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Noite de Luar Jane Anderson Um coração adormecido para o amor? Valéria definitivamente não sabe o que é mais perigoso: o fato de levar seu filho pequeno para uma excursão nas montanhas ou o de o guia que vai acompanhá-los ser o homem que faz parte de seu passado e que ela nunca esqueceu. Muito tempo atrás, quando Scott Hunter era um jovem rebelde, faltou-lhe coragem para se aproximar de Valéria Channing. Agora, em meio às montanhas e ravinas do deserto, ele se vê tomado por um desejo de conquistar a garota que lhe escapou no passado. O que começa como uma aventura para um menino tímido torna-se uma experiência excitante para os dois adultos que o acompanham. Pois Valéria e Scott sentirão a intoxicante beleza do deserto derreter o gelo em seus corações...

Sabrina 1335 - Noite de Luar - Jane Anderson

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Noite de LuarJane Anderson

Um coração adormecido para o amor?

Valéria definitivamente não sabe o que é mais perigoso: o fato de levar seu filho pequeno para uma excursão nas montanhas ou o de o guia que vai acompanhá-los ser o homem que faz parte de seu passado e que ela nunca esqueceu.

Muito tempo atrás, quando Scott Hunter era um jovem rebelde, faltou-lhe coragem para se aproximar de Valéria Channing. Agora, em meio às montanhas e ravinas do

deserto, ele se vê tomado por um desejo de conquistar a garota que lhe escapou no passado.

O que começa como uma aventura para um menino tímido torna-se uma experiência excitante para os dois adultos que o acompanham. Pois Valéria e Scott sentirão a intoxicante beleza do deserto derreter o gelo em seus corações...

Título original: Mountain Moonlight

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Disponibilização: VaniaDigitalização: Marina Revisão: MarinaFormatação: Edina

PrólogoAli estava John Mokesh saindo de seu quarto, a pele morena,

encarquilhada, os olhos negros que já não enxergavam quase nada. Claudicando de uma perna, caminhava devagar na direção do hall de entrada do Hudson Heights Convalescem Hospital.

Tinha o sexto sentido aguçado. Sem precisar olhar o grande relógio pendurado na parede do saguão sabia que, dentro em pouco, o ônibus da escola estaria trazendo Davis para se encontrar com a mãe, uma das assistentes sociais que ali trabalhavam. Assim era a rotina dos três, todas as tardes, de segunda a sábado.

Bastava ver John se dirigir para a porta de entrada da clínica de repouso para que Valéria Channing soubesse: eram três e meia.

A amizade que existia entre seu filho de nove anos e o índio idoso, que já beirava os noventa e quatro, não a aborrecia. Preocupava-se, sim, com o fato de Davis não se relacionar com meninos de sua idade.

Lá vinha ele, a mochila nas costas, os óculos grandes demais para o rosto infantil. Todavia, aquele não era seu maior problema. Deplorava ser o mais baixo de todos os colegas de classe. "Até mesmo as meninas são mais altas do que eu", choramingava.

Porém, Valéria vinha notando que o filho já não se queixava com tanta frequência. Por outro lado, retraía-se dia após dia do convívio com ela, preferindo a companhia de John.

Valéria acenou para Davis e foi para sua sala. Afinal, a clínica lhe pagava um salário para que prestasse assistência aos hóspedes, não para resolver seus conflitos familiares.

Era grata a seu patrão por permitir que Davis viesse encontrá-la ali, onde a esperava durante duas horas, até o final do expediente, quando juntos voltavam para casa.

Dado que Mokesh raramente se dirigisse às pessoas que estavam na clínica e Davis se mostrasse bastante ligado a ele nos últimos meses, Valéria se perguntou o que tanto os dois tinham a dizer um ao outro.

No quarto do índio, o menino jogou a mochila em cima da cama antes de tirar a

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jaqueta que o agasalhava do frio nas horas que passava na escola. Paciente, esperou até que o amigo, coxeando, chegasse até ali.

— Acho que teremos neve muito em breve, filho.— Tem razão, Mokesh. A temperatura está subindo muito. No Natal, o

chão estará todo branquinho.Valéria insistia com o filho para que se dirigisse ao índio como Sr.

Mokesh. "É o nome de meus antepassados", opunha-se John. "E eles o honraram. Nenhuma forma de tratamento respeitoso é necessária para lhe infundir dignidade. Por favor, me chame de Mokesh, apenas Mokesh."

Davis puxou uma cadeira e sentou-se ao lado dele.— Está vendo aquele armário? — John apontou para a porta de

madeira. — Lá dentro há um presente para você. Trata-se de algo que pertenceu a meu povo durante muitos e muitos anos. Decidi lhe dar não só porque, como sabe, sou um dos últimos sobreviventes de minha tribo como também, embora não seja um ndee, você tem a mesma correção e bondade de minha gente. Estou certo de que saberá fazer bom uso dele.

John já havia explicado a Davis que ndee era a denominação que seu clã escolhera para si quando rompeu com os apaches, por considerá-los inimigos.

— Quero que saiba que farei tudo o que estiver a meu alcance para honrar a confiança que está depositando em mim, Mokesh.

Se bem conhecia o amigo, de nada adiantaria lhe perguntar que presente era aquele e como deveria usá-lo. John na certa lhe responderia: "Você saberá, quando chegar a hora".

— Jamais pensei que morreria longe de minha terra. Tampouco havia imaginado que um dia os deuses me trariam para Nova York. Porém, hoje eu sei: o plano era que eu conhecesse você.

Davis arregalou os olhos, perplexo. O que seu amigo estava querendo lhe dizer com aquelas palavras?

— Está doente, Mokesh?— Chegou minha hora, Filho.— E como pode saber?— Um ndee sabe quando é o momento de partir. Não fique triste. Não

o abandonarei.— Você é meu amigo. Não quero...— Vou lhe contar a história da Mulher Sonhadora para que saiba como

nós, os ndees, um dia, decidimos adotar esse nome.Davis ia lhe pedir que não partisse. Mas decidiu se calar para ouvi-lo.

Toda vez que John queria ensinar algo ao menino, lhe contava uma história. Muitas vezes o garoto não a compreendia muito bem. De qualquer forma, sempre ficava fascinado com tudo o que o índio lhe dizia. E à noite, deitado na cama, esperando o sono chegar, punha-se a relembrar suas palavras com carinho.

No entanto, naquele momento, nada o convenceria de que era chegada a hora de se preparar para se despedir do companheiro, tão amado. O que seria de sua vida sem ele?

— Desta vez, devo lhe ensinar o que deve fazer para controlar o medo.— Controlar? Vencer o medo, você quer dizer.

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— Como se isso fosse possível! — John sorriu. — O medo é um inimigo insuperável. Jamais poderá derrotá-lo. No entanto, pode aprender a controlá-lo para que ele não o domine. Não deve permitir que se apodere de você.

— Não quero mais ouvir suas histórias. Só lhe peço que fique comigo. Por favor, não me deixe sozinho, Mokesh! — o menino implorou, com lágrimas nos olhos.

— Apenas o sol, a lua e as estrelas permanecem para todo o sempre, Davis. Seu tempo neste mundo está apenas começando. O meu já se esgotou. Tenho de prosseguir meu caminho. No entanto, estarei sempre a seu lado. Nas histórias que lhe narrei.

Capítulo I

Veja aquela placa, mamãe: Apache Junction! Que nome estranho para uma cidade!

— disse Davis, quando Valéria parou o carro em frente à loja de equipamento para camping.

O entusiasmo do filho a recompensava de todas as dificuldades que tivera de enfrentar para poder viajar com ele. Davis insistira muito para que ela o levasse até o Arizona. Era raro o filho lhe pedir algo.

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Valéria relutara em concordar que Davis faltasse alguns dias na escola. Todavia, a professora dele a tranquilizara, dizendo que a convivência com a mãe seria salutar para o garoto.

Além do mais, Valéria tivera de ser bastante habilidosa para convencer seu chefe de que necessitava tirar umas férias no início de janeiro. Escolhera a hora certa para falar com ele. Não tinha condições de sobreviver sem seu emprego, e por isso não podia correr o risco de ser despedida.

Neil, o pai de Davis, se distanciara dele, pois sua segunda mulher acabara de dar à luz um menino. Claro que as despesas com sua nova família aumentaram muito, e Valéria passara a arcar com quase todos os gastos do filho. Talvez Neil estivesse evitando telefonar para seu primogênito por estar constrangido.

Entristecida, Valéria notara que Davis começava a se sentir rejeitado pelo pai.

— Ali está! A Superstition Mountain! — Davis gritou, puxando o braço da mãe.

Valéria olhou para a formação rochosa que, segundo lera em algum lugar, tinha uma natureza vulcânica. Majestosa, a montanha se atirava para o alto, dando a impressão de que, assim, se afastava da realidade para adotar uma filosofia mística e deleitar-se com seu próprio universo fantástico.

Não era a primeira vez que a mãe de Davis a via. Quando adolescente, morara ali na região, em Phoenix.

— Estou tão contente por termos vindo, mamãe! Muito, muito feliz mesmo!

— Não imagina o quanto isso me deixa radiante, meu amor. Davis acreditava que o argumento decisivo para convencer a mãe a trazê-lo ao Arizona fora o mapa que recebera de Mokesh na véspera de seu falecimento. Se Valéria e o filho conseguissem chegar ao local ali assinalado com um X, encontrariam um tesouro e teriam dinheiro suficiente não só para pagar as passagens de avião até o Arizona como também para viver o resto de suas vidas sem que ela precisasse trabalhar.

O menino ainda não tinha idade para perceber que Valéria teria feito qualquer sacrifício apenas para ver seus olhos brilharem de alegria.

Ele a surpreendera quando aceitara a morte do amigo índio com naturalidade.

"Mokesh me disse que tínhamos de nos despedir porque ele deveria continuar seu caminho. Então, deu-me este presente." Assim, Valéria ficara sabendo da existência do mapa do tesouro.

Era a primeira vez, em muito tempo, que seu filho se mostrara interessado em algo. Nem mesmo o jogo eletrônico que ganhara do pai no Natal o deixara tão animado.

— Mamãe, ande, vamos entrar.— Eu estava pensando...Segurando a mão dela, Davis a puxou para dentro da loja.Valéria dirigiu-se à funcionária, uma jovem de pele bronzeada e

cabelos castanhos presos em uma trança comprida até a cintura, e disse a

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ela que pretendia explorar a Superstition Mountain na companhia de seu filho.

— No entanto, é a primeira vez que acampamos. Não tenho a menor idéia de qual equipamento precisaremos levar conosco.

— Não quero parecer desmancha-prazeres, mas não os aconselharia a se aventurar pela montanha sem a orientação de um guia. É muito perigoso.

— Um guia?! — Valéria repetiu. — E onde posso encontrar um?— Temos aqui a lista de nomes dos rapazes que fazem esse trabalho

com os respectivos números de telefone. Todos eles são eficientes naquilo que fazem. Uma de suas funções é orientar os clientes na compra do equipamento. Se quiser, posso mostrá-la a você.

— Deixe-me dar uma olhada na relação, por favor — Valéria pediu.Enquanto escolhia aquele que, eventualmente, lhe sugerisse maior

confiança do que os demais, Davis se animava com os artigos expostos na vitrine.

— Não consigo ver o que está escrito aqui — ela disse à funcionária. — Este nome está riscado... Consegui! Scott Hunter!— Ah, sim... Scott só trabalha quando quer.Valéria tirou papel e caneta da bolsa e tomou nota do número de

telefone do guia.Embora houvesse uma grande probabilidade de Scott Hunter não

aceitar acompanhá-los à montanha, precisava tentar, ao menos, falar com ele. "Será que se lembrará de mim?", perguntou-se.

Valéria se mudara de Phoenix quando tinha apenas dezesseis anos. Naquela época, ainda uma menina retraída, tinha como entretenimento favorito a leitura de um bom livro.

Era grande a possibilidade de que Scott Hunter não se lembrasse dela. No entanto, Valéria jamais o esquecera. Scott fora o rapaz mais bonito da escola, e todas as moças se apaixonaram por ele. Ela inclusive.

No terraço de sua casa, Scott Hunter acariciava Sheba, a gata siamesa deitada em seu colo, enquanto admirava a paisagem que se descortinava a sua frente.

Em Phoenix, o dia amanhecera ensolarado após uma semana de chuva ininterrupta. Desejou que o tempo permanecesse firme até a sexta-feira, quando viajaria para o Caribe.

Um chiado estranho na cozinha fez com que a gata pulasse para o chão e corresse em socorro de seus filhotes, amontoados em uma caixa de madeira.

A maternidade parecia ter feito com que Sheba se tornasse uma gata tensa e intranquila. Diante da menor suspeita de que algo pudesse perturbar o sossego de sua cria, ela se apressava em defender a ninhada.

Scott se perguntou se algum dia, depois que os animaizinhos crescessem, ela voltaria a ser aquela gata maluca, atrevida, que tanto o divertia. Naquele momento, suas responsabilidades eram maiores e não tinha tempo para brincadeiras.

Ele cometera vários erros em sua vida. Porém, jamais pensara em se unir a uma mulher que pretendesse ter uma família.

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O casamento nunca fizera parte de seus planos. A liberdade era seu bem mais precioso. Dentro de poucos dias, estaria explorando as profundezas do mar límpido de St. Amaris, uma ilha deserta no Caribe. Os turistas ainda não a haviam descoberto. Scott odiava multidões.

Sem dúvida, ficaria muito contente se encontrasse uma bela loira que quisesse jantar com ele e lhe fizesse companhia na hora de dormir. Porém, desde o início Scott a faria entender que não se interessava por nenhum compromisso. A cobrança de mulheres desavisadas o irritavam.

Sorriu e fechou os olhos.O telefone tocou, tirando-o de seus devaneios. Ao se lembrar de que

deixara a secretária eletrônica desligada, levantou-se e foi atender.— Hunter falando.— Alô. Scott Hunter?— Sim. Quem é?— Será que ainda se lembra de mim?— Como é que eu vou saber? Após um breve silêncio, ela disse:— Meu nome é Valéria Channing.Surpreso, Scott reteve a respiração por alguns segundos. Valéria

Channing era o último nome que esperava ouvir naquele momento.— Eu... eu me lembro de você, sim.— Hesitei um pouco antes de ligar, pois achei que já havia se

esquecido de mim.— Não, eu não esqueci. Sei quem você é.— Estou aqui em Apache Junction e, por acaso, vi seu nome em uma

relação de guias que acompanham turistas nas montanhas.— Que estranho!-Eu risquei meu nome da lista.— A funcionária da loja de camping me preveniu que não era sempre

que você estava disponível.— Voltou para o Arizona, Valéria?— Não. Meu filho Davis e eu decidimos passear um pouco por aqui."Então, ela se casou..."— Seu marido não veio com vocês?— Eu me divorciei. Pensei que talvez você pudesse me dizer algo sobre

a Superstition Mountain. Davis e eu estamos querendo acampar na montanha, e nenhum de nós dois jamais teve essa experiência.

— Sinto lhe dizer, mas não foi feliz na escolha do local. A Superstition Mountain não é lugar para amadores.

— Já me disseram isso.— E então...— Você não poderia me dar algumas dicas?A persistência de Valéria reafirmou uma outra de sua personalidade

que ele conhecia bem: a teimosia.Scott decidiu tentar convencê-la a desistir da idéia de acampar na

Superstition Mountain. De início, sabia que não seria fácil. Em todo caso, poderia lhe sugerir uma outra área que lhes oferecesse maior segurança.

Admitiu para si mesmo que estava muito curioso de vê-la. A última vez que se encontrara com Valéria fora quinze anos atrás. Desde então, nunca mais soubera dela.

— Você disse que está em Apache Junction?

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— Estamos aqui, sim. Chegamos ontem à tarde.— No centro da cidade há um café chamado Auntie Mame's. Dentro de

uma hora, estarei lá, aguardando vocês.— Até já, então.Scott desligou o aparelho e permaneceu imóvel por alguns segundos.

Valéria Channing. Como não se lembraria dela? Aos dezesseis anos era magra e tinha os cabelos muito claros. Ninguém a achava bonita. No entanto, sempre fora uma garota interessante e jamais passava despercebida ao entrar em um lugar. Seus olhos tinham um tom de azul especial, e o sorriso tímido era encantador.

No Auntie Mame's, Davis sorveu o último gole do milk-shake que Valéria pedira para ele.

— Não entendo por que não vamos logo comprar a tenda, o equipamento e, em seguida, partimos para a montanha. Afinal, já temos o mapa, não temos?

— Já lhe disse que a Superstition Mountain não é igual à Catskills, lá em nossa região. Tenha um pouco de paciência, filho. Scott Hunter já deve estar chegando. Pedi a ele que nos desse uma orientação.

O que ela queria mesmo era que Scott se oferecesse para acompanhá-los, embora ele tivesse riscado seu nome da relação de guias turísticos. Sem dúvida alguma, Valéria lhe pagaria pelo serviço.

— Não é ele, mamãe, aquele moço que acaba de entrar? Valéria olhou na direção da porta e reconheceu o homem alto,

os cabelos pretos, que se aproximava da mesa onde estavam.— Parece-me que sim, filho.Scott chegou perto deles e quis certificar-se:— Valéria?— Sim. E este é meu filho, Davis.— Sou Scott Hunter, e gostaria de saber se posso me sentar ao lado

desse garoto que parece ser tão inteligente.— Claro que pode!—Davis simpatizou de imediato com Scott.— Então, querem ir acampar na Superstition Mountain.— Tenho o mapa do tesouro — Davis se adiantou.— Mapa do tesouro?! E posso saber onde achou essa preciosidade?— E uma longa história, Scott — Valéria explicou. — Davis o herdou de

um apache.— De um ndee — o filho a corrigiu.— Que interessante! Não quer me contar como isso aconteceu, Davis?— O nome dele era Mokesh. E já morreu.— E era um ndee? — Scott se interessou.Valéria notou que os olhos do filho brilharam de alegria.— Sim. Mokesh me disse que os apaches eram inimigos de seu povo.— E... você sabe o que significa "ndee'"?— Não, não sei.A garçonete aproximou-se, trazendo o café que Scott lhe pedira.— Quer dizer "povo sonhador". Conheço bem a história dessa tribo. Sei

como o deus Trovão fez da Superstition Mountain seu lar. E também como o búfalo veio juntar-se a ele.

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Valéria estava admirada da espontaneidade de Davis. Era um menino retraído e só falava com estranhos se ela insistisse muito.

— Mokesh dever ter sido um grande amigo seu, Davis.— Na verdade, foi meu melhor amigo, Scott. E eu era o melhor amigo

dele. Foi por isso que me deu o mapa quando soube que ia morrer.— Se não se importa, gostaria de vê-lo.— Eu vou mostrar. — O garoto abriu o zíper da mochila e de lá retirou

um pedaço de couro, que fora enrolado e guardado em um saco de plástico transparente.

Scott afastou a louça e os talheres de modo a conseguir espaço suficiente para que o mapa pudesse ser aberto no tampo. Toda sua atenção estava voltada para Davis. Nem sequer uma vez se dignou a olhar para Valéria.

Entusiasmado, o menino contou para Scott tudo o que Mokesh lhe contara sobre a Superstition Mountain e o caminho que o conduziria ao tesouro.

—Ele me falou que, quando eu chegasse a este ponto assinalado com um X, encontraria aquilo que meu coração mais desejava. E foi assim que fiquei sabendo que se tratava do mapa de um tesouro.

— Segundo pude entender, Mokesh não se referiu a nenhum tesouro. — Scott o encarou. — O que ele lhe disse foi que encontraria aquilo que seu coração mais desejava.

Davis fez que sim.— E não é a mesma coisa? Mamãe me convenceu a tirar uma fotocópia

do mapa. O couro é muito antigo e poderá um dia começar a se desfazer. Eu lhe darei a cópia.

Após compará-la com o original, Scott aprovou.— Bom trabalho.— Tive muito cuidado em escolher um bom profissional. — Valéria os

observava e, com pesar, não conseguiu se lembrar de um só instante em que o pai de Davis tivesse lhe dado metade da atenção que Scott dispensava ao menino naquele primeiro encontro.

Neil analisava o filho sem cessar, não encontrando nele nenhuma qualidade e culpando Valéria por tudo aquilo que ele considerava um defeito.

— Então, podemos contar com você para nos ajudar a encontrar o tesouro, Scott? Será nosso guia.

— Não sei se poderei acampar com vocês, Davis. Já havia marcado um outro compromisso, quando Valéria me telefonou. — Scott tirou algumas moedas do bolso e, entregando-as a ele, sugeriu: — Tome. Vá se divertir um pouco jogando videogame, enquanto converso com sua mãe.

Davis agradeceu e se afastou.— Como é que você deixa seu filho acreditar nessa história do tesouro,

Valéria? Já pensou na decepção que ele terá quando descobrir que tudo não passa de fantasia? Ou vai me dizer que também acredita nessa lenda?

— Nunca falei para Davis que acreditava na existência de um tesouro na Superstition Mountain. Porém, jamais desmentiria seu melhor amigo, até mesmo porque acho que Mokesh se fiava na legitimidade desse mapa.

— Milhares desses são vendidos por aqui como sendo como autênticos.

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— O que Mokesh deu a Davis é muito antigo.— As técnicas para o envelhecimento de qualquer tipo de material

estão bastante aperfeiçoadas. Alguma vez já se perguntou por que as pessoas que os vendem não procuram elas mesmas esses tais tesouros?

— Sabe de uma coisa, Scott? Você não tem direito de criticar minha maneira de agir com Davis sem estar a par das circunstâncias que me levam a isso.

— Incomoda-se de me dizer o que leva uma mãe a prometer a seu filho algo que jamais se concretizará?

— Não prometi nada a Davis! Apenas quis tirá-lo da apatia em que mergulhou depois que me separei do pai dele. Durante todo esse tempo em que eu e Neil estamos divorciados, John Mokesh foi a única pessoa em quem Davis depositou confiança. A primeira vez que vi meu filho entusiasmado com algo foi quando recebeu o mapa das mãos do velho índio. Ele crê na existência desse tesouro.

— Fale mais baixo. O garoto pode ouvir o que você está dizendo.— Agora, diga-me: quer que eu fale para ele que está enganado, para

em seguida ver meu filho cair doente outra vez? Não, Scott. Jamais farei isso.

— O que pretende fazer?— Acampar com Davis na montanha e deixá-lo se divertir procurando o

tal tesouro. Não o decepcionarei.— Vejo que continua tão cabeça-dura quanto era quando tinha

dezesseis anos.— Farei tudo o que estiver a meu alcance para ver meu filho feliz.— E acha mesmo que isso o ajudará no futuro?— No momento, não tenho condições de pensar a longo prazo. Preciso

resolver os problemas que tenho agora, neste preciso momento. — Valéria logo caiu em si e admitiu que Scott Hunter não tinha nada a ver com suas questões familiares. — Desculpe-me. Não devia tê-lo aborrecido com isso. Fui muito egoísta envolvendo-o em meus conflitos, enquanto sua família deve estar a sua espera em casa.

— Moro sozinho. Não cometi o erro de me deixar enredar nessa história de família.

Valéria não gostava de compartilhar sua intimidade com ninguém. Não costumava se aprofundar em temas que se referiam a seu filho com pessoas estranhas. No entanto, sem que se desse conta, a conversa havia seguido aquele rumo:

— É verdade. Cometi um erro. Porém, não me arrependo, pois agora tenho Davis.

— Gosto dele.— Eu também. — Valéria sorriu.— Sabe, jamais pensei que um dia viesse a reencontrá-la aqui no

Arizona.— Também eu me surpreendi ao ver seu nome na relação dos guias

turísticos de Apache Junction.Enternecidos com o reencontro, quase não perceberam quando Davis

retornou à mesa.— E aí, garotão? Tudo bem?

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— Mais ou menos, Scott. Os jogos eram um pouco monótonos. E você? Já decidiu se vai conosco?

— Primeiro terá de me dizer se sabe montar a cavalo.— Sei, sim. Aprendi no clube de campo, há dois anos.— E você, Valéria? Ela fez que sim.— Nesse caso, já que não consegui dissuadir sua mãe de ousar uma

aventura tão temerária, só me resta acompanhá-los à montanha. Não ficaria tranquilo sabendo que algo de ruim pode lhes acontecer, uma vez que já conheço os riscos. E posso garantir que não são poucos.

Davis vibrou de contentamento.— Podemos ir, então?— Amanhã bem cedo — determinou Scott. — Vocês têm de comprar todo o equipamento e, também eu preciso

tomar algumas providências.Valéria estava atônita. Após criticá-la por concordar que Davis fosse

em busca de um suposto tesouro só porque um índio velhinho lhe dera um mapa indicando o lugar onde ele estava, Scott aceitava acompanhá-los.

— Você nos dirá o que deveremos comprar na loja de camping, não é mesmo?

— Sem dúvida, Valéria. Vamos até lá?— Agora? — Davis animou-se.— Já. — Scott fez um sinal para a garçonete, pedindo para que lhe

trouxesse a conta.Scott supervisionou a aquisição de todos os apetrechos de que

necessitariam para a jornada na montanha e depois se despediu.— Eu os apanharei no hotel amanhã às seis horas para irmos juntos

buscar os cavalos no Brenden's Bronco Corral. Não se atrasem. Em seguida, partiremos para a Superstition Mountain. Vai ser um dia cansativo, por isso durmam cedo hoje.

