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N) eG- s o" o « a E « X a> a 3 c 3 *^ 10 c w IA -< as c O o (S Z O t í! o o o - E UJ I § o' to O I a o c 4) > a> D O Q. I CO 0) E CO Um serviço de combate ao racismo e à discrímínaçáo msm Querem acabar ^r^- A^o passado, os donos do Brasil, para acabar com os negros, inventa vam guerras -como a do Paraguai -e colocavam oi pretos como buchas-de-ca nhào.Para mostrar que o tempo% passou, mas que a mania ainda existe, o Jornal MAIORIA FA - LANTE está denunciando, neste número, como o Estado e os ' 'donos'' deste país estão matando os negros brasileiros. Esta dura realidade é produto da política surda e sistema - tica do Estado e da cultura de se levar vantagem em tu- do. Com esta publicação, bus- camos contribuir para a cons- cientização da população, acerca das matanças do homem sim- ples, provando definitivamente como agem os racistas no Brasil. Parlamentares negros na África do Sul Parlamentares negros que visitaram a África do Sul: Edmflson, Caó, BenéePaim. No ultimo dia 3 de agosto de 1990, o Deputado Federal Paulo Renato Paim esteve reunido com a Comissão do Negro do Sindicato dos Metalúrgicos e com o Fórum de Entidades Negras de Porto Ale- gre para passar as impressões que obteve junto à bancada negro do Congresso Nacional após ir à África do Sul. em outra oportunidade Caó, Bené, Paim e Edmflson tentaram ir naquele país mas a empresa Varig não transportava negros brasileiros para o regime do "apartheid". Para Paim, ter co- nhecido o regime de segregação foi algo muito inte- ressante. Segundo ele, a África do Sul está vivendo em plena guerra civil. Explicou no entanto que a li- bertação de Nelson Mandela foi uma tática adotada pelo governo racista, que retardou a tomada irrever- sível do poder pelos negros Sul-Africanos. Após realizar um amplo debate sobre a vinda de Nelson Mandela no Brasil, inclusive no Estado do Rio Grande do Sul, os seguimentos presentes na reunião estão realizando, um esforço, concentrado para garantir e fazer avançar a organização deste evento em Porto Alegre. No dia 16 de agosto o hórum de Entidads Ne- gras de Porto inaugurou o Comitê Mandela no Rio Grande do Sul na qual fazem parte a administração Popular, Conselho Mundial de Igrejas e outros se- guimentos progressistas.

s o msm serviço de combate ao racismo e à discrímínaçáo filePágina 2 Jornal MAIORIA FALANTE AGOSTO/SETEMBRO 1990 EDITORIAL Por base, o movimento O esvaziamento verificado na

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Um serviço de combate ao racismo e à discrímínaçáo msm Querem acabar

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A^o passado, os donos

do Brasil, para acabar

com os negros, inventa vam guerras -como a do

Paraguai -e colocavam oi

pretos como buchas-de-ca nhào.Para mostrar que o tempo% passou, mas que a mania ainda

existe, o Jornal MAIORIA FA -

LANTE está denunciando, neste número, como o Estado e os

' 'donos'' deste país estão

matando os negros

brasileiros. Esta dura

realidade é produto da política surda e sistema -

tica do Estado e da cultura de se levar vantagem em tu-

do. Com esta publicação, bus-

camos contribuir para a cons-

cientização da população, acerca

das matanças do homem sim-

ples, provando definitivamente

como agem os racistas no Brasil.

Parlamentares negros na África do Sul

Parlamentares negros que visitaram a África do Sul: Edmflson, Caó, BenéePaim.

No ultimo dia 3 de agosto de 1990, o Deputado

Federal Paulo Renato Paim esteve reunido com a Comissão do Negro do Sindicato dos Metalúrgicos

e com o Fórum de Entidades Negras de Porto Ale-

gre para passar as impressões que obteve junto à

bancada negro do Congresso Nacional após ir à

África do Sul. Já em outra oportunidade Caó, Bené,

Paim e Edmflson tentaram ir naquele país mas a

empresa Varig não transportava negros brasileiros para o regime do "apartheid". Para Paim, ter co-

nhecido o regime de segregação foi algo muito inte-

ressante. Segundo ele, a África do Sul está vivendo

em plena guerra civil. Explicou no entanto que a li-

bertação de Nelson Mandela foi uma tática adotada

pelo governo racista, que retardou a tomada irrever-

sível do poder pelos negros Sul-Africanos.

Após realizar um amplo debate sobre a vinda de Nelson Mandela no Brasil, inclusive no Estado do Rio Grande do Sul, os seguimentos presentes na reunião estão realizando, um esforço, concentrado para garantir e fazer avançar a organização deste

evento em Porto Alegre.

No dia 16 de agosto o hórum de Entidads Ne- gras de Porto inaugurou o Comitê Mandela no Rio Grande do Sul na qual fazem parte a administração

Popular, Conselho Mundial de Igrejas e outros se- guimentos progressistas.

Página 2 Jornal MAIORIA FALANTE AGOSTO/SETEMBRO 1990

■EDITORIAL

Por base, o movimento

O esvaziamento verificado na 1? reunião Preparatória do Encontro Nacional de Entidades Negras do Brasil, realizado em SP - Julho último - quando dos 25, compareceram apenas 7 esta- dos, é um sintoma. Principalmente quando o re- cente Encontro de Negros do Norte-Nordeste, contou com representações, no caso, Bahia, Amapá, Pará, Maranhão e Amazonas, este como estado-sede. Não temos ainda, informações exa- tas do n- de participantes no III Encontro de Ne- gros do Centro-Oeste, mas não ha dúvidas que o saldo numérico anda meio por baixo.

A empreitada política para realização do En- contro Nacional é um esforço coletivo que to- das as entidades deverão medir.

A extensão geográfica do país, as carências de recursos financeiros da maioria das entidades, além da conjuntura econômica brasileira são da- dos óbvios dos problemas a serem enfrentados.

Outro fator considerável é a fragilidade da maioria dos Estados, quanto à organização efeti- va dos foros estaduais, criados exatamente parti empurrar de baixo para cima o clamor por trans- formações no MN. Sem este fôlego, algumas práticas viciadas como o acirramento da hegemo- nização de região, de tendências ou partidárias, poderão acarretar algumas escoriações e hema- tomas. Não se pode maquiar os grandes interes- ses que se colocam à mesa, para a realização de um encontro com a envergadura "Nacional". A própria reorganização do capitalismo internacio- nal, terá reflexos sobre o MN que vai se consoli- dando como uma classe de negros politizados e prontos para aspirarem o status de inquilinos do poder ou de radicais contra o poder.

Prestem atenção, companheiros, a superfície do MN deve investir fundo na participação das bases. A grande quantidade de entidades negras espalhadas no país, não podem correr o risco de perderem o bonde da história, apenas por não disporem de "vales transportes".

O pleno desenvolvimento dos foros esta- duais, sem superposições - é a garantia para que a maioria, não se veja de fora, na hora das deci- sões. A democracia representativa tem demons- trado que o referendo - sim ou não - é uma das formas eficazes de castrar a participação das ba- ses. Enfim, legitimar os foros tem a intenção de que nenhuma entidade é capaz de representar uma outra, a não ser a si mesma, obrigando assim o MN à uma reaproximação com a pluralidade característica das organizações de fato democrá- ticas.

.Expediente, Diretora Responsável

ValdeleUma Colaboradores

Augusto Morais, Luiz Carlos Vieira. Maitê Barros, Silvania de Oliveira, Amaurí Mendes Pereira. Rodrigo

Senra (RJ), Miria Braz (SP), Dora Bertuiio, Nara Nascimento (MT), Júlio César CamosoISo. Eloir Terra

(RS). Maria das Dores Silva (MA). Conselho Editorial

Júlia Theodoro, Éle Scmog, Togo lomba (coordenação jomaibtica do MN), Belh S. Santos, Vaklclc Lima. Jorge Barros (coordenação política), Eliane Souza (coordenação de educação), José Ayrton Martins.

Correspondentes Augusto Morais. Luiz Carlos Vieira. Maití Barros.

Silvania de Oliveira, Amaurí Mendes Pereira, Rodrigo Senra (RJ). Mina Braz (SP). Dora Bertuiio. Nara

Nascimento (MT), Júlio César CamosolSo, Eloir Terra

Registramos aqui o recebimento de sua carta na qual confirmamos nosso acordo quanto a distribui- ção do JMF e a nossa posição como colaboradores. Casa da Cultura de Volta Redonda - RJ

Estamos interessados em receber o JMF que se- rá oferecido ao Padre da localidade que está fazen- do um trabalho de pesquisa sobre Conscientização Negra. Prof. Henry Kropf - Federação das Entidades Trovistas - RJ

Apreciamos incondicionalmente, a Imprensa Alternativa que atua neste país. Assim, nós solici- tamos remeter-nos exemplares passados e atuais do JMF. RAO Promoções Artísticas - Brasília/DF

Sou estudante universitário de enfermagem e gostaria de tomunicar-me com vocês trocando in- formações sobre a questão do negro no contexto atual, assim como fazer assinatura. João Carlos dos Santos - Ilhéus/Bahia

O objetivo desta é indagar de V.Sas. qual o motivo de até a presente data não haver recebido o JMF, pois fiz uma assinatura em 06.06.90. Eliza Bezerra Mineiros/João Pessoa/PB.

Fiquei gratificado ao abrir as páginas do JMF. De cara identifiquei-me logo com sua proposta edi- torial e com as matérias ali contidas. Só imaginei que muito perdi por esse contato não haver aconte- cido antes. Adilson Araújo - Catu/Ba

Sou negro e interessado nos assuntos e proble- mas do negro brasileiro e africano, por isso gostaria imensamente de receber o JMF, para também ver da possibilidade de assinatura. Marco Chagas - Rio Grande/RS

Estou interessado em receber o Jomal Maioria Falante e divulgar o meu livro "Rebelamentos"., Tomei conhecimento do jornal através do Jomal de Letras. Marcos Dias - MG

Visitando o Maioria

Acredito que um órgão de imprensa, de expres- são escrita, deve manter um conjunto de especifici- dades, que permitam realizar o mais importante: um processo de comunicação claro, atraente e objetivo. E, ainda, importante a sua participação social e po- lítica, tomando-se, assim, um veículo dç efetiva atuação comunitária.

Nesse sentido, diagramação, tipo de letra, cor, tamanho, fotos, chamadas, editorial etc organizam um universo de informação que, de acordo com sua estratégia, obtém um determinado resultado.

Então, por essa ótica, seguem estas linhas a respeito do nosso MAIORIA FALANTE.

Creio que a primeira página poderia ter uma diagramação mais espaçada, com um campo visual mais amplo, logo proporcionando uma leitura mais eficaz. As fotos estão muito próximas dos textos, o que dá uma imagem espremida, pouco atraente (o mesmo ocorre nas páginas 2, 4 e 7). A nota sobre CONSELHO poderia estar na página 2, o que daria mais proporcionalidade aos assuntos e à disposição gráfica.

As "chamadas" não têm o "apelo" jornalístico, tão necessário ao processo de veiculação que, por sua natureza, tem por finalidade criar uma expecta- tiva para a notícia, uma certa vontade de procurar determinado assunto em páginas posteriores.

Poderia ser pensada uma nova cor para o título do jomal, O verde, algo esmaecido, não dá um contraste conveniente à imagem geral da primeira página. Entendo que o impacto visual causa certa

José Maria de Souza Dantas

reação, o que é uma técnica fundamental o processo de comunicação. Como o MAIORIA FALANTE é um impacto necessário e oportuno, uma outra cor poderia expressar melhor sua característica, (talvez um vermelho forte)

Nas páginas interiores também é importante re- pensar a diagramação e a colocação dos textos. Da maneira que está, "passa" uma impressão visual um pouco desconcertada. Os textos não apresentam uma disposição harmônica (não se entenda harmo- nia como ordem, rigidez), ou seja, não oferecem ao leitor um seguimento (não segmento) de leitura que deve fluir, que deve construir uma forma contínua e, conseqüentemente, agradável. Não há dúvida de que essa forma agradável influi na mente de quem lê, naturalmente despertando maior prazer na leitu- ra. Ou como disse Drummond, o leitor poderia "sa- borear" melhor os textos, despertando "sabor" e "saber", apreendendo a verdade de suas linhas e absorvendo o conteúdo, este de inegável qualidade.

Entretanto, apesar destas críticas, feitas com admiração, mas, com uma postura isenta, que se faz necessária, não há a menor dúvida de que o MAIO- RIA FALANTE presta grandes serviços à nossa cultura. A sua luta em prol da justiça, o seu com- bate ao racismo e à discriminação são exemplos que deveriam ser seguidos. A sua coerência social e po- lítica é sua maior qualidade, além da dignidade com que se comporta, sempre fiel aos seus princípios, sem concessões, num caminho de autenticidade.

