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VELHOGENERAL.COM.BR RÚSSIA APRENDE LIÇÕES MILITARES NA SÍRIA 1 24/03/2020 | VELHOGENERAL.COM.BR | CATEGORIAS: ANÁLISE, COMANDO E CONTROLE, GUERRA CIVIL SÍRIA, ORIENTE MÉDIO, RÚSSIA, SÍRIA RÚSSIA APRENDE LIÇÕES MILITARES NA SÍRIA Análise da Jane’s IHS Markit. Tradução e adaptação de Albert Caballé Marimón* Sukhoi Su-33 no porta-aviões russo Almirante Kuznetsov em 28 de outubro de 2016. Em janeiro de 2017, o navio visitou a Líbia e hospedou a bordo o general Khalifa Haftar, líder do Exército Nacional da Líbia. (Jane’s). Desde 2015, os militares russos estão intimamente envolvidos no conflito sírio e implantaram uma extensa rede de comando e controle para suas forças e aliados. Nesta análise, Tim Ripley, da Jane’s, faz uma avaliação da implicação dessa experiência para futuras intervenções militares russas em outras zonas de conflito. Dois dias depois que as tropas sírias, apoiadas por forças especiais russas e helicópteros de ataque, retomaram a cidade deserta de Palmira do Estado Islâmico em março de 2017, equipes de televisão de Moscou viajaram para filmar um concerto musical em meio às icônicas ruínas arqueológicas. À postos para fazer comentários positivos para a TV Rússia 1 estava o comandante do grupo de forças russas na Síria, o coronel-general 1 Andrei Kartapolov. O general já era um rosto familiar para o público televisivo russo e internacional após seu papel em 2015 como o “rosto da mídia” da intervenção do Kremlin durante as coletivas de imprensa de Moscou sobre o conflito sírio. A presença do principal comandante militar russo na Síria, tão perto da linha de frente – os combatentes do Estado Islâmico ainda estavam a menos de dois quilômetros de distância, lutando com tropas sírias ao redor da base aérea de Palmira – era uma ilustração vívida do papel desempenhado pelos altos oficiais 1 Posto mais ou menos similar ao general-de-divisão no Exército Brasileiro. Dado o fato de que muitos países possuem mais postos de oficial-general em sua organização hierárquica do que as Força Armadas brasileiras, é difícil determinar uma equivalência precisa. Assim, adotamos uma interpolação com base nos ranks da OTAN e consideramos um coronel-general equivalente ao general-de-divisão do Exército Brasileiro ou major-brigadeiro-do-ar da FAB.

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24/03/2020 | VELHOGENERAL.COM.BR | CATEGORIAS: ANÁLISE, COMANDO E CONTROLE, GUERRA CIVIL SÍRIA, ORIENTE MÉDIO, RÚSSIA, SÍRIA

RÚSSIA APRENDE LIÇÕES MILITARES NA SÍRIA AnálisedaJane’sIHSMarkit.TraduçãoeadaptaçãodeAlbertCaballéMarimón*

SukhoiSu-33noporta-aviõesrussoAlmiranteKuznetsovem28deoutubrode2016.Emjaneirode2017,onaviovisitouaLíbiaehospedouabordoogeneralKhalifaHaftar,líderdoExércitoNacionaldaLíbia.(Jane’s).

Desde2015,osmilitaresrussosestãointimamenteenvolvidosnoconflitosírioeimplantaramumaextensarededecomandoecontroleparasuasforçasealiados.Nestaanálise,TimRipley,daJane’s,fazumaavaliaçãodaimplicaçãodessaexperiênciapara

futurasintervençõesmilitaresrussasemoutraszonasdeconflito.

Dois dias depois que as tropas sírias, apoiadas por forças especiais russas ehelicópteros de ataque, retomaram a cidade deserta de Palmira do EstadoIslâmicoemmarçode2017,equipesdetelevisãodeMoscouviajaramparafilmarum concertomusical emmeio às icônicas ruínas arqueológicas. À postos parafazercomentáriospositivosparaaTVRússia1estavaocomandantedogrupodeforçasrussasnaSíria,ocoronel-general1AndreiKartapolov.Ogeneraljáeraumrostofamiliarparaopúblicotelevisivorussoeinternacionalapósseupapelem2015comoo“rostodamídia”daintervençãodoKremlinduranteascoletivasdeimprensadeMoscousobreoconflitosírio.

