Rosangela Tugny - Filhos Imagens Cinema Ritual

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filhos-imagens, cinema ritual maxakali

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    Filhos imagens: cinema e ritual entre os Tikmn

    Introduo

    Os Maxakali_ Tikmn

    Os Tikmn so agrupamentos de povos falantes da lngua Maxakali, estando esta no

    tronco lingustico macro-j. Vivem hoje em trs terras indgenas, nas regies do

    extremo nordeste do estado de Minas Gerais, Brasil. Segundo dados da Funai, a

    Fundao Nacional do ndio, chegam em 2013 a uma populao de quase 2000 pessoas,

    com uma grande predominncia de crianas com idade abaixo de 6 anos. So

    originrios das grandes pores de Matas Atlnticas que cobriram as terras prximas s

    costas litorneas do Brasil. H registros da presena de falantes do maxakali pelos

    primeiros viajantes que se acostaram no litoral do que hoje o Estado da Bahia (Paraso

    1992 e 1998). Hoje so pensados pela sociedade nacional como um s grupo, mas

    possuem origens diversas: o litoral da Bahia, desde as cidades de Mucuri at Belmonte,

    as bacias do Jequitinhonha, do Mucuri, os trajetos dos rios Buranhm, Jucuruu (ou Rio

    do Prado), Itanhm (ou Rio Alcobaa) e outros rios menores dessa regio. J no curso

    do sculo XIX, os viajantes apontaram a elaborada forma pela qual os Tikmn se

    relacionavam com a densa Mata Atlntica onde viviam. Foram tidos como exmios

    oleiros e construtores de embarcaes e manejavam com maestria esse espao que

    conheciam profundamente (Otoni 2002 : 88-89).

    Os povos Tikmn hoje possuem uma das piores situaes socioambientais, dentre os

    povos indgenas brasileiros. Acometidos por graves epidemias de diarria, e indicados

    com altos ndices de desnutrio infantil, vivem em no mais que 6.500 hectares de

    terras, quase totalmente devastadas, sem que em nenhuma delas oferea gua potvel.

    Esta situao se agrava com o histrico violento que constituiu a relao dos Tikmn

    com os diversos setores dos no indgenas que adentraram suas terras e suas vidas,

    desde os primeiros conquistadores de terras, os militares, os missionrios, os

    fazendeiros, os mineradores e outros aventureiros em busca de poaia, uma planta de uso

    medicinal muito procurada nos sculos XVIII e XIX. Sofreram massacres, epidemias e

    desapropriaes sucessivas ao longo dos sculos XIX e XX. Foram considerados quase

    extintos em 1959 (Rubinger, 1983). As nascentes das guas dos crregos que correm

    vizinhos s suas terras se encontram em fazendas de ocupao relativamente recente.

    Muitas delas foram tomadas dos povos Tikmn por aes de engodo de funcionrios a

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    servio do Estado. Hoje os diferentes setores dos rgos de administrao pblica e

    ONGs buscam formas de vir ao encontro dos problemas destes povos, sem considerar a

    necessidade de restituir a eles a possibilidade de trnsito pelos seus territrios

    ancestrais, sem trabalhar para que voltem a fazer uso da gua limpa para beber, para os

    banhos, para a pesca e as brincadeiras das crianas, e terem acesso aos recursos na mata

    que servem aos seus modos tradicionais de organizao social. Por se tratarem de povos

    que se encontram fora do que se entende como a Amaznia legal, os Tikmn so

    frequentemente tomados como povos cujo nico destino seria o de se integrarem

    populao vizinha, formando novas cinturas de bairros pobres nas cidades de sua regio.

    Ainda assim, comum escutarmos de funcionrios dos rgos indigenistas se referirem

    aos Tikmn como sendo ndios diferenciados, puros, e, portanto, merecedores de

    um atendimento tambm diferenciado. Este atendimento, porem, geralmente

    marcado pela perpetuao das prtica de assistencialismo e corrupo j noticiados em

    relatrios como o de Hilda Paraso (1992 : 42) referentes a aes do Estado na dcada

    de 60.

    Esta noo de pureza aparece por apresentarem os Tikmn tanto uma

    homogeneidade tnica - por terem pouqussimos casamentos com no indgenas ou

    outros povos indgenas quanto pelo uso quase exclusivo que fazem da lngua maxakali

    e pelas suas prticas sociocosmolgicas intensas. De fato, isto que comumente se

    entende como uma tenaz resistncia cultural dos Tikmn tem deixado perplexos

    muitos dos etnlogos e pesquisadores que tiveram conhecimento de suas formas de

    vida, sua sobrevivncia e sua relao com a sociedade nacional. O contraste que suas

    pulsantes estruturas sociocosmolgicas apresenta com respeito s suas condies fsicas

    de vida e o fato da precoce relao que sofreram com as diferentes frentes de expanso

    em suas terras tradicionais e a proximidade de suas terras com cidades, desafia o

    entendimento dos etnlogos ao mesmo tempo em que desafia a compreenso dos atores

    indigenistas de vrios setores da sociedade. comum entre estes ltimos o discurso de

    certa falncia de projetos destinados ao conjunto de categorias pensadas para a vida

    humana entendidas como sade e bem estar (Barbosa Ribeiro, 2008), falncia,

    sobretudo, das relaes da sociedade envolvente com estes povos. Geralmente as

    avaliaes de tais projetos so pautadas na denncia do uso abusivo de bebidas

    alcolicas pelos Tikmn, seguida de episdios de violncia domstica, desordem

    social e desinteresse dos grupos em colaborar. Os desafios para os etnlogos e

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    pesquisadores que tentam se aproximar um pouco dos Tikmn so muitos: a nossa

    dificuldade de aprendizado da lngua maxakali e a pouca fluncia deles no uso do

    portugus, as condies sanitrias difceis para a permanncia de pesquisadores na rea,

    as bebedeiras de parcelas da populao e os consequentes episdios de violncia que se

    assiste nas aldeias. Ainda que no possa ser pensado sem o terrvel histrico de uma

    negatividade total da relao com os diferentes setores da sociedade nacional que os

    cotejaram, este aparente desinteresse dos Tikmn pelos projetos que lhes so

    apresentados ou pelo futuro de suas vidas dentro do territrio que lhes foi designado,

    encerra certamente algo que ainda fugindo ao nosso entendimento, sugere estar e na

    origem de sua fora enquanto um coletivo.

