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rota pantanal ArArAs, gArçAs, tuiuiús, socós, biguás, queixAdAs, tAmAnduás, jAcArés, onçAs, dourAdos, pAcus, pintAdos e muitos outros AnimAis vivem nA mAior plAnície AlAgável do plAnetA. pArA Avistá-los bAstA ficAr de olhos bem Abertos e, clAro, sAber Aonde ir. sigA com A gente por luís patriani fotos Valdemir Cunha Caminhos do Pantanal turistas andam a cavalo numa das salinas do pantanal sul 132 REVISTAGOL REVISTAGOL 133

rota pantanal Caminhos do Pantanal · rota pantanal ArArAs, gArçAs, tuiuiús, socós, biguás, queixAdAs, tAmAnduás, jAcArés, onçAs, dourAdos, pAcus, pintAdos e muitos outros

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rota pantanal

ArArAs, gArçAs, tuiuiús, socós, biguás, queixAdAs, tAmAnduás, jAcArés,

onçAs, dourAdos, pAcus, pintAdos e muitos outros AnimAis vivem nA mAior

plAnície AlAgável do plAnetA. pArA Avistá-los bAstA ficAr de olhos bem

Abertos e, clAro, sAber Aonde ir. sigA com A gente

por luís patriani fotos Valdemir Cunha

Caminhos do Pantanal

turistas andam a cavalo numa das salinas

do pantanal sul

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CinCo e meia da manhã. O sol mal coloca a cara para fora no hemisfério sul e um bando de araras-azuis já alvoroça o ambiente no pantanal mato-Grossense. assim como a barulhenta e colorida ave, é hora de o dia acordar no cerrado do Centro-Oeste brasileiro.

sonolenta, a luz da estrela começa a revelar como a estação seca tratou de evaporar grande parte da maior planície alagável do planeta. sobraram apenas os rios, à exceção dos corixos (rios perenes), e as baías, lagoas que se formaram com a água aprisionada que não conseguiu escoar.

não é difícil entender que o relógio desta área equivalente ao tamanho da Grã-Bretanha (são 210 mil quilômetros quadrados) cercada por serras e platôs é determinado pelo aguaceiro que despenca do céu. entre os meses de abril e setembro, à medida que as vazantes (áreas bem rebaixadas onde a água escoa vagaro-samente no período da cheia) desaparecem, os animais surgem de todos os lados e podem ser vistos com muito mais facilidade. mas dá para ver bichos até o fim do ano, apesar das chuvas. Felizmente, no pantanal sul, cuja porta de entrada por terra se dá a partir das cidades de aquidauana e miranda, no encalço da bicharada só estão os turistas, principalmente os estrangeiros.

no refúgio ecológico Caiman, por exemplo, uma fazenda de 53 mil hectares onde funciona a pousada mais sofisticada do pantanal, a caça é proibida desde 1985. a consequência? O local é um dos melhores do mundo para observar a vida selvagem.

no lugar das espingardas de cano longo, entraram em cena as potentes lentes teleobjetivas. safáris aqui, só se forem os fotográ-ficos. a reação da fauna é tão expressiva quanto as exclamações feitas pelos boquiabertos visitantes que percorrem a fazenda no zebrão (caminhão com assentos na caçamba). a cada ano os animais se sentem menos ameaçados e facilitam sua “captura” pelos frenéticos obturadores das câmeras digitais.

safÁri fotoGrÁfiCoO carioca ricardo maksoud, dono de uma poderosa nikon e de muito entusiasmo, está ansioso. desde que se aposentou, em 2008, dedica grande parte de seu tempo ao bird watching (observação de pássaros). a ansiedade dele faz sentido. ricardo sabe que está imerso num paraíso de bicos e penas e diante do momento ideal para aumentar sua lista de pássaros fotografados. eis a cena: ele monta o tripé e deixa engatilhada sua nikon acoplada a uma lente de 900 milímetros que mais se parece com uma bazuca. seu alvo é um ninho de tuiuiús no alto de uma desfolhada árvore chamada manduvi, onde dois filhotes posam involuntários para a foto que está por vir. no fim da tarde, pelo menos 25 espécies de aves, das 463 que vivem na região, tinham sidos fotografadas pelo animado sexagenário. “em um único dia eu quase dobrei o número de aves registradas desde que comecei este hobby”, explica com

