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Ruralização para a gestão de recursos hídricos em área urbana: aplicação de hidrologia MasatoKobiyama 1 ; Gean Paulo Michel 1 ; Elisiele Cardozo Engster 1 1 Instituto de Pesquisas Hidráulicas – Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Av. Bento Gonçalves 9500, Caixa Postal 15029, CEP 91501-970, Porto Alegre-RS. [email protected] ; [email protected] ; [email protected] Resumo O presente trabalho avaliou sucintamente o histórico dos aspectos institucionais e científicos da hidrologia. Nessa avaliação, observa-se que a hidrologia está cada vez mais se aproximando à sociedade, discutindo as interações entre a mesma e os processos hidrológicos. Portanto, a hidrologia e a sociedade estão prestando mais atenção à área urbana, pois esta área possui a maior concentração populacional e, consequentemente, maiores problemas social, econômico e ambiental. A área urbana recebe os processos de urbanização. No ponto de vista hidrológica, a urbanização exerce efeitos negativos. Considerando a urbanização como um conjunto das retiradas/rejeições da vegetação, do solo e da água pluvial, o presente trabalho propôs a ruralização no meio urbano. Aqui, a ruralização é definida como a convivência com a vegetação, solo e água pluvial, sendo processo contrário à urbanização. As práticas de ruralização estão apoiadas pelos aspectos filosóficos de {Small, Slow, Simple, Science e Soil} is beautiful. Entre elas, o armazenamento urbano, o aproveitamento de água pluvial, o sistema agroflorestal, e o saneamento descentralizado são de extrema importância. Todas as práticas devem ser executadas com os dados obtidos em bacias- escola. Portanto, a bacia-escola é considerada como o fundamento nos gerenciamentos de recursos hídricos, de bacias hidrográficas e de desastres naturais. Palavras-chave: ruralização; hidrologia; aspectos filosóficos; bacia-escola. Title: Ruralization for water resources management in urban area: hydrology applicaiton Abstract

Ruralização para a gestão de recursos hídricos em área ... · Sua resposta pode ser encontrada quando trata da saúde de cada indivíduo e da sociedade. ... a hidrologia não

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Ruralização para a gestão de recursos hídricos em área urbana: aplicação de

hidrologia

MasatoKobiyama1; Gean Paulo Michel1; Elisiele Cardozo Engster1

1 Instituto de Pesquisas Hidráulicas – Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Av.

Bento Gonçalves 9500, Caixa Postal 15029, CEP 91501-970, Porto Alegre-RS.

[email protected] ; [email protected] ; [email protected]

Resumo

O presente trabalho avaliou sucintamente o histórico dos aspectos institucionais e

científicos da hidrologia. Nessa avaliação, observa-se que a hidrologia está cada vez

mais se aproximando à sociedade, discutindo as interações entre a mesma e os

processos hidrológicos. Portanto, a hidrologia e a sociedade estão prestando mais

atenção à área urbana, pois esta área possui a maior concentração populacional e,

consequentemente, maiores problemas social, econômico e ambiental. A área urbana

recebe os processos de urbanização. No ponto de vista hidrológica, a urbanização exerce

efeitos negativos. Considerando a urbanização como um conjunto das

retiradas/rejeições da vegetação, do solo e da água pluvial, o presente trabalho propôs a

ruralização no meio urbano. Aqui, a ruralização é definida como a convivência com a

vegetação, solo e água pluvial, sendo processo contrário à urbanização. As práticas de

ruralização estão apoiadas pelos aspectos filosóficos de {Small, Slow, Simple, Science e

Soil} is beautiful. Entre elas, o armazenamento urbano, o aproveitamento de água

pluvial, o sistema agroflorestal, e o saneamento descentralizado são de extrema

importância. Todas as práticas devem ser executadas com os dados obtidos em bacias-

escola. Portanto, a bacia-escola é considerada como o fundamento nos gerenciamentos

de recursos hídricos, de bacias hidrográficas e de desastres naturais.

Palavras-chave: ruralização; hidrologia; aspectos filosóficos; bacia-escola.

Title: Ruralization for water resources management in urban area: hydrology

applicaiton

Abstract

The present study briefly evaluated the history of institutional and scientific aspects of

hydrology. In this evaluation, it is observed that hydrology is increasingly closer to

society, discussing the interactions between society and hydrological processes.

Therefore, hydrology and society are paying more attention to the urban area, because

this area has the highest population density and larger social, economic and

environmental problems. The urban area receives the urbanization processes. At the

hydrological point of view, urbanization has negative effects. Considering the

urbanization as a set of withdrawals / rejections of vegetation, soil and rainwater, the

present study proposed the ruralization in urban areas. Here, the ruralization is defined

as living with vegetation, soil and rainwater, being contrary to the urbanization process.

The ruralization practices are supported by the philosophical aspects of Small, Slow,

Simple, Science and Soil are beautiful. Among these practices, the urban storage,

rainwater utilization, the agroforestry system and the decentralized sanitation are very

important. All practices must be performed with the data obtained in school catchments.

Therefore, the school catchment is considered as the basis of the managements of water

resources, watersheds and natural disasters.

Keywords: ruralization; hydrology; philosophical aspects; school catchment.

