Rousseau e Suzuki

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III ENCONTRO DE EDUCAO MUSICAL DA UNICAMPCampinas, 18 a 20 de agosto de 2010

ANAISINSS:www.iar.unicamp.br/educacaomusical

Realizao

Patrocnio Programa de Ps-Graduao em Msica IA UNICAMP

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III ENCONTRO DE EDUCAO MUSICAL DA UNICAMP

ANAISLeandro Barsalini (Editor)

Realizao

Patrocnio PPG - IA UNICAMP

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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINASReitor Fernando Ferreira Costa Coordenador Geral Edgar Salvadori De Decca Pr-Reitor de Graduao Marcelo Knobel Pr-Reitor de Pesquisa Ronaldo Aloise Pilli

INSTITUTO DE ARTESDiretora Sara Pereira Lopes Chefe do Depto. de Msica Ricardo Goldemberg Coordenador do Depto. de Msica Fernando Augusto HashimotoInstituto de Artes Rua Elis Regina, 50 Cidade Universitria "Zeferino Vaz" Baro Geraldo, Campinas, SP CEP 13083-854 Tel: (19)3521-7827 www.iar.unicamp.br

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Comisso OrganizadoraGraduandos Adriana Barreto Carolina Montedori, Luiza Nogueira Miana Mara Scarpelini Nicole Somera Renata de Oliveira Antonio Ronaldo do Prado Lima Docentes Profa. Dra. Adriana Mendes Prof. Dr. Jos Roberto Zan Prof. Ms. Leandro Barsalini Assessoria de Projetos e Pesquisas do IA Vinicius Moreno de Souza Corra

Comisso CientficaProf. Dr. Jorge Schroeder Prof. Dr. Jos Roberto Zan Prof. Dr. Ricardo Goldemberg

EditorProf. Leandro Barsalini

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O III Encontro de Educao Musical da UNICAMP trouxe como tema A lei 11.769 e a nova realidade da Educao Musical no Brasil. Atravs de uma programao que reuniu conferncias, mesas, comunicaes, oficinas e apresentaes musicais, o Encontro suscitou debates e propostas para a qualificao da educao musical nas escolas. Alm disso, promoveu importante compartilhamento de experincias na rea, ao reunir docentes, estudantes de graduao e ps-graduao, professores da educao bsica e tantos outros profissionais do setor. O sucesso do Encontro solidifica um projeto iniciado em 2008, iniciativa dos alunos do curso de Licenciatura da UNCAMP, e evidencia o empenho dessa comunidade na busca constante pela reflexo e aprimoramento de seu conhecimento. Participaram como convidadas deste Encontro as Professores Magali Kleber (UEL), Ilza Zenker Joly (UFSCar), Iveta Maria Borges vila Fernandes (UNESP), Regina Mrcia Simo Santo (UFRJ), Teca Alencar de Brito (USP) e Luciana Del-Ben (UFRGS), e Geraldo Monteiro Neto (Secretrio de Educao de Mogi das Cruzes). Estiveram presentes vinte e um comunicadores, oito oficineiros e trs grupos musicais. A todos, nosso agradecimento pelo envolvimento e disposio. Reunimos aqui os artigos completos enviados por alguns dos convidados e comunicadores.

Comisso Organizadora

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SUMRIOGeraldo Monteiro Neto Projeto Tocando, cantando... fazendo msica com crianas Regina Marcia Simo Santos Consideraes a propsito da lei 11.769/08 1 5

Rodrigo Gudin Paiva, Rafael Cleiton Alexandre Material didtico para Bateria e Percusso: levantamento bibliogrfico e elaborao de um material didtico indito para o ensino coletivo desses instrumentos 17 Glauber Resende Domingues A Msica em dilogo com o Cinema: possibilidade de aprendizagens Rossely Spejo Ferreira A formao de protagonistas sociais atravs da msica Luiz Francisco de Paula Ipolito, Maria Carolina Leme Joly Sobre a msica nas escolas e a experincia de estar trabalhando com o Projeto Pibid na rea de Msica Carla Lopardo Multiculturalismo musical: una experiencia para el aula 25 34

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Cristiane H. Vital Otutumi A melhoria da Percepo Musical no ensino superior: estudo e proposta em andamento 66 Ana Elisa de Almeida Silva Musicalizao para Bebs: A importncia da Educao Musical em Creches e Pr Escolas

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Adriano de Cssio Beli Tonon, Wandir Rudolfo Schffer O resgate da cidadania de um estudante com deficincia visual estudo de caso com a incluso da leitura musical em Braille 84 Tristan Torriani J-J. Rousseau e Shinichi Suzuki: Os Fundamentos Filosficos da Educao Musical e o Ensino do Violino 93

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III Encontro de Educao Musical da Unicamp Projeto Tocando, cantando... fazendo msica com crianas

Geraldo Monteiro Neto [email protected]

O incio da trajetria que levou ao Projeto Tocando, cantando... se deu de maneira muito modesta, se comparada dimenso que o projeto tem hoje. No ano de 2002, a Educadora e Pesquisadora Prof. Iveta Maria Borges vila Fernandes ministrou um curso de 30 horas na Universidade Brs Cubas em Mogi das Cruzes, intitulado Brincando e Aprendendo. Participaram deste curso professores de Educao Infantil e Ensino Fundamental da Rede Municipal. O interesse demonstrado pelos educadores revelou algo importante: a ausncia de uma abordagem ldica na Educao, e particularmente da Msica, j se fazia sentir. Assim, no foi surpresa que no ano de 2003 surgisse o Projeto Tocando, cantando... fazendo msica com crianas, coordenado pela prof. Iveta. A concepo do projeto partiu da hiptese de que professores de Educao Infantil e Ensino Fundamental, mediante capacitao em Educao Musical, poderiam proporcionar s crianas um aprendizado significativo em Msica, por meio da ludicidade. Desde o princpio, a metodologia empregada pela Professora Coordenadora esteve fundamentada nos trs eixos do Ensino de Arte propostos pela prof. Ana Mae Barbosa: o fazer, que se refere produo (cantar, tocar, danar etc.), o apreciar, voltado escuta de obras de carter popular, erudito e das culturas de tradio de diferentes origens, inclusive assistindo a espetculos e concertos, e o contextualizar, ou seja, o estudo do universo que gera uma obra musical: a poca, o lugar, os autores e suas trajetrias etc. A princpio, o Projeto atendia um pequeno nmero de escolas da Rede Municipal. Em reunies peridicas com as equipes escolares, a Professora Coordenadora promovia desde brincadeiras e jogos cantados, e de atividades que estimulavam a experimentao, a criao e a expresso, at leitura e discusso de textos de variados autores em Educao Musical. Desse modo, a formao continuada dos educadores equilibrava arcabouo terico, vivncias e recursos de ordem prtica. A cada encontro, os professores traziam relatos de suas experincias com as crianas em sala de aula, trocando informaes e compartilhando dificuldades e avanos. 1

III Encontro de Educao Musical da UnicampA possibilidade de um aprendizado em Msica foi sonegada a diversas geraes de educadores brasileiros. Na realidade, o ensino de Msica tem estado ausente da Educao brasileira h muitos anos notadamente, desde a Lei n 5.692, de 1971, e j h algum tempo educadores de diversas regies vm demonstrando um grande interesse pela Educao Musical. Assim, o Projeto Tocando, cantando... representou um significativo avano no sentido de reverter essa situao. Tamanho era o interesse dos educadores da Rede Municipal pelo Ensino de Msica, que mais e mais escolas se manifestavam, na inteno de participar do projeto. O que levou a mais um passo importante: a atuao de profissionais da Msica nas escolas, como agentes capacitadores dos professores. Orientados pela Professora Coordenadora em encontros e reunies peridicas, os educadores musicais colaboravam com os professores para planejar, promover, registrar e avaliar as diversas aes desenvolvidas junto aos alunos. Alm das crianas, tambm turmas da Educao de Jovens e Adultos passaram a participar do Projeto. tema recorrente nas discusses sobre Educao Musical no Brasil que necessrio investimento em duas frentes: proporcionar o aprendizado em Msica aos professores da Educao Bsica, e ao mesmo tempo, oferecer uma formao pedaggica aos profissionais da Msica que desejam atuar na Educao. Ao implantar o Projeto Tocando, cantando... em escolas da Rede Municipal, a Secretaria Municipal de Educao de Mogi das Cruzes investiu em polticas pblicas que atendem a essas duas necessidades. Alm da interveno dos educadores musicais nas escolas, continuaram as idas a apresentaes musicais, nas quais os professores tiveram contato com uma grande variedade de ritmos, gneros e estilos. A fundamentao terica e prtica se completava com ciclos de palestras e cursos com pesquisadores musicais especialmente convidados, dentre os quais se pode citar: Prof. Dr. Alberto Ikeda e Prof. Dr. Paulo Castagna, do Instituto de Artes da Unesp, a pesquisadora, cantora e compositora Magda Pucci, do grupo Mawacca, o msico e luthier Fernando Sardo e muitos outros. O contnuo crescimento do Projeto levou a outras iniciativas. Em 2007 foi publicada a primeira edio do Caderno Tocando e Cantando, um compilado de relatos de experincia, artigos, resenhas de cds e livros, sugestes de atividades e afins, de autoria dos professores das escolas participantes e dos educadores musicais ligados ao projeto. A publicao trouxe ainda entrevistas com msicos da cidade e com a educadora e pesquisadora Teca Alencar de Brito. 2

III Encontro de Educao Musical da UnicampTambm nesse perodo se iniciou uma nova fase do Projeto: a pesquisa e elaborao de materiais didticos voltados para o ensino de Msica. Ao longo de um ano, as equipes das escolas e os pesquisadores (educadores musicais) elaboraram uma coleo de jogos pedaggico-musicais, indicados para alunos da Educao Infantil e Ensino Fundamental e que exploram diversos aspectos da Msica, como parmetros do som, gneros, histria da Msica, curiosidades, a organizao de uma orquestra sinfnica etc. Esses jogos foram objeto de um curso para os professores da Rede Municipal, cujas aulas foram ministradas pelos prprios pesquisadores. Em 2009 se deu o lanamento da segunda edio do Caderno Tocando e Cantando, desta vez com forte nfase no lado histrico da msica de Mogi das Cruzes. Peas musicais do sc. XVII, cujos manuscritos foram encontrados em Mogi das Cruzes, e que constituem o mais antigo registro de obras musicais do pas, foram tema de capa e se tornaram objeto de estudo de muitas escolas. Isto aliado aos preparativos para as comemoraes do aniversrio de 450 anos da cidade, que se completam em 2010, transformou-se no tema gerador que direciona a pesquisa atualmente: a Msica e o Ensino de Msica em Mogi das Cruzes, nas suas diversas formas, gneros e pocas. As escolas vm desenvolvendo suas atividades tendo como foco a produo musical ligada cidade. Moambiques, congadas e catiras oriundas das festas tradicionais so facilmente encontradas nas escolas, da mesma forma que choros e sambas de compositores contemporneos ou peas vocais barrocas. Isso sem jamais perder aquilo que sempre foi caracterstica marcante do Projeto: as brincadeiras cantadas, cantigas de roda e jogos que permitem que, brincando, crianas, jovens e adultos tenham acesso a uma Educao Musical de qualidade. Atualmente, o Projeto contempla 33 escolas da Rede Municipal, equipadas com livros, cds, dvds e instrumentos musicais variados (dentre os quais se destacam xilofones e metalofones Orff). Semanalmente, os pesquisadores visitam as escolas, acompanhando e orientando in loco a utilizao desses recursos por parte dos professores. Contemplando desde bebs atendidos em creches, alunos de incluso e Educao Especial, crianas da Educao Infantil e Ensino Fundamental at estudantes jovens e adultos, o Projeto Tocando, cantando... fazendo msica com crianas vem garantindo a formao continuada dos professores da Educao Bsica bem como de msicos, professores de Msica j graduados e estudantes de Licenciatura em Educao Musical. 3

III Encontro de Educao Musical da UnicampO prximo passo apontado pelos professores da Rede Municipal a elaborao das Matrizes Curriculares Municipais para a Educao Bsica - Artes, que trar orientaes para o ensino de Artes Visuais, Artes Cnicas, Dana e, naturalmente, a Msica - cujo contedo dever se beneficiar enormemente do conhecimento acumulado em todos esses anos de Projeto. O documento ser disponibilizado para todas as escolas da Rede Municipal de Educao, oferecendo fundamentao para o ensino de Msica em Mogi das Cruzes, em observncia Lei 11.769, de 18 de agosto de 2008, democratizando assim o acesso Educao Musical para estudantes da Escola Pblica.

