentença surtir efeitos entre as partes, o adversário do alienante veria, na hipótese de vitória na

lide, a ineficácia da decisão para consolidação do direito conquistado, eis que o alienado

adquirente não é parte.

Veremos, portanto, como o direito processual buscou solucionar as

incongruências com as situações do direito material, confirmando sua autonomia em relação a

ele. Para tanto, importa ressaltar conceitos do direito processual necessários para nosso

estudo.

2. Partes do processo

Para José Miguel Garcia Medina e Teresa Arruda Alvim Wambier, as

“partesprocessuais são aquelas que pedem e aquelas contra quem se pede tutela

jurisdicional”6. De maneira mais cabal, as partes são todas aquelas que figuram sujeito que

postula em juízo – deve-se lembrar, contudo, que representante não é parte. Da mesma forma,

para Chiovenda, “parte é aquele que demanda em seu nome próprio (ou em cujo nome é

demandada) a atuação de uma vontade da lei, e aquele em face de quem essa atuação é

3 OLIVEIRA, Carlos Alberto Alvaro, Alienação da coisa litigiosa, Rio de Janeiro: Forense, 1984. p. 3

4OLIVEIRA. Op. cit. p. 3

5OLIVEIRA. Op. cit. p. 3

6 MEDINA, José Miguel Garcia e WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Processo Civil Moderno: Parte Geral e

Processo de Conhecimento. vol. 1, São Paulo, editora RT, 2009. p. 74

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demandada”7. Para Liebman, no entanto, de maneira mais ampla, a figura da parte é

caracterizada pela sua participação no contraditório da ação.

3. Capacidade processual e postulatória

Dentro da análise do conceito de parte, observam-se três aspectos: a

capacidade de ser parte – que significa ser sujeito da relação processual, como autor e réu; a

capacidade de estar em juízo – que significa poder de realizar atos processuais; e, por fim, a

capacidade postulatória – que, no Brasil, em regra, é dada aos membros inscritos na Ordem

dos Advogados do Brasil (OAB) e significa poder atuar pessoalmente em juízo8.

4. Legitimidade ad causam

Um dos conceitos principais dentro da teoria da ação é a legitimidade ad

causam,o qual impõe que as partes devem estar juridicamente vinculadas à demanda no plano

material.

Segundo Clito Fornaciari Júnior a “legitimação para a causa consiste no

deferimento do direito de ação àquele a quem pertine o possível Direito Material que estará

em discussão no processo. Para o pólo ativo, a legitimidade é de quem, em sendo julgada

procedente a demanda, recolherá os benefícios da mesma; para o pólo passivo, ela é

mensurada em função da resistência oferecida à pretensão do autor, sendo legitimado aquele

que se opõe ao exercício de seu direito, e que, em sendo a demanda procedente, sofrerá

efeitos da decisão”9. Em complemento, Donaldo Armelin ensina que “legitimação para agir,

como condição de exercício regular da ação, é uma qualidade jurídica que se agrega à parte,

habilitando-a a ver resolvida no mérito a lide sub judice”10

.

No ordenamento brasileiro, a legitimidade das partes foi introduzida,

juntamente com o interesse de agir, no art. 3º do Código de Processo Civil. Constatada a

ilegitimidade ad causam das partes, o mesmo diploma prevê a extinção do processo, sem

7 CHIOVENDA. Instituições, vol. II, p. 320

8 BARBI, Celso Agrícola. Comentários ao Código de Processo Civil.vol. I, 13ª ed. Rio de Janeiro, 2008. p. 76

9 FORNACIARI JR., Clito. Reconvenção no Direito Processual Civil Brasileiro, Saraiva, 2ª ed., 1983, pp. 89 e

90 10

ARMELIN, Donaldo. Legitimidade para agir no Direito Processual Civil Brasileiro, Ed. RT, São Paulo, 1979,

p. 80

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apreciação do mérito, com base no art. 267, do Diploma Processual, ou, ainda, o

indeferimento da inicial, nos termos do art. 295, II, sendo a parte “manifestamente ilegítima”.

É notável que a doutrina processual atenta, no conceito de legitimação, à

correspondência entre os titulares do direito material e o direito processual, buscando em

nome próprio um direito seu, conforme o art. 6º do CPC.Contudo, isto não ocorre na situação

tema do presente estudo.

A doutrina processual trata, também, da substituição processual, em

hipóteses tratadas por parte dos autores como legitimação extraordinária.

