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Universidade do Estado do Rio de Janeiro Centro de Educação e Humanidade Faculdade de Formação de Professores - FFP Rosane Maria Nunes Andrade Biblioteca Nacional: "monumento de aço e granito" na Avenida Central São Gonçalo 2008

Rosane Maria Nunes Andrade Biblioteca Nacional monumento de aço e granito na Avenida Central

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Page 1: Rosane Maria Nunes Andrade  Biblioteca Nacional monumento de aço e granito na Avenida Central

Universidade do Estado do Rio de Janeiro Centro de Educação e Humanidade

Faculdade de Formação de Professores - FFP

Rosane Maria Nunes Andrade

Biblioteca Nacional: "monumento de aço e granito" na Avenida Central

São Gonçalo 2008

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Rosane Maria Nunes Andrade

Biblioteca Nacional: "monumento de aço e granito" na Avenida Central

Dissertação apresentada, como requisito parcial para obtenção do título de Mestre, ao Programa de Pós-Graduação em História Social, da Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Área de concentração: História Social.

Orientadora: Profª. Drª. Márcia de Almeida Gonçalves

São Gonçalo 2008

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CATALOGAÇÃO DA FONTE UERJ / REDE SIRIUS / BIBLIOTECA FFP

A553b Andrade, Rosane Maria Nunes Biblioteca Nacional: “monumento de aço e granito” na Avenida ...... .... .Central/ Rosane Maria Nunes Andrade. São Gonçalo: UERJ/FFP, 2008 117 f.:il. Orientador: Márcia de Almeida Gonçalves Dissertação (mestrado) –UERJ/ FFP/ Programa de Pós- ......... ...... ... . ....graduação em História Social, 2008. Bibliografia: 111 - 117 f. 1. Silva, Manuel Cícero Peregrino da,1866-1956. 2. Biblioteca .................Nacional ( Brasil) - História. 3. Edifícios históricos – Rio de Janeiro ................(RJ). 4. Renovação urbana - Rio de Janeiro (RJ). I. ................Gonçalves,..Márcia.de Almeida. II. Universidade do Estado do Rio ................de Janeiro, Faculdade de Formação de Professores. III. Título. CDD 027.581

Autorizo, para fins acadêmicos e científicos, a reprodução parcial ou total desta dissertação.

Assinatura Data

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Rosane Maria Nunes Andrade

Biblioteca Nacional: "monumento de aço e granito" na Avenida Central

Dissertação apresentada, como requisito para obtenção do título de Mestre, ao Programa de Pós-graduação em História Social da Faculdade de Formação de Professores, da Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Área de concentração: História Social.

Aprovado em___________________________________________________ Banca Examinadora: _____________________________________________ ___________________________________________ Profª. Drª. Márcia de Almeida Gonçalves (Orientadora) Faculdade de História da UERJ ___________________________________________ Profº. Dr. Marcelo de Souza Magalhães Faculdade de História da UERJ ___________________________________________ Profª. Drª. Maria Lizete dos Santos Faculdade de Letras da UFRJ

São Gonçalo 2008

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DEDICATÓRIA

A Nelson, Daniel, Natália - presente de Deus.

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AGRADECIMENTOS

Ao sentar-me para escrever estas linhas de agradecimento, um filme foi passando

pela minha mente e fui lembrando das pessoas que contribuíram para que este trabalho

chegasse ao final (ou talvez início para projetos futuros?).

A minha orientadora profª. Márcia Gonçalves, dedico com carinho estas palavras

pela competência, paciência e apoio dado para realização da dissertação. Suas aulas no

mestrado contribuíram muito na elaboração dos capítulos da dissertação. A maneira

gentil com que me recebeu no "mundo dos historiadores" ficará marcada na minha

trajetória profissional.

Ao prof. Antonio Edmilson, agradeço de todo coração por ter sido uma das

primeiras pessoas a ressuscitar em mim a enorme vontade de voltar aos estudos

acadêmicos e confiar na minha capacidade para enfrentar esse novo desafio. E também

por ter aceitado participar da banca examinadora. A história da cidade do Rio de

Janeiro não seria completa sem a sua participação.

A profª. Maria Lizete, agradeço pelas orientações a respeito da escolha do tema

da dissertação e pelas dicas de leituras. Seu conhecimento acerca da história da

Biblioteca Nacional foi muito importante para a concretização da dissertação. Seus

gestos de amizade contribuíram para acalmar os momentos de apreensão. Tê-la como

membro da banca é um enorme prazer.

À "turma" do mestrado: colegas, professores e secretária, agradeço a simpatia e

o abraço recebido de vocês em cada etapa alcançada no percurso do curso.

Agradeço aos amigos da Biblioteca Nacional que sempre expressaram uma

palavra de apoio e abriram "as portas" do acervo para que eu pudesse realizar minhas

pesquisas. A lista é grande, mas não poderia deixar de mencioná-los, pois em cada

citação, imagem e documentos, eles estiveram presentes: Carla, Jorginho, Jorjão,

Augusto, Distefano, Ione, Maria do Sameiro, Domingos, Ivan, Ricardo, Fátima,

Rosângela, Léa, Cláudio, Irineu, Sérgio Apelian.

Aos amigos da Divisão de Informação Documental (DINF), dedico especial

agradecimento a Anna Naldi e Graça, que foram pessoas constantes no desenvolvimento

da dissertação. Suas palavras de apoio, de força para continuar, amenizaram em muitos

momentos minhas aflições. A toda equipe da DINF, agradeço pela compreensão nas

minhas horas de dedicação às pesquisas.

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Agradeço, também, aos meus familiares e amigos pelo interesse em saber como

estava indo a dissertação. Pelos “encontros de relaxamento” com as amigas: Anapaula,

Luciana, Soraya. Agradeço, em particular, a Anapaula pela revisão do texto e a

Jacqueline Lima pelas informações bibliográficas.

Por mais que queira agradecer ao meu esposo, Nelson, e aos meus filhos, Daniel e

Natália, sempre ficarão faltando palavras que possam exprimir o quanto foi importante

dividir este trabalho com eles, seja colaborando na digitalização, formatação e

ilustração, ou compartilhando com sugestões nas várias etapas da dissertação. Em todos

os minutos estiveram presentes com palavras de incentivo e souberam em silêncio

respeitar os momentos da minha ausência familiar para a redação do texto. Serão,

sempre, as pessoas mais importantes desta minha vitória. Muito obrigado!

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RESUMO ANDRADE, Rosane Maria Nunes. Biblioteca Nacional: "monumento de aço e granito" na Avenida Central, Rio de Janeiro, 2008. 120f. Dissertação (Mestrado em História Social) - Faculdade de Formação de Professores, Universidade do Estado do Rio de Janeiro, São Gonçalo, 2008.

O trabalho visa analisar a relevância da construção do novo prédio da Biblioteca

Nacional (1910), na Avenida Central, atual Avenida Rio Branco, na gestão de Manuel Cícero Peregrino da Silva (1900-1924), como um dos ícones das reformas urbanas promovidas por Pereira Passos na cidade do Rio de Janeiro, durante o governo de Rodrigues Alves (1902-1906), quando foi dado impulso à implementação de um projeto modernizador que procurava configurar a cidade, o caráter de civilidade e progresso, aplaudido por alguns literatos nos editoriais dos jornais e revistas da época. Nesse espaço urbano, a Biblioteca Nacional representava a imagem da modernidade pela arquitetura do prédio bem como um espaço da cultura do país na preservação do patrimônio bibliográfico brasileiro.

Palavras-chave: Biblioteca Nacional. Manuel Cícero Peregrino da Silva. Edifícios históricos. Renovação urbana.

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ABSTRACT ANDRADE, Rosane Maria Nunes. Biblioteca Nacional: "monumento de aço e granito" na Avenida Central, Rio de Janeiro, 2008. 120f. Dissertação (Mestrado em História Social) - Faculdade de Formação de Professores, Universidade do Estado do Rio de Janeiro, São Gonçalo, 2008.

This study discuss how significant it was the construction of the new building of the

National Library (1910) at former Avenida Central, nowadays Avenida Rio Branco, during Manuel Cícero Peregrino da Silva´s administration (1900-1924). The building itself becomes one of the icons of the town planning thought by Pereira Passos to transform the city of Rio de Janeiro. During President Rodrigues Alves’ government (1902-1906), a project was created to bring modernization, civilization and progress to Rio de Janeiro. Such project was received with enthusiasm by intellectuals and writers who published their contentment in newspapers and magazines of the time. In this new created city space, the National Library represented the image of modernization not only because of its architecture, but also because of its cultural relevance for it guarded and preserved Brazil’s bibliographic patrimony.

Keywords: National Library. Manuel Cícero Peregrino da Silva. Historic Buildings. City Planning.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ...........................................................................................................09 1 DA REAL BIBLIOTHECA À BIBLIOTECA NACIONAL: TRAJET ÓRIA ......14 2 A MODERNIDADE CHEGA À BIBLIOTECA NACIONAL: A GESTÃO DE

MANUEL CÍCERO PEREGRINO DA SILVA.......................................................28

3 O SHOW DA MODERNIDADE: A CIDADE DO RIO DE JANEIRO ................56 3.1 O projeto republicano: novas idéias e grandes reformas........................................56 3.2 A renovação urbana na leitura dos periódicos Gazeta de Notícias, Revista Kósmos,

Revista Fon-Fon..........................................................................................................68 3.3 Biblioteca Nacional: ícone da modernidade..............................................................79 4 CONCLUSÃO...........................................................................................................108 REFERÊNCIAS........................................................................................................111

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INTRODUÇÃO

A cidade do Rio de Janeiro, em fins do século XIX e início do XX, passou por grandes

mudanças, que procuravam transformá-la à imagem das grandes metrópoles européias,

projetando-a como cidade “civilizada”. Era o apogeu da Belle Époque carioca: a cidade das

casas de chá, confeitarias, temporadas líricas, mulheres elegantes vestidas com tecidos finos,

homens de cartola, polainas e bengala. Os novos ideais republicanos trouxeram novas idéias e

reformas ao espaço urbano. O projeto de república oligárquica, então vitorioso, colocava

abaixo a velha cidade colonial e apagava as marcas da influência portuguesa na arquitetura,

considerada de mau gosto, e fazia surgir a nova imagem de um país que ansiava por se

integrar ao mundo civilizado.

O espaço que melhor representava essa mudança era a Avenida Central, inaugurada

em 15 de novembro de 1905, que cortava de norte a sul o centro antigo, realizando o velho

sonho da grande artéria monumental, inspirada nos bulevares parisienses.

Os monumentos edificados na Avenida atraíam a atenção dos viajantes e transeuntes

pelo impacto que causavam devido ao esplendor e ao luxo de suas construções, em contraste

com uma cidade imersa em vários problemas sociais como a falta de moradia, de emprego, de

saneamento. A “nova capital” apagaria a imagem descrita pelos estrangeiros, de uma cidade

de ruas sujas, de prédios velhos e das epidemias.

Com o desenvolvimento dos novos meios de comunicação, a capital da República,

segundo Nicolau Sevcenko (1985, p.96), “sofreu um processo de transformação urbana que dá

o tom para a definição da atmosfera cultural da cidade”. Para o autor, as mudanças

provocadas pela introdução de novas técnicas alteraram os modos de vida da sociedade

carioca e geraram o desenvolvimento de uma cultura voltada para as grandes revistas

ilustradas, o jornal diário, o cinematógrafo, a fotografia. A presença da imprensa no cotidiano

do Rio de Janeiro em transformação marcou uma nova relação entre os letrados, a escrita e a

imprensa.

Com as reformas, o centro da capital tornou-se palco de instituições públicas que

expressavam, simbolicamente, um espaço da cultura e das artes pela presença arquitetônica de

seus prédios e pela representação de seu patrimônio. Dentre os marcos da modernização pela

qual passou a capital federal merece relevo a construção do novo prédio da Biblioteca

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Nacional na Avenida Central1, atualmente Avenida Rio Branco, na gestão de Manuel Cícero

Peregrino da Silva (1900-1924).

O prédio construído para sediar a Biblioteca Nacional representava o progresso

expresso nas linhas arquitetônicas, na modernização das instalações de acordo com as

exigências técnicas da época e no local apropriado para abrigar o que as bibliografias

brasileira e estrangeira tinham de mais expressivo. Sua construção foi saudada nos periódicos

da época, tendo como manchetes o reconhecimento do governo em dotar a Biblioteca

Nacional de um prédio que pudesse armazenar, em condições satisfatórias, seu valioso acervo

e o impacto causado pela monumentalidade do prédio, no novo espaço da cidade em

transformação.

O presente trabalho procura analisar a relevância da construção do prédio da

Biblioteca Nacional (1910) na Avenida Central como um dos ícones do projeto de

modernização implementado por Pereira Passos na cidade do Rio de Janeiro.

No desenvolvimento do tema tenciona-se perceber como o novo prédio da Biblioteca

Nacional, com sua monumentalidade expressa nos detalhes arquitetônicos da art nouveau,

procurava atender aos ideais de civilização e progresso que o movimento republicano

proclamava nos jornais e revistas. Sua mudança para a nova Avenida Central, a exemplo do

prédio do Museu de Belas-Artes e do Teatro Municipal, visava não apenas “embelezar” a

cidade, mas, sim, garantir a materialização da memória, da identidade e do projeto de

modernização em monumentos e instituições culturais que estabelecessem uma estreita

relação entre a cidade e a imagem que se pretendia projetar para a capital da República dos

Estados Unidos do Brasil.

Além disso, procura-se situar na história da Biblioteca Nacional, a gestão de Manuel

Cícero Peregrino da Silva, durante os anos de 1900 a 1924, que concretizou a construção do

prédio da Biblioteca Nacional, principalmente devido a sua participação no grupo de

intelectuais atuantes no governo, tendo como parâmetro o programa de investimentos nos

órgãos públicos adotado por Rodrigues Alves e o projeto de remodelação idealizado pelos

administradores da cidade.

O primeiro capítulo, Da Real Bibliotheca à Biblioteca Nacional: trajetória, busca

apresentar a história da Biblioteca Nacional desde a Livraria que D. José I, rei de Portugal,

mandou organizar em substituição à Real Biblioteca destruída por um incêndio em 1° de 1 O prédio teve o lançamento de sua pedra fundamental no dia 15 de agosto de 1905 e foi concluído no dia 1º de setembro de 1909. A transferência definitiva do acervo se encerrou em 21 de fevereiro de 1910. A inauguração do novo prédio ocorreu no dia 29 de outubro de 1910, um século após a data oficial da instalação da Real Biblioteca na cidade do Rio de Janeiro.

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novembro de 1755, durante o terremoto de Lisboa, até a sua valorização na esfera cultural e

educacional do país e, acima de tudo, como patrimônio da nação. Para isso, é destacado seu

papel como lugar de preservação do material bibliográfico nacional, tendo como base a

Convenção Nacional Francesa (1795) que declarou de propriedade nacional a então Biblioteca

Real e abriu caminhos para a Lei do Depósito Legal, característica comum às atuais

bibliotecas nacionais. Aborda-se a criação de bibliotecas nacionais no cenário internacional e

sua repercussão no caso brasileiro, e alguns pontos sobre a política de patrimônio brasileiro

adotada na época de criação dos órgãos fiscalizadores dos bens públicos. Utiliza-se como

leitura às referências levantadas no período de coleta de informações, envolvendo livros,

catálogos e artigos de periódicos.

No segundo capítulo, A modernidade chega à Biblioteca Nacional: a gestão de

Manuel Cícero Peregrino da Silva, é dado destaque à figura de Manuel Cícero Peregrino da

Silva como administrador da Biblioteca Nacional no momento da mudança para o novo

prédio e sua relação com o grupo de intelectuais e reformadores da cidade. Sua biografia tem

como leitura o livro Vida de Manuel Cícero Peregrino da Silva de Bittencourt Feijó, que

procurou manter viva a memória do homem público que dedicou sua vida à administração dos

bens públicos e evidenciou como esta esteve sempre vinculada a parcerias com a elite dos

intelectuais então envolvidos nos projetos do Estado implantados no país, durante a Primeira

República.

Na trajetória histórica da Biblioteca Nacional, a figura de Manuel Cícero à frente da

Instituição se faz necessária, uma vez que sua gestão caracterizou-se como um período de

grandes realizações, tanto no campo administrativo (formação profissional dos funcionários,

tratamento do acervo), como na projeção da instituição na esfera nacional e internacional

(programa de intercâmbio com várias instituições e bibliotecas estrangeiras). Para traçar essa

trajetória foram analisadas as coleções Coleção Marília Velloso Pinto2, que tem como datas-

limite: 1895-1967, e a Coleção Biblioteca Nacional, existentes na Divisão de Manuscritos.

Nessas coleções estão arrolados telegramas, anotações pessoais, cartas, artigos de jornais e

recortes de revistas com notícias sobre a Biblioteca Nacional, homenagens, discursos, ofícios,

portarias, atos administrativos as viagens ao exterior de Manuel Cícero como representante

oficial do governo brasileiro, e as gestões em outras esferas governamentais, a rede de

sociabilidades com os membros responsáveis pelas políticas de Estado. Acrescentando a essa

documentação, foi feita a leitura dos Anais da Biblioteca Nacional abrangendo os anos de

2 Marília Velloso Pinto é neta de Manuel Cícero e filha de Braz Velloso, ajudante de ordens da presidência da República no governo de Washington Luis. Fez a doação da documentação de seu avô, no ano de 1992.

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gestão de Manuel Cícero, 1900 a 1924, procurando detectar dados sobre sua administração:

documentação contábil e de pessoal, de usuários, livros de registro de entrada de acervo e

informações sobre a construção do novo prédio da Biblioteca Nacional. Através da leitura dos

relatórios editados nos Anais, pode-se perceber que Manuel Cícero vislumbrava deixar sua

marca como administrador público, nos destinos da Instituição.

No terceiro capítulo, intitulado "O show da modernidade": a cidade do Rio de Janeiro,

propõe-se um olhar sobre a cidade do Rio de Janeiro, tentando caracterizar o cenário da

capital federal para compreender o projeto modernizador defendido pelos reformadores, e

como este serviu de alicerce para as reformas implementadas por Pereira Passos na cidade,

principalmente no que diz respeito aos monumentos arquitetônicos edificados na época, como

o Teatro Municipal, o Museu de Belas-Artes e a Biblioteca Nacional. O projeto urbanístico

tinha como objetivo apresentar o Rio de Janeiro como cartão-postal do país, composto por

vias largas, numerosos jardins e galerias com prédios suntuosos e instituições que

expressavam, simbolicamente, um espaço da cultura e das artes. Nesse contexto, analisa-se a

importância da construção do novo prédio da Biblioteca Nacional, um dos ícones da

modernidade, e sua representação simbólica na nova capital que se pretendia moderna,

civilizada.

Ainda no capítulo destaca-se o papel da imprensa em fins do século XIX e início do

século XX, através da atuação dos escritores brasileiros, uma vez que seus discursos e obras

foram marcados pelos ideais de ordem e progresso alardeados com o advento da República.

Muitos deles tiveram presença na imprensa carioca, através das crônicas nos jornais e revistas

que serviam de espaço para a denúncia das reformas urbanas ou apoio aos projetos

implantados pelos administradores da cidade. Nesses espaços editoriais, o novo prédio da

Biblioteca Nacional foi tema de vários artigos que expressavam as ponderações dos literatos

acerca da sua importância e monumentalidade. A análise do cenário político e social da cidade

do Rio de Janeiro, no que diz respeito à reforma urbana, foi realizado através da leitura dos

periódicos (jornais e revistas) da época, procurando apontar as ponderações dos escritores

acerca dessa reforma e a importância e monumentalidade dos prédios construídos no período

entre 1904 a 1910. Os periódicos analisados são: Gazeta de Notícias, Revista Fon-Fon e

Revista Kósmos, tendo como recorte temporal os anos de 1900 a 1912. Esses periódicos

serviam como espaço literário, veiculavam notícias do cotidiano, debatiam os grandes temas

nacionais e internacionais e apresentavam um retrato da sociedade carioca. As revistas

escolhidas tinham uma mensagem simples, atual e uma nova estética para atrair o público

leitor. Possuíam visões diferenciadas sobre o projeto urbanístico que se pretendia instaurar na

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cidade. A Revista Fon-Fon associava humor e crítica social, utilizando uma mensagem

singular e repleta de caricaturas. A Revista Kósmos foi inaugurada com uma nova proposta

estética e um discurso de apoio às medidas adotadas pela equipe de reformadores da cidade. O

jornal Gazeta de Notícias trazia em suas páginas informações diárias e colunas voltadas para

reclamações da população com respeito às reformas implementadas na cidade.

Como registro das idéias apresentadas ao longo do texto, utilizam-se no trabalho

fotografias pertencentes ao acervo da Biblioteca Nacional, tendo como vantagem a

recuperação da memória histórica da Instituição e a representação das mudanças ocorridas na

cidade do Rio de Janeiro. O uso das fotografias tem como intuito tornar a realidade descrita

mais perceptível aos olhos dos leitores e deixar registrada, principalmente nas referentes a

construção do novo prédio da Biblioteca Nacional, a monumentalidade e perpetuação da obra

no cenário urbano.

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1 DA REAL BIBLIOTHECA À BIBLIOTECA NACIONAL: TRAJET ÓRIA

É, sem dúvida alguma, das construcções officiaes da Avenida Central, um dos mais belos edifícios, esse da Bibliotheca Nacional. Impõ-se logo pela severidade das linhas, pela magestade da fachada, pela grandeza dos effeitos architectonicos. (Jornal do Brasil, 29/10/1910, p.5)

Dessa forma os periódicos da época veicularam notícias sobre a inauguração do novo

prédio da Biblioteca Nacional, no ano de 1910. Localizado no novo espaço urbanizado e

moderno da cidade do Rio de Janeiro, o edifício tornou-se um dos símbolos da modernidade

dentro do projeto de progresso e civilização empreendido por dirigentes e intelectuais durante

a Primeira República. A Biblioteca Nacional desde a sua chegada ao Brasil, em 1810, até os

dias atuais, através das gestões de vários diretores foi, aos poucos, adquirindo uma projeção

institucional que procurava assemelhar-se às grandes bibliotecas internacionais. Faz-se

necessário um recorte na sua história para pontuar sua trajetória no cenário cultural do país.

A história da Biblioteca Nacional, hoje situada na Avenida Rio Branco, se confunde com

as experiências históricas da sociedade brasileira, desde a vinda da Corte Portuguesa até os

dias atuais. Em fuga à invasão de Portugal pelas tropas napoleônicas de Junot, e com medo

que alcançassem Lisboa, a Família Real composta por D. João, a rainha D. Maria I e demais

membros da corte embarcaram para o Brasil no dia 27 de outubro de 1807 trazendo móveis,

jóias e pertencentes pessoais.

Na partida da Corte, foram deixados no porto, caixotes da Real Biblioteca, também

chamada Livraria que D. José, rei de Portugal, mandara organizar em substituição à Real

Biblioteca da Ajuda, fundada por D. Duarte, e destruída a 1º de novembro de 1755, pelo

incêndio que em função do terremoto, afetou Lisboa causando enormes perdas materiais.

Muitos prédios, documentos e tesouros artísticos desapareceram, consumidos pelo fogo que

ardeu durante seis dias no centro da cidade, atingindo a área onde se concentravam palácios e

monumentos históricos. Comentava-se que cerca de metade das casas foram arruinadas, além

de prédios públicos, igrejas, conventos, residências de estrangeiros, palácios de muitos reis e,

o próprio Palácio Real. (SCHWARCZ, 2002, p. 29).

A Real Biblioteca possuía em seu acervo setenta mil volumes que incluíam obras

raras, documentos selecionados, códices, incunábulos, gravuras, partituras e mapas. Herdeira

de muitos reinados e dos gostos de diferentes soberanos, a “livraria régia” como também era

conhecida a Real Biblioteca, expressava o interesse dos monarcas portugueses pelo livro ou

pelos valores políticos que um acervo como aquele representava (SCHWARCZ, 2002, p.32).

Possuir uma biblioteca que reunia em seu acervo todo do conhecimento do "mundo", dava à

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realeza poder e prestígio. Nesse período, encontramos em algumas cidades da Europa,

bibliotecas reais possuidoras de belíssimos acervos, restritas à Corte e destinadas à formação

da realeza. Segundo Roger Chartier (1990, p.96) "A Real Biblioteca fora idealizada como

resultado de um rei monárquico que tinha como sonho de biblioteca reunir todos os saberes

acumulados, todos os livros alguma vez escritos, capaz de acolher a memória do mundo."

Entre os anos de 1770 e 1773, ainda em Portugal, o acervo adquiriu proporções

grandiosas, à altura das bibliotecas européias. Para tanto, foram contratados livreiros

estrangeiros, agentes diplomáticos, acadêmicos de renome. D. José I, auxiliado pelo ministro

Marquês de Pombal, esforçou-se em reorganizar o que tinha restado e deu início a uma nova

coleção. A nova Real Biblioteca, agora situada no Palácio da Ajuda (figura 1), não parou de

crescer, por meio da compra de acervos privados, de doações e de coleções esquecidas em

mosteiros e abandonadas às pressas pelos jesuítas.

Buscou-se adquirir coleções que pudessem enriquecer seu acervo. A coleção do

Cardeal da Cunha, adquirida após sua morte e composta de 1234 obras; a coleção de livros do

Colégio de Todos os Santos, situado na Ilha de São Miguel, nos Açores, confiscada após a

extinção da Companhia de Jesus, e grande parte da coleção do Infantado. A grande coleção

adquirida foi a do abade Diogo Barbosa Machado, que contava com 4301 obras, divididas em

5764 volumes. Segundo Cunha (1981, p.128), "o acervo abrangia diferentes ramos do

conhecimento, coleções especiais de retratos, álbuns de estampas de caráter religioso, mapas e

um conjunto de folhetos agrupados por temas."

A chegada da Real Biblioteca ao Rio de Janeiro ocorreu no ano de 1810, trazendo aos

trópicos a ciência, a filosofia, procurando implantar na colônia uma biblioteca como

Figura 1 - O Palácio Real da Ajuda em Lisboa. Divisão de Iconografia/FBN

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repositório do saber universal. Seu acervo teve um significado muito importante entre os

eruditos da época. Ramiz Galvão (1889, p.159), ao descrever a coleção bibliográfica trazida

pela Corte afirma que:

Não se sabe. O que mais se deva admirar, se a excellencia das edições raras, se a belleza dos exemplares predferidos pelo douto collecionador, se enfim a boa ordem e perfeição das colleções facticiais, prodígio de perserverança e de cuidado. Estão nelles reunidas quase todas

as províncias do saber humano, representado pelas suas obras mais dignas de nota e estima.

D. João procurou instalar a Real Biblioteca nas cercanias do Paço Real, ficando

instalada no andar superior do Hospital do Convento da Ordem Terceira do Carmo, na rua

Direita, hoje rua Primeiro de Março (figura 2). Como os andares superiores não possuíam

condições necessárias para acomodação do acervo, por determinação de D. João, foi ocupado

o andar debaixo onde se encontravam as “catacumbas”. No decreto de 29 de outubro de 1810

ficou estabelecido:

Havendo ordenado, por Decreto de 27 de junho do presente anno, que nas casas do Hospital da Ordem Terceira do Carmo, situado à minha Real Cappela, se colocassem a minha Real Biblioteca e gabinete dos instrumentos de phisica e mathematica vindos ultimamente de Lisboa e constando-me pelas últimas averiguações a que mandei proceder, que o dito edifício não tem toda a luz necessaria, nem offerece os commodos indispensaveis em hum estabelecimento desta natureza, e que no lugar que havia servido de catacumba aos Religiosos do Carmo se podia fazer huma mais propria e decente accomodação para a dita livraria: hei por bem, revogando o mencionado Real Decreto de 27 de Junho, determinar que nas ditas catacumbas se erijam e accomode a minha Real Bibliotheca e instrumentos de physica e mathematica, fazendo-se à custa da Real Fazenda toda a despeza conducente ao arranjamento e manutenção do referido estabelecimento (...) – Palácio do Rio de Janeiro, em 29 de Outubro de 1810 – Com a rubrica do Príncipe Regente Nosso Senhor. (Anais da Biblioteca Nacional, 1889, p.223)

Em 1814, por ordem do Príncipe Regente, a Real Biblioteca, instalada no Hospital do

Carmo, abriu suas portas à população, ficando acessível ao público, perdendo seu caráter de

particular. A partir desse ato, Rubens Moraes (1943, p.34) registra “aqui termina o período

Figura 2 - A Real Biblioteca, 1810, na Rua Direita, hoje Primeiro de Março. Divisão de Iconografia/FBN

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medieval das bibliotecas brasileiras”. Com a leitura franqueada à população da colônia, ficava

a Real Biblioteca descaracterizada de sua função ligada apenas à formação da realeza.

Na volta de D. João VI a Portugal, a Real Biblioteca continuou no Rio, pois seria

impossível desmontá-la às pressas. No regresso, D. João VI teria levado apenas parte dos

manuscritos da Coroa – documentos referentes à história de Portugal. Entre os inúmeros e

importantes itens deixados no Brasil - e bens pelos quais Portugal fazia questão de ser

indenizado - ocupando o segundo lugar em relevância, de acordo com o documento intitulado

“Conta dos Objetos que Portugal Teria Direito de Reclamar ao Brasil” (o primeiro se referia à

metade da dívida pública, até 1817) era a Real Biblioteca (SCHWARCZ, 2002, p. 400).

Através da Convenção Adicional ao Tratado de Paz e Amizade, de 29 de agosto de 1825, o

país adquiriu a biblioteca do rei.

Com o crescimento do acervo, a falta de espaço para acomodação dos livros e os

pedidos insistentes dos provedores do prédio solicitando sua devolução, Frei Camillo de

Monserrat, responsável pela Biblioteca, solicitou a transferência para um novo espaço. Após

vários pedidos, foi oferecido um prédio situado no Largo da Lapa, hoje Rua do Passeio, onde

funciona a Escola de Música da Universidade Federal do Rio de Janeiro. O prédio possuía

várias salas onde poderiam ser organizadas as diversas coleções. Em 1855, Frei Camillo

recebeu as chaves do prédio e iniciou as reformas internas necessárias. Três meses depois, a

Biblioteca deixou o Convento do Carmo para se instalar no casarão do Passeio (figura 3).