Geraldo Monteiro Neto - Licenciado em Educao Artstica com Habilitao em Msica pelo Instituto de Artes da UNESP em So Paulo, onde foi aluno da Prof. Dra. Iveta Maria Borges vila Fernandes. Atuou como Orientador no Projeto Tocando, cantando... fazendo msica com crianas e atualmente integra a Diviso de Orientao Pedaggica do Departamento Pedaggico da Secretaria Municipal de Educao em Mogi das Cruzes, respondendo pela rea de Artes.

Referncias PREFEITURA MUNICIPAL DE MOGI DAS CRUZES. Secretaria Municipal de Educao. FERNANDES, Iveta Maria B. A. (Coord. e Superviso). Cadernos tocando e cantando n 1. Mogi das Cruzes, 2007. 98p. PREFEITURA MUNICIPAL DE MOGI DAS CRUZES. Secretaria Municipal de Educao. FERNANDES, Iveta Maria B. A. (Coord. e Superviso). Cadernos tocando e cantando n 2. Mogi das Cruzes, 2009. 98p.

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III Encontro de Educao Musical da Unicamp

Msica na Escola: pra qu? Consideraes a propsito da lei 11.769/08REGINA MARCIA SIMO SANTOS III Encontro de Educao Musical UNICAMP agosto de 2010 Mesa: "Msica na Escola: pra qu?" Resumo Fugindo aos modelos dicotmicos e dualistas, pretendo discutir as questes propostas mesa, considerando as mltiplas dimenses possveis e inevitavelmente imbricadas de uma experincia musical. Sobre formar msicos ou ouvintes, reavivo algumas questes histricas na trajetria do pensamento e prtica da educao musical no Brasil, situando alguns desafios atuais. Trago exemplos desenvolvidos na prtica cotidiana como professora na educao bsica e em espaos alternativos, bem como em projetos de formao permanente do professor de msica. Finalizo deixando algumas questes afeitas formao de professores de msica e educadores da educao bsica, considerando os discursos que podem estar presentes no seu projeto de formao. Palavras-chave: msica, escola, Lei 11.769, formao de professores. Tratarei do tema proposto mesa, fazendo uma breve introduo histrica, situando o momento da Lei 11.769/08 e ento trazendo uma tese para pensarmos a msica na escola. Passarei a tratar especificamente das duas questes postas mesa: recrear ou tratar de contedos significativos? formar msicos ou formar ouvintes?. Terminarei fazendo algumas consideraes a propsito da nossa formao como docentes. Introduo Msica na Escola: pra qu?" uma pergunta que tem sido respondida em cada tempo-espao da instituio escolar. A importncia da msica na formao integral de crianas e jovens j era destacada na Antiguidade, a propsito da formao do carter do homem pblico, do guerreiro. Dos benefcios que a aula de msica pode trazer para as escolas, tambm muito j se ouviu falar. Nossa memria encontra resqucios da sua presena na escola, justificada como auxiliar no desenvolvimento de competncias e habilidades cognitivas, matemticas, lingsticas, ou para o aumento do vocabulrio, por exemplo. Conhecemos muito bem a prtica da msica como recurso para formar corpos dceis e controlar a rotina escolar, fazendo isso tudo atravs do canto coletivo. 5

III Encontro de Educao Musical da UnicampUma rpida retrospectiva histrica sobre a msica na escola no Brasil nos coloca diante de pensamentos e prticas que marcam a trajetria desse projeto de educao musical. Antes mesmo do programa de Villa-Lobos e da instituio SEMA criada em 19341, a msica j era objeto de ateno das reformas estaduais dos anos 20. Isso ocorreu no Distrito Federal, com Fernando de Azevedo investindo na publicao de um Programa de Msica e na organizao do ensino vocal e instrumental nas escolas,2 ocasio em que tambm veiculada a publicao de Lorenzo Fernandez, Bases para a organizao da Msica no Brasil, defendendo o canto coletivo para formar o sentimento nacional (SANTOS, 2009). Mas na provncia e depois estado de So Paulo, desde os anos 1870 a msica j estava presente nas escolas americanas de confisso protestante3, sob a forma de jogos e cantos diversos. Pesquisando o perodo de 1870-1920, Jane Santos constata que tais escolas traziam para o Brasil missionrios portadores de idias pedaggicas froebelianas que eram aplicadas na rotina escolar, prtica essa que inclua a msica e que logo circulou para outras escolas, especialmente para a Caetano de Campos (escola modelo), para onde foram chamadas algumas das professoras de msica da Escola Americana4. Em relatrio de 1895, que descreve o programa de ensino da Caetano de Campos, encontram-se informaes sobre o ensino de ginstica, msica e canto, trabalhos manuais, seguidos de seus respectivos horrios: os exerccios so geralmente intercalados de marchas entre bancos, de canto ou de ginstica, que constituem verdadeiros perodos de recreio [grifo meu], em que as crianas descansam o esprito, predispondo-se para novos exerccios5. O tempo escolar separado por perodos que so ainda subdivididos e a msica se faz presente em exerccios de canto e marchas que servem para recrear e demarcar essa organizao do tempo escolar (SANTOS, 2009). A Escola Nova de John Dewey (1859-1952) chegou ao Brasil combatendo a dicotomia entre jogo e trabalho na educao infantil (NUNES, 2.000) e trazendo esses materiais froebelianos para os Jardins de Infncia. Brinquedos, jogos, marchas, cantos e hinos faziam parte da rotina do Jardim Caetano de Campos, onde as "aulas de marchas e cantos (KUHLMANN, 1998, p.117) integravam um planejamento detalhado e altamente prescritivo.Superintendncia de Educao Musical e Artstica O Decreto de 1928 institui uma Comisso para elaborar o Programa de Msica que publicado em 1930 3 1870, Escola Americana de So Paulo, hoje Universidade Presbiteriana Mackenzie; 1876, Colgio Piracicabano, hoje Universidade Metodista de Piracicaba; e 1902, Colgio Progresso Brasileiro, hoje Colgio Batista Brasileiro. 4 Conforme tese de doutorado de Rosa Ftima de Souza, USP, 1997, apud SANTOS, 2009. 5 Trecho do relatrio do ano 1895, elaborado pelo diretor da Escola Normal, e que descreve o programa de ensino da Caetano de Campos. Conforme tese de doutorado de Rosa Ftima de Souza, USP, 1997, apud SANTOS, 2009.2 1

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III Encontro de Educao Musical da UnicampA msica cumpria a funo de desenvolver a motricidade e a formao de hbitos (compartilhar, esperar a vez, saber ouvir)6. Legisla-se sobre a msica na escola na provncia e depois estado de So Paulo e nesse caminho ficam mais pistas para responder pergunta msica na escola: pra qu?. Em 1892 a Lei n. 88, que trata da reforma da instruo pblica de So Paulo, fala do ensino primrio preliminar com a matria canto e leitura de msica (art. 6). Em 1894, o Decreto 248 trata do programa para as escolas preliminares, considerando trs aulas de msica por semana, com carga horria equivalente a disciplinas como Geometria, Geografia Geral e Desenho. Em 1904, o Decreto n. 1239 uniformiza os programas entre escolas-modelo, grupos escolares e escolas isoladas, e reitera que o ensino de msica seria ministrado pelos prprios professores da classe. Em 1925 o Decreto n. 3858 cria o cargo de Inspetor Especial de Ensino para Msica, devendo orientar e dirigir o Orfeo Infantil (SANTOS, 2009)7. No contexto da implantao das reformas republicanas da instruo pblica em So Paulo, anos 1910-20, encontramos Joo Gomes Junior e outros mentores do movimento orfenico.8 Mas com Villa-Lobos, Ansio Teixeira e Getlio Vargas (1930-45) a prtica da msica na escola pelo mtodo do Canto Orfenico ganhou maiores dimenses. Tratava-se de uma poltica de formao do professor de msica e de ao junto s turmas das sries iniciais, com o trplice objetivo de desenvolvimento esttico, de disciplina e civismo, objetivando a construo de uma identidade nacional - a formao de uma conscincia musical brasileira. (VILLA-LOBOS, 1971, p. 102). A disciplina Canto Orfenico garantiria um instrumento educacional com o seu enorme poder de coeso, criando um poderoso organismo coletivo e um enorme propulsor de energias cvicas (p. 103). Dizia Villa-Lobos: por que se estuda msica? No h de ser, por certo, com o nico propsito de ler ou escrever notas. (...) (p. 97). Ainda sobre a educao musical segundo o iderio da modernidade, o projeto de msica na escola passa a destacar o trao criador. O contexto o da Educao Nova, que lana o Manifesto de 1946; da Escolinha de Arte do Brasil, criada em 1948 no Rio de Janeiro e que nos anos 50 um dos importantes difusores do pensamento de arte-educao - termoMais detalhes, ver o texto SANTOS, Regina Marcia Simo. Cartografias na Educao Infantil: quem joga? In: ENCONTRO ANUAL DA ASSOCIAO BRASILEIRA DE EDUCAO MUSICAL, 9., 2000, Belm. Anais... Belm: ABEM, 2000. p. 111-132. 7 Remisso dissertao de Mestrado de Vera Lcia Gomes Jardim, Os sons da Repblica: o ensino da msica nas Escolas Pblicas de So Paulo na Primeira Repblica 1889-1930. PUC SP, 2003 (apud SANTOS, 2009). 8 Outros mentores so Carlos Alberto Gomes Cardim, Fabiano Lozano, Lzaro Lozano, Honorato Faustino e Joo Batista Julio. Remisso dissertao Mestrado de Renato de Souza Porto Gilioli, Civilizando pela msica: a pedagogia do Canto Orfenico na Escola Paulistana da Primeira Repblica. FE- USP, 2003 (apud SANTOS, 2009).6

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III Encontro de Educao Musical da Unicampcriado por Herbert Read, que ressalta o esprito de experimentao e criao e integra as linguagens da arte. Os anos 60 vo fortalecer essas idias de liberdade e criao que surgiram no ps-guerra e esto expressas no Movimento de Educao pela Arte (MEA) e no movimento de contra-cultura, e os anos 70 vo assistir a ecloso das Oficinas de Msica com seu ideal de experimentao sonora, no mbito dos cursos superiores de msica, incluindo a Licenciatura. Portanto, continuamos a fazer mover o projeto de msica para as escolas, a partir da formao dos professores e com idias sobre criatividade e processos de criao. Contudo, esse pensamento e prtica se resvalou para uma criatividade descomprometida com a sistematizao do conhecimento musical, puro laissez-faire (deixarfazer) e qual o msico-educador Koellreutter habitualmente chamava de vale tudismo e Fuks (1991) reconhece ser tomada pela escola, oficializada pela Lei 5692/71 como uma prtica polivalente e que no passou de uma bandeira pr-criatividade (p.158-160) intercalada ou simultnea ao canto cvico-escolar. 1. A disciplinarizao da msica na escola: a lei 11.769/08 Fao esse breve histrico mostrando como temos respondido pergunta sobre para que serve a msica na escola, e pretendo situar o momento que vivemos, marcado pela aprovao da Lei Federal 11.769 em 18 de agosto de 2008, que altera a LDB 9394/96, ao estabelecer a msica como contedo obrigatrio do ensino de arte. Naquele agosto de 2008, ante a euforia que vivamos como educadores musicais, eu lembrava que o debate estava s comeando. Estamos em meio aos debates sobre a implantao da Lei 11769/2008, ou melhor, sobre a disciplinarizao da Msica nos projetos pedaggicos. Tratamos de questes que envolvem quem, como, quando, onde, o que, com que - quais so os objetivos pedaggicos da aula de msica, quais so as mltiplas funes da msica na formao dos sujeitos sociais. Msica na escola: pra qu?. Minha tese a propsito da disciplinarizao da msica nos currculos da educao bsica : a msica na escola deve contribuir para o desenvolvimento do potencial musical de que todo sujeito capaz. Msica na escola deve servir para isso. Essa tese tem uma dupla remisso: trata-se de compreender msica como uma forma de pensamento; e de compreender os processos pedaggicos disparados por aquilo que desafia e faz pensar.

