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Sabrina Coração 408 Projeto Revisoras Sabrina Coração 408 Projeto Revisoras MINHA RIVAL (Wercker's Bride) Kathryn Cranmer Um homem despertando louca paixão em duas mulheres. Os braços de [b]Christopher Svenson[/b] eram um convite mudo e tentador. [b]Dulce[/b] desejou atirar-se neles e se perder de amor naquele abraço. [b]Christopher[/b] não era mais o diretor do filme que ela estrelava, o frio ditador de gestos e emoções. Agora ela estava diante de um homem apaixonado, ansioso por enredá-la num sutil jogo de sedução. De repente, porém, surgiu; [b]Belinda[/b], sua rival no filme e no 1

Sabrina 408 - As Rivais - Kathryn Cranmer

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Sabrina Coração 408 Projeto RevisorasSabrina Coração 408 Projeto Revisoras

MINHA RIVAL(Wercker's Bride)

Kathryn Cranmer

Um homem despertando louca paixão em duas mulheres.

Os braços de [b]Christopher Svenson[/b] eram um convite mudo e tentador.

[b]Dulce[/b] desejou atirar-se neles e se perder de amor naquele abraço.

[b]Christopher[/b] não era mais o diretor do filme que ela estrelava, o frio ditador

de gestos e emoções. Agora ela estava diante de um homem apaixonado, ansioso

por enredá-la num sutil jogo de sedução.

De repente, porém, surgiu; [b]Belinda[/b], sua rival no filme e no coração daquele

homem!

Digitalização JoyceRevisão Vanessa Cristina

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CAPÍTULO I

— Pelo amor de Deus, Dulce, não seja tão puritana! Andando de um lado para outro, Alan procurava acalmar-se, mas não conseguia evitar uma expressão de rancor a cada vez que fitava a jovem alta e esguia que estava parada junto à janela.

— Afinal, não somos dois estranhos! Nesses últimos meses fomos inseparáveis! — Após uma breve pausa, continuou num tom mais ameno: — Além do mais, sei que vocês duas estão em sérias dificuldades, não é mesmo?

Em resposta, a moça encolheu os ombros timidamente, mas a expressão de seus olhos verdes denunciava um tumulto de emoções.

— Você está cansado de saber que estou sem dinheiro. — disse Dulce, jogando para trás seus longos cabelos avermelhados.

— Então, não há dúvida de que você precisa de mais alguém para dividir as despesas do apartamento.

— Isso também não é novidade.Apesar de mostrar-se calma, Dulce se controlava para não gritar de raiva. A

insistência de Alan deixava-a nervosa, porém ele parecia não se dar conta disso.Acariciando-lhe a vasta cabeleira, recomeçou:— Essa sua frieza me desconserta. De que jeito posso convencê-la a aceitar

minha proposta? — dito isso, pôs-se a andar de um lado a outro da sala, sob o olhar desconfiado de Dulce.

Aquelas discussões estavam se tornando cada vez mais frequentes, e a tecla era sempre a mesma.

— Ouça, querida, você precisa de alguém que a ajude... Não vejo nenhum mal em me mudar para cá, uma vez que estou apaixonado por você, e um dinheirinho extra no orçamento é sempre bem-vindo.

Irritada, Dulce achou uma covardia que Alan utilizasse seus problemas financeiros para impor uma relação mais íntima entre eles. Mas não entregaria os pontos tão facilmente.

— já lhe disse várias vezes que não sou puritana, nem insensível. — Desviou o olhar para o jardim, percebendo que as flores estavam prestes a desabrochar naquele final de inverno.

Sabia que Alan Crosby considerava o casamento como uma instituição ultrapassada, não se conformando que ela relutasse em aceitá-lo apenas como amante. Por isso, julgava-a antiquada e desprezava seu medo de comprometer-se com qualquer homem, antes de ter certeza de seus sentimentos.

Inegavelmente, Alan era um homem atraente, e eles tinham muitos interesses em comum. No entanto, as frequentes discussões vinham deteriorando o relacionamento dos dois. De repente, ele se virou para Dulce, os olhos faiscantes de raiva.

Sentia ímpetos de sacudi-la pelos ombros, e sua voz tinha uma nota ameaçadora ao falar:

— O que você pretende, afinal? Pensa que estou para brincadeiras? Não sou nenhum garotinho para ficar fazendo o seu jogo de sedução, ouviu bem? Cansei da sua mania de tirar o corpo fora de qualquer envolvimento e desconfio que seu interesse por mim não passe de puro fingimento.

Assustada, ela meneou a cabeça numa negativa.— Por favor, Alan. Você sabe que gosto muito de você. Ele deu um sorriso

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apagado. Decerto, esperava que ela dissesse que estava loucamente apaixonada, o que teria sido uma mentira, pois para Dulce tudo não passara de uma simples empolgação.

— Alan, já discutimos mais de mil vezes esse assunto.. .— Falamos, só falamos! Tudo conversa fiada! Estou louco por você, mas não

posso esperar para sempre. O que eu quero é isto.Num gesto desesperado, puxou para si o corpo frágil que lhe resistia e beijou-

a de maneira agressiva, sem a mínima ternura.— Não faça isso! — gritou ela, debatendo-se. Livrando-se do abraço, limpou

a boca úmida com o dorso da mão. Diante da inesperada violência do beijo, agora estava tão irada quanto ele. Há algum tempo tentava acabar com aquele relacionamento de maneira diplomática, mas Alan insistia em se fazer de desentendido.

— Nunca mais faça uma coisa dessas! Estou começando a achar que ambos cometemos um grande erro. Você não se esforça nem um pouco para entender os meus pontos de vista.

— E você simplesmente ignora os meus!— Durante esse tempo todo você só teve uma ideia na cabeça: sexo! Acho

que isso é tudo o que quer de mim!— Não diga bobagens! Andamos juntos há meses, e nunca a forcei a nada.

Acha que eu ainda estaria aqui se fosse obcecado por sexo? Eu já teria dado o fora há séculos! Mas me cansei de gastar meu fôlego à toa. — Pegou a jaqueta e vestiu-a, com um gesto teatral. — Você precisa crescer, Dulce! Ainda está vivendo no passado. Suas ideias são as mesmas de há vinte anos atrás! Seria melhor que pusesse os pés no chão, antes que a sua vida acabe em brancas nuvens. Quando se der conta de tudo que perdeu, já estará de cabelos brancos, velha e enrugada, e não haverá retorno. Se quiser, terei o maior prazer em ajudá-la a se reconciliar com o mundo.

Vendo-o sair e fechar a porta atrás de si, Dulce aproximou-se da janela e acompanhou com o olhar a figura forte de Alan, que cruzava a rua com passos apressados. Há muito sabia que aquele relacionamento estava condenado a ter um fim. Mas a ausência dele deixaria um vazio em sua vida. Afinal, tinham sido amigos por um longo tempo...

Suspirando, fechou as cortinas e dirigiu-se para o canto da sala onde estava seu aparelho de som. Tristezas não pagam dívidas e, nesse caso, o provérbio era literal.

Por algum tempo acreditara amar Alan, mas agora estava tudo acabado. Ajoelhou-se e passou os olhos pela estante de discos. Ela e Lynn, sua companheira de apartamento, possuíam uma bela coleção de discos e Dulce escolheu uma faixa com um rock animado.

Estava tão envolvida com o ritmo eletrizante da música que nem ouviu a porta do apartamento abrir-se, dando passagem a Lynn, que parou, observando-a com uma expressão divertida.

— Não fale, Dulce. Deixe que eu adivinhe. Você passou no teste hoje de manhã, e foi contratada para um dos principais papéis da comédia que a companhia vai encenar. — Lynn sorriu e tirou o blusão de jeans, pendurando-o nas costas da cadeira. — Lá fora está fazendo um frio danado... E então, você conseguiu mesmo o papel, ou continuamos na pior?

Desanimada, Dulce aproximou-se da amiga. A briga com Alan a fizera

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esquecer-se de suas preocupações financeiras, que agora voltavam a torturá-la.— Sim... consegui — afirmou, com uma expressão desconsolada.— Nossa, que cara! Por acaso, eles pagam tão mal assim?— Para você ter uma ideia, vou receber bem menos do que ganhei com a

peça “A décima segunda noite”.Esta fora a última peça de que ela participara, fazendo parte do elenco de um

teatrinho mambembe cujas apresentações tinham terminado há dez dias.— Sinto dizer que ainda estamos a zero, Lynn. Acabei desistindo do papel. . .

Talvez eu venha a me arrepender por causa disso, mas o dinheiro era tão pouco e a personagem tão insignificante, que não valia a pena. Bem, logo, logo vão abrir as inscrições para a escolha do elenco do filme “A noiva náufraga”. Pode ser que eu esteja sendo otimista demais, mas se conseguir uma pontinha nesse filme, vou ganhar bem melhor. Cinema sempre rendeu mais do que teatro.

Se Lynn ficou desapontada, não deu maiores demonstrações.— Não fique deprimida, Dulce. Você tomou a decisão certa. O único

problema é com que dinheiro vamos comer pelo resto da semana.— Bem... pretendo receber meu auxílio-desemprego ainda hoje,— É melhor do que nada. Além disso, você fez algumas economias durante

as semanas em que trabalhou. E o que dizer de mim? Nos últimos dois meses só fui convidada duas vezes para desfilar. Acho que não foi uma boa idéia ter largado meu emprego de secretária para tentar uma profissão tão incerta como a de manequim.

— Três meses é muito pouco para alguém vencer nessa carreira, Lynn. E você sabe disso.

Dulce soltou um suspiro. Sentia-se responsável pelas dificuldades economicas que passavam. Afinal, tivera duas oportunidades para melhorar a situação e jogara ambas para o espaço.

— Alan esteve aqui. Mais uma vez ele insistiu em vir morar conosco e dividir as despesas do apartamento.

— Garanto que ele não estava disposto a dormir no quarto vago, não? — comentou Lynn, com uma cara de quem sabia das coisas.

— Acertou em cheio! Mas talvez não tenha sido uma boa idéia recusar o oferecimento dele. Na verdade, acabamos brigando. Se eu ao menos tivesse dado a entender que... Bem, ele seria capaz de vir morar conosco sem titubear.

— Não quero que se sacrifique por mim, Dulce. Você sabe muito bem que nunca morri de amores por Alan. Uma vez que ele mudasse para cá, você não iria mantê-lo a distância só pelo fato de ele ter um quarto separado. Aliás, vivo me perguntando como é que você conseguiu resistir a ele por tanto tempo! É evi-dente que Alan é louco por você, Dulce. Isso é a única coisa positiva que ele tem.

— Em parte eu lhe dou razão. Acontece que passamos bons momentos juntos. E ele era bastante compreensivo e amável. Talvez eu não tenha retribuído à altura...

— Bobagem! Compreensivo coisa nenhuma! Aposto que ele não iria parar de aborrecê-la, até conseguir o que queria.

Percebendo que Dulce continuava cabisbaixa e tristonha, Lynn levantou-se do sofá e resolveu mudar de assunto.

— Que tal um cafezinho? Estou precisando me esquentar. Venha comigo até a cozinha e vamos conversar enquanto ponho a água para ferver.

Sem nada a dizer, Dulce seguiu a amiga e sentou-se numa das banquetas da

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cozinha. O apartamento era relativamente pequeno: dois dormitórios, uma sala, uma minúscula cozinha e um banheiro ainda menor. Situava-se num bairro pouco atraente de Londres, num prédio antigo, cujo aluguel era tão caro que absorvia a maior parte do rendimento de ambas. Isso quando havia rendimentos!

De qualquer forma era um lar. O lar que Dulce escolhera desde que a mãe se casara de novo, mudando-se para o Estados Unidos. Embora se desse bem com o padrasto, não se sentira tentada a acompanhar o casal ao exterior. Preferira terminar o curso de arte dramática, apesar de a mãe ter procurado dissuadi-la da idéia.

Dulce conhecera sua companheira de apartamento através do padrasto, um velho amigo dos pais de Lynn, que quando soubera das intenções da enteada de morar sozinha, sugerira que ambas ficassem juntas. De início Dulce relutara, mas agora não abriria mão daquele arranjo. Com a convivência, nascera uma sólida afeição entre as duas.

— Não se preocupe, querida — consolou-a Lynn ao lhe servir uma caneca de café fumegante. — Tenho certeza que você tomou a decisão mais acertada. Seria uma tolice aceitar um trabalho tão mal remunerado, mesmo que não existisse a perspectiva de um teste para o filme. Você já passou do estágio de trabalhar apenas para adquirir experiência.

— Só não passei do estágio de precisar trabalhar para comer no dia seguinte — retrucou Claire, melancólica.

— Ah, não diga bobagens. — Lynn sentou-se na outra banqueta, mostrando nos lábios um sorriso animador. — Tome seu café e deixe de ser derrotista. Aproveite e me conte sobre o novo teste. Vai ser mesmo na sexta-feira?

— Sim, às dez horas. Como sempre, estou uma pilha de nervos. Ainda bem que a espera não vai ser muito longa e Mike prometeu me dar uma carona.

Joan, a esposa de Mike, era uma das amigas mais antigas de Dulce. Conheciam-se desde os tempos de escola e continuou a manter contato mesmo depois que Dulce abandonou os estudos universitários para ingressar no curso de arte dramática.

Mike, também um ator, conhecera Joan numa das visitas que esta fizera à amiga, e dois meses mais tarde já estavam casados. Dulce não acreditava em amor à primeira vista, mas naquele caso dava a mão à palmatória.

— Vai haver muita concorrência para esse papel? — perguntou Lynn, enquanto bebericava o café.

— No mínimo uns quinhentos atores desempregados! Lynn riu, sacudindo a cabeça.

— Sinceramente, Dulce, acho que você vai ter chance. Talento é o que não lhe falta. Talento e beleza... É só persistir, Além do mais, você é tão... tão sexy... Afinal de contas, uma boa aparência ajuda bastante, não ajuda?

— A maior parte dos diretores cinematográficos está atrás de carinhas bonitas e algo mais. Só que eu não resolvi ser atriz para arranjar problemas!

Realmente, Dulce queria alcançar o sucesso por seu próprio valor e não estava disposta a fazer concessões que a obrigassem a abandonar seus princípios. A ambição pelo estrelato era grande, mas não a ponto de levá-la a contrariar sua natureza.

Fitando o rosto pensativo da amiga, Lynn comentou num tom malicioso:— Alguns diretores são jovens e charmosos...— Sim, mas os encarregados de selecionar o elenco não entram nessa

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categoria, pode ter certeza.— É Christopher Svenson quem vai dirigir o filme, não? Eu o vi uma vez,

numa entrevista na televisão. — E acrescentou, com ar sonhador: — É um dos homens mais bonitos deste país.

— Não sei nada a este respeito. Ouvi falar que ele sabe escolher bem os roteiros. Nesse próximo filme tem de tudo: aventura, amor, violência.

— E sexo?— Acho que também. A locação é na Cornualha e a ação se passa no final do

século XVII, onde todo um vilarejo está envolvido na pilhagem e afundamento das naus que passam pela costa. Para completar, a quadrilha sempre mata os sobreviventes do naufrágio para não deixar testemunhas.

— Puxa, que interessante!— Pois eu acho o tema sanguinário demais para o meu gosto. Porém, no

naufrágio do enredo, uma moça francesa consegue alcançar a praia e sua vida é poupada pelo jovem aldeão que a encontra. Nasce um romance entre os dois e ela acaba se transformando na tal noiva náufraga do título. No elenco já constam dois nomes famosos. Richard Angrams vai interpretar o chefe dos salteadores e Belinda Lejeune fará a dama do solar que se apaixona por ele. Romance é o que não falta. Vá rezando para que o diretor que faz a seleção dos atores tenha um fraco por cabelos cor de cobre e olhos verdes.

— Não se preocupe. Já é mais do que tempo de você ter o sucesso que merece. Só Deus sabe o quanto você trabalhou para isso.

Dulce desligou o toca-fitas e sentou-se sobre as próprias pernas, suspirando. Ouvira pela centésima vez uma gravação de vozes com sotaque da Cornualha. Estava ciente de que deixava Lynn zonza de tanto escutar a gravação, mas, em compensação, conseguira assimilar bem o modo de falar da região. Mesmo assim, sua autoconfiança continuava abalada pelo nervosismo da expectativa do teste.

Por sorte, nos últimos dias sua companheira de apartamento saía de casa às oito e meia da manhã e só voltava à noitinha. Afinal, conseguira um emprego fixo como modelo de uma fábrica de confecções, o que garantiu o sustento de ambas. Dulce ficara contente com a nova situação, mas naquela manhã bem que gostaria de ter uma companhia para repartir seus temores.

Depois de guardar o toca-fitas, lembrou-se de que Mike viria apanhá-la de carro. Talvez a presença do amigo a acalmasse um pouco.

Relanceou um olhar pelo relógio e soltou uma exclamação. Mike chegaria a qualquer minuto e ela ainda não se havia aprontado. Correu para o quarto e olhou-se no espelho da penteadeira, que refletiu a imagem de uma moça alta e, esbelta, vestida com calça comprida de linho creme e uma blusa cor de morango. Não ficou nada satisfeita com a sua aparencia Achou que a blusa era berrante e que destacava demais os seus seios.

Ela ainda se analisava criticamente, quando ouviu o toque de uma buzina. Precipitou-se para a sala e escancarou a janela. O vento levantou seus longos cabelos, mas infelizmente não havia tempo para retoques, pois o carro de Mike já estava estacionado junto ao meio-fio. Dulce acenou antes de fechar a janela e voltar para o quarto em disparada, a fim de vestir o casaco de pele e passar uma echarpe pelo pescoço. Por último, pegou a bolsa e em menos de um minuto alcançou o portão do prédio.

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Chegaram ao local do teste com tempo de sobra, mas mesmo assim encontraram o grande salão de espera apinhado de gente. Pelo jeito, havia no mínimo cinquenta candidatos para cada um dos papéis. Dulce sentiu-se extremamente insegura.

— Coragem, minha querida... — sussurrou-lhe Mike ao ouvido. — Podia ser pior.

— Você está brincando! Nesta sala não cabe nem mais um alfinete! Tenho a impressão de que vamos morrer asfixiados. Será que isso é um novo método para reduzir o contingente de atores desempregados?

— Não seja tão pessimista — disse o amigo, apontando para um grupo de moças de collant e malha de bale. — Parece que a metade do pessoal veio para as provas de dança. Isto é, para o grande baile que há na abertura do filme.

— Isso reduziria a porcentagem para vinte e cinco atores para cada personagem. Grande consolo!

Mike sorriu.— Vá tirar esse casaco. Precisamos inscrever nosso nome na lista de

chamada.— Desculpe, Mike. Realmente, não faço outra coisa senão me lamentar. Fico

tão tensa antes de qualquer teste, que perco até o meu senso de humor.— Então, calminha. Com seu talento, você vai conquistar o diretor na

primeira fala, tenho certeza.— Quisera eu que fosse tão fácil! Esses diretores de elenco não se deixam

apanhar por qualquer um.Ao voltar do camarim, Dulce precisou abrir caminho por entre a multidão,

onde havia alguns rostos conhecidos, assíduos frequentadores de audições do genêro. Sentiu-se deprimida. Será que nos próximos dez anos ainda estaria travando aquela luta inglória para obter pequenas pontas?

A custo conseguiu localizar Mike. Sentiu o coração disparar ao ver que ao lado dele estava Alan Crosby. Seu primeiro impulso foi dar meia-volta, por mais ridículo que isso parecesse. Afinal, ela e Alan tinham a mesma profissão e muitos amigos em comum. Era impossível evitá-lo pelo resto da vida. Assim, com um esforço sobre-humano encaminhou-se na direção dos dois homens, exibindo um sorriso nos lábios.

Ao vê-la, Alan sorriu.— Dulce , minha querida! Que bom ver você! — Deu-lhe um beijo na boca,

que ela recebeu de lábios frios e cerrados. — Linda, como sempre!Sem saber o que dizer, Dulce apenas balbuciou um tímido "obrigada".Alan não se dava conta de que aquele relacionamento tinha terminado de

uma vez por todas, e não seria agora que ela iria reabrir a discussão.— Faz tempo que você chegou? Mike e eu chegamos há pouco.Alan enrugou a testa, surpreso com sua atitude fria.— Estou aqui há meia hora. — Inclinou a cabeça e perguntou baixinho: — O

que há com você para estar tão taciturna? Não me diga que continua zangada comigo!

Chegava o momento de dizer a verdade, sem rodeios. Mas antes que Claire pudesse falar, Mike os interrompeu, perguntando:

— Alan já lhe contou as boas novas?— Não... Do que se trata?— Ele ficou sabendo que os bailarinos e coreógrafos vão ser transferidos

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para outro lugar...Visivelmente aborrecido com a intromissão de Mike, Alan completou:— O diretor conseguiu um galpão para eles. Aliás o quanto antes os levarem

daqui, melhor. Já não aguento mais ficar esperando horas por estes malditos testes. É mais do que tempo de sermos tratados como seres humanos e não como gado! Precisamos nos unir para um protesto. O pessoal que trabalha para as companhias cinematográficas é acomodado demais! — concluiu em voz alta.

Dulce e Mike trocaram olhares de desaprovação. Alan era conhecido por suas posições em defesa dos artistas, mas aquele não era o momento para reivindicações. Sua voz alterada atraíra a curiosidade dos presentes.

Desde que entrara no salão, Dulce havia notado dois homens próximos da porta, que, pelo aspecto, não pareciam estar em busca de um lugar ao sol. O mais alto deles prestava demasiada atenção aos protestos de Alan. Seus olhos azuis não se desgrudavam do grupo e denunciavam alguém de personalidade arro-gante. Dulce ficou bastante embaraçada quando, afinal, percebeu que o alvo daquele olhar era ela.

Com a impressão de que ele a despia a distância, resolveu sair dali e, aos empurrões, foi abrindo caminho por entre a multidão, seguida por Alan, que não parava de reclamar.

Mesmo do outro lado do salão, a figura daquele homem não lhe saía da cabeça. Loiro e de físico privilegiado, ele tinha traços bem marcantes, do tipo de chamar a atenção em qualquer lugar onde estivesse. Porém, quanto mais pensava nele, mais o detestava. Que atrevimento olhá-la daquela forma! Era verdade que Alan não tivera muito tato ao fazer aqueles comentários, apesar de serem inteiramente justos. Ora, se aquele homem trabalhava na companhia cinematográfica, por que não tratava de agilizar os testes em vez de ficar escutando conversa alheia?

Mike, que também os seguira, fez um gracejo assim que pararam.— O que aconteceu? Por acaso encontrou o seu locador? Eu não sabia que

você estava com os aluguéis atrasados.— Que locador, que nada! Havia um sujeito lá perto da porta que não tirara

os olhos de nós. Tenho certeza que ele trabalha na empresa.— E daí? Eu não disse nada mais que a verdade! — replicou Alan, ainda

alterado.— Tudo bem. Só que não era hora nem lugar para esse tipo de

comportamento.Alan engoliu a crítica em silêncio e ficou ainda mais carrancudo. O salão

continuava cheio, apesar da retirada dos bailarinos.Foi com um sobressalto que Dulce ouviu a primeira chamada para os testes.

Mike e ela estavam no final da lista, mas essa aparente vantagem não a aliviou da tensão. Seu único consolo era que Alan seria convocado bem antes deles. Tomara que ele fosse logo embora! Sua presença ali só servia para enervá-la ainda mais.

Agora, ele estava resmungando baixinho junto ao ouvido de Mike, e ela só conseguia captar o final da frase: "... É uma desgraça total!"

Pobre Mike! Devia estar saturado daquela conversa! Aliás, tanto quanto ela.O exame de seleção estava sendo realizado numa salinha perto do saguão e

Dulce tentou acalmar-se com a ídéia de que não precisaria enfrentar um grande auditório. Além disso, aquele filme tinha pelo menos uns dez papéis femininos disponíveis.

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"Pensamento positivo!", disse a si mesma, embora não conseguisse evitar o tremor das pernas e o suor que lhe umedecia as mãos.

Quando o nome de Alan Crosby foi anunciado, ela desejou-lhe boa sorte. Ele não parecia afetado pela tensão nervosa que sempre precede os testes; sua postura ereta e desafiadora ao caminhar para a porta confirmava essa despreocupação. Um pouco mais tarde, ele retornava com cara de velório.

— Nada feito! Havia três sujeitos lá dentro, e estavam tão distraídos que mal prestaram atenção à leitura do meu texto! — explicou, furioso.

O fracasso de Alan foi a gota d'agua. A sala estava quente e abafada, cheirando a fumaça de cigarro. Então, com um princípio de vertigem, Claire teve que ser socorrida por Mike.

— Santo Deus, Dulce , como você está pálida! Quer que eu vá buscar um copo com água ou um cafezinho?

— Não, obrigada. Só preciso de um pouco de ar puro.— Vou com você. Também estou querendo esticar um pouco as pernas.— Deixe comigo. — Alan ofereceu-se. — Vou ter que sair mesmo.— Então, vamos todos juntos — propôs Mike, conciliador.— Não é necessário. Eu cuido dela.Por fim, a insistência de Alan venceu. Na certa, ele estava querendo ficar a

sós com ela para a tão temida conversa. Percebendo isso, Dulce ainda tentou safar-se.

— É muita bondade sua, Alan, mas prefiro ficar um pouco sozinha. Logo estarei bem.

— Ora não complique! Vou com você e está acabado!— Bem, já que você insiste.— Cuidado com a vida! — recomendou Mike, num tom brincalhão.Na verdade, ele sabia da briga que houvera entre os dois e sentia-se

impotente para ajudar Dulce de alguma maneira. Por isso, assumiu uma expressão preocupada quando a viu ser conduzida pelo braço do ex-namorado para fora do salão.

CAPÍTULO II

No momento em que se retirava, Dulce percebeu que os dois homens que estavam junto a porta haviam saído. Suspirou, aliviada. Afinal não gostaria que aqueles intrigantes olhos azuis a vissem junto a Alan, principalmente depois do incidente que ocorrera no salão. Seu ex-namorado não a deixava em paz um momento, embora ela precisasse ficar tranquila para sair-se bem no teste.

Absorta em pensamentos, Dulce de repente deu-se conta de que se afastavam demais da porta de saída.

— Alan, já lhe disse que preciso de um pouco de ar puro! Esse não é o caminho da saída.

— Preciso falar com você, Dulce . Não vou demorar muito — ele garantiu num tom ríspido, forçando-a a prosseguir.

Sem sombra de dúvida, ele era muito egoísta, pois não parecia preocupar-se nem um pouco com o seu mal estar.

Alan era o tipo de pessoa capaz de tudo para conseguir o que queria. Não sabia como pudera gostar tanto dele. Agora, tudo o que sentia era um profundo

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rancor.Caminhavam há alguns minutos, porém pareciam ter se passado horas.

Aonde ele a estaria levando?— Gostaria de voltar para o salão, Alan. Já me sinto melhor.— Só mais um pouco. Estou procurando uma sala desocupada onde você

possa sentar e relaxar.— Mas eu prefiro voltar!— Pronto! Encontrei! Pode ficar mais calma. Vamos entrar. Dulce parou na

soleira da porta, não parecendo disposta a dar nenhum passo.— Não acho uma boa ideia entrarmos. Inclusive, não deveríamos andar sem

permissão pelo prédio. — Dulce , deixe de ser medrosa! Não há nada de mal nisso. Ninguém vira

aqui. E caso alguém chegue, daremos uma desculpa qualquer.— Não estou gostando nada disso. — replicou Dulce , hesitante.Ela sabia que seu comportamento tímido costumava irritar Alan. Porém,

naquele momento, sua relutância em entrar ali devia-se principalmente ao fato de não querer ficar a sós com ele.

— Não seria correto nos isolarmos aqui. Você pode falar comigo lá no saguão pois, caso me chamem para o teste, Mike nunca nos encontraria num lugar como este!

— Demorará um pouco até chegar a sua vez. — assegurou Alan. — Tenho urgência em falar com você, a sós. Não podemos adiar esta conversa por mais tempo. — Segurou-lhe a mão, puxando-a para dentro, e depois fechou a porta.

