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ROSEANE NICOLAU pc.pdf · Livro produzido pelo projeto Para ler o digital: reconfiguração do livro na cibercultura - PIBIC/ UFPB ... Familiarizando-se e adquirindo o domínio da

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ROSEANE NICOLAU

Gêneros Textuais

no Livro Didático de Língua Portuguesa

E D I T O R A

João Pessoa - 2012

E D I T O R A

Av. Nossa Senhora de Fátima, 1357, Bairro TorreCep.58.040-380 - João Pessoa, PB

www.ideiaeditora.com.br

Livro produzido pelo projeto Para ler o digital: reconfiguração do livro na cibercultura - PIBIC/

UFPBDepartamento de Mídias Digitais - DEMID / Núcleo de Artes Midi-

áticas - NAMIDGrupo de Pesquisa em Processos e Linguagens Midiáticas - Gmid/

PPGC/UFPB

Coordenador do Projeto:Marcos Nicolau

Editoração Digital : Danielle Abreu

Capa:Rennam Virginio

N639g Nicolau, Roseane

Gêneros textuais no livro didático de língua portuguesa./Roseane Batista Feitosa Nicolau. - Edição

digital - João Pessoa: Editora Ideia, 2012.202p.

ISBN: 978-85-7539-701-51. Prática de Ensino. 2. Criatividade

371.315(043)

Integrantes do Projeto:Danielle AbreuEwerton NevesFilipe AlmeidaLuan MatiasMarriett AlbuquerqueRennam Virginio

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4 Gêneros textuais - roseane Batista Feitosa nicolau 5Gêneros textuais - roseane Batista Feitosa nicolau

“ ... mas quem nos dirá se o caminho seguido não tem mais interesse

do que o ponto de chegada?”

(Todorov)

A minha mãe (in memoriam), que sempre fez

de tudo para eu estudar, indo aos portões dos colégios de madrugada garantir a minha

vaga na escola pública; aos meus filhos, Vítor e Lucas, minha riqueza; e, ao meu marido,

Marcos, meu companheiro e cúmplice.

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6 Gêneros textuais - roseane Batista Feitosa nicolau 7Gêneros textuais - roseane Batista Feitosa nicolau

3 PARÂMETROS CURRICULARES NACIONAIS, GÊNEROS TEXTUAIS E LIVRO DIDÁTICO ........................813.1. Parâmetros Curriculares Nacionais: diretrizes para o ensino de língua materna......................813.2. Livro Didático: fazer discursivo e ideológico...........923.3. Novas concepções de texto e gênero e reformulação do livro didático............................................102

4 ANÁLISE DA COLEÇÃO DIDÁTICA SELECIONADA....... 1084.1 Organização da coleção didática eapresentação da teoria dos gêneros................................ .1084.2 Seleção e agrupamento dos Gêneros........................1204.3 Características e diferenças dos gêneros abordados..........................................................1404.4 A poesia no agrupamento dos gêneros...................1424.5 O Gênero como pretexto para o estudo gramatical......................................................1434.6 A produção oral e escrita e avariante empregada.................................................................1464.7 A contextualização............................................................1544.8 A temática presente, a produção e o estudo textual.....................................................................158

CONCLUSÃO.....................................................................177

REFERÊNCIA.....................................................................188

ANEXOS............................................................................196

SUMÁRIO

Apresentação.......................................................10

1 GÊNEROS: DA REALIDADE HISTÓRICA À REALIDADE DISCURSIVA...............................................221.1 Os gêneros na Poética: visão clássica e moderna..........................................................241.2 Os gêneros na Retórica: ênfase à natureza verbal do enunciado e a seus princípios constitutivos..........................................381.3 Os gêneros na Linguística:estudo dos discursos cotidianos...........................................41

2 DESDOBRAMENTO DA CONCEPÇÃO DE GÊNERO: CLASSIFICAÇÃO EASPECTOS SÓCIO-HISTÓRICOS .......................................502.1 Adam: sequências textuais ..............................................512.2.Bronckart: a Linguística e seus aspectos sócio-interacionais .................................................542.3 François: gêneros, condições sociais e marcas linguísticas .................................................................582.4 Marcuschi: gênero no contexto linguístico................612.5 Schneuwly e Dolz: gêneros comoinstrumento de ensino e progressão didática....................................................................68

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8 Gêneros textuais - roseane Batista Feitosa nicolau 9Gêneros textuais - roseane Batista Feitosa nicolau

APRESENTAÇÃO

Nas décadas de oitenta e noventa do século XX, o processo de ensino e aprendizagem da língua começa a tomar um novo rumo no nosso país, centrando-se numa visão sócio-interacionista da linguagem, surgiram novos paradigmas. Entre esses paradigmas, o de gênero vem sendo apontado como um caminho para a melhoria do ensino de língua, precisamente porque a sua prática pode auxiliar os alunos a perceberem quem são e onde se encontram no contexto social, e mais, como os textos funcionam e como revelam a cultura atual. Também pode ajudar na compreensão de culturas de outras épocas, permitindo que os alunos sejam capazes de compreender o mundo. E isso é mais que aprender a ler e escrever.

Como participantes desse processo, pesquisadores ligados à Universidade de Genebra -

Schneuwly, Dolz, Pasquier - vêm adotando a noção de gênero como um instrumento com o qual é possível ampliar a competência textual e discursiva dos alunos.

No nosso país, chama-nos a atenção, particularmente, os grupos de pesquisadores liderados por Rojo (1998), Brandão (2000), Marcuschi (2000), Meurer (2000) que se voltam para o estudo dos gêneros na língua, indicando-os como forma de melhorar a qualidade do nosso ensino.

Vistos dessa maneira, os gêneros permitem uma maior abertura e aceitação, na sala de aula, de textos que circulam socialmente, além de ser um estímulo ao estudo da língua a partir das muitas formas de manifestações orais e escritas.

Assim, a competência textual e discursiva do aluno é ampliada. Esse passa a compreender, de forma crescente, as práticas discursivas e as relações sociais associadas ao uso dos diversos gêneros. Familiarizando-se e adquirindo o domínio da diversidade textual, o aluno participa do exercício de uma cidadania consciente.

Essas competências - textual e discursiva -

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10 Gêneros textuais - roseane Batista Feitosa nicolau 11Gêneros textuais - roseane Batista Feitosa nicolau

podem ser adquiridas no contexto escolar através de um trabalho sistemático proporcionado pelo professor e por material de apoio como o Livro Didático (LD) que, nas nossas escolas, tornou-se peça fundamental, chegando a reger todo o conteúdo que será visto pelo aluno. O Livro Didático auxilia o professor na passagem da transmissão da forma de língua oral a língua escrita, tendo os gêneros, de acordo com Dolz e Schneuwly (1996), como organizadores do planejamento curricular.

O conteúdo dos Livros Didáticos que contempla o estudo dos gêneros passa a ser a porta para outros textos como: programas televisivos, filmes, músicas, bate-papo, pesquisas; pois o que interessa é atribuir significado a partir de um momento e de um contexto, bem como, dar sentido ao estudo e à aprendizagem.

O problema, conforme Marcuschi, não é mais a ausência da diversidade textual nos Livros Didáticos ou na sala de aula, e sim, a maneira como está sendo desenvolvido o trabalho com essa diversidade, que não deve perder de vista a “concepção sócio-interativa da língua” e a noção de texto “enquanto

fenômeno empiricamente realizado nos discursos cotidianos” (2000, p.10).

Os métodos e técnicas que permitem interpretar e compreender um determinado texto não podem ser simplesmente transportados para outros, pois cada gênero requer uma abordagem específica. No entanto, ainda hoje, livros didáticos e professores desinformados submetem todos os textos a um único tratamento.

Para que se operem novas transformações na relação ensino e aprendizagem, faz-se necessário, cada vez mais, um redimensionamento na forma de trabalhar os gêneros na escola. Hoje, tendo como base recentes estudos da Linguística Aplicada, vemos que é esse trabalho deve estar centrado na caracterização dos diferentes gêneros textuais em seu aspecto formal e discursivo.

Brandão (op. cit) afirma que é preciso redimensionar a forma de se trabalhar a linguagem e o texto, alcançando-se nesse, a sua dimensão discursiva, proposta na concepção sócio-interacionista de linguagem. Nas próprias palavras dessa pesquisadora:

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Uma abordagem que privilegie a interação não pode estudar o texto de forma indiferenciada, em que, qualquer que seja o texto, vale o mesmo modo de aproximação. Uma abordagem que privilegie a interação deve reconhecer tipos diferentes de textos, com diferentes formas de textualização, visando a diferentes situações de interlocução. (BRANDÃO, 2000, p. 17-18).

Por isso, se faz necessário o estudo e o reconhecimento dos vários gêneros que circulam socialmente e de todas as relações existentes e possíveis no processo discursivo presentes nesses gêneros, que são, no momento, questão fundamental nos estudos de língua aplicada ao ensino.

Dolz e Schneuwly (op. cit.), a partir da noção de gêneros do discurso bakhtiniana, agrupam os gêneros textuais em cinco ordens: do narrar, do relatar, do descrever, do argumentar e do prescrever; facilitando, assim, a classificação e a operacionalização didática dos gêneros discursivos na elaboração de programas, projetos e currículos voltados para o ensino e aprendizagem, embora os autores estejam cientes de que há tantos gêneros

textuais quantas situações sociais, ou seja, que é praticamente impossível uma classificação de todos os gêneros existentes.

Mesmo assim, é conveniente uma classificação que possa organizar o texto no espaço escolar para um melhor estudo e observação dos princípios gerais e específicos estruturadores dos textos. Essa classificação, na prática do ensino brasileiro, é dada pelos PCN (1998).

Foi para analisar de que forma essas propostas estão sendo encaminhadas por estudiosos francofônicos e brasileiros que desenvolvemos o presente estudo, dividindo-o em quatro partes distintas.

A primeira parte nos permite conhecer as origens e o desenvolvimento da noção e da classificação dos gêneros da era clássica ao século XX, nos estudos literários, retóricos e linguísticos até as concepções de Bakhtin. Nesta parte percebemos que houve uma mudança de foco: os gêneros eram, praticamente, classificados e estudados no contexto literário e, agora, passaram a ser estudados no âmbito da língua.

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A parte seguinte contempla os desdobramentos e usos do termo gênero nos estudos linguísticos, a partir de Bakhtin até as considerações recentes sobre gêneros como instrumentos de ensino e aprendizagem, apresentadas pela equipe de Genebra. Nesse contexto percebemos que os gêneros tomam uma importância linguística e passam a serem vistos como uma ferramenta no ensino e aprendizagem da língua.

Na terceira parte encontra-se uma breve explanação do encaminhamento dado à teoria dos gêneros no ensino e aprendizagem de língua, proposto nas diretrizes dos PCN como um meio de organizar, dinamizar e resgatar as diversas formas de dizer que circulam socialmente. E, ainda nessa parte, destacamos o papel do Livro Didático, o seu fazer discursivo e ideológico, a sua função de divulgação e aplicação de teorias linguísticas; e ainda, como suporte para o estudo de gêneros variados.

A quarta e última parte contempla a análise de uma coleção didática que aplica a teoria dos gêneros nos moldes propostos pelos PCN ao estudo da língua e tem como suporte teórico declarado os

estudos da equipe de Genebra (Dolz, Schneuwly, entre outros).

A análise verte-se sobre conteúdo, tanto teórico quanto prático, exposto na coleção didática, confrontando-o com as recentes discussões sobre os gêneros textuais, sem perder de vista o padrão de qualidade a ser atingido pelo LD, uma vez que, esse material é, em algumas localidades do nosso país, a única fonte de consulta e estudo disponível para os alunos e professores.

O enfoque central na abordagem da coleção didática é o tratamento, a aplicação e a progressão dos gêneros textuais, bem como, as características enunciativas, visando à ampliação da competência textual-discursiva do aluno. Proposta presente na concepção de gênero como instrumento de ensino e aprendizagem, que comunga, primeiramente, com a concepção de gênero do discurso de Bakhtin e, depois, com teóricos que desenvolveram a teoria bakhtiniana no estudo da língua.

A fim de obter uma visão sistemática e circunstanciada, passaremos a analisar a posição da coleção quanto à teoria de base apresentada

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no Manual do Professor e aplicada no Manual do Aluno, sua organização e progressão, como objeto didatizante. Sempre que necessário, serão transcritas passagens dos manuais com o objetivo de contextualizar as questões levantadas e observações teóricas pertinentes e oportunas.

Antes, o estudo dos textos era voltado para uma classificação tipológica. Agora, com o estudo dos gêneros, gerou-se uma mudança de paradigma que exige uma perspectiva de trabalho voltada para o uso da língua como atividade cognitiva e interativa, uma vez que, quando se fala ou se escreve potencializa-se determinadas estruturas de acordo com sua intencionalidade, bem como, aspectos sociais e históricos. Visualizando esse contexto, elaboramos algumas questões pontuais que vão reger nossa pesquisa:

1. A coleção didática em análise propõe o aprendizado da linguagem visando ao desenvolvimento da competência discursiva do aluno por meio do uso de um número crescente de gêneros textuais em favor de uma formação crítica e consciente?

2. A coleção didática desperta o aluno para a riqueza que envolve o uso efetivo da língua e dos gêneros como um patrimônio do qual eles não podem abrir mão?

3. O fazer discursivo presente na coleção didática em análise facilita e contribui para aprendizagem dos gêneros textuais e sua utilização fora do contexto escolar?

4. São abordadas estruturais que caracterizam os gêneros apresentados, bem como, seu aspecto sócio-histórico-cultural?

5. Esses manuais contribuem para que o aluno se torne um produtor de sentido e não apenas uma analista de textos?

O corpus desta análise constitui-se de quatro manuais didáticos da coleção Todos os textos: uma proposta de produção textual a partir de gêneros e projetos (1998), de William Roberto Cereja e Thereza Cochar Magalhães, publicado pela Editora Atual.

A coleção em análise corresponde a um total de 517 páginas impressas, incluindo Sumário, Manual do Professor e Bibliografia. Esse tipo de coleção geralmente é adotado por professores que ensinam

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redação e que têm, como meta principal, trabalhar a leitura e a produção textual.

O critério de seleção desse corpus deve-se à presença e à aplicação da teoria dos gêneros, que, como já foi dito, vem sendo desenvolvida por uma equipe de Genebra e que já se encontra incorporada nos PCN. Essa teoria, apresentada na segunda parte dessa pesquisa, tem como proposta o ensino centrado no uso interativo da língua, uma vez que, os indivíduos quando se comunicam não trocam orações, palavras; mas enunciados que se constituem de recursos formais da língua (gramática e léxico) bem como de recursos extralinguísticos (contexto, situação de produção etc). Com o estudo dos gêneros textuais, flagra-se a essência dos enunciados, suas inúmeras formas de dizer, a interação e a posição dos interlocutores enquanto cidadãos do mundo.

A conclusão dos nossos estudos aponta para o fato de que a teoria dos gêneros começa a penetrar na sala de aula por meio dos Livros Didáticos de forma incipiente. O Livro Didático analisado, mesmo adotando as propostas dos PCN e seguindo as orientações da

equipe de Genebra no que tange a teoria dos gêneros, faz um uso predominantemente formal desses.

A partir do LD em análise constata-se que ainda não há um estudo dos gêneros em sua completude, uma vez que não se consideraram valores, crenças e projetos políticos na construção do significado do texto.

Em suma, ainda não se contempla a dimensão textual-discursiva presente nos múltiplos gêneros existentes hoje, o que seria primordial no ensino, para ao desenvolvimento de uma consciência crítica que demonstra que a linguagem reflete e refrata as relações sociais.

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20 Gêneros textuais - roseane Batista Feitosa nicolau 21Gêneros textuais - roseane Batista Feitosa nicolau

1 GÊNEROS: DA REALIDADE HISTÓRICA À REALIDADE DISCURSIVA

A noção de gênero, tradicionalmente abordado pela teoria literária e pela retórica, hoje, ressurge sob diferentes óticas em diversas tendências dos estudos linguísticos.

Nesta parte, veremos as mais significativas noções e classificações dos gêneros desde os antigos - que nos legaram um expressivo patrimônio cultural – até os dias de hoje, no contexto do ensino e aprendizagem; e, ao mesmo tempo, conheceremos a evolução dessas noções e classificações por meio dos estudos literários até o advento da Linguística, da Teoria da Enunciação e da Teoria dos Gêneros do discurso.

Os gêneros foram uma preocupação primeira da Poética e da Retórica. Recentemente, quando a Linguística volta-se para o estudo do texto e da

enunciação, é que se começa a pensar nos gêneros fora dos limites da literatura e do enquadramento da Poética: lírico, épico e dramático, e da Retórica Antiga.

Esta ênfase dada aos gêneros, na atualidade, por parte da linguística, tem grande importância para os estudos da área, devido à diversidade de textos que circulam no meio social, sobretudo, em tempos atuais em que passamos a ver que a linguagem é adquirida através dos gêneros e que o conhecimento desses é indispensável para a interpretação e produção de textos, contribuindo para a formação de cidadãos críticos e participativos.

Acerca dos estudos dos gêneros na era clássica e nas eras subsequentes, convém, observar o histórico fornecido por teóricos como Wellek e Warren (1957), Silva (1973), Todorov (1986), Reboul (1998), Perelmen (1996), bem como, a visão da era saussuriana e pós-saussuriana (Brandão, 2000).

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1.1 Os gêneros na Poética: visão clássica e moderna

A teoria dos gêneros, de Platão a Hegel, foi tomada como objeto primordial da Literatura que, segundo Bakhtin (2000, p. 280), tratou de estudar e classificar o assunto pelo “ângulo artístico-literário (...) e não enquanto tipos particulares de enunciados que se diferenciam dos outros tipos de enunciados, com os quais têm em comum a natureza verbal (linguística)”.

No livro III da República, Platão apresenta três grandes divisões da arte poética: o lírico, o épico e o dramático. Na poesia lírica, encontramos a própria persona do poeta, na revelação e no aprofundamento do seu próprio eu, na imposição do ritmo, da tonalidade das dimensões desse eu. Na poesia épica (ou no romance) o poeta faz as suas personagens objetivarem, em discurso direto, coisas e acontecimentos; e, no drama, o poeta desaparece por trás do elenco de personagens. O drama, desde o tempo dos gregos, é considerado uma arte literária mista, por implicar, também, um espetáculo.

Esta tripartição platônica foi a primeira referência teórica de classificação dos gêneros que se tem conhecimento; porém, esta divisão, dada por Platão, vai ser abolida no seu livro X da República que, de acordo com Silva (1973, p. 204) ao procurar “captar a universalidade e a unicidade da arte, despreza a arte como poikilia, isto é como multiplicidade e diversidade”.

Na sequência, surge a obra A Poética, de Aristóteles, que se constitui, “na primeira reflexão profunda acerca da existência e da caracterização dos gêneros” (Silva, op. cit. p. 204).

Aristóteles, leitor da obra de Platão, considera dois gêneros: o narrativo (épico) que, na sua concepção, se dá quando o narrador narra em seu próprio nome ou assumindo personalidades; e o dramático que ocorre quando os atores representam diretamente ação com personagens vivas e atuantes. Essa divisão fundamenta-se em elementos relativos ao conteúdo estabelecido, e, também, em elementos relativos à forma, distinguindo o processo narrativo usado no poema épico, e o processo dramático usado na tragédia. Resumidamente, a divisão dos

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24 Gêneros textuais - roseane Batista Feitosa nicolau 25Gêneros textuais - roseane Batista Feitosa nicolau

gêneros na visão aristotélica seria fundamentada na forma, conteúdo e atitudes do poeta. É interessante observar que Aristóteles não estudou o gênero lírico de forma ordenada, mas em partes perdidas da sua obra, como assevera Silva (op.cit.).

Horácio, antes da era cristã, reforça os preceitos aristotélicos, na sua Epistula ad Pisones, concebendo os gêneros literários, com sua tradição formal, caracterizados por uma “unidade de tom”, mediante um conteúdo específico. Todavia, nesta mesma obra, Horácio defende a existência de um terceiro gênero: o lírico, presente em obras como as Odes, do próprio Horácio, o Cancioneiro, de Petrarca as quais apresentam as reflexões do poeta.

A Epístola de Horácio assume uma posição de destaque na evolução da concepção e classificação de gênero, influenciando, assim, a Poética e a Retórica dos séculos XVI, XVII e XVIII. Vemos que, apesar do acréscimo do lírico na classificação dos gêneros, não se deixou de se seguir os preceitos da concepção clássica de que um gênero se difere do outro pela forma, conteúdo e pela hierarquia. A epopéia seria a expressão eloquente do heroísmo e é,

por isso, considerada um “gênero maior”; a comédia apresenta em geral personagens e problemas da burguesia, sendo, portanto, um “gênero menor”.

Seguindo esses preceitos elaborados por Aristóteles e por Horácio formulou-se a regra da unidade de tom, que vem separar ainda mais os gêneros que passam a ser concebidos como: “uma espécie de essência eterna, fixa e imutável, governada por regras específicas e igualmente imutáveis” (Silva, op.cit. p. 208).

A regra da unidade de tom começa a ser minada pelo aparecimento de novos gêneros, que negam os modelos e regras consideradas absolutas. Identificamos isso no Barroco que, além de conceber o gênero como uma entidade histórica, passível de evolução, admite a criação de novos gêneros, bem como sua heterogeneidade.

Inicia-se uma época de debate entre antigos e modernos, isto, sobretudo, no século XVI e XVII, ao se reconhecer uma evolução nos costumes, nas crenças, na organização social. As lições dos clássicos não representam, para os modernos, preceitos válidos atemporalmente.

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26 Gêneros textuais - roseane Batista Feitosa nicolau 27Gêneros textuais - roseane Batista Feitosa nicolau

No século XVIII, há um retorno muito forte ao ideal clássico através das correntes neoclássicas e árcades, porém o relativismo dos valores estéticos aparecia nas obras que despontavam, ou seja, as obras deste século já não possuíam o estatuto de realizações supremas dos gêneros clássicos.

Ainda no século XVIII, surge um movimento germânico conhecido como Sturm und Drang que, ditado pela ânsia de liberdade, rebela-se totalmente contra a teoria clássica dos gêneros e das suas regras.

Este movimento pré-romântico prega a individualidade e a autonomia de cada obra literária, e considera descabida a partição dentro de uma atividade criadora única, condenando, assim, a existência dos gêneros. Tal atitude não foi aceita de todo pelos românticos, que reconheciam a multiplicidade e diversidade dos gêneros, mesmo afirmando o caráter absoluto da arte.

Ainda conforme Silva (op. cit.), foram estabelecidas novas teorias dos gêneros a partir dos românticos que não se fundamentavam mais unicamente em elementos externos e formalistas, mas, sim, em elementos intrínsecos e filosóficos.

