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ROMEU & JULIETA em Verona Brinquedos Inspirado na Obra de William Shakespeare autor: Pedro Murad

Romeu e Julieta Na Verona Brinquedos

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ROMEU & JULIETA

em Verona Brinquedos

Inspirado na Obra de William Shakespeare

autor:

Pedro Murad

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Personagens: DR. COPPÉLIUS — Velho construtor de brinquedos. É o único dono da loja. Cuida, inventa, conserta brinquedos antigos desde que se conhece como gente. Não faz outra coisa na vida. É sábio e maluco, ou ambos, ninguém sabe dizer. Passa os dias sentado à mesa, cuidando de brinquedos. Às vezes se pega falando com eles. JULIETA — Bailarina de Caixinha de Música. É nova e sonhadora. Gosta de dançar sobre a sua caixinha de música. Se pudesse, passava o dia inteiro dançando. Não faz outra coisa além de dançar, dança, muito essa menina. Enquanto dança, suspira com amores impossíveis, histórias mirabolantes demais para uma menina tão nova. MADAME CAPULETO — Locomotiva. Mas sem os trilhos, completamente destrambelhada. Perua típica, extremamente vaidosa. Autoritária, é quem manda na casa dos Capuleto. É viúva (é o que conta por aí, verdade mesmo é que seu marido fugiu de Verona com uma boneca de porcelana). AMA — Boneca de Pano. Gordinha, solteira, emotiva, espevitada, curiosíssima com o que está acontecendo. Tem um coração imenso. Maternalíssima com Julieta. TEOBALDO — Robô. De coração metalizado. É sobrinho de Madame Capuleto. Foi programado para odiar cegamente os Montecchios. PEDRINHO — Pinóquio. Criado da casa dos Capuleto. ROMEU — Soldadinho de Chumbo. Vive desvairado, sonhando com alguma boneca da Verona Brinquedos. Mas não se decide. Toda semana se apaixona por uma moça diferente. Aliás nem sabe por que é soldado. Preguiçoso. Uma vergonha pra família. BENVÓLIO — João-bobo. Certinho, chorão, faz tudo para agradar os Montecchios. MERCÚCIO — Arlequim de madeira. Brincalhão, ladino, faz de tudo para se dar bem. É prático. Dança conforme a música. A vida para ele é uma grande brincadeira — o que não deixa de ser verdade! PAI MONTECCHIO — Urso de Pelúcia. Velho, sério e rígido. Foi soldado nas tropas napoleônicas na Grande Batalha do Carrossel Azul. PRÍNCIPE — Fachada da loja com cabeça de Palhaço. Muito antes do casarão abrigar a loja de brinquedos, era um lugar respeitado. Na fachada, o rosto de um general importantíssimo dos tempos de Duque de Caxias. O tempo passou, todos iam se esquecendo de quem era aquele rosto. Dr. Coppélius, quando se alojou no casarão, para deixar mais de acordo com uma loja de brinquedos, pintou o rosto de palhaço. Mas por trás do rosto de palhaço, um mandão incorrigível. Tudo vê. É a maior autoridade em Verona Brinquedos. Por causa da idade avançada, dorme o tempo inteiro. PÁRIS — Super-Herói. Musculoso, vaidoso, bonitão, com topete, mas estreito de inteligência. FREI LOURENÇO — Palhaço de Caixa de Surpresa. É pároco em Verona Brinquedos. Mora numa caixa de surpresa. Só sai para rezar a missa, batizar criança e dar extrema-unção em brinquedo que está pelas últimas. CIGANINHA — Boneca de corda. Esperta, radiante, vivaz. Foi deixada no Tenebroso e Terrível Porão Escuro dos Brinquedos Esquecidos. Não sabemos por quê. A história explica.

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CENA 1 (PRÓLOGO – MESA DO DR. COPPÉLIUS)

Loja do Dr. Coppélius. Ambiente abarrotado de brinquedos. Dr. Coppélius sentado numa mesa, com uma lupa e pequenas ferramentas, consertando um brinquedo. Sobre a mesa, vários brinquedos quebrados, em especial um soldadinho de chumbo e uma bailarina de caixinha de música. Passará toda a peça consertando os brinquedos. Ao final da peça terá consertado os últimos: Romeu e Julieta.

Perto dele, a Ama, espreitando.

DR. COPPÉLIUS: Menina, quantas vezes vou ter que repetir inteira a história? — Primeiro, vou consertar esse arranhão aqui, depois um nozinho — Ah, sim, a história... Duas famílias nobres e inimigas, aqui mesmo em Verona Brinquedos, um ódio tão antigo — Deixe-me dar mais um ponto — Um amor novo nascendo, assim, sem avisar — Pronto: está ficando uma belezura! — Dois jovens apaixonados, a mais linda história de amor, entre um soldadinho de chumbo e uma bailarina de caixinha de música. Dessas paixões que varrem a gente, sabe como é? — Não, você ainda é muito novinha para saber como é... Ou será que não? Uma história assim... — Costurinha difícil!

AMA: E então?

DR. COPPÉLIUS: Então o quê, ora essa?!

AMA: A história...

DR. DR. COPPÉLIUS: Esta boneca está muito maltratada, coitadinha...

AMA: Ah. O senhor precisa contar o final da história, Dr. Coppélius! Tem que falar de uma vez por todas!

DR. COPPÉLIUS: Ora, é você, sua afobada... — Não sei por que dou trela pra esses brinquedos, devo estar ficando maluco, se devo — Calma! Nem comecei ainda...

AMA: Todas as noites o senhor acaba sempre pegando no sono e deixa a história sem final.

DR. COPPÉLIUS: Muito trabalho. Alguém precisa consertar os brinquedos. Assim vamos perder a nossa freguesia!

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AMA: Já perdemos a nossa freguesia, Dr. Coppélius. Sumiram todos!

DR. COPPÉLIUS: Tempos difíceis, minha cara!

AMA: Há anos o senhor diz isso... As crianças não querem mais saber de brinquedos antigos!

DR. COPPÉLIUS: Sempre haverá uma que quer. Basta esperar um pouquinho. Eu tenho certeza que um menino ainda vai atravessar aquela porta — Ah, eu posso até sentir — um menino com os olhos brilhando, um sorriso... Eu mal posso esperar!

AMA: Mas voltando a história...

DR. COPPÉLIUS: O amor entre uma bonequinha assim, como... (pega uma bailarina idêntica à Julieta) Igualzinho a essa... Julieta.

Foco de luz sobre Julieta.

AMA: Julieta!

DR. COPPÉLIUS: E um tal de Romeu.

Foco de luz sobre Romeu.

DR. COPPÉLIUS: A história de Romeu e Julieta. Uns tantos Capuletos pra cá...

Foco de luz sobre os Capuletos, incluindo a Ama.

DR. COPPÉLIUS: Outros tantos Montecchios pra lá...

Foco de luz sobre os Montecchios.

DR. COPPÉLIUS: Ódio demais pra tanto brinquedo. Parecia uma maldição. Que coisa mais feia!

Foco de luz sobre Capuletos e Montecchios se enforcando.

DR. COPPÉLIUS: Não vão começar! Parem já com isso, seus cabeças-duras!

Num piscar de olhos, brinquedos voltam à posição anterior.

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AMA: E no final?

DR. COPPÉLIUS: Final? Mas que coisa! Você sempre com essa mania de final!

AMA: Mas eu preciso saber! Isso não se faz. Agora, o senhor vai ter que contar, Dr. Coppélius!

Dr. Coppélius se levanta da cadeira com a bailarina na mão.

DR. COPPÉLIUS: Bem... Pra começar...

AMA: Pra começar?

DR. COPPÉLIUS: O princípio.

AMA: Ãh?

Coloca a bailarina sobre a caixinha de música. Testando.

DR. COPPÉLIUS: Lá no princípio de tudo. Onde a história começa. E depois que começa, minha cara... Ninguém sabe mais como parar!

Bailarina começa a girar em fusão para a próxima cena.

CENA 2 (ABERTURA)

Brinquedos vão acordando, cada qual com seu movimento característico.

Um passo pra frente Um passo pra trás Quando a história começa Não tem quem segure mais

AMA: (cantando)

Dança, Julieta A história precisa andar

JULIETA: (cantando)

E como termina Alguém pode explicar?

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TODOS: (cantando)

Um passo pra frente, Não olhe pro chão O amor quando acontece Não tem explicação Mistério da vida Tão grande, neste palco girando Dança, Julieta A história está começando. Começando, começando Começan...

Madame Capuleto dá um tapa nas costas de Julieta e a tira de cima da caixa, fazendo-a parar de dançar, interrompendo bruscamente a música.

MADAME CAPULETO: (alto) Já chega, Julieta!

JULIETA: Mãezinha...

MADAME CAPULETO: Dança o dia inteiro! Que mania! Onde já se viu?

AMA: Mas a nossa menina é uma bailarina, Madame Capuleto.

MADAME CAPULETO: Menina? Essa é boa! Ela já é uma mocinha!

AMA: Minha criança cresceu e eu nem vi! Não me avisaram...

JULIETA: Calma, Ama fofusca. Isso não é nada do outro mundo.

AMA: Jura? Eu levei um susto!

JULIETA: Pode acreditar. Mamãe estressada como sempre. Vê problema em tudo!

MADAME CAPULETO: Deixem de conversa fiada! Para Verona Brinquedos Julieta está bem grandinha. O que os outros vão pensar? Você precisa tomar jeito, minha filha!

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AMA: Mas que mau humor, Madame Capuleto!

MADAME CAPULETO: Aflição de mãe!

JULIETA: Comigo, mamãe? Não precisa exagerar!

MADAME CAPULETO: Você já virou mocinha e precisa se comportar como tal! São os deveres de uma mulher em Verona Brinquedos!

JULIETA: E o que eu tenho que fazer então, mamãe?