(RS) Maria das Dores Silva (MA). Corrcspondentet

Adriana Botelho de VasoonceDos. Inocência da Mau (Portugal). Guikrmo Cué Hemandez (Cuba). Joselina

da Silva (EUA) Administração Julia Theodoro

Secretirio de Redação e Circulação J. Ayrton Martins

Coordenação Cultural, Produção Grafica TA Roberto Fotografia

João Morais e Zé Roberto Ilustração

Zé Roberto, José Anísio, Dango. Zito Diagramação

Tatiana Frócs Cana varro

Publicidade: Maria Helena Fuzer. Secretária

Mareia Amando (AlCRAM). Revisão

VaJdete Lima, Aríete Silva, Neli Hudson Distribuição

Sérgio Luis Amâncio Agências

AGEN. ANGOP Apoio

Coordenadoria Ecumênica de Serviços - CESE, Centro de Articulação de Populações Marginalizadas - CEAP, Núcleo de Estudos do Negro - NEN, Comitê Contra a Discriminação Racial e Social - RACISO, Centro de

Cultura Afro-Brasileira/Volta Rodanda As nulenu uanada* *io de mletra leiponubUidadc dot auloici

RuadaL^a200 Sala 808 LAPA RIO DE JANEIRO-RJ BRASIL - CEP 20.021 «TctefoM (021) 252-2302 1

AGOSTO/SETEMBRO 1990 Jornal MAIORIA FALANTE

Organização do Movimenrto Negro

Um marco histórico no processo de organização

PáginaS

Amaury Mendes Pereira

Será realizado em Vitória de 7 a 9 de setembro próximo.

Os participantes serão divididos em grupos, e todos debaterão 5 temas: A Interiorização do Movimento Negro; A Cultura de Consciência Negra; Mulher Negra; Formação Política; e Articulação com Outros Movimentos Sociais.

Mais bem organizado e divulgado que os anteriores, este promete cumprir o seu papel de integrar asEntidades negras de nossa região e aprofundar as discussões políticas sobre o processo de organização do Movimento Negro.

O FÕRUM-RJ, está a "todo pano" organizando as delegações. Desta vez, os documentos de convocação e os textos básicos do ENCONTRO SUL/SUDESTE chegaram às mãos de quase todas as entidades negras do Rio de Ja- neiro, e no dia 04/08 realizou-se um seminário especial so- bre o mesmo.

Enfim, realizou-se a I REUNIÃO DE COORDE- NAÇÃO NACIONAL - Preparatória do I ENCONTRO NACIONAL DE ENTIDADES NEGRAS.

Inicialmente convocada para Janeiro, em Salvador, adiada sucessivas vezes, acabou sendo realizada nos dias 7 e 8 de julho em São Paulo.

A verdade é que esta l- reunião foi o resultado do esforço de algumas entidades e militantes; sem uma con- vocação ou referência central a data e o local foram firma- dos com menos de 1 mês de antecedência!

Como era previsível, não teve o nível de participação que poderia ter. Delegações que não expressavam, nem de longe, o potencial dos seus estados:

- São Paulo: Fórum de Militantes (nenhuma entidade ou grupo forte) da capital e apenas um representante do interior.

- Minas Gerais: apenas uma representação de Juiz de Fora.

- Bahia: 2 representantes do Conselho de Entidades negras da Bahia, apenas da Capital.

- Santa Catarina: apenas 1 representante de Joinvil- le.

- Rio de Janeiro e Espírito Santo, um pouco mais adiantados na organização dos seus Fóruns Estaduais de Entidades Negras, mas com muito, ainda, a fazer, para abranger a ampla variedade de grupos e Entidades negras e

organizar, de fato, o Movimento Negro.

Apesar de tudo, de nos trazer este diagnóstico irrefu- tável da nossa debilidade (e até mesmo por isso), teve uma importância histórica inequestionável - foi o ponto de par- tida para tirarmos o Movimento Negro da inércia. (Inércia não é só ficar parado. É se movimentar sempre da mesma maneira, andando em círculos, sendo repetitivos).

Sim, porque as Entidades, grupos e militantes negros, desarticulados estão em suas individualidades, esgotando sua capacidade de fazer avançar a luta contra o racismo:

Por exemplo:

• Temos denunciado constantemente a violência poli- cial que se abate principalmente sobre negros. Mas não conseguimos combater com eficiência o con- junto do sistema que tem na repressão e na impuni- dade a espinha dorsal da perpetuação do seu poder.

• Se repetem e se avolumam as denúncias do racismo na educação. Mas como embutir novos conteúdos, novas metodologias, novas referências históricas, simbólicas, estéticas, num sistema educacional criado para reproduzir o racismo e todo tipo de

desigualdades?

• Já é voz corrente a denúncia da folclorizaçáo e das manipulações sobre as nossas manifestações cultu-

rais. Como, no entanto, subverter este cenário, e fazer predominar a nova Cultura de Consciência Negra que é o resultado de uma postura mais crítica

perante a realidade e de reflexões atualizadas sobre os valores fundamentais das matrizes africanas de nossa Cultura.

E tantos outros aspectos específicos da questão racial, no Brasil, em que a nossa UNIDADE é imprescindível

para conseguirmos avançar.

Isto, sem falar no potencial que tem o nosso Movi- mento (desde que devidamente articulado e organizado) de contribuir diretamente para o avanço das lutas sociais no Brasil:

Junto ao Movimento Comunitário nas favelas e pe- riferias das grandes cidades.

No sindicalismo, junto às categorias menos qualifi- cadas, onde se concentram os negros (porque será?) e onde é mais baixo o nível de organização e mobili- zação. Além de questionar os critérios e práticas ra- cistas de seleção e de organização do mercado de trabalho, o que, sem dúvida, será tremendamente mobilizador para a grande maioria dos negros re- serva de mão-de-obra.

No Movimento dos Sem Terra, onde é enorme a quantidade de negros, herdeiros das estruturas agrárias da escravidão; onde é tamanha a brutalida- de e iminente a radicalização em conflitos generali- zados, etc.

A verdade é que a dimensão histórica da I Reunião de Coordenação Nacional terá que ser avaliada pelas suas conseqüências.

Suas principais deliberações foram: • Formalizar a criação da Coordenação do I EN-

CONTRO NACIONAL DE ENTIDADES NE- GRAS, composta de 5 membros eleitos pelos Fó- runs Estaduais de Entidades Negras.

• Marcar a data e o local do Encontro - 17/18/19 de novembro de 1991, na cidade de São Paulo.

• Definir uma Executiva provisória para convocar e articular muito mais amplamente e com mais tempo a próxima reunião de COORDENAÇÃO que será em outubro.

• Refletir e indicar os critérios de participação no ENCONTRO NACIONAL.

• Desencadear através dos Fóruns Estaduais, campa- nhas de mobilização nacional contra o extermínio de crianças e adolescentes.

Finalmente é necessário frizar: há indefinições, pro- blemas e dificuldades de todo tipo. Para que seus desdo- bramentos se dêem com coerência serão necessários ex- tremo zelo e competência.

Pode-se questionar os objetivos, os métodos, o nível de representatividade, a pouca abrangência... Mas não se pode perder de vista, que a existência deste processo é UM FATO !!!

Depende de nós Entidades e militantes negros torná-lo legítimo e conseqüente.

X Encontro Norte/Nordeste de Entidades do Movimento Negro (*) Adélia Azevedo

Realizou-se no período de 26 a 29 de julho, na cidade de Manaus-Amazonas, o Encontro Norte/Nordeste de En- tidades do Movimento Negro. A organização esteve a car- go do Movimento Alma Negro - MOAN, contando com o auxílio das entidades do país.

O objetivo básico do evento foi o de congregar as en tidades para discutir as soluções dos diferentes problemas que dificultam uma maior organização do segmento negro

da população para uma ação coesa em busca do fim do ra- cismo no Brasil e no mundo.

O temário preestabelecido pela coordenação organiza- dora foram: "Organizações do Movimento Negro rumos e perspectivas"; "O Negro na Amazônia"; "A nova realida- de política do país"; "Unificação Nacional do Movimento

Negro"; "Participação da Mulher no Movimento de Mu- lheres e sua organização nacional"; "Solidariedade interna- cional na luta contra o racismo"; "Meio ambiente e os po-

vos da floresta"; "Recepção a Nelson Mandela".

Em princípio o encontro nas dependências da Univer- sidade do Amazonas, situada na Estrada do Cantoro s/n2

Japim, mas por motivo de força maior foi transferida para o auditório Dr. Zerbini, local onde aconteceram as plená- rias e refeição. Alguns poucos participantes ficaram hos- pedados no Lord Hotel e a grande maioria na Casa do Es- tudante.

O perfil que se tem dos encontros da entidades negras do Norte/Nordeste é o melhor possível. Foram encontros que sempre ofereceram encaminhamentos de ação política ao conjunto de militância a nível nacional.

O desenrolar deste encontro deixou a desejar em com- paração aos anteriores até porque quem primeiro byscou abrir as discussões sobre as reflexões do negro a nível re-

gional foram os militantes dos Estados do Norte e Nor- deste, fazendo com que o Sul/Sudeste e Centro-Oeste se- guissem a mesma trajetória política.

Alguns fatos negativos contribuíram para o enfraque- cimento do encontro: falhas na organização, o fato mais sério foi com relação à hospedagem na Casa do Estudante, péssimas acomodações. Pouca informação do evento nos

pontos importantes. Por exemplo, nenhuma informação no aeroporto, obrigando aos militantes que chegariam em

Manaus pela madrugada, pernoitarem no aeroporto. Pe- quena representação de participantes integrantes das enti-

dades dos Estados Norte/Nordeste. A coordenação optou

pela dinâmica de palestras por pessoas caracterizadas para

tal nas suas especialidades.

Infelizmente a grande maioria dos convidados não compareceu e nem enviou justificativa pela ausência.

Apesar da fraca representação de entidades nos Estados, lá estiveram o Amapá, Pará, Bahia, Maranhão e o Estado an- fitrião Amazonas. Como observadores do evento com o objetivo de troca de informações compareceram Rio de Ja- neiro e Minas Gerais.

Os organizadores do encontro informaram a plenária que várias foram as dificuldades encontradas para a reali- zação do mesmo, uma delas foi o não recebimento por parte da comissão organizadora do IX encontro, sediado na Bahia em 1989, as resoluções finais foram: aborrecimen- tos, falhas realmente aconteceram, mas não foi o pior. 0_ importante é que aconteceu com grande ou pequeno número de participantes. Foi muito bom encontrar pessoas diferentes, jovens e com muita garra. Pela primeira vez tal- vez tenha acontecido um encontro do vulto que é o Nor- te/Nordeste sem a participação dos nomes dos medalhões do Movimento e nem por isso as questões não deixaram de ser discutidas e as vontades serem aprovadas.

Parece-me que a pouca atenção por parte da militância dos Estados do Norte/Nordeste ao X Encontro foi um grande equívoco político das lideranças locais em momento tão delicado para o povo brasileiro, principalmente para nós negros e pobres, ainda oprimidos no ano II do Cente- nário da não Abolição.

( ' Conselheira do Conselho Municipal do Conselho Municipal de Defesa dos Direitos do Ne- gro - RJ e Diretora da Divisão de Cultura Afro-Bra- sileira

Página 4 Jornal MAICrtIA FALANTE AGOSTO/SETEMBRO 1990

a Enquanto de um lado matam, do outro morrem e de um

outro lado da vida se trabalha no Corpo a Corpo. Infrin- gindo e desrespeitando toda e qualquer norma de moral Cristã uma legião de jovens rapazes, a olhos vistos nesse mundo de Deus, estabelecem como forma de sobrevivência e às vezes prazer, uma luta Corpo a Corpo.

Estamos falando dos "michês". Homens, geralmente jovens, que se vendem por quantias "tabeladas" dependen- do de onde o "programa" seja marcado (local do encon- tro).

Não podemos dizer que os rapazes que se entregam a esse tipo de "Profissão Alternativa" sejam, todos, prove- nientes das camadas mais pobres da sociedade, mas afir- mamos que são fruto de uma série de "ABANDONOS" que os levam a fugir, como podem, da prática do furto abra- çando a prostituição. E comum se aproveitarem da carên- cia efetiva e do homossexualismo de alguns fregueses para roubá-los. Tem de tudo. Até um misto de adoção paterna misturada com casamento machista. É quando o "velhote" diz pro garotão: - "Vai pro meu apartamento que eu te banco".

As perspectivas de ganhos financeiros são grandes, não somente na rua como também em Agências especiali- zadas em "programai' que contratam garotos para "saí- rem" com seus clientes. Normalmente a inscrição do candi- dato é feita através de uma foto de sunga com o "pau pra fora", ou nu. Tudo em grande estilo como se fosse um açougue humano em que a carne é oferecida como de pri- meira ou terceira.

Marcondes Mesqueu

MENOR BIGODE É HOMEM

O Jornal Maioria Falante entrevista michê de 19 anos que resolve ser chamadode Menor Bigode.

JMF - Você acha legal ser michê? MB - É... um modo de ganhar dinheiro. Antes estar

assim do que roubando na rua. JMF - Como você começou nessa vida? MB - Eu estava internado numa escola, eu tinha 11

anos, e naquele tempo eu ia passear na Central do Brasil e fazia programa com os caras pra ganhar dinheiro.

JMF - Em que ocasião um programa rendeu uma boa grana?

MB - Há quatro meses atrás eu estava sentado num banco da Cinelândia e um gringo me chamou e disse que dava seis mil pra eu 'fudê" ele. Topei. Quando acabou ele me pagou dez mil. Deu pra comprar um monte de coisas.

JMF - O michê rouba o freguês? MB - Só se ele for otário e vacilão, se não quiser pa-

gar, fizer escândalo. Já mandei dois pro hospital. JMF - Você gosta de ser michê? MB - Tem cara que gosta, eu preferia estar traba-

lhando mas é a maneira mais fácil de ganhar a vida. JMF - É legal pra um homem ser michê? MB - Não. Tenho medo de AIDS, é uma prajga. Eu só

transo com camisinha. Tem umas bichas que distribuem camisinhas pra gente.