Porém, mesmo com as reformas feitas, os administradores da Biblioteca não conseguiam

resolver seus problemas internos: a falta de verbas para aquisição de livros e de incentivos

para organização de cursos e complementação das coleções de moedas e medalhas e outros.

Figura 3 – Biblioteca Imperial e Pública da Corte, 1858, na rua do Passeio. Divisão de Iconografia / FBN

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Com a nomeação do bibliotecário Benjamin Franklin Ramiz Galvão3, em 22 de

outubro de 1870, a Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro passou por uma fase mais tranquila,

em termos de orçamento. A verba foi multiplicada, sendo possível aumentar o acervo com a

compra de novas coleções e contar com a colaboração de Valle Cabral, Saldanha da Gama,

Raul Pompéia e outros. Ramiz Galvão procurou transformar a Biblioteca Nacional num centro

de referência de pesquisa e estudo, atraindo os vários letrados importantes no cenário literário

da época.

Diante de vários pedidos encaminhados aos governantes, solicitando a contratação de

novos funcionários, Ramiz Galvão realizou o primeiro concurso público para o cargo de

bibliotecário, no qual se destacou o historiador Capistrano de Abreu. Na carta datada de 29 de

maio de 1879, o historiador solicitou sua inscrição para o concurso:

Ilmo Senhor Director da Bibliotheca Nacional – Dr. Benjamin Ramiz Galvão João Capistrano de Abreu, habilitado a concorrer para o logar de Official desta Bibliotheca (...) pede inscrever entre os candidatos. Ass. João Capistrano de Abreu. (Divisão de Manuscritos / FBN. Loc. I-46,12,11)

Os novos ideais oriundos dos movimentos abolicionista e republicano propiciaram a

aglutinação de vários letrados envolvidos com as doutrinas positivistas, evolucionistas e

outras. Alguns desses participaram das transformações culturais, sociais, políticas e

econômicas que afetaram o Brasil; outros eram representantes das escolas formadoras do país,

como as militares, as técnicas, a de Recife. Ramiz Galvão participou dessa “agitação

republicana” e da doutrina comtista ao montar, em 1880, uma exposição na Biblioteca

Nacional pelo tricentenário da morte de Camões4. Essa homenagem foi idealizada pelo núcleo

positivista e teve participação ativa de Miguel Lemos em várias outras comemorações. Dentre

elas, uma procissão cívica com o busto de Camões sendo transportado para a Biblioteca

Nacional. Na apresentação da exposição, Ramiz Galvão enalteceu a figura de Camões como

grande escritor da história literária mundial: “Seu espírito embebido do idealismo poetico de

Platão e do amôr a patria, e enriquecido de prodigiosa erudição, faz ocupar logar proeminente

entre os melhores poetas”. (Anais da Biblioteca Nacional, 1876, p. 79)

3 Nasceu em 16 de junho de 1846, no município de Rio Pardo, hoje, município Ramiz Galvão e faleceu no Rio de Janeiro em 8 de março de 1938. Historiador, educador e médico, dirigiu a Biblioteca Nacional no período de 1870 a 1882, sendo o precursor da pesquisa bibliográfica. As pesquisas desenvolvidas em sua gestão, encontram-se publicadas nos Anais do v.1/1875 ao v.9(2)/1881. Deixou a direção da Biblioteca Nacional, em 1882, por ter sido designado por D. Pedro II, instrutor da educação intelectual dos filhos da Princesa Izabel. Por decreto do governo imperial de 18 de junho de 1888, recebeu o título de Barão de Ramiz. Foi sócio do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, membro da Academia Brasileira de Letras, oficial da Instrução Pública da França, onde estudou administração e organização de bibliotecas, diretor da Instrução Pública do Rio de Janeiro, primeiro reitor da Universidade do Brasil. Dados retirados de MAURICÉA FILHO, Alfredo. Ramiz Galvão: o Barão de Ramiz; ensaio biográfico e crítico. Brasília: Instituto Nacional do Livro, 1972. 4 Segundo João Cruz Costa (1956, p.174), “Comte havia inscrito o nome do poeta no oitavo mês do calendário positivista”.

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Ramiz Galvão implementou a organização bibliográfica dos catálogos de modo a

espelhar com mais detalhes o acervo e servir de instrumento a ser utilizado pelos estudiosos

da época. Segundo ele: “A síntese histórica assenta essencialmente sôbre a consulta e análise

dos documentos fidedignos e estes vêm todos os dias surgindo à luz de pesquisas longas e

pacientes”. (RAMIZ apud MAURICÉA FILHO, 1972, p. 119). Conforme citação feita por

Edson Fonseca (1957, p. 7), “a bibliografia brasileira propriamente dita nasceu na Biblioteca

Nacional com Benjamin Franklim Ramiz Galvão”. Em sua gestão foram realizadas:

Exposição da Coleção Camoneana (1880), Exposição de História do Brasil (1881), Catálogo

da Coleção Diogo Barbosa Machado, construção de novos espaços e instalação elétrica do

prédio na rua da Lapa. Duas grandes iniciativas mereceram destaque nos periódicos cariocas:

a publicação dos Annaes da Bibliotheca Nacional (1877) e do Catálogo da Exposição de

História do Brasil (1881). Dentre várias solenidades, Ramiz Galvão participou como

presidente da Associação do 4º Centenário do Descobrimento do Brasil, sendo seu nome

veiculado nos jornais da época.

No que se refere aos Anais, procurava Ramiz Galvão seguir o regulamento da

Biblioteca, estabelecido pelo Decreto n.6.141, de 4 de março de 1876, onde era atribuido ao

Diretor, então chamado de Bibliotecário, entre outras responsabilidades: “Dirigir a publicação

dos Annaes da Bibliotheca Nacional, revista periódica onde deverão ser publicados os

manuscritos interessantes da Bibliotheca e trabalhos bibliográficos de merecimento,

compostos pelos empregados da repartição, ou por indivíduos extranhos a ela”. Criado por

Ramiz Galvão, seria editado o primeiro volume dos Anais, em 1876. A folha de rosto trazia

uma citação de Richard Bury no Philobiblion, cap. XVI: “Litterarum seu librorum negotium

concludimus hominis esse vitam”5. Nos Anais estariam contidos:

Os nossos inéditos mais preciosos, livros raros e altamente estimáveis que povôam as nossas estantes; peças mais curiosas que compõem nosso gabinete de estampas; trabalhos biobibliographicos sôbre os mais celebres escriptores e amadores nacionaes (...). Um livro apreciado do bibliophilo e do litterato, do amador e do sábio. (Anais da Biblioteca Nacional,

1876, p. VII).6 .

5 Tradução da citação: “Concluímos que as letras e os livros são a seiva da vida”. 6 Atualmente, os Anais são editados uma vez ao ano e publicam trabalhos referentes ao acervo da Biblioteca Nacional, transcrevem documentos, divulgam textos de conferências realizadas na BN e apresentam o relatório das atividades desenvolvidas pelos dirigentes da Instituição. A apresentação gráfica dos Anais tem sofrido mudanças ao longo de sua existência, variando as cores da capa, inclusão do emblema da BN e outras.

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A importância dos Anais da Biblioteca Nacional (figura 4) como fonte de pesquisa e

instrução é apontada por José Veríssimo (1969, p.233): “ricos de informações bibliográficas,

de eruditas memórias e monografias interessantes para a nossa história literária e geral”.

O Catálogo da Exposição de História do Brasil7 foi publicado em 1881, resultado de

uma exposição realizada na Biblioteca no dia 2 de dezembro de 1881, e buscava recolher nas

diversas cidades do país informações sobre documentos que pudessem enriquecer o acervo da

Biblioteca sobre a história do Brasil. Para isso, foi enviado um questionário a várias Câmaras

Municipais, solicitando-se o arrolamento de documentos encontrados sobre o assunto e que

pudessem ser enviados à Biblioteca. Em seu prefácio, Ramiz Galvão considerava o catálogo

como “um esbôço da bibliographiia histórica brazileira”, e não apenas um indicador de livros,

painéis, estampas ou medalhas: “A Exposição é um facto na história litteraria do paiz, e o seu

catalogo vê hoje a luz da publicidade, para dar aos coevos e vindouros idéa dos nossos

trabalhos e do manancial que pudemos reunir”. (Anais da Biblioteca Nacional, 1881, p.5)

A dedicação de Ramiz Galvão na elaboração de catálogos e sua grande competência

nos serviços prestados foram motivos de elogios por parte de vários escritores. A respeito

disso, Capistrano de Abreu escreveu sobre a figura de Ramiz Galvão:

7Possui dois tomos que constituem volume IX (1881-1882) dos Anais da Biblioteca Nacional.

Figura 4 - Annaes da Bibliotheca Nacional, v.1/1876-1877

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Era o chefe ideal; inteligente, zeloso, incansável. Quando chegávamos às 9, já estava Ramiz

no trabalho, revendo, classificando os bilhetes do Catálogo; morava contíguo. Depois do

almoço continuava. À noite, continuava no seu pôsto, pelo menos até às 8, de Ano Bom a São

Silvestre. (ABREU apud MAURICÉA FILHO, 1972, p. 118)

A Academia Brasileira de Letras, em 1938, com a morte de Ramiz Galvão,

homenageou-o nos discursos proferidos pelos acadêmicos:

Deixastes na casa dos livros a impressão profunda das pesquisas feitas, dos originais

descobertos, dos trabalhos organizados, dos catálogos magistrais, que há decênios servem de

roteiro a todos os estudiosos. (O adeus da Academia. Barbosa Lima Sobrinho. Revista da

Academia Brasileira de Letras, 1938. p. 68).

O casarão da rua do Passeio, começou a ficar pequeno para abrigar a demanda do

acervo que crescia de volume e importância. A necessidade de conseguir um novo espaço

para a Biblioteca passou a ser requisitado nos relatórios. Em substituição ao nome de José de

Alexandre Teixeira de Melo, que ocupou a direção nos anos de 1895 a 1900, foi empossado

no dia 13 de julho de 1900, como diretor da Biblioteca Nacional, Manuel Cícero Peregrino da

Silva, vindo da Faculdade de Direito do Recife, onde atuara como bibliotecário durante 10

anos. Seu nome fora sugerido por Epitácio Pessoa, Ministro da Justiça e Negócios Interiores

do governo Campos Sales, que tinha trabalhado com Manuel Cícero na Faculdade e conhecia

a sua capacidade em administrar bibliotecas. Sua gestão foi a mais longa na história da

Biblioteca, cargo que exerceu de 1900 a 1924, com intervalos.

Nesse período, as bibliotecas públicas representavam um espaço bastante procurado

pelos estudiosos, para leitura de livros e periódicos, e não possuíam locais apropriados para o

estudo. Alguns escritores, entre eles Artur Azevedo, reclamavam da Biblioteca não possuir

um local apropriado para leitura e pesquisa. O famoso cronista João do Rio, que costumava

em suas colunas nos jornais apontar temas cotidianos, escrevia que o “Brasil era uma cidade

de leitores baseado no intenso movimento dos livros e no grande mercado ambulante”

(Gazeta de Notícias, 26/11/1893, O Brasil lê).

A respeito dos freqüentadores da Biblioteca, encontramos ainda nas crônicas de João

do Rio comentários acerca dos hábitos de alguns leitores:

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Há diversas espécies de frequentadores. Das dez da manhã até as três da tarde, aparece a primeira leva. As mesas ficam cheias de uma sociedade mais ou menos ruidosa, que se levanta a cada passo para beber água, lavar as mãos e fumar em certos retiros facilitadores de necessidades urgentes(...) A frequência da primeira enchente é em geral de estudantes, meninos, ainda nos preparatórios que posam o curso nas faculdades (...) há o frequentador erudito que entra, circula pelos assistentes um olhar superior (...) há o poeta que vai lêr o proprio livro de versos (...) há os transitivos, senhores de passagem, que passam e entram para matar o tempo (...) há os namoradores, aproveitando a mesa, a tinta e a caneta da casa para escrever às futuras esposas(...) há os íntimos, que entram por toda a parte cumprimentados pelos contínuos com perguntas sobre a saúde. O mais notável é o Dr. Capistrano de Abreu. (JOÃO, 1909, p.254 e 255).

Aproveitando o projeto de remodelação da cidade do Rio de Janeiro, implementado

por Rodrigues Alves (1902-1906) que procurava transformar a capital federal numa cidade

moderna, civilizada, Manuel Cícero solicitou um espaço para a Biblioteca dentro do novo

cenário urbanístico. Após vários meses de obras, a Biblioteca Nacional inaugurou, no dia 29

de outubro de 1910 (figura 5), sua nova sede na Avenida Central, atualmente Avenida Rio

Branco, integrando-se perfeitamente à nova paisagem urbana num ponto estratégico da cidade

que se “civilizava”. O prédio da Biblioteca Nacional foi projetado pelo general Francisco

Marcelino de Souza Aguiar, e a construção foi coordenada pelo engenheiro Napoleão Muniz

Freire e Alberto de Faria.

Na sua inauguração estiveram presentes o presidente do Brasil e uma comitiva de

pessoas ilustres (figura 6). O novo prédio representava a concretização do ideal em prover a

cidade do Rio de Janeiro de uma instituição cultural como vitrine da nova capital urbanizada e

moderna. O impacto causado pela sua monumentalidade aos convidados e transeuntes,

Figura 5 - O novo prédio da Biblioteca Nacional na Avenida Central, hoje Avenida Rio Branco. Jornal A Imprensa, 31/10/1910

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conforme notícias veiculadas nos jornais e revistas, confirmava que o objetivo tinha sido

alcançado. O novo espaço deixava para trás uma parte da cidade, suja e repleta de barracos.

Além da concretização do novo prédio, que buscava a construção de uma identidade

pautada nos quadros do projeto de reforma urbana inaugurada pela gestão de Pereira Passos, a

Biblioteca Nacional passava a exercer, com maior amplitude, seu objetivo primordial: a

preservação do material bibliográfico nacional. Essa função foi sendo incorporada nas suas

diretrizes institucionais através de dispositivos legais e de movimentos nacionais e

internacionais que contribuíram para legitimar e conscientizar tal função.

Durante muitos séculos, os documentos bibliográficos, arquivísticos, costumavam ser

reunidos em palácios, igrejas e bibliotecas, das quais temos o exemplo da Biblioteca de

Alexandrina, no Egito, criada no século III a.C, e que foi destruída por um grande incêndio em

646 da Era Cristã. As bibliotecas eram símbolos de poder e acúmulo de conhecimento para uma

elite privilegiada e seus acervos eram fortemente vigiados. Dada a sua importância simbólica

como repositório do saber, nas invasões e guerras, as bibliotecas não eram poupadas da

destruição do inimigo.

Segundo Roger Chartier (2000, p. 185), as bibliotecas reais constituíam-se de coleções

adquiridas de diversas formas: pela reunião das bibliotecas dos membros da família real; pelos

confiscos operados às expedições militares vitoriosas; pela obrigação do depósito de

Figura 6 - Inauguração do novo prédio da Biblioteca Nacional, com a presença de várias autoridades e convidados. Revista O Malho, 12/11/1910

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exemplares pedido aos livreiros e impressores; por doações; pela aquisição de obras

particulares compradas no exterior por viajantes, diplomatas.

As bibliotecas no período medieval destinavam-se apenas aos eruditos dos conventos e

das associações religiosas e possuíam documentos referentes à teologia, à filosofia e outros8. Os

responsáveis pela organização desses acervos cumpriam rigorosas exigências no tocante à

“liberdade de leitura”. Existiam listas de “livros proibidos” que deviam ser guardados para que

os leitores não tivessem acesso às idéias ditas “contrárias” à formação religiosa. (CASTRO,

2006, p. 9)

O surgimento das universidades, na Idade Média, fez que houvesse uma maior

demanda de leitores nas bibliotecas que passaram a desempenhar um papel privilegiado na

formação das mentalidades. Elas eram “centros de estudos, locais de sociabilidade culta e de

troca de informações e idéias, além de serem lugares de leitura” (BURKE, 2003, p. 56).

O crescimento da produção editorial impressa gerou transformações culturais na

história da sociedade ocidental: multiplicou o número de livros tornando-os mais baratos e de

fácil circulação, permitiu ao leitor o acesso a uma variedade de textos e provocou mudanças

associadas à leitura.

A história das bibliotecas nacionais remonta ao século XVIII, quando em 1795 a

Biblioteca Real da França, através da Convenção Nacional Francesa, foi declarada de

propriedade nacional e estabelecido o depósito de exemplares impressos na França9. Segundo

Janice Monte-Mór (1987, p.163), nesse momento, ficava “estabelecida à prerrogativa do

depósito legal como característica comum às atuais bibliotecas nacionais”. Com amparos

legais e iniciativas de grupos ligados à formação cultural de vários países, as bibliotecas

nacionais tiveram um destaque no panorama internacional. Deve-se a Arundell Esdaille, do

Museu Britânico, em 1934, a importância de situar a biblioteca nacional como categoria

diferenciada de outras bibliotecas.

Em 1950, em Paris, levantou-se um debate no cenário internacional que pontuava os

problemas e o papel das bibliotecas no campo da informação. Durante a Conferência

Internacional sobre a Melhoria dos Serviços Bibliográficos, promovida pela UNESCO, foi

firmada a recomendação de criação, em cada país, de um Centro de Informação Bibliográfica

8 Nesse período, encontramos também, bibliotecas particulares pertencentes a reis, nobres ou grandes senhores. Estas constituíram a origem de várias bibliotecas nacionais do mundo. 9 O depósito legal foi instituído na França pelo Rei Francisco I (1494-1547). No Brasil, ele sofreu alterações, desde que surgiu pela primeira vez, em Portugal, por alvará de 12 de outubro de 1805. Após vários ofícios e avisos, foi regulamentado pelo decreto n.1.825, de 20 de dezembro de 1907 e transformado na lei n.10.994, de 14 de dezembro de 2004.

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Nacional. No Brasil, tal recomendação resultou na criação, em 1954, do Instituto Brasileiro de

Bibliografia e Documentação (IBBD).

No III Congresso Internacional de Bibliotecas, realizado em Bruxelas no ano de 1955,

foi discutida a necessidade de se responsabilizar uma biblioteca central pela conservação e

uniformização da produção bibliográfica, visando a preservação dos documentos e a

participação numa rede internacional de intercâmbio cultural. Como decorrência desse

encontro, foi feito o Colóquio das Bibliotecas Nacionais da Europa, que estabeleceu

recomendações, passando a nortear o desempenho das bibliotecas nacionais de vários países,

inclusive o Brasil. Dentre elas, podemos citar: responsabilidade de adquirir e conservar a

produção nacional impressa e as publicações estrangeiras necessárias ao país; adoção de

regras comuns de catalogação; produção das bibliografias nacionais correntes através do

Boletim Bibliográfico; centro nacional de permuta bibliográfica, em âmbito nacional e

internacional; disponibilizar conhecimento quanto aos meios e técnicas de conservação e

restauração material dos documentos. Diante dessas características, a biblioteca ficava

conceituada como nacional, tendo um caráter normatizador perante às demais bibliotecas ditas

públicas. Em 1970, a UNESCO, em suas Recomendações relativas à normalização

internacional de estatísticas de bibliotecas, define biblioteca nacional como “bibliotecas que,

independentemente de seus títulos, são responsáveis pela aquisição e conservação de

exemplares de todas as publicações significativas editadas no país e funcionam como

biblioteca depositária do conhecimento humano”. Ficava, assim, a Biblioteca Nacional do

Brasil responsável pela produção intelectual do país.

A trajetória das bibliotecas no Brasil iniciou-se com as ordens religiosas dos

Beneditinos, Franciscanos e Jesuítas, além das coleções particulares encontradas nas casas de

alguns moradores.10 A atual Biblioteca Nacional teve sua origem similar a de outros países.

Assim, como a primeira biblioteca nacional, a de Paris, a nossa Biblioteca teve origem na

coleção real – a Real Biblioteca – transportada para o Brasil em 1808, pela Família Real, e

aqui franqueada ao público em 1814.

Com a obrigatoriedade do envio de exemplares editados nas gráficas brasileiras à

Biblioteca Nacional (Lei do Depósito Legal), ficava caracterizado a instituição como lugar de

memória e preservação do patrimônio bibliográfico brasileiro. Para Maria Cecília Fonseca

10 Para maiores informações sobre o assunto, ver LESSA, Clado Ribeiro de. As bibliotecas brasileiras dos tempos coloniais. Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, Rio de Janeiro, n.191, p.339-345, 1946; MORAES, Rubens. Livros e bibliotecas no Brasil Colonial. Rio de Janeiro: Livros Técnicos e Científicos, 1979; FERREIRA, Tania M. T. Bessone da Cruz. Palácios de destinos cruzados: bibliotecas, homens e livros no Rio de Janeiro, 1870-1920. Rio de Janeiro: Arquivo Nacional, 1999.

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(2003, p.60), o “depósito legal de publicações na Biblioteca Nacional contribui para a

construção do patrimônio cultural brasileiro, na medida em que identifica as criações

científicas, artísticas e tecnológicas11 e assegura o acesso a elas, trazendo garantias e

benefícios aos seus autores”.

Hoje, a Biblioteca Nacional tem como atribuição a reunião, a preservação e a

organização de arquivos e coleções (geralmente compostos de documentos originais, as

“fontes primárias”) e de conjuntos documentais diversos reunidos sob o critério de valor

histórico e informativo. Como instituição responsável pela preservação dos documentos, a

Biblioteca Nacional é a única beneficiária da Lei do Depósito Legal, que dispõe sobre a

remessa de obras à instituição. Por meio desse amparo legal, a exerce seu papel de “guardiã

da memória gráfica nacional”. Essa lei é a ferramenta da instituição em sua luta para preservar

e divulgar o patrimônio bibliográfico e hemerográfico do país.

O conceito de patrimônio bibliográfico pode ser entendido como um conjunto de

documentos, de origem pública ou privada, existentes no âmbito de uma nação, de um estado

ou de um município, formado através de sua importância administrativa, histórica e cultural.

Sua preservação e proteção são garantidas por amparo legal quando inscritos nos Livros de

Tombo pertencentes ao Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN),

conforme artigo 1º do Decreto-lei 25 de 30 de novembro de 1937, “os bens (...) só serão

considerados parte integrante do patrimônio histórico e artístico nacional depois de inscritos

separados ou agrupadamente num dos quatro Livros do Tombo de que trata o artigo 4º desta

lei”. Dessa forma, os acervos bibliográficos incluem-se no conjunto de bens de interesse

cultural passíveis da proteção e tutela do Estado.

Além disso, a Biblioteca Nacional é o lugar de preservação do patrimônio intelectual,

literário e artístico, onde se dá o armazenamento da escrita produzida em tempos e localidades

diversas e desempenha, apesar de todo o avanço tecnológico, o papel de guardiã do

conhecimento, não no sentido de guardar para si o patrimônio material e imaterial produzido

por homens e mulheres do passado, mas, de através dele, possibilitar estudos e investigações

sobre tantas experiências passadas, que estão, de alguma forma, presentes em seu acervo. Para

Janice Monte-Mór (1987, p.163), as bibliotecas nacionais desempenham “o papel de órgão

por excelência da memória do conhecimento”, pois têm como objetivo principal o registro e

guarda da produção bibliográfica de cada país.

11 A Constituição Federal de 1988, em seu artigo 216, inciso III, inclui como patrimônio cultural brasileiro: (...) as criações científicas, artísticas e tecnológicas. Disponível em: <http://www.senado.gov.br>. Acesso em :24. set. 2007

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Através do pedido (Processo do Conjunto da Avenida Rio Branco, no Rio de Janeiro

nº 860-T-72) feito pelo Instituto dos Arquitetos do Brasil e pelo Clube de Engenharia foi

solicitado o tombamento12 de nove edifícios: Palácio Monroe, Tribunal de Justiça, Biblioteca

Nacional, Escola de Belas-Artes, Dérbi Clube, Jóquei Clube, Clube Naval, Teatro Municipal e

Assembléia Legislativa. Esse pedido tinha como justificativa o fato desse conjunto

arquitetônico simbolizar a reforma urbanística proposta pelo prefeito Pereira Passos para a

cidade do Rio de Janeiro. Atualmente, segundo o Arquivo Noronha Santos do IPHAN, a

Biblioteca Nacional está tombada no Livro de Belas-Artes, inscrição 504, nº processo 0860.T-

72, em conjunto com o Museu Nacional de Belas-Artes e o Teatro Municipal. É considerado

patrimônio material protegido pelo IPHAN, uma vez que se encontra classificado em uns dos

quatro Livros do Tombo tendo como base a natureza do seu acervo: documentais,

bibliográficos, arquivísticos, videográficos, fotográficos e sonoros.

Além do valor de seu acervo, que foi impulsionado na gestão de Ramiz Galvão, o novo

prédio da Biblioteca Nacional passava a compor o novo cenário da capital moderna, com sua

suntuosidade arquitetônica e modernidade técnica implementada por Manuel Cícero. Tornava-

se ícone de um Brasil que se queria moderno.

Tais "conclusões parciais" permitem abrir as discussões dos capítulos subseqüentes,

que serviram de suporte para compreensão do momento histórico estudado.

12 Por tombamento entende-se o instituto jurídico através do qual o Poder Público determina que certos bens culturais serão objeto de proteção especial. O Decreto-lei .25, de 30/11/1937, que continua em vigor, normalizou na esfera federal o ato de tombamento e é um dos instrumentos legais básicos do IPHAN. O artigo 4º deste Decreto-lei determina a criação de quatro livros de Tombo, nos quais serão inscritos os bens sob a proteção da lei. São eles: Livro do Tombo Arqueológico, Etnográfico e Paisagístico, Livro de Tombo Histórico, Livro do Tombo das Belas-Artes e Livro do Tombo das Artes Aplicadas. Disponível em: http://www.iphan.gov.br. Acesso em: 13 out. 2007

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2 A MODERNIDADE CHEGA À BIBLIOTECA NACIONAL: A GEST ÃO DE MANUEL CÍCERO PEREGRINO DA SILVA

A consulta é a vida das bibliothecas. De que valeria organisal-as para as conservar como necropoles ou como simples objectos de curiosidade, se ao público não fosse dado utilizar-se amplamente dos elementos accumulados?

Manuel Cícero P. da Silva11

A epígrafe acima sintetiza uma etapa na história da Biblioteca Nacional. A idéia de

uma biblioteca voltada somente para conservação dos documentos ou "cemitério" do saber

não condiz com as reformas e o desenvolvimento implementados na cidade do Rio de Janeiro.

As instituições públicas passavam a ter um perfil moderno e inovador que as aproximavam

dos ideais republicanos de progresso e civilidade.

Atuando como homem público representante dessa modernidade, Manuel Cícero

Peregrino da Silva exerceu sua gestão pautada nesses ideais. Sua biografia e projetos

realizados comprovam tal afirmação.

Manuel Cícero Peregrino da Silva nasceu em 1866 na cidade de Recife e pertencia a

uma tradicional família pernambucana por parte materna. Cícero Odon, seu pai, era professor

e editor de compêndios didáticos voltados para o ensino da língua francesa. Ele publicou

Ensino Prático-Teórico da Língua Francesa, cujo método de ensino preparava o aluno para

ler, escrever, traduzir e falar o idioma em seis meses, o Dicionário de Sinônimos Ingleses e o

folheto O Novo Sistema Métrico Decimal, com substituição do antigo pelo novo sistema.

Lançou também, duas revistas: Academia Popular (1863)12 e Revista Pitoresca (1872).

Manuel Cícero foi escritor, professor e bibliógrafo, sendo considerado um dos pioneiros no

Brasil do planejamento da documentação bibliográfica e da formação de bibliotecários13.

Antes de vir para o Rio de Janeiro, capital do país, Manuel Cícero foi nomeado para o

cargo de bibliotecário da Faculdade de Direito de Recife, através do ato de 9 de julho de 1889.

“O lugar tinha significação uma vez que era servir junto a uma instituição de alta cultura, e de

tanta projeção, pelo qual passaram tantos nomes ilustres” (BITTENCOURT, 1967, p. 10).

Essa faculdade, desde os seus primeiros anos de existência, atuava não apenas como um

centro de formação de bacharéis, mas, principalmente, como escola de Filosofia, Ciências e

11 Citação In: Anais da Biblioteca Nacional, 1913, p. 6 12 Com essa publicação, Cícero Odon, após sua morte em 1896, era citado por Alfredo de Carvalho, nos Anais de Imprensa Periódica Pernambucana (1821-1908) assinalando: “lhe devemos a Academia Popular, publicação de título expressivo para instruir o povo.” (BITTENCOURT, 1967, p.17). 13 O primeiro curso de Biblioteconomia no Brasil teve início em sua gestão, no ano de 1911, só tendo iniciado suas atividades em 1915.

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Letras. Foi onde nasceu o movimento letrado conhecido como a Escola do Recife, nos anos de

1860 e 1880, e cujo líder era o sergipano Tobias Barreto de Meneses. Segundo Nicolau

Sevcenko (1985, p.79), “vários intelectuais de relevo como Sílvio Romero, Clóvis

Bevilácquia, Araripe Junior, Capistrano de Abreu e outros, foram influenciados por esses

ideais”. Bittencourt Feijó (1967, p.55) aponta como a formação acadêmica de Manuel Cícero

na Faculdade de Direito do Recife contribuiu para a aproximação deste com o grupo de

letrados do país, criando uma rede de sociabilidade que influenciariam seu desempenho

profissional em algumas instituições governamentais.