AMA: O quê, madame?

MADAME CAPULETO: Que pergunta... Se casar, ora!

JULIETA: Me casar? Mas com quem?

MADAME CAPULETO: Com um bom moço... Mas que escolha direito! Você precisa ter muito cuidado para não cair numa arapuca!

AMA: Então Julieta precisa escolher com muito, muito cuidado. Um moço gentil, bom, carinhoso...

MADAME CAPULETO: ... E nobre. Tem que ser rico — eu odeio esses brinquedos mal arranjados na vida!

JULIETA: Que horror, mamãe!

MADAME CAPULETO: Fazer uma escolha bem acertada, isso sim!

AMA: É bem difícil. Pra essas coisas, tem que ter sentimento e cabimento... Vai levar tempo até Julieta encontrar o grande amor da sua vida!

MADAME CAPULETO: Vai nada!

AMA: Uma escolha dessas...

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MADAME CAPULETO: Num minutinho!

AMA: ... bem difícil.

MADAME CAPULETO: O que uma mãe não faz, né?

JULIETA: Mas como eu vou escolher minha cara-metade, mãe?

MADAME CAPULETO: Não precisa mais...

JULIETA: Não preciso mais? (voltando pra caixinha) Então eu vou voltar a dançar...

MADAME CAPULETO: Eu já escolhi por você!

AMA & JULIETA: (intrigadas) Como?

MADAME CAPULETO: (mostrando um anúncio do brinquedo Paris) Páris: um galã, muito fino e muito rico. Um cavalheiro famoso, poderoso, garboso, glamouroso... Sob medida para você!

JULIETA: Mas eu nem conheço ele, mamãe!

AMA: Madame! Uma moça precisa conhecer o noivo, ir gostando...

MADAME CAPULETO: Não precisa. Isso é coisa do passado. Eu vi e gostei. Ponto final. (alto) Teobaldo!

Entra Teobaldo.

TEOBALDO: A senhora me chamou?

MADAME CAPULETO: Teobaldo, meu sobrinho!

TEOBALDO: Titia!

MADAME CAPULETO: (abraçando Teobaldo) Se todos os Capuletos fossem como você, meu Teobaldo!

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TEOBALDO: Assim eu vou queimar um fusível, senhora!

MADAME CAPULETO: De novo não... Bem, a propósito: eu preciso da sua ajuda.

TEOBALDO: Ordene, tia!

MADAME CAPULETO: Vamos organizar uma festa. Uma festa de primeira! Pode convidar Verona inteira... Menos aqueles Montecchios de uma figa!

TEOBALDO: Não precisa dizer esse nome maldito, titia!

JULIETA: Quem são mesmo esses Montecchios, mamãe?

MADAME CAPULETO: A desgraça da Verona Brinquedos. Por causa deles as crianças sumiram! Eu detesto todos eles. E você também detesta!

JULIETA: Eu detesto?

MADAME CAPULETO: Você e todos os Capuletos que se prezam. Não é, Teobaldo?

TEOBALDO: Todos, prima Julieta! Tem que odiar! Tem que odiar muito! Com todas as forças!

JULIETA: Mas é tão simples. Por que não fazemos as pazes com eles?

TEOBALDO: (escandalizado) Paz? Eu odeio esta palavra como odeio o Inferno dos Brinquedos e todos os Montecchios! (esquentando) Eu odeio, todos! Esses Montecchios...

MADAME CAPULETO: Olha o fusível, Teobaldo! Olha o fusível!

TEOBALDO: Desculpe, titia. Mas só de pensar nesses Montecchios eu entro em curto!

Música.

TEOBALDO: (cantando)

Esses Montecchios! Esses Montecchios! Como os detesto!

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São o desastre de Verona Um medo, uma vergonha Um veneno mortal Uma farsa total Um assombro, afinal Quem inventou esses Montecchios?

Música fica lenta. Olham para Dr. Coppélius.

MÃE CAPULETO: (cantando, imitando cantora lírica)

Algum sem-vergonha Sonso e pamonha Fez as crianças sumirem Quando inventou esses Montecchios!

Música volta a ficar agitada.

TEOBALDO & MÃE CAPULETO: (cantando)

Querem tudo, tomam tudo Não deixam nada pra ninguém Querem ser os donos, Os reis do pedaço se acham também Maiorais, príncipes de meia-tigela Mentirosos, vagabundos, banguelas Pensam que Verona será deles?

TODOS OS CAPULETOS MENOS JULIETA: (cantando, rindo)

Ah, ah, ah... Fala sério!

Música prossegue. Fusão para a próxima cena.

CENA 3 (CAPULETOS X MONTECCHIOS)

Entram Mercúcio e Benvólio. Mercúcio, quando vê Teobaldo, faz uma careta.

TEOBALDO: (explodindo) Montecchios? E em dose dupla?... (para Mercúcio) Está fazendo careta para nós, senhor?

MERCÚCIO: Estou fazendo careta, senhor?

TEOBALDO: (sério, enquanto saca sua pistola laser) Está fazendo careta para nós, senhor?

BENVÓLIO: Cuidado com ele, Mercúcio!

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MERCÚCIO: Deixa comigo, Benvólio!

Música prossegue e brinquedos começam a brigar.

MERCÚCIO: (cantando)

Os Capuleto! Os Capuleto! São uns fracotes Quanto defeito eles têm! Eles quebram à toa Eles vivem à toa E até estragam também Que falta de sorte! Quem inventou os Capuleto?

BENVÓLIO: (cantando, olhando furioso para o Dr. Coppélius)

Algum fabricante Tonto, ignorante Fez tremer esqueletos Quando inventou os Capuleto!

MERCÚCIO & BENVÓLIO: (cantando)

Quebram sempre, escangalham Não valem nada, um só vintém Mofados, num canto Esperam sentados — é uma pena! Nenhuma criança se interessa Enferrujam, pifam, só fazem cena Pensam que Verona será deles?

TODOS OS MONTECCHIOS: (cantando, rindo)

Ah, ah, ah... Fala sério!

MÃE CAPULETO: (cantando)

Patifes, mentirosos Uns covardes vocês são!

MERCÚCIO & BENVÓLIO: (cantando)

Com tanta feiura assim, madame Quem não morre de aflição?

TODOS: (cantando)

É melhor aprender, Não vão esquecer Verona é pequena demais

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Pra Montecchios e Capuletos Viverem...

JULIETA: (cantando, tentando apartar)

... Em paz!

Outros brinquedos entram na briga. Outros tentam apartar. No ápice da briga, Príncipe acorda. Música termina e todos ficam em silêncio.

PRÍNCIPE: (alto) Mas o que está acontecendo aqui?

BENVÓLIO: (em reverência, apavorado) Perdão, Príncipe!

TEOBALDO: (em reverência, apavorado) Foi sem querer, senhor!

MERCÚCIO: Mas os Capuleto...

PRÍNCIPE: Silêncio! Eu não aguento mais esta guerra entre Capuletos e Montecchios! Toda semana a mesma coisa! Seus atrevidos: por que profanam a Paz e o meu sono sagrado?

TODOS: Perdão, alteza!

JULIETA: Eles não fizeram por mal, senhor!

PRÍNCIPE: Não? Então me digam: vocês são brinquedos ou feras?

MADAME CAPULETO: (submissa) Brinquedos, majestade!

JULIETA: Nada mais que isso, senhor.

PRÍNCIPE: Então está na hora de se comportarem. A partir de hoje, está decretado: se outra vez mais perturbarem a paz em Verona Brinquedos, pagarão com a vida pela teimosia. Morte aos bagunceiros!

MERCÚCIO: Ui!

TEOBALDO:

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Bip-bip!

PRÍNCIPE: Eu fui claro?

TODOS: (apavorados) Claríssimo, senhor Príncipe!

PRÍNCIPE: Tenho dito!... (bocejando) Ai, que sono... (adormece)

Todos saem de cena.

CENA 4 (ROMEU DESVAIRADO)

Ficam no palco Pai Montecchio, Benvólio e Mercúcio.

PAI MONTECCHIO: Benvólio, onde andará Romeu?

BENVÓLIO: Não esteve conosco nesta batalha, seu Montecchio!

PAI MONTECCHIO: Aquele soldado fugiu?

MERCÚCIO: Nem apareceu, senhor!

PAI MONTECCHIO: Mas o que fizeram com o meu filho? Ele não está agindo como um Montecchio!

BENVÓLIO: Não deve ser nada, chefe!

MERCÚCIO: Nadinha... Romeu só está apaixonado!

PAI MONTECCHIO: O quê?!

BENVÓLIO: Mercúcio!

PAI MONTECCHIO: Que história é essa, Benvólio?! Você está me escondendo alguma coisa?

BENVÓLIO: (apavorado) Nunquinha, senhor!

PAI MONTECCHIO:

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E você, Mercúcio, o que sabe?

MERCÚCIO: (calmo) Seu filho foi vítima do cupido, senhor. Três flechadas de uma única vez!

BENVÓLIO: Mas não há de ser nada!

MERCÚCIO: Apaixonado de novo. Cada semana, uma boneca diferente.

PAI MONTECCHIO: (em pânico) Meu filho não! Apaixonado? Eu não quero ver um Montecchio molengão. Não podemos fraquejar com esses Capuletos de uma figa!

Entra Romeu, melancólico e com olhar perdido, fitando o horizonte.

PAI MONTECCHIO: Pronto. Aí está o maroto... Falem com ele. Botem algum juízo na cabeça desse danado. Isso é uma ordem!

MERCÚCIO & BENVÓLIO: (fazendo continência) Missão em curso, senhor!

Pai Montecchio sai. Mercúcio cai no riso.

MERCÚCIO: Missão impossível, senhor!

BENVÓLIO: (sério) Vamos ajudar o nosso amigo apaixonado.