Inúmeros autores se ocuparam desta matéria, sem que, contudo, o problema da classificação dos gêneros fosse resolvido:

Hegel (apud Silva, op.cit.) reestrutura a tripartição platônica: lírica, épica e dramática, através da relação dialética entre sujeito-objeto: a lírica seria o gênero subjetivo; a épica, o gênero objetivo; e a dramática, o subjetivo- objetivo.

Na França, Boileau, segundo Silva ( op.cit), apresenta a seguinte tipologia: a pastoral, a elegia, a ode, o epigrama, a sátira, a tragédia, a comédia e a épica, porém sem definir a base dessa tipologia, apresenta um sistema de gêneros definitivamente estabelecido. Lessing, por sua vez, opondo-se a Boileau, (TODOROV, op.cit. p. 36-37), afirma que o sistema dos gêneros é aberto, não pré-existe necessariamente à obra e que um gênero pode surgir ao mesmo tempo em que uma obra.

Para Victor Hugo (Silva, op.cit.), os gêneros estão associados a estágios por que passa a humanidade: o lírico é a infância, o épico é a fase viril e da luta, o dramático corporifica os tempos modernos, pintando o homem nas grandezas e nas misérias

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28 Gêneros textuais - roseane Batista Feitosa nicolau 29Gêneros textuais - roseane Batista Feitosa nicolau

da sua humanidade. No drama está a tragédia, a comédia, a ode, a epopéia, havendo uma mistura de gêneros, onde residem a verdade e a beleza, ou seja, Victor Hugo descarta a pureza dos gêneros.

A mistura de gêneros se revela no teatro e em outras formas literárias, dificultando ainda mais a classificação das obras por gênero. Um exemplo apresentado por Silva (op.cit. p. 215) que ilustra essa dificuldade é o de Alexandre Herculano que, ciente da heterogeneidade dos gêneros, escreve em nota final de sua obra Eurico, o presbítero : “Sou eu o primeiro que não sei classificar este livro”. Outro exemplo, mais recente, dessa dificuldade de se classificar uma obra por gênero é mencionado em Proença (1955), quando Mário de Andrade classifica Macunaíma, primeiramente, como “história”, e, depois, a chama de “rapsódia”, por apresentar, como as rapsódias musicais, uma variedade de motivos populares. Mas, alguns anos depois, essa obra concorre como “romance” em um concurso literário. O que não foi contestado pelo autor da obra, uma vez que, um romance, no sentido antigo, é visto como vida e façanhas de um herói. Um outro

exemplo nos é dado ainda por Peixoto (1932), que ao fazer um breve passeio na classificação dos gêneros ao longo do tempo, frisou que Os Sertões, de Euclides da Cunha não tem classificação precisa na Retórica tampouco na Poética. Todavia, atualmente, vemos esta obra receber a classificação de livro-reportagem no contexto jornalístico 1.

Wellek e Warren (op.cit. p. 296-7), ao confrontar a teoria dos gêneros na era clássica e na era moderna, nos dizem que há diferenças distintivas, nessas teorias, que devem ser observadas.

A teoria clássica é normativa e prescritiva embora as suas ‘regras’ não contenham o ridículo autoritarismo que tantas vezes lhe é atribuído. A teoria clássica acredita não só que cada gênero difere dos outros quanto à natureza e ao prestígio, mas também, que os gêneros devem ser mantidos separados, que não deve ser permitida a sua miscigenação É esta a famosa doutrina da ‘pureza dos gêneros’, do ‘genre tranché’”.

Já a teoria moderna dos gêneros, cujos primeiros passos foram dados pelos românticos, “é claramente descritiva. Não limita o número das espécies possíveis e não prescreve regras aos

1 Ver a obra: Páginas Ampliadas, de Edvaldo Pereira Lima, 1993.

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30 Gêneros textuais - roseane Batista Feitosa nicolau 31Gêneros textuais - roseane Batista Feitosa nicolau

autores. Admite que as espécies tradicionais possam ‘misturar-se’ e produzir uma espécie nova (como a tragicomédia)”.

Poderíamos dizer, então, que os sinais de modernidade residiam no fato de não se obedecer à separação dos gêneros proposta pelos clássicos. Não há, por parte dos modernos, uma preocupação em distinguir os gêneros, há sim um interesse centrado no caráter único de cada gênero, de cada obra.

Desta forma, segue a polêmica em torno dos gêneros, despertando a curiosidade de estudiosos como Brunetière, segundo Silva (op.cit.), crítico e professor, que no final do século XIX, influenciado pela doutrina clássica e seduzido pela teoria evolucionista de Darwin, concebe os gêneros como entidades existentes: que nasce, desenvolve-se, envelhece e morre ou se transforma. Para ilustrar, citamos o exemplo citado por Silva (op.cit. p. 216) da Tragédia francesa que surgiu com o dramaturgo Jodelle, alcança a maturidade com Corneille, entra em declínio com Voltaire e desaparece antes do nascimento de Victor Hugo.

O valor e a importância da obra, segundo a

teoria de Brunetière, dependeriam da aproximação ou do afastamento da obra relativa à essência de um gênero e como dependente do lugar ocupado pela obra na evolução do mesmo gênero.

A teoria de Brunetière foi contestada, por sua vez, por Croce (1997) que concebe a arte como resultado de um conhecimento intuitivo, oposto ao conhecimento lógico, denominada de “forma auroral do conhecimento”. Para Croce, a obra poética seria una e indivisível, porque cada expressão é uma expressão única. Croce não concebe os gêneros como entidades existentes e normativas e vê a teoria dos gêneros como uma busca para saber, apenas, se a obra está composta segundo as leis do poema épico, ou da tragédia, esquecendo-se de procurar saber se ela (a obra) é expressiva caso seja o que ela exprime. Por outro lado, este autor admite o estudo dos gêneros como instrumento útil para a história literária, cultural e social. Na visão de Croce, a doutrina clássica dos gêneros substitui a conceito de beleza, critério legítimo da valoração estética, pelo conceito de subordinação e de obediência a este ou aquele gênero. Isso, conforme Silva (op.cit.),

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32 Gêneros textuais - roseane Batista Feitosa nicolau 33Gêneros textuais - roseane Batista Feitosa nicolau

não glorifica Croce que impõem uma doutrina não menos radical.

Kayser (1968), por sua vez, considera o gênero como entidade normativa e como critério de valor, afirmando que o conteúdo, as ideias e o estético de uma obra somente poderão ser compreendidos a partir da noção de gênero. Para esse autor, o gênero representa uma entidade fechada e abstrata, dentro da qual se estabelecem subespécies arbitrárias; não reconhece a legitimidade de uma obra que não respeite as normas fixadas. Essa visão também é por demais radical, segundo Silva, porque nega qualquer possibilidade de fundamentar o gênero literário na realidade da própria obra.

Para Silva (op.cit. p.222), “cada gênero representa um domínio particular da experiência humana”. A tragédia e a comédia ocupam-se de elementos e problemas muito diversos da existência humana. Há em cada gênero, uma técnica e uma estilística própria, intimamente, conjugadas com a visão própria do mundo, sem que com isso os gêneros devam passar a ser compreendidos como entidades fechadas e incomunicáveis entre si.

Staiger, citado por Silva (op. cit. p.223), mostra um caminho seguro no estudo dos gêneros ao condenar uma poética “apriorística e anti-histórica” e frisa a necessidade de a Poética se apoiar na história, na tradição formal concreta. Ele retoma a tradicional tripartição de Platão - lírico, épico e drama -, reformulando-a e substituindo estas formas substantivas, por conceitos estilísticos de: lírico, épico, e dramático. Tais termos, até hoje, fazem parte da ciência literária e representam as possibilidades fundamentais da existência humana: existe uma lírica, uma épica e uma dramática que se caracterizam respectivamente pela recordação, observação e expectativa. Essas características conexionam-se com a tridimensionalidade do termo existencial: a recordação implica o passado, a observação trata do presente, a expectativa profetiza o futuro.

Lukács (apud Silva, op.cit.) interessa-se pela problemática dos gêneros e, inspirado na estética hegeliana, estabelece distinções entre vários gêneros, sobretudo, entre o romance e o drama. Para esse crítico, a distinção entre os gêneros deve corresponder a visões diferentes da realidade, o que implica necessariamente

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34 Gêneros textuais - roseane Batista Feitosa nicolau 35Gêneros textuais - roseane Batista Feitosa nicolau

na diversidade de conteúdo e de forma, bem como de fatores de ordem histórico-social.

Assegura Silva (op.cit), que a realidade concreta da literatura comprova que em nenhuma obra podem confluir diversos gêneros. O que se verifica é a predominância de um deles. Os elementos genéricos que fundamentam o gênero tanto pertencem ao domínio da forma interna - visão específica do mundo, tom, finalidade etc, - como ao domínio da forma externa - caracteres estruturais estilísticos.

As ideias de Silva comungam com a visão de Wellek e Warren (op.cit, p. 293) que concebem o gênero “como um agrupamento de obras literárias, teoricamente baseada tanto na forma exterior (metro e estrutura específicos) como também na forma interior (atitude, tom, finalidade – mais grosseiramente, sujeito e público)”.

Todorov (1986), por sua vez, propõe uma moderna Poética, partindo de um conceito de gênero literário mais voltado para obras, épocas e práticas sociais. Contesta a existência de um discurso literário homogêneo quando diz que o discurso qualificado de literário tem parentes não-literários

que lhe são mais próximos do que qualquer outro tipo de discurso literário e exemplifica comparando certa poesia lírica à prece. Por fim, esse crítico sugere que seja feita uma Tipologia dos discursos e não mais entre textos literários (e não-literários) separadamente, e propõe, ainda, que a poética ceda o seu lugar para a teoria do Discurso e para a análise de seus gêneros, pois:

... a experiência literária não é senão a parte visível de um iceberg verbal: por baixo encontra-se o domínio subliminar das reações retóricas que a publicidade, os preconceitos sociais e a conversa cotidiana suscitam, essas reações permanecem inacessíveis à literatura enquanto tal, mesmo que esta seja do nível mais popular como no cinema, na televisão ou nas histórias em quadrinhos (op. cit. p. 23).

Isso nos leva a crer que há, como pudemos observar acima, diversas formas de se caracterizar os gêneros, diversas abordagens a respeito desse tema, pontos que convergem e pontos que divergem, o que torna inviável uma visão unívoca sobre os gêneros nos estudos feitos até então na Literatura.

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36 Gêneros textuais - roseane Batista Feitosa nicolau 37Gêneros textuais - roseane Batista Feitosa nicolau

1.2 Os gêneros na Retórica: ênfase à natureza verbal do enunciado e a seus princípios constitutivos

Aristóteles em sua obra A Retórica e teóricos dos gêneros de diversas épocas que se inspiraram nessa obra reconhecem três tipos de gêneros, definidos pelos ouvintes, pelas finalidades e pelas circunstâncias em que são pronunciados: deliberativo, judiciário e epidíctico. Por que essa tricotomia? Aristóteles responde, na sua própria obra, que essa tricotomia se dá devido à existência de três espécies de auditório e é a partir da necessidade de adaptar-se a esses auditórios que os gêneros são especificados, pois não nos dirigimos da mesma forma a pessoas diferentes, sobretudo, após analisarmos os papéis que elas representam.

No gênero deliberativo, o orador se propõe a atingir o auditório, no caso a assembléia, aconselhando o útil, o melhor; no judiciário, o orador acusa ou se defende pleiteando o justo e tem como auditório o tribunal; e, no epidíctico, trata do elogio ou da repreensão, versa sobre os atos dos

cidadãos, preocupa-se apenas com o que é belo ou feio, e ocorre em lugares, normalmente, públicos para espectadores públicos.

Contrariamente aos debates políticos e judiciários, verdadeiros combates em que se procura adesão de um auditório, o gênero epidíctico - que tem como um dos fundadores, Górgias, conhecido por sua eloquência - era, na Grécia, uma atração nas festas em que se reuniam os habitantes de uma cidade ou de várias cidades-estados.

Segundo Perelmen (1996, p. 54), o gênero epidíctico parece pertencer mais à literatura do que a argumentação. Reboul (1998), por sua vez, nos diz que esse gênero lembra mais uma prática pedagógica ou religiosa por apresentar um cunho mais de ensinamento, orientação, tal qual ocorre nas pregações religiosas.

É interessante observar que as relações e delimitações entre os gêneros da Retórica e da Poética jamais ficaram claras. A Retórica apresenta limitações desde a sua origem e é conhecida como uma teoria de produção e não de interpretação, sendo mais normativa que descritiva.

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38 Gêneros textuais - roseane Batista Feitosa nicolau 39Gêneros textuais - roseane Batista Feitosa nicolau

Bahktin (2000, p. 280), ao confrontar os gêneros literários com os retóricos, diz que estes dão mais atenção “à natureza verbal do enunciado e a seus precipícios constitutivos”, como: a relação com o ouvinte, a influência deste sobre o enunciado, a conclusão verbal do enunciado. Porém, “a especificidade dos gêneros retóricos ( jurídicos, político) encobrem a natureza do enunciado”.

No período latino, segundo Reboul (1998), os gêneros retóricos se instalaram como disciplinas e tiveram como grandes representantes Cícero e Quintiliano cujas obras constituem admiráveis tratados de retórica baseados em suas práticas. Quintiliano, retomando as ideias de Cícero sobre o campo do ensino retórico, define a retórica como “a arte de bem falar”. Porém o “bem” não tem sentido só estético, mas também moral.

Hoje, longe dos limites dos três gêneros retóricos dos antigos, reconhecemos diversas formas modernas de retóricas, tal qual a propaganda e a publicidade.

Como percebemos, as diversas formas de enunciações poéticas e retóricas foram objetos de estudos e pesquisas durante séculos, mas

essas pesquisas estiveram sempre divorciadas das situações de comunicação verbal.

1.3 Os gêneros na Linguística: estudo dos discursos cotidianos

De acordo com Bahktin (2000, p. 281), o estudo dos gêneros na Linguística se fez a partir de Saussure e seus seguidores conduziram a definição correta da natureza linguística do enunciado por se limitarem a pôr em evidência a especificidade dos discursos cotidianos. A teoria de Saussure privilegia o caráter formal e estrutural da linguagem, embora reconheça a importância de considerações de natureza etimológica, histórica e política da língua.

O estruturalismo aproxima-se da Retórica no que se refere ao seu esforço de analisar e classificar as formas de fala e tentar tornar inteligível o mundo da linguagem.

Para os estruturalistas, conforme Kuentz (apud Brandão, 2000), os gêneros são estruturas abstratas (modelos) suscetíveis de investimentos concretos

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40 Gêneros textuais - roseane Batista Feitosa nicolau 41Gêneros textuais - roseane Batista Feitosa nicolau

que resultam em uma obra - realização de uma estrutura abstrata. O objetivo dos estruturalistas é buscar modelos classificatórios abstratos com efeitos normativos, não dando, assim, lugar ao heterogêneo, contextual e histórico.

Os formalistas russos mostram-se conscientes das dificuldades de se impor uma classificação lógica e firme dos gêneros e, ao mesmo tempo, mostram-se atentos à variação dos textos, às oposições tipológicas enraizadas historicamente, ao propor “... uma abordagem descritiva no estudo dos gêneros e substituir a classificação lógica por uma classificação pragmática e utilitária levando unicamente em conta a distribuição do material nos quadros definidos” conforme declara Tomachevski, 1965 (apud Brandão, op. cit, p. 21).

O formalista Jakobson (1999) ultrapassa a análise linguística fixada nas características estruturais ao privilegiar os aspectos funcionais de linguagem relacionando-os aos fatores constitutivos de todo processo de comunicação. Esse linguista preocupa-se, também, em mostrar a correspondência entre a estrutura gramatical fixa da linguagem e as espécies

literárias, correlacionando a lírica à primeira pessoa do singular do tempo presente; a épica, a terceira pessoa do tempo passado; além das particularidades dos gêneros literários como a função poética que predomina nesses tipos de gêneros em relação às outras funções. Segundo Rastier (1989), o processo de comunicação apresentado por esse linguista não inclui as condições sociais que determinam a situação de comunicação, sendo, portanto, algo que deva ser considerado.

Se classificarmos os textos exclusivamente em razão da função da linguagem que predomina em cada um deles, corremos o risco de não distinguirmos nem caracterizarmos devidamente a variedade de textos informativos, literários, apelativos, expressivos e argumentativos que circulam na sociedade, uma vez que os textos se configuram em diferentes formas para manifestar as mesmas funções da linguagem e os mesmos temas. Não se pode determinar a função da linguagem em um texto sem o conhecimento do tipo de discurso nele presente, e das práticas sociais da qual ele resultou, isto é, não se concebe os gêneros sem seu aspecto social.

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42 Gêneros textuais - roseane Batista Feitosa nicolau 43Gêneros textuais - roseane Batista Feitosa nicolau

A noção de gênero para Aristóteles e seus sucessores aplicava-se apenas aos textos de valor social ou literário reconhecido. No decorrer do século XX, essa noção começou a ser aplicada ao conjunto das produções verbais organizadas, escritas ou orais, sobretudo a partir das obras de Bakhtin. Desta forma, qualquer texto observável pertence a um determinado gênero.

Em suas obras, Marxismo e filosofia da linguagem (1999) e Estética da criação verbal (2000), Bakhtin desenvolve uma filosofia da linguagem de base marxista quando, ao se opor às duas orientações do pensamento vigentes na época, o subjetivismo idealista e o objetivismo abstrato, expõe a existência do caráter sócio-histórico da linguagem, considerando o enunciado como produto de uma interação verbal.

Para Bakhtin (1999), qualquer enunciado está ligado a uma situação material concreta, bem como a uma esfera mais ampla que constitui o conjunto das condições de vida de uma comunidade linguística. Cada esfera elabora “tipos relativamente estáveis de enunciados”, isto é, gêneros do discurso, que se

caracterizam por seu conteúdo temático, estilo e unidades composicionais – dimensões que refletem a esfera social em que são produzidos e modificados.

Os gêneros do discurso apresentam uma variedade infinita que vai sendo modificada e ampliada à medida que a própria esfera se desenvolve e fica mais complexa.

Diante da preocupação e dificuldade dos estudiosos da Literatura e da Linguística em classificar os gêneros, Bakhtin (2000 p. 281) nos diz que: “Não há razão para minimizar a extrema heterogeneidade dos gêneros do discurso e a consequente dificuldade quando se trata de definir o caráter genérico do enunciado”.

Diante essa situação, Bakhtin propõe o estudo e a compreensão dos gêneros mediante a definição destes e sua classificação em “primários” e “secundários”.

Os gêneros secundários, segundo Bakhtin, resultam de uma comunicação cultural mais complexa, geralmente escrita, e mais evoluída, composta da absorção e transmutação dos gêneros primários que, por sua vez, apresentam uma relação

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44 Gêneros textuais - roseane Batista Feitosa nicolau 45Gêneros textuais - roseane Batista Feitosa nicolau

imediata com as situações nas quais são produzidas. A análise e distinção desses gêneros para

Bakhtin são de grande importância para o estudo linguístico de forma geral, por favorecer a compreensão da natureza do enunciado. Nas suas próprias palavras:

Ignorar a natureza do enunciado e as particularidades de gênero que assinalam a variedade do discurso em qualquer área do estudo linguístico leva ao formalismo e à abstração, desvirtua a historicidade do estudo, enfraquece o vínculo existente entre a língua e a vida. A língua penetra na vida através dos enunciados concretos que a realizam, e é também através dos enunciados concretos que a vida penetra na língua. (idem, 2000, p. 282).

Além do aspecto sócio-histórico do gênero, Bakhtin enfatiza o aspecto dialógico da linguagem na interação verbal:

... a experiência verbal individual do homem toma forma e evolui sob o efeito da interação contínua e permanente com os enunciados individuais do outro. É uma experiência que se pode, em certa medida, definir como um processo de assimilação, mas ou menos criativo, das palavras do outro (e não das palavras da língua). Nosso fala, isto é, nossos

enunciados (que incluem as obras literárias), estão repletos de palavras dos outros, caracterizadas, em graus variáveis pela alteridade ou pela assimilação, caracterizadas, também em graus variáveis, por um emprego consciente e decalcado”. (2000, p. 313-314).

O estudo dos gêneros sob a ótica do discurso já havia sido enunciado por Bakhtin/Volochínov (1999, p. 124) mesmo antes de ser estabelecido na obra Estética da criação verbal (2000), quando esse teórico indicou uma ordem metodológica para o estudo da “língua viva”, que se dá em situações históricas:

1) As formas e tipos de interação verbal em ligação com as condições concretas em que se realizam.

2) As formas das distintas enunciações, dos atos de fala isolados, das categorias de atos de fala na vida e na criação ideológica que se prestam a uma determinação pela interação verbal.

3) A partir daí, o exame das formas

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46 Gêneros textuais - roseane Batista Feitosa nicolau 47Gêneros textuais - roseane Batista Feitosa nicolau

da língua na sua interpretação linguística habitual.

Para Furlanetto (1998), no item 1, Bakhtin faz referência direta aos gêneros como: “formas e tipos de interação verbal” sempre relacionando-os com as condições concretas de sua realização verbal e social, o que seria em Bakhtin (2000): “as esferas de atividades humanas”. Cada esfera elabora seus tipos e formas de enunciados, os gêneros. No item 2, é feita referência às unidades que classificam os gêneros em primários e secundários: “categorias de atos de fala na vida e na criação ideológica”. E, no terceiro e último item, é feita a sugestão de se trabalhar, após os itens anteriores, as formas de língua na sua interpretação linguística habitual, isto é, estrutural.

A teoria dos gêneros, elaborada por Bakhtin (2000), sugere como ponto de partida o estudo da natureza do enunciado nas esferas de comunicação em situações concretas de produção, pois não se pode falar em gêneros, na concepção bahktiniana sem pensar na esfera de atividades em que eles se constituem e atuam. Os gêneros, para Bakhtin,

resultam, portanto, do uso comunicativo: quando os indivíduos se comunicam, trocam palavras, orações, traçam enunciados, produto de uma enunciação que se constitui com recursos formais da língua (gramática e léxico), e também com recursos extralinguísticos: as formas de língua e os tipos de enunciados até as formas gramaticais (sintaxe). Os gêneros nos fazem ver a própria essência do enunciado, o “quer-dizer”, o “intuito discursivo”, determinando os limites dos enunciados, nas trocas de falantes e que, por sua vez, determina, também, a escolha dos gêneros que, por serem criados com propósitos comunicativos específicos, podem ser agrupados e estudados.

Assim, esse autor sugere que se faça o estudo da linguagem pelas manifestações materiais nas comunidades por meio dos gêneros. Esses estudos começaram a se concretizar. É o que veremos na parte que segue.

