Saberes do pedagogo para a prática educativa

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CENTRO FEDERAL DE EDUCAO TECNOLGICA DE MINAS GERAIS - CEFET-MG DIRETORIA DE PESQUISA E PS-GRADUAO MESTRADO EM EDUCAO TECNOLGICA

SABERES DO PEDAGOGO PARA A PRTICA EDUCATIVA NAS ORGANIZAES EMPRESARIAIS

RAQUEL QUIRINO

BELO HORIZONTE 2005

RAQUEL QUIRINO

SABERES DO PEDAGOGO PARA A PRTICA EDUCATIVA NAS ORGANIZAES EMPRESARIAIS

Dissertao apresentada ao Curso de Mestrado do Centro Federal de Educao Tecnolgica de Minas Gerais - CEFETMG, como requisito parcial obteno do ttulo de Mestre em Educao Tecnolgica.

Orientador: Prof. Dr. Joo Bosco Laudares

Belo Horizonte Centro Federal de Educao Tecnolgica de Minas Gerais CEFET-MG 2005

Ficha Catalogrfica

Q6s 2005

QUIRINO, Raquel. Saberes do Pedagogo para a prtica educativa nas organizaes empresariais. Belo Horizonte, 2005. 158 p. Dissertao: (Mestrado) Centro Federal de Educao Tecnolgica de Minas Gerais - CEFET-MG. 1. Educao e trabalho 2. Pedagogia empresarial 3. Pessoal - treinamento I - Ttulo. CDD 370.193

DEDICATRIA

Dedico este trabalho aos meus grandes amores: minha me, Maria: mulher forte e guerreira, meu exemplo. minha filha, Laura: melhor pedao de mim. Ao meu marido, Cludio: maior incentivador, companheiro, amigo, amor em plenitude. E ao meu orientador, Professor Joo Bosco: modelo de mestre, que me ensinou a encontrar o sabor no saber.

AGRADECIMENTOS Sou agradecida por todos os momentos felizes e por aqueles difceis que vivi durante o perodo do mestrado. E eles foram muitos ... Sou agradecida, tambm, a muitas pessoas que, perto ou longe, presentes ou ausentes, colaboraram e torceram por mim. As vibraes positivas me fizeram bem. No entanto, mesmo correndo o risco de esquecer pessoas importantes, ouso explicitar alguns agradecimentos. Ento agradeo: A Deus por ter me criado sua imagem e semelhana, dotada de inteligncia, determinao e perseverana pela busca do crescimento intelectual. minha filha Laura, que mesmo de forma inconsciente, desde os primeiros dias de vida soube compreender os meus momentos de ausncia e de estresse e me brinda a cada manh com seu olhar, seu sorriso e suas palavrinhas de carinho. Ao meu marido Cludio, sempre presente, amoroso, compreensivo, carinhoso, meu maior f e incentivador. minha famlia, em especial minha me e irms, por acreditarem na minha capacidade de superar obstculos e por torcerem pelo meu sucesso. minha sogra Graa, cunhada Cludia e sobrinha Natlia, por todo carinho e ateno dedicados minha filha durante as minhas ausncias e recluso no quartinho de estudos. Aos professores da graduao e do mestrado, em especial Lusia Pereira, Maria Lcia Ferreira, Maria da Conceio Passos, Antnio Tomasi e Ronaldo Nagem pela oportunidade de aprendizado e pelo incentivo. Aos meus amigos de hoje, de ontem e aos amigos eternos, pela amizade e carinho com os quais me privilegiam.

Aos meus alunos dos cursos de Pedagogia da UNIPAC de Itabirito e Nova Lima, pela oportunidade de crescermos juntos, pelo brilho nos olhos que demonstra, a cada aula, a confiana depositada em mim e confirma o quanto foi acertada a minha deciso de mudana de profisso. A todos os Pedagogos que colaboraram com seus depoimentos, sem os quais este trabalho no teria sido possvel. Aos professores Suzana Burnier, Lusia Pereira e David Bomfin pela participao na banca examinadora, pela colaborao e oportunas sugestes. Por fim, mas no menos importante, agradeo ao meu orientador, Professor Joo Bosco Laudares, por ter acreditado no meu potencial, pela pacincia e incentivo constantes, pelos preciosos momentos de orientao (e de desorientao!) e por me ensinar, durante o mestrado, a maior de todas as lies: preciso, e possvel, encontrar alegria e prazer nos estudos, na descoberta, na construo do conhecimento.

Muito obrigada a todos!

"Apesar de o homem lhe parecer, por natureza e de fato, unilateral, eduque-o com todo empenho, em qualquer parte do mundo, para que se torne omnilateral." (Manacorda)

"Foi o tempo que perdeste com tua rosa que fez tua rosa to importante." (Saint-Exupry)

SUMRIO

RESUMO .................................................................................................................. 09 ABSTRACT .............................................................................................................. 10 APRESENTAO .................................................................................................... 11 1. O CONHECIMENTO COMO FATOR DE PRODUO ..................................... 18 1.1. 1.2. 1.3. A Sociedade do Conhecimento ............................................................... 21 Capital Humano e Intelectual .................................................................. 26 Gesto do Conhecimento ........................................................................ 30

2. A EMPRESA COMO ESPAO EDUCATIVO .................................................... 37 2.1. Gesto de Pessoas por Competncias ................................................... 43

2.1.1. Sobre o Modelo da Competncia ...................................................... 46 2.2. 2.3. Treinamento, Desenvolvimento e Educao Corporativa ....................... 54 A Organizao Japonesa do Trabalho, o Controle da QualidadeTotal e a Educao do Trabalhador ................................................................. 59 2.4. Aprendizagem Organizacional e Organizao Qualificada e Qualificante ............................................................................................. 62 3. A INSERO DO PEDAGOGO NO AMBIENTE ORGANIZACIONAL .............. 69 3.1. A Pedagogia Organizacional: Breve relato das obras sobre o tema ....... 73

3.1.1. "Pedagogia Empresarial: que conhecimento e espao so estes?"... 73 3.1.2. "Caracterizao do processo de formao/atuao de Pedagogos em espaos extra-escolares" ........................................................... 76

3.1.3. "Treinamento e desenvolvimento de Recursos Humanos em empresas: uma opo para o Pedagogo" ....................................... 77 3.1.4. "Pedagogia no Treinamento - Correntes Pedaggicas no Ambiente de Aprendizagem nas Organizaes" .............................................. 81 3.2. Sobre o Educador e Pedagogo organizacional, empresarial; extra-escolar ou do trabalho .................................................................... 85 4. O PEDAGOGO NAS ORGANIZAES EMPRESARIAIS: QUEM SO E O QUE DIZEM A RESPEITO DA PROFISSO ............................................. 91 4.1. Conhecendo os Pedagogos Organizacionais ......................................... 93 4.1.1 A composio do banco de dados ............................................... 96 4.1.2 Formao, atuao, atividades desenvolvidas e dificuldades encontradas na profisso ............................................................ 96 4.2. A viso dos Pedagogos sobre o processo educativo desenvolvido nas empresas ........................................................................................ 104 4.3. 4.4. A contribuio do Pedagogo para a educao do trabalhador ............. 109 Pedagogo empresarial ou Pedagogo do trabalho? As opinies dos entrevistados .................................................................................. 112 5. OS SABERES DO PEDAGOGO PARA A PRTICA EDUCATIVA NAS ORGANIZAES EMPRESARIAIS ............................................................... 114 5.1. 5.2. Saberes profissionais ............................................................................ 117 Saberes experienciais ........................................................................... 122

CONCLUSO ........................................................................................................ 128 REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS ....................................................................... 141 APNDICES .......................................................................................................... 156

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RESUMO O cenrio atual, de mudanas no mundo do trabalho, traz exigncias, cada vez maiores, para a formao do trabalhador e, diante das dificuldades da educao escolarizada em acompanhar as inovaes tecnolgicas e organizacionais, torna-se necessrio reconhecer a dimenso educativa do trabalho, ressaltando, tambm, o papel da empresa neste processo formativo. Para garantir a produtividade e a competitividade as organizaes adotam estratgias que viabilizam a absoro do conhecimento do trabalhador, assim como polticas, programas internos e mudanas organizacionais, num complexo sistema de gesto que incentiva a educao continuada, o aperfeioamento permanente e o desenvolvimento de competncias. Nesta pesquisa evidenciamos que as empresas que adotam modernas formas de organizao e gesto de pessoas e buscam o desenvolvimento dos seus profissionais, transformam os locais de trabalho em espaos de educao do trabalhador. Assim, o processo educativo desenvolvido nestas organizaes tornase intencional, planejado e organizado, demandando altos investimentos financeiros, bem como profissionais que atuem como, facilitadores, mediadores e

operacionalizadores do processo de ensino-aprendizagem. Atravs do estudo terico e do discurso de Pedagogos atuantes em organizaes empresariais, discutimos a sua insero na prtica educativa organizacional e a constituio dos saberes que lhe d sustentao para tal, buscando compreender o papel deste profissional - preparado, a priori, para atuar em escolas, mas que atua tambm em empresas - e contribuir, atravs das reflexes suscitadas, para a sua formao profissional e para a melhoria da educao do trabalhador nas empresas. Palavras-Chave: Educao do Trabalhador; Saberes do Pedagogo;

Pedagogo na Empresa; Pedagogo Organizacional.

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ABSTRACT The present scenario of changes in the world of work-related matters shows increasing demand for education. The difficulty of the school system in keeping up with technological and organizational innovations brings to mind the educational aspects of work, which leads to considerations on the role of companies in this process. In order to guarantee productivity and competitiveness organizations have adopted strategies to integrate their workers knowledge, in addition to organizational policies and programs to promote changes, along with complex management systems that support continuous education, constant improvement and the development of competences. In this research we demonstrate that companies that adopt modern organizational principles in human resource management and seek the development of their workers convert the workplace into an educational place. As a result the educational process developed within these organizations becomes intentional, is planned and organized and demands high investments, as well as professionals to act as facilitators, mediators, and operators in the teach-learn process. Through both theoretical studies and the study of the discourse of pedagogues working in business organizations we discuss the insertion of those professionals in the organizational educational practice. Moreover, we discuss the foundations of the knowledge that gives support to their practice and try to understand the role of a professional who, in spite of being trained a priori to work in schools, works for companies too. It is also our objective, by way of the thinking brought up in this study, to contribute in the formation of those professionals and the improvement of the worker's education in companies. Key Words: The Worker's Education; The Pedagogues Knowledge; The Pedagogue in the Company; The Organizational Pedagogue.