MERCÚCIO: Vamos e venhamos!

Os dois se aproximam de Romeu que está sentado melancólico.

BENVÓLIO: Que bela manhã, não é mesmo, primo?

ROMEU: E eu com isso?

MERCÚCIO: Um lindo dia e nosso amigo Romeu triste! Caladão, suspirando pelos cantos...

BENVÓLIO: Em se tratando de um bravo Montecchio...

ROMEU:

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Querem saber, meus amigos? Não estou nem aí.

MERCÚCIO: Benvólio, acho que o problema é grave! Nosso Romeu foi-se embora e deixou uma sombrinha teimosa aqui... (ri)

BENVÓLIO: (para Mercúcio) Deixa comigo... Primo, você não pode ficar assim!

ROMEU: Fico assim e ponto.

BENVÓLIO: Estamos todos preocupados...

MERCÚCIO: Tio Montecchio então... (pega a espada de Romeu) Que beleza de espada!

BENVÓLIO: Você precisa reagir!

MERCÚCIO: (para a espada) Como és bela!

Benvólio senta-se ao lado de Romeu. Mercúcio maneja a espada enquanto os dois conversam.

BENVÓLIO: Cadê aquele soldado corajoso?

ROMEU: Viajou!

BENVÓLIO: Cadê o orgulho dos Montecchios?

ROMEU: Fui.

BENVÓLIO: Ei, espera aí... Mas quanto pessimismo, meu amigo!

ROMEU: Para vocês, que não sofrem.

MERCÚCIO: (simulando um golpe de esgrima com a espada) Touché!

BENVÓLIO: Tu sofres, meu primo?

ROMEU:

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O pior dos sofrimentos deste mundo triste.

BENVÓLIO: O mundo não é triste!

ROMEU: Verona Brinquedos é.

BENVÓLIO: Não fale assim!

ROMEU: Falo de uma dor antiga...

BENVÓLIO: Desde quando sente essa dor... antiga?

ROMEU: Desde a semana passada... Uma dor terrível!

BENVÓLIO: Oh! Quanto tempo!

MERCÚCIO: Uma eternidade!

ROMEU: O pior dos golpes!

Enquanto falam, Mercúcio dá os golpes em Benvólio de brincadeira, em cada parte do corpo que falam.

BENVÓLIO: E onde foi? Na testa? Na barriga? No pé?

ROMEU: No coração.

BENVÓLIO: (recebe um “golpe” no coração) Oh... No coração?

ROMEU: Meus amigos... O amor é fatal!

BENVÓLIO: Pois eu digo que não... Vamos, levante-se! Você precisa se cuidar. Um Montecchio não pode agir assim. Você é um soldadinho ou não é?

ROMEU: Sou.

BENVÓLIO: (tira a espada da mão de Mercúcio)

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Então precisa agir como tal. Um soldado não pode ficar assim pelos cantos. (embainha a espada em Romeu) Você precisa de postura, firmeza. Força, primo!

ROMEU: Contra o amor?

BENVÓLIO: Um soldado de brinquedo não pode ser tão sentimental. Se continuar assim, nenhuma criança vai querer saber de você!

ROMEU: Benvólio... Nenhuma criança quer saber mais de ninguém aqui em Verona!

MERCÚCIO: Cáspite! Não é que elas sumiram mesmo!

BENVÓLIO: Por culpa daqueles malditos Capuletos... Mas mesmo assim você precisa ter ânimo.

MERCÚCIO: (sacudindo Romeu) Ânimo, ímpeto e coragem!

BENVÓLIO: Contra tudo e contra todos! E, principalmente, contra esses Capuletos...

MERCÚCIO: E contra o amor mais terrível e profundo!

BENVÓLIO: Essa postura não condiz com a de um soldadinho! Nós — os brinquedos — temos que nos comportar como manda o figurino. Veja o Mercúcio: nunca diz coisa com coisa!

MERCÚCIO: Veja o Benvólio: chorão que só ele!

BENVÓLIO: Mas eu não sou malandrinho como uns e outros!

MERCÚCIO: (empurrando Benvólio) O joão-bobo dos Montecchios!

BENVÓLIO: (caindo e voltando) Ai!

ROMEU: (tentando ser sério) Parem com isso... (ri)

BENVÓLIO: Um riso?! Eu não acredito! Eu estou vendo um sorriso por aqui?

MERCÚCIO:

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Esta historia já estava virando uma tragédia.

BENVÓLIO: Isso é que não podia acontecer!

Ao fundo entra Teobaldo.

MERCÚCIO: E por falar em tragédia...

CENA 5

Os três se escondem e ouvem o diálogo entre Teobaldo e Pedrinho.

TEOBALDO: Você prestou atenção em tudo?

PEDRINHO: Tudo, senhor!

TEOBALDO: Não vá esquecer, hein?

PEDRINHO: Eu só me esqueço do que eu tinha esquecido de esquecer, mas isso eu já esqueci mesmo, senhor!

TEOBALDO: (sem entender) Bem... Então toma aqui os convites e a lista de convidados. (passando um bolo de convites para Pedrinho) Não vá trocar os nomes, hein garoto?

PEDRINHO: Deixe comigo, chefe!

Teobaldo sai, deixando Pedrinho com a lista e os convites. Pedrinho olha confuso para a lista enquanto caminha em direção aos três Montecchios. Pelo seu jeito, percebe-se que não sabe ler.

MERCÚCIO: Ei, garoto!

PEDRINHO: Chamou, senhor?

MERCÚCIO: Pra que essa lista?

PEDRINHO:

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Pra festa que os Capuletos vão dar hoje à... (tampando a boca) Ops! Não era pra sair espalhando...

MERCÚCIO: Pode dizer, garoto!

PEDRINHO: Vocês são Montecchios?

MERCÚCIO: Mas é claro que não! (apontando para Benvólio) Eu juro pelo barriga daquele ali!

BENVÓLIO: Mercúcio!

MERCÚCIO: (sério) Eu quero que um raio caia na cabeça do meu amigo se eu estiver mentindo!

BENVÓLIO: (apavorado) Vou virar churrasquinho!!!

PEDRINHO: Então, neste caso, eu posso contar. Madame Capuleto vai dar uma festança e pediu pra convidar todos.

MERCÚCIO: Todos?

PEDRINHO: Menos os Montecchios, é claro! Vocês querem ir?

MERCÚCIO: (pegando três convites) Passe três convites pra cá, garoto!

BENVÓLIO: (indignado) Ei!

PEDRINHO: Bom proveito!

Pedrinho sai.

BENVÓLIO: Ora essa... Nós não vamos à festa nenhuma!

MERCÚCIO: Eu e o meu amigo Romeu vamos.

ROMEU: E eu lá estou com cara pra festa, Mercúcio?

MERCÚCIO:

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Cara não... Mas braços e pernas... Muitas pernas pra dançar! — Vai ser um baile daqueles, isso eu posso apostar! — Meu amigo: agora eu sei como tirar você desta tristeza!

Música.

MERCÚCIO: (cantando)

O sol se deita, a noite começa Pra quem tem juízo, é hora de dormir Mas pra quem não tem juízo na cabeça... (Romeu e seu amigo Mercúcio, Reis da farra e da seresta) Vejam só: é hora da festa!

Música acelera.

MÉRCUCIO: (cantando)

A festa? Não vamos perder! Gira o mundo Gira a roda Rodopia Sem parar Festa começa Noite sem fim Dança, Romeu Dança tu, danço eu A noite também dança... E lá vamos nós!

BENVÓLIO: (cantando)

Romeu, Romeuzinho, não sei não Isto está cheirando a confusão!

MERCÚCIO: (cantando)

Meu amigo, não dê ouvidos à razão! Siga ligeiro, sem muito pensar Seu coração tem pressa? (Meu estômago também!) E a noite não dura uma eternidade Não dê ouvidos a este chorão Que de tão medroso e covarde A todos diz sempre: “Pois não!”

Romeu se anima.

ROMEU: (cantando)

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A festa?

MERCÚCIO: (cantando)

Não vamos perder!

ROMEU: (cantando)

Gira o mundo Gira a roda

MERCÚCIO: (cantando)

Rodopia Sem parar

ROMEU: (cantando)

Festa começa Noite sem fim

MERCÚCIO: (cantando)

Dança, Romeu Dança tu, danço eu

ROMEU: (cantando)

A noite também dança...

MERCÚCIO: (cantando)

E lá vamos nós!

Saem Mercúcio e Romeu.

BENVÓLIO: (para os dois) Ei, vocês dois... Onde pensam que vão? Esperem por mim!

Fusão para a próxima cena.

CENA 6 (A FESTA)

Música e burburinho. Início da festa. Movimentação intensa de brinquedos pelo palco.

JULIETA: Tenho que ir mesmo pra festa, Ama?

AMA: Vá, minha pequena! Procure na noite a felicidade do dia!

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Entra Madame Capuleto, acompanhando Páris.

PÁRIS: Sua filha é razoavelmente bela, madame Capuleto!

MADAME CAPULETO: Puxou a mãe.

PÁRIS: Mesmo sendo o brinquedo mais bonito, mais forte e mais charmoso de Verona Brinquedos, eu — Eu...

MADAME CAPULETO: (impressionada) Diga, nobre Páris!

PÁRIS: Eu fico honrado em namorar uma bailarina tão bonita!

MADAME CAPULETO: Não seja por isso... (batendo palmas) Música, Maestro!

Ouve-se uma música dando início ao baile.

PÁRIS: (para Julieta) A senhorita Julieta me concede a honra?

JULIETA: Eu?

PÁRIS: Uma dança, minha bailarina!

JULIETA: Mas...

PÁRIS: (sorrindo) Meu anjo, um bom partido como eu não aceita um “não” como resposta!

Julieta consente. Sobe na caixinha de música, dá a mão para Páris e começam a dançar.