5. A figura do assistente

Conforme demonstraremos posteriormente, a constituição subjetiva do

processo é passível de alterações incidentais, somando-se ou substituindo-se à formação

original. Daí surgea figura do assistente, terceiro juridicamente interessado que vem ao

processo com a intenção de que uma das partes saia vitoriosa. Segundo Moacir Lobo da

Costa, é uma espécie de intervenção voluntária11

. A assistência por sua vez, divide-se em dois

tipos: a assistência simples, quando o assistente pretende beneficiar direito diverso do direito

em litígio, e aassistência qualificada ou litisconsorcial, quando o assistente tem interesse

direto no objeto ou direito litigioso12

.

O assistente não demanda no processo, não sendo beneficiado diretamente

pela vitória assistido e, da mesma forma, em face dele nada é demandado, não sendo

prejudicado diretamente pela derrota do assistido. Logo, levando-se em consideração os

conceitos de parte do processo, para Chiovenda o assistente não seria parte do processo, ao

passo que, para Liebman, o assistente, participando do contraditório, é parte.

Ao adquirente ou cessionário é facultado o ingresso na figura do assistente

para intervir no processo, nos termos do §2º, do art. 42. O dispositivo, contudo, não esclarece

se o alienado é assistente simples ou litisconsorcial da parte alienante. Destarte, é possível

uma interpretação do entendimento de Liebman, juntamente com o artigo 5413

do Código de

11

COSTA, Moacir Lobo da.Assistência. São Paulo, p. 5, 8 e 23 12

MEDINA, José Miguel Garcia e WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Processo Civil Moderno: Parte Geral e

Processo de Conhecimento. vol. 1, São Paulo, editora RT, 2009. p. 218 13

“Art. 54. Considera-se litisconsorte da parte principal o assistente, toda vez que a sentença houver de influir

na relação jurídica entre ele e o adversário do assistido.

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Processo Civil, para aduzir que, no caso da alienação do objeto ou direito litigioso, o

adquirente ou cessionário é assistente litisconsorcial, vez que participa do contraditório e a

sentença afetará a relação jurídica entre o assistente e a parte adversária14

.

6. Sucessão x Substituição

Passada a análise de alguns conceitos das relações processuais, trataremos

de suas alterações ao longo do processo em curso.

O Código de Processo Civil, no Capítulo IV, trata da substituição das partes

e dos procuradores, in verbis:

“Art. 41. Só é permitida, no curso do processo, a substituição voluntária

das partes nos casos expressos em lei.

Art. 42. A alienação da coisa ou do direito litigioso, a título particular, por

ato entre vivos, não altera a legitimidade das partes.

§ 1o O adquirente ou o cessionário não poderá ingressar em juízo,

substituindo o alienante, ou o cedente, sem que o consinta a parte contrária.

§ 2o O adquirente ou o cessionário poderá, no entanto, intervir no

processo, assistindo o alienante ou o cedente.

§ 3o A sentença, proferida entre as partes originárias, estende os seus

efeitos ao adquirente ou ao cessionário.

Art. 43. Ocorrendo a morte de qualquer das partes, dar-se-á a substituição

pelo seu espólio ou pelos seus sucessores, observado o disposto no art. 265.”

Tais normas tem precedente no art. 750, do Código de Processo Civil de

1939, no “Título XV - Da habilitação incidente”, o qual tratava de algumas hipóteses de

maneira um pouco distinta.

“Art. 746. A habilitação, que se processará nos próprios autos da causa,

poderá ser promovida pelos herdeiros da parte falecida ou por qualquer interessado.

Parágrafo único. Aplica-se ao assistente litisconsorcial, quanto ao pedido de intervenção, sua impugnação e

julgamento do incidente, o disposto no art. 51”

14

MEDINA, José Miguel Garcia e WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Processo Civil Moderno: Parte Geral e

Processo de Conhecimento. vol. 1, São Paulo, editora RT, 2009. p.189

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Art. 747. Não será necessária a sentença de habilitação:

I – si ficar conjuge ou herdeiro necessário, bastando que o conjuge

sobrevivente ou o herdeiro prove, por documentos, a sua qualidade e o óbito do de cujus, e

promova a citação da parte contrária para a renovação da instância;

II – si, em outra causa, sentença passada em julgado houver atribuido a

qualidade de herdeiro ao habilitando;

III – si, oferecidos os artigos de habilitação, a parte confessar por petição

nos autos e não houver oposição de terceiro.

(...)

Art. 750. O cessionário ou subrogado poderá, sem habilitação, prosseguir

na causa, juntando aos autos o título da cessão ou da subrogação e promovendo a citação da

parte adversa.

Parágrafo único. Todavia, os cessionários dos herdeiros só depois da

habilitação destes poderão apresentar-se.”

