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PROCESSO PENALII AULA 1 INCIDENTES PROCESSUAIS 1. MÉRITO COMO CAUSA PRINCIPAL DO PROCESSO E OS INCIDENTES: As questões incidentes, como o próprio nome sugerem, “INCIDEM SOBRE O PROCEDIMENTO PRINCIPAL MERECENDO SOLUÇÃO ANTES DA DECISÃO DA CAUSA . 1.1 Questão Prejudicial como Condicionante do Mérito As questões prejudiciais constituem matéria intimamente ligada ao mérito da causa, necessitando que sejam julgadas antes. Possuem valor próprio estando intimamente ligadas à questão de direito material que vem sendo discutida no processo. Exemplo – o agente está sendo processado pelo delito previsto no art. 161, §1°, inciso II, do CP (esbulho possessório) e, ao mesmo tempo, a matéria relativa à legítima posse se encontra em discussão na esfera cível . 1.2 Distinção entre Questão Preliminar e Questão Prejudicial Pode-se distinguir entre questão prejudicial e questão preliminar (ou prévia), pois, enquanto esta é um fato que impede o julgamento de mérito (ex.: litispendência, coisa julgada, extinção da punibilidade etc.), aquela é uma condicionante da sentença de mérito, ou seja, não impede o

Roteiro de Direito Processual Penal II

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PROCESSO PENALIIAULA 1

INCIDENTES PROCESSUAIS

1. MÉRITO COMO CAUSA PRINCIPAL DO PROCESSO E OS INCIDENTES:

As questões incidentes, como o próprio nome sugerem, “INCIDEM SOBRE O PROCEDIMENTO PRINCIPAL MERECENDO SOLUÇÃO ANTES DA DECISÃO DA CAUSA”.

1.1 Questão Prejudicial como Condicionante do Mérito

As questões prejudiciais constituem matéria intimamente ligada ao mérito da causa, necessitando que sejam julgadas antes. Possuem valor próprio estando intimamente ligadas à questão de direito material que vem sendo discutida no processo.

Exemplo – o agente está sendo processado pelo delito previsto no art. 161, §1°, inciso II, do CP (esbulho possessório) e, ao mesmo tempo, a matéria relativa à legítima posse se encontra em discussão na esfera cível.

1.2 Distinção entre Questão Preliminar e Questão Prejudicial

Pode-se distinguir entre questão prejudicial e questão preliminar (ou prévia), pois, enquanto esta é um fato que impede o julgamento de mérito (ex.: litispendência, coisa julgada, extinção da punibilidade etc.), aquela é uma condicionante da sentença de mérito, ou seja, não impede o julgamento, mas obriga que seja decidida antes. Nas questões prejudiciais, o juiz deverá julgar o mérito em consonância com a decisão da questão prejudicial.

EXERCÍCIO OBJETIVO 1

1.3 Sistemas de Exame das Questões Prejudiciais e o Sistema Adotado pelo CPP (arts. 92 e 93)

Existem alguns sistemas para o exame das questões prejudiciais, dentre os quais:

Prejudiciais homogêneas e heterogêneas – aquelas, também chamadas de próprias ou perfeitas, dizem respeito à matéria da causa principal, que é

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penal (ex.: exceção da verdade na calúnia). As heterogêneas (impróprias ou imperfeitas) vinculam-se a outras áreas do direito, devendo ser decididas em outro juízo – ver exemplo acima (esbulho possessório).

Prejudiciais obrigatórias e facultativas – serão estudadas mais profundamente nos próximos tópicos.

Prejudiciais Totais e Parciais – estas se referem a meras circunstâncias do crime, enquanto aquelas se referem à existência total do crime.

O CPP, nos artigos 92 e 93, não se preocupa com as questões prejudiciais homogêneas, uma vez que as mesmas já terão a solução devida na própria lei penal e processual penal. Os dispositivos legais acima mencionados tratam das questões heterogêneas, pois se referem a jurisdições diversas, sendo imposta, de forma obrigatória ou facultativa conforme o caso, a suspensão do processo penal até o deslinde da questão prejudicial.

2. Questão Prejudicial de Devolução Obrigatória

2.1 A Obrigatoriedade da Devolução

O Art. 92, do CPP trata da prejudicialidade obrigatória, referindo-se ao estado civil das pessoas, isto é, ao complexo dos pressupostos que constituem a personalidade, devendo ser visto em uma “tríplice relação: quanto à pessoa em si; sua ligação com o estado; sua ligação com a família.

Segundo Mirabete, também dizem respeito ao estado das pessoas aquelas questões referentes à capacidade e à cidadania.

Dessa forma, estando presentes os requisitos do art. 92 do CPP, fica o juiz obrigado a suspender o processo penal, ficando a prescrição também suspensa (art. 116, inciso I, do CP), aguardando o deslinde da questão pelo juiz cível.

Marcellus Polastri chega a dizer que, nas prejudiciais obrigatórias, é o juiz cível quem resolverá o mérito penal, uma vez que decidida a prejudicial não haverá mais o que discutir acerca do mérito do processo penal.

2.2 Elementos Necessários à Devolução

Segundo Marcellus Polastri Lima, para que se trate de questão prejudicial de devolução obrigatória, é necessário:

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1. Que a relação jurídica cível seja elementar do tipo penal – as circunstâncias acidentais, que incidirão apenas sobre o agravamento ou atenuação da pena, não autorizam a suspensão, isto é, as prejudiciais parciais não vão gerar a paralisação do processo.

2. Que a controvérsia seja séria e fundada – deve haver um suporte jurídico ou probatório, não bastando meras afirmações a respeito do tema.

3. Que se trate de questão relativa ao estado civil da pessoa – conforme visto acima, diz respeito ao complexo dos pressupostos que constituem a personalidade, devendo ser visto em uma “tríplice relação: quanto à pessoa em si; sua ligação com o estado; sua ligação com a família.

2.3 Decisão no Juízo Não Penal

Detectada a questão prejudicial o juiz criminal deverá suspender o processo até que haja o trânsito em julgado na esfera cível. A suspensão do processo penal será imperativa, ainda que a ação civil ainda não tenha sido proposta.

Uma vez decidida no cível a questão prejudicial, a sentença terá efeito erga omnes e, somente após o seu trânsito em julgado poderá voltar a correr o processo penal.

2.4 Atuação do Ministério Público

De acordo com o artigo 92, parágrafo único, do CPP, detectada a questão prejudicial de devolução obrigatória (relativa ao estado civil da pessoa), se a ação civil ainda não tiver sido proposta, seu início poderá ocorrer por ação do Ministério Público, se a parte interessada não a propuser.

É óbvio que a legitimidade do Parquet só estará presente quando se tratar de ação penal pública ou privada subsidiária da pública. Se a ação for exclusivamente privada, tal ônus caberá ao querelante.

Caso já exista ação civil em curso, o Promotor poderá acompanha-la, tratando-se de um caso de legitimação extraordinária do Parquet em razão do interesse público.

Como o dispositivo legal fala em ação, não se poderá aferir a prejudicialidade durante o inquérito policial.

CASO CONCRETO 1

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2.5 Prejudicial como causa suspensiva do curso prescricional (art. 116, inciso I, do CP)

Estando presentes os requisitos previstos no art. 92 do CPP deverá o processo penal ficar suspenso e, com ele, também o curso do prazo prescricional, conforme determina o art. 116, inciso I, do CP.

EXERCÍCIO OBJETIVO 2

2.6 Impugnações

A suspensão do processo pode ser requerida pela parte ou ser decretada de ofício pelo juiz e, da decisão que a determina, cabe RSE (art. 581, XVI, do CPP). Da decisão que nega a suspensão, segundo Polastri, não cabe recurso, aplicando-se o art. 93, §2° (regra aplicável às questões prejudiciais obrigatórias e facultativas), o que não impede, entretanto, a impetração de HC.

3. Questão Prejudicial de Devolução Facultativa

3.1 Incidência

De acordo com o art. 93, do CPP, trata-se de questão diversa daquela tratada no art. 92, ou seja, qualquer outra questão cível (no sentido extra-penal) que não se refira ao estado da pessoa.

Tal como ocorre com as prejudiciais obrigatórias, também é necessário que a relação jurídica seja elementar do crime, ou seja, que do seu reconhecimento dependa a existência do crime.

Exemplo – Tício está sendo processado criminalmente por apropriação indébita (art. 168, do CP), por ter se apropriado de valores em sua relação empregatícia. Porém, no juízo cível, tramita ação de prestação de contas, na qual Tício afirma que a quantia lhe é devida. Se Tício for vencedor nesta, não terá cometido o delito do qual é acusado, pois a apropriação do valor não terá sido indevida.

Nesta hipótese a suspensão é facultativa, ficando ao prudente arbítrio do juiz que, entendendo pela suspensão, deverá marcar prazo para a suspensão (art. 93, §1°, do CPP). O prazo poderá ser prorrogado e, uma

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vez expirado, prosseguirá o processo criminal, retomando o juiz a sua competência.

Portanto, aqui a suspensão será facultativa e temporária. O juiz só deve suspender o processo se a questão for de difícil solução, pois, caso contrário, ele mesmo conhecerá incidenter tantum da questão prejudicial.

3.2 Admissibilidade pelo Juiz

Conforme já mencionado, fica ao prudente arbítrio do juiz a valoração da questão e da necessidade de suspensão do processo criminal.

A suspensão do processo criminal só deve ser determinada se a questão for de difícil solução. Entretanto, deve o juiz criminal ter sensibilidade para decidir por suspender ou não o processo, pois isso visa evitar decisões contraditórias.

Por outro lado, tratando-se de questão de fácil solução, o próprio juiz criminal deverá soluciona-la. O mesmo ocorrerá quando, embora de difícil solução, a questão versar sobre direito para cuja prova a lei civil faça limitações, pois, neste caso, os preceitos civis já apresentarão a solução, podendo ser aplicados pelo juiz criminal.

3.3 Prazo

O prazo de suspensão deverá ser fixado pelo juiz, dentro de seu prudente critério. É preciso utilizar a razoabilidade e procurar evitar a prolação de decisões contraditórias.

CASO CONCRETO 2

3.4 Condições

Para que haja a suspensão do processo criminal em razão de questão prejudicial de devolução facultativa, devem ser respeitadas as seguintes condições:

1. Tratar-se de questão diversa do estado da pessoa – todas as questões que prejudiquem o julgamento do caso penal, mas que não se conectem ao estado das pessoas devem ser encaixadas no dispositivo do art. 93, do CPP.

2. Existência de processo civil em curso – já deve haver ação civil em andamento para a solução da questão, ao contrário do que ocorre nas

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prejudiciais obrigatórias, quando a suspensão pode ocorrer ainda que não esteja em curso a ação civil.

3. Tratar-se de questão de difícil solução – impõe a lei que o magistrado considere difícil a solução da questão prejudicial para que possa suspender o processo. Quando se tratar de algo simples, possível de ser constatado durante a instrução probatória do processo principal, não deverá haver suspensão.

4. Tratar-se de prova cuja lei civil NÃO limite – há questões sobre as quais não se pode produzir prova no juízo cível, a não ser por meios especificamente determinados (ex.: casamento só se prova por meio da respectiva certidão) e, nesse caso, não há necessidade de paralisar o andamento do processo principal, pois o juiz deste já poderá dar a solução com base no que determina a lei civil.

3.5 Atuação do Ministério Público

O Ministério Público pode intervir no processo civil, tendo em vista o interesse público, desde que se trate de ação penal pública ou privada subsidiária da pública.

De acordo com Guilherme de Souza Nucci, a intervenção do MP é obrigatória, pois, tratando-se de ação penal pública vige o princípio da obrigatoriedade e, por isso, o processo-crime deve ser resolvido o mais brevemente possível.

Sendo a ação de natureza exclusivamente privada, não caberá ao MP intervir, sendo esse ônus do Querelante.

3.6 Impugnações

Da decisão que decreta a suspensão do processo no caso de prejudicial facultativa, cabe Recurso em Sentido Estrito (art. 581, XVI, do CPP).

Em se tratando de decisão denegatória não caberá recurso e, ao contrário do que ocorre nos casos de suspensão obrigatória, não caberá HC, pois a suspensão é facultativa. Entretanto, não se deferindo a suspensão, pode haver nulidade insanável que será decidida posteriormente.

3.7 Suspensão do curso do prazo prescricional (art. 116, inciso I, do CP)

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Tal como ocorre com as prejudiciais obrigatórias, nas facultativas, a suspensão do processo criminal gerará, também, a suspensão do curso do prazo prescricional, na forma do que expressa o art. 116, inciso I, do CP.

4. Legitimidade para requerer a suspensão

Tanto nos casos de prejudicial obrigatória, quanto nos casos de prejudicial facultativa, a suspensão pode ser requerida por quaisquer das partes, ou ser decretada de ofício pelo juiz, conforme prevê o art. 94, do CPP.

PROCESSO PENALIIAULA 2

QUESTÕES PRELIMINARES

EXCEÇÕES PROCESSUAIS

Os chamados Processos Incidentes, principalmente as exceções, são, na verdade, formas de defesa indireta, pois o acusado não ataca o mérito (não nega a existência do fato, da ilicitude, da culpabilidade ou da autoria), mas tenta elidir ou extinguir a pretensão do autor, ou tenta dilatar, retardar ou transferir seu exercício.

Assim, podemos diferenciar a defesa de mérito (direta) e a defesa contra o processo ou contra a ação (indireta), posto que a primeira visa atacar o mérito, ao passo que a segunda é dirigida contra o processo ou contra o próprio direito de ação.

1. Natureza Jurídica das Exceções

As exceções, conforme visto acima, são formas de defesa indireta, pois têm por finalidade extinguir a ação ou o seu exercício.

O termo exceção pode ser utilizado em seu sentido amplo ou restrito. No sentido amplo significa o conjunto de atos legítimos tendentes à proteção de um direito, mas, no sentido estrito – e é esse sentido que o CPP adota – significa a alegação da ausência de condições da ação ou de pressupostos processuais.

2. Distinção entre Exceções e Objeções

Segundo Marcellus Polastri Lima, o termo “exceções” foi mal utilizado pelo legislador, pois tal forma de defesa somente poderia ser utilizada pela

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defesa e não pelo autor, nem tão pouco reconhecidas de ofício pelo juiz. Porém, o CPP, no art. 97, permite ao juiz o reconhecimento de ofício das exceções e, para o referido autor, então, o melhor é denominá-las OBJEÇÕES PROCESSUAIS.

As objeções poderiam ser apresentadas nos próprios autos do processo, sem um procedimento ritualístico, mormente por serem preliminares de mérito e poderem ser reconhecidas de ofício. Não obstante, o CPP prevê seu processamento em autos apartados.

3. Exceções Dilatórias e Exceções Peremptórias

Em relação aos seus efeitos as exceções podem ser DILATÓRIAS ou PEREMPTÓRIAS.

São DILATÓRIAS as exceções que têm por finalidade transferir a competência, ou simplesmente atrasar o julgamento do mérito, prorrogando ou procrastinando o processo.

As PEREMPTÓRIAS, diversamente, vão extinguir o processo, impedindo a análise do mérito.

São dilatórias as exceções de suspeição e impedimento. São peremptórias as exceções de coisa julgada, litispendência e ilegitimidade da parte.

4. Procedimento das Exceções

Em geral as exceções podem ser decididas de plano pelo juiz, até nos autos principais, mas se houver recusa pelo magistrado ou dificuldade para reconhecimento de plano, será a exceção autuada em apenso em um procedimento incidente.

Em regra o processo principal não se suspende pela oposição de exceções, mas, havendo reconhecimento da parte contrária, ou entendendo o juiz nesse sentido, poderá o processo principal ser suspenso para evitar posterior nulidade ou inutilidade de atos processuais.

5. Ataques ao Juiz – Suspeição, Impedimento e Incompatibilidade

5.1 Suspeição

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Se a parte entender que o juiz não tem a necessária imparcialidade para julgar em razão de interesses ou sentimentos pessoais que lhe retiram a necessária isenção, poderá recusá-lo através da exceção de suspeição.

Na verdade, a suspeição não deixa de se caracterizar como uma forma de incompetência. Tanto a ausência de suspeição, quanto a competência são pressupostos de validade do processo.

O Juiz pode se dar por suspeito de ofício e, não o fazendo, a parte poderá recusá-lo, desde que esteja presente um dos motivos expressos no art. 254, do CPP.Na doutrina muitos autores consideram o rol do art. 254 do CPP como sendo taxativo (numerus clausus), mas a jurisprudência vem abrandando tal entendimento e aceitando interpretação extensiva.

Em qualquer circunstância, poderá o juiz se declarar suspeito por motivo de foro íntimo, utilizando, por analogia, o art. 135 do CPC.

EXERCÍCIO OBJETIVO 1

Art. 254 do CPP:

Inciso I – a amizade íntima, para os fins do Processo Penal, exige convívio de modo familiar, não sendo suficiente a confiança ou simpatia recíproca, ou relações profissionais.

Deve ser aferida em relação às partes, não envolvendo o promotor ou o advogado, até porque é comum a amizade entre juizes, promotores e advogados.

Inimizade capital é a proveniente de ódio, mágoa, desejo de vingança etc., não podendo se considerar assim a mera antipatia.

Inciso II – pois certamente o juiz se verá tendente a adotar o posicionamento que mais beneficiará a si mesmo ou a seu parente.

Inciso III – por motivos óbvios, pois o juiz se verá comprometido, ou mesmo tendente a realizar uma “troca de favores”.

Inciso IV – o juiz deve se manter eqüidistante das partes, não podendo revelar-lhes sua opinião sobre o fato em julgamento.

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Inciso V – o juiz terá evidente interesse em razão de sua relação com a parte.

Inciso VI – o juiz é diretamente interessado na causa.

Art. 255 do CPP – dissolvido o casamento, cessa a suspeição por parentesco, salvo se advierem descendentes. Porém, ainda que dissolvido o casamento, o sogro, padrasto, cunhado, genro ou enteado da parte não pode funcionar como juiz.

Art. 256 do CPP – ninguém pode se locupletar de sua própria torpeza.

As regras referentes à suspeição também se aplicam ao Ministério Público, aos serventuários, funcionários da justiça, peritos e intérpretes, conforme determinam os arts. 256, 274, 280 e 281, todos do CPP.

Contra os jurados no Tribunal do Júri também pode ser oposta suspeição – arts. 106 e 460, do CPP.

Não é possível opor suspeição contra autoridades policiais, conforme art. 107 do CPP. Isso, no entanto, não impede que se dêem por suspeitas. Caso isso não ocorra, a parte pode recorrer ao Chefe de Polícia ou provocar uma maior atuação do Ministério Público no controle externo da atividade policial.

5.1.1 Distinção entre suspeição, incompatibilidade e impedimento

A suspeição advém do vínculo ou relação do juiz com as partes do processo, enquanto o impedimento revela seu interesse em relação ao objeto da demanda. Já a incompatibilidade encontra previsão nas Leis de Organização Judiciária, tendo suas causas amparadas em razões de conveniência.

Além disso, enquanto a suspeição é causa de nulidade, o impedimento priva o juiz da jurisdição e, portanto, torna inexistentes os atos que praticar, mesmo que não haja oposição ou recusa da parte – repare que o CPP, no art. 546, inciso I, fez menção à suspeição, mas nada mencionou em relação ao impedimento. Enquanto a suspeição afeta a competência, o impedimento afeta a jurisdição.

Marcellus Polastri Lima, citando Tourinho Filho, afirma que, “a incompatibilidade diz respeito a cargos ou funções que não podem ser desempenhados juntos ou simultaneamente pela mesma pessoa e o

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impedimento se refere a funções distintas, exercidas pela mesma pessoa de forma contemporânea, mas não simultânea”.

O impedimento pode ocorrer, também, no segundo grau, conforme art. 253 do CPP.

Assim como ocorre com a suspeição, as causas de impedimento e incompatibilidade também se aplicam ao Ministério Público e aos serventuários da justiça, peritos e intérpretes, conforme arts. 112 e 258 do CPP.

5.1.2 Procedimento da suspeição, do impedimento e da incompatibilidade

Embora o art. 96 do CPP somente se refira à suspeição, também é aplicável ao impedimento e à incompatibilidade.

O procedimento, assim, segue o que determinam os artigos 96 e seguintes, do CPP.

6. Incompetência

A competência é a medida da jurisdição, fixada através de critérios legais. Sendo o juiz incompetente para julgar, ausente estará um pressuposto processual de validade, o que pode ser aferido pelo próprio magistrado, na forma do art. 395 do CPP.

Conforme expressa o art. 109, do CPP, cabe primeiramente ao próprio juiz, de ofício, se dar por incompetente, seja a incompetência relativa ou absoluta.

Não ocorrendo o reconhecimento espontâneo da incompetência pelo juiz, o art. 108, do CPP, prevê a possibilidade de que a parte oponha exceção de incompetência.

A exceção deve ser apresentada no prazo para defesa, podendo ser oposta oralmente ou por escrito. Feita daquela forma, será tomada por termo.

A incompetência relativa (em razão do lugar, por exemplo), está sujeita à preclusão temporal, ou seja, se não for argüida no prazo oportuno, prorrogar-se-á. Já a incompetência absoluta (em razão da matéria, da hierarquia etc.), não preclui, podendo ser argüida em qualquer tempo e grau de jurisdição.

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CASO CONCRETO 2

O Ministério Público também é parte legítima para oferecer exceção de incompetência, embora a lei fale em “prazo de defesa”.

Oposta a exceção, não se suspenderá o processo, formando-se autos apartados e, após ouvido o órgão do MP (se a exceção não tiver sido oposta por este), se o juiz aceitar a exceção, remeterá o feito ao juízo competente para o julgamento, cabendo, desta decisão, recurso em sentido estrito (art. 581, inciso II, do CPP).

Da decisão que recusa a incompetência não cabe recurso, o que não impede a impetração de HC ou a argüição em preliminar de recurso.

7. Ilegitimidade da parte

O juiz pode, de ofício, deixar de receber a inicial ou extinguir o processo se detectar a ilegitimidade de quaisquer das partes. Caso essa providência não seja adotada, poderá ser oposta, pela Defesa ou pelo Ministério Público, exceção de ilegitimidade da parte.

A ilegitimidade que justifica a exceção pode ser ad processum (exemplo – Promotor de Resende promove ação penal em Itatiaia) ou ad causam (exemplo – Promotor de Justiça oferece denúncia em um crime que é de ação penal de iniciativa privada).