MADAME CAPULETO: Que beleza! Vou dançar também... Teobaldo!

Teobaldo dá a mão pra Madame Capuleto. Todos começam a dançar. Ama com Pedrinho, Páris com Julieta e Madame Capuleto com Teobaldo.

Julieta, ao contrário dos demais, não dança fora da caixinha de música. Sobre a caixinha, fica da mesma altura que Páris. Na parte interna da tampa caixinha de música há

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um espelho. Páris fala com Julieta, enquanto se olha no espelho.

PÁRIS: Que beleza!

JULIETA: Bondade sua.

PÁRIS: Fenomenal! Uma raridade!

JULIETA: Assim, eu fico com vergonha.

PÁRIS: Não precisa ter vergonha, meu bem.

JULIETA: Você não devia falar assim de mim...

PÁRIS: De você? Mas quem disse que eu estou falando de você?!

JULIETA: Desculpe, mas está falando de quem, então?

PÁRIS: De mim, ora bolas! Confesse: eu sou ou não sou o brinquedo mais lindo desse mundo?!

Madame Capuleto dançando com Teobaldo.

MADAME CAPULETO: Ah, Teobaldo, olhe só os pombinhos dançando.

TEOBALDO: A titia sabe escolher bem um marido.

MADAME CAPULETO: Só não soube escolher pra mim!

TEOBALDO: O amor não compensa, titia. Não compensa!

Entram Romeu, Mercúcio e Benvólio.

MERCÚCIO: Mas que bela festa, primo!

ROMEU: Muito sem graça. Eu não estou vendo nada de mais...

Page 24: Romeu e Julieta Na Verona Brinquedos

24

MERCÚCIO: Espere só! A noite guarda surpresas...

Julieta dança entediada com Páris, que fala sem parar. Mercúcio começa a flertar com Ama.

PÁRIS: Estes músculos possantes, este penteado moderno, essa covinha no queixo, esta voz de mel... (piscando)

Romeu se aproxima, ainda sem notar Julieta.

PÁRIS: Eu sou o melhor partido de Verona Brinquedos. Acredite: se pudesse, eu me casava comigo mesmo!

Romeu e Julieta se olham. Cena se congela. Madame Capuleto interrompe.

MADAME CAPULETO: Gente, gente... Por favor, tenho um comunicado muito importante e muito sério pra comunicar... Hora da boia!

Todos se animam.

PEDRINHO: Comida nessa casa?! Finalmente!

PÁRIS: Tem comida diet?

BENVÓLIO: Barriga roncando...

TEOBALDO: Um bom óleo Singer pra abrir o apetite!

Entra Ama com uma bandeja enorme de comida.

AMA: Está na mesa, pessoal!

MADAME CAPULETO: Vamos comer! Vamos comer, minha gente!

Todos vão saindo de cena. Mercúcio flerta a Ama.

MERCÚCIO: A festa tem salgadinho?

AMA: Tem.

Page 25: Romeu e Julieta Na Verona Brinquedos

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MERCÚCIO: E bolo, tem?

AMA: Tudo o que desejares, meu senhor!

MERCÚCIO: Não! Senhor, não! (galanteador) Me chame de Mercúcio, minha fofa!

Todos saem deixando Julieta, na sua caixinha de música. Romeu se aproxima, sem ser notado.

CENA 7 (CENA DO BALCÃO)

Música. À medida que Julieta canta, Romeu fica cada vez mais encantado.

JULIETA: (cantando)

Tanta gente, tanta alegria E eu aqui tão só, noite vazia. Tanta festa, correria Que gente apressada Que passa e passa Sem poesia, descompassa Sem sonho, aventura, me enlaça. No meio da noite, dois olhos Não encontram os olhos meus Dois olhos, duas estrelas (É pedir muito, noitinha?) Meu coração batendo forte Não quer saber de dormir. Meu coração só quer amar de verdade!

Fim da música.

ROMEU: Oh, abençoada, abençoada noite! Temo, por ser noite que tudo não passe de um sonho... Será que meu coração já amou de verdade?

JULIETA: (caindo em si) Quem é esse brinquedo que, assim envolto pela noite, tropeça em meu segredo?

ROMEU: Desculpe, princesa, mas é que olhando assim... Francamente? Que desperdício! Onde já se viu uma bailarina dançando no mesmo lugar?

Page 26: Romeu e Julieta Na Verona Brinquedos

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JULIETA: Ora. Esta é a minha caixinha de música!

ROMEU: Tantos lugares bonitos pra uma bailarina dançar...

JULIETA: Eu não posso. Eu só danço nela. Assim que tem que ser...

ROMEU: Você podia descer um pouco. Uma boneca tão bonita dançando sozinha, aí em cima...

JULIETA: Mas eu tenho medo de dançar aí embaixo...

ROMEU: Você é uma bailarina ou não é?

JULIETA: Sou!

ROMEU: Então? O que está esperando?

JULIETA: Não... Sem ela eu não posso. Não é tão fácil assim. Verdade.

ROMEU: (estendendo a mão) Olha... E se você dançasse aqui embaixo... comigo?

Julieta toma coragem e desce da caixinha de música, com a ajuda de Romeu que a segura pela cintura. Timidamente, começa a ensaiar alguns passos. Romeu a segura e não a deixa cair.

JULIETA: Não é tão difícil como eu pensava...

ROMEU: (soltando Julieta) Viu só?

JULIETA: É mágico!

ROMEU: (estendendo o braço) Mais uma dança, senhorita?

JULIETA: (dando o braço) Com todo prazer, nobre cavalheiro!

Os dois começam a dançar uma música lenta.

Page 27: Romeu e Julieta Na Verona Brinquedos

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ROMEU: A bailarina mais bela... Dançando de verdade, só pra mim...

Música.

ROMEU: (cantando)

Vem dançar comigo, querida Não pare, Vamos dançar juntos Até o fim dos tempos. Noite, Não termine, agora. Fique a lua, Fiquem estrelas Paradas no céu Olhando, olhando Meu amor que dança. Que dança pra mim. Só pra mim.

Entra a Ama e olha séria para os dois, que não percebem.

Julieta fica tocada. Ama chora emocionada. Romeu vai beijar Julieta e Ama finge tossir interrompendo os dois.

AMA: (se fazendo de durona) Julieta, sua mãe está chamando!

JULIETA: Já vou!

Ama olha desconfiada. De repente sorri e faz um gesto do tipo “vá em frente” para Julieta.

AMA: (fingindo seriedade) Não demora, hein menina? (sai)

ROMEU: Quem é a mãe?

JULIETA: A dona da festa. A Madame Capuleto.

Entra Benvólio apavorado.

BENVÓLIO: (puxando Romeu pelo braço) Romeu, vamos indo? Se eles descobrirem que somos Montecchios estamos fritos! (sai)

Page 28: Romeu e Julieta Na Verona Brinquedos

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ROMEU: Uma Capuleto?

JULIETA: Um Montecchio? Então você... Nossas famílias...

ROMEU: Deve estar havendo algum engano!

Ouve-se a voz de Teobaldo.

TEOBALDO: (em off) Malditos Montecchios! Malditos Montecchios!

No fundo do palco, Benvólio e Mercúcio entram às pressas.

BENVÓLIO: (para Mercúcio que corre) Eu avisei!

MERCÚCIO: (para Benvólio que corre) Eu só queria comer mais bolo!

No fundo do palco, entra Teobaldo furioso e começa a perseguir os dois com a pistola laser na mão. Julieta, com medo, volta pra sua caixinha de música. Puxa e esconde Romeu atrás da caixinha.

TEOBALDO: Voltem aqui, seus Montecchios de uma figa!

Benvólio, Mercúcio e Teobaldo saem correndo, em perseguição.

JULIETA: Romeu... Por que você tem que ser um Montecchio?

ROMEU: Deixo de ser agora mesmo.

JULIETA: E eu deixo de ser uma Capuleto se você quiser.

ROMEU: Que importam os nossos nomes, Julieta? São só nomes, mais nada...

JULIETA: Romeu, por favor, vá! Se Teobaldo te pega, parte você em mil pedacinhos!

ROMEU: Melhor que partir meu coração.

JULIETA:

Page 29: Romeu e Julieta Na Verona Brinquedos

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Ah, não fale assim... Se continuar aqui, quem perde o coração sou eu.

ROMEU: Então toma o meu emprestado.

JULIETA: Teu coração?

ROMEU: E a minha vida também. Olha, você pode ficar com tudo.

JULIETA: Posso?

ROMEU: A minha vida é uma brisa, a noite, um sonho. Quero sonhar a minha vida com você, princesa!

JULIETA: Jura?

ROMEU: Quer mais?

JULIETA: E se os outros brinquedos chiarem?

ROMEU: Eu te amo.

JULIETA: E se Verona virar de cabeça pra baixo?

ROMEU: Eu te amo.

JULIETA: E se o mundo desabar sobre nós? Verona e todos os brinquedos do mundo?

ROMEU: Eu te amo.

JULIETA: Ama mesmo?

ROMEU: Mesmo se você não me amar também.

JULIETA: Mas eu amo!

ROMEU:

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Mesmo se eu entortasse? Se eu derretesse?

JULIETA: Eu amo!

ROMEU: Mesmo quando a festa acabar e eu for apenas um soldadinho Montecchio?

JULIETA: Eu amo!

ROMEU: (triste) Olhe pra nós dois: uma bailarina de caixinha de música e um soldadinho fanfarrão...

JULIETA: Eu continuo amando mesmo assim, meu soldadinho...

Romeu se anima. Julieta a desce da caixinha. Música.

ROMEU: (cantando)

Mãos de bailarina, encanto Nas minhas mãos de soldado Assim como nossas mãos se tocam...

JULIETA: (cantando)

Sim?

ROMEU: (cantando)

Nossos lábios — como dois peregrinos, apressados Na beira do caminho, se chocam...