Dulce olhou ao redor e viu muitos casacos, paletós, malhas e jaquetas amontoadas sobre uma mesa enorme.

— Veja, Alan! Esta sala está sendo usada como camarim. Se alguém chegar, na certa vai estranhar a nossa presença aqui.

— Não é possível! — Alan riu. — Você criando caso por causa de um monte de roupas velhas, quando estou tentando dizer que te amo! — Levou o dedos até os lábios dela, começando a beijá-los.

Ainda que houvesse a possibilidade de fazer renascer aquele amor, o momento fora mal escolhido. Claire tentou desvencilhar-se, mas ele apertou-lhe a mão com força.

— Alan! Você não percebe que quero sair daqui? Eu não gostaria que nos encontrassem nesta sala. Vou embora! Você fica se quiser. — Deu-lhe as costas.

Mais rápido, porém, Alan segurou-a pelo braço, impedindo-a de sair. — Antes você vai ter que me ouvir!

Dulce começou a tremer. Não sabia de que tinha medo, pois conhecia Alan há muito tempo. O que a surpreendia era seu comportamento agressivo.

— Agora não, Alan, por favor. Preciso voltar para minha audição.— Que se dane a sua audição! Eu te amo, Dulce , não entende? No limite de sua paciência, Claire o empurrou tentando soltar-se.— Alan, se você realmente me amasse, me ajudaria a conseguir um papel no

filme, em vez de criar dificuldades.— Considero o nosso amor bem mais importante do que esse maldito filme!— Pois eu não! Se fosse a sua vez de fazer o teste, aposto que você veria as

coisas sob um prisma diferente.Com os olhos brilhando de raiva, Alan agarrou-a brutalmente pelos ombros.— Largue-me! Você está me machucando!

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Fazendo-se de surdo ele a fitou, com um olhar atormentado.— Beije-me, Claire, e diga que ainda me ama.— Deixe-me! Pare com isso! — ela gritou novamente, querendo soltar-se dos

braços dele.Dulce estava sendo empurrada de encontro à mesa. Não havia dúvidas de

que ele a desejava, mas toda essa situação provocava-lhe repulsa e medo.Debateu-se o quanto pôde, porém ele era mais forte. De repente, notou que

sua blusa estava rasgada. Tentou protestar mas Alan não permitiu, beijando-a brutalmente. Ela lutou com todas as forças para livrar-se do beijo, pensando em como pudera um dia sentir prazer nas carícias daquele homem.

Como o detestava agora! Tinha sido uma idiota em confiar nele!Concentrada em sua luta silenciosa, Dulce não percebeu quando a porta foi

escancarada. Só notou que Alan a soltara, e que poderia escapar. Em questão de segundos, foi se afastando de costas, vendo a figura imóvel e estarrecida de Alan.

Finalmente virou-se para a porta, encontrando-se frente a frente com um obstáculo inesperado: um homem alto e loiro, de olhos muito azuis. Este pegou-a pelo braço num aperto quase tão doloroso quanto o de Alan, e só então ela reconheceu aqueles olhos penetrantes.

— Oh, não! Você outra vez! — exclamou, tomada pelo choque.— Quem é você e o que está fazendo aqui? — ele perguntou rispidamente,

depois de olhar em volta e deter-se em Alan.— Nada... Não estávamos fazendo nada de mais... — A voz de Dulce estava

trémula, e ela precisou esforçar-se para erguer o queixo e encará-lo.Então notou que o desconhecido fitava o rasgão da sua blusa desabotoada.

Ansiosa por se mostrar segura de si mesma, assumiu uma postura desafiadora.— Deixe-me passar!— Você só sairá daqui quando me der uma boa explicação sobre a sua

presença nesta sala — respondeu o homem, continuando a segurá-la firmemente pelo braço.

De fato, a situação parecia suspeita. Em circunstâncias normais, ela teria pedido desculpas, explicando o motivo de encontrar-se ali.

Mas, pela fisionomia furiosa do recém-chegado, Dulce concluiu que ele não lhe daria crédito.

— É fácil adivinhar por que viemos para cá — disse, fitando-o nos olhos. — Estávamos à procura de sossego, para ficarmos mais à vontade. — acrescentou, abotoando a blusa, com um sorriso insolente nos lábios.

Alan quis retrucar, porém ela lhe acenou para que ficasse quieto. Enquanto isso, o desconhecido a olhava com evidente desprezo, sacudindo a cabeça como se não acreditasse no que presenciava.

— Desde a hora em que a vi achei que você fosse uma criadora de casos. Pelo visto, não me enganei!

— Existe alguma lei que proíba as pessoas de quererem ficar a sós? — revidou Dulce , devolvendo-lhe o olhar de desdém.

Era a arrogância daquele homem o que a levava a comportar-se de modo tão pouco sociável.

No entanto, ele parecia absolutamente imune às provocações; tanto que continuou:

— Afinal, quem é você? Acho bom que se identifique. Talvez eu a deixe ir embora. Caso contrário.

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Irritada com aquela prepotência, ela respondeu com altivez:— Como já lhe disse, não estávamos fazendo nada de mais. Não entendo

essa sua insistência!— Esta sala é privativa, e tanto você como seu amigo são dois intrusos.— Então chame a polícia, ora essa!— É... talvez eu faça isso mesmo— Por mim já podia ter feito isso desde o começo.— Não vai ser necessário — retrucou o desconhecido, relaxando o aperto em

seu braço.— Puxa, ainda bem, Dulce !Era a primeira vez que Alan se manifestava, mas ela não lhe deu ouvidos. Por

incrível que parecesse, gostara de sentir aquelas mãos fortes em seu braço. Mal ouviu os pedidos de desculpas de Alan: — Viemos até aqui apenas para conversar. Dulce estava apreensiva por

causa do teste e chegou a sentir-se mal no meio da multidão. Sinto muito se fomos inconvenientes.

— Pois eu não sinto coisa alguma! — interferiu Dulce , furiosa.— Muito cuidado com o que diz — advertiu o homem dos olhos azuis.— Realmente, sentimos muito — continuou Alan. — Dulce está muito tensa.

Olhe, se quiser, posso lhes fornecer os nossos nomes e os endereços. Minha carteira de identidade deve estar aqui — concluiu, começando a remexer nos bolsos.

Perplexa com a subserviência de Alan, Dulce aproveitou o momento de confusão para sair ao encontro de Mike, que já estava impaciente.

— Ainda bem que chegou! Tive medo de que você perdesse a vez!— Por quê? Já me chamaram? — perguntou ela, aflita.— Não, você chegou a tempo. Mas desculpe perguntar, onde se encontrava

até agora?— Nem queira saber, Mike... por favor.— O que houxe? Você está trémula, depois de ter saído para relaxar os

nervos?!Naquele instante o alto-falante anunciou o nome de Dulce .— Essa não! Será que estou apresentável?! — indagou, mostrando o rasgão

da blusa.— Você está ótima e ninguém vai notar isso. Boa sorte. Finalmente chegara a

sua vez, e ela se dirigiu à sala dos testes.O ambiente era fechado e irrespirável. A pessoa que a recebeu não tinha

nada a ver com a descrição que Lynn fizera do diretor do filme.Pelo contrário, era um homem baixinho e careca, que convidou com um ar

amigável: — Sente-se, srta. Grant.Onde estavam os três entrevistadores que Alan mencionara? Será que ele

inventara aquela história para justificar seu fracasso?O homem apresentou-se depois que ela se acomodou em uma das cadeiras:— Sou Dave Tillson e vou ajudar na direção do filme. Gostaria que você lesse

um trecho do script. Vou interpretar a parte masculina, certo? — Passou-lhe uma cópia datilografada do roteiro, e então perguntou: — Está pronta?

Apesar de sentir-se muito à vontade diante daquele homem, Dulce não conseguia concentrar-se no texto. Em sua mente, dois olhos azuis a fitavam de

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modo crítico. ...Insegura, começou a leitura em voz alta. Mas, conforme temera as palavras

saíram de forma desconexa; quase incompreensíveis.— Sinto muito, sr. Tillson, estou um pouco nervosa. Posso começar de novo?Ele concordou, e Dulce levantou-se para dar mais ênfase à interpretação. Por

nada do mundo queria perder aquela oportunidade. Ela continuou:— Não sei quem lhe contou, mas não é verdade! — retrucou num tom firme,

reproduzindo com perfeição o sotaque da Cornualha. — Por que não acredita em mim? — Parou, vendo que Dave Tillson levantara a mão, pedindo uma pausa.

Naquele momento, a porta da sala se abriu e ela mal pôde acreditar em seus próprios olhos: o homem alto e loiro vinha entrando.

— Hum, esse texto é muito adequado, srta. Grant... — ele comentou, percorrendo-a de alto a baixo com o olhar.

— Você conhece a srta. Grant? — perguntou Dave Tillson, intrigado. — Se soubesse que você viria, eu o teria esperado para que assistisse à audição.

— Eu não a conhecia. Para ser mais explícito, hoje foi o nosso primeiro encontro.

Confusa, Dulce recuou um passo, mas não pôde deixar de manifestar-se:— Só espero que tenha sido o último!— Isso eu posso garantir! — respondeu o estranho, num tom divertido. Sem pressa, tirou um maço de cigarros do bolso e ofereceu um a Dave.Ignorando-a por completo, comentou com o assistente:— Examinei três candidatas, porém nenhuma se adapta ao papel.— Posso recomeçar a leitura, sr. Tillson? — pediu Dulce , desviando os olhos

do diretor do elenco.— Queira me perdoar, senhorita. Foi uma desconsideração de nossa parte

interrompê-la. Tudo bem, recomece. Estamos prontos para ouvi-la.— Eu não! — discordou o outro, implacável. — Seria uma perda de tempo,

pois já sei de antemão que ela não servirá para o papel! — completou, dirigindo-se a Dave.

Atónita, Claire olhou para os dois homens, percebendo que Dave Tillson estava hesitante. Ela não permitiria que a dispensassem daquela maneira. Lutaria até o fim. Avançou para a mesa com passos firmes, indiferente à figura austera do homem que se sentara à mesa.

Encarou Dave com olhos suplicantes e disse:— Por favor, não dê ouvidos a ele. O problema é que tivemos uma

desavença há pouco. Reconheço que me comportei de modo um tanto. . . grosseiro — admitiu, e então se lembrou da maneira acintosa como ele a olhara desde o começo. — Mas ele também foi muito rude comigo! Só que nossas diferenças pessoais não devem interferir na parte profissional. Sou uma atriz e tenho capacidade!

— Você já me criou muita confusão. Meu conselho é que vá procurar outra produtora, pois não a quero no meu sei de filmagem.

Sem se dar conta do significado daquelas palavras, Dulce continuou a se defender com o diretor do elenco:

— Garanto que sou boa profissional, sr. Tillson. Dê-me uma chance, por favor!

Dave Tillson remexeu-se na cadeira e virou-se para o homem que estava a seu lado.

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— Eu gostaria de dar uma oportunidade a ela.— Nada feito! Dave Tillson sorriu.— Puxa, pensei que eu tivesse carta branca na escolha do elenco. Afinal você

não disse que confiava no meu faro de descobridor de talentos?Finalmente Dulce caiu em si. Como não percebera que aquele homem era

Jake Svenson, o diretor do filme?Demonstrando um certo rancor no olhar, Christopher fitava seu assistente.

Porém este não se intimidou.— Então, vai confiar em mim ou não vai?Tensa, Claire aguardava que a situação se definisse. Por fim, o diretor do

filme descontraiu a fisionomia e sorriu.— Tudo bem. Espero que esse fato me sirva de lição para nunca mais dar

carta branca a quem quer que seja!— Ora, você sabe muito bem que a última palavra é sempre a sua.Quando Dulce soltou um suspiro de alívio, como por encanto o sorriso

desapareceu dos lábios de Christopher Svenson.— Parece que desta vez você venceu... — ele comentou, com evidente

desagrado. — Estamos prontos para o duvidoso prazer de ouvi-la.Aquelas palavras ferinas tinham a intenção de desconsertá-la, porém ela não

se deixaria vencer tão facilmente, embora Jake anunciasse que contracenaria com ela.

No diálogo, o protagonista acusava a heroína de ser infiel e esta deveria defender-se da calúnia. I

Dulce leu o texto com emoção e arrebatamento, surpreendendo-se com seu próprio desempenho. Ao terminar, observou a fisionomia do diretor, mas nada havia mudado. Seus olhos continuavam frios e austeros.

— Sente-se — disse finalmente Dave Tillson. — Seu sotaque é impecável. Por acaso você é da Cornualha?

— Não. Sou de Manchester.— Impressionante. — Dave tirou da gaveta um outro maço de folhas

datilografadas, — Gostaria que fizesse a leitura da parte de Désirée, uma jovem francesa que se salva de um naufrágio na costa da Cornualha e fica noiva de um dos aldeões. Ê o segundo papel do filme e o desafio é bem maior. Quer tentar?

— Claro que sim! — afirmou ela, sem hesitar. Quinze minutos mais tarde, Dulce terminou a leitura. Esperava o resultado, porém o que ouviu não a deixou nem um pouco satisfeita:

— Obrigado, srta. Grant. Pode se retirar. — Antes que ela alcançasse a porta Dave Tillson ainda perguntou: — O sr. Glendower continua sendo seu empresário?

— É sim — ela confirmou.— Entraremos em contato com ele oportunamente. Você há de convir que

não podemos tomar uma decisão definitiva neste momento.— Entendo. ..Pelo visto, Dave Tillson gostara de sua performance. Se não tivesse ocorrido

aquele contratempo com Christopher Svenson, talvez o papel fosse dela.. .— Até logo, sr. Svenson — disse ela a contragosto.— Adeus, srta. Grant.Inconformada com a situação, Dulce sentiu-se aliviada quando saiu da sala,

livrando-se daqueles olhos azuis que não lhe davam trégua.

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CAPITULO III

Claire subiu até o primeiro andar, sentindo como se carregasse nas costas todos os problemas do mundo. Tivera nas mãos a melhor chance de sua vida, porém não soubera aproveita-la.

No carro de Mike, durante o percurso até o apartamento, viera repetindo a palavra "se".

Se Alan não tivesse aparecido na audição... Se ela tivesse ficado em paz no saguão ao lado de Mike... Se aquele diretor diabólico não estivesse presente no teste...

O dinheiro que receberia pelo papel faria uma falta enorme, na sua atual situação econômica. Ela não sabia como dar as más notícias à amiga. Girou a chave da porta do apartamento com relutância.

Lynn estava lendo, com as pernas apoiadas num dos braços do sofá e a cabeça encostada numa almofada. Logo que Claire entrou na sala, levantou a vista. Claire nem precisou falar, sua expressão de tristeza dizia tudo.

— Então, não conseguiu?— Ouvi aquela velha frase: "Entraremos em contato" — Claire pendurou o

casaco molhado atrás da porta. — Esse tempo chuvoso está bem de acordo com o meu estado de espírito. A capota do conversível de Mike enguiçou e nos molhamos bastante.

Lynn levantou-se, com o semblante preocupado.— Ora, Claire, não fique com essa cara desanimada! Vá se trocar, antes que

apanhe uma pneumonia!— Não precisa exagerar, já estou indo.— Tudo bem! Enquanto isso, vou pôr a chaleira no fogo.Claire foi para o quarto, tirar a roupa encharcada. Sentia arrepios de frio. Lá

fora, caía uma chuva forte. Eram apenas três e meia da tarde, no entanto, parecia noite. Seu estado de espírito realmente combinava com o mau tempo. Ela sentia vontade de chorar, porém isso não mudaria em nada a situação. Vestiu um velho jeans e uma malha de lã, na tentativa de se aquecer. Durante sua ausência, Lynn fechara as cortinas, e a sala parecia mais quente e aconchegante. Quando a amiga veio da cozinha com uma aparência melhor sorriu, mas Lynn não se deixou enganar.

— Você comeu alguma coisa hoje? — perguntou, desconfiada.— Apenas um cafezinho e um biscoito. Eu não tinha condições de comer

nada, por causa do nervosismo.— Já imaginava. E antes de sair, tomou ao menos o desjejum?— De leve.— Oh, Claire, desse jeito você terá problemas com a sua saúde —

repreendeu Lynn, mas em seguida dirigiu-lhe um sorriso animador. — Por sorte, hoje me convidaram para participar de um desfile de modas. Para comemorar, comprei duas pizzas e uma garrafa de vinho. Enquanto você seca os cabelos no aquecedor, vou esquentar a comida.

Quinze minutos mais tarde, Claire entrou na cozinha e viu o quanto Lynn tinha caprichado. Havia até um vaso com flores sobre a mesa.

Emocionada, ficou com lágrimas nos olhos. A atitude e as críticas de Jake Svenson tinham afetado a sua sensibilidade. Esperaria uma oportunidade para explicar a Jake seu comportamento anterior, desfazendo a falsa imagem que ele

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fizera dela. Talvez ele se arrependesse por tê-la insultado daquela forma.Com um gesto amistoso, Lynn convidou-a a sentar-se.— Não me sinto nada bem com esta situação. — comentou Claire,

acomodando-se na banqueta. — Fico chateada por não poder contribuir nas despesas da casa. Tenho que dar um jeito nisso.

— Não seja tola, Claire. Isso pode acontecer a qualquer uma de nós.— É... nesse ponto concordo com você. — Parou, pensativa. — Sabe, estou

me lembrando do que ocorreu hoje, antes da audição. Você não imagina o que Alan Crosby me aprontou!

— O que ele fez desta vez?Claire contou tudo que havia acontecido.— E o pior é que o homem que entrou naquela maldita saia e nos pegou em

flagrante era o próprio Jake Svenson!Surpresa, Lynn quase deixou cair a assadeira no chão.— Não me diga! Isso é o que se chama azar!— Na verdade, foi muita falta de sorte. Além do mais, senti um antagonismo

por ele à primeira vista. O homem era tão arrogante, tão presunçoso, que me descontrolei, sendo muito ríspida com ele. Confesso que passei dos limites.

— Oh, Claire, você precisa controlar esse seu temperamento!— Eu sei, eu sei... Depois, quando fiquei mais calma, percebi a ingenuidade

do meu comportamento. Afinal, ele é o diretor do filme, e não deve estar acostumado a esse tipo de atitude.

— Não adianta se lamentar. Se ele é uma pessoa tão desagradável como você diz, dificilmente teria outro tipo de atitude.— Lynn tomou um gole de vinho, antes de continuar: — Estranho... na televisão ele me pareceu tão charmoso, talvez porque estivesse em frente às câmaras. Agora temos que admitir que ele exerce um grande fascínio nas pessoas.

Claire não pôde deixar de concordar com a amiga.— Oh, quanto a isso não há a menor dúvida. Ele sabe usar muito bem o seu

charme. E o pior é que tem consciência disso.— E Mike, como se saiu no teste?— Foi a única coisa boa que aconteceu. Ele vai interpretar um dos bandidos.

Além do mais, tem um tipo físico que corresponde ao papel: moreno, estatura média.. . é bem o tipo celta.

— Joan vai ficar contente.— Vai, sim! E uma pessoa incrível. Ela nunca se queixa por ter que sustentar

a ambos nas fases más. Mas chega de falar de testes, conte sobre você. Então, lhe ofereceram um trabalho extra?

— Sim. Eles acharam que...Naquele momento o telefone tocou, interrompendo a narrativa de Lynn, que

se apressou em atender.Pouco depois, ela voltou para a cozinha, anunciando:— É seu empresário. Será que. ..Claire fez um gesto displicente, mas correu para a sala, ansiosa.— Claire, Grant falando. — Após ouvir o que diziam do outro lado da linha,

exclamou: — Não posso acreditar! Tem certeza de que não foi um trote?— Ficou em silêncio, ouvindo. — Nunca imaginei...

Lynn já estava ao lado dela, muito curiosa.Tapando o bocal, Claire disse:

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— Boas notícias! — Voltou a prestar atenção ao que o empresário falava. — Repita quanto eu vou ganhar! Sim, sim... claro que aceito! Como? Amanhã, às onze? Um almoço? Não faltarei!

— Desligou e virou-se para a amiga, murmurando:— Você não vai acreditar! Nem eu mesma estou acreditando.— Tenha calma e me conte tudo.— Faz dez minutos que Dave Tillson, o assistente do diretor, ligou para o

meu empresário. Vou participar do filme, Lynn! E consegui o segundo papel, vou ser Désirée. Eu cheguei a ler o texto, mas nem por sonho imaginei que poderia interpretá-lo. Além do mais achei que Jake Svenson não permitiria que eu participasse do filme. Não sei como vou trabalhar com aquele homem ao meu lado o tempo todo!

— Não se apresse, Claire. Se eles a escolheram, é porque tiveram seus motivos. Jake Svenson não prejudicaria seu próprio filme. Pense positivamente... pense no dinheiro que você vai ganhar!

— Não foi à toa que meu empresário me convidou para almoçar. Acho que quer comemorar antecipadamente. Lynn, temos o nosso aluguel garantido por um ano! — concluiu no auge do entusiasmo.

Claire agarrou-se à alça dianteira do carro de Mike como se fosse uma tábua de salvação. Antes de entrarem na tortuosa estrada que levava ao Solar Ardwennan, ela se encantara com as esplêndidas paisagens que ladeavam o caminho. Mas agora, circundando aqueles precipícios, seus olhos estavam imóveis e arregalados, e os dedos, enrijecidos de tanto apertarem o suporte.

— Ainda bem que não precisamos enfrentar essas curvas em pleno inverno! — comentou Mike.

— Por favor, preste atenção ao volante. Não pretendo encerrar a minha carreira promissora morrendo nestas escarpas rochosas.

— Você está mesmo com medo? Desculpe, Claire. Não sabia dos seus pavores. A estrada tem bom asfalto e não há perigo.

— É que eu tenho medo das alturas. Sei que é bobagem, mas chego a ter vertigens até num segundo andar.

Mike riu, mas logo conscientizou-se da situação.— Claire, por acaso você já leu todo o script?— Não se preocupe, Mike. Estou sabendo que o meu papel exige escaladas

por penhascos íngremes, mas eu me acostumo. Não vou perder a melhor chance de minha carreira por uma fobia idiota. Quando estiver interpretando o meu papel, estarei tão envolvida nele que esquecerei todos os meus temores.

Mike fingiu concordar, não queria desapontar a amiga. Mas não acreditava que horror às alturas desaparecesse do dia para a noite. Além do mais, naquele instante, estavam chegando ao Solar Ardwennan: a locação onde seria filmado A noiva náufraga.

Mike parou o carro e fez questão de tirar uma fotografia. O solar, com aquela infinidade de janelas que refletiam os raio do sol poente, oferecia uma belíssima visão. Erguia-se no alto de um promontório, tendo abaixo o mar que se batia em ondas espumantes de encontro aos rochedos... Um cenário perfeito para o filme.

Pelo que soubera, os donos haviam alugado sem problemas a propriedade,

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aproveitando o intervalo para empreender uma longa viagem aos Estados Unidos. Claire admirou-se de como alguém que morasse num lugar daqueles pudesse cedê-lo para a locação de um filme, principalmente porque uma parte do elenco e da equipe técnica ficaria hospedada no próprio solar. A criadagem também permaneceria, como parte do acordo.

Voltando ao volante, Mike passou os dedos pelos cabelos pretos que o vento havia despenteado.

— Este lugar é fantástico! Svenson conhece bem o seu ofício. Chega a ser uma afronta subir até o solar num carro como esse. Confesso que eu ficaria mais à vontade se estivesse numa carruagem, puxada por quatro parelhas de cavalos...

Claire interrompeu-o, sorridente.— Falando sério Mike, você nasceu no século errado. — Riu ao vê-lo fazer

uma careta. — Eu entendi o que quis dizer.O solar combina perfeitamente com a época em que se desenrola o enredo

do filme.— Só espero que lá dentro seja mais aconchegante, porque a fachada é

fantasmagórica! — comentou o rapaz, dando partida no carro.Claire sentiu um calafrio na espinha. Ela seria uma das atrizes a ocupar um

dos quartos da enorme mansão, enquanto Mike ficaria hospedado no hotel do vilarejo. — Nem me fale, Mike... Se você quer saber, não estou nem um pouco entusiasmada por ficar aqui, nesse solar teneroso, entre estranhos.

— Não me diga que está com medo. Francamente, Claire, você não tem com que se preocupar. Quase todos eles são pessoas ótimas.

— Você disse bem... quase. Jake Svenson não simpatizou comigo, e você sabe muito bem disso. E se todos os outros estiverem a fim de agradar ao diretor, acabo me isolando.

Mike girou o volante, numa curva tão fechada que os pneus do carro rangeram. Então ele olhou-a de viés, como se pedisse desculpas.

— Você está sendo precipitada. Nada disso vai acontecer — afirmou ele, persuasivo. — imagine se todos aqueles homens da equipe vão ignorá-la! Só se forem cegos! E Svenson vai estar ocupado com o filme.

Claire não se tranquilizou. Ninguém, nem Mike sabia de todos os detalhes de seu desentendimento com o diretor.

— Mike, você conseguiu me deixar um pouco mais animada. Mesmo assim, tem que reconhecer que será muito difícil conviver por três meses com Marianne Lejeune. Ela é uma pessoa muito ciumenta e se os boatos de que ela e Jake Svenson são amantes procedem, é que não vai ser fácil mesmo! Tenho um pressentimento de que ela vai me infernizar a vida.

— Você tem razão. Por outro lado, ela é uma profissional competente. É só você se manter longe do diretor, que ela não criará problemas.

Ao lembrar-se daqueles olhos azuis que a tinham perseguido, Claire estremeceu. Não conseguia explicar a atração que sentia por eles. No entanto, precisava levar a sério o conselho de Mike. Faria tudo para manter-se afastada de Jake Svenson.

Na despedida, Mike fez um esforço para transmitir-lhe confiança.— Vai dar tudo certo, Claire. Daqui a alguns anos, quando você for uma

estrela conhecida no mundo todo, com seu nome brilhando nos luminosos dos cinemas, você vai até rir dos seus temores.

Naquela noite, Claire procurou lembrar-se das palavras confortadoras de

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Mike, enquanto estava no salão segurando com mãos trémulas seu copo de sherry. Mas de nada adiantou. Estava aterrorizada por ter que enfrentar novamente Jake Svenson e, por mais que tentasse, não conseguia dominar sua apreensão. Vestira-se com sobriedade, maquilando-se discretamente, no intuito de desmestificar a péssima imagem que o diretor fizera dela.

Avistou-o do outro lado do salão, ouvindo atentamente o que lhe dizia Penny Allinson, o diretor artístico.

Mesmo naquele ambiente seleto ele se distinguia dos demais, muito alto e imponente, num smoking que lhe assentava muito bem, destacando seus ombros largos.

Claire foi obrigada a admitir que a mulher que se encontrava ao lado dele também chamava a atenção, Já vira Marianne Lejeune em revistas e em filmes, mas pessoalmente ela era muito mais bonita. Alta, esguia, com um porte elegante, de cabelos loiros muito brilhantes, realmente atraía para si todos os olhares.

Dave Tillson, que estava à direita de Claire, seguiu a direção de seu olhar e logo fez um comentário:

— Marianne chegou há uma hora. Viajou o dia inteiro e Jake temia que ela não aparecesse a tempo. Imagine, ela acabou de filmar A dama tenebrosa e sem uma pausa vai começar outro filme. Só espero que ela consiga.

Marianne não parecia nada cansada. Ao contrário, seu lindo rosto denotava saúde e vivacidade. E, abraçada ao diretor, ela o ouvia embevecida. Sem uma razão plausível, Claire não gostou do que viu.

Virando-se para Dave com uma expressão aflita, perguntou num tom quase cômico:

— Quer me dizer o que estou fazendo no meio de toda essa gente? Acho que deveria ter pensado mais, antes de aceitar este papel. Afinal, nunca participei de nenhum filme.

A personagem Désirée era uma excepcional oportunidade para alcançar o estrelato, mas Claire tinha consciência de suas limitações. Além do mais, sabia que Jake Svenson não lhe perdoaria a menor falha.