Analisando a biografia de Manuel Cícero, pode-se perceber o cuidado do biógrafo em

estabelecer os laços deste com o cenário político, procurando atentar para os grupos em que

atuava e as relações pessoais que constituíam seu dia a dia:

Três nomes são de especial significação na vida de Manuel Cícero: Epitácio Pessoa, Afonso Celso e Amaro Cavalcanti (...) ver a posição de Manoel Cicero em face deles, é compreender-lhe a vida, e saber como ela se desenrola no Rio de Janeiro. (BITTENCOURT, 1967, p. 55)

Ao ocupar esse cargo, Manuel Cícero procurou classificar os livros com o objetivo de

criar um catálogo que espelhasse o acervo da biblioteca e servisse de instrumento para

investigação dos alunos da Faculdade. A Emprêsa da Província de Recife imprimiu, em 1896,

o Catálogo Geral da Biblioteca da Faculdade de Direito do Recife, de autoria de Manuel

Cícero. Esse catálogo apresentava as obras existentes na Biblioteca, divididas pelo nome dos

autores, dos assuntos e das publicações seriadas e tinha como objetivo uma pesquisa mais

aprimorada do acervo, servindo de suporte para as investigações científicas. Seguia um

sistema de classificação de acordo com os diversos ramos dos conhecimentos humanos. Para

Feijó Bittencourt (1967, p.13), com a elaboração desse catálogo, Manuel Cícero buscava

marcar uma nova orientação no ensino e fazer despertar o interesse pela bibliografia.14

Para seu biógrafo, a vida de Manuel Cícero ficará sempre atrelada à imagem do grande

administrador do serviço público. Seu projeto de biblioteca buscava uma racionalidade

administrativa, um espaço para uso público, uma dinâmica nos serviços biblioteconômicos,

oposta à idéia de uma "necrópole". Isso pode ser aferido no discurso feito por Clóvis

Bevilácquia, na posse de Manuel Cícero na Faculdade de Direito de Recife, onde destacou a

competência, do novo diretor em organizar a biblioteca:

Realmente era difícil encontrar quem se consagrasse com maior devotamento ao desenvolvimento da biblioteca da Faculdade do que esse inteligente e ilustrado funcionário, a que se deve a transformação, por que passou essa dependência da Faculdade de Direito de

14 Guardando as devidas diferenças, Ramiz Galvão em sua gestão na Biblioteca Nacional também demonstrou esse apego às sistematizações bibliográficas através da produção de catálogos.

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Recife, que começou a movimentar-se com frequência de leitores e ter a vida de relação com os estabelecimentos congêneres. (BITTENCOURT, 1967, p. 16)

Quando veio para o Rio de Janeiro a serviço da biblioteca, em 1897, Manuel Cícero

conheceu Amaro Cavalcanti15, que, na Presidência de Prudente de Moraes, ocupava a pasta de

Ministro dos Negócios do Interior e Justiça. Essa amizade seria mais tarde importante na

trajetória profissional de Manuel Cícero.

Epitácio Pessoa16 foi nomeado professor catedrático da Faculdade de Direito do

Recife, em 23 de fevereiro de 1891, onde estreitou relações com Manuel Cícero, de quem

ficou amigo. Tomou conhecimento do trabalho desenvolvido por este na biblioteca da

Faculdade, no que diz respeito às inovações implementadas por Manuel Cícero e à dedicação

deste ao serviço público. Ao se tornar Ministro da Justiça no governo de Campos Sales,

recebeu de Manuel Cícero uma carta mencionando o desejo de vir para o Rio de Janeiro.

Datada de 8 de maio de 1900, recebeu Manuel Cícero a seguinte resposta de Epitácio

Pessoa:

Cícero, Saúde, etc. Vai vagar brevemente o lugar de Diretor da Biblioteca Nacional. Há uma chusma enorme de candidatos e o Presidente já tem manisfestado a sua preferência por um dentre eles. Entretanto é possível, até a última hora, que as coisas se modifiquem e venha a ser nomeado, quem não tenha ainda sido lembrado pelos políticos da terra (...).

Preciso saber se Vc, aceita esse lugar. Não vai nisto uma promessa, pois há muitos nomes em vista, mas enfim, podem as circuntâncias levar-me a intervir no último momento (...). O lugar é mal remunerado, dá 600$ por mês, a posição, porém é bonita (...).

Peço-lhe que, logo que receber esta, me telegrafe com uma simples palavra –sim ou não – reservando-se para escrever-me mais tarde. (BITTENCOURT, 1967, p.34)

No dia 30 de julho de 1900, Manuel Cícero foi nomeado para o cargo de Diretor da

Biblioteca Nacional (BN), sendo sua nomeação noticiada nos jornais da época: “Foi nomeado

o Dr. Manuel Cícero Peregrino da Silva para o logar de director da Bibliotheca Nacional.”

(Gazeta de Notícias, 1/7/1900, p.1) e teve o mais longo período de atuação na direção da

Biblioteca, cargo que exerceu de 1900 a 1924, com intervalos na sua gestão. A Gazeta da

Tarde, de Recife, em 7 de julho de 1900, noticiava:

Com destino à Capital da União embarcou ontem, no Olinda, o ilustre Dr. Manuel Cícero Peregrino da Silva, que vai empossar-se do importante cargo de diretor da Biblioteca Nacional, para o qual foi há poucos dias merecidamente nomeado (...)

Sua nomeação para dirigir a Bibliotheca Nacional, - que é um estabelecimento de primeira ordem, - outra coisa não dignifica senão um acto de perfeita justiça praticado pelo governo federal, premiando o merito de um funccionario digno por todos os títulos de elevar se às maiores culminancias na hierarquia dos servidores da Patria.

15 Amaro Cavalcanti Soares de Brito, natural da província do Rio Grande do Norte, nasceu a 15 de agosto de 1849, no município de Caicó, comarca do Seridó. Faleceu a 28 de janeiro de 1922, na cidade do Rio de Janeiro. Foi um dos auxiliares de Prudente de Morais na administração do país, ocupando a pasta de Ministro de Justiça e Negócios Interiores. Assumiu a prefeitura do Distrito Federal em 1917, sendo substituído por Manuel Cícero. 16 Epitácio Lindolfo da Silva Pessoa nasceu na cidade de Umbuzeiro, estado da Paraíba, em 23 de maio de 1865, falecendo em Petrópolis, Rio de Janeiro, no ano de 1942. Advogado, bacharelando da Faculdade de Direito do Recife (1886). Senador, Ministro da Justiça no governo Campos Sales (1898) e eleito Presidente da República do Brasil em 1919.

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No mesmo ano em que foi empossado diretor da Biblioteca Nacional, Manuel Cícero

exerceu o cargo de Inspetor de Ensino, indicado por Epitácio Pessoa, ficando responsável pela

fiscalização de vários colégios na cidade do Rio de Janeiro. Apresentou relatório (1901) onde

pontuava dados sobre o panorama encontrado nas escolas da capital.

Ao chegar no Rio de Janeiro como diretor da Biblioteca Nacional, Manuel Cícero

encontrou a biblioteca instalada num prédio antigo, na rua do Passeio (figura 7). No interior

havia uma sala comprida, não suficientemente iluminada, com os dois lados repletos de

estantes de livros e, no espaço estreito que sobrava ao centro, duas longas mesas que serviam

para leitura e pesquisa. Assim que assumiu a diretoria da Biblioteca Nacional, Manuel Cícero

ampliou a capacidade do prédio na Rua do Passeio, acrescendo mais prateleiras para

receberam novos livros. Preocupou-se com o espaço destinado à sala principal de consulta,

fornecendo comodidade e ambiente propício para a leitura. Criou senhas destinadas aos

consultantes, que aguardavam sentados a entrega das obras solicitadas. Estando tais

procedimentos imbuídos de uma concepção "moderna" de biblioteca, que já naquela época,

visava torná-la um local dinâmico de leitura e pesquisa.

Sua capacidade administrativa e seu espírito inovador foram enaltecidos por Brito

Broca (1975, p.150), “era um homem inteligente, de grande cultura e muita iniciativa (...)

tratou logo de imprimir uma melhor orientação àquele estabelecimento”.

Em 1902, introduziu o uso pioneiro da máquina de escrever nas correspondências

oficiais, segundo Brito Broca (1975, p.150), “um dos primeiros estabelecimentos públicos a

utilizar esse recurso”. Procurou melhorar a iluminação elétrica do prédio com a energia

fornecida pelo Quartel da Brigada Policial podendo distribuir mais focos na sala principal de

leitura. Propôs a troca do motor, da caldeira, do dínamo da Biblioteca ao General Comandante

da Brigada Policial por uma pequena tipografia capaz de imprimir os Anais (Anais da

Biblioteca Nacional, 1903, p.361). Assim, inaugurou uma Oficina de Encadernação e uma

Tipográfica onde podia imprimir os Anais da Biblioteca Nacional e os relatórios

administrativos. Ambas foram extintas pelo Decreto n.20.629, de 9/11/1931.

Nos seus primeiros relatórios anuais, ainda na Rua do Passeio, Manuel Cícero expunha

a seus superiores, diante da precária situação do edifício, a necessidade de construção de um

prédio novo para acolher o "maior tesouro bibliográfico da América Latina":

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Não é assumpto em que preciso insistir, o da insuffciencia e má situação do edifício ocupado pela bibliotheca desde 1858. A necessidade de novo edifício impô-se iniludivel pela absoluta falta de espaço para accomodação das acquisições e dos volumes que voltam encardenados (...). Só a construção de um edifício apropriado poderá proporcionar à Bibliotheca Nacional a installação que ella com todo o direito reclama. (Anais da Biblioteca Nacional, 1901, p.633) Reclamos da Biblioteca fazendo levantar o grandioso edificio que há de abrigar o maior tesouro bibliográfico da América Latina (...). A improbiedade, má situaçao e insufficiencia do edificio e consequentemente a necessidade de transferencia da Bibliotheca para um outro que reuna as condições indispensaveis. (Anais da Biblioteca Nacional, 1903, p.364)

Procurando sensibilizar as autoridades sobre os problemas que envolviam a Biblioteca

Nacional, Manuel Cícero fazia visitas ao Ministério com o intuito de obter do poder

legislativo os meios para construção de um novo prédio para acolher a grande demanda de

documentos. Procurando projetar a Biblioteca Nacional nas reformas urbanas implantadas na

cidade do Rio de Janeiro, o diretor vislumbrou um espaço no coração da "artéria moderna" em

construção: “Nestas condições lancei as vistas para a Avenida Central, onde havia disponível

um grande terreno bem situado e que poderia ser cedido pelo Ministério da Indústria“. (Anais

da Biblioteca Nacional, 1905, p.419)

Na visita do Ministro Sabino Barroso Junior à Biblioteca, Manuel Cícero expôs as

péssimas condições em que se encontravam o prédio e seu acervo, procurando destacar a

necessidade de transferência da Instituição para outro local e a adaptação das idéias

modernizadoras utilizadas nas grandes bibliotecas estrangeiras:

A 29 de julho dignou-se de visitar a Bibliotheca o Sr. Dr. Sabino Barrosa Junior. Percorrendo demoradamente todas as secções do estabelecimento, o Sr. Ministro teve ocasião de verificar a impropriedade, má situação e insufficiencia do edifico e consequentemente a necessidade de transferencia da Bibliotheca para um outro que reuna as condições indispensáveis. Agitava-se então a ideá da adaptação do theatro Pedro de Alcantara ou dois prédios localizados na Rua da Glória. Foram expostas por mim as vantagens e os inconvenientes de cada uma das soluções e de tornar patente, que a transformação deveria ser completa de modo a serem preenchidos todos os requisitos exigidos pelo destino especial do edificio. (...) Offereceu-me assim o ensejo de submetter à consideração do Sr. Ministro a enumeração das principais condições que o novo edificio tinha a satisfazer (...) e a opportunidade de adaptar providencias modernamente introduzidas nas grandes bibliothecas estrangeiras. (...) Peço permissão para manifestar a convicção de que havias de attender aos justos reclamos da Bibliotheca, fazendo levantar o grandiosos edificio que há de abrigar o maior thesouro bibliographico da América Latina. (Anais da Biblioteca Nacional, 1903, p.364)

Apesar da avaliação negativa do aspecto físico do edifício, a Biblioteca Nacional, na

Rua do Passeio, causava admiração aos viajantes pelo valor de raridade de seu acervo. Em

carta datada de 7 de agosto de 1883, Carl von Koseritz, enalteceu:

Quem se esforça em considerar com mesquinharia tudo o que o Brasil possue, não deve entrar na Biblioteca Nacional, pois nela se encontra um estabelecimento com que o Brasil se aproxima dos maiores países da Europa. Fiz hoje uma visita à Biblioteca e estou ainda todo sob a impressão que ela me causou. (KOSERITZ, 1972, p. 126)

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Convém situar a época em que Manuel Cícero veio para o Rio de Janeiro, a fim de

conhecer como ele vivenciou o contexto da época, dando destaque à sua atuação como diretor

de uma instituição que começava a sofrer mudanças decorrentes da política vigente no país.

No governo de Rodrigues Alves (1902–1906), os serviços públicos tomaram impulso

novo, a atividade de administração se renovava, havia uma mudança de mentalidade, a cidade

se reformulava: “o Rio se civilizava”. Seu governo concentrou as atenções no programa de

remodelação urbana e de saneamento da capital da República. Os nomes em evidência eram

os grandes administradores das reformas: Pereira Passos, Oswaldo Cruz e outros. Na ocasião,

estavam sendo demolidos velhos casebres da cidade antiga, na parte entre o Passeio Público e

a Avenida Rio Branco, para reconstrução do Palácio Monroe. Com a área disponível, que se

estendia até o Morro do Castelo, Manuel Cícero solicita esse espaço para construção do novo

prédio para a Biblioteca Nacional:

A Bibliotheca Nacional de Buenos Ayres acaba de se enstallar num vasto e sumptuoso edifício que começado a construir para outro fim foi apropriado às suas necessidades. (...) E porque não reclamar para a Bibliotheca Nacional do Brasil, a installação que lhe é devida e cuja necessidade é reconhecida pelos poderes públicos há cerca de trinta anos? (Anais da Biblioteca Nacional, 1902, p.391)

Os intelectuais que tomavam parte na vida do Rio de Janeiro tiveram uma projeção

como colaboradores da opinião pública, através dos jornais que circulavam na cidade. Alguns

escritores da época, entre eles Artur Azevedo, reclamavam pela reinstalação da Biblioteca

num edifício apropriado para leitura e pesquisa, lastimando o estado em que ela se

encontrava. José Joaquim Seabra, Ministro da Justiça, percebeu logo como esse movimento

de opinião pública que partia dos literatos era representativo e vislumbrou o novo prédio para

a Biblioteca Nacional como um grande empreendimento para o seu ministério

(BITTENCOURT, 1967, p.49). O edifício representaria um marco da modernização na capital

federal. Seabra imediatamente pôs-se à frente do movimento, confraternizando-se com os

intelectuais promotores da campanha de remodelação no Rio de Janeiro.

A mudança para um novo espaço representava uma conquista para seu diretor, uma

vez que o antigo prédio da Rua do Passeio era pequeno e não oferecia o mínimo de conforto

para os leitores e pesquisadores. Era necessário “construir algo novo sob medida para ser uma

Biblioteca Nacional e não uma biblioteca qualquer” (CARVALHO, 1994, p.91). Vinha

também ao encontro aos anseios dos escritores por um local mais apropriado. João do Rio no

livro Cinematógrafo comenta sobre a inauguração do novo prédio:

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Afinal, meu amigo, a Biblioteca vai ter um extraordinário palácio, que já está por cinco mil contos! A nossa pobre preciosidade está numa tal barafunda com o pessoal brigado, a confusão dos catálogos, a confusão das estantes, a confusão dos leitores, que só a mudança salvará. (JOÃO, 1909, p.151)

Em 1903, Manuel Cícero obteve a consignação de verba para construção do novo

prédio e se empenhou na pronta execução da obra17. Viajou à Europa e aos Estados Unidos

para conhecer as bibliotecas desses países e adaptar à construção do novo edifício da

Biblioteca Nacional. “Não era apenas nas linhas arquitetônicas de uma fachada que tinha de

pensar” (BITTENCOURT, 1967, p.59). A concretização desse empreendimento projetaria a

Biblioteca Nacional no cenário internacional e inscreveria sua presença como marco de uma

Instituição moderna, com novos serviços e equipamentos atualizados. Nessas visitas, Manuel

Cícero teve acesso a várias novidades como o book-carrier utilizado na Biblioteca de

Washington, que traziam os livros para a sala de leitura, de onde eram distribuídos aos

leitores, e os mobiliários de ferro (figura 7); a localização da sala de leitura ao centro, adotada

pela Biblioteca de Lípsia (Alemanha), comunicando-se diretamente com todos os depósitos de

livros. Visitou a Biblioteca de Paris, o Instituto Nacional de Bibliografia de Bruxelas, a

Biblioteca de Portugal. Assim, percorreu as maiores bibliotecas européias procurando equipar

a Biblioteca com o que se tinha de mais moderno. Isso vinha ao encontro à política adotada

por Rodrigues Alves que visava promover um projeto modernizador nas instituições públicas,

e neste caso, a Biblioteca Nacional não poderia deixar de fazer parte desse grande projeto.

O prédio atual da Biblioteca Nacional teve sua pedra fundamental lançada em 15 de

agosto de 1905 (figura 8), “com toda a solenidade, e presentes o Presidente Rodrigues Alves e

o Ministro J. J. Seabra” (Anais da Biblioteca Nacional, 1906, p.531). Na cerimônia o

17 Por meio do decreto n.1434, de 11 de dezembro de 1905, foi autorizado pelo Presidente da República, ao Ministerio da Justiça e Negocios Interiores abrir o credito de 2.600:000$ para a construçao do edificio destinado à Bibliotheca Nacional e o decreto n.1853, de 4 de janeiro de 1908 que abria crédito extraordinario de 2.400:000$, para conclusão do edifício da Bibliotheca Nacional, mobílias, tapeçarias e decorações do mesmo. Site:www.senado.gov.br

Figura 7 - Mobiliário de ferro utilizado na Biblioteca Nacional. Divisão de Iconografia/FBN

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Presidente da República recebeu uma medalha de ouro e uma caneta também de ouro com que

assinou as duas vias da ata. A Manuel Cícero coube uma medalha de prata e o tinteiro de prata

que serviu para lavrar a ata de inauguração. As atas foram feitas em pergaminho e

ornamentadas a cores por Rodolpho Amoedo e desenhadas em letras góticas pelo artista

Cattaneo. Foi encomendada a Augusto Girardet uma medalha comemorativa (figura 9),

cunhada na Casa da Moeda: 3 exemplares de ouro, 15 de prata, 1 prata e cobre, 1 de estanho e

480 de cobre.

O projeto foi elaborado pelo General Francisco Marcelino de Souza Aguiar e a sua

execução realizada pelos engenheiros construtores Napoleão Moniz Freire e Alberto de Faria,

que procuraram integrar o novo prédio à arquitetura da recém-aberta Avenida Central, hoje

Figura 9 Medalha comemorativa do lançamento da pedra fundamental do edifício. Anais da Biblioteca Nacional, v.28, p.532-3

Figura 8 - Lançamento da pedra fundamental do novo prédio da Biblioteca Nacional. Anais da Biblioteca Nacional, 1906, p.525

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Avenida Rio Branco. O prédio é de estilo eclético, em que se misturam elementos

neoclássicos, como analisaremos com mais detalhes no capítulo 3.

Para não ficar à parte das deliberações tomadas pela Comissão de Obras, Manuel

Cícero participou do projeto de construção da Biblioteca Nacional, expondo suas idéias,

procurando adaptar o prédio à semelhança da Universidade de Leipzig, uma das melhores

construções modernas em termos de bibliotecas.

Autorisado a conferenciar com o Sr. General Sousa Aguiar, tive ocasião de lhe expor as condições que no meu entender o edificio deveria preencher, consultando as necessidades do estabelecimento a que se destina. Procurou adotar o prédio com as mesmas características da Universidade de Leipzig - um dos melhores edificios modernos construídos para bibliotecas. (Anais da Biblioteca Nacional, 1906, p.530)

No discurso de lançamento da pedra fundamental do novo prédio da Biblioteca

Nacional na Avenida Central, Manuel Cícero elevou o esforço dos dirigentes em trabalhar

pela cultura, enaltecendo a importância da construção do edifício como uma festa que vinha

valorizar o livro no campo das letras: “A festa das lettras patrias agradecidas pela

corporificação de uma idéa vencedora na consciencia dos que entre nós se interessa pelo livro,

pela patria e pela humanidade”. (Jornal do Comércio, 16/8/1905)

Além disso, a imagem do homem público ficava atrelada à realização de grandes obras

nacionais, visando a construção de uma nação moderna. A preocupação de Manuel Cícero em

dotar a Biblioteca Nacional de um novo espaço condizente com o seu enorme acervo foi

descrito em seus relatórios de gestão:

Não poupe o Governo sacrifícios a fim de fornecer à Bibliotheca Nacional os meios de elevar-se, tornar conhecidas as inestimáveis riquezas que encerra, patentear a sua superioridade entre os estabelecimentos congeneres da América Meridional. (Anais da Biblioteca Nacional, 1901, p. 592)

A mudança do Largo da Lapa para o novo prédio só ocorreu em fevereiro de 1910.

Manuel Cícero, a 30 de março de 1910, apresentava o relatório em que fazia a descrição

completa da mudança em 1.132 viagens de automóvel, dos caixotes de livros18 (figura 10). A

esses colocou tampas e cadeados e, junto, a relação dos livros que levavam. “Seis armazéns

dos livros no 3º e 4º andares da ala esquerda do prédio receberam, nas 2.567 prateleiras, a

livraria” (BITTENCOURT, 1967, p.64). A ala direita foi ocupada pela hemeroteca junto à

seção de numismática e moedas, que em 1922 foi transferida para o Museu Histórico

Nacional. Foi criado um sistema de localização dos livros no novo prédio de modo a não

18 De modo a não interromper a freqüência dos leitores à Biblioteca, Manuel Cícero, segundo Pedro Calmon (apud BROCA, 1975, p.153) levava, além do frete, os livros no seu carro.

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impedir a consulta durante a mudança e uma tabela de correspondência com a indicação do

lugar que o livro ocupava na antiga biblioteca e que passaria a ter no novo prédio.

O novo prédio (figura 11) foi inaugurado no dia 29 do mesmo ano, data em que a

Biblioteca completava cem anos de existência na cidade do Rio de Janeiro e que marcava uma

nova etapa na vida institucional da Biblioteca. A intenção era democratizar seu espaço como

instituição aberta à nova comunidade de leitores que surgia na cidade, buscando atender aos

interesses da República que se queria “moderna” e para tanto, precisava de uma ‘nova”

biblioteca composta de novos serviços e projetos. Esse novo perfil projetava a Biblioteca

Nacional como "vitrine do progresso."

Figura 10 - Mudança da rua do Passeio para a Avenida Central. Divisão de Iconografia/FBN

Figura 11 - O novo prédio da Biblioteca Nacional na Avenida Central, hoje Avenida Rio Branco

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Na inauguração, Manuel Cícero agradeceu aos antigos diretores da Biblioteca

Nacional, a Artur Azevedo, que por meio da imprensa proclamou a necessidade de um novo

prédio para a Biblioteca, ao presidente da República e Ministros, aos arquitetos e construtores,

a Epitácio Pessoa pelo convite para direção da casa, destacando a monumentalidade do

prédio:

Rendo homenagem ao governo que num patriotico impulso resolveu levantar este monumento (...) é necessário que a Biblioteca seja sempre digna do monumental edificio que se inaugura (...). Seja-me permitido, como uma homenagem à memória de Artur Azevedo, concentrar no seu nome a ação da imprensa, no nome de quem sempre pugnou pela realização dêsse ideal com o entusiasmo próprio dos propagandistas convictos. (Anais da Biblioteca Nacional, 1911, p. 395)

Como lembrança pela data foi fixada na entrada do prédio uma placa com a seguinte

inscrição:

Inauguração a 29 de outubro de 1910, sendo Presidente da República, o Exmo Sr. Dr. Nilo Peçanha e Ministro da Justiça e Negócios Interiores o Dr. Esmeraldino Olympio de Torres Bandeira. Edifício construído e inaugurado na administração de Manoel Cícero Peregrino da Silva, director da Biblioteca Nacional. (Anais da Biblioteca Nacional, 1912, p.681)

Além da monumentalidade do prédio, a imprensa destacava a figura de Manuel Cícero

como administrador competente e facilitador para concretização da obra. Várias

personalidades políticas e letradas visitaram o novo prédio para conferir a suntuosidade do

prédio (figura 12). Seu desempenho era exaltado por ter propiciado à Biblioteca Nacional um

edifício majestoso, equipado com que havia de melhor no exterior, condizente ao seu acervo:

Neste dia festivo, lembrado seja o nome do modesto e infatigável funccionario que se acha à testa daquelle departamento do serviço público, o Dr. Manuel Cícero Peregrino, aquem se deve, em grande parte, a iniciativa, e uma colaboração inteligente e efficaz, na obra majestosa que hoje se inaugura. (Correio da Manhã, 29/10/1910, p.3)

A competência e a actividade do seu diretor, Dr. Manoel Cícero Peregrino da Silva (...), concorreram extraordinariamente para que a installação da importante repartição satisfaça plenamente às exigencias dos fins a que se destina”. (Jornal do Comércio, 30/10/1910) Dr. Manoel Cícero Peregrino de Silva, além de ter reunido no sumptuoso edificiotudo de mais pratico encontrou nas bibliothecas por elle visitadas na Europa e na América do Norte, tambem applicou innovações que sua pratica e cultivada intelligencia lhe suggeriaram. (Revista Fon-Fon, 4/11/1911)

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A imprensa que acompanhava a remodelação da cidade, através das crônicas de seus

escritores, denunciando ou aplaudindo as transformações por que passava a cidade diante das

reformas, acabava dando destaque à monumentalidade dos três prédios que formavam aquele

novo cenário: - a Biblioteca Nacional, o Museu de Belas-Artes e o Teatro Municipal. Juntos,

simbolizavam verdadeiras obras de arte arquitetônica como monumentos da modernidade e

definiam um novo espaço para as grandes instituições culturais brasileiras. A suntuosidade do

prédio da Biblioteca Nacional e a concepção de uma nova biblioteca moderna foram citadas

em alguns periódicos da época. Sobre a inauguração encontramos notícias em vários jornais:

Mais que nenhuma outra repartição pública, esta merece a solicitude contínua dos governos, tal a sua importtância, como thesouro de riquezas intellectuaes, como incomparável fonte de instrução livre e gratuita para todos os estudiosos. E neste dia festivo, lembrado seja o nome do modesto e infatigavel funccionário que se acha à testa daquelle departamento do serviço público, o Dr Manuel Cícero Peregrino, a quem se deve, em grande parte, a iniciativa, e uma colaboração inteligente e efficaz, na obra majestosa que hoje se inaugura.

No primeiro projecto, o edifício era mais estrito de fachada e não tinha o acrescimo onde hoje está o salão principal de leitura. Essas modificações necessárias, foram suggeridas pelo atual diretor, Dr. Manuel Cícero, depois da visita que fez a várias bibliothecas do velho e do novo continente, sendo prontamente atendidas pelo General Souza Aguiar. O gasto, feito pelo governo, com o edifício e as installações interiores, é orçado em cerca de 5.600 contos. (Correio da Manhã, 29/10/1910, p. 3)

Além do destaque dado à figura de Manuel Cícero na construção do novo prédio, sua

gestão foi marcada por grandes ações administrativas. Estreitando os laços entre nações

vizinhas, Manuel Cícero inaugurou exposições com o comparecimento de dirigentes

governamentais (Campos Salles, Epitácio Pessoa) e representantes do exterior. Participou de

Figura 12 - O marechal Hermes em companhia do Dr. Rivadávia Correia, Belisario Tavora, Manuel Cícero e funcionarios daquella repartição, por occasião de sua visita a Bibliotheca Nacional, Revista Careta, 21/01/1911

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eventos no exterior representando a BN: Congresso de Geografia e Historia Hispani-

Americana (Sevilha), XIX Congresso Internacional dos Americanistas (Washington).

Desenvolveu as permutas internacionais enviando a várias instituições, principalmente as dos

países da América, publicações brasileiras: “As permutas internacionais são uma obra de

propaganda brasileira no exterior” (Anais da Biblioteca Nacional, 1906, p.504). Com isso,

acabou projetando a Biblioteca nos grandes centros culturais internacionais. Para o diretor,

“(..) é necessário que em troca do muito que vem do estrangeiro a bibliotheca se não limite às

publicações officiaes e procure tornar conhecido lá fora o nosso paíz e o seu movimento

literario, cientifico e artístico” (Anais da Biblioteca Nacional, 1901, p.593). Fez várias

viagens ao exterior procurando entre bibliotecas e arquivos documentos que poderiam compor

a coleção da Biblioteca Nacional ou designava pessoas para tal função. Souto Maior foi

enviado por Manuel Cícero ao exterior para examinar atentamente o Arquivo de Haia, de

modo a encontrar documentos que se referissem à invasão dos holandeses no Brasil.

Nos relatórios destacava a importância do intercâmbio como meio de divulgação dos

documentos existentes nas diversas bibliotecas visando a formação de catálogos que

pudessem espelhar seus respectivos acervos:

A attitude da Bibliotheca Nacional não se deverá limitar à de expectativa, recebendo e expondo as obras que lhe forem remettidas, mas deverá ser a de iniciativa, procurando descobrir as obras publicadas nesta Capital, nos Estados e no exterior ou ineditas que deverem ser expostas, enviando uma comissão responsavel pela coleta (...).Ocupei-me em visitar bilbiothecas públicas para estudar a sua organização, em percorrer os catálogos de manuscritos dessas bibliothecas e de alguns arquivos para extrair a relação dos que se referissem ao Brasil. Em examinar as estantes e dispositivas em usos nas bibliothecas, em visitar fábricas d’esse material para solicitar propostas e em fazer acquisição de alguns manuscritos, impressos, estampas, cartas geográficas e medalhas. (Anais da Biblioteca Nacional, 1907, p. 318)

Adotou também parcerias com instituições brasileiras como veículo de divulgação do

acervo. Na Exposição Bibliográfica Cervantina, realizada pelo Gabinete Português de Leitura

para comemorar o tricentenário da primeira edição do Don Quixote de la Mancha, a

Biblioteca Nacional apresentou a melhor contribuição com um catálogo impresso, organizado

pelo chefe de seção, Jansen do Paço. Dispunha a Biblioteca Nacional do serviço de

informação aos pesquisadores estrangeiros e nacionais19 que solicitavam dados sobre o acervo

referentes às questões de história pátria, bibliografias, pesquisas em manuscritos, livros e

jornais antigos.