O procedimento da exceção de ilegitimidade da parte é o mesmo a ser seguido na exceção de incompetência, conforme determina o art. 110 do CPP. Havendo mais de uma exceção a ser oposta, devem ser apresentadas em uma só petição.

Tratando-se de nulidade absoluta, não está sujeita a preclusão e gerará a nulidade de todo o processo.

Da decisão que acolhe a exceção cabe recurso em sentido estrito (art. 581, inciso III, do CPP), mas se não for acolhida não caberá recurso, o que não impede a impetração de HC.

8. Litispendência e Coisa Julgada

Litispendência é a situação que decorre de outro processo penal sobre o mesmo fato.

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Para que ocorra litispendência é necessário haver, entre as duas demandas, identidade de partes, causa de pedir e pedido.

Tanto o acusado, quanto a acusação podem argüir a litispendência por meio de exceção, no juízo onde foi instaurado o segundo processo. O segundo processo será aquele onde ocorreu a segunda citação, por analogia do art. 219 do CPC.

O procedimento para julgamento da exceção de litispendência é o mesmo da exceção de incompetência, conforme art. 110, do CPP.

Sendo acolhida a exceção, caberá recurso em sentido estrito (art. 581, inciso III, do CPP), mas, sendo rejeitada é possível a impetração de HC.

Coisa Julgada ocorre quando, entre dois processos, ocorre identidade de partes, causa de pedir e pedido, mas, diferentemente do que ocorre na litispendência, em um deles já ocorreu o trânsito em julgado.

A coisa julgada ocorrerá tanto com sentença condenatória, quanto absolutória, mas, naquela, nada impede a reapreciação da causa (revisão criminal, anistia, indulto etc.).

Coisa julgada formal x Coisa julgada material – A coisa julgada formal é a imutabilidade da decisão no processo em que foi proferida; a coisa julgada material ocorre a imutabilidade da decisão em caráter erga omnes, ou seja, no processo em que foi proferida e em todos os demais.

CASO CONCRETO 1

Coisa julgada x Preclusão – a preclusão diz respeito à extinção de um direito processual pela falta de seu oportuno exercício, enquanto a coisa julgada se refere ao próprio mérito da causa.

A exceção de coisa julgada somente pode ser oposta em relação ao fato principal – art. 110, §2°, do CPP – não atingindo questões secundárias como, por exemplo, a fundamentação da sentença, fatos incidentes etc.

Observa-se o mesmo procedimento da exceção de incompetência (art. 110, do CPP), devendo ser oposta no juízo onde ainda exista processo em curso.

Acolhida a exceção de coisa julgada caberá recurso em sentido estrito (art. 581, inciso III, do CPP). Não acolhida a exceção, pode ser interposto HC.

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9. Conflito de Competência (jurisdição) e de Atribuições

Quando o CPP fala em conflito de jurisdição, leia-se, de competência, pois a jurisdição é uma e indivisível, em todo o território Nacional. Portanto, o que pode gerar conflito é o limite imposto à jurisdição.

O conflito de competência pode ser positivo ou negativo. Será positivo quando dois ou mais juízes se considerarem competentes para julgar o feito; será negativo quando dois ou mais juízes se considerarem incompetentes para julgar (art. 114, inciso I, do CPP).

Além dos juízes envolvidos, o conflito pode ser suscitado pela parte interessada e pelo Ministério Público (art. 115, do CPP).Quando for suscitado pelos juízes, o instrumento próprio é a REPRESENTAÇÃO, mas sendo suscitado pela parte ou pelo MP, o instrumento adequado será o REQUERIMENTO.

A defesa deve suscitar o conflito no prazo da defesa prévia, salvo em se tratando de incompetência absoluta, caso em que não haverá preclusão.

Se o conflito for positivo, será suscitado em autos apartados, mas se for negativo, poderá ser suscitado nos próprios autos principais porque, por óbvio, o processo ficará suspenso.

Os Tribunais de Justiça dos Estados julgam os conflitos envolvendo juízes a eles vinculados; o STJ julga conflitos envolvendo juízes de tribunais diversos ou Tribunais de um Estado e juízes de outro; o STF julga todos os conflitos nos quais houver envolvimento de Tribunais Superiores (STJ, TST, TSE e STM).

Suscitado o conflito, o relator poderá determinar a suspensão do processo (se o conflito for positivo) e requisitará informações das autoridades em conflito e, depois de ouvido o Procurador-Geral, na primeira sessão, será o feito julgado, salvo se depender de diligências. Decidido o conflito, serão enviadas cópias às autoridades envolvidas, ou àquela contra a qual foi suscitado – ver art. 116, do CPP.

O conflito de atribuições ocorre quando a divergência em relação à prática de atos que não têm natureza jurisdicional.

Em se tratando de conflito de atribuições entre membros do Ministério Público do mesmo Estado, a solução será dada pela Lei Orgânica da

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Instituição, mas, quando as autoridades pertencerem a Estados diversos, a jurisprudência têm se inclinado a definir o STF como órgão responsável por dirimi-lo (art. 102, inciso I, h, da CRFB).

EXERCÍCIO OBJETIVO 2

PROCESSO PENALIIAULA 3

MEDIDAS ASSECURATÓRIAS E PROCESSOS INCIDENTES

1. MEDIDAS DE GARANTIA SOBRE COISAS NO PROCESSO PENAL

1.1 Finalidades das Medidas

São medias tomadas no processo criminal para garantir futura indenização ou reparação à vítima da infração penal, o pagamento de despesas processuais ou de penas pecuniárias, para evitar que o acusado obtenha lucro com a prática criminosa.

1.2 Identificação das Medidas

Constituem-se em:

Seqüestro; Arresto; Especialização de hipoteca legal.

1.2.1 Sequestro

Art. 125 – todo e qualquer bem imóvel adquirido com os proventos da infração pode ser objeto de seqüestro, mesmo que já tenha sido transferido a terceiro.

O seqüestro visa assegurar futura indenização da vítima.

CASO CONCRETO 1

Art. 126 – para a decretação do seqüestro basta a existência de indícios veementes da proveniência ilícita dos bens.

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Art. 127 – o seqüestro será ordenado pelo juiz, de ofício, a requerimento do MP, do ofendido ou através de representação da autoridade policial. Pode ser decretado antes ou durante o processo.

Art. 128 – após sua realização, o seqüestro deve ser inscrito no Registro de Imóveis.

Art. 129 – o seqüestro é sempre autuado em apartado, inclusive quando decretado de ofício, pois, da decisão, caberá recurso de apelação e os autos terão que subir para o tribunal, o que evita a paralisação do processo principal.

O seqüestro pode ser objeto de embargos de terceiro.

Art. 130 – podem oferecer embargos ao seqüestro:1. O acusado, desde que alegue e prove que os bens não foram

adquiridos com os proventos da infração.2. O terceiro, desde que os bens lhe tenham sido transferidos a título

oneroso e que os tenha adquirido de boa-fé.

Através dos embargos se pode resistir ao seqüestro, provando-se que não estão presentes os seus requisitos. No caso do terceiro, é preciso provar a onerosidade da transferência, pois, em caso de transferência gratuita não se pode falar em boa-fé.

Os embargos ao seqüestro somente serão decididos após o trânsito em julgado da sentença penal condenatória, pois, se absolutória a decisão, o seqüestro será levantado independentemente da oposição dos embargos.

Art. 131 – se o seqüestro for decretado na fase inquisitorial, a ação penal deverá ser intentada no prazo de 60 (sessenta) dias contados da realização da diligência, sob pena de se promover o seu levantamento. Já que o seqüestro exige indícios veementes da proveniência ilícita dos bens, significa que já estarão presentes os requisitos para o oferecimento da denúncia ou queixa.

Além disso, também será levantado o seqüestro se o terceiro, a quem tenham sido transferidos os bens, prestar caução e se for julgada extinta a punibilidade ou absolvido o réu por sentença irrecorrível.

EXERCÍCIO OBJETIVO 1

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Art. 132 – também é possível o seqüestro de bens móveis, desde que: a aquisição do bem com os proventos da infração e não seja cabível a busca e apreensão, nos casos do art. 91, inciso II, do CP.

Art. 133 – após o trânsito em julgado da decisão condenatória, o juiz, de ofício ou a requerimento do interessado, determinará a avaliação e venda dos bens. Do dinheiro apurado, o que não couber ao ofendido ou ao terceiro de boa-fé, será recolhido ao Tesouro Nacional.

1.2.2 Especialização de hipoteca legal

Tem o mesmo fim do seqüestro, qual seja, assegurar o ressarcimento do ofendido e garantir o pagamento das custas processuais.

Art. 134 – a especialização de hipoteca legal pode ser requerida PELO OFENDIDO, sobre os IMÓVEIS DO INDICIADO, em QUALQUER FASE DO PROCESSO, desde que haja CERTEZA DA INFRAÇÃO E INDÍCIOS SUFICIENTES DE AUTORIA.

A doutrina admite seu requerimento na fase inquisitorial, mas, como os requisitos são os mesmos exigidos para se oferecer denúncia ou queixa, então se deve iniciar a ação.

Art. 135 – a hipoteca legal não é requerida, mas sim sua especialização (individualização dos imóveis que ficarão hipotecados), pois, a prática da infração penal já faz com que os bens imóveis do agente fiquem, automaticamente, indisponíveis.

O ofendido deve estimar o valor dos danos sofridos e apontar os bens suficientes para o seu ressarcimento. Não se exige que os imóveis tenham sido adquiridos com os proventos da infração para que sejam hipotecados.

O juiz arbitrará o valor do dano, bem como, a avaliação do bem, através de perito por ele nomeado, onde não houver avaliador judicial.

Ouvidas as partes no prazo de dois dias, que correrão em cartório, o juiz poderá corrigir o arbitramento do valor da responsabilidade, se lhe parecer excessivo ou deficiente.

Somente será autorizada a inscrição de hipoteca do imóvel ou imóveis necessários à garantia da responsabilidade.

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A especialização, o arbitramento e a avaliação não impedem nova discussão no juízo cível.

Não se procederá à especialização da hipoteca legal se o réu oferecer caução suficiente, em dinheiro ou títulos da dívida pública.

Art. 138 – a especialização de hipoteca será autuada em autos apartados.

1.2.3 Arresto

O arresto também pode incidir sobre bens imóveis de origem lícita e TEM POR OBJETIVO ASSEGURAR A EFETIVIDADE DE POSTERIOR ESPECIALIZAÇÃO DE HIPOTECA.

Art. 136 – após o arresto, a hipoteca deve ser especializada em 15 (quinze) dias.

Art. 137 – não havendo bens imóveis, ou sendo estes insuficientes, poderão ser arrestados bens móveis suscetíveis de penhora.

Em se tratando de coisas fungíveis e facilmente deterioráveis, proceder-se-á a avaliação e leilão público, ou serão entregues ao terceiro que as detinha, se for pessoa idônea e assinar termo de responsabilidade.

Das rendas de bens móveis poderão ser fornecidos recursos para a manutenção do indiciado e de sua família.

Art. 138 – o arresto será autuado em apartado.

Art. 139 – a indisponibilidade do bem depende de sua apreensão e entrega ao administrador.

Art. 140 – o arresto, e também o seqüestro, servem para garantir as despesas processuais e as penas pecuniárias, mas a prioridade é pelo ressarcimento do ofendido e/ou do terceiro de boa-fé.

Art. 141 – o arresto será levantado e a hipoteca será cancelada se a sentença for absolutória ou declaratória da extinção da punibilidade.

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Art. 142 – quando houver interesse da Fazenda Pública, caberá ao MP promover a especialização de hipoteca e o arresto. O mesmo acontecerá quando o ofendido for pobre e requerer ao MP a referida medida.

Art. 143 – após o trânsito em julgado da decisão CONDENATÓRIA, os autos da hipoteca ou arresto serão remetidos ao juízo cível.

Art. 144 – os interessados e o MP, quando houver interesse da fazenda pública, poderão promover o arresto e a especialização de hipoteca legal no JUÍZO CIVEL, contra o RESPONSÁVEL CIVIL.

1.3 Procedimento

As medidas assecuratórias fazem parte dos procedimentos incidentes, merecedores de decisão em separado, na pendência do processo principal onde se apura a responsabilidade do réu pela infração penal ou mesmo antes de seu início (art. 127, do CPP).

2. RESTITUIÇÃO DE COISAS APREENDIDAS

Trata-se do procedimento legal de devolução a quem de direito de objeto apreendido durante diligência policial ou judiciária, mas que não interesse mais ao processo criminal.

2.1 Exame das Coisas que Podem Ser Restituídas e Daquelas que Devem Ser Confiscadas

Art. 118 – todos os objetos que sejam úteis à apuração da infração penal, ou que, posteriormente podem vir a ser confiscados, são passíveis de apreensão e, enquanto forem úteis ao processo, não poderão ser restituídos.

Ex.: Uma arma de fogo de uso permitido, que tenha sido utilizada em um homicídio, quando a acusação entende como necessária sua apresentação em plenário para análise dos jurados.

Art. 119 – as coisas a que se refere o art. 91 do CP não serão restituídas, ainda que absolutória a sentença, salvo se pertencerem ao lesado ou terceiro de boa-fé. Os instrumentos de uso proibido não serão restituídos – ex.: arma de fogo de uso proibido. Mais uma vez, ressalva-se a possibilidade de restituição ao lesado ou ao terceiro de boa-fé – no exemplo acima, colecionador de armas que comprove ter a posse lícita da coisa.

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2.2 Legitimidade para o Exame do Pedido

Art. 120 – a restituição pode ser ordenada pela autoridade policial ou pelo juiz.

Se houver dúvida quanto ao direito do reclamante, somente o juiz poderá determinar a restituição. Nesse caso, o pedido será autuado em apartado e o requerente terá prazo de 5 (cinco) dias para oferecer prova documental e, se for o caso, requerer a produção de outras – testemunhal, por exemplo.

Não havendo dúvida, uma simples petição para a autoridade policial poderá resolver a questão, não sendo necessária a instauração do incidente.

O incidente também será autuado em apartado se, além do ofendido, houver terceiro de boa-fé e a coisa houver sido apreendida em poder deste – ex.: produto de furto que foi vendido a terceiro de boa-fé. Este será, então, intimado para alegar e provar seu direito, no mesmo prazo acima (5 dias), sucessivo ao do ofendido, tendo, ambos, 2 (dois) dias para arrazoar.

O MP deve ser SEMPRE ouvido sobre os pedidos de restituição, ainda que induvidoso o direito e que o pedido tenha sido feito à autoridade policial, cabendo a esta a decisão, pois, o órgão do MP, sendo o dominus litis, é que deve saber o que lhe interessa para a propositura da ação penal.

Persistindo a dúvida após a instrução probatória, o juiz deve remeter as partes ao juízo cível, o que evitará maiores dilações no processo penal.

Tratando-se de coisas facilmente deterioráveis, o juiz deverá proceder à avaliação e leilão público. O dinheiro apurado será depositado. As coisas também poderão ser entregues ao terceiro que as detinha, se for pessoa idônea e assinar termo de responsabilidade.

A legitimidade para requerer a restituição será do Réu, da Vítima ou de Terceiro interessado na devolução.

CASO CONCRETO 2

2.3 Destinação dos Bens Apreendidos

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Art. 121 – os bens aparentemente lícitos, mas que sejam proventos da infração, serão leiloados e, do dinheiro apurado, o que não couber ao ofendido e ao terceiro de boa-fé, será recolhido ao Tesouro Nacional.

Art. 122 – em qualquer caso, após 90 dias do trânsito em julgado da sentença CONDENATÓRIA, o juiz decretará, se for o caso, a perda em favor da União, das coisas apreendidas (art. 91 do CPP) e ordenará sua venda em leilão público.

Do dinheiro apurado, o que não couber ao ofendido ou ao terceiro de boa-fé, será recolhido ao Tesouro Nacional.

Art. 123 – fora dos casos de coisas que sejam instrumentos do crime ou que sejam produtos ou proventos da infração, se não forem reclamados dentro de 90 dias a contar do trânsito em julgado da sentença, CONDENATÓRIA ou ABSOLUTÓRIA, ou não pertencerem ao réu, serão vendidos em leilão público.

EXERCÍCIO OBJETIVO 2

PROCESSO PENALIIAULA 4

PROCESSOS INCIDENTES

1. VERIFICAÇÃO DA CAPACIDADE DO ACUSADO PARA RESPONDER PELO ILÍCITO REALIZADO (INCIDENTE DE INSANIDADE MENTAL)

1.1 Doença Mental – Inimputabilidade e Semi-imputabilidade. Aplicação de Medida de Segurança ou Redução de Pena. Hipóteses e Ocorrência Antes e Durante o Processo e na Fase de Execução da Pena.

Inimputabilidade – Vem definida no art. 26, do Código Penal e, uma vez atestada pela perícia terá como conseqüência a isenção de pena e aplicação de medida de segurança (arts. 96 e 97, do CP).

Semi-imputabilidade – Está prevista no parágrafo único, do art. 26, do Código Penal e vai gerar, se comprovada por meio de perícia, a redução da pena a ser imposta.

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Não se deve olvidar que, em razão da adoção do critério biopsicológico pelo CP, deve haver um exame específico para cada fato investigado, não bastando que o agente já tenha sido interditado ou que já tenha sido declarado incapaz em outro processo criminal, pois a inimputabilidade e a semi-imputabilidade devem ser aferidas no momento da ação ou omissão criminosa.

Ocorrência antes ou durante o processo e na fase da execução – havendo dúvida sobre a inimputabilidade do agente – sem que haja dúvida razoável o juiz não deve ordenar o exame – poderá o incidente ser instaurado na fase inquisitória ou processual, mas sempre determinado pelo juiz (não pode o delegado de polícia determinar a execução do exame).

Art. 149 do CPP: Caso exista dúvida sobre a imputabilidade penal do acusado, o juiz, DE OFÍCIO ou A REQUERIMENTO do MP, do defensor, do curador, do ascendente, descendente, irmão ou cônjuge do acusado, DETERMINARÁ A REALIZAÇÃO DE EXAME MÉDICO-LEGAL.

§ 1º. O exame médico-legal pode ser realizado ainda na fase pré-processual (inquérito policial), mediante REPRESENTAÇÃO DA AUTORIDADE POLICIAL.

§ 2º. Sendo instaurado o incidente de insanidade, o juiz NOMEARÁ CURADOR ao acusado e O PROCESSO FICARÁ SUSPENSO, sem prejuízo da realização das diligências urgentes.

Art. 150 do CPP: Para a realização do exame, se o acusado estiver preso, será internado em hospital de custódia e tratamento (manicômio judiciário). Se estiver solto, podem os peritos requerer sua internação, apenas para os fins do exame de insanidade mental.

§ 1º. O exame médico-legal deve ser realizado em 45 dias, salvo se os peritos demonstrarem necessidade de prazo maior.

§ 2º. O juiz pode autorizar que os autos do incidente e do próprio processo principal sejam entregues aos peritos, haja vista que o processo ficará suspenso. Isso permite uma melhor análise da prova, pois, fica difícil analisar o estado mental do acusado no momento da prática do fato típico.

Art. 151 do CPP: Se os peritos concluírem que o acusado era, ao tempo do fato, inimputável, o processo seguirá seu rumo com o curador, pois, será

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necessário o devido processo legal para a imposição de medida de segurança.

Art. 152 do CPP: Em sentido contrário, se for atestado que a doença mental sobreveio à infração penal, o processo permanecerá suspenso até que o acusado se restabeleça totalmente. Lembramos que, nesse caso, o prazo prescricional não ficará suspenso.

§ 1º. Quando for atestado que a doença mental sobreveio à infração penal, o juiz poderá determinar a internação do acusado. Tal situação, atualmente, é criticada pela doutrina majoritária que afirma haver ofensa ao princípio da presunção de inocência. Outros, no entanto, admitem a internação justificando com o fato de que será melhor para o acusado, pois lhe proporcionará tratamento “adequado” para sua doença. Além disso, não haveria ofensa à presunção de inocência, pois a finalidade não é a de segregar, mas a de proporcionar tratamento ao acusado.

§ 2º. Havendo o restabelecimento do acusado, o processo retomará seu curso, sendo facultado ao réu, reinquirir as testemunhas que prestaram depoimento sem sua presença.

CASO CONCRETO 1Art. 153 do CPP: Embora o incidente de insanidade mental provoque a suspensão do processo, deve ser autuado em autos apartados, somente sendo apensados ao processo principal após a prolação do laudo.

Art. 154 do CPP : Caso a doença mental surja durante a execução da pena, o condenado será transferido para hospital de custódia e tratamento e, se for duradoura, será convertida em medida de segurança.

1.2 Sentença Absolutória Imprópria e Aplicação de Medida de Segurança

Restando comprovada, por meio de exame pericial, a inimputabilidade do acusado, caberá ao juiz absolverá o acusado e aplicará medida de segurança. Por isso, tal sentença é chamada de absolutória imprópria, pois, embora o réu seja absolvido, ainda será obrigado a cumprir o tratamento, que poderá ser ambulatorial (medida de segurança restritiva) ou de internação em hospital de custódia e tratamento (medida de segurança detentiva).

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Porém, é imperativo lembrar que, conforme visto no art. 152, do CPP, somente haverá a imposição de medida de segurança se a inimputabilidade estivar presente no momento da prática do delito.

Nos casos de semi-imputabilidade o réu será condenado, mas terá sua pena diminuída em razão da menor culpabilidade apresentada, podendo, ainda, o juiz determinar a substituição da sanção em medida de segurança, caso se convença ser mais adequado ao condenado.

1.3 A Dependência Toxicológica e Seus Efeitos no Processo

Os artigos 45 e 46, da Lei 11.343/06, trazem regras referentes à inimputabilidade e semi-imputabilidade nos casos de dependência toxicológica ou utilização de drogas por caso fortuito e força maior.

As regras terão incidência sobre a prática de quaisquer delitos e não apenas sobre aqueles previstos na sobredita lei.

No caso do art. 45, o juiz deverá absolver o réu e poderá determinar seu encaminhamento para tratamento médico adequado.

Havendo dependência, o encaminhamento para tratamento médico (internação ou ambulatorial) será obrigatório. No caso de utilização de drogas por caso fortuito ou força maior, não haverá imposição de tratamento médico.

Não há necessidade de analisar a periculosidade do agente, pois a Lei 11.343/06 não fala em medida de segurança, mas em tratamento médico.