— Estaremos de pé, Scott.— Combinado, amigão. Até amanhã, Valéria.— Até.

Capítulo II

Valéria dormia profundamente quando Davis se levantou, vestiu-se e saiu da barraca. Assim que montaram acampamento, no dia anterior, os três decidiram dormir, exaustos.

Um ruído metálico a despertou, e seu ombro se ressentiu do movimento brusco que, sobressaltada, ela fez para sentar-se.

— Mamãe, venha tomar café!Valéria se ergueu com cuidado e, abaixando a cabeça, saiu da tenda

de lona.Davis ajudava Scott a preparar o desjejum.— Precisam de algo? — ela se ofereceu.— Não, obrigado. — Scott sorriu.—Em poucos minutos estará tudo

pronto.

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— Troco de roupa em um minuto. Podem esperar por mim?— Não demore — Davis pediu, ansioso.Ela já havia entrado na barraca quando tornou a escutar a voz do filho:— Mamãe?— Sim, Davis.— Scott costuma pôr canela no mingau.Valéria ergueu a sobrancelha. Sem dúvida, Scott havia conquistado o

menino. Ela jamais conseguira fazer com que Davis comesse mingau, por mais que tivesse tentado.

— O café vai esfriar. Apresse-se — Scott a avisou.Enquanto comiam, Davis disse a Scott:— Mamãe me contou que vocês se conheceram quando tinham minha

idade.Scott olhou para Valéria com carinho. Estava feliz por ela ter dito

aquilo para o filho.Davis parecia se divertir com a ideia de que um dia ambos tinham sido

crianças.— E verdade. Eu era um pouquinho mais velho do que você. Porém,

confesso que não tão bem-comportado.— Quantos anos tinha Scott?— Onze.— E minha mãe? Era bonita?— Muito. Usava duas trancinhas, uma de cada lado.— E... tirava boas notas?— Ótimas. — Scott piscou um olho para Valéria. — As melhores da

classe.— Não está sendo sincero, Scott.— Estou brincando com você, Davis. Para ser sincero, não lembro.Valéria se levantou e foi lavar a louça. Em seguida, começou a guardar

os apetrechos que haviam comprado na véspera. Estava preocupada pois dentro de alguns minutos, estariam prosseguindo o caminho. Afinal, teria de conseguir de novo se equilibrar no lombo de Susie Q, o que para ela era uma façanha e tanto, e agora com dores musculares por todo lado.

Scott foi selar os cavalos, e Davis o esperava para desmontarem as barracas.

Com tudo já em seus devidos lugares, Valéria se aproximou de Susie Q. Respirou fundo e decidiu demonstrar autoconfiança.

Seria apenas impressão ou havia mesmo uma certa perplexidade no olhar da égua?

Valéria deu a volta e colocou a mão que segurava a rédea no pescoço de Susie Q. Com a direita, apoiou-se na parte mais alta da sela. Firmou o pé no estribo, impulsionou o corpo e sentou-se em cima do animal.

De longe, com discrição, Scott observava a cena."Ela mentiu para mim. Decerto nunca na vida tinha montado um

cavalo. Mas já aprendeu", ele a felicitou, em silêncio.— É hora, pessoal Vamos embora. Em fila! — Scott liderou-os. Ele e

Davis também montaram e puseram seus animais, Fremont e Nate, para trotar. Valéria os seguiu, sem problemas. Susie Q ergueu a cabeça, orgulhosa do desempenho de sua parceira.

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Uma revoada de pássaros chilreava, saudando o amanhecer.Valéria não tinha do que se queixar. O dia despontava lindo, trazendo

um clima ameno. Scott e Davis estavam bem entrosados, e ela acreditava que suas dores muito em breve desapareceriam.

Scott desmontou para dar água aos cavalos e se alegrou ao constatar que Valéria estava vem mais desen volta. Já no chão, ela sorriu para ele.

Agora poderiam avançar mais rápido. Scott sabia que ela não estava curada de todo. Era impossível que, de um dia para outro, Valéria não sentisse mais dores. No entanto, seu firme propósito de não se deixar abater na certa contribuiria para que se recuperasse mais depressa. Desde menina ela era assim: tenaz, obstinada, nunca se entregava ao desânimo. No entanto, não era muito sociável. Tinha poucos amigos.

— Sabe de uma coisa, meu filho? Um dia ainda serei uma grande amazona.

Davis notou que a mãe queria que Scott ouvisse o que estava dizendo, e também ele compartilhou de sua altivez.

— Susie Q é uma boa professora — ela brincou, olhando para Scott.— Eu também sou. Depende do que você quer aprender — ele disse,

sorrindo.— Scott sabe muitas coisas, mamãe.— Será?— Quer apostar? Diga quanto.— Não tenho o hábito de fazer apostas.— É verdade. — Davis meneou a cabeça. — Mamãe não gosta de

apostar dinheiro, Scott. Lá em casa, nas raras vezes em que apostamos alguma coisa, aquele que perde tem de cumprir uma determinada tarefa.

— Eu não estava me referindo a dinheiro. O que quis dizer foi que posso lhe ensinar coisas que você jamais pensou que pudesse fazer.

— Como saltar de pára-quedas, por exemplo?— Não, Valéria. Aí está uma experiência que nunca tive.— A primeira indicação em meu mapa é o Lagarto — Davis lembrou.— Sei onde fica. Creio que poderemos chegar lá ainda hoje, no fim da

tarde.— Lá onde?— Trata-se de uma formação rochosa cuja configuração se assemelha

à de um lagarto.Davis exultou diante do interesse que Scott demonstrara pelo presente

que Mokesh lhe dera.— Agora que mamãe já sabe montar direito, tenho certeza de que

ainda hoje estaremos bem perto dessa formação rochosa. Podemos seguir Scott?

— Avante, camarada! Hoje acamparemos perto do Lagarto. Valéria estava cansada, e sonhava com a hora de se deitar em

seu saco de dormir. Porém, não deixou que o filho percebesse seu desânimo.

Davis foi o primeiro que avistou a rocha.— Olhem lá! É aquela ali, não é, Scott? Igualzinha a um lagarto.— Eu não falei?

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Valéria não conseguiu ver semelhança alguma com o réptil. Como se adivinhasse seu pensamento, Scott explicou:

— Os tesouros se apresentam de diferentes maneiras para cada pessoa. E muitas vezes elas não os reconhecem logo.

— Será muito fácil reconhecer o meu. Quem não sabe o que é ouro? — Davis expressou sua inocência.

— Lembre-se de que em nenhum momento Mokesh disse que você encontraria ouro, meu amiguinho.

— Certo, Scott. Ele não disse. Porém, devia saber que era ouro, pois o mapa estava com ele. Uma outra possibilidade era que estivesse se referindo a jóias, e não a ouro.

Scott achou graça.

— Discutiremos a respeito mais tarde. Agora, vamos preparar nosso jantar.

Valéria aproximou-se dele, exigindo:— Hoje sou eu quem vai ajudar Scott a fazer a comida, filho. Se quiser,

pode nos dar uma mãozinha.— Eu lavo a louça, está bem assim?— Nesse caso, quem vai dormir cedo dessa vez sou eu. — Valéria deu-lhe um beijo.Instantes depois, os três sentavam-se no chão, cada qual com seu

prato no colo.— O tempo não está muito firme. Poderemos ter chuva, amanhã.— Como sabe? — Valéria indagou. — Há algumas estrelas no céu.— Ele é guia, mamãe. Sabe tudo sobre o tempo.— Não é verdade, Davis. Toda vez que saio para acampar, procuro me

informar sobre a previsão meteorológica para os próximos dias.Para Davis, tudo o que Scott dizia era incontestável. Valéria começava

a ficar enciumada.Lembrou-se de Mokesh. O índio também tivera a amizade de seu filho.

Porém, o relacionamento de Davis com ele era diferente. O menino via em Mokesh um pai, talvez um avô.

Scott era uma companheiro, jovem, espontâneo, original. E Davis se sentia feliz perto dele. Confiava em Scott.

No entanto, Valéria tinha de reconhecer que em nenhum momento Scott disputara o garoto com ela.

— A chuva não oferece perigo algum. Apenas torna tudo mais complicado. Porém, nenhum de nós derreterá por causa dela, pois não somos feitos de açúcar. Tampouco os cavalos. Se quisermos, poderemos continuar nosso,caminho, sem complicações.

— Os cavalos não se importam, Scott?— Nem um pouco.— Que bom!— O grande problema são os raios.— Caem muitos por aqui quando chove? — Davis quis saber.— Alguns. Há algo muito mais sério que devemos evitar a qualquer

custo: uma tempestade no cume da montanha. — Scott fez uma pausa

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antes de continuar a falar: — E, embora estejamos ainda a uma certa distância do topo, seria aconselhável que amanhã procurássemos um abrigo para pernoitarmos.

— Mokesh me disse que, às vezes, os Anciãos tentam expulsar os brancos da Superstition — Davis contou. — Talvez tenham ficado sabendo que eu possuo o mapa do tesouro e estejam enviando uma tempestade para nos fazer ir embora daqui.

— A tempestade é uma força da natureza, meu filho. — Valéria sorriu enternecida para o filho.— Sim, eu sei. Os Anciãos costumam recorrer à natureza para

conseguir aquilo que querem.— Independente de quem sejam esses Anciãos, duvido que a borrasca

tenha alguma coisa a ver com eles — ela impôs seu ponto de vista.— Mokesh me garantiu que eles ainda estão por aqui, guardando a

montanha.Os Anciãos, Scott lembrou. Sua avó costumava falar muito deles. "Se

você acreditar neles como os ndees acreditam...", ela dizia. Ela falecera havia anos, levando consigo uma parte da história de Scott.

— Tem de entender que o mundo de Mokesh era diferente do nosso, meu filho.

— Sim. E aqui é o mundo deles, mamãe, e não o nosso. Talvez não possamos entendê-lo porque conhecemos muito pouco sobre os índios.

— Por favor, vamos parar com essa discussão — Scott pediu. — Amanhã teremos de procurar a segunda indicação do mapa. Quem sabe já não estamos próximos a ela... Talvez possamos identificá-la a distância.

— Eu já sei qual é. A segunda indicação é o Urso.— Espero que não seja um urso de verdade — Valéria brincou,

tentando distrair o filho.— Não se preocupe, não existem ursos na região.— Não tenho medo de lagartos. Mas prefiro que fiquem longe de mim.

Em contrapartida, não sei o que seria capaz de fazer se um animal muito maior do que eu chegasse perto de nós.

— Vou levar um lagarto para casa, mamãe. Será meu bichinho de estimação — Davis a provocou.

— Ele entra e eu saio. Tenho horror a répteis.— Já que não podemos ter um cachorro por causa do estatuto do

prédio e eu não gosto de peixinhos... talvez um lagarto seja a solução.— Que tal um gato? — Scott sugeriu, lembrando-se da ninhada de

Sheba, que, no momento, estavam sob os cuidados de Nick, um amigo seu.— O que acha da idéia, mamãe?— Em princípio, não tenho nada contra.— Ótimo! — Scott exclamou. — Sendo assim, vou lhe dar um filhote de

presente, Davis. Gosta de siameses?— Nunca pude ter um gato quando papai morava conosco. Ele é

alérgico. Mas agora já não há mais um motivo por que eu não possa ter um.— Então aprova a ideia, Valéria?— Contanto que Davis se comprometa a cuidar dele...— Prometo que sim, mamãe. Será meu animal de estimação.

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— Combinado. Quando chegarmos a Phoenix, você irá até minha casa e escolherá aquele de que gostar mais — Scott prometeu. — Isto é, se os Anciãos nos deixarem sair da montanha.

— Sabe, Scott, acho que você é como mamãe: não acredita que eles existem. Deveria ter conhecido Mokesh. Tenho muita saudade dele. — Davis bocejou.

— Hora de dormir, companheiro. Amanhã acordaremos muito cedo.— Boa noite, então. — Davis foi para a barraca, sem relutar.— Seus músculos ainda doem, Valéria?— Já estou bem melhor.— Um linimento lhe fará bem. Ia sugerir isso ontem, mas achei melhor

deixá-la dormir. Gostaria de uma massagem? — Sem esperar a resposta, Scott se levantou e foi buscar o unguento.

— Desculpe-me, mas não creio que seja uma boa ideia.— Pode estar certa de que não lhe fará mal nenhum."Ora, por que não? Afinal, somos amigos, e uma massagem era tudo o

que eu queria na vida, neste momento."— Vou vestir o camisão que você me emprestou ontem — ela acabou

por aquiescer.Quando Scott a viu deitada de bruços, respirou fundo antes de deslizar

suas mãos por suas costas. Comprazia-se em comprimir a carne macia, quase se esquecendo de sua função terapêutica.

— Acho melhor pararmos — Valéria o deteve, receosa de não conseguir controlar sua ânsia de entregar-se.

— Tem razão.Quando se recolheu à barraca, Valéria não demorou a adormecer.

Ainda podia sentir as mãos de Scott, macias e suaves em sua pele.Lembrou-se dos tempos de colégio, os sonhos ingênuos, os desejos

contidos, o pudor escravizante. Um beijo dele, apenas, a teria feito exultar.Que audácia! Jamais pensara em lhe pedir tanto! Se naqueles dias

Scott houvesse passado por ela e dito tão-só: "Está muito bonita hoje. Posso lhe oferecer um suco de laranja?", Valéria teria sido tão feliz...

No entanto, sua mãe jamais teria permitido que saísse com ele. Scott era considerado o terror das meninas de boa reputação.

Valéria nunca entendera por que aquele rapaz tão meigo, sempre solitário, era visto por todos os pais como um perigo para suas filhas. Evidente que aquela preocupação deles o tornava ainda mais cobiçado por todas as alunas do colégio.

Quantas noites, antes de dormir, Valéria sonhara que seria ela sua eleita? Contra a vontade de seus pais, contra tudo e contra todos, um dia Scott Hunter a arrebataria em seus braços, prometendo ser só seu. Para sempre.

Onde andariam todas aquelas pessoas? Onde as teriam levado seus medos, suas ansiedades, suas frustrações, suas expectativas?

Naquele momento, ela e Scott estavam ali, unidos pelo destino e separados pelo medo, talvez, de uma futura decepção. Afinal, não seria a primeira, Valéria ponderou.

Todavia, os olhos dele a intimidavam. Pareciam ter controle sobre seus segredos mais íntimos e poder para desvendá-los.

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A atração que sentia por Scott se intensificava mais e mais. Se ele a desprezasse, não lhe desse nenhuma atenção, estaria poupando-a daquele dilema.

"Sossegue, Valéria, você já não é mais uma adolescente!"Jamais se atiraria nos braços de Scott. A iniciativa de uma aproximação

mais íntima deveria partir dele. Afinal, não fora isso o que aprendera naquele no colégio? Não haviam lhe ensinado que o recato era o maior atrativo de uma mulher? E que a maternidade exigia uma conduta imaculada?

Valéria olhou para Davis, que dormia, a seu lado, alheio a suas angústias. Tinha que ser realista. Os voos e os sonhos eram para as libélulas. Elas sabiam como se equilibrar quando pairavam no ar.

As nuvens começavam a se aglutinar, cobrindo as estrelas. As primeiras rajadas de vento prenunciavam tempestade. Scott olhou a sua volta, à procura de algum sinal que traduzisse a mensagem dos Anciãos.

Indecifrável. Impacientou-se.Seu coração transbordava de ansiedade. Valéria estava ali, a alguns

passos dele.Lembrou-se da menina feia, que, encolhida nos cantos da escola,

parecia temer tudo e todos. Fugia quando algum dos garotos tentava puxar suas trancas para vê-la chorar.

Certo dia, Scott notou que ela havia crescido. E se transformara em uma mocinha encabulada e encantadora.

E os meninos, já rapazes, continuavam a persegui-la. Todavia, Valéria parecia não notá-los. Com os livros no braço, entrava na classe e sempre escolhia uma das carteiras da frente para sentar-se. Não era sociável. Contudo, mostrava-se muito firme na defesa de seus pontos de vista.

Reservada, tinha uma aparência frágil, seu atrativo maior. Sobressaía inclusive às mais belas. Era singular. Única para ele.

Porém, Scott jamais se aproximara. Também era retraído. De longe, de maneira disfarçada, olhava-a passar. E, em sala de aula, costumava sentar-se bem distante de Valéria, com receio de que os colegas percebessem o interesse que tinha por ela.

Scott fitou a barraca. Ao lado de Davis, dormia uma mulher forte. Casara-se com um homem que não a fizera feliz e tivera a coragem de se divorciar dele e educar seu filho sozinha.

O primeiro trovão ribombou na madrugada, e os cavalos relincharam. Em breve, a chuva começaria a cair.

Capítulo III

Cavalgavam fazia algum tempo quando Susie Q, amedrontada com a chuva e com o vento, empacou, sem que Valéria tivesse condições de obrigá-la a continuar a marcha.

— Mais um pouco e estaremos chegando à gruta, onde nos abrigaremos.

— Scott a encorajou.

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— Não sei se conseguirei. Susie se recusa a prosseguir — Valéria queixou-se.

Scott parou Fremont, virou-o para trás e foi na direção dela, disposto a ajudá-la. Tomou-lhe a rédea da mão e puxou a égua. Susie Q continuou com as patas fincadas no chão e agitou a cabeça. Todavia, Scott a forçou a andar.

— Vamos lá, Susie. Coragem! Não pode desistir! — estimulou o animal.Davis seguia um pouco à frente e, preocupado com a mãe, olhou

várias vezes para trás a fim de se assegurar de que estava tudo bem com ela.

— Falta muito, Scott? — Valéria quis saber.— Uns cem metros.— Segure-se na sela e não tenha medo, mamãe. Confie em Scott! —

Davis gritou.— Está tudo bem, meu filho. Não se preocupe.— Estamos quase chegando, Valéria.Quando se aproximaram da gruta, o vento agitava a borrasca que caía

forte, e os trovões precederam o clarão dos raios, apavorando a montaria.Scott segurou Valéria pela cintura e a ajudou a desmontar.— Igual ao que Mokesh dizia: a deusa Tempestade mora nas

montanhas e ninguém pode conter sua ira.Sem demora, Scott, Valéria e Davis fizeram os cavalos entrar no

abrigo, aliviaram-nos do peso e cuidaram deles. Em seguida, armaram as barracas, para evitar contato com animais rastejantes e eventuais morcegos, e estenderam no chão seus sacos de dormir. Assim, protegidos do mau tempo, sentaram-se e puseram-se a conversar.

— Sabem o que Mokesh diria se estivesse aqui? — Davis não esperou que Scott e Valéria respondessem: — "Devemos aproveitar a chuvarada para contar histórias, pois, nessa hora, as cobras se recolhem a suas tocas e não podem ouvi-las".

— E o que têm as cobras a ver com nossas histórias? — Valéria quis saber.

Scott se adiantou:— Se o tempo estiver bom, elas estarão por perto e podem escutar. E

há determinados relatos que as cobras não gostam que os homens façam.Valéria olhou-o, perplexa.— Você sabe tudo, Scott. Foi essa mesmo a explicação que Mokesh me

deu — disse Davis, encantado.— E quem será o primeiro a contar uma história? — Scott olhava para

o menino.— Se quiserem, posso me candidatar.— Ótimo, filho — Valéria aprovou. — Pode começar.— Foi Mokesh quem, certa vez, a contou para mim. Confesso que não a

entendi muito bem.— Não entendeu o que ele disse?— Não compreendi o que Mokesh quis me ensinar daquela vez, mãe.— Vejamos se eu e sua mãe podemos fazê-lo a entendê-la — disse

Scott.

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— Certo. Era uma vez um curandeiro ndee chamado Sombra Mutante, que, tendo achado a algibeira do Grande Espírito, saiu de casa para devolvê-la a ele. No caminho, encontrou um guerreiro desmaiado na neve. Sombra Mutante acendeu uma fogueira e tentou reanimá-lo. Em seguida, lhe deu toda a comida e toda a água que trazia consigo.

O garoto meneou a cabeça, mostrando-se apiedado pelo que aconteceu depois.

— Quando acabou de comer e tomar a água que recebera de Sombra Mutante, o soldado foi embora e desapareceu na nevasca.

O barulho de um trovão assustou Davis. Valéria sorriu diante da reação do filho.

— Tem medo de trovões? — Scott brincou, para desanuviar a tensão.— Acho que... tenho, sim.— E a história, Davis? Continue. — Valéria tentou fazer com que ele se

concentrasse no relato para desviar a atenção da tempestade que estava começando a deixá-lo apavorado.

— Certo. Bem, o soldado se foi e Sombra Mutante entendeu que havia chegado sua hora de partir deste mundo. No entanto, teria ainda de cumprir sua última missão: devolver a algibeira.

Quando a entregou, o Grande Espírito lhe retribuiu o favor, dando-lhe o direito de fazer um pedido. "Gostaria que meu povo jamais viesse a sentir fome ou frio", ele desejou.

— Davis voltou-se para Scott. — Sabe o que os ndees ganharam?— Sei, sim. Todavia, é você quem deve dizê-lo. É sua vez de fazer a

narrativa.— A dádiva do Grande Espírito para eles foi o búfalo.— Que bonito, filho!—O búfalo foi o grande tesouro que o povo de Sombra Mutante

recebeu do Grande Espírito. Muito maior do que ouro e pedras preciosas.—Acho que sim — Davis concordou. — Mas eu teria preferido que ele

me desse ouro e pedras preciosas.— O búfalo lhes seria mais útil naquela hora — explicou-lhe Scott.— Agora é sua vez, mamãe.-— Não conheço nenhuma lenda, Davis. Creio que não teria nada tão

interessante quanto o que contou.— Deve se lembrar de algo interessante que tenha ocorrido quando

morava ainda aqui no Arizona — Davis sugeriu.— Eu iria adorar. — Scott sorriu.— Bem... Vejamos por onde devo começar. — Valéria pensou e então

começou: — Era o dia da festa das bruxas, Halloween: trinta e um de outubro. E havia uma menina que queria muito ir à festa em casa de uma amiga que morava na mesma rua que ela.

Valéria olhou para o filho, tentando ver se ele já sabia a quem estava se referindo.

— Como naquele momento a família não tinha dinheiro para lhe dar uma roupa com a qual pudesse ir à festa, a mãe da menina resolveu subir até o sótão e apanhar alguns rolos de papel crepom que guardara lá. Com alguns metros poderia fazer uma fantasia para sua filha.

— Que cor era o papel crepom?

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— Era azul, filho.— Você devia estar muito bonita, mamãe. Fica muito bem de azul.Não havia dúvida de que Davis sabia que aquele fato ocorrera com ela.— Recordo-me de que fiquei muito feliz quando me olhei no espelho.

No entanto, quando atravessei a rua para ir à casa de minha amiga, começou a chover. E a água estragou todo meu lindo vestido. Voltei para minha residência, inconformada. Mamãe não sabia o que fazer para me consolar, até que teve uma idéia. Dirigiu-se outra vez ao sótão e trouxe de lá um tecido de cetim preto. Estendeu-o em cima de uma mesa e, com a tesoura, fez nele três buracos: um para o pescoço e os dois outros para os braços. Trançou meus cabelos e, em minha cabeça, colocou um chapéu de cartolina, também preto. Ao ver minha nova fantasia, caí em prantos. Achei que todos os convidados de minha amiga iriam rir de mim quando me vissem vestida daquele jeito. Com dó de mim, meu pai falou: "Acho as bruxas muito mais interessantes do que as fadas e as princesas. Em geral, têm uma personalidade mais original". Parei de chorar e fui para a festa. Ninguém caçoou de mim, e me diverti muito com as brincadeiras que a dona de casa planejara para nós.

— Havia outras meninas fantasiadas de bruxa, mamãe?— Quase todas. — Valéria deu risada.— Então, sua roupa não era original.— A mãe de minha amiga me disse que era a mais bonita. E até hoje

prefiro as bruxas às fadas e às princesas.— Meu avô tinha razão.— Sem dúvida. Até mesmo porque são as bruxas que sabem como

transformar pessoas em sapos.— Enquanto as princesas ficam encarregadas de beijar os sapos para

convertê-los em príncipes — Scott completou.— Muitas vezes não conseguem e levam o maior susto.— Gostei disso, mamãe. E fiquei contente por ter dado tudo certo para

você.— Agora é sua vez, Scott. Vejamos o que tem para nos dizer.— Bem... O que vou lhes dizer aconteceu quando eu estava cursando a

faculdade de direito.— Então, é advogado?— Sei que muita gente não gosta de nós. De qualquer forma, alguém

tem de fazer esse trabalho.— E por que trabalha como guia? — Davis quis entender.— O que gostaria de ser? Um advogado ou um guia?— Um guia — o menino respondeu sem hesitar.— Por isso mesmo escolhi essa profissão. E bem mais interessante.—Diga-nos como chegou a essa conclusão—Valéria pediu-lhe.— Tudo começou por causa de uma gravata. Aqui no Arizona, nenhum

advogado pode entrar no fórum se não estiver usando uma gravata borboleta. A minha era de seda, e eu a deixava no bolso do paletó, de modo que estava sempre à mão quando eu precisava dela.

— Scott deu risada ao se lembrar do acontecido. — Nessa mesma época, minha mãe estava tecendo um tapete com meias de seda femininas, e pedia que as pessoas lhe dessem as que já estavam desfiadas.