JMF - O que acontece no quarto do hotel entre o mi- chê e o freguês?

MB - Só o que foi combinado. Eu estou ali pra comer ele.

JMF- Vocês se beijam? MB - Eu beijo só se ele pagar mais e quando acaba

a trepada lavo a boca com detergente. JMF - E se o cara quiser dar e comer também? MB - Aí é ruim... Agora por muita grana eu até es-

queço que tenho eu e dou. Mas só por muito dinheiro e de

camisinha. JMF - Você se acha um homem? MB - Claro. Continuo sendo homem do mesmo jeito.

Gosto de mulher. JMF-E a polícia? MB - A civil dá porrada e não deixa a gente ficar pa-

rado. Tem que estar andando de um lado para o outro. JMF - Conte a sua vida desde a infância. MB - Quando eu tinha dez anos roubei uma bicicleta,

fui preso e levado pra FUNABEM. Eu morava no Morro do Borel, na Tijuca. Aos 17 anos evadi de lá e voltei pro morro. Em casa, minha família vivia numa tremenda po- breza. Fiquei dois anos em casa jogando sinuca, soltando pipa e muita mulher. Eu sempre andei "nos trajes" (roupa bonita) porque estava sempre no meio dos caras do "bi- cho". Eu era aviãozinho dos caras. Descia o morro para comprar sanduíche, arroz, feijão, sorvete pra eles. Hoje estou nesta vida mas tenho uma "mina" de 22 anos que está grávida de três meses. Ela é toira de olhos azuis e mora na Gávea. Eu gosto dela. Ela não pode saber que eu sou "michê senão acaba tudo. O pai dela sabe e está ajudando a gente. Mesmo depois que meu filho nascer não sei se vou parar com essa vida. Talvez meu filho, um dia, saiba da mi- nha vida.

Ao terminar a entrevista Menor Bigode declara ter uma filha de três anos que nunca viu e não sabe onde mora. Esta criança é fruto de uma relação ainda no tempo de in- temato. Diz que gostaria de vê-la

Pede licença e volta para o "descamisado" CORPO A CORPO, talvez de camisinha.

TABELA PE POSSIBILIDADES DE GANHOS DE UM MICHE POR PROGRAMA NO RJ

(Os Valores Dependem da Localização Onde o Programa Seja Feito)

Central (Terminal Ferroviário) - Cr$ 100,00 a Cr$ 300,00 Via Apia (Museu Histórico) - Cr$ 2.000,00 Cinelândia - Cr$ 2.000,00 a Cr$ 3.000,00 Galeria Alaska - Cr$ 5.000,00 a Cr$ 6.000,00 Copacabana (outros pontos) à CrS 10.000,00 a Cr$ 20.000,00

Segundo alguns michês consultados, o ganho mensal de um michê em Copacabana pode chegar a CrS 300.000,00.

Atobá: um serviço sem preconceito Augusto Morais

Obter informações mais precisas sobre AIDS fi- cou mais fácil. Com uma simples ligação telefônica, qualquer pessoa pode saber sobre vários aspectos

relacionados com a sfndrome, para isto, ligue Dis- que AIDS Atobá (021) 332-0787, no horário de 7:00 às 22:00 h de segunda a sábado.

Iniciado no líltimo 20 de maio, o Disque AIDS, é um serviço telefônico de informação, que foi cria- do pelo Atobá - Movimento de Emancipação Ho-

mossexual - para orientar e apoiar emocionalmente em questões relativas a AIDS, doenças sexualmente

transmissíveis e serviços — locais de exame, hospi- tais especializados, médicos e homossexualismo

(masculino e feminino). Este serviço é sigiloso, e confidencial, portanto o usuário não necessita se identificar.

Durante 10 dias Rodolfo, Mareio, Paulo, Cláu-

1^ -

dio. Chuva e Adiston conheceram sintomas, carac- terísticas e medidas preventivas através do Curso de Capacitação Técnica em AIDS e Doenças Sexual-

mente Transmissíveis oferecido pela Secretaria Es- tadual de Saúde do Rio de Janeiro, para formarem a equipe que atua no Disque AIDS.

O Disque AIDS Atobá que inicialmente recebia somente ligações locais, hoje já recebe ligações de diversas partes do país. Para auxiliar na informação sobre a AIDS, o Atobá também utiliza folhetos,

boletins e 'folders' que são distribuídos através de 2000 correspondências mensais e também através do corpo a corpo. A Fundação Ford patrocina o pro- jeto do Atobá.

O que é, e como surgiu o Atobá

O Atobá é uma associação civil sem fins lucra- tivos que tem como objetivo a união e a integração entre os homossexuais, sejam eles masculinos ou femininos, para juntos lutarem contra qualquer for-

ma de discriminação ou preconceito. No Rio de Ja- neiro é pioneiro na experiência de formação de gru- po homossexual na Zona Oeste. Sua sede está loca-

lizada na Rua Professor Carvalho de Melo, 471 - Magalhães Bastos.

Apôs a morte de Sidney Quintanilha dos San- tos, que foi barbaramente assassinado em 12 de se- tembro de 1985 por ser homossexual, alguns de

seus amigos se uniram para formar o Atobá, que se- ria uma instituição que lutaria contra os preconcei- tos e as arbitrariedades cometidas contra os homos- sexuais.

O projeto se concretizou e no dia 28 de julho de 1986 o Atobá foi fundado e eleita sua primeira di- retoria. "Escolhemos esta data por ser o Dia Inter- nacional de Orgulho Gay", diz Rodolfo Skarda.

COMO CHEGAR AO ATOBÁ

ônibus M. Hermes 784 e 820)

Atividades do Atobá

O trabalho do Atobá não se resume apenas no

Disque AIDS, ele também distribui preservativos em sua sede. Organiza festas, passeios, palestras onde são debatidos vários assuntos de interesse do grupo.

Para quem quiser ajudar o Atobá, as doações podem ser feitas no Banco do Brasil, conta n- 404.759-3, agência Centro-Rio (0001-9).

O Dr. Mário Luis Rochocz, chefe da equipe de AIDS do PAM 13 de Maio,assessora o Atobá em assuntos relacionados à sfndrome.

AGOSTO/SETEMBRO 1990 JORNAL MAIORIA FALANTE Página 5

Literalmente assim

Olha o bode (*) Luiz Silva — Cuti

Tido por Joaquim Nabuco como um Horário encarapinhado, defendido por Silvio Romero, que o incluiu na quinta fase do Romantismo na História de Literatura Brasileira, admirado por Raul Pom- péia. Rui Barbosa e tantos outros, o abolicionista e poeta satírico Luiz Gonzaga Pinto da Gama consti- tui-se numa* legenda muito singular na cultura bra- sileira, tanto por sua biografia quanto pela sua obra satírica de um só livro: Primeiras Trovas Burlescas de Getulino, publicado, pela primeira vez, em 1959.

De menino feito escravo aos 10 anos de idade, por ter sido vendido pelo próprio pai, até tomar-se o grande tribuno adorado por muitos, (sobretudo os escravos que defendeu e tantos que alforriou), mas também odiado pelos defensores do status quo do Segundo Império, o filho de Luiza Mahin percorreu uma trajetória que se aproximou da lenda. Mas, há os registros históricos que impõem, perante qual- quer tentativa de invisibilizá-lo, a personalidade e o trabalho militante deste negro nascido a 21 de junho de 1830. O viés psicanalítico, através do qual cos- tuma-se pinçar "deficiências" em nossos grandes nomes históricos descendentes de africanos aqui es- cravizados, encontra aqui sua dificuldade. Se um Cruz e Souza, pelo prisma do poema Antífona

(muito mal compreendido), foi inúmeras vezes tido como complexado e/ou recalcado diante da cor branca. Machado de Assis considerado um apático em face da escravidão e mulato que se esforçava por se distanciar de sua origem africana, acrescen- tando-se o uso preconceituoso de sua epilepsia, o "Orfeu da Carapinha" — como se intitulava Luiz Gama - é um prato um tanto indigesto para os pa- tologistas do negro. A negação de sua ascendência africana não se deu, em seu livro chegou a propor a "Musa de Guiné, cor de azeviche", produziu nomes satíricos, envolveu-se inteiramente na luta contra o cativeiro e, por vários testemunhos da época, era um homem íntegro e gozava de boa saúde. Casou-se com uma mulher negra.

Pelo que representa historicamente, Luiz Gama teve sua memória muito cultuada nos movimentos negros de São Paulo, desde o começo do século até nossos dias. No Largo do Arouche, na zona central da cidade, foi erguida uma herma em sua homena- gem, com a iniciativa, dinheiro e entusiasmo dos negros. No centenário de seu nascimento (1930), aquele Largo foi ocupado pela população negra da cidade, com a presença também de muitos brancos.

Os manuais literários de hoje, quando citam os versos ou o nome de Luiz Gama, percebe-se um brutal desdém. Entretanto, em sua maioria, não há citação. Mas, o estudo da vertente negra da Litera- tura Brasileira tem reavaliado o trabalho satírico de Gama, desenvolvido não só em suas Trovas Burles- cas, mas também nos pasquins da época: Diabo Co- xo, Cabrião e outros.

Desde a década de 30., associações e grupos afro-brasileiros passaram a realizar, com mais em- penho, no dia 21 de junho, a caminhada ao Cemité- rio da Consolação, fazendo do Largo do Arouche o

marco inicial. Essa atividade, teve rupturas entre as gerações, entretanto sempre renasceu. A partir de 1988, um grupo de poetas negros de São Paulo re-

solveram recuperar aqueles passos, criando o Rhu- mor Negro, um recital de poesia de humor e sátira seguido pela tradicional caminhada.

Se a figura de Luiz Gama diz "e deve dizer" respeito a todo brasileiro, sua particularidade de poeta satírico é um traço importante para os poetas

negros que, nas Trovas Burlescas,encontram o estí- mulo para afrontar e enfrentar a expectativa de au- to-flagelo estimulada pela mídia eletrônica. No es- paço televisivo atual, o negro ainda é escravo (vide a recente história da Escrava Anastácia) ou não é.

Na publicidade o fato se repete (vide um outdoor espalhado em São Paulo, no qual os seios de uma mulher negra amamentam uma criança branca - cartaz contestado e pichado). Assim, este estímulo

histórico-literário de Luiz Gama reforça para que, ao nível do texto literário, inúmeras respostas sejam dadas à tentativa de cristalizar no Brasil a mentali- dade de senhor e escravo.

Se hoje muitos brasileiros, no cotidiano, não são chamados pelo nome e sim por negro, negrinho, negrão... Luiz Gama foi, por muitos chamado de

"bode", referência preconceituosa à sua cor e a seu cavanhaque. Entre seus versos, deixou na Bodarra- da, essa gozação:

"Se negro sou, ou sou bode Pouco importa. O que isso pode? Bodes há de toda a casta,

Pois que a espécie é muito vasta.., Há cinzentos, há rajados. Baios, pampas e malhados,

Bodes negros, bodes brancos E, sejamos todos francos, Uns plebeus, e outros nobres.

Bodes ricos, bodes pobres. Bodes sábios, importantes E também alguns tratantes...

Aqui, nesta boa terra. Marram todos, tudo berra..."

E segue, percorrendo terra, céu e inferno, na sua identificação da bodança universal.

Que não se diga ser nostalgia a revitalização dessa veia satfrica. Brasileiras e brasileiros: - Olha o bode!

(*) autor dos livros, entre outros, "Quizila" (contos), "Flash Crioulo sobre o Sangue e o Sonho" (poesia) e "A Pelada Peluda do Largo da Bola" (novela ju venil). Faz parte do Quilombhoje.

Nigéria: cultura iorubá

NIGÉRIA. História-Costumes

e a origem dosseus^

"^ Ademota Adeso^ M

No intuito de divulgar a cultura de seu país, es- pecialmente do povo IORUBA, o Prof. MICHAEL ADEMOLA ADESOJI, está lançando através do Jomal MAIORIA FALANTE seu livro - NIGÉRIA - História - Costumes - Cultura de Povo IO- RUBA e a Origem de Seus Orixás.

Considerando que a maioria da população brasi- leira tem raízes africanas, e a Nigéria é o país onde mais fundio está cravada esta ancestralidade, resol- veu o autor efetuar pesquisas e escrever este livro, apresentando aos brasileiros os conhecimentos cul- turais, religiosos e sociais da terra de muitos de seus ancestrais.

Esta obra contém valiosas informações sobre a Cultura afro e servirá de consulta por todos que pesquisam, estudam e debatem os problemas do Ne- gro, além de proporcionar uma agradável "Viagem" às Terras IORUBÁ.

Os pedidos poderão ser feitos através do telefone (021) 252-2302 ou por carta para:Jomal MAIORIA FALANTE - Rua da Lapa, 200/808 LAPA - RJ - CEP 20021 (cheque ou Vale Postal). Preço de lan- çamento: Promoção válida para pedidos recebidos até 30 setembro/90 - CrS 600,00.

Assine o jornal "Marcha Verde".

Endereço, caixa postall 5023 - Curitiba - 80531.

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Página 6 JORNAL MAIORIA FALANTE AGOSTO/SETEMBRO 1990

Movimento negro, mostra a tua cara Togo loruba

O Movimento Negro são os negros politizados que deram errado, por que escaparam do analfabe- tismo, da fome e do biscate.