No que diz respeito ao art. 46, a conseqüência de sua incidência é a diminuição de pena, não prevendo a Lei possibilidade de substituição por medida de segurança.

CASO CONCRETO 2

2. INCIDENTE DE FALSIDADE. FALSO MATERIAL E IDEOLÓGICO. A PUNIÇÃO PELA PRÁTICA DO CRIME DE FALSO

Art. 145 do CPP: A falsidade documental deve ser argüida POR ESCRITO.

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I – Nesses casos, o juiz determinará sua autuação em apartado e ouvirá a parte contrária, que deverá oferecer sua resposta em 48 horas.

II – O juiz determinará o prazo de 3 dias para que as partes provem suas alegações.

IV – Caso reconheça a falsidade documental, o juiz mandará desentranhar o documento do processo e remetê-lo com os autos do incidente ao MP.

O desentranhamento e encaminhamento dos autos ao MP se faz necessário para que se apure a ocorrência do crime de falso, pois a decisão do juiz que determina o desentranhamento é meramente declaratória e somente para fins de averiguação da aquisição da prova (possibilidade ou não do documento permanecer no processo), não produzindo coisa julgada em relação à falsidade. Em outras palavras, a ocorrência de crime de falso documental deverá ser apurada em processo autônomo no qual seja deferida ao réu a ampla defesa e o contraditório.

Se a falsidade documental puder ser auferida de plano, não haverá necessidade de autuação em apartado, situação que será imprescindível, entretanto, quando houver necessidade de uma averiguação mais aprofundada.

Art. 146 do CPP: A argüição de falsidade feita por procurador, EXIGE PODERES ESPECIAIS.

Art. 147 do CPP: O juiz pode proceder à verificação da falsidade, agindo DE OFÍCIO.

Art. 148 do CPP: A decisão do incidente de falsidade, seja a que reconhece o falso ou a que o nega, não fará coisa julgada em relação a posterior processo penal ou civil.

Falso Material x Falso ideológico – haverá falsidade material quando houver contrafação ou alteração do documento através da criação, alteração de forma, fabricação ou alteração de um documento. Já a falsidade ideológica é aquela na qual a forma é perfeita, mas o conteúdo do documento é falso (sua idéia é falsa).

Por óbvio, somente será possível atestar por perícia a falsidade material, pois, na ideológica a forma será perfeita, não sendo possível ao perito atestar a veracidade ou não do conteúdo.

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Oitiva do Ministério Público – Entende Marcellus Polastri Lima que, apesar do CPP não fazer menção expressa a tal exigência, é imprescindível a oitiva do MP, pois o incidente de falsidade poderá gerar futura ação penal pelo crime de falso.

PROCESSO PENALIIAULA 5

TEORIA DA PROVA NO PROCESSO PENAL

1. TEORIA DA PROVA NO PROCESSO PENAL

1.1 Conceito de Prova

O termo prova vem do latim – probatio – que significa ensaio, verificação, inspeção, exame, argumento, razão, aprovação ou confirmação. Daí vem o verbo provar – probare – significando ensaiar, verificar, examinar, reconhecer por experiência, aprovar, estar satisfeito com algo, persuadir alguém a alguma coisa ou demonstrar.

Para Adalberto José Q. T. Camargo Aranha, prova, no sentido jurídico, representa os atos e meios usados pelas partes e reconhecidos pelo juiz como sendo a verdade dos fatos alegados.

Paulo Rangel define a prova como o meio instrumental de que se valem os sujeitos processuais (autor, juiz e réu) de comprovar os fatos da causa, ou seja, os fatos deduzidos pelas partes como fundamento do exercício dos direitos de ação e de defesa.

1.2 Finalidade da Prova

A prova tem por finalidade (ou objetivo) o convencimento do juiz, ou seja, tornar os fatos alegados pelas partes conhecidos do juiz, convencendo-o de sua veracidade. Portanto, o juiz é o principal destinatário da prova, mas não é o único, posto que as partes também são interessadas na verificação das provas apresentadas.

1.3 Objeto da Prova

O objeto da prova é a coisa, o fato, o acontecimento que deve ser conhecido pelo juiz, a fim de que possa emitir um juízo de valor. São os fatos sobre os quais versa o processo penal.

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Trata-se daquilo que as partes desejam demonstrar, aquilo que o juiz deve conhecer.

Camargo Aranha vai mais longe e diz que, às vezes, além de fatos, também é necessário provar o direito como o que ocorre quando se invoca direito estadual, municipal, consuetudinário ou alienígena.1.4 Meios (Fontes) de Prova

São os elementos que podem justificar ou esclarecer os fatos, através dos quais se irá adquirir o conhecimento de um objeto de prova.

Sendo o processo penal de caráter público, o meio probatório é quase ilimitado, somente comportando exceções em casos extremos (ver, por exemplo, artigo 155, parágrafo único, do CPP).

Dessa forma, desde que os meios de prova não sejam indignos, imorais, ilícitos ou ilegais, respeitando a ética e o valor da pessoa humana, poderão ser admitidos no processo, mesmo que não sejam legalmente relacionados no Código de Processo Penal.

1.5 Elementos de Prova

São dados da realidade objetiva concernentes ao ato, fato, coisa ou pessoa que, através dos meios de prova, passam a fazer parte do processo.

Trata-se dos fatos ou circunstâncias sobre os quais o juiz formará sua convicção.

1.6 Natureza da Prova

A prova tem natureza jurídica de DIREITO SUBJETIVO DE ÍNDOLE CONSTITUCIONAL DE ESTABELECER A VERDADE DOS FATOS, pois a sociedade, através do Ministério Público, pretende ver a pretensão acusatória comprovada e, por outro lado, o acusado também tem o direito de provar suas alegações defensivas.

1.7 Titularidade da Prova

O Sujeito da prova é a pessoa física que, no processo, transmite o conhecimento de um objeto de prova. Trata-se de um elemento de extrema importância como ocorre nos casos da prova testemunhal, no depoimento da vítima, no interrogatório do acusado, no depoimento de informantes etc.

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A pessoa física é o sujeito ativo da prova e o juiz, o seu receptor.

Porém, quanto à titularidade, não se pode dizer que a prova é de uma ou de outra parte, ou seja, não existem provas da acusação e da defesa, mas sim, provas do processo, conforme se verá quando do estudo do princípio da comunhão da prova.1.8 Princípios Aplicáveis às Provas

1.8.1 Auto-Responsabilidade das Partes

Cada parte deverá suportar ou assumir as conseqüências de sua inatividade, erros e negligência, pois a demonstração do fato caberá a quem interesse.

1.8.2 Aquisição ou Comunhão da Prova

Toda prova produzida servirá a ambas as partes e ao juiz, já que é colhida no interesse da justiça e da busca da verdade.

O ônus de produzir a prova pertence a cada parte que tenha interesse, mas, uma vez produzida a prova, existirá sua comunhão.

1.8.3 Audiência Contraditória

Toda prova admitirá uma contraprova. A audiência, portanto, é bilateral sob pena de nulidade.

1.8.4 Oralidade

Com as reformas do Processo Penal, tanto no procedimento comum, quanto no Tribunal do Júri, predomina a oralidade, pois o juiz deve formar sua convicção pela observação viva e dinâmica dos fatos, situação que somente o processo oral permite.

1.8.5 Concentração

Deflui do princípio da oralidade que obriga a uma maior concentração das provas em audiência, com celeridade na sua coleta. Não obstante, é possível abrir exceções quando for imprescindível fracionar a audiência.

1.8.6 Publicidade

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A regra é que a produção da prova, assim como qualquer ato judicial, seja pública, somente podendo ser restringida a publicidade em casos expressamente previstos em lei.

1.8.7 Livre Convencimento Motivado

As provas não são previamente valoradas. Não vigora em nosso processo penal o critério da prova tarifária onde cada prova tem um valor previamente fixado em lei, pois o julgador tem liberdade de valorar as provas de acordo com sua consciência e convencimento, desde que motivadamente a não extrapolando o que consta do processo.

Além do princípio do livre convencimento motivado – adotado no Brasil – e da prova tarifária, existe, ainda, o sistema da íntima (livre) convicção no qual o juiz tem total e irrestrita liberdade para coligir e apreciar as provas, sem qualquer necessidade de fundamentar suas decisões.

O sistema da íntima (livre) convicção é adotado no Brasil, somente no Tribunal do Júri.

1.9 Ônus da Prova e Produção Probatória Pelo Juiz

Primeiramente se faz necessário distinguir entre ônus (encargos) e dever jurídico.

O ônus ou encargo é uma obrigação do sujeito processual consigo próprio, pois se não fizer a prova correrá o risco de não obter a vantagem pretendida no processo. Portanto, não se trata de mera faculdade, pois, nesta nada é exigido.

No dever jurídico há sempre uma sanção prevista para o seu descumprimento, situação que não ocorre quando se está diante de um simples ônus processual.

No Processo Penal Brasileiro, a regra é a de que quem alega um fato tem o ônus (ou encargo) de prová-lo, sob pena de não obter a pretendida vantagem. É o que se extraí da leitura do artigo 156 do CPP.

De acordo com o dispositivo supramencionado, o ônus da prova é, em regra, da acusação, que apresenta a imputação em juízo através da denúncia ou queixa-crime. Entretanto, o réu pode chamar a si o interesse de produzir prova quando alega em seu benefício algum fato que propicie a exclusão da ilicitude ou da culpabilidade.

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O Autor deve fazer prova da ocorrência do fato e de sua autoria, o que inclui o elemento subjetivo (dolo ou culpa), embora parte da doutrina entenda que o dolo é presumido (entendimento minoritário). Por outro lado, o réu deve fazer prova da inexistência do fato ou da existência de excludentes de ilicitude, culpabilidade ou punibilidade, bem como, de qualquer circunstância que lhe traga algum benefício.

Cabe à defesa, em verdade, fazer prova dos fatos impeditivos (exclusão do dolo ou da culpabilidade), modificativos (excludentes de ilicitude) e extintivos (extinção da punibilidade).

Porém, não se pode esquecer que, no processo penal, em virtude do princípio da presunção de inocência, o ônus da defesa não deve ser analisado de forma tão rigorosa, pois, o descumprimento do ônus de provar fato impeditivo, modificativo ou extintivo por parte do réu não acarretará, necessariamente, a procedência do pedido acusatório em razão do princípio do in dubio pro reo.

O Código de Processo Penal permite que, havendo dúvida que não tenha sido dirimida pela produção probatória das partes, possa o juiz determinar diligências ou a produção de provas de ofício.

É preciso frisar, entretanto, que o juiz somente deve determinar a produção de provas de ofício quando se tratar de ação penal pública, pois, na ação penal de iniciativa privada vigora o princípio da disponibilidade.

Entretanto, como no Brasil o sistema processual é acusatório, o juiz só deve agir na busca de provas de forma supletiva e, quando isso for necessário, a ação do juiz pode ocorrer mesmo antes de iniciada a ação penal (art. 156, incisos I e II, do CPP).

Por fim, existem alguns autores que entendem que a inovação do art. 156, inciso I, do CPP, trazida pela Lei 11.690/08, ofende o princípio acusatório e, portanto, o dispositivo deve ter interpretação conforme a Constituição no sentido de somente ser admissível ao juiz determinar a produção de provas na fase investigatória quando houver pedido de uma das partes.

1.10 Prova Emprestada

É aquela produzida em outro processo e, através da reprodução documental, juntada no processo criminal pendente de decisão.

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O juiz deve ter especial cautela para verificar como foi formada no outro feito e de onde foi importada, a fim de saber se houve o indispensável devido processo legal. Tal verificação inclui o direito ao contraditório, razão pela qual abrange o fato de ser constatado se as mesmas partes estavam envolvidas no processo onde a prova foi efetivamente produzida.

Prova Emprestada em Processo Penal – STF (Informativo 548)

A Turma manteve decisão do STJ que, em habeas corpus lá impetrado, admitira a utilização de prova emprestada em processo penal, desde que sobre ela ambas as partes fossem cientificadas, a fim de que pudessem exercer o contraditório. Tratava-se, na espécie, de writ — impetrado em favor de condenado em primeira instância pela prática do crime de extorsão mediante seqüestro (CP, art. 159, § 3º) — no qual se sustentava, em síntese, que a prova emprestada deveria ser julgada ilícita, na medida em que produzida sem a observância do devido processo legal e do contraditório, ainda que gerada em processo no qual o réu também figurara como parte. Considerou-se que, na verdade, a defesa pretendia o revolvimento de fatos e provas, incabível na via estreita do habeas corpus. Observou-se, ademais, relativamente à possibilidade de manifestação do paciente quanto à prova emprestada, bem como quanto à higidez das demais provas que serviram de embasamento para a condenação, que não haveria, no ponto, nenhuma ilegalidade.HC 95186/SP, rel. Min. Ricardo Lewandowski, 26.5.2009. (HC-95186)

1.11 Direito à Prova na Investigação Penal

De acordo com o art. 155, do CPP, a meta é a formação da convicção judicial lastreada em provas produzidas sob o crivo do contraditório, não podendo o magistrado fundamentar sua decisão EXCLUSIVAMENTE nos elementos trazidos na investigação, salvo as provas cautelares, não repetíveis e antecipadas.

A inovação legislativa não apresentou nenhuma novidade, apenas tornando expresso aquilo que já era seguido pela jurisprudência.

Na verdade, o que sempre aconteceu é que o juiz se valia de provas colhidas na fase investigatória, desde que confirmadas posteriormente em juízo, ou se estivessem em harmonia com as coletadas sob o crivo do contraditório.

Quanto ao direito à produção de provas durante a fase inquisitorial, conforme já mencionado acima, somente existirá nos casos de provas

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consideradas urgentes e relevantes, desde que observada a necessidade, adequação e proporcionalidade da medida, circunstâncias que serão analisadas pelo juiz.

CASO CONCRETO 1

1.12 Limites ao Direito de Prova

1.12.1 Admissibilidade da Prova

Conforme já mencionado, somente haverá limitações ao direito de prova se houver previsão expressa. É o que ocorre, por exemplo, no art. 155, p. único, do CPP, que prevê limitações quanto ao estado das pessoas, bem como, no art. 157 do mesmo diploma legal, que veda as provas ilícitas.

Fora dos casos acima, não sendo o meio de prova indigno, imoral, ilícito ou ilegal, deve ser aceito pelo juiz, desde que respeitados a ética e os valores da pessoa humana.

Existem dois sistemas que regem a admissão e aquisição das provas, sendo o chamado sistema das provas taxativas, onde só podem ser utilizadas provas previstas expressamente em lei, e o sistema das provas exemplificativas, ou seja, a lei processual indica as mais comum, mas não fica a parte impedida de utilizar outras provas, sendo este último utilizado no Brasil.

1.12.2 Provas Nulas e Inadmissíveis

O exame da admissibilidade da prova é ato privativo do juiz, ou seja, requerida a prova pela parte deverá ocorrer o deferimento se esta tiver sido proposta tempestivamente, desde que seja admissível, pertinente e possível.

Será admissível a prova permitida pela lei e pelos costumes; pertinente é aquela que se relaciona com o processo onde será produzida, não sendo inútil ou descabida; possível é aquela que pode ser produzida de acordo com o estágio científico do conhecimento humano.

CASO CONCRETO 2

É possível, entretanto, que seja produzida e aceita uma prova inadmissível e, nesse caso, é possível a declaração de sua nulidade.

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Assim, a distinção entre inadmissibilidade e nulidade da prova reside no momento de sua declaração, ou seja, a admissibilidade da prova consiste na valoração prévia feita pelo legislador e pelo juiz, a fim de evitar que a prova inadmissível seja juntada aos autos; já a nulidade da prova é uma consideração posterior à sua colheita.

1.12.3 Provas Ilícitas – Originárias e Derivadas

Em tema de proibição de provas é preciso verificar se a vedação é de natureza exclusivamente processual ou substancial, ou seja, se é voltada para a finalidade do processo ou se advém da violação de direitos reconhecidos aos indivíduos. No primeiro caso temos as chamadas provas ilegítimas (exemplo – oitiva de testemunha proibida de depor) e, no segundo caso, as provas ilícitas (exemplo – confissão obtida sob tortura).

Ambas são espécies do gênero PROVAS ILEGAIS. A Constituição, entretanto, quando se refere às provas ilícitas está a falar das provas vedadas, que compreendem as ilícitas e as ilegítimas.

As provas que ofendem a moral e os bons costumes são enquadradas como ilícitas.

A maioria dos doutrinadores nacionais e estrangeiros pugnava pela exclusão das provas ilegais e, somente uma parte minoritária da doutrina admitia a permanência das provas ilícitas, punindo-se, entretanto, o autor de sua produção. Era a adoção da máxima “mal colhida, mas bem produzida”.

Veio ganhando espaço a adoção dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade, no qual se admitia a produção da prova ilícita em casos excepcionais fazendo-se uma comparação dos bens jurídicos em confronto.

Entretanto, nos últimos tempos, a doutrina e a jurisprudência só vinham admitindo a adoção dos princípios acima mencionados quando para beneficiar a defesa – exemplo: o réu utilizaria uma interceptação telefônica clandestina para provar sua inocência.

Uma importante questão a ser analisada é aquela que diz respeito às provas ilícitas por derivação. A Suprema Corte dos Estados Unidos da América formulou a Teoria dos Frutos da Árvore Envenenada que basicamente

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consiste em que, havendo origem ilícita toda a prova decorrente desta, mesmo que não seja ilícita em si, não poderá ser admitida, pois já estará contaminada – exemplo: através de tortura a autoridade policial obtém informação sobre o local onde se encontra a res furtiva e, de posse de tal informação, consegue mandado de busca e apreensão. A apreensão do bem, embora amparada por mandado, estará contaminada pela origem.

Ocorre que a adoção absoluta de tal teoria acaba por dificultar demasiadamente a apuração de fatos delituosos. Não obstante, o art. 157, §1°, do CPP, com redação dada pela Lei 11.690/08, procura solucionar a questão tomando posição no sentido de que são inadmissíveis as provas derivadas das ilícitas. Porém, faz uma ressalva, dando validade à prova derivada quando não evidenciado o nexo de causalidade entre umas e outras, ou quando as derivadas puderem ser obtidas por uma fonte independente das primeiras.

São bastante parecidos os conceitos de fonte independente e fonte inevitável. Independente é aquela que não apresenta nenhum nexo causal com a prova ilícita – exemplo: uma impressão digital que já consta dos bancos de dados estatais. Mesmo que o agente fosse obrigado fisicamente a fornecer impressão digital, seguindo-se os trâmites legais, seria possível obtê-la. A fonte inevitável, por outro lado, é aquela que, de qualquer jeito, levaria a obter a prova por meio legítimo – exemplo: o indiciado é torturado e confessa o local do cativeiro da vítima. Porém, ao mesmo tempo em que uma equipe torturava o preso, outra equipe da mesma delegacia já vinha investigando outras provas e acaba por chegar ao local do cativeiro seguindo as pistas obtidas na investigação.

As provas ilícitas, sendo inadmissíveis, devem ser desentranhadas do processo e, preclusa a decisão que determina o desentranhamento, devem ser inutilizadas.

Havia previsão da inclusão do §4°, no art. 157, do CPP, que foi equivocadamente vetado, pois previa acertadamente que o juiz que houvesse conhecido o conteúdo da prova ilícita declarada inadmissível não poderia proferir sentença ou acórdão.

QUESTÃO OBJETIVA 1

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PROCESSO PENALIIAULA 6

TEORIA DA PROVA NO PROCESSO PENAL

1. PROVA ILÍCITA NA CONSTITUIÇÃO FEDERAL E NA JURISPRUDÊNCIA DO STF

A Constituição Federal de 1988, em seu artigo 5º, inciso LVI, estabeleceu e erigiu como preceito constitucional: “são inadmissíveis, no processo, as provas obtidas por meios ilícitos”.

O termo ilícito tem dois sentidos: um restrito, significando que é proibido ou vedado por lei, e outro amplo, indicando o que é contrário à moral e aos bons costumes, reprovável pela opinião pública e proibido pelo Direito. O melhor entendimento é o de que o legislador constituinte originário quis proibir as provas ilícitas em sentido amplo.

Em relação à jurisprudência, o que se tem notado é a aplicação do princípio da proporcionalidade com admissão da prova ilícita, mas somente em relação à defesa.

2. Princípios da Proporcionalidade e da Razoabilidade em Matéria Probatória

Já há algum tempo veio ganhando espaço a adoção dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade, no qual se admitia a produção da prova ilícita em casos excepcionais fazendo-se uma comparação dos bens jurídicos em confronto.

Assim, o juiz deveria comparar os bens jurídicos em confronto e optar por aquele que entendesse mais relevante, podendo até mesmo admitir a prova obtida por meios ilegais.

A aplicação dos princípios acima visa equilibrar posições antagônicas de admissibilidade e inadmissibilidade da prova ilícita quando coexista outro interesse, como por exemplo, a gravidade de certos delitos e a necessidade de repressão estatal. Deve-se considerar que, em eventual conflito entre garantias individuais, impõe-se a prevalência do interesse maior a ser protegido no caso concreto.

Boa parte da doutrina, entretanto, não admite o entendimento acima e afirma não ser possível qualquer violação a direitos individuais, pois, caso contrário, estes só estariam protegidos em delitos de menor gravidade, o

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que geraria inadmissível discricionariedade e daria margem a arbitrariedades por parte dos agentes policiais, do Ministério Público e de Magistrados.

Nos últimos tempos, a doutrina e a jurisprudência só têm admitindo a adoção dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade para beneficiar a defesa – exemplo: o réu utilizaria uma interceptação telefônica clandestina para provar sua inocência.

3. Conseqüências e Extensão do Reconhecimento da Ilicitude da Prova

O exame da admissibilidade da prova é ato privativo do juiz, ou seja, requerida a prova pela parte deverá ocorrer o deferimento se esta tiver sido proposta tempestivamente, desde que seja admissível, pertinente e possível.

Será admissível a prova permitida pela lei e pelos costumes; pertinente é aquela que se relaciona com o processo onde será produzida, não sendo inútil ou descabida; possível é aquela que pode ser produzida de acordo com o estágio científico do conhecimento humano.

É possível, entretanto, que seja produzida e aceita uma prova inadmissível e, nesse caso, é possível a declaração de sua nulidade.

Assim, a distinção entre inadmissibilidade e nulidade da prova reside no momento de sua declaração, ou seja, a admissibilidade da prova consiste na valoração prévia feita pelo legislador e pelo juiz, a fim de evitar que a prova inadmissível seja juntada aos autos; já a nulidade da prova é uma consideração posterior à sua colheita.