ApresençadoprincipalcomandantemilitarrussonaSíria,tãopertodalinhadefrente – os combatentes do Estado Islâmico ainda estavam a menos de doisquilômetros de distância, lutando com tropas sírias ao redor da base aérea dePalmira–eraumailustraçãovívidadopapeldesempenhadopelosaltosoficiais1Postomaisoumenossimilaraogeneral-de-divisãonoExércitoBrasileiro.Dadoofatodequemuitospaísespossuemmaispostos de oficial-general em sua organização hierárquica do que as Força Armadas brasileiras, é difícil determinar umaequivalênciaprecisa.Assim,adotamosumainterpolaçãocombasenosranksdaOTANeconsideramosumcoronel-generalequivalenteaogeneral-de-divisãodoExércitoBrasileirooumajor-brigadeiro-do-ardaFAB.

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deMoscounoconflitosírio.Paraobservadoresexternos,aintervençãorussanaSíria oferece informações importantes sobre como as forças armadas russasorganizameexecutamguerrasexpedicionáriasnoséculoXXI.

FIGURA1–Comandoecontrolerusso(IHSMarkit).

REDE DE COMANDO RUSSA Embora a presença das aeronaves de ataque e helicópteros das ForçasAeroespaciaisdaRússianaBaseAéreadeHumaymin,naprovínciadeLatakia,naSíria, estejageralmentenocentrodacoberturade imprensada intervençãodeMoscou, seus militares também estabeleceram uma extensa presença deComando e Controle (C2) em toda a Síria para vincular o contingente russo aseusequivalentessírios.

Asforçasarmadasrussasfornecemapenasrelancesocasionaisdesuaestruturade comandona Síria,mas é possível reunir informações debriefings demídia,análise de notícias de fontes públicas, imagens em mídias sociais da Síria eanálisesda linhado tempodasoperaçõesmilitaresrussas.Essas fontespodemserusadasparacriarumaimagemdecomoMoscoucontrolasuasforçasnaSíria.Algumasdessasoperaçõessãoaltamentecomplexas,envolvendoforçasaéreasenavaisestratégicasqueoperamlongedaSíria,indicandoligaçõesC2dealtonívelentreosmilitaresrussos.

Por muitos meses, a Rússia manteve em segredo o nome do comandante decamponaSíriaenemsequerreconheceuquetinhaumcomandantedestacado.As identidades dos principais comandantes da Força Aérea na Base Aérea deHumaymintambémnuncaforamreveladas,nemmesmoparaamídiarussa.

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VáriosmeiosdecomunicaçãorussosreportaramapartirdebasesrussasnaSíriadesdeofinalde2015eentrevistaramcomandantesdenívelmédio,operadoresdeforçasespeciaisepilotosdaforçaaérea.Seusrelatosfornecemumavisãodecomo essas operações militares são organizadas. Obituários de altos oficiaisrussosmortosnaSíriaacrescentamumacamadaadicionaldedetalhes.

FIGURA2–ImagensdaAirbusDefenceandSpace(CNES2017,DistribuiçãoAirbusDS/IHSMarkit).

FotografiasevídeospostadasnasmídiassociaisdaSíriaedisponíveisnamídiatradicional, juntamente com imagens de satélite das bases sírias e russas,tambémcontribuemparaoentendimentodasoperações.Épossível identificarantenasdecomunicaçãopor satélite, antenasde rádioeveículoseedifíciosdecomando.Apresençadeveículosdeligaçãorussoseaimplantaçãodepessoaléesclarecedora.Orelacionamentoquesedesenvolveentrealtosoficiaisrussosesíriostambémpodeserrastreado.

Desde o início da intervenção, os militares russos fizeram um grande esforçopara criar uma rede C2 que espelhasse a cadeia de comando militar síria. Ocomandante das forças russas, geralmente um coronel-general ou um tenente-general,estábaseadonacapitalsíriadeDamasco,pertodoMinistériodaDefesadaSíria(MoD,MinistryofDefense)edoAltoComandoMilitar.Oficiaisrussosdealto escalão com patentes de coronel-general ou tenente-general foramfotografadosvisitandoquartéisdoexércitosírioemtodoopaís,atuandocomoconselheirosemlongoprazoouemvisitasdeapuraçãodefatos.

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FIGURA3–PilotorussoembarcaemSukhoiSu-25.DadoqueaRússiaalegatervoadomaisde18.000missõesdecombatesobreaSíria,comrelativamentepoucosproblemassériosalémdaderrubadadeumaaeronaveem2015,issosugerequeasmedidasdecoordenaçãodoespaçoaéreorussoforamrelativamenteeficazes.Vide

Notaderodapé2maisabaixo(PA).