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48 Gêneros textuais - roseane Batista Feitosa nicolau 49Gêneros textuais - roseane Batista Feitosa nicolau

2 DESDOBRAMENTO DA CONCEPÇÃO DE GÊNERO: CLASSIFICAÇÃO E ASPECTOS SÓCIO-

HISTÓRICOS

Os desdobramentos teóricos das proposições bakhtinianas de interacionismo da linguagem e seus aspectos sócio-históricos, bem como, a concepção de gêneros de discurso encontram, na atualidade, considerável expressão nos estudos desenvolvidos por franceses e genebrinos, sobretudo, nos trabalhos de Adam (1992), Bronckart (1999), François (1998) Dolz e Schneuwly (1996) e aqui no Brasil, nos trabalhos de Rojo (1998) Brandão (2000), Meurer (2000) e Carneiro (1997), Marcuschi (2000) e Bezerra (2000), muitos desses, voltados para a perspectiva educacional, gerando novas abordagens no estudo dos textos.

Neste sentido apontaremos algumas linhas teóricas de investigação linguística devolvidas por

alguns desses pesquisadores citados que, como já foi dito, apresentam, como embasamento teórico, a teoria dos gêneros de Bakhtin. É bom não perder de vista, como nos alerta Marcuschi (2000, p.23), que a intenção maior de Bakhtin é “balisar uma concepção de gênero no contexto de uma visão de discurso voltada para atividades enunciativas em processos interativos”.

Pensando no texto em sua função enunciativa e nos gêneros como ferramenta de ensino aprendizagem, pesquisadores franceses e genebrinos mencionados debruçaram-se sobre a teoria de Bakhtin e classificaram os textos de acordo com suas características sócio-interativas. Alguns chegam a abandonar a noção tradicional de tipo de texto em favor da de gêneros.

2.1 Adam: sequências textuais

Adam (1992), ao estudar a natureza composicional heterogênea da linguagem, volta-se para as reflexões de Bakhtin (2000), quando este estende os limites da competência linguísticos dos sujeitos para além da palavra, da frase, em direção

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50 Gêneros textuais - roseane Batista Feitosa nicolau 51Gêneros textuais - roseane Batista Feitosa nicolau

aos gêneros - denominados de “sintaxe das grandes massas verbais”. Os gêneros correspondem a todo o fazer discursivo para os quais somos, desde a mais tenra infância, sensíveis e que, sem sua existência, seria impossível a troca verbal.

Sobre essa hipótese bakhtiniana, Adam (op.cit.) desenvolve sua teoria de que as formas mais elaboradas e complexas de enunciados (gêneros secundários) se fundam sobre um certo número de formas elementares (formas prototípicas), Porém, Adam não desenvolve sua teoria em direção ao campo sócio - linguístico dos gêneros do discurso, e sim em direção “ao mais estritamente linguístico da textualidade” (Brandão, op.cit. p. 28), refletindo sobre certas categorias que estão na base de qualquer composição textual. Desta forma, esse linguista monta uma tipologia de base, estruturas sequenciais prototípicas do texto. Para isso, opera com uma definição de texto como objeto composto de sequências.

Em sua teoria, Adam propõe a existência de cinco tipos básicos de sequências prototípicas: narrativa, descritiva, argumentativa, explicativa e

dialogal; podendo, ainda, combina-se, um único texto, duas ou mais sequências prototípicas.

Esse trabalho de Adam é importante em termos didáticos por sugerir uma nova tipologia, roubando a cena da tipologia tradicional (narração, descrição e dissertação) que se encontra obsoleta e não atende mais às condições de estudo de textos da nossa época. Vale salientar, porém, que essa tipologia de Adam (op.cit. p. 06) não leva em conta certos aspectos da caracterização como inserção social e histórica, pois essa tem como objetivo teorizar de forma unificada a heterogeneidade composicional dos discursos.

Após apresentar a teoria de Adam e sua classificação textual, Brandão (op.cit. p.39) propõe que o professor atrele essa classificação ao conceito de gênero bakhtiniano, para “apreender na forma de textualização dos gêneros, a sua materialidade linguística”, o que caracteriza e identifica os diferentes gêneros textuais aos quais os alunos são expostos no seu cotidiano. Já Bezerra (2000 e 2001) elege a tipologia de Adam juntamente como o conceito de gênero de Bakhtin para desenvolver análises nos livros didáticos.

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52 Gêneros textuais - roseane Batista Feitosa nicolau 53Gêneros textuais - roseane Batista Feitosa nicolau

2. 2 Bronckart: a Linguística e seus aspectos sócio-interacionais

Bronckart (1999), ao ver a linguagem tanto nos seus aspectos sociais como interacionais, defende uma versão mais específica do sócio-interacionismo, denominado de interacionismo sócio-discursivo. Essa versão apresenta como base teórica, a obra de Vygotsky e de Bakhtin. Esse casamento de teorias se deu, sobretudo, porque Vygotsky atribui à linguagem, uma ação, uma atividade social, porém, considera, apenas, a palavra, como unidade verbal, não identifica as unidades verbais maiores, os gêneros do discurso, que Bakhtin, por sua vez, visualiza e descreve em sua obra. Essas unidades verbais maiores correspondem, mais claramente, às atividades, propriamente ditas, de linguagem e ações verbais como atividades sociais, produtos da interação social (do uso). Convém lembrar que são dessas unidades maiores que se constroem os mundos representados, definidos no contexto das atividades humanas que estão em constante transformação.

Nesse seu trabalho, Bronckart se propõe, ainda, a abordar as condições de produção dos textos, a problemática da sua classificação e as opções em que baseia seu funcionamento, analisando a arquitetura interna dos textos sem perder de vista as suas condições externas de produção. E preconiza, também, uma tipologia resultante da análise das capacidades e heterogeneidades fundamentais das manifestações da linguagem.

Para desenvolver a sua teoria, Bronckart reelabora vários conceitos: sob o ponto de vista de que textos são formas de realização empíricas diversas. Como entidade geral, “a noção de texto pode ser aplicada a toda e qualquer produção de linguagem situada, oral ou escrita”.(op.cit. p. 71), não importando o tamanho do texto, porém considera os mecanismos de textualização e enunciativos destinados a conferir a coerência interna.

Por serem produtos de atividade humana, os textos “estão articulados às necessidades, aos interesses e às condições de funcionamento das formações no seio das quais são produzidos” (Idem, 72).

Para Bronckart, o uso verbal é o produto de

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54 Gêneros textuais - roseane Batista Feitosa nicolau 55Gêneros textuais - roseane Batista Feitosa nicolau

interações linguajares. As intenções se concretizam em discurso de diversos tipos. É no quadro do funcionamento de cada tipo de discurso que se realiza a articulação sutil entre parâmetros da comunicação e parâmetros da referencialização, dotando cada unidade linguística de sua significação.

Diante de diversidade de tipos de textos, surge o conceito de gêneros, ou melhor, gêneros de texto, em vez de gêneros do discurso, uma vez que todo texto se inscreve em um conjunto de textos ou gêneros de textos. Devido à sua relação com as atividades humanas, os gêneros textuais são múltiplos e infinitos, gerando diversas classificações, muitas vezes divergentes e parciais.

A problemática de classificação dos gêneros dá-se devido à diversidade de critérios utilizados na classificação. Eis alguns enumerados por Bronckart:

critérios referentes ao tipo de atividade humana implicada (gêneros literários, científicos, jornalísticos, etc); critérios centrados no efeito comunicativo visado (gêneros épicos, poéticos, líricos, miméticos, etc.); critérios referentes ao tamanho e/ou à natureza do suporte utilizado (romance, novela, artigo de jornal, reportagem, etc.); critérios referentes ao

conteúdo temático abordado (ficção científica, romance policial, receita de cozinha, etc) (idem, p. 73).

Bronckart aponta ainda, como outra dificuldade de classificação dos gêneros, o caráter histórico (e adaptativo) das produções textuais: os gêneros desaparecem e reaparecem sob formas diferentes ou surgem novos gêneros, em suma, os gêneros estão em “constante movimento”.

O critério que poderia ser mais objetivo na classificação dos gêneros, para esse pesquisador, seria o das “unidades” e das “regras linguísticas específicas” que mobilizam os gêneros. Porém a aplicação desse critério é comprometida por um texto pertencente a um mesmo gênero ser composto por vários segmentos distintos, que por sua vez podem ser identificados e estudados com base nas unidades e regras linguísticas.

Concluímos, portanto, que, para Bronckart, um gênero não pode ser definido apenas por critérios linguísticos, no entanto, esses critérios podem definir os segmentos que compõem um gênero

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56 Gêneros textuais - roseane Batista Feitosa nicolau 57Gêneros textuais - roseane Batista Feitosa nicolau

e favorece o agrupamento desses. Os segmentos que entram na composição de um gênero foram chamados, por Bronckart (idem, p.77), de tipos de discurso porque os gêneros resultam de uma forma discursiva que apresenta regularidade de estruturas linguísticas pertencentes ao domínio dos tipos. Se, por outro lado, a produção de um texto delimita-se em modelos sociais dos gêneros e dos tipos, ela também se alicerça em decisões relativas que conferem ao texto um estilo próprio, resultando na variação de textos (textos empíricos). Isto, resumidamente, seria uma unidade concreta pertencente a um gênero composta por vários tipos de discurso e marcadas por decisões do produtor em situação de comunicação.

2.3 François: gêneros, condições sociais e marcas linguísticas

François (1999) comunga com outros linguistas e teóricos da literatura quando diz que a noção de gêneros não é clara nem desprovida de polêmica. Os gêneros, para esse linguista, se definem por

suas condições de enunciação e por suas condições históricas de aparição. Para François, a noção de gênero é a que mais caracteriza a linguagem e permite um número aberto de formas de significar. Podemos distinguir, segundo ele, os gêneros por suas condições de enunciação-recepção, pelo corpus definido formalmente e por suas modalidades de releitura. Para clarear sua visão, esse pesquisador nos dá, como exemplo, a Bíblia, que apresenta o mesmo corpus formal, porém o texto não é o mesmo, devido às diversas leituras feitas em várias épocas.

Há, ainda, segundo François, sistemas de definição de gêneros, produzidos a partir de certas condições sociais, precisas, mais ou menos, pelas marcas linguísticas da formação global do texto como, por exemplo, a tricotomia: épico, lírico e dramático.

Ao abordar a classificação dos gêneros elaborada por vários linguistas, François nos diz que essas pecam por duas razões: primeiro, por suporem que a classificação é o máximo da elucidação e; segundo, por pensarem que classificam os gêneros.

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58 Gêneros textuais - roseane Batista Feitosa nicolau 59Gêneros textuais - roseane Batista Feitosa nicolau

Porém a grande questão das classificações, levantada por François (op.cit. p.108), refere-se às lacunas que nelas existem:

Um texto, classificado em um gênero não se reduz ao que é dito nessa classificação. No interior de cada gênero, pode-se sempre encontrar aspectos da narração, da argumentação, do questionamento... que não facilitam, certamente, a arrumação em classes.

François afirma, também, que uma classificação dos gêneros não pode se fundar sobre um só critério. Fixar os gêneros não deve ser visto como um fim em si mesmo, mas como colocar em evidência suas realizações e/ou sua recepções; isto implica levar em conta o outro, o interlocutor, suas leituras e as diferentes maneiras que um texto pode agir sobre ele e que o faz agir.

Ao referir-se a teoria dos gêneros em Bakhtin, precisamente na oposição entre gêneros primários e secundários, François mostra que os gêneros secundários só têm sentido no circuito social que os constituem, nas relações da vida cotidiana dos enunciados religiosos, científicos, políticos,

ideológicos, fragmentos de discursos que compõem a ideologia do cotidiano.

2.4 Marcuschi: os gêneros no contexto linguístico

Marcuschi, em suas pesquisas, evidencia a presença marcante da questão dos gêneros textuais nas obras linguísticas nos últimos tempos, sobretudo, relacionada com o ensino de línguas (Schneuwly, Bronckart), uma vez que “o ensino baseado nos gêneros promete um aprendizado mais consistente e adequado” (2000, p. 2).

Ao abordar o estudo dos gêneros no contexto linguístico, Marcuschi cita Swales, quando este afirma que o termo gênero refere-se a uma categoria distintiva de discursos de qualquer tipo seja falado seja escrito, com ou sem aspirações literárias.

A noção de gênero na Linguística, para Marcuschi, é controversa e polêmica, uma vez que muitos linguistas não apresentam uma definição precisa desse termo nem de termos com o qual ele se assemelha, como tipo e formas de composição.

Preocupado como a imprecisão do termo

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60 Gêneros textuais - roseane Batista Feitosa nicolau 61Gêneros textuais - roseane Batista Feitosa nicolau

gênero e com suas diversas classificações, Marcuschi propõe fazer uma revisão das posições mais proveitosas sobre o tema, bem como, uma nova proposta de tratamento desse.

Distinguindo ‘classificação’ de ‘tipologia’, Marcuschi afirma que as tentativas de classificação conduzem a uma diversidade de tipologia e que a única distinção que se evidencia claramente é entre a teoria de tipos textuais, consensual entre vários linguistas, chegam de 5 a 10 tipos, quase sempre de caráter formal e abstrato; e, a investigação dos gêneros textuais que são agrupamentos por critérios os mais diversos, que, ao mesmo tempo em que classifica os textos, os constituem.

Com relação à noção de gêneros textuais e gêneros discursivos, Marcuschi (idem, p.7) estabelece sua visão a respeito de cada um deles: gênero textual, aspectos constitutivos de natureza empírica, seja intrínseco ou extrínseco e gênero discursivo, algo realizado na situação discursiva - porém ambas as expressões se equivalem. Esse linguista admite preferir a noção de gêneros textuais por questão de “simetria terminológica”. E, ainda, para “eliminar

as querelas teóricas entre texto e discurso”, sugere gêneros comunicativos, ao considerar os aspectos sócio-comunicativos.

Uma outra proposição relevante em Marcuschi (idem. p.10) é a classificação conjunta e contínua da produção textual na fala e na escrita, estabelecida, no entanto, a partir da observação de alguns aspectos teóricos e de critérios adequados. O básico seria não perder de vista a “concepção sócio-interativa da língua” e a noção de texto “enquanto fenômeno empiricamente realizado nos discursos cotidianos”.

Quanto à diferença entre tipos textuais e gêneros textuais, Marcuschi (idem, p. 12-3) diz que os gêneros textuais “são fenômenos bastante heterogêneos”; enquanto os tipos textuais “são construtos definidos homogeneamente”, porém realizados em eventos heterogêneos e abrigados pelos gêneros. Como exemplo, cita o ‘telefonema’ que, apesar de ser um evento linguístico claro e definido “sob o ponto de vista textual não é homogêneo”, ao envolver argumentações, narrações, descrições. Além disso, Marcuschi, nos diz que a noção de telefonema enquanto gênero, atualmente, não é mais tão

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62 Gêneros textuais - roseane Batista Feitosa nicolau 63Gêneros textuais - roseane Batista Feitosa nicolau

clara assim; há muitos tipos de telefonemas, como: telefonema fonado, uma mensagem que uma pessoa envia à outra através de um terceiro; o recado gravado, memorizado pela secretária eletrônica e outros tipos mais modernos de telefonemas que se servem do computador e do celular.

Por meio das observações de Marcuschi (idem, p.15), que se baseia em Bakhtin, percebemos que os gêneros são eventos sócio-historicamente variáveis e que não podemos elaborar uma lista fixa desses eventos sem critérios pré-estabelecidos e sem “uma matriz operacionalmente útil para algum tipo de objetivo”. Cabe à Linguística dar conta de todos esses eventos sócio-históricos: sejam escritos, sejam orais.

Comparando sempre tipos e gêneros, esse linguista, cita a distinção de Isenberg, entre tipos textuais que são definidos com critérios internos e rigorosos, e gêneros textuais, fundados em critérios externos numerosos. E para distingui-los mais ainda, diz que “todos os tipos de textos são realizados em um ou outro gênero, mas que os gêneros não realizam tipos” (idem, p. 22).

Marcuschi apresenta, também, em seus escritos, propostas de tipologia textual de vários linguistas sem pretensão exaustiva e ciente de que algumas tipologias atuais foram excluídas.

As tipologias apresentadas foram divididas em: as que os autores voltam-se quase que somente para textos escritos; para os que analisam os gêneros textuais; e, por último, os que contemplam a escrita e a oralidade.

Ao analisar a concepção de gêneros em Bahktin, Marcuschi diz que o linguista russo não se preocupa em classificar ou em estabelecer uma tipologia, mas sim, em “visualizar uma concepção de gênero no contexto discursivo, nas atividades enunciativas em processo”.

Marcuschi vê os gêneros em Bahktin como resultado de “um uso comunicativo da língua na sua realização dialógica” (idem, p.26). A importância do estudo dos gêneros estaria em flagrar “a própria essência do enunciado... como unidade de diálogo”. Porém, “os gêneros não são só forma enunciativa expressiva, e sim, um meio de construir o próprio interlocutor” (idem). As particularidades

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64 Gêneros textuais - roseane Batista Feitosa nicolau 65Gêneros textuais - roseane Batista Feitosa nicolau

constitutivas resultantes das diversas formas típicas de dirigir-se a alguém e as diversas concepções típicas, destinatários determinam a diversidade dos gêneros do discurso na visão de Bakhtin apresentada por Marcuschi.

Na sua investigação no que tange aos gêneros textuais, Marcuschi ocupa-se da descrição de rotinas comunicativas em situações sociais (como Swales, Bronckart, François). Não há o intuito de se estabelecer uma classificação propriamente dita, todavia pode-se chegar a isto, segundo esse pesquisador, mediante a construção de matriz de traços que distribui os eventos analisados.

A respeito dessa visão de Marcuschi, podemos dizer que os gêneros constituem-se em um fenômeno heterogêneo e isso é que impede de se estabelecer uma tipologia coerente e unitária. Todavia, há gêneros bem-definidos, como a carta do leitor, editorial de jornal, receita de bolo, diário, bula de remédio, diário que preenchem, até mesmo, certas condições formais e não apenas sócio-comunicativas, resultando em classificações de gêneros por critérios múltiplos.

Marcuschi, também, mostra-se preocupado com a falta de consenso terminológico (tipos de texto, tipo de discursos, gêneros textuais, gêneros do discurso, classes de texto etc.) e com a falta de definições precisas para os termos empregados. Como proposta para uma possível classificação, esse autor propõe que se estabeleçam alguns critérios como, por exemplo, de natureza linguística: traços linguísticos, funcionais (objetivos do texto, intenções pretendidas etc.) e contextuais (produtores e suas relações, situação de produção, etc.); e, com bases nestes critérios, sugere que se forme uma matriz de traços que determinem critérios de agrupamento de diversas formas dentro de um contínuo mais amplo e em várias ordens tipológicas que se encadeariam no contínuo da produção textual 2.

Esse linguista propõe, também, um novo termo: “gêneros comunicativos”, em substituição a “gêneros textuais”. E justifica, afirmando que os “Textos são artefatos ou fenômenos que exorbitam suas estruturas e só têm efeito se se situarem em algum

2 Conforme o quadro, presente no trabalho intitulado Gêneros textuais: o que são e como se classificam? p.103.

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66 Gêneros textuais - roseane Batista Feitosa nicolau 67Gêneros textuais - roseane Batista Feitosa nicolau

contexto comunicativo” (idem, p.64). A partir desta justificativa, Marcuschi sugere essa nova expressão, considerando-a mais adequada para o estudo dos gêneros no universo linguístico.

2.5 Schneuwly e Dolz: gêneros como instrumento de ensino e progressão didática

Schneuwly e Dolz (1996), pesquisadores ligados à Universidade de Genebra, vem trabalhado a noção de Gênero do Discurso bahktiniana, voltada para o ensino e aprendizagem na produção escrita escolar nos países francofônicos. O método desse trabalho consiste na adoção de procedimentos de leitura, escrita e reflexões metalinguísticas, em que as condições de interlocução são consideradas como determinantes para o estudo da língua, colocando, assim, os alunos “em situação de produção de linguagem”, que vão além dos procedimentos usuais em que a língua apresenta-se em uma concepção abstrata, como objeto de estudo em si mesma.

Schneuwly (1994) compreende os gêneros, primeiramente, como um instrumento psicológico

no sentido vygotskiano do termo e tenta “retirar algumas lições desta concepção para pensar a ontogênese da linguagem, na qual a dimensão leitura /escrita desempenha um papel central”. Porém essa dimensão linguística não foi abordada diretamente por Vygotsky, mas sim, por Bakhtin. Desta forma, reinterpretando Bakhtin na sua distinção de gêneros primários e secundários, Schneuwly diz que os gêneros primários instrumentalizam a criação de outros gêneros, tornam-se instrumentos de ação, que se complexificam, criando construções novas, mais complexas, os gêneros secundários.

Em síntese, os gêneros secundários apóiam-se nos primários em sua elaboração, transformando-os profundamente (Bahktin, 2000 e Schneuwly, 1996).

Os gêneros secundários, na visão de Schneuwly, se definem pelos modos diversificados de referência a um contexto, linguisticamente, criado; pelos modos de desdobramento; por sua gestão eficaz. Há uma profunda continuidade, conforme nos disse Marcuschi (op. cit.) e, ao mesmo tempo, uma ruptura na passagem de um gênero primário para um secundário. Como esclarece Schneuwly (1994, p. 13):

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68 Gêneros textuais - roseane Batista Feitosa nicolau 69Gêneros textuais - roseane Batista Feitosa nicolau

... a introdução do novo sistema, a aparição dos gêneros na criança, não é o ponto de chegada, mas o ponto de partida de um longo processo de re-estruturação que, a seu fim, produzirá uma revolução nas operações de linguagem.

Schneuwly propõe repensar a relação entre tipos e gêneros, mostrando a utilidade destas noções que colocam em discussão alguns dos problemas difíceis de aquisição dos discursos subentendida no contexto escolar, na produção oral e escrita dos alunos.

A pesquisa desse psicólogo e linguista centra-se, sobretudo, no desenvolvimento da linguagem, considerado o desenvolvimento infantil sobre o prisma dos gêneros, no contexto escolar, acentuadamente entre 9 – 10 anos. Mas, o desenvolvimento da linguagem se constitui em um longo processo de reestruturação do sistema de produção de linguagem durante toda a escolaridade.

Em suas pesquisas, Schneuwly propõe que compreendamos o gênero como um instrumento com o qual é possível exercer uma ação linguística sobre a realidade, por definir o que é dizível, por ser “um plano comunicacional”.

O uso dos gêneros como um instrumento resultaria, segundo Schneuwly, em dois efeitos diferentes de aprendizagem: um seria a ampliação da capacidade linguístico-discursiva individual do usuário e, o outro, a ampliação do conhecimento a respeito do objeto sobre o qual o instrumento é utilizado.