Reconhecida a ilicitude da prova, todas as outras que dela derivarem seguirão o mesmo caminho. Trata-se da adoção da “Teoria dos Frutos da Árvore Envenenada” (Fruits of the Poisonous Tree), elaborada pela Suprema Corte dos Estados Unidos da América. Porém, atualmente, as provas derivadas das ilícitas poderão ser admitidas, desde que não evidenciado nexo causal com as originárias ou quando delas forem independentes (art. 157, §1°, do CPP).

Reconhecida a ilicitude da prova, esta deverá ser desentranhada do processo e, uma vez preclusa a decisão de desentranhamento, será inutilizada em incidente que poderá ser acompanhado pelas partes (art. 157, §3°, do CPP).

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4. Sigilo das Comunicações. Interceptações Telefônicas. Gravação Ambiental e Clandestina

Com a Constituição de 1988, o sigilo da correspondência toma contornos de garantia absoluta, segundo Marcellus Polastri Lima – ver art. 5°, inciso XII, da CRFB.

Quanto às cartas, deve-se analisar se ainda estava sendo encaminhada ao destinatário ou se já estava em seu poder, já tendo o mesmo aberto a correspondência, pois a partir deste momento a carta deixa de ser considerada correspondência e passa a ser tratada como mero documento, sendo passível de apreensão mediante autorização judicial.

Com relação à interceptação telefônica, a questão foi tratada pela Lei 9.296, de 24.07.1996, sendo admitida tal forma de prova desde que haja:

1. Autorização judicial, por solicitação do MP ou de outra autoridade;

2. Demonstração da existência de indícios razoáveis de autoria na participação do fato investigado ou a ser investigado;

3. Investigação, em tese, de crime apenado com reclusão.

CASO CONCRETO 1

Não sendo respeitados tais requisitos, a interceptação será considerada prova ilícita e não poderá ser utilizada no processo.

A competência para determinar a medida será, logicamente, do juiz que preside o processo ou, se determinada ainda na fase investigatória, será do magistrado com competência para presidir o futuro processo que, inclusive, se tornará prevento pelo deferimento do pedido de interceptação (art. 75, do CPP). Lembramos que, como a interceptação telefônica somente é admissível para investigação criminal ou instrução processual penal, somente juízes com competência criminal poderão autorizar a medida.

Marcellus Polastri Lima entende que a referência à interceptação de comunicações de qualquer natureza, contida na Lei 9.296/96, quer significar que a forma de comunicação telefônica pode ser de mais de um tipo, além daquela via aparelho telefônico usual.

É necessário diferenciar as várias formas de captação eletrônica da prova:

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Se houver interceptação de conversa telefônica por terceiro, sem o consentimento dos interlocutores, temos a interceptação telefônica, também conhecida como grampeamento. Tal procedimento é expressamente vedado por lei, quando realizado sem autorização judicial.

Por outro lado, pode haver interceptação de conversa telefônica por um terceiro, com o conhecimento de um ou de todos os interlocutores, o que se pode denominar escuta telefônica. A escuta não é vedada pela Lei 9.296/96.

Havendo captação oculta ou sub-reptícia da conversa entre presentes, por terceiro, dentro do local onde se realiza a conversa, temos o que se denomina de interceptação ambiental. Também não há vedação para tal procedimento na Lei 9.296/96.

É possível, ainda, que um terceiro capte conversa entre duas ou mais pessoas, com o conhecimento de um ou de todos os interlocutores, situação que se caracteriza como escuta ambiental e que não depende de autorização judicial.

Por fim, temos a situação em que um dos interlocutores, sem o consentimento dos demais, grava conversa telefônica ou em determinado ambiente, situação que se caracteriza como gravação clandestina. Segundo a doutrina e a jurisprudência majoritárias, trata-se de prova lícita.

Não se pode olvidar a possibilidade de se buscar a comprovação de fatos penalmente ilícitos por meio da gravação de imagens sem o consentimento das pessoas que estão sendo filmadas, situação que não é regulada em lei e, portanto, pode ser aceita em termos de prova.

Porém, em qualquer caso será necessário levar em conta o direito à intimidade, à vida privada, à honra e à imagem das pessoas, conforme prevê o art. 5°, inciso X, da CRFB.

Guilherme de Souza Nucci se posiciona no sentido de que, mesmo naqueles casos em que a produção da prova não depende de autorização judicial (escuta telefônica ou ambiental; interceptação ambiental; gravação clandestina; gravação de imagens), se ocorre em local privativo (interior de uma residência, por exemplo), será prova ilícita. O mesmo se dá quando a conversa contiver troca de informações sigilosas, situação que não permitirá sua divulgação, salvo

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se todos os interlocutores tinham conhecimento da captação da conversa.

Há atualmente uma maior possibilidade de obtenção de provas por meio de interceptação ou captação ambiental, desde que a investigação esteja direcionada a apurar fatos delituosos praticados por quadrilha ou bando, organização ou associação criminosa, conforme se depreende da leitura do art. 2°, inciso IV, da Lei 9.034/95, modificada pela Lei 10.217/2001. Entretanto, continua sendo imprescindível a autorização judicial.

4.1 Encontro fortuito

Trata-se da situação na qual, através da interceptação telefônica autorizada judicialmente para a investigação de determinado fato delituoso, é descoberto outro crime, diverso daquele que está sendo investigado.

Se interpretarmos de maneira rigorosa a lei, chegaremos à conclusão de que tal situação é inadmissível, porém, a doutrina tem procurado equilibrar a questão, encontrando solução razoável para o problema.

Assim, será possível utilizar a interceptação como prova em relação ao crime diverso do que está sendo investigado, desde que exista nexo de causalidade entre ambos – exemplo: em interceptação para a investigação de crime de tráfico de drogas, descobre-se um homicídio praticado pelo líder da organização criminosa para ocultar a prática do tráfico.

Há, ainda, quem entenda que mesmo não havendo nexo de causalidade entre o crime investigado e o que foi descoberto fortuitamente, será possível a utilização da prova em relação ao último aplicando-se o princípio da proporcionalidade.

5. Prazo para a Realização de Interceptação Telefônica

Embora o art. 5°, da Lei 9.296/96 estabeleça o prazo máximo de 15 dias, prorrogável por igual período se for indispensável, parte respeitável da doutrina entende não ser razoável impor tal limite.

Constituindo-se como meio de prova lícito, seria mais lógico não haver limitação de dias sob pena de se frustrar a busca da verdade, além de se frear a atividade persecutória lícita.

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O STF já se posicionou no sentido de serem possíveis sucessivas prorrogações, especialmente quando se tratar de fato complexo, que exija investigação diferenciada e contínua.

De qualquer forma, será sempre necessário observar o PRINCÍPIO DA RAZOABILIDADE e, da mesma forma que pode não parecer razoável estabelecer prazo de 15 dias prorrogáveis por outros 15, também não terá sentido impor interceptação por vários meses como ocorre em muitos casos.

CASO CONCRETO 2

EXERCÍCIO OBJETIVO 1

6. Direito à Valoração da Prova. Valoração das Provas Inadmissíveis e de Provas Incorporadas com Violação do Contraditório

Como se sabe, no Brasil adota-se o SISTEMA DO LIVRE CONVENCIMENTO MOTIVADO ou DA PERSUASÃO RACIONAL que permite a livre apreciação da prova, mas impõe que sua avaliação seja feita com base em regras previamente definidas, obrigando o juiz a fundamentar e motivar sua decisão ao optar por esta ou por aquela prova.Dessa forma, o juiz, apesar de estar livre na apreciação das provas, somente pode utilizar aquelas que sejam encontradas no processo e desde que admitidas pela lei e sujeitas a um prévio juízo de credibilidade, não sendo aceitas as ilegais (ilícitas ou ilegítimas). Assim expressa o art. 155, do CPP.

Diante do acima exposto, as provas inadmissíveis pelo Direito (regras legais e morais) e aquelas incorporadas com violação do contraditório não poderão ser valoradas pelo juiz no momento em que vier a proferir a sentença, pois, se assim o fizer, esta ficará contaminada pela nulidade. Lembremos do princípio da audiência contraditória.

Não se pode olvidar, entretanto, que, em alguns casos, a prova inadmissível pode ser valorada levando-se em conta, como já mencionado, o princípio da proporcionalidade. Isso ocorre quando houver benefício para a defesa, não obstante alguns autores entendam que, mesmo a acusação poderá fazer uso de provas ilícitas, dependendo dos bens jurídicos em confronto (corrente minoritária).

Além disso, existem algumas provas que são produzidas com contraditório diferido, isto é, a parte contrária terá oportunidade de se

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manifestar em momento posterior ao de sua produção. É o que ocorre, por exemplo, na interceptação telefônica judicialmente autorizada.

O que não pode acontecer em nenhuma hipótese é que não se dê à parte contrária a oportunidade de se manifestar sobre a prova produzida e trazida aos autos.

Em suma, não existe um direito irrestrito e absoluto à prova, pois existem obstáculos legais a determinados tipos de prova. Assim, as provas ilícitas e aquelas produzidas sem o respeito ao contraditório não poderão ser aceitas pelo juiz (ver artigos 155 e 157, do CPP).

7. Verdade Real e Imparcialidade do Juiz

Primeiramente é necessário distinguir a verdade real da verdade formal:

Verdade Formal – é aquela que emerge no processo conforme os argumentos e as provas trazidas pelas partes. Contenta-se o juiz com a realidade espelhada pelas provas apresentadas sem que seja obrigado a buscar a verdade (aquilo que realmente ocorreu no plano fático).

Verdade Real – deve prevalecer no processo penal onde o juiz deve buscar se aproximar o máximo possível daquilo que realmente aconteceu de fato. Assim, o magistrado não deve se contentar exclusivamente com as provas trazidas pelas partes, principalmente se detectar outras fontes possíveis de buscá-las. Por exemplo: o réu, em seu interrogatório, afirma que estava viajando para outro País no dia do crime, mas a defesa, por desídia, não apresentou provas de tal situação. Não deve o juiz ficar inerte devendo requisitar informações para confirmar tal fato.

A adoção da verdade real no processo penal tem por fim fomentar no juiz um sentimento de busca, contrário à passividade, pois estará em jogo um dos mais importantes direitos individuais, qual seja, a liberdade de locomoção, além de outros.

Porém, a adoção do princípio da verdade real não significa que haja sempre a plena correspondência entre os fatos e o que é apurado no processo, pois o sistema probatório tem um valor relativo.

Além disso, a busca da verdade real também encontra limites e não permite a busca ilimitada de provas. Há vedações como a proibição de provas ilícitas.

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Imparcialidade do Juiz – não obstante buscar a verdade real, o juiz não deve perder sua imparcialidade. Assim, permite-se que aja de ofício, sendo uma decorrência natural do impulso oficial que rege o processo.

Deve o magistrado determinar a produção das provas que entender pertinentes e razoáveis a fim de apurar o fato criminoso, privilegiando assim o princípio da verdade real.

Entretanto, não deve ter a preocupação de beneficiar a acusação ou a defesa e, dessa forma, somente deve se preocupar em determinar a produção de provas de forma supletiva, isto é, apenas para suprir a inércia das partes. Caso determine a produção de provas de forma indiscriminada, o juiz estará ferindo o sistema acusatório e o princípio da inércia.

PROCESSO PENALIIAULA 7

MEIOS DE PROVA

1. INTERROGATÓRIO

O Interrogatório “é um ato processual que confere oportunidade ao acusado de se dirigir diretamente ao juiz, apresentando sua versão defensiva dos fatos que lhe foram imputados pela acusação, podendo inclusive indicar meios de prova, bem como confessar, se entender cabível, ou mesmo permanecer em silêncio, fornecendo apenas dados de qualificação” (Guilherme de Souza Nucci).

1.1 Natureza Jurídica

Quanto à natureza jurídica do interrogatório há quatro posições:

a. Meio de Prova – (Adalberto José Q. T. Camargo Aranha)b. Meio de Defesa – (Galdino Siqueira, Pimenta Bueno, Manzini,

Clariá Olmedo, João Mendes Júnior, Ada Pellegrini Grinover, Tourinho Filho, Adriano Marrey, Alberto Silva Franco, Rui Stoco, Bento de Faria, Antônio Magalhães Gomes Filho, Jorge Alberto Romeiro, dentre outros).

c. Meio de Prova e de Defesa – (Vicente Azevedo, Frederico Marques, Hélio Tornaghi, Paulo Heber de Morais, João Batista Lopes, Fernando de Almeida Pedroso, Mirabete, Greco Filho, Marco Antonio Marques da Silva, Carnelutti e outros).

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d. Meio de Defesa primordialmente e, subsidiariamente, meio de prova – (Hernando Londoño Jiménez, Ottorino Vannini e Guilherme de Souza Nucci).

Melhor é entender o interrogatório como meio de defesa e, subsidiariamente, meio de prova, pois a Constituição e o CPP permitem ao acusado permanecer em silêncio e, se ocorrer tal situação não se poderá falar em meio de prova, mas, por outro lado, optando por responder às perguntas relativas ao fato, estará o acusado produzindo prova.

1.2 Princípio da Ampla Defesa

Consoante se estabelece pelos artigos 400 e 531, do CPP, o interrogatório é, via de regra, o último ato instrutório a ser realizado no processo, situação que só será diferente no caso de haver alguma diligência a ser realizada após a instrução.Não se pode negar que, por força do art. 196, do CPP, o juiz poderá interrogar novamente o acusado em qualquer fase do processo, mas, diante da sumariedade que passa a reger o procedimento, tal situação não ocorrerá com tanta freqüência.

Assim, sabendo que o acusado somente será interrogado após ouvir o depoimento da vítima, as testemunhas e já tendo ciência das alegações iniciais da acusação e de seu defensor, poderá formular a melhor tese a ser colocada em seu interrogatório, ou poderá, simplesmente, decidir pelo silêncio.

Além disso, prevê o art. 185, do CPP, o direito de entrevista reservada do acusado com seu defensor antes do início do interrogatório.

Tais regras vêm privilegiar o princípio da ampla defesa.

1.3 Princípio de que Ninguém é Obrigado a Produzir Prova Contra Si Mesmo (nemo tenetur se detergere) e Dignidade da Pessoa Humana

Trata-se de princípio que assegura a todos o direito de não produzir provas contra si e vem previsto expressamente no Decreto 678/92, art. 8°, 2, alínea “g” (“Pacto de São José da Costa Rica”).

No que diz respeito ao interrogatório, a regra também vem expressa no art. 5°, LXIII, da Constituição de 1988.

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Atualmente, o art. 186, do CPP especifica que, após a qualificação e ciência do acusado acerca da acusação que pesa contra ele, o juiz deverá informá-lo de seu direito de permanecer calado e de não responder perguntas que lhe forem formulados. Há que se observar ainda que o silêncio não poderá ser interpretado em prejuízo da defesa e, justamente por isso, a parte final do art. 198, do CPP, está revogada.

O direito ao silêncio expresso no art. 186, do CPP, permite ao acusado ficar calado, responder apenas a algumas perguntas, negar a prática do crime etc, inclusive, mentir, formular versões inverídicas acerca dos fatos a fim de buscar benefícios, mas não poderá acusar falsamente a outrem ou atribuir-se autoria de crime que não cometeu, pois, nesse caso estará incidindo na tipicidade do art. 341, do CP.

Assim, além de respeitar o direito do acusado de não produzir prova contra si, ainda se privilegia o princípio da dignidade da pessoa humana.

CASO CONCRETO 1

EXERCÍCIO OBJETIVO 1

1.3 Confissão

Ao ser interrogado, o réu poderá confessar o crime, o que poderá ser feito até fora do interrogatório.

Atualmente, embora seja considerado meio de prova, não tem força de prova absoluta como ocorria antigamente, quando era conhecida como a “rainha das provas”, pois, conforme expressa o art. 197, do CPP, o valor da confissão deve ser aferido em consonância com as demais provas constantes do processo, verificando-se a conexão existente entre elas com base no sistema do livre convencimento motivado.

A confissão, no processo penal, não pode ser ficta ou presumida como ocorre no processo civil e, assim, deverá ser sempre um ato formal. Além disso, deve ser voluntária, já que não se admite meios de coação ao acusado. Quem confessa deve estar gozando de plena saúde mental.

Segundo Marcellus Polastri Lima, a confissão só existe na fase processual, pois o art. 190, do CPP, utiliza a expressão réu. Além disso, a origem da confissão é o interrogatório.

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Isso não impede que a confissão ocorra fora do interrogatório, conforme estabelece o art. 199, do CPP.

O interrogatório tem natureza jurídica de meio de prova, embora Vicente Greco Filho entenda que a confissão é a própria prova e não simplesmente um meio de prova.

O objeto da confissão são os fatos a serem apurados no processo.

As espécies de confissão são:

Quanto ao local – pode ser judicial ou extrajudicial. Para Guilherme de Souza Nucci pode ser, ainda, judicial própria (quando se dá perante autoridade judicial competente para julgar o caso) ou judicial imprópria (aquela que ocorre perante autoridade judicial que não seja competente para o deslinde do processo criminal). Será extrajudicial quando se der perante autoridades policiais, parlamentares ou administrativas.

Quanto aos efeitos – a confissão pode ser simples ou qualificada. A primeira ocorre quando o confitente admite a prática do crime sem qualquer outra alegação que possa beneficiá-lo. A segunda liga-se à admissão da culpa, quanto ao fato principal, levantando o réu outras circunstâncias que podem excluir sua responsabilidade ou atenuar a pena.

De acordo com o art. 200, do CPP, a confissão é divisível e retratável. Entretanto, deve o magistrado analisar a retratação com certo cuidado, pois, uma confissão somente poderá ser desfeita se for viciada.

1.4 Chamada de Co-réu

A chamada de co-réu ocorre quando o acusado, durante o seu interrogatório, confessa a prática do fato delituoso, mas imputa a outrem a co-autoria ou participação no mesmo fato.

Quando o acusado nega a autoria e a imputa a outrem, o que temos é verdadeiro testemunho.

Para Tourinho Filho trata-se de prova inválida, pois não se terá respeitado o contraditório e a ampla defesa. Porém, caso seja ratificada por outras provas colhidas sob o crivo do contraditório, pode ser elemento válido para embasar o convencimento judicial.

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Tudo deve ser avaliado de forma razoável e, por exemplo, se o acusado confessar o delito e delatar um co-autor de que não se tem notícia nos autos, a delação terá um valor menor do que teria se fosse proferida em relação a outro agente que já figura nos autos.

Para avaliar a credibilidade da chamada de co-réu, devem ser levados em conta certos fatores, tais como a personalidade de quem confessa, a forma da confissão, seu conteúdo etc., a fim de se ter melhor dimensão dos motivos que levam a tal imputação.

Certo é que, apesar de não ser disciplinada legalmente, a chamada de co-réu é de grande valor probatório, desde que corroborada por outros elementos probatórios.

CASO CONCRETO 2

1.5 Interrogatório Sub-reptício

“Interrogatório sub-reptício é aquele conseguido por meio ilícito, fraudulento.”

Trata-se de situação na qual o acusado (ou em alguns casos, meramente suspeito), responde perguntas feitas durante persecução penal sem que seja advertido de seu direito de permanecer calado, de não responder às perguntas que possam incriminá-lo, bem como, quando não está acompanhado de seu defensor.

Tal forma de interrogatório viola frontalmente os dispositivos previstos nos artigos 6°, inciso V; 185; e, 186, todos do CPP, além de ir de encontro à garantia constitucional do devido processo legal, que engloba, dentre outros, o direito de permanecer calado e não produzir prova contra si mesmo.

O STF já se posicionou no sentido de que o fato de o acusado ou indiciado não ser advertido sobre a possibilidade de permanecer em silêncio importa em nulidade dos atos aos quais venha a ser submetido.

Entretanto, se o interrogatório sub-reptício ocorrer na fase de inquérito policial, isso não invalidará a ação penal, desde que peça inicial da acusação seja oferecida com base em outras provas e que, durante o processo, o acusado seja advertido de seu direito ao silêncio.

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Fonte: http://www.lfg.com.br/public_html/article.php?story=20080711120302584 – data da consulta 02.01.2010.

1.6 Momento do Interrogatório – Participação das Partes e do Juiz

Conforme já mencionado acima, as alterações promovidas no procedimento comum no ano de 2008 estabeleceram que o interrogatório deve ser o último ato de instrução da AIJ (artigos 400, 474 e 531, todos do CPP).

O art. 187, do CPP prevê o procedimento do interrogatório, que deve ser dividido em duas partes, quais sejam: interrogatório de individualização e interrogatório de mérito.

No interrogatório de individualização promove-se a qualificação do acusado com a finalidade de obter seus dados de identificação (nome, naturalidade, estado civil, idade, filiação, residência, profissão ou meio de vida, lugar que a exerce, se sabe ler e escrever). Quanto à qualificação não cabe o direito ao silêncio e nem se possibilita falsear a verdade. Além da qualificação, também se buscará dados sobre a individualização da pessoa que está em julgamento, tais como a personalidade, os antecedentes e a sua conduta social. Nesta etapa é garantido o direito ao silêncio – art. 187, §1°, do CPP.

A última etapa diz respeito à imputação propriamente dita. Nesta fase também deve ser respeitado o direito ao silêncio – art. 187, §2°, do CPP.

O interrogatório é promovido pelo juiz e, ao final, este indagará das partes se ainda existe algum fato a ser esclarecido, formulando ele mesmo (juiz) as perguntas correspondentes se entender que sejam relevantes e pertinentes – art. 188, do CPP. Portanto, diferentemente do que ocorre na oitiva das testemunhas (art. 212, do CPP), quanto ao interrogatório do acusado ainda vigora o sistema presidencialista de inquirição.

1.7 Interrogatório por Videoconferência

A Lei 11.900, de 8 de janeiro de 2009, introduziu a possibilidade de realização do interrogatório por videoconferência, conforme art. 185, §2°, do CPP.

O STF vinha rechaçando tal possibilidade pois, embora reconhecesse as enormes dificuldades na movimentação de presos, o interrogatório por videoconferência impossibilitava ao réu o exercício do direito de audiência e de presença (direito à audiência, entrevista pessoal com o juiz etc.), o que

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acarretaria violação ao princípio do devido processo legal, sem contar a violação ao princípio da publicidade dos atos processuais.