JULIETA: (cantando)

Não...

ROMEU: (cantando)

Poderiam se tocar...

JULIETA: (cantando)

Será?

ROMEU: (cantando)

Duas mãos juntas...

JULIETA: (cantando)

Page 31: Romeu e Julieta Na Verona Brinquedos

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Talvez...

ROMEU: (cantando)

Um beijo!

JULIETA: (cantando)

Não!

ROMEU: (cantando)

Não?

JULIETA: (cantando)

Soldadinho apressado. Nem findou a noite, E já quer um beijo roubado?

ROMEU: (cantando)

Bailarina manhosa Você é que, sem compaixão Roubou meu coração!

JULIETA: (cantando)

E qual o castigo, Meu caro amigo, Para tão grave delito?

ROMEU: (cantando)

Só conheço um: (É pão, pão, queijo, queijo) Crime assim se paga com um beijo!

Instrumental prossegue.

JULIETA: Um beijo?

ROMEU: Por sua graça! Só um beijo, mais nada. E estamos quites!

Julieta olha para Romeu.

JULIETA: Ora... isso eu dou de graça, soldadinho!

Se beijam. Música termina. Entra Teobaldo.

TEOBALDO: (aliviado)

Page 32: Romeu e Julieta Na Verona Brinquedos

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Botei os dois pra correr! Pelo menos aquele tal de Romeu não apareceu também...

Teobaldo percebe os dois se beijando e fica furioso. Começa a esquentar e acender todas as suas luzes.

TEOBALO: (furioso) Prima!

Romeu e Julieta se desprendem. Romeu foge.

CENA 8

Ama desconsolada. Dr. Coppélius continua consertando os brinquedos.

AMA: Isso não se faz, Dr. Coppélius!

DR. COPPÉLIUS: Eu avisei. Depois que começa, ninguém sabe mais como parar. Quando a amor acontece... — Quando chegar a hora vocês, vocês todas vão saber, crianças — Ninguém segura!

AMA: Então pode ir soltando.

DR. COPPÉLIUS: Soltando o quê?

AMA: A história. Não precisa segurar a história.

Dr. Coppélius empurra uma caixinha.

DR. COPPÉLIUS: Quem sou eu pra segurar a história, minha cara? A história — feito a vida da gente — é uma caixinha, uma caixinha de surpresas!

CENA 9 (FREI LOURENÇO)

Romeu entra esbaforido. Está próximo à caixa com uma cruz desenhada. Procura o Frei Lourenço por todos os lados.

ROMEU: Frei Lourenço! Frei Lourenço!

Romeu continua procurando.

ROMEU:

Page 33: Romeu e Julieta Na Verona Brinquedos

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Onde ele se meteu?

Tampa da caixa de surpresas se abre e Frei salta dando um susto em Romeu. Fica sempre dentro da caixa, com meio corpo pra fora. Trata-se de um palhaço, já idoso, brinquedo-sacerdote em Verona.

ROMEU: Ai, Jesus!

FREI LOURENÇO: Virou devoto, garoto?

ROMEU: Que susto! Assim o senhor quase me mata do coração!

FREI LOURENÇO: (apontando para o parafuso no peito de Romeu) O seu coraçãozinho de soldado?

ROMEU: Ele mesmo, Frei. Eu preciso de ajuda!

FREI LOURENÇO: Estou muito ocupado.

ROMEU: Muita ajuda.

FREI LOURENÇO: Tenho que preparar o sermão pra missa.

ROMEU: Eu estou desesperado, Frei!

FREI LOURENÇO: Dessa vez eu não caio mais nas suas, garoto! Nem tente!

ROMEU: Mas agora é sério.

FREI LOURENÇO: Sério? Sei... Deixa-me adivinhar: o soldadinho Romeu está apaixonado?

ROMEU: Mais do que apaixonado, Frei!

FREI LOURENÇO: Encontrou o grande amor da sua vida, então?

ROMEU: Isso mesmo!

Page 34: Romeu e Julieta Na Verona Brinquedos

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FREI LOURENÇO: Ora, garoto, me deixe dormir!

Frei se fecha na caixa. Romeu fica desesperado e bate na caixa.

ROMEU: Frei, por favor, o senhor precisa me ajudar!

FREI LOURENÇO: (de dentro da caixa) Dessa vez não!

ROMEU: É um caso de vida ou morte.

FREI LOURENÇO: (dentro da caixa) Toda semana você me aparece com um caso de vida ou morte.

ROMEU: Mas agora é sério!

FREI LOURENÇO: (dentro da caixa) Então já era pra você estar mortinho da silva!

ROMEU: (tom) Dessa vez é sério mesmo. Eu nunca soube o que era o amor. Um amor de verdade. Não como agora...

Tampa da caixa abre um pouquinho.

FREI LOURENÇO: (meio comovido) Posso saber quem é a moça?

ROMEU: Julieta.

FREI LOURENÇO: Ah...

Frei fecha a caixa novamente. Romeu já está quase saindo. Frei abre a caixa num susto.

FREI LOURENÇO: Espera aí... Você disse Julieta?

ROMEU: Ela mesma.

FREI LOURENÇO: A filha dos Capuletos?

ROMEU: Só tem uma Julieta em Verona, vigário!

Page 35: Romeu e Julieta Na Verona Brinquedos

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FREI LOURENÇO: Eu não posso crer! Você foi se apaixonar logo pela filha dos teus inimigos?

ROMEU: É o amor, Frei.

FREI LOURENÇO: Onde você está com a cabeça, seu desmiolado! Botaram muito chumbo nela, foi?

ROMEU: (tocando o parafuso no peito) Mas o meu coração não é de chumbo — Pode ser só um parafuso, mas não é de chumbo!

FREI LOURENÇO: Isso é uma loucura! Precisamos resolver esta situação!

ROMEU: Por isso mesmo eu vim aqui.

FREI LOURENÇO: Bem pensado, garoto!

ROMEU: Eu quero que o senhor tome uma providência.

FREI LOURENÇO: Assim que se fala! Confie nos mais velhos, meu Romeu!

ROMEU: O senhor vai nos casar.

FREI LOURENÇO: (num susto) Ai!

ROMEU: E tem que ser hoje mesmo.

FREI LOURENÇO: Socorro!

ROMEU: Eu tinha certeza de que poderia contar com o senhor!

FREI LOURENÇO: Casar um Montecchio com uma Capuleto? É o fim do mundo!

ROMEU: Veja o lado bom!

FREI LOURENÇO: Lado bom? Não tem lado bom nenhum! Só se... Espere... Meu filho, vocês têm mesmo certeza?

Page 36: Romeu e Julieta Na Verona Brinquedos

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ROMEU: Mas é claro! Pode perguntar pra ela, meu amigo!

FREI LOURENÇO: Essa guerra antiga entre as duas famílias... Esse casamento inesperado... Pensando bem... Não, melhor não... Sim, podia ser... Ou talvez... (num estalo, eufórico) Eureca!

ROMEU: O que foi?

FREI LOURENÇO: Vamos, chame a sua Julieta!

ROMEU: Por que tanta pressa, vigário?

FREI LOURENÇO: A harmonia dos brinquedos de Verona tem pressa, meu caro! Um casamento desses podia, você sabe... Podia trazer a tranquilidade em Verona Brinquedos! Duas famílias unidas pelo matrimônio!

ROMEU: Eu não estou entendendo...

FREI LOURENÇO: Os Montecchios e Capuletos unidos! A Paz em Verona Brinquedos!

Música.

FREI LOURENÇO: (cantando)

O amor é mesmo poderoso Isso todo mundo sabe Quando é de verdade O amor sai sempre vitorioso! Não tem Lei que possa com ele Não tem juiz, delegado, brigão Contra o amor, não tem sermão. Os valentes morrem de medo Os fortes caem de primeira Até muro ele derruba — tremedeira! Ninguém pode com o mandamento:

AMA: (se intrometendo)

“Lutar contra o amor? Nem tente, é um tormento!”

FREI LOURENÇO: (cantando)

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A Paz em Verona virá com o amor Montecchios e Capuletos, amigos Finalmente unidos, sem rancor Sem ódio ou ressentimento, Por Deus... Façamos logo este casamento!

Fusão para a próxima cena.

CENA 10 (CASAMENTO)

Passagem de tempo. À medida que o Frei canta, personagens vão entrando. Por fim, entra Julieta com uma pequena guirlanda de flores na cabeça. Julieta segura a mão de Romeu. Os dois se olham com cumplicidade, em frente ao Frei Lourenço que celebra o casamento. Estão presentes: Mercúcio e Ama ao lado de Julieta, e Pedrinho e Benvólio ao lado de Romeu. Frei tem à mão um balde com água benta. Mercúcio e Ama estão de braços dados.

FREI LOURENÇO: Você, meu adorável Romeu, aceita Julieta para sempre?

ROMEU: Aceito!

FREI LOURENÇO: E você, minha doce Julieta, aceita Romeu para sempre?

JULIETA: Aceito!

FREI LOURENÇO: (sério) Alguém é contra este casamento?

Todos olham para a plateia em silêncio suspeito.

TODOS: Não? Ufa!

FREI LOURENÇO: Então eu vos declaro casados... E que sejam felizes para sempre!

Frei com água benta nas mãos. Assopra a água, jogando bolhas de sabão sobre o casal.

FREI LOURENÇO: (dando um risinho) Agora só falta contar pra todo mundo!

Todos riem. Entra Teobaldo.

TEOBALDO: Que bonito!

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JULIETA: Teobaldo?!

TEOBALDO: Minha prima se casando com um Montecchio? Eu não posso permitir!

ROMEU: Meu amigo Teobaldo, venha festejar conosco!

TEOBALDO: (empurrando Romeu) Não me venha com história, seu Montecchio de uma figa! (para Julieta) E você, prima, venha comigo agora!