Para ilustrar, o pesquisador genebrino diz que ao usarmos um machado, aprendemos não apenas como utilizá-lo cada vez melhor e com intimidade, mas também passamos a conhecer mais sobre a dureza da madeira. A apropriação dos gêneros como “um processo de instrumentalização, provoca novos conhecimentos e saberes, abre novas possibilidades de ações, que sustenta e orienta estas ações” (SCHNEUWLY, 1994, p. 3). Desta forma, essa apropriação dos gêneros não só amplia a competência linguística e discursiva dos alunos, mas também, favorece-lhes, no que diz respeito a sua participação social, como cidadão.

Os gêneros textuais dos quais fazemos uso, através de ações linguísticas cotidianas, nos foram transmitidos sócio-historicamente. A escolha de um gênero se faz em função da definição dos

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70 Gêneros textuais - roseane Batista Feitosa nicolau 71Gêneros textuais - roseane Batista Feitosa nicolau

parâmetros de situação que guiam as ações. É possível a transformação dos gêneros existentes em outros gêneros, ou mesmo a criação de outros gêneros, conforme novas necessidades de interação verbal (Schneuwly, Bronckart, François, Marcuschi).

Assim, as ações linguísticas são orientadas por um conjunto de fatores que atuam no contexto situacional, como: quem são o locutor e o interlocutor? Qual é o objetivo do texto? Que gênero deve ser utilizado para o êxito da comunicação? É preciso ter o conhecimento, seu controle, condições necessárias para o estabelecimento da ação discursiva.

Aprofundando-nos um pouco mais na pesquisa do grupo de Genebra, vemos que estes visualizaram os gêneros como um mega-instrumento, com uma configuração estabilizada de vários sub-sistemas semióticos linguísticos e paralinguísticos e, assim, propusera o agrupamento dos gêneros, tendo como base as finalidades sociais legadas ao ensino, bem como, respondendo às necessidades de linguagem em expressão escrita e oral no domínio da comunicação. Pois não existe um tipo de texto que possibilite o ensino da leitura e da escrita de todos

os outros tipos de texto que circulam socialmente. O importante nesta classificação, que será mostrada adiante, é permitir o estudo dos gêneros de forma organizada e progressiva, contribuindo, como diz Rojo (1998), para apropriação por parte dos alunos das formas de dizer que circulam socialmente.

Aqui, no Brasil, vêm sendo desenvolvidos projetos (Rojo, 1998; Brandão, 2000) que impulsionam e divulgam a adoção desta nova noção de gênero para o ensino-aprendizagem de Língua Portuguesa - que já se encontra incorporada nos PCN, com o intuito de discutir e elaborar uma metodologia, um programa e uma progressão do ensino de língua baseada na perspectiva enunciativa dos Gêneros do Discurso e da aplicação dos gêneros como um mega-instrumento de ensino e aprendizagem.

Com isso, serão prioridade no ensino de Língua Portuguesa, práticas de linguagem e situações de comunicação em toda sua complexidade, pois trabalhar o plano do conteúdo, compartilhar algumas regras gramaticais comuns não vêm garantindo eficientemente a compreensão e produção textual por parte dos nossos alunos.

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72 Gêneros textuais - roseane Batista Feitosa nicolau 73Gêneros textuais - roseane Batista Feitosa nicolau

Para tanto, uma nova ordem está sendo gerada: a ordem do Gênero do Discurso que, dentro de uma Teoria da Enunciação, impulsionará o ensino-aprendizagem de língua.

O agrupamento dos gêneros textuais, desenvolvido pela equipe de Genebra, resulta de uma análise detalhada e consistente acerca dos gêneros textuais, em si, e de suas propriedades linguístico-discursivas, bem como, de suas aplicações educacionais e suas transposições didáticas. Trabalhando com os gêneros como organizadores de progressões curriculares, Dolz & Schneuwly (apud Rojo, s.d. p. 3), apontam dois problemas que as aplicações educacionais devem levar em conta:

a) a enorme multiplicidade e variedade de gêneros primários e secundários, orais e escritos; eb) a diferença de complexidade de um

gênero a outro e as transversalidades, em nível de semelhanças, que caracterizam certos gêneros de um mesmo domínio social de comunicação. Partindo das semelhanças em situação de produção,

embora com graus diferentes de complexidade, foi permitido o agrupamento de gêneros.

Eis a classificação da equipe de Genebra:

Domínios sociais de comunicação

ASPECTOS TIPOLÓGICOS Capacidades de Linguagem

Dominantes

EXEMPLOS DE GÊNEROS

ORAIS E ESCRITOS

Cultura literária ficcional

NARRAR

Conto maravilhosoConto de fadas

FábulaLenda

Mimesis da ação através da criação

da intriga no domínio do verossímil

Narrativa de aventura Narrativa de ficção científicaNarrativa de enigma

Narrativa mítica

Esquete ou história engraçadaCrônica literária

Biografia romanceadaRomance

Romance histórico

Novela fantástica

Conto

Paródia

AdivinhaPiada

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74 Gêneros textuais - roseane Batista Feitosa nicolau 75Gêneros textuais - roseane Batista Feitosa nicolau

Documentação e memorização das ações humanas

Relatos de experiência vividaRelatos de viagem

RELATARDiário íntimoDiário de viagem

Representação pelo discurso de experiências vividas,

situadas no tempo

TestemunhoAutobiografia...

Notícia

ReportagemCrônica mundanaCrítica esportiva...

Relatório

Relato históricoEnsaio ou perfil biográfico

Biografia Relatório científico

Relato de experiências científicasRelatório de pesquisa

Discussão de problemas sociais controversos

ARGUMENTAR

Textos de opiniãoDiálogo argumentativo Carta de leitorCarta de reclamaçãoCarta de reclamaçãoCarta de solicitaçãoDeliberação informalDebate regradoEditorialDiscurso de defesa (direito)RequerimentoEnsaioResenhas críticasArtigo assinado...

Sustentação, refutação e negociação de

tomadas de posição

Transmissão e construção de saberes

EXPOR

Apresentação textual de diferentes formas dos saberes

Texto expositivoConferenciaVerbete de enciclopédiaEntrevista de especialistaTexto explicativoTomada de notasResumo de notasResumo de textos expositivos e explicativosResenhas...

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76 Gêneros textuais - roseane Batista Feitosa nicolau 77Gêneros textuais - roseane Batista Feitosa nicolau

Regulação de ações

DESCRIÇÕES DE AÇÕES

Regulação mútua de comportamentos por meio da orientação (normativa

prescritiva ou descritiva) para a ação

Instruções de usoInstruções de montagemReceita culináriaReceita médicaBula de remédioRegulamentoRegras de jogoConsignas diversasTextos prescritivos e normativos legais...

Ainda sujeito a modificações e sugestões, o grupo sugeriu cinco agrupamentos, definidos pelo seu domínio social de comunicação, privilegiando determinados aspectos composicionais e temáticos (aspectos tipológicos), como exigiria do enunciador certa capacidade de linguagem dominante (Rojo, 1998). São eles:

a) Agrupamento da ordem do relatar: voltado à documentação e memorização, exige uma representação pelo discurso de experiências vividas situadas no tempo. São os diários íntimos, diários de bordo, relatos de experiências vividas, biografias, crônicas etc.

b) Agrupamento da ordem do narrar: ligado ao domínio social da cultura literária ficcional, caracterizado pela mimesis da ação através da criação da intriga, domínio do verossímil. São os contos de fadas, as fábulas, lendas, ficção científica, romances etc.

c) Agrupamento da ordem do argumentar:

voltado à discussão dos problemas sociais, exige a sustentação, refutação e negociação de tomadas de posição. São os diálogos argumentativos, as cartas de reclamação, editorial, ensaios argumentativos etc.

d) Agrupamento da ordem do expor: voltado à transmissão e à construção de saberes, exige a apresentação textual de diferentes formas dos saberes. São os textos expositivos, conferências, seminários, resenhas, artigos etc.

e) Agrupamento da ordem do descrever ações (segundo Rojo seria do instruir e prescrever): voltado às instruções e prescrições. São bulas, instruções de uso, instruções de montagem, receitas, regras de jogo, regulamentos etc.

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78 Gêneros textuais - roseane Batista Feitosa nicolau 79Gêneros textuais - roseane Batista Feitosa nicolau

Na opinião da equipe de Genebra, precisamente de Pasquier & Dolz (1996), todos os agrupamentos devem ser trabalhados em cada uma das séries escolares, variando apenas o grau de profundidade, num processo de ensino-aprendizagem “em espiral”, que consiste basicamente na retomada, no aprofundamento e na ampliação de cada gênero de acordo com a série e com o grau de maturidade do aluno.

Visto estes pressupostos teóricos, o nosso próximo passo será observar a incorporação de algumas dessas novas perspectivas do estudo de língua nos PCN, bem como a participação do Livro Didático no processo de ensino e aprendizagem.

3 PARÂMETROS CURRICULARES NACIONAIS,GÊNEROS TEXTUAIS E LIVRO DIDÁTICO

3.1 Parâmetros Curriculares Nacionais: diretrizes para o ensino de língua materna

Os PCNs, documentos publicados pelo Ministério da Educação e Desporto em 1998, funda-se em concepções teóricas relativamente recentes e inovadoras, e representa, segundo Rojo (2000), um avanço nas políticas educacionais brasileiras ao indicar diretrizes curriculares para o Ensino Fundamental de modo a assegurar uma formação básica e não, como era de praxe, apresentar grades de objetivos e conteúdos curriculares pré-fixados.

Nos PCN de Língua Portuguesa o avanço se deu na proposta de uma metodologia de enfoque enunciativo-discursivo em que as formas linguísticas não são mais trabalhadas em si mesmas, mas como

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80 Gêneros textuais - roseane Batista Feitosa nicolau 81Gêneros textuais - roseane Batista Feitosa nicolau

pertencendo a um sistema sensível ao contexto que se constrói historicamente na interação verbal. Nesse enfoque:

Interagir pela linguagem significa realizar uma atividade discursiva: dizer alguma coisa a alguém, de uma determinada forma, num determinado contexto histórico e em determinada circunstância de interlocução... (PCN, p. 20-21).

Houve, desta forma, uma mudança de concepção de língua que antes era vista como expressão do pensamento, ou mesmo como um sistema abstrato, para uma concepção de “língua viva”, vista enquanto discurso, decorrente das ações do homem em interação que, quando realizada, se manifesta linguisticamente por meio de textos.

O texto, como resultado de uma “atividade discursiva” está em contínua relação como outros textos (verbais e não verbais) e se organiza em função de suas intenções comunicativas dentro de um determinado gênero, “tipos relativamente estáveis de enunciados” historicamente determinado.

A partir dessas novas concepções de língua, de texto, e de gênero, os PCN de Língua

Portuguesa propõem a utilização dos gêneros como unidade básica organizadora do currículo de Língua Portuguesa, na esfera de circulação escolar respaldado na teoria de Bakhtin/Volochínov (1929/1999) e de Bakhtin (1953/2000), que não é mencionada de forma direta, segundo Rojo (2000), mas é claramente percebida pelas marcas linguístico-discursivas.

Os gêneros apresentam uma riqueza e variedade infinita sendo também imensa a sua heterogeneidade, por serem esses permeados por outros gêneros; e, ainda se permitirem permear dada uma situação de produção; por isso, o estudo de todos os gêneros é tarefa impossível. Desta forma os PCN sugerem que alguns gêneros e textos sejam priorizados pela escola:

Os textos a serem selecionados são aqueles que, por sua característica e uso, podem favorecer a reflexão crítica, o exercício de formas de pensamento mais elaboradas e abstratas, bem como a fruição estética dos usos artísticos da linguagem, ou seja, os mais vitais para a plena participação numa sociedade letrada”. (Idem, p. 24).

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82 Gêneros textuais - roseane Batista Feitosa nicolau 83Gêneros textuais - roseane Batista Feitosa nicolau

As diretrizes para a organização dos conteúdos da Língua Portuguesa nos PCN se encontram distribuídas por dois eixos de práticas de linguagem: “as práticas de uso da linguagem e as práticas de reflexão sobre a língua e a linguagem”, conforme o diagrama seguinte:

(Fonte: SEF. Parâmetros Curriculares Nacionais: terceiro e quarto

ciclos: Língua Portuguesa. Brasília: MEC/SEF,1998, p. 35)

Os conteúdos para as práticas do USO da linguagem conforme Rojo (2000) são enunciativos e envolvem aspectos que caracterizam o processo de interlocução como: a) historicidade da linguagem e da língua; b)constituição do contexto de produção dos enunciados em leitura/escuta e produção de textos orais e escritos; c) as implicações do contexto de produção na organização dos discursos que

corresponde a restrições de conteúdo e forma decorrentes da escolha dos gêneros e suportes; e d) as implicações do contexto de produção de significação que corresponde às representações dos interlocutores, a articulação entre texto e contexto no processo de compreensão e as relações intertextuais.

Nas práticas de leitura/escuta de textos e de produção de textos orais e escritos, o texto é visto, pelos PCN, como “unidade de ensino e os gêneros textuais como objetos de ensino”, pelo fato de os gêneros permitirem incluir aspectos de ordem da enunciação e do discurso, envolvendo todo o complexo processo de produção e compreensão de textos. Conforme Barbosa (2000, p.152):

A noção de gênero permite incorporar “elementos da ordem do social e do histórico” (que aparecem na própria definição da noção); permite considerar a situação de produção de um dado discurso (quem fala, para quem, lugares sociais dos interlocutores, posicionamentos ideológicos, em que situação, em que momento histórico, em que veículo, com que objetivo, finalidade ou intenção, em que registro, etc.); abrange o “conteúdo temático” – o que pode ser dizível em um dado gênero, a

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84 Gêneros textuais - roseane Batista Feitosa nicolau 85Gêneros textuais - roseane Batista Feitosa nicolau

“construção composicional” – sua forma de dizer, sua organização que não é inventada a cada vez que nos comunicamos, mas que está disponível em circulação social – e seu “estilo verbal” – seleção de recursos disponibilizados pela língua, orientada pela posição enunciativa do produtor do texto.

Já os conteúdos para as práticas do eixo da REFLEXÂO sobre a língua e a linguagem que corresponde à elaboração de ferramentas para a análise da linguagem em situações de interlocução, abrangem aspectos ligados à variação linguística; modalidades, variedades, registros; à organização estrutural dos enunciados; aos processos de construção da significação; ao léxico e a redes semânticas e aos modos de organização dos discursos em diversas situações de interação.

Ambas as práticas têm como objetivo favorecer a competência discursiva do sujeito envolvido no processo de ensino e aprendizagem.

Os PCN (1998, p. 53) trazem quadros nos quais são apresentados os gêneros que foram agrupados em função da presença desses no circuito de comunicação, principalmente aqueles das instâncias

públicas considerados fundamentais para a efetiva participação na sociedade:

(Fonte: SEF. Parâmetros Curriculares Nacionais: terceiro e quarto ciclos: Língua Portuguesa. Brasília: MEC/SEF, 1998, p.54)

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86 Gêneros textuais - roseane Batista Feitosa nicolau 87Gêneros textuais - roseane Batista Feitosa nicolau

(Fonte: SEF. Parâmetros Curriculares Nacionais: terceiro e quarto

ciclos: Língua Portuguesa. Brasília: MEC/SEF,1998, p. 57)

Desta forma, em função de sua circulação social, os gêneros foram agrupados em: literários, de imprensa, publicitários e de divulgação científica. Não descartam, porém, a possibilidade de que, em função de um projeto escolar ou da necessidade dos alunos, outras divisões sejam sugeridas e aplicadas.

Nas estratégias de práticas de análise linguística destacou-se o reconhecimento dos diferentes gêneros, quanto ao conteúdo temático, construção composicional e ao estilo através do estudo do universo discursivo no qual o gênero textual ou o texto se insere considerando as intenções do enunciador, os interlocutores, os procedimentos narrativos, descritivos, expositivos, argumentativos, e conversacionais bem como a intertextualidade e as marcas linguísticas (Idem, p.59-60).

Na perspectiva de um estudo tendo os gêneros como objetos de ensino em relação com os aspectos discursivos e linguísticos nas práticas de recepção e produção de linguagem, devem ser planejadas, segundo os PCN, situações didáticas de aprendizagem que visam aos objetivos de ensino, bem como, deve existir uma preocupação com a elaboração de materiais didáticos que viabilizem a implantação dos currículos resultados das diretrizes propostas que sugerem a adoção de Organizações Didáticas Especiais: projetos e módulos didáticos.

O projeto visa a “um produto final em função do qual todos trabalham e que terá necessariamente

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88 Gêneros textuais - roseane Batista Feitosa nicolau 89Gêneros textuais - roseane Batista Feitosa nicolau

destinação, divulgação e circulação internamente na escola ou fora dela” (Idem, p. 87); ou seja, uma circulação efetiva em revistas, jornais, livros, panfletos – na escrita, e debates, peças, palestras seminários - na oralidade.

Como destaca Rojo (2000), a partir dos próprios PCN, há uma série de vantagens na organização didática por projeto como: disponibilidade do tempo de forma flexível, compromisso e engajamento dos alunos com atividade e com a própria aprendizagem, inter-relação entre as práticas de uso da linguagem e de reflexão sobre ela de forma contextualizada, além do caráter interdisciplinar resultado da interseção com conteúdos e domínios diversos. Esse tipo de modalidade didática cria condições favoráveis à interação verbal pela modalidade escrita e oral da linguagem, não as descaracterizando enquanto objeto de interação social.

O outro tratamento didático sugerido pelos PCN de Língua Portuguesa, módulos didáticos, corresponde a “sequências de atividades, exercícios, organizados de maneira gradual para permitir que os alunos possam, progressivamente, apropriar-

se das características discursivas e linguísticas, dos gêneros estudados” (Idem, p. 88). Criam-se condições pedagógicas próprias para a elaboração de atividades que enfatizam determinados gêneros e suas características, articuladas com as necessidades dos alunos e das condições de ensino-aprendizagem. É importante frisar que o planejamento dos módulos e a organização de sequências didáticas parte do diagnóstico das capacidades iniciais dos alunos.

Em resumo e para finalizar, os aspectos aqui tratados dos PCN propõem a criação de condições para que o aluno, por meio de atividades de ensino e aprendizagem planejadas sob um movimento contínuo de uso-reflexão-uso e uma concepção enunciativa-discursiva, alcance uma competência discursiva sob um repertório de gêneros que circulam socialmente e que isso favoreça o “exercício efetivo da cidadania” e “participação plena no mundo letrado” (PCN, 1998).

As atividades de uso-reflexão-uso da língua e a entrada no repertório dos textos que circulam socialmente podem se dar por meio do livro didático que se constitui atualmente no material de apoio mais utilizado em sala de aula.

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90 Gêneros textuais - roseane Batista Feitosa nicolau 91Gêneros textuais - roseane Batista Feitosa nicolau

3. 2 Livro didático: fazer discursivo e ideológico

Estudos feitos no Brasil, como os de Coracini (1999), Souza (1999), Marcuschi (2001), Soares (2001) mostram que a análise do Livro Didático (LD) se faz necessária, já que estes constituem, em muitas escolas do nosso país, uma peça importante no ensino, o único material escrito que dá acesso ao conhecimento de mundo e linguístico por parte dos alunos e dos professores que nele buscam tanto legitimação como apoio para as suas aulas.

Segundo Coracini (op. cit. p.34) “ é voz corrente e antiga que o LD constitui o centro do processo de ensino- aprendizagem em todos os graus de ensino, com ênfase no ensino fundamental e médio”.

Complementando com Souza (1999, p. 27): “O caráter de autoridade do livro didático encontra sua legitimidade na crença de que ele é depositário de um saber a ser decifrado, pois se supõe que o LD contenha uma verdade sacramentada a ser transmitida e compartilhada”.

Sabemos que há inúmeros trabalhos relacionados à análise dos LD, que vêm procurando,

inclusive, compreender sua linguagem, seu funcionamento, e seus efeitos de sentido em sala de aula; mas, ainda são poucos, diante da importância desses na educação do nosso país.

O mercado editorial busca atrair os professores com o novo e assim novas teorias de ensino e aprendizagem são preconizadas nesses livros de consumo nas escolas. Coracini (1999), com relação ao novo no livro didático, parafraseando Foucault, afirma que “o novo não está no que é dito, mas no acontecimento do seu retorno”. Ou seja, antigas teorias, com estudos recentes, encontram novos rumos, novas vozes. Um bom exemplo ocorre com os Gêneros do Discurso de Bakhtin, estudados e agrupados pela equipe de Genebra (1994) em função do ensino e aprendizagem de língua e indicados pelos PCNs (1998), a serviço do aparelho ideológico escolar que, por sua vez, começa a ser legitimado pelo LD (CEREJA,1998).

É interessante observar, como frisou Freitag (1997, p. 23-4), que, enquanto nos países do primeiro mundo, há pesquisa e crítica institucionalizada sobre o LD, o que resulta em uma melhor qualidade

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92 Gêneros textuais - roseane Batista Feitosa nicolau 93Gêneros textuais - roseane Batista Feitosa nicolau

desse tipo de livro nestes países, no Brasil, durante muito tempo, a pesquisa nos livros didáticos e sua crítica limitaram-se a estudos nos cursos de pós-graduação, sem merecer a atenção dos que vinham fazendo a política educacional, porém algumas mudanças já são visíveis.

Segundo Freitag (1997, p. 79) uma das melhores definições apresentadas para o livro didático foi dada por Fleury ao afirmar ser o livro didático “uma sugestão e não uma receita”. Ao dizer isso, essa pesquisadora, nos leva a pensar na situação do professor do nosso país que, sem incentivo e apoio, fica limitado ao livro didático enquanto receita, desprezando o seu potencial criador e inovador.

Soares (2001), ao analisar os Livros didáticos de Português (LD de P) com o intuito de identificar as concepções do professor como leitor nos livros didáticos, diz que esses manuais didáticos só passaram a se apresentar por série a partir dos anos sessenta, houve nessa época também a diminuição dos textos que chegavam a ocupar dez páginas dos livros. Além dessas e outras transformações ocorridas no LD de P, Soares destaca: a didatização

do ensino do português na década de setenta, que se deu devido à democratização do ensino. Essa democratização é entendida no sentido restrito de ampliação do número de escolas e de vagas. Esse fator trouxe alterações nas condições de trabalho do professor que, assoberbado, dispõe de pouco tempo para preparar suas aulas, exercícios, para definir sua metodologia de ensino. Desta forma, houve uma transferência dessas tarefas para o livro didático. Ou seja, fatores socioeconômicos e políticos não proporcionaram as condições necessárias para que o professor, como no início do século quando os livros traziam apenas os textos, definisse sua metodologia de trabalho, exercendo plenamente sua profissão.