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APRESENTAO O interesse de estudar sobre a educao do trabalhador no ambiente de trabalho e, sobretudo, sobre a insero do Pedagogo na prtica educativa nas organizaes empresariais nasceu da minha trajetria profissional e acadmica. Por muito anos, mesmo desempenhando funes tcnicas em empresas de mdio e grande portes, quer de uma maneira expontnea ensinando um companheiro novato a desempenhar as suas funes, quer como instrutora em treinamentos organizados pela empresa, o trabalho educativo sempre esteve presente em minhas atividades dirias. Aos poucos, devido ao meu interesse e habilidade natural em lidar com a dinmica do ensinar e aprender desenvolvida nas empresas, fui designada para trabalhos especficos de treinamentos tcnicos e de conscientizao dos programas de qualidade total, segurana e sade ocupacional, preservao ambiental e qualidade de vida do trabalhador. As atividades constavam do levantamento das necessidades de treinamento, em conformidade aos objetivos e metas da organizao, do desenvolvimento dos contedos tcnicos, da elaborao do material didtico, da preparao e acompanhamento dos instrutores, da avaliao da eficcia dos treinamentos ministrados, alm da conduo dos trabalhos em sala de aula. Porm, apesar do sucesso que o meu trabalho vinha alcanando, a prtica pedaggica desenvolvida era carregada de informalidade, resultado de uma indevida dicotomia entre a teoria e a prtica, gerada pela minha formao extremamente tcnica e pela falta de conhecimentos sobre a cincia da educao. Constatei, ento, que para tornar a prtica educativa mais eficaz, ser capaz de trabalhar com maior rigor conceitual, sistematizar adequadamente os

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conhecimentos, ter uma clara definio dos fins a serem atingidos pelos treinamentos e escolher os meios mais eficazes a serem utilizados precisava fazer algum curso que me proporcionasse o conhecimento necessrio para desenvolver o processo educacional. Diante destas necessidades decidi fazer o curso de graduao em Pedagogia, concludo em 2002 no Centro Universitrio de Belo Horizonte - UNI-BH. O estudo das vrias cincias1 que compunham o projeto pedaggico do curso, alm do contedo especfico da Pedagogia, apesar de a priori estarem direcionados educao formal escolarizada, mostraram-se bastante teis e aproveitveis para as minhas atividades na educao organizacional. medida que o curso prosseguia, mais e mais a importncia da Pedagogia nos treinamentos organizacionais tornava-se evidente, pois, os princpios filosficos, sociolgicos e antropolgicos, as metodologias, a didtica, a teoria do trabalho por projetos, dentre outros contedos estudados, muito contribuam para o

desenvolvimento e sucesso dos meus trabalhos educativos na empresa. Porm, isto no era suficiente e a minha busca pela transposio dos saberes pedaggicos realidade organizacional era rdua e solitria, pois o projeto pedaggico do curso de Pedagogia no contemplava nenhum contedo especfico direcionado educao de adultos ou com enfoque para a rea de gesto de pessoas, que favorecesse o desenvolvimento do processo educacional desenvolvido nas empresas. No trabalho de concluso do curso de Pedagogia, no UNI-BH, partindo de minha experincia pessoal e de outros Pedagogos atuantes em empresas, elaborei

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"A Pedagogia (...) busca em outras cincias os conhecimentos tericos e prticos que concorrem para o esclarecimento do seu objeto, o fenmeno educativo. So elas a Filosofia, Sociologia, Psicologia, Biologia, Economia e outras." (Libneo, 1994: 25)

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e apresentei, em 2002, uma monografia que evidenciava a necessidade da atuao do Pedagogo como educador organizacional e parceiro dos demais profissionais nos setores de Recursos Humanos. Aps alcanar xito, ainda que incipiente, no propsito de inserir a Pedagogia na discusso sobre a educao do trabalhador no ambiente organizacional, diversas dvidas e inquietaes comearam a surgir demandando novos estudos. Diante desta situao, no ano de 2003, procurei no Mestrado em Tecnologia, rea de concentrao em Educao Tecnolgica, do CEFET-MG, a oportunidade de buscar informaes e contribuir para a evoluo dos conhecimentos acadmico e empresarial na rea da Pedagogia Organizacional. As diversas disciplinas cursadas e todos os estudos realizados durante o programa do Mestrado possibilitaram-me uma viso mais abrangente e crtica da educao e do mundo do trabalho. Assim, embasando-me nos saberes adquiridos na minha formao em Pedagogia, em minha experincia profissional nas empresas, no enriquecimento advindo do Mestrado, no estudo das obras que constituem a parte terica e nos discursos dos Pedagogos entrevistados na pesquisa emprica, foi possvel a realizao da presente dissertao. Neste trabalho, procuramos contribuir para o conhecimento sobre a educao do trabalhador promovido pelas empresas e proceder a anlise deste processo pelo vis da Pedagogia que se ocupa do ensino-aprendizagem nas organizaes empresariais. Nosso objeto de estudo so os saberes dos Pedagogos atuantes na prtica educativa nas organizaes empresariais e, a nossa metodologia de trabalho, constituiu-se, na primeira parte, em uma reviso bibliogrfica da produo

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acadmica encontrada sobre o tema, o dilogo e a identificao de semelhanas e contrapontos presentes nas idias de autores dedicados s reas de Gesto de Pessoas com autores da Educao e Trabalho, e entre aqueles das reas de Educao e os da Pedagogia Organizacional. Na segunda parte, constituda pela pesquisa emprica, identificamos, atravs dos bancos de dados de duas instituies escolares: Centro Universitrio de Belo Horizonte - UNI-BH e Centro Especializado em Pesquisas Educacionais de Minas Gerais - CEPEMG-MG, setenta (70) Pedagogos atuantes em diversas organizaes empresariais na regio da Grande Belo Horizonte e enviamos um questionrio de pesquisa preliminar. Aps o recebimento dos questionrios, selecionamos nove (09) Pedagogos e os submetemos a uma entrevista semiestruturada para, atravs da anlise dos discursos destes profissionais, elucidarmos as questes pesquisadas. As principais questes que nortearam este trabalho e constituram parte importante para situar o contexto e a problemtica da pesquisa foram referentes ao conhecimento do perfil do Pedagogo que atua nas organizaes empresariais e sua viso sobre a profisso, a contribuio que d educao do trabalhador, as suas opinies sobre o processo educativo realizado pelas empresas e, especialmente, o que constitui o nosso objeto de estudo, os saberes utilizados e mobilizados por ele para esta prtica educativa. No primeiro captulo, "O conhecimento como fator de produo", os temas: sociedade do conhecimento, capital humano e intelectual e gesto do conhecimento sintetizam a idia de que o saber do trabalhador constitui fator de produo e nunca esteve to valorizado e em evidncia no mercado de trabalho como no momento atual. Tal constatao tem levado diversas empresas a fomentarem os seus setores de Recursos Humanos, a investirem mais no desenvolvimento de seus empregados,

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assim como tem contribudo para a redefinio e a adoo de diferentes padres de gesto de pessoas. No segundo captulo: "A empresa como espao educativo", o

desenvolvimento cientfico-tecnolgico e seus efeitos no mundo do trabalho, conjugados crescente competitividade enfrentada pelas empresas, trazem a emergncia de um trabalho revalorizado mas com exigncias cada vez maiores ao trabalhador. A adoo do modelo japons de trabalho, os programas de qualidade total e a retomada da valorizao da subjetividade do trabalhador - levando a necessidade do desenvolvimento de competncias diversificadas relacionadas gesto de pessoas por competncias - levam as empresas, que adotam tais modelos, a buscar o comprometimento dos trabalhadores no processo produtivo e a adotar inmeras estratgias para assegurar a capacitao dos seus empregados, num complexo sistema de gesto que incentiva a educao continuada, o aperfeioamento e o desenvolvimento de competncias. Tais iniciativas levam constatao de que estas empresas, embora com interesses voltados para a produtividade e o lucro, esto se tornando espaos educativos para o trabalhador. No captulo terceiro, ainda em discusso terica, uma vez que a transformao dos ambientes de trabalho em espaos educativos demandam profissionais competentes para o planejamento e a operacionalizao do processo de ensino-aprendizagem e, sendo o Pedagogo um profissional especializado em educao, a sua insero no ambiente organizacional apresentada. No obstante ao reduzido nmero de trabalhos cientficos que tratam do tema, atravs dos estudos das obras encontradas, foi possvel evidenciar as inmeras denominaes dadas ao profissional de Pedagogia atuante nas

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organizaes empresariais e tecer algumas consideraes sobre o Pedagogo do Trabalho. Na parte emprica, constituda pelo quarto e quinto captulos, os sujeitos da pesquisa, os Pedagogos que atuam na prtica educativa nas organizaes empresariais na regio da Grande Belo Horizonte, so apresentados com sua formao profissional, os aspectos da sua atuao, suas atividades desenvolvidas e as dificuldades encontradas para o exerccio da profisso, bem como a viso destes profissionais sobre o processo educativo realizado nas e pelas empresas. No quinto captulo a discusso emprica encerrada com a abordagem do objeto de estudo deste trabalho: os saberes utilizados pelo Pedagogo na prtica educativa nas organizaes empresariais. As categorias de saberes foram elencadas a partir do discurso dos Pedagogos entrevistados e analisados luz do referencial terico escolhido. Na concluso do trabalho so sintetizados os principais resultados obtidos na pesquisa terica e emprica e apresentadas as consideraes acerca dos saberes do Pedagogo Organizacional e a sua correlao com os saberes do Pedagogo Escolar. Sob o ponto de vista da educao e do mundo do trabalho, este trabalho objetiva, sobretudo, trazer a educadores e empresrios, um novo enfoque acerca da necessidade de uma abordagem pedaggica nos programas de educao desenvolvidos nas empresas, no sentido de que o processo de ensinoaprendizagem que se processa nas organizaes empresariais possa contribuir para a educao integral do trabalhador e para a construo de sua cidadania. Em relao a rea da Pedagogia, o objetivo trazer, atravs da leitura deste trabalho, uma oportunidade de reflexo e tomada de deciso em relao ao

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desenvolvimento dos saberes necessrios atuao do Pedagogo, para que tanto estes, quanto os seus formadores, possam vislumbrar nas organizaes empresariais espaos para o desenvolvimento de uma verdadeira prtica educativa, benfica ao trabalhador, sociedade e ao prprio Pedagogo enquanto profissional.