    O que apresento a seguir uma modesta reflexo sobre este riqussimo universo

    sociocsmico que, pacientemente, vrios colaboradores Tikmn que tenho encontrado

    em 10 anos de pesquisa, me apresentaram de diversas formas: acompanhando-me

    durante os encontros que realizam nas aldeias com diferentes povos com os quais se

    relacionam, proporcionando a mim a possibilidade de me situar, realizando desenhos e

    infindveis exegeses sobre suas histrias e cantos, traduzindo seus cantos, fazendo

    belssimos filmes em que eles mesmos narram os eventos destes encontros, viajando

    comigo e apresentando seus trabalhos para diversos pblicos.

    Produo de riquezas, multiplicao de filhos

    Com o ouvido atento imensa e minuciosa variedade de cantos que emanam das vozes

    dos Tikmn, possvel passarmos a supor que, para alm do cenrio que descrevi

    acima, existe entre eles um mundo de infinitudes, onde os valores que possuem, seus

    verdadeiros bens, se multiplicam e os faz viver com plenitude, l onde nos

    acostumamos a ver apenas misria. De fato, enganamo-nos ao pensar os Tikmn

    como perdedores, em contraste com um nico povo de Outros em suas vidas: ns, os

    yhk, os no indgenas, os brancos, os representantes do mundo moderno ocidental.

    Permanecemos como uma nfima parcela de Outros em suas histrias. Talvez por isto

    tenhamos algumas vezes a sensao de nos sentir levemente desprezados quando

    chegamos at eles com propostas que entendemos portadoras de grandes benefcios s

    suas vidas. Apesar de compreenderem a belicosidade com a qual os primeiros

    representantes de yhk impuseram mudanas definitivas e devastadoras aos seus

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    espaos de vida e circulao e terem certo fascnio por este poder, os Tikmn seguem

    atualizando e demonstrando muito mais interesse em se relacionar com os seus

    ymyxop, que traduzo por ora como povos-espritos, ou povos animais-humanos. A

    presena destes ymyxop bastante constante nas aldeias e tanto pode solicitar grandes

    prestaes de cantoria, danas e banquetes, quanto pode passar despercebida ao olhar do

    etngrafo, limitando-se visita de algumas casas ou a pequenos gestos que precedem

    uma caa ou uma sesso de cura. Percebo assim nos Tikmn, um etos quase

    monstico, quase alheio s sucessivas perdas de bens materiais territrio, fauna, flora,

    gua, alimentos, casas, e mesmo de pessoas -, voltado essencialmente para um mundo

    de infinitas relaes, atualizadas a cada dia, com seus ymyxop.

    Estes so, ao mesmo tempo, os agrupamentos de repertrios de cantos, as imagens

    povos-espritos que chegam s aldeias, e as situaes de encontro e troca realizadas

    entre eles e as pessoas: o conceito de ymyxop pode ser percebido como um complexo,

    formado pela noo de: espritos, cantos, e os eventos em que se do a ver. Com os

    Tikmn, chegamos a relacionar 12 grandes corpi de cantos atribudos aos povos-

    enunciadores ymyxop que, ao mesmo tempo, os ensinou aos pajs das aldeias. Estes

    corpi guardam significativas diferenas, seja nas suas expresses sonoras, como naquilo

    que proporcionam ao grupo. Alguns ajudam os homens a confeccionar flechas, outros

    so auxiliares na caa, outros ordenam as casas da aldeia, etc. Todos eles so ao mesmo

    tempo dispositivos virtuais de viagens xamnicas para o resgate do esprito de algum

    doente da aldeia e possibilidades de reacender laos de parentesco com as pessoas,

    sempre saudosas dos seus parentes mortos, transformados em cantos-imagens.

    A relao dos ymyxop com os Tikmn parece ser a de uma dupla adoo. Estes

    ltimos so desejosos de receb-los, sentem saudades, preparam-lhes repastos. Os

    primeiros atendem prontamente aos seus convites. So tambm desejosos de virem s

    aldeias. Chegam de uma floresta hoje virtual - pois como disse acima, a terra hoje

    habitada pelos Tikmn foi desmatada e recoberta pelo capim colonio - e se alojam

    no kuxex, uma casa que se ergue sozinha na ponta de um semicrculo complementar a

    um outro, formado pelas casas. O kuxex uma casa de estrutura aparentemente

    descuidada: mesmo em aldeias onde as casas so feitas de barro, elas se revestem de

    palhas e parecem estar sempre prximas a serem desmanchadas. Um monumento-limite.

    Quando os ymyxop retornam para cantar, suas palhas so renovadas. O kuxex

    traduzido como casa de religio. Religio o mesmo termo que me foi oferecido

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    pelos Tikmn para traduzirem ymyxop, as celebraes em que eles se do a ver, e

    seus cantos. Em maxakali, muitas vezes os ouo se referirem ao kuxex como ymyxop

    pet, casa de ymyxop.

    Mtuas adoes

    A relao entre os homens e mulheres das aldeias com os ymyxop, realizada pela

    mediao dos filhos que estes procriaram nas aldeias celestes (lvares, 1992). Vemos

    os espritos andando, danando, desfilando, sempre acompanhados de um grupo de

    homens, considerados pajs ou ymyxoptak. como se fossem animais de estimao

    dos homens (Fausto, 2008, Maia, 2011, Jamal, 2012, Rodgers, 2002)1. Os Tikmn

    dizem que estes ymyxop so crianas e no sabem bem os seus cantos. H vrios casos

    de adoo interespecfica nas narrativas mticas dos Tikmn, como a do filho abelha,

    do filho do trovo e da filha ariranha. Todos estes foram adotados por ancestrais

    Tikmn. Humanos e ymyxop alternam assim relaes de adoo e filiao.

    Uma vez nas aldeias, os ymyxop so alimentados pelas mulheres e guiados pelos

    homens. Estes ltimos os acompanham em todos os movimentos que fazem nas aldeias,

    sobretudo na direo das mulheres: com elas os ymyxop danam, brincam, lutam,

    namoram, e delas recebem alimentos e outros bens. As mulheres so as principais

    destinatrias da visita dos ymyxop. Enfeitam-se para recebe-los. Os homens parecem

    cumprir o papel de meros mediadores. Se estes ymyxop animam as aldeias com seus

    corpos pintados, esplndidos, e sobretudo, com seus cantos e todo o conhecimento que

    trazem aos Tikmn, so ainda assim tidos como filhos dos homens. Os homens so

    ymyxoptak, pais de ymyxop e as mulheres que os alimentam so ymyxoptut,

    mes de ymyxop. Algumas vezes as meninas podem namorar estes ymyxop e as

    mulheres mais velhas serem por eles chamadas por sogras ou tias (Campelo, 2009) .