Na Exposição Nacional Comemorativa da Abertura dos Portos em 1908, Manuel

Cícero propôs a criação da Exposição de Bibliografia Brasileira da Biblioteca Nacional

19 Esse serviço é prestado, atualmente, pela Divisão de Informação Documental – DINF.

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assegurando a participação da Instituição nessa grandiosa exposição com a remessa de

numerosa coleção relativa a D. João VI.

Na biografia de Manuel Cícero é dado destaque ao seu interesse em buscar no exterior

idéias que pudessem servir de instrumento para o desenvolvimento do projeto de

modernização adotado no país. Isso pode ser aferido no trecho: “Manuel Cícero não viajou

apenas à Europa, teve de ir aos Estados Unidos visitando grandes bibliotecas para buscar

novas idéias e aplicá-las na construção e organização do novo prédio” (BITTENCOURT,

1967, p. 59). As viagens ocupam várias páginas do livro e são apontadas como uma atividade

em prol da cultura, conferindo ao homem público a imagem da renovação. Nessas viagens,

Manuel Cícero procurava examinar nas bibliotecas estrangeiras documentos existentes sobre a

história do Brasil de modo a enriquecer o acervo da Biblioteca Nacional de publicações

relevantes às pesquisas. Uma das pessoas que recorria aos seus serviços era Capistrano de

Abreu20. Em carta, foi colocado:

Meu caro Cícero, Se esta ainda encontrá-lo no outro mundo, peço-lhe examinar na Coleção Pombalina o livro de Duarte de Albuquerque Coelho, examine o estado da cópia e veja se vale a pena continuá-la (...). Na coleção existem uns papéis sôbre o almoxarifado de Pernambuco, em fins do século XVI. Não se esqueça de mandar copiá-los (...). Se não soubesse que sua presença aí pode ser muito fecunda, diria que as saudades são muitas e tarda em abraçá-lo. Capistrano de Abreu, Petrópolis, 22 de setembro de 1907. (BITTENCOURT, 1967, p. 62)

Revendo o período estabelecido por Hobsbawn, 1870 a 1914, como consolidação de

um Estado-nação para o Ocidente e a necessidade de modelos exemplares de estadistas e

homens públicos, podemos detectar na biografia de Manuel Cícero a preocupação de seu

biógrafo no caráter modelar do homem público, procurando traçar a trajetória de sua vida com

as modernizações administrativas implantadas nas instituições onde atuou como diretor. O

homem público encontra-se identificado com um objetivo maior: a pátria. A vida de Manuel

Cícero ficava retratada no tema: servir a pátria. Para que o país tivesse crescimento era

necessário a adoção de um projeto nacional reformador e a atuação de grandes

administradores. Manuel Cícero procurou levantar como bandeira nos seus discursos, a ação

do poder público, a dedicação e a competência dos funcionários como melhoria dos serviços

prestados pela Biblioteca Nacional:

20 Capistrano de Abreu foi aprovado no primeiro concurso para bibliotecário, em 1879, na gestão de Benjamin Franklin Ramiz Galvão. Além da carta citada, encontramos de outras pessoas endereçadas a Manuel Cícero solicitando seu parecer técnico sobre compras e/ou doações de documentos.

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E porque não reclamar para a Bibliotheca Nacional do Brasiil, a installação que lhe é devida e cuja necessidade é reconhecida pelos poderes públicos há cerca de trinta anos? O que é preciso é começar e para começar é que appello para o vossso amor à causa publica. (Anais da Biblioteca Nacional, 1902, p.391). Escolhidos empregados que as habilitações e a honestidade reúnam o amor, a ordem, a dedicação ao trabalho e a noção do dever. (Anais da Biblioteca Nacional, 1903, p. 366) Reconstituir o seu pessoal de acordo com a natureza especifica do estabelecimento, que não comporta senão aqueles que revelem propensão para o gênero de trabalho que são chamados a executar, senão os que efetivamente lhe queiram dedicar toda a sua atividade. (Anais da Biblioteca Nacional, 1905, p. 381)

Bittencourt Feijó procurou traçar o perfil de Manuel Cícero como um homem de

Estado que sempre se mostrou, na sua atuação, preocupado com o bem público. A vida

profissional ultrapassava a pessoal, estando sempre pronto a atender um pedido de

informação, conforme citação:

Duas da manhã. Bateu o telefone da casa de Manuel Cícero: era o Barão do Rio Branco, com a sua maneira de trabalhar pela noite adentro (...). Ele telefonava, pedindo informações acerca de um determinado rio cujo percurso devia estar traçado em certo mapa, que a Biblioteca possuía (...). Manuel Cícero encaminhou-se logo ao edifício que dirigia e teve de abrir-lhe a porta, despertando o funcionário para que o ajudasse a examinar o mapa (...). Aquele serviço público ficou sendo falado e acreditou-se junto às pessoas de mais alta expressão no governo; no país todos reconheceram a que grau de bem servir chegou aquela repartição. (BITTENCOURT 1967, p. 132)

Em seu discurso na inauguração do novo prédio, além de enaltecer o magnífico

edifício e o apoio do governo, Manuel Cícero mencionou a falta de qualificação dos

funcionários da Biblioteca Nacional no desempenho de seus serviços. Era preciso buscar uma

melhor formação através do investimento de cursos de capacitação e treinamento, além do

interesse dos mesmos: "Este terá que trazer o interesse e entusiasmo sem o qual nada valerão

a solidez e a magnificência desta construção” (BITTENCOURT, 1967, p. 66). Assim,

obtivera verbas no orçamento destinado à Biblioteca, para enviar funcionários para fazerem

cursos em museus e bibliotecas do exterior.

Nos relatórios, solicitava “recursos que me bastem para acudir à conservação dos

tesouros acumulados, e pessoal suficiente, numeroso e dedicado” (Anais da Biblioteca

Nacional, 1905, p. 382). As constantes licenças médicas e a requisição nos períodos eleitorais,

deixavam os setores sem pessoal. Tentando solucionar o problema, foi realizado concurso

para vaga de amanuense. Compareçam 15 dos candidatos inscritos. A nomeação foi efetuada

por portaria e dado o primeiro lugar a Mario Behring. Com esse ato, a BN formaria um corpo

de funcionários especializados, em condições de atender a nova demanda de serviços

prestados pela Biblioteca. Além disso, implementou serviços biblioteconômicos: utilização da

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Classificação Decimal Universal (CDU), catalogação cooperativa, catálogo coletivo das

bibliotecas.

Preocupado com a capacitação de seus funcionários, instituiu os cursos técnicos para

formação e aperfeiçoamento dos bibliotecários, criando, em 1911, o primeiro curso de

Biblioteconomia do Brasil (figura 13). Para inscrição concorreram os funcionários da

Biblioteca Nacional e profissionais de diversas formações acadêmicas (figura 14). Suas

atividades foram iniciadas somente no ano de 1915, na própria Biblioteca Nacional. O curso

teve grande influência européia (École des Chartes) e compreendia quatro matérias:

bibliografia, paleografia e diplomática, iconografia e numismática. Em 1944, na gestão de

Rodolfo Garcia, o curso foi reformulado e, no ano de 1960, reconhecido como formação em

nível superior. Atualmente, é mantido pela Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro

(UNIRIO).

A criação do primeiro curso de biblioteconomia no país foi anunciada pela imprensa e

na inauguração estiveram presentes nomes renomados da cultura brasileira:

Realizou hontem, na sala de conferências da Bibliotheca Nacional, a inauguração official do curso de bibliotheconomia. Presidiu a solennidade o Dr. Manuel Cícero, diretor geral daquelle estabecimento que depois de explicar aos numerosos convidados em que consistiria o curso e as vantagens que delle adviriam para a Bibliotheca Nacional deu a palavra ao professor de bibliographia, Dr. Constancio A. Alves. Entre as numerosas pessoas presentes estavam: senador Ruy Barbosa, Dr. Silva Ramos, da Academia Brasileira de Letras (...). (O Imparcial, 11/04/1915, p. 8)

Figura 13 - Sessão solene de inauguração do curso de Biblioteconomia. Divisão de Iconografia/FBN

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O registro das obras literárias, artísticas e científicas já estava sob a guarda da

Biblioteca Nacional, atribuída pela lei promulgada em 1 outubro de 1898, conhecida como

Lei Medeiros. Porém, havia uma questão que se apresentava problemática: a remessa, para a

Biblioteca Nacional, de todo e qualquer exemplar impresso no Brasil. Até aquele momento,

apenas as obras impressas no Distrito Federal eram encaminhadas à Biblioteca Nacional.

Manuel Cícero entendia que todas as instituições brasileiras deveriam enviar um exemplar do

que imprimissem, pois essa "seria a maneira da Biblioteca Nacional, que representava o

Brasil, ser um registro fiel e geral do que se editasse no país”. De modo a suprir tais

dificuldades, foram direcionados, pela chefia da Biblioteca, funcionários responsáveis pela

coleta de documentos em várias instituições do país.

Através do regulamento aprovado pelo decreto n. 8.835, de 11 de julho de 1911,

impondo a obrigatoriedade da remessa de publicações editadas no país à Biblioteca Nacional,

e da recomendação que a Biblioteca tomasse a iniciativa de fazer um levantamento das

coleções bibliográficas existentes no País, Manuel Cícero redigiu circulares para os chefes do

poder executivo dos 1140 municípios, acompanhada de um exemplar da legislação e um

formulário para que fosse preenchido com a relação das gráficas existentes e das publicações

editadas. Junto ao Departamento dos Correios foi criada uma caderneta onde cada gráfica

anotaria os exemplares que tinham sido entregues ao correio local e enviados à Biblioteca

(Anais da Biblioteca Nacional, 1909, p. 674). Com essas medidas, ficava garantido o envio

das publicações e situava a Biblioteca como lugar de divulgação de todo material editado no

Figura 14 - Turma do curso de Biblioteconomia. Divisão de Iconografia / FBN

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país, proporcionando a criação de um boletim bibliográfico21, do qual seria enviada cópia ao

Instituto Internacional de Bibliografia de Bruxelas. Para Edson Nery (1957, p. 98), “Manuel

Cícero foi um autêntico precursor brasileiro da Documentação, um homem com a visão

profética de Paul Otlet e Henri La Fontaine22". Esse boletim era um instrumento importante

para a execução da função primordial da Biblioteca Nacional: a preservação do patrimônio

bibliográfico brasileiro:

Semelhante providencia legislativa, adoptada em quase todos os paizes, trará ainda a vantagem de habilitar a Bibliotheca a publicar um boletim bibliographico que registre o apparecimento de todas as publicações nacionaes e a organisar assim a estatística da produção litteraria do paiz. (Anais da Biblioteca Nacional, 1905, p. 418)

Este decreto também impunha deveres ao diretor e mencionava as conferências (figura

15) que a Biblioteca promoveria. Delas participaram: José Veríssimo (Nossa evolução

literária), Roberto Gomes (Arte e bom gosto no Brasil), Pandiá Calógeras (O Brasil e seu

desenvolvimento econômico), Hélio Lobo (O Brasil no concerto das nações), Oliveira Lima

(Os nossos diplomatas), Alberto Rangel (Os sertões brasileiros), Rodrigo Otávio (O direito

positivo e a sociedade internacional), Afrânio Peixoto (Os aspectos do humor na literatura

nacional), Oswaldo Cruz (Algumas doenças causadas por protozoários).

21 Esse catálogo seria organizado na forma de um repertório bibliográfico. Entende-se como repertório bibliográfico: “o instrumento de pesquisa no qual são descritos, pormemorizadamente, documentos previamente selecionados, pertencentes a um ou mais fundos, podendo ser elaborado segundo um critério temático, cronológico, onomástico ou geográfico. (Associação Brasileira de Normas técnicas, NBR9578, p. 7) 22 Paul Otlet e Henri La Fontaine, em fins do século XIX, foram responsáveis pela organização de um movimento internacional de documentação.

Figura 15 - Aspecto do salão da Bibliotheca Nacional, onde se realizam as conferências. Na mesa Rodolpho Bernadelli, director da Academia de Bellas-Artes, Manuel Cícero e o pintor Elyseu Visconti. Revista Fon-Fon, 19/10/1912

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Com essas conferências23, Manuel Cícero reuniu em torno da Biblioteca Nacional a

elite intelectual do país e criou um espaço para a cultura letrada brasileira. Elas eram

concorridas e os temas, na maioria das vezes, pontuavam aspectos da história brasileira. Dessa

maneira, a Biblioteca conquistava seu espaço como instituição promotora da cultura nacional.

Segundo José Veríssimo,24 "a Biblioteca Nacional desempenha a sua alta missão de

fomentadora da cultura brasileira.” Ainda sobre as conferências, Oliveira Lima (apud

BITTENCOURT, 1967, p. 77) dizia:

Manuel Cícero nutre a nobre ambição de dotar a sua, a nossa biblioteca de um maior alcance social, convertido esse repositório e os passivos de edições raras, de obras monumentais e manuscritos preciosos, num centro ativo de educação do gosto literário e artístico da nossa população.

Procurando estabelecer o registro sobre a documentação pertencente ao acervo da

Biblioteca Nacional, Manuel Cícero criou o ex-libris (figura 16), marca de propriedade da

Biblioteca Nacional que devia constar nos livros e documentos expedidos pela Biblioteca.

Desse modo, todo o acervo ficava registrado como patrimônio nacional. O desenho foi feito

por Eliseu Visconti, baseado nas informações sugeridas por Manuel Cícero e pelo chefe de

seção de estampas Aurélio Lopes de Sousa. Convém destacar no desenho a representação da

simbologia republicana inserida pelos idealizadores no ex-libris:

No ultimo plano, constituindo o fundo, uma estante carregada de livros diversamente dispostos; ao alto d’ella , no canto direito, em um redondo, uma estrella figurando as armas da Republica e tendo ao centro, dentro de uma orla circular, a constellação do Cruzeiro. (Anais da Biblioteca Nacional, 1904, p. 520)

23 Algumas das conferências promovidas na BN foram publicadas nos Anais dos anos de 1913, 1916,1918. Nelas ficavam excluídos os assuntos de política e religião de modo a manter a “calma e a serenidade entre os expositores.” Manuel Cícero. (BIBLIOTECA NACIONAL, 1913, p. 8) 24 Citação In: Anais da Biblioteca Nacional, 1913, p. 11.

Figura 16 - Ex-libris da Biblioteca Nacional. Anais da Biblioteca Nacional, v. 26, 1904

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Desde o início de sua gestão, Manuel Cícero reiterava a necessidade de a Biblioteca

Nacional possuir recursos próprios através da venda dos Anais e de outras publicações

editadas pela instituição, visando uma maior autonomia institucional com a criação de um

patrimônio próprio para a BN. Em seu relatório (1902, p. 389), era mencionado “foi

approvada por esse Ministério a tabella de preços que foi publicada no Diario Official de 4 de

junho para a venda dos Annaes e outras publicações da Biblioteca”. Com isso, buscava-se a

autonomia econômica e administrativa sem o controle do Governo.

A criação dos Anais na gestão de Ramiz Galvão, em 1876, procurou trazer a público

os documentos existentes no acervo da Biblioteca Nacional e posteriormente foram

apresentados os relatórios de gestão de seus dirigentes. No relatório de 1901, Manuel Cícero

escreveu:

É meu dever em obediencia a injuncão regulamentar, enviar-nos anualmente um relatório do Without a friend, there's no denying, you're incomplete!que houver ocorrido na biblioteca, dever que não esta ocasião me é grato cumprir por me proporcionar o ensejo de, expondo em resumo o movimento ocorrido e os trabalhos levados a effeito durante o anno 1900, desenrolar à vossa vista investigadora e esclarecida o quadro das necessidades precípuas da bibliotheca e o das providencias que me antolham, umas utilissimas, imprescindiveis outras, porque tendem à conservacão e à seguranca do thesouro, elativamnete opulento, que se chama Bibliotheca Nacional.

Manuel Cícero foi indicado como sócio do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro

(IHGB) no ano de 1905, tendo como uma das assinaturas que subscrevem a sua escolha, a de

Epitácio Pessoa. Foi elevado a sócio honorário em 12 de maio de 1914, em 1917, sócio

benemérito, e em 14 de dezembro de 1933 foi proposto para grande benemérito (figura 17).

Com a morte de Afonso Celso25, Manuel Cícero foi chamado para ocupar o cargo de 1ª Vice-

Presidência do Instituto Histórico. Sua entrada no IHGB foi retratada por Afonso Celso:

“Individualidade de fino valor, tão modesta quanto operosa, filiada ao grupo escasso dos

perseverantes, dos organizadores cujo meticuloso esforço, desconhecido, não raro, da

multidão, grandemente aproveita a altos interesses sociais”. (BITTENCOURT, 1967, p. 56)

25 Afonso Celso de Assis Figueiredo Júnior, natural de Ouro Preto - Minas Gerais, nascido em 31 de março de 1860 e falecido no Rio de Janeiro a 11 de julho de 1938. Filho do Visconde de Ouro Preto, é um dos membros fundadores da Academia Brasileira de Letras. Em 1892, ingressou no Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro.

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Junto com Amaro Cavalcanti, Manuel Cícero promoveu conferências e reuniões,

convidando especialistas brasileiros e de outras nações para falarem sobre o Direito

Internacional. “É na sala de conferência do novo edifício da Biblioteca Nacional que se

reuniram os fundadores da Sociedade Brasileira de Direito Internacional”. Essa instituição foi

fundada em 23 de dezembro de 1914, tendo como presidente Amaro Cavalcanti e Manuel

Cícero como secretário.

Manuel Cícero participou da elaboração do regulamento da Academia de Altos

Estudos fundada no Rio de Janeiro, em 1915, pelo IHGB. O nome foi sugerido por Afonso

Celso, que ocupava o cargo de presidente, em semelhança às instituições européias. Essa

Academia tinha como finalidade promover a realização de cursos, de modo a melhor capacitar

os que se destinavam ao exercício dos cargos públicos (diplomatas, agentes administrativos e

outros)26. Para Manuel Cícero a preocupação na qualificação técnica dos funcionários era

sempre presente.

No ano de 1918, Manuel Cícero serviu na Prefeitura do Distrito Federal, nomeado

diretor geral da Diretoria-Geral da Instrução Pública Municipal. Nessa atividade, visitou

muitos estabelecimentos de ensino procurando conhecer as condições de funcionamento das

escolas diurnas e noturnas, transformou em mistas várias escolas femininas, providenciou

para que houvesse novo modelo de carteiras escolares, incentivou o ensino profissionalizante

nos currículos escolares. Após ter pedido exoneração do cargo de diretor-geral, foi nomeado

26 A realização desses cursos foi proposta por Oliveira Lima e o projeto apresentado por Delgado de Carvalho. O regulamento foi elaborado por Manuel Cícero e Epitácio Pessoa e sendo aprovado os seguintes artigos: 3º - o curso se dividirá em três anos (...); 5º as vagas serão preenchidas por meio de concurso de títulos de aptidão (...); 14º para a matrícula o candidato deverá provar idoneidade moral e idade de 16 anos completos.

Figura 17 - Manuel Cícero, terceiro à esquerda, já como grande benemérito e outras personalidades no Instituto Histórico. Revista Fon-Fon, 12/07/1924

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interinamente prefeito do Distrito Federal, empossado no dia 16 de novembro. Permaneceu à

frente da Prefeitura por dois meses e seis dias. Apesar do pouco tempo de mandato, Manuel

Cícero procurou imprimir sua marca na administração municipal. Mandou revestir o antigo

Aqueduto dos Arcos, monumento histórico que se encontrava em estado deplorável. Lançou a

pedra fundamental do edifício do Conselho Municipal. Pelos serviços prestados à Instrução

Pública Municipal, seu nome foi dado a uma praça do bairro do Méier e a uma escola situada

na Praça Santos Dumont, no bairro da Gávea.

Manuel Cícero foi incumbido de elaborar o regulamento aprovado pelo decreto n.

15.670 de 6 de setembro de 1922, que criou o Museu Histórico Nacional, sendo incluído em

seu acervo a coleção de numinástica pertencente à Biblioteca Nacional. Segundo Feijó, “pode

se considerar um desdobramento da Biblioteca Nacional pelos muitos encargos, que sendo

desta, passaram para o Museu” (BITTENCOURT, 1967, p. 148).

Através do decreto de 20 de fevereiro de 1924, Manuel Cícero foi nomeado Diretor

Geral de Propriedade Industrial, serviço organizado durante o ministério de Miguel Calmon,

que ocupava a pasta da Agricultura, Comércio e Indústria.

Com a demissão de Afonso Celso, em 1926, do cargo de reitor da Universidade do Rio

de Janeiro, atualmente Universidade Federal do Rio de Janeiro, Manuel Cícero foi indicado

para ocupar seu cargo27. Na sua posse, recebeu de Rodrigo Otávio (apud BITTENCOURT,

1967, p. 195), as seguintes palavras: “Nas terras em que se dá o justo valor às coisas, essa é

uma eminente posição que consagra uma existência de estudo e dignidade”. Pediu demissão

do seu cargo de reitor, no ano de 1930, face às transformações políticas porque passava o

Brasil, acarretada pela Revolução de 30. Foi um período em que a política econômica do país

sofreu importantes mudanças. Aparecia em cena um partido de oposição ao governo

republicano, liderado pelo governador do Rio Grande do Sul, Getúlio Dorneles Vargas.

Aqueles que administravam o governo já não exerciam sua hegemonia sobre alguns setores

básicos da economia e sociedade, levando-os ao afastamento de seus cargos, inclusive Manuel

Cícero. Assim, com sua demissão, Manuel Cícero, segundo seu biógrafo, “foi solidário aos

homens com quem servira” e retornou ao ensino superior, lecionando na Faculdade de Direito

da Universidade.

Em 13 de outubro de 1947, ao deixar, por limite de idade, a Faculdade de Direito, foi-

lhe conferido, pela Universidade do Brasil, o título de professor Emérito. Em cerimônia

27 Manuel Cícero foi reitor no período de 1926 a 1930.

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realizada em 21 de outubro de 1952, no Palácio do Catete, recebeu as insígnias de Grande

Oficial da Ordem Nacional do Mérito.

O Instituto Histórico e Geográfico do Brasil, em 1952, resolveu homenagear os seus

sócios beneméritos, lançando uma biografia. O encarregado da biografia de Manuel Cícero foi

Leopoldo Antônio Feijó Bittencourt que escreveu, em 1955, o livro Vida de Manuel Cícero

Peregrino da Silva, publicado na Revista do IHGB28.

Manuel Cícero faleceu no Rio de Janeiro no ano de 1956 deixando como publicações:

A Justiça Penal entre os Romanos (1895), Da admissibilidade da prescrição em matéria

penal (1896), Catálogo Geral da Biblioteca de Direito do Recife (1896), O patriarca dos

jornalistas brasileiros (1923), Pernambuco e a Confederação do Equador (1924),

Apontamentos sobre as primeiras relações diplomáticas entre a República do Peru e o

Império do Brasil (1925). A Biblioteca Nacional realizou, no ano de 1966, uma exposição

comemorativa do centenário de nascimento de Manuel Cícero.

Os jornais da época noticiam a perda de um dos grandes administradores públicos que

dedicaram sua vida ao serviço da pátria:

Faleceu ontem nesta capital o eminente brasileiro Dr Manoel Cicero Peregrino da Silva (...). Administrador zeloso e austero, espírito aberto as iniciativas do progresso intelligência lúcida e forte (...) Extinguiu-se assim uma vida tôda ela cheia de serviços a pátria coroada pelo respeito e admiração dos seus concidadãos assinalada por nobres exemplos de trabalho pelo bem público (...) uma longa existência de amor a sua pátria e revelantes serviços a administração pública e engrandecimento da cultural nacional (Jornal do Comércio, 4/10/1956)

Segundo seu biógrafo, “Entre Manuel Cícero e a Biblioteca houve afinidade: ele tem

especial compreensão a respeito dela, tem intuição daquilo em que ela podia se tornar

ampliando-se. A Biblioteca então é ele, é ele que se projeta na renovação do serviço público”

(BITTENCOURT, 1967, p. 145).

Manuel Cícero é citado em várias publicações, nas quais fica destacada sua atuação

empreendedora na direção da Biblioteca Nacional. Podemos citar:

A Biblioteca Nacional, na posição de mais importante acervo do país, herdeira de um patrimônio real e imperial, instalada num edifício especialmente construído para seu acervo e dirigida por um dos maiores administradores que já passaram pela instituição, Manuel Cícero, tornou-se credora da confiança dos homens públicos e de cultura que continuaram desta data em diante a prestigiá-la, enriquecendo-a de valiosos tesouros bibliográficos. (CUNHA, 1980, p. 167)

A Divisão de Manuscritos da Biblioteca Nacional recebeu como doação de Marília

Velloso Pinto, neta de Manuel Cícero, no ano de 1992, vários documentos pessoais do diretor

(recortes de jornais, correspondências, fotografias) que foram organizados pela equipe técnica 28 Revista do IHGB, v.229, p.3-332. out-dez.1955

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do setor e denominada Coleção Marilia Velloso Pinto29. A partir da pesquisa e leitura dessa

documentação oficial foi possível apontar a importância de Manuel Cícero como grande

administrador do bem público, inserido no projeto de modernização implementado pelo

governo no âmbito das instituições públicas e a rede de parcerias estabelecida entre o diretor e

os representantes do Estado.

Nas correspondências oficiais, observa-se a valorização de Manuel Cícero como

homem público à frente dos grandes projetos ligados à cultura. Um dos exemplos é a carta de

Pedro Calmon encaminhada ao presidente do Brasil solicitando a premiação da Ordem do

Mérito Civil para Manuel Cícero, numa homenagem à sua dedicação e empreendedorismo nas

funções exercidas nos vários cargos públicos. Com essa premiação, Manuel Cícero passou a

fazer parte do grupo de personalidades da cultura brasileira consagradas com esse título:

Do Reitor da Universidade do Brasil, Ao Ex. presidente da República, Dr. Getúlio Vargas Em nome do Conselho Universitário da Universidade do Brasil, (...) homenageado Manuel Cícero Peregrino da Silva, com a Ordem do Mérito Civil (...), administrador ilustre, cujo nome está vinculado à instrução pública no Rio de Janeiro e no desempenho de suas funções nos vários cargos (...). Essa homenagem recorda a que recentemente foi tributada, com eximia justiça, a outros nomes preclaros da nossa cultura, que mereceram da Nação, no caso da existência, comovedora demonstração de apreço. Ass. Pedro Calmon – Reitor. (Divisão de Manuscritos / FBN. Loc. I-9,33,20)

Manuel Cícero foi considerado o "homem dos centenários" pelas inúmeras viagens

feitas ao exterior com o propósito de averiguar os documentos e arquivos relativos ao Brasil

ou representado o país em vários congressos, exposições, comissões. Nesses eventos, Manuel

Cícero compartilhava sua presença com grandes estudiosos brasileiros:

O Presidente da República dos Estados Unidos do Brasil, Presidente Getúlio Vargas resolve nomear o Doutor Manuel C. P. da Silva, para representar o Brasil no I Congresso de História da Expansão Portugueza no Mundo, a realizar-se em Lisboa, em julho do corrente anno para estudar o problema de documentos referentes ao Brasil nos arquivos daquela cidade. Foram designados também Camilo de Oliveira e Gilberto Freyre. 17/6/1937. (Divisão de Manuscritos / FBN. Loc. I-9,33,13)

Prezado Senhor e ilustre mestre, Desde que voltastes desta capital, ao terminar a commissão que vos levou ao estrangeiro, que alimento o vivo desejo de ter a honra de vos cumprimentar pessoalmente... homens do vosso valor mental são necesários a nossa pátria. Ass. Gonzaga Duque. 10/1/1908 (Divisão de Manuscritos / FBN. Loc. 66,5,001 n. 60)

Nas leituras das cartas oficiais percebe-se a importância dada a Manuel Cícero como

profissional competente no exercício de suas funções. Para que tivesse livre acesso nas

viagens, seu passaporte foi liberado pela Secretaria das Relações Exteriores, que solicitou

apoio às embaixadas dos países vizinhos:

29 A coleção possui cerca de 100 documentos com data-limite de 1895 a 1967. A localização no acervo de Manuscritos da Biblioteca Nacional é I-9,33/50,5,5.10

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Carta ao Ministro das Relações Exteriores – Dr. José Maria da Silva Paranhos do Rio Branco, ordena a todas as autoridades tanto civis como militares da República e roga as dos paizes amigos ou alliados que deixem passar livremente o Sr. Manuel C. P. da Silva, Director da Bibliotheca Nacional de Rio de Janeiro o qual vae para a Europa em Comissão do Governo e lhe prestem todo o socorro e proteção de que precisar: leva em sua companhia sua esposa e filho menor Antonio Cícero. Secretaria das Relações Exteriores. 4/3/1907. (Divisão de Manuscritos / FBN. Loc. I-09,33,2)

Manuel Cícero estabeleceu com representantes do governo, responsáveis pela

execução das reformas urbanas da cidade, e intelectuais do país e do estrangeiro, uma rede de

sociabilidade que viabilizava a solicitação de sua presença nas solenidades oficiais e de certa

maneira, projetando a Biblioteca Nacional como espaço de cultura do país e inscrevendo-a no

rol das grandes bibliotecas estrangeiras. O destaque dado a sua pessoa pode ser aferido na

documentação consultada:

Ilmo Dr. Manuel Cícero P.da Silva. Meu eminente confrade e amigo prezadíssimo, Organizo neste momento (para meu uso particular) um Album Camoniano, constituído por autographos de ilustres escriptores amigos meus (...) Ora nesse album eu muito estimaria possuir, entre os outros autographos incorporados, o de V. Exª. Mui respeitoso admirador, mui attento venerador. Xavier da Cunha – Diretor da Bibliotheca Nacional de Lisboa. 8/3/1911. (Divisão de Manuscrito/FBN. Loc. 48,4,001 n. 77) Gabinete do Ministro da Justiça e Negócios Interiores Sr. Director da Bibliotheca Nacional, Comunico-vos que o Sr. Presidente da República recebe, no dia 1º de janeiro próximo, no Palácio do Catete, a 1 hora da tarde, as pessoas que o forem cumprimentar. Ser-me-a agradável que, entre os funcionários que compareçam a essa recepção, não deixem de figurar os Directores das Repartições subordinadas a este Ministério. O traje de rigor é a casaca. Ass. J.J. Seabra. . (Divisão de Manuscritos / FBN. Loc 65,4,004 n. 48)

Em cartas enviadas por usuários, encontram-se reclamações dos serviços prestados

pela Biblioteca Nacional e a solicitação de medidas para equacionar os problemas. Essa

situação vinha ao encontro aos relatos feitos por Manuel Cícero, que em seus relatórios

apontava como uns dos motivos para a precariedade no atendimento aos leitores o número

reduzido e a falta de qualificação técnica dos funcionários da Biblioteca.