Dave ouviu pacientemente seu desabafo e fitou-a com olhos bondosos, dizendo:

— Você está aqui porque tem talento, Claire. Lembre-se de que fui eu que fiz o seu teste! Com certeza, não me arriscaria tanto se não confiasse em você. Sei que é um pouco nervosa, mas você tem que pôr um fim nessa sua insegurança,

Dave era mesmo um ótimo amigo e a confirmação daquela amizade deixou Claire mais aliviada.

— Você tem sido muito bom para mim... — disse, com sinceridade.— Ora, Claire. Sou apenas um diretor experiente, que sabe farejar o talento

de uma atriz e reconhecer quando ela tem a beleza necessária para se tornar um sucesso,

— Então, Dave, flertando de novo? O que diria a pobre Myra? Aquelas palavras, ditas num tom brincalhão, deixaram Dave corado diante da insinuação de Marianne Lejeune. Nenhum dos dois tinha pressentido a aproximação da estrela. De perto, era ainda mais linda, e seu único defeito era estar acompanhada de Jake Svenson...

O coração de Claire disparou. Aqueles olhos azuis continuavam os mesmos: penetrantes, frios e críticos.

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— Parece que a srta. Grant ficou fascinada com sua eloquência. . . — continuou Marianne, num tom sarcástico.

— Claire sabe que sou um profissional sério. Ela se sentia desambientada, mas eu lhe garanti que não há nada a temer.

— Querida, como Dave acabou de dizer, não teremos nenhum problema — comentou Marianne, olhando intensamente para Jake. E com um sorriso condescendente, concluiu: — Faremos o possível para ajudá-la, não é mesmo?

Bastou que ela olhasse para Jake Svenson para chegar à triste conclusão de que ninguém estava disposto a ajudá-la.

Marianne continuava a falar, como se estivesse representando em pleno palco:

— Sabe que Jake foi o assistente de direção do meu primeiro filme? — Virando-se para o diretor, perguntou: — Lembra-se de como eu era problemática, querido? Nas primeiras tomadas quase entrei em pânico!

— Desculpe, Marianne, mas a minha memória não é tão boa quanto a sua. Só me recordo de que fiquei muito envolvido diante da beleza e do talento da nova atriz — comentou Jake, lisonjeiro.

— Como você é galanteador, Jake! — disse Marianne, pegando-o pelo braço. — Agora, se Dave e a srta. Grant nos derem licença, vamos andando. Ainda quero dar uma palavrinha com algumas pessoas antes do jantar. — Sorriu para Claire de modo afetado. — Não faltará ocasião para conversarmos. Se você tiver alguma dificuldade, conte com o meu apoio.

O jantar foi um grande acontecimento para todos, porém Claire não conseguia descontrair-se. A presença de Jake se impunha às pessoas que estavam ali.

Dave era a única pessoa a dar-lhe atenção. Durante a conversa, Claire soube que ele era casado e que adorava a mulher e os filhos. Porém ela continuava absorta e distraída, observando Jake a distância.

— Estou aborrecendo, falando sobre a minha vida, Claire.— Deixe de bobagem, Dave. Acho muito agradável ouvi-lo. — Na verdade, a

única pessoa que a deixava de mau humor era o maldito Jake Svenson. — Gosto de estar na sua companhia — assegurou, e só então começou a prestar atenção no que ele dizia.

Dave mostrou-se simpático, deixando Claire mais à vontade. Ela também lhe contou as peripécias de sua vida apertada em Londres e até os acontecimentos do dia do teste.

— Sei que o meu comportamento foi condenável, mas toda aquela arrogância me irritou bastante! Além do mais, Alan contribuiu muito para que eu saísse do sério.

Dave suspirou antes de aconselhá-la:— Quer a minha opinião? Acho que você deveria explicar tudo a Jake e pedir

desculpas. Ele não é tão intolerante quanto parece. Você não teria nada a perder.

CAPÍTULO IV

Era quase impossível aproximar-se de Jake Svenson. Marianne não o largava um minuto, e além disso o pessoal do elenco tinha sempre algum problema para discutir com o diretor. Quando voltaram para o salão, na hora do cafezinho, ele

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encostou-se à lareira de granito e logo foi cercado por vários atores.Observando-o de longe, Claire não queria estar entre os que o assediavam.

No fundo, esperava que ele permanecesse ocupado o resto da noite e não devia dar ouvidos aos conselhos de Dave. Preferia não falar com o diretor.

Mas, finalmente conseguiu uma ocasião e seus temores se concretizaram.Jake Svenson ouviu sua versão dos acontecimentos do dia do teste num

completo e enervante silêncio. Seus olhos pareciam ler os pensamentos dela, antes mesmo que Claire os expressasse. Ao terminar, ela estava mais tensa do que quando o abordara. O rosto sisudo dizia-lhe claramente que ele não acreditara em uma só de suas palavras.

— Sei que você ainda tem dúvidas... — lamentou-se, a voz rouca pela secura que sentia na garganta.

Precisava ser forte. Não podia deixar-se envolver pelas emoções, apesar da vontade que tinha de atirar-lhe o vaso de porcelana que estava sobre a lareira.

— Esperava realmente que eu acreditasse? — comentou Jake. — Você não é nada tola, srta. Grant. Já conseguiu enredar Dave em suas malhas e isso deveria bastar. Mas não se preocupe. — Tomou um gole de conhaque, observando-a calmamente. — Só espero que trabalhe a contento e faça jus ao dinheiro que estamos pagando, pois não tenho nenhum interesse em lhe criar dificuldades.

— Muita delicadeza de sua parte. — respondeu, ironicamente.Ele ergueu o copo, zombeteiro.— Sou famoso pelos meus impulsos generosos.— Mesmo que eu pudesse provar tudo o que aconteceu você não acreditaria

em mim, não é verdade? — Ele limitou-se a arquear uma das sobrancelhas, concordando. — É... não adianta mesmo... Você não mudará de opinião.

— É isso mesmo, srta. Grant. Foi você quem me levou a pensar assim. E agora, se me permite... — disse, afastando-se um pouco e colocando o copo vazio numa mesa próxima.

Ele a dispensava, como se ela fosse uma criança teimosa e irritante. As explicações e pedidos de desculpas de nada valeram. Inconformada, Claire segurou-o pelo braço.

— Por favor, não vá embora!Jake parou, visivelmente irritado. Pelo menos, ela conseguira quebrar um

pouco aquela frieza que estava estampada no rosto dele.Sentia que já estava incomodando, mas mesmo assim persistiu:— Sr. Svenson, eu... — Mordeu os lábios, olhando para as próprias mãos,

muito confusa. — Garanto que está cometendo um erro. Não sou uma pessoa frívola, como deixei transparecer no nosso primeiro encontro. Se fosse assim, não estaria aqui neste momento. Simplesmente continuaria a fazer o que bem entendesse.

— Você pode até estar com a razão... Só que agora já sabe que eu sou o diretor do filme.

Levando em consideração o que Jake acabara de dizer, Claire se questionou: teria ela se comportado com tanto atrevimento, se soubesse que estava falando com o diretor?

Abaixou a cabeça e acabou concordando:— Bem... isso é verdade.— Finalmente você parece ter compreendido, srta. Grant. — Sua voz era

surpreendentemente gentil e Claire ergueu os olhos.

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Ele a fitava de uma forma diferente, com um sorriso cordial nos lábios.— Não me desaponte, srta. Grant — acrescentou ele. — Tenho certeza de

que você não é do tipo que se dá por vencida facilmente.Claire levantou o queixo, com altivez. Nos olhos verdes deixava transparecer

toda a raiva que sentia.— Esta noite não estou em condições para competir, sr. Svenson. E a partida

não está sendo justa. Por que não escolhe alguém em igualdade de condições? Você sabe que na minha situação fica difícil revidar.

Claire virou-se abruptamente, querendo sair da sala o mais depressa possível; porém ele a deteve pelo braço.

— Fui realmente injusto, peço perdão — murmurou, e Claire estremeceu àquele toque, sentindo o coração agitar-se. — Não sei se está dizendo a verdade. No entanto, vejo que é necessário mudarmos o nosso comportamento, caso contrário terminaremos por prejudicar as filmagens. Neste sentido, proponho uma trégua até a conclusão do filme.

Claire concordou, esperando que com o tempo ele viesse a confiar nela.Deram-se as mãos para selar o pacto.Claire não dormiu muito bem naquela noite. Estranhou a cama e não

conseguiu relaxar. Acordou ao alvorecer, e, ainda zonza, dirigiu-se à janela. O dia estava lindo. Depois da conversa que tivera com Jake, sentia-se mais animada e cheia de esperanças.

Claire fez sua toalete matinal às pressas e encaminhou-se à copa. Ninguém ainda se levantara. Com a xícara de café na mão, olhou através da vidraça. A paisagem lá fora era tentadora, mas antes ela queria conhecer o interior do casarão.

Depositando a xícara vazia sobre a mesa, começou a percorrer os corredores intermináveis, que desembocavam todos ha entrada principal. Ao contrário do quarto que lhe haviam destinado, moderno demais e portanto decepcionante, o resto da mansão possuía características de séculos passados, principalmente o saguão! Naturalmente o enorme candelabro de cristal era agora iluminado a eletricidade, com a fiação discretamente disfarçada entre os braçais. Porém os quadros eram genuínos, reproduzindo cenas de outras épocas. Um deles retratava um homem em uniforme militar, mas os olhos muito expressivos e cinzentos cha-maram sua atenção.

— Lorde St. Avon... — murmurou ela, lendo a plaqueta de bronze pregada à moldura. — Morto em combate a bordo do Pegasus.

— Durante as guerras napoleônicas, pelo que me disseram. Claire levou um susto. Aquelas palavras eram um eco de seu próprio pensamento, mas foi o timbre da voz o que a fez corar. Olhou para Jake Svenson, envergonhada, admirando-se por sempre reagir daquela forma diante dele.

Jake aproximou-se, com as mãos dentro dos bolsos da jaqueta e o olhar curioso,

— O que aconteceu, srta. Grant? Pensou que era algum fantasma?Tentando aparentar calma, Claire respondeu:— Fiquei realmente assustada, estava imaginando em qual batalha lorde St.

Avon teria morrido, quando você falou exatamente o que eu havia pensado.Quando Jake chegou mais perto para examinar o quadro, Claire pôde

observá-lo melhor.Ele usava uma calça jeans muito justa e uma jaqueta de brim desbotado,

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colocada displicentemente sobre os ombros largos. Era inegável que ele possuía um indiscutível poder de atração.

— Afinal, chegou à alguma conclusão sobre lorde St. Avon e sua última batalha, srta. Grant? Você disse que estava pensando nisso, quando eu comecei a falar.

Era impossível que ele estivesse interessado em sua opinião e foi com desconfiança que ela expôs seu ponto de vista:

— Pela data, eu diria que ele morreu na Batalha do Nilo. Jake pareceu surpreso.

— Pela primeira vez está dizendo uma coisa sensata, srta. Grant. Beleza e sabedoria raramente caminham juntas. Não sabia que História era seu forte. Isso me alegra!

Talvez Claire estivesse sensível demais; o fato é que interpretou aquelas palavras como uma ofensa.

— Na verdade, gosto muito de arte dramática. Foi apenas uma coincidência eu estar por dentro das guerras napoleônicas. Agora desculpe, mas tenho outros afazeres.

Virou-se mas, como já tinha acontecido outras vezes, ele segurou-a, impedindo-a de sair.

— Espere! Sinto-me na obrigação de lhe pedir desculpas.— Está me parecendo um vídeo-type — disse eia, com desdém. — Você vive

me pedindo desculpas e já começo a duvidar que sejam sinceras.— Você tem razão! — Ele ainda a prendia firmemente e Claire tentou

desvencilhar-se.— Deixe-me! — Agora seu tom era enérgico e determinado. Ele fitou-a,

sorrindo com um tal charme, que Claire ficou desconsertada.— Não a condeno por estar tão zangada comigo... Tenho consciência de que

sou uma pessoa impulsiva, sem o menor tato. Reconheço que não costumo medir as palavras, mas pode estar certa de que não tive a intenção de ofendê-la.

Claire estava tão atenta às palavras dele, que nem se dava conta do que ocorria ao seu redor.

— Então, a trégua continua?Um novo e ainda mais sedutor sorriso fez com que o coração de Claire

disparasse. E ela não resistiu ao apelo daquele sorriso.— Talvez eu seja muito sensível...— É, pode ser. Mas você está muito na defensiva. "É verdade... ", pensou Claire. Era difícil acreditar na afabilidade de Jake

Svenson. Ele não podia ter mudado de opinião a respeito dela, em tão pouco tempo. No mínimo, aquilo tudo não passava de uma encenação. Farsa ou realidade, o fato é que ela sentiu-se mais aliviada.

— Sinto muito. Tentarei acreditar em você.— Estou sendo sincero com você, Claire — disse ainda sorridente. Depois de

consultar o relógio de pulso, continuou: — Parece que você está interessada neste velho solar. Se não se incomoda, gostaria de lhe mostrar o lugar. Posso?

Claire corou e, sem hesitar, concordou:— Gostaria muito. É muita gentileza de sua parte se oferecer para me

acompanhar.— Ótimo!Ele parecia sinceramente satisfeito, enquanto lhe mostrava e descrevia com

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voz grave o mobiliário antigo e as valiosas pinturas espalhadas por toda a casa. No final, Claire estava fascinada, tanto pelo que vira, quanto pelo acompanhante.

Chegaram então à porta do escritório do diretor. Jake Svenson tinha lhe dedicado muito mais tempo do que ela presumira e, mesmo assim, ele não aparentava estar com pressa. Espreguiçando-se apoiou o braço musculoso na porta, olhando-a com aquele sorriso encantador.

— Então? Por acaso eu a aborreci com tantas explicações?Claire sacudiu a cabeça, tentando não demonstrar o quanto estava

perturbada.— De forma alguma! Adorei!Parecia incrível, mas a imagem que ela fizera de Jake desvanecera-se por

completo. Ali estava um outro homem: bem-humorado, charmoso e agradável. Melhor do que ninguém ela sabia o quanto ele podia ser agressivo, prepotente e detestável. Mas a nova faceta de sua personalidade lhe agradava muito.

— Você tornou a visita muito interessante! — Claire acrescentou, com sinceridade. — Seria uma frustração me hospedar numa casa dessas sem conhecer a história dela. Antes de vir para cá, fiz algumas pesquisas sobre a Cornualha, mas em nenhum dos livros havia qualquer menção sobre o Solar Ardwennan.

Claire interrompeu-se, mordendo o lábio. Estava falando demais, porém não podia ficar ali parada, em silêncio, ainda mais com ele olhando-a tão intensamente.

— Tenho alguns exemplares sobre esta região no meu escritório — disse Jake. — Não gostaria de entrar e dar uma olhada?

— Não queria incomodá-lo mais — ela respondeu, evasiva.— Será um prazer. — E, antes que ela protestasse, Jake abriu a porta. —

Entre. Num instante eu localizo os livros.Deixou que ela passasse na sua frente, mas o seu físico atlético ocupou

quase toda a entrada e Claire, sem querer, tocou-o quando transpunha a porta."Devo estar ficando maluca!" pensou ela.Gostara daquele breve contato. Ele era muito atraente naquele estado de

espírito e talvez fosse melhor dar o fora enquanto era tempo.Resolvendo ficar, Claire tomou a precaução de não se afastar da porta, de

onde podia vê-lo procurar os livros na estante. Raios de sol penetravam pelas vidraças, batendo em cheio sobre os cabelos negros e brilhantes de Jake.

O olhar de Claire percorreu as pesadas poltronas de couro e o pavimento de tábuas enceradas, mas voltou irresistivelmente para a bela figura do diretor. Por que ele estava tão solícito e amável? A pergunta não lhe saía da cabeça, nem ela encontrava uma resposta.

Finalmente, Jake ergueu a cabeça, e com ar de satisfação levou dois grossos volumes encadernados em couro até a escrivaninha.

— Aqui estão! Dê uma olhada e veja se lhe interessam. Ambos foram escritos por vigários desta paróquia. Eu os considero um pouco prolixos. — Sorriu. — Mas você pode pular as partes mais tediosas.

Claire enfim saiu de perto da porta e, com passos firmes, aproximou-se da escrivaninha.

— Obrigada. — Pegou os livros que ele lhe estendia, evitando tocar nos seus dedos. — Vou devolvê-los o mais depressa possível!

— Pode ler com calma. Nos próximos dois meses estarei tão atarefado, que

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não terei tempo para consultá-los. — Deu a volta pela escrivaninha, apoiando-se numa das bordas. — Às vezes, fico pensando se não sou um louco por ter seguido esta minha profissão, e mais do que isso, por gostar tanto do que faço. Acabei de rodar três filmes que foram sucesso de bilheteria, e que renderam um bom dinheiro tanto para mim como para a produtora. — Fez uma pausa, antes de continuar: — Mas se A noiva náufraga for um fracasso, os críticos e os acionistas vão cair sobre mim, sem dó nem piedade.

Claire arregalou os olhos verdes e suas faces adquiriram um tom rosado. Não podia conceber que aquilo estivesse acontecendo. Ela, Claire Grant, mantendo uma conversa amistosa e informal com Jake Svenson, na intimidade do escritório dele!

Precisava beliscar-se para ter certeza de que não estava sonhando!— O filme vai ser um sucesso, pode ficar tranquilo. O roteiro é muito bom e

com certeza agradará a todos.Talvez fosse presunção querer animar alguém tão famoso e competente, mas

Jake não pareceu incomodar-se.— Só espero que as suas previsões estejam corretas. — Arqueou as

sobrancelhas e completou, brincalhão: — Mas não se preocupe, o pagamento do seu cache está garantido de qualquer forma!

— Não penso nisso, estou apenas apreensiva pois nunca participei de um filme e tenho medo de não corresponder às expectativas.

Ele meneou a cabeça.— O que posso fazer, para tranquilizá-la? Garanto que não precisa ficar tão

nervosa. Basicamente, um filme não difere muito do teatro. A única diferença é que as câmeras vão ser a sua plateia. Naturalmente não vai arrancar aplausos de ninguém, mas em compensação, não lhe atirarão ovos nem tomates podres! — Sorriu com simpatia. — Ah, e quando eu lhe pedir um bis, não quer dizer que está agradando, muito pelo contrário! Isso significa que a cena não saiu bem.

As palavras e o tom de voz do diretor criaram um clima de intimidade que levaram Claire a fazer algumas confidências:

— Sempre fico aterrorizada nas estreias, mas depois que a primeira cena sai bem, continuo sem maiores problemas... — segredou, pensando que fazia papel de boba. Mas, ao mesmo tempo, tinha vontade de continuar a conversa.

— Tente não se impressionar — recomendou ele. — Afinal, vai ser a mesma coisa que a sua estreia no palco.

Claire sobressaltou-se e, inadvertidamente, soltou uma risada. Sem entender, ele enrijeceu o corpo e levantou uma sobrancelha com ar interrogativo.

— Eu disse alguma coisa errada?— Desculpe se fui inoportuna. Foi uma risada histérica. — Ela não devia ter

puxado aquele assunto, mas agora lhe devia uma explicação. — Acontece que a minha estreia no teatro foi um desastre. Na verdade, não por culpa minha. A produção não era das melhores e dispunha de pouco dinheiro. Além do mais, contrataram um diretor de quinta categoria.

A transformação da fisionomia de Jake Svenson foi evidente. Ele readquiriu aquela expressão dura e severa, e Claire sentiu um aperto no coração. Agora precisaria contar toda a história para que ele entendesse que não estava jogando a culpa de seu fracasso no diretor, como costumavam fazer as atrizes sem talento.

— Naturalmente, eu era inexperiente. Se pelo menos já tivesse atuado em

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alguma peça teatral, teria superado as dificuldades. Aliás, seria bem melhor não ter aceito aquele papel.

Silenciou, rindo por dentro ao lembrar-se do quanto fora ingénua. O pagamento fora tão pobre como a produção mas valera a pena, pois, sendo sua primeira grande chance de carreira, abrira-lhe o caminho para o estrelato.

— Era um papel insignificante — Claire continuou. — Eu só participava do primeiro ato. Tinha que andar pelo palco e fechar uma porta do cenário. Porém, para meu azar, alguém abriu simultaneamente uma das portas dos bastidores do velho teatro e uma corrente de ar escancarou a porta falsa. Como se tudo estivesse acontecendo em câmera lenta, metade das paredes do cenário começou a desmoronar em cima de mim.

— Meu Deus!Claire olhou-o de soslaio. Jake parecia estupefato e ela começou a rir. Talvez

não fosse muito correto diante das circunstâncias, mas não conseguiu evitar. Na ocasião, não tinha sido nada engraçado. Mas, visto em retrospectiva, o incidente era hilariante.

E o que você fez? — perguntou o diretor, num tom de voz que não deixava transparecer seus sentimentos.

Com grande esforço, Claire procurou controlar-se.— Sem saber o que fazer, procurei segurar a parede com as mãos, mas

pesava uma tonelada, e minhas pernas não aguentavam. Felizmente, o galã da peça percebeu o meu apuro e veio me socorrer. — Claire soltou uma risada, lembrando-se da cara do ator quando se dera conta das proporções do desastre. Ela concluiu: — Passamos o restante do primeiro ato escorando a parede e tentando dizer nossas falas sob as risadas da plateia. . .

Jake agora ria abertamente.— Se não estou sendo indiscreto, quem era o tal diretor? — Claire. deu-lhe o

nome. — Não creio que o conheça, graças a Deus!— Ouvi dizer que ele agora é professor de uma escola de arte dramática.— Coitados dos alunos! Mas pelo menos eles não terão problemas com

cenários.Claire ia fazer mais um comentário jocoso quando a porta se abriu e

Marianne Lejeune entrou no escritório fazendo tilintar os braceletes, enquanto caminhava até o diretor. Ao chegar perto dele, abraçou-o carinhosamente, os lábios sorridentes, mas os olhos faiscando com um brilho sinistro.

— Então você estava aqui, meu querido! Eu o procurei por toda parte e você, tranquilamente, neste aconchego!

Seguiu-se um profundo silêncio. Claire ficou rubra. Marianne estava fazendo com que ela se sentisse culpada, o que não tinha o menor sentido. O diretor só estivera conversando com ela e nada mais. Ele também emudecera, como se estivesse constrangido.

— Estou interrompendo alguma coisa? — perguntou Marianne, olhando bem dentro dos olhos de Jake. — Se estiver, posso me retirar.

— Não é necessário — disse ele, finalmente. — A srta. Grant e eu já terminamos.

— Querido, que história é essa de srta. Grant? Francamente, como você é antiquado! Hoje em dia todo mundo se trata pelo primeiro nome.. . e Claire é um lindo nome! De minha parte, pretendo chamá-la assim. — Virou-se para Claire. — Isto é, se você permitir. Naturalmente, faço questão de que me chame de

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Marianne.Claire forçou um sorriso.— Você é muito gentil. É evidente que pode me chamar de Claire.Marianne continuava sorridente e dengosa, mas Claire não era boba, e

sentira a atmosfera pesar desde o instante em que a atriz entrara no escritório.Prudentemente, encaminhou-se para a porta.— Se me dão licença...Jake levantou os olhos azuis, que estavam fixos no chão, e respondeu num

tom seco:— Fique à vontade. Veremos você mais tarde.Cíaire não perdeu tempo e saiu logo da sala. A mudança de atitude de Jake

Svenson a confundira. Não que ela pretendesse ter uma oportunidade para conhecê-lo mais a fundo. Jamais Marianne permitiria isso, pois ela deixara claro que Jake lhe pertencia.

A grande dúvida era se ele sabia disso...

CAPÍTULO V

Nas duas semanas seguintes, Claire se manteve ocupada a maior parte do tempo. Ensaios e filmagens tomavam-lhe o dia todo e à noite, após o jantar, apesar do cansaço ainda ia decorar o script para o dia seguinte. De uma forma ou de outra todo o elenco se queixava daquele ritmo de trabalho. O único que parecia incansável era o diretor, ensaiando, dirigindo as cenas e resolvendo mil problemas de filmagens com invejável energia.

Naquele momento, Claire o observava discutir a próxima cena com o diretor de fotografia. David Preston, o produtor, também estava presente. Era um homem de quase dois metros de altura mas, mesmo assim, Jake continuava a ser o centro das atenções, pelo magnetismo que dele emanava.

Claire sentara-se numa confortável cadeira, perto da janela, semi oculta pelo cortinado. De onde estava, podia acompanhar cada gesto e cada palavra do diretor sem o perigo de ser vista.

Ultimamente ele vinha sendo tão gentil e cooperativo, que era difícil acreditar. Esperara que ele mudasse sua maneira de proceder com ela após o inesperado aparecimento de Marianne no escritório, mas nada acontecera.

A única advertência ocorrera naquele dia, durante a pausa para o cafezinho, quando ele a chamara de lado, discretamente.

— Não ponha tanto ardor na interpretação de Désirée nessa cena. Lembre-se de que ela ainda não sabe quais sãos as intenções de Trellisick e, consequentemente, deve se manter mais fria e contida.

Claire concordara, sentindo vontade de rir pelas coincidências. Ela também precisava usar de cautela com Jake, enquanto não lhe conhecesse as verdadeiras intenções...

Passou-se mais uma semana, antes que Claire pudesse ter uma folga. Quando este momento chegou, aceitou o convite de Mike para jantar no hotelzinho do vilarejo. Só então percebeu como estava envolvida por A noiva náufraga, aliás como todo o elenco, o que era um bom sinal. O fato de encarnar Désirée, e não apenas interpretar uma personagem de ficção, chegava até a atemorizá-la.

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Nesse meio tempo, telefonara para a mãe nos Estados Unidos e várias vezes para Lynn, em Londres, mas tanto os parentes como a amiga pareceram-lhe pessoas de outro planeta. A única realidade era o filme.

Considerou que estava trabalhando demais, e que uma noite na companhia de Mike seria reconfortante. Foi aguardá-lo, ansiosa, junto à vidraça. Tinha caprichado na roupa e fizera um penteado alto que lhe deixava à mostra o delicado pescoço.

A noite estava clara, estrelas brilhavam no céu e uma lua cheia e prateada iluminava as praias distantes. Apesar de já estarem em fins de abril, a atmosfera ainda era fria, com um vento cortante a penetrar-lhe no leve e vaporoso tecido azul do vestido, fazendo com que ela se arrepiasse.

Logo arrependeu-se por não ter escolhido um traje mais quente. O conversível de Mike estava longe de ser um Rolls-Royce com calefação interna, e certamente ela sentiria muito frio antes de chegar ao hotel. Hesitou, mas em seguida pegou a bolsa de noite e saiu do quarto.

Mike já estava no pátio, à sua espera. Ao vê-la, soltou um longo assobio de admiração, saindo do MG muito sorridente para abrir-lhe a porta.

— Você está deslumbrante, Claire! Esta noite, serei o homem mais invejado do hotel!

Claire corou, mas, para disfarçar o embaraço, sentou-se no carro fazendo uma pose teatral e langorosa.

— Pode me chamar de Cleópatra!— Cleópatra Grant... — Mike fez um gesto com a cabeça, como se estivesse

considerando a possibilidade. — Até que você leva jeito para mulher fatal!Rindo, ela acomodou-se melhor, pronta para desfrutar, a noite de folga. Era

agradável sair com Mike, pois podia relaxar e despreocupar-se. Conversaram durante todo o trajeto até o vilarejo e Claire conseguiu desviar sua atenção dos penhacos que ladeavam a estradinha de Ardwennan, sem maiores problemas.

Mike parou o carro no estacionamento do hotel, e ajudou-a a caminhar até a entrada principal, segurando-a pelo braço.

O hotel era uma construção mais moderna que o solar, porém com traços típicos da região. Logo que transpuseram a soleira da porta, sentiram um estimulante cheiro de comida.

De fato, o jantar foi delicioso. Comeram uma excelente carne assada e legumes. A boa comida deixou-os ainda mais alegres e joviais. A risada cristalina de Claire ecoava pelo salão e mesmo quando ela parava de rir, seus belos cabelos ruivos e os brilhantes olhos verdes continuavam a despertar o interesse dos pre-sentes.