A democratização do ensino e o povoamento das escolas são as justificativas para as transformações ocorridas nos manuais de ensino de língua, segundo alguns autores, como Ferreira (1971 apud Soares, 2001, p.70-73), um dos primeiros autores a fornecer respostas dos exercícios propostos ao professor.

Ainda, segundo Soares, os LD de P, após a década de sessenta, começaram a trazer estudos dirigidos de textos e exercícios, os quais os alunos

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94 Gêneros textuais - roseane Batista Feitosa nicolau 95Gêneros textuais - roseane Batista Feitosa nicolau

por si só completam, resolvem, cabendo ao professor auxiliá-los, quando necessário. E para esse auxilio, o professor conta ainda com as respostas no Manual do professor que além das respostas dos exercícios, oferece um roteiro para as aulas. Desta forma o LD vai assumindo autonomia e independência, cabendo ao professor a subordinação ao conteúdo, método e respostas propostas nesse livro; considerado por muitos, um mal necessário.

Fleury (apud Freitag, 1997, p. 79) além de definir o LD, indicam as suas principais funções, que seriam: a) a de padronizar e delimitar a matéria; b) apresentar métodos e processos julgados pelos autores como eficientes para melhorar os resultados do ensino; e c) colocar ao alcance de todos, especialmente dos alunos, textos verbais e não-verbais de difícil acesso.

Acrescentaríamos, não como função, mas como elemento básico na elaboração de um LD, um respaldo num saber teórico-científico que garantisse eficientemente a prática didática dos professores e a compreensão e produção textual por parte dos nossos alunos.

A escolha de LD, quando é feita pelo professor

do nosso país, se dá à parte de critérios heterogêneos e exteriores como o aspecto gráfico, a editora e o representante das editoras, pelo Guia do Livro didático, elaborado pela Secretaria de Ensino Fundamental do Ministério da Educação (MEC) ou, ainda, outra indicação como a de um amigo. Infelizmente, os professores não saem preparados das Universidades para escolher seu material de apoio, seu “companheiro de trabalho”: o livro didático. E, há outro despreparo ainda mais visível: o professor absorve o conteúdo dos livros e o repassa para o aluno de forma acrítica, por ser, para estes, o LD, como já foi dito, a última palavra sobre o assunto, uma “verdade sacramentada”, o que em muitos casos não o é, haja vista muitos LD apresentarem erros conceituais, ideias distorcidas e desatualizadas.3 O LD deve propiciar ao leitor-aluno o contato com o universo textual através de uma linguagem simples e que atenda à comunidade escolar. Com uma prática heterogênea, na medida em que incorpora no seu discurso tanto elementos provenientes daquele que lhe serve como fonte: a teoria gramatical e/ou

3 Ver, exemplos na revista Nova escola ano XVI, n.140, pp.14-20

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96 Gêneros textuais - roseane Batista Feitosa nicolau 97Gêneros textuais - roseane Batista Feitosa nicolau

linguística; quanto daquele que será objeto de análise: textos veiculados socialmente - crônicas, notícias, poemas, propagandas, bulas. É, portanto, no limiar entre uma e outra prática discursiva, que se constitui o LD. E é no contato com o exterior discursivo do LD, que passamos a compreendê-lo.

Os autores que atuam desde a escolha dos temas a serem abordados no manual, até a interpretação e análise, buscam a construção e a legitimação de um saber postulado pelo LD próprio de uma ideologia social, com bases em diretrizes formuladas pelo MEC, como as Leis de diretrizes e Bases da Educação e os Parâmetros Curriculares Nacionais.

Chamar a atenção do leitor-aluno, despertando-lhe o interesse e fazendo com que se sinta envolvido pelo assunto em estudo e pelo enfoque a este dispensado, requer do discurso didático algo mais que o simples emprego da função referencial da linguagem. Os recursos utilizados nos LD são cada vez mais diversificados e expressivos: Esses abusam, muitas vezes, de cores, imagens e temas apelativos. Desta forma, esquecendo de incorporar conhecimentos teóricos como afirma Marcuschi (2001b),

O texto do LD constitui-se a partir da interseção de dois textos: o científico, resultado das pesquisas sobre a língua e seu ensino (gramaticais, teorias linguísticas etc) e do texto que circula por todos os meios sociais ( jornais, revista, livros, cinema, teatro, TV etc). Assim, o LD, enquanto uma prática heterogênea, incorpora em seu discurso, tanto os recursos linguísticos daqueles que lhe servem de fonte – discurso social, também heterogêneo –, quanto daquele que pretende atingir – discurso científico, pedagógico e didático. Existem, portanto, dois níveis de linguagem expressos: um caracterizado pela objetividade, própria das práticas científicas de um modo geral, já que se volta para teorias linguísticas ou para a gramática, e outra, cuja linguagem tende, em certa medida, para o registro mais coloquial, demonstrando, até, uma certa subjetividade, o que facilita o acesso do aluno ao texto.

Desta forma, o discurso científico, compartilhado apenas por aqueles que se voltam para a prática científica, volta-se também para o aluno, sendo o LD, portanto, o veículo que vai permitir que o aluno possa adentrar no universo

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98 Gêneros textuais - roseane Batista Feitosa nicolau 99Gêneros textuais - roseane Batista Feitosa nicolau

da teoria linguística. É comum nos livros didáticos, o termo técnico ser explicado ou reestruturado permitindo a compreensão do aluno. 4 Neste sentido os autores dos livros didáticos incorporam ao discurso elementos linguísticos e extralinguísticos referentes à própria linguagem e leitura do aluno, objetivando assim, a aproximação entre o aluno e o texto didático. É através de um registro mais coloquial e mais familiar ao universo do aluno, que se percebe o caráter metalinguístico do LD. A explicação, exemplificação, comparação, seleção vocabular e recursos visuais tornam-se elementos didatizantes empregados pelos autores no ato de compor o seu LD, com o intuito de aproximar o aluno -leitor e facilitar, em certos pontos, o trabalho do professor.

O autor-editor elabora seu discurso tendo como base o contexto discursivo e o interlocutor a quem este se dirige. É da imagem que faz de seu interlocutor que esse utiliza os recursos estéticos disponíveis na língua, selecionando, dentre estes

4 É o que veremos na análise da coleção didática selecionada na Parte 4 desta dissertação.

recursos, aqueles que considera mais adequado ao conhecimento linguístico de seu público-alvo distribuído por séries escolares.

Ao escrever para um público juvenil, o autor-editor, portanto, deve formular o seu discurso a partir de elementos condizentes com o que julga ser mais apropriado a este, levando em conta fatores como idade, grau de escolaridade, e mais especificadamente por região geográfica e, até mesmo, pela faixa econômica. Percebemos, portanto que, a forma de transmissão de um conteúdo inclui definitivamente a organização dos níveis linguísticos como um todo, considerando-se desde o lexical, passando pelo morfológico, sintático, semântico até o textual.

Com a finalidade de atingir um público alvo, no caso o aluno, são selecionados recursos linguísticos, que tornam essas atividades um fazer discursivo e não apenas a junção de dois saberes: o científico e o social.

Lajolo, em reportagem à revista Nova escola (Prado, 2001) que apresenta como capa a questão do Livro Didático, nos diz que é preciso criar uma cultura de avaliação permanente do LD por parte

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100 Gêneros textuais - roseane Batista Feitosa nicolau 101Gêneros textuais - roseane Batista Feitosa nicolau

do professor. O professor deve ver se a abordagem do LD é negociável com a sua.

O LD deve ser visto como um meio, nunca como um fim, pois o professor que transforma esse suporte, esse apoio em fim perde a essência do seu fazer, abandona a seu papel de sujeito na sala de aula, escora-se no fazer impresso do LD. Essa prática existe e foi verificada e descrita em uma pesquisa feita por Theodoro da Silva nos anos 90 e publicada no livro A Produção da Leitura na escola – pesquisas e propostas.

3.3 Novas concepções de texto e gênero e reformulação do livro didático

Em busca de uma melhor compreensão e classificação da natureza dos textos que compõem o universo sócio-cultural do nosso país, os PCN lançam a noção de gêneros como objeto de ensino-aprendizagem. A palavra gênero, devido à força histórica, remete-nos de imediato à literatura (gêneros literários). A nova noção de gênero bakhtiniano ainda não faz parte

do contexto escolar, por serem os parâmetros recentes. A preferência, quando se vai referir ou classificar textos era, até então, pelo termo “tipo”, “forma” e se resume à narração, à descrição e à dissertação (às vezes, à argumentação). Esses termos referem-se a aspectos mais externos da composição de um texto, enquanto gêneros são “exemplares empíricos” de textos como diálogos, telefonema, bilhete, cartas, panfletos, contos, romances, poemas, relatórios, ensaios etc., constituem-se em “formas textuais realizadas efetivamente” (Marcuschi, 1997, 2000).

Os PCN consideram o texto como unidade de ensino e suas várias formas, os gêneros, no seu sentido empírico, descartando, portanto, outros tipos e formas de composição tão comuns nos LD.

Todo texto se organiza dentro de determinado gênero em função das intenções comunicativas, como parte das condições de produção dos discursos, as quais geram usos sociais que os determinam. Os gêneros são, portanto, determinados historicamente, constituindo formas relativamente estáveis de enunciados, disponíveis na cultura”. (PCN de LP p. 21)

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102 Gêneros textuais - roseane Batista Feitosa nicolau 103Gêneros textuais - roseane Batista Feitosa nicolau

Ao referir-se ao trabalho com os gêneros, os PCN apresentam uma distribuição por ciclos e em forma de espiral, sugerida por Pasquier (1996) no seu Decálogo para ensinar a escrever. Apresentam, também, alguns gêneros como referenciais nas práticas de escuta de textos orais e de leitura de textos escritos e produção de textos orais e escritos. (PCN p. 54-57). Quadro presente no início dessa parte.

Bezerra (1999) pondera que os PCN deveriam precisar melhor o conceito de gênero para se visualizar melhor a sua dimensão, o que contribuiria para um melhor tratamento do texto nos moldes propostos por esse documento.

As propostas dos PCN começam a colocadas nos LD; entre elas: o texto como unidade de ensino, seleção de textos que circulam no meio social e os gêneros como objeto de ensino. Porém, trabalhar com o conceito de gêneros implica voltar-se para o discurso, ou seja, para todas as formas de enunciado que resultam de uma fusão entre conteúdo temático, estilo e construção composicional que sofre variações conforme as

esferas sociais de comunicação. A partir dessa visão é possível organizar o estudo dos gêneros nos livros didáticos. Sabendo, de antemão que é difícil o estudo dos gêneros, pois estudá-los implica, em suma, considerar a intenção entre interlocutores e a enunciação. Daí a utilização de “tipos” nos LD de P. Muitas vezes, ao utilizar os dois termos sem estabelecer uma diferença clara, o livro didático dificulta ainda mais assimilação do conceito de gênero no que ele implica. Muitas vezes o que importa saber é a diferença entre narração, descrição, e dissertação. Hoje já sabemos que tal conhecimento não favorece a uma compreensão do texto e/ou produção de boas redações.

Kleiman (1999), ao analisar uma aula centrada no livro didático e outra centrada no professor, mostra as vantagens da segunda aula, colocando-a como mais interativa, com resultados positivos. Mas, será necessário abolir o LD para termos uma maior interação na sala de aula? E, consequentemente, um melhor desempenho? Não usando o LD resolveríamos o problema do ensino no nosso país?

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104 Gêneros textuais - roseane Batista Feitosa nicolau 105Gêneros textuais - roseane Batista Feitosa nicolau

Há professores que se demonstram independentes dos LD, formam o seu próprio material ao extrair textos de revistas, livros, jornais. Porém pelas observações feitas por Coracini (1999) há pouca inovação na forma de proceder. Por exemplo, nas perguntas feitas nas provas vemos que o livro didático está internalizado no professor.

Nos livros didáticos o controle da forma de produção escrita vem sendo o destaque. O que importa é escrever conforme as regras gramaticais, usar adequadamente os articuladores textuais, narrar, descrever, dissertar, pois é isso que será cobrado nos concursos e vestibulares.

No entanto, sabemos que não será cobrado apenas isso do aluno durante a sua existência enquanto leitor e produtor de textos. O que foi esquecido ou desprezado na prática de leitura e na prática de produção textual, como: posicionamento, argumentos, isto é, o desempenho discursivo será, certamente, cobrado pela sociedade.

O que pode vir a contribuir nesta formação discursiva é o estudo de novas teorias, voltando o

olhar dos autores dos livros didáticos e professores para teorias como a da Enunciação, a dos Gêneros.

Essa prática já foi iniciada nos livros didáticos. É o que veremos na próxima parte.

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106 Gêneros textuais - roseane Batista Feitosa nicolau 107Gêneros textuais - roseane Batista Feitosa nicolau

4 ANÁLISE DA COLEÇÃO DIDÁTICA SELECIONADA

Nesta parte, faremos a análise de textos representativos dos gêneros textuais voltados para o estudo da língua portuguesa em conformidade com a Teoria dos Gêneros, em uma coleção didática, bem como, suas características, progressão e exercícios a eles relacionados.

4.1 Organização da coleção e apresentação da teoria dos gêneros

Na coleção didática Todos os textos: uma proposta de produção textual a partir de gêneros e projetos, os autores mostram-se receptivos ao que sugerem os teóricos da linguagem - Dolz e Schneuwly (1996), Rojo (1998), Marcuschi (2000), entre outros -, no que diz respeito ao estudo dos gêneros textuais como instrumento de mediação de toda e qualquer

estratégia de ensino e aprendizagem. A apresentação da estrutura da coleção se

desdobra em Unidades organizadas por núcleos temáticos, o que já era comum em coleções didáticas de Língua Portuguesa. A unidade contém: uma Abertura, três Capítulos de desenvolvimentos de conteúdo e um capítulo final denominado de Intervalo.

Cada momento visa a um objetivo: o de Abertura, como os autores dizem, tem a finalidade de “aquecer e estimular” para o trabalho com os capítulos e funciona, também, como “elemento organizador de unidade” e do tema que será abordado 5 (Manual do Professor, p.4-5).

Nos Capítulos de desenvolvimento de conteúdo, denominado de Gêneros em foco, são apresentados os gêneros que serão trabalhados: bilhete, carta, diário, poema, notícia, entrevista, anedota, crônica, conto, roteiro de vídeo etc.

Nesses capítulos, Gêneros em foco, percebemos uma mudança com relação a outros

5 No Manual do Professor são sugeridas opções didáticas de como trabalhar a Abertura como: Leitura das imagens, jogral com os poemas, assistir aos vídeos indicados etc., e as outras partes.

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108 Gêneros textuais - roseane Batista Feitosa nicolau 109Gêneros textuais - roseane Batista Feitosa nicolau

LD, no que diz respeito à seleção dos textos e sua diversidade. Sua classificação está condizente com a teoria apresentada no manual, que se baseia no agrupamento dos gêneros textuais (ou discursivos) em cinco partes: do narrar, do relatar, do argumentar, do expor e do descrever ações, proposto pela equipe de Genebra e já apresentada nessa pesquisa.

O critério de classificação dos textos para o estudo seria o de dar condições para que o aluno utilize os gêneros textuais que fazem parte do domínio sócio-cultural em favor de sua cidadania plena. É essa, a questão primordial desta pesquisa.

O Intervalo, última parte de cada unidade da coleção, apresenta como objetivo, segundo os autores (Manual do Professor, p. 5), “quebrar” a sequência do próprio livro, propiciando uma vivência do conteúdo de forma mais prazerosa, como também, contribuindo para o desenvolvimento de outras formas de expressão oral e escrita do aluno, por meio de projetos.

Observamos que no Intervalo os gêneros trabalhados voltam-se, sobretudo, para a realização

de outros gêneros: peças, júris simulados, produções de revistas, jornais falados ou escritos, murais, pesquisas, mostras e exposições (Exemplos Anexo 3 e 4), a partir nos temas tratados, porém voltados para os textos extra-coleção, para atividades de pesquisas e produções individuais ou coletivas dos alunos o que seriam “práticas de linguagem e situações de comunicação em toda sua complexidade” (Schneuwly e Dolz, 1996). Promove-se, segundo os autores da coleção, neste momento, uma revisão e aprofundamento dos conteúdos e a verificação da aprendizagem dos gêneros e de outros aspectos linguísticos envolvidos.

Essa proposta está presente nos PCN quando esses sugerem que se trabalhe os conteúdos por sequências didáticas e projetos, definidos em função da capacidade e das experiências necessárias ao aluno, como também, que apresente relação com o subjetivo da aprendizagem e o contato com o mundo exterior.

O desenvolvimento linguístico, na idade escolar, se torna possível graças, sobretudo, ao ensino e a aprendizagem por meio da interação, em que o sujeito está implicado numa situação que visa a um

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110 Gêneros textuais - roseane Batista Feitosa nicolau 111Gêneros textuais - roseane Batista Feitosa nicolau

efeito, às construções sociais. Dessa relação com o meio, o aluno passa a apresentar um domínio linguístico-discursivo mais amplo capacitando-o a interagir com o mundo em que vive.

Dolz (1994) considera que o desenvolvimento da autonomia do aluno é consequência, sobretudo, da mestria (domínio) da linguagem em situações de comunicação ocorridas na interação, em trocas verbais, em atividades de construção conjuntas e naturais por meio dos gêneros.

A coleção didática propõe a produção de textos orais ou escritos em condições reais de interação verbal na seção Intervalo, envolvendo consequentemente, o conhecimento de várias disciplinas: história, geografia, ciências, música etc. Para Schneuwly (1994; 1996), essas práticas externas, com as quais os alunos devem se confrontar ao longo de sua escolaridade, favorecem o aprendizado da expressão oral e escrita.

Tais práticas, por meio de projetos e sequências didáticas, devolvem-se em um período mais extenso que aulas semanais, e devem ser compartilhadas por toda a comunidade escolar. Como resultados,

são elaborados: jornais falados ou escritos, murais, exposições, livros, revistas 6.

As práticas do capítulo Intervalo necessitam de um esforço maior do professor que, muitas vezes, não está preparado para tal intento, além disso, ele precisará de um apoio da escola; por isso, muitas vezes, essas práticas ficam apenas no papel.

Na seção dos Capítulos de desenvolvimento de conteúdos, encontramos exercícios gramaticais: Para escrever com adequação; Para escrever com expressividade: Para escrever com coesão e coerência. Nesses exercícios são trabalhadas teorias linguísticas que vêm contribuindo para o conhecimento das propriedades do texto como as noções de coesão e a coerência.

No Manual do professor, que se encontra anexado no final do LD em análise, é feita uma breve apreciação da noção de gênero na era clássica, passando pelos trabalhos de Bakhtin até a proposta da equipe de Genebra: Dolz, Schneuwly e outros; que, como já foi dito, adotando as perspectivas

6 Ver no anexo 3 e 4, nos capítulos da seção Intervalo.

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112 Gêneros textuais - roseane Batista Feitosa nicolau 113Gêneros textuais - roseane Batista Feitosa nicolau

enunciativas de Bahktin articula-as com os construtos psicológicos de Vygotsky. Essa equipe direciona a teoria dos gêneros para o ensino, como instrumento facilitador do processo de ensino aprendizagem com o qual é possível exercer uma ação linguística sobre a realidade (Dolz e Schneuwly, 1996).

Assim, podemos ver a base teórica sobre a qual foi formulada a coleção que é a teoria dos gêneros textuais como ferramenta (Schneuwly e Dolz, op.cit.), a serviço da construção do sujeito e da cidadania, proposta que também se faz presente nos PCN: como um objeto (PCN, 1998b), para o ensino e aprendizagem.

A exposição da teoria adotada em coleções didáticas de língua portuguesa não é uma constante. Marcuschi (2001) ao analisar 60 coleções didáticas, observou que é comum a ausência de indicações teóricas, sendo exceção, nas coleções analisadas por esse pesquisador, a coleção de Soares (1982) e de Cócco & Hailer (1994), denominada de ALP.

As possíveis causas dessa ausência em tantas coleções, segundo Marcuschi, é a impressão de que o ensino de língua portuguesa se dá na suposição de que a teoria subjacente é tão óbvia que se torna descabida

a sua explicação ou, ainda, numa segunda hipótese, por acharem os autores-editores que os professores, devido à sua precária formação, não saberiam tirar proveito das observações teóricas. Percebemos que, até bem pouco tempo, não havia uma preocupação por parte de uma grande quantidade de autores-editores, em se promover o conhecimento do professor, capacitando-o para um maior domínio da teoria e do conteúdo do livro, o que, como vamos observar, não ocorre na coleção em análise.

Já no próprio título da coleção: Todos os textos: uma proposta de produção textual a partir de gêneros e projetos, os autores-editores mostram a base teórica da coleção e delimitam a aplicação dessa teoria à produção textual e a projetos. E, na Bibliografia, são apontados livros que formularam a teoria dos gêneros no estudo da língua.

Portanto, há uma preocupação em deixar claro o pressuposto teórico do qual os autores-editores se serviram para a elaboração de sua coleção didática. Resta saber como se deu a transposição didática dessa teoria nessa coleção.

A Teoria dos Gêneros é apresentada, também,

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114 Gêneros textuais - roseane Batista Feitosa nicolau 115Gêneros textuais - roseane Batista Feitosa nicolau

para o aluno em vários momentos da coleção como no manual da 5a série quando é dada a noção de gêneros textuais:

E assim, nessa passagem, de forma direta é apresentado o conceito de gêneros textuais ao aluno, ao mesmo tempo em que é introduzida a ideia de que o ato de escrever é algo simples do cotidiano de cada um.

O texto do LD, neste momento, incorpora o próprio discurso dos autores-pesquisadores, que assume a teoria com sua própria voz, atribuindo um caráter de

confiabilidade e veracidade a teoria defendida.Desta forma, observamos que a teoria presente

na coleção se revela não só no Manual do Professor, mas também no texto voltado para o aluno. Isso mostra que seus autores são conhecedores e estudiosos de teorias linguísticas modernas e que procuram encaminhar essas teorias para o LD, tornando-as acessíveis ao professor e ao aluno.

Pensamos ser essa coleção um exercício de prática da Teoria dos gêneros que ganha espaço, agora no material didático, além de considerar o professor um estudioso, um pesquisador, ao expor a teoria adotada pela coleção.

Podemos encontrar ainda no Manual do Professor, presente nessa coleção, orientações e sugestões para o trabalho em sala de aula, como: plano de curso e estratégias de ensino, o que vem se tomando comum nos recentes manuais voltados para o professor 7, que não encontra mais tempo para planejar suas aulas, ficando essa tarefa para o livro didático.

Assim, de acordo com Dallan (Prado, 2001,

7 Essas sugestões didáticas e metodológicas, como já foi mencionado na Parte 3 deste estudo, se deu devido à democratização do ensino no nosso país e ao povoamento das escolas.