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III Encontro de Educao Musical da UnicampValho-me de interlocutores das reas de msica, educao e filosofia, para desenvolver esta questo. Com Serafine (1988), no mbito dos seus estudos sobre cognio musical, compreendemos que msica diz respeito a pensar em ou pensar com o som, justificando-se falar de pensamento musical. Com Swanwick (2003; 1999) e Elliott (1995), entendemos msica como um modo de saber que se distingue de um saber sobre msica (um discurso proposicional). Com Deleuze e Guattari (DELEUZE; GUATTARI, 1992), entendemos que msica (arte) uma forma de pensamento, conhecimento e expresso. Msica (arte) uma forma de pensar por afetos, por blocos de sensao9. A msica na escola pode at se prestar a todos os usos citados nesta retrospectiva histrica. Mas, sobretudo, podemos falar de um devir10 musical (qualidade musical) e da possibilidade do seu desenvolvimento permanente, da mesma forma como podemos falar da competncia lingstica ou da competncia matemtica de todo sujeito. Com isso, frisamos uma competncia musical a ser desenvolvida sistematicamente na escola, incluindo todo sujeito num fazer musical. Isso contrasta com a posio praticada at hoje, da msica na escola, sob a forma de aes casuais e pontuais, em projetos extracurriculares ou fora da grade, para os escolhidos e talentosos (seja por conta de um meio social propcio, seja por um discurso sobre o inato). E contrasta com a concepo de um componente curricular oferecido exclusivamente em organizaes do ensino em classes com alunos da mesma srie. Tenho insistido nessa idia e a ela volto agora. Na antiga LDB 5692/71, art. 8, tratando de organizaes do ensino do 1 e 2 graus, j era apresentada a alternativa de se permitir, conforme o plano e as possibilidades do estabelecimento, opes que atendessem s diferenas individuais e variedade de habilitaes, podendo reunir alunos de diferentes sries na organizao de uma classe de ensino. O inciso 2 assim diz:

Embora no caiba neste pequeno texto, vale citar o exemplo do cotidiano curricular numa escola pblica do Rio de Janeiro, rede municipal, Escola Guatemala, com crianas da 2 srie, na escuta de La Ciudad, obra de Sergio Prudncio, compositor boliviano, realizada com uma orquestra de instrumentos autctones. Na escuta, as crianas so afetadas pelo gradativo aumento da densidade rtmica e orquestral, sonora, expressando isso no trao e desenho de vages de trens que surgem cada vez mais repletos de bois vermelhos. E eles justificam isso remetendo escuta do referido trecho musical, enquanto apontam o registro visual. Experincia desenvolvida pela autora desse texto, anos 80, como parte do planejamento das aulas de msica para 1 a 4 srie naquela escola. 10 Uso o termo devir numa abordagem deleuziana. Assim, posso falar de uma aula em seu devir-oficina de criao musical, devir-composio tcnica, devir-coro, devir-anlise musical etc. Sempre um movimento, um processo, algo da ordem de uma aliana, qualidades, fluxos, dimenses. (DELEUZE; GUATTARI, 1997)

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III Encontro de Educao Musical da UnicampEm qualquer grau [1 e 2], podero organizar-se classes que reunam alunos de diferentes valentes nveis de adiantamento, para o ensino de lnguas estrangeiras e outras disciplinas, reas de estudo e atividades em que tal soluo se aconselhe.

Quando integrei a equipe central da Secretaria Municipal de Educao do Rio de Janeiro Departamento de Ensino Fundamental nos anos 80, o ensino de lnguas estrangeiras se deu atravs dessa alternativa de organizao em classes reunindo alunos de diferentes sries e essa foi a proposta indicada pelos tcnicos integrantes da equipe de Msica, da qual eu fazia parte. A LDB 5692 foi revogada pela Lei 9394 de 20.12.1996, mas talvez seja bom reavivar a alternativa que existiu para o ensino de lnguas estrangeiras e outras disciplinas, reas de estudo e atividades em que tal soluo se aconselhe. Reitero que, uma vez reconhecida a soberania territorial da Msica no conjunto das disciplinas na escola bsica, trata-se de ocupar esse espao de direito na formao do sujeito (SANTOS et all, 2008)11, o que impe tratarmos das questes especficas j indicadas a essa mesa de debate, e que desenvolveremos a seguir. 2. Objetivos pedaggicos da aula de msica na escola: recrear ou tratar de contedos significativos na formao dos sujeitos? Quero trazer alguns exemplos (como tenho feito em outros textos, chamarei novamente de cenas) que instabilizam a aparente separao entre a msica (formalizao de contedos, ampliao cultural, trabalho, work) e o brincar (recreao, ludicidade, lazer, informalidade). CENA 1. A lenda do Curupira vivenciada e produz mltiplos curupiras: um repertrio de sons e movimentos, jogos de explorao e expresso. Nessa produo de jogos o grupo compara, contrasta, analisa, toma decises relacionadas a estruturas musicais, gestos expressivos, formas musicais e registros. recreao e produo de conhecimento. CENA 2. Cad o toucinho que estava aqui?... Essa brincadeira - como tantas outras que poderamos enumerar entre parlendas, trava-lnguas e adivinhas - encanta os que brincam com as variaes rtmicas e de entonao da voz, ou com um territrio criado por uma regularidade mtrica, um complemento na forma responsorial-dialogal, uma pergunta-resposta. Ou que se surpreendem com uma finalizao que interrompe aTrata-se de texto de 2008, escrito em parceria com DIDIER, Adriana Rodrigues; VIEIRA, Eliane Maria; e ALFONZO, Neila Ruiz.11

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III Encontro de Educao Musical da Unicamplgica instituda no transcurso das ocorrncias musicais. prazer, recreao e aprendizado. CENA 3. Vamos para a aula de msica? - um livro de poemas em ingls. A criana chama o adulto para a aula de msica. Naquele ambiente h um piano, uma flauta doce, um violo. A criana toma o adulto pela mo e o conduz para um cantinho, onde abre um livro. um livro de poemas em ingls, para crianas. Deparam-se com um poema que diz: This little pig went to market A estrutura this little pig se repete, sempre intercalada de outros elementos. A criana envolvida por esse ostinato rtmico e sonoro que o leitor sabe explorar e pe em evidncia. Para ela, pura msica. O adulto entende que ali est um elemento em potencial para o jogo musical. recreao e exerccio do pensamento musical. aula de msica. Os dois brincam e produzem msica. O adulto, um provocador. A criana, um viajante imerso num jogo que devir msica, a um s tempo ritmo, som, intensidade, repetio, contraste. CENA 4. Meu nome... minhas partes sonoro-musicais. Ah! Isso que melisma? Eu no sabia que sabia!... Num curso bsico de msica oferecido para professores das sries iniciais da Secretaria Municipal do Rio de Janeiro, no final dos anos 90, a apresentao dos professores, pelos seus nomes, suscitou um jogo musical. A textura melismtica de um dos nomes logo tomada de um dos improvisos e frisada por todo o grupo. Ouvir o seu nome cantado por todo o grupo foi uma experincia que ganhou ainda mais sentido quando a jovem ficou sabendo que se tratava de um melisma. Isso ela conhecia, das msicas de Marisa Monte. E tratou de dizer que no sabia que sabia! E no encontro seguinte ouviu-se melisma na msica de Marisa Monte e em msicas renascentistas. O adulto se deixa arrebatar por um novo significado que criado enquanto experimenta e brinca. Trata-se de um aprendizado que produz aumento de potncia. A partir dessas breves cenas descritas, retomo a questo dirigida mesa, analisando-a por trs perspectivas: (1): Prazer, recreao e aprendizado caminham juntos. Aprendizado que produo de conhecimento, formalizao de contedo. Considerando representaes vigentes sobre jogo e educao (jogo como recreao, relaxamento e jogo como forma de expresso), e considerando que interessante criar pontes (BROUGRE, 1998, livro, p. 05) entre atividades dirigidas e o jogobrincadeira que a criana desenvolve para seu prazer e recreao, trago a pergunta de Kishimoto: como reunir dentro da mesma situao o brincar e o educar? (KISHIMOTO, 2003, p. 37). (2): Entendendo jogo como cultura ldica - uma forma de brincar com a cultura, de entrar em contato com a cultura (BROUGRE, 1998, p. 07)12 -, vemos que essa cultura ldica est no aprendizado da lngua materna, mas tambm na brincadeira das crianas e jovens comGilles Brougre, filsofo frances, socilogo, formado em filosofia e em antropologia, Doutor em Cincias Humanas na Universidade Paris XIII. Sua experincia acadmica inclui a atuao na Faculdade de Educao da12

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III Encontro de Educao Musical da Unicamppadres da cultura musical. O musiclogo Antony Seeger (1982) estudou esse aprendizado entre as crianas suy, ao criarem akias-miniatura, imitando as akias dos adultos. Podemos reconhecer a prtica dessa cultura ldica entre as diversas manifestaes da cultura musical urbana em nosso pas, em que os adultos so peritos em relao s crianas iniciantes, da mesma forma como as crianas mais velhas o so em relao s mais novas. A ludicidade vem combinada com intervenes, como jogo cooperativo e scio-educativo, espao aberto de experimentao e comunicao com os outros e com o seu meio cultural, onde as regras podem ser mantidas ou transgredidas. A garantia desse ambiente de ludicidade reivindicada por adolescentes e jovens nos pases que nas ltimas dcadas se propuseram a fazer as reformas nacionais da educao e reviso da msica no currculo. No seu estudo de msica na escola, esses alunos desejam ter maior autonomia no desenvolvimento de suas prprias estratgias de aprendizagem musical, com mtua ajuda entre os colegas, ouvindo e voltando a ouvir as gravaes e tocando juntos, em grupo, sem muita interveno do professor (GREEN, 2008). (3): Ao defender que a brincadeira seja incorporada no currculo, superando a dicotomia entre brinquedo e trabalho srio, estamos diante do que j se denominou de o paradoxo da brincadeira - espao de aprendizagem fabuloso e incerto (WAJSKOP, 1997, p. 31). Na construo de um projeto pedaggico, de pouco nos vale hoje a diviso dicotmica de um espao em sala de aula (com trabalho srio) e o l fora (espao livre, da brincadeira e convivncia). Alguns alegaro que no se pode organizar, a partir da brincadeira, um programa pedaggico preciso. Contudo, nesse momento histrico da institucionalizao ou disciplinarizao da msica na escola, no Brasil, nosso posicionamento requer uma escolha fundamentada sobre modos de lidar com planejamento, especificamente sobre modos de organizao que impliquem maneiras de lidar com variados graus de previsibilidade, controle, enquadramento o liso e o estriado13. 3. Objetivos pedaggicos da aula de msica na escola: formar msicos ou formar ouvintes?