Os parentes do MN, estes sim deram certos para o sistema. São presos, torturados e mortos. E quan- do vivos, são armazenados no presidio, subürbios e favelas. Os negros do MN, qualquer dia desses po- derão virar presos ' 'políticos''. Enquanto os pretos e pardos das periferias não passam de presos co- muns. Cada vez mais o Movimento Negro se orga- niza feito classe, ficando mais longe da realida- de de seus primos. Até quando isto vai durar e a quem interessa?

Por isso, a situação dos presos comuns no Bra- sil tem embutida uma intencionalidade de ideologia à qual as organizações que lutam pelos Direitos Ci- vis e Humanos, ao lado do Movimento Negro, se quiserem, poderão dar um flagrante na prova do crime do racismo no Brasil. É só conferir.

"Quem não se lembra, em 1980, dos crimes do "Mão Branca"? Bastava comprar a "Última Hora" - jornal carioca - e lá estava o repórter Jorge Elias, o inventor do nome "Mão Branca", anunciando os 600 crimes não apurados oficialmente no Rio até junho de 1980. O repórter Jorge Elias acabou sendo demitido, porque a diretoria do UH não quis dar o aumento salarial que"ele exigia. A Ultima Hora, com "Mão Branca", saiu da tiragem de 30 mil para um pique de 120 mil exemplares. Dessa briga, o UH contratou outro repórter policial, Jarbas Domingues, que lançou "O Escopeta", sucessor do "Mãò Bran- ca". Tgnto um como o outro tinham a função de en- cobrir os crimes de autoria "desconhecida", afirma- va o articulista Luiz Ferrão". (Repórter, 31.07.80).

"Ivo Alves, negro de 22 anos era filho de Bel- miro, morador há quase 80 anos em Silva Jardim, Rio de Janeiro.

Era uma dessas pessoas que só tem um pedaci- nho de terra, sem registro em cartório nem nada. Mas que todo mundo sabe de quem é. Foi quando surgiram quatro homens de farda caqui, intimidando a todos. Segundo um posseiro local, os homens eram comandados por um tal de "Radio" — cujo nome era Austilinho Martins, lugar-tenente de Elpf- dio Feçanha - o Doutor, grande fazendeiro da re- gião. O jomal "O Fluminense" em 19.11.77, fez uma matéria com Ivo Alves, onde ele falou tudo que sabia e acusou o capitão Delcio Teixeira Bor-

ges. No dia 22.11.77, Ivo Alves foi assassinado".

Foto: JoSo Morais

Crianças Negras: "presas comuns" até quando?

(Jornal Repórter, dezembro de 1977 - n-1) "Em 12.01.80, o jovem Amauri da Conceição,

negro, foi morto durante uma batida da FM no mor- ro do Vidigal. Segundo os policiais, o rapaz portava um saco contendo maconha e resistira a prisão. O

responsável pelo jomal comunitário. Marco Antônio Silva de Oliveira — O Marcão — revelou na época que o morto não carregava maconha, era trabalha- dor e fora assassinado, friamente, a tiros de esco- peta." (Repórter, 12.01.80)

MORREU POR SER NEGRO

Quando no dia 11 de agosto passado José An- tônio de Souza, 28 anos, negro, trabalhador da Re- de Ferroviária Federal S/A, saiu de casa para com- prar rabada a fim de comemorar junto à esposa e os quatro filhos o dia dos Pais, nem de leve seus fami- liares poderiam imaginar que aquele era o último ato em vida de José Antônio de Souza.

De forma estúpida, suspeito por ser negro, se- gundo depoimentos locais o trabahador foi morto por policiais civis e desovado em um matagal, em Cam- po Grande (RJ). O mais estranho foi o fato de que todos os documentos de José Antônio de Souza de- sapareceram, assim como não se localizou nenhum registro de ocorrência na delegacia local e nem mesmo no IML, onde o corpo foi encontrado com o rosto deformado.

É mais um crime para atestar a violência e a impunidade no Brasil. O fato do morto ser sobrinho da deputada federal Benedita da Silva ganhou um destaque maior por parte da grande imprensa, sem-

pre à cata do enriquecimento pelas vias do sensa- cionalismo. Infelizmente, este crime tem tudo para ser mais uma violência com direito à impunidade. E o exemplo de como se mata por racismo no Brasil. E o mais grave é que já está institucionalizado con- forme a piadas de esquina que ensinam: "branco correndo é atleta, negro correndo é ladrão". Ou a antiga lei Fleuri que sentenciava: "até prova em contrário, todo negro é suspeito". Por isto, cabe às entidades negras reinvidicarem a solidariedade per- manente das organizações não governamentais que lutam pelos direitos humanos e civis, para juntas re- conhecerem a intencionalidade ideológica do Estado brasileiro, que castra o povo negro de sua participa- ção social plena e ainda o elimina tanto física quanto culturalmente. E finalmente, já é hora do Movimento Negro brasileiro assumir que o preso político é "homem comum" que, além de exilado em seu próprio país, não tem acesso às mínimas condições de vida.

O Marketing do Crime (*) Otair Fernandes de Oliveira

Existe um tipo de jornalismo no Rio de Janeiro, ressurgido recentemente, que sob o pretexto de que noticia aquilo que o povão quer ler, argumenta que está ao lado dos interesses populares, utilizando uma linguagem sensacionalista. Dizendo que apenas retrata a realidade tal como ela é, este tipo de jornal publica um noticiário pouco transparente, não des- cendo as causas dos problemas fundamentais a cer- ca da violência que o Rio vivência nos seus guetos.

Longe de polemizar com este tipo de jornalis- mo, queremos aqui refletir sobre alguns pontos que julgamos importantes, chamando atenção para al- guns aspectos deste tipo de imprensa, que ao nosso ver funciona como instrumento ideológico, exer- cendo um papel essencial na perpetuação das dife- renças sócio-econômicas, reforçando-as. Na medida em que individualiza a violência idehtifica-a com a raça negra e a população pobre.

O chamado jornalismo popular procura de um certo modo, reduzir a violência às manifestações particulares do fenômeno da criminalidade, sob um enfoque predominantemente policial, com uma abordagem sensacionalista, tratando apenas da esfe- ra circunscrita ao crime praticado por indivíduos pertencentes às camadas populares, em sua maioria negros.

Ao proceder dessa forma, individualiza as cau- sas da violência, insinuando que o responsável pela onda de violência na cidade são os negros. Além disso, dá a entender que a única forma de violência que existe é o crime contra a pessoa, omitindo os crimes do colarinho branco, a violência do Estado e outros.

Na verdade, longe de levar os leitores à refle- xão sobre Os fatos noticiados, os jornais utiliza as fotos como marketing, aproveitando da face mais cruel da violência para obter grandes lucros, facili- tado pelo baixo preço do exemplar, interiorizando um certo senso de justiça, levado pelo apelo senti- mental das notícias, influenciando as pessoas que poderão admitir passivamente a violência cometida pelos grupos de extermínio e até a aceitação da pe- na de morte.

Por outro lado, esta linha jornalística defende as ações violentas dos policiais, coloca as mortes pro- vocadas pelos grupos de extermínio como naturais, no mesmo nível, apoiando e concordando com este estado de guerra civil não declarada.

(*) Coordenador do Centro Acadêmico de Ciências Sociais da UERJ

AGOSTO/SETEMBRO 1990 JORNAL MAIORIA FALANTE Página 7

Negros: genocídio da cor Ele Semog

A Polícia e os Três Pretinhos Faz parte das nossas recordações infantis a in-

tenção e as ações de crueldade do lobo mau contra os três porquinhos. O contexto da estória, permeado de moralismo e de terror, nos conduz de forma ine- xorável a um sentimento de defesa dos oprimidos, bloqueando a nossa capacidade de percebermos, ao menos, que a natureza do lobo contêm um instinto carnívoro. A humanização dos porquinhos e a ca- racterização de indefesos frente ao universo con- ceituai infantil, fornece os elementos essenciais para que a fábula se transforme num manancial de pre- conceitos, opressão e torturas. E, por viés, estabele- ça o que afinal interessa à visão de mundo burgue- sa: a religiosidade necessária pára que o bem pre- valeça sobre o mal como uma conseqüência natural do destino.

Uma Malta de Hipócritas Hoje a violência no Brasil faz parte do modo

cotidiano do povo. Incorporada à dinâmica da so- ciedade vem assumindo formas sofisticadas de ma- nifestar-se no dia-a-dia implicando num perfil de comportamento bastante exótico, que relegam a um segundo plano alguns valores civilizatórios que na maior parte das economias industrializadas estão consolidados.

A determinação das elites brasileiras em buscar um modelo de nação a partir de uma identidade

cultural européia, portanto branca, vem provocando uma série de fenômenos de características regressi- vas no processo de desenvolvimento do pafs.

O Estado br

Hoje somos um pafs cujo tecido social é um dos mais miseráveis do mundo. Os índices de qualidade de vida baixaram a tal nível que o futuro está irre- mediavelmente comprometido. A violência urdida e perpetrada contra o povo negro e pobre, não pode ser medida pelas ações de agressões físicas, que vão das torturas até a quantidade de assassinatos prati- cados diariamente. Não há como estabelecer parida- de entre o branco racista da África do Sul, ou a prática do nazismo durante a II Guerra e os crimi- nosos brancos brasileiros. É um racismo praticado com tão alto grau de sofisticação, que está introje- tado tanto no pensamento progressista de esquerda, quanto no banalfssimo ato de crer em Deus.

Reiventando a Sub-Raça

idades

no c

infunc llífit

perpetuados até os dias de

O soldado tira todas as balas do revólver e aponta para a cabeça de um dos meninos, que se encolhem uns contra os outros, numa solidariedade inútil. O revólver faz click! e o soldado, com um fio de riso nos lábios, fala alto que errou enquanto co- loca uma bala e em seguida faz girar o tambor da arma. Corre o braço em leque, mirando na direção das cabeças das crianças, e aciona o gatilho. Outro click! A madrugada transborda silêncio e angustia. Um dos meninos não consegue conter a urina. O homem com a arma diz que errou enquanto o outro policial observa com macabra paciência. Mais uma bala é colocada no tambor e o berro é aponta- do com precisão para uma das cabeças. Click! o som mortífero indica que a vida venceu, mas o jogo ignóbil continua. A terceira bala é introduzida acompanhada do mesmo ritual. Vítimas e algozes sabem que acabou a sorte. O gatilho é acionado e o impacto do projétil desloca o corpo da criança antes que o barulho do tiro se dilua no ar. Fim de jogo.

rno a obedecer as etapas de um planejan estratégico, as elites desenvolvem diversos mód : de violência que são introduzidos e implementados no cotidiano da sociedade, dando a impressão que a maior parte das dificuldades sociais são resultantes da incapacidade do povo em buscar soluções para os seus problemas.

A participação popular na formulação de alter- nativas sociais sempre esteve tutelada por organis- mos viciados pelo corporativismo judaico-cristão, por relações paternalistas e o que é pior, por uma total ignorância sobre a formação e a evolução cul- tural do povo. Emaranhados por um sentimento branco de mundo, o Estado e seus poderes, os par- tidos políticos, a Igreja e a burguesia, que tem a ga- rantia de utilizar o poder de polícia, engendram ar- tifícios de características liberais, cada vez mais onerosos à condição humanada maioria da popula- ção. Nesse ponto se revela o racismo brasileiro, considerado por alguns "observadores" como o mais cruel de todos os tempos.

Favela: campo de concentração

leia de superioridade ociedade brasileira, nasceu con

iicativa dos invasores brancos para legitinui dalismo e o roubo nas suas incursões de conquis:

expansão. É bom observar que na face da Terra não existe um dnico lugar cm que o crimino.s tenha chegado sem trazer a desgraça, a destruição e a morte. Como parte do universo humano sua con- tribuição representa muito pouco para a evolução da espécie. Mesmo detendo alguns recursos para a produção e acúmulo de conhecimento, sua concep- ção de mundo é bastante primária, quase bestial.

A presença marcante do negro no processo de estruturação do povo brasileiro, é uma das poucas questões que ao longo da nossa História fugiu ao controle do sentimento branco de mundo que a bur- guesia e suas elites organizadas projetam para o país. Desde a instalação da República de Palmares, com a implantação de um Estado Socialista em ple- na América recém descoberta, que os negros são perseguidos inclementemente, culminando com o fato vergonhoso do Brasil ser o último país a abolir o trabalho escravo.

Com uma economia historicamente agrícola, o modelo de desenvolvimento industrial é planejado tendo por perspectiva a importação de mão-de-obra européia. Ao mesmo tempo em que a terra permane- ce dominada por latifundiários, a população negra se desloca do campo para a periferia das grandes cidades em busca de oportunidades. O maquiave- lismo genocida é cada vez mais evidente, através das políticas sociais implementadas. Desde a utili- zação de negros pelo Exército nas frentes de com- bate (substituindo os filhos dos escravocratas) até a ideologia do embranquecimento - hoje consolidada por todas as midias - que culmina num processo de negação da identidade, com uma tendência de que no próximo censo geral somente 3% da população se declare negra (preta).

A evolução do estado de pobreza para o estado de miséria se dá de forma acelerada. A violência, através do racismo brasileiro, é patente pelo índice de analfabetismo da população, no salário mínimo que não chega a US$ 50.00, nos quase 40 milhões de crianças sem condições mínimas de vida, no lato de 75% das esterilizações femininas serem pagas pelo governo. É o genocídio do povo negro brasilei- ro através da prática do racismo, se repetindo da mesma forma, com o mesmo movimento que o Esta- do, a sociedade e a Igreja exterminaram os povos indígenas. O criminoso branco avança contra os ne- gros. Nos empurram para um confronto e é impossí- vel aceitar tão bárbaras violências.