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Minha secretária começou a trazer as suas para o escritório a fim de que eu pudesse entregá-las a minha mãe.

Ao fitar Davis, Scott viu que seus olhos estavam arregalados.— Certa ocasião, devido ao trânsito, cheguei atrasado para uma

audiência no fórum. Muito nervoso, tirei minha gravata do bolso e a coloquei em volta do pescoço, embaixo do colarinho. Abri a pasta para verificar se todos os papéis que eu deveria entregar ao juiz estavam ali. E deixei para abotoar a gravata quando entrasse em sua sala. Vocês não podem imaginar a expressão do meritíssimo, que não tinha nenhum senso de humor, quando viu a meia preta de minha secretária pendurada em volta de meu pescoço. Minha secretária tinha colocado a meia no bolso de meu paletó, e o pior de tudo é que não havia me dito nada.

— Só por isso desistiu da carreira de advogado? — Valéria arqueou uma sobrancelha.

— Na verdade, não. Já estava insatisfeito havia algum tempo. Conversaram ainda por algum tempo, quando Davis decidiu ir dormir.

Scott, que até aquele momento fizera muita força para se conter, chegou mais perto de Valéria. Cada vez que olhava para ela sentia uma necessidade tremenda de beijá-la e abraçá-la.

— Valéria... Não sei o que vai pensar disso, mas há algo que eu queria muito lhe pedir. Para ser franco, desde que éramos garotos.

— Oh! Diga, Scott. Nem posso imaginar o que seja.— Posso lhe dar um beijo?— Eu... — Ela não soube o que dizer.Scott aproximou os lábios dos dela, e Valéria se entregou. Ele a

enlaçou pela cintura a puxou para si.Nenhum homem a beijara daquela maneira, com tal ardor. Nem

mesmo Neil, que fora seu marido. Era a primeira vez que um sentimento tão forte tomava conta dela. Naquele momento, Valéria soube o que significava sentir-se feliz ao lado de um homem.

Aconchegada ao peito dele, sentindo o calor de seu corpo, o sabor de seus lábios, ela desejou que a chuva não cessasse jamais.

— Esperei por este beijo durante tantos anos... — Scott murmurou.Valéria não revelou a ele que naquele momento se realizava o grande

sonho de sua vida.

Capítulo IV

Obrigados pela tempestade a ficarem ali, no interior da gruta, dentro de uma barraca, Scott e Valéria permaneceram abraçados por alguns minutos, unidos pelo carinho que tinham um pelo outro.

Durante muitos anos, estudaram no mesmo colégio e, por causa da insegurança própria da juventude, lhes faltara coragem para se aproximar, embora existisse uma atração recíproca.

No entanto, quando adquiriram uma experiência maior quanto aos assuntos do coração, o destino se encarregou de surpreendê-los com um novo encontro.

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Porém, Davis estava ali, ao lado deles. E Valéria se controlou para não se deixar envolver demais pelas carícias de Scott.

O menino ainda não acordara. Deitado em seu saco de dormir, tinha no rosto uma expressão serena. Confiava na mãe. Porém, era evidente que a presença de Scott o deixava mais tranquilo.

— Se estivéssemos sozinhos...— Não! — Valéria o interrompeu. — Prefiro não falar sobre isso agora.— A verdade é que fomos tomados de surpresa. Nenhum de nós

estava preparado para esse reencontro.— Você é tão diferente de Neil...— Em que sentido?— Não faz questão de se mostrar mais forte do que é.— E por que razão eu me sobrecarregaria com bravatas desne-

cessárias, se é isso que você quer dizer?— Muitos homens o fazem apenas para se mostrar para as mulheres.— Desculpe-me, mas acho que essa atitude demonstra uma fraqueza

de caráter.— Concordo.— É óbvio que ele agia assim porque se sentia inseguro em relação a

você.— Pelo que pude entender, você não acha que os homens são

superiores às mulheres.— Posso falar com franqueza, Valéria?— Sim, é claro que pode.— Acho essa questão irritante.— Não tive a intenção de aborrecê-lo, Scott.— O preconceito e a intolerância são, a meu ver, atitudes ul-

trapassadas. Até quando vamos continuar com essa história de que um não gosta do outro porque é mais gordo, sendo que o segundo não gosta do primeiro porque é mais magro, e um terceiro odeia o quarto porque sua pele é muito clara e o quarto não suporta o terceiro porque a dele é mais escura?

E os dois ficam melindrados porque as palavras de um feriram a sensibilidade do outro. As mulheres são frágeis; os homens, mais fortes e sei lá mais o quê? Quer saber? Acho toda essa discussão muito aborrecida.

— Calma, Scott. Não precisa ficar tão bravo. Scott sorriu.— Não estou, bobinha. E, antes que me esqueça, por que a senhora

está tão longe de mim?Feliz, Valéria abraçou-o e se aconchegou a ele.— Assim está bem melhor! Agora, diga-me, o que sentiu quando me

viu entrando no Auntie Mame's, depois de tantos anos em que estivemos longe um do outro?

— Estava ainda muito magoada com o que você me fez naquela noite em que foi a minha casa. Como pôde ter sido tão cruel?

Scott ficou perplexo.— Cruel?! Eu?! Do que está falando?— Não sabe?

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— Lembro-me de que, naquele fim de tarde, ao me ver entrando lá, você ficou estática, como se eu fosse um ser de duas cabeças recém-chegado de um outro planeta.

— Eu sabia por que tinha ido até lá. E me controlei para não começar a chorar.

— Como assim?— Devia se sentir envergonhado do que fez, Scott.— Por acaso você achou que foi um atrevimento eu ter ido a sua casa?— Não se lembra mais do que o levou até lá, não é mesmo?— Juro que não sei do que está falando.— Você foi mesquinho.— De que está me acusando, Valéria? Não sou essa pessoa que está

tentando descrever.— Estou certa de que já havia percebido como eu era tímida e, por

isso, não tinha a coragem de chegar perto de você, como faziam as outras meninas. Algum de seus colegas devia ter lhe dito que meus pais não estariam lá, naquela tarde.

—Ninguém me disse nada. Eu sabia que todas as quintas-feiras eles costumavam se reunir no clube com um grupo de amigos. Fazia muito tempo que eu estava interessado em você. E naquela tarde, tomei coragem e decidi ir vê-la.

— Não está se esquecendo de nada?— Não, não estou. Não tive acesso a essa informação secreta que você

guardou consigo até agora.Valéria o encarou.— Você havia feito uma aposta, Scott.Aquela era a última coisa que ele esperava ouvir naquele momento.— O quê?! Não houve aposta nenhuma!— Por favor, não negue. Ouvi quando dois amigos seus conversavam

sobre isso. Riam muito e diziam que apostaram que você não conseguiria dar um beijo na Virgem de Gelo. Naquela mesma tarde, você foi a minha casa sem jamais ter me dirigido uma só palavra quando estávamos na escola.

— Tem razão, houve mesmo uma aposta... No entanto, o que a faz pensar que a Virgem de Gelo era você?

— E por acaso não era?— Não, minha querida. Você não tinha um apelido. A Virgem de Gelo

era como chamávamos Lori Salter. E, a bem da verdade, todos os meninos deviam estar despeitados, pois ela era a garota mais bonita da turma e não se mostrava interessada por nenhum deles.

— À exceção de Scott Hunter.— Isso mesmo. E ele estava fascinado por uma outra menina. Porém,

não tinha coragem de se aproximar dela por medo de ser rejeitado. — Scott olhou para Valéria com carinho. — E, se isso acontecesse, ele sofreria muito. E, o pior de tudo, teria de enfrentar as piadas dos amigos.

— Você... conseguiu beijar Lori?— Jamais me interessei por ela. Não era meu tipo.— E a aposta?

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— Naquela hora eu concordei em apostar para não ser desmancha-prazeres. Depois esqueci o assunto e, quando Tommy e Rick me cobraram, achei melhor pagar do que me dar ao trabalho de tentar beijá-la.

— Temeu ser rejeitado?— Não. Tive preguiça de ir atrás dela.— Tenho a impressão de que Lori também era muito retraída.— Pergunto-me qual teria sido nosso destino, meu e seu, se você

tivesse permitido que eu a beijasse naquela tarde.— Jamais saberemos.— Você teria me rejeitado?— O que acha?— Acredito que, se seus pais nos tivessem visto juntos, teriam-na

proibido de encontrar-se comigo outra vez. Até hoje não entendo por que os pais das meninas ficavam tão preocupados quando me viam perto delas.

Scott acariciou os lábios de Valéria.— Por que está mordendo o dedo dele, mamãe? — Davis acabara de

abrir os olhos.— Porque eu a provoquei — Scott afirmou, no lugar dela.— Não estou escutando o barulho da chuva! — o menino exclamou

animado.Scott levantou-se e foi até a entrada da gruta.— O temporal acabou e o sol está brilhando!Embora não tivesse ainda escurecido, Scott optou por não seguirem

avante. Pernoitariam ali mesmo, e ele aproveitaria para dar uma boa escovada nos cavalos.

Davis se pôs a juntar lenha para a fogueira. Não gostou quando a mãe tentou alertá-lo:

— Não corra meu filho, pode se machucar."Scott às vezes parece se esquecer de que o menino só tem nove

anos."Quando terminaram as tarefas cotidianas, abriram o mapa no chão

para analisá-lo. Valéria olhou para aquele pedaço de couro e se deu conta de que reencontrara Scott por causa dele. Não tivesse Davis recebido o presente de Mokesh, talvez ela não voltasse a vê-lo nunca mais.

Na ocasião do divórcio, Neil lhe dissera que tomasse cuidado com os homens, pois a maioria deles não era digno da confiança de uma mulher. Para não prejudicar Davis, Valéria decidira nunca mais ter um namorado. Seria mais fácil educar o menino se não se envolvesse afetivamente com ninguém.

Todavia, o reencontro com Scott acontecera sem que esperasse. Além do mais, as circunstâncias a impediam de fugir para longe dele. Teriam de conviver ao menos por mais alguns dias.

Ainda bem que Davis estava ali, lembrando-a, a cada minuto, de que seu primeiro compromisso era com ele.

Valéria estava confusa quando chegou a hora de se recolher. Deitou-se em seu saco de dormir e esperou o sono, que demorou a chegar.

A alguns passos da barraca, Scott olhava as estrelas. Dentro de dois dias, seria lua cheia. Ele sonhou em se deitar-se com Valéria na montanha prateada para fazer amor com ela.

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"Isso jamais irá acontecer, Hunter, conforme-se."Valéria jamais iria aceitar uma relação mais íntima com ele. Mesmo

que seu filho estivesse dormindo, ainda assim a simples presença dele a intimidaria.

Quando retornasse a Phoenix, as chances de aprofundarem um conhecimento recíproco diminuiriam ainda mais. Ela voltaria para Nova York e, talvez, não voltassem nunca mais a se ver.

Scott sorriu, feliz, ao rememorar o ardor com que Valéria retribuíra seus beijos.

Ouvira, certa vez, que a sorte implicava em estar no lugar certo, na hora certa. Pois bem, ele se encontrava em casa quando ela lhe telefonara. Porém, teria sido aquele o momento certo para o reencontro dos dois?

Tinha a convicção de que não queria se casar. Mesmo que estivesse apaixonadíssimo.

E agora? O que pretendia fazer de sua vida?Adormeceu antes que encontrasse uma resposta para seu dilema.Na manhã seguinte, tudo parecia estar dando errado. Logo cedo, Scott

esqueceu o mingau de aveia no fogo, deixando-o queimar. Depois, notou que um dos cavalos mancava, e tirou um cristal de rocha que preso em seu casco.

Valéria insistiu em colocar a sela sobre o lombo de Susie Q e a peça escorregou para a barriga da égua. Scott se ofereceu para fazê-lo, mas foi rechaçado.

— Deixe que eu a ajudo, mamãe — Davis se dispôs. Quando os três cavaleiros estavam prontos para montar, um imenso lagarto correu para perto deles e parou em cima de uma rocha. Davis ficou de cócoras, fascinado com o bicho. Enfim, Valéria o viu.

— Não fique perto dele, Davis! É venenoso e pode mordê-lo. Davis saiu de perto do réptil ao ouvir a ordem da mãe, fechou

uma carranca e montou em Nate. A marcha decorreu em silêncio.Quando pararam, Scott se aproximou de Valéria e, sem que Davis

ouvisse, lhe disse:—Não precisa se preocupar tanto com ele. O garoto já é grande e sabe

o que faz.— Queria que eu deixasse que o lagarto o mordesse?— Eu estava prestando atenção ao que acontecia. Não havia motivo

para você ficar tão aflita.— Davis só tem nove anos, Scott. Ainda é uma criança. Scott deu de

ombros. Afinal, o menino não era seu filho. Tinhaa impressão de que era a primeira vez que Davis se sentia livre. Aos

poucos vinha adquirindo consciência de que não era aquela pessoa imprestável que seu pai o fazia crer que era. Porém, mesmo sem intenção, Valéria estava tentando detê-lo, em vez de encorajá-lo a se tornar independente dela.

Ao meio-dia, pararam para comer. Quando terminaram, e Davis resolveu explorar os arredores, ela exagerou nas recomendações:

— Cuidado para não se ferir nos cactos, filho, e olhe para o chão para ver se não há nenhuma cobra por perto.

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Scott conseguiu manter-se calado e a deixou agir como bem entendesse.

— Quero achar o Urso, mamãe. É a segunda indicação do mapa.— Está bem. Mas não se afaste muito de nós.Valéria jamais iria perceber o quanto era insuportável para uma

criança de nove anos sentir-se vigiado pela mãe sem cessar. Scott bem o sabia. Era justo aquela a razão pela qual muitas crianças se rebelavam contra a família.

— Vamos embora. Devemos chegar ao próximo platô antes que anoiteça.

Davis costumava se recolher muito cedo para a barraca, e Scott poderia ficar conversando com Valéria sob a luz das estrelas. A não ser que ela tomasse a iniciativa, ele se decidira a não beijá-la naquela noite. Iria tentar uma nova tática para procurar fazer com que Valéria não se afastasse dele.

Começou a assobiar uma canção cuja letra dizia que um beijo era apenas um beijo.

Valéria a reconheceu e sentiu que Scott tentava provocá-la. No entanto, o que a deixara irritada de fato fora o atrevimento de Scott em achar que ela permitiria sua intromissão em assuntos que diziam respeito à educação de Davis. O que ele poderia entender sobre crianças se não tinha filhos?

Não suportava ser criticada por superproteger Davis. Se não cuidasse dele, quem o faria em seu lugar?

Quando chegaram ao platô onde pernoitariam, Scott deixou queValéria cuidasse de Susie Q sozinha. Ocupou-se de Fremont, enquanto

Davis se encarregou de Nate.Os dois já haviam terminado de alimentar os animais, e Valéria ainda

não conseguira tirar a sela de Susie Q. Scott a observava de esguelha, com um sorriso maroto nos lábios.

Junto com Davis, ele se pôs a montar as barracas.Valéria se perguntou por que eles estariam rindo tanto. Quis lembrá-

los de que ela era apenas uma principiante. E, como tal, já progredira bastante. Ao menos, não se recusava a aprender tudo o que uma amazona devia saber.

Todavia, calou-se ao lembrar de que fazia muito tempo que Davis não se divertia tanto. E era a Scott que devia toda a felicidade que sentia ao ver seu filho tão alegre e descontraído.

Quando por fim conseguiu soltar a sela do lombo de Susie Q, os dois já haviam começado a preparar o jantar. Eles o faziam com desembaraço. Ela também sabia cozinhar. Entretanto, não sem todo o aparato que costumava utilizar na cozinha de sua casa: um fogão moderno, geladeira, freezer, micro-ondas e uma despensa repleta de mantimentos. As práticas rudimentares não a atraíam. No entanto, teve de admitir que apreciava a boa disposição com que Scott preparava as refeições. E Davis se deixava contagiar pelo entusiasmo dele.

— Muito bem, prestem atenção... — Scott anunciou, quando terminaram de comer. — Quando vierem acampar aqui na região, não se esqueçam de trazer um alicate. As pinças podem não ser resistentes o

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bastante para retirar o espinho de um cacto que venha, por ventura, a entrar em alguma parte do corpo de vocês.

Mais alguns minutos, e Davis foi para a barraca. Valéria o deixou à vontade, pois achou que o menino precisava ficar um pouco a sós.

— Vejo que não sente mais dores no corpo.— Em breve serei uma grande amazona — ela brincou.— E não precisará mais de minhas massagens.— Você é incorrigível, Scott...— Eu diria que sou um romântico.Tivesse ele insistido na ideia, Valéria não teria resistido.— Bem... Acho que vou dormir. Não está com sono, Scott?— Com sono?! Ainda não são nove horas.— Talvez Davis esteja precisando de mim.— Com toda a certeza já adormeceu. Em todo caso, você sabe o que

faz.— Se, alguns anos atrás, eu não o tivesse interpretado mal quando foi

a minha casa, Scott, talvez nós tivéssemos nos tornado bons amigos.— Apenas isso?— Pode imaginar o que minhas colegas teriam pensado ao me verem

na garupa de sua moto?Valéria bem sabia que aquilo jamais teria acontecido. Seus pais não

teriam permitido que saísse com Scott. E menos ainda sentada na garupa da moto dele.

— Você teria ficado com medo?— Muito pelo contrário. Iria me sentir o máximo! Scott se aproximou

dela e tomou sua mão.— Pelo que pude entender, confiava em mim, não é?— Não se faça de desentendido. Sabe que todas as meninas o

consideravam um herói.— Ah se eu tivesse sabido disso naquela época... E agora? O que

represento para você?— Não sei. Não posso negar que tenho um sentimento muito forte por

você. Contudo, ainda não consigo identificá-lo. E não posso lhe dizer o que acontecerá quando eu voltar para casa.

—Já hesitamos uma vez, Valéria. E não acredito que venhamos a ter uma terceira chance.

— Isso não quer dizer que, no futuro, não possamos nos arrepender de haver tentado uma segunda véz.

— E por que nos arrependeríamos?— Talvez, nesse aspecto, os homens sejam muito diferentes das

mulheres. Acho que... não sofrem tanto quando terminam um relacionamento. Veja, por exemplo, meu ex-marido. Neil refez sua vida com outra mulher e parece ter se esquecido até mesmo do próprio filho.

— Não me chamo Neil. E por favor não me compare a ele.— Não o estou comparando a ninguém.Jane Anderson— Está, sim. E não é a primeira vez que o faz.

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— Certo, Scott. Sabe que, nesses casos, a comparação é inevitável. Com um porém: você é muito melhor do que Neil. Até mesmo na maneira carinhosa como se relaciona com Davis.

—Seu filho é um excelente companheiro. Qualquer pessoa teria prazer na companhia dele.

— Scott, acima de tudo você é um ser humano maravilhoso. Jamais esquecerei seu olhar quando falou na ninhada de sua gata. Ajudou-me quando estava sentindo aquelas dores terríveis pelo corpo, passando o linimento e fazendo massagem. E a maneira como trata os cavalos, então! Fala com eles como se fossem seus amigos.

— Eles são meus amigos. Nunca ouviu falar na sensibilidade desses animais?—Scott fitou-a dentro dos olhos. — Ainda assim, tem medo de mim, não é? Teme fazer amor comigo.

—Não posso negar. Não sei o que poderá vir a acontecer depois. Não quero ter uma desilusão.

— Sabe de uma coisa, Valéria? Você foi a mulher mais honesta que conheci. Um pouco atrapalhada, mas sincera como poucas.

Ela riu da franqueza dele.— Gosto de você, Scott. Não vem histórias de amanhãs maravilhosos e

amor eterno. Poucos homens são tão verdadeiros.— Como posso saber o que acontecerá no futuro?— E por isso que tenho receio de fazer amor com você.— Pois eu não temo o amanhã. Ele já me trouxe surpresas muito

agradáveis.— Veja como são as coisas. Vim até aqui à procura de um tesouro que

acho que não existe. E jamais pensei em encontrar você.— O que tem de entender, Valéria é que um tesouro não é

necessariamente algo tangível. E é isso o que já tentei explicar a Davis.— Trata-se de um conceito muito difícil para uma criança entender. Eu

só não gostaria que meu filho ficasse desapontado quando não o encontrar.— Não subestime a sensibilidade de seu filho. Muitas vezes as crianças

compreendem os conceitos abstratos muito melhor do que os adultos. — Scott beijou a testa dela antes de lhe dizer: — Agora, vá dormir. Amanhã acordaremos cedo.

— Obrigada pela compreensão. E durma bem.— Até amanhã. Sonhe comigo.

Capítulo V

Valéria se serviu de café e se pôs a admirar a beleza da paisagem realçada pela tênue luminosidade do amanhecer.

— Bom dia! — Sobressaltou-se ao ouvir a voz de Scott atrás dela.— Que susto você me deu!— Não fiz de propósito. Desculpe-me.— Já tomou café?

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— Há muito tempo. Davis ainda está dormindo? Valéria sentiu as pernas tremerem.

— Ele... não estava com você?— Não. Ainda não o vi, hoje.Sem dizer nenhuma palavra, os dois correram até o lugar onde

estavam os cavalos. Fremont, Nate, Susie Q e os outros dois, que carregavam os mantimentos. Todos ali.

— Scott! — Valéria gritou, apavorada—Davis se perdeu! Meu filho se perdeu. Deve estar correndo perigo! — E começou a chorar. — As cobras, os lagartos... Pode ter resvalado montanha abaixo. Por favor, não fique aí parado! Faça alguma coisa!

—Procure se acalmar. Davis deve ter saído para explorar a área enquanto esperava que acordássemos. Garanto-lhe que não está muito longe. Eu expliquei a ele que se, por acaso, se perdesse, deveria permanecer no mesmo lugar e não se afastar para muito longe.

— Você dormiu aqui fora. Não viu quando Davis saiu da barraca? —perguntou.

— Lamento muito, Valéria, mas não vi.— Davis! Davis!Como resposta, ela ouviu apenas o eco de sua própria voz.— Temos de achá-lo antes que seja muito tarde, Scott. Eu vou por

aqui, e você por lá.— Perdão, mas quem dirá o que vamos fazer sou eu. E você terá de me

obedecer, pelo bem de seu filho. Assim, irá junto comigo. Do contrário, poderá se perder e estará criando um problema a mais. Agora, temos de pensar só em Davis, e a maneira certa de fazer isso é procurarmos por ele juntos.

— Meu filho só tem nove anos... É uma criança!— Mas eu não sou. E sei muito bem o que temos de fazer nessas

circunstâncias. Por favor, tente se acalmar. Nós o encontraremos.— E se eu não puder ver meu filho nunca mais?— Tente dominar sua imaginação. Com certeza Davis se lembrou do

que eu lhe disse e deve estar sentado em algum lugar esperando por nós.— Deve estar muito nervoso.— E você quem está nervosa. Procure se tranquilizar, eu lhe peço.— Se eu tivesse me perdido, não me lembraria de uma só palavra que

você tivesse me dito.— Davis não é você. — Scott se ajoelhou no chão e tirou algo da

mochila. — Agora, vamos.— Por que ele não respondeu quando gritei seu nome? — Valéria se

esforçava para acompanhar Scott, que caminhava a passos largos.— Talvez o som de sua voz não tenha chegado até ele.— A culpa foi sua. E agora? Se ele estiver machucado?— Ninguém é culpado de nada. Davis deve ter aproveitado de que

estávamos dormindo para sair sozinho. Quem sabe até mesmo de propósito?

— O que está querendo dizer com isso?

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— Talvez tenha pensado que era a oportunidade ideal para sair à procura do Urso. As crianças sempre acham tudo muito fácil. Nem deve ter cogitado a hipótese de não saber voltar.

— Deve estar morrendo de medo! Coitadinho! — Valéria choramingou. — Davis! — tornou a gritar.Era fácil para Scott achar que nada de ruim estaria acontecendo ao

menino. Ele não era seu filho.Valéria imaginou Davis horrorizado, andando sem parar, procurando o

retornar ao platô. E se afastando cada vez mais do lugar onde Scott e ela estavam naquele momento...

— Escute! — Scott fez um sinal para que ela se calasse. Em silêncio, escutaram o menino:

— Mamãe! Scott! Estou aqui!— E ele! — Valéria se alegrou.— Davis, sou eu, Scott. Grite de novo para sabermos onde você está.— Estou aqui!— Por ali! Vamos, Valéria.Quando encontraram o menino, ele tinha os olhos vermelhos de tanto

chorar. Estava em pé, encostado em uma rocha. Quando Valéria tentou abraçá-lo, Davis lhe pediu:

— Não toque em mim, mamãe. Por favor. Meu corpo está cheio de espinhos de cactos.

— Meu pobre be... — Antes de terminar o que ia dizer, Valéria se lembrou de que Davis odiava que ela o chamasse de "meu bebê" na frente de estranhos.

— Pobre Davis... — corrigiu-se.O menino fungava, as lágrimas escorrendo pelo rosto, as mãos

imundas.— Ao me dar conta de que não sabia mais onde estava, fiquei tão

apavorado que comecei a correr. Tive a impressão de estar sendo seguido, e olhei para trás. Foi então que caí de encontro a um cacto. E olhem o que me aconteceu.