As portarias editadas primavam pela qualidade dos serviços prestados pela Biblioteca

Nacional, procurando imprimir nas suas atividades um caráter organizacional

administrativo em consonância com a nova imagem "moderna" que se pretendia da

Instituição. Algumas cartas e portarias abaixo descritas evidenciam essa posição:

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Sr. Director da Bibliotheca Nacional, Frequentador deste estabelecimento, com o direito que me assiste de ser um estabelecimento publico, penso que há um regulamento para me amparar contra o capricho e má vontade dos empregados (...). Ass. Domingos Peixoto. 3/7/1913. (Divisão de Manuscritos / FBN. Loc. 48,4,001 n. 88). Sr. Director da Bibliotheca Nacional, Tive ontem ocasião de procurar-vos, a fim de rever-vos o procedimento de alguns de vossos subordinados com relação a entrega de obras (...) Um empregado, cujo nome ignoro, tratou-me descortezmente ao ponto de dizer que eu era “um leitor rebelde”. Crede na minha palavra de cavalheiro; lhe não dei a necessária resposta em atenção a vossa pessoa... Espero que tomará em conta o que acabo de vos narrar, para que sejam evitados incidentes que, por mais insignificantes, são sempre desagradáveis. Ass. Anibal Amorim. 28/4/1908. (Divisão de Manuscritos / FBN.. Loc.48,5,003 n.37) Portaria nº 7 de 18 de abril de 1903

Repreende o funcionário que atendeu de modo grosseiro um dos consultantes.

Portaria nº 11 de 7 de agosto de 1903

Havendo a Federação dos Estudantes Brasileiros, reclamado ao Sr. Ministro da Justiça e Negócios Interiores contra a morosidade com que são atendidos nesta Bibliotheca diversos estudantes, recomendo ao pessoal encarregado das salas públicas que empreguem a maior diligencia no sentido de bem servir a todos os consultantes.

Portaria nº 3 de 10 de outubro de 1905

Repreende o funcionário por ser grosso com um consultante e suspende por 4 dias.

Portaria nº 7 de 27 de setembro de 1907

Proibe a entrada na Bibliotheca de um consultante que danificou páginas da Revista da Semana.

Portaria nº 17 de 9 de junho de 1915

Reclamação contra o serviço da Bibliotheca publicada no Correio da Manhã. Recomendo que os empregados não se afastem de seus postos para conversar nos corredores ou se agrupem em torno dos que trabalham para lhes desviar a atenção; os empregados não se empreguem a leitura de jornais durante as horas de expediente.

Portaria n.º 6 de 10 de agosto de 1904

Diretor da BN resolve expedir as seguintes instruções que serão adotadas pelo pessoal encarregado do serviço extraordinário de catalogação: os auxiliares e o respectivo chefe não se poderão ocupar de assumpto extranho ao serviço, conversando, lendo ou escrevendo.

O favoritismo como prática no serviço público pode ser aferido nas várias cartas

enviadas a Manuel Cícero por diversas pessoas do governo, inclusive de altas autoridades,

solicitando o preenchimento de vagas no corpo de funcionários da Biblioteca Nacional. Nas

cartas era mencionado o grau de parentesco dos candidatos com os solicitantes e procuravam

ressaltar o caráter e a qualidades profissionais dos candidatos:

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Cícero, Consta-me que você vai criar na Bibliotheca uma seção de numismática, desmembrando-a da iconografia. Haverá meio de metter no lugar de 1º official o Sr... actual interprete da Diretoria da Saúde? É pessoa habilitada, diligente e digna. Se você tiver meio de me servir nisto, muito e muito lhe agradeceria. Ass. Epitácio Pessoa. 10/7/1909. (Divisão de Manuscritos / FBN. Loc. 48,4,001 n. 6) Minhas saudações, Tenho o prazer de apresentar ..., moço distinto, inteligente e habilitado (...) um lugar da bibliotheca. Ass. J.J. Seabra. 29/11/1907. (Divisão de Manuscritos / FBN. Loc. 48,4,001 n.11) Respeitosas saudações, Venho solicitar um favor. Confio no seu elevado espírito. Em breve dias, se dará uma vaga de servente ahi na Bibliotheca Nacional e por isso pedir o obséquio de nomear meu sobrinho ..., rapaz honesto e de absoluta moralidade, chefe de família e de alguma instrução. Gratíssimo, subscreve-me. Ass. Bettencourt da Silva Filho. 15/7/1921. (Divisão de Manuscritos / FBN. Loc. 48,4,001 n.18) Cícero, Para o portador desta, peço com muito interesse uma vaga de servente na Bibliotheca. É homem de toda a confiança, muito ativo e hábil marceneiro, podendo até prestar bons serviços. Ass. Epitácio Pessoa. 18/4/1912. (Divisão de Manuscritos / FBN. Loc.48,4,001 n.68) Cordiais saudações, O portador desta, foi meu copeiro, é hoje meu compadre, tem serviço de exército e é, sobretudo, um rapaz serio e de confiança, e capaz para assumir a vaga de servente na Bibliotheca Nacional. Respondo pela sua honestidade, e que se encontra lutando com dificuldades. Ass. Sampaio Correa. 21/01/1921. (Divisão de Manuscritos / FBN. Loc.48,4,001 n.30) Meu caro Dr. Manoel Cícero. Cordiais saudações. Tenho a satisfação de apresentar-lhe o meu jovem amigo e confrade ..., que há poucos mezes chegou do Maranhão e pretende encarreirar-se nesta capital. (...) Só lhe falta completar o cultivo intellectual e adquirir experiencia, que só os anos trazem. Mas, é pobre, sem parentes e verdadeiramente sem amigos, (...)Rogo-lhe, pois, meu caro Dr. Manoel Cícero, acolher como o carinho que lhe é peculiar, prestar-lhe os esclarecimentos de que ele carece, e sobretudo patrocinar a sua pretensão. E creia que por mais essa prova de sua bondade, será sempre grato. Ass. Leopoldo Cirne. 8/12/1909. (Divisão de Manuscritos / FBN. Loc.48,4,001 n.74)

Outra prática adotada era o cerceamento de informações contidas nos documentos da

Biblioteca Nacional. Em cartas enviadas a Manuel Cícero foi solicitada a criação de

mecanismos que dificultassem o acesso a dados que pudessem ser contrários a política

vigente.Tais cartas tinham caráter confidencial e demonstram a rede de articulações que

Manuel Cícero estabeleceu com os dirigentes do país. Pode-se afirmar que era um "homem de

confiança" do governo:

Consta-me que o Ministro Frances tem consultado ou vai consultar nessa Bibliotheca documentos relativos à questão de limites com a Guyana. Não convém que se lhe facilite essa consulta e, como pode acontecer que elle mande alguem em seu logar, o melhor será não a permitir a quem quer que seja, nacional ou estrangeiro. Peço-vos que deis as vossas ordens nesse sentido. Ass. Dionísio S. de Castro Cerqueira. Ministerio das Relações Exteriores. (Divisão de Manuscritos / FBN. Loc.65,4,004 n. 53)

Conforme solicitou o Ministério das Relações Exteriores em aviso de nº 2, de 30 de abril findo, recomendo que d’ora em diante até resolução em contrário, se não permita nessa Bibliotheca a consulta de documentos sobre limites. Saúde e fraternidade. Ass. J.J. Seabra. Ministério da Justiça e Negócios Interiores. 2/5/1904. (Divisão de Manuscritos / FBN. Loc.65,4,004 n. 47)

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Nas pesquisas realizadas nos documentos da Coleção Marilia Velloso Pinto e no

levantamento de dados biográficos de Manuel Cícero, fica demonstrado o lugar da

Biblioteca Nacional como parte constitutiva de um projeto modernizador idealizado pelos

ideais republicanos que procurava simbolizar o Brasil, como nação, aos olhos dos

estrangeiros. Esses novos ideais irão repercutir na sociedade brasileira, principalmente na

cidade do Rio de Janeiro que naquele momento, era capital do país, e necessitava passar

por mudanças em seu espaço urbano. Manuel Cícero, valorizou esses ideais, adotando

uma concepção moderna do que deveria ser a Biblioteca Nacional e os seus serviços. Essa

modernidade foi incorporada na construção do novo prédio, ícone monumental de uma

nova e moderna Biblioteca.

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3 O SHOW DA MODERNIDADE: A CIDADE DO RIO DE JANEIRO

A cidade do Rio de Janeiro chegava ao século XX numa situação desordenada. Sua

população crescera bastante. Já dispunha de serviços básicos como água, esgotos, iluminação,

mas seu funcionamento era precário. Cabia ao governo adotar medidas para resolução desses

problemas.

Em consonância com as "novas idéias" que surgiam no bojo da sociedade, foi

empreendida durante o governo de Rodrigues Alves uma extensa reforma urbana. A

remodelação e o saneamento da capital federal constituíram pontos básicos do seu programa

de governo.

3.1 O projeto republicano: novas idéias e grandes reformas

De repente, por um movimento subterraneo, que vinha de longe, a instabilidade de todas as coisas se mostrou e o sophismo do imperio appareceu em toda a sua nudez. Um bando de idéas novas esvoaçou sobre nós de todos os pontos do horizonte. Silvio Romero

Com essas palavras, o escritor relatava a evolução do pensamento brasileiro diante das

novas correntes que "andavam" pelas cabeças dos literatos. Os novos ideais surgiam

transformando a política, o direito, a filosofia, a critica literária. Buscava-se o discurso

republicano que traria várias mudanças ao regime político brasileiro e ao mundo das idéias.

Com a proclamação da República, uma série de mecanismos institucionais foi

instaurada de modo a consolidar o processo de mudanças que se pretendia realizar no país,

principalmente na cidade do Rio de Janeiro. Após a descentralização do regime monárquico, a

extinção da escravidão e a separação entre Igreja e Estado, o Brasil precisava mostrar ao

mundo a imagem de nação livre, democrática, civilizada e desenvolvida, segundo o modelo

liberal idealizado pelos países do norte da Europa e Estados Unidos.

Além disso, a expansão da economia com caráter empresarial e capitalista propiciou o

surgimento de novas classes e camadas sociais nas cidades. Formadas por profissionais

liberais, pequenos negociantes, funcionários do Estado, constituídas em sua maioria de

pessoas letradas, vão se influenciar pelas "novas idéias" que agitavam o Brasil, como o

evolucionismo, o organicismo e o positivismo30, tendo grande influência sobre a

intelectualidade republicana. A "ilustração brasileira" pregou a confiança total na ciência, no

30 Foi um dos sistemas filosóficos de maior repercussão no país. As primeiras manifestações das doutrinas positivistas no Brasil datam de 1850. Porém, só em 1876 fundou-se uma associação positivista da qual participaram grandes intelectuais do país. Augusto Comte, mestre do positivismo, defendia o princípio de que só se pode conhecer os fenômenos pela razão e pela observação, estabelecendo suas leis e relações. Ver COSTA, João Cruz. Contribuição à História das Idéias no Brasil: o desenvolvimento da filosofia no Brasil e a evolução histórica nacional. Rio de Janeiro: Editora José Olympio, 1956.

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poder das idéias e a certeza de que a educação intelectual era o melhor caminho para melhorar

os homens e dar-lhes um sentimento moral.

Paralelamente, “os positivistas vislumbraram, com o advento do novo regime, a

possibilidade de exercerem a tutela intelectual sobre a nação” (CARVALHO, 1987, p. 24).

Esse papel era dado às elites que se nomeavam representantes do projeto de civilização, tendo

como missão superior: a de civilizar o povo. Nesse sentido, civilização é a ação de civilizar,

de dotar de civilidade aqueles que são rudes, campesinos, jovens ou bárbaros e que,

supostamente, necessitariam de tal ação.

Os positivistas brasileiros tinham como bandeira o compromisso e engajamento nas

questões nacionais. Abordavam em seus discursos os assuntos polêmicos do momento e

participavam na luta pela emancipação dos escravos, pela separação da Igreja e Estado e pela

transformação política do país de Império em República. O positivismo brasileiro penetrou

nas escolas Politécnica e Militar, nas Academias, ganhando adesão de vários partidários.

A República utilizou-se das idéias de ordem e progresso para afirmar-se como o

regime do “moderno” e do “dinâmico”, em oposição ao “antigo” e ao “atraso”, que eram

associados ao Império. A divisa positivista “o amor por princípio, à ordem por base e o

progresso por fim” acabou resumida e bordada na bandeira brasileira republicana: Ordem e

Progresso (NEVES, 1991, p. 19-20). Aos intelectuais cabia elaborar imagens fundadoras da

nacionalidade, indispensáveis para a definição de uma identidade brasileira.

O programa republicano visava estabelecer uma ordem no país que pudesse instituir a

marca dos tempos republicanos impulsionado por novos potenciais energéticos e

tecnológicos, em que cabia acertar os ponteiros brasileiros com o relógio global através de

discursos técnicos, confiantes em representar a vitória do progresso e fazer a modernização ‘a

qualquer custo’. Para isso, era necessário construir o perfil das figuras selecionadas como

exemplos nacionais de dedicação e desempenho em favor do aprimoramento e

desenvolvimento da cultura no país e a criação de uma consistente esfera pública, reforçada

pela expansão crescente da empresa e das oportunidades de convívio cultural. A ênfase era

dada na apresentação do “homem modelo” como símbolo do comprometimento. O modelo

ideal do cidadão da República distinguia-se do Império. Os novos tempos abriam espaços

para o empreendedor, o industrial e o grande comerciante, que souberam aproveitar as portas

abertas pelo novo regime. O grande homem da República era aquele que acompanhava o

progresso, antenado nas mudanças ocorridas no continente.

A figura de Manuel Cícero viria ao encontro a esse modelo republicano, uma vez que

procurou marcar sua administração à frente da Biblioteca Nacional e de outras instituições,

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com modernização técnica e racionalidade administrativa. No discurso de lançamento da

pedra fundamental do novo prédio da Biblioteca Nacional pontuou o caráter renovador e

progressista porque passava a sociedade brasileira, principalmente a capital federal:

Para que ela (a obra) se traduzisse em fato foi necessário que surgisse esta época de renascimento, que despertassem todas as nossas energias, que nos revelassemos aptos para entrar com desassombro no caminho da atividade e do progresso. (SILVA, 1938, p. 184)

Com um discurso propondo a queda da monarquia, entrou em cena um grupo de

jovens intelectuais, artistas, políticos e militares, a chamada “geração de 70”31. A palavra de

ordem dessa geração era condenar a sociedade arcaica do Império e empregar as grandes

reformas redentoras: a abolição, a república, a democracia e difundi-las no Brasil. De 1870

data também o Manifesto Republicano. A divulgação das novas idéias que marcaram a

filosofia e a literatura brasileira, propiciaram a formação dessa geração dotada de uma visão

crítica e voltada para uma nova análise da cultura nacional. Um verdadeiro “pensamento

moderno” como o denominou José Veríssimo (1969, p. 229). Esses intelectuais, conhecedores

das teorias progressistas dos países avançados, procuraram adaptá-las a nossa realidade. Eles

se propunham a “ilustrar” o país, a iluminá-lo pela ciência e pela cultura. Defendiam a mão-

de-obra livre para o desenvolvimento econômico do país por meio da abolição da escravidão

ou pela imigração, aclamavam a descentralização do poder governamental e a valorização do

ensino público. Ainda, para Roberto Ventura (1991, p. 12):

A geração de 70 introduziu no Brasil à cultura histórica moderna, ao romper as amarras do pensamento religioso em prol de uma visão laica do mundo (...) O naturalismo e o científicismo tiveram no Brasil, papel semelhante à Ilustração na Europa no século XVIII, ao trazer um saber secular e temporal afastado das concepções religiosas

Nesse período, a capital federal oferecia o maior mercado de trabalho para os letrados,

que encontravam oportunidades no ensino, na política e no jornalismo. A cidade atraiu grupos

do Norte e Nordeste, como Sílvio Romero, José Veríssimo, Araripe Júnior e Capistrano de

Abreu. Alguns foram membros das duas maiores instituições culturais do país: Instituto

Histórico e Geográfico Brasileiro, criado em 1838, e Academia Brasileira de Letras, fundada

em 1897.

O momento progressista demandava a reorganização do Estado, a fomentação da

instrução superior para capacitação de funcionários habilitados a assumir as novas

responsabilidades. As idéias invadiam os cursos de formação jurídica, médica e outros. Além

da Faculdade de Direito de São Paulo, outro foco de irradiação cultural foi a Escola de Recife,

31 Alguns escritores e Roque S. M. de Barros no livro A ilustração brasileira e a idéia de universidade, denominaram de “Ilustração brasileira” a Geração de 70.

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pólo de formação de vários letrados, inclusive de Manuel Cícero. Para Silvio Romero (1926,

p. 27), “o brado de alarma partiu da Escola de Recife”.

As inovações tecnológicas e industriais acenavam para a concretização de novos

tempos promissores, criando um clima de otimismo e confiança. Com a comemoração do 4º

Centenário da Descoberta do Brasil (1900), surgiu um sentimento patriótico onde se tentava

resgatar as tradições e os símbolos da nacionalidade. Em maio, inaugurou-se com grande

pompa um monumento a Cabral, com a presença do presidente de Portugal e de outras

autoridades lusas. O Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro institui concursos literários

sobre a história pátria e se realizaram conferências literárias nas quais os literatos expuseram

suas obras.

As idéias dos letrados que produziam seus trabalhos em fins do século XIX foram

marcadas pela tematização da modernidade. Segundo esses pensadores, os problemas

nacionais, provocados pela ignorância, só poderiam ser sanados por uma reação científica.

Para atingir tais ideais, os letrados engajaram-se no movimento de renovação do país; a

literatura teria por missão dar a conhecer, “cientificamente”, a realidade nacional

(SEVCENKO, 1985, p. 85). O projeto era colocar o país ao nível do século, superar seu atraso

cultural e acelerar sua marcha evolutiva, a fim de que o Brasil pudesse alcançar a parcela mais

avançada da humanidade. “Eles se autodefinem como lutadores, defensores do progresso

científico da nação” (VELLOSO, 1996, p. 37). Angel Rama (1985, p. 98), no livro A cidade

das letras mostra que, nas capitais latino-americanas do final do século XIX, os letrados

aparecem como “desenhistas" de uma identidade, enquadrando a sociedade num projeto

destinado à construção de ideologias nacionais.

Os letrados brasileiros voltaram-se para as novas idéias européias como alternativa

capaz de apagar um passado obscuro e vazio de possibilidades e de abrir um mundo novo,

liberal, democrático, progressista, abundante e de perspectivas ilimitadas. As novas idéias

serviram para pensar o Brasil e sugerir ações concretas para adequá-lo à civilização. A

renovação nas instituições da monarquia acabaria por colocar o país no nível das cidades

européias e daria ênfase à questão da nacionalidade, que ganhava espaço no panorama

europeu com os Estados-nações, e a visão de uma nova identidade brasileira através da crítica

aos conhecimentos estrangeiros que mascaravam situações conflitantes nas relações sociais.

Para que o Brasil progredisse era necessário que o sentimento nacional fosse sólido.

“Esta não é a República dos nossos sonhos”, era a frase que expressava o estado de

espírito de um grupo que se entregava confiante aos ideais republicanos e se sentia frustrado e

desesperançado diante dos caminhos tomados pela República. Para os membros desse grupo,

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o advento republicano traria a justiça, a liberdade, o civismo, a competência administrativa, a

liberdade de expressão, a autonomia local, a democracia. Porém, a República que veio

frustrou seus sonhos. A esse espírito desencantado participavam autores como Machado de

Assis, Gonzaga Duque e Lima Barreto.Este último utilizava o espaço nas crônicas dos jornais

para fazer críticas à política republicana:

A república, trazendo à tona dos poderes públicos, a bôrra do Brasil, transformou completamente os nossos costumes administrativos e todos os ‘arrivistas’ se fizeram políticos para enriquecer (...). A república no Brasil é o regímen da corrupção (...). ‘Comem’ os juristas, ‘comem’ os filósofos, ‘comem’ os médicos, ‘comem’ os advogados, ‘comem os poetas, ‘comem’ os romancistas, ‘ comem’ os engenheiros, ‘comem’ os jornalistas: o Brasil é uma vasta ‘comilança’ (...). Foi o novo regímen que deu tão nojenta feição para os seus homens públicos. (BARRETO, 1956, p. 78)

Nesse período, ocorrem transformações no modo de vida do país, principalmente no

Rio de Janeiro, recebendo não só influências de novas idéias, como também capitais

estrangeiros. A meta era transformar o Rio de Janeiro no maior centro cosmopolita da nação,

em estreita relação com a produção e o comércio europeu. Somente oferecendo ao mundo

uma imagem de credibilidade seria viável captar para o Brasil recursos que dariam ao país o

conforto e a prosperidade alcançados pelo mundo ocidental: “na capital federal operava-se a

construção de um novo padrão de prestígio social”. (OLIVEIRA, 1990, p. 112).

Tais mudanças também repercutiram na figura dos letrados brasileiros. Aquele erudito,

imerso na produção de seus versos líricos em letra cursiva, envolto pela opaca luz de vela,

debruçado sobre vários papéis e caneta de pena, deu lugar a um escritor inserido no novo

cenário urbano. A claridade da luz elétrica e a máquina de escrever, símbolos da

modernidade, passaram a fazer parte de sua inspiração, que agora vinha através de um registro

mecânico.

A Revista Fon-Fon de 8 de junho de 1907 representou através da caricatura (figura 18)

essas transformações por que passou a técnica literária na virada do século XIX:

Figura 18 - Posições intelectuais: ontem e hoje. Revista Fon-Fon, junho / 1907

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Na segunda metade do século XIX, a idéia de progresso ganha novas definições

embaladas pelo grande desenvolvimento tecnológico verificado com a Segunda Revolução

Industrial e passa, cada vez mais, a caracterizar-se como desenvolvimento do progresso

técnico, da tecnologia, da industrialização e de todo desenvolvimento material daí decorrente.

Com os investimentos estrangeiros, os administradores da cidade puderam idealizar os

primeiros monumentos voltados à sagração de seu triunfo e de seus ideais. O primeiro deles

ocorreu em 1904 com a inauguração da Avenida Central e a reforma do cais do porto. O

segundo, a Exposição Nacional do Rio de Janeiro (1908) trouxe a glorificação definitiva dos

novos ideais da indústria, do progresso e das riquezas regionais. Para essa exposição

comemorou o centenário da abertura dos portos, o governo investiu enormes capitais. Todos

os estados do país construíram pavilhões. O atual bairro da Urca foi ampliado, utilizando-se a

moderna técnica do aterro hidráulico, e edifícios majestosos foram construídos. A Revista

Kósmos de julho de 1908 destacava em suas páginas a inauguração da Exposição Nacional de

1908 (figura 19) como um grande evento do progresso:

A grandiosa feira nacional, que o governo do presidente Affonso Penna organisou, sob o louvavel pretexto de comemorar o centenario d’abertura dos portos do Brasil ao commercio mundial, como um balanço da capacidade industrial, commercial e artistica do paiz.

Em fins do século XIX, as exposições internacionais eram organizadas com o objetivo

de testemunhar o progresso alcançado pelos países. Eram verdadeiros espetáculos de

exaltação ao progresso, à ciência, à técnica, à civilização. Para Walter Benjamin (1984, p. 8),

Figura 19 - Exposição Nacional de 1908, Rio de Janeiro – Gazeta de Notícias, 9/07/1908, p. 1

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que se ocupa das Exposições Internacionais num artigo sobre Paris, capital do século XIX, “as

exposições são, centros de peregrinação à mercadoria fetiche”. Nos pavilhões eram

apresentadas as grandezas nacionais, transformando o patriotismo em uma mercadoria em

exibição. As máquinas, as mercadorias eram dispostas para serem vistas, contempladas como

marco dos novos tempos e do poder de criação humana.

Foi nesse sentido que a cidade do Rio de Janeiro promoveu, a partir de 1861, as

Exposições Nacionais, entendidas como verdadeiras vitrines do progresso brasileiro. Essas

exposições procuravam mostrar ao povo brasileiro as novidades da tecnologia e aos

estrangeiros a potencialidade do nosso progresso expressa em gráficos e tabelas que

apontavam o crescimento do país e como este tinha conseguido se enquadrar nos parâmetros

de progresso proposto pelos países europeus:

A cidade do Rio de Janeiro abriga e promove, a partir de 1861, as exposições nacionais, entendidas como verdadeiras sínteses do progresso do país, ao mesmo tempo em que se constituirão em certames de cujo resultado dependerá a participação do Brasil nas grandiosas exposições universais. (NEVES, 1996, p. 18)

Outra característica dessas exposições era a monumentalidade dos pavilhões (figura

20) que apresentavam primorosos estilos arquitetônicos. As cerimônias de inauguração das

exposições agitavam as cidades e a imprensa cobria a festividade, mobilizando a opinião

pública por ocasião dos prêmios oferecidos aos melhores pavilhões.

Figura 20 - A suntuosidade dos pavilhões na Exposição de 1908 - Revista Kósmos, junho/1908

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João do Rio no livro Cinematógrafo (1909, p.281) sublinha a importância das

exposições para conhecimento das riquezas do Brasil e assim, como vitrine, mostrar aos

visitantes os produtos fabricados (figura 21) nas indústrias brasileiras:

A Exposição vai abrir-se. É a grande amostra do Brasil. Cada estado expõe as suas riquezas naturais e os tentamens da sua indústria. O estrangeiro admirará e aproveitará, graças ao céu. O brasileiro descobrirá. E eu estou a ver o pasmo das cariocas e dos cariocas diante do ouro, das pedras, das madeiras, dos tecidos, dos aproveitamentos da natureza assombrosa, pelo homem vagaroso. Isto é do Paraná? Isto é do Amazonas? (...) Todos irão ver a Exposição, não pelo Brasil que lá está. Mas pelas diversões com que se arrebica.

O Rio de Janeiro, nos primeiros anos da República, era a maior cidade do país, devido

à sua condição de grande centro administrativo, comercial, financeiro, cultural e político. Os

editoriais dos jornais exaltavam a cidade como espelho do Brasil:

O saneamento do Rio de Janeiro é um dever de honra, é a primeira medida economica, a qual o governo e prefeitura deviam dedicar a maior somma de esforços (...) porque o mundo inteiro synthentisa o Brasil na cidade do Rio de Janeiro, e por esta é que são julgados o nosso clima, a nossa salubridade, os nossos foros do povo civilisado e o nosso credito político, economico e social. (Gazeta de Notícias, 23/7/1900, p. 1)

O nacionalismo era parte integrante do sentimento de otimismo observado nos

primórdios da República: “capital política e administrativa, estava em condições de ser

também, pelo menos em tese, o melhor terreno para o desenvolvimento da cidadania”

(CARVALHO, 1987, p.13). Sede da jovem República, o Rio de Janeiro seria “a vitrine do

progresso” onde se abrigariam as mostras da arquitetura art nouveau, as avenidas mais largas

para o trânsito dos novos automóveis, depois das reformas de Pereira Passos, e a iluminação

elétrica para dar o toque final na decoração. As idéias modernas eram apresentadas e

difundidas pelos grupos letrados.

A tentativa de fazer do Rio de Janeiro uma cidade européia foi descrita pelo escritor

Lima Barreto, em crônica publicada na Revista Careta, em 1921: “Vê-se bem que a principal

preocupação do atual governador do Rio de Janeiro é dividi-lo em duas cidades: uma será a

européia e a outra a indígena”.

Figura 21 - Produto apresentado na Exposição Nacional de 1908 - Gazeta de Notícias, 28/06/1909 p. 5

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A virada do século trouxe novas tecnologias e maior sofisticação ao mercado literário e

cultural, marcado pela ascensão de um “novo jornalismo”. As modernas técnicas de

impressão e edição baratearam o jornal, cujo consumo se tornava obrigatório entre as camadas

urbanas. As mudanças no cenário da cidade do Rio de Janeiro passaram a ser o tema principal

dos grandes periódicos da época.

Nas revistas ilustradas, através das seções de humor, de crítica literária, de promoção de

figurões da política e das letras, de promoção de contos, os editoriais são escritos fazendo

referências às novidades (figura 22). As grandes revistas: Kósmos, Rua do Ouvidor, Fon-Fon,

Careta, a Revista da Semana, recorrem à fotografia, à ilustração, à litografia, como recursos

publicitários. A proposta de “ser moderno” está presente em quase todos os editoriais.

Segundo Flora Sussekind (1987, p. 29), "a configuração de um horizonte técnico moderno

trouxe transformações na forma literária". As novas formas de impressão e divulgação dos

textos literários solicitaram mudanças significativas nas formas de percepção dos habitantes

da capital.

Além das epidemias, o déficit habitacional, a deficiência dos serviços de abastecimento

de água e esgoto, a precariedade dos transportes públicos, a utilização das praias como

depósito de lixo, compunham o quadro urbanístico do Rio de Janeiro.