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1. O CONHECIMENTO COMO FATOR DE PRODUOOs saberes2 do trabalhador sempre exerceram papis importantes na sociedade. Ao longo da histria, o conhecimento teve diferentes significados e funes. Durante a antigidade clssica, era usado para o crescimento pessoal e para aumentar a satisfao e a sabedoria individual. Em meados do sculo XVIII, essa concepo sofreu uma inflexo, justificada, em parte, pelo advento da Revoluo Industrial. A partir de ento, o conhecimento passou a voltar-se para sua aplicao na sociedade deixando de servir exclusivamente satisfao pessoal. Essa modificao foi acompanhada por outra que atingiu a organizao econmica da sociedade. O padro artesanal, manual e dependente do homem foi substitudo por outro de cunho industrial, tecnolgico, dependente da mquina. A vida rural, que dispersava geograficamente as pessoas, foi substituda pela vida urbana, que concentrou centenas de indivduos em torno das fbricas e das grandes cidades. Nas formas de organizao do trabalho taylorista-fordista predominava o saber tcito, denominado de conjuno de saberes pouco sistematizados e experincias acumuladas resultantes da relao entre o homem, o conhecimento e o trabalho. Leite (1994:71) mostra que, autores como Braverman, Gorz, Freyssenet, dentre outros, consideram a fragmentao do trabalho, com o fim do artesanato e o desenvolvimento tecnolgico presentes naqueles sistemas de organizao do

Os substantivos "saber" e "conhecimento" aparecem na literatura especializada ora com sentidos variados ou imprecisos, ora com o mesmo significado. Segundo Fidalgo e Machado (2000:295) este fato responsvel e, ao mesmo tempo, expressa a dificuldade de se debruar com rigor sobre eles, o que torna rdua a tarefa de localizar bibliografias especficas e significativas. Para efeito deste estudo, na discusso terica consideraremos "saber" e "conhecimento" como sinnimos.

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trabalho, uma constante desqualificao do trabalhador que tem uma expropriao progressiva e acumulativa do seu saber e de sua autonomia. Nessa perspectiva, segundo Kenzer (1999:13), medida em que o saber do trabalhador era incorporado maquina, cujo manuseio ou acompanhamento no exigia habilidades especficas, a relao de trabalho ficou determinada pela ntida separao entre as atividades intelectuais e instrumentais. No entanto, a reestruturao produtiva transforma radicalmente esta situao. partir da crescente incorporao de novos princpios cientficos e tecnolgicos ao processo de trabalho, as habilidades cognitivas, at ento restritas a um nmero reduzido de trabalhadores que desempenhavam funes intelectuais, passam a ser requeridas para todos os trabalhadores, independentemente de seu nvel hierrquico e funo desempenhada. O grande desenvolvimento cientfico-tecnolgico e seus efeitos no mundo do trabalho e nas relaes sociais implicam uma nova construo cultural e conseqentes modificaes nos processos laborais e educativos.A descoberta de novos princpios cientficos permite a criao de novos materiais e equipamentos; os processos de trabalho de base rgida vo sendo substitudos pelos de base flexvel; a eletromecnica, com suas alternativas de soluo bem definidas, vai cedendo lugar microeletrnica, que assegura amplo espectro de solues possveis desde que a cincia e a tecnologia, antes incorporadas aos equipamentos, passem a ser domnio dos trabalhadores; os sistemas de comunicao interligam o mundo da produo. (Kenzer, 1998:37)

As mudanas na organizao do trabalho envolvem a utilizao crescente pelas empresas do componente intelectual do trabalhador, em detrimento do componente fsico-manual. Hoje, segundo Bruno (2000), sobretudo a capacidade de raciocnio dos trabalhadores que as empresas procuram explorar. Carvalho (2002), confirma esta premissa e acrescenta que estas "novas" qualificaes poderiam ser compreendidas em trs grandes grupos: novos

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conhecimentos

prticos

e

tericos;

capacidade

de

abstrao,

deciso

e

comunicao e qualidades relacionadas responsabilidade, ateno e interesse pelo trabalho. Alm disso, pressupe tambm uma busca permanente de pequenas inovaes na maneira de produzir, que nascem do conhecimento acumulado pelos trabalhadores na prpria vivncia da produo. No atual contexto, as "velhas" formas de organizao taylorista-fordista parecem no ter mais lugar. No novo discurso da sociedade do trabalho, para todos os setores da economia, as capacidades intelectuais do trabalhador e os seus conhecimentos passam a ter destaque e adquirem valor como um novo e principal fator de produo. Neste captulo, destacamos a Sociedade do Conhecimento, as Teorias do Capital Humano e Intelectual e as novas formas de Gesto do Conhecimento e da Competncia adotadas pelas empresas e que trazem pressupostos de novas formas de valorizao do conhecimento do trabalhador, mas, tambm, uma necessidade de qualificao e requalificao constantes e nem sempre acessveis. Na viso de Deluiz (2001:7),

(...) O lado luminoso (desse processo) a possibilidade de um trabalho com novos contedos, a partir de novas concepes gerenciais e da introduo de tecnologias que exigem maior base de educao geral, alm de novos requisitos e atributos de qualificao profissional.

Porm, Kenzer (1998:38) avalia que(...) essa novas determinaes mudariam radicalmente o eixo da formao de trabalhadores, caso ela fosse assegurada para todos, o que na realidade no ocorre. (...) Na verdade, cria-se uma nova casta de profissionais qualificados, a par de um grande contingente de trabalhadores precariamente educados, embora ainda includos, porquanto responsveis por trabalhos tambm crescentemente precarizados.

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Objetivamos evidenciar a crescente valorizao do conhecimento dos trabalhadores pelas organizaes e, ainda, conforme as idias de Kenzer (1998), destacar que as exigncias da Sociedade do Conhecimento implicam numa reestruturao do processo educativo, tanto no ensino profissionalizante, quanto nas atividades desenvolvidas nas empresas, de modo a formar trabalhadores de novo tipo, intelectual, tcnica e eticamente desenvolvidos e politicamente comprometidos com a construo de uma nova sociedade.

1.1

A Sociedade do Conhecimento

A sociedade em que vivemos afasta-se radicalmente da Sociedade Industrial. O momento atual de transio para a Sociedade do Conhecimento. Se antes o que gerava riqueza e poder era o domnio do capital, da terra e do trabalho, hoje a realidade outra. Segundo Cavalcanti et al (2001:21), "mais de 55% da riqueza mundial advm do conhecimento e dos denominados bens ou produtos intangveis." A constatao de que o conhecimento hoje o principal fator de produo tem conseqncias nas atividades econmicas e nos rumos da educao do trabalhador. Para Peter Drucker (1997), as atividades que ocupam o lugar central das organizaes no so mais aquelas que visam produzir ou distribuir objetos mas aquela que produzem e distribuem informao e conhecimento. Desde sculos passados os economistas tinham a preocupao de definir os fatores de produo. Terra, capital e trabalho foram definidos, como fatores clssicos por Jean Baptist Say3 e seguido por Adam Smith4, em trabalhos publicados posteriormente. Esta classificao teve um forte impacto no processo de

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Say, Jean Baptiste. Cours d'Economie Politique. Paris: Flammarion, 1996. Smith, Adam. A Riqueza das Naes, cuja primeira edio foi em 1776.

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desenvolvimento da economia enquanto cincia e guiou o pensamento de geraes de economistas. Analisando as economias baseadas na explorao da natureza,

predominantes at o sculo XVIII, percebemos que a posse da terra e a explorao extensiva da mo-de-obra eram os fatores decisivos para determinar o sucesso econmico. Com a Revoluo Industrial, a posse dos meios de produo e explorao do trabalho passaram a ser as foras motrizes do desenvolvimento econmico. Com o surgimento da Sociedade do Conhecimento, os modelos econmicos que regem esta nova sociedade foram revistos no sentido de incorporar o conhecimento, no apenas como mais um fator de produo mas, como o fator essencial do processo de produo e gerao de riqueza. Na chamada "Sociedade Ps-Capitalista", assim denominada por Drucker (1997:16), a nfase recai sobre o conhecimento, pois este tornou-se o recurso essencial da economia.(...) Esta nova sociedade traz como recurso econmico bsico ou "meios de produo" no mais o capital, a terra, nem a mo-de-obra. O maior capital da nova sociedade e ser o conhecimento.

Segundo o autor, a nova sociedade, que ora se instala, no ser uma "sociedade anticapitalista", nem uma "sociedade no-capitalista", mas o seu centro de gravidade - estrutura, dinmica social e econmica, classes sociais e problemas sociais - diferente daquele que dominou os ltimos duzentos e cinqenta anos. Isto no significa que os fatores clssicos de produo desapareceram, apenas tornaram-se secundrios. Eles podem ser obtidos com alguma facilidade desde que tenhamos conhecimento. As atividades que agregam mais valor, que geram mais riqueza para os indivduos so aquelas propiciadas pela inovao e

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esta, principalmente, pela capacidade de usar o conhecimento agregado aos produtos e servios oferecidos. O que importa agora para o aumento da produtividade o trabalho intelectual e a gesto do conhecimento. Cavalcanti et al (2001:27), indicam que, no ano de 1999,(...) o conhecimento foi responsvel por mais de 50% do PIB dos pases desenvolvidos (...) e a crescente reduo dos custos e a facilidade de obteno da informao apontam claramente para um aumento da participao do conhecimento na gerao de riqueza para organizaes, regies e pases.

Analisando os dados de exportaes do Estados Unidos nos ltimos sete anos, os autores verificam que as exportaes americanas de bens intangveis, como softwares, patentes, royalties, servios de consultoria, bens culturais (filmes, msica) atingiram a impressionante marca de 70% do valor das exportaes totais daquele pas. Diante deste nmero impressionante, concluem que "o conhecimento o novo motor da economia mundial". Em estudo semelhante, o Banco Mundial5 alerta os pases em

desenvolvimento sobre a importncia do conhecimento como gerador de riqueza. Na economia baseada em conhecimento o eixo, da riqueza e do desenvolvimento, desloca-se de setores industriais tradicionais - intensivos em mode-obra e capital - para setores cujos produtos, processo e servios so intensivos em tecnologia e conhecimento. Na sociedade industrial os empreendimentos tinham como premissas a economia de escala, ou seja, fabricar uma grande quantidade de um mesmo produto para obter um preo final de venda baixo. Hoje os consumidores querem produtos e

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BANCO MUNDIAL. Conhecimento para o Desenvolvimento. In: Inteligncia Empresarial. Rio de Janeiro: CRIE-COPPE/UFRJ, E-papers Editora. n. 1, out./ 1999.