Muitos autores continuam contrários ao interrogatório por videoconferência pelas razões expostas no parágrafo anterior. Paulo Rangel chega a afirmar que “na medida em que o acusado é interrogado por teleconferência, longe do ambiente físico do tribunal, consequência da garantia constitucional, efetiva, do juiz natural, violam-se os direitos de ampla defesa, da dignidade da pessoa humana, da igualdade de todos perante a lei e da colheita de prova de forma lícita”.

O mesmo autor arremata seu pensamento afirmando “que o interrogatório por teleconferência é manifestamente inconstitucional por vedar ao acusado o direito ao juiz natural em toda sua plenitude (direito de defesa pessoal com o juiz, ambiente sadio, princípio da isonomia), por afrontar a ampla defesa e o contraditório e impedir a publicidade dos atos processuais, na medida em que é vedado ao acusado o ambiente da audiência, em verdadeiro discurso do direito penal do autor”.

Já Marcellus Polastri Lima, em posicionamento contrário, entende não haver inconstitucionalidade, afirmando que o interrogatório por videoconferência vai privilegiar o princípio da eficiência (art. 37, da CF), da reserva de jurisdição (art. 5°, XXXV, CF) e da razoável duração do processo (art. 5°, LXXVIII, CF).

Seja como for, somente será permitida a realização de interrogatório por videoconferência nos casos expressamente previstos no art. 185, §2°, do CPP e sempre em caráter excepcional. Ou seja, nenhuma garantia, “por mais constitucional que seja”, terá caráter absoluto e o melhor é que se possa atingir um meio termo, respeitando-se os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade na adoção da medida.

EXERCÍCIO OBJETIVO 2

PROCESSO PENALIIAULA 8

MEIOS E FONTES DE PROVA

1. PROVA PERICIAL

1.1 Exame de Corpo de Delito

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1.1.1 Conceito de Corpo de Delito – é a verificação da prova da existência do crime, feita por peritos, diretamente ou por intermédio de outras evidências, quando os vestígios, ainda que materiais, desapareceram.

O exame de corpo de delito é indispensável nos crimes que deixam vestígios, também chamados de crimes não transeuntes – exemplo: um homicídio, um furto mediante arrombamento, um estupro etc.

1.1.2 Diferença entre Corpo de Delito e Instrumento do Crime – o corpo de delito constitui, no conjunto, a soma de todos os vestígios e sinais deixados por um delito não transeunte. É o conjunto de elementos sensíveis do fato criminoso, toda a substância formada de elementos sensíveis, isto é, aqueles que podem afetar os sentidos, que podem ser percebidos pela visão, audição, tato, paladar ou olfato. Por outro lado, os instrumentos do crime são os instrumentos usados como causa eficiente para a realização do delito, os objetos materiais dos quais o agente se serviu para delinqüir e nos quais se procurará verificar a natureza, a eficiência, a potencialidade danosa etc.

Dessa forma, o exame no cadáver perfurado por projéteis de arma de fogo é um exame de corpo de delito, pois visa verificar qual foi a causa da morte, mas, o exame feito na arma apreendida com o suspeito é exame em instrumento do crime, pois visa saber se o projétil causador da morte foi disparado por ela, se havia potencial lesivo etc.

1.2 Exame de Corpo de Delito e Prova Tarifada (Sistema Vinculatório ou Liberatório)

Quanto ao juiz, as legislações penais relativas à perícia estabelecem dois sistemas: o vinculatório e o liberatório.

Pelo sistema vinculatório, o julgador está vinculado à perícia, subordinando o juiz à opinião do perito, o que dá a este um relevo bastante acentuado.

No sistema liberatório atribui-se ao juiz uma liberdade, maior ou menor conforme o caso, de modo a ser subordinada a opinião do perito.

O sistema liberatório deve ser analisado sob um tríplice aspecto: Quanto à conveniência, ao procedimento e à avaliação da prova pericial.

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No que diz respeito à conveniência, o legislador brasileiro adotou um sistema de relativa liberdade ao juiz, pois esta só está obrigado a determinar a prova pericial quando o crime deixar vestígios (art. 158, do CPP), quando houver dúvida sobre a imputabilidade do acusado (art. 149, do CPP) e quando for admissível e tempestivamente requerida, pois trata-se de um direito das partes.

Em relação ao procedimento, há uma liberdade maior, somente havendo restrições no caso do exame de insanidade mental, quando será necessária a presença de curador e a sustação do processo (arts. 151 e 152, do CPP).

Por fim, quanto à avaliação, o julgador pode aceitar ou não o resultado do exame, pois está acima do perito, sendo tal possibilidade expressamente prevista no art. 182, do CPP.

Não obstante a adoção do sistema liberatório fica evidente pela redação do art. 158, do CPP, uma reminiscência do sistema da prova legal ou tarifária, posto que, se o crime deixar vestígios, a perícia passa a ser obrigatória não podendo ser suprida nem pela confissão do acusado.

Tamanha é a importância da prova pericial que a sua ausência nos crimes que deixam vestígios é causa de nulidade absoluta, conforme determina o art. 564, III, b , do CPP .

Tais regras, segundo muitos autores, atentam contra o sistema do livre convencimento motivado e, de acordo com a previsão legal e constitucional de que devem ser aceitas no processo todas as provas que não sejam proibidas por lei, já decidiu o STJ que a parte final do art. 158, do CPP, teria sido derrogada, ou seja, mesmo que a perícia não seja realizada nos crimes não transeuntes, a confissão do acusado pode embasar decreto condenatório, desde que respeitadas as regras previstas nos arts. 197 a 200, do CPP.

1.3 Exame de Corpo de Delito Direto e Indireto

O exame direto é aquele feito sobre o próprio corpo de delito – a chave usada, o cadáver, a porta violada etc.O exame indireto é realizado por meio de um raciocínio dedutivo sobre um fato retratado por testemunhos, por não se ter a possibilidade do uso da forma direta.

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Assim, ao examinar o corpo lesionado, o perito estará fazendo um exame direto; ao ler um relatório, fichas hospitalares, ouvir médicos e enfermeiros que atenderam a vítima, elaborará um exame indireto.

Marcellus Polastri Lima, assim como a maioria da doutrina e da jurisprudência, entende que o exame de corpo de delito indireto pode ser feito através de quaisquer meios, inclusive através de prova testemunhal como permite o art. 167, do CPP. O referido autor diz, inclusive, que o exame indireto pode ser realizado mesmo pelo juiz ao inquirir a testemunha e, com base nas respostas obtidas, formar seu convencimento por meio do sistema do livre convencimento motivado, ou seja, não é necessário que o exame indireto seja realizado por perito oficial.

Por outro lado, a prova pericial não poderá ser suprida quando os vestígios desaparecerem por inércia dos organismos estatais responsáveis pela persecução penal. Dessa forma, existindo meios para se realizar a perícia, mas não sendo a mesma promovida por culpa ou causas imputáveis ao Estado, não se pode impor ao acusado o suprimento da prova por meio de testemunhas.

Assim, o art. 167, do CPP deve ser interpretado restritivamente, só se admitindo a perícia indireta supletiva quando o desaparecimento dos vestígios ocorrer por causas naturais ou por ato do próprio acusado, procurando ocultar provas de seu delito.

Por fim, há delitos nos quais a prova pericial não pode ser suprida por nenhuma outra. Um exemplo é o porte de substância entorpecente, quando, não havendo a apreensão da droga ficará bastante difícil sustentar a acusação apenas com base em prova testemunhal.

EXERCÍCIO OBJETIVO 1

1.4 Prova Testemunhal Supletiva e Confissão do Acusado

De acordo com Guilherme de Souza Nucci, comentando o art. 167, do CPP, “inexistindo possibilidade dos peritos terem acesso, ainda que indireto ao objeto a ser analisado, pode-se suprir o exame de corpo de delito por testemunhas” (grifo do autor).

Alerta o autor, entretanto, que se era possível a realização do exame de corpo de delito e esta não ocorreu de acordo com as normas pertinentes, a

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prova testemunhal não suprirá sua falta, pois o art. 167, do CPP, tem caráter supletivo.

Com relação à confissão do acusado, deve ser analisada com cautela. Conforme visto acima, em razão do sistema do livre convencimento motivado, não subsistiria mais a parte final do art. 158, do CPP, que veda o suprimento da perícia pela confissão do acusado.

Entretanto, é necessário utilizar o princípio da razoabilidade. Guilherme de Souza Nucci entende que a única forma de suprir a prova pericial é por meio de testemunhas, conforme expressa o art. 167, do CPP, não havendo previsão para o suprimento através da confissão do acusado.

O mesmo autor, porém, afirma que “a confissão isolada na presta para comprovar a existência de vestígios materiais” o que significa que, a contratio sensu, se corroborada por prova testemunhal, pode embasar sentença condenatória.

Como visto, trata-se de um tema extremamente controvertido, exigindo-se do julgador um cuidado extremo a fim de evitar injustiças. Negar valor à confissão seria contrariar o princípio da liberdade da prova, mas, por outro lado, aceita-la como única prova para formar convencimento é extremamente perigoso, tendo em vista a forma como muitas confissões são obtidas.

CASO CONCRETO 2

1.5 Exame Complementar

Vem previsto no art. 168, do CPP, justamente pelo fato de muitas provas periciais serem elaboradas na fase extrajudicial, quando ainda não há contraditório, nem ampla defesa.

A autoridade policial e o juiz podem determinar de ofício a realização do exame complementar, e as partes podem requerer sua realização a fim de buscar maiores esclarecimentos por conta de alguma deficiência encontrada.

Por tais razões, nos casos de lesão corporal, pode ser necessária a realização de um exame complementar para melhor apurar a modalidade de lesão, mormente nos casos do art. 129, §1°, inciso I, do CP, quando deverá ficar comprovada a incapacidade para as ocupações habituais por mais de 30 dias.

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CASO CONCRETO 1

1.6 Perito e Natureza Jurídica

O perito é um auxiliar da justiça, devidamente compromissado, estranho às partes, portador de um conhecimento técnico altamente especializado e sem impedimentos ou incompatibilidades para atuar no processo.

É auxiliar da justiça, pois se trata de pessoa física que presta serviços à justiça, sem funções judicantes. Exige-se dele que preste compromisso e que seja eqüidistante das partes. Além disso, deve ter conhecimento técnico especializado acerca do objeto da perícia.

Do acima exposto podemos extrair o entendimento de que o perito tem natureza jurídica de auxiliar da justiça.

1.7 Peritos Oficiais e Peritos Particulares

O perito será considerado oficial quando investido na função por lei e não simplesmente por nomeação do juiz. No processo penal a perícia é realizada, normalmente, por peritos pertencentes aos quadros do Estado.

Anteriormente exigia-se a realização da perícia por dois peritos oficiais, mas, com a mudança operada pela Lei 11.690/08, permite-se a perícia realizada por um único perito. Tal inovação visou simplificar, tornar mais ágeis as perícias.

Onde não houver perito oficial continuam valendo as seguintes regras:

a) O exame será realizado por duas pessoas idôneas, portadoras de diploma de curso superior preferencialmente na área específica relativa ao exame;

b) Os peritos não oficiais prestarão compromisso de bem e fielmente desempenhar o encargo.

A reforma passa a admitir, ainda, a formulação de quesitos e a indicação de assistentes técnicos pelo Ministério Público, pelo assistente de acusação, pelo ofendido, pelo querelante e pelo acusado.

A atuação dos assistentes técnicos se dará após a conclusão do trabalho do perito oficial. Assim, admitidos pelo juiz os assistentes técnicos devem aguardar o término do exame feito pelo perito oficial para, então, poderem atuar.

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Durante o processo as parte poderão requerer a oitiva dos peritos, desde que sejam estes intimados e recebam os quesitos com antecedência mínima de dez dias da audiência. Além disso, poderão também, a qualquer tempo, indicar assistentes técnicos.

Em se tratando de perícia complexa, abrangendo mais de uma área de conhecimento especializado, poder-se-á designar mais de um perito oficial e a parte indicar mais de um assistente.

Tudo isso vem previsto no art. 159 e §§, do CPP.

1.7 Exame por Precatória

Conforme prevê o art. 177, do CPP, todo o exame pericial, cujo objeto ou material a ser analisado se encontre em Comarca diversa daquela onde se situa a autoridade policial ou o juiz pode ser realizado por meio de carta precatória.

Como regra, a nomeação do perito é feita pela autoridade deprecada (autoridade policial ou judicial), o que evita o deslocamento do perito para outra localidade. Entretanto, a norma processual penal abre uma exceção no caso de ação penal privada, situação na qual a nomeação do perito pode ser feita pelo juiz deprecante.

Guilherme de Souza Nucci entende que, embora o art. 177, do CPP, faça referência apenas à autoridade judiciária, é possível fazer interpretação extensiva a fim de que possa também ser aplicado a autoridades policiais.

1.8 Exame Grafotécnico

Trata-se do chamado reconhecimento de escritos, previsto no art. 174, do CPP, que busca certificar, admitindo como certo, por comparação, que a letra inserida em determinado escrito pertence à pessoa investigada.

O procedimento previsto no dispositivo acima mencionado pode ser utilizado também para perícias de escritos envolvendo datilografia ou impressão por computador.

Art. 174, incisos I e IV, do CPP – prevê a intimação da pessoa interessada a fim de que possa reconhecer documentos provenientes de seu punho, que servirão como padrão para a comparação, ou para que forneça diretamente à autoridade o material emanado de seu punho, conforme lhe for ditado.

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Não se pode olvidar que, segundo nosso sistema constitucional, ninguém é obrigado a produzir prova contra si mesmo e, portanto, o suspeito não será obrigado a fornecer material para comparação e isso não caracterizará crime de desobediência e nem poderá ser interpretado em seu desfavor.

Art. 174, incisos II e III, do CPP – justamente para contornar a falta de colaboração do interessado, prevê a lei processual penal que a autoridade policial se valha de outros documentos emanados do punho do investigado, cuja autenticidade já tenha sido evidenciada em juízo ou por qualquer outro meio de prova em direito admitido. Poderá, ainda, haver requisição de documentos constantes de arquivos ou estabelecimentos público ou privados para proceder à comparação.

PROCESSO PENALIIAULA 9

MEIOS E FONTES DE PROVA

1. Declarações do Ofendido

O ofendido não é parte na ação penal, salvo naquelas de iniciativa privada, quando ocorre uma substituição processual.

Também não será considerado testemunha, pois não se trata de um terceiro desinteressado, mas de pessoa diretamente interessada na solução da demanda.

Deverá ser ouvido como informante, pois, como dito, não é testemunha (tem interesse no deslinde da causa). Dessa forma, o fato de não ser ouvido não gera nulidade, já que o valor de suas declarações é relativo. Não obstante, em certos crimes, a versão do ofendido tem um grande valor, como nos delitos em que a clandestinidade é um fator essencial – exemplo: os crimes sexuais.

Apesar do acima exposto, a redação do art. 201, do CPP, ao mencionar que “sempre que possível, o ofendido será qualificado e perguntado sobre as circunstâncias da infração [...]” deixa claro que a oitiva da vítima somente poderá ser dispensada em caso de impossibilidade.

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A oitiva do ofendido não depende de requerimento das partes e, por não ser testemunha, não será contado entre o número legal e não prestará compromisso de dizer a verdade.

Com a reforma do processo penal ocorrida no ano de 2008, o ofendido deve ser intimado sobre determinados atos do processo, especialmente os que dizem respeito ao acusado, a fim de que tenha maior possibilidade de acompanhamento do processo, bem como, para dar-lhe maior proteção.

CASO CONCRETO 1

2. Reconhecimento de Pessoas e de Coisas

Trata-se do meio de prova pelo qual alguém é chamado para verificar e confirmar a identidade de uma pessoa ou coisa, que lhe é mostrada com outras.

Marcellus Polastri Lima entende que o art. 226, do CPP estabelece um formalismo excessivo para o procedimento de reconhecimento e afirma que, em se tratando de reconhecimento em fase de inquérito policial, a ausência de qualquer formalidade dentre as estabelecidas no referido dispositivo gerará a nulidade do ato, ao contrário do que ocorre em juízo, pois, na fase judicial existirá o contraditório, que não existe na fase pré-processual. Este é o entendimento que vem prevalecendo na jurisprudência.

2.1 Reconhecimento Fotográfico e de Voz

O CPP somente trata do reconhecimento de pessoa in natura, ou ao vivo, não se referindo ao reconhecimento fotográfico. Porém, sabemos que o nosso sistema processual penal é o das provas inominadas, ou seja, podem ser consideradas provas todas as que sejam admitidas pelo Direito, independentemente de terem previsão expressa em lei. Assim, nada impede o reconhecimento fotográfico, desde que se adotem as cautelas exigidas pelo art. 226, do CPP.

O mesmo pode ser dito do reconhecimento de voz.

3. Acareação

É o ato de se colocar duas ou mais pessoas em presença umas das outras (ficar cara a cara), para que expliquem as divergências de pontos conflitantes de seus anteriores depoimentos ou declarações.

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De acordo com o que prescreve o art. 229, do CPP, a acareação somente deve ocorrer quando houver divergência dobre FATOS OU CIRCUNSTÂNCIAS RELEVANTES. Tal se exige para que não haja perda de tempo.

Em razão da garantia do nemo tenetur se detegere, o indiciado ou acusado não é obrigado a se submeter à acareação.

As pessoas a serem acareadas serão colocadas frente a frente e, alertadas pelo juiz da divergência de seus depoimentos, lendo os trechos relevantes, será pedida a explicação da divergência.

O procedimento de acareação pode ser realizado também no inquérito policial, conforme expressa o art. 6°, inciso VI, do CPP.

Podem ser acareados:

Acusados; Acusado e testemunha; Testemunhas; Testemunha e ofendido; Acusado e ofendido; Ofendidos.

Se a acareação envolver o acusado, somente ocorrerá, por óbvio, após o seu interrogatório e isso poderá se dar na própria audiência ou em diligência, antes da apresentação de alegações finais por memoriais.

CASO CONCRETO 2

EXERCÍCIO OBJETIVO 1

4. Documentos

Os documentos podem ser aferidos em sentido amplo ou estrito. Documento em sentido amplo é qualquer coisa que represente um fato ou realização do homem; documento em sentido estrito é o objeto material em que se insere uma expressão de conteúdo intelectual, por meio de um escrito ou de quaisquer outros sinais, imagens ou sons.

O CPP, ao tratar dos documentos como meios de prova, refere-se a eles em seu sentido estrito, conforme se percebe da leitura do art. 232. Assim, o

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referido dispositivo não considera documentos (no sentido estrito do termo) as fitas gravadas, as fotografias e os desenhos.

No entanto, o próprio CPP, em algumas passagens, faz alusão a documentos gráficos e diretos. Os gráficos são representados por outra forma que não a escrita (pinturas, esquemas, desenhos etc.) e os diretos são as fotografias e gravações, quando o fato é representado diretamente (ver arts. 170 e 479, do CPP). Além desses, há, como já mencionado, os documentos escritos.

4.1 Documentos Públicos e Particulares

Os documentos serão públicos quando lavrados por funcionário público no exercício da função ou fornecidos por repartição pública; já os documentos particulares são lavrados por particular ou, a contrario sensu da definição de documento público, são aqueles que não são lavrados ou produzidos por funcionário público no exercício de sua função.

Podemos, ainda, ter documentos que são formal e materialmente públicos quando, além de terem sido lavrados por funcionário público no exercício de suas funções, tratam de assuntos de interesse público; ou formalmente públicos e materialmente privados quando, não obstante lavrados por funcionário público no exercício de suas funções, tratam de interesses privados.

Para fins penais e processuais penais, basta que o documento seja formalmente público para que tenha o caráter de documento público.

4.2 Momento da Juntada de Documentos

De acordo com o que estabelece o art. 231, do CPP, salvo nos casos expressos em lei, os documentos podem ser apresentados em qualquer fase do processo.

Assim, enquanto não terminado o processo, o documento pode ser juntado pela parte, mas, a exceção a essa regra vem prevista no novo procedimento do júri, conforme disposição do art. 479, do CPP. Este dispositivo determina que durante o julgamento (fase do judicium causae) não será permitida a leitura de documento ou a exibição de objeto que não tiver sido juntado com antecedência mínima de 3 (três) dias úteis, dando-se ciência à outra parte.

Page 59: Roteiro de Direito Processual Penal II

O parágrafo único do art. 479, do CPP dispõe, ainda, ser proibida a leitura de jornais ou qualquer outro escrito, a exibição de vídeos, gravações, fotografias, laudos, quadros, croqui ou qualquer outro meio assemelhado, cujo conteúdo versar sobre a matéria de fato submetida à apreciação e julgamento dos jurados. Tais vedações (caput e parágrafo único, art. 479, CPP) visam preservar o contraditório e a ampla defesa.

EXERCÍCIO OBJETIVO 2

PROCESSO PENALIIAULA 10

MEIOS E FONTES DE PROVA

1. Prova Testemunhal

1.1 Conceito de Testemunha

Nas palavras de Adalberto José Q. T. Camargo Aranha, “testemunha é todo o homem, estranho ao feito e eqüidistante às partes, capaz de depor, chamado ao processo para falar sobre fatos caídos sob seus sentidos e relativos ao objeto do litígio. É a pessoa idônea, diferente das partes, convocada pelo juiz, por iniciativa própria ou a pedido das partes, para depor em juízo sobre fatos sabidos concernentes à causa”.

1.2 Fundamento da Prova Oral

A prova testemunhal se fundamenta na necessidade do juiz se valer da percepção humana, mais próxima ao fato, mas sempre temperando a transmissão dos fatos com o seu livre convencimento, em vista da falibilidade dessa prova.

1.3 Classificação das Testemunhas

No que diz respeito à classificação, a prova testemunhal pode ser analisada sob tríplice aspecto:

1.3.1 Quanto ao modo:

Pode ser instrumental, quando a presença da testemunha é exigida para assistir ao ato, dando-lhe força de veracidade e autenticidade. É o que ocorre com as testemunhas instrumentárias como no caso do art. 245, §7°, do CPP.

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Também pode ser judicial, quando chamada ao processo para reproduzir fatos conhecidos e relativos à causa.

1.3.2 Quanto ao conteúdo:

Pode ser direta, quando a testemunha fala sobre um fato que presenciou, reproduzindo a sensação obtida de ciência própria.

Indireta, quando a testemunha depõe sobre conhecimentos obtidos com terceiros, que as transmitem por ouvir dizer.