ROMEU: Meu bom Teobaldo, por que tanta raiva?

TEOBALDO: Ainda pergunta, seu insolente?! Eu vou desintegrar você!

MERCÚCIO: Espere aí, seu robô de meia-tigela!

AMA: Mercúciozinho, cuidado!

MERCÚCIO: (para a Ama) Deixe comigo, meu docinho! (para Teobaldo) Não pense que pode ir entrando assim e estragar o casamento dos meus amigos.

TEOBALDO: (empurrando Mercúcio) Desinfeta!

FREI LOURENÇO: Olhe os modos, Teobaldo!

TEOBALDO: Calado, seu traidor!

ROMEU: Teobaldo, pare! Agora somos parentes...

TEOBALDO: (empurrando Romeu que cai no chão) Que insolência! Eu nunca serei parente de um Montecchio!

JULIETA: (abraçando Romeu) Romeu...

TEOBALDO: Largue ele, prima!

MERCÚCIO: (para Teobaldo, intervindo) Deixe os dois, Dom Teobaldo.

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TEOBALDO: (empurrando) Eu não mandei você sair?!

MERCÚCIO: Calminha aí, lata-velha!

TEOBALDO: Lata-velha?!

ROMEU: Vocês dois, parem! Não comecem a brigar!

MERCÚCIO: Pode deixar comigo, primo! Eu vou respeitar o latão.

TEOBALDO: O que você disse?

ROMEU: Parem. Parem de uma vez por todas!

MERCÚCIO: Desculpe, primo.

ROMEU: Agora apertem as mãos e façam as pazes!

Mercúcio olha indeciso para Teobaldo, mas estende a mão.

TEOBALDO: (sinistro) Meu amigo!

Teobaldo aperta a mão de Mercúcio. De repente puxa Mercúcio e o empurra arrancando seu braço de madeira.

TEOBALDO: Isso é pra vocês aprenderem!

AMA: Mercúcio!

MERCÚCIO: (rodopiando) Ele me quebrou!

ROMEU: Meu amigo!

MERCÚCIO: (caindo nos braços da Ama) A brincadeira acabou pra mim, docinho: eu estou quebrado! Perguntem por mim, amanhã... Nenhuma criança vai querer brincar comigo!

AMA: Meu Arlequim...

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Morre. Todos ficam mudos e consternados. Silêncio. Ouvem-se apenas as gargalhadas de Teobaldo. Romeu volta-se furioso para Teobaldo.

ROMEU: Quem vai aprender agora é você, seu monte de ferro.

Teobaldo se acovarda e começa a recuar. Romeu tira o balde d’água das mãos do Frei. Começa a seguir Teobaldo que tenta fugir. Por fim, joga água em Teobaldo. Teobaldo entra em curto, rodopiando pelos quatro cantos do palco. Várias luzes do seu corpo se acendem e sai fumaça da sua cabeça.

TEOBALDO: (pifando) Maldição!

Ouve-se uma explosão vindo de Teobaldo que para de funcionar e morre.

Príncipe acorda com o barulho. Entram guardas. Romeu desaparece num passe de mágica.

PRÍNCIPE: Mas o que está acontecendo aqui? Quem é o responsável por esta bagunça? Vamos, respondam!

AMA: Um desastre, senhor!

PRÍNCIPE: Quem é aquele brinquedo quebrado?... Oh, mas é o Mercúcio! Quem quebrou o Mercúcio?!

TODOS: (apontando para o Teobaldo) O Teobaldo!

PRÍNCIPE: (à parte) Nervosinho esse Teobaldo... (para todos) Cadê ele? (percebe o Teobaldo morto) Oh, mas ele também foi pro Além! Quem quebrou o Teobaldo?

Todos ficam mudos.

PRÍNCIPE: Vamos, respondam! Ou eu mando guardar todos vocês no Guarda-Roupa Gelado, Mofado e Úmido dos Brinquedos Teimosos!

Todos continuam mudos, mas cada vez mais apavorados.

PRÍNCIPE: Eu vou perguntar só mais uma vez: quem quebrou o Teobaldo? Digam!

JULIETA:

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Ninguém vai dizer nada!

Teobaldo volta a funcionar por uns segundos, abre os olhos e fala com voz distorcida.

TEOBALDO: Foi o Romeu! Foi o Romeu! Foi o Romeu! 4, 3, 2, 1... PUF!

Teobaldo pifa de vez.

PRÍNCIPE: Agora foi pra valer... Romeu? Mas isso eu não vou deixar barato. Eu fui bem claro: não vou aceitar distúrbios em Verona Brinquedos! A partir de hoje, eu condeno Romeu ao exílio no Tenebroso e Terrível Porão Escuro dos Brinquedos Esquecidos... Até o Fim dos Tempos!

JULIETA: Mas senhor...

PRÍNCIPE: E se for encontrado em Verona Brinquedos: záz! Será derretido no Fogão Escandalosamente Escaldante da Cozinha dos Fundos, como manda a Lei. Tenho dito! — Ai, que sono...

Príncipe adormece. Guardas dominó saem de cena. Pedrinho vai até a caixa e bate três vezes.

PEDRINHO: (baixo) Podem sair.

Caixa se abre e saem Romeu e o Frei.

FREI LOURENÇO: Minha Nossa, por que demoraram? Que aperto! Esse garoto quase me mata!

ROMEU: Minha Julieta!

JULIETA: Romeu!

Julieta e Romeu se abraçam.

FREI LOURENÇO: Ei, vocês tratem de parar com isso!

JULIETA: Como vou viver sem Romeu?

FREI LOURENÇO: Se continuarem assim, Romeu não vive nem com ele mesmo!

ROMEU:

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Minha princesa!

FREI LOURENÇO: Romeu, trate de ir dando no pé. (joga-lhe uma trouxa) Tome esta trouxinha e vá que a viagem vai ser longa.

ROMEU: Eu não posso ir e deixar a minha Julieta!

FREI LOURENÇO: Vá logo, Romeu! O Príncipe exilou você.

AMA: Mas e os dois? Logo agora que acabaram de casar... Oh, minha pequena, não fique triste! Tudo vai se resolver...

FREI LOURENÇO: É verdade. Com tempo tudo se acalma e dá-se um jeito. Eu vou tentar falar com o Príncipe, quando ele acordar. Tento convencê-lo. Digo que os pombinhos se casaram, que houve um mal-entendido. Com o tempo tudo há de se resolver! (à parte, fazendo sinal da cruz) Assim eu espero! (para Romeu) Agora vá!

ROMEU: Julieta, eu vou voltar!

JULIETA: E seremos felizes?

ROMEU: Para sempre sempre!

Os dois se abraçam.

CENA 11

Ama chorando como que assiste a um filme. Dr. Coppélius consertando brinquedos.

AMA: Ah, coisa! Isso é uma maldade.

DR. COPPÉLIUS: Não é culpa minha. É da história. É assim que tem que ser, boneca.

AMA:

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Precisava terem levado logo o meu Mercúcio?

DR. COPPÉLIUS: Força, boneca! Força, coragem e determinação! Para os momentos difíceis. Quando a tempestade chegar, precisamos estar de cabeça erguida.

AMA: Isso porque não foi com o senhor! O meu Mercúcio...

DR. COPPÉLIUS: Existem males muito piores, minha cara... Muito piores...

CENA 12 (NOVO CASAMENTO)

Manhã do dia seguinte. Madame Capuleto conversa com Páris.

PÁRIS: Mas, Madame, depois do que houve com o seu sobrinho Teobaldo... Faz tão pouco tempo... Não seria mais apropriado esperar alguns dias?

MADAME CAPULETO: Nem unzinho. Precisamos resolver tudo o mais rápido possível!

PÁRIS: Mas a ocasião exige que...

MADAME CAPULETO: (cortando) Precisamos levantar o astral dessa família! Isso aqui está parecendo um funeral!

PÁRIS: Mas não é, Madame?

MADAME CAPULETO: (caindo em si) Verdade... Neste caso, aproveitamos e fazemos logo duas festas em uma!

PÁRIS: Bem pensado, Madame! Bem pensado!

MADAME CAPULETO: Eu sou o único brinquedo que pensa nesta história.

Entra Julieta melancólica.

MADAME CAPULETO: Não vai dar bom dia?

JULIETA: (seca) Bom dia!

MADAME CAPULETO:

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Filhinha, nós temos uma notícia do outro mundo pra te contar!

JULIETA: O que foi, mãe?

MADAME CAPULETO: Adivinha quem vai casar amanhã de manhã?

JULIETA: Quem?

MADAME CAPULETO: (fazendo suspense) Tchanram... Você!

Ama e Julieta se olham pasmas.

PÁRIS: Tirou a sorte grande, garota! Até a sua Ama ficou emocionada!

MADAME CAPULETO: Não é maravilhoso?! Agradeça a Deus a mãe que tem, Julieta!

AMA: Mas, Madame...

JULIETA: Eu não posso casar, mãe!

AMA: Não pode mesmo, gente!

PÁRIS: Com medo de ser feliz, querida?

MADAME CAPULETO: Por que não pode, posso saber?

JULIETA: Porque eu não posso casar duas vezes, mamãe!

MADAME CAPULETO: Pode?

JULIETA: Não posso.

MADAME CAPULETO: Pode sim.

AMA: Pode não.

Page 45: Romeu e Julieta Na Verona Brinquedos

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PÁRIS: (dando um chilique) Gente! Gente! Agora quem não está entendendo mais nada nesta história sou eu! Alguém pode me explicar o que está acontecendo?

MADAME CAPULETO: (perdendo a paciência) Calado!

PÁRIS: Oh!

MADAME CAPULETO: Queira nos desculpar, meu querido Páris, mas acho melhor você ir e voltar amanhã.

PÁRIS: Amanhã?