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servios que atendam suas necessidades individuais. O modelo de produo na sociedade do conhecimento tem, portanto, uma palavra-chave: flexibilidade. Da mesma forma, flexibilidade, criatividade e a capacidade de iniciativa so alguns atributos essenciais dos trabalhadores desta nova economia. A poca em que o trabalhador eficiente era "o que deixava o crebro em casa", est definitivamente ultrapassada. O trabalhador desta nova sociedade deve aprender a aprender para poder estar continuamente atualizado. Neste contexto, Saviani (1994:160) observa que na sociedade capitalista moderna, se o saber meio de produo, como tal deve pertencer, exclusivamente classe dominante. Porm, na medida em que para produzir, o trabalhador precisa dominar algum tipo de saber, insere-se a contradio na essncia do capitalismo: o trabalhador no pode ser proprietrio dos meios de produo (apenas da fora de trabalho), no pode deter o saber, mas, sem o saber, ele tambm no pode produzir. Drucker (1997) confirma esta premissa, mas elege uma nova casta de trabalhadores denominados "trabalhadores do conhecimento", aqueles que sabem como alocar conhecimentos para usos produtivos. Preconiza que, diferentemente dos trabalhadores sob o antigo capitalismo, estes possuem tanto os "meios de produo" como "as ferramentas de produo", tornando-se tambm capitalistas, pois so donos do capital. Portanto, o desafio econmico da sociedade pscapitalista a produtividade do trabalho com conhecimento e do trabalhador do conhecimento. Entretanto, ressalta a existncia de uma segunda classe de trabalhadores, que por no terem acesso educao necessria para serem trabalhadores do conhecimento permanecero margem da sociedade em sub-empregos ou desempregados, demonstrando que, na "sociedade ps-capitalista" moderna, a

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diviso entre trabalho manual e trabalho intelectual do modelo taylorista, ainda permanece. Para enfrentar este desafio, Drucker (1997) acredita na educao universal e enfatiza a responsabilidade da escola em seu papel e funo de educar - seu foco, sua finalidade, seus valores - alm da necessidade de um aprendizado vitalcio. Considera, no entanto, que o estudo um empreendimento conjunto entre a escola e a empresa, pois a linha que divide o local de trabalho do local do aprendizado se torna cada vez mais indistinta. Hoje, ressalta, o trabalho o lugar onde o trabalhador continuar a aprender indefinidamente. Porm, em seu estudo da arte sobre a Educao e Trabalho no Brasil, Kenzer (1991) evidencia que as empresas nunca dependeram da escola para preencher seus quadros, segundo suas prprias necessidades, uma vez que dispem de sua prpria pedagogia e de meios especficos para educar o trabalhador dando a ele acesso apenas quela parcela do saber necessria produo. No entanto, esta mesma autora, verifica, em estudos mais recentes (Kenzer, 1998), avanos do ponto de vista da concepo de qualificao para o trabalho. Em decorrncia das exigncias das empresas pelo trabalhador com conhecimentos e habilidades cognitivas e comportamentais, capaz de trabalhar intelectualmente e de utilizar conhecimentos cientficos e tecnolgicos de modo articulado para resolver problemas da prtica social e produtiva, nasce uma nova pedagogia que exige ampliao e democratizao da educao bsica, com pelo menos onze anos de ensino, abrangendo os nveis fundamental e mdio. Isto leva a uma democratizao possvel da educao bsica de qualidade, ainda que no seja para todos e custeada pelas prprias empresas, como meio de formar mo-de-obra necessria s suas necessidades.

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Apesar do crescente entusiasmo de alguns autores pela Sociedade ou Era do conhecimento, no podemos afirmar que todas as empresas encontram-se em tal estado de avano. Bomfin (2004:108) ressalta que embora haja organizaes com tecnologia de ponta, que evoluram mediante processo de amadurecimento e superao dos paradigmas gerenciais e organizacionais centrados na era industrial e burocrtica, no se pode deixar de lado aquelas organizaes que ainda esto longe de atingir este estgio de desenvolvimento e que ainda encontram-se na era industrial.

1.2

Capital Humano e Intelectual

Considerado como o novo capital da Sociedade do Conhecimento, capital humano, para a rea de economia, significa:o conjunto de investimentos destinados formao educacional e profissional de determinada populao. (...) O termo utilizado tambm para designar as aptides e habilidades pessoais que permitem ao indivduo auferir uma renda. Esse capital deriva de aptides naturais ou adquiridas no processo de aprendizagem. Nesse sentido, o conceito de capital humano corresponde ao de capacidade de trabalho (Sandroni, 1994: 41).

Este termo vem sendo empregado constantemente em diferentes reas do conhecimento cientfico, nos discursos polticos, no cotidiano das organizaes e nos diversos segmentos da sociedade. um conceito abrangente e resulta de um consenso entre as diversas e diferentes concepes envolvidas no termo: capital, investimento, educao, aptido, trabalho. Na dcada de 1960, Theodore William Schultz, professor da Universidade de Chicago, publicou os textos que formalizaram a nova teoria. Seu trabalho teve repercusso mundial e lhe rendeu o Prmio Nobel de Economia, em 1979 (Schultz, 1973). A teoria teve um impacto expressivo no Terceiro Mundo, sendo considerada

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uma alternativa para se alcanar o desenvolvimento econmico, para se reduzir as desigualdades sociais e para se aumentar a renda dos indivduos. Em sua concepo, a qualidade do esforo humano poderia ser grandemente ampliada e melhorada e sua produtividade incrementada. Os gastos com a educao - que at ento eram considerados consumo - passam a ser vistos como investimento em capital humano para se conseguir melhores empregos e a melhoria de rendimentos, aps estudos formais na escola ou treinamento no local de trabalho. A Teoria do Capital Humano tambm se relaciona com as recentes redefinies do padro de gesto do trabalho. O imperativo da competitividade, agora em escala internacional, obriga as empresas a desenvolverem estratgias visando qualidade total. Para tanto, torna-se necessrio conquistar o

comprometimento dos trabalhadores no processo produtivo, especialmente quando se trata da operao de mquinas e equipamentos sofisticados e caros. A contribuio da mo-de-obra qualificada, at ento subestimada no sistema taylorista-fordista, passou a ser valorizada para atender s novas necessidades das empresas. Polticas especficas de formao passaram a ser adotadas segundo os princpios de seletividade dos trabalhadores. Considerando a educao como fator de crescimento econmico e de segurana, a Teoria do Capital Humano influenciou decisivamente educadores e economistas no Brasil, trazendo, inclusive, inmeras mudanas na legislao, na concepo e no planejamento da educao formal, principalmente, no ensino profissionalizante. Porm, se muitos autores brasileiros, dentre eles Serra (1975), Castro (1973), Fishlow (1975), concordavam com a tese da Teoria do Capital Humano, tambm

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eram muito numerosos os que dela discordavam, dos quais citamos os trabalhos de Rossi (1978), Salm (1980), Frigotto (1993), dentre outros. O debate que se configurava era sobre a existncia de causalidade entre educao e produtividade/renda. Do ponto de vista dos autores que apoiavam a Teoria do Capital Humano, as oportunidades educacionais diminuiriam as diferenas scio-econmicas. Do lado oposto haviam os que defendiam a idia de que a educao, atravs da expanso da qualificao, apenas criaria condies para a melhor utilizao da fora de trabalho pelo capitalista. 6 Neste contexto, Saviani (1994:151) observa que o problema das relaes entre educao e trabalho abordado de diferentes maneiras. Em termos gerais, no passado, a concepo que se tinha de educao era do seu carter improdutivo e o seu entendimento como um bem de consumo, objeto de fruiao.Essa situao tendeu a se alterar a partir da dcada de 60 com o surgimento da "teoria do capital humano", passando a educao a ser entendida como algo no meramente ornamental mas decisivo para o desenvolvimento econmico. Postula-se, assim, uma estreita ligao entre educao (escola) e trabalho; isto , considera-se que a educao potencializa trabalho. Essa perspectiva est presente tambm nos crticos da "teoria do capital humano", uma vez que consideram que a educao funcional ao sistema capitalista, no apenas ideologicamente, mas tambm economicamente, enquanto qualificadora da mo-de-obra (fora de trabalho).

Para Saviani (1994), tais discusses, evidenciando duas posies opostas, leva os educadores a oscilarem ao considerar a educao apenas em termos gerais, com ou sem referncias formao profissional, ou propondo um sistema dualista com a formao geral desvinculada da formao profissional ou, ainda, concebendo uma escola nica que pretenderia articular educao geral e formao profissional.

Kenzer faz um detalhado estudo sobre a abordagem do capital humano no Brasil em seus trabalho: Educao e Trabalho no Brasil. O Estado da Questo. Braslia: INEP,. Santiago: Reduc, 1991.

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No entanto, apesar de todas as discusses surgidas acerca do tema, segundo os estudo de Burnier (2003:85), o que se observa, at os dias de hoje, que a busca de melhoria de vida atravs da qualificao profissional ainda se constitui um tradicional mecanismo utilizado pela classe trabalhadora brasileira. Contudo, Moretto (1997) alerta que no se pode tomar como sinnimos o termo "capital humano" e "Teoria do Capital Humano", j que esta ltima comporta toda uma estrutura metodolgica e investigativa que procura comprovar o processo de tomada de deciso do indivduo, dos governos ou das empresas na forma de investimento, principalmente em educao e treinamento. Diferentes propostas de valorizao da fora de trabalho atravs da educao debatem entre si sob o enfoque quer da Escola Nova, quer da formao politcnica, quer das Relaes Humanas, perspectiva tambm recorrente na gesto da fora de trabalho, desde os anos 30. CATTANI (2002: 51) ressalta que,

(...) referncias idia de que o aperfeioamento da fora de trabalho eleva a eficincia do trabalho e do capital encontram-se nas obras de Adam Smith e de Marx. Entretanto essa idia foi, durante muito tempo, negada pelo pensamento dominante, seja ele na sua verso neoclssica ou keynesiana. Os aumentos de produtividade eram explicados pela capacidade gerencial, pela intensificao do trabalho, pela eficincia da poltica econmica, ou, mais freqentemente, pela incorporao do progresso tcnico.

Somente entre a dcada de 1960-1970, quando Schultz, publicou os textos que formalizaram a "Teoria do Capital Humano", o entendimento de que a educao seria comparvel a um investimento produtivo tomou corpo na rea econmica, a ponto de criar um campo especfico de pesquisa e de reflexo - a Economia da Educao - e estimular as empresas a fomentarem os setores de treinamento investindo mais no desenvolvimento dos seus empregados.

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nosso interesse, evidenciar que a partir da Teoria do Capital Humano, iniciada na dcada de 60, as empresas comearam a dar mais nfase aos conhecimentos do trabalhador e produtividade da educao e, conseqentemente, passaram a investir de maneira mais sistemtica em sua educao no ambiente de trabalho. Partindo da idia de capital humano proposta por Schultz, vrios autores, dedicam-se ao estudo deste novo meio de produo, que recebe inmeras denominaes, tais como "capital intelectual" (Stewart, 1997; Edvinsson e Malone, 1997), "capital intangvel", "nova riqueza das organizaes" (Sveiby, 1997); "novo fator de produo" ou "inteligncia empresarial" (Cavalcanti et al, 2001) o que nos mostra que o saber do trabalhador est em evidncia, nos meios empresariais, no momento atual.