Jornal MAIORIA FALANTE MgimQ

Racismo mata no Rio de Janeiro Jorge Barros

I Centro de Documentação do CEAP - Centro de Articulação de Populações Marginalizadas, realizou no mês de junho de 1990, um levantamento sobre os assassinatos publicados pela imprensa do Rio de Ja- neiro. O jornal pesquisado foi O POVO NA RUA, um dos diários que mais concentram esse tipo de in- formação.

O resultado encontrado no jornal O POVO NA RUA apontou para um total de 386 assassinatos no mês, sendo 370 homens e 16 mulheres. O municfpio com maior freqüência de assassinatos, que corres- ponde ao lugar onde o corpo foi encontrado, foi o Rio de Janeiro com cerca de 53% dos casos. Os mu- nicípios que compõem a Baixada Fluminense (Ca- xias, Nova Iguaçu, São João de Meriti, Belford Roxo e Nilópolis) reuniram 31% dos assassinatos publica- dos. Proporcionalmente às populações residentes no Rio e na Baixada, a matança verificada na Baixada produz uma taxa superior (0,04 por mil pessoas con- tra 0,03 por mil pessoas no Rio de Janeiro). A Re- gião Metropolitana, possivelmente em função da co- bertura do jornal, concentrou cerca de 95% dos as- sassinatos verificados no Estado, demonstrando que os efeitos da urbanização operada nas décadas de 70/80 se agudizam cada vez mais.

Os assassinatos foram realizados em sua grande maioria, 86,6%, por arma de fogo. Isto corresponde ao acelerado crescimento de armas em mãos da po- pulação com autorização das autoridades policiais do Estado. Em 1988 foram registradads 14.350 armas na Divisão de Fiscalização de Armas e Explosivos da Secretaria de Polícia Civil do Rio de Janeiro. No ano passado cresceu para 26.179 (82%). Essas armas nas mãos de pessoas inexperientes acabam reforçando o exército em conflito permanente: grupos de extermí- nio, traficantes , assaltantes etc. Como se vê as auto- ridades do Estado ao invés de desarmar a população para pôr fim às mortes, acabam estimulando essa guerra civil não declarada, uma vez que não fiscaliza adequadamente o uso dessas armas. Quantas dessas armas foram responsáveis pelas mortes aqui analisa- das?

Negros Marcados para Morrer

O dado que mais nos interessa nesse levanta- mento é a identificação da presença da população ne- gra no conjunto dos assassinatos do Estado. Nossa intuição através de leituras superficiais, apontava pa- ra uma freqüência preponderante de negros nesse conjunto. Ainda que numa freqüência menor do que aquela que imaginávamos, nossa intuição estava cor- reta.

Dos 386 casos de assassinatos publicados no jor- nal O POVO NA RUA em apenas 196 (51%) foi possível identificar a cor das vítimas. (Vide gráfico 1). Destas , 60% eram negros e 40% brancos. Os negros eram/homens e 3% mulheres. Os brancos eram 97% homens e 9% mulheres, havendo uma ocorrência de assassinatos maior de mulheres brancas que negras.

"Em 1988 foram registradas 14.350 armas na Polícia Civil. No ano passado cresceu para 26.179

Dos corpos encontrados na cidade do Rio de Ja- neiro, 58% eram negros e 42% brancos. Nos municí- pios que compõem a Baixada Fluminense essa rela- ção é de 63% para negros e 37% para brancos. O municfpio de Duque de Caxias teve 22 casos de as-

sassinatos identificados quanto a cor, sendo 55% de negros e 45% de brancos. Nova Iguaçu teve 14 casos com a cor identificada e 71% eram de negros. São João de Meriti teve 13 casos e 69% eram de negros. Belford Roxo, considerado uma das áreas mais vio- lentas do mundo, teve um resultado menor que dos outros municípios da região, 6 dos casos, 50% de ne- gros, ou seja, percentualmente, ao mímero de assas- sinatos ocorridos que tiveram a cor identificada, a

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menor taxa de presença de negros foi exatamente em Belford Roxo. O município de Nilópolis teve apenas 2 casos em que foi possível identificar a cor — os dois eram negros.

" O Censo Demográfico de 1980 indicava que 53% da população residente na Baixada Fluminense era composta de negros enquanto essa representação na população da cidade do Rio de Janeiro era de apenas 35%. Ainda que possamos considerar o sub-dimen- sionamento desses dados devido a erros de informa- ção do recenseador e do informante na identificação das cor, notamos uma maior concentração da popula- ção negra na Baixada Fluminense. Mas tanto na Bai- xada quanto no Rio de Janeiro os índices de assassi- natos contra negros são superiores a sua representa-

"Vale ressaltar que as ocupações consideradas marginais estão distribuídas, igualmente, entre

negros e brancos."

ção na população. No Rio de Janeiro para uma repre- sentação de 35% na população, há 58% de participa- ção no total de vítimas. Na Baixada para uma repre- sentação de 53% na população, cerca de 63% nos as- sassinatos. Percebe-se aí, sem esforço, que os negros têm sido alvo preferencial dos agentes da violência.

Esse resultado é fruto da combinação das condições sócio-econômicas que marginalizam mais os negros, agravados pela discriminação racial que identifica nestes o modelo marginal.

Quando analisamos a idade dos assassinados per- cebemos uma maior presença de negros em todas as faixas etárias, excetuando-se aquela de até 9 anos, onde o único caso identificado é de uma criança

branca. O Censo de 1980 indicava uma presença de 43% em crianças negras na faixa de 10 a 14 anos. As

crianças assassinadas no mês de junho nesta faixa de idade e que tiveram a cor identificada foram 3, das quais 2 (67%) eram negras. Ma faixa de 15 a 19

anos o Censo indicava uma presença de 41%. Nos assassinatos verificados nesta faixa, a presença de negros é de 61%. No faixa de 20 a 25 anos, a repre- sentação da população negra indicada pelo Censo é

de 40%. Nos assassinatos verificados nesta faixa etá- ria, os negros representam 66%. Na faixa acima de 25 anos, onde os negros seriam 37% ainda segundo o Censo, encontramos 60% de negros assassinados.

Como se vê na composição etária da população flu- minense, o índice de assassinatos de negros é supe- rior à presença desta população na faixa etária cor-

respondente. Estes resultados reforçam a tese de que os negros são alvos preferenciais da matança que se desenrola atualmente no Rio de Janeiro. Dos casos cuja cor foi identificada, 14% eram crianças e ado- lescentes e deste 16 eram negros e 11 eram brancos,

embora represente aproximadamente o mesmo per- centual em relação às duas raças. Nos negros, as crianças e adolescentes assassinados representam 13% do total de brancos identificados. Nos brancos elas são 14% do total de brancos identificados.

Os assassinatos com cor identificada foram anali- sados também segundo a sua ocupação identificada. Das que foram identificadas percebemos que 33% ti- nham ocupações consideradas ilegais (assaltante, tra- ficante etc), o restante eram ocupações de "trabalha- dores", ou seja, não há nenhum indicativo de que sejam "marginais". O que reforça mais uma vez a te- se de que quem está morrendo nessas guerras são os trabalhadores das áreas periféricas e abandonadas pela segurança pública. Além disso não nos esque- çamos de que a alta incidência de negros nessas mortes é vinculada ao estereotipo do marginal. Em

outras palavras, ainda que seja trabalhador possui o traço, o modelo, produzido pela ideologia da "segu- rança pública", que o marginaliza. Isto aliado ao em- prego irregular, o biscate, a ausência de assinatura na carteira profissional que em outros tempos caracteri- zava a "vadiagem". Ainda que ela tenha deixado de existir oficialmente ela está presente na morte dessas pessoas. Dos negros assassinados, 73% não tiveram sua ocupação definida. Dos brancos, 56% não a tive- ram definida. Vale ressaltar que as ocupações consi-

deradas marginais estão distribuídas igualmente entre negros e brancos. Assaltantes e traficantes tiveram a mesma freqüência (10 negros e 10 brancos). Na ocu- pação de jogador de carteado teve 1 branco e na de estelionatário outro branco. Nestes casos a identifica- ção dos negros com atividades marginais não é pro- cedente. Dos negros assassinados encontramos 32 pessoas com 16 ocupações identificadas e destas, 12% são consideradas marginais. Nos brancos en- contramos 34 pessoas com 19 ocupações identifica-

das das quais 21% são consideradas marginais. Estes indicadores põem a nu o pré-conceito de que os ne- gros estão mais próximos da marginalidade do que os brancos. Note-se ainda que nas ocupações marginais mais violentas (assaltantes e traficantes) negros e

brancos têm a mesma representação. Nas ocupações marginais mais "especializadas" só encontramos brancos. Assim também se dá nas ocupações não marginais. Entre os brancos assassinados, encontra- mos dentre outras, as ocupações de fotógrafo, deco-

rador, freira, comerciante, dona-de-casa, estudante etc. Embora tenhamos 3 mulheres negras assassina-

das nenhuma foi identificada como "dona de casa",

assim como das crianças adolescentes negras assassi-

nadas nenhuma foi identificada como "estudante".

Isto são apenas detalhes da discriminação embu- tida tanto nos assassinatos quanto na sua publicação.

As atribuições dos assassinatos quanto a cor revela que as mulheres negras foram assassinadas por vin- gança, por queima de arquivo e a outra sem autoria identificada. As mulheres brancas foram por vingan- ça, por vizinhos, colegas de trabalho e tarado, esta última resultado do padrão de beleza vendido diaria- mente, onde a mulher, notadamente as brancas, são exibidas como objetos de luxúria e prazer puro e simples.

A^A^lMATo Po^ COR SEíbUNPoAAüTbRiA

Dos casos cuja cor foi identificada, 93 tiveram também definidas as atribuições de autoria. Na análi- se destes dados percebemos que os grupos de exter- mínio foram responsáveis por 26% dos casos de atri- buição conhecida. Racialmente vemos que os "ex- terminadores do presente" preferem matar negros, pois 71% das pessoas cujos assassinatos são atribuí- dos aos grupos de extermínio, são negras (vide gráfi- co 2). Nestes casos vale lembrar que os grupos de extermínio antes de agirem, selecionam suas vítimas, significa dizer que selecionam previamente os negros que vão morrer. Como sabemos que não há relação direta entre a cor e criminalidade, o critério dos gru- pos de extermínio é evidentemente racista. Os trafi- cantes tiveram atribuição em também 26% dos casos

"Os grupos de extermínio

selecionam, previamente, os negros que vão morrer/'

conhecidos e dos assassinatos atribuídos a trafican- tes, 67% foram perpetrados contra negros. Nos as- saltos, 64% dos assassinados foram negros, ainda que não seja detentores da renda nacional. No confronto com a Polícia Militar e, portanto, morte computada oficialmente para a PM, foram identificados no jornal apenas 3% dos casos. Para a Polícia Civil foram identificados 1% dos casos conhecidos. Na publica- ção do jomal só foram conhecidos 4% dos casos atribuídos aos agentes do Estado. Como as operações policiais são acompanhadas com grande estardalhaço pela imprensa, é possível que agentes do Estado não tenham durante o serviço executado muitas pessoas: fora do serviço, no entanto, não é possível dimensio- nar, embora haja indícios fortes de presença de poli- ciais nos grupos de extermínio.

A síntese deste trabalho indica que há um recru- descimento da violência no Estado do Rio de Janeiro. Isto tem levado à morte centenas de pessoas e dentre estas os negros têm sido os alvos preferenciais, seja de grupos de extermínio, de traficantes, ou de assal- tantes. Nas cidades da Baixada Fluminense, esse quadro se agrava e os índices de assassinatos de ne- gros aumentam em progressão geométrica.

O fato de que os grupos de extermínio podem selecionar suas vítimas antes de executá-las e o fato de que 71% delas serem negras exige do movimento negro mais do que a solidariedade aos parentes das vítimas. Exige ação política que ponha fim a este critério macabro. Nos deparamos com uma ação igual a da Klu-Klux-Klan que volta e meia assassina ne- gros nos EUA. Aqui,sem ritos preliminares, seqües- tram das frágeis casas da Baixada Fluminense e das favelas aquele marcado para morrer e levam junto a família para que não haja testemunhas, ainda que sai- bam que a impunidade é certa. O movimento dos di- reitos humanos, tão forte na defesa de sindicalistas rurais, igualmente marcados para morrer, precisa ser mais incisivo na defesa dessa população comum à mercê de jagunços urbanos, cuja sanha é tão voraz, soturna e anônima que no dia seguinte à população, principalmente as crianças, só cabe conferir os cor- pos estralhaçados por balas exageradamente descar- regadas para desfigurar, não permitindo a identifica- ção. Só não conseguem tirar-lhes a cor e esta é a que denuncia o racismo de seus algozes aflorado à pele durante as madrugadas do Rio de Janeiro, justamente naqueles locais onde estão os pobres, os miseráveis, os negros.

"Se o Movimento Negro precisa de um motivo para existir, aí está

ele."

Se o movimento negro precisa de um motivo para existir, aí está ele: se o racismo subterfúgio não nos deixa agir, porque é difícil prová-lo, tomemos nas nossas mãos essa prova inconteste de racismo, que age covardemente. Se fecharmos os olhos para isso que acabamos de ler, estaremos igualzinhos àqueles que chamamos de "classe dominante", "burgueses", "patrões", estaremos apenas utilizando a denúncia vazia da prática do racismo existente no Brasil, para levarmos vantagem politicamente sobre a miséria e a morte de nossos irmãos.