1. INTRODUÇÃO

Porque cada indivíduo ou o conjunto dos indivíduos, isto é, a sociedade procura

o desenvolvimento sustentável? Sua resposta pode ser encontrada quando trata da saúde

de cada indivíduo e da sociedade. WHO (1946) define a saúde como um estado de

completo bem-estar físico, mental e social, e não apenas a ausência de doença. Esta

definição afirma que sem saúde cada indivíduo ou a sociedade não consegue alcançar a

felicidade, e consequentemente uma boa qualidade da vida.

Enquanto a sociedade está preocupada com alguns problemas, ela não está

comsaúde. Uma das sérias e fortes preocupações que a sociedade possui há muito tempo

é sobre a água. E dessa forma, para garantir a felicidade, a saúde e, consequentemente, o

desenvolvimento sustentável da sociedade, precisa-se gerenciar os recursos hídricos nos

locais onde ela se localiza. O típico local onde a sociedade intensamente atua pode ser

chamado meio urbano.

Portanto, os objetivos do presente trabalho foram: (i) argumentar no ponto de

vista hidrológico a ruralização no meio urbano, proposta por Kobiyama (2000), a fim de

gerenciar os recursos hídricos; (ii) apresentar práticas de ruralização; e (iii) enfatizar a

importância de implementação de bacias-escola. Como o tema principal é sobre a área

urbana, o presente trabalho discute o conceito de urbanização, urbanismo e área urbana.

2. HIDROLOGIA

2.1. Aspectos institucionais

A Liga das Nações foi uma organização intergovernamental fundada em 10 de

janeiro 1920 como resultado da Conferência de Paz de Paris, a qual terminou a Primeira

Guerra Mundial. A Liga durou apenas por 26 anos. A Organização das Nações Unidas

(ONU) substituiu a Liga após o fim da Segunda Guerra Mundial em 20 de Abril 1946,

herdando uma série de agências e organizações fundadas pela Liga.

O nome ONU foi utilizado já no dia 1 de janeiro de 1942 quando a Declaração

da ONU foi feita. Entretanto, logo após o fim da II Guerra Mundial, a ONU começou a

existir oficialmente a partir do dia 24 de outubro de 1945 quando a Carta da ONU foi

ratificada pelos governos do Reino Unido, França, União Soviética, China, e EUA, e

pela maioria dos outros 46 países signatários. Aqui salienta-se que, por isso, o dia 24 de

outubro é chamado Dia da ONU. No ano 2015, a ONU faz seu aniversário de 70 anos, o

que faz diversas comemorações em vários locais no mundo neste ano. Para alcançar

suas metas, a ONU hoje possui diversos programas e agencias especializadas tais como

FAO, IPCC, UNDP, UNEP, UNESCO, UN-HABITAT, UNICEF, UNV, UN Water,

UN Women, WHO, e WMO.

Em Paris no dia 4 de novembro de 1946, a UNESCO (United Nations

Educational, Scientific and Cultural Organization) foi fundada com o objetivo de

contribuir para a construção da paz, a erradicação da pobreza, desenvolvimento

sustentável e diálogo intercultural através da educação, ciências, cultura, comunicação e

informação.

Na década de 1950, a crise hídrica foi intensificada especialmente devido à

escassez de água no mundo. Assim, a UNESCO estabeleceu a Comitê de Zona Árida.

Em 1965, a UNESCO iniciou a Década Internacional de Hidrologia (International

Hydrological Decade – IHD) com o objetivo geral de acelerar o estudo científico dos

recursos hídricos e regimes hídricos, a fim de melhorar a conservação, gestão e

utilização da água (NACE, 1969). Antes de iniciar o IHD, a UNESCO precisou definir

o que é a hidrologia. Assim sendo, um ano antes de iniciar a IHD, UNESCO (1964)

definiu a seguinte maneira:

A hidrologia é definida como a ciência que lida com a água da Terra, sua

ocorrência, circulação e distribuição no planeta, suas propriedades físicas e

químicas e sua interação com o ambiente físico e biológico, incluindo suas

respostas para a atividade humana. A hidrologia é o campo que cobre a

inteira história do ciclo da água na terra.

Devido ao sucesso da IHD e também à continuação da crise hídrica, a UNESCO

iniciou o Programa Internacional de Hidrologia (International Hydrological

Programme – IHP) a partir de 1975. Atualmente o IHP está na fase VIII, dedicando à

segurança da água. Segundo Jimenez-Cisneros (2015), a segurança da água é a

capacidade de uma população para salvaguardar o acesso a quantidades adequadas de

água de qualidade aceitável para a manutenção da saúde humana e dos ecossistemas em

uma base de bacias hidrográficas, e para garantir uma proteção eficaz da vida e da

propriedade contra os perigos relacionados com a água. A fase VIII possui seis temas

principais: (i) desastres relacionadas à água e mudança hidrológica; (ii) água

subterrânea no ambiente alterando; (iii) medidas para escassez e qualidade da água; (iv)

água e assentamentos humanos do futuro; (v) ecohidrologia e engenharia harmônica

para o mundo sustentável; e (re)educação sobre a água.