É patente a possibilidade de alterações incidentais nas relações subjetivas do

processo. De fato, o legislador, principalmente em 1973, vislumbrando tal constatação,

preocupou-se com duas situações hipotéticas gerais, a sucessão causa mortis do objeto ou

direito em litígio e a alienação, sucessão inter vivos, dos mesmos. A preocupação repousa

neste último caso, pois a sucessão causa mortis acarreta na substituição de uma das partes

pelos herdeiros ou pelo espólio com a devida representação, sendo incontroversa na doutrina e

nos tribunais.

A sucessão do direito litigioso inter vivos, contudo, teve, em sua positivação

e aplicação, um maior cuidado por parte do legislador, tendo em vista seus efeitos no plano

processual, resguardando o direito pretendido pela parte contrária ao alienante na lide. A

solução encontrada pela doutrina brasileira foi a distinção da relação jurídica do direito

material da relação jurídica do direito processual.

7. A alienação da coisa litigiosa

A evolução do direito processual permitiu a fragmentação dos fenômenos

ocorridos no direito material e no direito processual. A alienação da coisa litigiosa trata

precisamente de uma situação em que um fato, mormente regido pelo direito material, não

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repercute na relação subjetiva do processo15

. Para evitar que a alienação do objeto ou direito

em conflito prejudicasse o processo, a solução dada pelo legislador foi a de não alterar a

legitimidade das partes, tornando ineficaz no plano processual a ocorrência do plano material.

A relação processual avança em constante movimento e transformação16

,

portanto, considerando-se a relação subjetiva do processo como um todo unitário,

compreende-se a integração do alienado ao sistema, cuja dinâmica de unidade progressiva

não é quebrada. Na qualidade de assistente do alienante, o alienado será afetado pela sentença

proferida (artigo 42, §3º, do CPC).

O julgamento do Recurso Especial nº 3.017/SP, julgado pelo Egrégio

Superior Tribunal de Justiça, em que se discute a reintegração de posse de um imóvel por uma

instituição financeira, a qual, por força de lei, não poderia manter no seu patrimônio imóvel

que não se destine ao seu próprio uso. A instituição teria que vender o imóvel ainda objeto da

ação de reintegração de posse. Pois bem, no Recurso Especial nº 3.017-SP, a instituição

financeira Caixa Econômica do Estado de São Paulo fora compelida pelo juízo em 1ª

instância a abster-se de alienar o bem litigioso, sob o argumento de que tal operação

acarretaria reflexos dentro do processo.Não obstante a expressa previsão legal da alienação da

coisa litigiosa, o entendimento do E. Magistrado visava, de fato, mitigar algumas situações

prejudiciais às relações de direito material e processual.

Com exceção à hipótese de consentimento da parte adversária na

substituição do alienante pelo alienado (art. 42, §1º, CPC), a sucessão inter vivos só produzirá

efeitos no plano do direito material, sendo mantidas as partes do direito processual. O que de

fato ocorre é que a alienação, alterando as relações jurídicas do direito material, altera o

interesse das partes17

, pois após a alienação ou cessão o alienado ou torna-se o principal

interessado na demanda, juntamente com a parte adversária.

Segundo OLIVEIRA, “o interesse substancial é do alienante, sendo o

interesse do alienado (...) o resultado”. Quando ocorre a sucessão inter vivos do direito

alienado “o interesse no resultado passa ao adquirente, salvo em eventuais efeitos

15

OLIVEIRA, Carlos Alberto Alvaro, Alienação da coisa litigiosa, Rio de Janeiro: Forense, 1984. p. 5 16

OSKAR VON BÜLOW, La Teoria de ias Excepciones Procesales y los Presupuestos Procesales, Buenos

Aires, 1984, trad. da edição de 1868 por Miguel Angel Rosas Líchtschein, EJEA, ps. 2 e 3. 17

Inclui-se neste conceito de parte o alienado

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processuais da sentença ou quando mantém legitimação ordinária concorrente ”18

, como nos

casos de alienação de direito parcial.

7.1. Efeitos da alienação da coisa litigiosa

A solução dada pela legislação processual para a transferência do direito

litigioso foi a negativa do problema19

. Portanto, a modificação ocorrida no plano material

pode, quando anuída pela parte adversária no processo, incorre na legitimação extraordinária

do sucessor no plano processual, isso em razão da relação especial entre o substituído e o

substituto e da regra processual de que ninguém pode pleitear em nome próprio o direito

alheio (art. 6º, CPC) 20

.

