Sa Alexandre Franco de o Conceito de Teologia Politica e Decisionismo Como Ficcao

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    O conceito de TeologiaPoltica no Pensamento de

    Carl Schmitt e o Decisionismocomo Fico Jurdica

    Alexandre Franco de S

    2009

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    Covilh, 2009

    FICHATCNICA

    Ttulo:O conceito de Teologia Poltica no Pensamento deCarl Schmitt e o Decisionismo como Fico Jurdica

    Autor: Alexandre Franco de S

    Coleco: Artigos LUS OSOFIADesign da Capa: Antnio Rodrigues TomComposio & Paginao: Filomena S. MatosUniversidade da Beira InteriorCovilh, 2009

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    O conceito de Teologia Poltica noPensamento de Carl Schmitt e o

    Decisionismo como Fico Jurdica

    Alexandre Franco de SUniversidade de Coimbra

    O conceito de teologia poltica no pensamento de

    Carl Schmitt e o decisionismo como fico jurdica,Revista Filosfica de Coimbra, no 26, vol. 13, Coim-bra, 2004, pp. 411-421.

    Com a publicao de Politische Theologie, em 1922, Carl Schmittformula duas teses centrais no seu pensamento poltico. Tais teses,enunciadas respectivamente nas primeiras frases do primeiro e ter-ceiro captulos do livro, so as seguintes:

    1. Souvern ist, wer ber den Ausnahmezustand entscheidet[Soberano quem decide sobre o estado de excepo]1; e

    O presente texto consiste na conferncia apresentada no seminrio interna-cional Teologia e Poltica, a 19 de Novembro de 2004, na Universidade daBeira Interior.

    1 Carl SCHMITT,Politische Theologie. Vier Kapitel zur Lehre von der Sou-vernitt, Berlim, Duncker & Humblot, 1996, p. 13.

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    2. Alle prgnanten Begriffe der modernen Staatslehre sind sku-larisierte theologische Begriffe[Todos os conceitos signi-ficativos da doutrina do Estado moderna so conceitos teolgi-cos secularizados]2.

    Diante de tais teses, levantam-se imediatamente dois proble-mas, em cuja resoluo se joga a compreenso do conceito deteologia poltica em Schmitt, designadamente a compreenso da

    sua funo na totalidade do pensamento schmittiano. uma con-frontao com tais problemas, e uma compreenso da teologiapoltica no seguimento desta mesma confrontao, a tarefa queaqui propomos.

    Os dois problemas levantados pelo enunciado das duas tesesdePolitische Theologieso facilmente apreensveis. Em primeirolugar, a leitura da primeira tese levanta o problema da sua com-patibilidade com aquilo que tinha sido at ento o percurso int-electual schmittiano. Um tal percurso tinha sido sobretudo mar-cado pelo dualismo de herana neo-kantiana entre os planos nat-

    ural e normativo, e pela afirmao clara, na sequncia dessa her-ana, da superioridade da ideia sobre o fctico e do direito sobreo poder. Diante de uma tal afirmao, seria necessrio perguntarcomo seria possvel compatibiliz-la com a primeira das teses dePolitische Theologie, ou seja, com a afirmao da soberania justa-mente como a possibilidade de introduzir um estado de excepo ordem jurdica. Em segundo lugar, se a leitura da primeira tesedePolitische Theologieapresenta o problema da sua compatibili-dade com o anterior percurso do pensamento schmittiano, a leiturada segunda tese levanta o problema da sua compatibilidade com

    a primeira. Como se podem articular as duas teses formuladaspor Politische Theologie? Como se pode justificar e compreen-der a segunda tese (a determinao de todos os conceitos polticosmodernos como conceitos teolgicos secularizados) em funo da

    2 Idem, p. 43.

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    primeira (a determinao da soberania atravs da abertura do es-tado de excepo)? ento uma considerao da teologia polticaa partir destas duas questes que aqui propomos. S uma resposta aestas duas questes pode proporcionar uma compreenso adequadada funo desempenhada por Politische Theologie no mbito dopensamento de Schmitt.