1.3.3 Quanto ao objeto:

Quanto ao objeto a testemunha pode ser própria quando é chamada para ser ouvida sobre o fato objeto do litígio, ou imprópria quando prestará depoimento sobre um ato do processo.

1.4 Oralidade e Objetividade

A oralidade e a objetividade são características da prova testemunhal.

Conforme expressa o art. 204, do CPP, o testemunho, em regra, será oral, o que dá ao juiz e às partes a oportunidade de “sentirem” o depoimento, as reações da testemunha etc.

Há exceções a essa regra, nos casos do depoimento do surdo, do mudo ou do surdo-mudo (art. 192 c/c 223, do CPP) e no caso em que se permite a determinadas pessoas, em razão da autoridade que exercem, prestar depoimento por escrito (art. 221, §1°, do CPP).

Além disso, o testemunho deve ser também objetivo, pois a testemunha deve relatar os fatos percebidos pelos sentidos e que tenham relação com o objeto do processo, não podendo emitir juízo de valor, conforme determina o art. 213, do CPP.

Marcellus Polastri Lima ainda aponta uma terceira característica, qual seja, a retrospectividade, que significa que a testemunha irá se referir sempre a um fato pretérito.

1.5 Dever de Depor – Isenção e Proibição

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Não se pode olvidar que qualquer pessoa, em regra, pode figurar como testemunha, inclusive o menor de 18 anos. É o que se extrai da leitura do art. 202, do CPP.

De acordo com o que estabelece o art. 206, do CPP, a testemunha tem um verdadeiro dever de depor. Porém, existem casos legais de incompatibilidade para depor. É o que ocorre nos casos expressos na segunda parte do art. 206, do CPP.

A regra expressa no dispositivo acima mencionado traz uma dispensa do dever de depor, cabendo a quem for instado a prestar depoimento dizer se deseja ou não relatar o que sabe. O vínculo de parentesco que pode ensejar a dispensa deve ser aferido no momento do depoimento e não no momento em que o fato ocorreu.

Entretanto, ressalva o dispositivo que tais pessoas deverão depor quando não houver outro meio de se apurar o ocorrido. Trata-se de previsão que vem privilegiar o princípio da verdade real.

Além daquelas dispensadas de prestar depoimento, há também as pessoas que são proibidas de depor, consoante dispõe o art. 207, do CPP. A proibição nasce quando, em razão de função (exercício de atividade por força de lei, decisão judicial ou convenção), ministério (atividade decorrente de condição individual, principalmente de cunho religioso), ofício (atividade de serviços manuais) ou profissão (qualquer atividade com fim de lucro), tais pessoas tomam conhecimento de fatos que devam permanecer em segredo. É o caso, por exemplo, de um psicólogo que, durante uma sessão de psicanálise, fica sabendo que seu paciente cometeu determinado delito.

No caso das proibições, diferentemente do que ocorre com a dispensa, a pessoa não pode ser obrigada a prestar depoimento, mesmo que seja a única forma de se chegar à verdade. É possível, entretanto, que, dispensada do dever de sigilo pela parte interessada, o indivíduo queira prestar seu testemunho.

CASO CONCRETO 1

1.6 Advertência e Compromisso

Comparecendo a testemunha, deverá ser identificada e, não sendo o caso de proibição de depor e sendo-lhe impossível recusar o depoimento, será prestado compromisso de dizer a verdade, na forma do que determina o

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art. 203, do CPP, advertindo o juiz sobre as penas do falso testemunho (art. 210, do CPP).

Caso o relato da testemunha possa vir a ser usado contra ela mesma, poderá haver recusa em depor com base no princípio do nemo tenetur se detegere.

Não se pode esquecer o art. 208, do CPP que determina não ser deferido compromisso aos doentes e deficientes mentais, aos menores de 14 anos e às pessoas a que se refere o art. 206.

Há autores que chegam a afirmar que os doentes mentais não poderiam prestar depoimento em hipótese alguma, mas o CPP admite que as pessoas que apresentem as características previstas no art. 208 prestem declarações, devendo o juiz dar aos depoimentos o valor que entender coerente.

1.7 Falso Testemunho e Providências Possíveis

No caso de se verificar, pelo confronto com as demais provas, que houve falso testemunho, deverá ser requerida a extração de peças, a pedido do promotor ou da defesa, para que o órgão do Ministério Público forme sua opinião acerca da prática do delito previsto no art. 342, do CP, de acordo com o que prevê o art. 211, do CPP.

Porém, com a nova ordem constitucional e a incidência do princípio acusatório, não deve o juiz requisitar a instauração de inquérito policial a fim de não violar os princípios da inércia e da imparcialidade.

Não se pode olvidar, entretanto, que o art. 342, do CP prevê a possibilidade de extinção da punibilidade pela retratação do agente e, assim, a promoção da ação penal antes da prolação da sentença no processo em que ocorreu o falso testemunho pode ser inútil, haja vista que pode ocorrer a retratação do autor do falso testemunho.

1.8 Retirada do Acusado da Sala de Audiência

A presença do acusado durante o depoimento pode vir a provocar na testemunha temor, constrangimento ou humilhação, situação que se resolve da forma prevista no art. 217, do CPP.

Assim, presentes os motivos elencados no dispositivo supra, deverá o juiz colher o depoimento da testemunha por videoconferência e, somente na impossibilidade dessa forma de inquirição, poderá determinar a retirada do réu, prosseguindo a inquirição na presença do defensor.

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CASO CONCRETO 2

1.9 Número Legal e Momento para o Arrolamento

O número de testemunhas dependerá do procedimento a ser adotado. No procedimento comum o número é de 8 (oito) testemunhas para cada parte e para cada fato, não se computando os informantes, testemunhas instrumentais e referidas.

No procedimento sumário, o número previsto é de 5 (cinco) testemunhas para cada parte e para cada fato, número esse que também é aplicado analogicamente ao procedimento sumariíssimo, posto não haver na Lei 9.099/95 previsão expressa quanto ao número de testemunhas.

A acusação (MP ou Querelante) deverão arrolar suas testemunhas ao oferecer a inicial acusatória (denúncia ou queixa); a defesa, na apresentação da defesa prévia.

Nos procedimentos relativos aos crimes dolosos contra a vida, o número de testemunhas na primeira fase é de, no máximo, 8 (oito) – art. 406, §§ 2° e 3°, do CPP. Na segunda fase, o número máximo de testemunhas que podem ser arroladas é de 5 (cinco) – art. 422, do CPP.

EXERCÍCIO OBJETIVO 2

1.10 Contradita

Nos casos em que a testemunha for suspeita, seja pela idade, por doença mental ou por qualquer outra causa, cabe à parte interessada contraditá-la e o juiz, indagando a causa da suspeição, poderá tomar o depoimento e depois irá valorá-lo de acordo com o princípio do livre convencimento motivado.

A contradita vem prevista no art. 214, do CPP que, apesar de determinar que seja apresentada antese de iniciado o depoimento, não veda sua apresentação ao final deste, quando a razão de suspeição não for conhecida antes.

O juiz só poderá excluir a testemunha ou deixar de lhe deferir compromisso nos casos previstos nos arts. 207 e 208, do CPP.

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1.11 Sistema Presidencialista de Inquirição

De acordo com o que expressa o art. 212, do CPP, com a reforma introduzida pela Lei 11.690/2008, adotou-se no Brasil o sistema do exame cruzado, abandonando-se o sistema presidencialista anterior, no qual as perguntas eram formuladas pelo juiz.

Assim, quanto às testemunhas da acusação, o MP ou Querelante, este representado por seu advogado, fará as perguntas em primeiro lugar, passando-se, a seguir, a palavra para a parte contrária, e vice-versa.

O juiz somente irá complementar a inquirição sobre os pontos não esclarecidos das respostas dadas às partes, mas deverá exercer o controle da audiência, não admitindo perguntas que não tiverem relação com a causa, importarem repetição de outra já apresentada ou puderem induzir a resposta.

1.11.1 Inquirição em Plenário do Júri

Estabelece o art. 473, do CPP também o sistema do exame cruzado para a inquirição das testemunhas em Plenário do Júri, mas aqui, o juiz é quem faz as perguntas em primeiro lugar, ou seja, quando da oitiva das testemunhas da acusação, a ordem de perguntas é: Juiz; MP ou Querelante; Assistente de Acusação, se houver; Defesa. Na oitiva das testemunhas de defesa, a ordem é: Juiz; Defesa; Acusação (MP ou Querelante); Assistente de Acusação, se houver.

Além disso, permite-se que os jurados façam perguntas, mas devem faze-las por intermédio do juiz, não lhes sendo permitido perguntar diretamente às testemunhas.

EXERCÍCIO OBJETIVO 1

PROCESSO PENALIIAULA 11

PRISÃO NO CURSO DA INVESTIGAÇÃO OU DO PROCESSO

1. Prisão Penal e Prisão Civil

Prisão é a privação da liberdade, tolhendo-se o direito de ir e vir através do recolhimento da pessoa ao cárcere.

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A prisão de natureza penal tem por finalidade executar a sanção penal imposta em uma sentença penal condenatória com trânsito em julgado ou assegurar uma melhor persecução penal, tendo esta, por característica, a provisoriedade.

A prisão de natureza civil, por outro lado, tem por finalidade compelir alguém a cumprir um dever civil, sendo cabível, constitucionalmente, no caso de descumprimento de obrigação alimentar. Apesar de haver previsão constitucional para a prisão do depositário infiel, nossa jurisprudência não tem mais admitido tal modalidade de prisão por ferir o “Pacto de São José da Costa Rica” (Dec. 678/92), que entrou em nosso ordenamento com status de regra constitucional (trouxe normas materialmente constitucionais).

Existem, ainda, duas outras modalidades de prisão, quais sejam: a Administrativa (visa compelir alguém a cumprir um dever de direito público), que somente pode ser decretada por determinação judicial; a prisão disciplinar, que emana de ato de autoridade exercendo seu poder disciplinar, somente sendo permitida para os casos de transgressão militar.

2. Prisão Cautelar: Constitucionalidade x Presunção de Inocência

A prisão de natureza cautelar pode ser classificada em:

1. Prisão em flagrante;2. Prisão temporária;3. Prisão preventiva;4. Prisão decorrente de pronúncia;5. Prisão decorrente de sentença condenatória recorrível.

As duas últimas modalidades de prisão cautelar, após a reforma operada em 2008, passaram a ser modalidades de prisão preventiva, sujeitas aos requisitos estabelecidos pelo art. 312, do CPP, ou seja, não se trata de modalidades de prisão obrigatória, mas fundamentada, como também pode ocorrer em qualquer fase do processo.

Guilherme de Souza Nucci ainda acrescenta uma sexta espécie que seria a condução coercitiva de réu, vítima, testemunha, perito ou de outra pessoa que se recuse a comparecer em juízo ou perante a autoridade policial.

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Qualquer modalidade de prisão cautelar, salvo a prisão em flagrante, dependerá sempre de ordem judicial, conforme determina o art. 5°, inciso LXI, da Constituição.

EXERCÍCIO OBJETIVO 1

Muito se tem discutido acerca do confronto entre a previsão da prisão cautelar e aquela estabelecida no art. 5°, inciso LVII, da Constituição, que estabelece o princípio da presunção de inocência.

Como toda prisão anterior ao trânsito em julgado de sentença penal condenatória não decorrerá da certeza do cometimento da infração penal (trata-se de prisão cautelar), é preciso, e mais do que isso, indispensável que a privação da liberdade seja devidamente fundamentada pela autoridade judiciária competente.

Dessa forma, somente será admitida a imposição de prisão cautelar quando estiverem presentes os requisitos previstos no art. 312, do CPP, sob pena de estar o ato eivado de ilegalidade, e mais ainda, de inconstitucionalidade.

A fim de garantir a presunção de inocência, bem como, para privilegiar o princípio da dignidade da pessoa humana, a Constituição Federal estabelece uma série de regras a fim de tornar a prisão um procedimento extremamente formal e jurisdicionalizado. Assim, temos:

Art. 5°, LXI – condiciona a prisão à ordem escrita e fundamentada de autoridade judiciária competente, salvo nos casos de flagrante.

Art. 5°, LXII – comunicação da prisão ao juiz e à família do preso; Art. 5°, LXIII – assegura ao preso o direito de permanecer em

silêncio; Art. 5°, LXIV – assegura o direito à identificação pelos responsáveis

pela prisão e interrogatório; Art. 5°, LXV – assegura o relaxamento da prisão ilegal.

3. Princípios Garantidores da Prisão Cautelar

Além dos princípios referentes às cautelares penais em geral, quando se trata de cautelares privativas de liberdade, teremos os seguintes princípios:

Page 67: Roteiro de Direito Processual Penal II

1. Jurisdicionalidade – as cautelares privativas de liberdade exigem determinação por órgão judicial competente, salvo o flagrante.

2. Legalidade – consistente no fato de que as medidas coercitivas que impliquem privação de liberdade somente serão impostas nos casos autorizados pela Constituição e pelas leis.

3. Provisoriedade – as cautelares são “situacionais”, pois tutelam uma situação de fato concreta. Tal princípio vem previsto no art. 316, do CPP. Elas duram enquanto não for proferido o provimento principal e enquanto estiverem presentes seus requisitos autorizadores.

4. Excepcionalidade – só devem ser adotadas quando indispensáveis e não houver outra medida menos gravosa.

5. Proporcionalidade (Homogeneidade) – deve haver uma relação proporcional entre a prisão, a finalidade do procedimento e a gravidade dos fatos apurados. Não se admite que a restrição da liberdade durante o curso do processo seja mais severa que a sanção penal a ser aplicada no caso de procedência do pedido.

6. Acessoriedade – a medida cautelar segue a sorte da medida principal, dela sendo dependente, pois na medida em que há o resultado do processo principal, a medida cautelar perde sua eficácia.

7. Instrumentalidade Hipotética – a medida cautelar serve de instrumento, de modo e de meio para se atingir a mediada principal.

4. Necessidade e Proporcionalidade da Prisão

Como a prisão antes do trânsito em julgado da sentença condenatória é sempre uma medida cautelar, faz-se necessário que na sua aplicação não se perca de vista os resultados finais do processo.

Assim, não se justifica a imposição de prisão cautelar quando se vislumbra, já desde o início, que mesmo havendo condenação o réu não cumprirá pena de prisão – exemplo: crime com pena máxima de 4 anos, cometido sem violência ou grave ameaça à pessoa, com réu primário e de bons antecedentes, situação que permitirá a substituição da pena privativa de liberdade eventualmente imposta, por outras restritivas de direitos.

A prisão cautelar deve ser utilizada somente como instrumento para garantia da eficácia da persecução penal e, se sua aplicação puder trazer conseqüências mais graves do que o provimento final, perderá sua justificação. Aí reside a proporcionalidade da medida.

5. Excesso de Prazo da Prisão Cautelar

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A prisão cautelar, como o próprio nome sugere, não pode se perpetuar ad infinitum, devendo-se respeitar um prazo razoável, prazo esse que deverá ficar à prudente fiscalização do juiz e das partes, pois o CPP não o estabelece de forma expressa.Em nossa legislação, a única exceção é a Lei 9.034/95, que cuida das ações praticadas por organizações criminosas e, em seu art. 8° estabelece o prazo de 81 (oitenta e um) dias. Tal prazo teve origem em construção jurisprudencial firmada ao longo de vários anos em consideração de prazos legais fixados para a prática de atos processuais.

Vinha sendo considerado que o prazo de oitenta e um dias deveria ser observado até o final da instrução criminal e, portanto, se esta fosse concluída dentro daquele espaço de tempo, não haveria problemas em se manter a prisão.

Há entendimento no sentido de que os prazos devem ser respeitados individualmente, ou seja, se o prazo para a prática de determinado ato fosse extrapolado, ainda que não ultrapassasse 81 dias, haveria ilegalidade na prisão. Porém, a corrente majoritária sempre defendeu que o excesso na prática de um ato poderia ser compensado na prática do ato seguinte, desde que, ao final, não se ultrapassassem os 81 dias.

Os excessos que fossem causados pela defesa também não poderiam justificar a ilegalidade da prisão.

Ocorre, porém, que o procedimento comum foi bastante modificado com a reforma de 2008 e, a partir de então, deveremos aguardar uma nova construção jurisprudencial, haja vista que o rito passou a ser mais célere, pelo menos no aspecto formal.

Finalmente, a conclusão a que podemos chegar, e é esse o entendimento doutrinário e jurisprudencial pacífico, é a de que havendo excesso de prazo a prisão cautelar torna-se ilegal, passível de relaxamento pelo juiz, de ofício ou a pedido de qualquer das partes, inclusive do MP que atuará, antes de tudo, como fiscal da lei. Havendo recusa por parte do juiz em relaxar a prisão, é possível a impetração de HC.

6. Pressupostos da Prisão Cautelar

A decretação ou a manutenção de uma prisão cautelar exige a presença de dois pressupostos, quais sejam:

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1. Periculum libertatis (periculum in mora) – que se traduz no fato de que a demora no curso do processo principal pode fazer com que a tutela jurídica que se pleiteia, ao ser dada, não tenha mais eficácia, pois o tempo poderá fazer com que a prestação jurisdicional se torne inócua. Trata-se da probabilidade de uma lesão ou de um dano que se mostra pelo binômio URGÊNCIA x NECESSIDADE.

2. Fumus comissi delicti (fumus boni iuris) – é a chamada “fumaça do cometimento do delito” ou “fumaça do bom direito”, isto é, a probabilidade de procedência do pedido acusatório no processo principal. Traduz-se no binômio PROVA DA EXISTÊNCIA DO CRIME x INDÍCIOS SUFICIENTES DE AUTORIA.

7. Prisões Cautelares em Espécie

7.1 Prisão em Flagrante

7.1.1 Fundamentos

A palavra flagrante vem do latim – flagrans, flagrantis, do verbo flagrare, que significa queimar, ardente, que está em chamas, brilhando, incandescente.

No sentido jurídico, trata-se do delito no momento de seu cometimento, no instante em que o sujeito ativo percorre os elementos objetivos e subjetivos do tipo penal.

Exige-se para o flagrante, portanto, dois elementos imprescindíveis, quais sejam: a atualidade e a visibillidade.

Conforme já vimos, A REGRA É A LIBERDADE, A PRISÃO É A EXCEÇÃO. Por isso, a prisão em flagrante somente se justifica com o objetivo de se restabelecer a ordem jurídica que foi violada com o comportamento nocivo do autor do fato. Trata-se de um mal necessário a fim de preservar a paz e a ordem, sacrificando-se um bem de menor valor (liberdade de locomoção) em prol de um bem maior que é a paz social.

Portanto, visa evitar a fuga do autor do fato, resguardar a sociedade, servir de exemplo e acautelar as provas que serão colhidas no curso do inquérito policial e da instrução criminal.

7.1.2 Sujeitos Ativo e Passivo - Imunidades

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Quanto ao sujeito ativo, estabelece o art. 301, do CPP que “qualquer do povo poderá e as autoridades policiais e seus agentes deverão prender quem quer que seja encontrado em flagrante delito” (grifos nossos). Dessa forma, temos duas modalidades de flagrante, quanto ao sujeito ativo:

Flagrante Facultativo – quando se tratar de qualquer do povo; Flagrante Obrigatório (coercitivo) – quando se tratar das

autoridades policiais e seus agentes.

CASO CONCRETO 1

EXERCÍCIO OBJETIVO 2

O sujeito passivo da prisão é qualquer pessoa que se encontre em flagrante delito. Porém, tratando-se de pessoa que ocupe cargo com prerrogativa de função, poderá haver imunidades.

As imunidades podem ser de duas espécies: material e processual. Aquela se refere ao crime, isto é, o fato típico deixa de ser considerado infração penal. Já a imunidade processual não afasta o crime, mas sim impede o processo.

Os congressistas têm imunidade material por suas opiniões, palavras e votos e, portanto, nesses casos, não poderão sofrer prisão em flagrante (art. 53, da Constituição).

No caso de magistrados e membros do ministério público, somente se permite a prisão em flagrante em caso de crime inafiançável. Mesmo assim, suas prisões deverão ser imediatamente comunicadas ao Presidente do Tribunal e ao Procurador-Geral (Leis Orgânicas da Magistratura e do MP).

O Presidente da República não pode ser preso enquanto não passar em julgado a sentença penal condenatória (art. 86, §3°, da Constituição).

7.1.3 Prisão em Flagrante e Inviolabilidade de Domicílio

A prisão em flagrante, como visto, é a única forma de prisão cautelar que independe de decisão da autoridade judiciária, conforme autoriza o art. 5°, LXI, da Constituição.

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O flagrante é uma situação tão grave que fica autoriza até mesmo a violação de domicílio quando presente situação flagrancial. É o que se extrai da leitura do art. 5°, XI, da Constituição.

Dessa forma, a garantia constitucional da inviolabilidade de domicílio cairá diante da prática de flagrante delito.

Porém, as demais garantias constitucionais não ficam afastadas e devem ser respeitadas sob pena de tornar inválida a prisão em flagrante (Art. 5°, LXII – comunicação da prisão ao juiz e à família do preso; Art. 5°, LXIII – assegura ao preso o direito de permanecer em silêncio; Art. 5°, LXIV – assegura o direito à identificação pelos responsáveis pela prisão e interrogatório; etc.).

CASO CONCRETO 2

EXERCÍCIO OBJETIVO 3

PROCESSO PENALIIAULA 12

PRISÃO NO CURSO DA INVESTIGAÇÃO OU DO PROCESSO

1. Prisão em Flagrante

1.1 Modalidades de Flagrante

As modalidades (ou espécies) de flagrante vêm estabelecidas no art. 302, do CPP que, segundo o melhor entendimento, tem um rol taxativo, isto é, somente haverá flagrante se a conduta do indivíduo estiver tipificada em uma das hipóteses do referido dispositivo.

São espécies de flagrante:

1. Flagrante Próprio (art. 302, incisos I e II, CPP) – ocorre quando o indivíduo estiver cometendo a infração ou quando acaba de cometê-la. É também chamado de flagrante real, em vista da imediatidade visual da prática da infração. Nas duas hipóteses o sujeito ativo da infração está presente na cena do crime.