CENTRO DE COORDENAÇÃO Alémdesuarededecoordenaçãoeconsultoriacomasforçasarmadassírias,asforças armadas russas criaram outra organização conhecida como Centro deCoordenaçãoparaaReconciliaçãodeOponentes(CCROS,CoordinationCenterforReconciliationofOpposingSides)naRepúblicaÁrabedaSíria.DeacordocomosanúnciosdoMinistériodaDefesadaRússia,ocentrocomeçouseutrabalhoemfevereirode2016,possuiumaequipedemaisde sessenta funcionários eumasedenaBaseAéreadeHumaymin,comumtenente-generalnocomando.

Essa organização frequentemente aparece em reportagens damídia Síria, bemcomo nas declarações do Ministério da Defesa da Rússia, e é descrita comoenvolvidanaintermediaçãodecessar-fogoentreascomunidadeslocaisedepoisparagarantiracordosparaqueelasvoltemaocontroledogovernosírio.Comoparte desses acordos, os representantes do centro de reconciliação costumamestarpresentesparaescoltarcombatentesesuasfamíliasparaforadeenclavesedaíemdianteparaoutrosterritórioscontroladospelaoposição.

Oficiais do centro de reconciliação desempenharam um papel fundamental nacoordenação da evacuação de combatentes da oposição do leste de Aleppo,juntamentecommaisde30.000civis,nosegundosemestrede2016.OcentrodereconciliaçãotambémdesempenhaumpapelnaprestaçãodeajudahumanitáriaeapoiomédicoacivispormeiodevínculoscomautoridadescivissíriaslocaiseagênciasdeassistênciadaONU.

Relatos na mídia de Moscou sobre os controladores aéreos avançados russossugerem que o centro de reconciliação também desempenha um papelimportantenacoletadeinteligênciaeoperaçõesdecombate.Aparentemente,os

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controladoresaéreosavançadoscomunicam-serotineiramentecomocentrodereconciliaçãoantesdeautorizarataquesaéreosparaverificaraafiliaçãopolíticadascomunidadesdentrodoalcancedoataque.Essepapel–mapeara“geografiahumana” da complexa e multifacetada guerra civil síria – sugere um grau desofisticaçãonoplanejamentomilitardos altos oficiais russosquemuitas vezesnãoéapreciadoporobservadoresexternos.

FIGURA4–ImagensdaAirbusDefenceandSpace(CNES2016,distribuiçãoAirbusDS/IHSMarkit).

O chefe do centro no final de 2016 era o tenente-general Vladimir Savchenko,quesubstituiuoprimeirochefe,otenente-generalSergeiKuralenko.Otenente-general Kuralenko já havia chefiado o centro de compartilhamento deinteligência russo-sírio-iraquiano-iraniano em Bagdá em 2015, o que reforçaaindamaisopapeldeinteligênciadocentrodereconciliação.

Desde 2015, as Forças Armadas russas empregam uma variedade de sistemasestratégicos de armas na Síria, incluindomísseis Kalibr lançados por navios esubmarinos,mísseisdecruzeiroar-superfície,bombardeirospesados,mísseisdeataque terrestre e aeronaves de ataque lançadas por porta-aviões. O empregodesses sistemas de armas parece ser coordenado pelo EstadoMaior Russo doCentrodeComandodeDefesaNacionaldeMoscou.

O presidente Vladimir Putin ordenou um grande ataque aéreo e de mísseiscontraposiçõesnaSíriaemnovembrode2015duranteumatransmissãoaovivono centro de comando. A partir das imagens, ele parece estar equipado com

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amplas instalações de comunicação digital, incluindo links de videoconferênciaparaasedenaSíria.

FIGURA5–ForçasarmadasrussasemveículosblindadospertodoAeroportoInternacionaldeAleppo.Osoficiaisdocentrodereconciliaçãodesempenharamumpapelfundamentalnacoordenaçãodaevacuaçãode

combatentesdaoposiçãodolestedeAleppo,juntamentecommaisde30.000civis(PA).

L IÇÕES APRENDIDAS Duranteaerasoviética,asforçasarmadasdeMoscouenviavamrotineiramenteapoioaaliadosemumasériedeconflitos,deAngolaaoAfeganistão.Noentanto,éprovávelquehajapoucosoficiaisaindanaativaquepossamcompartilharessasexperiências. Nos últimos 25 anos, as forças armadas da Federação Russa seviramoperandoprincipalmente“emcasa”ouemterritóriodepaísesvizinhos.Astropasrussasparticiparamdeváriasmissõesdemanutençãodapazautorizadaspela ONU, inclusive na Bósnia e no Kosovo na década de 1990, mas eramassuntosdeescalarelativamentepequenaeenvolviamapenasforçasterrestresehelicópteros.