— Não se lembrou do que Scott lhe disse, meu filho?— Lembrei, sim. Mas só depois que já estava todo machucado.— Já passou Davis. Agora estamos aqui para ajudá-lo. Daremos um

jeito nisso e verá que tudo estará bem. — Scott tirou o alicate do bolso e fez um sinal para que Valéria deitasse o menino em seu colo. — Vamos tirar todos esses espinhos. Do contrário, podem infeccionar os ferimentos.

— Vai doer, não é mesmo?— Não posso enganá-lo, amiguinho. Vai doer, sim. Contudo, não se

acanhe. Pode gritar à vontade. Não há ninguém por perto a não ser eu e sua mãe. E nós o entenderemos.

—No lugar de Davis, eu já teria começado a berrar. No entanto, ele é muito mais valente do que eu.

Quando Scott arrancou o primeiro espinho com o alicate, Davis desatou num choro convulsivo.

Valéria acariciou seus cabelos, controlando-se para não mostrar a ele o quanto estava mortificada.

— Dói muito, Scott! Não sei se vou aguentar.

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— Relaxe os músculos e pense que logo estará livre de tudo isso. Quando terminarmos, iremos à casa de Pauline.

— Quem é ela? — Valéria quis saber.— Uma eremita que vive aqui perto. Não é a única na região. Existem

outras.— E o que Pauline faz? — Davis indagou.— Tem noções elementares e presta socorro não só às que se

machucam e recorrem a ela como também a animais feridos.— Você a conhece?— Já levei muita gente até Pauline.Quando Davis ficou livre dos espinhos, pôde voltar com Scott e Valéria

para o platô onde haviam pernoitado. Em seguida, foram para a casa de Pauline.

Como o menino sofresse muito, Scott achou prudente não deixá-lo montar.

Valéria puxou dois cavalos, e Scott outros dois. Davis subiu a escarpa atrás deles, ao lado do quinto.

Em um dado momento, avistaram uma cabana.— É ali que Pauline vive?— Sim, Valéria, é ali.— Ela é uma ndeel — Davis ficou curioso.— Ninguém sabe dizer ao certo de onde ela veio. No entanto, todos por

aqui a conhecem.— Posso chamá-la apenas de Pauline?— Claro, Davis. É o nome dela, afinal.Já a uma certa distância da casa de Pauline, Scott a chamou com um

grito semelhante ao uivo plangente de um animal ferido. Esperou até que ela aparecesse na minúscula varanda, empunhando uma espingarda.

— É Scott Hunter. Estou aqui com um garoto ferido. Pode nos ajudar?Pauline fez sinal para que entrassem.— Tem certeza de que não há perigo? — assustada, Valéria perguntou,

num sussurro.— Se quisesse que fôssemos embora, ela teria atirado para o alto.

Além do mais, Pauline nunca se recusa a atender uma criança. E uma mulher sensível.

— Confio em seu bom senso, Scott.— Não lhe ofereça dinheiro, pois pode se ofender. Eu lhe direi que lhe

enviaremos mantimentos logo que chegarmos a Apache Junction.— E ela os aceitará?— Não dirá nem que sim nem que não. Porém, não os recusará quando

lhe forem entregues.— Já aprendi isso no colégio — Davis se vangloriou. — Chama-se

escambo. Ela troca serviço por algo que não seja dinheiro.— Você é um grande menino, Davis! Sabe muitas coisas!A cabana de Pauline era feita de tábuas, e o telhado, de chapas de

lata.— Antes dela, quem morava aqui era um garimpeiro — Scott explicou-

lhes.

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— A casa ficou abandonada durante muito tempo e, um dia, Pauline apareceu.

— O garimpeiro procurava ouro?— Sim, Davis. Mas, considerando as condições do lugar onde morava,

não deve ter encontrado muita coisa.— Talvez tenha escondido o ouro em um lugar bem seguro.— Ele morreu muito pobre — Scott disse a Davis quando já estava bem

perto de Pauline.— Um incauto! Achou que ia achar ouro em nossa montanha... — ela

zombou.A entonação de Pauline era melodiosa, o que contrastava com sua

aparência rude. Os cabelos grisalhos estavam presos em uma só trança, que, nas costas, era comprida até a cintura. O pano de seu vestido longo fora tecido por ela mesma, sem dúvida.

Era difícil calcular sua idade. Contudo, não tinha menos de sessenta anos.

— Fui de encontro a um cacto e me machuquei todo — Davis explicou. — E Scott disse que a senhora tem um remédio que fará com que meus ferimentos cicatrizem mais depressa.

— Veremos o que posso fazer por você—ela se mostrou gentil.— Gosto muito dessa fita que usa na testa—o menino reparou.— Mokesh tinha uma igual. Porém, a dele já estava velha. Pauline

sorriu para ele.—Você falou Mokesh? Meu menino, falaremos sobre ele quando eu

acabar de cuidar de você.— Como vai, Pauline? Sou Valéria, a mãe de Davis. Muito prazer em

conhecê-la.— É a primeira vez que alguém me diz isso — Pauline respondeu

sensibilizada.— Espero que possa ajudar meu filho.— Gosto de seus amigos, Scott Hunter. Parecem ser boa gente— a dona da casa elogiou.As várias janelas deixavam entrar muito pouca luz. A mobília era

reduzida: cinco banquinhos, em número maior do que as cadeiras em volta da mesa; uma cama de armar encostada na parede. Na outra, várias prateleiras serviam de apoio para os mantimentos e as garrafas de medicamentos que estavam à mostra. O fogão de duas bocas tinha sido colocado perto da pia, embutida em um armário de duas portas. Ao lado, uma pequena lareira de pedra abrigava cinzas quentes com algumas brasas ainda vivas. Todo o ambiente recendia a ervas silvestres.

— Mora aqui sozinha? — Davis quis saber.— Com meus bichos. Tire a roupa, meu garoto.— Na... frente de todo o mundo? — O menino enrubesceu.— Iremos todos lá para fora. Quando estiver nu, deite-se na cama,

cubra-se com o lençol e me chame.—Se todos vocês se virarem de costas, podem ficar aqui dentro.

Quando Davis avisou que estava pronto, Valéria viu Pauline seJane Anderson dirigir para o fogão e pegar uma chaleira que continha

água fervendo, derramando-a, em seguida, em uma bacia de metal.

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—Não se aflija, moça. Não vou queimar seu filho. Scott Hunter, não quer pedir a ela que o ajude a montar a barraca lá fora? De preferência, um pouco longe daqui.

— É uma boa ideia, Pauline. — Segurando a mão de Valéria, puxou-a na direção da saída.

— Eu não sei...— Eu sei, Valéria. Pode ficar sossegada. Pauline não fará mal a Davis.

Nenhum produto farmacêutico é melhor para cicatrizar ferimentos do que os preparados que ela mesma faz com ervas naturais. Vamos.

Uma hora e meia depois, Pauline os chamou:— Venham, o menino está dormindo. Não façam barulho.— Davis não acorda fácil. — Valéria sorriu. — Tem o sono muito

pesado.— Não é aconselhável que o deixem montar amanhã. Ele precisa de

repouso. Terá de ficar aqui ao menos mais um dia. Está muito ferido.— Faremos o que mandar Pauline. É você quem está tratando dele —

Scott aquiesceu.— Muito bem. — Pauline ficava contente quando alguém reconhecia

que seu trabalho era importante.—Necessito de algumas raízes e folhas que podem ser achadas aqui perto. Será que podem buscá-las para mim? Eu lhes direi onde estão.

—Ficaremos contentes em poder ajudá-la. Iremos agora mesmo.— Obrigada, menina. Quando retornarem, eu os estarei esperando

com um guisado de coelho. Hoje, vocês almoçam comigo.Scott sabia que ela devia ter recebido o coelho como pagamento por

um dos remédios naturais que preparava como ninguém.— Eu jamais recusaria um convite desses. — Scott piscou.— Então, voltem logo. Se demorarem, eu e o menino já teremos

comido todo o coelho.Pauline lhes ensinou como chegar ao local onde encontrariam as raízes

e as folhas e lhes entregou uma colher de jardineiro, uma tesoura e uma cesta para que pudessem realizar a tarefa.

— Seu filho sobreviverá sem você, pode estar certa — brincou com Valéria. — Enquanto isso, há alguém que apreciará muito sua companhia. Você acha que ele a merece?

— Acho que preencho todos os requisitos, Pauline — Scott respondeu, sorridente.

—Tome cuidado, minha filha. Todos eles dizem a mesma coisa. Scott e Valéria selaram os cavalos e partiram em busca do material que Pauline lhes pedira.

— É a primeira vez que comerei um guisado de coelho. Você já provou? — Valéria estava receosa de não apreciar a carne.

— Pauline cozinha muito bem.— Como pode viver tão sozinha, afastada de tudo e de todos?— Não acho tão ruim assim. Ela se dá bem consigo mesma.— Pois eu prefiro estar sempre rodeada de muita gente. Scott esboçou

um sorriso.

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— Minha mãe dizia que meu pai era um nômade. Porém, um dia, encontrou uma mulher que o fez ficar perto dela para sempre. Devia estar muito apaixonado.

— Acontece com frequência.— Gostaria de dormir sob as estrelas hoje à noite, Valéria.— Nunca tive essa experiência.— Garanto que não se arrependerá.Scott queria muito que ela aceitasse seu convite. Desejava com-

partilhar com Valéria a beleza de uma noite de lua cheia, o céu repleto de pontos luminosos, fazê-la sentir que ele estava lhe dando o universo de presente.

— Se eu quiser, me deixará voltar para a barraca?— Tenho certeza de que você mesma não vai querer. — Scott olhou

para o firmamento e viu um falcão voando em círculos. — Não é lindo? As aves e os animais são maravilhosos. Águias, onças, lobos... graciosos e, ao mesmo tempo, predadores, temidos por todos os homens.

— São perigosos.—Jamais matam pelo prazer de matar. Atacam apenas por dois

motivos: quando estão com fome ou quando são agredidos, para se defender. Como faziam nossos primeiros antepassados.

— Os ndees são caçadores?— Sim, e nômades. Não plantam porque não ficam em um mesmo

lugar o suficiente para esperar a colheita.— Não há muita caça aqui na Superstition, não é?— Na realidade, aqui existem leis que determinam certos limites para

se caçar. E os ndees não as desobedecem. Para eles, a Superstition Mountain é sagrada.

— E evidente que você estudou muito sobre a cultura desse povo.— Tem razão. Sei alguma coisa sobre eles.A cada dia, Scott se sentia mais feliz na companhia de Valéria. Era tão

agradável conversar com ela! Trocavam ideias como se tivessem convivido durante todos aqueles anos em que não se viram nem sequer uma só vez.

— Olhe ali o Lobo — ela reconheceu a terceira indicação do mapa que Davis ganhara de Mokesh.

— Davis vai ficar contente quando lhe contarmos que o achamos — falou Valéria.

— Talvez fique um pouco desapontado por não tê-lo achado ele mesmo.

— Se Davis não houvesse se perdido, não teríamos ido à residência de Pauline e tampouco estaríamos aqui agora. Interessante! Eu tinha uma noção de onde estava o Lobo. No entanto, não lembrava com exatidão onde era.

— Acha mesmo que encontraremos um tesouro no final de nossa busca?

— Depende do que você considera um tesouro.— Não acredito que haja nenhum baú cheio de ouro, como Davis

imagina.— Confesso que para mim será uma grande surpresa.

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—Tenho muito medo de que meu filho venha a se decepcionar. Ele confiava tanto no que Mokesh lhe dizia...

— Isso jamais acontecerá. Garanto que Mokesh estava querendo lhe ensinar algo. E logo descobriremos o quê.

— Davis também considera você um amigo.Scott não havia se esforçado para que isso acontecesse. Apenas

quisera dar um pouco de alegria ao menino, compensá-lo de alguma forma pela ausência do pai.

Acreditando-se um homem que preferia a companhia de sua gata à de outros seres humanos, surpreendeu-se em se ver, de repente, tão envolvido com Valéria e Davis.

E agora? Como conseguiria se desvencilhar daquele sentimento que, de certa forma, representava uma ameaça a sua liberdade?

Valéria olhou para ele e se perguntou por que estaria sorrindo. Scott sugerira que ela passasse a noite com ele fora da barraca, sob a luz das estrelas. Sentia-se confusa, com medo do que podia acontecer depois.

Pauline dissera que Davis deveria dormir com ela na cabana. Mesmo assim, Valéria preferiria que Scott se mantivesse longe dela. Não se via preparada para um relacionamento mais íntimo. Ao mesmo tempo, a idéia de realizar seus sonhos de menina a deixava muito feliz.

Sentia-se jovem outra vez, atraente, radiante. Como se Scott a tivesse levado de volta a seus dezesseis anos.

Por mais que amasse seu filho, Scott a fizera entender que existiam outras coisas na vida além da maternidade.

Por fim, Valéria compreendeu que tinha direito à felicidade. Aceitaria o convite de Scott e, naquela noite, dormiria com ele sob a luz das estrelas.

Capítulo VI

Quando Scott e Valéria chegaram ao lugar onde deveriam encontrar as folhas e as raízes que Pauline lhes pedira, ela começou a selecioná-las e colocá-las na cesta que trouxera consigo.

— Não estou encontrando as roxas, Scott.— Levaremos apenas aquelas que pudermos achar. Pauline entenderá

quando lhe dissermos que não as encontramos. É estranho que ela tenha se enganado. Conhece tudo sobre a região: sabe onde está cada planta e em que época do ano atinge sua plenitude.

Montaram nos cavalos e se puseram a caminho da cabana, dessa vez passando por um atalho estreito entre os picos pontiagudos de duas montanhas.

Quando já estavam quase chegando, Valéria perguntou a Scott:— Não sabe mesmo mais nada sobre Pauline a não ser que é uma

eremita?Scott fez que não.— Quando Davis mencionou o nome de Mokesh, tive a impressão de

que ela o conhecia. — Valéria meneou a cabeça. — E não se pode dizer que o velho índio tivesse um nome comum.

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Scott estava certo de que Pauline era uma ndee. Porém, não comentou nada. Se quisesse, ela mesma teria contado. Se ficou calada, não era ele, Scott, quem iria invadir sua privacidade e revelar seu segredo.

— Pauline deve estar achando que somos loucos em sair à procura de um tesouro que não existe. Não estou me referindo a você, claro. Ela não deve estar entendendo, como eu, a mãe de Davis, concordei com essa fantasia dele.

— Pauline não costuma fazer julgamentos de ninguém, Valéria.— Eu a ouvi dizer que não há ouro na Superstition — Valéria lembrou.— Que eu saiba, você não está procurando ouro nenhum. Eu mesmo já

lhe disse que é muito provável que Mokesh estivesse se referindo a outro tipo de riqueza quando falou com Davis sobre o tesouro.

— Muitas pessoas por aqui não têm a mesma opinião. Acreditam que poderão encontrá-lo em algum lugar da montanha.

—Já ouvi falar que a Mina Oculta do Alemão e o tesouro apache estão incrustados em uma rocha.

— Por que disse tesouro apache, e não tesouro ndee?— Porque é assim que costumam chamá-lo. De qualquer forma,

nenhum dos dois povos, nem os apaches, nem os ndees antigos, tinham interesse em um metal que não lhes seria útil. Por esse motivo, não creio tenham acumulado ouro em algum lugar.

— Uma vez você disse que Alemão realmente existiu.— Sim. O nome dele era Jacob Walz. Morreu muito pobre. E até hoje

ninguém provou que haja garimpado ouro aqui na região ou que tenha recebido pepitas da Espanha, como dizem alguns.

— Então, talvez...— Se eu fosse você, esqueceria essa história de encontrar ouro.— Não gostaria que, ao menos uma vez na vida, um sonho se tornasse

realidade?— Isso não acontecerá, minha querida.Valéria e Scott sentaram-se à mesa, e Pauline trouxe o guisado de

coelho. Davis estava sonolento.— Com fome, meu filho?— Levantei-me apenas para comer, mamãe. Depois voltarei para a

cama.— Está se sentindo melhor?— Bem melhor. Meus ferimentos já não doem tanto. Porém, estou

morrendo de sono.— Acha que pode ser efeito do remédio, Pauline?— Não se preocupe. Amanhã, quando o menino acordar, estará bem

melhor.— Pergunto-me se não foi um coiote que fez com que eu me perdesse.

Como aquele de orelhas bem compridas da história que Mokesh me contou um dia, mamãe.

— Era apenas uma história, Davis.— Ele costumava dizer que as lendas sempre têm um fundo de

verdade.— Como conheceu Mokesh, Davis? — Pauline indagou.

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O garoto contou-lhe como fora seu primeiro encontro com o amigo índio, e terminou dizendo:

— Antes de morrer, ele me deu o mapa de um tesouro. Esse foi o motivo de nossa viagem até aqui.

— Pode me mostrar, meu bem?— Scott, por favor, pegue o mapa dentro de minha mochila — Davis

pediu-lhe.— Pois não, companheiro.Pauline o estendeu no chão e o examinou sob a luz de uma lamparina

a querosene.— É bem antigo... — Pauline analisou.— Mokesh me garantiu que era autêntico.— Encontrei Mokesh quando era ainda muito jovem—Pauline revelou-

lhe. — Fico contente que ele o tenha conhecido, filho. Morreu longe de casa, mas pôde dar seu mapa a um amigo.

— Também é uma ndee, Pauline?— Não revelo minha origem a ninguém, garoto. Nem mesmo a um

amigo de Mokesh. Contudo, quero lhe dizer algo: este mapa o levará ao lugar onde encontrará aquilo que seu coração mais deseja.

— Mesmo?! — Davis arregalou os olhos. — Essas foram as exatas palavras que Mokesh me disse quando o deu a mim! Creio que ele se referia ao ouro que existe aqui na montanha. Não concorda?

Pauline deu de ombros.— Você é igualzinha a ele. — Davis a comparou ao amigo índio. —

Mokesh jamais explicava o que estava querendo dizer.Ela gargalhou.— Ele gostava de me contar histórias de coiotes.— Por que não nos conta uma, Davis — Scott sugeriu.— Há muitas. Vou explicar como o Coiote roubou o fogo do Vaga-Lume.

Muito tempo atrás, quando os animais falavam, ninguém tinha o fogo, à exceção dos Vaga-Lumes. E eles não o davam a ninguém.

Davis prosseguiu, contando como o Coiote teve de enganar o Vaga-Lume para obter o fogo.

—Diante disso, os Vaga-Lumes se reuniram para reaver o fogo, e o Coiote decidiu dá-lo ao Falcão. E o Falcão o passou para a Andorinha. Os Vaga-Lumes decidiram, então, fazer chover para que o fogo desaparecesse. A Andorinha deu o fogo que sobrou para a Tartaruga, para que ela o protegesse da chuva, colocando-o debaixo de seu casco. No entanto, o Raio atacou o casco da Tartaruga. É por isso que hoje ele tem marcas. O Raio conseguiu recuperar o fogo e pôde entregá-lo a todos que precisavam dele.

—Os Coiotes já fizeram muitas coisas boas—Pauline afirmou. — Suas histórias têm de ser contadas na sequência certa.

— Mokesh me falou isso. O problema é que já me esqueci qual é a sequência.

Pauline abriu a porta e disse a Valéria e a Scott que estava na hora de se despedirem:

— Escutem, os coiotes estão dizendo que já é tarde e devemos nos recolher.

— São muitos — Valéria observou.

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— Sim. Existem dezenas deles — Scott confirmou. Pauline começou a cantar uma canção muito triste numa língua

estranha. Sua voz era bonita, melodiosa. Valéria não entendeu o que ela dizia. Porém, emocionou-se com a melodia.

— Fala do inverno anunciando a primavera — Scott explicou-lhe, trocando um olhar enigmático com Pauline.

Valéria percebeu que Davis já fechava os olhos.Scott se ergueu, tomou o menino nos braços e o levou para a cama.

Valéria os seguiu e, quando o filho já estava deitado, beijou-lhe a testa.— Sua voz o fez adormecer, Pauline.No entanto, não obteve nenhuma resposta.— Costumo me deitar muito cedo. — Ela andou até a porta e a abriu

para eles.Lá fora, a lua cheia prateava a montanha, e o céu estava repleto de

estrelas.— Vou estender meu saco de dormir na frente da barraca. — Em

seguida, Scott apanhou o dela e o segurou por alguns segundos, à espera de que Valéria lhe dissesse o que resolvera: dormiria sozinha na barraca, pensando nos motivos que justificariam sua recusa em aceitar o convite dele ou passaria a noite ao ar livre, sob a claridade da lua e das estrelas em sua companhia?

Ela hesitou e fez um movimento de cabeça antes de consentir:— Ponha-o ao lado do seu.. Sorrindo, Scott a obedeceu, e ambos se ajeitaram em cima dos sacos

de dormir.— Reconhece aquelas sete estrelas ali, Valéria? — Ele a abraçou e,

quando ela inclinou a cabeça para trás, apoiou-se no peito dele.— É a Ursa Maior.Scott a virou de frente e aproximou o rosto do dela, beijando-a com

carinho.— Há muito tempo não me sentia tão feliz — Valéria confidenciou. —

Não só por estar aqui com você como também pela maneira carinhosa como se relaciona com Davis. Meu filho é um menino muito retraído e, nos últimos anos, a única pessoa que conseguiu se aproximar dele foi Mokesh. Quando ele se foi, fiquei com medo de que se retraísse com a perda do amigo e se recusasse a fazer novas amizades.

— Eu me identifico com Davis, Valéria. As vezes ele me faz lembrar de mim mesmo quando tinha a mesma idade.

Lado a lado, enternecidos, admiraram o firmamento estrelado. Scott a estreitou e começou a afagá-la. Valéria sentiu-se como se estivesse flutuando em seus próprios devaneios.

— Valéria, fique tranquila. Eu jamais a magoarei. Estava cada vez mais difícil para ela controlar a paixão.

A boca de Scott explorou seu rosto, suas orelhas, sua nuca, numa trilha sensual. Valéria se agarrou a ele, esperando que aquela doce agonia jamais terminasse.

— Scott... eu te... quero...

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Agora era ela quem o enlaçava, enquanto suas mãos, nervosas, acariciavam cada músculo dos ombros largos de Scott, tensos de desejo.

— Valéria, deixe-me senti-la.Em segundos, despiram-se, e os dois tornaram-se um só. Êxtase,

carícias, gemidos povoavam a atmosfera na montanha.— Diga-me que me quer, minha querida.— Por favor, Scott...— Eu queria que este dia não terminasse nunca!Valéria ofegava, e Scott se deliciava com seu estado, querendo

guardar para sempre na memória todas as expressões daquele momento em que seus corpos se tornariam um só. Como era bonita naquele delírio!

Os dois se moviam numa harmonia voluptuosa e sensual, carne na carne, pele na pele, até que, como numa sinfonia, o andamento foi se transformando, até chegar ao grande final.

— Eu te amo... — Os olhos de Valéria estavam marejados de lágrimas.— Eu sei.Scott beijava-lhe os cabelos, enquanto ela se aninhava em seus

braços, satisfeita, feliz.Quando o dia raiou, a claridade fez com que Scott, ainda aturdido,

abrisse os olhos devagarinho. Não avistou Valéria a seu lado.— Valéria?— Estou aqui na barraca.— Já se vestiu?— Sim, estou pronta.— Podemos, então, ir para a cabana para tomar o desjejum com Davis

e Pauline.Ela esperou que ele lhe dissesse algo sobre a noite de amor. Porém,

Scott não o fez.Quando chegaram à casa de Pauline, ela preparava um mingau de

aveia para Davis.— E melhor ficar aqui enquanto sua mãe e Scott vão apanhar as folhas

roxas que não conseguiram encontrar ontem.— Pauline tem razão, filho. Amanhã você estará bem melhor e

poderemos seguir nosso caminho.— Scott me contou que acharam o Lobo, mamãe.— É verdade — Valéria confirmou. — Lembrei-me de que era a terceira

indicação do mapa.— Precisamos nos apressar. Estamos quase encontrando nosso

tesouro.— Não se afobe meu filho. Ele não fugirá. Ainda estará lá quando

chegarmos.— Temos muito que conversar. — Pauline demonstrou afeição pelo

garoto. — Quero lhe passar alguns ensinamentos. Ontem à noite, além de estar com sono, você tinha dores. Por isso, achei por bem deixá-lo dormir. Todavia, agora, gostaria que me ouvisse. — Olhou para Valéria e, voltando-se de novo para Davis, revelou-lhe: — Segredos.

— Já descansei bastante. Não pode contá-los agora?— Quando estivermos a sós. Scott e sua mãe sairão em busca das

folhas roxas, como já disse. Teremos bastante tempo para conversar.

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— E por que não saem logo? Já acabaram de tomar café.— Está bem, está bem. — Scott entendeu que Davis estava curioso de

saber o que Pauline tinha a lhe revelar. — Vamos, Valéria. Eles não nos querem por aqui.

— Posso ler seus pensamentos. — Scott desmontou e deixou que Fremont satisfizesse a sede antes de amarrá-lo a uma árvore.

Susie Q virou a cabeça para trás, e Valéria entendeu que ela queria beber água também.

— Vamos lá, menina. Não é sempre que encontramos uma surpresa como essa por estas bandas. — Valéria prendeu-a ao lado de Fremont, dizendo a Scott: — Não pense que tomaremos banho juntos.

— Acha que conseguirá ensaboar suas costas sem ajuda?— Não estou nem um pouco preocupada com isso. Além do mais,

alguém pode aparecer, e é preciso que um de nós monte guarda enquanto o outro se banha.