    As mulheres so suas mes porque os alimentam e os homens seus pais porque os

    1 Paulo Maia (2011) nos oferece uma eficiente reviso da literatura que trata deste tema, e apresenta um estudo sobre as relaes de maestria entre os oficiantes de rituais entre os bar e seus instrumentos musicais, chamados por xerimbabos. Seu estudo aponta a ambiguidade do idioma da captura entre os animais domsticos e seus caadores e refora a importncia da noo de filiao pela captura no sistema sociopoltico desta sociedade. O autor esclarece que a relao do mestre e seu xerimbabo no propriamente uma relao de posse, evocando mais bem a noo de cuidado: Longe de implicar uma relao de posse ou propriedade sobre os objetos/instrumentos/animais, nesse caso a categoria aponta para a condio de guardio dos instrumentos sagrados e, conseqentemente, de certas capacidades xamnicas.

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    ensinam a cantar, a danar, a balanar os chocalhos. H um importante valor entre os

    Tikmn: o de cuidar de seu ymyxop. Em determinados momentos de suas vidas, um

    homem ou uma mulher pode receber doaes de cantos de seus parentes. Receber um

    canto o mesmo que receber ymyxop. Mas para isto, necessrio saber cuidar,

    chamando-o para as aldeias, preparando-lhe comida, danando com ele, enfim, no

    esquecendo esta relao que, ao mesmo tempo que evoca o elo com o parente doador,

    reata outros parentescos.

    Se os Tikmn nos dizem que os ymyxop so os portadores do conhecimento e dos

    cantos, h algo interessante a notar a. Eles trazem os cantos, mas pelas bocas dos seus

    pais, os homens das aldeias. H sempre uma situao de substituio, de refrao

    entre corpos nestes momentos de rituais. H algo muito significativo no sistema de

    reverberaes entre as presenas dos espritos cantores nas aldeias e os Tikmn: estes

    ltimos insistem em dizer que os ymyxop so cantores, que eles vm s aldeias para

    cantar, que foram eles que trouxeram os repertrios de cantos aos humanos. Os

    ymyxop danam, realizam traados no ptio da aldeia, dispem seus corpos frente s

    mulheres comendo, brincando, mimando, lutando e assim criam uma zona de afetos

    intensos entre todos. Mas quase sempre so silenciosos ou, como me dizem, esto

    aprendendo a cantar com seus pais. Sua presena reverbera pelas bocas dos humanos.

    Faz vibrar os corpos dos humanos para que cantem ao lado deles. Os homens e

    mulheres esto sempre muito mais envolvidos com os cantos do que os espritos-

    cantores, os ymyxop que chegam s aldeias. So tambm cegos. No h possibilidade

    de cruzamento de olhar entre um ymyxop e uma mulher. Os corpos dos homens

    Tikmn so auscultados pelos ymyxop que chegam com seus olhos vedados e seu

    mmnm, um mastro pintado, brilhante, atributo de alguns deles. essa penetrao que

    os torna vibrantes e sonoros. A este respeito, tomo emprestada uma descrio de

    Eduardo Rosse sobre um momento como este que evoco aqui. Trata-se de uma

    descrio de um encontro entre os espritos xnm e as pessoas da aldeia:

    H uma grande diferena ou uma complementaridade entre o par de xnm e seu grupo de cantos. Os movimentos dos xnm so codificados, enquanto o dos homens que os acompanham um movimento descuidado, o mesmo do dia a dia, normal. Em relao ao som, passa-se o oposto, pois o par de xnm no canta. Mesmo que se veja o grupo cantor, ele no tem uma importncia cnica especfica. Deste ponto de vista, os homens que parecem espectadores, externos a uma cena que se passa entre ymy e mulheres. Tudo se passa como se o grupo cantor fosse transparente,

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    uma nuvem ou um fantasma que acompanha xnm cuja nica importncia o som. Por isso eles so complementares, a imagem e o som de xnm (Rosse, 2007, p.93).

    Os ymyxop precisam dos Tikmn para cantarem seus cantos, os homens precisam

    dos ymyxop por perto para cantarem com eles: no sobre eles, e nem se comunicando

    com eles, mas em reverberao, ou em interafetao. Formam um corpo feito por

    muitos (Davoine 2004: 333). Ali, onde os homens da aldeia acompanham os espritos

    emanando seus cantos, constitui-se uma zona de refrao especular, onde cada regime

    de linguagem levemente desajustado2. Os gestos, a corporalidade, a escrita, os cantos,

    os passos da dana no ptio da aldeia e a comida no so modos de expresso com

    escopos de ao determinados para cada um desses sujeitos. Todos os corpos presentes

    atuam um pouco em cada funo, agindo uns sobre os outros e so ao mesmo tempo

    origem, destino e significantes daquilo que se produz. essa zona de refrao que cria

    os sujeitos e no os sujeitos que criam linguagens para se comunicar. Estamos assim

    numa regio marcada por rastros, uma noo que, se bem entendemos o que escreve

    Derrida, nos aproxima de sua noo de escritura ou arquiescritura (Derrida, 1999,

    p.86-7). O ritual a zona de produo e multiplicao das subjetividades, e no o

    contrrio. Esta talvez seja uma definio mais prxima do complexo conceito de

    ymyxop que os Tikmn nos apresentam.

    Humanos e espritos: rastros sem origem, sem sujeito autociente na fonte da linguagem,

    sem um regime de linguagem mais prximo uma suposta anterioridade do ente.

    Conjuntos reverberantes dentro de um intenso campo de sentidos, coletivo de sujeitos,

    pensados antes ou fora da oposio natureza e cultura. A proximidade dos ymyxop

    com os Tikmn intensificada pelos cantos, pelo mmnm, pelos passos de dana,

    pelas trocas de alimentos, multiplica, cria e adota os sujeitos que se afetam

    mutuamente3.