NOTA TÉCNICA

A pesquisa em questão foi realizada durante todo o mês de junho de 1990, nas notícias policiais do jornal O l'OVO NA RUA. O presente texto é apenas parte do trabalho que seguirá nos meses de julho e agosto de 1990. O critério da cor considerou para NEGRO os pardos, mulatos e morenos. Quando a notícia não indicava a cor, esta foi identificada pela foto, quando possível. As atribuições de autoria, ocupa- ção, idade e localidade foram indicadas pelo jornal, não havendo por parte dos pesquisadores interferência nessas denominações.

EQUIPE TÉCNICA

Jorge Barros - Coordenação Otair F. de Oliveira - Tubulação Maria Aríete Ferreira da Silva - Colaboradoru Jessy Falcão de Aquino - Cotaboradora Rosane Paulo - Cotaboradora.

Página 10 JORNAL MAIORIA FALANTE AGOSTO/SETEMBRO 1990

PORTO ALEGRE

Conflito pela terra em Porto Alegre Eloir Terra

Aspectos ca repressão policiai aos

Foi uma tragédia nunca antes vista no Rio Grande do Sul. De um lado, estiveram centenas de sem-terra, de parceiros, de arrendatários e de assala- riados rurais. De outro, o aparelho repressor do Es- tado através da Brigada Militar, depois do confronto o resultado foi um saldo de 72 pessoas feridas e 1 morte.

A população de Porto Alegre só assistiu tal epi- sódio semelhante em novembro do ano passado quando houve o quebra-quebra no comércio do centro de Porto Alegre, na ocasião um aposentado negro de oitenta anos foi agredido e discriminado nas Lojas Americanas.

O conflito do dia 8 de agosto de 1990, teve iní- cio após a chegada do movimento sem-terra vindo do interior do Rio Grande do Sul pára o centro da capital gatícha que se acampou na praça da matriz na frente do Palácio do Governo.

O conflito agrário no campo sempre fói uma constante, porém a população gatícha nunca presen- ciou tão de perto um conflito pela posse da terra como o ocorrido. Bombas de gás lacrimogênio, si- renes ensurdecedoras de ambulâncias e viaturas po- liciais foram uma constante. Após a violenta inves- tida da Brigada Militar para desmobilizar os sém terra e retirá-los da praça da Matriz não houve ou- tra altemativ Te- ICitli'

No lado externo da Prefeitura a B litar com sua cavalaria e tropr ati- radores de elite e cac

' pré( ara, o qi mo Cut tesi não

provocou o tumulto foram os c^ dúvidas que quem começou oconl ) os briga dianos e aqueles que não estão comprometidos com a luta pela reforma agrária e a luta dos trabalhado- res rurais.

Violência em Volta Redonda Comissão dos Direitos Humanos/Volta Redonda

Não se pode analisar a violência em Volta Re- donda, sem levar em conta o estado de miséria em que vive o povo do nosso Estado. Miséria esta pro- vocada pela crise econômica que atravessa nosso país.

A crise econômica carrega consigo uma crise social agravada pela inexistência de políticas sociais concretas por parte dos poderes constituídos. A violência criminal surge então como o reflexo desta crise. Os cidadãos do Estado do Rio de Janeiro ou

de Volta Redonda, não ficaram violentos de um, dois ou três anos para cá. Ao contrário, continuam pessoas do trabalho que vivem para a família. Então porque cresce a violência urbana?

Durante todos estes anos em Volta Redonda, como em qualquer lugar do país, o povo vem so- frendo um verdadeiro massacre cultural que resultou

nadesvirtuação dos seus valores éticos e morais. Pa- ra quê? Para que a grande massa trabalhadora e

eleitora seja^uanto mais ignorante, mais fácil de ser

manobrada. Este povo sem escola, sadde, moradia e trabalho, busca nos poderes constituídos o referen-

cial de atendimentos de suas necessidades básicas, se estes poderes se abdicam dessas atribuições, terá

o cidadão que contar consigo mesmo para sobrevi- ver: "É a lei da selva". Assustados com o resultado dos seus desmandos e onüssõesya solução vislum- brada pela minoria de beneficiados pelos poderes

constitucionais se aliaram, com o objetivo de exter- minar esta massa humana deserdada atacando, in- clusive qualquer organização que ouse questionar o esquema que a fabricou.

Constatamos que a rotatividade dos Delegados e dos representantes do Ministério Público em Volta Redonda, tem impedido,deliberadamente ou não,

a integração da comunidade com o Poder Judiciário no sentido de buscar soluções que garantam a Segu-

rança Pública sem ferir o direito à vida. A cumpli- cidade dos outros poderes são latentes, se não com- provadamente pela ação, fica clara pela omissão.

Enquanto não houver respostas eficazes dos poderes decisórios constituídos, no sentido de ca- minhar junto com a população, Volta Redonda será

palco do confronto da real miséria com o fantástico ilusionismo pregado pela máquina do poder. Até lá, quantos trabalhadores morrerão?

Cemitério Clandestino

No dia 07 de Agosto de 1990, nós do Movi-

mento Comunitário Contra a violência e vários jor- nalistas de Volta Redonda, seguindo informações de pessoas da região, fomos até uma área que fica pró- xima à fazenda do Peixa, no Bairro Santa Rita do Zarur^ comprovar a existência de um cemitério clan-

destino. Lá chegando,vimos um corpo de mulher em adiantado estado de decomposição, também uma os- sada completa, além de pedaços de corda, roupa parcialmente queimada e maços de cigarros. '

Por ser o terreno um brejo de difícil acesso, não nos foi possível penetrar nas várias trilhas batidas que vimos, mas pelo mau cheiro percebido, acredi- tamos haver mais corpos.

Na ocasião vários moradores da região, nos in- formaram que havia sido recolhido pela Funerária Municipal quatro corpos na semana anterior.

Este fato foi amplamente divulgado pela im- prensa local, falada e escrita.

MORTES PROVOCADAS - VOLTA REDONDA De 1989 a julho de 1990

Meses Anos jan. fev. mar. abr. mau jun. jul. ags. set. out. nov. dez. Total

1989 11 09 11 20 23 15 09 17 15 18 10 11 169

1990 26 29 26 10 31 32 28 182

• Dados fornecidos pela Funerária Municipal de Volta Redonda. •Além desses nümeros fornecidos pela Funerária Municipal, Movimento Comunitário Contra a Violência acredita ser um numero bem maior de vítimas, pois, as reclamações de desaparecimentos de pessoas é muito grande. ■■

AGOSTO/SETEMBRO 1990

v/,/////- MAIORIA Educação

Página 11

V,

Questão de vida ou morte:

universidade a favor dos direitos humanos

No dia 29 de setembro de 1989 no Teatro Odylo Costa Filho, na ÜERJ - Universidade Estadual do Rio de Janeiro, foi criado, numa plenária de 800pessoas, o Fórum Perma- nente Contra a Violência. O encontro foi organizado por quatorze (14) entidades de vários Municípios (Nova Iguaçu, Volta Redonda, Petrópolis, Duque de Caxias e Rio de Janei- ro), com o apoio de outras cinqüenta (50) instituições civis que enviaram representantes.

A população se organiza contra a violência; a ÜERJ coloca o saber a favor dos direitos humanos.

A sugestão de realizar o Encontro de Fundação do Fórum Permanente Contra a Violência na UERJ - Universidade Estadual do Rio de Janeiro, partiu das próprias lideranças comunitárias e movimentos organizados da sociedade, em especial da Baixada Fluminense, que pretendiam mobilizar a Comunidade Universitária em torno do problema da violên- cia.

Essa aproximação se deu porque a Universidade desde dezembro de 1988 quando realizou o "Projeto Direitos Hu- manos: 40 Anos", convive e trabalha conjuntamente com as entidades ligadas à defesa dos Direitos Humanos. O Projeto evoluiu para um Programa de Cidadania e Direitos Huma- nos, que tinha como meta a criação de uma linha de Fóruns.

Desse modo, houve uma convergência de interesse e in- tenções.

A Universidade corno um todo, no conjunto das suas uni- dades acadêmicas através das funções básicas de ensino, pesquisa e extensão, pode contribuir e participar de um tra- balho conjunto para o enfrentamento da violência. Entendo que a Universidade deve colocar o conhecimento construído coletivamente e todas as suas energias na luta contra a vio- lência e defesa da vida.

O próprio Programa Cidadania e Direitos Humanos de- senvolvido em conjunto com o Movimento Nacional de De- fesa dos Direitos Humanos, já se constitui como uma inicia- tiva concreta nessa direção.

A Faculdade de Direito realiza um trabalho amplo de as- sessoria, coordenado pelo Prof. Sérgio Verani e está ainda desenvolvendo um projeto de pesquisa, para realizar um le- vantamento das mortes provocadas e como elas são tratadas pelo poder policial e judiciário em nosso Estado. O levanta- mento dos dados ajudarão no processo da democracia, e, em especial, no acompanhamento da ação da Justiça.

A Comunidade considerou o evento de grande importân- cia. Algumas pessoas relataram que ficaram muito mobiliza- das com as denúncias realizadas pelas lideranças comunitá- rias.

Escutar de viva voz a denúncia dos que sofrem na carne a violência, causa, sem dúvida, um grande impacto e gera um sentimento de solidariedade.

A UERJ pretende realizar novos encontros, conferências, estudos, pesquisas, que possam ajudar na compreensão e ex- plicitação da multiplicidade de fatores que contribuem para a violência, e, em especial, oferecer espaço e voz às lideranças comunitárias e movimentos organizados em termo de ques-

tão. Pretende, em conjunto, desenvolver ações para o en- frentamento da violência e defesa da vida. Não dá mais para fechar os olhos, tapar os ouvidos e calar a boca. A hora é de participação com uma grande vontade política de enfrentar a questão: a Violência de todo o dia.

Texto do Jornal VIDA - Ano l- N? 1

Órgão do Fórum Permanente Contra Violência.

Uma santa integração entre Inácio e Marta

(*) Fábio Marinho

Santo Inácio é um colégio tradicional do bairro de Botafogo, na Zona Sul do Rio de Janeiro. Santa Marta é uma comunidade de periferia, situada no morro bem atrás do Colégio. A proximidade e os grandes contrastes sociais existentes entre os dois santos, vizinhos inspiraram uma integração nascida em 1980, quando uma forte mentalidade política, social e mesmo religiosa começou a crescer na co- munidade do Colégio, empurrando-a morro acima.

Através da ÁSIA, associação que reiíne ex- alunos, professores, pais e alunos e funcionários do Colégio Santo Inácio, pôde ser desenvolvido um projeto de atuação na Comunidade vizinha. Ao lado dos objetivos de fomentar a integração e a solida-

riedade da comunidade educativa bem como a defe- sa da escola particular, os membros da ÁSIA pude- ram encontrar, em seu estatuto, uma intenção que respaldaria um intenso trabalho futuro: "mobilizar

recursos humanos e materiais para atender os gru- pos e comunidades carentes, visando sua valoriza- ção e promoção, bem como sua plena integração à sociedade".

Para gerar esses recursos, foi criada a FESOI, a Feira da Solidariedade Inaciana, realizada uma vez por ano com barracas e comidas típicas de países e estados brasileiros. A verba arrecadada começou a oriar e a manter obras sociais no Morro, requisitadas e conduzidas pelos próprios moradores.

Logo no início do trabalho, uma assembléia na Comunidade Santa Marta decidiu que as crianças seriam os principais beneficiados dos futuros pro- jetos. Foram inauguradas, então, a UNAPE - Uni- dade de Atendimento ao Pré-Escolar —, para cerca de 120 crianças de 2 a 6 anos, e a Casa Santa Marta (CSM), uma creche com 44 bebês com menos de 2 anos de idade. Em paralelo, com o dinheiro ainda disponível, surgiram os mutirões da casa própria e das obras comunitárias.

A creche, a pré-escola e o trabalho de mutirão passaram a caminhar muito integrados. A comuni- dade do Morro e os voluntários da ÁSIA entende- ram como legítimas as seguintes exigências para os pais que tinham filhos na creche ou na Unape: pre- cisariam trabalhar, ser moradores do Morro, partici- par, toda terça-feira e em quatro sábados por ano, das reuniões comunitárias promovidas na CSM, e atuar nos mutirões ali planejados.

Enquanto a reunião de sábado discutiria pro- blemas específicos das várias regiões do Morro, as reuniões plenárias das terças-feiras debateriam as- suntos de interesse de toda comunidade. Ao longo do 1-semestre de 90, por exemplo, o tema central foi a Mulher. A conclusão do ciclo de debates do semestre ficou por contra de três mães moradoras do Morro, que deram seu testimunho de vida.

Todo esse trabalho comunitário procura fugir do espírito assistencialista, buscando trabalhar vom em vez de trabalhar para. Na Casa Santa Marta, por exemplo, as 18 funcionárias (todas moradoras do Morro) administram a creche em regime de co-ges- tão, coordenadas por uma voluntária da ÁSIA, que se preocupa somente em fazer cumprir as decisões do grupo.

Além disso, a qualidade dos serviços é um compromisso constante. As 44 crianças da CSM fi- cam das 8 às 17 horas na creche, recebem 3 refei- ções e um dedicado atendimento de 18 funcionárias, treinadas pelo menos duas vezes por ano em cursos de recreação e pedagogia.