USP e a direo de um programa de formao consagrado brincadeira e ao brinquedo, desenvolvido no Departamento de Cincias da Educao da Universidade de Paris-Norte. 13 Sobre liso e estriado, ver SANTOS, Regina Marcia Simo. Uma trajetria de pesquisa sobre rizoma e educao musical. In: SIMPSIO PARANAENSE DE EDUCAO MUSICAL, 11., 2005, Londrina. Anais... Londrina: SPEM, 2006. CD ROM

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III Encontro de Educao Musical da UnicampO que parece sustentar projetos voltados para formar msicos ou formar ouvintes - formar platia? Estamos diante de uma proposta cuja natureza dicotmica. Na escola, quem so os destinados a um projeto ou outro? A partir de que ponto se faz a separao entre esses dois supostos grupos de sujeitos? A partir de que critrio? A instituio de fronteiras entre msicos e ouvintes no projeto de formao/educao musical traz consigo a figura de um avaliador que, na prtica pretensiosamente inequvoca e soberana da avaliao, talvez pr-destine uns e outros para percursos distintos. Isso contrasta com o desafio atual feito aos educadores, sobre promover projetos de incluso e a busca de caminhos que cedo demais no excluam tais sujeitos de fazer a vida vibrar14 a partir de experincias educacionais e culturais coletivas. Lembro do depoimento de um ex-aluno, concluinte de um Curso de Bacharelado em Msica, reportandose sua experincia em aulas de msica quando criana: ali comeou a minha profissionalizao.15 Supondo um projeto para formar msicos e outro para formar ouvintes, que competncias e saberes so excludos deste, que recorte feito e como justificada a escolha dos sujeitos? Retomo a questo dirigida mesa, analisando-a sob duas perspectivas: (1): Qual a motivao para formar ouvintes? Significa informar sobre a obra e ensinar a estar num ritual de performance (saber aplaudir na hora certa)?16 Significa suprir o sujeito de algo que lhe falta o gosto musical? No projeto de Villa-Lobos falava-se em educar, treinar, construir o gosto musical ou gosto esttico (VILLA-LOBOS, 1971, p.96, 98, 106, 107)17. Significa formar um consumidor admirador de um determinado bem cultural, assegurando a platia para a sobrevivncia dos que vivem desse ritual cultural?18

Ver o texto SANTOS, Regina Marcia Simo. Melhoria de vida ou fazendo a vida vibrar: o projeto social para dentro e fora da escola e o lugar da educao musical. Revista da ABEM, Porto Alegre, n. 10, p. 59-64, 2004. 15 Trata-se de um projeto de musicalizao / formao musical desenvolvido com crianas em uma comunidade eclesistica e realizado nas dependncias da Terceira Igreja Batista na Ilha do Governador, Rio de Janeiro, RJ, anos 1980-90. Fui coordenadora e docente desta ao. 16 Essas so algumas das respostas obtidas em pesquisa de campo, quando do meu estudo de doutoramento, a propsito do projeto de formar ouvintes desenvolvido por uma orquestra. Cito: Um indicador de que se est formando platia no BarraShopping o fato de que o pblico manifesta-se cada vez mais conforme as regras que regem o modo de estar num ritual de concerto em sala convencional. (SANTOS, 1999). 17 Texto inicialmente publicado no Boletim Latino-Americano Musical, 1946. p. 95-130 18 Em outras palavras: aumentar a fatia do pblico consumidor, na expectativa de se ver cumprir o desejo do msico de vender sua mercadoria, ver a casa cheia e de que seus CDs vendam.

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III Encontro de Educao Musical da Unicamp(2) Queremos um projeto que tenha potncia para produzir o devir ouvinte e o devir msico, ou o devir msico no ouvinte e no executante19? Produzir o devir msico no ouvinte e no executante significa desenvolver as qualidades de msico na situao de escuta (capacidade de produzir escutas, jogos de conectar, e no s a escuta guiada e obediente) e na situao de performance (envolvendo execuo e composio). Como fazer um projeto curricular de msica sem a admisso imediata experincia de tomar parte no fazer musical que escutaapreciao (audience-listening), composio, execuo, aquisio de conhecimento (tcnico, notacional, perceptivo) e aumento do conhecimento da literatura (repertrio, obras, estilos)? Como fazer um projeto curricular de msica sem explorar um meio na situao de escuta e na situao de execuo e criao e produzir questes e conhecimento sistematizado? Swanwick (1999; 2003) e David Elliott (1995) afirmam que no basta a centralidade da performance. Aprende-se msica fazendo msica, mas preciso transformar programas baseados em produtos (projetos corais e instrumentais) em prticas musicais reflexivas, nas quais o conhecimento nasce e se desenvolve de situaes musicais que significam musical problem finding e musical problem solving num contexto musical genuno ou prximo a uma prtica musical real (ELLIOTT, 1995, p. 64). 4. Finalizando: Os discursos que nos constituem no processo de formao do educador ainda hoje guardam uma nfase binria e prescritiva. Que desafio permanece, quanto a realizar aquilo que ainda no existe, mas que h de existir, ou pode existir ou se receia que exista (KOELLREUTTER, 1997, p.54)? 2.1. Inventar um cotidiano marcado pela produo de conhecimento que atravessada pelo esprito do jogo, por aquilo que nos fora a pensar, que desafia e faz pensar, por seu carter interessante, importante, notvel da ordem da paixo (do grego pathos). Conforme influncia deleuziana nas palavras de Larrosa (2002): o exerccio do pensamento como um modo da sensibilidade e da paixo em relao quilo que comove a alma e a deixa perplexa. (p. 127); e 2.2. Inventar um cotidiano que tenha potncia para produzir o devir msico na situao de ouvinte e executante.

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Remeto idia deleuziana aqui j exposta: devir como algo da ordem de uma aliana, qualidades, fluxos, dimenses.

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III Encontro de Educao Musical da UnicampPodemos ter o componente msica no currculo e o devir msica lhe escapar. Fica a indagao: msica - quais so seus limites? Msica em cada escola: quais so as possibilidades de pens-la fora dos padres dicotmicos que foram at aqui herdados? Essa a contribuio que o momento atual espera de cada um de ns, e como coletividade.

Referncias Bibliogrficas: BRASIL, Congresso Nacional. Lei 5692. Dirio Oficial, 12 agosto 1971.

http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L5692.htm acesso em: 20 out 2010 BRASIL. Lei no. 11.769, de 18 de agosto de 2008. Altera a Lei no. 9394, de 20 de dezembro de 1996... para dispor sobre a obrigatoriedade do ensino da msica na educao bsica. Dirio Oficial da Unio, Braslia, ano CXLV, n. 159, seo 1, p.1, 19 ago. 2008. http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2007-2010/2008/Lei/L11769.htm http://www.in.gov.br/imprensa/visualiza/index.jsp?jornal=1&pagina=1&data=19/08/2008 acesso em: 20 out 2010 BROUGRE, Gilles. O que brincadeira? Gisela Wajskop entrevista Billes Brougre. Revista Criana, MEC, n. 31, p. 3-9, 1998. DELEUZE, Gilles & GUATTARI, Flix. O que a Filosofia? trad. Bento Prado Jr. E Alberto A Muoz. Rio de Janeiro: Ed 34, 1992 ___________. Devir-Intenso, Devir-Animal, Devir- Imperceptvel. In: _______. Mil Plats: Capitalismo e Esquizofrenia. v. 4. Rio de Janeiro: Ed. 34, 1997, p. 11-114 ELLIOTT, David J. Music matters: a new philosophy of music education. Nova York / Oxford: Oxford University Press, 1995. FUKS, Rosa. O Discurso do Silncio. Rio de Janeiro, Enelivros, 1991. GREEN, Lucy. Music, Informal Learning and the School: a new classroom pedagogy. Institute of Education, University of London, England: Ashgate, 2008. KISHIMOTO, Tisuko M. Salas de aulas nas escolas infantis e o uso de brinquedos e materiais pedaggicos. In: REUNIO ANUAL DA ANPED, 23, 2000, Caxambu. Anais... Caxambu, ANPEd, 2000, verso eletrnica. KOELLREUTTER, Hans J. O esprito criador e o ensino pr-figurativo. Cadernos de Estudo: educao musical, Belo Horizonte, v. 6, p 53-59, 1997. KUHLMANN Jr, Moyss. Infncia e educao infantil: uma abordagem histrica. Porto Alegre: Mediao, 1998. 15

III Encontro de Educao Musical da UnicampLARROSA, Jorge. Notas sobre a experincia e o saber de experincia. trad. Joo Wanderley Geraldi. Revista Brasileira de Educao. Campinas, n. 19, p. 20-28, 2002. NUNES, Clarice. Ansio Teixeira: a poesia da ao. Bragana Paulista, SP, EDUSF, 2.000 SANTOS et all. Msica: uma forma de pensamento, conhecimento e expresso. In: COLQUIO FRANCO-BRASILEIRO DE FILOSOFIA DA EDUCAO, 4, 2008, Rio de Janeiro. Anais... Rio de Janeiro, UERJ, 2008, verso eletrnica. SANTOS, Jane B O. Igreja e Escola na perspectiva das prticas musicais em colgios histricos americanos de confisso protestante (So Paulo: 1870-1920) Tese doutoramento. Faculdade de Educao. USP, 2009. SANTOS, Regina M S. A Natureza da Aprendizagem Musical e suas Implicaes Curriculares: anlise comparativa de quatro mtodos. Fundamentos da Educao Musical, Porto Alegre, v.2, p. 07-112, 1994. _________. O Funcionamento Enunciativo de um Acontecimento Musical Urbano e a Gerao de Sentido. In: ENCONTRO NACIONAL DA ANPPOM, 11, 1999, Campinas. Anais... Campinas, ANPPOM, 1999, p. 339-343. SEEGER, Anthony. Msica indgena: a arte vocal dos suy. So Joo del Rei, Tacape (encarte do disco), 1982 SERAFINE, Mary L. Music As Cognition: the development of thought in sound. New York: Columbia University Press, 1988. SWANWICK, Keith. Ensinando msica musicalmente. So Paulo: Moderna, 2003. ______. Teaching Music Musically. London: Routledge, 1999. VILLA-LOBOS, Heitor. Educao Musical - comentrios e consideraes. Presena de VillaLobos. Rio de Janeiro, n. 6, p. 95-129, 1971. WAJSKOP, Gisela. Brincar na Pr-Escola. 2 ed. So Paulo: Cortez, 1997.