Figura 22 - As maravilhas do progresso - Gazeta de Notícias, 4 de abril de 1909, p. 2

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No início do século XX, o governo de Rodrigues Alves (1902-1906) enveredou por um

programa intensivo de obras públicas, financiadas por recursos externos, buscando a

recuperação das finanças e a imagem do Brasil no exterior. Programa este que defendia, como

fundamental, a reforma do porto como meio de atrair a imigração, o capital, e o comércio

europeu. Tal programa transformou-se em bandeira de seu governo. Definindo com clareza

seu projeto: “Meu programa de governo vai ser muito simples. Vou limitar-me quase

exclusivamente a duas coisas: o saneamento e o melhoramento do porto do Rio de Janeiro”

(Nosso Século, 1980, v. 1).

Um de seus primeiros atos foi a nomeação de Pereira Passos32 como prefeito do

Distrito Federal, encarregando-o de implementar o aspecto urbanístico de sua política. Pereira

Passos tomou posse em 30/12/1902, recebendo o governo municipal das mãos do Coronel

Leite Ribeiro. Um dia antes, 29/12/1902, fora promulgado o decreto federal que suspendia por

seis meses o Conselho Municipal e delegava poderes irrestritos ao prefeito para que pudesse

legislar criando decretos e ações sem o consentimento do legislativo municipal. Nos jornais,

as forças de oposição reagiram à nomeação de um prefeito com poderes tão arbitrários e

acusavam o governo de instaurar uma ditadura na capital. O jornal O Paiz afirmava:

O Sr. Dr. Rodrigues Alves resolveu dar ao prefeito a qualidade de dictador para embellezar e sanear o Rio de Janeiro, e o Congresso está como sempre, na lógica do seu incondicionismo, disposto a approvar o projecto que consagra esse arbítrio (...) é necessário avaliar da sua oportunidade e dos recursos de que dispomos para fazer frente aos encargos assumidos para a sua execução. (O Paiz, 5/08/1903, p. 1)

As medidas adotadas para a realização de um programa de embelezamento e

saneamento da cidade garantiam uma maior intervenção do Estado na vida dos habitantes e

implicava um aumento na carga tributária com o endividamento no exterior à base do

sacrifício do contribuinte. O cronista Gil Vidal na coluna do Correio da Manhã opina a

respeito dos gastos governamentais para concretização dessas reformas:

O bom senso dos que têm a responsabilidade da direcção da Republica, tem o dever de adiar para melhores tempos as obras deslumbrantes que se planejam sob o pretexto de melhoramentos (...) A triste situação em que nos debatemos é incompatível com as obras colossaes de embellezamento que a fantasia arrojada traçou no papel sem se preocupar com as difficuldades e com os innumeros e pesados sacrificios que ellas impoem (...) Nestas circunstancias devem ser adiados todos os gastos e obras que não forem impostos pela mais rigorosa e absoluta necessidade. (Correio da Manhã, 30/07/1903)

32 Francisco Pereira Passos nasceu em 29/08/1836 na cidade de São João do Príncipe no Vale do Paraíba, no Rio de Janeiro. Ingressou na carreira diplomática sendo nomeado adido à ligação brasileira em Paris (1857), onde estabeleceu conhecimento com os engenheiros da École des Ponts et Chaussées, dedicando-se ao estudo de arquitetura, construção de portos, hidraúlica. Retornando ao Brasil (1860) dedicou-se às construções ferroviárias que se expandiam no país. Fez parte da Comissão de Melhoramentos da Cidade do Rio de Janeiro (1874) e ocupou vários cargos nos principais órgãos governamentais, com a função de “resolver e orientar toda e qualquer obra de engenharia no país”. Ver BENCHIMOL, Jaime Larry. Pereira Passos: um Haussmann tropical: a renovação urbana na cidade do Rio de Janeiro no início do século XX. Rio de Janeiro: Secretaria Municipal de Cultura, Turismo e Esportes; Departamento Geral de Documentação e Informação Cultural, 1992.

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Luiz Edmundo (1983, p.25-47) comentava as novidades oriundas do progresso e a

grande atuação de Passos na renovação da cidade:

O brasileiro, cheio da maior ansiedade pelo progresso existente nas grandes cidades européias (...) prevê, para dentro de pouco tempo, transformações que, de tão grandes, espantarão a toda gente. O bonde surge em 1868, a República em 89 e, finalmente, Passos, o gênio reformador da cidade e dos nossos costumes, em 1903 (...).

Na capital da República tudo o que estivesse relacionado à memória colonial deveria

ser esquecido, porque se associava ao atraso. Era uma nova memória que os administradores

da cidade do Rio de Janeiro, por meio da grande reforma, queriam fazer valer a partir daquele

momento: uma memória nacional, moderna e vista como civilizada e progressista. A cidade

começou a viver para um imprevisível amanhã e deixou de viver para o ontem nostálgico e

identificador. Para os moradores da capital a nova experiência cotidiana foi a de

estranhamento, uma cidade estrangeira. Os habitantes perdiam suas referências de tempo e

espaço e o próprio reconhecimento de sua identidade. João do Rio em sua crônica na Gazeta

de Notícias (16/02/1908, p. 5) menciona a mudança do Velho Mercado e como a desolação

das casas fechadas causava ao autor um sentimento de perda afetiva:

A mudança! Nada mais inquietante do que a mudança – porque leva a gente amarrada essa esperança, essa tortura vaga que é a saudade (...). Era uma operação de cirurgia urbana, era para modificar completamente o Rio de outrora, a mobilisação do proprio estomago da cidade para outro local. Que nos resta mais do velho Rio antigo, tão curioso e tão característico? (...) O progresso, a hygiene, o confortavel nivelam almas, gostos, costumes (...)

O Jornal do Brasil, acerca da inauguração da Avenida Central também pontuava essa

perda: “Foi essa a grande festa de hontem. Quanto dos que por alli passavam não estiveram

ligados a um pedacinho daquelle sólo, trechos da sua vida íntima, locados de sua história,

horas e horas felizes (...)”. (Jornal do Brasil, 8/09/1904, p. 3)

No processo de remodelação e saneamento do Rio de Janeiro foram executadas várias

obras modernistas. A cidade transformou-se num grande canteiro de obras. Tudo mudava. As

ruas eram alargadas, novos prédios surgiam formando verdadeiras galerias de luxo e

ostentação. Lima Barreto, satirizando o que acontecia com a cidade, com relação às reformas,

inventa a “República dos Estados Unidos da Brunzundanga”:

Eis a Brunzundanga, tormando dinheiro emprestado, para pôr as velhas casas da sua capital abaixo. De uma hora para outra, a antiga cidade desapareceu e outra surgiu como se fosse obtida por uma mutação de teatro. Havia mesmo na cousa muito de cenografia. (BARRETO, 1956, p. 106).

Para os idealizadores da reforma, a nova cidade a se implantar no Rio deveria se

assemelhar a Paris em sua grandiosidade e belezas. “Os elegantes magazines, os floridos

jardins deveriam moldar a imagem do novo Rio, não mais identificado com suas tradições,

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com sua história, mas com as grandes civilizações européias”. (PECHMAN, 1984, p.176).

Viveu-se o espírito francês da Belle Époque que teve seu auge na primeira década do século.

O brilho republicano expressou-se em fórmulas européias, especialmente parisienses. A

imagem refletida aos olhos dos europeus era de um Brasil europeizado, civilizado.

A grande obra do governo Passos foi à construção da Avenida Central, artéria da

cidade, planejada com objetivos que ultrapassavam as necessidades estritamente viárias. Para

Needell (1993, p. 60), “ela foi concebida como uma proclamação, quando, em 1910, seus

edifícios ficaram prontos, e o conceito da avenida se completou, uma magnífica paisagem

urbana passou a embelezar o Rio”. Sua suntuosidade era acentuada pelas fachadas em

arquitetura eclética, oferecendo um cenário para o desfile ostensivo da nova sociedade e

promovendo o consumo nas grandes lojas abertas na avenida:

Olavo Bilac, em crônica na Gazeta de Notícias de 6 de dezembro de 1906, aplaudiu

com entusiasmo as reformas da cidade e, em especial, a construção da Avenida Central:

É verdade, sim! Daqui a poucos dias, o primeiro golpe de picareta, na Prainha ou no Boqueirão do Passeio, entoará a primeira nota do hymno triumphal. E não teremos de viver muito, para ver terminada essa obra de salvação nacional; a limpeza, o arejamento, a regeneração da grande cidade operosa e honrada...

A importância da Avenida Central como uma das mais importantes reformas foi citada:

Para os que meditam (...) sobre o passado e futuro da Pátria, a abertura dessa rua é de um alcance extraordinário, não só para o engrandecimento material desta cidade, como para o seu engrandecimento moral. E como o Rio de Janeiro é o centro do progresso e da civilização brasileira, e como é por ele que se julga todo o Brasil, a Avenida Central, representando conforto, higiene, opulência, há convencer aos que jamais vieram e só ajuízam do que somos não raro por informações errôneas ou ditadas pelo despeito, que o Brasil não é aquilo que lhe disseram (...). (O Paiz, 27/05/1903)

As reformas implantadas na capital foram descritas em alguns jornais estrangeiros e

teve divulgação através da conferência realizada no edifício do Etudes Coloniales da

Universidade Comercial da Antuerpia. O orador mostrou, através de fotografias, a rápida

transformação da antiga cidade, o traçado da nova Avenida Central que atravessava a cidade

de lado a lado, os soberbos prédios “que farão dentro em pouco o Rio rivalizar com as

maiores cidades do mundo”. (Gazeta de Notícias, 26/02/1908, p. 2)

Os jornais cariocas da época revelavam em suas páginas a grandiosidade do projeto

político: a remodelação da capital. Essas transformações tinham como objetivo trazer

credibilidade e colocar o país no rol dos países modernos. A imprensa colaborou bastante na

divulgação desse discurso modernizador.

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3.2 A renovação urbana na leitura dos periódicos Gazeta de Notícias, Revista Kósmos,

Revista Fon-Fon

O cronista, Eu gosto de catar, o mínimo e o escondido. Onde ninguém mete o nariz, aí entra o meu, Com a curiosidade estreita e aguda que descobre o encoberto. Machado de Assis.33

Através de crônicas editadas nos vários periódicos da época, Machado de Assis e

outros literatos buscaram narrar o cotidiano do Rio de Janeiro e das pessoas, comentando

fatos da vida urbana e ajudando a construir a memória da cidade e determinando identidades

de uma geração. Para Luis Edmundo (1975, p. 247), a crônica rompia "as quatro paredes de

um gabinete tranqüilo, para buscar diretamente na rua, na vida agitada o seu interesse

literário, jornalístico e humano”. Elas tornam-se “registro dos acontecimentos da cidade, a

história da vida da cidade, a cidade feita letra" (PORTELA, 1977, p. 85). Desse modo,

passaram a refletir em suas linhas as mudanças que ocorriam no país com o alvorecer da

República.

Como já se disse essas transformações traziam novos olhares sobre o país; a cidade

cosmopolita ganhava um novo espaço nos editoriais dos jornais e revistas. Intelectuais,

acadêmicos, jornalistas, escritores, tiveram participação ativa na consolidação do projeto que

buscava modernizar a estrutura social e política do país. Alguns passaram a ocupar posições

de destaque nas esferas privadas e públicas. Rio Branco, ministro das Relações Exteriores,

procurou preencher as dependências do Itamaraty, e mesmo de setores paralelos da

administração, de letrados respeitáveis. Os cargos iam desde os simples empregos

burocráticos até os de representação nas comissões e delegações diplomáticas. Na maioria das

vezes, a contratação dos profissionais era feita não pela capacidade intelectual ou operacional,

mas sim pelos laços de amizade ou grau de parentescos.34

Nesse período, a imprensa conquistava grandes espaços no dia-a-dia da cidade com o

aprimoramento das técnicas de impressão, uso das fotografias e de ilustrações mais modernas

utilizadas no exterior. Os jornais e as revistas ganhavam páginas coloridas e abriam espaços

para que alguns literatos escrevessem, recebendo remuneração, conforme afirma por Sérgio

Micelli (2001, p. 435):

O Jornal do Comércio pagava trinta, cinquenta e até sessenta mil-réis pela colaboração literária, o mesmo fazia o Correio da Manhã; em 1907, Bilac e Medeiros de Albuquerque recebiam salários pelas crônicas que publicavam.

33 Citação In: MATOS, 1939,p.315 34 Conforme descrito no capítulo II deste trabalho, o nepotismo perpetuava-se como prática nos atos governamentais.

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O jornalismo literário dividia a intelectualidade da época entre os que aplaudiam o

jornalismo como uma escola e o meio de comunicação mais fácil e os críticos que

condenavam a literatura de jornal. Olavo Bilac pontua essa controvérsia e situa o lugar do

livro no panorama literário da época:

O jornalismo é para todo escritor brasileiro um grande bem. É mesmo o único meio do escritor se fazer ler. O meio de ação nos falharia absolutamente se não fosse o jornal – porque o livro ainda não é coisa que se compre no Brasil como uma necessidade”. (BILAC apud MACHADO NETO, 1973, p. 88)

João do Rio35 preocupado também com essa polêmica lançou em sua coluna na Gazeta

de Notícias (1/04/1905, p. 3) um inquérito direcionado aos escritos acerca da seguinte

questão: O jornalismo é um fator bom ou mau para a arte literária? Para o escritor:

O jornalismo não prejudica em nada a nossa litteratura. O que prejudica é a falta de instrucção. Sem publico que leia, a vida litteraria é impossivel. O jornal faz até a preparação desse publico. Os que têm gosto e tempo começam por ahi e passam para os livros. Em nenhum paiz de grande litteratura deixa de haver grande jornalismo. Sem este, aquella é impossivel.

Em resposta a João do Rio sobre a influência do jornalismo na literatura, Padre Severino de

Rezende, jornalista, respondeu:

O jornalismo no Brasil é bom e máo. No estado actual da nossa cultura, é o jornal que se lê mais, e não o livro (...). Nem a revista, nem o folheto preenchem a funcção do jornal, que é o que todos lêm. O poeta ou o prosador que quizer vêr a sua obra passar de cousa escripta a cousa impressa tem que se submetter ao jornal (...). Entretanto, par quem vive disto, de escrever para a imprensa, não há nada peior, como meio esterilisante e dispersivo. Esterilisante, porque trabalho au jour le jour esgotta as forças desorientadas e exhaure o tempo desmethodisado; dispersivo, porque não admitte a reflexão, a concentração da idéa, o apuro e o esmero da forma, que é a ambição de todo artista. (JOÃO, 1994, p. 134)

Nos periódicos da época, escreviam os escritores mais representativos e consagrados

com seus poemas, romances, contos, folhetins. Olavo Bilac na crônica pelo aniversário da

Gazeta de Notícias escreveu a respeito das sociabilidades e do reconhecimento que tal lugar

ocupava na vida dos literatos. Era a idealização de um escritor em participar do corpo

editorial de um grande jornal:

O aniversário da Gazeta vem lembrar-me o tempo em que desconhecido e feliz, eu parava muitas vezes alli defronte, naquella feia esquina da travessa do Ouvidor, e ficava a namorar, estas duas portas do ouro da fama e da glória (...) escrever na Gazeta! Ser collaborador da Gazeta! Ser da casa, estar ao lado da gente illustre que lhe dava brilho! – que sonho!”. Não era, pois o desejo de ganhar dinheiro que me impelia para a Gazeta (...) Mas os cortejadores íntimos, os convidados freqüentes, os colaboradores regulares – que invejáveis! (...) Eram Eça de Queiroz, Machado de Assis, Ramalho Ortigão (...) Quando as minhas mãos abriam a Gazeta (...) eu imaginava tocar um ídolo (...). (Gazeta de Notícias, 2/08/1903, p. 1)

35 João Paulo Alberto Coelho Barreto (1881 - 1921), o João do Rio, é, em sua literatura o “homem na multidão”, o leitor da ecologia urbana, como Baudelaire e Edgar Poe o foram nas cidades de Paris e Londres. O Rio de Janeiro do início do século XX era “a sua matéria, o seu assunto permanente, o seu mundo literário. Ninguém entendia o Rio sem ler o João”, aponta Antônio Edmilson, no livro João do Rio: o olhar de flâneur na belle époque tropical. (2000, p. 36).

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O jornal Gazeta de Notícias36 foi fundado em 2 de agosto de 1875 pelo jornalista

Ferreira de Araújo. Com a virada do século e a chegada de novas tecnologias de impressão,

tornou-se um dos grandes periódicos da época. Foi o jornal que inaugurou a entrevista, a

reportagem fotográfica, a caricatura diária. Em suas páginas era dado destaque à literatura e às

informações nacionais e estrangeiras. Publicou alguns romances nacionais em fascículos,

como O ateneu de Raul Pompéia. A edição era semanal, de 8 a 20 páginas, tendo um

suplemento em francês para os seus leitores estrangeiros. Seu edifício ficava na rua do

Ouvidor, local onde se concentrava a vida cosmopolita da cidade. Machado de Assis, no livro

A Semana (1937, p. 342), onde foram reunidas várias de suas crônicas, descreve o dia-a-dia da

Gazeta de Notícias na capital:

Tudo mudou. Os meninos com a Gazeta debaixo do braço e o pregão na boca, espalhavam-se por essas ruas, berrando a notícia, o anúncio, a pilhéria, a crítica, a vida em suma, tudo por dous vinténs escassos. A folha era pequena: a mocidade do texto é que era infinita...A leitura impôs-se, a folha cresceu, barbou, fez-se homem, pôs casa; toda a imprensa mudou de jeito e aspecto.

Além de Olavo Bilac, outros literatos escreveram na Gazeta de Notícias, tais como:

Aluisio Azevedo, Coelho Netto, Júlia Lopes de Almeida, Medeiros e Albuquerque, Ramalho

Ortigão. Uma coluna de destaque era Binóculo, de Figueiredo Pimentel, que com esse nome

procurava criar a ilusão de ver de perto o que estava distante. Assim, as transformações da

cidade não deviam ser vistas apenas enquanto empreendimento, mas também pelo viés da

comunicação simbólica. O escritor escrevia sobre as modas, o mundo smart, a elegância

carioca: “O Rio de Janeiro é hoje uma cidade lindissima, immensamente povoada, rivalisando

com as maiores cidades do mundo” (Gazeta de Notícias, 27/02/1909, p. 3). Ele saudou as

reformas da cidade, celebrizando-se com a frase O Rio Civiliza-se que lançou em uma de suas

crônicas:

Foi-se, a cidade, aos poucos transformando novas correntes imigratórias para cá se orientaram (...) aumentando, de modo considerável, a nossa população e, sobretudo, enormemente diminuindo o número de pretos (...). Transformações até de usos e costumes (...) Mudamos tudo, chegando até o ponto de mudar, por completo, a nossa mentalidade, peada por longos anos casmurrice e de rotina. Razão, portanto, havia quando (...) as gazetas da terra (...) gritavam o Rio civiliza-se! Civiliza-se, com efeito! O Progresso, que havia muitos nos rondava a porta sem licença de entrar, foi recebido alegremente. (EDMUNDO apud NEEDELL, p. 72)

Essa nova imagem projetada por Pimentel associa-se à proposta de um Rio de Janeiro

que deveria monumentalizar sua civilização e modernidade. A imagem a ser divulgada era

36 Segundo dados da Coordenadoria de Publicações Seriados da Biblioteca Nacional, a Gazeta de Notícias circulou até o ano de 1999, com interrupção nos anos de 1977 a 1983.

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para ser vista e sentida, o que também se relaciona com a monumentalidade do novo prédio da

Biblioteca Nacional.

Outra coluna de destaque era Cinematógrafo, de João do Rio. Era composta de cinco

crônicas, referentes aos cinco dias da semana, abordando fatos que aconteciam na cidade:

enchentes, epidemias, corrupções políticas e outros. A exemplos dos cinematógrafos que

existiam na cidade, a cada semana o cronista apresentava uma fita composta de fatos da vida

da cidade: “Homus cinematographicus, somos uma delirante sucessão de fitas

cinematográficas. Em meia hora de sessão tem-se um espetáculo multiforme e assustador cujo

título geral é: - Precisamos acabar de pressa.” (JOÃO, 1909, p. 386)

Os cinematógrafos, ao lado das novas linhas de bondes e da movimentação de carros,

tornaram-se um acontecimento na vida social da cidade, como ponto de diversão aos quais as

pessoas iam para assistir aos filmes estrangeiros de sucesso e exibir os últimos lançamentos

da moda européia. Para João do Rio, os cinematógrafos eram um dos sete prazeres dos

moradores da cidade: “O Rio tem 7 prazeres: o bicho, o maxixe, a vissi d’arte, os meetings da

oposição, a política, a propaganda (...) e os cinematógrafos. (Gazeta de Notícias, 29/7/1907).

Acerca desse novo atrativo na cidade, a Revista Fon-Fon de junho de 1914 descreveu em sua

página:

O Rio é a cidade dos cinematographos. É divertido parar a gente a vêr a variedade e o pittoresco das physionomias que entram e sahem, alegres ou bisonhas umas solemnes e graves outras, todas mais ou menos com esse ar papalvo e inexpressivo dos que se divertem. As portas das casas que exhibem fitas, formigam eternamente de uma multidão ávida, inquieta (...) o cinematographo é a única couza intelligente (...) Ainda há dias eu vi um filme por Napierkowska37, e aquella figura extrnha, ondulante, encheu de belleza a minha semana.

Nos periódicos, as notícias destacavam a moda e o cotidiano das cidades européias.

Paris exercia um grande fascínio no Brasil, ainda mais na Belle Époque, onde havia uma

valorização dos ideais franceses como símbolo da modernidade. Ser moderno era identificado

como ser civilizado, cosmopolita, ou seja, estar atualizado com o mundo O centro urbano era

visto como pólo da cultura e fermentação de novas idéias. O Rio elegante e mundano fazia

surgir a figura do flâneur que passava pelas ruas e casas de diversão da cidade e descreve seus

tipos mais diferenciados.

A rua aparece como tema das crônicas de Lima Barreto, João do Rio, Benjamin

Costallat, escritores que buscaram no dia-a-dia das ruas o foco de suas inspirações. Walter

Benjamin procurou interpretar a modernização de Paris através de suas ruas e tipos, tendo

como referência a poética de Baudelaire. Dentre os inúmeros temas extraídos por Benjamin

37 Stacia Napierkowska atriz do filme francês Les vampires.

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da poesia baudelairiana, aquele que vai interessar particularmente ao autor é o fenômeno das

multidões urbanas vivido pelo poeta através da figura do flâneur. Esse busca asilo na

multidão: “A multidão é um véu através do qual a cidade habitual dá uma piscada para o

flâneur como uma fantasmagoria” (BENJAMIN, 1984, p. 10). O instigante para o flâuner é

pensar a cidade andando por suas ruas, sentir o contato com os tipos mais exóticos.

No livro Passagens, Benjamin pontua que, para se compreender a figura do flâneur,

deve-se refletir sobre a importância das “Passagens” no cenário da modernidade parisiense,

uma vez que representa o sonho coletivo vivido pelos habitantes de Paris. As passagens

parisienses multiplicaram-se devido ao comércio têxtil que fez aparecer os primeiros

estabelecimentos comerciais constituídos de vários artigos de consumo e as construções de

monumentos revestidos de ferro e vidro. Esse novo cenário repleto de glamour e luzes

fizeram surgir galerias onde eram exibidos os prédios e as lojas mais elegantes a Paris do

século XIX. Para Benjamin, as "Passagens de Paris" são o cenário onde se apresenta o drama

da modernidade e retrata um mundo em miniatura, um lugar simbólico onde a flânerie

encontra seu espaço.

Reportando ao cenário da Belle Époque carioca temos, no primeiro momento, a rua do

Ouvidor formada por uma galeria de lojas de artigos finos, casas de chás, identificada como

símbolo da modernidade. E, no segundo, com a construção da Avenida Central, o foco

redirecionado para essa nova avenida, que além de lojas glamourosas, abriu pistas largas para

escoamento do trânsito, praças com jardins, construção de prédios luxuosos que passaram a

ser admirados como vitrines do progresso e da modernidade.

A respeito dessa mudança, Benjamin (2006, p. 162) menciona: “Em Paris... elas se

extinguem, cheirando a mofo, as passagens que estiveram tanto tempo na moda. As passagens

morrem. Fecha-se uma de tempos e tempos (...)”.

Em João do Rio, a figura do flâuner encontrou espaço no cenário de modernização da

cidade e fez-se presente em seus escritos e discursos. O escritor, numa conferência no

Instituto de Música, iniciou a explanação falando do seu sentimento sobre a rua: “Eu amo a

rua! A rua é um factor de vida das cidades, a rua tem alma”. E para conhecer a rua, e

vivenciar todas as experiências por ela transmitida, é necessário caminhar por ela admirando

cada esquina, cada pessoa:

É preciso ser flâneur, praticar o mais interessante dos sports, a arte de flanar (...). Flanar é ser vagabundo e reflectir, é ser basbaque e commentar, é ter o virus da abservação flanar, é ir por ahi, de manhã, de dia, de noite, é metter-se nas rodas da população...(Gazeta de Notícias, 29/10/1905, p. 5)

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A cidade passou, também, a ser o grande tema nas revistas ilustradas, através das

charges, dos desenhos cômicos (figura 23), da crítica literária, da fotografia, da promoção de

personalidades da política e das letras, da promoção de contos. O humor ganhou destaque nos

editoriais que, para Mônica Velloso (1996, p. 41), "é um dos sinais mais expressivos da

modernidade carioca, pelo seu caráter de impacto, condensação de formas, ilustração do

cotidiano e agilidade na comunicação". São encontradas: A Semana, Kósmos, a Rua do

Ouvidor, Fon-Fon, Careta etc, que procuravam levar ao leitor a utopia urbana construída em

torno da cidade, uma cidade moderna e civilizada. Assim, os periódicos cariocas, na virada do

século, buscavam incorporar o ritmo da cidade, suas expectativas e representações como

temáticas nas suas colunas: “As revistas tenderam a assumir importância crescente como

fonte de informação, atualização e incentivo à polêmica. A revista iria ocupar um espaço

específico no campo intelectual, caracterizando-se como obra em movimento” (VELLOSO,

1996, p. 56).

Figura 23 - Eu, cá por mim, sou de opinião que a avenida passe lá por casa. - Por que? - Porque, passando lá por casa, a casa vai abaixo, e como ando atrazado nos alugueis... (Revista O Malho, 13/06/1903)

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Uma das revistas que possuía em suas páginas esse caráter humorístico era a Revista

Fon-Fon, que circulou no Rio de Janeiro de abril de 1907 a agosto de 195838. Um

"semanário alegre, político, critico e esfuziante", conforme figurava no primeiro número.

Era de formato pequeno, publicava vasto material fotográfico e uma desenvolvida seção de

modas e estilos. O nome dado à revista, Fon-Fon, é uma onomatopéia do barulho feito pela

buzinas dos automóveis, um ruído novo, moderno, marca de progresso na cidade. Seu

personagem símbolo é um “chauffeur" (figura 25) identificado com a modernidade e o

mundanismo, característicos da época:

Quando Fon-Fon appareceu, a nossa Rua começava a se civilisar (...). A voz avisadora das sereias de automóveis, tinha uma mesma toada, docemente preventiva: - Fon! fon! fon! fon! Depois, a Rua cresceu, desenvolveu-se, augmentou, educou-se a moderna. E Fon-Fon ! acompanhou-lhe os passos, estimulou-se continuou a amal-a. (Revista Fon-Fon, 11/04/1914)

38 Dados fornecidos pela Coordenadoria de Publicações Seriadas da Fundação Biblioteca Nacional

Figura 24 - Desenho satirizando a maneira como os transeuntes tinham que caminhar pela Avenida Central durante o período da construção. Gazeta de Notícias, 14/01/1904.

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Figura 25 - "Chauffeur" - símbolo da Revista Fon-Fon

Nas suas páginas escreveram intelectuais (Lima Barreto, Emílio de Menezes, Olegário

Mariano, Eduardo Guimarães), célebres ilustradores e caricaturistas como: J. Carlos, Di

Cavalcanti, Raul Pederneiras e Raul Kalixto. O reconhecimento do trabalho dos caricaturistas

foi demonstrado por Lima Barreto (1953, p. 131) ao definir o caricaturista como “desenhista

comentador da vida, da política, dos autores de seu país”.

Procurando acompanhar o novo ritmo da cidade e as mudanças promovidas nas

relações pessoais e sociais que determinavam uma nova leitura dessa cidade que se formava,

cronistas da revista escreviam discursos de apoio às medidas reformadoras implementadas:

No meio dos melhoramentos por que tem passado O Rio de Janeiro (...) conservam-se ainda mazellas da antiga capital pouco asseiada e infectada. Ainda estão ahi os immundos kiosques de café e bebidas, a escorrerem aguas sujas, rodeados de gente descalça (...). N’uma cidade como a nossa actualmente, orgulhosa de suas Avenidas Central e Beira-Mar e de seus magestosos edificios (...) a prefeitura poderia attender um pouco a esthetica de nossas ruas. (Revista Fon-Fon, 26/06/1909)

Esses discursos tinham como interesse valorizar a estética das ruas, que já não

comportavam no projeto de modernidade da cidade, imagem associada a uma capital de

aspecto colonial, doente, sujo e repleto de quiosques (figura 26). O Rio de Janeiro antigo

cedeu lugar à cidade maravilhosa, moderna, aberta aos imigrantes, ao capital estrangeiro. O

que se pretendia era uma cidade moderna, composta de suntuosos prédios, grandes magazines.

Uma imagem para ser admirada. Nesse sentido, o novo prédio da Biblioteca Nacional

contribuiu para tal objetivo.

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Figura 26 - Demolição dos quiosques. Revista Fon-Fon 18/11/1908

Com respeito à inauguração do novo prédio da Biblioteca Nacional (figura 27), a

Revista Fon-Fon dedicou páginas de seu espaço editorial para saudar a grande obra:

“O novo edifício da Avenida Central não é somente um dos mais bellos construídos pela engenharia moderna, mas também dos mais perfeitos e completos para o fim a que foi destinado”. (Revista Fon-Fon, 4/11/1911)

Figura 27 - O novo prédio da Biblioteca Nacional. Revista Fon-Fon, novembro / 1911

Através dessa imagem estampada em sua página, a revista traduz a monumentalidade

do prédio e o seu destaque na nova paisagem urbana idealizada pelos administradores das

reformas. O novo prédio da Biblioteca Nacional representava a estética moderna nas ruas da

capital.