acima, da esq. para a dir.: o sol se põe e milhares de aves voam de volta para seus ninhos; e onças-pintadas, que podem ser avistadas em passeios pela região

em sentido horário a partir desta foto: de barco pelo rio negro, um dos mais preservados do pantanal; os binóculos são fundamentais para a observação de pássaros; jacaré; baías e salinas vistas durante sobrevoo; e, no refúgio Caiman, turistas partem para mais um dia de passeios

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a mesma euforia com que garças-reais, socós, gaviões, colhe-reiros, biguás, jacutingas, papagaios e tapicurus-de-cara-pelada voam destemidos pelo céu da Caiman.

a noite cai no refúgio ecológico. Junto com o breu, o medo toma conta de queixadas, veados, tamanduás, jacarés (são pelo menos 4 milhões) e das 35 mil cabeças de gado da fazenda. todos eles fazem parte do cardápio da onça-pintada, conhecida por sua diversidade gastronômica e por suas caçadas noturnas. para piorar a situação da bicharada, o felino (considerado o terceiro maior da terra, atrás apenas do tigre e do leão) está tão despreocupado com seu único predador, o homem, que usa essas pacíficas terras para a reprodução.

ao contrário dos animais que podem ser atacados pela onça, os seres humanos hospedados no refúgio Caiman sonham em topar com ela. a expectativa é tanta que alguns se frustram quando não conseguem, uma vez que seus hábitos furtivos a tornam difícil de ver. entre os felizardos que conseguem avistar o animal os relatos vão desde rápidos encontros pelas estradas que cruzam a fazenda até longas visualizações da fera enquanto descansa em barrancos à beira das lagoas e do rio aquidauana. O segredo, dizem, é não pensar muito na danada. Quando menos

se espera, o jaguar brasileiro aparece sem avisar. detalhe: não há riscos, uma vez que as onças não se interessam pela nossa carne e as observações, na grande maioria das vezes, são feitas sobre o caminhão ou dentro do barco.

CULtUra pantaneirano dia seguinte, a carcaça de um bezerro encontrada a menos de 1 quilômetro da sede do refúgio não deixa dúvidas. O ban-quete da pintada foi farto. perto do local, uma roda de peões e empregados do Caiman diverte-se com o frisson causado nos forasteiros. O guia de campo Juarez, que já viu a dita-cuja dezenas de vezes, ironiza quando pedem a ele para levar alguns turistas ao encontro do tamanduá-bandeira com um filhote nas costas. “Vou passar um rádio para o bicho nos encontrar”, brin-ca, depois de um demorado gole de tereré, uma bebida seme-lhante ao chimarrão só que feita com água gelada.

O costume de se refrescar com erva-mate, originário no para guai e norte da argentina, remete à ocupação do pantanal no passado. “somente há cerca de uns 40 anos é que o pantanal passou a ter ligação por terra com o resto do Brasil. a região estava isolada do país. ante disso, tudo que entrava aqui era

detalhes do refúgio Caiman: a piscina em meio ao campo e um típico almoço pantaneiro no fogão a lenha. ao lado, turistas passeiam de canoa no rio negro

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O NINHO DA ARARA-AZUL

A espécie que quAse foi extintA tem no pAntAnAl umA de suAs principAis áreAs de preservAção