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116 Gêneros textuais - roseane Batista Feitosa nicolau 117Gêneros textuais - roseane Batista Feitosa nicolau

p.20), consultora pedagógica da Fundação para o Desenvolvimento da Educação de São Paulo, em entrevista: o manual dirigido ao professor deve rever os pontos da matéria que o professor pode dominar, para o seu melhor desempenho. Segundo o Guia do Livro didático esse manual deve corresponder às necessidades reais do professor, capacitando-o para usar, devidamente, o livro e o instruindo acerca do conteúdo que está sendo ensinado. Nunca, como única fonte de conhecimento.

Outro propósito do Manual do Professor é indicar novas fontes como: livros, revistas, filmes etc., com os quais cada unidade ou atividade poderia ser enriquecida, gerando atividades para além das que estão nos livros do aluno. Assim, o LD passa a considerar o professor e o aluno como estudiosos e pesquisadores da sua língua e cultura.

Com essas e outras indicações, o Manual do Professor assume um papel importante, auxiliando o professor que, no nosso país, apresenta, em muitas localidades, dificuldades no emprego do material didático, devido a uma formação precária, que não o prepara para devidamente para selecionar seu

material de apoio, ou ainda, devido à realidade existente na escola que não dá condições ao professor exercer com dignidade sua profissão.

Neste sentido, o manual dirigido ao professor poderia ser uma ferramenta de formação pedagógica, porém, muitas vezes, é negligenciado pelos autores-editores de LD que não mencionam a base teórica nem indicam fontes adicionais de pesquisa, ficando, apenas, no planejamento básico de conteúdos presentes no livro 8.

Referindo-se ainda ao Manual do Professor, do livro didático em análise, precisamente nas Sugestões de estratégias para os capítulos, é feita uma indicação louvável ao professor. Sugere-se a esse que peça para os seus alunos trazerem de casa: cartões, convites, cartas, bilhetes antes de iniciar o estudo desses gêneros (manual da 5a série); e em outros manuais, pede-se: livros, diários, telegramas, poemas, histórias em quadrinho, notícias reportagens, cartas de leitores etc.

Esse procedimento, se acatado pelo professor,

8 Para um maior aprofundamento nesta questão, sugerimos a leitura da matéria sobre o assunto na revista: Nova Escola, ano XVI, n.140, pp.14-20.

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118 Gêneros textuais - roseane Batista Feitosa nicolau 119Gêneros textuais - roseane Batista Feitosa nicolau

motiva e introduz o aluno na diversidade textual e no estudo dos gêneros, aproximando-o da realidade, do uso efetivo de um gênero, bem como contribuindo para elaboração desses gêneros em estudo a partir das suas características estáveis (estrutura e estilo).

Assim, forma-se a consciência da existência desses gêneros, cuja escolha pode se dar por vários critérios, uma vez que há uma quantidade de gêneros variados para definir as diferentes maneiras de se elaborar e construir discursos.

Desta forma, o livro abre um leque de opções de leituras e atividades gerenciadas por meio do conhecimento dos gêneros que circulam socialmente, e que, por sua vez, favorece o contato dos alunos com a realidade da qual ele faz parte.

4. 2 Seleção e agrupamento dos gêneros

O agrupamento dos gêneros, com o intuito de viabilizar a transposição e a progressão didática na coleção em análise foi retirado da proposta apresentada por Schneuwly e Dolz (1996, pp.11-14) que parte de determinados critérios de seleção.

Tais como: a) corresponder às finalidades sociais legadas ao ensino, respondendo às necessidades de linguagem em expressão oral e escrita no amplo domínio da comunicação, b) retomar certas distinções tipológicas presentes em currículos e manuais de ensino; c) serem relativamente homogêneos quanto às capacidades de linguagem dominante, implicadas no domínio dos gêneros agrupados.

Esses linguistas salientam que a originalidade das ideias apresentadas não reside nos agrupamentos propostos, que são semelhantes a muitos outros como o de Vigner (1979)9 e, sim, na tentativa de se trabalhar em nível de gêneros, definindo as capacidades de linguagem globais em relação às tipologias.

Os Gêneros abordados na coleção em análise tiveram como critério de classificação para a realização de agrupamentos os domínios sociais 9 Vigner, no seu livro Lire: du texte au sens, 1979 p. 82 e 83, apresenta uma lista de textos que um indivíduo pode na sua experiência de leitura encontrar e, em seguida, para assegurar uma formação em leitura desses textos agrupa-os em textos do domínio narrativo (reportagem, romance, lembranças, entrevistas...), do domínio descritivo (trechos de romances, de lembranças...), do domínio expressivo (poesias, romances, peças de teatro, ...), do domínio lógico-argumentativo (comunicações cientificas, cursos, editorial, correspondência comercial) , do domínio prescritivo (aviso, classificados, circulares, notas de serviço,...).Essa classificação, para Vigner, asseguraria a boa formação do leitor, e assemelha-se a proposta por Schneuwly e Dolz.

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120 Gêneros textuais - roseane Batista Feitosa nicolau 121Gêneros textuais - roseane Batista Feitosa nicolau

de comunicação,10 uma vez que os gêneros que pertencem a uma mesma esfera de comunicação apresentam semelhanças em situação de produção e compartilham aspectos composicionais e até temáticos, mas com diferentes graus de complexidade.

A coleção didática em análise trabalha sobre esses domínios, organizando-os por séries de ensino e apresentando-as, resumidamente, na coleção, da seguinte forma:

a) Agrupados na ordem do narrar: os gêneros que fazem parte do domínio do narrar estão presentes em toda a coleção didática, da 5a à 8ª série. Nesse agrupamento é possível estudar textos que fazem parte da cultura de uma época ou de um país como os apresentados na unidade 2 e 3 do manual da 5ª série, cujos títulos, respectivamente, são: Histórias... Histórias: palavras e imagem e Histórias de hoje e de sempre, entre elas: contos maravilhosos, fantásticos ou atuais; lendas, fábulas, bem como, textos que apresentam sincretismos entre verbal e não verbal como histórias em quadrinhos.

Há, na coleção uma proposta de se estudar os

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elementos que compõem o gênero histórias em quadrinhos, com balões, gestos, indicadores de movimentos, onomatopéias, formatos, linguagens verbal e não-verbal, elementos que compõem a narrativa, legenda.

Vejamos a história em quadrinhos de Laerte:

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122 Gêneros textuais - roseane Batista Feitosa nicolau 123Gêneros textuais - roseane Batista Feitosa nicolau

Tudo isso fornece meios para que o aluno consiga conhecer, formalmente, esse gênero. Mas, esse gênero não é só forma, deveria haver também uma preocupação em se trabalhar as ideias, os aspectos discursivos que permeiam os quadrinhos ou qualquer outro gênero.

O LD precisa ter essa preocupação, formulando questões que ultrapassem os aspectos estruturais ou mesmo visíveis e previsíveis dos gêneros, que alcancem a intencionalidade do autor, indagando: qual a ação que se pretende realizar nessa interação comunicativa? Qual o efeito de sentido que se pretende estabelecer entre o locutor e o interlocutor? Depois, buscar os recursos utilizados na ação linguística, desde as palavras, os elementos conectores, o tipo de texto até a seleção das informações. Por sua vez, para a compreensão do texto, deve-se perguntar: como o texto foi constituído? Quais os recursos linguísticos utilizados? Quais os sentidos que as instruções presentes no texto permitem levantar?

Se observarmos as questões propostas para a história de Laerte, logo após os quadrinhos, veremos que essas questões estão ainda no nível de leitura

superficial, não há nenhuma pergunta sobre as relações humanas, tema da história em quadrinho em questão, tampouco acerca do sentido que resulta do sincretismo do verbal com o não verbal.

Apesar da mudança de paradigma em direção ao estudo dos gêneros, as questões formuladas para as narrativas não mudaram, permanecem as mesmas no livro didático em análise. Fala-se de personagens, tempo-espaço, mas esquece-se de tratar de questões como: relações sociais, que emanam dos textos e que contribuem para a formação do aluno. Poderíamos fazer as seguintes perguntas: Por que os garotos negam que estão namorando? O que é o namoro? Podemos afirmar, a partir da leitura dos quadrinhos, que as pessoas com a convivência, chegam a se gostar? Isso já aconteceu com você?

O estudo dos gêneros do narrar continua em outras séries, de maneira mais aprofundada, formalmente, quando são estudados os elementos que compõem esses gêneros: como o foco narrativo (manual da 6a), os tipos de discurso: direto e indireto; o enredo, o tempo e o espaço (manual da 8a). Essa prática alinha-se com a sugestão de Pasquier e

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124 Gêneros textuais - roseane Batista Feitosa nicolau 125Gêneros textuais - roseane Batista Feitosa nicolau

Dolz (1996) que, em seu Decálogo para ensinar a escrever, nos prescreve o estudo dos gêneros narrar, expor, argumentar etc, em todas as séries de ensino de maneira gradual e em forma de espiral.

Desta maneira, a ordem do narrar aparece em todos os manuais. Todavia, não podemos esquecer que, em cada gênero, há propriedades linguístico-discursivas diferentes que devem ser levadas em conta no estudo do texto, o que significaria ultrapassar seu aspecto formal e alcançar o nível discursivo de cada gênero em que reside um fazer social.

b) Agrupados na ordem do relatar: na ordem do relatar estão os textos que surgem da lembrança e da recordação de alguém, que pode vir do próprio aluno. A ordem do relatar está presente na unidade 4 da 5a série: Quem sou eu, através dos gêneros: autobiografia e relato pessoal (5a série), o diário (6a série), a crônica (7ª série) e, indiretamente em outros textos, como por exemplo, no texto introspectivo O primeiro beijo, de Clarice Lispector (8ª série), porém sem referências a essa ordem.

A unidade 4 da 5ª série é toda dedicada à ordem do relatar. São apresentados os gêneros Autobiografia,

o Relato Pessoal (um episódio importante vivido pelo narrador) e o Texto Opinativo. Esse último gênero pode também ser enquadrado no gênero expor, que veremos no 4.2.2.3. Os dois primeiros (autobiografia e relato pessoal) assemelham-se aos gêneros do narrar por apresentarem personagens, tempo e espaço como as narrativas e usarem a técnica da descrição. Porém, o que caracteriza o relato é o fato de o protagonista ser o narrador e os verbos e pronomes são empregados quase sempre na 1ª pessoa. Tal como podemos constatar no texto do relato pessoal, sem título, da professora T. Magalhães (anexo 1).

Alguns textos podem fazer parte de dois agrupamentos. Isso se dá porque não há ainda um estudo que os diferenciem realmente, o que seria estabelecer critérios de classificação discursiva, referentes à situação, às normas e aos tipos de ações realizadas por meio do gênero e aos objetivos e às intenções sócio – culturais daqueles que se comunicam.

Visualizando melhor o impasse na classificação dos textos nos agrupamentos determinados, apresentamos como exemplo o texto Minhas Férias, do manual da 6ª série, p. 4-5 (anexo 2) que é um relato:

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126 Gêneros textuais - roseane Batista Feitosa nicolau 127Gêneros textuais - roseane Batista Feitosa nicolau

redação escolar e, está sendo estudado como narrativa pessoal. Ou seja, não foi estabelecido, na coleção, a fronteira entre os gêneros do narrar e do relatar.Isto se dá uma vez que os gêneros misturam-se e se permutam como afirmaram Bakhtin (2000), François (2000) e outros. Essa mistura ocorre, sobretudo, com os gêneros secundários, que são resultados de situações mais complexas de enunciação. É o que impede, muitas vezes, que seja feito um enquadramento de um texto em um único gênero.

Os gêneros da ordem do relatar são estudados principalmente nas primeiras séries da coleção, ou seja, 5ª e 6ª série. Na 8ª essa ordem não é abordada diretamente. E, na 7ª série, é estudada a Crônica pessoal e vista em conjunto com outros tipos de crônicas como: Crônica-narrativa que se aproxima do Conto, a Crônica-comentário que expõe um fato e o comenta. As diversas classificações da crônica exemplificam a dificuldade de se estudar os gêneros de forma agrupada. Porém não devemos desprezar esse agrupamento, uma vez que esse facilita o estudo dos gêneros de forma progressiva no ensino, mas devemos trabalhar com esses gêneros de forma a

não causar dúvidas ou incompreensão, sobretudo, na sua utilização, levando o aluno a ser um produtor dos gêneros trabalhados e não apenas um analista e classificador desses gêneros.

c) Agrupados na ordem do expor: na ordem do expor estão os textos que transmitem e constroem saberes como os textos: Científico, Notícia, Resenha, Entrevista (6a série), Sinopse de livros e filmes, presentes na abertura das unidades, entre outros. Esses textos enquadram-se na classificação tradicional de textos dissertativos e são apresentados, na coleção, ainda na sua visão convencional e estrutural rígida como contendo: introdução, desenvolvimento e conclusão. Percebemos, também, que há uma ênfase no estudo da estrutura textual, bem como ao escrever bem (manual da 8ª série, capítulo 2, p.110-115). Essa última preocupação (escrever bem) foi destacada na coleção somente nesse momento, isso nos leva a crer, que essa preocupação só deve existir a partir da série em foco.

No estudo dos textos da ordem do expor (nas páginas 110 –113) observamos, também, que as perguntas relativas ao texto são referentes à tese - ideia principal do texto - e as partes que constituem

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128 Gêneros textuais - roseane Batista Feitosa nicolau 129Gêneros textuais - roseane Batista Feitosa nicolau

o texto dissertativo: a introdução, o desenvolvimento e a conclusão, isto é, a razão da existência do texto é marcada em função das partes que o compõem não se aborda o fazer discursivo que antecede o aspecto formal do texto.

Há, também, os próprios textos didáticos produzidos pelos autores-editores do LD que são expositivos e explicativos e visam, sobretudo, levar o aluno a obter um conhecimento sobre um determinado gênero ou mesmo confrontar tipos textuais como a dissertação e a argumentação, o que sem dúvida, ajuda na fixação das estruturas particulares dos gêneros enquadrados na ordem do expor e do argumentar.

Há, no entanto, outras formas de se chegar a essas definições e distinções. Uma delas seria sugerir ao aluno que pesquisassem: o que é uma notícia?, suas características, sua finalidade, onde essa se faz presente, antes de estudar o que foi dado ou pesquisado pelos autores do LD. Ou, ainda, no confronto entre a argumentação e a dissertação, pesquisar textos que ilustrem as diferenças e semelhanças entre essas ações textuais.

c) Agrupados na ordem do argumentar: o texto argumentativo expressa uma opinião, um ponto de vista com razões, argumentos. Entre os gêneros textuais dessa ordem destacados nos manuais em análise estão as Cartas dos leitores: por meio dessa correspondência, os leitores de revistas e jornais

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130 Gêneros textuais - roseane Batista Feitosa nicolau 131Gêneros textuais - roseane Batista Feitosa nicolau

dão suas opiniões a respeito de assuntos por eles destacados (manuais da 5a e 6a séries). Porém, a noção de argumentação só será dada no manual da 6ª série.

Nas séries seguintes (7ª e 8ª) é dada uma atenção maior os gêneros da ordem do argumentar como uma extensão dos gêneros expositivos. Realmente, quando expomos nossos pensamentos devemos argumentar, fazendo, assim, valer a nossa opinião. Este é um dos exercícios propostos na abordagem dos gêneros desse agrupamento na coleção em análise.

O estudo da argumentação está relacionado, diretamente, a temas polêmicos como cidadania (7ª série) e o poder da televisão, a reencarnação, etc (8ª série). Isso mostra que a argumentação está mais presente em texto que suscitam polêmicas e divergência de opinião. Isso exige do aluno um grau maior de conhecimento de mundo e maturidade. Há, também, entre os gêneros do argumentar, os orais, como o Debate que promove a discussão de variados pontos de vista (7a série). E outros, escritos, como Carta aberta, de solicitação e de reclamação (7a série) em que se expõem argumentos, para defender um direito. Ou ainda, o estudo desses gêneros destacando-se

elementos como a contra-argumentação, chegando-se até a simulação de um júri (manual de 8ª série, p.98-99 da seção Intervalo: anexo 3).

d) Agrupado na ordem do descrever ações (ou instruir e prescrever, segundo Rojo, 1998): há textos que dão instruções, regulam comportamentos, como: Bulas, Receitas, Regras de jogos manuais (manual da 7a série, p. 69 a 79), Declaração dos direitos humanos (7a série, p. 126 - 129). E, outros textos que, por suas características, se enquadram nesse agrupamento; são instrutores de tarefas, conforme a seção Agora é sua vez e as sugestões, por exemplo: Criação de revista de história em quadrinhos (5ª série, p. 61); Como montar uma revista em grupo (6a série, pp. 24 - 25) e Como montar um livro de crônicas:

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132 Gêneros textuais - roseane Batista Feitosa nicolau 133Gêneros textuais - roseane Batista Feitosa nicolau

O estudo dos gêneros da ordem do instruir e prescrever ações realiza-se praticamente na 7ª série, ou seja, não foi dada a importância merecida a essa ordem em outras séries na coleção em foco. A presença desses gêneros da ordem do instruir no manual da 7ª série (p.69) é essencial, uma vez que, há muitos textos instrucionais circulando no mundo atual.

A leitura compreensiva desses textos é útil e necessária para que se possa proceder corretamente ao se tomar um remédio, montar um computador etc. Seu estudo, na coleção, realiza-se através da observação da estrutura formal e da linguagem empregada. Na bula abaixo, por exemplo, estuda-se sua composição textual dividida em informações ao pacientes, precauções, reações adversas e psicologia, os destaques presentes que devem chamar a atenção do leitor e a linguagem empregada que deve ser concisa e objetiva, mesmo com termos específicos.

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134 Gêneros textuais - roseane Batista Feitosa nicolau 135Gêneros textuais - roseane Batista Feitosa nicolau

Como vemos, a proposta presente nos manuais é nova no que diz respeito à classificação textual, ou seja, ela não se restringe à tipologia tricotômica: narração, descrição e dissertação, comumente trabalhada nos manuais didáticos. Esta nova classificação e organização de estudo de textos visam a ampliar o conhecimento e facilitar o domínio dos textos que circulam socialmente. Porém, não podemos dizer que esses tipos textuais tradicionais foram abandonados. Ao contrário, essa tipologia está presente nos diversos gêneros textuais e, por isso, seu estudo deve permanece, sendo que, nos livros em análise, a ênfase é dada aos gêneros, mas, ainda, numa perspectiva formal e não discursiva.

Há, na coleção em foco, uma nova visão para a descrição que é tratada como um “recurso”, uma “técnica” empregada em narrativas como Fábulas, Lendas, História em quadrinhos de forma diversa e até em Classificados (manual da 5a série, p. 36 -39).

Observemos a descrição na narrativa, ilustrando o que foi dito acima.

Essa visão apresentada acima é interessante por nos fazer ver que, a descrição colabora para a construção de um gênero agrupado em qualquer ordem, não mostrando a diferença existente entre os gêneros. Portanto, o seu estudo não seria o estudo de um gênero, nem mesmo como fator de agrupamento desses, mas de estruturas que podem se repetir em determinados gêneros com mais frequência do que em outros, como, por exemplo, nos textos da ordem do narrar e do prescrever.

Internalizar os gêneros textuais é saber se comunicar em diversas situações: narrando, relatando, expondo, argumentando e descrevendo ações. Mesmo mostrando ciência disto, não há, ainda, na coleção didática em questão, uma análise

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136 Gêneros textuais - roseane Batista Feitosa nicolau 137Gêneros textuais - roseane Batista Feitosa nicolau

das situações comunicativas, das práticas sociais em que se desenvolve um determinado gênero, que concretizam situações. Também não ocorre uma identificação dos elementos relevantes que determinam o fazer discursivo, que nos faça perceber como eles interagem e suas condições de uso, desenvolvendo o conhecimento necessário para a posterior produção desses mesmos gêneros - o que seria muito mais do que a comunicação verbal no sentido imanente.

Cabe ao LD mostrar em que contexto um gênero é mais apropriado que outro e quais as potencialidades de cada um. O conhecimento da situação de comunicação é o ponto de partida para identificação de um gênero.

As práticas didáticas de uso-refexão-uso propostas pelos PCN por meio dos gêneros podem possibilitar a autotomia e desempenho do aluno, o que só é possível com a reeleboração contínua de práticas didáticas de gêneros textuais cada vez mais complexas.

Os gêneros no LD, devido à sua didatização, descaracterizam-se por passarem a ser objeto de

ensino e aprendizagem. Essa descaracterização é, muitas vezes, necessária, mas tanto o LD como os professores devem tentar recuperar o contexto e as condições de produção que resultaram no gênero. Por exemplo, os gêneros presentes em um jornal devem ser estudados visualizando essa fonte. Se assim não fizerem, esses continuarão a realizar o que já era feito antes com a tipologia em que se estudava o texto em função de uma identificação da narração, da descrição e da dissertação. Os gêneros também devem ser trabalhados em função da necessidade de comunicação. Isso ainda não está sendo praticado pelo LD em foco quando, por exemplo, o livro sugere que seja feita uma carta de solicitação, apenas para checar se o aluno sabe elaborar esse gênero. Em reais condições de produção, o texto ganha autenticidade, para isso, devem-se criar condições reais de comunicação para o exercício com os gêneros como, por exemplo, incentivar os alunos a fazerem cartas para autoridades expressando sua opinião.

Vemos que o estudo dos gêneros realizado na coleção em análise não atende às necessidades reais

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138 Gêneros textuais - roseane Batista Feitosa nicolau 139Gêneros textuais - roseane Batista Feitosa nicolau

de comunicação do aluno. Isso porque a escola vive em função de um futuro que desconhecemos, para o qual o aluno deve ser preparado. A análise e a prática de comunicação de forma contextualizada proporcionam ao aluno um maior engajamento no universo textual existente; e isso lhe permitirá produzir, com desempenho, cartas para revistas, reivindicações para prefeitos etc.

O ideal seria sempre perguntar: quais gêneros, por exemplo, podem ser estudados para que alguém possa mostrar suas ideias a outro que está perto ou longe? O que os alunos já sabem sobre esses gêneros? Como tornar essas práticas de leitura e escrita mais fundamentais para o cotidiano do aluno?

4.3 Características e diferenças dos gêneros abordados

Cada gênero abordado no LD em estudo apresenta características formais próprias que são fornecidas, grosso modo, com o objetivo de que os alunos se apropriem dessas características e, assim, diferenciem os gêneros e os utilizem com desempenho.

Como podemos ver nessas passagens:

Porém, não há uma preocupação em se estabelecer diferenças entre os gêneros, tendo como estudo, o seu momento de produção, o que determina a sua escolha, a intencionalidade que o gerou, pois, como sabemos, os gêneros nascem da necessidade de comunicação, de formas de dizer que se cristalizam.