Assim, encontra-se em nível internacional uma tentativa de resolver problemas

hídricos e consequentemente garantir a qualidade de vida da população mundial, através

de realizar estudos hidrológicos. Portanto, a aplicação da hidrologia para diversos

setores vem sendo cada vez mais importante.

Uma das principais comunidades da hidrologia em nível internacional é a

Associação Internacional de Ciências Hidrológicas (International Association of

Hydrological Sciences – IAHS) que é uma das oito associações que integram a União

Internacional de Geodésia e Geofísica (International Union of Geodesy and Geophysics

– IUGG). Inicialmente a IAHS se chamava Associação Internacional de Hidrologia

Científica (International Associationof Scientific Hydrology – IASH) que foi fundado

em 1922 e mudou seu nome ao nome atual em 1971.

Esta comunidade científica internacional da hidrologia vem realizando um

programa década institucional e cientifico. Já teve IAHS Scientific Decade 2003–2012

(SIVAPALAN et al., 2003; HRACHOWITZ et al., 2013). Esta Década teve seu título

de “Predictions in Ungauged Basins– PUB)” e seus objetivos de: (i) melhorar a

capacidade de modelos hidrológicos existentes para prever em bacias não monitoradas

com incerteza reduzida; e (ii) desenvolver modelos novos e inovadores que representam

a variabilidade espaço-temporal dos processos hidrológicos e aumentar a confiança nas

previsões em tais bacias. Embora Hrachowitz et al. (2013) relataram que esta Década

teve sucesso, ela reconheceu a importância do entendimento de heterogeneidade

hidrológica no solo, e aumentou a necessidade de observação e monitoramento em

campo sobre essa heterogeneidade. Então, pode-se dizer que uma tentativa de criar

modelos que não precisa medir as variáveis hidrológicas (PUB) ironicamente

demonstrou a necessidade de monitoramento hidrológico em campo.

Com base no reconhecimento obtido na Década 2003-2012, a IAHS criou outra

e atual Década, isto é, IAHS Scientific Decade 2013–2022 (MONTANARI et al., 2013).

Nesta vez, o tema principal é “Panta Rhei — Everything Flows”: Change in hydrology

and society, e possui os seguintes principais conceitos:

(i) Os seres humanos são uma parte importante do sistema. É

necessário estudar o bidirecional acoplamento entre seres humanos e

natureza (sócio-hidrologia) dentro de um quadro mais abrangente.

(ii) Co-evolução dos sistemas hidrológicos e conectados (incluindo a

sociedade) precisa ser reconhecida e modelada com uma abordagem

adequada, a fim de prever sua reação à mudança.

(iii) Os processos hidrológicos determinam a relação entre o ambiente

e os seres humanos. Mudança hidrológica é vital para a sociedade,

bem como para o próprio ambiente.

(iv) Tal mudança resultada da forte imposição da variabilidade natural

e também dos efeitos induzidos pelo homem (sociedade).

(v) Avanços na hidrologia estão recentemente limitados pelas técnicas

de medição disponíveis. A comunidade deve, portanto, ser proativa na

elaboração de estratégias de monitoramento inovadores, buscando

vantagens das novas tecnologias e novas gerações de dados.

(vi) A ciência futuro deve necessariamente basear-se em uma

abordagem interdisciplinar.

Refletindo sobre os resultados da Década PUB, a atual Década coloca a

necessidade de intensificar o monitoramento hidrológico (item (v)). Também com base

na demanda atual da sociedade, a Década Panta Rhei enfatiza a interações entre os

processos hidrológicos e a sociedade. Esse movimento vem recentemente causando uma

discussão mais intensa a relação entre a hidrologia e a sociedade, criando um novo

nome da ciência, isto é, sócio-hidrologia (SIVAPALAN et al., 2012; SIVAKUMAR,

2012; DI BALDASSARRE et al., 2013).

Assim, observando atividades da UNESCO e da IAHS, entende-se que a

hidrologia está cada vez mais institucionalmente considerando e tratando da sociedade.

Ou seja, a hidrologia não deve existir mais sem consideração da sociedade.

2.2. Aspecto científico da hidrologia

Em diversas ocasiões, uma pessoa tem dúvidas relativamente simples quando

observam a chuva, os rios e os poços, por exemplo, e pode se perguntar: “Aonde vai a

chuva que cai no solo?”, “Quando a água da chuva que entrou no solo vai chegar ao

rio?” , ou ainda, “Qual caminho a água no solo percorre até chegar ao rio?” entre outros

questionamentos. Estas dúvidas bem simples são todas ligadas à questão sobre o

mecanismo de geração de vazão. Acredita-se que esta questão é o tópico principal da

hidrologia. A importância de discutir o mecanismo de geração de vazão na hidrologia

encontra-se em Beven (2006).

Segundo Kobiyama et al. (2008), os princípios da hidrologia consistem em três:

ciclo hidrológico; variabilidade (heterogeneidade) espacial; e variabilidade

(heterogeneidade) temporal. O ciclo hidrológico que ocorre naturalmente e compõe-se

nos processos hidrológicos causam as heterogeneidades espacial e temporal. Um dos

importantes reconhecimentos obtidos na Década PUB é a importante função dessas

heterogeneidades hidrológicas.