por muito pouco a arara-azul não sumiu do mapa do Brasil. Fora do pantanal, os números não passam dos mil exemplares. há 20 anos, quando um projeto de preservação começou a ser desenvolvido no refúgio ecológico Caiman e arredores, a população da maior arara do mundo (pode medir até 1 metro e pesar 1,3 quilo) era estimada em apenas 1.500 indivíduos. hoje são mais de 5 mil na região. mérito da bióloga neiva Guedes, que se propôs a educar as pessoas e a estudar os hábitos do animal, cujo valor no mercado ilegal chega a astronômicos us$ 25 mil. a virada na sorte da arara se deu por uma medida simples, porém eficaz. O desmata-mento estava acabando com o manduvi, uma árvore onde elas fazem ninhos no oco de seu tronco. a saída foi criar ninhos artificiais feitos em caixotes e instalá-los em outras árvores menos ameaçadas. “hoje em dia as pessoas querem ver as araras-azuis livres e não presas em gaiolas. muitos fazendeiros, inclusive, já estão instalando ninhos artificiais para ajudar as aves”, explica neiva.

em sentido horário a partir da foto no alto: grupo de quatis se alimenta nos campos; tuiuiú, também conhecido como jaburu, é considerado o símbolo do pantanal; e a curiosa ariranha nada no rio negro

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pelo rio paraguai, inclusive os costumes tradicionais dos pampas”, explica o músico Guilherme rondon de Barros, dono da fazenda Barra mansa e descendente de pantaneiros pioneiros.

enquanto caminha por sua propriedade, às margens do rio negro, muito procurada por turistas estrangeiros, o artista, que já fez parce-rias com os irmãos nana e danilo Caymmi, César Camargo mariano, ivan lins, sérgio reis e almir sater, dá uma aula de cultura panta-neira. “se perguntarem qual é a música do pantanal, certamente a resposta será o chamamé [uma espécie de polca, um pouco mais acelerada]. há uma disputa entre o paraguai e a argentina pela criação do estilo, mas não tenho dúvida de que o berço dela foi na província de Corrientes, norte do território hermano.”

alheio à explanação cultural de Guilherme, o casal de ita-lianos Bruno Bocci e rita santini só quer saber de absorver o máximo possível da pródiga natureza da região. eles vieram aqui para cavalgar, andar de canoa e, principalmente, ver bichos. “estou maravilhada”, conta a cidadã milanesa depois de ver um grupo de araras-vermelhas, conhecidas como ipiran-gas, se alimentando bem na sua frente.

a localização da fazenda Barra mansa é privilegiada. a origem do nome já mostra um dos grandes atrativos oferecidos por ela. a

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vazante do Castelo, a maior do pantanal, com 100 quilômetros de extensão, passa bem no meio de suas terras. O imenso canal, por onde as águas das chuvas correm e inundam toda a área entre os meses de outubro e março, desemboca no rio negro dentro da Barra mansa. daí a denominação. se não bastasse, só nessa parte do pantanal existem as intrigantes salinas, grandes e arredonda-das lagoas cuja água salobra é justificada pela proximidade com a serra da Bodoquena, rica em calcário.

O rio também merece um parágrafo à parte. ele é a própria síntese do pantanal mato-Grossense. seu leito de 90 quilômetros de extensão (em linha reta) é fechado por dois imensos charcos nas suas extremidades e as margens são ocupadas por proprie-dades particulares. Ou seja, não existe navegação e só chega nele quem tem autorização. a geografia e as circunstâncias favoráveis fazem do rio negro um dos mais preservados de todo o pantanal.

OriGem saída CheGada

são paulo (cgh) 13h06 13h45

rio de janeiro (sdu)* 11h10 13h45

brasília (bsb) 22h52 23h40

belo horizonte** (cnf) 20h50 23h40

VOOs pARA CAmpO GRANDe – GOL

*Com uma conexão em são paulo (CGh)** Com uma escala em Brasília acesse www.voegol.com.br para mais opções de voos ou consulte seu agente de viagens

Mapa: Maria Valentina

À esq., de cima para baixo: Guilherme rondon, músico e dono da fazenda Barra mansa; pintado antes de ser devolvido ao rio negro; e café da manhã na Barra mansa

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GUIA pANTANAL

Campo GrandeONDe fICAR • Brumado Hotel av. afonso pena, 743. tel.: (67) 3041-2200. www.brumadohotel.com.br. Bom custo-benefício na capital. Os quartos luxo e standart são equi-pados com ar-condicionado, tV a cabo, frigobar, telefone e acesso à internet (wireless). a partir de r$ 110.