Em alguns momentos do LD em questão, devido à grande variedade existente no próprio gênero, é feita uma classificação, um detalhamento

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140 Gêneros textuais - roseane Batista Feitosa nicolau 141Gêneros textuais - roseane Batista Feitosa nicolau

maior acerca desses gêneros, como, por exemplo: a Crônica que, pela diversidade de tipos e forma, recebe uma classificação e um estudo a partir dessa classificação em vários capítulos (manual 7a série, p. 41: É possível classificar uma crônica, capítulo 1 e capítulos 2 e 3: A crônica de humor e A crônica argumentativa, pp. 48-52 e 55-59 respectivamente).

4. 4 A poesia no agrupamento dos gêneros

Dolz e Schneuwly (1996) não enquadram a poesia em nenhum dos agrupamentos, sugere, apenas, o seu estudo à parte. E para esse estudo indicam certos estudos e autores 11.

A coleção em foco apresenta um estudo exaustivo sobre a poesia no manual da 6ª série, na unidade 2 em que são feitas considerações sobre as propriedades do poema: a sonoridade e o ritmo; sobre a intertextualidade e a paródia na poesia; e o poema-imagem. Na seção Intervalo, dessa mesma unidade, é sugerida a exposição oral e escrita de poemas elaborados pelos alunos, de

11 Os autores que tratam de forma interessante a poesia, segundo Dolz e Schneuwly são Jolibert, Sraiki e Herbeaux, 1992.

poesia da tradição oral, jograis e declamações. Em nenhum momento, são colocadas as características da poesia como um gênero que possa ser enquadrado numa ordem. Podemos encontrar textos poéticos em qualquer agrupamento: do narrar, do relatar, do expor, do prescrever e do argumentar. É indispensável para o estudo da poesia, visualizar as intenções que são perpassadas justamente pelo narrar, relatar, expor, prescrever e argumentar.

Louvamos aqui o não esquecimento dessa forma literário no LD, uma vez que, como nos diz Alves (1995 p.13): a poesia é o gênero menos privilegiado no fazer pedagógico da sala de aula.

4.5 O gênero: como pretexto para o estudo gramatical

Nos Capítulos de desenvolvimentos de conteúdos, precisamente, nas seções: Para escrever com adequação, com expressividade, com coerência e coesão etc, o texto, ainda, é visto como pretexto para o estudo da gramática, cujo valor não é negado nesse trabalho, mas que deveria ficar subordinado

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142 Gêneros textuais - roseane Batista Feitosa nicolau 143Gêneros textuais - roseane Batista Feitosa nicolau

ao uso eficaz e efetivo dos discursos. Um exemplo da ocorrência do uso do texto

meramente gramatical é a Tira de Quino (6a série, p.90) que foi utilizada na coleção para demonstrar a utilização dos pronomes demonstrativos. Se olharmos com mais atenção para o contexto (não trabalhado nas questões que se dirigem a esse texto), veremos que há uma leitura da situação do país, no caso a Argentina, que está “cercada por ladrões” (sentido possível), ou seja, candidatos à presidência. Essa leitura permitiria ao aluno a percepção de que essas marcas linguísticas, no caso o uso do demonstrativo, são importantes para a eficiência da construção do gênero que revela uma posição discursiva.

A questão proposta não alcança a realidade discursiva ocorrida no seio social por ser trabalhada apenas no seu aspecto formal, gramatical, desassociado do contexto.

Sabemos que o texto de Quino é ideológico, mostra um posicionamento do idealizador do texto que se “veste” de meninas para expor suas ideias. Portanto perde-se uma boa oportunidade para se estudar esse texto focalizando o seu contexto, sua historicidade e a utilização desse gênero para tal intento. Esse tipo de estudo não permite ao aluno a percepção de que esses aspectos extralinguísticos são importantes para a eficácia da construção do gênero que reveste uma posição discursiva.

Nos manuais dos LD voltados para o professor, é comum uma descrição pormenorizada dos conteúdos gramaticais que devem ser vistos. No entanto, as atividades de expressão oral e escrita são sugeridas de forma superficial, como se produzir textos fosse um saber que a escola deve, apenas, encorajar, pois, nessa concepção, o ato de produzir textos nasce e se desenvolve de maneira espontânea em qualquer um, sem que seja necessário ensiná-la sistematicamente.

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144 Gêneros textuais - roseane Batista Feitosa nicolau 145Gêneros textuais - roseane Batista Feitosa nicolau

4.6 A produção escrita e oral e a variante empregada

Já no Manual do Professor da coleção em análise, são propostas práticas para o aprimoramento da escrita por meio da reflexão sobre o texto do próprio aluno. Isso seria ensinar, sistematicamente, a produzir textos coesos e coerentes. Porém, é preciso que os autores dessa coleção definam parâmetros mais claros no Manual do aluno, para intervir adequadamente na produção em sala de aula, proporcionando assim, um melhor aproveitamento. Devem elaborar, inclusive, atividades de escrita e de fala em situações variadas e complexas que favoreçam, nos alunos, um maior domínio dos gêneros e das situações de comunicação que lhes correspondem.

Nesse Manual do Professor, são sugeridos procedimentos didáticos que visam ao desenvolvimento da competência, sobretudo, escrita do aluno, como: Espaço de criação, que consiste em um espaço de leitura e de produção de textos; Projetos, que consistem em criar situações reais de comunicação, de interação.Para essa prática, baseando-se em leituras feitas sobre os

gêneros e seu estudo numa progressão curricular, há exigências de valores pedagógicos:

. O aluno deve produzir textos para um público determinado, e usar de sua criatividade e clareza para tornar o texto atraente.

. A leitura e a pesquisa surgem como pré-requisitos básicos para a elaboração de textos reais e autênticos. Se a atividade for a elaboração de um jornal, por exemplo, deve-se antes conhecer as partes que compõem esse meio de comunicação, sua linguagem etc.

. A interdisciplinaridade e a interação de conteúdos de disciplinas deve ocorrer.

. O trabalho deve ser feito, também, em equipe, o que favorece a interação entre alunos e também entre alunos e professores.

. Determinadas práticas de sala de aula passam a fazer sentido, como a reescritura de textos, uma vez que os textos serão publicados.

A aprendizagem por meio de projetos, tendo como ponto de partida o estudo dos gêneros, é mais dinâmica e interessante, além de conduzir o

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146 Gêneros textuais - roseane Batista Feitosa nicolau 147Gêneros textuais - roseane Batista Feitosa nicolau

aluno a uma visão intensa de todo uma formação de conhecimento. O LD pode gerar um ensino sistemático de aprender a escrever, por meio de um trabalho progressivo e adaptado ao ritmo de aprendizagem do aluno. Esse trabalho sistemático, no entanto, só poderá alcançar o êxito desejado, se o professor conhecer a teoria trabalhada e agir como mediador dessa teoria, descobrindo formas de implementa-la, tendo o LD como um apoio para a realização dessa prática.

Ainda não é dado o devido tratamento à oralidade nessa coleção didática. A atenção desses livros é voltada quase totalmente para a escrita. Algo comum nos LD em geral, é o que argumenta Marcuschi (2001, p.24-32) que, a partir dessa preocupação, elabora sugestões para um trabalho com a língua falada em sala de aula e uma classificação conjunta e contínua da produção textual na fala e na escrita.

A presença mais acentuada na coleção em análise de gêneros orais se dá no manual da 8ª série com: Debate, Júri simulado e Jornal falado que se concretizam através da necessidade, em sala de

aula, de se trabalhar também com textos orais. Esses textos orais trabalhados na coleção compõem um continuum, segundo Marcuschi (2001), extremamente heterogêneo de ações verbais que, também, se enquadra em gêneros, porém intermediários, por serem advindos de textos escritos. Por exemplo, quando, em sala de aula, simula-se um telejornal, o texto (dos apresentadores, dos repórteres etc) já foram previamente organizados por escrito.Apesar da presença desses gêneros orais, não há, na coleção, um estudo profícuo sobre os gêneros orais no qual possa ser vista toda a sua complexidade.

O tratamento dispensado à linguagem depende essencialmente do faixa etária à qual o livro se dirige. A inserção de elementos atrativos, um léxico mais próximo ao cotidiano do leitor-aluno, a utilização de frases de efeito: “Agora é sua vez”, “Fique plugado!”, “Fique ligado! Pesquise!”, “Fique ligado! Escreva!” são algumas das estratégias linguísticas que, emergindo com maior ou menor frequência e intensidade, e de acordo com a série, têm por finalidade prender a atenção do aluno, trazendo-o para o interior do texto em questão.

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148 Gêneros textuais - roseane Batista Feitosa nicolau 149Gêneros textuais - roseane Batista Feitosa nicolau

Chamar a atenção do leitor-aluno, despertando-lhe o interesse e fazendo com que se sinta envolvido pelo assunto apresentado e pelo enfoque dispensado, requer do discurso didático algo mais que o simples emprego da função referencial da linguagem. Assim sendo, os gêneros expressivos e apelativos: conversação, textos em quadrinhos, diálogos curtos, frases de efeito; recursos visuais, como a foto de um telegrama (6a série), e outros diversos tipos de gêneros textuais e não textuais desempenham papel fundamental na composição linguística e discursiva do LD, além de instruir, prescrever e expor, ou seja, retomar, indicar e transcrever conhecimentos acumulados pela humanidade.

Assim sendo, o texto do LD estaria localizado num continuum entre a tradição escrita e a oral, o registro formal e o informal, a objetividade e a subjetividade, o verbal e o não-verbal, que se imbricam de maneira complexa, numa tessitura intercalada de estruturas, aparentemente simples por meio da seleção e aplicação dos gêneros textuais.

Portanto, o fazer discursivo, elaborado pelos editores-autores da coleção didática, depende,

também, do contexto discursivo em que este se inscreve, da seleção de um gênero textual e, essencialmente, da faixa etária a qual este se dirige. A partir da imagem que faz do aluno e dos valores sociais aos quais estão associados, os editores-autores selecionam os temas, aspectos linguísticos e recursos que consideram mais relevantes para o aluno.

As estratégias discursivas da ordem do expor, como: explicação, exemplificação, comparação, metáfora, nomeação, seleção vocabular e recursos visuais, são elementos didatizantes empregados pelo editores- autores no ato de compor o seu LD, com o intuito de aproximar o alunos-leitores do discurso do LD.

Desta forma, o modo como o autor elabora seu discurso didático, condizente e coerente com o que julga mais apropriado ao público-alvo, forma o todo discursivo presente no livro didático.

O LD em análise, enquanto produto a ser comercialmente veiculado, assume um formato atraente. Isto não pode ser desconsiderado, pois, muitas vezes, o LD é o único livro que a criança tem em casa. Para tanto, os autores do LD utilizam-se de recursos linguísticos e gêneros diversificados

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150 Gêneros textuais - roseane Batista Feitosa nicolau 151Gêneros textuais - roseane Batista Feitosa nicolau

(metalinguagem, narratividade, títulos sugestivos, resumos) e extralinguísticos (recursos visuais – fotos, desenhos, tabelas, gráficos, esquemas) capazes de despertar o interesse do leitor-aluno e favorecer o estudo não só dos gêneros textuais, mas suscitar ao estudo dos gêneros não-textuais.

Algumas páginas da coleção em análise assemelham-se, no aspecto gráfico, a revistas (sobretudo nas páginas de abertura das unidades e na seção Intervalo). Vemos isto como algo positivo, uma vez que o jovem, embalado pelas tendências modernas, prefere ler mais revistas a livros, ver mais imagens que textos.

Na medida em que o discurso do LD se dirige ao público leigo no assunto que vai ser tratado, a didatização se apresenta como uma de suas características essenciais. O LD tende a trabalhar a linguagem de forma acessível, tornando compreensível à terminologia própria do jargão científico. Para tanto, faz uso de recursos metalinguísticos (ou parafrásicos) como da definição 12 utilizada para a explicação de termos científicos pouco conhecidos: camada de

12 Rever a definição de gênero textual na página 78.

ozônio, por exemplo; e da exemplificação13, recursos com o propósito de tornar mais compreensível a Teoria dos Gêneros, no caso, o gênero textual em estudo14. Isso ocorre também no decorrer do LD em análise nos capítulos Gêneros em foco, em que a definição e a caracterização de cada gênero são feitas. Por exemplo: a definição do Bilhete como um gênero textual muito simple que possui um vocativo; o assunto, em poucas palavras; e a assinatura (manual da 5ª série, p.7).

E, além da estrutura e características do Gênero em foco, um modelo, como o do convite que segue:

13 Ver o convite na página que segue.14 Ver mais detalhes sobre esses elementos didatizantes no artigo de Ana Paula Leibruder: O discurso de divulgação científica. In: BRANDÃO, Helena Nagamine. (2000) Gêneros do discurso na escola. V.5. São Paulo: Cortez, p.241-6.

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152 Gêneros textuais - roseane Batista Feitosa nicolau 153Gêneros textuais - roseane Batista Feitosa nicolau

É, portanto, a partir desses recursos didatizantes no LD que é concretizada a explicação do gênero textual em foco, como também, é feita a aproximação do leitor-aluno à temática abordada. Através deste mecanismo linguístico, a voz do editor-autor é substituída pela voz dos objetos e ideias tratadas pelo texto, as quais passam a falar por si só.

4. 7 A contextualização

Apesar de apresentar os gêneros e destacar suas características gerais, o LD, em questão, não incorpora seus elementos de ordem social e histórica - o que, segundo Bakhtin, faz parte da própria noção de gênero -, bem como, o processo de interação de produção: quem fala, para quem fala, os lugares sociais desses interlocutores, seus posicionamentos ideológicos, o canal utilizado, seus objetivos e sua intencionalidade, o que caracteriza o enfoque sócio-histórico bakhtiniano de gênero. Não podemos estudar um gênero isolado de seu contexto sócio-histórico-cultural de circulação. Segundo Barbosa (2000, p.149-74), parafraseando Bakhtin “os gêneros

tanto na forma como no conteúdo refletem e refratam a realidade social vivida ou percebida”.

Caso não seja possível expor o contexto sócio-histórico de todos os gêneros e de sua formação textual, uma vez que, como disse Bronckart (1999), eles estão em “constante movimento”, desaparecem e reaparecem sob formas diversas, devemos buscar alguns dados históricos e sociais a fim de contextualizar o gênero na análise, facilitando a sua compreensão e produção, uma vez que essa é a função primeira do estudo dos gêneros na língua.

No LD em questão há ensaio de contextualização em exercícios de produção textual, o que pode facilitar a apropriação do gênero trabalhado nesse exercício. Conforme o que segue:

“Antes de recriar um diálogo, escrever um parágrafo contando como as personagens se encontram, em que lugares estão, etc.” (Manual de 5ª série, p.50).

Há, no entanto, momentos de estudo de textos em que não é identificada a situação intertextual, para que se possa situar melhor o enunciado:

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154 Gêneros textuais - roseane Batista Feitosa nicolau 155Gêneros textuais - roseane Batista Feitosa nicolau

Nos quesitos elencados para o texto acima, há apenas uma preocupação: estabelecer os elementos internos que compõem a narrativa: fatos, personagens, tempo e espaço, a relação de causa e efeito. Elementos que dizem respeito a aspectos tipológicos próprios da narrativa.

As indicações citadas entre parênteses sobre o extrato não são suficientes para situarmos o texto num determinado gênero, tampouco “Clichy”

(lugar mencionado no texto) que parece ser um lugar fictício. Constatamos, portanto, que, no LD em análise, há textos selecionados para um estudo meramente tipológico sem uma preocupação em estabelecer a sua função ou suas relações discursivas.

O estudo dos gêneros, no contexto linguístico, sua recepção e assimilação, resultam da expansão dos procedimentos básicos aprendidos nas séries anteriores e, também, da exploração da funcionalidade dos elementos constitutivos dos gêneros estudados e sua relação com seu contexto de criação. Isso deve ser considerado por qualquer LD que adote a Teoria dos Gêneros.

O problema, como já foi dito em um outro momento, não é mais a ausência da diversidade textual no LD, mas como está sendo desenvolvido o trabalho com essa diversidade, sua progressão e, se esse trabalho pode gerar efeitos positivos tais como: levar o aluno a uma reflexão crítica sobre o texto e a uma explanação ou construção de um sentido. E não, apenas, verificar a presença e características de um gênero, seu aspecto formal, com práticas de reconhecimento e identificação. Isto é o que

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156 Gêneros textuais - roseane Batista Feitosa nicolau 157Gêneros textuais - roseane Batista Feitosa nicolau

constatamos na maioria das questões elaboradas para o estudo dos textos no LD em análise.

Se o estudo do texto leva em consideração as marcas linguísticas, o locutor e o receptor, os conhecimentos desses e o momento de interação, o estudo dos gêneros ganha uma maior dinamicidade o que é próprio da linguagem.

4.8 A temática presente, a produção e o estudo textual

Se levarmos em consideração o processo linguístico-discursivo de elaboração de um gênero, veremos que há variedades de abordagem de um mesmo tema por meio dos gêneros. Podemos vivenciar um tema por meio de um romance, de uma peça, de um filme, de uma história em quadrinhos, o necessário é saber se servir dos gêneros para tal intento. Um enunciado, um texto, um determinado gênero estarão sempre atrelados a um tema e é em função de um tema determinado em cada unidade do LD que se trabalha os gêneros.

Na unidade 3 da 6ª série a temática abordada

é a das diferenças físicas entre meninos e meninas: Diferentes mas iguais ( p.54-5). Por meio dessa temática é estabelecida a diferença entre o texto metalinguístico (um verbete), literário (uma história) e científico (um artigo) todos tratando da diferença entre meninos e meninas.

As temáticas no LD em foco são selecionadas e organizadas visualizando a formação do indivíduo, portanto, é comum falar sobre: a poluição (5ª série, p.24-7), A violência (6ª série, p.93-6), Adolescência (7ª série, Unidade 2, p.36-61) Ser jovem (8ª série, unidade 1, p.2-35) sobre a cidadania (7ª série, unidade 4, p.98-129), a questão do consumo (7ª série, unidade 3, p.62-97), Valores sociais (8ª série, unidade 2, p.36-65), A televisão (8ª série, unidade 3, p.66- 99), exclusão social, conflitos de gerações, globalização, entre outros temas.

Isto é, há uma constância de temas sociais ou do interesse da faixa etária dos alunos a quem se destina a coleção, além de envolver contextos culturais e sociais diversificados por meio de variados gêneros, o que favorece a interdisciplinaridade. Como exemplo, o texto A camada de ozônio e uma

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158 Gêneros textuais - roseane Batista Feitosa nicolau 159Gêneros textuais - roseane Batista Feitosa nicolau

imagem do buraco na camada de ozônio visto por satélite (na seção Agora é a sua vez, p.59, 6a série) que podem ser trabalhados conjuntamente com o professor de ciências. Os PCN (1998, p.31-2) sugerem esses trabalhos e enfatizam a responsabilidade de todas as disciplinas em ensinar por meio de textos presentes no convívio social do aluno.

O trabalho com a temática é progressivo. Há temas que são retomados nas séries seguintes, por meio de outros gêneros. Como por exemplo: a temática da adolescência nos gêneros Conto e Crônica, agrupados na ordem do narrar: O primeiro beijo, de Clarice Lispector (7ª série) e na série seguinte (8ª) A Morcega, de Walcyr Carrasco.

Os textos selecionados são de autores representativos da literatura nacional e internacional, como, Lígia Fagundes Telles, Luis Fernando Veríssimo, Rubem Braga, Carlos Drummond de Andrade, Mário Quintana, Esopo, os irmãos Grimm, Edgar Allan Poe, Mordillo, Quino, e periódicos de circulação nacional, como, Folha de São Paulo, Veja, Pais & Teens, Atrevida, Superinteressante. Esses textos, por serem exercícios constantes de diversidades

discursivas, propiciam um engajamento do aluno ao tema proposto, e consequentemente, a formação de um ponto de vista por parte desses, contribuindo também para sua formação discursiva.

Quando se trata da produção textual, o caráter inovador e motivador da abordagem dos temas e da explanação dos gêneros não se manifestam com a mesma intensidade. A grande maioria das atividades de redação no LD em questão tende a apresentar condições de produção artificiais, dirigidas ao professor ou a exposição em murais, ou seja, ainda não são planejadas ações alternativas nos capítulos para a socialização efetiva dos textos redigidos pelos alunos fora do contexto escolar. Apenas, na seção Intervalo, há propostas de criação textual em condições mais espontâneas (anexo 3 e 4).

Os alunos devem ser motivados, quando exercitarem a redação, a visualizarem uma situação real de produção ou até a produzirem em função de uma situação real. Como exemplo: redigir Cartas para revistas reais, em circulação, expressando suas opiniões sobre as matérias, reivindicar seus direitos através de carta de solicitação, de reclamação a representantes

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160 Gêneros textuais - roseane Batista Feitosa nicolau 161Gêneros textuais - roseane Batista Feitosa nicolau

do povo: vereadores, deputados, senadores. No uso da produção oral, a coleção em análise

restringe-se a situações na sala de aula ou na escolar, sendo mais um instrumento da disciplina na checagem da leitura dos temas e aspectos linguísticos abordados do que objeto de estudo a ser sistemática e explicitamente abordado para o exercício pleno no meio social em situações significativas.

Os textos que circulam socialmente, conforme Carneiro (1997), cumprem um papel “modalizador”, isto é, funcionam como modelo, a partir dos quais os alunos vão se familiarizando com as características discursivas dos diferentes gêneros; porém a prática desses gêneros deve ser o máximo possível significativa. Para tanto, é necessário um estudo sistemático: conhecimentos prévios sobre o assunto e sobre o gênero e, em seguida, práticas que ultrapassem o contexto escolar.

Quando são contadas histórias para crianças que ainda não sabem ler e escrever, convencionalmente, ensina-se a elas como são organizados, na escrita, os gêneros.

Todo texto pertence a determinado gênero, com

uma forma própria que se pode aprender a usar na escrita e na oralidade. Como destaca Meurer (2000), a cultura de um país é visualizada pelos gêneros textuais produzidos pelo seu povo, sendo, portanto, no momento, questão fundamental nos estudos de língua, no que diz respeito a todas as suas etapas: compreensão, interpretação e produção textual.

O estudo dos textos no LD de Português, segundo a teoria dos gêneros, não pode ser mais visto como pretexto para tratar de questões morais ou meramente gramaticais. Este deve ser visto, antes de tudo, como um aparato que contribui para a formação de leitores capazes de reconhecer as sutilezas, as particularidades, os sentidos que dele podem ser tirados, como também a extensão e a profundidade das construções nele presente.