    Abordemos, antes de mais, a primeira questo: a questo dacompatibilidade entre a definio de soberania em Politische The-ologiee o percurso anterior do pensamento schmittiano. A deter-minao da soberania apresentada na primeira tese e que Schmittj apresentara no seu estudo sobre a ditadura, publicado em 1921 remetia para a ideia de uma deciso (a deciso sobre o estado deexcepo) que surgia, no mbito jurdico, como normativamenteindeterminada. Com uma tal tese, Schmitt expunha ento umaposiodecisionista, segundo a qual o direito enquanto ordem ju-rdica no poderia surgir como uma totalidade fechada sobre si.Para o decisionismo, o direito aponta sempre, como condio depossibilidade da sua efectivao como direito, para o mbito no

    normativo, para o mbito fctico de uma deciso que, no lhe es-tando vinculada, pode estabelecer a ordem ou a situao normalem que este mesmo direito poder vigorar.

    A excepo surge, segundo Schmitt, justamente como a situ-ao concreta que permite esta separao entre ordeme ordem ju-rdica: numa situao excepcional e urgente, a ordem e a condioda ordem (o Estado) tem uma prioridade sobre a ordem jurdica,e a deciso manifesta, dentro do mbito jurdico, a sua irredutibil-idade norma. Como escreve Schmitt: A existncia do Estadod aqui provas de uma indubitvel supremacia sobre a validade da

    norma jurdica. A deciso liberta-se de qualquer vnculo normativoe torna-se, em sentido autntico, absoluta. No caso de excepo, oEstado suspende o direito em virtude, como se diz, de um direito deauto-conservao. Os dois elementos do conceito direito-ordem

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    surgem aqui um diante do outro e provam a sua autonomia concep-tual3.

    Contudo, a apresentao da tese decisionista com a sua sep-arao entre ordem e ordem jurdica e com a sua defesa daprioridade do Estado sobre o direito surge num particular con-traste, nas suas formulaes, com aquilo que at ento tinha sidoo percurso intelectual de Carl Schmitt, particularmente com o pen-samento exposto em Der Wert des Staates, publicado em 1914.Neste, Schmitt apresenta claramente a tese de uma supremacia dodireito diante do Estado: No h nenhum outro Estado seno oEstado de direito e cada Estado emprico recebe a sua legitimaoenquanto primeiro servo do direito4.

    Der Wert des Staatesest longe de ser uma obra menor e deix-ada para trs no mbito do pensamento schmittiano. Escrita em1914, Schmitt apresenta-a como Habilitationsschriftna Universi-dade de Estrasburgo em 1916. Em 1917, apenas quatro anos antesda publicao deDie Diktature cinco anos antes de Politische The-ologie, Schmitt publica na revistaSumma, separadamente e sem al-

    teraes, o seu primeiro captulo, onde expe justamente a tese dasupremacia do direito sobre o Estado5:... no o direito que ex-plicado a partir do poder, mas o poder a partir do direito6.E umatal importncia concedida ao texto, assim como a circunstncia denunca ter sido renegado, no pode deixar de conduzir tentativade encontrar, sob o contraste superficial entre as suas formulaese as de Politische Theologie, uma mais profunda convergncia eidentidade.

    Em Der Wert des Staates, Schmitt apresenta uma concepode direito como algo pertencente a um plano normativo e ideal, o

    qual no pode, na medida em que pertence a um tal plano, ser de-3 Politische Theologie, pp. 18-19.4 Der Wert des Staates, Tbingen, Verlag von J. C. B. Mohr, 1914, p. 53.5 Recht und Staat,Summa, I, Hellrau, 1917, pp. 37-52.6 Der Wert des Staates, p. 24.