Não foi à-toa, que o estado de precariedade do prédio da Biblioteca Nacional na rua do

Passeio ganhava espaço em vários jornais da cidade, onde era alertada a necessidade de

construção de um novo prédio digno para guardar tão valioso acervo, levando Manuel Cícero

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a ressaltar no discurso de inauguração, o papel da imprensa como colaboradora na luta pela

aquisição do prédio no novo cenário da cidade:

A colaboração eficaz da imprensa não lhes faltou. Seja-me permitido, como uma homenagem

à memória de Artur Azevedo, concentrar no seu nome a ação da imprensa, no nome de quem

sempre pugnou pela realização desse ideal com o entusiasmo próprio dos propagandistas

convictos. (SILVA, 1938, p 188).

Outra revista que circulou na capital foi a Kósmos, de 1904 a abril de 190939. Tinha

um diferencial das demais publicações, pois era mais refinada, toda impressa em papel

couché, incluindo tricomias, reproduções de quadros a óleo e fotografias. Com o requinte de

uma publicação estrangeira, seu valor ficava restrito a uma pequena parcela da

população.Tinha uma tiragem mensal e distribuição nas principais capitais do país. Mario

Behring40 foi seu diretor até abril de 1905, quando Jorge Schmidt assume seu lugar como

diretor proprietário. Teve como colaboradores grandes intelectuais como: Olavo Bilac, Artur

Azevedo, José Veríssimo, Coelho Neto, Capistrano de Abreu, Euclides da Cunha.

Em seu primeiro número, datado de janeiro de 1904, seus editores apresentavam a

revista aos seus leitores:

Tomando por modelo as mais notaveis publicações ilustrações européas e norte-americanas, lutando com incríveis embaraços em um meio como o nosso tão mal apparelhado para semelhantes emprezas, coagidos a reunir em nossa officinas os mais variados ramos das artes graphicas, que em mais adiantados centros constituem verdadeiras especialidades, queremos fazer das paginas de Kósmos, um artístico album das nossas bellezas naturaes, dos primores de nossos artistas, propagando o seu conhecimento a outros pontos do paiz e do estrangeiro.

A revista apoiava as reformas urbanas promovidas pelos administradores publicando

em suas páginas as grandes obras realizadas na capital e em outras cidades brasileiras.

Divulgam fotografias de inaugurações de estradas, teatros, prédios públicos, que mostravam

as melhorias realizadas no país. Olavo Bilac, como grande incentivador da reforma urbana,

não podia deixar de louvar os melhoramentos da cidade41:

39 Datas retiradas do catálogo de periódicos da Fundação Biblioteca Nacional 40 Mário Marinho de Carvalho Behring nasceu no dia 27 de janeiro de 1876 e faleceu no dia 14 de Junho de 1933. Exerceu o cargo de diretor da Biblioteca Nacional no período de 28/02/1924 a 17/11/1932 41 Para Brito Broca (1975, p.126), Olavo Bilac era um “representante da civilização e crítico do atraso urbano carioca, um perfeito porta voz da Belle Époque carioca.”

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O Brasil entrou, - e já era tempo, - em uma phase de restauração do trabalho. A hygiene, a belleza, a arte, o conforto, já encontraram quem lhes abrisse as portas d’esta terra (...) O Rio de Janeiro, principalmente, vae passar, e já está passando, por uma transformação radical. A

velha cidade, feia e suja, tem os seus dias contados.

Além das reformas, as revistas procuravam enaltecer personalidades da época como

políticos, homens letrados, engenheiros, diretores de grandes instituições, como Manuel

Cícero. Isso reforçava a imagem dos grandes administradores, destacando o seu caráter

pessoal e sua competência, sem perder, como praxis, a oportunidade de usar a sátira em seus

escritos:

Uma felicitação peregrina42 O título é justo, porque é peregrinamente que Fon-Fon vem, não só felicitar, como pedir que lavre um tento e mais se quizer, ao Sr. Peregrino, director da nossa Bibliotheca Nacional que até bem pouco parecia estar convertida em repartição, apenas, de assignatura de ponto dos respectivos funccionarios, menos bibliotheca publica. A deliberação recente do funccionamento das 10 da manhã às 10 da noite, por turmas revesadas, permittirá que o publico que já estava satisfeito de contemplar as bellezas architectonicas exteriores do edifício, possa também vêr os livros lá dentro. (Revista Fon-Fon, julho/1911)

Assim, com espaço garantido na imprensa, e tendo como porta-voz vários literatos, o

projeto de modernização da cidade chegou às ruas e às instituições da capital. A regeneração

carioca se fez presente nos monumentos (novo prédio da Biblioteca Nacional), nas idéias, na

competência administrativa. A imagem estampada traduzia a estética e o glamour da

modernidade: a cidade vitrine, a cidade do cartão-postal.

O Rio de Janeiro passou a ser uma cidade composta de instituições que expressavam,

simbolicamente, um espaço da cultura e das artes pela presença arquitetônica de seus prédios

e pela representação de seu patrimônio. As três maiores instituições culturais da cidade -

Biblioteca Nacional (1910), Escola Nacional de Belas-Artes (1908), Teatro Municipal (1909)

- ocupavam, naquele momento, um lugar privilegiado no novo cenário da capital que se

pretendia moderna e civilizada. A concretização desses prédios materializava-se dentro do

projeto de modernização idealizado pelos reformadores. A cidade ganhava uma nova imagem

para ser vista e admirada, composta de monumentos que simbolizavam a conquista do

progresso no país, e a Biblioteca Nacional ganhava destaque pela beleza de seu prédio e pelo

empreendedorismo administrativo adotado, nesse período, pelo seu diretor Manuel Cícero

Peregrino da Silva.

42 Grifo nosso.

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79

3.3 Biblioteca Nacional: ícone da modernidade

Será um monumento de aço e granito a anunciar ao mundo que o povo brasileiro sabe dar aos livros um lugar de honra na sua Capital rejuvenescida. Será como um farol a iluminar a rota da inteligência e a indicar que é seguro o porto que demandam os que têm ansia de saber. (SILVA, 1938, p. 185)

Com esse discurso, no lançamento da pedra fundamental do novo prédio da Biblioteca,

em 1905, Manuel Cícero Peregrino da Silva, diretor da Biblioteca Nacional, relatava a

necessidade da Instituição, "farol a iluminar a rota da inteligência", ocupar um lugar de

destaque na nova capital reformada. Esse lugar deveria representar a conquista da cultura, do

saber, nos novos ideais de civilidade trazida no bojo do projeto republicano.

As reformas urbanas tinham como interesse projetar a imagem de um país civilizado,

representado por instituições culturais e aparelhado para funcionar com os equipamentos

característicos da vida moderna.

Na época em que foi implantada, essa reforma urbana gerou polêmicas. Alguns

apoiavam com entusiasmo as novas medidas, enquanto outros criticavam a intervenção

maciça do governo nas diretrizes das reformas.

João do Rio, no jornal Gazeta de Notícias de 12 de janeiro de 1906, em poucas

palavras, resumia seu sentimento em relação às mudanças que estavam ocorrendo na capital

do país. Mudanças que vieram alterar a simbolologia da cidade, dando-lhe uma nova estética,

imagem dos cartões-postais, em consonância com os grandes projetos urbanísticos

implantados pelos reformadores da cidade: “As ruas morrem, e mudam dalma. Se nós

mudamos, que queres tu que ellas façam?”

Esses projetos tinham como referência os ideais haussmanianos adotados em Paris,

inaugurando um modelo de concepção de cidade baseado na racionalidade, que se traduzia

pela ênfase na estética, no projeto higiênico e sanitário e no desenvolvimento dos meios de

transportes públicos. Haussmann, prefeito de Paris, implantava uma vasta rede de bulevares

na velha cidade de modo a permitir um melhor escoamento do trânsito em linha reta pelo

centro da cidade além de inaugurar grandes lojas de departamentos. Segundo Walter

Benjamin (1984, p. 12), “as avenidas eram cobertas com um manto que era descerrado na sua

inauguração, como faziam com monumentos comemorativos”. Esse espetáculo, que misturava

construção e beleza arquitetônica fazia surgir as passagens parisienses formadas por “galerias,

cobertas de vidro e revestidas de mármore”, ponto de atração turística.

O embelezamento dos edifícios se efetivava através da iluminação e do emprego, na

arquitetura, de novos elementos construtivos, o ferro e o vidro. Como em outras cidades

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latinas, o Brasil procurou aproximar-se do modelo parisiense, utilizando o ferro e o vidro em

vários prédios em construção na cidade do Rio de Janeiro e, principalmente, no novo prédio

da Biblioteca Nacional. Manuel Cícero viajou ao exterior para a compra de mobiliários de

ferro e o teto foi revestido de vitrais coloridos.

O projeto de regeneração urbana passou a assimilar as grandes novidades tecnológicas

do exterior e a elaborar projetos de saneamento e urbanização As intervenções visando

remodelar o cenário do Rio de Janeiro foram executadas durante o governo de Rodrigues

Alves (1902 – 1906). O governo federal iniciou as obras de modernização do porto do Rio de

Janeiro, do prolongamento do canal do Mangue e da abertura de três importantes avenidas: a

Francisco Bicalho, a Rodrigues Alves e a famosa Avenida Central, atual Rio Branco, que

rasgava o coração da cidade velha, abrindo espaços nos labirintos das ruas estreitas e

sinuosas, onde morava, em casas de cômodos e cortiços, grande parte da população operária.

Foi um grande fato da época, pois era uma longa avenida, mais extensa do que a Avenida des

Champs Elysées de Paris. A Avenida Central teria uma extensão de 2.000 metros, composta

por praças em seus extremos. Possuiria 33 metros de largura, sendo 22 de leito e 5,5 para cada

passeio lateral. Os jornais da época davam cobertura ao evento, bradando com alegria as

reformas:

Foram doze mezes cheios! Tivestes novos jardins, novos calçamentos, mais vassouradas nas ruas, mais desinfecções nas casas; - e o anno que começa vai dar-te cousas ainda mais bellas e preciosas, porque vae dar-te o início das obras do teu grande caes e da tua grande avenida”. (Gazeta de Notícias, 3/01/1904, p. 2)

Com relação ao nome dado à nova avenida que atravessava a cidade do cais até a

beira-mar, a Gazeta de Notícias recebeu uma carta de um leitor indignado pelas pessoas

estarem chamando vulgarmente “Avenida Central” a gigantesca obra do Ministério. Na carta

condenava esse nome: “Que miseria, que falta de imaginação! Não, não era possível que o

Rio acceitasse aquele mostrengo.” A publicação da carta provocou uma variedade de

respostas vindas de diferentes grupos: jacobinos, conservadores, liberais, religiosos. O jornal

recebeu 207 propostas de nomes:

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A denominação mais votada foi Avenida Pedro II, com 21 votos (...) as pessoas que o propuzeram, claramente se chamavam republicanas. Era um dever de gratidão, diziam ellas. Vem em segundo logar com 16 votos, Avenida Guanabara, votos enviados quase todos pelo sexo gracioso. Em terceiro, Avenida Patria e Avenida Brasil com 10 votos. Em quarto Lauro Muller, com 8. Em quinto, Avenida da Imprensa, com 7. Em sexto, Avenida Marechal Floriano, com 5. Obtiveram 4 votos: Alvares Cabral, Tamoyos, Santos dumont, Ypiranga. Com 3 votos foi uma variedade de nomes: Dr Rodrigues Alves, Republica, Carlos Gomes (...). Dois votos foram alcançados por Ordem e Progresso, Renascença, Dr. Frontin, Luis de Camões (...). Foram lembrados por um voto os nomes de Immaculada Conceição, Ticotico,Tiradentes, Clotilde de Vaux (...). E houve quem conservasse a denominação Central.. Ahi fica apuração. O nome que se dará a Avenida, talvez saia de parte alguma. Quem nos diz a nós que não será conservado o de Avenida Central para desgosto do leitor da carta e dos que participaram do inquérito? (Gazeta de Notícias, 6/02/1905, p. 1)

Em 29 de janeiro de 1904, a Comissão Construtora da Avenida Central, formada pelo

engenheiro e ministro da Viação Lauro Müller e engenheiro-chefe Paulo de Frontin, abriu

concorrência para apresentação de fachadas que servissem de modelos a serem empregados

pelos proprietários e compradores de terrenos da nova via pública. Para incentivar e dar

destaque à figura do arquiteto, profissional de formação em estética e projetos arquitetônicos,

houve um concurso promovido pela Comissão sendo sua divulgação apresentada nos jornais:

Da ordem do Sr. ministro da indústria, viação e obras públicas foi aberto concurso para projectos de fachadas de prédios a construir-se na Avenida Central. A frente sobre a avenida poderá ser de 10, 15, 20 ou 25 metros, o número de pavimentos será no mínimo de três, sendo o terreno destinado a lojas commerciaes. (..) Os projectos deverão ser remettidos até 29 de fevereiro proximo (...) Todos os desenhos deverão ser feitos na escala de 1.50 em papel cartão. O julgamento será feito por um jury nomeado pelo ministro da indústria, viação e obras públicas e por elle nomeado. Rio de Janeiro, 27 de janeiro de 1904 – Dr. Paulode

Frontin – Engenheiro-chefe. (Gazeta de Notícias, 15/02/1904, p. 3)

Olavo Bilac, receoso que os prédios construídos ao longo da Avenida e ruas adjacentes

não tivessem estilos harmoniosos, lançou a seguinte nota na crônica de abril de 1904 da

Revista Kósmos:

O meu medo o meu grande medo, quando vi que se ia rasgar a Avenida, foi que a nova e immensa área desapropriada fosse entregue ao mau-gosto e a incompetência dos mestres-de-obras (...). O acto louvabilissimo do governo, estabelecendo leis rigorosas para as novas construções – e abrindo esse bello ‘concurso de fachadas’, cujo resultado excedeu as mais optimistas previsões.

A preocupação com as fachadas passou a ser parte fundamental dos projetos de

construção elaborados pela equipe técnica (figura 27). O que se colocava em pauta era a

questão da estética, obedecendo a todos os detalhes arquitetônicos e a nova imagem da cidade

moderna que se pretendia aos olhos dos estrangeiros.

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Os prédios construídos ao longo da Avenida Central (figura 28) eram muito mais que

uma simples obra de fachada, um embelezamento da cidade. Possuíam uma simbologia

expressa no projeto e identidade que se pretendia à cidade, através de monumentos e

instituições culturais identificados com o novo cenário. Para Angel Rama (1985, p. 53), “as

cidades criam uma linguagem simbólica e nas ruas existe um labirinto de signos”. A cidade

passou a ser vista como “vitrine do progresso”43 inserida no discurso republicano. Bastava

circular pela cidade, olhar para seus monumentos, que se podia conferir os novos ares das

reformas no espaço urbanístico. As pessoas eram seduzidas pela imagem projetada de uma

cidade idealizada, com parques e jardins floridos. Era o apogeu da estética, do gosto refinado.

Olavo Bilac dava o seu testemunho a respeito do novo cenário urbano, composto de

belos edifícios semelhantes aos construídos nas cidades européias:

A avenida está cheia de predios; e felizmente, não se justificou o único receio que ainda me affligia: - os predios novos, ao contrario do que era para temer, não são casarões formidaveis e horriveis, sem gosto e sem arte, mas palacios modernos, capazes de honrar qualquer cidade civilisada.. (Revista Kósmos, novembro, 1905)

43 Esse conceito é utilizado por Margarida de Souza Neves no livro As vitrines do progresso.

Figura 27 - Modelo de fachadas para construção de prédios na Avenida Central. Revista Kósmos, abril/1904

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A Avenida Central foi inaugurada em curto tempo. A primeira demolição foi de um

prédio na rua da Prainha, em 29 de fevereiro de 1903, e já em 8 de março de 1904, estava

sendo aberta aos transeuntes. A inauguração ocorreu no dia 15 de novembro de 1905, data da

Proclamação da República (figura 29). Chovia bastante nesse dia, mas assim mesmo teve o

comparecimento do presidente Rodrigues Alves e membros do governo. Além do entusiasmo

pela abertura da avenida, o povo estava entusiasmado com a luz elétrica que também se

inaugurava na cidade:

O Rio acordou cedo, hontem desejoso de ir a festa, foi um interrompido formigar de gente pelo centro, pelas ruas que a avenida corta (...), nos pontos havia bandeiras adejando, festões de folhagem, salpicados de flores, bandas de música, passavam galhardamente uniformizados (...) acenando como adeus ao passado, com saudação ao futuro”. (Jornal do Brasil, 8/09/1904, p. 3)

Como marca de um "novo Brasil" que surgia através das grandes obras do governo

Rodrigues Alves, foi construído à beira-mar, no final da Avenida Central, um monumento

Figurra 28 - Primeiro prédio inaugurado na Avenida Central.

Revista Kósmos, fevereiro/1905

Figura 29 - Inauguração da Avenida Central. Revista Kósmos, novembro/1905

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pela inauguração da Avenida Central (figura 30), “um vivo testemunho dessa assombrosa

transformação que em quatro annos apenas sofreu o Rio de Janeiro (...), um surto do

progresso (...), fecundos do novo Brasil”.

Com a morte do Barão de Rio Branco, em 10 de fevereiro de 1912, a Avenida Central

passou a ser chamada de Avenida Rio Branco numa homenagem aos serviços prestados pelo

diplomata ao país: “Avenida Central, portanto, nome que nada exprime porque, apenas,

indicava se tratar de uma rua localizada no centro da cidade, já não existe. O que existe agora,

bella, attrahente é a Avenida Rio Branco”. (Revista Fon-Fon, 9/03/1912)

Programas governamentais foram desenvolvidos para concretização dos novos ideais.

A reforma urbana implantada na cidade do Rio de Janeiro tinha como objetivo a

modernização da cidade e colocá-la ao nível das outras cidades latinas que passaram por essa

mesma remodelação: “a cidade moderna é como todas as cidades modernas" (JOÃO, 1909, p.

214). A equipe política da cidade não encontrava motivos para que a nova capital do país

ficasse de fora. Manuel Cícero em seu relatório solicitou a construção de um novo prédio para

Biblioteca Nacional:

A Bibliotheca Nacional de Buenos Ayres acaba de se enstallar num vasto e sumptuoso edifício que começado a construir para outro fim foi apropriado às suas necessidades. (...) E porque não reclamar para a Bibliotheca Nacional do Brasil, a installação que lhe é devida e cuja necessidade é reconhecida pelos poderes públicos há cerca de trinta anos? (Anais da Biblioteca Nacional, 1902, p. 391).

Figura 30 - Obelisco da Avenida – Revista Kósmos, novembro/1906

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Lima Barreto na obra Recordações do Escrivão Isaías Caminha menciona a “inveja”

que os brasileiros tinham em relação à cidade de Buenos Aires – uma cidade limpa, elegante.

A argumentação utilizada pelo escritor para igualar o país à capital argentina era:

A Argentina não nos devia vencer; o Rio de Janeiro não podia continuar a ser uma estação de carvão, enquanto Buenos Aires era uma verdadeira capital européia. Como é que não tínhamos largas avenidas, passeios de carruagens, hotéis de casaca, clubes de jogo? (BARRETO,1981, p. 61)

A última década do século XIX foi um período de grandes transformações na vida da

cidade do Rio de Janeiro. Como capital, foi o palco principal dos movimentos políticos que

levaram à abolição da escravidão, à proclamação da República e às lutas travadas durante os

primeiros governos republicanos. Diante desse panorama de tensões é que devem ser

analisadas as grandes obras de melhoramento, embelezamento e saneamento empreendidas na

cidade pelos reformadores, que tinham como objetivo transformá-la num centro urbano

moderno, civilizado, voltada para uma economia capitalista que se fazia emergente.

A cidade passou a viver uma aceleração súbita do tempo, a conviver com a destruição

dos antigos espaços urbanos e a perda dos valores históricos tradicionais. Machado de Assis

escreve sobre as inovações tecnológicas, a expansão européia e as mudanças desencadeadas

nas sociedades: “Mas então que é o tempo? É a brisa fresca e preguiçosa de outros anos, ou

esse tufão impetuoso que parece apostar com a eletricidade?” (A Semana, 25/3/1894).

A concretização das obras veio ao encontro dos ideais do grupo republicano, que

buscava deixar escrito para as novas gerações o caráter progressista e inovador do novo

regime. Era expressa numa monumentalidade arquitetônica que procurava legitimar seu

espaço no novo cenário da cidade. Utilizando o conceito de monumento descrito por Jacques

Le Goff no artigo Documento/Monumento pode-se dizer que os monumentos (estátuas,

mortuários, edifícios) são criados para perpetuar a recordação no imaginário das sociedades

históricas, e estão impregnados de símbolos que legitimam sua existência. Sendo assim,

tornam-se necessários na construção da memória coletiva, das identidades e como agente de

embelezamento das cidades. Os monumentos da Avenida Central passam a definir um estilo

arquitetônico e vão construindo uma identidade própria na cidade. Isso pode ser aferido no

concurso das fachadas promovido pelos construtores que visavam perpertuar, no novo cenário

da cidade, a imagem duradoura de uma capital dotada de um aprimorado estilo arquitetônico,

marca de sua modernidade.

A urbanização trouxe o embelezamento da cidade, mas, concomitantemente, acarretou

expulsão da pobreza (figura 31). Alimentava a idéia de um país condizente com o imaginário

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civilizado. A dureza da realidade encoberta pelas belas fachadas. A cidade reformada,

moderna, cosmopolita, deslumbrante continuou sendo o lugar de uma sociedade marcada pela

diferença:

O Rio tem aspectos assustadores. Nós achamos que a miséria não existe, que nesta cidade de avenidas e de céu azul não existe essa dolorosa tragedia da fome e da falta de abrigo. A miséria está a dois passos, a fome ladeia-nos e muitas vezes passamos sem ver dores que não se confessam. (Gazeta de Notícias, 11/08/1907, p. 4)

Na gestão de Pereira Passos foi implementada a política do ‘Bota-Abaixo’, que

ordenava a demolição das habitações populares (figura 32) para alargamento e a abertura de

ruas e avenidas previstas no projeto urbanístico da cidade e por representarem, na perspectiva

dos reformadores, sinal de doença e mal-estar. “Foram destruídas cerca de 590 edificações, na

Cidade Velha e pequenos trechos dos morros do Castelo e São Bento” (NEEDELL, 1993, p.

60).

Figura 31 - A miséria nos morros do Rio de Janeiro. Gazeta de Notícias, 11/08/1907, p. 4

Figura 32 - A Avenida: primeira casa demolida - Gazeta de Notícias, 2/03/1904v

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Sob o título “Pobreza sem abrigo” o Correio da Manhã (25/3/1906) deflagrou uma

campanha a favor dos moradores de estalagens e cortiços, despejados por causa das obras da

cidade. Ruas apertadas, casarões velhos cedem lugar para que sejam construídos suntuosos

edifícios, ícones da modernidade, como a Biblioteca Nacional, a Escola de Belas-Artes, o

Teatro Municipal:

É o espaço que se abre aos moldes do boulevard para que a beleza dos novos prédios e monumentos seja admirada e as ruas sirvam como local de desfile de uma nova classe, sedenta em expor o último modelo parisiense desembarcado no porto, este também alterado para receber navios de grande porte. (NASCIMENTO, s.d, p. 2)

Permaneceram nos arredores do centro os trabalhadores mais pobres que não podiam

arcar com as despesas de transportes e aluguéis em locais distantes do trabalho. Os morros

situados no centro da cidade, como o da Providência, São Carlos e outros, passaram a ser

ocupados como novo local de moradia.

As transformações urbanas do Rio de Janeiro tiveram o apoio da imprensa, como já foi

dito que saudava as novas medidas de Pereira Passos, que traziam o progresso, a técnica, a

civilização moderna. Tratava-se de destruir a cidade colonial, para coroação de um novo

espaço urbano e da arquitetura art nouveau44. Nos principais periódicos da época, os artigos

de jornais estampavam as melhorias e a modernização da cidade: “O Rio é inteiramente outro.

Já não há febre amarela (...), ergue-se palacios, a picareta destrõe pardieiros. É a grande vida

moderna feita de conforto, de rapidez, de progresso”. (Gazeta de Notícias, 21/03/1905, p. 1)

Em outros, as reformas Pereira Passos causavam descontentamento de escritores, como Zé Gira, que não concordavam com a política adotada:

Sou contra a Avenida, sou contra as obras do porto, sou contra a reforma de hygiene, sou contra , todas essas innovações com que estão a botar tontos os Srs. Reformadores do Rio de Janeiro (...) elles arranjam para justificar as loucuras que praticam. – É preciso fazer as ruas largas, sanear a cidade, supprimir o mosquito. É esta a cantiga de todos elles: do Prefeito, do ministro, do director de hygiene. (Gazeta de Notícias, 25/05/1904, p. 2)

Ao traçar o caminho da modernidade, as reformas deixavam para trás um período

colonial atrasado e mudava os aspectos culturais e sociais da cidade (serenatas, boêmia,

fantasia do índio, carnaval, jogo do bicho, etc.). Em relação a esse fato, Olavo Bilac,

entusiasta das reformas, publicou a respeito da construção da avenida, uma crônica na Revista

Kósmos e outra no jornal Gazeta de Notícias:

44 A art nouveau foi a arte típica da chamada Belle Époque onde prosperou uma rica sociedade burquesa, brilhante e fútil, amante do luxo, do conforto, dos prazeres.

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Há poucos dias, as picaretas, entoando um hino jubiloso, iniciaram os trabalhos de construção da Avenida Central, pondo abaixo as primeiras casas condenadas (...) começamos a caminhar para a reabilitação. No aluir das paredes, no ruir das pedras, no esfarelar do barro, havia um longo gemido. Era o gemido soturno e lamentoso do Passado, do Atraso, do Opróbio. A cidade colonial, imunda, retrográda, emperrada nas suas velhas tradições, estava soluçando no soluçar daqueles apodrecidos materiais que desabavam. Mas o hino claro das picaretas abafava esse protesto impotente. Com que alegria cantavam elas - as picaretas regeneradoras! E como as almas das que ali estavam compreendiam bem o que elas diziam, no seu clamor incessante e rítmico, celebrando a vitória da higiene, do bom gosto e da arte. (Revista Kósmos, 1904, p. 2) É verdade, sim! Daqui a poucos dias, o primeiro golpe de picareta, na Prainha ou no Boqueirão do Passeio, entoará primeira nota do hynno triumphal. (...) e veremos terminada essa obra de salvação nacional; a limpeza, o arejamento, a regeneração da grande cidade operosa e honrada (...) a mais linda do continente sul-americano”. (Gazeta de Notícias, 6/12/1903, p. 1)

Mesmo sendo ufanista das reformas, o escritor sentia os efeitos desagradáveis

acarretados pelas construções e a melancolia diante das demolições que derrubavam casas

antigas e expulsavam as pessoas humildes. Na coluna Chronica da Revista Kósmos, o escritor

descrevia o estado em que encontrava a cidade e o velho sentimentalismo característico dos

escritores:

Chronica... de que? Chronica da poeira! Nada mais ha, nada mais existe, nada mais é (...) Poeira, poeira, poeira...Se apparecesse um Moysés, capaz de escrever o Genesis, o Beresith da nova Rio de Janeiro, (...) o primeiro livro: 1- No principio, Lauro e Passos ceraram a poeira; 2- e antes disso, a terra era vasia e van, e vão e vasio era o céo; 3- e, então, nada mais houve além de poeira; 4- e os dois espíritos de Lauro e Passos andavam sobre as nuvens da poeira; 5- e da poeira sahiu a cidade radisnte, a cidade cuja belleza e o maior louvor e a honra maior dos filhos do Mém de Sá. Oh! A poeira! – a poeira continua, perpetua, implacavel, feroz.” (Gazeta de Notícias, 25//7/1905, p. 1) Há pouco tempo, vi cahir na rua da Uruguayana, a casa onde nasci (...). Mas nem quero avivar a crua saudade que esta recordação me traz! Todos os cariocas como eu, devem estar vivendo dias de infinita melancolia – ao assistir ao desapparecimento dessas casas ancians (...). E há ainda uma outra causa de melancolia e tristeza, nesta demolição de predios é a lembrança das angustias, das afflições em que se vê a gente pobre, obrigada a mudar-se da noite para o dia.” (Gazeta de Notícias, 13/08/1905, p. 5)

Lima Barreto em vários artigos apontava como a urbanização da cidade com sua

arquitetura européia, ia aos poucos substituindo a simplicidade das casas coloniais. A cidade

construída por Pereira Passos é a cidade civilizada:

Projetavam-se avenidas: abriam-se nas plantas squares, delineavam-se palácios, e, como complemento, queriam também uma população catita, limpinha, elegante e branca: cocheiros irrepreensíveis, engraxates de libré, criadas louras, de olhos azuis, com o uniforme como se viam nos jornais de moda da Inglaterra.” (BARRETO, 1981, p. 136)

Vários locais da cidade considerados sujos e depreciativos foram derrubados para

construção de novos estabelecimentos condizentes com cenário urbanístico. João do Rio

escreve uma crônica dedicada ao Velho Mercado (figura 33) onde situa o sentimento de

abandono causado pela destruição do espaço: “Havia como eu, muito cavalheiro discreto a

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armazenar na retina pela última vez a topografia do Mercado. E o Mercado era desolador (...),

portas batidas, portões de grade mostrando a ruína vasta das paredes”. (JOÃO, 1909, p. 220)

Apesar de o Mercado ser um local de comércio com grande circulação de vendedores

(figura 34), sua aparência não estava em harmonia com a imagem que se queria apresentar aos

olhos dos estrangeiros. O Rio antigo, repleto de casarões antigos e sujos, seria "apagado pelos

sons das picaretas".

O progresso e a vida urbana, aplaudidos pelos reformadores, exigiam um espaço

apropriado para remodelação da capital ansiosa pelas transformações que iam se

Figura 33 - Interior do Mercado Velho, em demolição. Revista Fon-Fon, 19/10/1912

Figura 34 - Interior do Mercado na hora das compras dos vendedores. Revista Fon-Fon, 3/8/1907

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configurando. O espaço suntuoso de novos figurinos, copiados da grande moda parisiense.