    2 Esta repartio de funes, ritualsticas, cnicas, dramticas, evocam as observaes de Andr Schaeffner a respeito do bal de Strawinski, Les Noces, em que os cantores so levados ao fosso, restando sobre a cena apenas os mmicos-bailarinos: Vimos que, no mais que Nietzsche, Stravinsky no se satisfez com uma soluo bastarda onde cada personagem se viu bem exatamente desdobrado em um mmico e um cantor. Talvez mesmo a soluo do filsofo j se encontrava sensivelmente ultrapassada. Mais do que dissociar a dupla funo de cada personagem, Stravinsky chega a desajustar as diversas artes cuja presena no teatro parecia dever cada vez mais se reforar; foi multiplicando entre elas certo espao, colocando entre elas um jogo, que Stravinsky se engajou decididamente sobre a desejada via do irrealismo (SCHAEFFNER, 1998, p.209) (traduo minha). 3 O rastro verdadeiramente a origem absoluta do sentido em geral. O que vem mais uma vez afirmar que no h origem absoluta do sentido em geral. O rastro a diferena que abre o aparecer e a significao. Articulando o vivo sobre o no vivo em geral, origem de toda repetio, origem da idealidade, ele no mais ideal que real, no mais inteligvel que sensvel, no mais uma significao transparente que uma energia opaca, e nenhum conceito da metafsica pode descrev-lo (DERRIDA,

  • 8

    Os Tatakox, mediadores entre os pais, as mes e os filhos

    Uma passagem importante na vida dos homens Tikmn retoma estes movimentos de

    dupla adoo. quando os jovens meninos so escolhidos pelos espritos Tatakox para

    serem adotados pelos diferentes ymyxop. Os Tatakox so ao mesmo tempo uma

    lagarta e um povo-esprito-lagarta. A palavra se forma de duas razes: tata, uma

    derivao de tataha, tem o sentido de carregar, e kox glosado como buraco. So

    os Tatakox que organizam as passagens: carregam, nos segundos funerais, as crianas

    mortas que retiram das terras para que as mes vejam e chorem sua falta, e tomam as

    crianas dos cuidados das mes para lev-las ao mundo adulto. Esta iniciao dos

    jovens adultos marcada por um duplo movimento: a exposio que torna visveis s

    mes suas crianas j mortas e enterradas e o doloroso gesto em que as mes entregam

    seus filhos vivos aos seus novos pais adotivos, os ymyxop, para serem iniciados vida

    adulta. Os Tatakox carregam as crianas mortas da cova em seus braos e entregam-nas

    s mes, que fazem o gesto de tom-las em seus braos, como recm-nascidos. Por

    alguns segundos, as mes readotam os filhos antes mortos, que lhe so trazidos pelos

    Tatakox. Nestes gestos, choram pela saudade que sentem de seus filhos mortos, agora

    visveis, prximos de seus braos. Quando os Tatakox levam das mes suas crianas

    vivas para o ciclo de iniciao, carregam-nas sobre seus ombros. Os Tatakox adotam

    estes jovens adultos e as mes choram dramaticamente por abandon-los. Todas essas

    passagens se fazem no mesmo dia e as mes choram ento duas vezes: recebendo e

    readotando as suas crianas mortas e despedindo-se dos seus meninos vivos que sero

    introduzidos ao universo adulto.

    A importncia deste evento marcado pela presena dos Tatakox nas aldeias tamanha

    que, uma vez tomando contato com a cmera filmadora, os Tikmn logo produziram

    dois filmes dando a ver estas aes acima descritas. Ambos filmes no passaram

    despercebidos pelo pblico interessado pelo cinema etnogrfico e pelo cinema tout

    court e j possuem certa trajetria de apresentaes em debates e festivais.

    O primeiro, filmado e narrado simultaneamente por Isael Maxakali, jovem realizador da

    Aldeia Verde (Ladainha, MG), consiste, quase todo ele em um plano sequncia onde se

    v os Tatakox, formando eles mesmos uma orquestra de aerofones, tomando as

    1999, p.79-80).

  • 9

    crianas mortas deitadas sobre folhas estendidas no cho. Levam-nas deste espao

    exterior s aldeias at o kuxex (a casa de religio) e de l trazem s mulheres que

    esperam em fila diante das casas, dispostas na outra extremidade do ptio da aldeia. Os

    diversos Tatakox fazem estes trnsitos desenvolvendo movimentos saltitantes e

    circulares em torno dos corpos carregados. Os saltos e os movimentos se intensificam

    com a intensificao sonora dos seus aerofones. Depois de exporem estas crianas ao

    choro das mes, os Tatakox, guiados pelos seus pais, os homens da aldeia, fazem vrias

    idas e vindas da fileira das casas ao kuxex, retirando as crianas de suas mes, para que

    sejam adotadas pelos ymyxop. Ao final, quando apenas restam fragmentos de

    assovios, de apitos, flautas e longnquas vozes no kuxex, Isael Maxakali mostra sua

    aldeia, agora apaziguada, lavada por este instante de enorme potncia afetiva, vazia, um

    plano finalizado com o discurso de seu tio que diz que o ritual foi bom, bonito, e que

    iria agradar a todos que o vissem - ao governo, a Jesus - graas ao trabalho da cmera.

    Assim que tomaram conhecimento deste filme de Tatakox, os pajs de uma outra aldeia

    Tikmn, a Aldeia Vila Nova, decidiram fazer um outro filme, no qual entendiam

    corrigir imperfeies do primeiro. Longe do olhar feminino e de eventuais

    pesquisadores, a cmera dedica bastante tempo a filmar os lderes polticos e religiosos

    que dirigem os Tatakox e, ao mesmo tempo, o cinegrafista, na difcil e delicada

    escavao de um buraco. Muitos homens da aldeia assistem cena. Muitos comentrios

    de um destes chefes, Guigui Maxakali, exortando os homens e Tatakox a no sentirem

    medo daquela situao. As sonoridades dos aerofones se intensificam medida que os

    Tatakox escavam e se aproximam dos corpos que devem ser retirados dali. Alm deles,

    outros povos espritos, como as minhocas-morcego, fazem parte deste momento, cuja

    gravidade e expectativa intensa. Guigui Maxakali reitera as instrues aos Tatakox de

    fazerem giros saltitantes em torno do buraco. Finalmente vemos as crianas serem

    retiradas nos braos dos Tatakox. A procisso de homens e Tatakox levam ento estas

    crianas at o ptio da aldeia, onde as mes as esperam, estendendo os braos e

    chorando ao mesmo tempo. Em seguida, as crianas novas so levadas pelos Tatakox

    para fora do espao da aldeia, e os velhos explicam para a cmera que o ritual foi bom,

    que ocorreu como antigamente ocorria e que com ele todos ficaro bem.