2. Flagrante Impróprio (art. 302, inciso III, CPP) – também chamado de “quase flagrante”, caracteriza-se pela situação na qual o agente é perseguido, LOGO APÓS, pela autoridade, pelo ofendido ou por qualquer pessoa, em situação que faça presumir

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ser autor da infração. É necessário que a perseguição se inicie imediatamente e que seja contínua, ainda que sejam alternados os perseguidores. Indispensável se mostra a presença de três elementos, quais sejam: o volitivo (vontade das pessoas em perseguir o autor do fato; o temporal que significa que, entre o início da perseguição e a prisão, o lapso de tempo seja exíguo (para Paulo Rangel, no máximo 3 horas); o fático exigindo que o perseguido esteja em situação que faça presumir ser autor da infração cometida.

3. Flagrante Presumido (art. 302, inciso IV, CPP) – caracterizado pela hipótese na qual o agente é encontrado, logo depois, com instrumentos, armas, objetos ou papéis que façam presumir ser ele autor da infração. Difere da hipótese anterior pela expressão “logo depois” que, conforme expressa Paulo Rangel, por interpretação sistemática, há uma escala entre as hipóteses de flagrante, naquilo que diz respeito ao tempo e, portanto, o art. 302 começa com o “fogo ardendo” (está cometendo a infração), passa por uma diminuição da chama (acaba de comete-la), em seguida para a perseguição direcionada pela “fumaça” deixada pela infração (é perseguido logo após) e, finalmente, termina com o encontro das cinzas da infração (é encontrado logo depois). Assim, nas palavras do autor acima mencionado, “[...] o lapso de tempo é maior no flagrante presumido. [...] haverá prisão em flagrante delito se o encontro se der dentro de um espaço de tempo de até oito ou dez horas”. Aqui, entretanto, não haverá o elemento volitivo.

Fora das hipóteses do art. 302, do CPP, a doutrina e a jurisprudência elencam, ainda, outras hipóteses de flagrante, quais sejam:

Flagrante Esperado – ocorre quando o sujeito aje, independentemente de provocação ou induzimento de quem quer que seja, sendo preso por policiais (ou terceiras pessoas) que, simplesmente, já o aguardavam por terem conhecimento de que a infração será cometida.

Flagrante Preparado – é uma situação diversa da acima narrada. No flagrante preparado (delito putativo por obra do agente provocador; delito de ensaio, delito de experiência; crime provocado) o agente é impelido, insidiosamente, por terceiros, a praticar um crime, mas são adotadas todas as providências necessárias para que não haja a consumação. O STF já firmou posicionamento no sentido de que o flagrante preparado torna a prisão inválida pela incidência da regra do crime impossível (Súmula 145, do STF). De acordo com a doutrina, a Súmula 145, do

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STF exige dois requisitos: a preparação e a não consumação do crime.

CASO CONCRETO 2

EXERCÍCIOS OBJETIVOS 1 e 2

Flagrante Forjado – ocorre quando policiais, ao realizarem busca pessoal, em imóveis ou automóveis, colocam, propositalmente, objetos, papéis, armas, munições ou outros instrumentos, objetos ou documentos no local ou na pessoa, a fim de caracterizar prova da prática de determinada infração – Exemplo: com o fim de prender determinado indivíduo suspeito de tráfico, a polícia invade sua residência e coloca em um compartimento do imóvel certa quantidade de cocaína, dizendo que a droga foi encontrada no local a fim de poder realizar a prisão em flagrante.

Flagrante Esperado (Diferido, Retardado) – vem previsto no art. 2°, inciso II, da Lei 9.034/95, chamado de ação controlada. É um procedimento que tem a finalidade de manter observação e acompanhamento de determinada empreitada criminosa, praticada por organização ilegal, visando o momento oportuno e conveniente para realizar a prisão em flagrante. Tal situação se justifica quando a prisão no primeiro momento impeça ou dificulte a obtenção de um maior suporte probatório acerca das atividades da organização. Porém, é necessário um rigoroso acompanhamento e observação da conduta delituosa, sem o que poderá se configurar crime de prevaricação por parte dos agentes policiais.

1.2 Estado de Flagrante nas Diversas Modalidades de Crime

1.2.1 Crimes Permanentes e Habituais

Nos crimes permanentes não há dúvidas quanto à possibilidade de prisão em flagrante havendo, inclusive, previsão legal expressa para tal situação, conforme art. 303, do CPP.

Quanto aos crimes habituais, o tema é bastante tormentoso na doutrina e na jurisprudência. Alguns autores sustentam ser possível a prisão em flagrante nos crimes habituais, desde que, no momento da prisão ou até mesmo antes, por meio de minuciosa investigação, seja possível colher provas cabais da habitualidade – exemplo: indivíduo que está exercendo ilegalmente a medicina e, no momento da chegada da polícia, é surpreendido com várias pessoas aguardando atendimento em seu

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consultório, bem como, com várias fichas de pessoas que já foram atendidas em sua mesa.

Entretanto, ainda prevalece o entendimento de que, no crime habitual não há possibilidade de prisão em flagrante, pois não se pode utilizar o art. 303, do CPP por analogia, uma vez que, por ser norma que restringe direitos, também deve ser interpretada restritivamente, mesmo porque, trata-se de situações diversas. Além disso, cada ato do crime habitual, se considerado isoladamente, configura um indiferente penal (o crime habitual exige a reiteração dos atos para se consumar) e, portanto, não admite a prisão em flagrante.

CASO CONCRETO 1

1.2.2 Flagrante no Crime Tentado, Consumado; Crime Formal e Unissubsistente

É perfeitamente possível a prisão em flagrante em crimes tentados, pois, caso contrário, não haveria a hipótese prevista no art. 302, inciso I, do CPP.

Também não há óbice para a prisão em flagrante em crimes consumados. Grande controvérsia surge nos casos de roubo e furto, posto divergir bastante a doutrina sobre o momento consumativo dos referidos delitos (retirada da res da disponibilidade da vítima; retirada da res da vigilância da vítima; posse mansa e pacífica do sujeito ativo sobre a res). Assim, para os que adotam a segunda ou a terceira corrente, o flagrante em roubo ou furto consumados só ocorrerá nas hipóteses dos incisos III e IV, do art. 302, do CPP, pois, nas hipóteses dos incisos I e II, ainda não terá havido a consumação e o flagrante se dará sobre a modalidade tentada do delito.

Com relação ao crime formal, e o mesmo vale para os crimes unissubsistentes, a prisão em flagrante também é perfeitamente admissível, bastando que a situação se amolde em uma das hipóteses legais de prisão em flagrante (art. 302, do CPP).

1.2.3 Prisão em Flagrante em Crimes de Ação Penal Privada ou Pública Condicionada

É admissível o flagrante em qualquer modalidade de crime, porém, quando se tratar de infração de iniciativa privada ou pública condicionada deve

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haver prévio requerimento ou representação da vítima ou de quem tenha a qualidade para representá-la.

A captura pode ser feita, mas para a efetivação completa do flagrante e mesmo para o desenvolvimento do procedimento persecutório será imprescindível a colheita do requerimento ou da representação da vítima ou de seu representante legal que, segundo Marcellus Polastri Lima, deve se dar no prazo máximo de 24 horas.

Não obstante ser possível a prisão em flagrante nos crimes de ação penal privada ou pública condicionada, soa estranho afirmar que é possível aguardar a manifestação da vítima por até 24 horas. Assim é pois, caso esta não se manifeste no referido prazo ou se a manifestação for negativa, como se poderá justificar a coação da liberdade de locomoção do autor do fato por período tão longo? Não seria razoável exigir-se a manifestação imediata da vítima sob pena de liberação do indivíduo?

1.2.4 Flagrante nas Infrações de Menor Potencial Ofensivo

Nas IMPO, de competência do JECrim, deve ser respeitada a regra prevista no art. 69, da Lei 9.099/95 que veda a imposição de prisão em flagrante, bem como a exigência de fiança, quando o autor da infração for imediatamente encaminhado ao JECrim ou assume o compromisso de lá comparecer sempre que for intimado.

Dessa forma, a única possibilidade de que seja imposta prisão em flagrante ao autor de IMPO é aquela na qual este se negue a assinar o termo de compromisso.1.3 Flagrante e Apresentação Espontânea do Autor do Fato

Embora o tema não seja pacífico, o entendimento majoritário é no sentido de ser inadmissível a prisão em flagrante quando ocorre apresentação espontânea do autor da infração, pois, conforme já mencionado, as finalidades do flagrante são:

1. Evitar a fuga;2. Resguardar a sociedade;3. Servir de exemplo a outras pessoas;4. Acautelar provas.

Dessa forma, havendo apresentação espontânea estarão ausentes os fins da prisão em flagrante.

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Porém, conforme expressa o art. 317, do CPP a apresentação espontânea não impede a decretação de prisão preventiva, caso presentes os requisitos que a fundamentam. O referido dispositivo confirma a interpretação de que a apresentação espontânea não admite a imposição de prisão em flagrante.

1.4 O Auto de Prisão em Flagrante (A.P.F.)

O art. 304, do CPP estabelece o procedimento para a lavratura do APF, que se desenvolve da seguinte maneira:

1. É feita a oitiva do condutor do detido, que pode ou não ser o autor da prisão. Após ser ouvido, o condutor receberá cópia do termo prestado e recibo da entrega do preso que mencionará as condições em que o mesmo se encontrava ao ser apresentado para a lavratura do auto. Após isso, o condutor pode ser liberado.

2. Em segundo lugar são ouvidas as testemunhas do fato que assinarão os respectivos termos.

3. Em terceiro lugar será feita a oitiva do detido e colhida, também, sua assinatura.

Ao final de tudo, a autoridade policial lavrará o APF, sendo esta a última peça a ser lavrada.

Se o detido não quiser, não souber ou não puder assinar o auto, este será assinado por duas testemunhas que tenham ouvido sua leitura na presença do conduzido (testemunhas de leitura). Trata-se de providência que tem por finalidade assegurar a lisura do ato. Esta providência permite a lavratura do APF até mesmo nos casos em que o preso não esteja presente na Delegacia Policial – exemplo: preso é baleado em troca de tiros com a polícia no momento de sua prisão e é encaminhado para o hospital em estado de inconsciência.

Caso não haja testemunhas do fato, o APF deve ser assinado por duas testemunhas que tenham presenciado a apresentação do preso à autoridade (testemunhas de apresentação).

Atualmente, após cada oitiva – condutor, testemunhas – o depoente poderá ser liberado sem necessidade de aguardar o final da lavratura do APF, salvo quando a autoridade policial entender razoável a permanência das pessoas no local por haver motivos para acreditar na necessidade de posterior acareação.

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O condutor e as testemunhas devem prestar seus depoimentos na presença do detido, pois, embora não haja contraditório nessa fase, tal providência permite que este possa escolher como irá agir em seu interrogatório (ficar calado, confessar, negar a verdade etc.).

Importante ressaltar que o APF somente será lavrado no caso de restar contra o conduzido fundadas suspeitas de autoria ou participação em infração penal, conforme expressa o art. 304, §1°, do CPP. Caso haja fundadas suspeitas contra o preso e, não sendo o caso de se livrar solto ou pagar fiança, a autoridade policial mandará recolhe-lo ao cárcere.

De acordo com o que prescreve o art. 306, do CPP, após terminada a lavratura do APF, a autoridade policial terá o prazo de 24 horas para encaminha-lo ao juiz competente e, caso o preso não tenha advogado ou não informe o nome de seu patrono, deverá encaminhar uma cópia à Defensoria Pública.

No mesmo prazo deverá ser entregue ao preso a nota de culpa, um documento informativo oficial, dirigido ao indiciado, que lhe faz a comunicação do motivo de sua prisão, demonstrando, também, a autoridade que lavrou o APF, o nome da pessoa que o prendeu e o das testemunhas que a tudo presenciaram.

PROCESSO PENALIIAULA 13

PRISÃO NO CURSO DA INVESTIGAÇÃO OU DO PROCESSO

1. Prisão Temporária

Com a Lei 7.960, de 21 de dezembro de 1989, foi instituída no Brasil a PRISÃO TEMPORÁRIA com o fim de vedar a chamada prisão para averiguação, prática que era muito comum nos meios policiais.

1.1 Constitucionalidade da Prisão Temporária

Parte da doutrina considera a prisão temporária inconstitucional, por violação do princípio da presunção de inocência.

Dentre aqueles que entendem pela inconstitucionalidade da medida, Paulo Rangel afirma que “no Estado Democrático de Direito não se pode permitir que o Estado lance mão da prisão para investigar, ou seja, primeiro prende, depois investiga para saber se o indiciado, efetivamente, é autor do delito.

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Trata-se de medida de constrição da liberdade do suspeito que, não havendo elementos suficientes de sua conduta nos autos do inquérito policial, é preso para que esses elementos sejam encontrados”.

Por outro lado, Marcellus Polastri Lima entende não existir inconstitucionalidade, posto que o que existe é mera presunção de não culpabilidade e, mesmo assim, somente é aplicável à prisão pena. Segundo o autor acima, se a própria Constituição admite a prisão cautelar na forma de seu art. 5°, inciso LXI, não há motivo para que se considere a prisão temporária inconstitucional.

1.2 Requisitos da Prisão Temporária

Estabelece o art. 1°, da Lei 7.960/89 sobre os requisitos da prisão temporária e, das disposições do referido artigo podemos extrair as seguintes lições:

1. Somente é admissível na fase do inquérito policial – não podendo ser decretada na fase processual. Nesta fase somente é admissível a prisão preventiva.

2. Por ser espécie de prisão cautelar, exige a presença do fumus comissi delicti e do periculum libertatis – tal é a interpretação que nos permite o inciso I, do art. 1°, da Lei 7.960/89 quando menciona que a prisão deve ser imprescindível para as investigações. O periculum in mora vem previsto nos incisos I e II, do art. 1°, da Lei 7.960/89. Não obstante a controvérsia existente, o entendimento que prevalece é o de que não se exige a presença cumulativa dos incisos I e II, mas um ou outro. Marcellus Polastri Lima entende que o inciso I será sempre obrigatório, sendo o inciso II uma redundância em relação àquele. O fumus comissi delicti resta presente no inciso III, do art. 1°, da Lei 7.960/89.

3. O rol do inciso III, do art. 1°, da Lei 7.960/89 é TAXATIVO – assim, somente será admissível a prisão temporária quando “houver fundadas razões de autoria ou participação do indiciado” nos crimes ali elencados.

Lembramos que, por se tratar de espécie de prisão cautelar, somente a autoridade judicial poderá decretar a prisão temporária.

1.3 Prisão Temporária e Inquérito Policial – Momento e Finalidade

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Conforme já mencionado a prisão temporária é de aplicação exclusiva em face de investigação criminal e, sendo assim, impossível sua decretação durante o processo.

A finalidade da medida é a de assegurar que se realize uma investigação sobre o fato praticado pelo apontado suspeito e, com isso, assegurar o curso do futuro processo.

1.4 Legitimidade para Requerer a Prisão Temporária

Dispõe o art. 2°, da Lei 7.960/89, que a prisão temporária será decretada pelo juiz em face de REPRESENTAÇÃO DA AUTORIDADE POLICIAL ou de REQUERIMENTO DO MINISTÉRIO PÚBLICO.

Assim, não pode ser decretada de ofício pelo juiz. Também não cabe requerimento de prisão temporária pelo ofendido, nos casos de ação penal privada.

Quando houver representação da autoridade policial, a oitiva do MP é imprescindível, pois assim dispõe o art. 2°, §1°, da Lei 7.960/89.

1.5 Prisão Temporária como Preparatória da Prisão Preventiva

Marcellus Polastri Lima entende que, uma vez decretada a prisão temporária, obtendo a autoridade policial seu objetivo que é o de concluir as investigações, colhendo todos os elementos necessários, poderá haver decretação de prisão preventiva, desde que presentes os requisitos do art. 312, do CPP.

Certo é, porém, que se estiverem presentes os requisitos para a prisão preventiva (art. 312, do CPP), já existirão também os requisitos para o oferecimento da denúncia (prova de materialidade e indícios de autoria). Assim, a prisão temporária torna-se ilegal uma vez que o seu objetivo é justamente o de colher elementos para o processo (que, como visto, já existirão).

A prisão preventiva somente é admissível se já houver processo em curso, embora não haja previsão legal expressa nesse sentido, pois, seria incoerente admiti-la quando ainda não há elementos suficientes para o oferecimento da denúncia bem como, decreta-la sem que o Ministério Público ofereça a inicial acusatória. Isso ocorre porque se exige menos para o oferecimento da denúncia que para a decretação da prisão preventiva.

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Dessa forma, caso o Ministério Público resolve oferecer denúncia durante o prazo da prisão temporária caberá o magistrado revoga-la imediatamente ou convertê-la em prisão preventiva, caso vislumbre os requisitos previstos em lei.

CASO CONCRETO 2

1.6 Prazos Legais da Prisão Temporária

A prisão temporária, assim define o art. 2°, da Lei 7.960/89, terá prazo de 5 (cinco) dias, prorrogável por igual período em caso de extrema e comprovada necessidade.

O prazo conta-se do dia em que se executar a ordem de prisão, pouco importando em que hora do dia o suspeito foi recolhido ao cárcere.

Em se tratando de crimes hediondos ou equiparados, o prazo é de 30 (trinta) dias, prorrogáveis por igual período, conforme expresso no art. 2°, §4°, da Lei 8.072/90.

É possível que o magistrado decrete a prisão por qualquer prazo, desde que respeitado o limite máximo, ou seja, não há limite mínimo, podendo haver decretação até por 1 (um) dia.

Interessante notar ainda que a prorrogação, caso permitida, será por igual período, ou seja, se a prisão temporária foi decretada por 3 (três) dias, poderá ser prorrogada, no máximo, por mais três.

Findo o prazo da prisão temporária e não havendo determinação para sua prorrogação, o preso deve ser colocado imediatamente em liberdade, conforme determina o art. 2°, §7°, da Lei 7.960/89, o que nos faz perceber ser prescindível a emissão de alvará de soltura.

Assim, caso a autoridade policial perceba que o prazo vai se esgotar sem que tenha sido possível concluir as investigações, deverá representar pela prorrogação, pois, caso contrário, findo o prazo, o preso será obrigatoriamente liberado.

Paulo Rangel, porém, entende de maneira diversa afirmando ser necessária a expedição de alvará de soltura, pois, segundo o autor, o art. 4°, alínea i , da Lei 4.898/65 (abuso de autoridade), determina que haverá crime de abuso de autoridade se ocorrer prolongamento da execução de prisão

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temporária pela omissão na expedição ou no cumprimento imediato de ordem de liberdade.

CASO CONCRETO 1

PROCESSO PENALIIAULA 14

PRISÃO NO CURSO DA INVESTIGAÇÃO OU DO PROCESSO

1. Prisão Preventiva

“A prisão preventiva é uma medida cautelar de constrição à liberdade do indiciado ou réu, por razões de necessidade, respeitados os requisitos estabelecidos em lei” (Guilherme de Souza Nucci).

1.1 Fundamento da Prisão Preventiva

O direito constitucional de liberdade exige o final do processo a fim de que se possa encarcerar um acusado, mas o próprio ordenamento jurídico, incluindo a Constituição e as Leis, admite a prisão preventiva, desde que fundamentada pela NECESSIDADE, ou seja, quando for imprescindível para que se possa garantir a efetividade do processo.

A necessidade será verificada pela análise do fumus comissi delicti e do periculum libertatis.

Lembramos que, como modalidade de prisão cautelar que é, a prisão preventiva somente pode ser decretada pelo juiz, o que lhe confere a característica da jurisdicionalidade.

1.2 Momento para a Decretação da Prisão Preventiva

De acordo com o que dispõe o art. 311, do CPP, a prisão preventiva pode ser decretada em qualquer fase do inquérito policial ou da instrução criminal (já na fase processual).

A instrução criminal, após a reforma do processo penal, há de ser compreendida do oferecimento da denúncia até o interrogatório do acusado, posto que com o oferecimento da inicial acusatória já começam a ser produzidas as provas.

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Apesar da redação do art. 311, do CPP, há forte corrente doutrinária e jurisprudencial a afirmar que se estão presentes os requisitos da prisão preventiva, então também haverá aqueles que são necessários para o oferecimento da denúncia. Com base em tal entendimento, seria inadmissível a decretação de prisão preventiva na fase inquisitorial.

1.3 Legitimidade

Ainda conforme o art. 311, do CPP, a prisão preventiva pode ser decretada de ofício pelo juiz, a REQUERIMENTO do Ministério Público ou do Querelante, ou mediante REPRESENTAÇÃO da Autoridade Policial.

O requerimento é um pedido, uma solicitação que pode ou não ser aceito. Se não o for, admitir-se-á recurso em sentido estrito com base no art. 581, inciso V, do CPP, por outro lado, se a medida for decretada não caberá recurso, mas a defesa poderá impetrar habeas corpus. Já a representação é uma exposição articulada de fatos feita pelo delegado de polícia, demonstrando a necessidade da prisão. Nesse caso, caso a medida não seja decretada, não caberá recurso.

1.3.1 Decretação de ofício pelo juiz durante o inquérito policial.

Questão tormentosa na doutrina e na jurisprudência diz respeito à decretação de prisão preventiva de ofício pelo juiz, NA FASE DO INQUÉRITO POLICIAL. O entendimento amplamente majoritário é no sentido da inadmissibilidade de tal ato, pois a Constituição estabelece o processo penal acusatório e, por isso, não pode o juiz proceder como parte, o que afetaria sua imparcialidade e afrontaria o princípio da inércia (ne procedat ex officio).

1.4 Requisitos (Pressupostos) da Prisão Preventiva

Os requisitos da prisão preventiva são aqueles exigidos para a decretação de qualquer modalidade de prisão antes do trânsito em julgado da sentença penal condenatória, quais sejam: o fumus comissi delicti (fumus boni iuris) e o periculum libertatis (periculum in mora), previstos no art. 312, do CPP.

Representando o periculum libertatis no dispositivo legal acima mencionado temos:

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1. Garantia da ordem pública – que significa a paz e a tranqüilidade social, ou seja, evitar que o acusado ou indiciado, em liberdade, possa continuar a praticar ilícitos penais. O clamor público (revolta da sociedade) não é fundamento para a decretação de prisão preventiva, bem como também não justifica a medida extrema a alegação de que o indiciado/acusado corre risco ficando em liberdade, pois cabe ao Estado garantir a integridade de qualquer pessoa.

2. Garantia da ordem econômica – expressão que foi incluída no art. 312, do CPP pela Lei 8.884/94. De acordo com o melhor entendimento, trata-se de uma redundância, pois, afetada a ordem econômica, fatalmente estará também sendo violada a ordem pública. Visa evitar que o acusado possa perturbar o livre exercício de qualquer atividade econômica, com abuso do poder econômico, visando dominar mercados, eliminar a concorrência, promover aumento abusivo de lucros etc.