— Só as pessoas que moram aqui na montanha é que conhecem este recanto, minha querida.

— Ainda assim, prefiro fazer isso sozinha.— É uma pena! Mas já que não me oferece alternativa... fique à

vontade.— Poderia virar-se de costas para que eu possa tirar a roupa? Scott

sorriu, decepcionado.— Juro que não entendo você, Valéria.Embora tivessem feito amor, ela ficou constrangida perante a idéia de

se desnudar diante dele.— Perdoe-me, Scott, mas eu não me sentiria bem. Suspirando, ele fez

o que Valéria lhe pediu.

Capítulo VII

Enfim, Scott e Valéria chegaram ao lugar onde encontrariam as folhas que Pauline lhes pedira. Ele logo as viu. Desmontou do cavalo e as colheu, colocando-as, em seguida, na cesta que Valéria trouxera.

— Pronto! Missão cumprida! Assim, teremos tempo para, na volta, pararmos um pouco mais naquele lugarzinho maravilhoso que descobrimos.

— Não, Scott. Temos de voltar. Davis está a nossa espera. Valéria desmontou de Susie Q, aproximou-se dele e deu-lhe

um leve beijo nos lábios. Todavia, ao olhar para o chão, viu uma enorme tarântula e afastou-se correndo.

Scott tentou acalmá-la, mas a aranha pôs fim a qualquer possibilidade de eles virem a fazer amor outra vez.

Montados em Fremont e Susie Q, pegaram o caminho de volta para a cabana de Pauline. Scott começou a cantar uma canção que falava de amores antigos.

— Essa música me faz lembrar de quando você tocava seu violão no colégio.

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— E percebia que eu só tinha olhos para você?— Bobo! — Valéria deu risada.— Estou brincando.— Então, não era para mim que tocava?— Não, não era.— Para quem era?— Tocava violão para chamar atenção sobre mim.— Pretensioso!— Pelo contrário. Sentia-me tão inseguro que fazia tudo para que as

pessoas me notassem, percebessem que eu existia.— Davis se esconde, não quer se relacionar com ninguém.— Reage de maneira diferente — Scott analisou.— Espero que ele supere logo esse problema.— No que depender de mim, Valéria, farei o que for possível para

ajudá-lo.—Você não teve ninguém que o compreendesse, não é mesmo?— Minha mãe me educou da maneira que pôde. Porém, como amava

meu pai, evitava culpá-lo por não querer morar conosco. Preferia fechar os olhos para o problema.

O pai de Scott o aceitava como ele era. Embora se recusasse a morar na mesma casa que a família, quando visitava o filho e a ex-mulher era sempre muito carinhoso.

— "Não importa o que você faça, Scott, contanto que seja sempre verdadeiro consigo mesmo", ele costumava dizer.

Aquelas palavras foram ditas quando Scott não tinha ainda maturidade para entendê-las. Todavia, ficaram gravadas em sua memória.

Entretanto, Valéria não tinha como aproximar seu filho de Neil. Afastar-se do menino havia sido uma decisão dele. Afinal, Davis não era o filho que seu ex-marido sonhara ter. Jamais seria um desportista brilhante, como ele queria. Não gostava de jogar beisebol, coisa que orgulharia Neil.

Como mãe, ela se sentia na obrigação de orientá-lo para ser feliz. No entanto, quem devia escolher o caminho que queria seguir era o próprio Davis.

—Alguém já lhe falou que devia ser sempre verdadeira consigo mesma, Valéria?

— Talvez minha mãe tenha querido me dizer exatamente isso na ocasião em que decidi me divorciar. Aconselhou-me a seguir a voz de meu coração.

Scott jamais fora tão aberto com alguém sobre sua vida particular.— Sinto-me muito bem conversando com você, Scott. Quero que saiba

que o considero muito. Sobretudo pela atenção que tem dado a Davis.O que aconteceria quando aquele passeio pela montanha terminasse?

Valéria voltaria para Nova York e Scott ficaria em Phoenix.Ela se perguntou se algum dia voltariam a se ver.Na cabana, Pauline examinou as folhas roxas que Scott e Valéria lhe

entregaram.— Demoraram para voltar....— Ela tem razão — Davis concordou. — Já almoçamos há muito tempo.

Pauline tem algo a lhes dizer sobre a próxima indicação do mapa.

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— Eu a analisei e cheguei à conclusão de que se trata de uma formação rochosa alongada que se chama Cascavel. Não existe mais. Quebrou-se em vários pedaços há anos. De qualquer modo, vou lhes dizer onde ficava — Pauline se dispôs. — Sigam pela vereda, onde encontrarão o Urso, e peguem o primeiro atalho à esquerda.

Enquanto Pauline falava com Scott, Valéria dava atenção a seu filho.— Está melhor, querido?— Estou sim, mamãe. Pauline disse que eu podia montar até o lugar

onde seria a quarta indicação do mapa, a Cascavel. — Ele prosseguiu, falando baixinho: — Precisaremos ter muito cuidado. Porém, não se preocupe. Mokesh era meu amigo.

Valéria não entendeu direito o que Davis queria dizer.— Tomar cuidado por causa do que aconteceu com você?— Não — o menino afirmou, lacônico.— Por quê, então?Davis achou que ainda não era hora de contar o segredo para a mãe.— Pauline me garantiu que saberemos quando chegar a hora certa. É

preciso esperar.Valéria não insistiu para que o filho lhe revelasse o que sabia.Jantaram todos juntos e, embora a comida fosse muito diferente da

que Davis estava acostumado a comer em casa, ele não reclamou, e mostrou estar com grande apetite.

— Sabia que Pauline já morou em Nova Orleans, Scott?— Não, Davis eu não sabia.— Ela disse que lá existem pessoas que praticam o vodu. Valéria já

escutara alguma coisa a respeito do assunto. Todavia,achou por bem não fazer comentário nenhum.— Sobre o que mais conversaram Pauline? — Scott quis saber.— Pergunte a Davis.— Ela falou que o tesouro pode não ser algo tan... "tan" o que, Pauline?— Tangível, meu rapaz.— Você sabe o que quer dizer isso, Scott?— Não, são sei. — Scott quis dar ao garoto uma oportunidade de

mostrar seu conhecimento.— Tangível é algo que se pode tocar.—E o que Mokesh teria dito a respeito? — Scott estava curioso de

saber como Davis encarava o conceito.— Imagino que haveria me contado uma de suas histórias. Muitas

vezes eu não conseguia entendê-las.— E não pedia que ele as explicasse?— Mokesh jamais o fazia. Costumava dizer: "Espere e você saberá

quando chegar o momento".— E o que acha do que afirmou Pauline?— Não sei para que serve um tesouro se não tiver ouro. Valéria

percebeu que Davis estava ficando decepcionado e mudou de assunto:— Já arrumou suas coisas, meu filho? Partiremos amanhã.— Ainda não, mamãe. -— É melhor guardá-las agora. Assim, poderemos sair bem cedo.— Hoje vou dormir na barraca — Davis surpreendeu Scott e Valéria.

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Instintivamente, ela olhou para Scott. E lembrou-se de que seu filho era a pessoa mais importante de sua vida.

Davis estava caindo de sono e desceu junto com Scott e Valéria. Foi direto para a barraca.

— E você? — Scott perguntou — Vai dormir com seu filho?— Não podemos...— Eu sei, Valéria. Apenas perguntei a você se ia dormir com ele na

barraca ou comigo, aqui fora.Ela poderia muito bem dormir com Scott sob a luz do luar sem que

tivessem que fazer amor. Com certeza, Davis não ficaria ofendido. Esperou que o filho adormecesse, entrou na barraca, trocou de roupa e retornou para junto de Scott.

Decidida a dormir com ele, estendeu seu saco de dormir no chão. Deitaram-se de costas e se puseram a conversar sobre suas respectivas vidas.

Em um determinado momento, Valéria olhou para o firmamento, dizendo:

— Lá está ela, a Ursa Maior. No mesmo lugar em que a vimos ontem.Os sacos de dormir não haviam sido colocados tão próximos quanto na

véspera. Scott e Valéria entenderam que uma certa distância entre eles evitaria que se sentissem tentados a se amarem outra vez.

Eles nem ao menos se despediram com um beijo de boa-noite.— Até manhã, Scott — disse Valéria, antes de se virar para o outro

lado.Scott ouviu quando ela suspirou.Não teria sido melhor que Valéria houvesse optado por ficar na barraca

com seu filho? Estar ao lado dela sem poder tocá-la era quase insuportável.Ele podia jurar que Davis só acordaria na manhã seguinte. No entanto,

não podiam arriscar a serem vistos por ele se amando. Tinha consciência de que nenhum outro problema deveria ser acrescentado aos que o menino já tinha. Não seria justo.

"Eu não faria nada que o magoasse", Scott pensou.Alguns minutos se passaram, e ele ouviu o barulho de algo se

arrastando no chão. Sentou-se e olhou para trás.— Por que não me convidaram para dormir com vocês aqui fora? —

Davis colocou seu saco de dormir entre os dois.Ao sentir que algo estava acontecendo ali, perto dela, Valéria

despertou.— Veio juntar-se a nós, filhinho?— Eu estava com saudade de vocês.— Então, boa noite. Durma bem. — E ela se virou de lado outra vez.Na manhã seguinte, os três foram acordados pelos primeiros raios de

sol. Levantaram-se e foram tomar o desjejum com Pauline.Quando chegou a hora de dizer adeus, ela desceu junto com eles e,

enquanto Scott e Valéria arrumavam suas coisas, afastou-se, puxando Davis pelo braço.

Valéria escutou quando seu filho gritou, feliz:— Que bom!Pauline lhe disse mais alguma coisa, e ele prometeu:

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— Está bem. Não esquecerei.Ela os deixou e subiu para sua cabana.— É uma pena que eu more tão longe de você — lamentou Davis.— A vida é assim, meu menino. — Pauline afagou-lhe os cabelos. —

Porém, lembre-se: nem os homens, e tampouco os animais, podem prever o que acontecerá no futuro.

Pauline entrou na casa e fechou a porta.— Mokesh era igual a ela. Não gostava de despedidas. — E Davis

seguiu seu caminho ao lado de Scott, que montava Fremont.Valéria os seguia de perto.— Sente-se bem, meu filho?— Melhor seria impossível, mamãe.Ela percebeu que, aos poucos, o tesouro deixava de ser o objetivo

maior daquela jornada.Davis tinha tanto prazer na companhia de Scott que, com toda certeza,

recordaria aquele passeio para sempre, com muito carinho. Todavia, Valéria começava a se preocupar. Não com Davis, mas com Scott. Ela retornaria a Nova York e, talvez, jamais voltasse a vê-lo.

Não tinha ilusões. Sem dúvida alguma, estavam vivendo momentos maravilhosos. Contudo, a distância se encarregaria de separá-los.

Desde que se divorciara de Neil, era a primeira vez que se interessava por um homem. Sentia-se segura ao lado de Scott. Até mesmo porque já o conhecia desde a época em que era apenas uma menina.

"Vamos lá! Seja honesta consigo mesma!", Valéria escutou a voz do coração. "O que aconteceu entre vocês não foi apenas sexo. Está apaixonada por Scott. E trate de assumir essa realidade!"

Scott estudava o mapa, recordando as orientações que Pauline havia lhe dado.

Tentava afastar Valéria de seu pensamento, pois começava a pressentir que, quando ela voltasse com Davis para Nova York, a saudade que sentiria poderia se transformar em um grande problema. Não planejara fazer amor com ela.

A ligação entre os dois se estabelecera de uma maneira espontânea, e estava ficando cada vez mais difícil sufocar aquele sentimento que, a cada dia, se tornava mais intenso.

Scott não sabia lidar com a afetividade. Tinha medo de reconhecer para si mesmo que se envolvera com Valéria. As trilhas do amor eram imprevisíveis, e ele temia perder sua liberdade.

No momento em que a reencontrara no Auntie Mame's, ficara muito feliz.

Porém, não considerara a possibilidade de envolvimento.Bem que a jornada pela montanha poderia terminar naquele dia...

Ainda era tempo de colocar um ponto final no caso com Valéria e se ver livre daquela angústia de uma vez por todas.

— Scott! — Davis gritou, tirando-o de seus devaneios —, encontrei a Agulha.

— Ah, sim! A Agulha do Tecelão. Eu não a tinha visto.— Pauline disse que ela estaria à nossa esquerda, lembra?

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— Não a ouvi dizer isso, Davis. Eu devia estar conversando com sua mãe. Em todo caso, quero que saiba que um dia você poderá vir a ser um guia muito eficiente. Tem ótimo senso de direção.

— Ainda assim me perdi, alguns dias atrás, não é?— Mas isso não tornará a acontecer.— Sabe onde ficava a Cascavel que desapareceu?— Já estamos quase chagando ao local. Vamos desmontar e descansar

um pouco.— Gostaria tanto de poder vê-la...— É uma lástima que tenha sido destruída.Um imenso arbusto impedia que eles se aproximassem do lugar onde,

um dia, a Cascavel estivera. Davis tentou atravessá-lo, mas não conseguiu.Valéria o observava de longe.—Mokesh, Mokesh, Mokesh. — De cócoras, o menino repetiu o nome

três vezes, enquanto examinava algo no solo.Scott notou que ele havia sibilado com exagero o nome do amigo

índio, fazendo com que o som que produzia se assemelhasse ao silvo das cobras.

Além disso, na língua ndee, Mokesh significava "olhos amarelados", como os da cascavel.

— Cuidado, Davis. É perigosa! — Scott gritou justo quando a serpente fugia, para esconder-se no meio do arbusto.

— Logo que a vi, lembrei-me do que Pauline tinha dito: ao deparar com uma cobra, o melhor que tem a fazer para que ela não o pique é ficar parado e não me mexer.

— O que aconteceu? — Valéria se aproximando. — Vocês estão bem?— Davis viu uma cascavel.— Era bem grande, mamãe. Fugiu para o arbusto. Valéria ficou muito

nervosa.— Vamos embora daqui! — sugeriu. Montaram seus cavalos e

prosseguiram o caminho.O episódio fez com que Scott se lembrasse de que seu pai lhe contara

várias histórias sobre Mokesh. No entanto, já esquecera muitas delas.— Pernoitaremos aqui — Scott determinou, desmontando. Davis

gostou da idéia, pois seu corpo estava começando a ficardolorido.—O que Pauline comentou sobre as cobras?—Scott quis saber.— Contou-me que em ndee Mokesh significa "olhos amarelados", de

cascavel.— Além disso, aconselhou-o a ficar imóvel caso encontrasse uma delas

para que não o mordesse.— Sim. Tenho de admitir que fiquei com medo.— É normal.— Em seu lugar, eu teria gritado muito, querido — Valéria confessou.— Ainda bem que fui eu que a vi, mamãe, e não você.— Preferiria que ela não tivesse aparecido por aqui.— Já está anoitecendo. Que tal se começássemos a contar histórias? —

Scott propôs.— Sobre o que irá nos falar hoje? — Valéria indagou.

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— Sobre um feiticeiro que tinha o mesmo nome de seu amigo, Davis. Chamava-se Mokesh. Foi meu pai quem a narrou para mim.

— Eu gostaria que Mokesh tivesse sido meu pai — Davis desabafou.— Você tem um pai. — Scott achou por bem fazer aquela observação.— Mas quase não o vejo. Ele queria que eu fosse um grande

desportista e...— ...que pertencesse a um time de beisebol, não é isso?— É.— Outro dia eu falei a sua mãe que você deveria praticar esqui. Tem

um bom senso de equilíbrio.— Acha mesmo, Scott?— Sem dúvida nenhuma.— Muito bem. As cobras já devem ter se recolhido a suas tocas. Posso

começar minha narrativa. Certa vez, um feiticeiro ndee chamado Mokesh recebeu em sua tribo um estranho que estava ferido. Pois bem, Mokesh cuidou do forasteiro e este, em breve, se recuperou. Alguns dias depois, alguns soldados apareceram em sua casa, procurando pelo estranho. Como o feiticeiro se recusasse a entregá-lo, os soldados o advertiram de que uma tropa especial iria à montanha para matar todos os ndees: homens, mulheres e crianças. Mokesh consultou o Grande Espírito e lhe perguntou o que deveria fazer para salvar seu povo.

— O Grande Espírito o orientou?— Sim, Davis, ele lhe disse o que fazer.— E o que era?— Aconselhou Mokesh a montar guarda em uma das passagens mais

estreitas da montanha. E quando os soldados passassem por ali, ele deveria detê-los.

— Sozinho? — Davis achou que seria uma temeridade.— Mokesh confiou nas palavras do Grande Espírito. Quando a tropa se

aproximou, ele fitou os soldados nos olhos, e eles ficaram paralisados diante do que viram: o feiticeiro, que tinha apenas uma bengala em uma mão e um chocalho na outra, se transfigurou no espírito de uma gigantesca cobra, os olhos amarelados e duas imensas presas. Na cauda, ela mostrava vários guizos. Apavorados, os soldados começaram a gritar e caíram de costas no chão. Alguns tombaram ali mesmo. E os outros fugiram, com medo da guarda ndee.

— Então, o feiticeiro ndee se transformou em uma cascavel!— Davis exclamou.Scott reafirmou o que dissera.— Meu amigo Mokesh devia conhecer essa lenda. Por que será que

nunca me falou?— Talvez não tenha tido tempo para contar todas as histórias que

sabia — Valéria ponderou.— É verdade, mamãe. Deve ter pressentido que, um dia, eu viria à

Superstition Mountain com o mapa que me deu, e Scott me falaria sobre o feiticeiro Mokesh.

— É provável. — Scott esperava que Valéria dissesse alguma coisa, mas ela se manteve calada.

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— Agora entendo por que Pauline me aconselhou a pronunciar o nome de Mokesh caso encontrasse uma cascavel. Mokesh é um espírito ndee.

— Davis olhou para Scott e, em seguida, perguntou:— Como seu pai conhecia essa história? Scott não disse nada. Apenas

deu de ombros.Valéria percebeu que Davis queria muito saber detalhes da vida

familiar de Scott e o desencorajou com o olhar.— Esta noite dormiremos aqui fora!— Não, meu filho — Valéria não consentiu. — Você precisa descansar.

Nós dois pernoitaremos na barraca.Embora quisesse muito repetir a experiência agradável da véspera,

Davis achou melhor obedecer a mãe.Scott ia dizer algo, mas decidiu não fazê-lo. Notou que algo

preocupava o menino. E não era o fato de não poder dormir fora da barraca.

— Boa noite, então—despediu-se, sem argumentar com a mãe. Quando Davis se distanciou. Valéria se voltou para Scott:

— O que está havendo com ele?— Juro que não sei.— Você está decepcionado porque eu decidi dormir na barraca com

meu filho?— De forma nenhuma. Apenas lastimo que perderão a oportunidade de

ficar sob esse céu maravilhoso. Hoje, a lua está mais esplendorosa que de costume.

— Ainda assim, será melhor ficarmos na barraca.Scott ficou em silêncio por alguns segundos. Depois, disse:— Amanhã deveremos atingir o objetivo de nossa jornada. Não

estamos longe do local que, no mapa, está assinalado com um X.— Onde, enfim, encontraremos o tesouro.— Bem... Como já sabemos, é pouco provável que haja ali alguma

riqueza material. Precisa estar preparada para uma possível decepção que Davis possa vir a ter. É provável que ele nos faça muitas perguntas.

—Não é muito simples lidar com as expectativas de uma criança.— Estou aqui para auxiliá-la. Sabe que pode contar comigo. "E quanto

a minhas expectativas em relação a ela? Também eupreciso de respostas", Scott se enciumou.— Boa noite. Até manhã — Valéria se despediu e deu-lhe as costas.Scott não hesitou. Puxou-a pelo braço e beijou os lábios dela com

ardor.Valéria se afastou dele. Dentro de alguns dias estaria indo para Nova

York e, sem saída, teria de se acostumar à ideia de ficar longe de Scott.Na barraca, trocou de roupa e se deitou em seu saco de dormir.— Mamãe?— Sim, meu querido.— Vi quando você e Scott se beijaram. Isso quer dizer que gostam

muito um do outro?— É... é verdade, Davis. Nós nos gostamos muito. Por que está

perguntando?

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— Apenas curiosidade. Eu também acho Scott formidável. Ele tem sido muito bom conosco.

— Está preocupado com o fato de nós nos gostarmos, meu filho? Se quiser, podemos conversar sobre o assunto.

— Não agora. Estou com sono.Ele se virou de lado e não disse mais nada.Valéria ficou sozinha com seus pensamentos.Como seria a volta à rotina em Nova York? Acordaria cedo todos os

dias, recomeçaria o trabalho na clínica de repouso e esperaria Davis voltar da escola para que, juntos, tomassem o ônibus para casa. Após o jantar, ela o ajudaria com os deveres.

E Scott? Como viveria em Phoenix? Deveria haver alguma mulher que lhe fizesse companhia, ao menos de vez em quando. Que fosse com ele ao cinema, a um restaurante...

Como seria ela? Alta? Magra? Loira? Morena?Pela primeira vez, Valéria sentiu ciúme de Scott. No entanto, tinha

consciência de que não poderia se deixar envolver por aquele sentimento. A hora da despedida se aproximava, e ela sabia que não tinha o direito de perguntar a ele como seria dali em diante.

Davis ressonava a seu lado.Naquele instante, o uivo plangente de um coiote ecoou pelos ares. Não

houve resposta.Não teria na área uma fêmea que pudesse atender ao chamado

daquele animal?Valéria sentiu algumas lágrimas descerem por seu rosto. Entendeu que

havia abandonado sua própria realidade e mergulhado no romantismo das lendas ndee.

Entretanto, aquela não era sua cultura, não eram aqueles os seus valores. Infelizmente.

Deixou que as lágrimas rolassem fartas e adormeceu com o rosto molhado.

Na manhã seguinte, Scott foi o primeiro a despertar. Quando Davis saiu da barraca, ele já preparava o café.

— Hoje encontraremos o tesouro! — afirmou radiante.— Tenha calma, Davis. Não fique ansioso. Na hora certa, encontrará o

que procura.— Já estamos chegando, não estamos?— Estamos, sim, amiguinho.— Às vezes você me faz lembrar Pauline.— Obrigado pelo cumprimento. Ela é uma grande mulher. — Scott

notou que o menino parecia um pouco confuso. — Está com algum problema?

— Ontem à noite, vi quando você e minha mãe se beijaram e perguntei a ela se gostava de você.

— E qual foi a resposta?— Falou que sim.— Fico contente em saber.— E você? Gosta dela?— Não a teria beijado se não gostasse.

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Se Davis não tivesse apenas nove anos de idade, Scott teria usado uma outra palavra. Diria a ele que amava sua mãe e que... estava com medo de perdê-la.

— Também acho você um ótimo sujeito, Scott.— Disse isso a Valéria?— Sim.— Jamais conheci um menino de quem gostasse tanto quanto de você.Davis sorriu-lhe.— Pode me ajudar a terminar de fazer o desjejum?— Claro que posso Scott. Assim terminaremos tudo depressa e

poderemos seguir para o lugar onde está o tesouro.— O que espera encontrar lá?— Se houver bastante ouro na caixa, comprarei uma casa enorme para

mamãe, com jardim e tudo. Poderemos ter uma porção de animaizinhos de estimação. Quantos quisermos.

— E se não encontrarmos ouro?— Bem... Tudo dependerá daquilo que acharmos.— Gosta de morar em Nova York, Davis?— Moro lá desde que nasci. Jamais vivi em outro lugar. Valéria havia

acordado e já estava saindo da barraca.— Aprecia o deserto, mamãe?— Eu tinha me esquecido de como esta terra é linda, filho!— Sua mãe tem a tendência de sempre sair pela tangente. Já notou

isso, Davis? Quase todas as mulheres são assim. É bom você começar a entender isso desde já.

— Não faz mal, Scott. Gosto dela assim mesmo.— Eu também. Até mesmo porque esse não é um defeito tão grave

assim. — Scott piscou, sorrindo.— Podem continuar a falar mal de mim. Façam de conta que não estou

aqui. — Valéria ajeitou os cabelos. — Se não tivéssemos de seguir adiante, eu faria uma lista das características masculinas que as mulheres não gostam nos homens.

— Pelo que entendi você adora o deserto, mamãe.— Sim, filho. Só não entendo por que está insistindo tanto nesse

assunto.— Não há nenhuma razão especial. Simples curiosidade. Após a

primeira refeição do dia, os três limparam a louça e ostalheres, selaram os cavalos e se foram, em busca do tão sonhado

tesouro.— Agora é a vez do Veado, a quinta indicação do mapa.— Parece que vai chover de novo — previu Scott, olhando para o céu.— Talvez. — Valéria suspirou. — Porém, hoje, as nuvens não estão

muito pesadas.— Não teremos raios nem trovões. — Davis parecia desapontado.— Gosta de emoções diferentes, não é mesmo, meu menino?— Há uma gruta aqui por perto onde possamos acampar se a chuva

cair forte, Scott?— Não teremos outra tempestade, Valéria.

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— Sabe de que estou me lembrando? Os olhos de Mokesh não eram sempre amarelados. Havia dias em que estavam castanhos, e em outros, verdes.

— Jamais se esquecerá de seu velho companheiro. Estou certo, Davis?— Ele foi meu melhor amigo, Scott. Tenho muita saudade. Como o

atalho se estreitasse em determinado ponto naquele trecho, eles tiveram de prosseguir em fila indiana até que o caminho se alargasse outra vez. Mais alguns metros e...