Na prática, a transposição de bacias hidrográficas é a medida principal para

reduzir a heterogeneidade espacial dos recursos hídricos. Embora existam diversas

polemicas em relação à execução de transposição de bacias, por exemplo, a bacia do rio

São Francisco (CASTRO, 2011), a sobrevivência da sociedade a qual sofre com a

heterogeneidade espacial dos recursos hídricos quase sempre necessita a realização de

tal transposição.

A ação prática para reduzir a heterogeneidade temporal é a construção do

sistema de armazenamento de água. Em nível de bacias hidrográficas, este sistema é o

conjunto de barragem e reservatório, enquanto em nível de casas e prédios, caixas de

água e/ou cisternas.

Assim sendo, a modificação das heterogeneidades espacial e temporal a fim de

obter o melhor funcionamento da sociedade pode ser chamada a engenharia hídrica (ou

de recursos hídricos), a qual faz parte da engenharia sanitária, ambiental e/ou civil. E

para conseguir o melhor desempenho dessa engenharia, necessita-se estudar tais

heterogeneidades hidrológicas por meio de monitoramento e modelagem. O estudo

científico deste assunto é a hidrologia. A Figura 1 mostra um esquema dos princípios

dos recursos hídricos e as correspondentes ações humanas.

Figura 1 – Princípios dos recursos hídricos e ações humanas.

3. LOCAL DOS PROBLEMS SOCIO, ECONOMICO E AMBIENTAL

Segundo UNISDR (2009), o desastre é definido como uma grave perturbação do

funcionamento de uma comunidade (ou uma sociedade) envolvendo perdas humanas,

materiais, econômicas e/ou ambientais e impactos, os quais ultrapassam a capacidade da

comunidade (ou sociedade) afetada para lidar com recursos próprios. Assim, fica claro

que, quando a sociedade não tenha nenhum prejuízo, não ocorre desastre.

Neste sentido, pode-se dizer que inundação, escorregamento, estiagem,

vendaval, granizo, furacão, terremoto, erupção de vulcão, tsunami, entre outros, são

apenas fenômenos naturais. Quando estes fenômenos intensos ocorrem em locais onde a

sociedade atua, resultando em danos e prejuízos, os mesmos geram desastres naturais

(KOBIYAMA et al., 2006).

Em outras palavras, os problemas sócio, econômico e ambiental, ou desastres

(naturais) dependem da presença da população e também da quantidade populacional.

Isto indica que os locais onde as populações concentram podem ter potencialmente mais

problemas. Dessa maneira, fica claro que a área urbana onde encontra-se a maior

concentração populacional é caracterizada com tais problemas. Usando dados

disponíveis da pesquisa demográfica no Brasil, a qual o Instituto Brasileiro de

Geografia e Estatística (IBGE) vem realizando desde 1940, o presente trabalho

graficamente mostra a alteração das populações urbana e rural no Brasil no período de

1940 até 2010 (Figura 2). Na década de 1960, a população urbana ultrapassou a rural no

Brasil. Após 1970, a população rural manifesta sua leve redução. No período analisado,

a taxa de crescimento populacional urbano está sempre alta.

Figura 2 – População urbana e rural no Brasil no período de 1950 a 2010

Com base na tendência demográfica e na natureza da área urbana, pode-se dizer

que a área urbana em geral possui problemas sócio, econômico e ambiental

inevitavelmente. Isto faz parte da forte argumento de governos para se dedicarem ao

gerenciamento de áreas urbanas.

- 20.000.000 40.000.000 60.000.000 80.000.000

100.000.000 120.000.000 140.000.000 160.000.000 180.000.000

1920 1940 1960 1980 2000 2020

Popu

laçã

o

Ano

urbano

rural

Embora seja muito comum utilizar os termos urbanização, urbanismo, e área

urbana, não existe consenso internacional sobre como determinar os limites das zonas

urbanas ou identificar uma área urbana. Em muitos países, assentamentos designado

como urbanos são esperados para servir certas funções administrativas

(McGRANAHAN e SATTERTHWAITE, 2014). Por exemplo, no Brasil, a Lei Nº

5.172, no Art. 32, define zona urbana, observando o requisito mínimo da existência de

melhoramentos em pelo menos dois dos seguintes incisos, construídos ou mantidos pelo

Poder Público: (i) meio-fio ou calçamento, com canalização de águas pluviais; (ii)

abastecimento de água; (iii) sistema de esgotos sanitários; (iv) rede de iluminação

pública, com ou sem posteamento para distribuição domiciliar; e (v) escola primária ou

posto de saúde a uma distância máxima de 3 km do local considerado (BRASIL, 1966).

De qualquer maneira, o fato é que a urbanização possui efeitos positivos e

negativos em diversos aspectos (sociedade, economia, cultura, saúde, meio ambiente,

entre outros). No caso dos efeitos hidrológicos da urbanização, gestores de drenagem

urbana têm discutido mais intensamente e amplamente, por exemplo, Tucci et al.

(1995), Kobiyama et al. (2007b), e Canholi (2015).