Voltando-se a hipótese de não consentimento da parte adversária, a

legislação brasileira optou por facultar a intervenção do sucessor no processo. AVONZO

denomina "parte complexa"21

, pois após a sucessão a título particular no direito litigioso, o

alienante seria o sujeito dos efeitos do processo e dos atos do juízo, enquanto o sucessor, o

sujeito dos efeitos materiais da sentença22

.

A negativa para a substituição passa pela análise do juiz, sendo

considerados justos motivos de recusa a inexistência ou falsidade do ato de transmissão; o se

tratar de direito intransmissível, segundo o direito material; o perigo de não ser possível obter

do sucessor o reembolso das despesas processuais e o pagamento da verba honorária

decorrente da sucumbência; ou de modo geral, se a substituição vem agravar, de alguma

maneira, a posição da parte originária23

. O consentimento não é, portanto, discricionário, ele

deve ser motiva e passa pelo crivo do juiz.

Em que pese o direito comparado, a doutrina alemã permite a substituição

do cedente ou alienante, mormente na hipótese de litígio envolvendo bem imóvel ou direito

real conexo com o bem, neste caso, o adquirente é facultado a assumir o processo no estado

em que se encontra, ainda que sem a anuência de nenhuma das partes24

, ou seja, a alteração da

18

OLIVEIRA, Carlos Alberto Alvaro, Alienação da coisa litigiosa, Rio de Janeiro: Forense, 1984. P 196 19

OLIVEIRA. Op. cit. p. 192 20

OLIVEIRA. Op. cit. p. 196 21

AVONZO, Franca De Marini, Il limitialladisponibiiltà delia 'reslitigiosa' deldiritto romano, Milano, 1967. ps.

180/182 p. 162.. 22

AVONZO, Op. cit. ps. 180/182. 23

OLIVEIRA, Carlos Alberto Alvaro, Alienação da coisa litigiosa, Rio de Janeiro: Forense, 1984. p. 190 24

OLIVEIRA, Op. cit. p. 192

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relação subjetiva processual depende somente do adquirente. Por sua vez, a doutrina

portuguesa entende que a substituição pode ser requerida tanto pelo transmitente quando pelo

adquirente.

Segundo OLIVEIRA, a doutrina estrangeira que trata do tema de maneira

mais correta, no plano teórico, é a italiana. Os italianos compreendem que o adquirente pode

não ter o interesse no ingresso no processo, pois teria que arcar com ônus da possível

sucumbência25

.

Em suma, observam-se dois sistemas legais no caso da alienação da coisa ou

direito litigioso. O legislador, haja vista a separação do plano material com o plano processual

em termos de relação subjetiva com o objeto ou direito debatido na lide, pode tanto substituir

o alienante pelo alienado, postura adotada, mormente na doutrina estrangeira e, nos termos do

art. 42, §1º do CPC, no consentimento da parte adversária, quanto seguir o processo como se

nada tivesse ocorrido (art. 42, caput).

Em ambas as hipóteses, o julgamento de mérito reconhece a procedência ou

a improcedência da demanda e extingue a ação. Quando a substituição do alienante pelo

adquirente ocorre, inserindo-se este último no processo, a sentença afeta somente a ele.

Contudo, no outro extremo, não havendo constatação nos autos sobre a cessão ou alienação,

tem-se o seguimento do normal do feito como se nada tivesse acontecido, e eventual prejuízo

por parte do adquirente será arcado pelo mesmo, pois, segundo OLIVEIRA, tal consequência

é condizente com a omissão do adquirente ou cessionário26

.

A legislação pretendeu, também, resguardar o adversário do alienante,

incluindo o §3º ao art. 42, estendendo os efeitos da sentença ao terceiro adquirente ou

cessionário. Incorrendo em coisa julgada os efeitos tornam-se permanentes às partes

originárias e ao terceiro supracitado27

. A sentença pode ter diversos efeitos no caso da

alienação do direito litigioso.

24

OLIVEIRA. Op. cit. p. 186 25

OLIVEIRA Op. cit. p. 185 26

OLIVEIRA Op. cit. p. 202 27

MEDINA, José Miguel Garcia e WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Processo Civil Moderno: Parte Geral e

Processo de Conhecimento. vol. 1, São Paulo, editora RT, 2009. p. 188

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7.2. Análise jurisprudencial do Superior Tribunal de Justiça

Partiremos agora para uma análise sobre o entendimento do STJ sobre a

matéria. Nesse sentido, dividiremos nossa análise em pontos essenciais à alienação da coisa

litigiosa que buscarão identificar a compreensão da jurisprudência brasileira quanto ao

assunto.

7.2.1. Compreensão quanto as partes

No Recurso Especial nº 1.102.151/MG, dentre outras questões, analisa-se a

posição do adquirente da coisa litigiosa, através da improcedência de seu Embargo de

Terceiros, devido ao fenômeno da sucessão processual, já caracterizado no item 2.3.