3. Conveniência da instrução criminal – na verdade, onde se lê “conveniência”, deve-se interpretar necessidade, indispensabilidade. Significa garantir o bom andamento da instrução criminal evitando que o acusado/indiciado possa, por exemplo, ameaçar testemunhas, destruir provas, ameaçar o perito, o promotor, o juiz etc.

4. Assegurar a aplicação da lei penal – visa evitar que o agente, em liberdade, possa se furtar de cumprir futura sanção penal como ocorre, por exemplo, nos casos em que se demonstra a probabilidade de fuga do acusado, quando não tem endereço certo, quando se desfaz de seus bens com o escopo de não pagar futura indenização à vítima ou a sua família etc.

Para justificar a prisão preventiva não é necessário que todos os requisitos que configuram o periculum libertatis estejam presentes de forma cumulativa, bastando um deles.

O fumus comissi delicti vem representado, no art. 312, do CPP, pelas seguintes expressões:

1. Prova da existência do crime – refere-se à materialidade do ilícito penal, à existência do fato tipificado em lei como crime;

2. Indícios suficientes de autoria – não é necessário que existam provas robustas, cabais quanto à autoria, mas apenas elementos que apontem no sentido de ser o indiciado/acusado o autor da infração penal.

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CASO CONCRETO 1

1.5 Crimes Passíveis de Decretação de Prisão Preventiva

As hipóteses legais de admissibilidade da prisão preventiva estão elencadas no art. 313, do CPP.

A regra é a de que somente será possível decretar prisão preventiva nos crimes dolosos, punidos com reclusão – art. 313, inciso I, do CPP. Dessa forma, as contravenções penais e os crimes punidos com reclusão ou somente com multa não admitem a medida.

Excepcionalmente, porém, será permitida a prisão preventiva em crimes punidos com detenção nas seguintes hipóteses:

1. Quando se apurar que o indiciado é vadio ou quando, havendo dúvida quanto a sua identidade, não fornecer ou não indicar elementos para esclarecê-la – trata-se de dispositivo que fere o princípio da razoabilidade, posto que, a uma, no Brasil, não há mais utilidade para a norma prevista no art. 59, do Dec.-Lei 3.688/41 (contravenção penal de vadiagem) e, a duas, a existência de dúvida quanto à identidade do indiciado/acusado não significa, necessariamente, a existência de perigo em sua liberdade;

2. Se o réu tiver sido condenado por outro crime doloso, em sentença transitada em julgado, salvo nos casos do art. 64, inciso I, do CPP – trata-se do indiciado/acusado reincidente. Para alguns, trata-se também de dispositivo que não deve ser aplicado, pois, em primeiro lugar, ainda que já tenha sido condenado por crime anterior, na infração que poderia justificar a prisão preventiva é possível que o acusado seja absolvido e, impor-lhe prisão preventiva poderia afrontar o princípio da presunção de inocência. Além disso, há forte corrente doutrinária no sentido de que o instituto da reincidência seria inconstitucional por violar o princípio do ne bis in idem.

3. Quando o crime envolver violência doméstica e familiar contra a mulher, para garantir a execução de medidas protetivas de urgência – Paulo Rangel entende que o dispositivo é redundante e que não seria admissível a prisão preventiva nos crimes que envolvam violência doméstica e familiar contra a mulher se a pena for de detenção. Guilherme de Souza Nucci, por outro lado, também opina no sentido de que o dispositivo é inútil, mas não afirma não ser possível decretar a prisão em crimes punidos com detenção, dizendo, isso sim, que o que deve ser analisado é a presença dos requisitos do art. 312, do CPP, pois, talvez seja desnecessário decretar a prisão de

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um marido que, sendo primário e de bons antecedentes, agrida sua mulher dando causa a lesões corporais leves, crime punido com detenção de 3 meses a 3 anos, uma vez que, mesmo condenado, provavelmente poderá ser beneficiado com o sursis ou cumprir a pena em regime aberto.

CASO CONCRETO 2

1.6 Prisão Decorrente de Sentença de Condenatória Recorrível

Com relação à prisão decorrente de sentença condenatória recorrível, o melhor entendimento é o de que somente será admissível se presentes os requisitos previstos no art. 312, do CPP e mesmo assim, pode-se questionar tal medida, uma vez que já ultrapassada a instrução criminal.

Tal entendimento ficou ainda mais forte após a revogação do art. 594, do CPP pela Lei 11.719/2008, até porque, a decretação de prisão preventiva tão somente pelo fato de ter sido o réu condenado em sentença recorrível, constituía verdadeira execução provisória de pena, o que é inadmissível.

Atualmente, com sua nova redação, o art. 387, parágrafo único determina que o juiz, ao proferir a sentença condenatória, decida de forma fundamentada se irá decretar ou não a prisão, bem como, já estando preso o réu, se manterá ou não a medida.

Caso opte por decretar ou manter a prisão, deverá o juiz justificar sua decisão apresentando fundamentos cabais da existência dos requisitos previstos no art. 312, do CPP. Assim, pouco importa se o réu é primário, reincidente, de bons ou maus antecedentes como estabelecida o revogado art. 594, do CPP para permitir a apelação em liberdade. Atualmente, a prisão antes do trânsito em julgado somente se justificará pela existência do fumus comissi delicti e do periculum libertatis.

1.7 Prisão decorrente de Sentença de Pronúncia

A sentença de pronúncia é cabível no procedimento para julgamento dos crimes dolosos contra a vida. Trata-se da decisão que encerra a primeira fase do procedimento e na qual o juiz indica haver indícios de autoria e provas da materialidade pesando contra o réu, recomendando-o ao julgamento pelos jurados em Plenário.

Anteriormente havia uma certa imposição legal para o recolhimento do réu à prisão quando o juiz o pronunciava. Porém, após a reforma ocorrida no

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ano de 2008 a situação se modificou, pois hoje não mais se exige a presença do réu no julgamento do Júri, que pode ocorrer à sua revelia.

Dessa forma, não mais se justifica a prisão do acusado apenas e tão somente por ter sido pronunciado, somente podendo ser decretada a medida se estiverem presentes os requisitos estabelecidos pelo art. 312, do CPP.

Tal entendimento é o que se extrai do art. 413, §3°, do CPP, que, não obstante mantenha a possibilidade de decretação de prisão cautelar, não basta que haja pronúncia por si só, mas deve ser verificado se estão presentes os motivos que caracterizam o periculum libertatis, uma vez que o fumus comissi delicti estará presente pelo simples fato de ter sido pronunciado o acusado.

PROCESSO PENALIIAULA 15

LIBERDADE NO CURSO DO PROCESSO (LIBERDADE PROVISÓRIA)

1. Liberdade Provisória

Liberdade provisória é aquela concedida ao indiciado ou réu, preso em flagrante, preventivamente ou em decorrência de pronúncia ou sentença condenatória recorrível, que pela ausência dos requisitos da prisão cautelar previstos no art. 312, do CPP, deve ser liberado em atenção ao princípio da presunção de inocência.

1.1 O Direito de Liberdade como Garantia Constitucional

É garantido pela Constituição – art. 5°, inciso XV – o direito a liberdade de locomoção em todo o território nacional e, dessa forma, a liberdade é a regra e a prisão, exceção.

Quando a Carta Maior garantiu que, antes do trânsito em julgado da sentença penal condenatória, ninguém será preso, senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada da autoridade judiciária competente, estabeleceu, ao mesmo tempo, a garantia da liberdade provisória, quando admitida em lei – art. 5°, incisos LXI e LXVI, da Constituição.

1.2 Liberdade Provisória e Liberdade Absoluta

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Quando se fala em liberdade provisória significa que a qualquer momento, ocorrendo determinadas hipóteses previstas em lei, o acusado poderá ser recolhido à prisão em razão da revogação da medida. Trata-se de uma contracautela à prisão (que é a cautela).

Na Liberdade provisória o agente fica vinculado ao processo tendo que observar determinadas obrigações.

Por outro lado, em algumas situações, a liberdade é absoluta, sem qualquer vinculação ao processo, sem que o indivíduo assuma qualquer obrigação, funcionando como a liberdade de qualquer outra pessoa. É o que ocorre, por exemplo, no caso de relaxamento de prisão, situação em que a privação da liberdade é contaminada pela ilegalidade e, uma vez corrigido tal defeito, o agente passa a gozar de liberdade plena.

1.3 Crimes Inafiançáveis

A Constituição estabeleceu, no art. 5°, incisos XLII, XLIII e XLVI, a inafiançabillidade dos delitos de racismo, tortura, tráfico de drogas, terrorismo, crimes hediondos e a ação de grupos armados, civis ou militares, contra a ordem constitucional e o Estado Democrático de Direito.

Além disso, a Lei 9.034/95, que trata das organizações criminosas (art. 7°), a Lei 7.492/86, que cuida dos crimes contra o sistema financeiro punidos com reclusão, e a Lei 7.291/84, que trata das corridas de cavalos, também estabeleceram regras de proibição da concessão de fiança.

Apesar das vedações acima, as referidas leis não proibiram expressamente a liberdade provisória sem o pagamento de fiança, o que, a primeira vista, parece ser algo extremamente paradoxal.

Entretanto, alguns doutrinadores e a jurisprudência dos Tribunais Superiores afirmam que se o legislador vedou a liberdade provisória mediante fiança, que é o mais, também vedou a liberdade provisória sem o pagamento de fiança, que é o menos. Em outras palavras, se o indivíduo não pode ser liberado com a garantia da fiança, muito menos sem garantia alguma.

Paulo Rangel ressalva, porém, que apesar de ser proibida a concessão de liberdade provisória, com ou sem o pagamento de fiança, nada impede que seja revogada a prisão preventiva no caso de não haver mais a necessidade

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da referida cautela. Não se trata de conceder liberdade provisória, mas de revogar a prisão preventiva em razão de sua desnecessidade, o mesmo ocorrendo no caso de relaxamento, quando a prisão for ilegal – ver Súmula 697, do STF.

Finalmente, cabe ressaltar que o STF vem firmando entendimento no sentido de que somente a Constituição pode estabelecer inafiançabilidade, sendo vedado às leis infraconstitucionais tal possibilidade. Tanto é assim que, na ADIn n°. 3.112, a Suprema Corte declarou inconstitucionais os dispositivos da Lei 10.826/03 que estabeleciam a vedação de liberdade provisória, com ou sem o pagamento de fiança.

Diante de tal quadro, temos que continuam a valer as regras sobre inafiançabilidade previstas nas Leis 7.716/89 (racismo), 8.072/90 (crimes hediondos), 9.455/97 (tortura) e 11.343/06 (drogas). Ressalvamos, porém, que a questão ainda permanece tormentosa na doutrina e na jurisprudência.

CASO CONCRETO 1

1.4 Relaxamento de Prisão, Concessão de Liberdade Provisória e Revogação de Prisão Preventiva

De acordo com o art. 5°, inciso LXV, da Constituição “a prisão ilegal será imediatamente relaxada pela autoridade judiciária” e, portanto, tal situação ocorrerá quando a prisão é ilegal, decretada em desrespeito à lei, sem observância das formalidades exigidas, ou na situação em que, mesmo sendo legal em seu início, acaba por se tornar ilegal posteriormente. É o que ocorre, por exemplo, quando desaparece sua necessidade e mesmo assim continua sendo mantida, quando se extrapola um prazo razoável etc.

A liberdade provisória também tem origem constitucional (art. 5°, inciso LXVI) e será concedida quando se modificam os motivos que antes autorizavam a prisão, ou seja, o agente passa a preencher as condições para que permaneça em liberdade durante o desenvolver do processo. Em suma, não sendo necessária a prisão provisória, deverá o juiz, de ofício, conceder a liberdade ao agente.

Quanto à revogação da prisão preventiva, de acordo com o entendimento de Paulo Rangel, trata-se de hipótese idêntica à liberdade provisória no que diz respeito à causa, ou seja, deverá incidir quando a prisão que foi decretada legalmente, perde a sua necessidade por desaparecerem os

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motivos que a justificavam; por outro lado, é idêntica ao relaxamento da prisão no que diz respeito ao seu efeito, qual seja, gera a liberdade plena e absoluta do indivíduo. A revogação vem prevista no art. 316, do CPP.

2. Modalidades de Liberdade Provisória

2.1 Liberdade Provisória Decorrente do art. 310, caput e parágrafo único, e do art. 350, ambos do CPP

Na forma do art. 310, caput, do CPP, o juiz poderá conceder liberdade provisória, sem fiança, mas de forma vinculada se, ao examinar o auto de prisão em flagrante, ou mesmo no decorrer do processo, concluir que o agente praticou o fato amparado por causa excludente de ilicitude.

Embora alguns autores entendam que se deva fazer interpretação extensiva nos casos em que exista excludente de culpabilidade, apesar da inexistência de excludentes de ilicitude, a lei não autoriza expressamente, naqueles casos, a concessão de liberdade provisória. Isso, porém, não impede que a contracautela seja deferida com base no parágrafo único do dispositivo acima mencionado.

O mesmo ocorrerá nos casos em que, de acordo com o art. 310, p. único, do CPP, o magistrado se convencer de que não estão presentes os motivos que autorizam a privação cautelar da liberdade do indivíduo. Tal hipótese, segundo parte da doutrina, é aplicável tanto para os crimes afiançáveis, quanto para os inafiançáveis, embora, como já mencionamos, se a lei veda o mais (fiança), estará, automaticamente, vedando o menos (sem fiança).

CASO CONCRETO 2

Nos casos em que se conceda a liberdade provisória com base no art. 310, caput e parágrafo único, do CPP, embora o agente não pague fiança, ficará obrigado a comparecer a todos os atos do processo, sob pena de revogação.

Outro caso de liberdade provisória sem o pagamento de fiança é aquele previsto no art. 350, do CPP, situação na qual o indivíduo é dispensado da garantia pecuniária em razão de sua miserabilidade.

Visa-se, com isso, garantir o respeito ao princípio da isonomia, evitando que pessoas com maiores posses sejam privilegiadas e que aquelas com carência de recursos financeiros sejam impedidas de gozar do mesmo benefício.

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2.2 Liberdade Provisória Sem o Pagamento de Fiança e Sem Vinculação

Estabelece o art. 321, do CPP que, não sendo cominada ao delito pena privativa de liberdade, de forma isolada ou cumulativa, ou se a pena privativa de liberdade não ultrapassar os 3 (três) meses, o agente “se livra solto”, independentemente do pagamento de fiança, salvo se for vadio ou reincidente em crime doloso.

Tal regra se justifica porque, em tais infrações, mesmo condenado o agente acabará por não cumprir pena privativa de liberdade ou, mesmo que venha a ser condenado a pena de prisão, se esta não irá ultrapassar os três meses, o certo é que correrá o risco de ficar preso em flagrante ou preventivamente por tempo maior do que o que se imporá em sua condenação.

Questão interessante é aquela que abrange o conflito aparente entre o art. 321, do CPP e o art. 69, da Lei 9.099/95, pois, enquanto aquele dispositivo afirma que a liberdade passa a ser absoluta (sem vinculação), esta determina a vinculação ao comparecimento obrigatório ao JECrim sempre que intimado, sob pena de não concessão da liberdade.

Segundo Marcellus Polastri Lima, nas infrações em que não haja cominação de pena privativa de liberdade, ou cuja pena privativa de liberdade seja de até 3 (três) meses, continua a valer a regra do art. 321, do CPP; por outro lado, se a pena privativa de liberdade for de 3 (três) meses a 2 (dois) anos, aplicar-se-á a regra do art. 69, da Lei 9.099/95.

Por outro lado, segundo o mesmo autor, ainda que o indiciado/réu seja vadio ou reincidente, embora lhe seja vedada a liberdade provisória com fulcro no art. 321, do CPP, será plenamente admissível a concessão do benefício na forma do art. 69, da Lei 9.099/95.

EXERCÍCIO OBJETIVO 3

2.3 Liberdade Provisória Mediante o Pagamento de Fiança

Embora tenha ocorrido grande aplicação da fiança em tempos passados, após o advento da Lei 6.416/77, que introduziu o parágrafo único do art. 310, do CPP, tal instituto acabou por perder grande parte de sua importância.

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Além disso, a Lei 9.099/95, em seu art. 69, também ajudou a esvaziar ainda mais a importância da fiança. O mesmo ocorreu com a Lei 9.503/97 que, em seu art. 301, vedou a exigibilidade de fiança quando o autor da infração prestar pronto e integral socorro à vítima do acidente.

Entretanto, a fiança ainda continua sendo importante naquelas hipóteses em que se autoriza sua concessão pela autoridade policial – ver art. 322, do CPP. Isso significa que o agente preso em flagrante, pode obter sua liberdade mais rapidamente, sem necessidade de esperar a decisão judicial e sem necessidade da oitiva do Ministério Público.

3. Fiança

3.1 Conceito e Natureza Jurídica

Fiança é a garantia prestada pelo preso ou por terceira pessoa para que se responda ao processo em liberdade, quando a lei admitir.

A natureza jurídica da fiança é controvertida, afirmando a corrente majoritária tratar-se de uma CONTRACAUTELA à prisão. Por outro lado, o entendimento minoritário é no sentido de que sua natureza é de CAUTELA PARA A REGULAR TRAMITAÇÃO DO PROCESSO PENAL.

3.2 Valor da Fiança

Os valores estabelecidos para a concessão da fiança vêm previstos no art. 325, do CPP.

Os parâmetros para a concessão da fiança tomam por base o salário mínimo de referência, mas, de acordo com o que ensina Guilherme de Souza Nucci, não se utiliza mais o salário mínimo de referência, critério que foi retirado por força da Lei 7.789/89. Houve, então, a substituição pelos chamados “Bônus do Tesouro Nacional” – BTN.

EXERCÍCIO OBJETIVO 2

O valor deve ser fixado pela autoridade com base nos critérios previstos no art. 326, do CPP, sendo permitido reduzir ou aumentar o valor levando em conta a situação econômica do réu/indiciado (art. 325, §1°, do CPP).

3.3 Hipóteses de Não Cabimento de Fiança no CPP

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Os arts. 323 e 324, do CPP enumeram as hipóteses em que não será admissível a fiança.

O art. 323, do CPP traz as hipóteses de infrações inafiançáveis, quais sejam:

Crimes punidos com reclusão – é incabível a fiança nos casos de crimes punidos com reclusão em que a pena mínima cominada seja superior a 2 (dois) anos. O entendimento é no sentido de que, em se tratando de concurso de crimes, deve-se levar em conta o cúmulo material ou a exasperação para que se verifique a possibilidade ou não da concessão de fiança.

EXERCÍCIO OBJETIVO 1

Contravenções penais de vadiagem e mendicância – tal proibição não se aplica mais, em primeiro lugar por estarem em desuso as contravenções penais mencionadas e, em segundo lugar, pelo fato de se tratar de infrações de menor potencial ofensivo aplicando-se, por conseguinte, a regra do art. 69, da Lei 9.099/95.

Reincidência – proíbe a concessão de fiança quando houver reincidência em crime doloso, não importando qual seja a espécie de pena – detenção ou reclusão.

Prova de ser o réu vadio – não bastam informações acerca da vadiagem do réu, sendo necessária condenação com trânsito em julgado pela contravenção penal de vadiagem o que, como visto acima, não ocorre mais nos dias atuais.

Crimes punidos com reclusão que causem clamor público – clamor público é a comoção social, a indignação da sociedade diante do comportamento praticado pelo indivíduo.

No art. 324, do CPP, o legislador estabeleceu as hipóteses que impedem a fiança. São elas:

Quebra de fiança anteriormente concedida ou infração das obrigações do art. 350 – a quebra da fiança consiste no inadimplemento das obrigações, na violação da confiança, na inobservância dos ônus processuais a que está sujeito o afiançado.

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Os efeitos da quebra da fiança são: 1) perda da metade do valor caucionado; 2) obrigação de recolher-se à prisão, correndo o processo à revelia do réu enquanto não for preso. Caso seja condenado e não se apresente à prisão perderá todo o valor da fiança.

Prisão por mandado do juiz cível, de prisão disciplinar, administrativa ou militar – o principal objetivo da fiança é o de garantir a presença do indiciado/réu no processo com as obrigações constantes dos arts. 327 e 328, do CPP e, por isso, é um instituto incompatível com as prisões de natureza civil, disciplinar, administrativa e militar, visto que estas têm a finalidade de obrigar o preso a fazer alguma coisa.

Indivíduo no gozo de livramento condicional ou sursis , salvo se processado por crime culposo ou contravenção penal.

Se presentes os motivos que autorizam a prisão preventiva (art . 312, do CPP)

3.4 Perda da Fiança

Ocorre quando o réu é condenado definitivamente e não se apresenta para cumprir a pena – art. 344, do CPP.

3.5 Quebra da Fiança

Será decretada quando o beneficiário não cumprir as condições que lhe foram impostas; quando cometer nova infração penal – art. 341, do CPP.

3.6 Cassação da Fiança

Acontecerá quando a autoridade judiciária perceber ter sido incabível sua fixação, seja pelo não cumprimento dos requisitos para a concessão, seja em razão de nova classificação do delito para infração na qual não caiba o benefício – arts. 338 e 339, do CPP.

3.7 Reforço da Fiança

Os casos em que se exige o reforço da fiança são aqueles previstos no art. 340, do CPP.

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Assim, se por engano da autoridade o valor tomado inicialmente for insuficiente, deverá a fiança ser reforçada.

O mesmo ocorrerá se houver depreciação material ou perecimento dos bens dados em garantia.

Por fim, também se exigirá reforço se houver inovação na classificação da infração de forma que a nova capitulação exija fiança em valor mais elevado do que aquele que foi inicialmente imposto.

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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

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LIMA, Marcellus Polastri. Manual de Processo Penal, 2ª ed. – Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009.

LIMA, Marcellus Polastri. A Prova Penal, 2ª ed. revista e ampliada – Rio de Janeiro: Lumen Júris, 2003.

NUCCI, Guilherme de Souza. Código de Processo Penal Comentado. 8ª ed. revista, atualizada e ampliada. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008.

OLIVEIRA, Eugênio Pacellli. Curso de Processo Penal. 5ª ed. revista, atualizada e ampliada. Belo Horizonte: Del Rey, 2005.

RANGEL, Paulo. Direito Processual Penal, 13ª ed. – Rio de Janeiro: Lumen Júris, 2007.