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    terminado em funo da sua relao com o plano da facticidade.O direito no poderia ser assim determinado em funo da posi-tividade do poder e seria constitudo, nessa medida, como um di-reito natural (o termo usado pelo prprio Schmitt). Contudo,um tal direito natural no poderia surgir, como o direito natu-ral tradicional, sob a forma da remisso a um poder alternativo aopoder fctico do Estado, aparecendo diante dele como o patrimniodaquilo a que a doutrina catlica tinha chamado umapotestas indi-recta. Assim, dir-se-ia que o direito natural a que Schmitt aludeconsiste num direito que, sendo independente do poder, no podeencontrar-se separado dele, no podendo deixar sempre de reme-ter para este mesmo poder como a condio de possibilidade dasua efectivao. assim que Schmitt pode escolher caracteriz-lo sob a frmula paradoxal de um direito natural sem natural-ismo7. Para o Schmitt deDer Wert des Staates, o direito ento,por um lado, direito natural, porque independente do poder,colocando o poder fctico do Estado como apenas uma potncia aoseu servio; mas, por outro lado, este mesmo direito sem nat-

    uralismo, porque tal no significa a separao entre o poder e odireito, mas apenas a j sempre imprescindvel diferenciao entreo poder do Estado (o poder capaz de efectivar, de tornar fctico evisvel, o direito) e qualquer outro modo de exerccio fctico dopoder, sempre necessariamente arbitrrio e violento.

    Em 1917, num artigo intitulado Die Sichtbarkeit der Kirche,Schmitt parte do mesmo dualismo para a anlise j no do valordo Estado, mas do valor da Igreja. Do mesmo modo que, emDer Wert des Staates, o Estado surge como um servo do direito,pondo o seu poder fctico ao servio da efectivao da sua reali-

    dade ideal e transcendente, tambm em Die Sichtbarkeit der Kirchea Igreja surge como uma serva daverdade. Do mesmo modo que oEstado efectiva o direito, atravs da imposio fctica de uma or-dem jurdica incontestvel, a Igreja torna visvel a verdade, atravs

    7 Der Wert des Staates, p. 76.

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    da sua organizao em torno da possibilidade de o seu chefe oPapa resolver dogmaticamente os diferendos em funo de umadeciso infalvel. Contudo, apesar da semelhana estrutural entre oEstado e a Igreja, torna-se manifesta a presena de uma diferenaincontornvel. No caso do Estado, aquilo que efectivado consistenum direito que, sem a sua efectivao, seria algo meramente for-mal e vazio. Por outras palavras: no caso do Estado, a ideia dodireito no pode ser efectivada seno a partir de baixo, a partir dopoder fctico do Estado. No caso da Igreja, pelo contrrio, a ver-dade de que a Igreja se constitui como visibilizao j uma ver-dade visibilizada, uma verdade que consiste na encarnao, mortee ressurreio do Filho de Deus.

    Para Carl Schmitt, a Igreja surge como a visibilizao perma-nente de Cristo ao longo da vida dos homens. O Cristo concreto,o Cristo que no uma ideia mstica, mas uma realidade efectiva,no pode permanecer em comunicao imediata com o mundo e ahistria em que, num tempo situado e num espao localizado, setornou homem8.A Igreja surge assim como o corpo que, depois da

    revelao total de Deus aos homens, depois do apocalipse do Filhode Deus, mas antes do fim escatolgico dos tempos, no poderiadeixar de estar presente na histria humana como uma mediaono acesso a Deus. Mas, ao mediar o acesso a Deus, ela a me-diao da visibilizao de Deus entre os homens, ou seja, ela amediao de uma mediao, a mediao da mediao que j sem-pre constitui a essncia do Cristo. Nessa medida, a efectivao damediao surge nela, ao contrrio do que se passa no Estado, a par-tir de cima. Como escreve explicitamente Schmitt: Um eventoque faa valer o invisvel no visvel tem de se enraizar no invisvel

    e de aparecer no visvel; o mediador desce porque a mediao spode suceder de cima para baixo, no de baixo para cima; a re-deno est em que Deus se tornou homem (no em que o homem