Trata o RE, de relatoria do Ministro Honildo Amaral de Mello Castro, da

tentativa da proteção da posse de coisa litigiosa alienada. Em resumo, trata-se de uma venda

de um imóvel do Sr. Leone para o Sr. Abdalla, promessa de venda não registrada em Cartório,

em que o Sr. Leone litiga, um ano depois, em busca da resolução da promessa da compra e

venda acompanhada da reintegração de posse e de perdas e danos, alegando descumprimento

de contrato. No entanto, no decorrer do processo resolutivo, o Sr. Leone vende o imóvel ao

Sr. João que o vende ao Sr. Silvio, recorrente deste RE. Concluido o julgamento do processo

que julga a resolução da promessa em favor do Sr. Abdalla, ocorre a reintegração de posse em

detrimento do Sr. Silvio.

Assim, o Sr. Silvio entra com Embargos de Terceiros , alegando que não

pode ser atingido pela sentença proferida à favor do Sr. Abdalla, devido (i) ao

desconhecimento do litígio envolvendo o imóvel, caracterizando um desconhecimento sobre a

alienação da coisa litigiosa e (ii) à adquirição de boa-fé do imóvel.

Nesse sentido, o Ministro Honildo Amaral de Mello Castro, em seu voto,

vai afirmar: "Os embargantes são, sem dúvida, partes na demanda originária na condição de

adquirentes, pois sucederam o alienante na cadeia de transmissão do imóvel alienado, ainda

que por interpostas pessoas. Não há como afastar a ilegitimidade ativa em propor Embargos

de Terceiro, haja vista a consumação da legitimação extraordinária superveniente ocorrida

no processo originário. Trata-se de efeitos da substituição processual.". Ou seja, há

ilegitimidade para a proposição de Embargos de Terceiros pelo ora recorrente, pois ao agir em

nome próprio em face de direito alheio, o Sr. Silvio substitui processualmente o Sr. Leone,

tornando-se parte ativa da relação processual.

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A fim de fortalecer sua posição, o Ministro se utiliza de outros julgados que

confirmam o seu entendimento, como segue: (i) "Agravo regimental. Recurso especial não

admitido. Embargos de terceiro. Coisa litigiosa. Precedentes. 1. "Não tem a qualidade de

terceiro aquele que adquire a coisa litigiosa, com o que não pode opor os embargos

respectivos, aplicando-se-lhe o disposto no art. 42, par. 3º, do CPC". Ademais, o Acórdão

nada mencionou quanto à alegada aquisição de boa-fé por parte dos agravantes.

2. Agravo regimental desprovido.

(AgRg no Ag 495.327/DF, Rel. Ministro CARLOS ALBERTO MENEZES

DIREITO, TERCEIRA TURMA, julgado em 26.06.2003, DJ 01.09.2003 p. 285);"

(ii) "EMBARGOS DE TERCEIRO. LEGITIMIDADE DO ADQUIRENTE

DE COISA LITIGIOSA.

1. NÃO TEM A QUALIDADE DE TERCEIRO AQUELE QUE

ADQUIRE A COISA LITIGIOSA, COM O QUE NÃO PODE OPOR OS EMBARGOS

RESPECTIVOS, APLICANDO-SE-LHE O DISPOSTO NO ART. 42, PAR. 3., DO CPC.

2. RECURSO ESPECIAL NÃO CONHECIDO. (REsp 79878/SP, Rel.

Ministro CARLOS ALBERTO MENEZES DIREITO, TERCEIRA TURMA, julgado em

05/08/1997, DJ 08/09/1997 p. 42490)."

Nesse mesmo sentido, denota o Sr. Ministro Sidnei Beneti no RE n°

1.227.318/MT, ao citar à decisão do Tribunal de Justiça, como segue: "O Tribunal de Justiça,

mantendo a sentença que declarou a ilegitimidade ativa ad causam do Recorrente, com fulcro

no art. 42, § 3º, do Código de Processo Civil, concluiu que, in verbis (fls. 824):

'Portanto, do que se infere dos autos, o embargante que adquiriu coisa já

litigiosa está sujeito aos efeitos que a decisão guerreada produziu (artigo 42, § 3º, do CPC),

não sendo mais considerado terceiro.'"

Em conclusão, a substituição processual e a sujeição aos efeitos da sentença,

elimina o caráter de terceiro do adquirente, que passa a ser parte do processo, litigando direito

alheio em nome próprio.