Na hidrologia, o grau de urbanização é comumente avaliado através da taxa de

áreas impermeabilizadas (KOBIYAMA et al., 2008). Portanto, aparentemente a

urbanização exagerada sem planejamento cria efeitos hidrologicamente negativos.

Assim, as áreas urbanas vêm frequentemente sofrendo inundações (KOBIYAMA e

GOERL, 2011).

Embora qualquer sociedade espere o aumento de conforto e felicidade por meio

da realização de todas as ações, a urbanização normalmente exerce efeito negativo na

hidrologia, modificando os processos hidrológicos e consequentemente alterando o

ciclo hidrológico que ocorre em bacias hidrográficas.

A Figura 3 demonstra como a urbanização afeta negativamente a sociedade. Na

área urbana, devido à demanda do abastecimento de água. A sociedade constrói muitos

poços para explorar a água subterrânea, o que pode causar a subsidência do solo. A

impermeabilização vai aumentar o pico do hidrograma e fazer mais curto o horário da

ocorrência deste pico devido ao aumento da velocidade do fluxo. Consequentemente

ocorrerão mais frequentemente enchentes e erosão superficial. Esses fenômenos

naturais (enchente, erosão e subsidência) certamente destroem a infraestrutura. Além

disso, a impermeabilização reduz a quantidade da água infiltrada ao solo, e reduz a

vazão mínima, o que pode causar a escassez da água no rio.

Figura 3 – Efeitos hidrológicos da urbanização

A urbanização aumenta a quantidade lançado de esgoto e de lixo ao ambiente.

Isto certamente causa a deterioração da qualidade de águas superficial e subterrânea, o

que também gera a escassez de água.

Aqui nota-se que, embora a demonstração da Figura 3 é mais voltada para a área

urbana, o contexto pode ser verdadeiro também na área rural. Assim sendo, existe uma

sensação onde a urbanização prejudica o desenvolvimento urbano no ponto de vista

hidrológico.

3. RURALIZAÇÃO

3.1. Conceito geral

Kobiyama et al. (2008) apresentaram, como técnicas de saneamento, fossa

séptica/sumidouro, sistema Wetland, aproveitamento de água da chuva, e compostagem.

Estas técnicas podem ser encontradas mais comumente na área rural do que na urbana.

Embora todas as técnicas se encontram em ambas áreas (urbana e rural), sua

popularidade fica para urbana ou rural. Portanto, Figura 4 apresenta técnicas típicas nas

áreas urbana e rural.

Figura 4 – Técnicas de saneamento nas áreas urbana e rural.

Analisando o custo-benefício e a eficiência energética para cada técnica, pode-se

dizer que o saneamento rural pode ser melhor do que o urbano. A análise da situação

recente, onde muitas pessoas na cidade procuram ecoturismo, turismo rural, hotel

fazenda, entre outros rurais, permite concluir que a condição rural é muitas vezes

melhor do que a urbana. Novos valores sustentam a busca pela proximidade com a

chamada “vida rural”. É como se o indivíduo/sociedade buscasse simplicidade,

desaceleração do ritmo de vida, ar puro e qualidade de vida, em contraponto ao urbano.

Assim, Kobiyama (2000) questionou a urbanização atual cuja consequência a sociedade

vem sofrendo. Neste contexto, a urbanização foi definida por Kobiyama (2000), como o

conjunto de três ações: (i) retirada da vegetação e do solo, (ii) revestimento do terreno

concreto e asfalto, e (iii) rejeição de água (escoar a água da chuva o mais rápido

possível através da drenagem urbana).

Por causa da situação atual onde o avanço da urbanização aumenta os problemas

hídricos e ambientais, Kobiyama (2000) definiu a ruralização como a convivência com

a vegetação, terra e água da chuva, ou, conjunto das ações de recuperação da vegetação,

da terra e da água com seus aproveitamentos e convivência harmônica (Figura 5). Sendo

processo contrário à urbanização, a ruralização no meio urbano pode ser considerada

como nova fase no desenvolvimento sustentável urbano. O meio ambiente consiste

principalmente em planta, água e solo. Em geral, a ação de rejeitar a esses componentes

do meio ambiente se chama a urbanização, enquanto a ação de conviver com os mesmos

se chama a ruralização. A cultura que conduz a ruralização pode ser chamada ruralismo

que nasce naturalmente no ambiente rural.

Figura 5 – Ruralização e ruralismo.

3.2. Aspectos filosóficos

Avaliando duas ações contrárias: urbanização e ruralização, entende-se que a

ação humana depende totalmente da filosofia que um indivíduo ou a sociedade possui.

Assim, pode-se dizer que quaisquer atividades necessitam de uma boa filosofia para que

obtenha sucesso. Então, partindo do princípio filosófico do livro “Small is beautiful”

escrito em 1973 pelo economista alemão Ernst Friedrich Schumacher (1911-1977),

Kobiyama (2008) demonstrou quatro importantes aspectos filosóficos no

desenvolvimento de qualquer atividade.