Após o café, foram até o barzinho a fim de se juntarem a alguns membros mais jovens do elenco. De início, Claire relutou. Sem saber por que, achou que não seria bem-vinda pela turma barulhenta e risonha que estava ao redor de uma grande mesa de carvalho.

No solar, todos a tratavam com afabilidade, mas mantendo uma certa distância, e Claire sentia falta do espírito de camaradagem que reinava entre os coadjuvantes. Afinal ela estava numa situação intermediária, não pertencendo a nenhum dos lados. De repente Peter Lister. um jovem magro e moreno que no filme fazia o papel de um dos aldeões, acenou para eles.

— Mike! Claire! Venham sentar conosco!A sensação de deslocamento desapareceu, como por encanto. Todos

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arrastaram as cadeiras, abrindo espaço para os recém-chegados, e Claire acomodou-se entre Mike e Peter.

Enquanto bebericava seu drinque em meio à algazarra, Claire descobriu por que ultimamente sentia-se tão deprimida. No solar, faltava-lhe o calor humano de pessoas iguais a ela, gente que por estar na mesma situação, ajudava-se mutuamente.

— Puxa! Tive uma surpresa enorme quando vi Richard Angrams, entrando naquela sala!

Claire estava distraída com seus pensamentos, mas a voz alegre e sonora de Lesley Heath a fez prestar atenção à conversa. Lesley sempre conseguia diverti-la. Apesar de possuir feições irregulares, com nariz, olhos e boca muito grandes para seu rosto miúdo, exercia uma atração sobre as pessoas pois era inteligente e espirituosa.

Sorrindo, Peter Lister depositou seu copo de uísque sobre a mesa e piscou intencionalmente para Claire.

— E o que foi que ele disse, Lesley? — E, para provocar a colega, prosseguiu imitando a voz afetada do ator: — Será que ele falou: "Quem é essa moça nariguda? Tirem essa mulher daqui imediatamente!"

Lesley jogou-lhe um saquinho de pipocas por cima da mesa.— Você, hein! — A jovem sacudiu a cabeça de cabelos escuros e ondulados.

— Não foi nada disso! Ele me olhou intensamente, dizendo: "Querida, você é muito atraente. Aceita jantar comigo, hoje à noite?"

Claire riu junto com a turma, mas no fundo estava propensa a acreditar naquela história.

Richard Angrams tinha fama de ser um mulherengo. Ela própria tivera alguns problemas com o astro, logo nos primeiros dias de filmagem. Ele lhe mandara flores com um convite para jantar, e ficara frustrado quando ela recusara. Claire sabia que Richard era casado, pois sua esposa telefonava para ele todos os dias.

Lesley continuou a falar sobre Richard Angrams.Peter, aproveitando uma pausa da narradora, voltou a provocá-la:— E como você reagiu aos galanteios do grande astro? Por acaso, perguntou:

"Você quer que eu use a minha dentadura hoje à noite, ou prefere que a deixe no copo? Será que a minha perna de pau vai atrapalhar nossa transa?"

Lesley fez uma careta.— Devolva já o meu saquinho de pipocas, Peter Lister. Vou atirá-lo em você!— Tarde demais. Já comi tudo. — Balançou o saquinho vazio. — Mas não

quero deixá-la irritada. — Tirou uma cédula do bolso e passou-a a Lesley. — Compre um saquinho para cada um de nós! Hoje é por minha conta!

Enquanto Lesley ia comprar as pipocas, Claire aproveitou para dar uma olhada no salão. O bar, iluminado com lâmpadas vermelhas, parecia-se com tantos outros que ela frequentara. Mas a lareira de tijolinhos e os vasos de cobre cheio de flores, que se espalhavam pelos parapeitos das janelas, tornavam o ambiente mais aconchegante. Seus olhos contemplaram a pesada porta de carvalho rústico quando esta se abriu, dando passagem ao menos esperado dos visitantes: Jake Svenson.

Ele estava muito elegante, de terno e gravata, por baixo de um casaco forrado de peles. Por alguns instantes, ficou parado perto da porta, olhando ao redor.

O coração de Claire bateu mais forte.

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Por que ele estava ali, justamente naquela noite em que ela quisera escapulir de Ardwennan? Talvez estivesse apenas de passagem.

Que ilusão! Jake aproximou-se da mesa deles ao mesmo tempo em que Lesley voltava com os saquinhos de pipoca. Ao vê-lo a seu lado, a moça corou. O diretor sorriu-lhe distraidamente. Foi então que Claire desconfiou que ele a procurava. Finalmente se defrontaram, e Jake a fitou de um modo estranho.

Todos conversavam e riam alto, porém ela estava muda, sem conseguir afastar os olhos do diretor. Desde aquele dia do teste, ele a olhava de um modo perturbador e ela sempre reagia da mesma forma. Segurou o copo de bebida com tanta força, que teve medo de quebrá-lo.

Naquele momento, Mike estava falando com uma das coadjuvantes do filme, mas com o canto do olho percebeu a confusão de Claire.

— Tudo bem com você? — perguntou ele. — Não está gostando da noitada?Ela levantou a cabeça para responder, evitando o olhar penetrante de Jake

Svenson:— Está maravilhosa! Só que estou um pouco cansada.— Eu também — disse Mike, baixinho. — Aliás, todos nós estamos. Só

Svenson continua firme e disposto. Nem Richard Angrams consegue superá-lo em matéria de resistência física.

Lesley foi a seguinte a entregar os pontos.— Eu também estou precisando descansar!Todos riram, menos Claire, que se dirigiu a Mike muito séria:— Você poderia me levar de volta a Ardwennan?— Claro que sim! — Mike tomou o resto da cerveja. — Você está pálida,

Claire. Amanhã é domingo, aproveite e durma mais. À tarde poderíamos dar umas voltas pelos arredores; que tal?

— Seria ótimo, Mike.— Pegou a bolsa e todos reclamaram quando ela se levantou da mesa.— Volte sempre — disse Peter, lançando-lhe um olhar galanteador. — Se Mike

não estiver disponível, terei o maior prazer em lhe fazer companhia.Claire enrubesceu com o aparte, vendo que Juke a observava.— É muita bondade sua, Peter... — murmurou, encabulada.— E desnecessária — retrucou Mike. — Eu estarei sempre à disposição de

Claire.Claire suspirou. Era ridículo que Peter e Mike estivessem discutindo por causa

dela, ainda mais sob o olhar crítico de Jake Svenson.— Então, vamos Mike?— Você não tem necessidade de tornar a sair, Mike. Estou,, voltando para o

Solar e posso dar uma carona à srta. Grant. — O tom de voz do diretor era autoritário, fazendo com que Claire olhasse para Mike pedindo ajuda.

Talvez fosse tolice, mas ela não queria ficar a sós com o diretor. Havia algo na atitude dele que a amedrontava, que a deixava indefesa.

Mike compreendeu imediatamente seu apelo silencioso.— É muita gentileza sua, Svenson, mas não me importo de levar Claire. Ainda

é cedo e o pessoal vai ficar mais um pouco. Inclusive, você pode aproveitar e tomar um drinque com eles.

— Isso mesmo! Fique com a gente, Jake, — Lesley sorriu e estirou o braço para retê-lo. — Venha, tome algo conosco. Hoje, é Peter quem vai pagar a rodada!

Jake também sorriu, mas insistiu:

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— Na verdade, preciso ir. Tomarei esse drinque em outra oportunidade. Pelo menos um de nós tem que trabalhar amanhã. Vocês pensam que é fácil a vida de um diretor? — ele brincou, mas ao virar-se para Claire, a expressão de se rosto tornou-se novamente severa. — Está pronta? Então, vamos indo.

— Por favor, eu... — Claire não sabia como recusar sem parecer grosseira.Afinal, ele estava apenas lhe oferecendo uma carona. Mike ainda tentou

ajudar.— Não se dê a esse incômodo, Svenson. Eu mesmo a levo.O diretor pareceu zangar-se.— Qual é o problema? Estou indo para Ardwennan de qualquer maneira e há

lugar de sobra no meu carro!Claire resolveu interferir, para evitar uma discussão mais séria:— Obrigada, eu aceito. — E sorriu com gratidão para Mike. Estavam a

caminho da saída, quando Jake comentou:— Você está tremendo. Não trouxe um agasalho? — Não, não trouxe.— Ficou maluca? Lá fora está muito frio!— Não se preocupe. A distância até o Solar é pequena, e não será esta

temperatura que me fará adoecer!— Mike deve ser tão doido quanto você, para permitir que saísse de casa

com essa roupa decotada!O olhar de Jake percorreu-lhe os ombros expostos, fazendo-a corar.— Não tenho facilidade para contrair resfriados nem gripes, se é isso que o

aflige. Pode ficar sossegado que não vou prejudicar as filmagens.Tinham chegado à porta do hotel e Claire assumiu uma atitude distante e

indiferente, tentando erguer uma barreira entre ambos. Ao saírem, ela realmente estremeceu com a friagem noturna. Imediatamente um casaco de peles foi colocado gentilmente em suas costas.

— Obrigada. .. — ela sussurrou.— Ficou zangada porque me ofereci para levá-la de volta? Talvez eu tenha

sido inoportuno, mas precisava falar com você a sós. Há dias estou tentando, sem que apareça uma boa oportunidade — concluiu, tão próximo de seu ouvido, que o coração de Claire disparou.

O ruído do hotel tinha ficado para trás. Jake a segurava pela cintura e foi assim, praticamente abraçados, que eles se encaminharam para o estacionamento.

Ao chegarem, ela se acomodou no assento dianteiro do carro, sem compreender bem o que estava fazendo ali.

— Está pronta?Absorta em pensamentos, Claire não respondeu.Finalmente, o veículo pôs-se em movimento, e pouco depois os faróis

iluminavam a tortuosa estrada que levava ao solar. Claire entrelaçou os dedos para conter a expectativa. Será que ele estava com intenção de beijá-la, aproveitando-se da estrada deserta e escura?

Ela estava analisando seu perfil enigmático, quando Jake a surpreendeu com uma pergunta banal:

— Você está bem?— Estou ótima.— Sente-se mais aquecida?

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— Sim, obrigada.— Estamos quase chegando.— Pois é. Só quando pararam junto à entrada do casarão foi que ele recomeçou a falar:— O que Mike Brent significa para você? Estive observando vocês dois e

percebi que ele não a deixa um só minuto. Por acaso, ele está apaixonado?Claire esperava por tudo, menos por aquele interrogatório. Mike queria

apenas ajudá-la, solidarizando-se com seus problemas de adaptação naquele solar,

— Mike Brent é casado e você deve saber disso. Inclusive, a mulher dele é uma de minhas melhores amigas, e eu jamais faria alguma coisa que a magoasse, — Ignorando o olhar incrédulo de Jake, ela continuou: — Sei exatamente o que você pensa a meu respeito, e se pretende recomeçar toda aquela discussão, não conte comigo. Acho que essa sua mania de me perseguir já passou dos limites!

Claire tentou se livrar do cinto de segurança, mas ele a impediu, segurando-lhe o braço.

— Largue-me você já me trouxe de volta. Agradeço muito, mas agora me deixe sair!

— Calma! Não vou machucá-la, só quero que me ouça até o fim.— O quê? Ouvir os seus insultos?!— Eu não tinha a intenção de magoá-la. Quero apenas conversar um pouco.— Pois eu não quero falar com você! — reagiu Claire, sentindo-o muito

próximo.A situação piorou ainda mais quando ele deslizou os dedos pelos seus

cabelos e segurou-lhe o rosto com firmeza.— Você está me ferindo! — protestou, furiosa.— Então pare de se debater e me escute!— Quero sair daqui!Claire empurrou-lhe o peito, sentindo sob as mãos o calor daquele corpo.

Percebendo que não conseguiria soltar-se, resolveu escutá-lo.— Deixe que eu exponha o que tenho a dizer. — E com um sorriso

inesperado, Jake começou a acariciar-lhe as faces. — Sinto muito, Ciaire, juro que não era minha intenção irritá-la.

Seus rostos quase se tocavam, e ela virou a cabeça com determinação para o lado da janela.

— Pois seja rápido e me deixe sair daqui!— Não se aborreça, por favor. Claro que eu sabia que Mike é casado. Mas

pensei que ele estivesse esperando o divórcio, já que vive separado da mulher há tempos, conforme ouvi dizer. — Os dedos de Jake continuaram a acariciá-la. — Não se faça de indiferente, Claire. Sei que houve desentendimentos entre nós, mas pensei que tivéssemos superado tudo.

Claire foi relaxando aos poucos e, quando se virou, apesar da escuridão, viu um brilho diferente nos olhos de Jake. Sentiu que o coração dele batia em uníssono com o seu e notou que ele estava prestes a beijá-la!

Aproximando-se mais dele, esqueceu-se de tudo. Gostaria de tocá-lo, de aconchegar-se em seus braços fortes. Num convite silencioso, entreabriu os lábios.

Um clarão iluminou subitamente a frente do carro, quebrando o encantamento. Claire soltou-se dos braços que a enlaçavam, muito trémula,

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lamentando o incidente.Naquele momento, pôde ver o quanto Jake estava perturbado.— Claire. — ele sussurrou, tomando a abraçá-la, mas ela o evitou.Tinha visto a silhueta de Marianne através da luz forte que vinha da porta

aberta do casarão, e não estava disposta a enfrentar uma cena de ciúme.Ainda com o casaco de Jake sobre os ombros, Claire saiu apressada, do carro

e subiu os degraus da entrada aos tropeções.Ao cruzar com Marianne, viu seu rosto enfurecido. Soube então, que naquela

noite linha conquistado uma inimiga mortal.

CAPÍTULO VI

Claire não dormiu bem à noite, acordando na manhã seguinte pálida e com olheiras profundas. Sem conseguir ficar nem mais um minuto na cama, preferiu tomar um banho frio para relaxar os nervos tensos. Durante toda noite tentava entender sua situação, rememorando tudo que tinha acontecido. Porém, não che-gara a nenhuma conclusão. Sua cabeça estava um caos.

Dispensou o desjejum, tomando apenas um café forte feito na cafeteira elétrica que havia no quarto. Em seguida, debruçou-se na janela. Lá fora o céu era de um azul vivo, com nuvenzinhas coroando o cume do promontório. Sentiu uma súbita vontade de sair ao ar livre. As paredes do velho solar pareciam sufocá-la; precisava de ar puro e de um pouco de exercício.

Em poucos minutos aprontou-se, vestindo jeans, camiseta e ténis. Por precaução, levou um casaco leve para se proteger da brisa marítima.

No jardim, o cheiro da grama recém-cortada e das flores penetrou-lhe as narinas. Era o prenúncio da primavera! Diante daquela visão esplendorosa, seus olhos verdes readquiriram o brilho e a vivacidade perdidos. Com passos firmes, Claire começou a caminhar pelo jardim, disposta a não pensar em nada relacio-nado ao solar e aos seus ocupantes.

Lembrou-se da família nos Estados Unidos, dispondo-se a fazer-lhe uma visita logo que terminassem as filmagens. Agora não precisaria preocupar-se com as despesas da viagem, e talvez Lynn pudesse acompanhá-la. Da última vez em que falara com a amiga, por telefone, ela se mostrara otimista com relação ao futuro. Lynn era uma pessoa esforçada e merecia todo o sucesso que a sua carreira pudesse oferecer.

Naquela manhã Claire andou muito, o rosto voltado para os raios de sol, que anunciavam o início da nova estação. Só quando sentiu um vazio no estômago foi que resolveu voltar para Ardwennan. O velho casarão brilhava sob a luz solar, e as flores dos canteiros começavam a desabrochar, formando tapetes multi-coloridos.

Incentivada pela agradável visão, sentiu-se tentada a sair correndo como uma criança e foi aos saltos que subiu a escadaria externa, por pouco não colidindo com alguém que vinha em direção contrária.

— Mike! Que ótima surpresa! Você quase me assustou!— Como vai? Eu não tinha a intenção de amedrontá-la.— Desculpe. Eu não esperava encontrar alguém pelas redondezas. Com um

dia tão lindo como este, pensei que todos tivessem saído.— Foi justamente por isso que resolvi aparecer. Que tal irmos até Penzance

para tomar um chá com tortas, bolinhos, geléias e tudo a que temos direito?

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— Pare, Mike! Você está me deixando com água na boca! Ainda não comi nada.

Então façamos um trato. Iremos até Penzance e eu lhe pagarei um lanche completo. Só para variar, desta vez vamos bancar os turistas, certo?

— Tudo bem, desde que não se incomode em esperar que eu troque de roupa.

— Ora, Claire, vamos a uma simples confeitaria de uma cidadezinha do interior e não ao salão de chá do Ritz!

— Tem razão vou só pegar a bolsa e passar um pente nos cabelos.Claire subiu até o quarto, em companhia de Mike. Quando se sentou à frente

da penteadeira, ele enfiou a cara pelo vão da porta, dando uma olhada nos aposentos.

— É assim que vivem os privilegiados! Nada mau. . .Claire sorria, enquanto passava uma leve camada de rímel nos longos cílios.— Seja sincero, Mike. Na certa, seu quarto do hotel é tão ou mais confortável

do que o meu.Mike avançou até a cama, onde se deitou sem cerimónia, cruzando os braços

por trás da nuca.— Na verdade, meu colchão é mais macio — concordou, com um sorriso de

satisfação. — Mas a cama até que é boa... — acrescentou, fechando os olhos. — Puxa, você se acomodou no meu quarto como se estivesse em sua própria

casa!Naquele instante, ao ouvir uma batida na porta, Mike brincou:— Veja quem é, Claire. Agora estou muito ocupado. Claire atirou-lhe a escova

de cabelo que estivera usando, e atingido na perna ele sentou-se na cama de imediato.

— Ui! Está doendo Claire! — Esfregou a parte da coxa que havia sido alvejada. — Está bem... Eu vou abrir, mas você me paga! — Cerrando os punhos, fez um gesto ameaçador. — Espere só!

Claire já estava a meio caminho da porta, rindo às gargalhadas.— O que me espera, posso, saber? — Ainda rindo, abriu a porta e perdeu a

fala.Jake Svenson estava parado na soleira, os ombros musculosos ressaltados

por uma camiseta azul-marinho e jeans branco muito justo. Porém foi o olhar dele o que mais a estarreceu: um olhar gelado que pousou antes no rosto rubro de Claire, passando para a figura semi deitada de Mike.

— Sinto tê-la incomodado, srta. Grant. Pelo visto, estava muito ocupada. — As palavras formais, ditas com uma ponta de sarcasmo, deixaram Claire um pouco tensa. — Vim buscar o casaco que lhe emprestei, mas isso agora não importa. Pode entregá-lo à governanta, que eu o apanho mais tarde.

Claire queria morrer. Todas as emoções que procurara sufocar voltaram a atormentá-la. Sentia-se irresistivelmente atraída por Jake e desejava entregar-se a ele de corpo e alma. Mas agora tudo estava perdido. Bastava olhar para a expressão acusadora daquele rosto moreno. Por certo ele pensava que ela e Mike eram amantes e que ela mentira no dia anterior, quando negara a suposição.

Lágrimas lhe subiram aos olhos, e seus lábios tremeram quando Jake aproximou-se mais, dizendo-lhe num sussurro:

— A senhorita é uma grande atriz, srta. Grant! Com toda a minha experiência, quase acreditei em suas palavras. — Sorriu, desdenhoso. —

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Desculpe-me por aparecer numa hora tão imprópria. Talvez, se eu tivesse vindo buscar o casaco mais cedo...

Aquelas palavras tiveram o efeito de uma bofetada. Perdendo o controle, ela revidou com outra, real, que atingiu em cheio a face de Jake.

— Desculpe... eu... eu não pretendia fazer uma coisa dessas! É verdade, Jake, eu não queria... — balbuciou, envergonhada, dando-se conta do que acabara de fazer.

Ele respirou fundo, fitando-a com fúria contida.— Nunca mais se atreva a cometer uma tolice dessas! — disse por fim, e

meneando a cabeça como se não tivesse outra saída, acrescentou: — Dê graças a Deus que o filme está em pleno andamento, senão seria despedida no ato! — Passou a mão pelo rosto avermelhado e concluiu: — Tome nota do que lhe digo: fique longe, bem longe de mim, ou não responderei pelos meus atos!

Antes que Claire pudesse dizer alguma coisa, ele deu meia volta e desapareceu no fundo do corredor. Ela fechou a porta e apoiou-se no batente, tentando evitar uma crise de choro.

Sem entender o que acontecera, Mike foi para junto dela, com ar pesaroso. Muito discreto, não quis tocar no assunto e se retirou, mantendo um silêncio que chegou a ser constrangedor,

E Claire passou mais uma noite sem conseguir dormir.A segunda-feira prometia ser um dia árduo e nem a ducha fria conseguiu

levantar-lhe o ânimo. Desceu para o desjejum ainda zonza, mas graças a Deus não encontrou ninguém devido ao adiantado da hora. Ao deixar a sala do café foi que encontrou Dave Tillson. Sorriu-lhe, mas logo mudou a expressão do rosto ao saber que ele tinha um recado de Jake.

— Não me diga que me dispensaram!— Nada disso. Ao contrário, sou portador de boas notícias. Você pode voltar

ao quarto e descansar pelo resto da manhã. Mudamos o esquema da programação e você só vai filmar lá pelas cinco da tarde.

Claire ficou estarrecida. Sabia que a produção queria aproveitar aquele dia ensolarado para rodar as cenas externas, inclusive aquela em que ela contracenaria com Bryce David.

Dirigiu-se ao quarto bastante deprimida, ao pensar na cena que teria que interpretar. Passava-se no alto de um penhasco e ninguém, exceto Mike, conhecia o seu horror às alturas. Devia ter contado a Jake, mas agora, depois de tudo que ocorrera, não havia como. Precisaria vencer a fobia a qualquer custo, para não dar chance ao diretor de lhe fazer outras desfeitas.

Os refletores iluminaram o semblante aterrorizado de Claire quando ela ergueu os olhos suplicantes para Bryce David. Diante das circunstâncias, não era difícil simular pavor. Seus piores receios estavam se concretizando. Passara a tarde toda tentando se controlar para enfrentar aquela situação, mas de nada adiantara.

Mais uma vez virou-se para olhar as profundezas do abismo que se abria a poucos centímetros de seus pés, e impulsivamente segurou-se à manga da vestimenta rústica de Bryce.

— O que é isso, santo Deus! Um set de filmagens de profissionais ou uma pantomima de um teatrinho de escola primária?

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A voz irritada de Jake soou forte e Claire viu-o avançar para o círculo de luz, como um felino enraivecido, pronto a atacá-la.

Nunca vira o diretor tão zangado; os olhos azuis chispavam quando ele a interpelou:

— Posso saber o que está acontecendo com você? É a décima tomada que fazemos da mesma cena!

Esperou uma resposta, mas Claire não conseguia articular nada, vendo que toda a equipe a olhava num silêncio sepulcral.

Foi Bryce quem se manifestou:— O problema é que Ciaire não me solta! Em todas as tomadas ela se agarra

a mim, impedindo a descontração da cena.— Não precisa explicar. — O olhar frio de Jake pôs fim ao que restava da

autoconfiança de Claire. — A senhorita tem alguma razão plausível para esse comportamento? Talvez uma dor de cabeça? Ou está sonolenta? A que horas dormiu ontem à noite? Às duas. . . às três da madrugada? — Fez uma pausa, examinando suas faces pálidas. — Não seria melhor dar mais atenção ao trabalho do que a seus prazeres pessoais?

Claire não queria que ele visse o quanto a feria e evitou encará-lo. Preferiu olhar por cima do ombro, focalizando a equipe que parecia tão chocada quanto ela própria, pela forma como o diretor a tratava.

Encabulada, molhou os lábios antes de se desculpar:— Sinto muito. De fato, foi falha minha, mas sinceramente, estou tentando

dar o melhor que posso. — Seus olhos verdes suplicavam, mas não convenceram Jake.

— O seu "melhor" não está servindo para nada! Eu pensava que as cenas de amor fossem o seu forte!

Claire teria preferido um tapa no rosto ao sorriso de desdém que acompanhou aquelas palavras. Por mais que quisesse, não conseguiu evitar as lágrimas de ressentimento.

— Olhem só... ela agora está chorando! — continuou Jake. — Então, você é uma profissional ou uma principiante?

— Mais uma vez peço desculpas. Não foi minha intenção Por favor, acredite em mim!

— Muito bem, vou lhe dar a última chance de interpretar a cena a contento, caso contrário... Faça as coisas direito, ouviu bem?

Claire, sem conseguir se conter, começou a chorar. O diretor irritou-se ainda mais.

— Chame os maquiladores, Dave! E arrumem um lenço para a srta. Grant.Jake afastou-se com passos decididos e foi Bryce David quem veio em seu

auxílio.— Você está bem, Ciaire? Sinto muito tê-la acusado. Francamente, eu não

esperava que o diretor se enfurecesse tanto.— Esqueça, Bryce. O que aconteceu foi por minha culpa. Em breves

palavras, explicou-lhe seu pavor às alturas.— Que tolice! Por que não contou a Svenson? Ele teria entendido.— Duvido muito. Pelo pouco que o conheço, ele não entenderia — afirmou

categórica, sabendo por que Jake se mostrara tão intransigente.Afinal, ele a encontrara a sós com Mike no quarto e interpretara a situação

segundo os seus próprios critérios.

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— Claire, tente esquecer do abismo e deixe o resto por minha conta. Mas não se esqueça do seu talento — disse o ator, compreensivo.

— Obrigada, Bryce, você é um amor. Farei o possível... e o impossível!Jake mantinha-se ao alcance da visão de Claire, as linhas duras do rosto

iluminadas pelos refletores.— Quando vocês dois tiverem terminado de cochichar talvez possamos

recomeçar!O breve intervalo não havia amenizado a fúria de Jake Svenson. Seus olhos

perspicazes logo detectaram a mudança de posição de Bryce.— Você saiu da sua marcação! advertiu Jake. — Coloque se mais para a esquerda! — ordenou, fazendo um gesto

impaciente, com a mão.— Não estamos bem aqui? — perguntou o rapaz, ao cameramam.Jake não estava a fim de ser contrariado por ninguém, e sua reação não

demorou.— Eu já falei que não estão. E quando tiver alguma, pergunta, por favor

dirija-se a mim. Não se esqueça de que eu sou o diretor do filme, apesar de que gostaria de abrir mão do cargo em favor do primeiro imbecil que se candidatasse.

Bryce não se mexia do lugar e Claire tocou-lhe o braço. Ele fizera o possível para ajudá-la, mas sua teimosia estava enervando ainda mais o diretor.

Mesmo advertido, o ator persistiu:— Não creio que uns poucos centímetros façam muita diferença . . .— Se estou dizendo que fazem, é porque fazem! — retrucou Jake, encarando

o rosto pálido mas determinado do ator.— Se quer mesmo saber, sofro de vertigem e não posso ficar muito perto do

precipício — alegou Bryce, acrescentando: — Seria muito melhor para mim, se pudéssemos ficar neste lugar.

Jake mostrou-se tão mal-humorado, que Claire resolveu acusar-se. Por nada do mundo ia permitir que Bryce fosse desacatado por sua causa.

— Não é, Bryce quem tem medo das alturas. Sou eu!— Quer dizer que estivemos filmando à toa a mesma cena, várias vezes

seguidas, quando era só ter me contado o problema? Eu pensava que vocês, atores, fossem mais responsáveis...

Por um instante, Claire achou que Jake fosse agredi-la, e instintivamente buscou proteção nos braços de Bryce David.

O diretor deteve-se, e com a respiração ofegante começou a dar novas ordens:

— Afastem-se um passo da beira do precipício — Fez uma pausa, enrugando a testa. — E desta vez façam a cena direito, ou me sentirei tentado a modificar o script, jogando ambos nas profundezas, do abismo!

A interpretação de Claire melhorou sensivelmente depois da mudança de marcação, mas Bryce ficara muito abalado com aquela discussão e no pique da cena de amor, hesitou.