    Este segundo filme, alm da intensidade afetiva que carrega e produz, sempre impactou

    outros povos indgenas que tiveram oportunidade de assistir. Suscitou do pblico de

    festivais e encontros perguntas relacionadas s crianas retiradas do buraco: quanto

  • 10

    tempo passaram l dentro?; eram crianas vivas ou mortas? Em uma destas ocasies,

    um dos pajs que estavam presentes, tanto dentro do filme, quanto no debate, respondeu

    que eles no sabiam e que Os ymyxop criaram bichinhos l onde viviam, eles eram

    seus filhotes. Disseram terem ficado felizes em constatar que estes filhotes mexiam as

    suas mozinhas e portanto viviam.

    Os filhos-imagens

    Quando veem os ymyxop-cantores chegando s suas aldeias, os Tikmn geralmente

    me explicam: koxuk. Traduzem esse termo como imagem. o termo que empregam

    para as fotografias4. O dicionrio de Harold Popovich oferece as seguintes definies

    para koxuk: sombra, imagem, alma. No encontrei maiores discusses sobre este

    termo deste linguista e missionrio evanglico que esteve quase 30 anos entre os

    Tikmn elaborando uma gramtica da lngua e codificando uma escrita alfabtica.

    Myriam lvares traduz o termo como alma, um estgio inacabado da pessoa morta

    antes de se transformar em ymy (Alvares, 1992, p. 64).

    Mas Koxuk, imagem, no em definitivo algo que se encontra para ns no domnio da

    aparncia, da imaterialidade, do invlucro visvel ou da representao, supondo que

    algo mais verdadeiro repouse na invisibilidade. Koxuk seria o corpo verdadeiro que se

    d a ver em toda sua plenitude. Estamos aqui novamente em um terreno de confronto

    entre as bases profundas de nossas ontologias. Os Tikmn mostram-me sempre os

    ymyxop, os povos-espritos, com seus corpos pintados chegando aldeia, dizendo-me

    que so koxuk, ou koxukxop5. Pensava tratar-se ento de representaes dos

    ymyxop, de meninos que teriam se vestido e se pintado como ymyxop para

    virem aldeia, supondo serem os ymyxop uma instncia, mais acabada e

    transcendente que represente o destino dos mortos. Mas sempre me corrigiram

    categoricamente: no, isto a verdade mesmo. Difcil entender isso que parece uma

    hesitao entre os Tikmn para avaliar os corpos visveis e cantores que tanto prezam

    receber em suas aldeias. Ora nos glosam como koxuk, ora como ymyxop.

    Muito alm do perigo de uma excessiva identificao do etnlogo com o nativo, parece-

    me que a questo para estas perguntas se coloca de outra forma. O que se passa que

    4 Este foi o ttulo escolhido por eles para o livro de fotografias que realizaram as mulheres da Aldeia Verde em conjunto com a fotografa Ana Alvarenga (Alvarenga, Ana & Fotgrafas tikmn da Aldeia Verde, 2009). 5 Xop possui a funo de coletivizar. Koxuk xop seria um povo-imagens.

  • 11

    no existe o problema da verdade, ou da realidade, e, consequentemente, o da

    representao entre os Tikmn em relao s coisas visveis como geralmente as

    postulamos. No encontro em suas narrativas e em suas exegeses uma distino entre

    dimenses separadas e excludentes para as coisas materiais e as imateriais, as

    verdadeiras e as falsas, as essncias e as aparncias. A expresso que utilizam para

    parecer com, assemelhar-se a sempre a mesma que utilizam para transformar-se

    em, yy h6. O termo que geralmente utilizam para nos assegurar da existncia

    verdadeira de alguma coisa parece mais bem um intensificador. Xee geralmente

    traduzido como verdadeiro, e xeegng um intensificador de vrias qualidades. Xex

    um radical que exprime grandeza e intensidade. Aquilo que pensamos como

    verdade seria assim um estado de intensidade, mas sempre transitrio, nas formas

    tikmn de reconhecer os corpos no mundo. A partir de algumas reflexes de Viveiros

    de Castro, podemos pensar que a noo de koxuk, ora traduzida como alma, ora como

    sombra, ora como imagem, seria mais bem compreendida se pensssemos que se trata a

    de um evento e no de uma coisa. Evento de extrema intensidade, que a apario, a

    abertura da viso, a possibilidade de ver e de se dar a ver entre corpos que esto

    prximos, mas nem sempre acessveis ao olhar. Afinal, esta a forma da relao entre

    os vivos e os mortos.

    Um esprito, na Amaznia indgena, menos assim uma coisa que uma imagem, menos uma espcie que uma experincia, menos um termo que uma relao, menos um objeto que um evento, menos uma figura representativa transcendente que um signo do fundo universal imanente o fundo que vem tona no xamanismo, no sonho e na alucinao, quando o humano e o no humano, o visvel e o invisvel trocam de lugar7.

    Este evento de apario, koxuk, nos leva a pensar a viso entre os Tikmn como uma

    relao. No um ato que consiste em projetar sobre outro corpo uma mirada emprica - o

    olhar - mas uma experincia relacional. Durante o Tatakox os corpos se do a ver e as

    vises so afetadas mutuamente. Importante ressaltar que no gesto de acolher

    chorosamente em seus braos as crianas mortas, as mes desviam o olhar. Quando os

    Tikmn mostram-me os koxuk referem-se ento a algo que est se passando, que os 6A esse respeito muito significativo o uso da expresso yy h, que encontramos muitas vezes nos cantos, ora glosadas como virar algo, ora como parecer com algo, noes que, se sugerem uma clivagem essencial em nossa ontologia, no se distinguem tanto nestes cantos. Nem simbologia e nem realidade, yy h no tampouco uma modalidade confusa de avaliao do real praticada pelos Tikmn, mas um devir, um verbo tendo toda a sua consistncia, que no nos conduz a parecer, nem ser, nem equivaler, nem produzir (DELEUZE & GUATTARI, 2005a).

    7 VIVEIROS DE CASTRO, 2006, p.326.

  • 12

    afeta, a um evento no qual eles e os ymyxop esto realizando mutuamente essa troca

    de lugar.