7.2.2. A boa-fé e a ciência do adquirente sobre a litigiosidade da coisa

A incidência do §3° do art. 42 do CPC tem como objetivo a proteção da

pretensão à coisa ou direito litigioso, mesmo quando essa coisa se desvincula da esfera do

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alienante ou cedente. Nesse sentido, a jurisprudência tem demonstrado um entendimento de

que a aquisição da coisa litigiosa possui presunção relativa de conhecimento pelo adquirente.

Há, nesse sentido, uma inversão do ônus da prova sobre o adquirente, que deve demonstrar a

falta de conhecimento da litispendência para que possa haver uma atenuação da incidência do

parágrafo referido àcima. É o que é demonstrado no Recurso Especial 1.227.318/MT, como

segue:

"EMENTA

DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. ALIENAÇÃO DE BEM IMÓVEL

LITIGIOSO. LIBERAÇÃO DA CONSTRIÇÃO JUDICIAL. TERCEIRO ADQUIRENTE.

ILEGITIMIDADE. SÚMULAS 5 E 7 DO STJ. PUBLICIDADE ACERCA DA SITUAÇÃO DO

IMÓVEL. CIÊNCIA DO COMPRADOR. REGRA DO ART. 42, § 3º, DO CPC. OPOSIÇÃO

DE EMBARGOS. PRECEDENTES. NÃO-PROVIMENTO.

1. A convicção a que chegou o Acórdão acerca de que o Recorrente, ao

comprar o imóvel, tinha pleno conhecimento de que estava adquirindo coisa litigiosa,

decorreu da análise do contrato de compra e venda firmado pelas partes e do conjunto

fático-probatório, de modo que o acolhimento da pretensão recursal demandaria o reexame

dos mencionados suportes, obstando a admissibilidade do especial à luz das Súmulas 5 e 7

desta Corte.

2. Ao adquirente de qualquer imóvel impõe-se a cautela de obter certidões

junto aos cartórios de distribuição, de processos judiciais, devendo, ainda, informar-se

acerca da situação pessoal dos alienantes bem como do próprio imóvel, cientificando-se da

existência de eventuais demandas e ônus sobre a unidade objeto do contrato, como, aliás, é

do agir comum nos negócios imobiliários."

A aquisição da coisa ou direito ligitioso, portanto, fundamentada no dever

do adquirente de se informar sobre o objeto do negócio jurídico, na adoção dos cuidados

necessários para segurança do negócio e na presunção de conhecimento da litigiosidade sob a

coisa, atende a finalidade de maior proteção do objeto em litispendência.

Esse entendimento e o próprio §3º do art. 42 não afastam de forma alguma o

princípio da boa-fé. Esse princípio pode, se forem verificadas todas as cautelas por parte do

adquirente, afastar ou pelo menos diminuir os efeitos relativos ao parágrafo mencionado. É a

compreensão da Ministra Nancy Andrighi, aduzida da ementa do Recurso em Mandado de

Segurança n° 27.358/RJ e de seu voto no mesmo:

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"EMENTA

PROCESSO CIVIL. ALIENAÇÃO DE BEM IMÓVEL LITIGIOSO.

TERCEIRO ADQUIRENTE. EXTENSÃO DOS EFEITOS DA SENTENÇA. LIMITES.

1. A regra do art. 42, § 3º, do CPC, que estende ao terceiro adquirente os

efeitosda coisa julgada, somente deve ser mitigada quando for evidenciado que a conduta

daquele tendeu à efetiva apuração da eventual litigiosidade da coisa adquirida. Há uma

presunção relativa de ciência do terceiro adquirente acerca da litispendência, cumprindo a

ele demonstrar que adotou todos os cuidados que dele se esperavam para a concretização do

negócio, notadamente a verificação de que, sobre a coisa, não pendiam ônus judiciais ou

extrajudiciais capazes de invalidar a alienação.

2. Na alienação de imóveis litigiosos, ainda que não haja averbação

dessacircunstância na matrícula, subsiste a presunção relativa de ciência do terceiro

adquirente acerca da litispendência, pois é impossível ignorar a publicidade do processo,

gerada pelo seu registro e pela distribuição da petição inicial, nos termos dos arts. 251 e 263

do CPC. Diante dessa publicidade, o adquirente de qualquer imóvel deve acautelar-se,

obtendo certidões dos cartórios distribuidores judiciais que lhe permitam verificar a

existência de processos envolvendo o comprador, dos quais possam decorrer ônus (ainda que

potenciais) sobre o imóvel negociado.