— Corta! — gritou Jake, vindo ao encontro deles em largas passadas, — Pelo amor de Deus! Não percebe que você deve mostrar-se ensandecido pela mulher que tem em seus braços? Você vai ter que desafiar toda a população do vilarejo, só para lhe poupar a vida! O beijo precisa ser mais arrebatador! — Lançou um breve, mas penetrante olhar a Claire. — Posso ter muitas queixas contra a srta. Grant, menos a de que ela não seja uma mulher atraente.

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Claire estava exausta, tanto física como emocionaltnente, e foi o desespero que lhe deu coragem para argumentar: — Não me diga que vai repetir a cena de novo.

Jake estreitou os olhos.— É justamente o que estou dizendo, srta, Grant. Alguma objeção? Afinal,

por causa de sua estupidez tivemos que aguentar doze tomadas. Uma a mais não vai fazer muita diferença, ou vai?

A cena tinha saído perfeita e aquela exigência só podia ser uma perversidade com o intuito de puni-la.

— Será que não saiu. boa? — perguntou, baixinho.— Acredito que eu ainda seja o diretor, portanto... Naquele momento Claire

admitiu que não adiantaria argumentar. Ele a odiava e nunca ouviria suas razões. As palavras seguintes confirmaram o antagonismo:

— Não se preocupe com isso. Você é paga para interpretar os textos que lhe entregamos, nada mais.

Ela mordeu o lábio, enquanto Bryce tomava suas dores.— Eu também estou de acordo que a cena saiu bem. Que diabo, Jake, não

vejo como melhorar a minha performance.— Pois fique sabendo que esse beijo deixou muito a desejar! Preciso lhe

mostrar como se faz! — Empurrou o ator para um lado e colocou-se na posição, segurando os ombros de Claire com possessividade. — Olhe bem! Transmite toda a violência e a confusão das emoções do personagem. Você a quer e ao mesmo tempo a odeia, entendeu?

Claire fechou os olhos e entregou-se com paixão àquele beijo voraz, esquecendo até que estavam num set de filmagem. Os dois corpos se uniram, numa busca de sensações, e ela experimentou um irrefreado desejo. Era impossível que Jake estivesse representando, tal era a emoção que deixava transparecer.

O beijo prolongou-se de forma intensa e devastadora. Claire estava trémula quando finalmente ele terminou a demonstração.

— É assim que eu quero que a cena seja interpretada! — Jake exigiu, num tom ríspido.

Bryce voltou a aproximar-se e ela precisou apoiar-se nele, para não perder o equilíbrio.

— O que é que você tem? — sussurrou-lhe ao ouvido. — Parece que ficou abalada.

Abalada? Muito mais que isso. Nunca na vida alguém a beijara daquela maneira! Por outro lado, ela tampouco correspondera a um beijo com tanta ansiedade.

— Só estou um pouco cansada... — respondeu, num fio de voz.Enquanto isso, Jake olhava para a dupla de atores visivelmente irritado.

Parecia que aqueles momentos em que tivera Claire nos braços não significaram coisa alguma para ele.

— Chega de conversa, e vamos à ação! — gritou o diretor, impaciente.Claire tinha vontade de cair em prantos, mas seu senso profissional foi mais

forte.A cena se repetiu mais duas vezes. Finalmente Jake deu por encerrada a

filmagem. Claire voltou para o Solar ao lado de Bryce, com a cabeça rodando num turbilhão de sensações.

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Como voltar a encarar o diretor depois do que se passara? Aquele beijo não fora fingimento. Ela nunca conseguiria entendê-lo, assim como ele nunca a compreenderia.

Jake Svenson era um homem enigmático. O melhor seria aceitar a realidade e esquecê-lo de uma vez por todas!

CAPÍTULO VII

As primeiras luzes da manhã davam ao Solar Ardwennan uma aparência ainda mais fantástica e impressionante. Claire viu através da vidraça meia dúzia de pessoas, movimentando-se em torno da aparelhagem de som.

Al Denton retirara todos os materiais de filmagem da posição para os consertos necessários, e nada indicava que a equipe estivesse pronta para trabalhar.

As últimas semanas tinham sido um verdadeiro inferno. Claire sofria de insônia e seu rosto abatido mostrava os efeitos das noites mal dormidas. Sua vida estava complicada, e aquele atraso na produção afetava ainda mais seu estado de espírito.

Naquela manhã teria pela frente três tomadas, duas das quais contracenando com Marianne Lejeune. Quando estava em público, a estrela era amável, mas Claire não se deixava iludir. O olhar ciumento de Marianne acompanhava seus passos e analisava seus mínimos gestos. Se Claire não estivesse tão deprimida, talvez até risse da situação. Afinal de contas, Marianne não tinha motivo para ciúme, pois Jake não perdia ocasião para lhe dar demonstrações de indiferença. Na verdade não voltara a humilhá-la, como no dia da cena no alto do penhasco, mas em compensação tratava-a com a maior frieza.

Jake acabara de sair do Solar e Claire seguiu-o com os olhos. Tinha consciência de que não havia esperanças, mas não conseguia esquecê-lo. E, todas as vezes em que o via, as batidas de seu coração se alteravam, deixando-a ansiosa.

Passava das dez e meia quando começaram a filmar. Ela pensou que o atraso fosse prejudicar sua concentração, mas felizmente a cena em que corria descalça pelo jardim até o Solar foi a primeira a ser filmada.

Jake supervisionou a tomada e ela esperou por algum elogio, já que não necessitara fazer nenhuma repetição. Porém ele a ignorou, concentrando-se no script. Aparentava cansaço e a cor azulada da barba incipiente mostrava que nem mesmo tivera tempo de fazê-la.

Chegou a vez de filmar os interiores. Claire entrou no Solar e, enquanto esperava, começou a examinar os quadros que retratavam as quatro estações do ano.

De repente, Marianne aproximou-se vestida com um suntuoso traje de castelã, conforme exigia o papel.

— Claire, minha querida. Foi bom encontrá-la sozinha. Existe um detalhe que eu gostaria de discutir com você.

— Cometi algum engano? — perguntou Claire, sabendo que não se tratava do filme.

— Ora, não me venha com ingenuidades! Conheço Jake há anos e você não foi a única a ficar deslumbrada por ele. Vamos deixar de fingimentos. Somos

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ambas adultas e sabemos que ele tem um charme todo especial. Venho observando-a todos esses dias, e gostaria de preveni-la, para que não saísse machucada. Suas atitudes vêm provocando comentários maldosos e isso não é bom, nem para você nem para Jake! — Fez uma pausa, olhando para as unhas bem cuidadas. — Eu tinha prometido a Jake não levantar esse assunto com você, mas, como diz o ditado, quem avisa, amigo é. Sei que você me compreenderá.

Muito pálida, Claire entendeu o significado daquelas palavras. Só não conseguia acreditar que Jake tivesse discutido o assunto com Marianne. Mas como ter certeza, se o conhecia tão pouco?

Resolveu fazer-se de desentendida.— Não tenho a menor idéia do que você está falando. Se quer insinuar que

estou com algum envolvimento com o diretor, posso afirmar que está completamente enganada. Mas se ouviu dizer que ele me beijou apaixonadamente durante a filmagem, é a pura verdade. Ele sabia o que estava fazendo. Só que aquele beijo não me fez perder a cabeça, pode ficar tranquila.

Os olhos azuis de Marianne faiscavam de raiva.— Não pense que me engana! Você se comporta de maneira inconsequente,

e se eu quiser, posso tornar a sua vida difícil!— Não duvido nada. Só que não há motivo para isso. E, se me permite, vou

lá fora tomar um pouco de ar fresco. A atmosfera aqui dentro está irrespirável!Antes que Marianne pudesse revidar, Claire já tinha saído.Estava ciente de que a estrela jamais a perdoaria, mas não se arrependia de

tê-la provocado.Ainda estava meditando sobre os últimos acontecimentos quando Dave foi

avisá-la de que a equipe estava pronta para filmar a próxima cena. Um injustificável medo apoderou-se dela.

E suas piores expectativas aconteceram: Marianne cometeu uma série de erros, inclusive sentando-se numa das históricas cadeiras completamente fora de hora; e interrompeu a filmagem, por várias vezes.

Como se não bastasse, ainda acusou Claire injustamente:— Sabe,Jake, é difícil contracenar com ela, mas como Claire é inexperiente,

devemos ter paciência.Claire olhou surpresa para a atriz, incapaz de se defender.— Nunca faço concessões a ninguém do meu elenco artístico, por mais

inexperiente que seja, e você sabe disso, Marianne — retrucou o diretor, num tom ríspido, enquanto dirigia a Claire um olhar divertido diante de sua expressão atônita. — Vamos fazer mais uma tentativa, Marianne. Deixe o desempenho de Claire por minha conta. Pode ficar tranquila que eu farei as correções, caso sejam necessárias.

Claire ainda estava perplexa. Jake a defendera e ela mal podia acreditar em tamanho milagre. Aliás, ela não era a única a se surpreender com a resposta de Jake. Marianne também ficou uma fera.

Mas ele fingiu não perceber e, dando-lhe as costas, dirigiu-se ao cameraman.— Vamos repetir desde o começo!— Não pense que vai escapar tão facilmente, Claire. — disse a atriz, entre

dentes, para não ser ouvida pelo diretor. — Você ainda não viu do que sou capaz!Claire se recusou a levar em consideração a ameaça. Ainda estavam

presentes em sua cabeça as palavras de Jake. Afinal, o que Marianne poderia fazer contra ela?

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Durante as tomadas das cenas seguintes, que levaram cerca de uma hora e meia, ao ouvir a nova ordem de corte, Claire deu-se conta de que pulara uma boa parle dos diálogos de Désirée.

Marianne sabotara as cenas, modificando deliberadamete as deixas, de modo que ela perdesse seu ponto de apoio. Com os nervos à flor da pele, e após a quarta repetição, Claire passou os olhos pela sala e viu que Marianne estava num canto perto da janela, cochichando com Jake. No mínimo, fazendo queixas contra ela.

E desta vez suas intrigas pareceram surtir efeito, pois Dave Tillson aproximou-se de Claire para lhe dar um recado:

— Jake quer falar com você, lá no escritório.— Essa não! — Fez uma cara desconsolada. — Certo, Dave, e obrigada pelo

aviso. Vejo você mais tarde, caso saia com vida dessa entrevista.— Não se aflija — disse o rapaz, tranquilizador. — Jake não é cego. Ele viu

muito bem o que Marianne estava aprontando.— Não acredito. Se isto fosse verdade, ele teria intercedido, pois todos

perceberam como eu me sentia — replicou Claire, numa voz queixosa, mas resignada.

— Você precisa ter em mente que Marianne é a atriz principal. Sem ela o filme não vai adiante, minha querida. Ele precisa usar de diplomacia e é melhor que o deixe agir a seu modo.

As palavras de Dave não a consolaram, provocando até um efeito contrário.— O mesmo eu posso dizer. Sem mim, o filme também não vai adiante —

retrucou, não conseguindo esconder a mágoa.— Não seja boba! Não acabei de lhe dizer que Jake percebeu o que estava

acontecendo? Vá até o escritório e converse com ele, antes de tirar conclusões precipitadas.

O olhar de simpatia de Dave acompanhou-a, até que ela saísse da sala. Ainda bem que o diretor estava sabendo do que se passava. Essa certeza não a impediu de sentir-se atemorizada, quando bateu à porta e uma voz ríspida mandou-a entrar.

Claire ergueu o queixo, pronta para o que desse e viesse, mas uma surpresa maior a aguardava.

Em vez de Jake, quem estava sentada à escrivaninha, muito à vontade, era Marianne, cujo sorriso irônico mostrava que ela não se deixaria enganar pela atitude altiva da rival.

Claire entrou, respirando fundo e fechando instintivamente os punhos. Estava determinada a não permitir que Marianne manobrasse aquela situação. Procurou Jake com os olhos e o viu apoiado no tampo da lareira, o corpo elegantemente arqueado, o olhar ausente, perdido nas grades vazias. Mesmo naquele momento embaraçoso, Claire pôde notar todo o poder de sedução dele.

Como sempre, seu coração bateu mais forte, mas ela não podia entregar-se às emoções. . . Endireitou-se, pronta para enfrentar a luta desigual, e naquele instante Jake voltou-se na direção dela.

— Não quer sentar? — convidou, indicando-lhe uma cadeira.Claire fez um gesto negativo com a cabeça. Já estava em desvantagem

vestida com aquelas roupas de aldeã, descalça e despenteada, e preferia enfrentar a briga de pé.

— Antes que eu faça meus comentários, pergunto se você tem alguma

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explicação para os erros que cometeu hoje, durante a filmagem.Claire apertou os lábios. Era evidente que havia um motivo para seu

comportamento, só que ninguém acreditaria em suas palavras.— Querido, o que aconteceu é mais do que óbvio. — A voz adocicada de

Marianne interpôs-se. — Não quero ser indelicada, mas na minha opinião Claire tem andado muito desligada.

Claire não deixaria passar aquela acusação sem defender-se. Encarando Marianne, replicou:

— A culpa foi sua! Você provocou a minha confusão nos diálogos!Jake manteve-se em silêncio, olhando para ambas como se estivesse

assistindo a alguma representação.— Oh, querida, por que eu iria prejudicá-la? Minha intenção, tal como a de

Jake, é de terminar a filmagem o mais cedo possível.Diante de tantas mentiras, Claire não se conteve.— Você estava furiosa comigo e quis me atrapalhar de propósito! Sei que vai

negar e que Jake não vai acreditar em mim, mas o que você diz não passa de hipocrisia! A única diferença entre nós duas é que você é a estrela e por isso está acima de qualquer suspeita!

Eram palavras audaciosas, mas Claire não estava preocupada se elas provocariam ou não alguma reação desfavorável.

— Jake, você vai permitir que essa principiante fale comigo dessa maneira? É evidente que ela não está à altura do papel que lhe deram. — E, virando-se para Claire, continuou: — Saiba que fui bastante tolerante com a sua inexperiência, só que não vou suportar esta situação por mais tempo. Estou decidida a não continuar contracenando com você nem hoje, nem amanhã, nem nunca!

— Ela está me acusando injustamente! — retrucou Claire, olhando para Jake.— Se já terminou, srta. Grant, vou usar da palavra na qualidade de diretor.

Você, Marianne, andou dizendo que eu sou complacente com o meu elenco. Talvez esteja certa. Pois saiba que de agora em diante, não serei tolerante com ninguém. . . Ninguém!

Claire esperou pelo pior. Certamente seria despedida. Logo Jake continuou:— Não aceito que as minhas principais atrizes se digladiem como amadoras.

Nunca imaginei que duas profissionais fossem capazes de criar tantas confusões!Mais uma vez Claire surpreendeu-se, pois nunca imaginara que ele fosse

repartir a responsabilidade entre ambas. Chegou até a agradecer-lhe mentalmente.

Nesse momento, ouviu a voz irritada de Marianne:— Quer dizer que você pretende mantê-!a no elenco?— Ela fica!Marianne precisou ser carregada até a porta. Ao passar por Claire, Jake

sussurrou:— Não saia, espere por mim!Claire concordou e, enquanto aguardava, examinou a estante de livros para

se distrair.Mas Jake não demorou a voltar.— Sinto muito tê-la retido — disse, parecendo contrafeito.— Eu é que peço desculpas por ter mexido nos seus livros.— Não são meus. Pertencem ao acervo do Solar e não me incomodo que faça

uso deles.

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— Por falar nisso, ainda estou com os livros sobre a Cornualha. Preciso devolvê-los.

— Já leu todos? — Diante do silêncio de Claire, acrescentou: — Não deve ter lido. São um pouco aborrecidos.

— Engano seu. São muito interessantes. Acabei de ler um deles e estou na metade do outro. Só não terminei, por absoluta falta de tempo.

— Pois eu não consegui concluí-los — confessou Jake, olhando para o teto e cruzando as mãos sobre o estômago.

Achando que ele estivesse entediado com aquela conversa, Claire disse:— Talvez seja melhor eu ir andando. Você deve ter muito trabalho pela

frente. Quanto ao script, fique sossegado que tenho todos os diálogos na ponta da língua. Passe bem. — Tomou o rumo da saída, mas ele interpôs-se em seu caminho.

— Desculpe se fui rude. — Riu e seu olhar tornou-se cálido. — Pedir-lhe desculpas já está se tornando um hábito, não é mesmo?

— É... você tem razão. Por outro lado, sei que pela manhã causei transtornos com os meus lapsos de memória e tenho consciência de que um diretor tem ocupações bem mais importantes do que cuidar da amnésia do elenco.

Ele sorriu, com um charme irresistível.— Sei que fui grosseiro. É que, além dessas preocupações com o filme,

surgiram outros problemas que terei do resolver. Temo que a nossa discussão sobre o script precise ser adiada.

"Isso não passa de um pretexto para me dispensar... ", pensou Claire, não acreditando em nada do que ele dissera.

— Tudo bem... eu entendo... E mais uma vez tentou alcançar a porta.— Você não acredita em mim?— Claro que acredito. Sei muito bem o quanto anda atarefado, sem poder

desperdiçar um minuto de sua vida.Que voz era aquela? Mais parecia que sequer se lamentava. Agora estavam

muito próximos um do outro, o ela evitou encará-lo para não revelar o que sentia. Seu desejo era ficar a sós com ele, conversando coisas amenas.

— Há pouco recebi um chamado telefônico e preciso ir até Penzance, para resolver uns problemas com o banco.

Desta vez Claire fitou-o nos olhos, mais desconfiado do que nunca. Jake sacudiu a cabeça, passando a mão pelos cabelos.

— Por Deus, Claire! — exclamou, exasperado. — Sei que esta manhã você se desgastou muito, mas não interprete mal a minha viagem. Não queira tornar a situação mas difícil do que já está, por favor.

— Acho que tenho motivos suficientes para duvidar de você. Há semanas que vem me evitando e a única conclusão a que posso chegar é que você não mudou de opinião a meu respeito.

— Sei que tenho sido duro com você... — Jake suspirou, apoiando as costas no batente da porta, numa atitude resignada e conciliatória. — De fato, venho me comportando como um vilão, mas infelizmente você colaborou bastante com suas provocações... Não fique tão surpresa, Claire! Devo admitir que tirei conclusões precipitadas, baseado em provas inconsistentes, mas que me deixaram profundamente irritado.

— Sinto muito, Jake. Reconheço que a situação era suspeita quando você apareceu em meu quarto. Só que Mike não passa de um bom amigo... juro!

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Aproximou-se mais, porém Jake se esquivou.— Certo, fica o dito pelo não dito. — Consultou o relógio de pulso, antes de

completar: — Vai ter que me desculpar, Claire, mas devo sair dentro de meia hora e ainda preciso fazer a barba e trocar de roupa.

Agora que ele não mais a impedia, Claire não se decidia a ir embora. Tudo indicava que ele não estava zangado com ela, mas precisava ter certeza disso. Queria tanto que se tornassem novamente bons amigos e que ele confiasse nela sem restrições.

Mas para isso precisariam de mais tempo, de mais privacidade.Jake abriu-lhe a porta e, com um sorriso gentil, convidou-a a sair.Claire hesitou.— Estive pensando... Bem, se vamos ter uma tarde livre, você poderia me dar

uma carona até Penzance. Preciso fazer umas compras e sem carro fica difícil...— Não vou a Penzance a passeio, Claire. Preciso ir por um motivo

estritamente comercial — retrucou ele, num tom de reprovação.Mais uma vez ficava claro que Jake não desejava a companhia dela. Mesmo

assim Claire insistiu, não querendo perder a oportunidade de estar a sós com Jake. Tinha ainda tantas explicações a dar, tantas coisas que queria fazê-lo entender.

— Pode crer que não vou incomodá-lo.Jake suspirou, mas acabou cedendo.— Tudo bem. Tem meia hora para se aprontar, nem um segundo a mais.Claire saiu do escritório com o rosto em brasa. Tivera um comportamento

deplorável! Nem se reconhecia.Onde fora parar todo o seu orgulho? De qualquer forma estava satisfeita, pois

seu maior desejo era ficar com Jake, todo o tempo possível!

CAPÍTULO VIII

Claire aprontou-se dentro do prazo combinado. Deixando a fantasia de aldeã em cima da cama, vestiu um traje simples de saia e blusa e um casaco azul-marinho impermeável, de corte clássico.

Desceu a escada correndo, pois não queria contrariar Jake, nem lhe dar pretexto para ir embora sozinho. Porém, quando chegou ao pátio de pedra britada, constatou que ele ainda não havia descido. Resolveu esperar debaixo da marquise da porta dos fundos, olhando o céu que se tornava cada vez mais negro e pensando em como pudera ter se comportado daquela maneira.

Afinal, estava impondo a Jake sua companhia. Agora reconhecia que tomara uma atitude que só serviria para confirmar as suspeitas que recaíam sobre ela.

Já decidira dar meia-volta e entrar em casa, deixando que ele fosse sozinho, quando a porta se abriu às suas costas. Ao virar-se, seu coração bateu mais forte diante da elegante figura de Jake, que trajava um bem talhado terno cinza-claro, cor que lhe destacava ainda mais o rosto moreno. Era evidente que ele estava aborrecido, pois nem sequer lhe dirigiu um olhar, preferindo observar os pingos de chuva que começavam a cair do céu.

— Que tempo terrível! — exclamou Jake.Aquelas palavras e o tom como foram ditas não tinham nada de

tranquilizador, e Claire mais uma vez se perguntou por que insistira tanto em ir a Penzance com ele e o que ganharia com isso. Mas era tarde para voltar atrás, sem

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parecer volúvel e ridícula. Sua esperança era de que ele mudasse de humor depois que estivessem dentro do carro.

Durante o percurso até Penzance, Claire puxou conversa, falando de assuntos neutros; porém recebeu apenas respostas secas e monossilábicas. Pelo visto, tudo continuava como antes, apesar de estarem sozinhos no pequeno espaço do carro, o que aparentemente favorecia uma intimidade.

Magoada, Claire pousou o olhar no pára-brisa e começou a acompanhar o movimento do limpador. Ainda por cima, a chuva forte contribuía para aumentar a tensão entre os dois.

Aos poucos ela se deu conta de que o mal-estar que sentia não era proveniente de seu estado emocional. A estreita estrada em zígue-zague, a alta velocidade em que viajavam e o estômago vazio, formavam uma combinação ideal para provocar ânsias de vomito. Não queria que ele percebesse, e se propôs a aguentar firme os enjoos cada vez mais fortes.

Ao entrarem em uma curva, Claire procurou alguma placa indicativa que mostrasse a distância que ainda os separava de Penzance, mas só avistou arvoredos e pastagens enevoadas pela cortina de chuva.

Sua atenção foi novamente desviada para o vidro do pára-brisa, quando Jake diminuiu a pressão sobre o acelerador ao cruzar com uma carreta carregada de ovelhas. Logo ele voltou a acelerar e um suor frio começou a descer pela fronte de Claire. Sentia-se muito mal.

De repente, o carro entrou bruscamente em outra curva fechada, e sem aguentar mais, ela levou a mão a boca para reprimir um soluço acompanhado de ânsia de vomito.

Jake virou a cabeça e viu como Claire estava pálida. Antes de frear, olhou pelo espelho retrovisor e devagar levou o carro para o acostamento de terra batida, parando cm fronte à porteira de um pasto.

Claire desafivelou o cinto de segurança e abriu a porta, antes mesmo que o veículo parasse, Afundando os saltos altos na lama, alcançou a cerca. O ar era frio e úmido. Ela aspirou fundo, enchendo os pulmões, apoiando-se nas toras da porteira.

Sabia que Jake a acompanhara, pois sentia a respiração dele junto ao seu pescoço. Ignorando-o por completo, Claire levantou um pouco a cabeça e fitou a campina deserta que se estendia à sua frente. Estava irritada.

Positivamente, não conseguia entender aquele homem. Num instante, mostrava-se encantador e charmoso, para no momento seguinte tratá-la com desprezo e até brutalidade. Continuava furiosa com ele, mas ainda mais consigo mesma. Com toda aquela falta de consideração, deveria ser fácil para ela tirá-lo da cabeça. Mas não era. Aliás, achava que seria impossível. Essa constatação a fez sobressaltar-se, quando ele lhe tocou o ombro.

— Você está bem? — perguntou, à meia voz.Claire debruçou-se novamente sobre a cancela, as palavras amargas presas

na garganta, mas Jake não se dava conta da fúria que desencadeara.— Você está bem? — ele insistiu, com expressão preocupada. — Sinto

muito, mas eu não sabia que você costumava ter enjoos na estrada. Fui um louco ao dirigir tão depressa. — Sorriu contrafeito, atribuindo a palidez e os lábios trémulos de Claire ao mal-estar físico. — Sinto muito... realmente, sinto muito... — repetiu, perturbado.

Claire o encarou, com os olhos verdes brilhando, de suspeita e

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ressentimentos.— Você sente? Essa é boa! Quem sente sou eu! Lamento ter comparecido

àquele deprimente exame de seleção; lamento, ter sido escolhida para esse maldito filme, mas lamento mais do que tudo ter conhecido você! — gritou, cheia de mágoa.

E era verdade. Preferia nunca o haver encontrado. Jake Svensou era um constante tormento em sua vida.

Jake mostrou-se atônito. Seus olhos azuis se estreitaram e seus dedos fortes apertaram os ombros de Claire.

— Se já terminou, gostaria que me ouvisse por um instante. Claire logo reagiu ao tom indiferente.

— Não quero escutá-lo! Estou farta de suas conversas! Você não perde uma ocasião para me contrariar. Sei exatamente o que pensa de mim e reconheço que fui uma tola por ter vindo na sua companhia!

Não pôde continuar. Trémula, procurou esconder a cabeça entre as mãos para que ele não percebesse as lágrimas que começavam a brotar em seus olhos.

— Somos ambos idiotas... nesse ponto estou de acordo! Em primeiro lugar, não tem sentido ficarmos debaixo deste aguaceiro. — Segurou-a pelo cotovelo e levou-a até o carro, lutando contra a resistência que ela teimava em opor. — Pare com isso! Você não vê como está molhada? Vai acabar pegando uma pneumonia.

Claire lançou-lhe um olhar de desprezo. — E você se importaria com isso? Apertando os lábios, ele respondeu:— Sim, claro que sim. — Abriu a porta do lado dos passageiros.— E agora,

vai entrar por livre e espontânea vontade, ou vou ter que usar outro tipo de persuasão?

Claire deslizou para o assento, e olhou para o lado oposto quando Jake se acomodou ao volante.

— Bem... sugiro que você tire esse casaco molhado e relaxe. Depois, vamos tentar falar como pessoas sensatas e civilizadas, está bem?

Claire ainda se sentia enjoada e as roupas molhadas que se colavam ao corpo eram desconfortáveis demais para o seu gosto.

— Não me venha com atitudes paternalistas, Jake! Como já disse, sei muito bem o que você pensa a meu respeito. — Lágrimas sentidas ameaçaram não a deixar prosseguir.

Mas, controlando-se, Claire recomeçou:— Sei que nada mudará a sua opinião; portanto, o melhor que tem a fazer é

me levar até Penzance e me deixar por lá mesmo. Nâo voltarei a incomodá-lo, pode crer. Mike não vai trabalhar hoje à tarde e eu telefonarei pedindo que ele venha me buscar.

Furioso, Jake segurou-a pela nuca e seus olhos azuis faiscavam quando a obrigou a encará-lo.

— Não diga mais isso! Você não vai a parte alguma com Mike! Está me ouvindo? Se viemos juntos até Penzance. voltaremos juntos e está acabado!

Claire tentou livrar-se dos braços de Jake, mas infelizmente ele era mais forte.

— Você está me machucando! Largue-me! Não compreendo a sua reação. Afinal, você não se importa nem um pouco comigo!

— Por Deus, Claire! Se soubesse como eu penso em você. . . Ele soltou-a,

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mas Claire ficou no mesmo lugar, imobilizada pela sensação que aquele contato tão desejado lhe transmitia. Foi esta emoção que a fez aproximar-se de Jake, oferecendo-lhe os lábios.

— Eu quero você, Claire, e muito... Você me impressionou desde o primeiro momento em que a vi.