1.3

Gesto do Conhecimento

Tambm em funo de mudanas no gerenciamento do trabalho, agora sob os nomes de "Gesto por Competncias (Dutra, 2001), "Gesto do Conhecimento" (Sveiby, 1997; Stewart, 1997) ou "Gesto do Capital Intelectual" (Edvinsson e Malone, 1998) para assegurar a capacitao do trabalhador e a conseqente vantagem competitiva, as empresas investem no capital intelectual que corresponde soma do conhecimento de todos os seus empregados. Neste contexto, constituem parte do contedo intelectual ativos como conhecimento, treinamento, redes eletrnicas, cooperao, aprendizado compartilhado, informao e a experincia. Nas empresas com tecnologia de ponta e que investem na formao do trabalhador, a educao e o treinamento so a base de sustentao dos programas

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de organizao do trabalho e de gesto de pessoas quanto ao desenvolvimento de competncias, politecnia, polivalncia, flexibilizao e qualidade total. Corroborando as assertivas de Drucker (1997), que considera o conhecimento como principal fator de produo, Stewart (1997) afirma que o capital intelectual constitudo por conhecimento, informao, propriedade intelectual e experincia e deve ser utilizado para gerar riqueza. Considera, ainda, nessa nova era, a riqueza como produto do conhecimento e, os ativos capitais necessrios para a lucratividade, no mais o trabalho fsico, tampouco as ferramentas mecnicas e fbricas: ao contrrio so os ativos baseados no conhecimento. Stewart chama a ateno para as empresas seguidoras das tendncias de investimentos e gesto do conhecimento ou do capital intelectual, as chamadas "empresas voltadas para o aprendizado" 7, um termo da moda, designando uma cultura empresarial que celebra a melhoria contnua. Stewart (1997), Sveiby (1997), e Edvinsson (1998) foram os pioneiros na discusso sobre a gesto do conhecimento e consideram que o valor de empresas investidoras, intensivamente, em conhecimento deixou de estar relacionado aos bens tangveis, como prdios e mquinas, passando a ser cotado, principalmente, a partir dos ativos intangveis. Sveiby (1997) prope um modelo de gesto para empresas formado por trs componentes: estrutura interna - patentes, conceitos e modelos administrativos e informatizados; 7

estrutura externa - a cultura da organizao;

Mais frente, neste trabalho, trataremos da "empresa voltada para o aprendizado", tambm chamada de "organizao qualificante" ou "learning organization" (Fleury, 2001; Garvin, 1993; Senge, 1993; Zarifian, 2001).

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competncia - a capacidade individual de atuao, tais como as habilidades individuais, a educao formal, a experincia e os valores do trabalhador.

Em seu tratado, Sveiby (1997) detalha como utilizar e avaliar de forma eficaz esses ativos intangveis, como monitor-los para alcanar o sucesso financeiro e conclui que a principal atividade nas organizaes do conhecimento a transferncia do conhecimento ou transferncia de competncia - processo pelo qual o indivduo aprende atravs de palestras (aulas convencionais, palestras e treinamentos tericos) e pela experincia (a prtica). O modelo de Stewart (1997) semelhante ao de Sveiby. Sua anlise procura realar a importncia do capital intelectual da empresa. Para ele o capital intelectual pode ser dividido em trs componentes bsicos: capital estrutural; capital de clientes; capital humano.

Cada um destes "capitais" guarda relao com o modelo de Sveiby. A noo de capital estrutural e de capital humano de Stewartt bastante semelhante de estrutura interna e competncia em Sveiby. Edvinsson e Malone (1998), da mesma forma, dividem o capital intelectual da empresa em trs componentes: capital organizacional; capital de clientes; capital humano.

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Tambm, neste modelo, cada um tem relao direta com os modelos apresentados por Stewart e Sveiby. O capital organizacional para Edvinsson tem significado semelhante ao de capital interno de Sveiby e de capital estrutural de Stewart. Todos os trs modelos traduzem um esforo intelectual indito no tratamento, de forma sistematizada, da questo da gesto de empresas na Sociedade do Conhecimento. Cavalcanti et al (2001), do Centro de Referncia em Inteligncia Empresarial CRIE, da Coordenao dos Programas de Ps-Graduao em Engenharia da Universidade Federal do Rio de Janeiro - COPPE/UFRJ, amparados nas idias de Stewart, Sveiby e Edvinsson, preocupam-se com o gerenciamento do conhecimento dentro das empresas brasileiras, enfocando que a produtividade do conhecimento deve ser a preocupao central dos administradores do sculo XXI. Denominam "Inteligncia Empresarial" a sinergia existente entre

conhecimento, inovao e empreendedorismo, sendo o conhecimento a base desse modelo e a mola propulsora da nova economia. Apresentam um modelo de gesto denominado "Capitais do Conhecimento", fruto de sua reflexo terica e de observao prtica de uma empresa estudada. Neste contexto, o "capital do conhecimento" composto por quatro capitais: capital ambiental - conjunto de fatores que descrevem o ambiente onde a organizao est inserida; capital estrutural - conjunto de sistemas administrativos, conceitos, modelos, rotinas, marcas, patentes e programas de computador; capital intelectual - refere-se tanto capacidade, habilidade, quanto ao conhecimento formal das pessoas que integram uma organizao.

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capital de relacionamento - composto pelos clientes, fornecedores e parceiros das organizaes, tais como empresas contratadas e

terceirizadas e prestadores de servio em geral. Tambm no Brasil, Terra (2001) apresenta a Gesto do Conhecimento como um grande desafio empresarial e faz uma abordagem do tema baseada no aprendizado e na criatividade. O autor defende a tese de que o papel fundamental dos gestores o de criar condies para os indivduos exercerem todo o seu potencial criativo e de contribuio para os fluxos e estoques de conhecimento das empresas. E as "empresas criadoras de conhecimento" so aquelas que criam novos conhecimentos e, aps dissemin-los pela organizao inteira, os incorporam a novas tecnologias e produtos, tudo isto a partir de uma espiral de gerao de conhecimento que comea no indivduo, continua no grupo, passa por toda a organizao e, por fim, por todo o ambiente externo que tem interface com a empresa. Aps estudar mais de 600 empresas no Brasil, Terra (2001) apresenta o seu modelo que contempla as sete dimenses da Gesto do Conhecimento: O comprometimento da alta administrao e a estratgia empresarial; Culturas e valores organizacionais; Estrutura organizacional; Administrao de Recursos Humanos; Sistemas de informao. Mensurao de resultados; Aprendizado com o ambiente e clientes.

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Ressalta, o autor, que a tendncia mais importante, decorrente da Gesto do Conhecimento a acelerada necessidade de aprendizado durante toda a vida e, enfatiza ser, a nica sada para as empresas, a criao de uma cultura de aprendizado constante. Para todos estes autores o desafio das empresas conseguir atrair, reunir e manter o capital intelectual. As competncias necessrias ao trabalhador, e requeridas pelas organizaes, podem ser desenvolvidas dentro da prpria empresa atravs de diversos programas de capacitao, verdadeiras oficinas do capital intelectual, dentre outras iniciativas que fomentem o aprendizado e a gerao de conhecimento. Para Fleury, M. T. L. (2001) o conhecimento um recurso gerenciado em prol da melhoria da performance da empresa, que, por sua vez, descobre as formas pelas quais o processo de aprendizagem organizacional pode ser estimulado, bem como investiga a maneira pela qual o conhecimento pode ser administrado para atender s necessidades estratgicas da organizao. Para garantir a eficcia do investimento no capital humano ou intelectual, as organizaes passam a adotar estratgias que viabilizem a absoro de alguns conhecimentos tcitos dos trabalhadores, em detrimento de outros, assim como polticas e programas internos, treinamentos e mudanas organizacionais num complexo sistema de gesto do conhecimento para incentivar a educao continuada, o aperfeioamento permanente e o desenvolvimento de competncias do trabalhador, ainda que tais programas no sejam estendidos a todos. A idia de encampar o paradigma de educao, por toda a vida, tem feito diversas empresas mobilizar todos os recursos disponveis, tais como universidades corporativas ou centros de treinamentos internos, treinamento presencial e virtual,

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treinamentos programados por universidades ou escolas profissionalizantes, cursos fechados realizados internamente, redes de informao, comunidades de prtica, participao em cursos externos, seminrios e congressos, Crculos de Controle de Qualidade - CCQ, dentre outros programas.

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2. A EMPRESA COMO ESPAO EDUCATIVOO mundo do trabalho, atualmente, tem exigido do trabalhador, cada vez mais, o devido aprimoramento e, apesar das aes do Estado e das escolas pblicas e privadas especializadas em formao profissional, inmeras empresas tm na falta de mo-de-obra qualificada um dos principais obstculos para crescer. Mais uma vez, a superao das dificuldades da qualificao profissional remetida para o terreno educacional. A baixa produtividade, a qualificao no adequada aos novos processos de trabalho e a falta de competncia, no discurso freqente nos meios empresariais, deve-se, principalmente, falncia do sistema escolar, que no consegue acompanhar o ritmo dos avanos tecnolgico-organizacionais das empresas e culturais da sociedade, no prepara adequadamente o trabalhador para a vida profissional e no suficientemente capaz de lev-lo a desenvolver as competncias necessrias para insero e permanncia no novo modelo produtivo, principalmente no Brasil, face nova estrutura da educao profissional. Para Paiva (2001), com a crescente automatizao, o trabalhador foi deslocado para as tarefas de direo e vigilncia, demandando uma necessidade de reciclagem peridica em funo do constante desenvolvimento tecnolgico. Para a autora, o sistema educacional no capaz de suprir o mercado de trabalho com mo-de-obra adequada s exigncias empresariais do momento, o que conduziria constatao de que o sistema tradicional de ensino no seria capaz de, sozinho, realizar toda a educao, determinando a necessidade de se pensar numa proposta mais ampla, a da educao permanente.