mirandaONDe fICAR • Refúgio ecológico Caiman tel.:(11) 3706-1800. www.caiman.com.br. É formado por duas pousadas com operações independentes: Baiazinha, com estrutura sobre palafitas, fica em frente a uma bela baía e abriga seis apartamentos standart duplos (r$ 1.519); e Cordi-lheira, com cinco suítes com quarto e sala, voltadas para um vasto campo (r$ 1.823). diárias incluem pensão com-pleta, atividades (caminhada, bicicleta, cavalo, safári foto-gráfico, focagem noturna para ver jacaré) e guia bilíngue. reservas individuais apenas em feriados e no período que vai de julho a setembro. no restante do ano é preciso reservar em grupo. O transfer terrestre Campo Grande-Caiman sai r$ 682 por trecho (até dez pessoas) e o aéreo, r$ 2.500 por trecho (até cinco pessoas).

AquidauanaONDe fICAR • Hotel Recanto Barra mansa tel.: (67) 3325-6807. www.hotelbarramansa.com.br. Os quar-tos são simples, mas muito confortáveis. tem ar-con-dicionado e a comida caseira é farta e variada. O estilo informal do lugar é um de seus pontos fortes, com destaque para as ótimas histórias do proprietário, Guilherme rondon, além da própria fazenda, locali-zada às margens do rio negro, um dos mais belos do pantanal. as diárias (r$ 370) incluem pensão comple-ta, passeios (caminhada, barco a motor, canoa cana-dense, cavalo, safári fotográfico, pesca recreativa) e guia local. O transfer terrestre Campo Grande-Barra mansa sai r$ 1.100 ida e volta (até quatro pessoas) e o aéreo, r$ 3.800 ida e volta (até três pessoas).

produção executiVa: Vanessa aMaral

as ariranhas agradecem, pois a presença delas, comum por aqui, indica um bom índice de qualidade das águas. Os peixes não ficam atrás. se fosse possível, dourados, pacus e pintados bateriam palmas para a paz que reina e faz do rio um lugar perfeito para a desova. mesmo na temporada de pesca, no período das cheias, os cardumes não correm riscos diante das pescarias amadoras e esportivas, como o fly fishing, quando o peixe é devolvido para as águas depois de ser fisgado.

peão e artista de tVQuem também fica grato com a parcimônia dos poluentes é o peão e guia Francisco pereira, mais conhecido como mancha. enquanto ajusta a guaiaca (bolsa de couro para guardar obje-tos, no caso dele, uma faca), ele mostra todo o seu orgulho de ser um fiel representante do pantanal. “parei de estudar com 13 anos para ser boiadeiro que nem meu pai. pouco tempo depois eu estava participando das comitivas [travessia do gado]. algumas delas, como as feitas entre a região de poconé, no mato Grosso, e porto primavera, na divisa do paraná com o estado de são paulo, duravam até cem dias para levarmos mais de mil cabeças de gado”, conta ele.

as peripécias de mancha não param por aí. O nativo de aquidauana já foi pescador profissional, peão de rodeio e até artis-ta de televisão. “Quando a record filmou a novela Bicho do mato aqui [em 2006], acharam que eu tinha cara de bandido e me esco-lheram para fazer parte de um bando que aterrorizava a região”, relembra alisando o bigode de cowboy pantaneiro.

mais um dia chega ao fim. um bando de araras-azuis passa voando e fazendo barulho em direção ao seu ninhal. À medida que o sol se esconde, a luz diminui gradativamente como se o espe-táculo da natureza estivesse se encerrando para o público. assim como as aves, é hora de descansar. no dia seguinte, precisamente às 5h30, as escandalosas araras anunciarão mais um dia de atra-ções no pantanal mato-Grossense.

Francisco pereira, o mancha, largou os estudos aos 13 anos para virar peão e sair nas grandes comitivas. ao lado, suíte da pousada Cordilheira, no refúgio ecológico Caiman