O coração de Claire começou a bater tão forte, que ela mal conseguia respirar. Aquilo não podia estar acontecendo! Os dedos dele agora lhe acariciavam as faces molhadas pelas lágrimas.

Claire recomeçou a tremer quando Jake pressionou os lábios sobre os dela, de forma cadenciada e sensual, enquanto com a mão livre percorria-lhe todo o corpo.

— Minha querida, vou acabar enlouquecendo. — ele sussurrou, em meio a um beijo realmente enlouquecedor.

"Eu é que devo estar louca!", pensou Claire, sem oferecer a mínima resistência àqueles carinhos. "Estou apaixonada por ele, meu Deus! Durante todo esse tempo me neguei a reconhecer a verdade. E a verdade é que amo e desejo Jake com todas as minhas forças!"

Jake desabotoou-lhe a blusa, deixando à mostra os seios enrijecidos pela excitação.

Mais uma vez, ele sussurrou:— Você me deixa louco! Oh, como eu desejo você! Eu queria... queria tanto

poder amá-la livremente, Claire...— Eu também. — disse ela, num gemido.Um carro passou pela estrada com o escapamento aberto, fazendo um

enorme barulho, e Jake pareceu voltar à realidade.— Deus! Devo ter perdido o juízo. Sinto muito, Claire.— Por quê?Enquanto lhe abotoava a blusa, ele respondeu:— Eu queria muito tocar no seu corpo... fazer amor com você... Mas não

tenho esse direito.— Se é porque viu Mike no meu quarto, não precisava ficar preocupado. Ele

só estava esperando que eu acabasse de me arrumar, para sairmos. Nada aconteceu, e nada acontecerá entre mim e ele. Mike é apenas um bom amigo.

Jake sacudiu a cabeça e fitou-a de um modo que revelava toda sua angústia.— Para o meu próprio bem, preciso acreditar que isso seja verdade. Imaginar

que ele tocou em você... acariciou seu corpo... essa idéia tem me perturbado nestas últimas semanas. Fiquei cheio de ciúme quando o vi no seu quarto... deitado em sua cama... Não consegui raciocinar direito. Quando me acalmei um pouco, somei dois mais dois, chegando à conclusão de que eram cinco... Aliás, chegar a conclusões erradas a seu respeito tem sido uma constante.

Claire não pôde esconder a emoção que lhe ia pela alma. Ela queria dizer alguma coisa, mas faltaram-lhe palavras. Então ele continuou a falar, segurando-lhe as mãos:

— Sabe... é por causa de Marianne. Ela está apaixonada por mim.Claire tentou interrompê-lo, mas ele não permitiu.— Deixe-me terminar. — Ele beijou-lhe as mãos com carinho e brandura. —

Quero que entenda o que está acontecendo. — Soltou um profundo suspiro, antes de prosseguir: — Na verdade, eu conhecia os sentimentos de Marianne quando a convidei para estrelar o filme, portanto você pode me criticar por isso. Porém, eu pensava que pudesse controlar a situação. — Jake fez uma longa pausa, os olhos

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entristecidos fixos em Claire. — Pensei... até o momento em que você entrou em cena.

Claire gostaria de lhe dizer que não se importava com Marianne, que não ligava para o passado... De fato, havia esquecido a existência de Marianne até aquele momento. Mas Jake não a deixou falar.

— Preciso terminar o meu raciocínio... Deus sabe o quanto tem sido difícil para mim. — Virou bruscamente a cabeça, fixando o olhar no pára-brisa e endurecendo os maxilares. — Marianne ficou furiosa quando me viu levar você para casa, naquela noite em que estivemos no bar do hotel. Inclusive, ameaçou abandonar as filmagens e quebrar o contrato. Eu sabia que precisava pôr um fim à minha obsessão por você. — Olhou para as próprias mãos pousadas no volante, com um sorriso melancólico. — De certo modo, foi um alívio quando encontrei Mike em seu quarto. Duvido que de outra forma eu conseguisse me manter longe de você.

— Então foi por esse motivo que Marianne fez tudo aquilo comigo, hoje pela manhã?

Ele assentiu, com um gesto de cabeça.— Sinto muito pelo sucedido, Claire. Eu queria repreendê-la, mas não podia

fazer isso. Estava amarrado de pés e mãos. Marianne já tinha ouvido comentários sobre o episódio do beijo, lá no alto do penhasco. — Soltou uma risadinha divertida. — Acho que a maneira como a beijei proporcionou a todos um quadro real da situação. Tive muito trabalho para acalmar Marianne depois disso.

Claire ficou quieta e cabisbaixa, os cabelos escondendo-lhe as faces. Não fora à toa que se sentira tão confusa, quando ainda desconhecia as razões do comportamento de Jake. Marianne o mantinha preso e sem ação!

— Há algo mais que quero dizer — continuou ele. — Marianne e eu nos conhecemos há anos... Houve uma época em que nos tornamos amantes e ficamos juntos por muito tempo. Para ser mais explícito, até bem recentemente. Mas como estávamos sempre trabalhando em pólos opostos, isso acabou pro-vocando uma separação. Pensei que esta decisão tivesse sido tomada de comum acordo, mas creio que me enganei. Essa foi mais uma razão por que precisei me afastar de você. Às vezes tenho vontade de estrangular Marianne! Ela pode até ser uma megera, mas ainda gosto dela. Afinal, passamos bons momentos juntos e eu não tenho direito de feri-la mais do que já fiz.

— Obrigada pela explicação — disse Claire com a voz sumida, tentando manter-se de cabeça fria.

Jake sentia-se atraído por ela, mas não o suficiente para se afastar de Marianne. Era a outra quem ainda dava as cartas naquele jogo perigoso.

Jake suspirou, passando os dedos pelos cabelos revoltos.— Por favor... entenda, Claire! Que mais eu poderia fazer? — Nada, é claro.— Quando o filme terminar, estarei livre para fazer o que bem entender. Já

programei umas férias e espero que você concorde em me ver, pelo menos de vez em quando.

Claire ignorou o vago pedido, não permitindo a si mesma alimentar ilusões. Ele era um homem sexy cujo poder de atração não passava despercebido a outras mulheres, inclusive à própria Marianne.

Claire não teria a menor chance. Muitas coisas poderiam acontecer nos próximos dois meses, e mesmo que Marianne se conformasse em se afastar de Jake, outras logo se candidatariam ao lugar vago. E Claire o queria naquele

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momento, não dali a dois meses!Jake, atento às suas reações, ergueu-lhe o queixo.— Você pensa que estou satisfeito com esta situação?E, como ela não respondesse, apossou-se de seus lábios, dando-lhe um beijo

tão apaixonado que chegou a tirar-lhe o fôlego. — Eu a quero muito, Claire. Mas não tenho o direito de pedir que você continue a se manter no anonimato. Droga! Quando eu tiver você para mim, quero estar livre para gritar ao mundo inteiro o quanto a quero!

Claire afagou-lhe o rosto bonito.— Esse também é o meu desejo — disse, com sinceridade. Se houvesse ao

menos uma chance de ser feliz com ele, não iria jogá-la fora por causa de preconceito e de um orgulho idiota. Faria qualquer sacrifício.

— Mesmo assim, Jake, gostaria de passar alguns momentos de felicidade com você desde já... Quem pode saber o que irá acontecer depois que terminarem as filmagens? — Seus olhos verdes o fitaram com meiguice. — Prometo que serei discreta. É claro que não vou fingir que gosto de Marianne, mas farei de tudo para que ela não se irrite. Naturalmente a palavra final é sua.

Claire reteve a respiração, à espera da resposta: — Minha querida... — disse ele, por fim, a voz denotando uma grande emoção. — Você está certa. Eu também não posso esperar tanto tempo longe de você. É uma tentação demasiada forte para mim.

Um beijo intenso selou aquele pacto. Ela sentiu que vencera, mas sua felicidade estava longe de ser perfeita. Amava Jake e poderia tê-lo, porém pagaria um preço alto por esse quinhão de felicidade.

CAPÍTULO IX

Claire espreguiçou-se e cruzou as mãos atrás da nuca, o olhar perdido na imensidão do mar, onde navegava um barco a vela. Há vários dias o tempo mantinha-se perfeito, com um céu sempre azul e uma temperatura amena, quase quente.

Ela suspirou ao ver uma gaivota revoar naquele céu límpido, e teve uma sensação de felicidade. Era jovem e estava apaixonada. Soltou outro suspiro, semicerrando os olhos para evitar os reflexos dos raios solares. Infelizmente a vida não era tão simples quanto parecia.

Sem sombra de dúvida, Jake se tornara o centro de seu universo. Pensava nele o tempo todo, tal como fazia naquele momento. Era uma verdadeira obsessão. Claire reconhecia que se envolvera demais com ele e acreditava que o amava, pois a cada dia que passava ambos se desejavam mais e mais...

Todavia, isso não era o suficiente. Será que ela estava tornando-se possessiva e exigente demais? Conversavam com frequência, mas ao final Claire achava que não tinham dito nada. Ele já sabia de tudo sobre a vida dela, mas o inverso não era verdadeiro. Jake nunca falava sobre sua família, nem sobre o seu passado. Era um verdadeiro enigma, que a fazia sentir-se insegura e temerosa, sempre esperando pelo pior.

A passos lentos, encaminhou-se para o Solar, ainda meditando. Ele a desejava, disso tinha certeza.

Mas chegaria o dia em que ele haveria de se curar e essa perspectiva era

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insuportável.Às vezes Claire considerava Marianne como a mulher mais importante na

vida de Jake. Ao jantar, sempre se sentavam juntos, falando baixo, e Claire não conseguia esconder seu ciúme. Porém não reagia e deixava o barco correr. Nem mesmo dissera a Jake o quanto se sentia perdida. O orgulho falava mais alto.

Afinal, ele não lhe prometera nada de concreto, e, não cabia a ela cobrar um amor que talvez para ele nem existisse.

Naquele dia Jake lhe pedira para passarem o fim de semana juntos. Tinham acabado de filmar algumas cenas nos jardins do Solar e ele lhe interceptara os passos antes que ela entrasse em cena.

— Quero falar com você, Claire. — Ela ainda estava vestida com o rústico traje de cena, a blusa branca caída sobre um dos ombros. — Não troque de roupa e vá direto ao meu escritório.

Claire fez que sim, e poucos minutos depois estava diante dele, ainda disfarçada de aldeã.

— Como você é linda... tão linda! — sussurrou Jake, ao vê-la.Claire forçou-se a levantar as pálpebras sombreadas pelos espessos cílios, e

viu que ele a fitava com uma expressão de angústia.— Não posso continuar assim, minha querida. Quero você para mim, senão

vou acabar enlouquecendo! — declarou ele, com a voz embargada pelo desejo.Ela também o queria muito, mas se manteve calada até que ele falasse de

novo:— Preciso de você, Claire. Preciso muito. Você vem comigo? — Ao fazer a

pergunta, tocou-lhe os seios semi-encobertos, levando-a a gemer de prazer. — Você também me quer, não é verdade? Podemos ir para algum lugar tranquilo, onde ninguém nos conheça.

Sua voz sensual prometia prazeres que Claire nem se atrevia a sonhar. No entanto seria melhor recusar, para não vir a sofrer ainda mais. Jake só queria seu corpo. O amor estava fora de cogitação.

Mesmo pensando acertadamente, a resposta dela contrariou o raciocínio:— Sim, sim. Leve-me para onde você quiser.— Infelizmente não será neste fim de semana. Tenho que ir a Londres com o

produtor, para um encontro de negócios. — O corpo de Jake vibrava encostado ao dela, mas Claire suspeitava que aquilo era paixão e não amor. — Vou providenciar tudo para o próximo sábado. Minha querida, mal posso esperar até lá.

Claire tinha consciência de estar se comportando de modo apressado, mas também estava ansiosa pelo momento de entregar-se sem restrições.

E pensar que se sentira ultrajada quando Alan Crosby lhe propusera ser sua amante!

Naquela semana Jake esteve mais ocupado do que nunca, tendo reuniões diárias com os assistentes e acelerando as filmagens.

Toda a equipe estava satisfeita com os resultados, e até Marianne vivia sorridente, menos quando tinha Claire pela frente. Certamente parecia desconfiar de alguma coisa, embora não fizesse escândalos nem ameaçasse abandonar as filmagens.

Aquela aparente calmaria chegou a assustar Claire, aumentando suas dúvidas sobre as intenções de Jake. O que ele sentia realmente por Marianne? Ainda a amava? Seria Claire apenas um passatempo na vida dele?

Conforme o programado, na sexta-feira à noitinha Jake partiu para Londres e

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ela apenas o viu uma vez, de passagem, num breve colóquio de dez minutos, quando ambos aproveitaram para se acariciar e se beijar sofregamente, como se nunca mais fossem encontrar-se.

Claire detestava o subterfúgio de vê-lo às escondidas. Queria que seu relacionamento com ele fosse aberto, declarado em praça pública.

Depois de se despedir dele, Claire foi para o quarto tirar o traje de aldeã. Tomou uma chuveirada e vestiu um conjunto simples de fustão. Na hora do almoço, Mike a convidara para se encontrarem no final da tarde.

Ultimamente ela vinha evitando o amigo, mesmo sabendo que estava sendo injusta. A amizade com Mike era importante, mas ela não queria provocar novas cenas de ciúme com Jake.

O rapaz apareceu pontualmente e saudou-a com alegria, embora por trás de sua expressão risonha houvesse uma ponta de ressentimento.

— Alô, querida! Há quanto tempo não batemos um papo!Claire respondeu com igual efusão, para compensá-lo da ausência

prolongada:— Desculpe se não lhe tenho dado a devida atenção, mas aconteceram

coisas que eu não posso explicar.— Tudo bem — cortou o amigo, mostrando-se compreensivo. — Aliás, estou

cometendo alguma imprudência convidando você para sair?— Não, não... nenhuma.— Eu queria ter uma oportunidade para preveni-la de algo pouco agradável.

Claire, infelizmente, Alan está a caminho de Ardwennan. Ontem ele telefonou para Joan e lhe ofereceu uma carona no carro. Receio que a intenção dele seja visitá-la aqui no Solar.

Aquilo não podia ser verdade! Alan Crosby fora riscado de sua vida e escolhera o momento menos propício para reaparecer em cena!

— Por que Alan resolveu vir até aqui? Não temos mais nada um com o outro e não pretendo mais vê-lo. A presença dele em Ardwennan pode estragar tudo! Além do mais, tenho certeza de que Jake nunca entenderia.

— Sinto muito, Claire. Eu sabia que ele não seria bem-vindo. Joan também sabia, e chegou a recusar o oferecimento. Mas Alan teimou, afirmando que viria de qualquer maneira. Pelo que me consta, também convidou Lynn, só que ela vai trabalhar neste fim de semana.

Claire abaixou a cabeça, o pensamento a quilômetros de distância, enquanto comentava:

— Sim... eu sei. Lynn me escreveu contando que viajaria para Jersey. Vai participar de um comercial de modas para a televisão, que será rodado na ilha. — Tirou os olhos do chão e fitou o amigo, com intensa aflição. — Oh, Mike, o que vou fazer? Não posso encontrar Alan! Se bem o conheço, sei que ele nunca vai aceitar um "não".

Se Jake descobrisse que Alan a visitara enquanto ele estava em Londres, iria imaginar que ela marcara de propósito aquele encontro, aproveitando-se de sua ausência. Baseando-se nos fatos precedentes, ele nunca acreditaria em sua inocência. Nunca!

Mike alisou os cachos, suspirando.— Nem sei o que sugerir, Claire. Tentarei mantê-lo a distância, mas não

posso prometer nada. Não seria melhor enfrentá-lo de uma vez por todas e dizer o que ele merece ouvir? Joan e eu poderíamos estar presentes para dar um apoio.

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Claire desviou a vista para o mar, que agora tinha uma coloração azul-metálica que lhe recordava certos olhos.

— O caso não é tão simples assim. Quando Jake souber que Alan esteve aqui, pensará que fui eu quem combinou esse encontro.

— Então, é um perfeito idiota. Sabendo quem você é, ele não pode ter nenhuma dúvida em relação às suas atitudes.

— Ele tem seus motivos.Claire não deu maiores explicações, pois sua preocupação no momento era

encontrar uma saída para o problema de Alan.— Bem, Mike, não quero ser uma desmancha-prazeres e atrapalhar o seu tão

esperado reencontro com Joan. Mas se você pudesse fazer alguma coisa para impedir Alan de aparecer, eu lhe seria grata pelo resto da vida. . . Basta Marianne desconfiar que Alan esteve aqui, para que jake seja o primeiro a saber. Ela me detesta, e fará tudo para separar Jake de mim.

— Tentarei ajudá-la, Claire, mas acho que você está dramatizando as reações de Jake.

Claire balançou a cabeça, desconsolada. Gostaria de concordar com aquilo, mas sabia o quanto Jake era desconfiado e propenso a suspeitar. Seria difícil explicar a Mike, uma pessoa tão simples, as complicações que se passavam na mente do diretor. Ela mesma não conseguia compreendê-lo. Só tinha certeza de que o amava e por nada do mundo queria perdê-lo,

— Joan vai ficar até segunda-feira? — perguntou, mudando de assunto propositadamente.

Mike, sem perceber a manobra, começou a falar sobre outras coisas.Pouco depois, ele partiu. Mais tarde, telefonou avisando que Alan e Joan já

tinham chegado ao hotel. Pelo visto, Alan não se convencera de permanecer fora do caminho de Claire.

— Tentei mostrar a ele que entre vocês dois estava tudo acabado, mas ele insistiu e disse que bastaria uma boa conversa para que tudo entrasse de novo nos eixos. Fiz o possível e o impossível, minha querida, mas ele não me deu ouvidos.

Claire ficou com o fone colado na orelha, olhando fixamente para a parede, a mente em turbilhão. Imaginava como Mike estava se sentindo. Alan também nunca lhe dera ouvidos, por mais que ela tentasse. Sempre que lhe convinha, fingia-se de surdo. A única coisa que restava era torcer para que Jake não sou-besse de nada.

Claire ficou tanto tempo silenciosa, que Mike pareceu constrangido ao anunciar:

— Nós todos combinamos encontrar você amanhã, às dez e meia. Pensei que, se Joan e eu também fôssemos, poderíamos lhe dar alguma cobertura no caso de Alan se alterar.

Naquela noite Claire jantou na companhia de uma dúzia de pessoas da equipe, entre elas a própria Marianne. Foi difícil evitar-lhe o olhar inquiridor. A atriz a espionava em silêncio, e Claire teve a impressão de que ela já sabia o que iria acontecer no dia seguinte. Só se sentiu aliviada quando a refeição terminou, e pôde refugiar-se na solidão de seu quarto.

Custou a adormecer, mas, no dia seguinte, ao abrir as cortinas, viu que a

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manhã estava bonita, ensolarada, e os pássaros faziam uma verdadeira sinfonia nos jardins. Apesar de tudo, continuava preocupada e deprimida, e nem uma linda manhã de verão conseguia fazê-la esquecer os problemas.

Tomou uma ducha fria e vestiu-se com um velho jeans desbotado e uma leve camiseta, preparando-se para enfrentar o calor do dia, e também para desestimular com sua aparência qualquer pretensão de Alan.

A sala de almoço estava quase vazia, quando ela desceu para o café. Cada membro da equipe procurava aproveitar aquele raro descanso da melhor forma possível, a maioria dormindo até mais tarde. Era algo providencial para Claire, que não queria testemunhas da chegada de Alan.

Ao terminar o desjejum voltou ao quarto a fim de lavar as mãos e pegar a bolsa, descendo em seguida para o jardim, onde ficaria entretida enquanto não chegassem os visitantes.

Porém, ao avistar o MG de Mike, o prazer que usufruíra com o perfume das flores e o cântico dos pássaros desvaneceu-se. Alan vinha no banco da frente, ereto e confiante, acabando com qualquer esperança de Claire de que ele entenderia a nova situação.

Ela acenou para Joan, deixando Alan em segundo plano. A amiga saltou do carro, abrindo os braços.

— Olá, velha companheira! Que tal sentir-se rica e famosa?— Andei trabalhando demais e não percebi que estou rica e famosa —

retrucou Claire, rindo.— Mike me contou o quanto vocês têm se cansado. — Os olhos castanhos de

Joan desviaram-se para o marido. — E eu começava a pensar que vocês estavam vivendo um lindo conto de fadas!

— Em nome da equipe, devo declarar que estamos sendo tratados como escravos e não como personagens de um conto de fadas — observou Mike, num tom brincalhão.

Joan fez uma careta para o marido e Claire observou, enternecida, a compreensão mútua que existia entre o casal. Como gostaria que seu relacionamento com Jake fosse baseado numa confiança tão forte e inabalável!

Alan também já saíra do carro, mas Claire fez questão de dar-lhe as costas, como se ele não existisse.

O normal seria ela não se surpreender quando ele a enlaçou por trás, tomando-a pela cintura e beijando-lhe o pescoço. Já devia saber o quanto Alan era inoportuno, além de egoísta e insensível. Mas o fato é que ela se sobressaltou e se debateu para livrar-se dele. Alan então a apertou com força redobrada e, pior do que isso, usando de astúcia deu um jeito para ficar de frente, beijando-a pela segunda vez, desta vez na boca.

Claire usou as duas mãos para rechaçá-lo, revoltada com a maneira com que aqueles lábios esmagavam os seus, sob os olhares consternados de Joan e Mike.

O beijo prosseguiu, interminável, e quando finalmente ele a soltou, com as faces afogueadas e a respiração ofegante, Claire levantou a mão para lhe dar o merecido castigo. Mas não chegou a completar o gesto. Deixou cair o braço ao longo do corpo e abriu a boca, diante da visão estarrecedora de Marianne, que acabara de sair de casa tendo aos pés o cocker spaniel da governanta.

Certamente ela testemunhara o beijo, tendo em vista a expressão de triunfo e desdém com que olhava para Claire. Marianne também devia conhecer Jake de sobra, e saber que ele nunca perdoaria uma traição.

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E não adiantariam explicações, constatou Claire, desolada. Se a presença de Alan já era difícil de justificar, o que dizer daquele beijo tão voluptuoso?

Claire ouviu a voz de Mike, que lhe dizia algo, mas não conseguia assimilar as palavras. Seu cérebro estava tumultuado demais com a lembrança da fisionomia de Marianne,

Dando meia-volta ela pôs-se a andar por uma vereda do jardim, com Mike impelindo-a até o carro, segurando-lhe o cotovelo.

Deixou-se levar como uma sonâmbula, cabisbaixa e de pernas trémulas. A essa altura dos acontecimentos não havia nenhuma possibilidade de evitar a companhia de Alan. O mal estava feito e ela não queria voltar para dentro de casa, arriscando-se a encontrar Marianne novamente.

Mike levou o MG em direção ao vilarejo, com Claire sentada no banco de trás ao lado de Alan, que parecia não se dar conta da situação. Ela se manteve num mutismo total, mas quando ele voltou a importuná-la, disparou uma saraivada de palavras amargas e ofensivas que declaravam sem rodeios o que pensava dele.

— E enquanto eu viver, não quero que me apareça pela frente! — concluiu, os olhos verdes chispando de ódio.

Alan empalideceu e se afundou no assento, sem dizer, uma única palavra. Estava furioso, mas devido à presença do outro casal Claire foi poupada de um revide violento.

Chegando ao hotel, Alan subiu diretamente para o quarto, e ela não voltou a vê-lo. Na verdade, Claire gostaria de retornar ao Solar, mas acabou cedendo à insistência de Joan, que lhe pediu para passar o restante do dia na companhia do casal. Aceitar o convite talvez fosse uma covardia. Afinal, Claire sabia que eles ansiavam ficar um pouco a sós.

No entanto, a perspectiva de encarar Marianne na hora do jantar foi um fator decisivo para que ela mudasse de idéia. Não seria necessário ter uma bola de cristal para adivinhar que a estrela sairia correndo para contar tudo a Jake, tão logo ele chegasse. De qualquer forma, Claire pretendia estar de volta ao Solar antes que Marianne tivesse chance de destilar seu veneno,

Jake só era esperado no dia seguinte.No domingo, Claire acordou cedo, ainda de madrugada e não conseguiu

retomar o sono interrompido. Ficou debaixo das cobertas, com o corpo rígido e o olhar perdido no teto, repetindo mentalmente os argumentos que usaria para enfrentar Jake em seu retorno.

Quando finalmente pulou da cama, viu que o dia prometia ser quente e ensolarado, o que sempre a animava um pouco. Após o café da manhã, resolveu dar um longo passeio a pé, de preferência bem longe de Ardwennan.

Jake só chegaria por volta da seis da tarde e Claire não desejava encontrar-se com Marianne.

Começou a caminhada percorrendo o alto dos penhascos. A atmosfera era límpida e inebriante, e a visão do mar sereno e do céu azul-turquesa fez com que ela se esquecesse das preocupações. Andou vários quilômetros, e já eram quase quatro horas quando voltou a Ardwennan. A beleza e a tranquilidade das paragens que percorrera tiveram o dom de minimizar seus receios.

Se Jake gostava dela de fato, iria ouvi-la e saberia compreender.Com esse pensamento otimista, sentiu-se tão bem que foi com vivacidade e

alegria que galgou a escada para ir ao quarto, dar uma retocada no visual. Àquela hora costumavam servir um chá completo no salão de jantar, que ela

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normalmente dispensava. Mas, como não tinha almoçado estava morrendo de fome.

Qual não foi seu espanto ao abrir a porta do salão, vendo quem era a única ocupante da mesa já posta. Marianne sorriu-lhe, zombeteira, um ar de triunfo no olhar.

Claire empalideceu, mas era tarde demais para retroceder. Com pernas inseguras dirigiu-se ao aparador onde estavam as travessas de sanduíches, bolos e tortas. Em hipótese alguma se deixaria intimidar pela presença da outra. Examinou as travessas e escolheu o que mais lhe apetecia, levando seu prato para a mesa e acomodando-se o mais distante possível de Marianne.

No silêncio que se seguiu, os únicos sons eram das facas roçando a superfície da louça chinesa e do tilintar das xícaras em seus respectivos pires.

A tensão era, tanta, que foi até um alívio quando Marianne começou a falar. Claire levantou a cabeça a fim de ouvi-la, e com esse gesto desafiador tentou mascarar o medo que se estampava em seus olhos verdes.

— Você se julga muito esperta, hein? — Marianne ainda sorria, embora seu olhar mostrasse todo o ódio que tinha por Claire. — Acredita por acaso que eu não enxergo o que se passa debaixo de meu nariz? — perguntou, com uma risadinha debochada. — Claro que enxergo... e bem demais! Você anda perseguindo Jake, jogando em cima dele o seu charme, num convite permanente e descarado! Pensou que fosse sair dessa vitoriosa, não é? Jake não é nenhum tolo, pode acreditar. Ele está apenas usando você, Claire, e não lhe custará nada descartá-la à hora em que bem entender.

Foi com muita dificuldade que Claire sustentou o olhar malévolo da outra, enquanto se atormentava com aquela revelação esmagadora.

Seria possível que Jake quisesse apenas seu corpo e nada mais?— Eu não persigo Jake. Houve uma atração mútua que nos aproximou.Marianne soltou uma gargalhada e suas frases seguintes foram entrecortadas

pelo riso:— Francamente, minha querida, como você é ingenua! Nunca pensei que

uma moça tão moderna pudesse ser ao mesmo tempo tão ingenua! É claro que ele a está usando! Você o perseguiu tanto, que ele simplesmente resolveu se aproveitar!

— Não! — Claire não pôde reprimir o grito de angústia. Marianne afastou a cadeira lentamente e pôs-se de pé, aprumando o corpo esguio.

— Mesmo assim, ele não vai querer dividir você com ninguém, minha querida. -— Sua voz tornou-se quase melosa, ao completar: — Foi muito cinismo de sua parte encorajar aquele rapaz a visitá-la, durante a ausência de Jake.

— Eu não fiz nada disso! — protestou Claire em altos brados, arrependendo-se logo em seguida.

Não queria que Marianne percebesse a dor que lhe infligia, mas era impossível controlar-se. Cada palavra de sua inimiga era como uma punhalada cortando-lhe a carne.