— Ali está o Veado. Não foi difícil encontrá-lo. — Scott o apontou.Queriam examiná-lo e, por isso, pararam para descansar.Scott olhou para um dos cavalos e viu que estava mancando.

Examinou os quatro cascos do animal. Porém, não encontrou nada que pudesse esclarecer por que ele andava daquela maneira.

— Não estou entendendo o que há com ele. A carga não está pesada. Não deve ser nada sério, mas de qualquer forma, não podemos forçá-lo. Seria perigoso. Teremos de diminuir a marcha.

—Já pensaram na hipótese de que os espíritos estejam querendo impedir que eu encontre o tesouro?

— Não pode se deixar envolver assim pelas lendas, Davis. — Valéria achou que o filho estava se deixando influenciar demais pela cultura ndee. — Admito que são todas maravilhosas. Porém, não passam de histórias. Os espíritos não determinam aonde devemos ou não devemos ir.

—É divertido imaginar que eles nos observam a todo momento, mamãe.

Scott achou melhor não interferir na discussão entre mãe e filho.— Vamos descansar um pouco. A chuva não tardará a passar e, então,

prosseguiremos.— Só falta um pouquinho para chegarmos ao lugar onde está o

tesouro. Vamos continuar Scott, por favor. Você mesmo disse que ninguém iria derreter por causa da chuva.

— Davis mostrava-se mais ansioso a cada minuto.— Não há pressa. Seu tesouro não irá fugir. — Scott não cedeu.Talvez fazer um outra parada fosse uma maneira de ele prolongar o

tempo que ainda ficaria ao lado de Valéria. Dentro em breve, ela estaria partindo para Nova York, levando Davis consigo.

— Hoje é sua vez de nos contar uma história, Valéria — ele pediu.

Capítulo VIII

A chuva fina continuava a cair. Davis dormia em sua barraca, e Valéria conversava com Scott na barraca dele.

— Scott, fale-me um pouco de você. Quero saber mais sobre sua vida.Scott preferiu contar a ela algo agradável. Não seria conveniente

falarem de problemas àquela hora da noite.— Já lhe falei sobre minha gatinha?— Disse que daria um filhote para Davis, lembra-se?

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— Sim. A mãe dele se chama Sheba. Certo dia, pela manhã, eu a encontrei na soleira de minha porta. Estava com muita fome e miava sem parar.

— Quem a colocou ali?— Minha vizinha falou que devia pertencer a uma família que morava

em uma casa em frente à minha. Mudaram-se e não levaram Sheba.— Que maldade!— Deviam ter motivos para abandonar o animal sozinho.— Não concordo. Eles poderiam ter tido a boa vontade de arranjar

outro lar para ela. Fico muito brava quando as pessoas agem assim. Arranjam um animal para lhes fazer companhia e, quando ele não é mais conveniente, descartam-no. Gente assim merecia um belo castigo. — Valéria meneou a cabeça. — Você se apegou a ela?

— Muito. É minha amiguinha querida.— Quem cuida de Sheba quando você está trabalhando?— Meu amigo Nick.— E o filhote que pretende dar a Davis?— Está com ela. Faz pouco pariu uma ninhada. Uma dentista que mora

perto de mim tem um gato siamês, e nós dois decidimos marcar um encontro dele com Sheba. No início, minha gata ficou um pouco arisca. Porém, depois, mudou de idéia. E qual foi o resultado? Cinco lindo gatinhos. Não imagina com que carinho Sheba cuida deles.

— Teve de levá-la ao veterinário para que ele a ajudasse na hora do parto?

Scott fez que não.— Preparei uma caixa para Sheba colocar sua cria, sentei-me no chão,

perto dela, e conversei com ela enquanto os filhotes saíam de sua barriga. Estava nervoso como se fosse o pai dos bichinhos.

Valéria não conseguiu controlar o riso.— Quieta! Vai acabar acordando Davis.— Não há o menor perigo. Nem mesmo se um leão entrasse na

barraca, meu filho acordaria antes de o dia amanhecer.— Não exagere...— Então, você ficou ao lado de Sheba enquanto ela tinha os gatinhos!— Confesso que fiquei emocionado. O terceiro bebê nasceu bem

menor que os demais. Sabe o que ela fez? Colocou-o de lado sem limpá-lo como havia feito com os dois primeiros.

Só depois que o quarto e o quinto nasceram e foram devidamente higienizados é que ela cuidou do pobrezinho.

— E ele conseguiu sobreviver?— Sim. Está vivo, embora seja ainda muito pequeno. E Sheba dá a ele

a mesma atenção que dedica aos demais.— Por que será que Sheba não o aceitou quando nasceu?— Li em algum lugar que a fêmea sempre rejeita o filhote que é

diferente dos irmãos. Ela o coloca de lado e o deixa morrer.— Para mim isso é incompreensível.— Em geral, se esse filhote sobrevive, ele cresce com alguma

anomalia. Por isso é que a mãe prefere que morra, para não sofrer mais na fase adulta. Afinal, um animal assim não pode se defender de possíveis

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predadores. No reino animal a evolução acontece assim, a maior chance é dada aos maiores e mais sadios.

Scott cogitou que Valéria pudesse estar pensando na rejeição a que o pai de Davis o vinha submetendo. E desejou que ela não fizesse um paralelo com a realidade dos gatinhos.

Ela bocejou, levantando-se para se despedir.— Já vou indo. Boa noite, Scott.— Durma bem, minha querida. E não se assuste com o coaxar dos

sapos lá fora. Estarei aqui para protegê-la.Valéria ficou enternecida com a atenção que Scott deu à gata na hora

do parto. Ele tinha mesmo uma sensibilidade muito maior do que a de todos os outros homens que conhecia. Cada palavra, cada gesto, cada atitude de Scott faziam com que ficasse cada vez mais apaixonada.

Valéria acordou com um grito. Em um primeiro momento, ficou atordoada, sem saber onde estava.

O foco da lanterna de Scott estava direcionado para Davis, que se debatia deitado em seu saco de dormir. Ela se levantou para acudi-lo, mas Scott a precedeu. Ergueu o menino nos braços e tentou tranquilizá-lo.

— Está tudo bem, está tudo bem... Não tenha medo.Aos poucos, Davis foi se acalmando, até que Scott pôde deitá-lo de

novo no chão.— De vez em quando ele tem esses pesadelos que o deixam

apavorado. E não consegue acordar.— Ocorre com muita frequência, Valéria?— Não, é raro. Mas não se trata de algo muito simples. A pediatra

suspeita que Davis possa ser sonâmbulo. Porém, não tem ainda elementos suficientes que possam confirmar o prognóstico.

— Como ele se sente depois que acorda?— Muito bem. Como se nada tivesse acontecido.— Nesse caso, não haverá problema se prosseguirmos nosso caminho?— Não. Podemos sair bem cedo, como sempre o fazermos. Obrigada

por se preocupar com meu filho, Scott.— Ele parece estar bastante sereno. De qualquer modo, se você não se

importar, virei dormir aqui, para qualquer eventualidade.— Claro, venha sim.Scott foi até sua barraca e voltou logo. Colocou a lanterna acesa ao

lado de seu saco de dormir de modo que o ambiente não ficasse em completa escuridão.

Perto dele, Valéria estava deitada com os olhos fechados. Ele a observou durante alguns minutos. Ela sentiu a proximidade do corpo dele e indagou:

— O que está acontecendo?— Você está muito sexy hoje, sabia? Vou desligar a lanterna e pedir-

lhe que venha ficar aqui, juntinho de mim.A barraca ficou às escuras, e Scott a puxou si. Valéria o abraçou e lhe

ofereceu os lábios. Ele se deitou em cima dela e começou a acariciá-la o corpo, as mãos deslizando por baixo do camisão que Valéria usava.

O desejo dela por Scott quase a fez esquecer que Davis estava ali, próximo a eles, dormindo, tranqüilo.

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Foi Scott quem primeiro caiu em si e cessou seus afagos.— Não devemos nos arriscar. Davis pode acordar e nos ver fazendo

amor. Seria terrível.Valéria retornou a seu lugar e se acomodou em seu saco de dormir.— Durma bem, querida.Muitas vezes a sensatez vinha acompanhada da frustração. Mas aquilo

não era novidade para Scott.Davis acordou Scott e Valéria.— Sonhei com Mokesh.— Teve outro pesadelo, filho? Davis hesitou antes de responder:— Quase.Scott foi o primeiro a se levantar.— Bom dia, crianças — cumprimentou-os, sorridente.— Não querem que lhes conte meu sonho? — Davis ficou desapontado.— Evidente que sim — Valéria o encorajou.— Sonhei que havia encontrado o tesouro: muitas, muitas pe-pitas

bem pesadas.— Como sabia que eram pesadas? — Scott o fitava, atento.— Segurei algumas delas. Quando ergui os olhos, Mokesh estava lá,

bem perto do tesouro. "Não, Davis!", ele gritou. "Não precisa delas."— E você, o que fez, filhinho?— Olhei outra vez para as pepitas para me certificar de que não

haviam desaparecido e, quando voltei a encarar Mokesh, ele tinha desaparecido e se transfigurara em uma enorme cascavel.

— Você teve um pesadelo, meu filho — Valéria concluiu.— A cobra sacudia a cauda como se tivesse enlouquecido. Pus-me a

correr para escapar dela e deixei as pepitas caírem no chão. A cascavel se aproximou e sibilou sobre elas, fazendo com que derretessem.

— E então? — Valéria acariciou seus cabelos.— Sumiu. E sabem quem surgiu no lugar da cobra?— Quem? — Scott ficou curioso.—Você. Surgiu de repente no lugar onde tinha estado a cascavel.

Emocionado, Scott não fez nenhum comentário sobre o sonho de Davis.— Se não nos apressarmos, não chegaremos hoje ao local do tesouro

— Valéria os fez lembrar.Scott foi até a entrada da barraca a fim de sentir a temperatura.— Está friozinho — informou a Davis e Valéria. — O céu encontra-se

um tanto coberto, porém parece que não irá chover.—Vá pôr suas roupas, Scott—Davis o apressou.—Eu também vou me

trocar. Por favor, mamãe, vire-se de costas para mim, sim?— Não se preocupe. Meus olhos estão fechados.Já vestidos, os dois saíram da barraca e foram preparar o des-jejum.Davis estava ansioso.— Coma devagar, meu filho. Cuidado para não engasgar.— Tenho certeza de que encontraremos muito ouro. O sonho foi um

aviso.— Os sonhos não preveem o futuro. Apenas refletem nosso

subconsciente — Valéria o advertiu.— O próprio Mokesh lhe falou que você não precisava de ouro.

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— Você e mamãe estão querendo estragar tudo, Scott!— Cuidado com as fantasias, filhinho. Elas podem ser muito divertidas

enquanto não as confundimos com a realidade — Valéria quis ensiná-lo.Scott tomou aquelas palavras para si. Não seria seu relacionamento

com ela uma fantasia? Também ele precisava ficar atento, ser cauteloso. Do contrário, poderia estar criando um sério problema para si mesmo.

Os três montaram seus cavalos, em silêncio. Scott olhou para o animal que mancara no dia anterior e percebeu que andava com muito mais Firmeza.

Valéria se pôs a assobiar a canção de O Mágico de Oz. Scott sorriu. Ela escolhera uma música apropriada para aquele momento. Poderia apostar que não encontrariam nem ouro nem prata quando chegassem ao local assinalado no mapa com um X.

Na verdade, tinha plena convicção de que não achariam ali ab-solutamente nada.

O último trecho da jornada era muito íngreme, e os cavalos subiram bem devagar, fazendo com que o trajeto parecesse infindável. Assim, chegaram a uma superfície plana, onde desmontaram.

— Deixe-me ver o mapa — Scott pediu a Davis.Ele o tirou do alforje e o entregou, e Scott o estendeu no solo. Valéria

se juntou a eles para analisá-lo.— Aqui está! — Scott declarou. — O fim da linha.— Enfim, chegamos! — bradou Davis, feliz da vida. Scott enrolou o

mapa e o devolveu ao garoto.—Pode guardá-lo. Não precisaremos dele enquanto estivermos

procurando o tesouro.Davis o colocou no alforje e voltou correndo para o lado de Scott.— Escutem! Não se afastem de mim. Ficaremos o tempo todo juntos.

Os três. Entenderam?Valéria e Davis assentiram.—Circundaremos a área no sentido horário—Scott continuou.— E não pensem que será fácil acharmos seja lá o que for que Mokesh

tenha entendido por tesouro.Já haviam percorrido alguns metros quando Davis falou:— Há alguma coisa aqui debaixo de meu pé.Scott se ajoelhou e apalpou o chão no lugar indicado pelo menino.

Logo sentiu que tinha algo ali. Ficou de cócoras e cavou a terra, até que percebeu que se tratava de um objeto cortante.

— O que é isso, Scott?— Ao que tudo indica, Valéria, trata-se do pedaço de uma picareta.

Alguém já andou escavando por aqui.A julgar pela aparência do metal que ele desenterrou, Valéria concluiu

que a tentativa devia ter acontecido muito tempo atrás. Ela estendeu o braço, e Scott o colocou na palma de sua mão.

— Vou guardá-lo. Davis gostará de ter uma recordação deste passeio — ela decidiu.

Andaram um pouco e, mais adiante, encontraram um monte de pedras mais ou menos alto que, ao que parecia, já havia sido parte de uma

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formação rochosa que se localizava em um nível acima do lugar onde se achavam.

— Lembrem-se de que a Superstition Mountain é de origem vulcânica — Scott esclareceu.

—Está dizendo que elas podem ter sido lançadas por um vulcão que existia aqui por perto?

— Sim, Valéria. Há muitos e muitos anos.— Todas as coisas interessantes deste mundo existiram antes de eu

nascer — Davis lamentou. — Como os dinossauros e os vulcões.— Não é verdade, meu filho. Ainda há muito a se fazer.— Como, por exemplo, encontrar o tesouro — disse Davis. Fecharam o

círculo sem encontrar nada.— Vamos iniciar a segunda volta — Scott os animou.— Se não descobrirmos nada, o melhor que a fazer será montar nos

cavalos e fazermos o caminho de volta. — Valéria queria preparar o filho para uma possível decepção.

Apesar de suas palavras, ela desejou que suas previsões estivessem erradas. Jamais acreditara na existência de nenhum tesouro. Porém, naquele momento, rezou para que acontecesse algum milagre que fizesse com que seu filho ficasse feliz.

— O que é aquilo? — Davis apontou.No centro da área que exploravam, viram um monte de pedras

pequenas, encimadas por outras maiores. A coloração esbranquiçada de uma delas se distinguia do tom marrom-avermelhado das demais.

Valéria quis examiná-la. Tentou puxá-la, mas não conseguiu removê-la dali na primeira tentativa. Era maior e mais pesada do que imaginara.

Scott teve mais sucesso. No entanto, provocou o deslocamento das demais, fazendo com que resvalassem pelas outras e rolassem no solo.

Valéria se afastou para não ser atingida.— Eu só queria ver por que a cor dessa pedra era diferente.— Olhem lá! — Davis gritou. — Uma abertura!Valéria se virou na direção que o filho indicava e constatou que existia

mesmo uma fenda ali.Passou-se quase uma hora até que os três conseguissem remover

todas as pedras que impediam Scott de, com sua lanterna, iluminar o interior da abertura e descobrir o que tinha dentro da cavidade.

Depois, se afastou para ceder lugar a Davis.— Veja você mesmo.O menino se aproximou e satisfez sua curiosidade. No entanto, ficou

triste. Voltou-se para a mãe e revelou-lhe o segredo:— Apenas alguns desenhos feitos na rocha.Valéria pediu que o filho desse alguns passos para o lado e decidiu

entender sobre o que ele estava falando. E ficou maravilhada diante das estranhas figuras que pintadas na rocha. Dirigiu-se a Davis, perguntando:

— O que essa pintura o faz lembrar?— Não sei. Talvez os desenhos de uma criança.—Raciocine, meu filho! Onde viu desenhos muito semelhantes a estes?As pupilas de Davis brilharam.— No mapa! No mapa de Mokesh!

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— São bem parecidos, não é?— Então, Davis, vamos lá! — Scott o estimulou. — Isso significa que...— Mokesh disse que o mapa era bem antigo e havia sido feito bem

antes do ano em que ele nasceu — Davis se lembrou. — Nesse caso, quem quer que o tenha feito viveu muitos e muitos anos atrás. E foram os ancestrais ndee de Mokesh!

— E então? — Scott quis que ele continuasse.— Assim, esses desenhos são mesmo muito, muito antigos.— São chamados pictogramas. E foram os nativos americanos que os

fizeram. Muitos desenhos desse tipo já foram encontrados em vários lugares deste país. Todavia, não se sabe ao certo de quando datam.

— São petróglifos — Valéria elucidou ao rememorar uma exposição que vira em Nova York.

Aquelas pinturas que tanto haviam decepcionado seu filho tinham um valor incalculável.

— Se Mokesh estivesse vivo — Scott imaginou —, ele diria que os Anciãos fizeram aqueles desenhos na rocha e que os ndees os tinham descoberto ali.

— Quem eram os Anciãos? — Davis se interessou em saber. — Ouvi muito falar deles, mas não sei quem são ao certo.

— Sei apenas que chegaram aqui antes dos ndees, e seus espíritos ainda habitam a montanha. No entanto, o único indício de que os Anciãos um dia viveram nesta região são os pictogramas, os petróglifos.

— Acredito que, além dos ndees, fomos nós as únicas pessoas que viram os petróglifos — Valéria se orgulhou.

— Todas estas pedras foram cuidadosamente colocadas neste lugar. E, depois, os ndees fecharam a abertura para proteger os pictogramas — Scott expressou sua conclusão.

— E agora? O que faremos?— Cada um de nós olhará mais uma vez para os desenhos, Davis, e em

seguida colocaremos as pedras de volta no lugar onde estavam. Este é um local sagrado para os ndees. Não deve ser violado.

O respeito que Scott tinha por aquelas obras de arte despertou a admiração de Davis.

— Mokesh quis que eu visse o trabalho dos Anciãos — o menino murmurou.

— Deu-me o mapa porque gostaria que eu conhecesse este lugar sagrado.

— Acredito que tenha sido isso o que aconteceu, meu filho. Depois que todas as pedras foram recolocadas em seus devidos

lugares, o sol surgiu pela primeira vez desde que havia parado de chover.

— Os Anciãos estão nos agradecendo! — Davis sorriu.Davis estava esfomeado quando voltaram para perto da barraca.

Depois de os três fazerem uma refeição ligeira, Scott decidiu revelar seu segredo:

—Davis, um dia você me perguntou como fiquei sabendo tanto sobre os ndees, mas não lhe respondi. — Ele fez uma pausa antes de prosseguir:

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— Na verdade, sou um deles. E, nesta jornada, aprendi que não tenho por que esconder minha origem.

Valéria notou que Scott estava muito feliz.— Eu também queria ser um ndee — Davis manifestou sua vontade.— Deve ter orgulho de sua linhagem.— Gostaria tanto de ser um feiticeiro... como Mokesh... — o menino

insistiu.— Para ser um feiticeiro, não é preciso que seja um ndee. Davis não

entendeu a afirmação de Scott.Valéria observava a conversa dos dois. Scott tratava seu filho como

amigo, encorajando-o quando ele se sentia enfraquecido e elogiando-o no momento certo.

Em poucos dias, Davis adquirira maior autoconfiança. Encontrara em Scott os valores que deveria ter visto em Neil, seu pai.

Aquele fora, na realidade, o tesouro que Valéria encontrara naquela montanha.

E o reencontro com Scott? Não teria também sido aquele um presente que os Anciãos haviam lhe dado? Naquele momento, qualquer resposta seria ainda prematura.

— Está na hora de levantarmos acampamento e tomarmos o rumo de volta para casa — Scott anunciou.

— Desta vez, não me perderei no meio dos cactos. — Davis sorriu.— Não vamos nos despedir de Pauline?— Voltaremos por um outro caminho, Valéria. E mais curto. Não

podemos nos esquecer de que, dentro de alguns dias, vocês terão de tomar o avião para Nova York.

— É mesmo. Nossa casa não é aqui no Arizona.— Nós dois moramos em Nova York, meu filho. E é para lá que

devemos retornar — Valéria enfatizou.Dentro em pouco, Scott já não estaria mais com eles. Não haveria mais

noites de luar, nem um céu salpicado de estrelas.— O Arizona é muito mais divertido do que Nova York — Davis

lamentou-se.— Diz isso porque, chegando lá, terá de começar a cumprir suas

obrigações. Enquanto, aqui, você apenas se divertiu — Valéria argumentou.— Sentirei muita saudade de você, Scott. — Davis olhou para ele com

muita tristeza.Valéria ficou apreensiva. Temia que o filho fizesse a Scott alguma

indagação constrangedora como, por exemplo, quando pretendia ir a Nova York para vê-los.

Scott já devia ter pensado em uma desculpa convincente para dar a Davis, deixando claro que seria impossível para ele se ausentar de Phoenix.

— Este nosso passeio foi maravilhoso, Davis. Jamais esquecerei os dias que passamos juntos nesta montanha.

— Acha que posso comentar com meus colegas que vi o lugar sagrado dos ndees, Scott? Prometo que não relarei o local.

— Muitos pictogramas já foram expostos à visitação pública em museus do mundo inteiro.

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— O que eu mais queria agora era que Mokesh estivesse vivo para que, quando chegássemos a Nova York, eu pudesse contar a ele tudo sobre nossa jornada na Superstition Mountain.

— Esteja certo de que Mokesh já sabe de tudo. Davis voltou-se para Scott.

— Acha mesmo?— Não tenho a menor dúvida.

Capítulo IX

Nas noites que se sucederam, ao contrário do que Valéria esperava, Davis se recolheu cedo à barraca, deixando-a sozinha com Scott. Sentados no chão, eles conversavam enquanto apreciavam a paisagem.

Ambos pareciam temer a continuação do idílio que viviam após tantos anos sem se ver.

Era chegada a hora das perguntas que, talvez, já deveriam ter sido feitas. E ambos se indagavam até que ponto tinham o direito de pedir ao outro que dissesse como seria o relacionamento entre eles daquele ponto em diante.

O momento era difícil e... decisivo. Scott se adiantou:— Esta será nossa última noite na montanha.— Que pena! — Davis suspirou.Valéria também estava melancólica, despreparada para a separação.

Seria muito difícil despedir-se de Scott. Em poucos dias, ele se incorporara a sua família, que até então se resumia a Davis e ela.

"Passarei a noite com ele, fora da barraca", ela resolveu. "Somos adultos. Temos de conversar sobre tudo o que está acontecendo conosco. Não podemos ficar constrangidos como se fôssemos dois adolescentes."

A fim de distrair a atenção dos problemas que teria de encarar naquela noite, ela se pôs a observar a vegetação que ladeava a descida da serra.

Jamais supusera que existisse tamanha variedade de arbustos e plantas cactiformes naquela região tão árida. Habituada à folhagem viçosa da costa leste, o Arizona lhe parecia bastante exótico.

Quando pararam para dar água aos cavalos, Davis olhou para o céu e viu um falcão.

— Aposto que ele está procurando um lagarto para comer.— Ou qualquer outro bicho — Scott acrescentou.— Espero que não nos ache apetitosos — Valéria brincou.— Eles não devem gostar de carne humana, mamãe. Valéria piscou

para Scott antes de perguntar:— Tem certeza de que não existem vampiros por aqui?— Se existirem, a esta hora já devem estar dormindo. Davis percebeu

que eles estavam brincando, e não se intrometeu.— De qualquer forma, nossa jornada teria mesmo que chegar a seu

final. A água e a comida já estão acabando.— Temos o bastante para hoje à noite, Scott? — Valéria se preocupou.— Sim. Mas amanhã já não teríamos.

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Quando programava um acampamento, Scott sempre calculava uma boa sobra. No entanto, daquela vez, a jornada pela montanha se estendera muito além do previsto.

Porém, naquele momento, desejou que o passeio se prolongasse ainda mais.

O que Valéria e Davis não sabiam era que, se quisessem, poderiam chegar ao Brenden's Bronco Corral ainda naquele mesmo dia. Contudo, Scott se determinara a passar aquela noite com ela.

Sentia-se à vontade para tomar aquela decisão sem consultá-la porque não lhe cobraria um só centavo por seu serviço. Portanto, não estava sendo desonesto. Além do mais, ainda faltavam dois dias para o voo deles até Nova York. Desse modo, não haveria risco de perderem o avião.

Estava ansioso por ficar a sós com Valéria. Como fazer Davis, uma criança de nove anos de idade, entender que deveria dormir na barraca? Gostava muito do menino e ia sentir a falta dele. Porém, apaixonara-se por Valéria e não podia deixar que Davis, ainda que sem querer, estragasse a última noite de amor que teria com ela na montanha.

Desmontando de Fremont, resolveu:— Vamos acampar aqui. Amanhã tomaremos o desjejum no Brenden's.— E hoje, no jantar? O que comeremos — Davis, para variar, estava

com fome.— Macarrão e três latas de molho de tomate. E podemos dividir duas

latas de suco de laranja.— Adoro macarrão!Depois da refeição, sentaram-se no chão e se puseram a conversar.— Por que não nos conta uma história, Davis? — Scott sugeriu. O

menino não parecia muito entusiasmado. Porém, concordou.— Querem ouvir o que Pauline me disse?— Deve ser interessante, filho.— É sobre um guerreiro chamado Wind Dancer.Davis começou a relatar a lenda de uma virgem ndee que, quando

atacada por um lobo, foi salva por um soldado que não podia falar, porém cantava muito bem. Seu nome era Wind Dancer.