João do Rio ironiza essa imitação na conferência O figurino publicada em Psicologia urbana

(1911, p. 67): “a fúria imitativa, a macaquice universal, a doença de exterioridade (...) tudo no

mundo é cada vez mais figurino.”

O novo cenário do Rio de Janeiro deveria representar o país pela via de seu “panorama

moderno”, ao estilo europeu da Belle Époque. Marshall Berman (1986, p.186) aponta como

“modernismo do subdesenvolvimento”, essa matriz utilizada no processo de modernização

dos países colonizados a partir de meados do século XIX, em semelhança a cidade de

Petesburgo que foi “embelezada” para transformar-se numa cidade espetacular. As reformas

urbanas do Rio de Janeiro utilizaram esse modelo de modernidade, incidindo num reformismo

que excluiu a participação popular.

Com as reformas em andamento, iniciou-se o processo de arborização das ruas (figura

35), como a Avenida Central e o Canal do Mangue, e o plano de ajardinamento, com a criação

de praças: Passeio Público, Campo de São Cristovão, Praça XV. Os jardins procuravam

acompanhar os modelos parisienses, sendo utilizados em alguns canteiros, mudas de plantas

européias e não as típicas brasileiras.

O estilo arquitetônico implantado na capital federal com seus edifícios monumentais, que pareciam “estender-se ao infinito”, procuravam transmitir uma aparência de “coerência” em oposição a uma cidade fragmentada, emersa em vários problemas sociais. A idealização das praças públicas (figura 36) “proporcionou uma ilusão de igualdade social, enquanto, por trás das aparências, seus projetos de construção iniciaram uma expansão da especulação em propriedades (...)” (BENJAMIN apud BUCK-MORSS, 2002, p. 122).

Figura 35 - O primeiro canteiro da Avenida. Gazeta de Notícias, 28/10/1905, p. 1

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91

O alargamento das ruas, além de derrubar as casas antigas, também destruía a paisagem

arborizada das ruas antigas em detrimento do progresso. A Revista Fon-Fon do mês de abril

de 1907 trazia a indignação do escritor diante da derrubada das palmeiras-imperiais plantadas

nas margens do Canal do Mangue, para o alargamento da avenida (figura 37):

Figura 36 - Horas de lazer na praça. Gazeta de Notícias 23/5/1909 p. 1

Figura 37 - Verso de Carioca. Revista Fon-Fon, abril, 1907 Tristes recordações. Hoje tua Alma exangue,

Cheia de Espanto e Dor, tristonhamente assiste

Ao lento funeral das Palmeiras do Mangue

Page 94: Rosane Maria Nunes Andrade  Biblioteca Nacional monumento de aço e granito na Avenida Central

92

O projeto de urbanização da cidade do Rio de Janeiro visava transformar a capital na

vitrine do país e a construção de monumentos, voltados principalmente para a cultura, seriam

pontos fundamentais na construção desse cenário. A cidade que se queria civilizada devia ter

espaços dedicados ao aprimoramento intelectual e cultural de seus habitantes. Os novos

prédios (Biblioteca Nacional, Teatro Municipal, Museu de Belas-Artes), que passaram a

configurar como pólo cultural, no novo cenário urbanístico da cidade, foram construídos

buscando-se essa civilidade e comparação aos melhores edifícios encontrados no exterior. Os

estilos arquitetônicos, simetria das formas, fachadas ornamentais, repletas de colunas

neoclássicas, arcos e frontões foram incorporados aos projetos de construção (figura 38).

A construção do Teatro Municipal (figura 39) era uma velha aspiração da classe

artística brasileira, que lutava por um espaço cultural para apresentação de grandes

espetáculos. Em dezembro de 1903, quando Pereira Passos assumiu a prefeitura do Rio com a

proposta de transformar a velha metrópole numa das mais formosas cidades, o escritor Arthur

Azevedo, incansável propagandista dessa idéia, conseguiu sensibilizar os administradores da

reforma para que construíssem um novo prédio destinado à dança, ao canto e à representação

dramática.

Figura 38 - Espaço cultural formado pelo Teatro Municipal, Museu de Belas-Artes e Biblioteca Nacional. Divisão de Iconografia/ FBN

Page 95: Rosane Maria Nunes Andrade  Biblioteca Nacional monumento de aço e granito na Avenida Central

93

Foi realizado um concurso para a escolha do melhor projeto. A escolha do vencedor

levantou polêmicas entre o corpo de jurados e a opinião pública, pois o premiado em primeiro

lugar foi Francisco de Oliveira Passos, filho de Pereira Passos, com o pseudônimo de

“Áquila”.

Mesmo diante de críticas, o projeto foi executado e o Teatro Municipal inaugurado em

14 de julho de 1909, seguindo o estilo arquitetônico francês, inspirado na Ópera de Garnier.

O prédio foi revestido de granito, mármore bronze, ferro, vidros, causando nas pessoas que

transitavam pela Avenida total admiração.

Segundo a Gazeta de Notícias a inauguração do Teatro contou com a presença do

Presidente da República, Dr. Nilo Peçanha, e de grande comitiva. A cidade, com a

concretização dessa obra, podia assemelhar-se às grandes capitais européias, pois já possuía

um ‘Palácio do Teatro’45. “Esse Theatro é uma das maravilhas da nossa moderna cidade e um

dos primeiros theatros do mundo”. (Gazeta de Notícias, 4//7/1909, p. 1)

O Museu Nacional de Belas-Artes (figura 40) foi inaugurado no ano de 1908, com o

nome de Escola Nacional de Belas-Artes, só passando a ser chamado Museu, em 1937. Sua

história remonta a chegada da família Real Portuguesa ao Rio de Janeiro, em 1808, quando D.

João fundou a Escola Real de Ciências, Artes e Ofícios, funcionando num prédio construído

45 Termo utilizado por Olavo Bilac no discurso de inauguração do Teatro Municipal, publicado na Gazeta de Notícias de 15/07/1909, p.2

Figura 39 - A construção do Teatro Municipal. Revista Fon-Fon, 27/04/1907

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94

por Grandjean de Montigny, um dos integrantes da Missão Francesa. Em 1826, a instituição

passou a ser chamada de Academia Imperial de Belas-Artes e, com o advento da República,

através do decreto de 8 de novembro de 1890, assinado por Deodoro da Fonseca, denominou-

se Escola Nacional de Belas-Artes.

Permaneceu no prédio da Avenida Passos com a Travessa de Belas-Artes até a

construção de sua sede, na Avenida Central, atual Avenida Rio Branco. O autor do projeto foi

o arquiteto espanhol Adolfo Morales de Los Rios, tomando como modelo o Museu do Louvre,

em Paris. O prédio é uma construção eclética com fachadas em diferentes estilos. A fachada

principal é inspirada na renascença francesa, com frontões, colunatas e relevos em terracota

representando as grandes civilizações da Antigüidade, além de medalhões pintados por

Henrique Bernardelli, com retratos dos integrantes da Missão Francesa, e mosaicos que

representavam vultos da Pintura, Escultura, Literatura, Arquitetura.

Assim, a concentração do suntuoso conjunto formado pela Biblioteca Nacional, Museu

Nacional de Belas-Artes e Teatro Municipal, na extremidade sul da nova avenida, imprimiu

na cidade a imagem de uma capital civilizada composta de instituições representativas da

cultura, do saber. Segundo, Manuel Junior (1980, p.47), nesse novo espaço que se inaugurava

na Avenida Central, “a Biblioteca Nacional passou a funcionar como um centro de cultura”.

O novo prédio da Biblioteca Nacional foi inaugurado em 29 de outubro de 1910 na

Avenida Central, atualmente Avenida Rio Branco (figura 41), integrando-se perfeitamente à

nova paisagem urbana, num ponto estratégico da cidade que se “civilizava”. A inauguração

contou com a participação do presidente da República, personalidades do governo e

convidados (figura 42). O prédio da Biblioteca Nacional foi projetado pelo General Francisco

Figura 40 - Escola Nacional de Belas-Artes. Foto de Marc Ferrez, c.1910. Álbum da Avenida Central. p. 37

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95

Marcelino de Souza Aguiar e a construção foi coordenada pelo engenheiro Napoleão Muniz

Freire e Alberto de Faria.

Figura 41 - Inauguração do prédio da Biblioteca na Avenida Central. A Imprensa, 30/10/1910

No lançamento da pedra fundamental, como lembrança foi entregue aos convidados

um cartão de recordação, com o desenho do projeto (figura 43). Nos Anais da Biblioteca

Nacional se relata a solenidade:

Figura 42 - Sessão solene de inauguração – O Sr. Presidente está sentado entre o ministro da Justiça e o senador Bocayuva. A Imprensa, 30/10/1910

Page 98: Rosane Maria Nunes Andrade  Biblioteca Nacional monumento de aço e granito na Avenida Central

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Na cavidade da pedra depositaram-se em uma caixa de madeira, encerrada esta em outra de cobre, uma via da acta, um exemplar em cobre da medalha commemorativa, diversos jornaes do dia e moedas correntes de prata, nickel e cobre. (Anais da Biblioteca Nacional, 1906, p. 531)

O novo prédio da Biblioteca Nacional apresentava-se como vitrine do progresso,

expressa na estética arquitetônica adotada pelo governo de Pereira Passos, tendo como

inspiração a moderna Paris. A modernidade se estendia às instalações, cumpridas dentro das

exigências técnicas da época, e ao local próprio para abrigar o que a bibliografia brasileira e

estrangeira tinha de mais expressivo. Seu estilo eclético, no qual se misturam elementos

neoclássicos e de art nouveau, vinha romper com as linguagens arquitetônicas anteriores,

graças à utilização de novas técnicas e materiais, constituindo-se referência dos novos tempos

e apontando para um novo projeto de nação.

Na construção do prédio foram utilizados em abundância vitrais, ferro, materiais de

predominância na Europa do século XIX. 46 As instalações atendiam às exigências da época:

pisos de vidro nos armazéns, escadas de ferro (figura 44), armações de aço (figura 45) para

suportar o peso de toneladas de livros. Os mobiliários de ferro: estantes, mesas, cadeiras,

armários (figura 46) foram encomendados no exterior à Art Metal Construction Company

(Nova York), visando à prevenção do acervo no caso de alastramento de fogo ou proliferação

de insetos.

46 Temos como exemplo o Palácio de Cristal, montado em 1851, para a Exposição Internacional da Indústria Britânica em Londres.

Figura 43 - Recordação do lançamento da pedra fundamental do novo

prédio da Biblioteca Nacional. Divisão de Iconografia/FBN.

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Figura 45 - A utilização do ferro nos armazéns de livros. Divisão de Iconografia/FBN

figura 44 - Escada helicoidal de ferro. Divisão de Iconografia/FBN

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Figura 46 - Mobiliários de ferro. Divisão de Iconografia/FBN

Sua construção foi saudada nos periódicos da época, tendo como manchetes o

reconhecimento do governo em dotar a Biblioteca Nacional de um prédio que pudesse

armazenar em condições satisfatória seu valioso acervo e o impacto causado pela

monumentalidade do prédio, no novo espaço da cidade em transformação. Segundo Jeffrey

Needell (1993, p. 61), “Frontin e seus sócios estavam bastante conscientes do simbolismo e

do impacto que desejavam obter”. A respeito da inauguração, as páginas dos jornais e revistas

traziam estampados a suntuosidade do prédio e o grande espaço para abrigar o acervo:

Acto inaugural solennissimo teve hontem o novo e sumptuoso edificio da Bibliotheca Nacional que, pela sua opulencia architectonica, brilha na linha dos mais ricos da Avenida Central. (A Imprensa, 30/10/1910). Como matéria prima na construção figuram a cantaria, o marmore, vigas de aço, portas moldada em bronze, quatro candelabros de ferro adornam a entrada principal, as installações de illuminação são a gaz e a luz electrica (...). O interior do edificio, a partir da entrada, seduz e attrahe pela belleza architectonica, respira-se, ha luz, ha conforto (...). A cidade vae ter hoje a data de orgulhar-se com um magnífico e util edificio. (Jornal do Brasil, 29/10/1910) O novo edifício que hoje se inaugura na Avenida Central, no Rio de Janeiro. O palácio da Bibliotheca projectado pelo general Souza Aguiar, mede 110 metros e 45 de altura. Tem

capacidade para 2.000.000 de livros e custou cerca de 7.000:000$000 de réis. (O Estado de São Paulo, 29/10/1910)

No entanto, apesar de o prédio merecer aplausos e causar admiração, existiram,

também críticas com relação à suntuosidade da obra, que causava estranhamento e afastava as

pessoas de irem à biblioteca. Diante de distanciamento, Lima Barreto escreveu a crônica:

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A minha alma de bandido tímido, quando vejo um desses monumentos, olho-os talvez, um pouco como um burro, mas por cima de tudo como uma pessoa que se estarrece de admiração diante de suntuosidades desnecessárias (...).A velha biblioteca era melhor, mais accessível, mais acolhedora, e não tinha a empáfia da atual. Mas, assim mesmo, amo a Biblioteca e, se não vou lá, leio-lhe sempre as notícias. (BARRETO, 1956, p.37-8).

O prédio da Biblioteca Nacional tem na fachada principal um pórtico com seis colunas

coríntias, que sustenta o frontão (figura 47) ornamentado em bronze, ladeado por alegorias da

Imprensa, da Bibliografia, da Paleografia, da Cartografia, da Iconografia e da Numismática,

tendo ao centro a figura da República. Ao incluir esse símbolo, Manuel Cícero deixava

marcada a presença dos ideais republicanos no seio das transformações por que passava o país

e perpetuava a Biblioteca Nacional como ícone dessas mudanças. Afinal, a maior biblioteca

do país não podia ficar distante dessa representação.

Figura 47 - Frontão do novo prédio da Biblioteca Nacional. Divisão de Iconografia/FBN

As suntuosas fachadas, de noventa e dois metros de frente por cinquenta e oito de

fundo, elevam-se a uma altura de mais de trinta e dois metros. O conjunto foi executado com

base numa maquete do artista brasileiro Modesto Brocos. Do lado direito da portada, uma

estátua de bronze, de Corrêa Lima, representa a Inteligência (figura 48); uma outra, do lado

esquerdo, da autoria de Rodolfo Bernadelli, representa o Estudo. No segundo andar localiza-

se o busto em mármore de D João VI, esculpido em Roma, em 1814, por Leão Biglioschi e

que pertenceu à Real Biblioteca. Na parte superior da fachada, vêem-se em bronze as datas da

fundação da Biblioteca, MDCCCX, e da inauguração do prédio, MCMX.

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As escadas internas são de mármore com gradil de proteção de bronze, com tratamento

em pátina preta e friso, com o corrimão em latão dourado polido (figura 49). O edifício é

encimado por quatro clarabóias com vitral colorido; uma no zimbório central sobre o saguão;

uma sobre cada ala lateral, que contém os armazéns de livros e periódicos, e a quarta sobre a

divisão de Obras Raras (figura 50), no bloco posterior do prédio, que dá para a Rua México.

Figura 48 - A Inteligência, escultura de Corrêa Lima Divisão de Iconografia/FBN

Figura 49 - Saguão de entrada da Biblioteca Nacional. Divisão de Iconografia/FBN

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101

As colunas internas (figura 51) e a cúpula central (figura 52) chamam a atenção pela

beleza de suas ornamentações.

.

Figura 51 - Colunas internas da Seção de Obras Raras. Divisão de Iconografia/FBN

Figura 50 - Clarabóia da Seção de Obras Raras. Divisão de Iconografia/FBN

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102

Além das crônicas editadas nos periódicos, relatando as reformas da cidade, a

fotografia foi um recurso muito utilizado pela imprensa e autoridades, para construção e

divulgação do projeto urbanístico implementado por Pereira Passos. Enfatizando as grandes

obras e os monumentos à serviço da modernidade, os jornais e álbuns fotográficos

evidenciavam o apoio às transformações ocorridas na capital e a literatura propagandística da

época. Sobre a importância do álbum de fotografias como recurso memoralístico, o periódico

O Commentario de janeiro de 1904 apontava:

A importância que terá no futuro um álbum onde esteja em nítida fotografia tudo que desapareceu, tudo que se transformou. A comparação do passado como o presente constitui um soberbo divertimento, e muito instrutivo, muito proveitoso.

Manuel Cícero, ciente da importância de preservar, na história da Biblioteca Nacional,

a construção do novo prédio da Instituição como grande marca de sua gestão, lançou após a

inauguração um álbum de fotografias47 com 44 imagens, onde eram apresentadas as várias

etapas das obras realizadas (figuras 53, 54, 55, 56), desde as primeiras vigas levantadas até o

apogeu da grande obra.

47 Foram selecionadas algumas imagens que servissem como referência ao exposto. Convém também ressaltar que as legendas não fazem parte do corpo do álbum; estão inseridas como pequenos comentários às imagens.

Figura 52 - Detalhe da cúpula central. Divisão de Iconografia/FBN

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Figura 53 - As primeiras armações de ferro do novo prédio. Em detalhe, o Morro do Castelo. Álbum de construção. Divisão de Iconografia/FBN

Figura 54 – O grande projeto arquitetônico começa a ganhar espaço na Avenida em contraste com a vida simples da população. Em detalhe, no canto inferior da imagem, o homem andando com o cavalo ao lado. Álbum de construção. Divisão de Iconografia / FBN

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Diante da análise dessas imagens, pode-se afirmar que o álbum deixava registrado, na

trajetória da Biblioteca Nacional, esse “magnífico prédio” como documento histórico,

Figura 55 - O novo prédio instalando-se na praça repleta de bancos para a população sentar e admirar a obra. Álbum de construção. Divisão de Iconografia/FBN

Figura 56 - O grande monumento compondo o novo cenário urbanístico. Álbum de construção. Divisão de Iconografia/FBN

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despertando o desejo de memória e a monumentalização pela imagem. Para Boris Kassoy

(1989, p.91), “a fotografia, além de um resíduo do passado, é um testemunho visual do

momento produzido, retratando a memória da sociedade através das recordações, das

experiências do homem”. Convém destacar que também as revistas e jornais ajudaram a

monumentalizar tais obras arquitetônicas, no sentido de torná-las “documentos”, lembranças

da época vivida.

No novo prédio da Biblioteca Nacional, fatos importantes marcaram sua história:

realização de conferências e cursos a cargo de escritores, juristas (1912-1915); sede provisória

da Câmara dos Deputados, que tinha cedido o Palácio Monroe para a realização da exposição

do Centenário da Independência (1922-1926); local onde foi velado o corpo de Rui Barbosa

(1923).

No entanto, apesar da magnitude do prédio, os jornais e revistas recebiam denúncias

encaminhadas por leitores a respeito do funcionamento dos serviços prestados pela Biblioteca

Nacional, no que se refere à demora no recebimento da obra solicitada e no restrito horário de

atendimento aos leitores. A Revista O Malho do dia 10 de junho de 1911 trazia em suas

páginas, com o título sugestivo Bibliotheca para inglez ver uma charge (figura 57) onde dois

estudantes e um caixeiro conversam a respeito do horário de funcionamento da Biblioteca:

Figura 57 - Revista O Malho, 10/6/1911

Um estudante pobre: - Ora vejam só isto! Vim agora à noitinha á nova Bibliotheca, que é este bello palacio, e encontro todas as portas fechadas... Outro estudante: - É: depois das 3 horas da tarde não se pode ler mais nada. Progredimos... para traz: No tempo do velho casarão da rua do Passeio lia-se até ás 10 horas da noite. Um Caixeiro: - De maneira que, não podendo nós aproveitar o unico tempo de que dispomos, vamos já d’aqui direitinhos... tomar chopps e jogar o baccará:...

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Para os leitores que frequentavam a Biblioteca, o belo prédio tinha se tornado um

marco de progresso da Instituição, mas acabava não trazendo uma melhor qualidade aos

serviços prestados. Na notícia Na Biblioteca Nacional raro são os que conseguem ler, o jornal

A Noite de 22 de fevereiro de 1915 trazia uma reclamação feita por um leitor sobre o

atendimento e a ausência de algumas obras nacionais no acervo:

Já tinha deixado de vir aqui (Biblioteca Nacional). Sempre que aqui venho saio quase neurasthenico....Cada vez que peço uma obra e aguardo que m’a tragam, tenho a impressão de estar esperando por um bonde da Light! Outra coisa é que a Biblioteca Nacional não possue

diversas obras nacionaes bem conhecidas.

Outro jornal, A Notícia, de 29 de junho de 1917, lamentava o estado de abandono em

que se encontrava a "maior riqueza de livros":

Nestes ultimos tempos tem sido reiteradas as reclamações que nos vêm sendo feitas a proposito da situação de desidia ou, antes, de lamentavel relaxamento em que se encontra a Bibliotheca Nacional (...) é tudo isso sobretudo quando se considera a riqueza incalculavel em livros que ali existem.

Procurando minimizar os problemas apontados pelos leitores na imprensa, Manuel

Cícero solicitou aos órgãos competentes a ampliação do quadro de funcionários da Biblioteca

para atender à nova demanda de serviços. Foi feita a contratação de pessoas que executariam

as tarefas mediante uma gratificação proporcional ao trabalho realizado, sendo a preferência

dada à contratação do sexo feminino nos serviços de catalogação e datilografia.48 (Anais da

Biblioteca Nacional, 1919-1920, p.313)

No projeto de construção do novo prédio da Biblioteca Nacional já estava previsto o

espaço necessário para inserção de novos documentos ao acervo. Contudo, alguns anos depois

da inauguração, Manuel Cícero já se mostrava preocupado com a falta de espaços nos

armazéns para os livros:

Na época actual, na idade do papel, a questão do espaço onde collocar, não só os periódicos, mas tambem os livros, cujo numero augmenta de dia para dia, é, por certo, das que mais devem preoccupar aos que têm a seu cargo a administração das bibliothecas”. (Anais da Biblioteca Nacional, 1913, p. 3) Há mais de dez annos que foi tranferida a Bibliotheca para o novo edifício, e durante esse lapso de tempo tem dado entrada avultado número de volumes. (Anais da Biblioteca Nacional, 1919-1920, p. 312).

Com o passar dos anos, e sem apoio governamental para manutenção de seu prédio, a

solidez e a beleza da fachada da Biblioteca Nacional deixavam transparecer as avarias no

exterior e interior do edifício. Isso pode ser aferido no relatório apresentado por Rubens

48 Em sua gestão, Manuel Cícero recorreu inúmeras vezes à contratação de serviços terceirizados e procurou alterar o perfil do quadro de empregados com a entrada do sexo feminino, que até então era composto em sua maioria, pelo sexo masculino. Vide figura 15 do trabalho.

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Moraes49 em 1945 ao Ministro Gustavo Capanema, descrevendo o estado de precariedade do

prédio:

Com a intervenção de Manuel Cícero (um dos raros diretores que a Biblioteca teve em toda sua existência secular) instalou-se no edifício um aparelhamento excelente, o que de melhor havia então: transportadores de livros, estanteria de aço (...) Tudo isso se foi acabando por falta de conservação e por desleixo.(...) Chove por toda parte. Os funcionários e freqüentadores estão tão acostumados às goteiras que, nos dias de chuva, ninguém se espanta de ver baldes e bacias colocadas em plena sala de leitura (...) as instalações elétricas estão em tal estado que reputo um verdadeiro milagre o prédio não se ter incendiado em consequência de algum curto-circuito. (Revista de Biblioteconomia de Brasília, 1974, p.102-103)

Literatos utilizavam os espaços da imprensa para descrever o estado de abandono em

que se encontrava a Biblioteca Nacional. Algumas reformas feitas para sanear a situação,

correspondiam à real necessidade da Instituição, para ocupar o seu espaço na esfera cultural

do país. Austregesilo de Athayde, no artigo do periódico O Jornal do dia 30 de agosto de

1966, fala a respeito da preocupação dos literatos com a precariedade da Biblioteca Nacional,

maior patrimônio cultural do país:

A precária situação em que se encontra a Biblioteca Nacional preocupa os meios intelectuais, angustia os homens da cultura (...). É um dos mais preciosos patrimônios da inteligencia brasileira, à mercê do mínimo acidente (...). O edifício da Biblioteca não corresponde às suas finalidades, e ainda que a direção carece dos meios mais urgentes para defender o imenso e valioso acervo dos livros confinados à sua guarda.

49 Rubens Borba de Moraes (1899-1986) foi diretor da Biblioteca Nacional no período entre 1945 a 1947. Foi um dos promotores da Semana de Arte Moderna, secretário da Revista Klaxon e editor de importantes coleções históricas.

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4 CONCLUSÃO

O desenvolvimento do tema nos proporcionou reflexões acerca de dados relacionados

à história da cidade do Rio de Janeiro e da Biblioteca Nacional. Com o olhar de um flanêur

(permito-me a apropriação do termo) percorri as ruas da cidade de então, observei as vitrines

dos magazines e os vestuários das pessoas que passeavam na longa avenida. Sentei-me nas

confeitarias e aguardei o chá das cinco para comentar sobre a programação dos

cinematógrafos. Descobri, através dos jornais e revistas da época duas cidades numa só: um

Rio de Janeiro repleto de glamour e outro composto de vários problemas como a falta de

saneamento, moradia e trabalho, as doenças endêmicas. Deparei-me com uma realidade que

vem acompanhando o desenvolvimento da cidade desde o período estudado até os dias atuais.

Passeei pela Grande Avenida, olhando suas belas fachadas repletas de detalhes

ornamentais e parei entusiasmada diante da suntuosidade dos três prédios erguidos no

triângulo mais privilegiado da avenida: o Teatro Municipal, o Museu de Belas-Artes e a

Biblioteca Nacional. Ao subir os degraus da Biblioteca Nacional fui envolvida pela emoção

característica de uma criança quando se vê diante de um belo castelo idealizado nas suas

fantasias infantis. Seus equipamentos e mobiliários modernos, seus serviços

biblioteconômicos revitalizados pelo diretor Manuel Cícero, buscando aproximá-la das

melhores bibliotecas estrangeiras, deram-me a certeza de que tinha diante de mim o marco da

modernidade, “vitrine do progresso”, tão aclamada pelos movimentos republicanos.

Paralelamente a esse entusiasmo partilhei com alguns escritores das inquietações de

difundir a imagem de um país civilizado e da dificuldade em dar conta das enormes

diversidades culturais e sociais da cidade. A leitura de algumas crônicas de Lima Barreto,

João do Rio, Olavo Bilac e outros espelhavam as posições contraditórias assumidas pelos

literatos diante das reformas urbanas implantadas na cidade e a simpatia de alguns que

saudavam a recuperação urbanística do Rio de Janeiro para enfrentar as novas necessidades de

um país que entrava no século XX.

Ao retornar aos dias atuais, como ator no novo cenário da Biblioteca, constato uma

realidade diferente. A falta de autonomia administrativa, tão reclamada pelos diretores, torna

inviável a concretização de vários projetos e serviços que tiveram grande impulso na gestão

de Manuel Cícero. Atualmente, o prédio necessita de reformas na sua estrutura, para

armazenar seu acervo, que está sujeito à chuva e à proliferação de fungos. O espaço

calculado, na época de sua inauguração, para receber a documentação, há muito se tornou

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insuficiente. A solução encontrada pelo governo para o impasse foi a aquisição de um prédio

velho no cais do Porto, que também não corresponde às necessidades reais.

Os problemas que envolvem as estruturas físicas do prédio da Biblioteca Nacional

continuam sendo denunciados através dos órgãos representativos dos funcionários da

Instituição e da Cultura, solicitando medidas que possam minimizar essa problemática.

Cabe aqui ressaltar a colocação feita por Janice Monte-Mór (1987, p.170):

É de responsabilidade do SPHAN, através do decreto 84.198, de 13 de novembro de 1979, inventariar, classificar, tombar, conservar e restaurar monumentos50, obras, documentos51 e demais bens de valor histórico, artístico e arqueológico existentes no país, bem como tombar e proteger o acervo paisagístico do país.

A Biblioteca Nacional ocupa, nos dias atuais, um espaço de destaque no cenário

cultural do país, pelo esforço de seus diretores, incluindo Manuel Cícero, que buscaram a

valorização da Instituição como meio de preservação do material bibliográfico brasileiro.

Assim, investigar a história da Biblioteca Nacional é também viabilizar saídas para os

impasses e problemas atuais no que se refere à deficiência orçamentária para a manutenção do

prédio, a restauração e conservação de documentos, a efetivação de funcionários, a política de

aquisição de livros e outros. Essa carência tem sido repetida em vários “Relatórios de

Diretoria” e apresentada aos órgãos governamentais na luta pela valorização da Instituição

como guardiã da memória documental do país.

A realização deste trabalho teve uma significação muito grande na minha trajetória

profissional, somando-se os aspectos afetivos. Nas “andanças” pelo acervo, como funcionária

da DINF - Setor de Informação Documental da Biblioteca Nacional, foi possível constatar a

importância da Instituição, “tesouro bibliográfico do país”, como lugar de amparo à pesquisa,

procurado por diversos pesquisadores nacionais e internacionais, bem como guardiã desse

“tesouro”. Pude perceber, também, como sua trajetória institucional, no seio das mudanças

culturais e sociais ocorridas no país, foi marcada por transformações que repercutiram na

promoção de novos serviços biblioteconômicos que atendessem às novas demandas. A

pesquisa realizada nos documentos referentes à sua história e nos periódicos da época

mostrou-se uma atividade prazerosa e enriquecedora do tema desenvolvido.

No entanto, para que a Biblioteca Nacional continue a merecer o destaque que lhe foi

dado ao longo dos anos, são necessárias ações governamentais que possam minimizar seus

problemas atuais. Não basta apenas um belíssimo prédio para armazenar documentos raros e

50 Grifo nosso 51 Idem

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110

valiosos, mas sim, a adoção de medidas que possam garantir a continuidade de seu papel na

história cultural do país: preservar o material bibliográfico brasileiro.

Portanto, a expectativa deste trabalho é contribuir para o avanço dos estudos sobre a

relevância da Biblioteca Nacional no contexto cultural do país e possibilitar que novos

horizontes de pesquisas surjam tendo como foco essa temática.

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REFERÊNCIAS

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