Nessecontexto,aoperaçãonaSíriarepresentaumempreendimentoambiciosoparaosmilitaresrussos.EnvolveuasForçasArmadascomsoluçõesinovadorasparaosdesafiosdeC2quenão foramenfrentadosnamemóriarecente.Algunsdosdesafiosoperacionais,particularmenteosqueenvolvematividadesaéreaseataquesdemísseisestratégicos,sãocompletamentenovosparaeles.

Asforçasarmadasrussasclaramentetirarammuitasliçõesapartirdoestudodeoperações ocidentais no Afeganistão, nos Bálcãs e no Iraque. Elas tem seempenhadoemadotareintegrarUAV(UnmannedAerialVehicles,veículosaéreosnãotripulados)emsuasoperaçõesemcoordenaçãocomoempregodemuniçõesguiadasdeprecisão“inteligentes”.

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AoperaçãonaSíriatambémenvolveupelaprimeiravezcooperaçãosignificativacom uma série de novos “aliados”, incluindo milícias palestinas, Hezbollahlibanês, milícias xiitas iraquianas e forças iranianas. Teerã tinha uma missãoconsultiva semelhante na Síria, por isso tinha que ser coordenada com osmilitares russos. As missões iranianas de UAV e Lockheed C-130 Herculestambém tiveram que ser coordenadas com as operações aéreas russas. Acoordenaçãodemovimentosaéreosestratégicoseataquesdemísseiscompaísesvizinhos da Síria, incluindo Iraque, Irã e Chipre, bem como a coalizão lideradapelosEUA,tambémfoiumnovodesenvolvimentoparaosmilitaresrussos.

FIGURA6–Militaresrussosparecemusarumtableteobservarimagensdesatélite.Desdeoiníciodesuaintervenção,osrussosfizeramumgrandeesforçoparacriarumaredeC2queespelhasseacadeiadecomando

militarsíria(PA).

AlémdoabatedeumSukhoiSu-24russoporumaaeronaveturcaemnovembrode2015eobombardeiodetropassíriasporaeronavesdosEUAedacoalizãoemsetembrode2016, até abril de2017nãohouve incidentes graves.Dadoque aRússia alega tervoadomaisde18.000missõesde combate sobreaSíria2, issosugere que as medidas de coordenação do espaço aéreo russo foramrelativamenteeficazes.

PANORAMA AintervençãorussanaSíriafoiumagrandeexperiênciadeaprendizadoparaosmilitaresrussosemtodoumespectrodeoperaçõesmilitares.Atravésdaanálisede fontes públicas, é possível ver como o C2 russo evoluiu nos dezoitomesesdesdeoiníciodesuaintervenção.Osprimeirosataquesaéreosemsetembrode2Estaanáliseéde2017,quandoaRússiatinhavoado18.000missões.Hojeestenúmeroaumentoupara39.000.E,alémdoSu-24mencionado,houvetambémoabatedoIl-20russopelaSíriaem2018,noepisódioenvolvendoosF-16israelenses.

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2015 pareciam ser amplamente planejados em alvos estáticos. Em março de2017,quandoumpunhadodecontroladoresaéreosrussosquetrabalhavamcomtropas sírias recapturaram Palmira, esses agentes estavam coordenandohelicópterosdeataqueMilMi-28eKamovKa-52contracombatentesdoEstadoIslâmicoquecirculavampelacidadeempicapes.

FIGURA7–VeículoblindadoequipadocomváriasantenasparabólicasederádioapenasreceptorasemfotografiaqueapareceunoTwitteremmarçode2017,alegandomostrarequipamentoaserviçodoExércitoNacionaldaLíbia.AsforçasarmadasrussasestabeleceramumaextensapresençadeC2naSíriaparavincularocontingenterussoaseusequivalentessírios–qualquerpotencialintervençãonaLíbiaseriamuitomais

desafiadoranessesentido(Imagem:Twitter/IHSMarkit).

Essaexperiênciasignificaqueosmilitaresrussosagoratêmquadrosdeoficiais,detodasasfileiras,expostosàcoordenaçãodeoperaçõesaéreasedemísseisemlargaescala,integraçãocomforçasegovernosaliados,alémdeoperarsistemasdecomunicaçõeselinksdecomandonecessáriosparafazertudoissoacontecer.Essa experiência também tem implicações importantes para a capacidade doexército russo de operar no cenário global. A Rússia agora tem claramente acapacidade de conduzir uma “guerra de coalizão” em ambientes complexos,tornando-aumparceiropotencialmenteatraenteparafuturosaliados.