    O termo koxuk est envolvido em uma trama de significaes complexa. Os Tikmn

    dizem-me sempre que os ymyxop vivem na floresta. Quase todas suas narrativas se

    referem a esse lugar quase escuro, de encontros dos seus ancestrais com os ymyxop,

    como sendo a floresta. Por isto falei anteriormente de uma floresta virtual para a qual

    o kuxex, a casa dos cantos, deixa uma abertura por onde recebe os ymyxop. Perguntei-

    lhes diversas vezes por onde viviam agora esses seres da floresta, j que h tantas

    dcadas no tinham mais matas em seus territrios. Algumas vezes dizem-me que os

    carregam em seus cabelos. Outras vezes apontam-me o cu. Foi assim que uma

    narrativa, de um mito bastante trabalhado por Lvi-Strauss e intitulado por ele o

    marido estrela8, surgiu como uma resposta, trazendo mais informaes sobre a noo

    de koxuk:

    A origem dos animais

    Os antepassados foram caar. Dois rapazes deitados falaram sobre as estrelas para as quais olhavam: - Nossa, como so bonitas! As estrelas ouviram, desceram e quiseram ficar com eles. Um ficou com medo e desprezou uma das estrelas, que foi embora. O outro ficou com a segunda e teve dois filhos.

    Um deles j era pequeno, e o outro ainda estava na barriga. A mulher-estrela teve desejo de comer coquinhos socados no pilo e o marido foi ento busc-los. Quando ele subiu no coqueiro, a mulher-estrela batia no tronco que logo comeou a crescer. O marido disse: - No fica batendo no! E a mulher mentia dizendo: - seu filho que est batendo. E ele novamente: - Pare de bater!

    De repente, o coqueiro entrou dentro do cu (pexkox). A mulher-estrela jogou seu filho em uma rvore e ele virou cupim. A mulher-estrela subiu atrs do marido. O homem no entendia como ele havia subido. Era como se estivesse dormindo.

    Algum tempo passou e os dois ficaram l em cima. O outro rapaz que havia rejeitado a estrela comeou a sentir saudades do seu amigo-cunhado. Cantava e chorava: - ypinixtak! ypinixtak!

    O que estava no cu foi caar mas no encontrou o buraco por onde havia entrado. Dormiu e sonhou com seu gtym (amigo-cunhado). Da outra vez, ele sonhou com bicho e foi caar. Jogou a flecha longe e ela caiu no buraco, no pexkoxkox (buraco do cu). Procurou a flecha (porque tihik joga a flecha, espera e procura para ver onde ela caiu). Ele refez o movimento e seguiu a segunda flecha, que saiu bem no buraco novamente. Ento pensou: - Ah! Foi por este buraco que eu vim!

    8Vrios mitos intitulados o marido estrela a esposa celeste ou visita ao cu so analisados por Lvi-Strauss em O cru e o cozido (2004). Entretanto, o mito apresentado pelos Tikmn oferece ainda mais pontos de convergncia com os mitos da visita ao cu analisados em Lhomme nu, chamando sobretudo a ateno para o tema da contiguidade e da cegueira (LVI-STRAUSS, 1971, p.350-377).

  • 13

    Ele no falou para a mulher, porque ela j era topahex (encantada, porque ela veio l de cima). Pediu ento para a mulher fazer uma linha para ele. Ela fez um novelo e perguntou: - D?. Ele disse: - No d no!. E assim foi. Ele pegou finalmente um bolo, jogou l de cima e desceu pela linha at chegar na terra. Quando chegou, enfiou a linha no cho. Ela virou um cip grande. O amigo ia chegando e cantando ypinixtak. Ele fez: y... e interrompeu o canto por ter visto o amigo, que disse: Continue a cantar! Eles choraram.

    Dias depois, ele disse aos ymyxop da casa de religio que l em cima havia muita caa. Falou para koatkuphi, falou para os outros. Resolveram ir l para matar mais bichos. Quando estavam todos preparados para subir, chegou paj mulher que havia feito koatxop9 e disse: - Vou mandar essa mandioca pra l. Em troca, quero que tragam carne pra mim. A mulher paj, me dos espritos (ymyxoptut)10, levou a mandioca. O pessoal que subiu com a corda comeu a mandioca dela e jogou a bolsa fora. Ela viu que a bolsa havia sido jogada. Ficou to brava que cortou a corda. A linha ficou l para cima. Enquanto isso, todos caavam l em cima. Acharam muita coisa. Chegaram at o final da corda e no tinham como descer. Para no carem com o prprio corpo, todos viraram bichos, mas bichos que no voam (xokxophmtehyxop). Um deles virou quati. A no viraram mais gente (TUGNY, R. P. et al., 2009a, p.402-403).

    O mito narra a viagem ao cu dos homens e dos ymyxop que viviam todos juntos. As

    noes de tihik [ndio, gente] e ymyxop [povo-esprito] se confundiam neste tempo.

    Todos os tihik eram ao mesmo tempo ymyxop. Faziam parte do mesmo fundo

    universal imanente mencionado acima por Viveiros de Castro. Todos viviam juntos,

    com os mesmos corpos-imagens. Os corpos animais surgiram de uma queda, da ruptura

    de um acordo entre os homens e uma mulher espera da caa: a ruptura de uma linha.

    Os animais so ento essas transformaes corporais que evitaram a morte. O termo

    utilizado pelos Tikmn para se referir aos animais xokxop. Xop um radical que se

    refere, ora a uma classificao, ora a um coletivo ou pluralizador. Mas xok o radical

    glosado para morrer, semear, plantar, guardar dentro (Popovich, 2005). Xokxop, os

    animais, so ento os corpos que guardam os ancestrais tikmn que caram, ou um

    povo-de-mortos. A esse respeito, uma srie de desenhos realizados por um dos

    ilustradores tikmn em torno da narrativa da histria de Mtagng (Ver Tugny et al.,

    2009, p. 419) eloquente. Mtagng uma mulher que no se conformou com a morte

    do marido. Quando todos de sua aldeia o enterraram e se foram, segundo o costume que

    faz com que abandonem as aldeias aps a morte de um parente, ela ficou com seu filho

    na aldeia e desenterrou o marido. Fez beiju para com-lo com a carne decomposta do

    marido. Jogou cinzas pela estrada para seguir os passos do marido morto. Viu os rastros

    e o seguiu passando por todas as dificuldades do caminho dos mortos. Ao chegar

    9Os Tikmn apreciam muito este prato: a mandioca cozida que fica no rio durante toda a noite.