— A moça ficou muito ferida, e Wind a curou cantando uma canção mágica só para ela. Apaixonaram-se e pretendiam se casar. — Davis fez uma pequena pausa. — No entanto, todos o soldados do pelotão foram convocados para resgatar um grupo de mulheres que haviam sido surpreendidas por uma tempestade de neve. Para salvá-las, Wind lutou sozinho com um urso. E, num determinado momento, ele e o animal despencaram penhasco abaixo.

— Morreram?— Foram dados como mortos, mamãe. O abismo era tão profundo que

foi impossível resgatar o corpo do soldado. Quando seus companheiros voltaram para o acampamento militar com as mulheres que foram salvas, estavam de luto. Wind Dancer não retornaria mais.

— E sua noiva? — Scott se interessou.— Chorou muito. Porém, logo chegou a primavera, e a moça parecia

bem mais feliz. As mulheres ficaram desconfiadas. Ela se recuperara rápido demais.

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— Apaixonou-se por um outro soldado?— De maneira nenhuma, Scott. As mulheres queriam descobrir o

motivo de sua alegria constante. Seguiram-na e a encontraram sentada em um jardim de flores silvestres. Um passarinho trinava em seu ouvido, agitando as asas, que tinham as cores do uniforme que seu noivo costumava usar.

— Que lindo! — Valéria exclamou.— E assim, todos ficaram sabendo que o soldado havia voltado para

sua amada.— Gostei muito de sua história, Davis.— Então, agora é sua vez, Scott.— Está bem. Outro dia você nos contou como o Coiote roubou o fogo

do Vaga-Lume. Hoje, vai ficar sabendo como disse aos Gansos Selvagens o quanto os admirava porque sabiam voar. "Podem me convidar, nem que seja uma só vez, para um passeio com vocês?", perguntou a eles. Lisonjeados, os Gansos emprestaram-lhe sua plumagem e acolheram o pedido. Antes, todavia, advertiram-no de que jamais deveria olhar para baixo quando estivesse voando, pois poderia cair.

Se, por acaso, isso acontecesse, que pronunciasse uma palavra mágica, pois ela faria com que nada de mal lhe acontecesse. Fingindo ter esquecido a recomendação, o Coiote começou a perder altura. E aterrissou no campo dos Vaga-Lumes, assim como havia planejado. Tirou a plumagem que os Gansos lhe emprestaram e se pôs a procurar uma estratégia para roubar o fogo dos Vaga-Lumes.

Scott olhou para Davis, perguntando:— Sabe o que os ndees pretendiam ensinar a suas crianças com essa

lenda?— Não estou bem certo.— E você, Valéria?—Que não deveriam acreditarem estranhos que lhes dissessem que

queriam acompanhá-los apenas para se divertir — arriscou o palpite.— Eu sei!— Pois diga, Davis.— Que não deveriam revelar seus segredos a ninguém.— Dê-nos sua versão, Scott.— Bem... Acho que queriam ensiná-las a não confiar em todos os que

lhes fizessem elogios.— Mamãe, agora é sua vez.— Sinto muito, meu filho. Hoje estou sem inspiração.— Se é assim... acho que vou dormir.Scott percebeu que Davis se privava do prazer de dormir ao ar livre só

para deixá-lo a sós com Valéria. Era um menino admirável! Qualquer outra criança de sua idade teria teimado em ficar com eles.

— Vou ficar um pouco aqui com Scott...— Não se preocupe, mamãe. Posso dormir sozinho na barraca. Se

precisar, eu os chamo. Boa noite.— Tenha bons sonhos, meu amor.— Nós nos vemos amanhã, amigão.

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E o casal se deitou lado a lado, em seus sacos de dormir, e ficou em silêncio durante alguns minutos.

— Estamos em lua crescente.— E, por causa da escuridão, o brilho das estrelas parece mais intenso

— Valéria acrescentou.Scott ergueu-se um pouco, apoiou-se no cotovelo e aproximou-se dela.— Sei que terei muita saudade de você e de Davis.— Nós também sentiremos sua falta. Scott ia beijá-la, mas Valéria o

deteve.— Não torne nossa despedida ainda mais difícil, Scott. Logo teremos

de voltar a nossa rotina.— Não diga mais nada, por favor.Naquele exato momento, ouviram o uivo melancólico de um coiote.Valéria cogitou recolher-se à barraca. Porém, permaneceu onde

estava. Seus olhos se encheram de lágrimas quando, sem saber por que, se lembrou da história que Davis lhes contara. "A noiva de Wind Dancer deve ter sofrido muito com o desaparecimento dele."

— Pauline contou alguns segredos a Davis.— Ela parece ter se afeiçoado ao menino. — Scott esboçou umsorriso. — Não costuma abrir sua casa para receber as pessoas. Trata

dos feridos, mas jamais os convida para permanecer tanto tempo na cabana.

— Será que se sente feliz morando sozinha aqui na montanha?— Não posso imaginá-la vivendo na cidade.— Em lugar em Phoenix você mora? — Valéria quis saber.— Nos arredores do centro. Comprei a casa de um cliente por um bom

preço, quando ainda exercia a advocacia.—Em todo caso, ainda preferiria morar no campo, não é mesmo?—Meu trabalho me proporciona algumas oportunidades de dormir sob

o céu salpicado de estrelas. Contudo, devo ter herdado alguns genes de minha mãe. Gosto de ter uma residência na metrópole para onde possa voltar.

— Mesmo que não haja ninguém esperando por você?— Eu tenho alguém que fica muito feliz toda vez que chego.— Quem? — ela ficou apreensiva.— Sheba, minha gata. — Scott riu. — E agora que tem os filhotes,

transformou nossa casinha em um verdadeiro lar.— Se eu não tivesse de trabalhar, adoraria ficar o tempo todo tomando

conta de Davis, como Sheba faz com sua cria.— Os animais costumam tomar conta de seus filhotes só até o

momento em que eles já podem se defender sozinhos.— Davis ainda precisa de mim.— Não tanto quanto você imagina, Valéria. O garoto pode ser bem

mais independente do que pensa.— Sua companhia fez muito bem a meu filho.— Seria muito bom se pudéssemos ficar de férias para sempre.— Não posso me queixar do que faço. Gosto de meu trabalho. Apenas

gostaria de poder me dedicar mais a meu filho.

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— Por que não passam a noite em minha casa, amanhã? — Scott sugeriu. — Tenho um quarto de hóspedes. Assim, Davis poderá escolher o gatinho que lhe darei de presente.

Embora o convite fosse irrecusável, Valéria não aceitou de imediato.—Acha que assim o pouparemos da árdua tarefa de despachá-lo para

Nova York?Scott se sentiu ofendido com a pergunta.— Eu não quis dizer isso. Apenas gostaria de prolongar nossa

convivência.—Davis e eu também teríamos muito prazer em ficar com você mais

uma noite — Valéria tentou reparar sua indelicadeza.Na verdade, se ela pudesse, adiaria a partida deles por alguns dias. No

entanto, isso seria impossível. Teria de retornar à clínica no dia seguinte a sua chegada a Nova York. Além do mais, seu filho também devia retomar as aulas.

— Diga-me, Valéria, acha que Davis ficou desapontado por ter encontrado os petróglifos em vez de ouro?

— Ele ainda é um pouco infantil para entender o valor dos pictogramas. Porém, quando for mais velho, entenderá a riqueza da experiência que vivenciou aqui na montanha.

— E quanto a você?O maior tesouro que Valéria encontrara na Superstition Mountain fora

a descoberta de que nem todos os homens eram iguais a Neil. Scott lhe devolvera a alegria de ser mulher. Era sensível e amoroso, e a fizera sentir-se a pessoa mais feliz do mundo.

"Não se precipite, Valéria", disse a si mesma. "Ainda é cedo para saber o que aconteceu de fato entre vocês. Pode vir a sofrer uma outra decepção."

Ela havia passado apenas alguns dias com ele e já estava achando que se apaixonara. Como deixara aquilo acontecer? Afinal, não era mais uma adolescente.

Como Valéria não respondesse ao que perguntou, Scott ficou preocupado:

— O que está acontecendo? Você não está bem?— Estou pensando sobre o que ocorreu conosco.— Não quer compartilhar suas conclusões comigo?— Não!Valéria se sentia constrangida, temerosa de que ele percebesse a

emoção que a dominava. Scott não tinha interesse em nenhum relacionamento duradouro, isso estava claro para ela. Não queria vínculo amoroso com nenhuma mulher. O amor não era parte de seus planos.

— Está me devendo uma história, Valéria. Davis contou a dele, e eu, a minha. Falta você.

— Não sei contar histórias.—Quero saber mais sobre sua vida. Diga algo sobre sua família.— Deixe-me ver... Bem... Posso lhe contar um episódio que aconteceu

comigo quando eu era ainda criança.— Ótimo! Era algo assim que eu estava pensando em ouvir.

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— Então, vamos lá. Vou lhe falar da irmã de minha avó. Chamava-se Letty e era bem mais velha do que ela. Só fiquei sabendo de sua existência quando, certa ocasião, escutei minha mãe conversando com minha avó na sala de visitas de nossa casa. Eu era uma criança e estava embaixo da mesa, brincando com meus carrinhos.

— Você brincava com carrinhos?— Eram de meu pai, e ele os deu a mim. Pois bem, naquela tarde,

mamãe e vovó não sabiam que eu estava ali. Em um dado momento, mamãe perguntou à vovó por que o nome de Letty nunca era pronunciado na família. Até aquele momento, eu não tinha a menor idéia de que existia essa minha tia-avó. Como minha avó se esquivasse do assunto, minha mãe insistiu para que ela lhe contasse tudo sobre Letty. "Foi ela quem quis assim!", vovó afirmou. "Fez por merecer o que lhe aconteceu!"

— Deve ter sido algo muito grave.— Não tire conclusões precipitadas. Minha avó continuou, dizendo que

seus pais haviam repudiado Letty e retirado todos os seus retratos do álbum de fotografias. Além disso, proibiram que todos as pessoas da família pronunciassem seu nome.

— Mas, afinal, o que Letty fez?— Os tempos eram difíceis, e meu avô vinha tendo problemas

financeiros por causa de sua fazenda em Iowa. Letty conseguiu arranjar um emprego em Las Vegas, e os parentes pensavam que ela trabalhava como secretária. O dinheiro que lhes mandava os ajudava a superar parte das dificuldades. Além disso, enviava também maravilhosos presentes para minha avó, que era ainda uma criança e não via a hora de se tornar adulta para poder ir também para Nevada encontrar-se com Letty. Naquela época, todos os cassinos, com exceção de um ou dois, ficavam no centro da cidade e pertenciam à Máfia. Certo dia, meu bisavô abriu o jornal e deparou com a terrível manchete: Letty havia assassinado seu amante mafioso.

— Ela trabalhava como bailarina em um dos cassinos — Scott deduziu.— Não. Segundo as palavras de minha avó, ela havia "caído na vida".— Por que matou o amante?— Ciúme. Ele tinha uma outra mulher.— Letty foi presa?— Sim, e solta logo em seguida. No entanto, alguns dias depois sofreu

um acidente fatal: morreu atropelada quando atravessava uma rua.— A família deve ter sofrido muito.— Pelo contrário. Ficaram aliviados, pois ela não os envergonharia

mais. Não ocorreu a nenhum deles que Letty pudesse ter sido assassinada pelos amigos de seu amante, por temerem que ela revelasse os segredos do grupo.

— Os tempos eram outros.— Jamais contei isso a ninguém, Scott. Devo admitir que tenho uma

grande admiração por essa minha tia-avó. Não por ter matado o amante, mas por ter tido a coragem de viver da maneira como queria, sem se importar com a opinião dos outros.

— Você disse que, nessa época, a família estava enfrentando dificuldades financeiras.

— Isso mesmo. E foi Letty quem os ajudou.

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— Porém, eles não se lembraram disso.— Não. Se Davis tivesse nascido uma menina, eu teria lhe dado o

nome dela.Scott a trouxe para perto de si e a abraçou.— Está melhor assim?Valéria não respondeu. Aninhou-se a ele e lhe ofereceu seus lábios.Como os dedos, Scott percorreu o rosto dela e, devagarinho, fez com

que descessem até o pescoço, acariciando-o.— Não consigo me controlar quando estou perto de você, Valéria.Ela era única. Nenhuma outra o fizera sentir-se tão másculo, tão forte.

Scott sentia que Valéria precisava que ele a protegesse.— Scott, você sabe que não podemos...— Eu entendo, meu amor. Não se preocupe. Jamais faria algo que

pudesse magoar Davis..Scott se lembrou de sua gatinha, Sheba. Quando a vira à soleira da

porta de entrada da casa, não pensou em ficar com ela. Um bichinho de estimação iria tolher a liberdade que tanto prezava.

Todavia, aos pouquinhos, Sheba entrou em sua vida para ficar. Sem perceber, Scott, a cada dia, se apegava mais à gata. Porém, Sheba era apenas um animalzinho.

E Valéria? Se assumisse um compromisso com ela, teria de mudar por completo seu modo de encarar o mundo.

Por outro lado, sabia que, dali em diante, separar-se dela para sempre poderia ser um sofrimento insuportável.

Capítulo X

Na manhã seguinte, Davis foi o primeiro a acordar. — Vocês dois, aí! Não pretendem se levantar? Valéria abriu os olhos e o cumprimentou:

— Bom dia, meu filho.— Davis! Por que acordou tão cedo? O dia ainda não amanheceu de

todo!— Você disse que tomaríamos café no Brenden's, lembra, Scott?Na véspera, Valéria não se trocara para dormir. Sendo assim, teve

apenas de calçar as meias e as botas.— Todas as mulheres presentes, façam o favor de se virar de costas

para que eu possa me levantar e vestir meu jeans — Scott brincou.Valéria sorriu para Davis e obedeceu.— Ajude-me a desmontar a barraca —- Scott pediu ao menino. — Em

seguida, iremos direto para o Brenden's onde comeremos... o que mesmo, Davis?

— Panquecas!— Aposto que até sonhou com elas à noite.— Não. Mas, para dizer a verdade, não vejo a hora de chegar lá —

respondeu.

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— Pois eu ficaria aqui na montanha mais alguns dias — Valéria se manifestou, já se aproximando de Susie Q. — Agora que já sei montar direito, acho uma lástima termos de voltar para Nova York.

— Você sempre diz que o saber não ocupa lugar, mamãe.— Está vendo, Valéria? Seu filho não se esquece nada do que diz a ele.—Todas minhas roupas já estão sujas. Precisarei lavá-las quando

chegarmos.— Vai lavar suas roupas na casa de Scott, mamãe?— Ainda não lhe contei, filho. Ele nos convidou para pernoitar em sua

residência, e eu aceitei.— Quer dizer que hoje mesmo verei meu gatinho? Que bom!— Você escolherá aquele que quiser. Daqui a algumas semanas eu o

despacharei para Nova York.Em meia hora, chegaram ao Brenden's, e Scott contou a Mac, o

proprietário, que um dos cavalos estava mancando.— Quase já não se percebe — ele acrescentou. — Mas seria

conveniente mandar examiná-lo.— Farei isso agora mesmo.— Espere, Mac. Quero falar com você.— Do que se trata, Scott?—Não cobre de Valéria o aluguel dos animais. Depois eu acerto com

você o que ela lhe deve.— Como quiser.Após o café da manhã, Valéria agradeceu a Mac por ter escolhido Susie

Q para ela.— Comportou-se muito bem e me deixou bastante segura — Valéria

elogiou a égua.— Percebi que você não era uma amazona muito experiente — Mac foi

sincero.— Quanto lhe devo?— Nada.— Mas eu...— O pagamento deve ser feito a Scott.— Façamos o seguinte, Valéria — Scott sugeriu. — Vamos até o

aeroporto, e você devolve o carro que alugou. E amanhã, eu os levo até lá. Está bem assim?

— Acho sua idéia razoável. Até mesmo porque o aeroporto fica no caminho para sua casa.

Jane AndersonNa agência de automóveis, a funcionária perguntou se eles viajariam

para Nova York naquele mesmo dia.— Não — Valéria respondeu. — Iremos amanhã.— Perguntei porque a senhora pode não ter ouvido que o Aeroporto de

Nova York está fechado por causa de uma tempestade.— Obrigada pela informação. Eu não sabia disso. Passamos alguns dias

na Superstition Mountain sem saber o que acontecia no resto do mundo.— Amanhã, antes de virem para cá, seria conveniente que ligassem

para a companhia aérea a fim de se informar se os aviões para Nova York estão decolando.

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—Isso significa que poderemos ficar mais alguns dias em Phoenix? Que sorte! — Davis exultou.

— Meu chefe não ficou muito contente quando lhe pedi alguns dias de folga para eu poder viajar com você, filho.

— Se perder o emprego, poderemos voltar para o Arizona e morar aqui — o menino simplificou o problema.

Na caminhonete de Scott, Davis, sentado entre ele e Valéria, fazia perguntas sobre tudo o que via.

Valéria seguia preocupada. As notícias sobre o provável cancelamento dos voos dificultariam seu retorno a suas funções. Não podia perder o emprego.

— Mamãe, você parece estar aborrecida.— Não é isso, querido. Estou apenas um pouco apreensiva por causa

da viagem de volta. Se não pudermos embarcar amanhã...— ...ficaremos com Scott. Isso não é bom? Ele tem uma piscina e uma

banheira de hidromassagem, além de um violão.— E você pretende aproveitar tudo isso em um só dia?— Quem sabe vocês serão obrigados a ficar aqui por mais uma

semana? — Scott mostrava-se eufórico.— Vocês dois estão esquecendo que preciso trabalhar.— Vamos, Valéria! Admita que não vê a hora de entrar em minha

Jacuzzi.— Não posso negar. Estou mesmo precisando de um banho bem

demorado.Ao chegarem, Scott parou o carro de frente para a garagem.Abriu a porta com o controle remoto e estacionou a caminhonete ao

lado de seu BMW.— Esse automóvel é seu?— Sim, Davis. Eu o dirijo apenas em ocasiões muito especiais, quando

tenho de me lembrar de que sou advogado.— Aposto que a gravata ainda está no banco de trás — Valéria

pilheriou.Quando entraram, Sheba estava na cozinha. Parecia aguardar a

chegada de Scott.— Ela não está muito contente com você — Davis observou.— Sheba não gosta que eu fique muitos dias fora.Scott a pegou nos braços, e a gata logo subiu em seu ombro.— Estava com saudade, não é mesmo, minha menina? Dirigindo-se a

Davis e Valéria, pediu-lhes que o acompanhassem até o quarto de hóspedes.

— Fiquem à vontade. A casa é de vocês.Mais tarde, após tomar seu banho, Valéria encontrou Scott e Davis na

sala de visitas, ajoelhados no chão, ao lado da caixa onde se achavam os filhotes de Sheba. Olhou para a cria da gata e viu que seus bebês eram todos brancos.

— Já escolheu o seu, filho?— Sim, mamãe. É este aqui. Ele se chama Zorro.— Mas... é tão raquítico! — ela se decepcionou.

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— Por isso mesmo ficará comigo. Zorro precisa de mim. Os outros são mais fortes e mais independentes.

Scott o apanhou e o colocou nos braços de Davis. Sheba não fez nenhuma objeção.

— Ele tem a cauda torta — Davis observou. — E é um pouco vesgo.— Às vezes isso acontece com os gatos siameses.Zorro cravou as garras na camiseta de Davis e tentou subir em seu

ombro.O menino riu, feliz.— Ele já gosta de mim!— Scott e eu escutamos a previsão meteorológica pela televisão,

mamãe. Está caindo uma tempestade de neve em Nova York.— Telefonei para a companhia aérea, e eles me informaram que não

haverá voos para lá e para Nova Jersey amanhã e depois de amanhã. Garantiram que ligariam para confirmar a saída do próximo voo.

— Então, como você mesmo disse, não há nada a ser feito — Valéria se conformou.

— Aproveitarei para ir ao shopping. Onde fica o mais próximo daqui, Scott?

— Vai fazer compras, mamãe? — Davis quis saber. — Eu e Scott combinamos nadar um pouco após o almoço.

— Podemos ir com ela ao shopping enquanto fazemos a digestão. Depois, nadamos. O que acha, Davis?

Todavia, quando terminaram de comer, Nick, o amigo de Scott que ficara tomando conta dos gatos enquanto ele estava na montanha, apareceu para lhe fazer uma visita.

— Olá, Hunter!Scott o apresentou a Davis e Valéria.— Desta vez, demorou bastante tempo na montanha.— Tivemos alguns contratempos e ficamos na Superstition mais alguns

dias, Nick.— Bem, vim aqui para convidá-lo para assistir a um rodeio, amanhã.

Tenho dois ingressos e...— Gosta de rodeios, Davis? — Scott perguntou.— Só os vi na televisão.— Não gostaria de ir com Nick?— Eu adoraria. Posso, mamãe?— Sim, claro, filho.— Nick, vou até o shopping com Valéria. Pegue uma sunga em minha

gaveta e fique na piscina com Davis — Scott o convidou. — Voltaremos logo. Enquanto isso, vocês aproveitam para se conhecer melhor. Davis é um grande garoto!

—Tem certeza de que quer me levar para ver o rodeio.—Davis tinha lá suas dúvidas.

— Nick tem um filho da sua idade — Scott disse.— Quantos anos tem, Davis?— Nove. Fiz aniversário em novembro.— Meu filho, Tommy, é um ano mais novo que você.

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Quando voltaram das compras, Valéria e Scott se juntaram a Nick e Davis na beira da piscina. Sheba se acomodou no colo dela, e Valéria acariciou a cabecinha da gata, observando a alegria de seu filho, que se divertia com Nick na água. Sem dúvida, Davis parecia agora um menino muito mais feliz.

Quando o tempo começou a esfriar, eles saíram da piscina. Nick trocou de roupa e se despediu, prometendo voltar no dia seguinte e levar Davis ao rodeio.

— Scott, há muito tempo estou querendo lhe fazer uma pergunta.— Pois faça, Valéria.— Você cancelou algum programa para nos acompanhar à montanha?— Nada muito importante. Eu ia até o Caribe. Porém, resolvi seguir

com vocês à Superstition Mountain.— Por falar nisso, tem de me dizer quanto lhe devo.— Não me deve nada. Foi um grande prazer ter revisto uma grande

amiga."Uma grande amiga! Então é isso o que sou para ele: uma grande

amiga!" Valéria ficou magoada.— Obrigada. Mas ainda assim eu prefiro...— Não quero tocar mais nesse assunto, por favor. Foi uma grande

alegria ter ido à montanha com você e Davis.— Gostaria de lhe agradecer, sobretudo por todo o carinho que teve

com meu filho.— Ele foi um grande companheiro durante toda nossa jornada. — Scott

estava sendo sincero. — Preocupo-me muito com Davis. Você precisa ajudá-lo a ter mais confiança em si mesmo.

— O pai dele é seu maior empecilho. Como sabe, Neil não lhe dá a menor atenção.

— É uma pena, porque Davis não poderá esquecer que tem um pai. Embora eu ache que, nesse caso, o melhor para ele seria mesmo ficar bem longe de Neil.

— Davis não faz mais questão da presença dele.— Mamãe, já vesti meu pijama!— São sete horas e precisamos jantar. Você comeu alguma coisa na

hora do almoço, Davis? — Scott indagou.— Nick fez macarrão.— Então, para variar, podemos pedir uma comidinha chinesa do

restaurante. Que tal?Após o jantar, os três se recolheram e dormiram assim que puseram as

cabeças nos travesseiros.Scott se viu em um platô, e tinha um cobertor enrolado no corpo. Seus

cabelos compridos, puxados para trás, estavam presos em uma trança que chegava até a altura da cintura.

Era, ao mesmo tempo, duas pessoas: ele mesmo e uma outra que, a princípio, não conseguiu identificar.

— Então, chegou a hora de nos encontrarmos — disse-lhe uma voz sibilante.

Quem estaria falando com ele? Scott não saberia dizer.

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— Você tem nosso sangue — a voz prosseguiu falando. — Preste atenção ao que vou lhe dizer.

— Vovô? — Scott reconheceu. — O que quer me falar?— Por que não nos ajuda? É tão inteligente e conhece tão bem as leis

do homem branco!Scott ficou atônito e continuou ouvindo:—Fique atento! Talvez não seja suficiente lhe dizer apenas que você é

um de nós. Olhe para mim.De repente, em cima da pedra sobre a qual, poucos minutos atrás, não

havia nada, apareceu uma cascavel.— É Mokesh, o Guardião — Scott murmurou para si mesmo.— Seja um guerreiro, rapaz!Naquele exato momento, um tufão passou pelo platô e ergueu Scott no

ar, arrancando-lhe o cobertor que o envolvia e deixando-o nu.Scott acordou em sua própria cama, sem suas roupas.— Tive um sonho? Ou terá sido uma visão? — ele ficou na dúvida.Sentou-se no colchão e esperou o sono voltar.