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III Encontro de Educao Musical da Unicamp Material didtico para Bateria e Percusso: levantamento bibliogrfico e elaborao de um material didtico indito para o ensino coletivo desses instrumentosRodrigo Gudin Paiva UNIVALI - Universidade do Vale do Itaja [email protected] Rafael Cleiton Alexandre UNIVALI Universidade do Vale do Itaja [email protected] Resumo O presente artigo apresenta um relato de experincia sobre materiais didticos para bateria e percusso. Em uma primeira etapa, um levantamento bibliogrfico foi realizado, seguido de anlise, onde livros escritos por autores brasileiros e editados no Brasil, a partir do ano 2000, foram categorizados e questes sobre a forma e seus contedos foram levantadas. Este levantamento possibilitou identificar que o nmero de materiais didticos para bateria e percusso disponveis no mercado nacional aumentou significativamente nos ltimos anos, apontando para uma maior facilidade e acesso a materiais de boa qualidade que possam auxiliar professores e estudantes brasileiros na pesquisa e no estudo desses instrumentos. Em uma segunda etapa, um material didtico indito foi desenvolvido com a finalidade de estabelecer um dilogo efetivo com o professor e privilegiar o ensino coletivo e a prtica de conjunto, reunindo composies para bateria e percusso em grupo. Palavras-chave: Bateria e percusso, material didtico, ensino coletivo de instrumento.

Introduo No Brasil de alguns anos atrs, professores e estudantes de msica encontravam muitas dificuldades para o ensino e para o estudo da bateria e da percusso brasileira, visto que a oferta de materiais didticos voltados para essa rea era muito escassa. Em razo dessa carncia, o ensino e aprendizado ficavam limitados ao uso de materiais estrangeiros ou apenas de gravaes em discos da poca.Quando tomei a deciso de me tornar msico profissional e l se vo quase trinta anos -, esbarrei na enorme dificuldade em conseguir material didtico que possibilitasse o meu aprimoramento. O que se via nas prateleiras especializadas eram mtodos e mais mtodos vindos de fora. Eram trabalhos voltados para o rock ou para o jazz e que davam nfase aplicao dos

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III Encontro de Educao Musical da Unicamprudimentos de caixa da escola americana. Para um msico jovem interessado nos ritmos brasileiros, pouco ou nada havia. (BOLO, 2003, p. 5).

Bateristas e percussionistas brasileiros sempre foram conhecidos por sua criatividade e, apesar das dificuldades em se conseguir materiais didticos no Brasil at por volta do final dos anos 80, esses msicos sempre buscaram alternativas para o seu aprendizado e desenvolvimento musical. Talvez essa caracterstica se deva forma de estudo e s condies de informao da poca. Segundo Rosas (2006), o msico brasileiro Arismar do Esprito Santo relata sua experincia:Comecei a tocar bateria em Santos, aos 17 anos. Aprendi tocando junto com meus discos: Som 3 (Toninho Pinheiro), Oscar Peterson Trio (Ed Thigpen), Quincy Jones (Grade Tate) e outros LPs de Trios (Tamba Trio, Zimbo Trio, Airto Moreira) (ROSAS, 2006, p. 49).

Tocar junto com gravaes, tendo como um modelo o estilo de grandes msicos, uma prtica musical e de aprendizagem que ainda muito utilizada, inclusive pelas novas geraes, como o caso do baterista Cuca Teixeira. Ele relata que tocar junto com discos foi a sua grande formao, pois, com esse tipo de estudo pode-se desenvolver ritmo, musicalidade, e ajudar a simular uma prtica de conjunto1. A partir dos anos 2000, com o maior acesso tecnologia, uma grande quantidade de materiais didticos surgiu no mercado brasileiro, pelas mais variadas formas de mdia, tais como: livros, livros que acompanham CDs ou DVDs, CD-ROMs, vdeos-aula e sites da internet. Ou seja, uma verdadeira revoluo aconteceu para o professor e o estudante de msica devido s novas alternativas tecnolgicas. Podemos afirmar, sem dvida nenhuma, que nos dias de hoje esse quadro mudou para melhor. A percusso e a bateria brasileira esto sendo registradas em livros didticos e de forma significativa, podendo contribuir para a educao musical. A principal questo a ser refletida no momento como os professores podem utilizar tais materiais?

Depoimento do msico Cuca Teixeira em um workshop realizado na Casa da Cultura Dide Brando na cidade de Itaja em 15/03/2006.

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III Encontro de Educao Musical da Unicamp1. Primeira Etapa: Levantamento Bibliogrfico Primeiramente realizamos um levantamento das publicaes de autores brasileiros e editados no Brasil a partir dos anos 2000. Foram encontrados 28 livros destinados a essa rea, alm de revistas especializadas, CDs e DVDs didticos e inmeros sites na internet.2 Aps o levantamento e a anlise realizada, alguns problemas foram encontrados. Observamos que apesar de uma grande quantidade de ttulos disponveis no mercado atual, apenas 10% dessa produo est voltada para o ensino da bateria e da percusso de forma integradora. Ou seja, em sua grande maioria tais materiais didticos ainda no privilegiam o ensino coletivo desses instrumentos, mas sim, o ensino individual, existindo, portanto, uma lacuna com relao prtica de conjunto. Outro problema encontrado que os materiais didticos ainda so, em sua maioria, resultado de estudos baseados na vivncia do prprio autor, no sendo desenvolvidos, portanto, com uma metodologia clara de ensino ou um dilogo mais efetivo com o professor que poder utilizar esse material.No caso especfico da msica, encontramos obras que, mesmo sem pretenso explcita de se caracterizar como mtodo, apenas descrevem uma infinidade de atividades e exerccios que supostamente dariam conta do ensino e levariam ao aprendizado da matria. (TOURINHO, 1994, p.16).

Tambm constatamos que 75% dos livros encontrados esto acompanhados de CDs, DVDs ou CD-ROMs. Portanto, julgamos ser uma tendncia do mercado atual os materiais estarem acompanhados de novas mdias, contendo udio ou vdeo.Este fator pode ser muitas vezes decisivo para a aquisio desses materiais, pois, (...) tocar junto com gravaes auxilia os msicos em geral, e inclumos aqui os autodidatas, a complementarem suas fontes de estudos (PAIVA; ALEXANDRE, 2009, p.4.).

Outro aspecto relevante que 32% dos materiais didticos esto em formato bilnge, o que demonstra a inteno de atingir o mercado internacional. Consideramos que este aspecto possa contribuir na divulgao da percusso e da bateria brasileira de forma mais ampla, inclusive no exterior.

Esta primeira etapa foi publicada na ntegra nos Anais do XII Encontro Regional da ABEM Sul, em 2009, sob o ttulo: A recente produo de materiais didticos para bateria e percusso no Brasil.

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80% 60% 40% 20% 0%Bateria e percusso de forma integrada Livros que Acompanham CDs, DVDs ou CDROM Formato bilngeFigura 1 Principais pontos encontrados na primeira etapa da pesquisa

Tais constataes demonstram, portanto, uma grande evoluo na produo de materiais didticos na rea da bateria e da percusso brasileira, porm existem tambm alguns aspectos que merecem maior ateno por parte dos autores que pretendem contribuir mais amplamente para a rea da educao musical, principalmente no que diz respeito ao dilogo com o professor que atua com o ensino coletivo de msica. Assim, surgiu a inteno de elaborar um material didtico que estivesse comprometido com a integrao entre a bateria e a percusso, principalmente no que se refere prtica de conjunto e que da mesma forma trouxesse um dilogo claro com o professor que porventura viesse a utiliz-lo. 2. Segunda etapa: elaborao de um material didtico Com base nos pontos expostos anteriormente, idealizamos a elaborao de um material didtico que auxilie professores de msica, abordando questes como: prtica de conjunto e integrao entre a bateria e os instrumentos de percusso. Constatamos que existe repertrio para instrumentos na rea da percusso, mas nem sempre esse repertrio est organizado em um material didtico. Alguns autores como Meireles (2003), Lacerda (2005), Sampaio (2008), incluram composies para bateria ou percusso em seus livros. 20

III Encontro de Educao Musical da UnicampTambm fcil encontrarmos grupos onde, composies para bateria ou percusso ocupam um lugar de destaque. Podemos citar como exemplo o trabalho de artistas como: Barbatuques 3, Casa de Marimbondo 4, Bateras 100% 5, Brazilian Duet 6 entre outros. Alm disso, a percusso est presente de maneira muito forte na nossa cultura popular em grupos como: Escolas de Samba, Naes de Maracatu, Congado, por exemplo. Vrios desses grupos tambm atuam em projetos scio-educacionais atravs de ONGs, associaes comunitrias, projetos culturais, etc. Por isso a nossa preocupao foi organizar em um livro, repertrio com finalidade didtico-pedaggica. A nfase principal desse trabalho consiste num conjunto de peas que formam um repertrio para bateria e percusso, valorizando a prtica musical em grupo. Todas as composies elaboradas esto acompanhadas de comentrios, com sugestes para o professor de msica, dicas de atividades para sala de aula, alm das gravaes em udio e vdeo. Para o processo de composio e formao das peas, todo e qualquer tipo de idia musical que surgia era registrada, mesmo que por ventura essas idias fossem descartadas posteriormente. Optamos nesta fase, que o ato de compor fosse um processo experimental, onde as composies fossem testadas e ajustadas at a sua concluso. 3. Conhecendo o material elaborado O livro rene doze composies direcionadas aos nveis iniciante, intermedirio e avanado. Quanto instrumentao, as peas utilizam percusso corporal, instrumentos no convencionais, bateria e diversos instrumentos de percusso. A seguir descreveremos algumas das composies que formam o material didtico elaborado. Sempre Dez Essa composio, direcionada aos alunos de nvel iniciante ou intermedirio, tem o objetivo de desenvolver a habilidade de executar ritmos em compassos alternados e de apresentar uma escrita musical no convencional, com a utilizao de nmeros. Possui

Trabalho voltado para percusso corporal, http://www.babatuques.com.br Composies para quarteto de bateria, http://www.casademarimbondo.com.br 5 Trabalho voltado para encontro de bateristas, http://www.baterasbeat.com.br/bateras100.php 6 Vdeo aula com composies para duo de bateria com a utilizao da percusso (CUNHA, Alexandre & MONTANHAUR, Ramon. Brazilian Duet: ultrapassando limites 1, 1998).4

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III Encontro de Educao Musical da Unicampcaracterstica mais aberta, flexvel, fazendo com que possa ser executada com qualquer instrumentao. Samba Lel Para essa composio utilizamos a melodia da cano folclrica Samba Lel para aplicarmos alguns conceitos sugeridos por Ezequiel (2008), tais como, execuo meldica, associao de timbres, dinmica natural da melodia. Esta pea est direcionada ao nvel iniciante, podendo ser aplicada nas sries iniciais. Como contedo principal, apresenta a sncope caracterstica da msica brasileira. Contrastes O objetivo desta composio reproduzir uma das primeiras manifestaes musicais do homem: a imitao dos sons da natureza. Est direcionada ao nvel iniciante, podendo-se utilizar diferentes tipos de apitos, pau de chuva, tambor grave e tambor agudo. Outra opo a instrumentao poder ser construda a partir de materiais reciclveis. Como que ? Composio que vai explorar divises rtmicas em compassos simples e compostos, com ritmos que podem ser interpretados tanto nas frmulas de compassos 3/4 quanto em 6/8. O objetivo principal o desenvolvimento da polirritmia e a instrumentao sugerida envolve a percusso brasileira, com a utilizao de instrumentos como: pandeiro, tamborim, agog e surdo. A pea direcionada a estudantes de nvel intermedirio e avanado. Samba em Srie Esta pea direcionada ao nvel avanado e foi inspirada na msica Hai Kai II do grupo Uakti, gravada no disco intitulado 21. uma composio baseada em uma srie descendente aonde o nmero de tempos dos compassos vai diminuindo. A srie comea com sete tempos e diminui at um tempo por compasso, sempre com repeties de quatro em quatro compassos. A instrumentao utilizada da percusso brasileira: ganz, tamborim, agog, pandeiro, caixa e surdo. Tribom Composio para trs percussionistas, direcionada ao nvel intermedirio ou avanado, que vai trabalhar com a instrumentao de tambores grave, mdio e agudo. 22