MADAME CAPULETO: E vestido a caráter! Amanhã vamos celebrar seu casamento em grande estilo.

PÁRIS: Bem... Neste caso, vou indo... (para Julieta) Tchauzinho, coração! Aguente até amanhã! (sai)

MADAME CAPULETO: Acho que você não entendeu, Julieta.

JULIETA: Entendi muito bem. Eu não vou casar e ponto final.

MADAME CAPULETO: Como não vai?

JULIETA: Eu já me casei, mamãe.

AMA: Casou sim, Madame. Todo mundo viu. Eu mesma fui a madrinha!

JULIETA: Eu não posso me casar se eu já estou casada. Simples.

Madame Capuleto olha pras duas, pensativa.

MADAME CAPULETO: (disparando) Pois eu digo que não está!

JULIETA: Mas estou sim!

MADAME CAPULETO: Nada. Brincadeirinha sua e daquele garoto. Aquele casamento não era sério.

Page 46: Romeu e Julieta Na Verona Brinquedos

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AMA: Como não, Madame?

MADAME CAPULETO: Não valeu e ponto final. Digo que não e não. Acabou-se. Não se fala mais nisso. Amanhã de manhã, Julieta vai se casar com o Conde Páris. Simples.

JULIETA: Mas, mãe...

MADAME CAPULETO: E nem tente fugir! Nem ouse que vai se arrepender! — Essa menina vai me obedecer de uma vez por todas!

Madame Capuleto sai.

JULIETA: Isso não pode acontecer, Ama!

AMA: Você precisa ser forte, minha bailarina!

JULIETA: Não pode... Eu preciso fazer alguma coisa! (sai)

CENA 13

Ama vira-se para Dr. Coppélius, em continuação à cena anterior. Dr. Coppélius sempre consertando brinquedos, em especial o soldadinho de chumbo e a bailarina.

AMA: Precisa sim! — Dr. Coppélius, ela precisava fazer alguma coisa!

DR. COPPÉLIUS: Me deixe trabalhar, me deixe trabalhar... essa costurinha aqui está muito complicada, ah se está!

CENA 14

Julieta entra e bate na caixa do Frei Lourenço, que acorda apavorado.

JULIETA: Frei Lourenço! Acorde!

FREI LOURENÇO: (sonolento) Julieta, a essa hora?

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JULIETA: O senhor precisa fazer alguma coisa, Frei!

FREI LOURENÇO: O que houve, minha filha?

JULIETA: Minha mãe quer me casar com aquele almofadinha. O senhor precisa impedir.

FREI LOURENÇO: Eu bem que gostaria, minha filha.

JULIETA: Como?

FREI LOURENÇO: Sua mãe falou com o Príncipe e vão colocar um substituto no meu lugar. Eu estou acabado, Julieta!

JULIETA: Isso não pode acontecer...

FREI LOURENÇO: É o fim da linha, menina. O fim da linha.

Breve silêncio.

JULIETA: (séria) Se for assim eu quebro a minha caixinha de música... Já que sem ela eu não posso viver... Prefiro morrer a me casar com outro brinquedo!

FREI LOURENÇO: Não diga isso, Julieta!

JULIETA: Então o que eu faço, meu amigo?

FREI LOURENÇO: Bem... Se você tem tanta vontade de impedir este casamento talvez haja uma saída...

JULIETA: Qual? Conta logo, frei!

FREI LOURENÇO: Escuta: volta pra tua mãe, como se nada tivesse acontecido. Seja obediente com ela e deixe aquela velha locomotiva sossegada e feliz.

JULIETA: Isso nunca! Onde já se viu?

FREI LOURENÇO:

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Faz parte do plano. Volta e diz que aceita de bom grado se casar com o jovem Páris. (tira uma chave de dentro da caixa) Quando anoitecer, antes de deitar, você vai dar corda na sua caixinha com esta chave que eu ganhei de um velho mágico que vivia aqui em Verona Brinquedos.

JULIETA: (pegando a chave) E pra quê serve esta chave?

FREI LOURENÇO: Com esta chave mágica, a sua caixinha deixará de funcionar e você dormirá um sono muito profundo... Como se fosse um brinquedo quebrado.

JULIETA: Um sono profundo... Como a morte... Como um brinquedo quebrado?

FREI LOURENÇO: Mas não será para sempre — embora todos acreditem que seja! — Será só por um tempo.

JULIETA: Algum tempo só? E mais nada?

FREI LOURENÇO: Até que todos desmanchem o casamento e vão embora. Logo em seguida você vai acordar como que de um sono tranquilo. Confie em mim. Eu vou mandar um recado pelo Benvólio. Romeu saberá de tudo e virá te buscar. Vai dar tudo certo!

Julieta pega a chave.

JULIETA: Que o meu amor me dê coragem e a coragem vai me proteger!

Música.

JULIETA: (cantando)

Pelas trilhas da noite Vou depressa, Sem olhar pra trás Dou um passo, mais outro Não posso demorar: Eu vou dançar com a Morte! Noite escura, outra dança Desvairada, uma esperança Um sono estranho, perigoso Não posso errar, vou depressa Lançada está a Sorte Eu vou dançar com a Morte! Me espreita a Escuridão

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A Morte quer a minha mão De mansinho, me namora Um calafrio, essa demora... Mas meu amor é mais forte. Meu amor não teme a Morte.

Julieta dá corda na caixinha que toca uma música. Julieta rodopia e adormece.

CENA 15 (O GRANDE E TENEBROSO PORÃO ESCURO)

Romeu entra no Grande e Tenebroso Porão Escuro de Mântua que está situado embaixo da loja. Anda pela penumbra com um fósforo aceso na mão, como se fosse uma tocha.

ROMEU: Este Porão é mais escuro do que eu pensava... Por isso os brinquedos nunca vêm pra cá!

Romeu anda mais alguns passos e esbarra na Ciganinha que acorda.

ROMEU: Ops... Devo ter pisado em alguma pedra...

CIGANINHA: (indignada) Uma pedra?!

ROMEU: (sem perceber a Ciganinha) Eu ouvi um barulho? Não deve ser nada...

CIGANINHA: Como não sou nada?

ROMEU: Quem está aí?

CIGANINHA: (à parte) Isso quando não morrem de medo.

ROMEU: (fingindo ser valente) Apareça!... (à parte) Ai, que medo!

CIGANINHA: Medo do escuro, soldado?

Na escuridão, veem-se muitos olhos de ratos que se abrem e veem Romeu. Romeu fica apavorado.

ROMEU: Quem são eles?!

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CIGANINHA: Puxe a cordinha!

ROMEU: O quê?

CIGANINHA: A cordinha!

ROMEU: (pegando a corda da Ciganinha) Já vai!

Romeu puxa a corda e solta. Ciganinha começa a se mexer. Levanta-se, numa dança.

CIGANINHA: Ah... Não é nada, são velhos amigos. (para os Ratos) Podem ir! (estala os dedos)

Ratos desaparecem.

CIGANINHA: (se esticando) Finalmente! Há anos nenhum cavalheiro tem a gentileza de me dar corda.

ROMEU: Ninguém? Como pode?

CIGANINHA: Eles são tão apressados. Quando chegam aqui, saem correndo de medo!

ROMEU: Eu não tenho medo de nada.

CIGANINHA: Um corajoso? Finalmente aparece um! Então seja bem-vindo ao Porão dos Esquecidos! — Prazer, Ciganinha!

ROMEU: Romeu... Mas o que uma Ciganinha faz aqui?

CIGANINHA: Faz muito tempo. Um adulto rico me comprou e me levou pra casa — era o aniversário da filha! — Me embrulharam em papel colorido, fita de cetim... A menina tinha tantos brinquedos que não quis saber de mim. Então, me devolveram pra loja — Eu sou livre demais pra eles — Depois, eu acabei vindo parar aqui no Porão dos Brinquedos Esquecidos. Me esqueceram aqui...

Música.

CIGANINHA: (cantando)

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Me esqueceram sim Mas não sou assim Tão misteriosa Sou bonita e elegante Livre, dissonante Sou Ciganinha Vidente poderosa Que o futuro em prosa E em verso adivinha Me esqueceram sim E foi o fim Longe de Verona, sem caminho No Porão Escuro Qual o futuro De um brinquedo sozinho?

Fim da música.

CIGANINHA: Mas o que veio fazer aqui, Romeu?

ROMEU: O Príncipe me expulsou de Verona. Em vez de me condenarem à morte, preferiram me banir aqui no Porão.

CIGANINHA: Neste caso não foi tão ruim assim...

Ouvem-se sons vindos de cima, em Verona.

ROMEU: (olhando para cima) Não existe mundo fora de Verona. Estar fora de Verona é estar fora do mundo, é estar quebrado...

CIGANINHA: Não fale assim, garoto. A vida pode dar muitas voltas. Ih, tantas que você nem imagina...

ROMEU: Eu só queria voltar pra minha Julieta.

CIGANINHA: Nada é o que parece realmente. Se você olhar com outros olhos pode descobrir que tudo está tão perto. Mais do que você imagina. Eu vejo nos seus olhos!

ROMEU: Como pode ver nos meus olhos?

CIGANINHA:

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Eu sou uma cigana, soldadinho. Eu sei de tudo. Eu posso ver uma saudade nos seus olhinhos, alguém que ficou para trás...

ROMEU: Julieta...

CIGANINHA: E que pode voltar... Num futuro bem próximo, quem sabe?

ROMEU: (se animado) Você pode ver?

CIGANINHA: Bem...

ROMEU: Pode me dizer o que eu tenho que fazer?

CIGANINHA: Eu já fui melhor nisso. Faz tanto tempo. Eu devo estar fora de forma...

ROMEU: Mas pode fazer uma forcinha prum novo amigo.

Silêncio. Ciganinha olha pensativa pra Romeu e decide ajudar.