    10A me dos espritos a mulher da aldeia que lhes oferece alimentos.

  • 14

    aldeia dos mortos, dos ymyxop, o que representa o desenho uma aldeia de elefantes e

    sucuris.

    Com estes dados talvez seja possvel sugerir que Koxuk (imagem, sombra, alma), xokxop

    (animais, ou povo-de-mortos) e Xok (morrer, guardar dentro) sejam noes que

    participem de um mesmo campo semntico. Um campo que tambm sugere que o corpo

    morto aquele que saiu de um campo visual, mas no se acabou, como os animais

    desaparecem na floresta. Estes dados ecoam nas anlises de Viveiros de Castro sobre a

    perda dos corpos dos humanos mortos que os transforma em animais. Transcrevo a

    seguir uma passagem que se refere a estas anlises: A distino fundamental entre os vivos e os mortos passa pelo corpo e no, precisamente, pelo esprito; a morte uma catstrofe corporal que prevalece sobre a comum animao dos vivos e dos mortos. As cosmologias amerndias dedicam igual ou maior interesse caracterizao do modo como os mortos veem o mundo que viso dos animais, e, como no caso destes, comprazem-se em sublinhar as diferenas radicais em relao ao mundo dos vivos. Os mortos, a rigor, no so humanos, estando definitivamente separados de seus corpos. Esprito definido por sua disjuno com um corpo humano, um morto ento atrado logicamente pelos corpos animais, por isso, morrer se transformar em animal, como se transformar em outras figuras da alteridade corporal, notadamente os afins e os inimigos. (Viveiros de Castro, 2002, p.395).

    O corpo animal ento ao mesmo tempo o corpo dos ancestrais dos Tikmn, a forma

    dos seus mortos, enquanto seus koxuk so o evento em que eles se do a ver aos

    Tikmn. Desvestem suas roupas, seus corpos animais e chegam s aldeias tikmn

    com os mesmos corpos que os humanos. Novamente penso aqui a noo de corpo como

    roupa discutida por Viveiros de Castro. A troca de corpos o dispositivo fundamental

    do perspectivismo indgena, tal qual foi desenvolvido por este autor:

    Trata-se menos de o corpo ser uma roupa que de uma roupa ser um corpo [grifos do autor]. No esqueamos que nessas sociedades inscrevem-se na pele significados eficazes, e se utilizam mscaras animais (ou pelo menos conhece-se seu princpio) dotadas do poder de transformar metafisicamente a identidade de seus portadores, quando usadas no contexto ritual apropriado. Vestir uma roupa-mscara menos ocultar uma essncia humana sob uma aparncia animal que ativar poderes de um corpo outro. (...) As roupas animais que os xams utilizam para se deslocar pelo cosmos no so fantasias, mas instrumentos: elas se aparentam aos equipamentos de mergulho ou aos trajes espaciais, no s mscaras de carnaval (Viveiros de Castro, 2002, p.393)

    O cinema-ritual Tikmn

    Estes meninos cresceram porque os espritos j os batizaram vrias vezes. Estes j so grandes. gua bom para crescer se a criana toma banho todo dia de manh cedo. Os ymy batizam as crianas e os Poop tambm, para crescerem rpido e acompanharem e ajudarem os espritos. Ymy j batizou e Poop vai batizar de novo. Os menorzinhos ficam ali atrs e sero batizados pela primeira vez para ir

  • 15

    ficando igual aos outros. E ns, eu, meu cunhado Dozinho, outros homens, todo mundo...j fomos batizados por Poop e Ymy. No fica faltando nenhum menino. Os adultos batizam tambm e ficam com a cabea boa. No ficam com doena e crescem rpido. Vo saber o canto de religio e no fazer coisa ruim. Este sabe muito da cerimnia. um dos responsveis pela sabedoria do batizado. E depois que reza ele libera para entrar na gua. Estes espritos tambm so filhos. Eles vo aprender a batizar e a rezar:

    ...Eu queria que trouxessem morot para mim... Eu queria que trouxessem suco de batata para mim... Eu queria que trouxessem melancia para mim... Eu queria que trouxessem abbora para mim... Eu queria que trouxessem mandioca para mim... Eu queria que trouxessem cana para mim... Eu queria que trouxessem milho para mim... Eu queria que trouxessem abacaxi para mim... Eu queria que trouxessem begnia para mim... Eu queria que trouxessem inhame para mim... ... Ns vamos tomar banho e ir embora.. voc vai ficar alegre, voc vai e vai ficar alegre. Voc, gua, ns vamos tomar banho em voc... depois voc vai ficar alegre. O sol est nascendo. Voc vai ficar alegre ...Ns vamos tomar banho em voc e voc vai ficar alegre, ns vamos te deixar alegre, voc vai ficar alegre, gua. gua, ns vamos entrar em voc, vamos tomar banho e ir embora e voc vai ficar alegre, vai ficar alegre... Ele j rezou para que que gua no d doena, e ele vai liberar a gua para os meninos tomarem banho.

    Assim termina mais um filme realizado pelos Tikmn, a partir cmera de Ismail

    Maxakali e seu filho Josemar. Ismail, recm formado professor no curso de Licenciatura

    Intercultural Indgena da UFMG, com este filme tratava de mostrar a contrapartida de

    um regime de formao, uma universidade indgena. Forma-se neste filme intitulado

    Batizado ou Espritos batizando as crianas, as crianas que passaro a aprender.

    Mas forma-se tambm o rio, a gua e os prprios espritos que vieram batizar as

    crianas: Estes espritos tambm so filhos. Eles vo aprender a batizar e a rezar:....

    Na realidade, este momento de batizado um momento de inaugurao do espao de

    relao, de uma zona de interafetao, todos ensinam todos, todos aprendem juntos a

    no fazer mal aos outros e os deixarem crescer, se multiplicar. Os papis, as funes de

    mestres e aprendiz so borradas. No momento de transmitir algo s crianas os espritos

    so adotados e pedem alimentos.