No quarto de hóspedes, Valéria não conseguia conciliar o sono. Mesmo acordada, sonhava estar em um outro lugar, sozinha com

Scott, na cama com ele. Ansiava por seus braços prendendo seu corpo junto ao dele.

Revirou-se de um lado para o outro, ficou de bruços, esticou e encolheu as pernas, abraçou o travesseiro à procura de uma posição confortável que a ajudasse a dormir.

Ouviu alguém dizer seu nome e pensou que era Davis quem chamava por ela. Abriu os olhos e não o viu deitado a lado dela.

Em pé, perto do leito, Scott vestia apenas a calça do pijama.— Dorminhoca! — ele brincou. — Sabe que horas são? Onze. Davis já

foi para o rodeio com Nick.Valéria sentou-se e ajeitou a cabeleira para trás.— Que tal tomarmos o desjejum em minha banheira de

hidromassagem? — Scott sugeriu.Ele se aproximou dela e lhe acariciou os ombros.— Estou com fome — ela disse. — O que vamos comer?— É surpresa. Venha! Levante-se daí. E não precisa se preocupar em

se vestir. Estamos sozinhos em casa.Scott tirou a calça do pijama e sugeriu ficarem nus enquanto faziam

sua primeira refeição do dia.— Estarei esperando por você em meu quarto, Valéria.Ela se sentiu constrangida diante da idéia de andar nua pela

residência. Na verdade, sua camisola não era nada discreta. O tecido transparente e o decote ousado deixavam as formas de seu corpo bastante sensuais. De qualquer modo, não estava de todo despida.

— Está tão bonita que eu até estou pensando em lhe pedir que não tire a roupa — Scott a elogiou ao vê-la entrar em suá suíte.

Ele havia colocado o desjejum no tablado de madeira que circundava a banheira de hidromassagem: café, leite, chocolate, pães, manteiga, queijos, geléias, biscoitos, suco de laranja, morangos...

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Sem dar atenção ao que Scott lhe dissera, Valéria se desnudou.Jamais tivera uma experiência semelhante àquela. Neil, seu ex-marido,

não era um homem criativo.— Quer que eu o sirva?—Prefiro que entre aqui na água comigo. Podemos comer aqui dentro.Valéria colocou o pé na água com delicadeza, e Scott a ajudou a

descer para a banheira. Em seguida, ele a serviu de chocolate e colocou uma torrada com geleia em sua boca.

— É de laranja?— De tangerina.— Está uma delícia — Valéria aprovou.Quando ela terminou de comer, Scott aproximou o rosto de seus lábios

e os beijou com paixão. Valéria o abraçou e deixou que ele a acariciasse. Desejou que aquele momento jamais terminasse.

A respiração de Scott ficou ofegante quando as mãos dela deslizaram por seu corpo.

Valéria teve a sensação de que não seria capaz de aguentar tanto prazer.

Enrolada na toalha, Valéria ia apanhar sua camisola, quando Scott a impediu.

— Eu... — ela quis protestar.— O que há de mal em ficarmos nus?— Scott, preciso de um tempo.—Amanhã você estará em Nova York, e eu ficarei aqui. Vamos

aproveitar o curto período que nos resta. Já experimentou a geleia de pêssego?

— Ainda não.— Venha, vamos comer.Eles se sentaram no tablado e terminaram de tomar o café da manhã.— Está com frio, não é mesmo, Valéria?— Você não me deixa vestir minha camisola! — queixou-se.— Sei de um lugar bem quentinho. Vamos para minha cama. Venha!No quarto, Scott retirou as cobertas e se deitou com Valéria em sua

king-size, abraçando-a bem junto a si.Aconchegados um ao outro, eles adormeceram.Alguns minutos se passaram até que Valéria, assustada, sentou-se no

colchão, gritando:— O que é isso?!Sheba saltou da cama e desapareceu no corredor. Scott se pôs a rir.— Eu estava certo de que havia fechado a porta.— Não percebemos quando ela chegou.— Estávamos dormindo, Valéria.— Será que não foi ela mesma que abriu a porta? — Valéria perguntou,

brincando.— Não duvido nada. Os gatos são muito espertos.— E Sheba está acostumada a ser a dona da casa.— É verdade. Será muito difícil para Sheba se acostumar com a idéia

de ter uma rival.

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Valéria estremeceu. Estaria Scott prestes a se casar com alguma outra mulher? Decerto já estava ficando preocupado com a namorada, e dissera aquilo sem querer. Cancelara a viagem que fariam juntos ao Caribe e, decerto, conseguira convencê-la de que tinha um compromisso de trabalho.

— Você não tem uma garota, Scott?— Tenho, sim.— E... vai se casar com ela?— Estou pensando nisso.— Está muito apaixonado?— Muito. Como jamais me apaixonei por nenhuma outra em toda

minha vida.Valéria quis lhe perguntar qual era o nome de sua noiva, porém não

teve coragem.Estava certa. Existia mesmo uma mulher com quem Scott já tinha um

compromisso sério. E talvez estivesse em dúvida se queria se casar com ela ou não. E quando Valéria lhe telefonara, ele concordara em ir com Davis e com ela para a montanha a fim de ter algum tempo para pensar se queria mesmo assumir uma vida em comum com sua noiva. Ou então... aquele passeio fora apenas o que as pessoas chamavam de despedida de solteiro.

— Aonde você vai? — Scott quis saber quando ela se levantou.— Ao banheiro.— Não demore. Vou ficar com saudade. "Cínico!", Valéria desabafou

consigo mesma.Quando retornou ao quarto, ela abriu o armário e retirou de lá a roupa

que havia comprado no shopping, na véspera.— O que está fazendo? — Scott não entendeu sua atitude.— Vou me vestir — afirmou, decidida.— O que está havendo, Valéria.— Não acha que já se divertiu o bastante?— Que absurdo é esse que você está dizendo?!— Sei que tem uma noiva, Scott.— Mas... de onde tirou essa idéia maluca?— Você mesmo me disse. Sem querer.— Quando? — Scott não se conformava com o absurdo daquelas

palavras.— Quando falou que Sheba teria de se acostumar com uma rival.— Eu disse isso?!— Sim! Não faz nem cinco minutos que eu o ouvi dizer isso. E posso

lhe garantir que não estou ficando louca! — esbravejou.— Pois então vou repetir: não tenho nenhuma outra mulher. Entendeu

agora?— Não tem de me dar satisfações de sua vida, Scott.— Não estou prestando contas de nada. apenas lhe digo que está

enganada, Valéria. E, por favor, volte para a cama.Valéria sentou-se na beirada da king-size, e Scott, segurando o braço

dela, lhe disse:— De uma vez por todas, eu gostaria de deixar bem claro que não sou

do tipo que manipula a expectativa de ninguém. Não sou mau-caráter. E,

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desde já, quero lhe pedir que, quando tiver alguma dúvida a meu respeito, me dê a oportunidade de esclarecer os fatos. Não tenho o hábito de mentir.

— Scott, eu...— Já é a segunda vez que você tira conclusões precipitadas a meu

respeito.— A segunda vez?! — Valéria não entendeu a que ele estava se

referindo.— Sim. Quando éramos muito jovens e, uma certa tarde, eu resolvi ir a

sua casa.Valéria começou a rir.— Não acredito que está me dizendo isso!— Por acaso estou mentindo?—Não, Scott. Não está.—Valéria se inclinou sobre ele e beijou seus

lábios.— Assim está melhor — Scott se acalmou.Valéria ainda não sabia que Scott havia telefonado para a companhia

aérea e tinha sido informado de que, dependendo das condições climáticas em Nova York, o próximo vôo para lá sairia na noite do dia seguinte. Em todo caso, ele deveria aguardar uma ligação para uma confirmação.

Por isso, ele decidiu tornar aquele dia dela em Phoenix memorável para ambos.

Davis só voltaria depois do jantar, pois Nick se propusera a ficar com o menino para que Scott e Valéria pudessem ficar sozinhos.

— Onde está Sheba? — Valéria indagou. — Veio até aqui só para ver o que estávamos fazendo, depois, foi embora.

Scott ergueu o corpo e se apoiou no cotovelo. Aproximou seu rosto do dela, dizendo:

— Sabe que é uma mulher muito sensual?— O que faz com que pense assim?— Talvez porque só de olhar para você eu já fico com vontade de fazer

amor.Valéria chegou ainda mais perto dele e se ofereceu sem reservas. E,

com paixão, lhe retribuiu as carícias.Jamais Scott imaginara que pudesse sentir uma mulher tão sua. Valéria

o fazia muito feliz. Estava decidido a renunciar a sua liberdade para tê-la para sempre a seu lado.

Sugeriu que fossem para a piscina e nadassem nus.Pela primeira vez, Valéria teve certeza de que jamais teria sido feliz

com Neil. Além de desatencioso com Davis e com ela, ele era um homem muito conservador e não sabia como satisfazer uma mulher. Jamais ficara toda nua na frente de seu ex-marido.

Scott quis fazer amor outra vez e, de novo, a levou ao delírio.O dia foi inesquecível para os dois.— Estou pensando seriamente em voltar a exercer minha profissão de

advogado, Valéria.— Posso saber o que o levou a tomar essa decisão?— Um sonho que tive com meu avô e com Mokesh.— E então?— Ele me disse que eu deveria defender o direito dos ndees.

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— Apesar de analisar os sonhos de uma maneira diferente da sua, acredito que isso seria muito bom para você e para eles.

— Não acredita que meu avô tenha querido me enviar uma mensagem?

— Para ser sincera, não, Scott. Porém, quanto a você voltar a exercer sua profissão, acho uma ótima idéia.

— Mamãe, Scott! — Davis chamou por eles. — Onde vocês estão?— Aqui, na piscina — Scott respondeu.— Sabem onde fui jantar? Nick me levou a um restaurante mexicano.Valéria sorriu, feliz.— Olá, pessoal — Nick os cumprimentou ao entrar. — Não podem

imaginar como Davis e eu nos divertimos.— Estou vendo — disse Scott. — Devem ter feito poucas e boas.— Seu filho me faz lembrar de Tommy. Há muito tempo não o vejo.

Sou divorciado, e ele está com a mãe.— Obrigada pelo carinho que demonstra ter com ele, Nick.— Ele disse que sairá comigo sempre que eu estiver aqui em Phoenix,

mamãe.— Então, está combinado? — Nick perguntou a Davis.— Quando voltaremos aqui, mamãe?— Logo que pudermos. Prometo, filho. Naquele momento, o telefone

tocou.— Alô? — Scott atendeu.Ao desligar, não parecia muito feliz ao informar:— Era do aeroporto. O vôo para Nova York está confirmado para

amanhã à noite. Às nove horas.

Capítulo XI

Valéria ficou surpresa. Era sua última noite no Arizona, e ela dormiu muito bem. Pela manhã, quando acordou, não se levantou de imediato. À noite, estaria embarcando para Nova York com Davis. Todavia, seu coração ficaria em Phoenix. Com Scott.

Ainda que sem saber se era correspondida, admitiu para si mesma que o amava.

Levantou-se e tomou um banho demorado. Vestiu a calça jeans e a blusa amarela que comprara no shopping center, com Scott.

Pela janela da cozinha, viu Scott e Davis conversando, muito animados, no quintal. "Devem estar falando sobre Zorro. Quando será que Scott pretende despachar o gatinho para nossa casa em Nova York?"

Era óbvio que o faria logo que pudesse. Valéria estava com muita fome, e preparou um desjejum reforçado.

Já tinha começado a comer quando Davis irrompeu na cozinha.— Scott está decidindo o que fará de sua vida, mamãe.— É verdade. Ele me contou-me que tem algumas mudanças em

mente — Valéria revelou.— Quer dizer que já lhe falou sobre isso?

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— Sim, pretende advogar para os ndees. Sonhou com Mokesh e o avô dele, que lhe pediu que o fizesse.

— Será que era mesmo Mokesh? — Davis não podia acreditar em tamanha felicidade.

— Era, sim, filho. Sob a forma de uma cascavel.— É maravilhoso! — Davis vibrou. — Mokesh o está orientando!— Ao que tudo indica, seu mapa mudou a vida de Scott, não é

verdade, Davis?— A nossa também. A sua, mamãe, acima de tudo — enfatizou.— Por que está dizendo isso? — Valéria o encarou, surpresa.— Bem... você teve de aprender a montar, não é verdade? Era

evidente que Davis estava lhe escondendo algo. Naquele exato momento, Scott empurrou a porta e entrou na

cozinha, interrompendo o diálogo entre mãe e filho. Fixou os olhos nela, dizendo:

— Vou sair, mas volto logo. Tenho algo importante para fazer. Porém, não devo demorar.

Scott desceu de seu BMW, entrou no shopping center e dirigiu-se para a joalheria.

— Bom dia—a funcionária o cumprimentou. — Em que posso ajudá-lo?— Bom dia, senhorita. Quero comprar um presente e gostaria que me

desse uma sugestão.— Queira me acompanhar. Por aqui, por favor.Entraram em uma das salas de atendimento e sentaram-se a uma

pequena mesa, um de frente para o outro.— De que gostaria, senhor? Uma pulseira, um colar, um par de

brincos?— A joia é para uma pessoa muito especial. Ela tem mais ou menos

uns... sessenta anos, é bastante simples, discreta, muito sensível e tem gosto refinado.

— Gosto refinado...— É uma senhora de uma elegância natural.—Temos algumas peças que, acredito, irão agradá-lo. Aguarde um

momento, por gentileza. Vou buscá-las.Em alguns minutos, a funcionária retornou com uma bandeja cheia de

peças de extremo bom gosto. Duas delas logo chamaram a atenção de Scott: a primeira era um anel com uma turquesa incrustada no aro em prata de lei. A a outra, um broche de ouro, tinha o formato de uma cobra. Duas pedras amarelas, na certa topázios, estavam engastadas no lugar dos olhos.

— Mokesh... — Scott sussurrou. — Vou levar o broche — decidiu.— Não gostaria de ver as outras joias?— O broche é perfeito para ela — Scott foi categórico. Imaginou como

Pauline ficaria emocionada quando recebesseo presente. Não por causa de seu valor material, mas porque a cobra

era um elemento muito presente nas lendas dos ndees. E Pauline era uma mulher que tinha grande apreço pela tradição de seu povo.

Scott ficou ainda algum tempo na joalheria antes de se dirigir ao caixa e pagar pelas compras.

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Voltou para casa e encontrou Davis e Valéria perto dos filhotes de Sheba, que se enroscavam uns nos outros. A gata já havia se acostumado com a presençados hóspedes e parecia não se importar que Davis segurasse Zorro no colo. Já tinha entendido que o menino não faria nenhum mal ao filhote.

Valéria sorria, enquanto acariciava a cabeça do gatinho.—Ainda que raquítico e com a cauda torta, Zorro foi o primeiro a ser

escolhido — Scott comentou. — Garoto de sorte!— Espero que ele não estranhe o inverno em Nova York.— Não se preocupe, Valéria — Scott a tranquilizou. — Os gatos se

adaptam com facilidade ao meio ambiente.— Eu já disse a Zorro que não precisa sentir saudade de mim — disse

Davis —, pois logo estaremos juntos.Valéria se levantou e seguiu Scott até a sala de visitas.— Já arrumou as malas? Ela fez que sim.— Você fica muito bem de amarelo — Scott elogiou, referindo-se à cor

da blusa que Valéria vestia.Era a primeira vez que ele a via usando uma cor alegre. Para a jornada

na montanha, Valéria escolhera apenas tons neutros, como o bege, o preto e o branco. Porém, aquilo não tinha a menor importância, a não ser pelo fato de que a mudança poderia significar que Valéria estava agora mais contente. E ele, sem dúvida, contribuíra para a transformação.

— Obrigada, Scott.Ele tirou uma caixinha do bolso.— Quero lhe mostrar o broche que comprei para Pauline.— Mokesh! É perfeito!— Gostou?— É muito significativo, Scott.— Você me ajuda a embrulhá-lo?— Com prazer. Eu também gostaria de lhe mandar um presente em

meu nome e no de meu filho. Estava pensando em um xale de lã. Vi alguns muito bonitos nas lojas do shopping.

— É uma boa idéia. Se quiser comprá-lo em Nova York, pode mandá-lo para mim pelo correio, e eu o farei chegar para Pauline.

Valéria embrulhou o estojo do broche com o papel dourado que Scott adquirira e enfeitou a embalagem com um laço verde-escuro.

— Está quase na hora de nosso vôo — Valéria avisou. — Seria bom colocarmos a bagagem no carro.

Scott teve vontade de lhe pedir que ela e Davis não voltassem para casa. E controlou-se para não tomá-la em seus braços e beijar-lhe os lábios.

— Vou buscar as malas no quarto de hóspedes.Valéria estava triste. Até aquele instante, conseguira manter uma

postura adulta. Todavia, à medida que a hora da despedida se aproximava, ela sentia seu autocontrole esmorecer.

Não queria chorar na frente do filho. Seria muito difícil explicar-lhe o motivo de suas lágrimas.

Agitado, Davis não via a hora de entrar no avião. Na noite anterior à vinda para o Arizona, ele não conseguira dormir. Chegara até mesmo a pedir a Valéria que cancelasse o passeio ao Arizona. Seria sua primeira

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viagem aérea, e ele estava com muito medo. No entanto, agora, a expectativa era muito diferente.

— Eu queria que Nova York fosse bem mais longe. Assim, poderíamos ficar mais tempo no avião, mamãe.

— Quer dizer que gostou da viagem de Nova York para cá, meu filho?— Adorei!— Não imagina como fico contente em vê-lo tão feliz.— O único problema é que não posso ficar ao mesmo tempo aqui no

Arizona e lá em Nova York.— Sabe que é impossível, meu amor.— Eu sei — Davis se conformou. — Vou sentir muita saudade de Scott

e de Zorro.— Muito em breve terá seu gatinho a seu lado.— Scott disse que ainda vai demorar um pouco para ele despachá-lo

para nossa casa.— Quando você menos esperar, Zorro já terá chegado a Nova York.Por que os adultos não podiam ser tão espontâneos quanto as

crianças? Valéria teve vontade de, a exemplo de Davis, dizer tudo o que sentia naquele exato momento.

Dentro de algumas horas estaria deixando o Arizona sem ter revelado a Scott que o amava. Seu grande receio era que ele lhe pedisse para esquecer tudo o que houvera entre eles na Superstition Mountain. Tinham sido muito felizes e teriam boas recordações das horas maravilhosas que vivenciaram.

Não, não era verdade. Scott também a amava. Tinha certeza de que o sentimento dele era tão intenso quanto o dela.

No aeroporto, depois que seu vôo fosse anunciado pelo alto-falante, quando estivesse se despedindo dele, Valéria lhe diria bem baixinho, bem perto de seu ouvido: "Eu te amo". Já dissera isso na primeira vez em que fizeram amor, mas ninguém leva muito a sério essa declaração num instante assim. Mal ele sabia que, naquele momento, já era a mais pura verdade.

Respirou fundo, segurou a mão de Davis e se dirigiu para o BMW de Scott.

No aeroporto, Scott tirou a bagagem de Davis e de Valéria do porta-malas, pediu a um carregador que a levasse ao balcão da companhia aérea e ele mesmo fez o registro da chegada dos dois. Em seguida, comunicou a eles que o funcionário que o atendera pedira desculpas pelo atraso do voo e, para compensá-los pelo transtorno, a companhia lhes ofereceria dois lugares na primeira classe.

Faltavam ainda alguns minutos para o embarque.— Querem tomar algo na lanchonete? Um café, um refrigerante? —

Scott ofereceu.— Vou beber um suco no avião. Também servem chocolates e balas —

disse Davis, feliz da vida.Valéria riu do entusiasmo do filho.— Obrigada, Scott. Não quero nada.— Eu gostaria de comprar uma revista, mamãe.Valéria abriu a bolsa para pegar a carteira, mas Scott a impediu.

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— Compre duas, garoto. Uma para você e outra para sua mãe. — E deu algum dinheiro ao menino. — Obrigado — Davis agradeceu e saiu correndo.— Gostaria muito de não ter de me separar de você, Valéria. Ela não

conseguiu dizer nem uma palavra, tamanha sua tristeza.Os dias que passara com ele na montanha haviam sido os mais felizes

de sua vida. E agora chegara a hora de dizer adeus.— Quero lhe contar um segredo — Scott continuou a falar.— Um segredo? — ela se espantou.Ele se inclinou, murmurando no ouvido dela.— Só o contarei a você: eu te amo. E preciso saber se voltará ao

Arizona para se casar comigo.Atônita, Valéria não acreditou no que acabara de ouvir. Scott a amava!

Diante daquilo, não poderia deixar de revelar a ele seu segredo:— E... eu... também te amo — confessou, por fim.— Devo entender que se casará comigo?O coração de Valéria começou a bater descompassado.— Sim, Scott. Quero me casar com você!Com muito esforço, Valéria conseguiu controlar o choro. Ele a abraçou

e beijou seus lábios com ardor, fazendo com que Valéria esquecesse que estava no aeroporto, no meio de tanta gente.

— Mamãe! Estão chamando os passageiros da primeira classe para embarcar.

Scott afastou Valéria de si e abraçou Davis, erguendo-o do chão.—Temos de ir, filho — ela disse, dando um beijo no rosto dele. — Até a

volta, Scott.— Ainda não lhe entreguei o presente que trouxe para você. — Ele

colocou uma pequena caixa na mão dela.No avião, após encontrar seu assento e o de Davis, Valéria colocou a

frasqueira no bagageiro. Acomodou-se em seu lugar e afivelou o cinto de segurança.

— O que Scott lhe deu, mamãe?— Não sei. Porém, agora podemos abrir a caixinha.— Que lindo! — Davis exclamou ao ver de que se tratava.O anel que Valéria havia ganhado era de brilhantes e safiras

incrustadas em ouro branco.— Coloque-o em seu dedo — Davis sugeriu.A batida seca da porta do avião se fechando anunciou que, dentro de

alguns minutos, a aeronave alçaria voo.Valéria já estava usando seu anel de noivado. Era chegada a hora de

participar o casamento ao filho.— Já marcaram a data?— Então... já sabe?! — Valéria se surpreendeu.— Que você e Scott pretendem se casar?— Eu ainda não lhe falei nada sobre isso, menino!— Conversei com ele enquanto passeávamos no jardim. Foi Pauline

que me orientou a fazê-lo antes que saíssemos do Arizona.Valéria se lembrou de que Pauline, em um dado momento, conversara

com Davis em particular.

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— Sobre o que ela lhe pediu que conversasse com Scott?— Ela me disse que vocês dois estavam precisando de um

empurrãozinho. E que, como seu filho, eu era a pessoa indicada para fazer isso. — Davis riu ao se lembrar das palavras da índia. — Em seguida, contou-me que os ndees acreditam que, quando um homem quer se casar com uma mulher, ele deve murmurar um segredo no ouvido dela. Do contrário, ela jamais será sua noiva. Pauline me pediu para dizer isso a Scott.

Davis olhou para a mãe, tentando analisar a reação dela.— Por que está chorando mamãe? Ficou triste?— As pessoas também choram quando estão felizes, meu filho.— Eu não vou chorar, apesar de estar muito, muito feliz. Scott afirmou

que gosta de mim tanto quanto gosta de você. Porém, de uma maneira diferente. E me disse que eu serei seu melhor presente de casamento.

Naquele momento, o pranto rolou solto pelas faces de Valéria. Ela não conseguiu dizer nada.

A aeromoça lhe perguntou se estava se sentindo bem. E Valéria lhe mostrou seu anel de noivado.

— Minha mãe está chorando porque está muito feliz — Davis lhe explicou. — Sabe de uma coisa? Acho que jamais entenderei as mulheres.

EpílogoUm ano depois, no Arizona, aconchegados um ao outro, no sofá da sala

de visitas, Scott e Valéria observavam Zorro, que provocava Sheba.— Daqui a pouco ela vai perder a paciência com ele — disse Scott.— Escute — Valéria o alertou. — Letty está chorando.O bebê era prematuro e, por isso, exigia uma atenção constante. Scott

e Valéria não descuidavam dela. Estavam sempre atentos e tomavam conta da filha com extremo amor e carinho.

— Não é Letty, Valéria. É a voz de Davis. Está conversando com alguém.

— Estranho! Não há ninguém aqui em casa além de nós dois e das crianças.

Valéria e Scott se levantaram e foram até o quarto dos filhos. Letty Hunter, com três meses de idade, deitada em seu berço, olhava para o irmão.

— ...e Quo-Qui, o menor menino da família ndee, aquele de quem todos costumavam rir, foi quem salvou seu povo, usando apenas a inteligência. — Davis segurava a mão de Letty, e ela apertou seu polegar. — Gosto muito de você. Não me importo que tenha nascido pequena demais. Quis lhe contar a história de Quo-Qui para fazê-la entender que tamanho não é importante. Ele também era o menor de sua família. No entanto, conseguiu salvar seu povo.

Letty balbuciou um som, e Davis teve a impressão de que ela estava entendendo tudo o que ele lhe dizia.

— Logo você crescerá, irmãzinha. E se, por acaso, não crescer, não se preocupe. Como dizem por aí, os pequenos triunfarão no final. Sempre que não souber alguma coisa, me pergunte. Eu a ajudarei.

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Scott e Valéria, parados à soleira, se entreolharam com lágrimas nos olhos. Sem fazer barulho, afastaram-se. Davis e Letty tinham muito o que dizer um ao outro.

Fim

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