    8 Die Sichtbarkeit der Kirche: eine scholastische Erwgung, Summa, II,Hellerau, 1917, p. 75.

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    se tornou Deus)9. Assim, dir-se-ia que, segundo Schmitt, se o Es-tado uma mediao do direito, no sendo o direito nada fora dasua mediao pelo Estado e surgindo a mediao a partir de baixo,a Igreja uma mediao de Cristo, uma mediao da mediao,surgindo a mediao a partir de cima.

    Uma tal diferena entre o Estado e a Igreja introduz ento naIgreja, na sua relao com o Estado, duas marcas essenciais queimporta reconhecer como no sendo mutuamente exclusivas. Porum lado, ela marca-a com uma essencial perfeio, pela qual elapoder surgir diante do Estado com um papel paradigmtico. Comoj escreve Schmitt em 1914: A Igreja, que, ao contrrio [do Es-tado], segundo a sua doutrina, a nica Igreja e no pode recon-hecer qualquer outra junto a si, representa ela mesma a efectivaode um ideal, encontra-se atravs disso numa vantagem infinita emrelao ao Estado singular, o qual reconhece junto a si centenas deoutros Estados como igualmente justificados e no pretende umasuperioridade sobre a relatividade do temporal10. Por outro lado,esta mesma diferena marca-a com uma fragilidade essencial, na

    medida em que a fonte da sua autoridade, ou seja, da mediao porsi exercida, se encontra no no plano fctico e imanente do poder,mas num plano transcendente e divino. Tal fragilidade tornar-se-ia patente com o aparecer do atesmo naquilo a que se poderiachamar, em termos schmittianos, uma era da imediao11. Noadvento de tais tempos de imediao, no advento de uma era emque os homens pretendem um acesso directo ordem e uma re-lao imediata com a verdade, dir-se-ia que a Igreja, mais do queo Estado, que se encontra imediatamente ameaada.

    Schmitt compreende a passagem do sculo XIX para o sculo

    XX, com o seu triunfo do liberalismo e, a partir de 1848, com aemergncia do anarquismo de Proudhon e Bakunine, justamente

    9 Die Sichtbarkeit der Kirche, p. 75.10 Der Wert des Staates, pp. 44-45.11 Cf.Der Wert des Staates, p. 108.

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    como o advento de uma era da imediao. E um tal advento cor-responde, antes de mais, a uma cedncia do elemento mais frgilda relao entre o Estado e a Igreja: a religio. A partir de 1848,o atesmo contido na onda anarquista faz com que aquilo a queDonoso Corts chamava o termmetro religioso da sociedade12

    no pare de baixar. E, diante deste abaixamento, a mediao dodireito pelo Estado no poderia tambm ela deixar de se oferecercomo questionvel. Assim, o advento de uma era da imediaoconsistiria, diante do Estado e da Igreja, numa dupla rejeio. Porum lado, ela consistiria, em relao Igreja, no advento de umatesmo e, nessa medida, na rejeio da fundamentao da medi-ao exercida pela Igreja numa segunda mediao: a mediao deDeus tornado homem na pessoa do Cristo. Por outro lado, em re-lao ao Estado, uma tal era significaria a rejeio do Estado comomediao da ideia do direito e, consequentemente, a reduo doEstado a uma mera funo do exerccio de um poder fctico.

    diante de uma tal reduo que Schmitt se v confrontado coma questo, j antecipada por Donoso Corts, cujo desenvolvimento

    desemboca no seu decisionismo: diante da impossibilidade de jus-tificar o Estado como uma mediao do direito, seria possvel de-fender ainda a deciso pelo Estado desse mesmo direito? Por out-ras palavras: seria possvel defender a deciso sem recorrer me-diao? Em 1849, confrontado com a impossibilidade de recorrer legitimidade para justificar a deciso, Donoso Corts defendia anecessidade de, mesmo sem legitimidade, decidir. A sua defesade que o General Narvez pudesse decidir ditatorialmente ape-nas o reconhecimento de que, mesmo num horizonte em que noh legitimidade e, por conseguinte, s pode haver ditadura, mesmo

    num horizonte em que no se reconhea a deciso como uma me-diao da ordem, essa mesma deciso no pode deixar de ter lugar.