III Encontro de Educao Musical da UnicampTem por objetivo desenvolver a habilidade de executar frases que apresentem deslocamento rtmico em diferentes dinmicas, abrindo tambm espao para improvisao, onde cada msico deve respeitar a forma, ou seja, o nmero de compassos destinados ao improviso, finalizando com uma conveno executada por todos. Trs amigos Composio destinada para trio de baterias, utilizando figuras rtmicas de semnimas, colcheias e semicolcheias, alm da aplicao de rudimentos bsicos. A pea est destinada para nvel iniciante e tem o objetivo de desenvolver a leitura rtmica e a tcnica bsica do instrumento, atravs de ritmos e viradas aplicadas ao Rock. Consideraes finais Com base no que foi apresentado, constatamos que nos dias de hoje h uma relevante produo de materiais didticos brasileiros voltados ao estudo da bateria e da percusso. Uma grande quantidade de livros destinados a essa rea, alm de revistas especializadas, CDs e DVDs didticos e inmeros sites na internet foram levantados e analisados. Salientamos que os contedos expostos pelos autores nos materiais analisados esto muito bem elaborados, no restando dvida sobre a qualidade dos mesmos. Porm, o que se percebe que, embora alguns desses materiais apresentem composies voltadas para a integrao dos instrumentos de bateria e percusso, essas composies so apresentadas apenas como complemento desses materiais. Ou seja, o foco principal da maioria dos livros analisados ainda o ensino individual, havendo uma lacuna com relao ao ensino coletivo e prtica de conjunto. Outro aspecto observado que esses materiais nem sempre estabelecem um dilogo efetivo com o professor de msica, ou seja, os autores esto mais comprometidos com a divulgao de ritmos, tcnicas e ideais do que com a forma com a qual os professores podero utilizar esses conceitos para a educao musical. Dessa forma, surgiu a idia deste trabalho que foi a elaborao de um material didtico indito voltado para o ensino coletivo e integrado dos instrumentos de bateria e percusso. Tambm procuramos estabelecer um dilogo efetivo e direto com professor de msica atravs de textos explicativos sobre como utilizar o material em sala de aula.

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III Encontro de Educao Musical da UnicampNo decorrer do processo, foram elaboradas composies musicais, tendo em vista o grau de dificuldade, faixa etria dos estudantes e instrumentao. Todas as composies apresentam um texto explicativo com, contedo, objetivo, metodologia, e partituras. O material indito tambm inclui gravaes em udio e vdeo em CD e DVD que acompanham o livro. Para concluir gostaramos de ressaltar que o ensino de forma coletiva pode ser uma das melhores maneiras de motivar os alunos no processo de aprendizado e tambm ajudar o professor de msica a alcanar os objetivos expostos no que diz respeito educao musical. Por fim, esperamos que o professor de msica possa utilizar esse material indito em suas aulas e que o mesmo possa contribuir com a educao musical no momento em que ela volta ao currculo escolar nacional obrigatrio. Referncias Bibliogrficas BOLO, O. Batuque um privilgio: percusso na msica do Rio de Janeiro para msicos, arranjadores e compositores. Rio de Janeiro: Editora Lumiar, 2003. EZEQUIEL, C. Interpretao meldica para bateria. So Paulo: Editora Espao Cultural Souza Lima, 2008. LACERDA, V. Pandeirada brasileira. Curitiba: Edio do autor, 2005. MEIRELES, P. Bateria musical. So Paulo: Editora Vitale, 2003. PAIVA, R. G.; ALEXANDRE, R. C. A recente produo de materiais didticos para bateria e percusso no Brasil. In: ENCONTRO REGIONAL DA ABEM SUL, 12, 2009, Itaja. Anais... Itaja: Abem, 2009. 1 CD-ROM. ROSAS, P. Arismar do Esprito Santo: na trilha da espontaneidade. Modern Drummer em Portugus, So Paulo, n. 48, p. 48 51, out. 2006. SAMPAIO, L. R.; CARVALHO, G. V. S. Estudos e peas para pandeiro brasileiro: composies para um, dois, trs e quatro pandeiros com diferentes nveis de dificuldades. Florianpolis: Editora Bernncia, 2008. TOURINHO, I. Consideraes sobre a avaliao de mtodo de ensino de msica. In: ENCONTRO ANUAL DA ABEM, 3, 1994, Salvador. Anais... Salvador: Abem, 1994. p. 1617. 24

III Encontro de Educao Musical da Unicamp

A Msica em dilogo com o Cinema: possibilidade de aprendizagens musicaisGlauber Resende DominguesUFRJ [email protected]

Resumo Este trabalho tem por objetivo apresentar reflexes a respeito das relaes da educao com ocinema e, para ser mais especfico, das possveis relaes do cinema com o ensino de Msica. O vis utilizado para o desenvolvimento da presente pesquisa foi o da anlise da trilha sonora do cinema, utilizado como fonte de possibilidades de contedos musicais para serem discutidos pelos atores do processo - o(s) professor(es) e os alunos - e para serem vivenciados e apreendidos pelos alunos. Vale a pena ressaltar que a ideia a de no instrumentalizar o cinema, no sentido de torn-lo um mero recurso audiovisual para exemplificar o contedo da sala de aula (ALMEIDA, 2004). Na verdade o movimento aqui ao contrrio: o filme o gerador de discusses e de aprendizagem dos contedos musicais. O filme no processo educativo ainda considerado como uma hiptese de alteridade (BERGALA, 2008) e como uma possibilidade de aprender, desaprender e reaprender (FRESQUET, 2007) O estudo da trilha sonora uma rica possibilidade de aprendizagem musical e que pouco explorada. Parte-se da proposta de uma anlise da paisagem sonora, conceito este que proposto por Schafer(1991). Com relao s possibilidades educacionais em Msica, Gonalves(2009) aponta que o filme uma objeto cultural que pode contribuir muito para o cotidiano da aula de Msica. Num momento concomitante/aps a pesquisa do referencial terico, a pesquisa foi colocada em prtica na Escola de Cinema do Colgio de Aplicao da UFRJ, projeto este que de responsabilidade da orientadora deste trabalho. A prtica da pesquisa foi a execuo de uma aula de Msica na Escola de Cinema a partir da exibio do filme 'Rio, Zona Norte', do diretor brasileiro Nelson Pereira dos Santos. Palavras-chave: cinema e educao; msica de cinema; som no cinema; educao musical. 1. Sobre o cinema, a educao e a msica: uma breve fundamentao terica A sociedade do sculo XXI vive uma era onde a cultura visual muito presente. A mdia de cultura visual mais antiga o cinema, mas o cinema alm de ser uma mdia sobretudo uma arte. Em princpio, o cinema era mudo, mas o som sempre acompanhou as pelculas, desde as primeiras com uma msica de fundo, geralmente executada por um piano. O cinema a arte que dialoga mais e melhor com outras artes (AUMONT & MARIE, 2003), dentre elas as artes visuais e a Msica. Habitualmente, quando na escola se fala a expresso Vamos ver um filme hoje!, normalmente os alunos fazem festa. Infelizmente, o motivo da alegria no o que aprendero com a sesso. H uma cultura instaurada na instituio escolar 25

III Encontro de Educao Musical da Unicampque associa o lugar do cinema com o lugar do nada a fazer, da ausncia de trabalho, de planejamento, de sentido at. Seja do gnero que for, comdia, drama, fico cientfica ou um romance para fazer as meninas se emocionarem e suspirarem pelos heris, ou para os meninos curtirem os bang-bangs em filmes de ao... O mote chato para os filmes pedaggicos cria a priori uma resistncia e tdio que sequer permite a comprovao. As limitaes fsicas das salas de aula entrada de luz, barulho, etc.- aumenta a lista dos fatores que atentam contra o sucesso de atividades como estas em sala de aula. O uso indevido de vdeos na escola (MORAN, 1995, p. 30) algo muito comum e que, infelizmente, permeia a relao da escola com o cinema. Como toda prescrio de adequao ou inadequao ele aparece como faca de dois gumes. Para todos os pontos poderamos ter excees, porm a discusso interessante para levar em conta na anlise de diversas situaes que sabem se instalar como modelos de procedimentos pouco reflexivos e produtivos no cotidiano escolar. O primeiro uso inadequado sugerido por Moran (1995) o vdeo-tapa-buraco, no qual os alunos assistem a um filme porque um professor se ausentou ou porque os alunos esto de tempo vago. Um outro modo seria o vdeo-enrolao, vdeo este em que o professor passa um filme para os alunos sem ter muita ligao com a matria. Isto pode ser at positivo se o professor tem uma inteno esttica, tica, psicossocial ou de qualquer outra natureza em particular se for promover um momento de experincia esttica para alm de qualquer planejamento. O problema da enrolao o preenchimento de um tempo do no fazer. O problema grave neste caso no o filme e sim o que o professor est escondendo com ele (seu desinteresse, a falta de motivao para seu trabalho, o desamor pelo que faz, etc.). Um terceiro modo o vdeo-deslumbramento, que a situao na qual o professor acaba de descobrir o uso do vdeo e s quer passar filmes para os alunos, sem utilizar outras possibilidades de aprendizagem em sala de aula. O penltimo modo seria o que o autor chama de vdeoperfeio, pois representada por aqueles professores que so extremamente criteriosos na escolha do filme, analisando por demais os defeitos de informao ou estticos, ao invs de partir deles como referncia para discutir com os alunos essas questes. No pessoal, considero desnecessrio levar um filme para sala de aula para mostrar erros. O tempo ouro na escola, e as poucas experincias de encontro do aluno com o cinema deveriam ser momentos privilegiados nos quais ele pudesse ter um encontro com o melhor que o cinema tem para lhe oferecer, em particular. Este cinema que no fcil de ser achado no circuito comercial. E o 26

III Encontro de Educao Musical da Unicampltimo seria o s vdeo, classificao que faz aluso a aquele professor que s utiliza o vdeo para simplesmente ver sem integr-lo com o assunto da aula, sem estabelecer relaes com o contexto da sua sala de aula. Neste ponto, me atrevo a dissentir do autor. Trazer um filme que no guarde relao nenhuma com o planejamento, se tem uma inteno esttica, tica ou afetiva uma forma de estar sempre sensibilizando o intelecto, abrindo os olhos da razo para o que invisvel. Aspectos ticos, estticos e afetivos so difceis de tratar na escola e esta pode ser uma forma, episdica at, de trazer para o coletivo algumas questes e vivncias de uma forma outra, to interessantes e pertinentes de se aprender na escola quanto uma aula de matemtica, msica ou biologia. Esta uma realidade bastante comum na escola contempornea. Professores sem preparo adequado para se utilizar das novas possibilidades que a tecnologia oferece dentre elas o cinema, alunos sem perspectivas de futuro e, ambos os lados (professores e alunos) imersos num mundo de tecnologias, mas sem usar dessa tecnologia de maneira consciente e proveitosa. O professor e cineasta francs Alain Bergala (2008) ao escrever sobre o cinema na escola, aborda o cinema, prope que o cinema seja enxergado como aquilo que radicalmente outro (p. 29). Ele ainda afirma que a escola um espao privilegiado para este encontro com o cinema desde os primeiros anos, e em alguns casos, o nico lugar para esse encontro. possvel afirmar que o cinema uma possibilidade de conhecer novas culturas, novas msicas, novas escutas, a partir da experincia flmica e sobre tudo de um autoconhecimento. Esta experincia capaz de construir conceitos, sentimentos, significados e sentidos, desconstruir outros ou ainda reconstru-los. O cinema amplia as possibilidades de se aprender, desaprender e ainda reaprender (FRESQUET, 2008). H correntes contemporneas acerca do estudo do currculo que consideram espaos/meios no convencionais como possibilidade de estratgia em sala de aula, poisexiste pedagogia em qualquer lugar em que o conhecimento produzido, em qualquer lugar em que existe a possibilidade de traduzir a experincia e construir verdades, mesmo que essas verdades paream redundantes, superficiais e prximas ao lugar comum (GIROUX e McLAREN, 1995, p. 144).