Marianne já havia alcançado a porta. Antes de sair, porém, advertiu com fingido zelo:

— Se é assim, aconselho que lhe conte tudo imediatamente. — E com um sorriso matreiro, acrescentou: — Só quero preveni-la de que hoje ele está com um péssimo humor.

Claire surpreendeu-se. Então Jake voltara de viagem e Marianne já tinha

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falado com ele!— Ele voltou? — perguntou, mesmo sabendo a resposta.— Sim, e se quiser falar com ele, vá procurá-lo no escritório.Jake retornara enquanto ela estava passeando, e certamente ouvira a versão

da história pela boca de Marianne. O que fazer? A única solução era enfrentá-lo, sem perda de tempo.

Pouco depois, Claire batia à porta do escritório. Mesmo não obtendo resposta, teve certeza de que ele estava lá dentro e não queria atender ninguém.

Respirou fundo e girou a maçaneta. De qualquer forma, não tinha nada a perder. Se não falasse com ele naquele momento, enquanto estava com coragem, dificilmente conseguiria encará-lo depois.

A sala estava iluminada pelos raios do sol poente, e levou algum tempo até Claire se adaptar à luminosidade. Só então avistou Jake, de cabeça baixa, encostado na escrivaninha, com o olhar perdido em uma pilha de papéis.

Claire deu um passo à frente, titubeante, as pernas trémulas e o coração batendo forte. Finalmente ele levantou a cabeça, fazendo-a recuar diante do olhar fulminante que lhe lançou.

— Por favor, Jake, não olhe para mim desse jeito. — murmurou, suplicante.— E o que você propõe? — Jake retrucou, com rispidez. — Por acaso, queria

que eu a tomasse em meus braços apaixonadamente? E com arroubos de paixão que você costuma receber os seus amantes?

— Deixe-me explicar o que houve. Eu não convidei Alan. Honestamente, não convidei. Foi uma surpresa para mim a chegada dele.

Jake fitou-a, com um ar atormentado.— Marianne me contou o quanto você ficou chocada.— Pois bem, confesso que Alan Crosby me beijou, mas eu não retribuí. Muito

pelo contrário... Estou sendo sincera, Jake... acredite!— Pare com isso, Claire! Você não conhece o significado dessa palavra!

Como fui cego esse tempo todo, ofuscado pelo seu lindo sorriso, e pelo seu corpo sensual! Como eu queria acreditar em você, meu Deus! Mas fui enganado o tempo todo! — Levantou-se de repente e foi postar-se junto à janela, dando-lhe as costas. — Não vou permitir que você faça isso comigo por mais tempo. Está tudo terminado entre nós! Pode voltar para o seu Alan Crosby, ou para Mike, ou para qualquer outro homem que lhe agrade. De agora em diante me deixe fora de sua rede amorosa. Já tive muitas complicações!

Claire estava tão empenhada em conter as lágrimas, que não notou a amargura e o ressentimento na voz de Jake, nem viu quando ele virou-se, olhando-a com tristeza, à espera de sua defesa.

Bem que ela gostaria de dizer algumas coisas, mas as palavras ficaram retidas na garganta. E de que adiantaria continuar ali, humilhando-se, protestando inocência?

Conforme Marianne dissera, ela fora apenas uma aventura fugaz na vida de Jake. E, de fato, agora ele a descartava.

— Sinto muito que tenha terminado dessa forma. — Claire sussurrou, desalentada.

Jake empalideceu e deu um passo à frente.— Isso significa que você admite a sua culpa? Está me dizendo que foi tudo

verdade?Claire meneou a cabeça tristemente. Não estava com disposição de discutir.

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Naquele momento queria sair dali correndo e esconder-se no primeiro buraco que encontrasse.

Mesmo assim, forçou-se a falar:— Não estou admitindo coisa alguma, Jake! Contei a verdade, mas não posso

obrigá-lo a acreditar em mim.Sem esperar resposta deixou a sala, os pés parecendo chumbo, sem forças

para correr conforme pretendera. A passos lentos foi refugiar-se na quietude de seu quarto.

Ainda bem que era domingo. Teria tempo para chorar à vontade, até esgotar a última lágrima.

Também teria muito tempo pela frente, antes de permitir que algum homem se apossasse de seu coração e o destruísse, como Jake Svenson fizera.

CAPÍTULO X

Em fins de junho o tempo mudou radicalmente. Nuvens negras e ameaçadoras pairavam no céu e o mar, sempre tão calmo e azul, agitava-se mudando também de tonalidade, tornando-se cor de chumbo.

Claire temia que o mau tempo atrasasse a produção. Qualquer dia ou hora extra no set de filmagem, tendo que conviver com Jake como se tudo estivesse na mais perfeita harmonia, era um verdadeiro suplício.

Portanto, quando o cronograma continuou a ser cumprido no ritmo habitual, sentiu-se aliviada. E, finalmente, chegou o último dia de filmagem.

Claire puxou sobre os ombros sua capa com capuz, tentando proteger-se da garoa fina e penetrante. Os homens da equipe técnica já estavam em seus postos e a câmera em posição para focalizar a ela e a Marianne no topo do penhasco, abrangendo em plano panorâmico a praia onde se desenrolaria a luta entre salteadores e soldados.

Uma rajada de vento gelado sacudiu-lhe a saia rodada e os cabelos, cujos fios lhe cobriam os olhos. Ela lutou inutilmente contra a forte ventania e, por fim, virou-se de costas na direção oposta ao vento, observando que o pessoal da equipe também se empenhava em manter o equipamento preso aos seus lugares, tendo Jake Svenson ao centro, dando instruções.

Claire o fitou, penalizada. Ele estava cansado, os cabelos em desalinho, enquanto a jaqueta aberta agitava-se ao vento.

Ela era mesmo uma idiota! Depois de tudo o que acontecera ainda o amava, e cada vez com mais força. Que extraordinário poder tinha ele, que a impulsionava a um amor tão constante e crescente, mesmo sabendo que não era correspondida?

De início, fora apenas uma semente de atração que desabrochara, transformando-se pouco a pouco numa gigantesca sequóia, cujas raízes talvez fossem tão profundas que a impediriam de libertar-se daquele amor.

Jake falava com Al Denton, o diretor de fotografia, quando Marianne aproximou-se dele, vestida com a ampla capa de capuz, conforme exigia o script.

O coração de Claire apertou-se dolorosamente. Ainda não se acostumara a vê-los juntos, sem sentir aquela dor dilacerante no peito. Tampouco chegara a uma conclusão definitiva se os dois se amavam, embora tudo a levasse a crer nessa hipótese. Jake sempre a tratava com consideração, sorria-lhe com afeto e

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dava-lhe uma atenção obsequiosa, que nunca dera a Claire.Naquele momento Marianne o fitava como se estivesse angustiada, o belo

rosto, branco como cera, e os dedos esguios agarrando a manga da jaqueta jeans.Jake sacudiu a cabeça e, do lugar onde estava, Claire pôde ver um lampejo

de rancor nos olhos azuis da atriz. Marianne disse algo mais e recebeu como resposta uma cortante negativa.

Claire gelou quando a protagonista do filme desviou o olhar em sua direção, deixando transparecer ressentimento e ódio. A sensação foi tão forte que Claire retrocedeu, como se tivesse sido agredida. De fato, por uma fração de segundo, pensou que Marianne fosse partir para cima dela a fim de atacá-la fisicamente. Em seguida, porém, a atriz deu meia volta e encaminhou-se para o lado das câmeras que estavam fixadas nos pedestais junto à borda do penhasco, sobre o gramado.

Claire soltou o ar que prendera nos pulmões. O que significava aquilo? Tinha certeza de que o casal brigara por alguma coisa que lhe dizia respeito.

Mas o que dissera Jake, para aborrecer tanto a grande estrela?Voltou a olhar para o diretor e surpreendeu-o observando-a de forma intensa.

Jake começou a caminhar na direção de Claire, seguido por Al Denton, sem desviar o olhar. Ao aproximar-se, segurou-lhe as mãos trémulas com evidente ansiedade.

— Claire, preciso falar com você — disse rapidamente, a voz impregnada de emoção.

Al Denton postou-se ao lado do diretor, exigindo sua atenção.— Jake, que diabo vou fazer com aquela segunda Mitchell? A toda hora

emperra e já estou ficando maluco!Ainda de mãos dadas com Claire, Jake respondeu com impaciência:— Não dá para esperar um pouco, Al? Não vê que preciso falar com Claire um

assunto urgente?— Bem, não posso fazer nada se não dermos um jeito na câmera.— Certo, irei em seguida. — Com os olhos, Jake enviou uma mensagem a

Claire que ela não conseguiu decifrar. — Falo com você mais tarde, está bem?Ela fez que sim com um gesto de cabeça, e ele foi atrás de Al.Que estranho... Fazia semanas que Jake mal lhe dirigia a palavra e agora

aquilo! Havia um lampejo de paixão em seu olhar e uma ternura inusitada quando ele lhe afagara as mãos. O que pensar? Seria uma espécie de tortura que ele impingia às suas vítimas?

Claire ainda estava de cabeça baixa, os olhos fixos na grama orvalhada pela garoa, quando Dave Tillson chamou-a para rodarem a cena final.

Jake continuava ao lado de Al, às voltas com a segunda câmera,Dave deu-lhe uma pancadinha amistosa no braço, fazendo com que ela

voltasse a prestar-lhe atenção.— Bem, Claire, é a última tomada. Boa sorte, meu amor... são os Votos de

todos nós.Claire sorriu-lhe, tão comovida, que seus olhos ficaram marejados de

lágrimas.— Obrigada, Dave, você tem sido muito bom comigo!Felizmente, o pessoal da equipe fora solidário e compreensivo com ela. Se as

coisas tivessem dado certo com Jake, aquele filme teria sido uma experiência maravilhosa.

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— Tomem as suas posições! — alertou Dave.Marianne já se encontrava no lugar dá marcação, os cabelos loiros

esvoaçantes e os olhos muito abertos, que lhe davam uma aparência estranha.Seguindo a ordem de "ação" as câmeras começaram a rodar e Marianne

moveu-se ameaçadoramente na direção de Claire, conforme mandava o roteiro. Claire tentou concentrar-se em suas falas, mas era quase impossível. Alguma coisa lhe dizia que a estrela a encurralaria na beira do precipício, aproveitando-se do enredo.

Fez força para esquecer a visão das escarpas íngremes e respirou fundo."Não desanime! Vai ser a última vez!", disse a si mesma. Marianne a

encarava com os olhos fulgurantes de ódío, dando início ao diálogo:— Mataram John e você é a culpada! Foi você quem mandou vir os soldados!Claire sentiu um calafrio na espinha. Aquilo não era uma encenação. Dali por

diante não seria necessário nem script, nem direção. Bastava dar vazão ao horror que a possuía. Avançou um passo, querendo fugir, mas a mão enluvada de Marianne a impediu de andar.

— Você pensa que venceu, mas está muito enganada, Désirée de Bourgogne!— continuou a estrela, com ar ameaçador.

Cravando-lhe os dedos no braço, forçou-a a olhar para a praia que se estendia lá embaixo,

— Seu amante está lá, entre a turba! Você pensava que ele estivesse em segurança, na aldeia? Os soldados vão dar cabo dele e você nunca mais o verá vivo! — enquanto falava, a atriz dera mais um passo em direção à borda, empurrando Claire,

— Corta! — gritou a voz potente de Jake. — Pelo amor de Deus, Marianne, saia já daí!

A mulher não se afastou nem um milímetro do limiar do abismo. Ao contrário, debruçou-se como se estivesse procurando o amante entre o povaréu que se apinhava na praia.

De repente, a cabeça de Marianne pendeu para a frente e seu pé falseou. Não se ouviu nenhum som, mas a terra começou a ruir sob os pés de ambas.

Marianne ainda quis retroceder, porém era tarde demais. Claire manteve-se muda e sem ação, pregada ao solo deslizante. Tudo aconteceu muito rapidamente como algo irreal, uma espécie de apavorante pesadelo do qual acordaria a qualquer minuto. Ela viu a mão de Marianne ser projetada para a frente, num pedido de socorro, e ouviu uma voz aguda que lhe penetrou no cérebro, gritando seguidamente o nome de Jake,

No instante seguinte, agarrou a mão enluvada, e ambas começaram a escorregar junto com a terra que desmoronava.

Seu corpo inteiro tremia quando Claire ouviu uma voz que repetia uma frase, como se fosse um refrão:

— Acorde, Claire! Acorde! Você não pode estar morta. Acorde! Oh, meu Deus, eu não pretendia fazer isso! Só queria lhe dar um susto.

Claire reconheceu a voz de Marianne, mas não entendia o significado daquilo tudo. Estariam ainda filmando? Ou, quem sabe, ela tivesse desmaiado e perdido a noção das coisas... Com um gemido, tentou sentar-se, mas um peso enorme a prendia ao chão.

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— Claire, você está bem? Pelo amor de Deus, responda! — Agora era a voz de Jake, vinda de muito longe.

Então, ela devia mesmo ter perdido os sentidos durante a filmagem. Quis abrir os olhos, mas as pálpebras, pesadas demais, não obedeciam.

— Olhe, olhe! Ela se mexeu! Não se preocupe, Jake, ela está viva! — Novamente era a voz de Marianne, que soava como se ela estivesse chorando.

— Dá para segurá-la, Marianne? Tente, por favor. Se ela se mexer, é capaz de cair lá embaixo!

— A terra continua deslizando!— Por favor, aguente um pouco. Já pedimos socorro, mas até lá tudo

depende de você. Não temos nem uma maldita corda para suspendê-la! É preciso que ela acorde. Tente, Marianne, tente!

— Não consigo. É impossível até dar um passo. — A voz de Marianne parecia vir de outro mundo, cheia de dor e desespero.

Claire ouviu Jake soltar uma imprecação.Aos poucos, levou a mão até os olhos e esfregou as pálpebras.— O que aconteceu? Onde estou?— Ela está voltando a si! Está tudo bem, Jake! — O tom agudo de Marianne

fez com que a cabeça de Claire começasse a latejar de dor.Ela molhou os lábios ressequidos e sussurrou:— Por favor, Marianne, não grite desse jeito.— Sinto muito, desculpe-me. Daqui a pouco você vai entender tudo, mas por

enquanto não se mova. Nem um centimetro! Estamos isoladas numa saliência, a meio caminho do fundo do penhasco. Até agora não desabou, mas estamos por um triz. Fique quieta e não se mova!

Claire desejava levantar-se e sair dali, não se dando conta do perigo da situação, mas o atordoamento a retinha. Tudo o que podia ver eram as nuvens e as rochas que se projetavam por cima da cabeça, que agora lhe doía demais. Gemeu, cerrando os dentes.

— Acalme-se, Claire. Caímos da borda do penhasco e na queda você deve ter batido a cabeça em alguma pedra. Por isso está tão atordoada. Se ficar quieta, tudo vai dar certo. Eles já saíram em busca de auxílio.

De um lugar longínquo, bem acima, voltou o som da voz de Jake:— Claire, querida; você pode me ouvir?Desejando desesperadamente vê-lo, ela soergueu o corpo, apoiando as mãos

na terra fofa. Foi a última coisa que lhe ficou na memória. Com um grito estridente de dor, voltou a cair para trás e perdeu os sentidos.

Claire acordou num quarto pintado de branco, com uma luz difusa, sentindo-se dolorida e com a vista turva,

O pesadelo continuava e não havia meios de escapar.Ao tentar erguer a cabeça, gemeu alto e deixou-se cair de novo sobre o

travesseiro, vendo o quarto rodar. Um suor frio molhou sua testa.Imediatamente a figura vestida de branco, que estava sentada ao lado da

cama, debruçou-se sobre ela.— Onde estou? — perguntou Claire num sussurro, as têmporas martelando de

dor,— No hospital, srta. Grant, Não se recorda?A voz era jovem e gentil Claire abriu as pálpebras devagar e focalizou uma

moça uniformizada. Voltou a fechar os olhos.

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Agora lembrava-se nos mínimos detalhes. As imagens começaram a desfilar em sua mente, de forma nítida,

— Foi horrível! — Moveu a cabeça sobre o travesseiro, onde madeixas de cabelos avermelhados se espalhavam sobre a alvura da fronha. — Pensei que ia morrer.

A enfermeira ajustou-lhe o travesseiro, enquanto dizia:— Ambas tiveram-muita sorte.Ciaire entreabriu os olhos. Ambas? Claro! Ela não estava sozinha naquele

terrível episódio.— Marianne está bem? — A cena das duas despencando da borda do

precipício brotou-lhe na memória. — E eu? O que aconteceu comigo? Por que estou aqui?

— A senhorita está com um corte profundo na cabeça, fraturou algumas costelas e o braço direito. Mas vai sarar, não se preocupe. Quanto à srta. Lejeune, teme-se que tenha sido atingida na espinha. Porém os médicos estão confiantes e acham que os danos não são tão sérios quanto julgaram a princípio. Ela foi submetida a uma primeira cirurgia e já deve estar voltando da anestesia. O sr. Svenson está com ela. — A enfermeira sorriu, tentando incutir-lhe ânimo. — Ele pretende vir até aqui antes de sair do hospital, e lhe fornecerá maiores esclarecimentos.

— Obrigada.Um enorme cansaço se apoderou de CLaire. Fechou os olhos com força, para

impedir que as lágrimas rolassem,Jake e Marianne estavam juntos! Era de se esperar, mas saber disso através

da enfermeira doía muito. Tinha sido tolice pensar que Jake falara com ela do alto do penhasco como se estivesse desesperado, temendo pela sua segurança. Afinal, era Marianne quem ele amava. Prova disso é que estava à cabeceira do seu leito!

A moça de branco voltou a debruçar-se sobre Claire, parecendo ansiosa.— Está doendo muito, srta. Grant?— Sim, demais... — respondeu Claire num fio de voz. Imaginar Jake e

Marianne juntos era uma dor impossível de suportar. Seus males físicos não eram nada, quando comparados aos da alma.

Um braço ergueu-a do travesseiro, para ajudá-la a engolir o comprimido que lhe foi posto na boca.

— Agora tente dormir um pouco, srta. Grant. Amanhã vai se sentir bem melhor.

Soporíferos de pouco adiantariam. Claire sabia que o sofrimento que o amor por Jake lhe infligia continuaria no dia seguinte, e para sempre. De qualquer forma, o comprimido produziu efeito e ela só acordou em noite alta, com dois vultos postados ao lado da cama, como sentinelas.

— O pulso e a temperatura estão normais.— Já é alguma coisa. — disse uma segunda voz.— Ela deve estar se sentindo mal, mas já readquiriu a consciência.— Contaram a ele?— Sim. — A voz feminina soava com positivismo. — Foi difícil convencê-lo a

não aparecer por aqui, durante algum tempo. Eu disse a ele que a srta. Grant estava sob efeitos de sedativos e que seria melhor ele aproveitar para também dormir um pouco.

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Ouviram-se uma risadinhas abafadas.— Ele é muito bonito, não é mesmo? Eu estaria disposta a me atirar do alto

de um penhasco só para conquistar o amor de um homem daqueles!Essas palavras tinham um significado muito explícito, mas Claire estava

exausta demais para decifrar o que lhe pareceu uma charada. E voltou a adormecer.

Era pleno dia quando despertou, ainda abalada com o pesadelo que tivera durante a noite. A ventania virara um furacão e as pontas dos rochedos pareciam navalhas penetrando-lhe a carne. E não havia ninguém por perto para salvá-la.

Ergueu-se na cama aos gritos:— Não! Não deixe que isso aconteça de novo!Examinou a figura postada a seu lado, esperando encontrar a jovem

enfermeira, mas desta vez era Jake quem estava junto dela, segurando-a pelos ombros.

— Claire, você está a salvo! Prometo que nunca mais lhe acontecerá nada de mal. Foi tudo um sonho... um terrível pesadelo.

Ela logo se esqueceu de seus tormentos, menos do desejo de tê-lo junto a si.— Jake... Jake! Ajude-me! — gritou, afundando o rosto no peito protetor.Ele beijou-lhe os cabelos molhados de suor.— Fiquei transtornado ao ver vocês duas caindo naquele abismo. Pensei que

ia morrer de tanto desespero!Claire voltou bruscamente à realidade. Havia se esquecido por completo de

Marianne. Ela não tinha o direito de estar ali, aninhada nos braços de Jake, apenas porque ele estava penalizado pelo acidente. Marianne era a mulher que ele amava de verdade.

— Oh, desculpe. Acordei com tanto medo. Os olhos azuis a fitaram de uma forma tão carinhosa, que ela duvidou de suas próprias conclusões.

— Não há o que perdoar, querida. Você foi maravilhosa, Claire. Arriscou a própria vida por Marianne! Que desprendimento, que grandeza de alma! Sou eu quem lhe deve desculpas. Não devia ter permitido que vocês ficassem tão expostas ao perigo. Quando percebi... já não havia mais nada a fazer. Jamais me perdoarei, jamais!

— Não foi culpa sua, Jake. Não se condene, por favor. Retornou ao travesseiro, lutando para não cair no choro. Jake estava com pena dela, e isso era uma coisa que não podia suportar.

— Como está Marianne? — perguntou, com voz insegura.— Ainda não se sabe com certeza — ele respondeu, tão acabrunhado, que

Claire precisou fazer um esforço sobre-humano para controlar o pranto.— Sinto muito. Sei o quanto você, está preocupado... — Na verdade, quase fiquei louco ao ver vocês lá embaixo, feridas e

correndo risco de vida. 'O olhar de Jake pousou sobre o braço engessado de Claire e antes que ela

pudesse decifrar-lhe as intenções, um beijo leve como uma borboleta aflorou sobre os dedos que emergiam do gesso.

Claire encolheu a mão, impulsivamente.— Você detesta tanto assim que eu a toque? Posso até compreender, pela

maneira como andei tratando você. Mas não posso evitar tocá-la, Claire. Quero me certificar de que está viva, pois houve um momento em que pensei que tivesse morrido e que eu a havia perdido para sempre.

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— Oh, por favor, Jake, não diga essas coisas. Ainda mais porque você não sente nada disso.

Finalmente Claire soltou as lágrimas, que correram pelo seu rosto. Sem se conter, começou a soluçar alto. Jake abraçou-a, cobrindo-a de beijos.

— Não chore, minha querida. Não aguento vê-la nesse estado. Que grande idiota eu fui! — Afagou-lhe as faces com dedos indecisos. — Você nem consegue me olhar nos olhos? Será que me, odeia tanto? — Fez uma pausa, perscrutando o rosto banhado de lágrimas. — Tem razão. De fato, ultimamente me comportei como um bruto. Mas você também me feriu, Claire. Fez com que eu me sentisse vulnerável e detestei me sentir assim. Precisei reagir, mesmo com o risco de também sair machucado. Claire pestanejou, incrédula.

— Jake, não diga mais nada! Eu não suportaria... Não o odeio e você não precisa se culpar pelo que aconteceu. Foi apenas um acidente. Imagino como se sente.

Claire sabia que Jake estava agradecido por ela ter salvo Marianne. Gratidão, apenas gratidão.

Jake pareceu não compreender. Inclinou-se sobre ela e continuou com suas explicações:

— Claire, quero que me compreenda, mesmo que não possa perdoar. Tenho motivos de sobra para justificar as minhas atitudes.

Claire meneou a cabeça, mais desesperançada do que nunca.— Agora não, Jake. Estou com dores pelo corpo todo e minha cabeça está

latejando. Você não precisa se justificar. Tudo o que lhe peço é que me deixe em paz. Gostaria de ficar um pouco sozinha, está bem?

Jake levantou-se, muito pálido.— Está me pedindo para sair?Claire fechou os olhos. Se continuasse a vê-lo com aquele ar de sofredor,

pediria para que ele não saísse mais de seu lado, quaisquer que fossem seus motivos. Precisava dele naquele momento, como alguém que precisa de água ao atravessar um deserto. Aceitaria que ele permanecesse, nem que fosse induzido apenas pela piedade.

— Sim, estou. Sinto-me exausta e preciso de sossego.— É um direito que você tem, Claire. — Seu tom de voz denotava esforço

para se controlar. — Mas, se mudar de idéia, é só me chamar que eu virei a qualquer hora do dia ou da noite. — E, com um último olhar agoniado, ele deixou o quarto.

No mesmo instante em que a porta se fechou, lágrimas voltaram a rolar pelo rosto de Claire. Chorou até não poder mais, como se o seu coração se partisse em mil pedaços.

Aparentemente Jake lhe oferecera um consolo, só que aquelas palavras foram ditadas pela piedade e pelo sentimento de culpa. Se ao menos ela pudesse aceitar aqueles argumentos... Como se sentiria feliz!

A porta do quarto voltou a se abrir de repente, e os olhos inchados e lacrimejantes de Claire logo se ergueram, entre esperançosos e temerosos de que Jake estivesse de volta,

Mas era a enfermeira quem entrara. Ao ver a fisionomia conturbada de Claire, saiu de novo para o corredor, em busca do médico. Pouco depois o doutor prescreveu-lhe mais sedativos, desta vez numa dose tão forte que não demorou muito para que ela caísse num sono profundo.

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Mesmo dopada, a imagem de Jake Svenson não a abandonava. Acordada ou dormindo, não conseguia livrar-se dela, pois era ele quem lhe povoava os sonhos e os pesadelos.

Precisava reestabelecer-se o mais depressa possível, pois somente um distanciamento físico entre os dois lhe proporcionaria alguma esperança de libertação.

Com esse firme propósito, tornou-se uma paciente modelo. Nunca mais permitiu que alguém a surpreendesse chorando. Se queria desabafar, escolhia as horas noturnas, quando as enfermeiras de plantão percorriam outras alas. Encharcava o travesseiro de lágrimas mas não queria testemunhas de seu sofrimento por perto.

Jake não voltou a visitá-la. Aquilo doeu, doeu muito. Mas, mesmo que ele tivesse aparecido, ela o rechaçaria. Passava horas ensaiando o que lhe dizer: que o breve caso de amor fora um erro; que mesmo antes do acidente já chegara a essa conclusão; que seria inútil prolongar algo que não levaria a nada.

Mas os ensaios não tiveram qualquer valia, pois ele não reapareceu. Na certa, passava o tempo todo com Marianne.

Claire soube que a estrela estava melhorando através de uma cartinha que fora ditada à enfermeira. Uma carta que não mencionava o nome de Jake.

Dizia:"Querida Claire:Por favor, perdoe-me por ter sido a causa do acidente. Confesso que eu sabia

de seu horror à altura e propositadamente quis assustá-la, forçando-a a ficar à beira, do abismo. Creio que você conhece a razão que me fez agir desta forma. Mas eu não desejava machucá-la, da maneira como acabei fazendo. Estou sabendo que você tentou me salvar e, mesmo assim, comportei-me tão mal! O que posso lhe dizer? Nada, exceto que sinto muito e que espero ter uma oportunidade no futuro para remediar o mal que lhe fiz."

Claire derramou algumas lágrimas, ao ler a mensagem. Aquelas palavras traziam-lhe tantas recordações. Não guardava rancor de Marianne. Começava a entender a que extremos podiam levar o amor e o ciúme.

Ela mesma, nos dias de depressão e sofrimento, quando se sentia fraca e desprotegida, quase caíra na tentação de escrever a Jake pedindo para que ele aparecesse, nem que fosse apenas para olhar o rosto tão querido. Ficaria contente com o que ele pudesse oferecer-lhe.

Ao final da segunda semana, Claire melhorou o suficiente para passar boa parte do dia fora do leito. Mais uns poucos dias e teria alta do hospital.

Recebera numerosos e aflitos telefonemas da mãe, e tivera dificuldade em dissuadi-la de pegar um avião rumo à Inglaterra. Claire não queria mimos; isso a enfraqueceria, e ela precisava de todas as suas forças para combater a tentação de entrar em contato com Jake. Em compensação, prometera à mãe que iria para os Estados Unidos tão logo estivesse em condições de viajar.

Para surpresa de Claire, seu empresário foi um dos primeiros a lhe fazer uma visita, trazendo Lynn num luxuoso Rolls-Royce.