- O trabalho exige muito, mas é gratificantc - diz Cyrene Leonardos, vice-presidente da ÁSIA e coordenadora da creche. Eu e os demais colegas voluntários dessa obra nos sentimos cumprindo uma missão, desenvolvida especificamente aqui nessa comunidade, mas capaz de refletir no bairro, na ci- dade, e mesmo no mundo. Através do exemplo que dá e de suas conseqüências positivas e concretas.

(*) Coordenador do Departamento

de Comunicação da ÁSIA

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TEl L:(021) 252 -2302

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WMíMm vvwttfw- MAIORIA Educação

AGOSTO/SETEMBRO 1990

mm/mtw/s/mm-. y/A

Educação florestal Ana Lúcia Camphora

7990 — Lançamento da série de cartazes didá- ticos de Educação Florestal da Sociedade das Flo- restas do Brasil.

Nosso país é a maior nação florestal quente do planeta e suas florestas, desde a invasão do euro- peu, vêm sendo consideradas lixo natural a ser limpo.

A ííltima grande campanha nacional de Educa- ção Florestal ocorreu em 1956. Esta iniciativa promove uma nova campanha em todos os níveis no Brasil.

As organizações interessadas em receber os cartazes, devem solicitar, por carta, à Sociedade das Florestas do Brasil - Rua Pacheco Leão, 2040 - Jardim Botânico -RJ - CEP 22.460 - Tel.: (021) 294-7208.

A Sociedade das Florestas do Brasil, criada em 1988, tem como objetivo recuperar, desenvolver e preservar a cultura florestal do Brasil, aperfeiçoando a interação entre ser humano e a floresta.

O Brasil é a maior nação florestal quente do planfeta, com mais de 1/3 de seu território coberto por florestas primitivas. No entanto, desde o seu '"descobrimento", as florestas significaram um obstáculo à construção da nação e ao desenvolvimento e não foram valorizadas. Eram con- sideradas um lixo natural, a ser limpo para dar lugar a plantações, pastos e cidades.

A cidade do Rio de Janeiro é um exemplo único de uma complexa ecologia urbano-florestal no mundo con- temporâneo. Cerca de 175 Km2 de florestas estão cercados por mais de dez milhões de habitantes.

Desde 1658, quando ocorreram as primeiras denúncias contra desmatamentos próximos às nascentes e aos leitos dos rios que abasteciam a cidade, os efeitos negativos se fi- zeram sentir. Foi D. Pedro II quem criou a Floresta da Ti- juca e deu início ao primeiro grande reflorestamento bem sucedido de uma floresta tropical. Mais de cem mil mudas foram plantadas pelo Major Archer, durante 13 anos, nas áreas das Paineiras e do Corcovado, desmatadas pelas fa- zendas de café.

Hoje, a segurança ecológica da nossa cidade depende da cobertura florestal das encostas do Maciço da Tijuca.

Eiii 1966, as chuvas provocaram em poucos dias 184 mortes, 1.720 pessoas feridas, 126 desabamentos e mais de 20.000 desabrigados.

Crianças em contato com o meio ambiente

ü principal objetivo da Educação Florestal, área espe- cializada da Educação Ambiental, é a melhoria das-relações humano-florestais, através da orientação e do desenvolvi- mento das técnicas não predatórias para a utilização de seus recursos e sua conservação, evitando-se danos como os deslizamentos de encostas e erosões.

A Comunidade deve ter acesso permanente a idéias e concepções conservacionistas mais avançados do que as praticadas pelo Governo. O movimento ecológico deve estar sempre um passo adiante da regulamentação oficial, para evitar que a produção ambiental no Brasil seja usada como pretexto para a reforma do autoritarismo e para a modernização do facismo.

Cabe às organizações não governamentais cumprir o seu papel de vanguarda comunitária na defesa das flo- restas e do meio ambiente, tendo como instrumentos a in- formação, a educação e o exemplo.

A Fábrica de Ar, parque público de Educação Flores- tai, é o programa da sociedade que objetiva estimular a conservação, a recuperação e o uso não predatório das florestas urbanas do Rio de Janeiro, criando técnicas de Educação Florestal para crianças e adultos, transferíveis a todas as regiões florestais do país.

No Horto Florestal do Rio de Janeiro, este programa realiza a recuperação de Áreas Degradadas do Jardim Bo-

tânico, difundindo junto à população da cidade a atividade produtiva de suas florestas urbanas. Os Cursos Férias na Floresta 1 e 2, realizados em 1989, para crianças de 7 a 12 anos representaram um experimento pioneiro para a orientação das crianças urbanas, no ambiente floresta.

O lançamento da série de oito (8) cartazes, detona a iniciativa de promover em todos os níveis uma campanha de Educação Florestal.

Os cartazes transmitirão conhecimentos de história e ecologia humano-florestal referentes a conservação e ao uso racional das florestas nativas, atingindo o público que tem necessidade diária de conhecimento florestal para aplicação em atividades administrativas, educacionais e de comunicação de massa. A série de cartazes aborda os se- guintes temas: As Florestas na Constituição, Psicologia Florestal Tropical, DARWIN e as Florestas Brasilei- ras, As Florestas Urbanas do Rio de Janeiro, Arte Flo- restal, Educação Florestal, Declaração de Onças e Tratores 'ecodesenvolvimento agro-florestal) e Farra do Boi Catarinense (em apoio à Campanha Nacional pelo fim das práticas de crueldade contra os animais).

Indicação Bibliográfica recomendada para crianças dllCllJvíLIZ.CÍUCto (*) Sônia Regina Franco

1 - Se Esta Rua Fosse Minha Therezinha Éboli Memórias Futuras Edições/Fundação Oswaldo

Cruz O ditato "da natureza nada se perde, tudo se

transforma", nunca foi tão atual. João Mosqueira, o menino que tudo sujava nesta

história, também descobriu que é possível gerar no- vas riquezas a partir do reaproveitamento do lixo.

2 - Sujou Geral Maria Lúcia Amaral Memórias Futuras Edições/Fundação Oswaldo

Cruz. Os tipos de poluição que Fernando Rodrigo e

Letfcia encontraram nesta história, e que muitos outros encontraram, estão cada vez mais presentes no nosso dia a dia.

A autora chama a atenção principalmente para a poluição por substâncias químicas e a poluição biológica, pois ambas são altamente nocivas à vida.

3 - Gente da Floresta Paula Saldanha Memórias Futuras Edições/Fundação Oswaldo

Cruz. Gente da Floresta trata do problema da devasta-

ção das Reservas Florestais brasileiras, principal- mente da Floresta Amazônica, que é a maior do mundo.

A autora chama a atenção para o problema da devastação acelerada, que pode causar sérios pro- blemas não só para a vida e equilíbrio da região, mas para todo o planeta.

{*) Professora Alfabetizadora

AGOSTO/SETEMBRO 1990 MAIORIA Educação

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v/.

Educação indígena

A saúde e a educação são pilares importantes no trabalho de reconstrução, de conscientização dos TOVOS indígenas, para defesa de seus direitos.

No entanto é necessário envolver a sociedade, assegurando deste modo seu apoio à luta contra a discriminação racial e social.

O Maioria Educação divulga três estudos valo- rosos que muito poderão contribuir para a compre- ensão das razões sociais, políticas e econômicas das quais se originou a opressão ao índio brasilei- ro.

Lançada em junho de 1989, o livro-cartilha — "A TERRA É A MAE DO ÍNDIO, de Eliane Fotiguara, é um excelente material pedagógico que leva aos

educadores uma mensagem simples e facilitadora da compreensão da opressão sofrida pelo povo indíge- na no Brasil.

Essa é uma forma de contribuição do Grupo Mulher — Educação Indígena — GRUM1N, no res-

gate da história, da cultura e da identidade do indi-

víduo, que vem tendo destaque dentro das aldeias.

Outro excelente trabalho é MADIJADENICCA IMA (Histórias dos Kulina), livro básico de leitura,

coletânea de textos produzidos por vinte e um (21) adultos e duas (2) crianças durante os cinco (5)

anos em que o Projeto se desenvolveu.

Em 1978, Abel O. Silva - KANAÚ - iniciou um projeto político-pedagógico de alfabetização na lín- gua materna dos índios Kulina (autodenominação

"Madija") do tronco Aruak, que ocupam as bacias dos rios Purús e Juruá (Acre e Amazonas).

A escrita se transformou para os Kulina em ins- trumento de autodefesa e veículo de conscientização na luta por seus direitos violados em nome dos inte- resses de uma sociedade supostamente superior.

Como estudo pioneiro dos fatos de linguagem de um povo, temos o livro 'A Língua Tapirapé - esbo-

ço de unta gramática", fruto de um trabalho reali- zado na aldeia às margens do Rio Araguaia,ÍPA e MT), entre janeiro e agosto de 1980, por Antônio Almeida, Irmazinhas de Jesus e Luiz Gouveia de Paula. Valioso instrumento de infra-estrutura da al- ma falada, este estudo bilíngüe pretende ajudar na aquisição da técnica da escrita, dando um primeiro passo que permita um ensino sistematizado da lín- gua tapirapé.

Mãe do In

A criança sabe desenhar (*) Luís Camargo

A partir de um ano e meio de idade, a criança começa a experimentar vários tipos de traços. Com três anos ela enche o papel com formas como qua- drados, triângulos, cruzes ou formas irregulares. Aos quatro anos, ela já combina essas mesmas formas pa- ra representar o sol, pessoas, casas, árvores, flores, carros, animais, cujos processos de descobrimento pode ser prejudicado com o desenho pronto entregue à criança. Mesmo porque, se a capacidade de dese- nhar não é praticada, ela acaba se atrofiando. E a falta de prática alimenta a falsa idéia de que desenhar é só para quem tem "dom". Não é verdade. Para que se desenvolve a capacidade de desenhar é preciso — antes de qualquer outra coisa — dar maior espaço para a expressão própria da criança, sem a imposição de desenhos prontos para colorir.

Ao tratar de frutas por exemplo,o professor pode levar uma fruta para a sala de aula e conversar com os alunos sobre as características dessa fruta. As crianças podem observar, cheirar, sentir a fruta, e de- pois desenhá-la. E o professor deve entender que a criança não desenha só o que ela vê. Ela desenha o que vê, sabe, gosta e imagina. Por isso, ela usa cores diferentes das quais são consideradas corretas. Aliás, o uso de cores erradas é um recurso que os próprios artistas adultos utilizam para se expressar melhor.

Os desenhos para colorir são na verdade, a nega- ção do desenho. Normalmente esses desenhos pron- tos desrespeitam a inteligência e a sensibilidade da criança. Servem mais para impor a criança as inten-

ções do adulto do que abrir espaço para a criança manifestar suas intenções.

Em lugar de se dar só resultado é muito mais educativo estimular a percepção, o raciocínio e a

criatividade. Por isso, esse tipo de desenho deveria ser substituído por uma atividade que respeitasse a capacidade e a necessidade da criança se expressar.

(*) Professor <le Educação Artística

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Página 14 JORNAL MAIORIA FALANTE AGOSTO/SETEMBRO 1990

Mandela, urgente

"Nelson Mandela não virá, antes das eleições ao Brasil. Ele só virá, se convidado pelo governo brasileiro" — ato oficial para a importância política do Ifder africano. Com isso, o ANC coloca de encontro ao paredão a administração Collor em relação à política externa brasileira na África do Sul. O reconhecimento da visita de Mandela ao Brasil, poderá em conseqüência forçar o governo brasileiro, a engolir goela abaixo, o escritório do ANC no país. Esta postura política pode ser um tiro pela culatra, para a articulação nascida no Congresso, por ocasião da Assembléia Constituinte, quando os parlamentares negros e a corrente progressista apoiaram e reivindicaram a libertação de Nelson Mandela. Errou quem pretendeu fazer contabilidade promocional, apenas pelo fato da cor da pele. O Movimento Negro, se quiser entrar para o rol da credibilidade que dele se espera, não pode restringir a sua análise, apenas por ser irmão de cor.

A visita dos parlamentares negros à África do Sul deu uma noção disto. O Movimento Negro precisa tomar, nas suas mãos, o controle político da visita de Mandela. Precisa pressionar o governo brasileiro, internamente, para o convite oficial ao líder sul-africano. Precisa se articular com os países africanos e europeus que podem influenciar o Presidente da República a fazê-lo. Caso isso não ocorra Mandela não virá ao Brasil, ou se vier não terá contato com o Movimento Negro por orientação do Itamaraty. Se avistará, no máximo, com empresários negros, com o sistema Globo, com os deputados negros e os grupos econômicos brasileiros que têm negócios cqm a África do Sul. Atenção Movimento!

O movimento Negro e a Ecologia

O Projeto de Articulação das Religiões Afro-Brasileiras - Inarab - lançará uma campanha com vistas a uma revisão ecológica institulada Pà Ewé Pà Orisá - Matou a Folha, Matou o Orixá.

Oi9 Encontro Nacional da Visão Ecológica na Cultura Negra será realizado em 1, 2 e 3 de março de 1991 na Comunidade Terreiro lie Axé Atara Mgba, da Ialorixá Omidarewa em Santa Cruz da Serra - RJ.

Está sendo elaborada uma cartilha pelos professores Muniz Sodré, José Flávio Pessoa de Barras, Ney Lopes e Jayro Pereira, Secretário-Executivo da Instituição.

O projeto confeccionará um vídeo com o assunto, que terá a direção de Eduardo Coutinho e co-produção do Inarab e Iser Vídeo. A campanha terá, terá bottons, camisetas, sacolas, pôster e calendário.