    12 Cf. Juan Donoso Corts, Discurso sobre la dictadura, Obras completasde Donoso Corts, Madrid, Biblioteca de Autores Cristianos, 1970, vol. II, p.319.

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    Assim entre duas ditaduras, entre a deciso anarquista contra adeciso (que Schmitt caracterizaria como uma poltica romnticaderivada do romantismo poltico) e a deciso autoritria pela de-ciso, Donoso Corts pode escrever: Trata-se de escolher entre aditadura da insurreio e a ditadura do Governo; neste caso, eu es-colho a ditadura do Governo, como menos pesada e menos afron-tosa. Trata-se de escolher entre a ditadura que vem de baixo e aditadura que vem de cima: eu escolho a que vem de cima, porquevem de regies mais lmpidas e serenas; trata-se de escolher, por l-timo, entre a ditadura do punhal e a ditadura do sabre: eu escolho aditadura do sabre, porque mais nobre13. E, assumindo, no quartocaptulo dePolitische Theologie, o pensamento de Donoso Cortscomo uma antecipao do seu decisionismo, Schmitt assume estemesmo decisionismo como uma resposta crise da mediao suacontempornea.

    Para Donoso Corts, a defesa da ditadura no correspondia rejeio da legitimidade. Pelo contrrio: longe de significar arejeio da possibilidade de legitimar a deciso, a defesa da di-

    tadura por Donoso Corts significa apenas a afirmao de que,ainda que sem legitimidade, seria possvel decidir. E justamentenesta caracterstica que a defesa por Donoso Corts da ditadurasurge como paradigmtica diante do decisionismo schmittiano dePolitische Theologie. Um tal decisionismo consiste assim no numarejeio da mediao, no numa rejeio que o levaria rejeio dodesenvolvimento anterior do seu pensamento, mas apenas numatentativa de pensar a deciso sem o recurso mediao.

    A resposta primeira questo de que partimos a questo ac-erca da compatibilidade entre o pensamento schmittiano ao longo

    dos anos 10 e o decisionismo de Politische Theologie pode en-to ser esboada: uma tal compatibilidade torna-se compreensvela partir da assuno de que o decisionismo consiste no numa re-jeio da mediao, mas numa tentativa de pensar a deciso sem o

    13 Discurso sobre la dictadura, pp. 322-323.

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    12 Alexandre Franco de S

    recurso a esta mesma mediao. O decisionismo corresponde as-sim no proposta de um niilismo activo, tal como sugeria KarlLwith no seu artigo de 1935 sobre o decisionismo ocasionalde Carl Schmitt14, no concepo da deciso como uma de-ciso para um mero estar-decidido (Entscheidung fr die nackteEntschiedenheit), mas apenas afirmao de que, em certos m-bitos e em certas situaes, a deciso pode aparecer sem a refern-cia da mediao como o seu fundamento ltimo.