Deste modo, ento, possvel afirmar que o cinema afirma-se como espao, e no meio, de pedagogia, de aprendizagem. Voltando questo da discusso dos achados sobre 27

III Encontro de Educao Musical da Unicamppossveis relaes do cinema com a msica pretende-se fazer uma exposio de cada um destes achados. A primeira viso a respeito do cinema em dilogo com a aula de Msica a do autor Marcos Napolitano. Em sua obra Como usar o cinema na sala de aula, apesar de no tratar especificamente de ensino de Msica, Napolitano (2009) sugere algumas atividades para serem executadas na aula de Msica a partir de alguns filmes. Elas partem de uma anlise criteriosa do filme a partir de esquemas previamente decididos, o que no bem aceito. Este tipo de anlise no motiva o aluno a fazer uma anlise criativa do filme, fator este que proposto por Bergala (2008). A anlise criativa no s pode como deve fazer parte tambm da msica do filme, pois ela um dos elementos de constituio desta arte. Pensar nos processos composicionais de uma pea, o porqu de o compositor ter utilizado um violino e no uma flauta, o porqu de a textura ser monofnica e no homofnica ou polifnica, o porqu de o andamento ser mais movido do que lento. Estas questes permeiam uma composio musical. Uma anlise criativa da msica do cinema poderia propor pensar com os alunos como seria se ele (o aluno) fosse o compositor e ele experimentasse criar. Msico um ser criterioso, meticuloso, que presta ateno em cada detalhe de uma obra musical. Neste sentido, todo msico um compositor em potencial, assim como para apreciar um quadro preciso ser um pintor em potencial, seno no se pode apreci-lo (JEAN RENOIR apud BERGALA, 2008, p. 128). Uma viso bem interessante a respeito do cinema na aula de Msica proposta por Gonalves (2009) numa coletnea sobre o ensino de Msica no cotidiano escolar. Ao fazer uma pesquisa sobre a aula de Msica na escola a partir do filme Mudana de Hbito 2: mais loucuras no convento, ela chega concluso de que possvel tratar o filme comoum objeto cultural capaz de circular conhecimentos avalizados ou no pela rea de educao musical, criando, instituindo e divulgando pensamentos pedaggicos compartilhados ou no pela comunidade acadmica. (GONALVES, 2009, p. 169)

A autora prope que o cinema tem uma dimenso pedaggica extremamente importante para a produo de sentido. Ela ainda afirma que a Educao Musical tem mudado visivelmente nos ltimos anos, e o cinema figura-se como uma nova maneira de olhar os contedos dessa Educao Musical. Uma terceira possibilidade de dilogo com o cinema a partir de sua trilha sonora. Para tanto, se pe em discusso o conceito de paisagem sonora, proposto pelo educador 28

III Encontro de Educao Musical da Unicampmusical canadense Murray Schafer em sua obra A afinao do mundo (2001). Ele aponta quea paisagem sonora qualquer campo de estudo acstico. Podemos referirnos a uma composio musical, a um programa de rdio ou a um ambiente acstico como paisagens sonoras. () Todavia formar uma impresso exata de uma paisagem sonora mais difcil do que a de uma paisagem visual (SCHAFER, 2001, p. 23)

Observando este fragmento do texto, pode-se observar a relao entre som e imagem que o autor aponta e que, de certo modo, hierarquiza, dizendo que a paisagem sonora mais difcil de ser perceber do que uma paisagem visual, neste caso a cena. 2. Relatando a prtica de pesquisa Para experimentar a pesquisa tomou-se a deciso de fazer uma atividade na Escola de Cinema do Colgio de Aplicao da UFRJ, que fruto do projeto de ensino, pesquisa e extenso Cinema para aprender e desaprender, sob coordenao da professora Adriana Fresquet. O filme escolhido para a atividade foi Rio, Zona Norte, de 1957, de Nelson Pereira dos Santos. Nelson um cineasta brasileiro de genialidade e singularidade imensurveis. Sua obra figura como um marco no cinema brasileiro. Ele o precursor do cinema novo no Brasil e a pessoa que comeou a repensar o uso das relaes entre a msica diegtica e extra-diegticas dos filmes (GUERRINI JNIOR, 2009). O filme, por sua vez, conta a histria de Esprito da Luz, um compositor de samba que morava no subrbio e que, ao cair do trem, prximo estao da Mangueira, comea a lembrar dos fatos ocorridos em sua vida. Estes fatos compreendem principalmente cenas a respeito de sua relao com a Msica e dos aborrecimentos que esta relao trouxe a ele. Diz-se aborrecimentos pelo fato de Esprito ser constantemente enganado por falsos co-autores, que em princpio se apresentavam assim, mas na verdade roubavam seus sambas, gravavam, sem dar oficialmente qualquer quantia a Esprito, a no ser que o mesmo fosse atrs deles, o que acontecia constantemente. O filme tem vrias questes que podem ser abordadas numa situao de discusso aps a visualizao do mesmo. Questes sociais como: pobreza, falta de transportes

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III Encontro de Educao Musical da Unicampadequados, apropriao ilcita de bens (no caso, as msicas).Uma outra informao importante que o filme todo narrado em flash back1.

fig. 1: cartaz do filme

fig. 2: Grande Otelo, o protagonista do filme

Aps a exibio do filme, foi feita uma discusso a respeito dos elementos do filme, do diretor, da esttica, da poca, dentre outras questes. A prxima etapa seria a de executar uma aula sobre Msica e Som a partir da experincia deste filme.

Caractersticas da turma na qual a aula foi dada A turma composta de adolescentes do 6 ao 9 ano do Ensino Fundamental e de alguns poucos alunos do Ensino Mdio. So adolescentes participativos, mas que s vezes so vencidos pelo sono, no porque o filme ou a aula chata, mas por conta do horrio em que a Escola de Cinema funciona, que de 13:30 s 15h. A idia aqui no a de questionar o horrio da aula, mas a de dizer que os alunos ficam sonolentos aps o almoo e a impresso que se tem a de que eles no participam porque esto nestas condies. A idade varia entre 11 anos e 16 anos. As relaes entre eles so bem pacficas, no percebe-se disparidade de comportamento entre eles. Aquelas brincadeiras que os adolescentes mais velhos fazem com os mais novos no foram vistas, pelo menos nas aulas que foram observadas.

Competncias e contedos musicais Na aula seguinte exposio do filme, a proposta seria pensar numa atividade que fosse interessante para eles e que atendessem proposta dos referenciais tericos discutidos1 uma interrupo de uma sequncia cronolgica de uma cena pela interpolao de eventos ocorridos anteriormente, ou seja, o filme se passa em memrias, o personagem fica lembrando de fatos passados.

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III Encontro de Educao Musical da Unicampneste trabalho. Aps alguns recortes, por causa da quantidade de contedos elencados (ver tpico 4.2), o caminho possvel para uma aula seria o de perceber a paisagem sonora do filme. Ento os contedos musicais mais destrinchados do que a paisagem sonora (a paisagem sonora um conceito e seus elementos precisam ser dissecados) foram: percepo auditiva de diferentes fontes sonoras, altura, durao e timbre. A competncia que os alunos deveriam ter aps a aula era justamente a de comear a ver o filme com um ouvido diferente, de modo a conseguir analisar os elementos da trilha sonora do filme. Uma outra competncia seria a da criao, que tambm um contedo musical. Este contedo ser melhor descrito no prximo ponto, em que sero descritos os procedimentos e as atividades da aula.

Procedimentos e atividades: descrio A aula comeou com uma pequena discusso ainda sobre o filme e sobre seu diretor, o cineasta Nelson Pereira dos Santos. Aps este momento, o pesquisador deste trabalho tomou a frente da turma e comeou uma discusso a respeito da paisagem visual que as pessoas so comumente acostumadas a ver e sem se preocupar em ver o filme com os ouvidos, prestando ateno aos sons que colaboram para ambientar as cenas do filme. Quando se falou disto, foi apresentado o conceito de paisagem sonora turma e elucidou-se tambm o conceito de trilha sonora, que no s a msica do filme, como j descrito anteriormente neste trabalho. Aps isto se experimentou ver, com o projetor tampado, a cena do filme em que Esprito da Luz est no trem, de volta para casa. Nesta cena, o personagem canta uma msica a cappella2, porm ao fundo h um som contnuo: o som do trem. Aps a cena terminar, comeou-se uma discusso a respeito da paisagem sonora, de uma descrio dos sons que os alunos ouviam. Depois que a paisagem sonora foi descrita, foi escutada a Bachiana Brasileira n 2, o Trenzinho Caipira, do compositor brasileiro Heitor Villa-Lobos, j citado neste trabalho. A pea uma pea de concerto, mas que busca reproduzir sons que para a msica tradicional ocidental so considerados rudos. A proposta era justamente a de mostrar para a turma como que um som que, em princpio no tem representao, pode virar uma obra orquestral conhecida e respeitada internacionalmente. Aps este momento, era a vez dos alunos criarem. A criao um contedo musical e pouco difundido nas aulas de msica. Normalmente os alunos so acostumados a reproduzir msicas, mas no de cri-las. No entanto, a ideia da atividade proposta neste momento era a2 Termo da msica que quer dizer que algum est cantando sem nenhum acompanhamento instrumental.

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III Encontro de Educao Musical da Unicampde os alunos se organizarem em grupo e decidirem juntos em que espao da escola fariam uma tomada para que o outro grupo pudesse analisar em sala de aula. A escolha, em grupo, refora a ideia de respeito e acolhimento alteridade do outro indivduo e do outro escolha de local para a tomada (BERGALA, 2008). Aps uns 20 minutos os alunos voltaram sala e um grupo era desafiado a interpretar a paisagem sonora do que o outro grupo tinha gravado. As discusses foram bastante proveitosas no sentido de que os conceitos de trilha sonora e de paisagem sonora foram elucidados e experimentados. A avaliao consistiu em observar qualitativamente os processos de ensinoaprendizagem a respeito dos assuntos em questo. Os resultados foram bastante positivos pois os alunos puderam experimentar fazer anlise de uma cena j pronta, a partir do filme Rio Zona Norte e de uma cena e que eles foram os atores. A partir do relato, percebe-se que o dilogo com o Cinema nas aulas de Msica algo bem contemporneo e se prope como uma alternativa (no o cinema, mas o dilogo) aos professores de Msica nesta nova cultura oral. Sendo assim, com uma boa dose de pacincia, de boa vontade e de interesse investigativo o professor pode selecionar filmes (ou produzi-los, talvez) que sejam de importncia significativa, cinematograficamente falando. necessrio fazer uma reflexo do filme sem ser In rem verso. A ideia criar situaes que possam, num estgio posterior exibio, fazer com que o filme seja um catalisador de discusses e contedos para a aula de Msica e acima de tudo, um elemento transformador na vida dos alunos. Referncias Bibliogrficas ALMEIDA, Milton Jos de. Imagens e sons: a nova cultura oral. 3 ed. So Paulo: Cortez, 2004. AUMONT, Jacques & MARIE, Michel. Dicionrio terico e crtico do cinema. Trad. Elosa Arajo Ribeiro. Campinas, SP: Papirus, 2003. BERGALA, Alain. A hiptese-cinema: pequeno tratado de cinema dentro e fora da escola. Trad. Mnica Costa Netto & Silvia Pimenta. Rio de Janeiro: Booklink CINEAD-LISE-FE/ UFRJ, 2008.