A modelo ficou horrorizada ao ver a amiga tão abatida e com aquelas impressionantes bandagens na cabeça, além do braço na tipóia.

— Claire, o que fizeram com você?! — exclamou Lynn, sob o efeito do primeiro impacto. — Pelo visto, você não pode ficar nem um minuto longe dos meus olhos!

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Acabaram rindo e chorando ao mesmo tempo. Era tão bom ver Lynn, depois de tanto tempo! Como gostaria de confessar-lhe suas mágoas e aflições.

No entanto, o empresário estava junto, carregando sua braçada de rosas, o rosto mostrando um sorriso que escondia a preocupação de ver sua grande fonte de renda naquele estado deplorável. Era uma figura tão patética, que Claire foi obrigada a rir.

— Posso parecer uma múmia egípcia, mas não se preocupe, que ainda não estou pronta para ser soterrada num túmulo — disse, num tom brincalhão.

Lynn precisou voltar para Londres naquela mesma noite, por causa de compromissos profissionais.

Mas, desde então, Claire recebeu uma verdadeira romaria de visitantes. Praticamente, todo o elenco de A noiva náufraga foi vê-la no hospital.

Sentada, agora numa cadeira reclinável ao lado da cama, Claire relanceou os olhos pelo pequeno quarto onde todos os espaços disponíveis estavam ocupados por corbeilles e vasos de flores. Recebera tantas, que fora obrigada a se desfazer da maioria, oferecendo-as à capela do hospital. Mas fizera questão de conservar o vaso com viçosas rosas brancas, que ornamentavam a mesinha de cabeceira.

Lembrou-se da dedicatória que acompanhara o buque:"Para Claire, com todo o meu amor.Jake".Aquele cartão estava muito bem guardado e sempre lhe traria boas

recordações.As rosas vermelhas tinham sido presente de Mike e Joan. A expressão de

Claire suavizou-se. O tão querido Mike ficara arrasado ao vê-la naquele estado.— Eu estava lá embaixo, na praia, quando você caiu — explicou ele, em sua

primeira visita. — Meu Deus, Claire! Nem pude acreditar no que estava presenciando! Subi os degraus da escarpa na velocidade da luz, e em menos de um segundo já estava lá em cima!

— Eu também mal posso acreditar até agora. Nem parece que foi uma coisa real.

— Você teve muita sorte! Mas, o que lhe deu na cabeça para segurar Marianne daquela forma? Você devia saber que não iria adiantar nada.

Claire encolheu os ombros. Aquela era uma pergunta que fizera a si mesma várias vezes.

— Foi uma reação instintiva. Ou talvez eu tenha pensado que era a coisa certa para se fazer no momento. Não sei... Heroína é que não sou. Não creio que seria capaz de repetir a façanha. — Estremeceu ao recordar a horrível sensação de estar despencando pela escarpa, agarrada ao braço de Marianne. — Aliás, tenho certeza de que não seria.

— Jake quase chorou de alívio quando a trouxeram para cima. Para ser sincero, também fiquei com lágrimas nos olhos — confessou Mike.

— De você nem se fala, mas Jake também foi muito bondoso comigo.Aquela conversa com Mike a perturbava. Era uma agonia ficar ali, estendida

na cama, e ter que ouvi-lo falar de Jake Svenson. Pior do que isso, era ter que responder.

— Foi mesmo, Claire? Então, por que vocês dois não estão juntos? E por que ele tem andado com um ar de tristeza e abandono?

A custo, Claire reprimiu um novo surto de lágrimas.— Ele está preocupado com Marianne. E você deve saber disso.

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— Marianne está cada vez melhor. Os médicos garantiram que ela voltará a andar muito em breve.

— Jake se culpa pelo acidente. Eu já disse a ele que não se martirize por causa disso. Afinal, ele não teve culpa alguma.

— Não acredito que seja por esse motivo que ele ande se consumindo. Por qual razão você deixou de vê-lo? Será que foi por essa rachadura na cabeça que deixou entrarem minhocas? Nada me convence de que você não quer vê-lo.

— Não quero mesmo! Jake tem pena de mim, Mike. Só pena! Ele sabe o que sinto por ele. E piedade é uma coisa que não posso suportar.

— Continuo achando errada a sua opinião. Por mim, ele quis falar com você para tentar pedir as devidas desculpas. Mas você o dispensou. Estou certo?

— Não foi bem assim.Pela fisionomia de Mike, via-se que ele não estava entendendo coisa alguma.

Aliás, nem ela própria tinha certeza de estar entendendo seus sentimentos.— Não? Claire, às vezes fico imaginando o que se passa na sua cabeça. Acho

que a pancada a abalou um pouco! Jake Svenson está apaixonado por você, sua tonta, e não por Marianne! O pior cego é aquele que não quer ver! Você está desperdiçando a sua melhor chance de ser feliz por causa de um orgulho tolo! — Mike não se importou com a expressão ofendida de Claire e continuou: — É isso mesmo! Cheguei a pensar que ele fosse um idiota, que não enxergasse um palmo diante do nariz... mas estou vendo que ambos se merecem.

Desta vez, Claire deu seu primeiro sorriso espontâneo após tantos dias.— Melhorou muito.— Mike também sorriu e afagou-lhe as mãos com afeto. —

Pense bem sobre o que eu lhe disse, e faça alguma coisa antes que seja tarde demais.

CAPITULO XI

Claire caminhava pelo corredor, atenta à numeração das portas. Era sua despedida do hospital. No dia seguinte iria para Londres e de lá embarcaria para os Estados Unidos, a fim de passar uma longa temporada com a mãe e o padrasto.

Antes de viajar, ela ainda tinha uma tarefa espinhosa a cumprir. Apesar de estar se recuperando, Marianne ainda não podia levantar-se do leito e lhe pedira que fosse vê-la antes de ir embora.

A primeira reação de Claire fora recusar. Mas seria uma covardia. Jake amava Marianne e era preciso encarar a realidade dos fatos. Evitar a outra não ajudaria em nada.

Claire parou diante de uma das portas fechadas, examinou o papelzinho que levava na mão e suspirou. O número do quarto de Marianne era o trinta e nove e aquele era o trinta e sete. Lentamente, deu mais alguns passos até chegar à porta certa. Nenhum som vinha lá de dentro, mas sem se dar tempo de desistir Claire bateu de leve e girou a maçaneta.

As cores exuberantes e o forte perfume de flores que enchiam o quarto foram a primeira coisa que ela notou. Era um cômodo tão pequeno quanto o dela, e a fragrância da exótica flora era asfixiante. Seus olhos verdes se dirigiram para a mesinha de cabeceira. Não havia nenhum vaso com rosas brancas, mas era lógico que Jake enviara flores à mulher amada. Provavelmente, seria aquela aparatosa

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corbeille que ocupava todo o espaço debaixo da janela.Por fim, o olhar de Claire se voltou para o lado da cama. Tinha retardado esse

momento propositadamente. Temia aquela mulher, e o ciúme que sentia dela ainda era um fato.

Marianne estava deitada de costas, de olhos fechados, o corpo esticado, protegido do contato com a cama por uma armação metálica, parecendo uma jaula. Claire notou-lhe as faces encovadas, e os cabelos loiros que se espalhavam pela fronha tinham um aspecto opaco e sem vida.

Ficou olhando com pesar para aquela figura inerte e pálida. Não queria sentir pena de Marianne pois, afinal, elas tinham se odiado por tanto tempo. Mesmo assim, não pôde evitar um profundo sentimento de compaixão e foi impelida a dar alguns passos em direção à cama. Os saltos altos soavam no pavimento de cerâmica e Marianne abriu os olhos, muito azuis e febris, que se destacavam na palidez das faces.

Marianne estendeu um braço, e Claire voltou a se retrair, receosa.— Sente-se, se quiser. — A voz da estrela era apenas um eco do que fora.Claire fez que sim, ainda tomada pela piedade. Sabia que precisava dizer

alguma coisa, mas conservou-se muda, sem coragem para falar, sentindo a boca seca diante dos estragos que o acidente causara na beleza da atriz.

Foi Marianne quem, mais uma vez, quebrou o silêncio:— Como você está passando, Claire?Notava-se que ela fazia um grande esforço, as palavras mais parecendo um

murmúrio escapando dos lábios descoloridos, que mal se abriam.— A enfermeira me contou que lhe deram permissão para voltar para casa

hoje.— É... deram... O braço ainda me incomoda um pouco, mas quanto ao

restante, estou bem. — Fez uma pausa, numa tentativa de sorrir. — E você? Como se sente? Soube que está melhorando a cada dia.

Foi difícil dar um tom convincente àquela afirmação. Marianne parecia péssima, como alguém que estivesse à beira da morte. Não era à toa que Jake andava tão desnorteado.

Marianne dirigiu-lhe um sorriso frio.— Estou melhor... bem melhor... — Fechou os olhos e respirou fundo, como

se o esforço de falar fosse demasiado.Claire ficou apreensiva.— Acho que a minha presença está cansando você. Quer que eu vá chamar a

enfermeira?— Não. — Marianne alcançou o pulso de Claire e segurou-o com uma força

inesperada, dado o estado de prostração em que se encontrava. — Preciso falar com você. Tudo o que eu disse na carta é verdade. Eu quis assustá-la de propósito, sabendo que você sofria de fobia pelas alturas,

A confissão verbal, feita de um só fôlego, fez com que Claire cerrasse os dedos da mão que a outra ainda segurava.

— Não tem importância, honestamente não tem. Posso compreender.— Eu estava morta de ciúme, um ciúme incontrolável, e ainda estou se quer

saber — declarou Marianne, com um sorriso que mais parecia um gesto de dor. — Mas vai passar, sem dúvida.

Claire meneou a cabeça, enrubescendo. Aquilo era bem pior do que esperara. As palavras de Marianne remexiam a ferida ainda aberta e ela teria preferido

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nunca mais tocar naquele assunto.No entanto, precisava contestar.— Não há por que você ter ciúme, Marianne. Se algum dia Jake sentiu alguma

coisa por mím, isso terminou faz tempo. — Como era penoso dizer aquilo! — É você quem ele ama de verdade. E fique sabendo que desde o dia do acidente ele só foi me ver uma única vez.

— Não me diga, querida. — A risada estrepitosa pareceu ainda mais chocante, vinda da figura pálida que estava deitada naquele leito. — Você acredita mesmo no que diz? — Marianne perscrutou a fisionomia de Claire e completou: — Pois quem não acredita sou eu! Você é tão cega e tola quanto o próprio Jake!

Claire fitou-a, aturdida, corando intensamente. O que Marianne pretendia dizer? Será que Jake nunca declarara o amor que sentia por ela?

Ainda tentava desvendar o enigma quando a porta do quarto se abriu e Jake apareceu, muito abatido e com uma magreza impressionante. Manteve-se parado no umbral, atônito, olhando para as duas.

Claire não acreditava no que via! Jake devia estar doente, seriamente doente! As faces pálidas realçavam os olhos de um azul sem brilho, circundados por profundas olheiras negras.

Claire sentiu ímpetos de levantar-se e ir abraçá-lo. Foi um martírio ficar sentada, ao lado da enferma, sabendo que não tinha o direito sequer de pôr um dedo sobre ele. O evidente sofrimento dos dois amantes precisava ser respeitado.

Jake não se mexia e foi Marianne quem o tirou da imobilidade.— Entre, querido, e por favor feche a porta.Ele hesitou, mas em seguida deu um passo, anunciando:— Creio que você e Claire vão querer falar a sós. Passarei por aqui mais

tarde."Ele não suporta a minha presença!", pensou Claire, com o coração agoniado.Era uma tortura vê-lo naquele estado de abatimento, porém seria pior se ele

fosse embora.— Escapulindo de novo, Jake?A voz de Marianne cortou o fio dos pensamentos de Claire, numa

surpreendente analogia de impressões.Jake parou e um rubor cobriu-lhe o rosto, quando ele dirigiu o olhar para o

lado de Claire.Mas foi com Marianne que falou:— Pelo amor de Deus, Marianne! O que você está querendo fazer?— Estou tentando colocar um pouco de bom senso nessa sua cabeça dura!Claire continuou quieta, com as mãos entrelaçadas, totalmente confusa com

aquele diálogo.O que Marianne queria dizer com aquilo, e por que Jake a olhava daquele

jeito? Nada fazia sentido!Marianne fechara os olhos por um instante, mas agora os reabria, encarando

Jake.— Você é um tolo, meu querido. Aliás, ambos são tolos. — Com a respiração

arfante, agarrou-se à armação metálica soerguendo ligeiramente o corpo. — Talvez eu seja a mais idiota de todos nós, querendo ajudá-los. Mas eu devo algo a Claire, algo muito importante, minha própria vida! Ela se arriscou para me salvar. Foi um ato de bravura e desprendimento que eu dificilmente seria capaz de

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realizar,Claire estava de cabeça baixa, mas mesmo assim sentia que Jake não tirava

os olhos dela.Por alguns minutos o silêncio prevaleceu naquele pequenino quarto de

hospital, até que Marianne retomou a palavra:— Eu também lhe devo obrigações, meu querido. Se a minha carreira foi um

sucesso, devo muito a você. Desgraçadamente não me dei por satisfeita e quis mais... muito mais que o sucesso junto ao público. Sinto muito por você, Jake. As últimas semanas de filmagem foram um verdadeiro inferno para você, não foram? — Havia um legítimo arrependimento no tom de voz de Marianne. — Sinto realmente, meu querido. Comportei-me como uma megera. Vi muito bem o quanto você se sentiu atraído por Claire, desde o primeiro dia, quando foi apresentado todo o elenco.

Claire quis protestar, mas Marianne a impediu.— Deixe-me ir até o fim. Confesso que tentei criar dificuldades entre vocês

dois desde o começo. A propósito, aquele rapaz que beijou Claire fez isso por conta própria, contra a vontade dela. Ela bem que lutou para se livrar dele. Eu vi! Mas eu estava tão desvairada de ciúme, que qualquer arma me serviria para separar vocês...

Marianne fitou o semblante taciturno de Jake.— Você entende, não é mesmo, meu querido? Inúmeras vezes presenciei a

maneira como você olhava para Claire, notando o ciúme estampado em seus olhos. Por experiência própria, sabia o quanto você seria afetado caso ela apenas falasse com outro homem. Imagine só se o beijasse!

Aquilo era demais! Afinal, Marianne falava como se Claire fosse uma estátua sem coração, uma simples espectadora de uma cena dramática cujo enredo não fazia sentido.

Ficou de pé, recusando-se a continuar ouvindo tantos disparates, e disse:— Por favor, Marianne, não toque mais nesse assunto. Tudo isso pertence a

um passado remoto.Marianne respirava pesadamente, como se estivesse no fim de suas forças.— Tolice, Claire. — Alcançou sua mão, para evitar que ela fugisse. — Não

adianta negar. Se você quer saber, tenho certeza de que está apaixonada por Jake.

— Por favor! Deixe-me ir!— E ele também está apaixonado por você! — concluiu, implacável.— Eu lhe rogo, Marianne! — O rosto de Claire expressava toda a sua

confusão.— Ele queria confessar seu amor por você, antes mesmo do término do filme.

Eu é que implorei para ele não fazer isso! — continuou Marianne, com uma tenacidade admirável para alguém tão debilitado. — Fiquei em pânico, e de tanto desespero ameacei arruinar a última tomada do filme.

Subitamente Claire sentiu Jake muito próximo dela, os corpos quase tocando-se, a respiração entrecortada e quente soprando junto ao seu pescoço. Em contrapartida, susteve o fôlego, sentindo uma grande emoção dentro de si.

Teria cometido um terrível engano? Estaria Marianne dizendo a verdade?— Claire.Seu nome, pronunciado pelos lábios de Jake, despertou-lhe os sentimentos.

Tentou aplacar a emoção, pois ainda não estava preparada para acreditar no que

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ouvira e no que seu próprio instinto lhe dizia.— Por favor, eu...— Claire... — ele repetiu, comprimindo-lhe com força os ombros. —

Precisamos ter uma conversa muito séria.Claire sentiu o coração bater mais forte. Seria verdade? Seria possível que

ele a amasse, conforme declarara Marianne? Como gostaria de acreditar nisso!Jake rodeou-lhe a cintura com um braço.— Vai me escutar? Então, deixe que eu lhe diga o que sinto por você.Claire não conseguia dizer nada.Só depois de algum tempo, pôde articular algumas palavras de protesto: —

Por favor, Jake, eu...— Ouça, pelo menos! — A voz era arfante e o corpo de Jake agora estava

junto ao dela. — É verdade, Claire! Eu te amo! Desde que você me expulsou do quarto, não tenho dormido direito. Pensei que fosse enlouquecer! Não me dá pelo menos uma esperança? — E diante do silêncio dela, acrescentou: — Bastaria ouvir que você não me odeia.

Claire mal se deu conta de que se virara entre aqueles braços e agora o fitava interrogativamente, procurando a verdade naquele rosto abatido. Os olhos azuis pareciam sinceros.

Mesmo assim, ela não se convenceu.— É verdade, Jake?Ele segurou-lhe as faces, fitou-a bem dentro dos olhos e repetiu:— Eu te amo, Claire! Amo, como nunca imaginei poder amar alguém.— Jake!Talvez ela estivesse errando novamente. Talvez fosse melhor dar um tempo.

Já passara por tola uma vez e arriscava-se a cair no mesmo erro. Só que desta vez ele também tinha capitulado, confessando que a amava. Há quanto tempo esperava ouvir isso dele!

Com meiguice; aninhou-se entre os braços de Jake, encostando a cabeça naquele peito que se abria para recebê-la.

— Eu também te amo, Jake...Pôde ouvir o coração dele disparar, e após uma breve pausa sentiu-o erguer-

lhe o queixo para ver-lhe melhor a fisionomia.— Você me ama?Foi a vez de Jake perscrutar-lhe a expressão do olhar, procurando pela

verdade. No momento seguinte ele a beijava avidamente e ela passava-lhe os braços pelo pescoço, retribuindo o beijo, esquecida de tudo.

Uma voz cansada interrompeu os arroubos daquela paixão:— Sinto-me feliz pelos dois, mas, se pudessem escolher outro lugar para

levar adiante essa cena tão tocante, eu agradeceria — disse Marianne, entre irônica e compreensiva. — Faz mais de meia hora que estou desejando descansar e agora gostaria de dormir um pouco.

Eles tinham se esquecido também de Marianne, entre outras coisas, e como duas pessoas sonadas que acabam de despertar após um lindo sonho, olharam para a figura pálida estendida no leito.

Marianne sorria debilmente.Jake passou o braço pelos ombros de Claire, dando-lhe um leve aperto.— Marianne, minha querida, queira nos perdoar. Você deve estar realmente

exausta. — Sorriu-lhe com afeição e acrescentou: — Mas antes quero lhe

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agradecer. Obrigado, muito obrigado mesmo!— Não tem de quê. Agora me deixem sozinha. Voltem mais tarde, isto é, se

Claire permitir.Após terem saído do quarto, Jake e Claire perambularam por muito tempo

pelos jardins do hospital. O céu mostrava-se de um azul límpido e sem nuvens, mas soprava um vento frio. Jake procurou agasalhar Claire com o calor de seus braços, enquanto lhe explicava os motivos de tantos desentendimentos:

— Além do fato evidente de que eu morria de ciúme de qualquer homem que se aproximasse de você, eu...

— Você não precisava ter ciúme — interrompeu Claire.Ela achava engraçado estar dizendo aquilo, já que tinha sido a maior vítima

desse mesmo mal. Só que, graças a Marianne, ela estava livre do "monstro de olhos verdes".

— É, agora percebo o quanto fui tolo. O problema é que sempre fui desconfiado com as mulheres. Vou lhe explicar os motivos. Tentarei evitar os detalhes mais tenebrosos, porém não posso deixar de lhe contar que minha mãe foi uma mulher irresponsável. Ela levava uma vida fútil, sem respeitar o vínculo do casamento. Foi infiel a meu pai o tempo todo. Papai, coitado, conformava-se; mas quando ela o abandonou por outro homem, ele se descontrolou e entergou-se à bebida. Acabou morrendo de cirrose quando eu tinha apenas onze anos de idade. Não é difícil compreender por que eu sempre duvidei do sexo feminino.

As palavras, ditas com tanta calma e sinceridade, fizeram com que Claire redobrasse o afeto que sentia por aquele homem solitário e machucado por uma infância tão infeliz. Não era sem motivo que ele fora tão severo e intolerante por ocasião do teste. Certamente ela lhe lembrara o comportamento leviano da própria mãe.

— Você me perdoa, Claire?— Claro que sim. Aliás, nem tenho o que perdoar. Sei que me comportei de

uma forma censurável, e nem entendo como você me aceitou para participar do elenco, depois do que aconteceu no dia do teste.

Jake sorriu.— Devo confessar que fiquei torcendo para que Dave lhe desse o papel. Nem

queira saber o alívio que senti quando você se saiu tão bem na prova. Desde então, eu já estava louco por você.

Pararam ao pé de um velho carvalho. Cíaire apoiou-se no tronco, procurando um merecido relaxamento para suas tensões.

Vendo-a assim, tão livre e tão atraente, Jake não resistiu à tentação de dar-lhe um beijo.

— Eu te amo... eu te amo. — repetiu, apaixonado. Aquela voz profunda e sensual acabou por conquistar definitivamente o coração de Claire:

— Quero que se case comigo, meu amor. Acredito que temos muito que dar um ao outro.

— Sim, Jake. O meu desejo é ficar sempre junto de você. De tão contente, Jake começou a brincar:

— Se está tão ansiosa para que esse casamento se realize logo, que tal se for amanhã?

— Impraticável, mas bem que seria genial! — Riram juntos-e os olhos de Claire refletiam todo o seu amor quando ela o fitou, declarando: — Jake, querido, mal posso acreditar que tudo isso esteja acontecendo!

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— É exatamente essa a sensação que tenho. — murmurou ele, junto aos seus cabelos. — Quando você me tratou aquele jeito, depois do acidente, fiquei bastante atordoado, sem conseguir compreender nada. Por que fez aquilo, Claire? Você estava zangada comigo?

— Não era bem raiva. Eu não imaginava que você pudesse me amar. Na minha cabeça eu achava que você só estava com pena de mim, e que se sentia culpado pelo acidente. E o pior é que eu acreditava que você amasse Marianne.

Os braços de Jake a enlaçaram com ternura.— Sua tolinha! Você não percebeu nada? Nada mesmo?— Acho que eu estava cega. Mike me disse que a pancada na cabeça me

havia afetado um pouco e estou começando a acreditar que ele tinha razão... E pensar que quase perdi você para sempre! Se não fosse por Marianne talvez nunca mais nos víssemos.

— Eu teria ido atrás de você, Claire! — declarou Jake de um modo tão insinuante e sedutor, que a fez corar. — Pretendia dar um tempo, e depois iria procurá-la onde quer que você estivesse. Ou pensa que eu a deixaria escapar tão facilmente?

— De qualquer forma, devemos muito a Marianne — insistiu Claire, lembrando-se da frágil figura da estrela.

Coitada, ela também amara Jake e o tinha perdido para sempre...— Oh, Jake, quanto eu sinto por ela.— Não se preocupe, amor. Ela conseguirá superar o que sente por mim —

afirmou, com convicção. — Ela apenas confundiu com amor o que se havia tornado um hábito. Na verdade, ela se casou foi com o cinema! No fundo, o que Marianne deseja é um marido dócil, conformado e compreensivo, que fique quieto no seu canto, enquanto ela brilha como estrela de primeira grandeza. Eu nunca me sujeitaria a esse papel, e é bom que você saiba disso, Claire. Além do mais, não pretendo dividir o seu amor com ninguém!

Claire sorriu, sabendo qual seria seu destino. Aliás, o destino que ela sempre almejara.

Claire espreguiçou-se diante do espelho, examinando sua esbelta e elegante silhueta, vestida num estonteante longo negro que lhe modelava as formas com perfeição.

— Foi uma noitada maravilhosa, Jake. Maravilhosa! — repetiu, extasiada. — Você tinha razão sobre Marianne. Hoje à noite ela estava muito feliz, amando todos aqueles aplausos e bajulações da avant-première. A noiva náufraga promete ser um tremendo sucesso, meu querido!

Marianne aparecera na festa de estreia do filme ao lado de um jovem e belo ator. E, para alívio de Claire, tratara Jake como se ele fosse apenas um velho amigo.

— Claro! E o que você esperava de um filme dirigido por mim? — ele brincou.

Claire riu.— Você está querendo caçoar, mas é a pura verdade. A direção foi brilhante

e o filme vai ser um sucesso de bilheteria!— Ainda bem que você reconhece o meu talento — ele continuou a pilheriar.Naquela noite Claire estava no auge de sua beleza e Jake não desprendia os

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olhos dela. Sem pressa, ele tirou a gravata e jogou-a descuidadamente em cima da cama. O paletó teve o mesmo destino. Claire ficou alerta quando ele começou a desabotoar a camisa, deixando à mostra o peito musculoso.

— Venha até aqui — disse ele, esticando o braço num convite.Claire umedeceu os lábios com a ponta da língua.— Ainda não sei se devo ou não devo ir. — disse, fazendo charme.— Se Maomé não vai à montanha, a montanha vai a Maomé — citou ele,

aproximando-se e pegando-a nos braços fortes. — Você não me escapa, minha querida.

— E quem disse que eu quero escapar? Pretendo agarrá-lo, sr. Svenson, ainda mais sabendo que logo vai se tornar muito rico e famoso! — disse ela, rindo.

Ele ficou sério, mas em seguida também se pôs à rir.— Interesseira!— Ora, você sabe muito bem que eu o amaria, mesmo que o filme não

rendesse nenhum centavo!Jake aconchegou-a junto ao peito nu.— Sobre esse ponto, não precisa ter receio. Conforme você disse, A noiva

náufraga vai ser um grande sucesso. Como eu consegui levar essa produção até o fim é que não sei! Você me atormentou tanto, meu amor, que eu não tive um momento de paz. Por mim, teria mandado o filme às favas. Só você me inte-ressava.

— Comigo aconteceu a mesma coisa... você sabe.— O que sei é que hoje à noite, quando assisti ao filme completo, quase

morri de ciúme, acredita? Quando vi Bryce beijando você na tela, tive vontade de levantar, pegá-lo pelo colarinho e dar-lhe um soco no nariz!

Claire abraçou-o, sentindo o corpo de Jake bem juntinho do seu.— Ainda bem que não fez isso. Já imaginou as manchetes dos jornais de

amanhã? "Diretor esmurra astro de cinema na noite de estreia." Teria estragado uma noitada perfeita.

Claire fez uma pausa e sorriu.— Alias, ainda nem lhe agradeci por ter arrumado um convite para Lynn e

pedido a Mike e a Joan que se sentassem conosco. Devo muito a todos eles. Você reparou como Bryce ficou impressionado com Lynn?

Os olhos azuis brilharam, maliciosamente.— Não posso condená-lo. Como já lhe disse antes, sua amiga é uma pantera!— Jake Svenson! — exclamou Claire.Ele abaixou a cabeça e depositou-lhe um suave beijo nos lábios.— Não se preocupe, meu amor. Para rnim, uma mulher só, me basta. —

Escorregou as mãos pelas costas de Claire e puxou-a para mais perto. — E por falar nisso.

Claire estava tão colada a Jake que pôde sentir-lhe as pulsações do coração. Ele mostrava-se profundamente apaixonado, e Claire tinha consciência da atração que ele sentia por ela.

— Pensei que você estivesse cansado. — disse, incrédula. Ele fitou-a intensamente, os olhos fulgurando de paixão, enquanto desabotoava um a um os botões de strass das costas do vestido.

— E estou mesmo. Por isso, quero ir já para a cama. Estavam casados há seis meses, mas Claire ainda estremecia de emoção quando ele a tocava.

— Você se esqueceu de que amanhã precisamos acordar cedo? Mamãe

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vai estar no aeroporto, à nossa espera.— Não tenha medo, que não vamos perder o avião.Claire desistiu de prorrogar por mais tempo, com conversas inúteis, outro

momento de felicidade completa nos braços do marido. E calou-se.

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