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Em seus estudos sobre o tema, Paiva (2001) afirma ser vantajoso e mais fcil para as empresas, para resolver suas deficincias de treinamento de mo-de-obra, preparar os seus funcionrios para o trabalho do que esperar por uma reforma educacional. Nesse sentido, a autora aponta a educao permanente no interior das empresas como um instrumento voltado apenas para a manuteno do exrcito de trabalhadores preparados, exclusivamente, para atender s suas necessidades. Nos modelos de Gesto de Pessoas por Competncias e Gesto do Conhecimento, a partir da necessidade de atrair, reunir e desenvolver o seu principal fator de produo - o conhecimento, as empresas esto se tornando espaos educacionais, trabalhando como parceiras das escolas na promoo da educao do trabalhador. indiscutvel a importncia da educao escolarizada na qualificao e instrumentalizao do trabalhador para inserir-se e manter-se num mercado de trabalho, flexvel, com grandes inovaes tcnicas e mudanas na organizao do trabalho e da produo, e no se pode minimizar a necessidade do enfrentamento dos graves problemas da educao escolar. Porm, diante das condies atuais de rpido e progressivo avano tecnolgico, nem sempre acompanhado pelas escolas, igualmente necessrio reconhecer a dimenso educativa do trabalho, ressaltando-se, tambm, o papel da empresa no processo formativo do trabalhador e sua importncia enquanto espaos alternativos de formao profissional. Independentemente da concepo poltico-ideolgica dos proprietrios ou dos gestores dos meios de produo, sempre haver nas empresas um processo de educao implcito ou explcito. Tanto no referencial taylorista, que embasou as relaes de trabalho e os modos de produo, quanto nos modelos mais recentes,

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as organizaes produtivas constituem-se, tambm, um dos agentes formadores do trabalhador. Conscientes das limitaes deste "modelo" de educao que objetiva a explorao, ainda mais acirrada, do saber do trabalhador, assim como sua contribuio para o desenvolvimento de um exrcito de reserva e seu acesso limitado a poucos - reforando a tese da polarizao das competncias8, diante do crescente nmero de trabalhadores excludos dos sistemas formais de ensino, os programas de capacitao, desenvolvidos pelas empresas tm sido alternativas importantes para o trabalhador adquirir formao, qualificao e requalificao profissionais. A retomada da valorizao da subjetividade do trabalhador tambm se relaciona com as recentes redefinies do padro de gesto do trabalho. O imperativo da competitividade, agora em escala internacional, obriga as empresas a aderirem ao modelo japons de trabalho e organizao e a desenvolverem estratgias visando qualidade total. Nos programas de Controle da Qualidade Total (do ingls, TQC - Total Quality Control) amplamente adotados nas empresas, a educao e treinamento so palavras de ordem. Na verso do TQC para adoo nas empresas no Brasil, Campos (1990), para melhor evidenciar esta necessidade criou o "Declogo da Educao e Treinamento", pois, segundo o mesmo autor,(...) educao e treinamento so as base de sustentao do TQC e da manuteno da continuidade do processo de melhorias. (Campos, 1990:123)

Para tanto, torna-se necessrio conquistar o comprometimento dos trabalhadores no processo produtivo, especialmente quando se trata da operao deSegundo Kenzer (1998) e Hirata (2002), a tese da polarizao das competncias se d por meio da oferta de oportunidades de slida educao cientfico-tecnolgica para um nmero cada vez menor de trabalhadores includos, criando estratificao, inclusive entre estes.8

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mquinas e equipamentos sofisticados e caros. A contribuio da mo-de-obra qualificada, at ento subestimada no sistema taylorista-fordista, passou a ser valorizada para atender s novas necessidades das empresas. Polticas especficas de formao passaram a ser adotadas segundo os princpios de seletividade dos trabalhadores. Sobre o TQC, Machado (1994:26) evidencia quemais uma vez, a histria mostra que, mesmo agora com a possibilidade concreta de plena substituio do trabalho humano pela tecnologia, grandes desafios ainda se apresentam nas relaes entre o capital e o trabalho, pois a significao da qualidade e sua interpretao ainda no podem ser feitas pelas mquinas.

A autora faz, tambm, uma dura crtica aos treinamentos desenvolvidos pelo TQC que, geralmente, so de curta durao, voltados para aplicao imediata, compostos de normas, padres bsicos e uniformes a serem assimilados e constituem mecanismos de disciplinamento e de modelamento dos trabalhadores. Neste contexto, nasce a tese da aprendizagem e inovao organizacional (Learning Organization) preconizada por Garvin (1993), Senge (1993), Fleury, M.T. (2001), dentre outros. Esta tese guarda muito em comum com a "organizao qualificante" de Zarifian (2001), em que a formao e qualificao no ambiente de trabalho, alm do empenho do trabalhador, dependem fundamentalmente da natureza da organizao. Considerada como "organizao qualificada", valoriza o "saber" j possudo e incorporado s suas estratgias e, como "organizao qualificante" procura desenvolver um processo permanente de aprendizagem e de desenvolvimento de seus trabalhadores. Arroyo (1997:60) analisa esta transformao do espao de trabalho num lugar educativo em duas dimenses: a primeira, uma vez que as palavras de ordem so produtividade, resultados e qualidade, tambm a qualidade, a capacidade e a

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capacitao de quem trabalha deve ser repensada, pois "a moderna dinmica do trabalho exige que haja uma permanente requalificao e que se faa do trabalho um espao educativo." A segunda dimenso, no se refere apenas s exigncias de modernizao das empresas, que trazem a necessidade de redefinir os espaos e relaes de trabalho como espaos educativos e formadores, mas tambm a nova conscincia do trabalhador acerca de seu direitos. Arroyo (1997:61-62) afirma quedurante mais de um sculo, o conjunto de lutas da classe trabalhadora levou conscientizao de que o trabalhador no tem que se aperfeioar s para produzir mais, ou para rebaixar custos e ser mais eficiente, mas, sobretudo, porque gente, ser humano, e como tal tem direito qualificao.

Desta forma, o autor alerta para a dimenso de se fazer do espao de trabalho um espao requalificador, como uma exigncia de modernizao dos processos de trabalho e, tambm, no podendo deixar de se ter sensibilidade com um dado histrico central: o trabalhador tem tomado conscincia de que sujeito de direitos. Diante dessa realidade a concepo de qualificao no s recai na qualificao do trabalhador para o trabalho como tambm na qualificao do trabalho para o trabalhador, enriquecimento de tarefas e eliminao de tarefas desqualificantes, pois "no adiantar tentar qualificar algum para tarefas desqualificantes" (Arroyo, 1997:63). Neste contexto de transformao dos locais de trabalho em espaos educativos importante, tambm, ressaltar a iniciativa do Ministrio da Educao MEC - ao lanar o Programa Escola de Fbrica, que objetiva a formao profissional de jovens de baixa renda, de 15 a 17 anos, nas prprias empresas:

42 a meta abrir 500 escolas no interior de fbricas, empresas e unidades produtivas de todo o Pas e formar 10 mil alunos em 2005, assegurandolhes uma base slida para se inserir no mundo do trabalho. (Informativo MEC, 2004:15)

Para este trabalho, as organizaes que se inscreverem e forem selecionadas recebero recursos do MEC para operar o programa e sero responsveis pela infra-estrutura e cesso de tcnicos e funcionrios voluntrios, para atuarem como instrutores, alm dos custos da implantao das unidades formadoras. Elas devem assegurar alimentao, uniforme, transporte e assistncia mdica e o MEC vai financiar bolsa-auxlio de meio salrio mnimo aos alunos durante seis meses nos dois primeiros anos. A responsabilidade pela avaliao e certificao dos alunos tambm ser das prprias empresas que recebero apoio pedaggico do MEC, a durao dos cursos ser de um ano e os currculos, alm da formao tcnica, devero contemplar contedos que estimulem os jovens a adotar novos hbitos e atitudes de convivncia e cidadania, trabalhando temas como insero social, direitos e deveres dos cidados, comunicao interpessoal, meio ambiente e sade coletiva. O compromisso das empresas, ser de absorver parte destes jovens, aps formados e ajudar os demais a entrar no mercado de trabalho. Com o lema "Escola de Fbrica: uma sala de aula em cada empresa para formar jovens profissionais", o MEC corrobora a afirmao de que as empresas, cada vez mais, esto se tornando espaos educacionais alternativos para a educao do trabalhador. O objetivo deste captulo, a partir dos temas abordados, compreender que, naquelas empresas voltadas para novas formas de organizao e gesto de pessoas que buscam o desenvolvimento integral dos seus profissionais, cada local de trabalho transformado num espao para a educao do trabalhador.

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Neste sentido, embora no seja este o seu objetivo principal, o processo educativo, nestas inmeras organizaes, torna-se uma atividade intencional e organizada, com altos investimentos, demandando educadores para sua

operacionalizao e no qual revela o tipo de trabalhador a se formar para um determinado tipo de sociedade, hoje, altamente tecnologizada.

2.1

Gesto de Pessoas por Competncias

As mudanas crescentes no mundo do trabalho e nas organizaes vm trazendo, nos ltimos anos, uma necessidade de mudanas sistemticas nas polticas, nas prticas e nos processos de gerir as pessoas. Dutra (2001) ressalta que novos conceitos e prticas renovadas, para se compreender o elemento humano e desenvolver a educao corporativa, so inseridos para eliminar o descompasso existente entre as formas tradicionais de gesto e as necessidades das empresas modernas e das pessoas. Aquele modelo de administrao tradicional de RH, o qual no diferencia o "recurso" humano dos demais fatores geridos pela organizao e que tem a funo definida como uma simples extenso das demais funes administrativas para o mbito das relaes humanas, objetivando previsibilidade e controle, no mais atende aos interesses e necessidades apresentadas pela Sociedade do

Conhecimento. Para Fischer (2001) o modelo emergente em substituio antiga "Gesto de Recursos Humanos": o "Modelo de Gesto de Pessoas", mais do que um modismo, refere-se a uma reconstruo conceitual diante do conjunto de mudanas ocorridos no universo de Recursos Humanos, nos ltimos tempos.

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O autor denomina como "Modelo de Gesto de Pessoas" ou "Modelo Competitivo de Gesto de Pessoas", o conjunto organizado de polticas, prticas e processo de gesto caracterstico da empresa que funciona nesta era de competitividade. Dutra (2001) complementa as principais mudanas ocorridas ao longo dos ltimos vinte anos: alterao no perfil das pessoas exigido pelas empresas: ao perfil obediente e disciplinado prefere-se um perfil autnomo e empreendedor. Assim, gerou-se a necessidade de uma cultura organizacional que estimulasse e apoiasse a iniciativa individual, a criatividade e a busca pelo aprendizado contnuo; deslocamento do foco da gesto de pessoas por meio do controle para o foco por meio do desenvolvimento: a mudana do sistema de gesto de pessoas inspiradas no paradigma taylorista-fordista - que preconizava o controle das pessoas - para a idia de desenvolvimento mtuo; maior participao das pessoas no sucesso do negcio ou da empresa: o reconhecimento de que as pessoas so depositrias do patrimnio intelectual da empresa, bem como da capacidade e da agilidade de resposta da organizao aos estmulos do ambiente e, ainda da capacidade de visualizao e explorao de oportunidades de negcios. Para Chiavenato (1999), em algumas organizaes tem-se agora a administrao de pessoas, numa abordagem visando a personalizao e a compreenso das pessoas como seres humanos e dotados de habilidades e capacidades intelectuais.

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Para este autor, a tendncia hoje verificada est voltada para muito mais alm: administrao com as pessoas, significando que a organizao tem uma nova viso das pessoas agora no mais como um recurso organizacional, um objeto servil ou mero sujeito passivo do processo, mas fundamentalmente, como um sujeito ativo e provocador das decises, empreendedor das aes e criador da inovao dentro das organizaes. Mais do que isso, um agente proativo dotado de viso prpria e, sobretudo, de inteligncia. Em Chiavenato (1999), a Gesto de Pessoas se baseia em trs aspectos fundamentais, sendo, as pessoas tratadas como: seres humanos e no como meros recursos da organizao; ativadores inteligentes de recursos organizacionais; parceiros da organizao.