    O cinema aqui inaugurado pelos e com os Tatakox, aqueles que trazem as imagens e

    levam os jovens meninos para os povos-imagens, adentrou este espao onde os parentes

    dos Tikmn iam, mortos, saindo assim de seu campo de viso. Desta cavidade escura

    nasceram imagens que deveriam fazer as mulheres chorarem. Antes de abandonar seu

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    filhos que sero adotados pelos espritos povos imagens - , as mulheres adotam os

    filhos-imagens. O cinema Tikmn torna-se assim o ritual, o que permite que o visvel

    e o invisvel troquem de lugar. Torna-se uma definio possvel da noo de esprito,

    que mencionamos acima, torna-se este evento em que h troca de lugares entre o visvel

    e o invisvel.

    Este movimento de dupla adoo parece ser um sistema extremamente eficaz no

    universo Tikmn. Algo que possibilita dissolver qualquer sobreposio, qualquer ao

    tirnica de um corpo sobre outro, de uma forma de potncia sobre outra. Parece estar a

    o caminho de algum entendimento para esta sua potncia entendida como resistncia

    cultural. Movimento que se reproduz na forma como os Tikmn organizam suas

    relaes conosco, os no-indgenas, os yhk. Em muitas ocasies, quando

    proporcionei a compra de alimentos para a vinda dos convidados ymyxop s aldeias,

    mereci tambm o vocativo de ymyxoptut (me de ymyxop). Alguns parceiros

    pesquisadores foram tratados como ymyxoptak (pai de ymyxop). Assumimos, ns

    que estvamos ali pedindo conhecimento, uma certa paternidade sobre os espritos,

    tendo os Tikmn como nossos mediadores. Tal insero dos pesquisadores nesta teia

    de relaes de parentesco interespcies, indo alm do socius visvel, parece agir como

    um sistema entre os Tikmn. Para que nos ensinem cantos e outros conhecimentos,

    devemos criar laos de adoo: devemos adot-los, a eles e seus espritos. Somos assim

    tambm levados a dissolver algumas fronteiras constitutivas de nossas individualidades

    - dotadas, sozinhas, de corpo, vida, linguagem volio - e distribuir estes atributos entre

    os diversos corpos desta teia. Devemos formar este corpo feito por muitos que

    evoquei acima quando falei da refrao de gestos e vozes durante as prestaes dos

    ymyxop nas aldeias. Penso aqui nas reflexes da psicanalista francesa, Franoise

    Davoine, a respeito de uma histria narrada por Ana Freud sobre as crianas

    sobreviventes de um campo de concentrao em Moravie, Theresienstadt. Essas

    crianas, quando recebidas em uma clnica na Inglaterra, a despeito de apresentarem um

    comportamento extremamente violento com as enfermeiras, observavam entre elas uma

    surpreendente afetividade, necessitando estar sempre prximas entre si. Franoise

    Davoine desenvolve a noo de corpo feito por muitos evidentemente em um

    contexto de guerra europeia e o estende para o uso psicanaltico com respeito aos

    pacientes que se fazem neste corpo a muitos em solidariedade aos ancestrais que

    foram traumatizados ou mortos em guerras. Minha associao pode parecer aqui um

  • 17

    tanto abusiva, mas, como anunciamos no incio deste trabalho, os cantos que os

    Tikmn cantam em reverberao com os espritos, so cantos de sobreviventes, so

    instncias de guerra. Deste modo, permito-me aqui citar uma passagem do texto de

    Davoine a respeito desta determinao, desta tenacidade moral (2004: 336):

    Ela repousa sobre o esquecimento de si e do si, em proveito do conjunto. Alis, o corpo feito por muitos no constitudo de uma totalidade intangvel, uma vez que ele pode a qualquer momento ser amputado de um de seus membros. Provavelmente outras crianas fizeram parte desta vitalidade plural e foram mortas antes em Terezin. Diferentemente de um movimento coletivo de um agrupamento organizado, tal conjunto no possui nem um lder, nem espelho. Ele tampouco funciona como uma seita, e no faz corpo com nenhum tirano .

    Estratgias de sobrevivncia, armas de resistncia, dissoluo da tirania, estas

    distribuies da pessoa Tikmn em mltiplas posies sociais e afetivas aparecem

    hoje como mais um destes desafios que apresentei no incio do texto. Em praticamente

    todas as formas de enunciao, os homens, mulheres e crianas falam um pelo um

    outro. Os espritos cantam pela boca das homens. Os homens os convidam pelo desejo

    das mulheres. Se os Tikmn devem nos pedir algo, pedem por meio de um outro, se

    devem anunciar uma deciso, anunciam a de algum. Quando agentes estatais procuram

    indaga-los sobre delitos como a queimada indevida do capim que destri as pequenas

    pores de mata, ou no h autores individualizados, ou apontam as crianas, estes

    seus agentes da vida adulta. De certa forma, os Tikmn vm se colocando diante da

    sociedade nacional nesta posio de filhos adotivos, esperando benefcios de projetos,

    alimentos para sua crianas, aparentando no lutar nas situaes polticas pelo exerccio

    de alguma forma de autonomia. Devemos evidentemente pensar no histrico de relaes

    de assistencialismo e corrupo que j foram observados em relatrios como citei acima

    e que se perpetuam hoje de diferentes formas nas aes de ONGs e do Estado. Pensar

    que talvez no sejam escutados, compreendidos e nem consultados quando os projetos

    so elaborados, seja porque no h o interesse e porque no acreditam em sua

    autonomia. Pensar enfim na forma j bastante corrente pela qual muitos povos indgenas

    so infantilizados, sua suposta pureza e ingenuidade fazendo coincidir com formas

    de falar e tratar que os infantilize : uma vez que todos so trazidos ao plano da lngua

    oficial e se exprimem com relativa dificuldade, podem aparecer aos desconhecedores de

    suas lnguas como seres ingnuos. Mas este cenrio histrico no nos probe de pensar

    que existe nele uma certa aquiescncia dos Tikmn. Como se houvesse uma

    participao ativa em que eles se postassem como intermedirios, convidando-nos a

    adotar seus ymyxop. Ao faz-lo, estariam trazendo-nos para esta complexa rede de

  • 18

    parentesco, distribuindo hierarquias, horizontalizando os sujeitos. Ora filhos, ora pais e

    mes adotivos de tudo o que possa se transformar em imagem, assim vo os Tikmn,

    atravessando ruinas, desaparecimentos de espcies e nossos olhares perplexos e

    admirativos, desativando, na surdina, nossas instituies, borrando as fronteiras dos

    indivduos, das funes e das representaes do Estado que chegam at eles.

  • 19

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