    A partir da obra schmittiana dos anos 10, torna-se possvel dizerque a deciso tem j sempre uma relao com a mediao que no possvel erradicar. Dir-se-ia que a deciso sempre, em sentidoltimo, umaratio cognoscendida mediao; e que o justamenteporque esta mesma mediao sempre, em sentido ltimo, aratioessendida deciso. A partir dePolitische Theologie, uma tal con-cepo no negada, mas acrescentada: apesar de a deciso reme-ter sempre, no seu sentido ltimo, para a mediao, possvel, emcertos mbitos e em certas situaes, pensar a deciso fora dessaremisso e, nessa medida, pens-la como seela tivesse surgido no

    a partir da mediao, mas a partir do nada.Contudo, importa perguntar: se o decisionismo consiste em

    pensar a deciso como se esta surgisse a partir do nada, ou seja,como seno remetesse para a mediao que sempre, em sentido l-timo, a justifica, onde possvel encontrar, no pensamento schmit-tiano, o fundamento para este tipo de pensar? Um tal fundamentoencontra-se sobretudo na obra de Vaihinger de 1911, Die Philoso-phie des Als Ob, de que Schmitt faz uma recenso, intitulada fic-es jurdicas, em 1913. Pensar a deciso sem a mediao, talcomo Schmitt faz a partir da primeira tese de Politische Theologie,

    no pensar a deciso tal como ela em si mesma. Pelo contrrio:tal corresponde a pensar a deciso segundo uma perspectiva queno esgota a sua realidade, mas que permite dot-la de uma efic-

    14 Karl Lwith, Der okkasionelle Dezisionismus von C. Schmitt,SmtlicheSchriften, Estugarda, Metzler, 1984, vol. 8, p. 61.

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    cia que a considerao de toda a sua realidade no poderia permitir.Por outras palavras: tal corresponde a pensar a deciso como umafico jurdica.

    Em Die Philosophie des Als Ob, escrevendo acerca das suasfices, particularmente daquilo a que chama fices abstracti-vas, Vaihinger descreve do seguinte modo o processo de abstraco:Quando o material demasiado complicado e confuso para per-mitir ao pensar desembara-lo paulatinamente at aos seus traossingulares, quando os factores causais procurados so provavel-mente de natureza a tal ponto complicada para poderem ser de-terminados imediatamente, o pensar aplica o truque de provisoria-mente e por enquanto negligenciar toda uma srie de marcas e ape-nas eleger os fenmenos mais importantes15. Encontram-se nestapassagem os trs princpios que conduzem Schmitt fico de pen-sar a deciso sem a sua remisso mediao. Em primeiro lugar,um princpio desimplificao: trata-se de simplificar a deciso aopens-la simplesmente como tal, e no na sua remisso mediao.Em segundo lugar, um princpio deprovisoriedade: trata-se no de

    rejeitar a mediao, mas de suspender esta mesma mediao, pen-sando a decisocomo seno fosse sustentada por uma mediao.O decisionismo poderia ento ser caracterizado como umaFAL-TAM SMBOLOSda mediao. Em terceiro lugar, um princpiode hierarquizao: trata-se de pensar a deciso segundo o que ,em determinada situao, o mais importante e urgente.

    A situao de extrema urgncia que exige estaFALTAM SM-BOLOSda mediao consiste, como se disse, na emergncia doanarquismo, no seu crescimento a partir de 1848, e sobretudo noaparecimento de uma potncia no ocidental (que Schmitt repre-

    senta na Rssia sovitica) como a negao daquilo a que se pode-ria chamar a cultura, a Bildung, do Ocidente. Se a essncia do

    15 Hans Vaihinger, Die Philosophie des Als Ob: System der theoretischen,praktischen und religisen Fiktionen der Menschheit auf Grund eines idealistis-

    chen Positivismus, Leipzig, Felix Niemeyer, 1920, p. 29.

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    14 Alexandre Franco de S

    Ocidente consistia na determinao da vida pela cultura e pela edu-cao, pela autoridade e pela racionalidade (pelaBildung), dir-se-iaque esta mesma essncia se deparava, diante do anarquismo, com asua absoluta negao, ou seja, com a negao daBildungpela vida.E seria perante uma tal situao que, mesmo sem mediao, serianecessrio e urgente, em defesa da Bildungocidental, decidir.