O Inarab pretende estabelecer as diferenças entre os discursos do ecologismo liberal e preservacionista que é anti-territorial, regido pela lógica da quantidade da rentabilidade das economias de escala e a visão ecológica na cultura negra que é de

totalidade, onde tudo interesse gerando equilíbrio num elo em que cadeia de forças cósmicas agem em sintonia de tal modo que quebra de um desses elos altera o todo, o conjunto, a vida humana.

O discurso ocidental sobre ecologia é também uma forma de racismo pois é negador do outro, dado que quem negra outros símbolos ou uma cosmovisão, nega o seu portador.

Desta forma, estaremos resgatando o ser negro como portador de um processo civilizatório altamente ecológico.

Metalúrgicos de Volta Redonda

QHICANDQ pCDAÇO

"Os principais jornais deste Brasil publicaram que RETORNAMOS AO TRABALHO SEM NENHUM GANHO. Olhem que aberração. Antes da greve reajuste Zero, depois da greve reajustes de 3,4% a 105%. Antes da greve pagamento dos atrasados em 50 meses ou a migalha dos 10 contos. Depois da greve atrasados em até cinco (5), dez (10) ou doze (12) vezes. Antes da greve eles diziam que a CUT tentava destruir Volta Redonda e a CSN. Depois da greve os grandes comerciantes, o galocego da Prefeitura e os outros que nos atacavam não podem falar mais nada, pois vão tentar lucros com o ganho obtido pelos trabalhadores.'

:í::ííS:í??S:í?::S::::^ Surpresa ^SK^íSSííííííííííA:^^

ALTERAÇÃO DE PREÇOS

Tendo em vista exigências bancárias, que não permitem recolhimento inferior a Cr$ 500,00 (quinhentos cruzeiros); pela dificuldade que tem sido a retirada de Vales-Postais; pelas reclamações que nos chegam de todo o Brasil, informamos aos nossos leitores que a partir do próximo dia l2 agosto, nossas

assinaturas e o preço de venda do jornal estarão reajustados, custando:

EXEMPLAR AVULSO Cr$ 60,00

ASSINATURA (06 exemplares) Cr$ 360,00 NÚMERO ATRASADO

Cr$ 50,00

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Negros protestam no SBPC

Por ocasião da 429 reunião anual da SBPC, Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência, realizada em Porto Alegre entre os dias 8 e 13 de julho, a comunidade negra protestou pela falta de participação efetiva durante o encontra que teve como tema a ciência e a integração na América Latina.

Após muitas idas e vindas o movimento negro conseguiu

ter uma participação paralela através do show coletivo "Negro Negrada Negrice", com participação dos grupos lyá Dudu, Semba, Produto Nacional, além dos cantores Wado Barcellos, Gelson Oliveira, Claudião da Vila e Giba Giba.

Na abertura do show foi lido um manifesto protestando contra o tratamento dado à temática negra.

Pela Saúde e contra a violência

2.a a 6.a

às 08,00 hs.

Acontecerá nos dias 23, 24 e 25 de outubro no Município de Duque de Caxias, na Baixada Fluminense, o Seminário "Pela Sadde e Contra a Violência na Baixada". Um Apelo À Vida!, promovido pela CLAVES (Centro Latino Americano de Estudos da Violência e Sadde) e CEFEBA (Centro de Pesquisa da Baixada), e entidades organizadas do movimento social. Maiores informações no Jornal Maioria Falante, Rua da Lapa n2 200 s/808 Rio - Tel: (021) 252-2302.

AGOSTO/SETEMBRO 1990 JORNAL MAIORIA FALANTE Página 15

sruimiíi Humor sem preconceito: protesto ou deboche?

por Zé Roberto

A grande maioria dos humoristas brasileiros, sempre foi vista pela direita como subversiva por colocar seus textos e desenhos à serviço do protesto contra as injustiças sociais, o capitalismo selvagem e principalmente contra a ditadura militar. Como o combate à discriminação racial nunca foi muito ativo entre os artistas do riso, mesmo porque, podemos contar nos dedos o mímero de humoristas negros que

ocupam espaço nos principais meios de comunicação e por mais geniais que sejam os cartunistas dominantes, seus trabalhos, muitas vezes, podem ficar pouco nítidos, confundindo protesto com

deboche, com o tiro saindo pela culatra. Nesta página, misturamos bons e maus cartuns - não confundir com bons e maus cartunistas - veja com

atenção e tire suas próprias conclusões.

^Sá&s FÍLHOfAEUTBMQUg SÊR M/^Moi ) TiRAKÇeBRlMCO. CORTA E^ê (fisBio ê TIWH DÊ-ARRUKAR,

M^jfe

Al - do livro "A Pulga Ninfomaníaca"

riÁmnÁ FALANTE

VOLTA REDONDA

A hora é chegada. Auditório dos escritórios da CSN - Companhia Sidenírgica Nacional. Volta Re- donda (RJ). 17 horas.

Sarah Hígino, anuncia o locutor. Negra, bela, competente, pianista, artista. Nascida e criada em Volta Redonda (RJ) filha de uma família linda, com- posta de dez (10) filhos "todos vivos", todos com iniciação musical. Dez filhos. Operários, Técnicos, Médicas, Professoras, Bibliotecárias, todos assumi- damente negros.

Jornal MAIORIA FALANTE - Neste campo vastc de renomados compositores nacionais e estrangeiros,por que você escolheu o grande Francisco Mignone, para o recital de hoje?

SARAH HIGINO - Mignone será a minha tese de mestrado. Mignone é ritmo. Nele pulsa a ancestralidade do povo brasileiro e particularmente da minha raça. Mignone é muito forte em mim. Sua temática rítmica é toda ela prenha de presença de África, envolvida em lirismo, saudade, espera e esperança.

JMF - Você fez seus estudos em Volta Redonda? SH - Inicie meus estudos aos sete anos de idade, em

Volta Redonda, tendo por professora minha irmã Dilza. A seguir passei a estudar no Conservatório Lorenzo Fernan- des, Diplomada pelo Curso de Graduação de Piano da Uni- versidade Federal do Rio de Janeiro, chegando a estudar com Miriam Dausesberg, Henrique Loureiro, participar do curso de Interpretação e técnica com Sergei Desenski e muitos outros.

JMF -Por que a opção pelo piano, quando sabemos que você já foi estudioso da flauta e até leciona?

SH - Para mim, o piano é muito forte. Ele é completo. No piano os recursos são imensos. O piano me atrai, me en- volve. Piano é paixão.

JMF - Você como recitalista, tem sido detentora de muitos prêmios. Poderia enumerar para nossos leitores al- gumas de suas premiações?

SH - E. A caminhada tem sido de muito trabalho, dedi- cação, disciplina e muito querer. Quanto às premiações cito algumas: - 1° lugar no Concurso Jovens Pianistas de Volta

Coral de crianças negras

Sarah Higino, a concertista de Volta Redonda

Maytê Barres

Redonda, por três vezes. 4- lugar no Concurso Regional de Jovens Pianistas. Semifinalista no II Concurso Sul America- no de Jovens Concertistas, etc. etc.

JMF- Fale-nos de seus anseios. SH - Ah, são tantos! Ser uma concertista, com letras

maiúsculas. Como educadora, realizando trabalho de musi- calização nas escolas de Volta Redonda, tenho a convicção de que a música dá a criança muito do que ela necessita. Música educa. Eleva. Valoriza. Desenvolve o sentir, o criar, o fazer. Música é parcela divina. Um outro grande anseio, já é realidade - criar um Coral de Crianças Negras, em Volta Redonda. Sabemos quão é difícil. Nós da Casa da Cultura Afro-Brasileira estamos lutando para conseguir um espaço físico maior, um piano, tentando sensibilizar pessoas, organi- zações e entidades, onde se possa construir o tão sonhado e importante Coral.

O Coral de Crianças Negras dará a estas crianças e de- monstrará a muitas outras e às próprias famílias, o potencial que existe. Ajudará e muito, no auto-respeito e alegria de sua etnia.

JMF- Qual a sua mensagem aos nossos leitores? SH - Não é mensagem. E convite à reflexão. Em nosso

país é muito difícil alcançar qualquer patamar que não seja o submundo. Oxigenar as idéias e afastar o fel, o gás carbôni- co, por uma postura mais humana e digna, não é fácil no contexto em que vivemos. Mas não é impossível. Quando pertencemos a uma organização, toma-se fácil, mais fácil, fundamentalmente, se o grupo tem objetivos claros, defini- dos e uma efetiva prática.

O meu convite é este. Nós de Volta Redonda, temos a Casa da Cultura Afro-Brasileira. E uma entidade que ganha respeitabilidade a cada minuto. Junte-se a nós. Vamos dis- cutir e fazer. Vamos fazer e discutir o fazer para fazer. Tra- balhar cultura é defender e cultuar as características de um povo.

SARAH HIGINO, recém chegada do exterior, onde se apresentou como Recitalista em Londres, Roma e Israel, fará no Rio de Janeiro, dia 15 Setembro próximo, às 18.00 hs, um Recital na Escola Nacional de Música (Rua do Passeio, 98), para o qual convida todos os companheiros do Movimento Negro e público em geral.

Cidade Negra, a arte que vem da Baixada Era uma vez um grupo de quatro jovens da Bai-

xada Fluminense que resolveram ser músicos. Ti- nham a seu favor apenas uma intensa vocação inte- rior e a vontade de falar de sua gente. Hoje esse gru- po, na verdade uma banda de reggae, completou cin- co anos de existência em maio deste ano e lançará em setembro próximo o seu primeiro disco pela gravado- ra CBS. É o Cidade Negra formado pelo vocalista Bernardo, pelo guitarrista Da Gama, pelo baterista

Lazão e pelo baixista Bino. Moradores do bairro Piam, em Belford Roxo, os rapazes já são conhecidos até no exterior.

A história da banda começou em 1985 quando eles, amadoristicamente, se reuniram para tocar num festival de música em Heliópolis, também em Belford Roxo. Deste festival, onde a banda se apresentou com o nome de Lumiar, nasceu a idéia de levar o tra- balho de músicos a sério. Começaram então a se reu-

nir para compor e ensaiar. Foram convidados para to- car no Teatro Arcádia, em Nova Iguaçu, onde um público maior começou a conhecer a banda, que tinha

em suas músicas influências do movimento Soul, e da MPB. Por questões legais o nome Lumiar teve que ser abandonado, sendo substituído pela Cidade Negra. O

novo nome, segundo Bemardo,quer retratar um Brasil real, constituído por uma maioria negra. "Ele signifi- ca a nossa filosofia. Uma banda formada por negros que querem falar de sua raça e da realidade dos bai- xadenses", explica o vocalista.

Definindo-se como autodidatas, os integrantes do Cidade entraram em contato com o reggae através de um programa da Rádio Fluminense. "A partir daí pintou a vontade de fazer um som de reggae. Hoje além dele nossas músicas têm como base o calip- son e o funk", diz Da Gama. O grupo pensa que o

aperfeiçoamento musical é fundamental para o de- senvolvimento da banda."Nós temos a plena cons- ciência de que a nossa música é ótima, super forte.

Vocação mesmo. Mas a soma de uma boa formação musical é muito importante. O lançamento do nosso disco vai nos proporcionar esse aprendizado", expli- ca o guitarrista.

A banda conta hoje em seu currículo, além do fato de ter tocado em vários lugares do Rio, como o

Circo Voador, por exemplo, até em outros estados (Bahia e São Paulo), a gravação de um vídeo para a rede de televisão BBC de Londres. "Eles queriam

mostrar na Inglaterra o que acontecia no Brasil em

termos culturais e que fosse novidade. Nos encontra- ram, acharam a nossa música boa e surgiu a proposta

da gravação do vídeo", diz Da Gama. Para o Guitar- rista é uma pena que no Brasil seja tão pouco o in- centivo dado à cultura: "Nossa imagem já chegou ao

exterior enquanto que aqui não é dada esta força. Existem várias pessoas talentosas aqui na Baixada que se tivessem oportunidades fariam um trabalho

belo. Aríete Silva e Neli Hudsom

'O grupo reconhece a importância de ter en- contrado um produto musical como o Nelson Meire- les que acreditou no trabalho da banda e investiu no seu desenvolvimento.Q produtor era o baixista do ex- grupo Robôs Efêmeros.

A Cidade Negra tem hoje mais de trinta músicas. Músicas que falam da negritude e do social. "Nossa intenção é tentar mudar a nossa realidade através da- quilo que sabemos fazer. Queremos mostrar para a sociedade que somos negros e gostamos disso. E que não queremos ser eternamente discriminados e mise- ráveis", desabafa o vocalista Bernardo. Nesse senti- do o grupo percebe a importância da cultura como fator de resistência. A cultura é muito mais forte do que o sistema, por isso eles não deixam que a maioria

da população tenha acesso a ela", entende Da Gama. Ligados nesta questão, o grupo afirma que não per- mitirá que a gravadora se intrometa no seu trabalho, no estilo de música que fazem, e muito menos em seu visual.

Cpmo proposta para o futuro a banda pretende criar uma casa de Cultura para os jovens e as crian- ças da Baixada,a fim dedar oportunidade para que eles se encontrem no campo artístico e cultural. Se de- pender da Cidade esses jovens sentirão o quanto a

arte contagia. Que o diga o Da Gama que durante to- da a entrevista não parou de dedilhar sua guitarra, ou o Bernardo que quase sempre se emociona e chora quando da criação de uma música. Mais emoção em setembro quando o disco da banda'sair.