Os textos da coleção em análise, em geral, não foram escritos pelos editores-autores do manual, e sim, por outros autores que os redigiram como um objetivo, uma intencionalidade, uma funcionalidade. No livro didático, esses textos foram selecionados para um estudo de compreensão, de assimilação de um gênero, um estudo linguístico. Tal fato gera uma

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162 Gêneros textuais - roseane Batista Feitosa nicolau 163Gêneros textuais - roseane Batista Feitosa nicolau

confusão quando se agrupam determinados textos, uma vez que, deve-se preservar a intenção do autor, causa maior da existência do texto.

Bezerra (2000, p.40) demonstra o tratamento que vem sendo dado ao texto no LD de Português e expõe que não há uma preocupação em se estabelecer diferenças tipológicas claras. Como por exemplo, a Carta pessoal e comercial que são estudadas estruturalmente, no entanto, não há nenhuma alusão a sua tipologia, quanto a ser narrativa, descritiva; e, a carta de opinião, ser de caráter argumentativo. Ou, ainda, que a Fábula, Lenda, Conto não são formas variadas da narrativa, levando o aluno a pensar que há quatros variedades de textos: Fábula, Lenda, Conto e narrativa. No LD em análise observamos que há essa preocupação ao trazer uma classificação determinada por meio de traços tipológicos constituída pelo agrupamento dos gêneros da equipe de Genebra. Porém, há momentos em que não se distingue, claramente, tipos de gêneros.

A leitura de textos escritos, entre outras práticas, deve ser vista como uma atividade discursiva que gera, por meio da análise e da reflexão, a expansão

e construção de instrumentos para que o aluno amplie a sua competência linguístico–discursiva.

A finalidade do texto no livro didático não é a mesma do autor do texto. O LD de Português em análise mesmo com boas propostas de trabalho com o texto, ainda vê este como um meio de trabalhar a língua e seus aspectos. Porém, não podemos perder de vista a intencionalidade do texto, seu contexto sócio-histórico.

A seleção dos textos para o livro didático em análise foi feita em função da temática, dos gêneros selecionados, em função da teoria dos gêneros voltada para o ensino; mas também, em função de abordagem de determinadas teorias linguísticas para um estudo meramente gramatical. Cada texto selecionado da seção Gêneros em foco prima por um objetivo próprio que seria o estudo de textos existentes na diversidade linguística, dentro de uma temática e enquadrado dentro da proposta teoria de base.

O livro didático mostrou-se preocupado em trazer uma grande quantidade de textos, menos gramática formalmente trabalhada e mais discurso pessoal (entrevistas e depoimentos) explorando a diversidade de gêneros existente. Há

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164 Gêneros textuais - roseane Batista Feitosa nicolau 165Gêneros textuais - roseane Batista Feitosa nicolau

essa preocupação na coleção em análise quando observamos a presença de depoimentos jovens e adultos (6a séries, p.95 e 8a série, p.34,68 e 77); debates (7a série, p.107: princípios básicos para a realização de um bom debate) e projetos com júri simulado (8a série, p.98 e 99); entrevistas (6a série, p.82 e 83). O que não seria ainda o ideal, uma vez que esse estudo e prática restringem-se quase totalmente, no LD em análise, ao contexto escolar.

Se levarmos em consideração o processo linguístico-discursivo de elaboração de um agrupamento, veremos que há uma variedade de marcas, que devem ser reconhecidas, o que facilita a caracterização dos gêneros e sua assimilação. Há estudos referentes dos gêneros em que é considerado o seu processo discursivo 15 e que favorecem a assimilação de outros traços na caracterização dos gêneros por esse viés.

A cada unidade-capítulo do LD em análise é dado um título que se enquadra com os gêneros textuais que serão abordados. Por exemplo: O telegrama, O diário, O poema, A notícia, A reportagem (todos esses

15 Ver estudos de Brandão, 2000 e Meurer, 2000.

títulos foram retirados do manual da 6a série). Ou, ainda, a partir de aspectos tipológicos e estruturais sobre os quais foram agrupados, conforme já foram agrupados por Dolz e Schneuwly (1996), em forma de narrar, relatar, argumentar, expor e descrever ações como: O texto narrativo e o ponto de vista, O texto científico; O texto argumentativo (manual de 6a série), que se estende às outras séries de forma mais específica e aprofundada. O texto narrativo: tipos de discurso e A crônica argumentativa, A carta argumentativa de solicitação e de Reclamação (manual de 7a série) e A narrativa: o enredo (I e II), A narrativa: o tempo e o espaço e O texto argumentativo: razões e conclusão; o texto argumentativo: o senso comum e o texto argumentativo: a informatividade (manual da 8a série).

Nas questões elaboradas para o estudo de textos, observamos que há uma mistura do conceito de gênero com o de tipo de texto. Como na pergunta dirigida a dois textos de Luis Fernando Veríssimo Minhas Férias, do livro O nariz e outras crônicas e Lar desfeito, da Comédias da vida privada 16. No estudo

16 Ver esses textos, na íntegra, nos anexos 2 e 5.

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166 Gêneros textuais - roseane Batista Feitosa nicolau 167Gêneros textuais - roseane Batista Feitosa nicolau

do primeiro texto, Minhas férias (anexo 2) que se encontra no manual da 6a série, precisamente na questão 2, encontramos o seguinte enunciado:

“O texto recebe o título de ‘Minhas férias’. Pela história que narra, ele se assemelha a um tipo de texto feito na escola, solicitado pelos professores. a) Que tipo de texto é esse?”.

Ora, a resposta esperada e cabível seria: uma redação escolar, porém se pensarmos no conceito de tipo; a resposta seria: ‘uma narrativa das férias’. Enquanto na de gênero textual seria: uma redação escolar.

Aprofundando um pouco mais, se pensarmos na intenção do autor do texto, na necessidade que gerou esse texto, poderíamos classificá-lo como uma crônica em forma de redação escolar, uma vez que os gêneros se permeiam e se permutam. Essa é a dinâmica dos gêneros que imitam a própria dinâmica da língua, como disse Bakhtin (2000).

Essa narrativa em estudo se organiza de forma diferente da fábula, do conto, isto é, cada gênero possui diferenças entre si. Como nos diz Barbosa & Santos (s/d,) não podemos ensinar narrativa em geral, porque, embora possamos classificar vários

textos como sendo narrativos, eles se concretizam em formas diferentes – gêneros – que possuem diferenças específicas.

No segundo texto, O lar desfeito, (anexo 5), temos:

“Esse texto conta uma história.A que gênero ele pertence?” (manual da 7a série. P.6)

A resposta poderia ser uma ‘crônica narrativa’ que tem por eixo uma história, em que se narra uma situação vivida por uma família.

A crônica, conforme está dito na coleção na p. 41 na 7ª série, foi um gênero que nasceu no jornal e se caracteriza por apresentar os fatos do cotidiano de forma artística e pessoal.

Um outro indício que nos leva a classificar Lar desfeito com uma crônica é o próprio título do livro: Comédias da vida privada, de onde foi coletado o texto. No entanto, a resposta esperada - e que consta no livro do professor - é: “Ao gênero narrativo”. O conceito de gênero textual trabalhado no manual de 5a série - já exposto por nós - não condiz como

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168 Gêneros textuais - roseane Batista Feitosa nicolau 169Gêneros textuais - roseane Batista Feitosa nicolau

o de tipologia textual, que seria como o gênero se manifesta - narração, descrição e dissertação. Fica, portanto, um impasse: O que vem a ser gênero na coleção? Desta forma, percebemos que o conceito de gênero não está bem definido na prática. É necessário, portanto, um aprofundamento para resultar numa melhor compreensão e assimilação por parte dos leitores – professores e alunos - do material didático.

Sabemos que o gênero é o resultado de uma situação social representada por uma organização típica e textual e com funções próprias e, que há, ainda, uma infinidade de gêneros que precisam ser reconhecidos para serem trabalhados, sobretudo os gêneros orais.

O estudo de cada gênero textual, na coleção em análise, é feito de forma progressiva e diversificada; proposição colocada por Pasquier & Dolz (1996), que consiste, basicamente, na retomada, no aprofundamento e na ampliação de cada gênero de acordo com a série e com o grau de maturidade do aluno, o que seria uma complexificação dos gêneros a cada série escolar. Os gêneros correspondências,

por exemplo, trabalhados na 5a série são o bilhete, cartão, postal, carta pessoal; na série seguinte, outras correspondências que apresentam num grau maior de dificuldade: o telegrama, a carta do leitor E, assim, sucessivamente, na 7a série: a carta aberta, de solicitação e de reclamação e na 8a série: o editorial, que seria uma carta do editor de uma revista ou qualquer outro periódico.

Poderia fazer parte desta lista ainda as apresentações de livros, feitas, às vezes, pelo próprio autor do livro para que se conheça a sua abordagem. Mas, como o livro não se propõe a um estudo exaustivo de um determinado tipo de gênero textual, é compreensível esta ausência.

Apesar da evolução, no que diz respeito à variação dos gêneros, ainda persiste a ideia de que a modalidade narração existe separadamente da argumentação. Não podemos dizer que um texto é exclusivamente narrativo, pois não há exclusividade, o que há é um aspecto tipológico que predomina no texto, que pode ser a narração, a exposição, a dissertação – em que a argumentação se faz mais presente. Conforme perspectiva da Semântica

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170 Gêneros textuais - roseane Batista Feitosa nicolau 171Gêneros textuais - roseane Batista Feitosa nicolau

Argumentativa17, a argumentação se faz presente em qualquer texto, seja narrativo, expositivo, etc. Vemos textos narrativos como Fábulas, Parábolas e discursos pessoais usados para persuadir e convencer.

Falta, porém, um estudo da construção do sentido que permeia cada texto, para não cairmos outra vez numa classificação fechada e apenas formal. Um bom exemplo acontece no texto O lar desfeito (anexo 5) em que podemos observar que, por ser o texto uma narração, todas as questões voltam-se para as características tipológicas da narração e esquece-se de que a narração é uma das maneiras de que podemos nos servir para levar um determinado público a perceber a situação da família na atualidade, à medida que é narrada a relação entre os membros da família.

As análises textuais presentes nessa coleção didática não se constituem em análises consistentes sobre os gêneros textuais e sobre suas propriedades linguístico-discursivas externas.

17 Sugerimos, para ampliar as informações acerca desse assunto, a leitura de obras que tratam da argumentação, como dos seguintes autores Perelman,1996; Anscombre e Ducrot, 1976.

Como atesta Rojo (1998), há muitos gêneros presentes em coleção didáticas que, ainda, não foram devidamente estudados, do ponto de vista de sua marcas linguístico-discursivas interna e externas. Essa pesquisadora, ao se debruçar sobre alguns gêneros do agrupamento do relatar como: Diário íntimo, de viagem, Biografia, e Relato histórico, tem realizado por meio do estudo de aspectos enunciativos e linguísticos uma análise mais detalhada e consistente desses gêneros, destacando diferenças entre eles, em termos linguísticos, de procedimentos coesivos, enunciativos e discursivos.

A atividade discursiva se desenvolve em interação constante, percebemos isso ao explicitar a situação material, indicando a presença dos interlocutores em situação, os lugares imediatos da situação e ao momento definido. Todas essas marcas linguístico-discursivas compõem a enunciação, o discurso.

No LD em análise os gêneros textuais ainda não são bem definidos. As diferenças apresentadas não são suficientes para diferenciar os gêneros de um mesmo agrupamento. Como, por exemplo, as

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172 Gêneros textuais - roseane Batista Feitosa nicolau 173Gêneros textuais - roseane Batista Feitosa nicolau

características do Diário:

Essas por serem gerais, não se diferenciam das características da Autobiografia18, que são relatos, impressões, fatos vividos pelo autor, ditados por suas lembranças guardadas na memória, que apresenta uma estrutura livre e que pode conter narrativas e descrições de pessoas, cenas e paisagens (manual da 5ª série, p.92). Ora, o que foi estabelecido como característica do Diário pode ser estabelecido também para a Autobiografia.

18 Ver essas características na página 95 desta analise.

Tais características são insuficientes para que o aluno produza textos nesses gêneros com um grau maior de unidade e com coerência. Há uma infinidade de fatores que compõem a enunciação e que contribuem para a formação do gênero no seu aspecto formal.

Alguns gêneros assemelham-se a outros que fazem parte, por sua vez, de outros agrupamentos. Dada essa proximidade, Marcuschi (2000) nos diz que os gêneros formam um continuum, e isso impede a classificação (ou agrupamento) dos gêneros sem que se estabeleçam critérios.19 Isso ocorre com o Relato Pessoal que faz parte do agrupamento do relatar e a Crônica que pode fazer parte do narrar e do expor, uma vez que o personagem, às vezes, é o próprio narrador.

Existe uma quantidade de gêneros diferentes para se referir as diferentes maneiras de se preparar e se constituir discursos; mas, para o estudo desses, se faz necessário o reconhecimento das marcas linguístico-discursivas que os diferenciam.

19 Ver essa preocupação com a classificação dos gêneros também em Meurer (2000).

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174 Gêneros textuais - roseane Batista Feitosa nicolau 175Gêneros textuais - roseane Batista Feitosa nicolau

As atividades, através dos gêneros, para surtir o efeito desejado, devem ser mais de que uma técnica de exposição de características devem ser significativas, fruto de uma necessidade emergente.

CONCLUSÃO

As reflexões que se seguem são frutos de uma análise que, embora breve, busca apontar caminhos para que o professor possa fazer um melhor uso do Livro Didático analisando-o como mediador no processo de ensino e aprendizagem, e tendo-o como um apoio questionável, porém necessário, devido à situação atual da educação que impede que o professor elabore o seu próprio material didático.

Apresentamos, a seguir, algumas considerações finais desta última parte, partindo das questões que regeram a pesquisa.

A partir do título e da proposta apresentada, observamos que a coleção didática analisada volta-se, essencialmente, para o estudo dos gêneros. Seus autores-editores tiveram como pressupostos teóricos os estudos dos gêneros centrados no ensino

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176 Gêneros textuais - roseane Batista Feitosa nicolau 177Gêneros textuais - roseane Batista Feitosa nicolau

e aprendizagem, expostos por Schneuwly (1994), Dolz e Schneuwly (1996) e adotada pelos PCN, que propõem um trabalho com a diversidade de gêneros como fonte de conhecimento e aprofundamento linguístico-discursivo.

No entanto, a abordagem textual em toda a coleção volta-se, quase que exclusivamente, para a definição de gênero a que pertence cada texto. Fica evidente que o texto continua sendo um pretexto, agora, para o estudo dos gêneros no seu aspecto estrutural e composicional (características principais), bem como, para ilustrar o estudo de aspectos textuais e aspectos relativos ao código e à gramática como: coesão e coerência textual, palavras de referências, relações semânticas, vocabulário. Isto é, esta coleção didática, mesmo mostrando propostas inovadoras, não consegue, ainda, alcançar a dimensão textual-discursiva que pressupõe a concepção da linguagem, presente na teoria dos gêneros, como um lugar de interação, em que sujeitos constroem um fazer discursivo fruto de uma necessidade de comunicação natural e

real. Na prática, vemos à reprodução de padrões esquemáticos de estudo e produção de textos partindo, agora, dos aspectos estruturais dos gêneros.

Há, no manual, poucas oportunidades de se colocar o fazer discursivo por meio de uma situação real de comunicação, de uso efetivo. O comum é uma prática de um discurso ainda padronizado e descontextualizado, já que não há uma comunidade discursiva real com fins estabelecidos, mas sim, situações determinadas pelo LD. Essa prática pode não contribuir plenamente para o desenvolvimento da competência textual-discursiva do aluno. Vale salientar, no entanto, que no momento da coleção designado de Intervalo, ocorre um ensaio do que seria o estudo dos gêneros direcionado para a construção de um fazer discursivo real que exige uma formação crítica e participativa.

Voltar-se para análise dos gêneros é voltar-se para uma situação social que apresenta uma organização típica e com função própria que devem ser descobertas e estudadas. Assim sendo, se faz

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178 Gêneros textuais - roseane Batista Feitosa nicolau 179Gêneros textuais - roseane Batista Feitosa nicolau

necessário, em cada texto estudado, o resgate da situação original do texto que seria: o seu contexto, os seus locutores e interlocutores e seu momento histórico-social. Prática não identificada na coleção em análise.

Durante o estudo dos gêneros textuais, não foi levado em conta o conhecimento prévio do professor e do aluno quanto às características formais dos gêneros. A critério de sugestão, deveria ser dada oportunidade ao aluno de construir um saber sobre um determinado gênero, partindo de seu conhecimento e de pesquisas feitas por ele. Assim, esse descobriria outras características de cada gênero destacado para o estudo, além das destacadas no LD, como: quando são utilizados, se ainda são utilizados no atual contexto social ou se já foram alterados ou substituídos por outros etc., o que contribuiria para que o aluno visse a riqueza que envolve o uso efetivo dos gêneros num âmbito mais amplo, além dos limites escolares.

O fazer discursivo presente na coleção em análise se organiza a partir da teoria dos gêneros do

grupo de Genebra e de elementos didatizantes que são empregados pelo editor-autor no ato de compor o LD, com o intuito de aproximar o aluno-leitor. De certa forma, esse fazer discursivo, presente no LD em foco, facilita e contribui para o conhecimento de alguns gêneros que, se estudado em situações mais próximas do real, do seu uso efetivo traria resultados mais positivos para a utilização desses foram do contexto escolar.

Os gêneros no LD analisado são estudados de forma distante do indivíduo falante, isolado do seu momento sócio-histórico-cultural. Alguns gêneros regionais não foram considerados como: na literatura: o Cordel, as Lendas locais. Na música: o Frevo, o Forró, gêneros musicais representantes da cultura do Nordeste, talvez porque o LD, ainda não se abriu para a pluralidade dos discursos e cultura que há em nosso país, o que permitiria um maior estudo das variantes linguísticas e culturais.

O ensino de língua, por meio dos gêneros, busca o desenvolvimento da competência discursiva do aluno, capacitando-o a compreender

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e produzir textos nas mais diferentes situações de comunicação. O LD em análise, indiretamente, desperta o aluno para a diversidade de gêneros existentes e para importância do conhecimento desses.

No que diz respeito ao estudo dos gêneros no aspecto sócio-histórico-cultural, a coleção deixa a desejar. Há, uma ênfase no reconhecimento dos gêneros; porém, mais importante do que esse reconhecimento e sua classificação, é a utilização desses para o bom desempenho e êxito na comunicação. Portanto, o estudo dos gêneros não deve ter um fim em si mesmo, deve ser visto como um instrumento que favoreça o crescimento de um saber-fazer textual-discursivo em diversas situações de interação verbal, como um instrumento com o qual é possível exercer uma ação linguística sobre a realidade. Assim, o estudo dos gêneros ampliaria a competência linguística e discursiva dos alunos - que seria na prática: saber conhecer um gênero não só por meio de seus aspectos linguísticas e textuais, mas também por aspectos discursivos, o que engloba o social e o histórico.

Para alcançar esses aspectos discursivos o LD em análise deveria deixar de perguntar: o que o autor disse nesse texto ou nesse trecho? Ou ainda: esse texto pode ser considerado uma narrativa? E passar a questionar: a partir de sua constituição, em quais condições de produção esse texto foi realizado? quais os sentidos que as instruções presentes no texto permitem levantar? Entre outras.

Desta forma, o LD passaria a exercitar, na prática, a teoria dos gêneros na perspectiva bakhtiniana e trabalhada por linguistas aplicados em prol da qualidade do ensino e aprendizagem da língua.

Chegamos a um final provisório de nossas buscas, indagações e inquietações; porém, como pergunta Todorov: “.... quem nos dirá se o caminho seguido não tem mais interesse do que o ponto de chegada?”

Por isso, convidamos autores de livros didáticos, professores e estudiosos da língua em geral a aceitar essa provocação em debater e rediscutir o papel do livro didático enquanto regente e interlocutor na sala de aula, sobretudo, no Ensino Fundamental, bem como, o papel da teoria dos gêneros que serviu de suporte para esse trabalho e que ganhou corpo

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no livro didático analisado.No decorrer dessa investigação, abordamos

teorias que se propunham a estabelecer um conceito e uma classificação dos gêneros na literatura e na linguística.

Na literatura, foram sugeridas diversas classificações e foram dadas várias definições para os gêneros, conforme a época e a corrente literária, muitas delas elaboradas para o estudo de um número restrito de gêneros de valor social reconhecido ou exclusivo da literatura. Com o advento da modernidade e, consequentemente, surgimento de uma gama imensa de gêneros de circulação social, houve a necessidade de se ampliar o campo de visão dos gêneros. A partir de ampliação desse campo de visão propagado por Bakhtin, Todorov e outros, inicia-se o estudo dos gêneros como as formas de dizer que circulam socialmente.

O estudo dos gêneros na linguística, aqui apresentado, deu-se, sobretudo, em Bakhtin e nas pesquisas mais recentes feitas por estudiosos franceses, genebrinos e brasileiros. Essas pesquisas

apontaram para a importância do gênero como organizador das ações de linguagens possíveis e como instrumento eficaz no ensino e aprendizagem da língua, ideia encampada pelos PCN.

Percebemos, na nossa pesquisa, que há uma unanimidade na aprovação do estudo dos gêneros no âmbito linguístico e uma preocupação por parte de todos os linguistas aplicados, em se estabelecer, com êxito, a transposição da teoria dos gêneros para o ensino.

Essas colocações são visíveis nos trabalhos desenvolvidos pela equipe de Genebra que organizou os gêneros em conformidade com os domínios sociais de comunicação e trabalham com a progressão e a aplicação didática desses no contexto escolar.

O nosso estudo, além de divulgar essas novas visões e estudos sobre os gêneros, procuram contemplar a aplicação e o encaminhamento dado a esses numa coleção didática, que apresenta e aplica a Teoria dos gêneros.

Por meio da observação dos estudos dos gêneros presentes nessa coleção em análise,

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concluímos que a abordagem dada centra-se mais na estrutura interna e visível do gênero: linguística, classificatória e formal. Não é feito um estudo profícuo, de aspectos externos, como por exemplo: da situação de comunicação, da interação verbal que concretizou o gênero, o que contribuiria, muito mais, para identificação dos gêneros e para sua apropriação.

Como pudemos constatar, a coleção dá um grande passo ao introduzir o estudo dos gêneros, mas a abordagem restrita a aspectos formais nos estudos do texto não garante o domínio textual-discursivo do aluno e sua autonomia na utilização consciente dos gêneros.

Reafirmamos, portanto, a nossa constatação de que o LD pode vir a ser um colaborador na formação crítica dos alunos quando provoca questionamentos mais pertinentes com a concepção de gênero e práticas sociais mais próximas da realidade; e, assim, este material de apoio passa a contribuir para a formação de cidadãos aptos a exercerem um papel social bem mais efetivo.

Esse procedimento aproxima o Livro Didático do verdadeiro papel da Escola: a vivência, por parte dos alunos, de uma educação que almeja um mundo mais participativo e mais promissor.

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