Diante destes modelos de gesto de pessoas, que trazem em sua essncia a super valorizao das qualidades do trabalhador os quais vo alm de sua fora fsica, Dutra (2001) apresenta uma nova forma de gerir os processos de admisso, demisso, promoo, aumento salarial, plano de carreiras, dentre outros, denominado "Modelo de Gesto por Competncias". Em sua proposta de Gesto de Pessoas por Competncias, Dutra (2001) cita a "entrega, complexidade e espao ocupacional" como os trs conceitos bsicos que podero tornar mais ntida a realidade empresarial e gerar ferramentas de gesto adequadas. Segundo este autor, no momento em que se verificou a falncia dos cargos como elementos diferenciadores, tornou-se necessrio dispor de um elemento de

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diferenciao

para

incorporar

a

complexidade

das

novas

atribuies

e

responsabilidades. Assim, agregada qualificao formal recebida nas escolas e personificada nos diplomas, o autor prope uma escala de mensurao da complexidade das qualidades do trabalhador, resumida no conjunto de conhecimentos, habilidades e atitudes necessrios para o desenvolvimento de suas atribuies e

responsabilidades e no nvel do que eles utilizam ou entregam seus talentos para as organizaes. No entanto, apesar do "Modelo de Gesto de Pessoas por Competncias" proposto por Dutra (2001), j ser realidade em diversas empresas, no encontramos, na literatura estudada, um consenso sobre o significado do termo "competncia".

2.1.1. Sobre o Modelo da Competncia Le Boterf (1994 apud Fleury e Fleury, 2001:17) assegura que "competncia um conceito em construo". Resume a competncia como um saber agir responsvel e reconhecido pelos outros. Implica saber como mobilizar, integrar e transferir os conhecimentos, recursos e habilidades, num contexto profissional determinado, ou, conforme Roche (2004) no novo modelo, o trabalhador "para ser reconhecido competente, no basta apenas possuir saberes, preciso mobilizar qualquer coisa a mais". Corroborando as idias de Le Boterf, Wittorski (2004) revela que a noo de competncia est antes de tudo em via de fabricao, no existindo, na realidade, discurso terico estabilizado permitindo definir de forma precisa seus atributos. Porm, Rop e Tanguy (2002), sugerem problematizar a noo de competncia ao invs de admiti-la de imediato em substituio noo de

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qualificao. Uma vez o deslocamento semntico constatado, importante, na verdade, se perguntar sobre o sentido de uma mudana to rpida nas denominaes a fim de localizar as causas e as conseqncias do abandono, quase unnime, de um termo em proveito de um outro. Esse deslocamento semntico deve ser considerado no como um efeito de moda, mas como o sintoma de profundas transformaes no trabalho. Segundo Tanguy (2002), este movimento observado nas empresas francesas de introduzir novas prticas de codificao do trabalho em termos de competncias, est se verificando em outros pases da Comunidade Europia (Inglaterra, Alemanha, Itlia), no sentido de romper com os modos preexistentes de designao, promoo e de remunerao do trabalho, tais como eram difundidos com o nome de job skills e job evaluation. O uso e a difuso de um modelo centrado em saberes e habilidades possudos pelos trabalhadores iniciado nas grandes empresas multinacionais ou transnacionais, vem sendo acompanhado de um conjunto de operaes e prticas sociais que lhe do forma e objetividade. Os estudos de Rop e Tanguy (2002) indicam que a adoo do termo competncia surge, nas empresas francesas e, posteriormente, o seu uso no campo das cincias cognitivas e da educao. Para Roche (2004), a noo de qualificao aparece com o taylorismo, numa poca em que os procedimentos de fabricao so estabilizados e cientificamente dominados. A noo de competncia, em contrapartida, aparece ao longo da ltima dcada, com as profundas transformaes do aparelho de produo e das polticas de mo-de-obra. Os autores acrescentam que a noo de qualificao est associada a uma viso esttica do mundo do trabalho ao passo que a noo de competncia,

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freqentemente associada a termos como novo, inovao, mudana, mutao, evoluo, est ligada idia de transformao. Dugu (2004), ressalta que a referncia s competncias uma resposta s insuficincias do sistema da qualificao face s novas condies. As numerosas anlises do modelo da competncia tm mostrado como ele responde s transformaes dos sistemas de trabalho: os modos de prescrio evoluindo, recorre-se mobilizao psquica dos trabalhadores e no mais somente aos seus conhecimentos. Alm disso, com a reelaborao permanente dos empregos interditando sua codificao, torna-se necessrio desatrelar a negociao salarial de todo e qualquer vnculo com postos ou saberes preestabelecidos. Stroobants (2002), afirma que o modelo da competncia responde a este duplo problema. As competncias so definidas como "saberes em ao", ou seja, um conjunto de conhecimentos e de maneiras de ser que se combinam harmoniosamente para responder s necessidades de uma dada situao em um dado momento. Enquanto os diplomas validam o saber-fazer, as competncias remetem a uma mistura de saber e de comportamento conferindo um lugar preponderante ao "saber-ser" e ao investimento psicolgico. Enquanto os diplomas so adquiridos de uma vez por todas, dando noo de qualificao uma dimenso estabilizadora, a competncia, por definio "inqualificvel", da ordem do conjuntural e no pode ser considerada um atributo definitivo. Zarifian (2001) assinala que o conceito de competncia procura ir alm do conceito de qualificao, pois, refere-se capacidade de a pessoa assumir iniciativas, ir alm das atividades prescritas, ser capaz de compreender e dominar novas situaes no trabalho, ser responsvel e ser reconhecido por isso. Assim, a

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competncia no se limita, portanto, a um estoque de conhecimentos tericos e empricos detidos pelo indivduo, nem se encontra encapsulado na tarefa. Assumindo a competncia como inteligncia prtica de situaes que se apoiam nos conhecimentos adquiridos e os transformam com quanto mais fora, quanto mais aumenta a complexidade das situaes, Zarifian foca trs mutaes principais no mundo do trabalho, justificando a emergncia do modelo da competncia para gesto de pessoas nas organizaes: A noo de acontecimento: aquilo que ocorre de forma imprevista, no programada, vindo a perturbar o desenrolar normal do sistema de produo, ultrapassando a capacidade rotineira de assegurar sua autoregulao; isso implica que a competncia no pode estar contida nas predefinies da tarefa; o trabalhador precisa estar sempre mobilizando recursos para resolver as novas situaes de trabalho; Comunicao: comunicar implica compreender o outro e a si mesmo; significa entrar em acordo sobre objetivos organizacionais, partilhar normas comuns para a sua gesto; Servios: a noo de servio, de atender a um cliente externo ou interno organizao, precisa ser central e estar presente em todas as atividades; para tanto, a comunicao fundamental. Tambm no Brasil, o "Modelo da Competncia" tem sido pesquisado por diversos autores, como, Deluiz (1994), Leite (1994), Manfredi (1998), Kenzer (1999), Arruda (2000), Fleury & Fleury (2001), Hirata (2002), Paiva (2002), dentre outros.

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Independentemente da forma com que trabalham as noes de competncia, habilidades, capacidades, dentre outras categorias, as diferentes tipologias dos esquemas classificatrios utilizados por todos os autores denotam a polissemia da noo de competncia e a fluidez do modelo que leva seu nome. Para Hirata (2002), a noo de competncia oriunda do discurso empresarial nos ltimos dez anos na Frana, e retomada em seguida, por economistas e socilogos. uma noo, ainda bastante imprecisa, e decorreu da necessidade de avaliar e classificar novos conhecimentos e habilidades gestadas a partir das novas exigncias de situaes concretas de trabalho, associada, portanto, aos novos modelos de produo e gerenciamento, substitutiva da noo de qualificao ancorada nos postos de trabalho e das classificaes profissionais que lhes eram correspondentes. Assim,(...) o trabalho no mais o conjunto de tarefas associadas descritivamente ao cargo, mas torna-se o prolongamento direto da competncia que o indivduo mobiliza em face de uma situao profissional cada vez mais mutvel e complexa. Essa complexidade de situaes torna o imprevisto cada vez mais cotidiano, rotineiro. (Fleury e Fleury, 2001:20)

Sobre o modelo da competncia, Arruda (2000) observa que a elevao do nmero de diplomados cria uma situao em que a certificao deixa de ser um elemento de excelncia no mundo do trabalho para tornar-se acessrio. As organizaes passam a exigir qualificaes a que agreguem valor ao diploma e com aplicabilidade nas situaes de trabalho. O trabalhador deve ser capaz de mobilizar suas qualificaes para gerao de conhecimento na empresa, capacidade esta que se constitui no termmetro de sua competncia e de sua eficincia no mundo do trabalho.

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Os estudos de Manfredi (1998) apontam para uma noo de competncia que apesar de j ser conhecida no mbito das cincias humanas (notadamente no campo das cincias da cognio e da lingstica), desde os anos 70, passa a ser incorporada nos discursos dos empresrios, dos tcnicos dos rgos pblicos que lidam com o trabalho e por alguns cientistas sociais, como se fosse uma decorrncia natural e imanente ao processo de transformao na base material do trabalho. Segundo uma pesquisa realizada, por Leite (1996), em empresas

metalrgicas de So Paulo, o termo competncia empregado de forma generalizada, indistintamente, nos campos educacionais e do trabalho como se fosse portadora de uma conotao universal. No discurso dos empresrios h uma tendncia a defini-la menos como "estoque de conhecimentos/habilidades", mas sobretudo como capacidade de agir, intervir, decidir em situaes nem sempre previstas ou previsveis. O desempenho e a prpria produtividade global passam a depender, em muito, dessa capacidade e agilidade de julgamento e de resoluo de problemas. Deluiz (1994), analisando as exigncias de qualificao profissional no setor tercirio, desenvolve uma tipologia que envolve cinco grandes grupos de competncias, sendo: competncias bsicas e especficas relativas a um grupo especfico de ocupaes; competncias organizacionais e metdicas; competncias comunicativas; competncias sociais; competncias comportamentais.