3. Cabe ao adquirente provar que desconhece a existência de

açãoenvolvendo o imóvel, não apenas porque o art. 1.º, da Lei n.º 7.433/85, exige a

apresentação das certidões dos feitos ajuizados em nome do vendedor para lavratura da

escritura pública de alienação, mas, sobretudo, porque só se pode considerar, objetivamente,

de boa-fé o comprador que toma mínimas cautelas para a segurança jurídica da sua

aquisição.

4. Recurso ordinário em mandado de segurança a que se nega provimento."

"VOTO

(...)

De fato, a boa-fé do terceiro adquirente deve ser protegida, mitigando-se a

incidência da norma que lhe estende os efeitos da coisa julgada, mas apenas quando for

evidenciado que sua conduta tendeu à efetiva apuração da eventual litigiosidade da coisa

adquirida.

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Em outras palavras, há uma presunção relativa de ciência do terceiro

adquirente acerca da litispendência, cumprindo a ele, nos termos do art. 333 do CPC,

demonstrar que adotou todos os cuidados que dele se esperavam para a concretização do

negócio, notadamente a verificação de que, sobre a coisa, não pendiam ônus judiciais ou

extrajudiciais capazes de invalidar a alienação.".

O princípio da boa-fé, portanto, serve como parâmetro de análise dos efeitos

da coisa julgada sobre o adquirente, pois, a partir dele, é possível verificar o aspecto cognitivo

da litigiosidade da coisa ou direito, permitindo um abrandamento dos efeitos da sentença para

o adquirente.

7.2.3. A restrição do §1º do art. 42, CPC

O legislador brasileiro restringiu a substituição voluntária do adquirente de

coisa ou direito litigioso no processo, a fim de promover a manutenção e a estabilidade dos

sujeitos processuais, permitindo essa situação apenas tendo como pressuposto o

consentimento da parte adversária. Nesse sentido, como já demonstrado, em recusa da parte

contrária, o adquirente pode integrar a relação processual como assistente litisconsorcial.

Como ficará claro no entendimento do Agravo Regimental no Recurso Especial n°

1.097.813/RJ, essa assistência tem como objetivo a manutenção das declarações iniciais do

processo, como a causa de pedir e o próprio pedido, nos termos do CPC.

“EMENTA

AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL. ALIENAÇÃO DO

DIRETO LITIGIOSO. SUCESSÃO PROCESSUAL.

1 - Segundo o princípio da estabilidade de instância, adotado pelo CPC, a

alienação do direto litigioso não altera a legitimidade processual das partes.

2 - A substituição voluntárias das partes pode ocorrer apenas nas hipóteses

legais, sem prejuízo de que o supervenientemente legitimado como parte ingresse no feito

pela via da assistência litisconsorcial.

3 - Agravo desprovido.”

Voto do Ministro e Relator Paulo de Tarso Sanseverino:

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“O Código de Processo Civil brasileiro fixou como regra a estabilidade

subjetiva da relação processual (princípio da estabilidade de instância), porquanto vedou a

substituição voluntária das partes, salvo nas hipóteses legais.

Isso não veda a alienação da res litigiosa, todavia limita sua repercussão

na relação processual.

É dizer, embora válida a alienação de coisa litigiosa (que é efeito da

citação, art. 219 do CPC), em regra, o processo deve prosseguir entre as mesmas partes

originárias.

(...)

‘O assistente litisconsorcial, assim, é parte, interveniente no curso do

processo já instaurado e, por isso, recebe pelo direito processual tratamento idêntico ao

dispensado para a parte, em termos processuais, restringindo-se-lhe, todavia, os poderes

diante do princípio da demanda, porque esta já fora instaurada e já se encontra

estabilizada.’ (Luis Guilherme Marinoni, Processo de Conhecimento, 7ª Edição, Ed. Revista

dos Tribunais, pp. 176-177)”

Além da proteção a estabilidade processual, o CPC visa proteger a garantia

do adquirente de ser parte no processo e buscar a proteção legal de sua pretensão. A

assistência litisconsorcial serve de ferramenta que permite ao adquirente participar do

processo e se utilizar do seu contraditório.

8. Conclusão

A alienação da coisa ou direito litigioso demonstra um eficaz mecanismo de

proteção tanto das relações de direito material quanto de direito processual, além de proteger

os dois lados do litígio. Ela permite a garantia de que a coisa possa circular livremente através

do possuidor, ao mesmo tempo em que uma sentença tem a capacidade de atingir o

adquirente, permitindo que não sirva de dispositivo capaz de emperrar a alienação de um

objeto, nem ferindo a garantia de execução da outra parte do processo.