Segundo Schumacher (1983), o mundo atual que vem sendo construído com a

filosofia, a ciência e a tecnologia moderna, está começando a enfrentar três crises: (1) a

natureza do ser humano está sufocada pelas tecnologias e organizações não humanas;

(2) o ambiente que sustenta a vida do ser humano está danificado e já evidencia o

diagnóstico do início do colapso; (3) os recursos naturais não-renováveis

indispensáveis, no modelo atual, para o crescimento econômico, em especial o petróleo,

estão esgotando. As causas destas crises são o materialismo e a fé nas gigantes

tecnologias, os quais são gerados num contexto de ambição, de individualismo e de

concentração de riquezas. Em relação à educação, tecnologia, urbanização, indústria,

agricultura, economia, entre outros, Schumacher (1983) enfatizou que, os métodos e as

ferramentas empregadas na tecnologia devem ser suficientemente baratos para que

praticamente todas as pessoas possam adquirir e aplicar em uma pequena escala,

incentivando a criatividade das mesmas. Assim, o mesmo autor criou esse novo

conceito Small is beautiful, que hoje é um slogan internacional.

Na mesma linha filosófica de desenvolvimento sustentável, mas com outro

aspecto, Tsuji (2001) escreveu o livro “Slow is beautiful” e enfatizou a importância de

lentidão no processo de desenvolvimento na sociedade. A drenagem urbana também

precisa reduzir a velocidade do ciclo hidrológico para reduzir o prejuízo de desastres

naturais, necessitando aprender o conceito Slow is beautiful (KOBIYAMA, 2008). Para

que as medidas estruturais e não estruturais de menor escala conseguem diminuir a

velocidade do fluxo de água, Kobiyama (2008) mencionou a necessidade de realizar

medidas mais simples possíveis, chamando o conceito Simple is beautiful. A

simplicidade permite obter custos mais baixos, maior acessibilidade e menor consumo

de energia, entre outros. Para conseguir executar medidas simples em pequena escala,

que permitem a dinâmica da água mais lenta, a sociedade precisa de uma ciência mais

adequada. Assim sendo, Kobiyama (2008) enfatizou que a hidrologia tem que ser linda.

A estes quatro aspectos, Kobiyama et al. (2014) adicionaram ainda a importância

da valorização e consideração dos aspectos relacionados ao solo. Quanto mais estudar

as características do solo, ainda mais percebe-se a importância de sua função social,

econômica e ambiental. Além disso, percebe-se que a sociedade ainda não está capaz de

entender e descrever adequadamente estas funções. Para utilizar melhor solos, é

necessário entender melhor as funções do solo.

Assim sendo, os cinco aspectos filosóficos que devem ser considerados para

ruralização no meio urbano são:

Small is beautiful.

Slow is beautiful.

Simple is beautiful.

Science is beautiful.

Soil is beautiful.

Nenhum aspecto pode faltar na ruralização. Utilizando estes aspectos, diversas práticas

de ruralização serão apresentadas no próximo item.

4. PRÁTICAS DE RURALIZAÇÃO

Como a ruralização busca a convivência com as plantas (vegetação), precisa-se

compreender as funções do ecossistema florestal. Segundo Kobiyama (2000) e

Kobiyama et al. (2012), estas funções são: (1) mitigação do clima (temperatura e

umidade); (2) mitigação do hidrograma (redução da enchente e recarga ao rio); (3)

controle de erosão; (4) melhoramento da qualidade da água no solo e no rio; (5) redução

da poluição atmosférica; (6) fornecimento de oxigênio (O2) e fixação do gás

carbono(CO2); (7) prevenção do vento e barulho; (8) amenidade, recreação e

educação;(9) produção de biomassa, remédios, e alimentos; (10) fornecimento de

energia; (11) indicação (testemunha) da história, entre outras. A principal característica

da floresta pode resultar da ocorrência simultânea de todas as suas funções, mesmo que

em maior ou menor grau. Por exemplo, em dias quentes no verão, uma pessoa procura o

sistema de ar condicionado para reduzir a temperatura elevada no ambiente. A floresta

reduz a temperatura máxima do ambiente, o que faz parte da mitigação do clima. Neste

caso o efeito da floresta em relação à redução da temperatura máxima pode ser menor

do que o sistema de ar condicionado. Entretanto, a floresta exerce as funções de

mitigação do hidrograma, de controle de erosão, entre outras, e o sistema de ar

condicionado não. Assim, a utilização da floresta, por exemplo, a arborização urbana,

deve ser uma das principais práticas da ruralização no meio urbano. Para aumentar a

porosidade total do solo, fixar CO2 no solo e produzir alimentos e remédios, a

agricultura pode ser introduzida ao meio urbano. Neste sentido, a execução do sistema

agroflorestal (KOBIYAMA et al., 2001) deve ser incentivada cada vez mais no meio

urbano.

As técnicas de saneamento de maneira mais rural (Figura 4) podem ser

implementadas em escala maior. Entretanto, tais técnicas certamente demonstram sua

alta eficiência quando forem implementadas em pequena escala. Como Kobiyama et al.

(2008) comentaram, o saneamento básico deve ser descentralizado. Em outras palavras,

a descentralização do saneamento (PHILIPPI, 2000) é uma típica prática de ruralização

no meio urbano.

Assim sendo, há diversas técnicas de ruralização. Aqui serão discutidos apenas

armazenamento urbano, aproveitamento de água da chuva, e bacia-escola com base nos

aspectos filosóficos acima mencionados.