    Tal significaria ento, para Schmitt, defender a deciso no m-bito poltico e jurdico, diante de posies que se caracterizariampela tentativa de subordinao da deciso norma jurdica e, nessamedida, pela contestao a qualquer deciso que no fosse norma-tivamente determinada. Depois da concepo de Krabbe de umasoberania do direito, Kelsen quem se caracteriza por tentar pen-sar o direito como uma realidade puramente normativa, fechada nasua pura normatividade e sem remeter para o plano fctico da de-ciso. Rejeitando a concepo do Estado como um poder fctico,anterior ordem jurdica como a sua fonte, sob o argumento de queuma realidade fctica no poderia constituir-se como causa de umsistema normativo, Kelsen prope-se compreender a relao en-

    tre Estado e direito no como uma relao de causalidade, mas depura e simples identidade. E, na formulao desta proposta, Kelsenargumenta que a separao entre Estado e direito corresponderiajustamente fico jurdica (no sentido de Vaihinger) de umapersonificao16.

    Diante de uma tal argumentao, dir-se-ia que Schmitt contestaa Kelsen justamente o carcter fictcio da sua concepo do di-reito como um sistema normativo fechado e consistente, defend-endo a impossibilidade de pensar o direito como seno houvesseuma efectivao do direito a ser pensada, ou seja, como sea de-

    ciso fctica que o estabelece no tivesse relao com esse sistemanormativo. emDas Problem der Souvernitt und die Theorie16 Cf. Hans Kelsen,Der soziologische und der juristische Staatsbegriff: Kri-

    tische Untersuchung des Verhltnisses von Staat und Recht, Aalen, Scientia Ver-lag, 1962, pp. 205-206.

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    O conceito de Teologia Poltica no Pensamento de.... 15

    des Vlkerrechtsque Kelsen enuncia claramente a sua teoria purado direito como uma fico voluntarista: A representao dasoberania tem de ser radicalmente desalojada17; ou seja, o dire-ito tem de ser pensado como seno houvesse nele soberania, oua soberania tem de ser pensada como seno significasse o podersupremo capaz de instituir como tal o direito. E, diante de um talenunciado, Schmitt pode ento contestar o normativismo de Kelsencomo uma fico ou, o que aqui o mesmo, como uma negao darealidade: Kelsen resolve o problema do conceito de soberanianegando-o18. Assim, se o decisionismo consiste numa fico ju-rdica, dir-se-ia que, ao criticar Kelsen em funo do carcter fict-cio da sua teoria, Schmitt apresenta uma fico contra outra fico a fico jurdica de uma deciso pura contra a fico jurdica deum direito puro , defendendo a primeira em funo da eficcia eda fecundidade prtica que a segunda no poderia ter. A frase que,emPolitische Theologie, mais claramente enuncia o decisionismoschmittiano a seguinte: A deciso, considerada normativamente,nasceu de um nada19.E, atravs da considerao do decisionismo

    como uma fico jurdica, a expresso adverbial desta frase (con-17 Hans Kelsen, Das Problem der Souvernitt und die Theorie des Vlk-

    errechts: Beitrag zu einer reinen Rechtslehre. Aalen, Scientia Verlag, 1981,p. 320: Die Souvernittsvorstellung freilich mu radikal verdrgnt werden..Ao citar esta frase de Kelsen em Politische Theologie(p. 29), Schmitt comete aimpreciso de escrever no representao da soberania (Souvernittsvorstel-lung) mas conceito de soberania (Souvernittsbegriff). Uma tal imprecisopode conduzir a compreender equivocamente a posio de Kelsen: esta con-sistiria no em rejeitar pura e simplesmente o conceito de soberania, mas emdeslocar a sua representao, abandonando aquilo a que chama o dogma dasoberania do Estado singular e representando-a como o atributo de uma ordem

    jurdica mundial, de umacivitas maxima. Se a soberania fosse vinculada ime-diata e essencialmente a um Estado singular, tal como sugere Schmitt, entoa deslocao da representao da soberania corresponderia j sempre a umdesalojamento do conceito de soberania.