Além disso, como demonstrado, ela permite a conformidade com o devido

processo legal, ao restringir a substituição do alienante no processo, permitindo que o

processo se encaminhe para uma conclusão a partir dos pressupostos que lhe deram origem,

sem que se altere o pedido, a causa de pedir, etc, pela entrada de um novo autor ou réu no

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processo. E isso é feito de forma completamente eficaz, ao ser caracterizada a figura do

assistente litisconsorcial, ampliando o contraditório, capaz de fornecer, em maior medida,

uma resposta mais justa ao conflito.

A transferência que ocorre no plano material acaba por afetar as relações

subjetivas atinentes à titularidade do direito sub judice. Para tanto, a doutrina processual optou

pela fragmentação das relações subjetivas do direito material e do direito processual,

facultando o ingresso do adquirente ao processo, tanto como parte, substituindo o alienante,

desde que com consentimento da parte adversária, ou como assistente. Note-se que a parcial

ineficácia da alienação da coisa litigiosa no plano processual é medida que resguarda os

princípios básicos que regem o direito processual civil e visam mitigar os possíveis ilícitos

decorrentes de transferência de direitos discutidos dentro de um processo em curso.

Essas complexas relações que dialogam com o direito material e processual,

que dão segurança tanto ao autor quanto ao réu, que permitem um bom desenvolvimento do

processo, são o que fazem o tratamento processual da alienação da coisa litigiosa uma

ferramenta suntuosa no ordenamento processual e com grande adesão na doutrina e

jurisprudência.

9. Bibliografia

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Brasileiro, Ed. RT, São Paulo, 1979.

AVONZO, Franca De Marini, Il limitialladisponibiiltà delia 'reslitigiosa'

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BARBI, Celso Agrícola. Comentários ao Código de Processo Civil.vol. I,

13ª ed. Rio de Janeiro, 2008.

COSTA, Moacir Lobo da. Assistência. São Paulo, Saraiva, 1968.

DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de Direito Processual Civil,

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FORNACIARI JR., Clito. Reconvenção no Direito Processual Civil

Brasileiro, Saraiva, 2ª ed., 1983.

HÉLIO TORWAGHI, Comentários ao Código de Processo Civil, São

Paulo, RT ,1975, II.

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OSKAR VON BÜLOW, La Teoria de ias Excepciones Procesales y los

Presupuestos Procesales, Buenos Aires, 1984, trad. da edição de 1868 por Miguel Angel

Rosas Líchtschein, EJEA.

9.1. Acórdãos

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Acórdão no Recurso Especial nº

3.017/SP. Relator: Ministro Athos Carneiro. Disponível em

https://ww2.stj.jus.br/processo/ita/documento/mediado/?num_registro=199000042704&dt_pu

blicacao=10-12-1990&cod_tipo_documento=. Acessado em 22-11-2014.

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Acórdão no Recurso Especial nº

1.102.151/MG. Relator: Ministro Honildo Amaral de Mello Castro. Disponível em

https://ww2.stj.jus.br/processo/revista/documento/mediado/?componente=ITA&sequencial=9

19237&num_registro=200802607603&data=20091026&formato=PDF. Acessado em 22-11-

2014.

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Acórdão no Recurso Especial nº

79.878/SP. Relator: Ministro Carlos Alberto Menezes Direito. Disponível em

https://ww2.stj.jus.br/processo/ita/documento/mediado/?num_registro=199500603314&dt_pu

blicacao=08-09-1997&cod_tipo_documento=. Acessado em 22-11-2014.

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Acórdão no Agravo Regimental no

Agravo de Instrumento n° 495.327/DF. Relator: Ministro Carlos Alberto Menezes Direito.

Disponível em

https://ww2.stj.jus.br/processo/revista/documento/mediado/?componente=ITA&sequencial=4

16239&num_registro=200201702168&data=20030901&formato=PDF. Acessado em 22-11-

2014.

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Acórdão no Recurso Especial n°

1.227.318/MT. Relator: Ministro Sidnei Beneti. Disponível em

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https://ww2.stj.jus.br/processo/revista/documento/mediado/?componente=ITA&sequencial=1

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2014.

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Acórdão no Recurso em Mandado

de Segurança n° 27.358/RJ. Relatora: Ministra Nancy Andrighi. Disponível em

https://ww2.stj.jus.br/processo/revista/documento/mediado/?componente=ITA&sequencial=1

009873&num_registro=200801597013&data=20101025&formato=PDF. Acessado em 22-11-

2014.

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Acórdão no Agravo Regimental no

Recurso Especial n° 1.097.813/RJ. Relator: Ministro Paulo de Tarso Sanseverino. Disponível

em

https://ww2.stj.jus.br/processo/revista/documento/mediado/?componente=ITA&sequencial=1

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2014.