4.1. Armazenamento urbano

Aprendendo o conceito Slow is beautiful, Kobiyama et al. (2007b) destacaram a

necessidade de aumentar a rugosidade no curso da água e retardar (armazenar) a água na

drenagem urbana. O aumento da rugosidade pode ser realizado de duas maneiras: (1)

aumentar o coeficiente de rugosidade devido à inserção de obstáculo na superfície, e

criando atrito maior contra o fluxo; e (2) evitar a retificação do curso de água (por

exemplo, não fazer o canal artificial retificado nos rios com meandros). Em condições

naturais a bacia, normalmente, possui o coeficiente de rugosidade mais alto e o canal

mais sinuoso. Tendo sua capacidade de armazenamento elevada, a bacia natural deixa o

fluxo mais lento. Assim, a dinâmica da água torna-se lenta no ciclo hidrológico. A obra,

que transforma um canal artificial em rio natural, se chama a (re)naturalização do rio

(SOUZA e KOBIYAMA, 2003).

Com o intuito de resolver problemas causados pelo o excesso da água pluvial na

área urbana, a drenagem clássica e usual, que faz parte da urbanização, tem reduzido a

rugosidade e a sinuosidade dos canais e, consequentemente, aumentando a velocidade

do fluxo. Isto tudo é para tentar retirar (drenar) a água da chuva do local de interesse o

mais rápido possível. Kobiyama et al. (2007b) sugerem uma inversão desta lógica,

cunhando o termo ARMAZENAMENTOURBANO, em contraposição à drenagem

urbana. Isto foi justamente para enfatizar a busca de velocidade mais lenta no ciclo

hidrológico na área urbana com uso de sistema de armazenamento.

Por meio de monitoramento hidrológico na Bacia do Córrego Mineirinho no

município de São Carlos/SP e modelagem hidrológica, Benini e Mendiondo (2015)

estudaram o efeito do Plano Diretor do município (Figura 6). O resultado demonstrou

que o Plano Diretor conseguirá reduzir o efeito negativo da urbanização nesta bacia,

mas que a urbanização realizada com base no Plano Diretor ainda manterá o problema

de alta potencialidade de inundação.

Figura 6 – Simulação do hidrograma com diferentes cenários na Bacia do Córrego do

Mineirinho, São Carlos/SP. SPD e CPD significam os cenários sem e com plano diretor,

respectivamente. (Fonte: BENINI e MENDIONDO, 2015).

Este tipo de problema do Plano Diretor resulta da falta do conceito de

armazenamento urbano. Respeitar área de preservação permanente (APP) não é

suficiente. A capacidade de armazenamento de água da bacia hidrográfica está

associada ao uso e ao tipo de solo. Em relação ao uso do solo, em uma bacia pode-se

encontrar usos provenientes da ação humana (áreas cultiváveis, destinadas ao lazer,

comerciais, industriais, residenciais, etc.) e usos naturais (florestas, campos de altitude,

etc.). Como o Plano Diretor interfere diretamente sobre o uso do solo, permitindo ou

negando determinado tipo de uso em determinada localização da bacia ou região,

precisa-se também introduzir o conceito de “armazenamento urbano” ao Plano Diretor

de “Drenagem Urbana”. Um Plano Diretor que leve em consideração o conceito de

armazenamento trata da manutenção deste ao longo do tempo, independente do

crescimento urbano. Neste sentido, Kobiyama et al. (2008) demonstraram que a

introdução de medidas estruturais distribuídas(descentralizada) de armazenamento

urbano pode colaborar para o Impacto Hidrológico Zero no contexto de urbanização. O

Impacto Hidrológico Zero tem o mesmo significado de uma ação de emissão zero para

o desenvolvimento sustentável.

4.2. Aproveitamento de água da chuva

Uma das medidas estruturais distribuídas (descentralizada) é o sistema de

aproveitamento de água da chuva. As técnicas de aproveitamento de água da chuva são

caracterizadas com menor escala e estrutura bastante simples. Fazendo o

armazenamento de água da chuva, elas reduzem a velocidade do ciclo hidrológico no

meio urbano. Analisando o sistema de aproveitamento de água da chuva como estudo

de caso de Florianópolis/SC, Kobiyama e Hansen (1998) cientificamente demonstraram

efeitos positivos no ponto de vista social, econômico e hidrológico. Assim, pode-se

afirmar que as técnicas do aproveitamento de água da chuva fazem parte do

armazenamento urbano e vem sendo apoiadas pelos aspectos filosóficos acima

mencionados.

Essas técnicas não são novas. Mas a divulgação significativa desta técnica pode

ser observada com um livro original de Group Raindrops (1994).Esse livro foi

traduzido para o idioma português também (GROUP RAINDROPS, 2002). No Brasil,

as técnicas têm sido difundidas amplamente, por exemplo, Dacach (1979), Silva et al.

(1984; 1988), Daker (1987), Azevedo Netto (1991), Tomaz (1998) e Kobiyama et al.

(2005; 2007a). A Tabela 1 apresenta as vantagens e desvantagens destas técnicas nos

aspectos social, econômico e ambiental (hidrológico).