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III Encontro de Educao Musical da UnicampFRESQUET, Adriana Mabel. Cinema para aprender e desaprender. In. FRESQUET, Adriana Mabel Fresquet (org.) Imagens do desaprender. Rio de Janeiro: Booklink; CINEAD-LISEFE/UFRJ, 2007. GONALVES, Llia Rosa. A aula de Msica na escola: reflexes a partir do filme Mudana de Hbito 2: mais loucuras no convento. In: SOUZA, Jusamara. Aprender e ensinar Msica no cotidiano. 2 ed. Porto Alegre: Sulina, 2009. GUERRINI JNIOR, Irineu. A msica no cinema brasileiro: os inovadores anos sessenta. So Paulo: Terceira Margem, 2009. NAPOLITANO, Marcos. Como usar o cinema na sala de aula. 4 ed. So Paulo: Contexto, 2009. SCHAFER, R. Murray. A afinao do mundo uma explorao pioneira pela histria passada e pelo atual estado do mais negligenciado aspecto do nosso ambiente: a paisagem sonora. Trad. Marisa Trench Fonterrada. So Paulo: UNESP, 2001.

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III Encontro de Educao Musical da Unicamp A formao de protagonistas sociais atravs da msicaRossely Spejo Ferreira [email protected]

Resumo Esse trabalho prope uma reflexo sobre uma alternativa de ensino musical. Ensinar um contedo mais que promover sua fixao, privilegiar situaes de aprendizagem que possibilitem ao educando a formao de sua bagagem cognitiva. Foi percebido pela escola que do outro lado dos muros, existem recursos complementares que atuam na formao humana. Esses esto disponveis nos espaos onde o Terceiro setor desenvolve duas funes, ou seja, alm de atuar como rea geradora de empregos, atua tambm atravs da educao e capacitao de profissionais, reinserindo-os no mercado de trabalho. Tendo em vista as oportunidades geradas pelos insentivos fiscais, as instituies do terceiro setor tiveram a oportunidade de expandir suas aes atravs da captao de recursos, viabilizando o desenvolvimento de projetos atravs destes recursos. E essa foi a oportunidade proporcionada ao Centro Social Romlia Maria para a realizao do projeto Fortalecendo relacionamentos sociais na infncia, capaz de gerar ressonncia criativa, que contou com a integrao de profissionais da fonoaudiologia, pedagogia, psicologia e msica trabalhando em conjunto com a escola, famlia e posto de sade na formao de protagonistas sociais. Palavras-chave: artes, msica, educao musical. Introduo A assistncia social realiza-se de forma integrada s polticas setoriais, tendo em vista o enfrentamento da pobreza, e assim prover condies para atender contingncias sociais e universalizao dos direitos sociais. No municpio de Campinas, a educao no-formal pode contar com o investimento pblico que provm da Secretaria Municipal de Cidadania, Assistncia e Incluso Social (SMCAIS) e da Fundao de Entidades Assistncias de Campinas (FEAC), que uma fundao privada e h 45 anos apia entidades que atendem comunidades em situao de risco e vulnerabilidade social. As entidades assinam anualmente um termo de parceria e entregam um Plano de Trabalho, onde so registradas todas as atividades que sero desenvolvidas e seus respectivos custos para a execuo e solicitao dos recursos humanos e financeiros dando assim incio ao projeto. 34

III Encontro de Educao Musical da UnicampAps firmarem o convnio de cooperao, fica estabelecido, que a entidade receber 12 parcelas mensais, do valor considerado apropriado, para a realizao das atividades propostas. As entidades devem comprovar as despesas realizadas, atravs de prestao de contas mensal e recebem visitas tcnicas e de monitoramento, a fim de garantir a qualidade e idoneidade do servio prestado comunidade e assumido perante os rgos municipais e privados. Esse convnio abrange consultoria nas reas Jurdica, Financeira, Marketing e Contbil e demais ramificaes de abrangncia organizacional, sem custo algum. Somado a isso, existem as equipes multidisciplinares e profissionais de diferentes reas do conhecimento que permanecem disposio das entidades conveniadas a fim de contribuir com suas respectivas aes para o atendimento ao pblico-alvo atravs de cursos, capacitaes e encontros sobre diversos temas. A atuao das instituies conveniadas FEAC, como o Centro Social Romlia Maria, tm a incluso social, espao protetivo de aconselhamento e encaminhamento ao servio social como prtica. Identificadas de acordo com servios prestados, as entidades tm suas atividades organizadas de acordo com nveis de proteo social, hierarquizadas como proteo social: bsica ou especial de mdia e alta complexidade.1 O Centro Social Romlia Maria classificado como um local de Proteo Bsica e localiza-se na Regio Sul da cidade de Campinas, mais especificamente na Vila Ip a qual est rodeada por bolses populacionais de pobreza e apresenta graves problemas de excluso social, trfico de drogas, evaso escolar e homicdio juvenil. Viver em sociedade significa estar em constante conflito entre valores individuais e sociais. Segundo Norbert Elias, no possvel pensar em indivduos e sociedade como coisas distintas, pois no existe sociedade sem indivduos e nem indivduos sem sociedade, ou seja, nossa identidade enquanto sujeito defina pelo lugar que ocupamos no interior dos grupos, ora estamos no lugar do lder, ora no lugar do liderado, enfim, conviver socialmente ou em grupo faz parte da condio de nossa existncia, entretanto, nosso grande desafio e talvez nossa grande razo de viver buscar o equilbrio entre exigir nossos desejos e direitos e nos submeter aos desejos e valores do grupo. Essa nossa condio se torna ainda mais complexa, pois participamos de diversos grupos e nem sempre temos o mesmo poder deciso. Assim, nossa existncia demarcada pela angustia da escolha. Sempre temos que escolher, e escolher significa estar sempre diante de um luto - como diz Ceclia Meireles (1990):1

Informaes dispostas pela fundao atravs do site: http://www.feac.org.br/site/pasta_1_0__quem-somos.html

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III Encontro de Educao Musical da Unicamp(...) Ou isto ou aquilo: ou isto ou aquilo... e vivo escolhendo o dia inteiro! No sei se brinco, no sei se estudo, se saio correndo ou fico tranqilo. Mas no consegui entender ainda qual melhor: se isto ou aquilo. Desse modo, ao participar de diferentes grupos, que possuem diferentes sistemas de valores as pessoas precisam fazer opes: ou isto ou aquilo e, escolher uma condio tica. Pois, o que considerar para efetuar nossas escolhas? Que critrios usar? O que o melhor? Mas, melhor para quem? Apesar de talvez como Ceclia Meireles sempre ficarmos com a dvida se sobre o que o melhor, faz parte de nossa condio humana arriscar e escolher e para isso crianas e jovens precisam ser preparados, precisam construir princpios, sonhos e expectativas para suas vidas. Isso faz parte do amadurecimento humana. Porm tais princpios e valores podem estar centrados de forma egosta no prprio sujeito ou podem buscar o desafio do convvio social. Entretanto, um convvio social solidrio, pautado em respeito e compromisso tico com o outro exige dos sujeitos um alto grau de sensibilidade e, a partir dessa compreenso que o Centro visa desenvolver atividades que proporcionem o desenvolvimento das potencialidades dos participantes e tambm a aquisio e fortalecimento dos vnculos familiares e comunitrios. Sua ao se estende s diversas reas de atuao e programas educativos. Assiste a 80 crianas e adolescentes, 87 idosos (Terceira Idade) e 200 famlias da Comunidade (Vila Ip e Regio). Alm disso, entre alguns de seus programas educacionais, destacam-se as 41 Famlias atendidas pelo de Porgrama distribuio de Leite e as mais de 30 mulheres que participam do Projeto Arte e Cidadania Romilia Maria. A entidade conta ainda com uma Biblioteca Pblica, onde at o primeiro semestre de 2008 havia cerca de 15 mil ttulos catalogados e a disposio dos quase 2.000 Scios cadastrados.2 As atividades com msica tiveram incio em maro de 2006 com o desenvolvimento da proposta de educao musical. Em 2007, o projeto foi contemplado com recursos financeiros vindos do Fundo de Investimento Cultural de Campinas (FICC). Com isso foi possvel efetuarmos a compra de instrumentos e outros materiais viabilizando a continuidade e a ampliao das atividades de msica.

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Informaes dispostas pela entidade atravs do site: http://www.romiliamaria.org.br/centro/quem.php

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III Encontro de Educao Musical da UnicampE em 2009, o Instituto EPTV de Campinas tornou possvel a continuidade do projeto com um financiamento que permitiu a contratao de profissionais e a melhoria da estrutura da biblioteca da entidade e ainda foi possvel desenvolver uma rplica do projeto no contra turno escolar em uma das escolas do bairro onde encontravam-se 70% dos alunos atendidos pela entidade. A FEAC por sua vez, atuou diretamente com os encontros do Leitura em foco, projeto que contribuiu para o incentivo e melhoria dos profissionais que buscavam estratgias e materiais para despertar e desenvolver o prazer pela leitura nas crianas e adolescentes que faziam parte do projeto. O grupo de profissionais contratados pelo projeto era composto por uma fonoadiloga, psicloga, bibliotecria e educadora musical, que trabalhavam em conjunto com os profissionais que j faziam parte do quadro de funcionrios como a pedagoga e as monitoras dos grupos. As crianas e adolescentes de 6 a 14 anos nos perodos da manh e da tarde, foram assistidos pelo projeto no horrio inverso ao horrio escolar de segunda sexta-feira intercalando as diversas frentes do projeto. Assim, esse projeto desenvolveu atividades educacionais, mas, distintas daquelas desenvolvidas nas escolas. A instituio escolar tem como meta a educao em vrias esferas como a aprendizagem de contedos formais atravs dos trabalhos realizados por todos os nveis de ensino, a qualificao dos indivduos para o trabalho, prticas voltadas para acomunidade, aprendizagem poltica de direitos e deveres, e a educao para a vida, garantindo assim, a qualidade de vida de cada cidado, etc. Por outro lado, atividades como as desenvolvidas no projeto inserem-se num outro campo que denominamos por educao no-formal. A educao no formal entendida aqui como aquela que define-se como uma tentativa educacional organizada e sistemtica (assim como a educao-formal), porm que ocorre fora dos muros da escola e que possibilita ao indivduo vivenciar e compartilhar outros saberes que muitas vezes no circulam no contexto escolar. Foi esse o olhar pedaggico que direcionou a fundamentao e a existncia dos dez meses em que o projeto foi realizado em 2009. Alm de todos os aspectos citados acima, o projeto buscou proporcionar a construo da autonomia dos sujeitos participantes, processo desenvolvido atravs de duas estratgias importantes. A primeira eram as Assemblias nas quais todas as decises eram tomadas em conjunto e todas as posturas eram discutidas, e a segunda foram as rodas de conversa, momentos em que as

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III Encontro de Educao Musical da Unicampprticas exercitadas eram o ouvir e o comunicar, tudo de maneira tranquila, trabalhando valores e juzos.

1. Mtodo: Tendo em vista que os recursos materiais disponveis na entidade eram 20 flautas-doce soprano e instrumentos de bandinha rtmi