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Nesta mesma linha de argumentao, os documentos do SEFOR/MTb (1996), referem-se competncia como sendo processual, exigindo, portanto, um processo de educao contnua, para desenvolver um conjunto de habilidades (classificadas de bsicas, especficas e de gesto). Esta tipologia assim definida: habilidades bsicas: podem ser entendidas em uma ampla escala de atributos, que parte de habilidades mais essenciais, como ler, interpretar, calcular, at chegar ao desenvolvimento de funes cognitivas que propiciem o desenvolvimento de raciocnios mais elaborados; habilidades especficas: esto estreitamente relacionadas ao trabalho e dizem respeito aos saberes, saber-fazer e saber-ser exigidas por postos, profisses ou trabalhos em uma ou mais reas correlatas; habilidades de gesto: esto relacionadas s competncias de

autogesto, de empreendimento, de trabalhos em equipes. A noo de competncia aparece assim, associada a verbos como saber agir, mobilizar recursos, integrar saberes mltiplos e complexos, saber aprender, saber engajar-se, assumir responsabilidades, ter viso estratgica, com o objetivo de agregar valor econmico para as organizaes e valor social para o trabalhador (Fleury e Fleury, 2001:21). Paiva (2002:6) relaciona o conceito de "competncia" ao de

"empregabilidade" como sendoum atributo e virtude do indivduo em sua relao com o mundo do trabalho e no oportunidade criada pela estrutura econmico-social". (...) Porm, o lado da empregabilidade que tem recebido nfase aquela que resulta de um diferencial ligado s caractersticas do trabalhador convertendo-se, neste caso, num corolrio dos conhecimentos, habilidades e esforo individual de adequao.

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Kenzer (1999) avalia que no mbito do taylorismo-fordismo, a competncia assume o significado de um saber fazer de natureza psicofsica, antes derivado da experincia do que de atividades intelectuais articuladas ao conhecimento cientfico e formas de fazer. Neste sentido, o conceito de competncia se aproxima do conceito de saber tcito, sntese de conhecimentos esparsos e prticas laborais vividas ao longo de trajetrias que se diferenciam a partir das diferentes oportunidades e subjetividades dos trabalhadores. Estes saberes no se ensinam e no so passveis de explicao, da mesma forma, no so sistematizados e no identificam suas possveis relaes com o conhecimento terico. Porm, para a mesma autora, no contexto das novas formas de organizao e gesto do trabalho, influenciadas pelo toyotismo, o conceito de competncia passa a supor domnio do conhecimento cientfico-tecnolgico e scio-histrico em face da complexificao dos processos de trabalho. Embora a tendncia dos processos mediados pela microeletrnica,

exatamente em face de sua complexidade, suponham uma relao do trabalhador com o conhecimento materializado nas mquinas e equipamentos como "usurio", demandam o desenvolvimento de capacidades cognitivas complexas, em particular as relativas a todas as formas de comunicao, ao domnio de diferentes linguagens e ao desenvolvimento do raciocnio lgico-formal. H, pois, uma dimenso que confere um novo significado ao conceito de competncia a partir das mudanas ocorridas no mundo do trabalho, ao se pretender a incluso: o domnio do conhecimento articulado ao desenvolvimento das capacidades cognitivas complexas, ou seja, das competncias relativas ao domnio terico.

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Estas competncias s podem ser desenvolvidas atravs de relaes sistematizadas com o conhecimento em processos especificamente pedaggicos disponibilizados pela educao escolarizada e/ou pelos programas de formao profissional oferecidos pelas empresas.

2.2

Treinamento, Desenvolvimento e Educao Corporativa

As inmeras e rpidas transformaes do mundo do trabalho, quer sejam devidas s inovaes tecnolgicas, a aberturas de novos mercados, aos lanamentos de novos produtos e servios ou devido competio acirrada entre as empresas, vm trazendo crescentes necessidades de atualizao e requalificao dos trabalhadores. Mquinas mais sofisticadas, mtodos de trabalho diferenciados e grandes exigncias, por parte das empresas, levam o trabalhador necessidade de ampliao de suas aptides profissionais, aquisio de novos conhecimentos tcnicos e ao desenvolvimento de inmeras outras competncias profissionais, at ento pouco exigidas. Muitas vezes, ele o nico responsvel pela busca da qualificao e requalificao e pelo desenvolvimento de suas competncias, sob pena de ser excludo do mercado de trabalho pela sua obsolescncia profissional. Desde os modelos tayloristas-fordistas de organizao e gesto do trabalho, e agora com o modelo japons e a implantao dos programas de qualidade total, para aquelas empresas que se preocupam e investem no desenvolvimento de seus trabalhadores, o treinamento profissional ou training on the job, continua sendo a melhor opo para soluo destes problemas.

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Kenzer (1985) destaca que quando h escassez de mo-de-obra qualificada, as empresas acionam seus sistemas de treinamento, pois dispem de sua prpria pedagogia e educam o trabalhador segundo s suas necessidades. O lado sombrio deste processo, segundo a autora, que os treinamentos consistidos basicamente na promoo do aprendizado de um conjunto de operaes parciais, muitas vezes desconexas, sem que se possibilite a apreenso de uma tarefa em sua totalidade, considerando inclusive a cincia que incorpora, acabam por desqualificar o trabalhador que adquire um conhecimento parcial e fragmentado, ficando a teoria, exclusivamente, para a educao formal escolarizada. Assim, o treinamento profissional, torna-se uma educao profissionalizante(...) sem a discusso de temas mais amplos relativos inovao tecnolgica, produo industrial do pas e abordagem scio-econmica do mundo do trabalho (...). (Laudares, 2000:157).

O que, paradoxalmente, empobrece e dificulta a aquisio das competncias requeridas ao trabalhador pelas empresas, no j citado modelo de gesto por competncias. O ideal que o treinamento proporcionasse ao trabalhador a aquisio de uma cultura geral do trabalho, pressupondo o conhecimento da produo em seu conjunto, da tcnica e das informaes necessrias a adaptao s mudanas tecnolgicas e de atividade, o que segundo Kenzer (1991:72), caracteriza uma educao politcnica. Autores como, Fontes (1977); Chiavenato (1999), Bomfin (2004), dentre outros, sobre o tema "treinamento organizacional", assinalam estar, totalmente ultrapassado, o modelo de educao behaviorista, centrado no adestramento e instrumentalizao para execuo de tarefas preestabelecidas, pois no mais

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atende as necessidades das empresas pelo aumento da produtividade do trabalhador. Eboli (2001) evidencia que a passagem da administrao taylorista-fordista para a gesto flexvel teve um impacto bastante forte no comportamento das organizaes no que tange educao do trabalhador. Como a rgida diviso entre trabalho mental e manual tende a ser eliminada, tarefas fragmentadas e padronizadas do lugar integrao e complexificao, exigindo, em todos os nveis da organizao, trabalhadores com capacidade de pensar e de executar diversas tarefas ao mesmo tempo. Para atender a essa necessidade os objetivos e metodologias do treinamento so alterados. Dentro da viso da organizao taylorista, as reas de Treinamento e Desenvolvimento - T&D, habituaram-se a "entregar cursos" aos trabalhadores, oferecendo programas cujo objetivo principal era desenvolver habilidades

especficas, enfatizando necessidades individuais e sempre dentro de um escopo esttico. Para Fontes (1977), o novo conceito de treinamento coloca o trabalhador no centro de sua ao, pois visa o aumento da produtividade por meio da sua capacitao e integrao ao ambiente de trabalho, proporcionando-lhe maior satisfao e bem-estar social. Chiavenato (1999) tambm traz uma evoluo no conceito de treinamento, no sentido de que os processos de desenvolvimento de pessoas esto intimamente relacionados com a educao, que em outros termos, representa a necessidade de trazer de dentro do ser humano as suas potencialidades interiores. Ou seja, o novo modelo de formao, capacitao, treinamento e desenvolvimento deve assegurar

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ao trabalhador a oportunidade de ser aquilo que pode ser a partir de suas prprias potencialidades, sejam elas inatas ou adquiridas. Tais autores fazem distines entre treinamento, desenvolvimento e educao nas organizaes. Embora os seus mtodos sejam similares para levar aprendizagem, a suas perspectivas de tempo so diferentes. O treinamento orientado para o presente, focalizando a situao atual do trabalhador e buscando melhorar aquelas habilidades e capacidades relacionadas com o desempenho imediato. O desenvolvimento focaliza geralmente as funes a serem executadas futuramente por este trabalhador na organizao e as novas habilidades e capacidades que sero requeridas e, a educao, tem a finalidade de ensinar a pensar, a criticar e a desenvolver a capacidade de aprender. Se a empresa deseja ter trabalhadores com esprito crtico, com senso de valores, criatividade, atuaes sinrgicas, percepes ativas, ento h a necessidade do investimento em educao. Bonfim (2004) conclui que a empresa, hoje, mais do que nunca, est sendo chamada a atuar junto a seus trabalhadores com uma abordagem cada vez mais educativa. Educao para a qualidade, educao e reengenharia, educao para o novo cargo, dentre outros, evidenciam a necessidade de se tratar o trabalhador, como ser humano, numa perspectiva mais educativa, do que meramente adestramento, treinamento e/ou at mesmo desenvolvimento. Exige-se cada vez mais das pessoas uma postura voltada para o autodesenvolvimento e para a aprendizagem contnua, acarretando que as empresas coloquem em prtica sistemas educacionais que privilegiem o desenvolvimento de atitudes, posturas e habilidades, em vez de privilegiar, apenas, o conhecimento tcnico e instrumental (Eboli, 2001).

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Desta forma, Eboli (2001) lana um novo olhar sobre o processo de educao nas empresas, quando o tradicional setor de treinamento e desenvolvimento - T&D9 tende a migrar para a "Educao Corporativa". O contexto do surgimento desse fenmeno tem as seguintes caractersticas: era do conhecimento; organizaes flexveis; rpida obsolescncia do conhecimento; empregabilidade; educao global.

A idia de "Universidade Corporativa - UC" surge do comprometimento da empresa com a educao e o desenvolvimento de seus empregados. Ela atua como um veculo eficaz para o alinhamento e o desenvolvimento dos talentos humanos em relao s estratgias empresariais. No obstante todas as polmicas geradas em torno do nome, Eboli (2001) preocupa-se mais com o conceito implcito na idia do que com o ttulo. Para a autora o importante que a UC um sistema de desenvolvimento de indivduos pautado pela gesto de pessoas por competncias. 10

Abbad e Borges-Andrade (2004) referem-se aos tradicionais centros de Treinamento e Desenvolvimento - T&D, agora renovados, de centros de Treinamento, Desenvolvimento e Educao - TD&E. Um aprofundado estudo sobre as Universidades Corporativas foi feito por Leite (2004) em "A Educao Corporativa na perspectiva da qualificao profissional: as repercusses para as empresas e para os trabalhadores". Dissertao de Mestrado em Tecnologia - CEFET-MG.10

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2.3

A Organizao Japonesa do Trabalho, o Controle da Qualidade Total e a Educao do Trabalhador

A nova configurao da organizao do trabalho que vem sendo delineada, desde os anos 1970, revela a crise do taylorismo-fordismo e sua alterao ou substituio por formas produtivas flexibilizadas e desregulamentadas, denominada como modelo japons, especializao flexvel ou toyotismo. Segundo Ferreira et al (1991), o Modelo Japons, tambm