CIGANINHA: Então, sente-se!

Os dois se sentam e Ciganinha tira uma toalha que cobre uma imensa bola de gude, a bola de cristal da Ciganinha. À medida que falam, uma luz irradia da bola de gude, iluminando todo o ambiente.

CIGANINHA: Olhe bem. O que você vê aqui?

ROMEU: Uma bola de gude.

CIGANINHA: Olhe com mais atenção. Olhe pra dentro de você mesmo. Tem coragem pra olhar?

ROMEU: Tenho.

CIGANINHA: Então, o que você vê?

ROMEU: Eu?

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CIGANINHA: Olhe com vontade! O quê você vê?

Bola começa a iluminar.

ROMEU: Um sonho.

CIGANINHA: E como ele é?

ROMEU: (olhando fixamente para a bola) Um sonho triste! A minha Julieta chega e me encontra quebrado, em pedacinhos... Mas amanhece e ela me enche de beijos, tantos beijos, que eu acordo, inteiro, novinho em folha. É um sonho bom: eu serei o Rei de Verona!

CIGANINHA: Então finalmente uma boa notícia?!

ROMEU: (fica triste de repente) Mas a noite aqui nunca vai acabar e a minha Julieta vai ficar sozinha pra sempre...

Ouvem-se sons fortes vindos de cima, em Verona.

ROMEU: Está acontecendo algo de errado em Verona Brinquedos! Eu posso sentir...

CIGANINHA: Não se apresse! Você ainda não viu tudo...

ROMEU: Não precisa... (levanta-se) Julieta, eu vou voltar!

CIGANINHA: Espere, é cedo ainda pra ir... Não vimos tudo... Tem algo errado aqui...

Romeu sai correndo deixando Ciganinha que cobre a bola de gude com a toalha deixando o ambiente escuro. Entra Benvólio pelo outro lado com uma carta do Frei nas mãos. Procura Romeu sem sucesso.

BENVÓLIO: Romeu? Você está aí?... Cadê ele? Eu preciso dar o recado do Frei Lourenço... Tem alguém aqui?

Ratos abrem os olhos sobre Benvólio que fica apavorado.

CENA 16 (REENCONTRO)

Amanhece. Ama vem acordar Julieta.

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AMA: Minha filha... Já amanheceu!

Julieta continua deitada sobre a caixinha de música. Ama se aproxima de Julieta e começa a dar corda na caixinha. Julieta não se mexe. Ama insiste sem sucesso.

AMA: Você precisa acordar, menina!... O dia está tão bonito hoje... Vamos, Julieta, acorde! (percebendo que Julieta “quebrou”)

Música.

AMA: (cantando)

Olha só quem dorme Julieta, menina Suave, repousa Minha linda bailarina. Cansada, essa boneca Dançou tanto, que beleza Vejam vocês: minha princesa Precisou tirar uma soneca. Não dança mais na caixinha Nos bailes, noites sem fim Saudade, meu serafim Foi dançar com as estrelinhas...

Madame Capuleto entra, toda emperiquitada pra festa, e percebe tudo. Ama olha para Madame Capuleto.

AMA: Dorme sossegada, meu anjo!

Entra Romeu correndo e vai até Julieta. Ama vai consolá-lo, mas Romeu faz que não precisa. Ama sai. Madame Capuleto olha envergonhada para Romeu e sai.

ROMEU: Isto é uma brincadeira? Ou estou sonhando? Não, não precisa dizer, meu amor... (abraça Julieta) Ah, minha querida, por que é ainda tão bonita? A Morte dos Brinquedos resolveu colocar você no bolso. (desenroscando seu parafuso-coração com um punhal ou chave de fenda) Mas fique tranquila: eu vou atrás e te alcanço, num segundo. Nós dois vamos ficar juntos pra sempre, minha querida! (parafuso sai)

Morre Romeu. Silêncio. Caixinha de música começa a tocar uma música. Julieta acorda.

JULIETA:

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Romeu? Mas que sonho mais estranho, meu amor! Um sonho muito triste... Eu preciso acordar de uma vez! Isto tudo não deve ser mais que um sonho. (percebendo que Romeu está quebrado) Um sonho terrível!... Olhos, vejam pela última vez! Braços... braços, deem seu último abraço! Lábios... Devo pedir um último beijo?... Mas agora tudo vai dar certo, Romeu. Vamos ser felizes para sempre!

Julieta quebra a caixinha de música e morre.

CENA 17 (EPÍLOGO)

Ama interpela inconformada o Dr. Coppélius que continua consertando os últimos brinquedos. Coloca o Mercúcio de pé, testa o Teobaldo que funciona.

AMA: Mas que final mais triste, Dr. Coppélius! Minha Nossa. Não. O meu Mercúcio vá lá, agora, isso... Passou dos limites!

DR. COPPÉLIUS: Não tem jeito. Foi assim mesmo que aconteceu. Tim-tim por tim-tim. Você queria tanto saber o final — aí está o final!

AMA: Que horror! Que tragédia!

DR. COPPÉLIUS: Uma tragédia mesmo.

AMA: Fala assim porque não é com o senhor.

DR. COPPÉLIUS: O destino é implacável com todo mundo, minha cara. Não podemos fazer nada pra mudar o destino.

AMA: Mas o senhor não pode ficar parado aí, de braços cruzados.

Todos os brinquedos olham para o Dr. Coppélius.

AMA: Por nós, pelos brinquedos, pela Loja. A história não pode acabar assim.

MADAME CAPULETO: Isso é uma injustiça, Dr. Coppélius!

BENVÓLIO: Uma maldade!

CIGANINHA: Onde já se viu?

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AMA: O senhor vai ter que fazer alguma coisa. Nós não vamos aceitar um final desses.

FREI LOURENÇO: Isso mesmo. É um pecado. (apontando para a plateia) Eles concordam com a gente.

AMA: Vamos. Faça alguma coisa. O senhor é ou não é o grande Dr. Coppélius?

Dr. Coppélius fica sem ação.

BENVÓLIO: Gente, que decepção!

AMA: Um novo final pra história.

TODOS: Muda! Muda!

DR. COPPÉLIUS: Chega! Basta! Vocês querem me deixar louco?

AMA: Então faça a sua parte. Queremos outro final!

DR. COPPÉLIUS: Ah, meus caros... Quanta teimosia! Que cabecinha oca a de vocês! Não entenderam nada?

TODOS: Ãh?

BENVÓLIO: Agora quem não entendeu mais nada mesmo fui eu!

DR. COPPÉLIUS: Ora... Teimam sempre com o final. Olham sempre pro fim. E se esquecem do mais importante.

MADAME CAPULETO: Essa é boa! E o que tem de mais importante que o final, Dr. Coppélius?

DR. COPPÉLIUS: De verdade... Bem... O que existe de mais importante?

Dr. Coppélius pega a bailarina e coloca sobre a caixinha de música.

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DR. COPPÉLIUS: O amor verdadeiro — que bate fundo, bate forte, que não tem vergonha de acontecer — O amor quando é de verdade, meus caros... não tem fim! Não pode ter fim!

Dá corda na caixinha. Som da caixinha. Bailarina começa a dançar.

DR. COPPÉLIUS: (absorto, quase para si) Pronto! Ficou uma beleza. Novinha de novo...

Brinquedos se olham, entendendo.

CIGANINHA: Claro que não... o amor verdadeiro...

AMA: Se é verdadeiro mesmo...

DR. COPPÉLIUS: Teima, teima... Não consegue, não pode, não sabe... ter fim!

CENA 18 (ALGUM FINAL?)

Romeu e Julieta acordam. Voltam à cena do baile onde Romeu e Julieta se conheceram pela primeira vez.

Julieta toma coragem e desce da caixinha de música, com a ajuda de Romeu que a segura pela cintura. Timidamente, começa a ensaiar alguns passos. Romeu a segura e não a deixa cair.

JULIETA: Não é tão difícil como eu pensava...

ROMEU: (soltando Julieta) Viu só?

JULIETA: É mágico!

ROMEU: (estendendo o braço) Mais uma dança, senhorita?

JULIETA: (dando o braço) Com todo prazer, nobre cavalheiro!... Mas... Afinal, eu ainda não sei o seu nome!

Romeu sorri.

ROMEU:

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Que importam os nossos nomes, minha princesa?

Julieta sorri e dá o braço. Entre os dois há uma calma e cumplicidade rara. Música. Todos os personagens vão entrando e dançando. Coreografia de encerramento do espetáculo.

TODOS: (cantando)

Um passo pra frente Um passo pra trás Quando a história começa Não tem quem segure mais

AMA: (cantando)

Dança, menina A história não pode parar

JULIETA: (cantando)

E como termina Não precisa mais explicar

TODOS: (cantando)

Um passo pra frente, Não olhe pro chão O amor quando acontece Não tem explicação

CIGANINHA: (cantando)

O mistério da vida Tão grande, neste palco girando

BENVÓLIO: (cantando)

Dança, Julieta A história está terminando.

AMA: (cantando)

Terminando? De jeito maneira! O romance não para, pois sim! A história de amor verdadeiro Não pode ter fim.

TODOS: (cantando, para a plateia)

E vocês, crianças Prestem bem atenção

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Não vão deixar em branco A história da vida, em vão

FREI LOURENÇO: (cantando)

Tantos amores, aventura esperando Que chega a ser um pecado Deixar tudo de lado A história de vocês está só começando

TODOS: (cantando)

E quando começa Ninguém mais pode parar. Quando a amor acontecer Não tente impedir Pois amor assim Aceso, intenso e forte feito cometa Como a história de Romeu e Julieta Nunca, nunca, nunca... vai ter fim.

FIM

® Registrado na Biblioteca Nacional Autor: Pedro Murad Tel.: 21 22251120 / 8846-3618 E-mail: [email protected]