    18 Politische Theologie, p. 29.19 Idem, pp. 37-38: Die Entscheidung ist, normativ betrachtet, aus einem

    Nichts geboren.

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    16 Alexandre Franco de S

    siderada normativamente), a que nunca parece ter sido dada sufi-ciente importncia, adquire um aspecto fundamental. No se trataento de dizer que a deciso surge do nada, mas de dizer que esta,ao contrrio do que propunha Kelsen, pode ser considerada nor-mativamente; e que, sendo considerada normativamente, s o podeser sob a determinao negativa de no ter origem numa norma ede no ser normativamente vinculada.

    Com a proposta que aqui apresentamos a determinao do de-cisionismo schmittiano como uma fico jurdica , proposta essaque foi formulada no seguimento do primeiro problema que se noscolocou (o problema da compatibilidade entre o decisionismo dePolitische Theologiee o percurso de Schmitt nos anos anteriores),torna-se tambm possvel, mas apenas brevemente, responder aosegundo problema: o da compatibilidade entre as duas teses dePolitische Theologie, ou seja, o problema da compatibilidade entrea sua definio de soberania, no captulo primeiro, e a determi-nao dos conceitos polticos modernos como conceitos teolgi-cos secularizados. Os trs primeiros captulos dePolitische The-

    ologieforam publicados separadamente como uma unidade, sob ottulo Soziologie des Souvernittsbegriffs und politische Theolo-gie, num volume de homenagem a Max Weber (Hauptprobleme derSoziologie). A estes acrescentou-se, como um apndice, o quartoe ltimo captulo, intitulado Zur Staatsphilosophie der Gegenrev-olution, no qual Schmitt dava conta da sua situao epocal: naherana do progressivo desaparecimento da legitimidade no pen-samento poltico contra-revolucionrio, de que o pensamento deDonoso Corts surge como a mxima expresso, o aparecimentoda urgncia de pensar a deciso sem a legitimidade, ou seja, sem

    o fundamento ltimo da mediao. O quarto captulo de PolitischeTheologie, acrescentado unidade dos trs primeiros, fornece as-sim o contexto de que parte a primeira tese enunciada por Schmitt:a situao urgente provocada pela negao anarquista do Ocidentee a necessidade de, diante de tal urgncia, defender juridicamente

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    O conceito de Teologia Poltica no Pensamento de.... 17

    a decisocomo se, no seu fundamento, no houvesse nada seno apura e simples deciso.

    A partir do como se que d origem primeira tese schmit-tiana torna-se tambm compreensvel o enunciado da tese que abreo terceiro captulo. Tal captulo, intitulado alis justamentePoli-tische Theologie, surge como o captulo conclusivo e decisivo daobra: ele consiste em apontar para os dois captulos anteriores (emque o decisionismo exposto em polmica com o normativismo)como um exerccio de fico jurdica e em apontar, nessa medida,para alm da fico. Se o decisionismo consiste na construode uma fico jurdica, motivada pela situao urgente descritano captulo quarto e lanada sobretudo em confrontao com afico kelseniana de uma teoria pura do direito, seria necessriomostrar o seu carcter fictcio, evocando a sempre necessria re-misso da deciso mediao, ou seja, a sempre necessria remis-so da poltica teologia e da teologia sua secularizada traduona poltica. justamente uma tal evocao que realizada no ter-ceiro captulo dePolitische Theologie.

    A tese enunciada na abertura do terceiro captulo de PolitischeTheologie ento oarcanumdo decisionismo schmittiano. E o de-cisionismo schmittiano, ao manifestar-se no como uma tese pro-priamente dita, mas como uma fico jurdica polmica, em con-fronto com a fico jurdica normativista, no pode deixar de apon-tar para um tal arcanumcomo o fundamento que exclusivamentelhe pode dar o seu real alcance e significado.

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