Paraosgovernose forçasarmadasocidentais,a intervençãorussanaSíriatemsido profundamente desconcertante. O aparente renascimento do poderiomilitarrussoeseuressurgimentocomoatornoOrienteMédiointerromperamainfluência ocidental na região. A sofisticação das estruturas C2 russas na SíriasugerequeMoscoutempotencialpararepetiressetipodeoperaçãoemoutrosteatros.

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ARússiaestáclaramenteembarcandoemumapolíticaexternaededefesamaisambiciosaemilitarmenteafirmativaapóssuaintervençãonaCrimeiaenolesteda Ucrânia desde 2014. Moscou também parece estar interessada emdesenvolver sua atuação no conflito líbio. Em janeiro de 2017, o AlmiranteKuznetsov visitouaLíbiaehospedouabordoogeneralKhalifaHaftar, líderdoExércitoNacionaldaLíbia.AReutersinformouemmarçoqueasForçasEspeciaisRussasestavamoperandoapartirdebasesnooestedoEgito,pertodafronteiracomaLíbia.

*AlbertCaballéMarimónpossuiformaçãosuperioremmarketing,éfotógrafoprofissionaleeditordoblogVelhoGeneral.JáatuounacoberturadeeventoscomoaFeiraLAAD,oExercícioCRUZEXeaOperaçãoAcolhida.ÉcolaboradordarevistaTecnologia&DefesaedoCanalArtedaGuerra,onde,entreoutrasatividades,mantémumaresenhasemanaldefilmesedocumentáriosmilitares.Entresuas atividades, já proferiu palestras para os cadetes da Academia da Força Aérea. Pode sercontatadoatravé[email protected].

PERSPECTIVAS PARA UMA INTERVENÇÃO RUSSA NA LÍBIA

A intervenção militar russa na Síria sugere que, como organização, agora está melhor equipada para realizar operações semelhantes em outros lugares. No entanto, o aumento do envolvimento militar na Líbia representaria um novo desafio à capacidade da Rússia de coordenar com parceiros locais. Em contraste com as forças armadas sírias, as capacidades do Exército Nacional da Líbia do general Khalifa Haftar são rudimentares. Quaisquer que sejam os sistemas e equipamentos que o grupo possui, ou vieram dos estoques do ex-líder Muammar Gaddafi ou foram importados de fornecedores oportunistas dos Emirados Árabes Unidos, Egito e Europa Oriental.

Grande parte do hardware mais avançado usado pelo LNA é de origem russa ou soviética. Isso inclui aeronaves de combate MiG-23, helicópteros de ataque Mil Mi-35 e helicópteros multiuso Mil Mi-9 e uma variedade de veículos terrestres que sobreviveram à campanha aérea da OTAN de 2011, incluindo canhões antiaéreos autopropulsados ZSU-23-4 “Shilka” e sistemas de mísseis superfície-ar 9K31 Strela-1. Qualquer compatibilidade provavelmente será inicialmente limitada ao fornecimento de munições e peças de reposição.

Os sistemas de comando e controle mais avançados do LNA provavelmente serão ad hoc. Em março de 2017, uma postagem no Twitter afirmou que o grupo havia recebido novos equipamentos de comunicação da Bélgica, pretendendo mostrar fotografias dos equipamentos que chegavam no aeroporto de Benghazi. A Jane's não pôde verificar isso de forma independente. Isso ocorreu após o suposto bloqueio das comunicações do LNA durante a luta pelo controle dos terminais de petróleo do Golfo de Sirte. Isso indica que os sistemas eletrônicos do LNA provavelmente são uma coleção de equipamentos de compatibilidade variada. Esta é uma situação compartilhada por vários outros grupos de milícias no país, muitos dos quais provavelmente se coordenam por telefones celulares.

Embora Haftar tenha recebido treinamento na União Soviética, seu corpo de oficiais abrangia uma mistura de soldados profissionais, comandantes da milícia irregular e guerreiros tribais. Ainda não há evidências do surgimento de uma doutrina coerente orientando as atividades do LNA ou uma cadeia de comando funcional. Em vez disso, os comandantes locais geralmente dirigem suas forças como unidades amplamente autônomas. Isso tornaria a coordenação de qualquer apoio militar russo, caso seja iminente, consideravelmente mais problemático do que o visto na Síria, porque não há uma cadeia de comando militar viável para a Rússia espelhar.

Richard Cochrane é analista sênior do escritório da IHS Markit Country Risk para o Oriente Médio e Norte da África.