Tabela 1 - Vantagens e desvantagens do aproveitamento da água da chuva.

Aspecto Vantagens Desvantagens

Econômico • Redução do gasto mensal com

água e esgoto.

• Aumento da renda familiar

mensal, após retorno do

investimento inicial.

• Dependendo da tecnologia

empregada, pode ter alto custo

inicial.

• Pode aumentar o gasto com energia

elétrica.

Social • Garantia da qualidade de vida

pela certeza da não falta

d’água e seus inconvenientes.

• Melhora da imagem perante a

sociedade, órgãos ambientais,

etc.

• Conscientização ambiental

Não

Ambiental

(hidrológico)

• Preservação dos recursos

hídricos, principalmente dos

mananciais superficiais.

• Redução do pico do

hidrograma.

• Redução de alagamentos.

• Elevação do lençol freático.

Não

(Modificado de KOBIYAMA et al., 2005)

4.3. Bacias-escola

A bacia-escola é definida como uma bacia experimental que serve para

pesquisas científicas e atividades de educação ambiental (KOBIYAMA et al., 2009).

Abordando assuntos relacionados à hidrologia, geomorfologia, entre outros, ela pode ser

eficientemente e adequadamente utilizada para educação e treinamento de proteção e

defesa civil. Portanto, Kobiyama e Michel (2015) também sugerem a implementação de

bacias-escola para gerenciar desastres naturais associados a fluxo de detritos. A Figura 7

apresenta a utilização da bacia-escola como o ponto de partida do gerenciamento de

recursos hídricos. Em cada município, é preciso fazer, com bacias-escola, o

monitoramento hidrológico para obter os dados de chuva, vazão, entre outros para

compreender os regimes hidrológicos. Com base nos dados obtidos nas bacias-escola, a

sociedade poderá realizar a educação, conscientização, capacitação para si mesmo e

também executar as obras hídricas, previsão de inundação, mapeamento de áreas

susceptíveis, entre outras medidas.

Figura 7 – Contribuição da bacia-escola ao gerenciamento de recursos hídricos

Aqui, salienta-se que Haigh (2009) relatou o uso das bacias-escola em uma

conferencia internacional com grande interesse e como um exemplo a ser seguido,

sugerindo a implementação da mesma na Europa. Entendendo, assim, que a gestão

integrada e com participação de técnicos e sociedade se faz de forma realmente efetiva.

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

O presente trabalho demonstrou sucintamente o histórico dos aspectos

institucional (IHP-VIII) e científicos (IAHS Scientific Decade 2013–2022 “Panta

Rhei”). Com esta avaliação histórica, observa-se claramente que a hidrologia está cada

vez mais aproximando à sociedade, discutindo as interações entre a sociedade e os

processos hidrológicos. Assim, nota-se que a sócio-hidrologia tem sido cada vez mais

popular. Justamente por isso, a hidrologia e a sociedade estão prestando mais atenção à

área urbana, pois esta área possui a maior concentração populacional e

consequentemente uma intensidade maior dos problemas social, econômico e ambiental.

A área urbana recebe os processos de urbanização. No ponto de vista

hidrológica, a urbanização exerce efeitos negativos. Considerando a urbanização como

um conjunto das retiradas/rejeições da vegetação, do solo e da água pluvial, o presente

trabalho propôs a ruralização no meio urbano. Aqui, a ruralização é definida como a

convivência com a vegetação, solo e água da chuva, sendo processo contrário à

urbanização. Esta ação de ruralização pode ser sustentada pelos aspectos filosóficos de

Small is beautiful, Slow is beautiful, Simple is beautiful, Science is beautiful e Soil is

beautiful.

Embora existam diversas práticas de ruralização no meio urbano, acredita-se que

o armazenamento urbano, o aproveitamento de água da chuva, o sistema agroflorestal, e

o saneamento descentralizado são de extrema importância. De qualquer maneira, todas

as práticas devem ser auxiliadas com os dados obtidos por meio da construção de

bacias-escola. Assim, pode-se dizer que a bacia-escola é o ponto de partida no

gerenciamento de recursos hídricos, gerenciamento de bacias hidrográficas e

gerenciamento de desastres naturais.

Analisando os desastres relacionados a escorregamentos, Petley (2012) e

Sepúlveda e Petley (2015) demonstraram uma tendência onde países que possuem

elevado número de publicações de artigos científicos sobre escorregamentos sofrem

menos com estes desastres. Isso indica que a sociedade brasileira também precisa

avançar mais em seus estudos relacionados aos problemas sócio-econômico-ambientais

na área urbana a fim de reduzi-los. Para isto também, a bacia-escola fica ainda mais

importante.

Aprendendo a história humana, por exemplo, Hillel (1991) e Montgomery

(2007), entende-se que os seres humanos inicialmente tentaram a civilização no seu

lugar. Quando não respeitavam a natureza (vegetação, solo e água), a civilização se

acabou. Aqui considera-se que a urbanização é fase avançada da civilização. Justamente

por isso, o desenvolvimento da área urbana deve ser mais planejado e gerenciado.

Enfim, apresenta-se uma história bastante comum: Houve floresta antes da civilização.

Depois da civilização (excesso de urbanização), existirá o deserto.

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