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REMUNERAÇÃO E SALÁRIO ( *) Márcio Túlio Viana I – ASPECTOS GERAIS DO SALÁRIO 1.Uma primeira pergunta Se perguntarem a um de nós o que é o salário, talvez respondamos algo parecido com essa velha definição de BETRAND: “É o que um homem, trabalhando para outro, recebe em troca de seu trabalho 1 .” Mas um conceito como este, embora correto, não é completo. De um lado, porque esconde o fato de que pode haver trabalho sem salário. De outro, porque não explica o fato de que pode haver salário sem trabalho. Na verdade, em certo sentido, essa segunda situação é mais aparente do que real. Mas comecemos pela primeira: a do trabalho sem salário. 1.1. A extração da mais-valia Como já percebiam os economistas clássicos, desde Adam Smith, o empregador não paga ao empregado todo o valor que este incorpora ao produto. Fica com a sobra – ou o lucro. É o que Marx chamou de mais valia. Como se daria essa operação? Infinitas coisas no mundo têm valor de uso. Este valor - maior ou menor – varia segundo a utilidade que nós retiramos delas. Por isso, é subjetivo: para o lavrador, uma (*) Revisão e atualização de capítulo inserido na obra coletiva “Curso de Direito do Trabalho”, vol. II, organizada por Jorge Luiz Souto Maior e Marcus Orione Gonçalves Correia, LTr, S. Paulo, 2008. 1 Bertrand, Louis, “La Rémunération du Travail en Régimes Capitaliste, Coopératif, Socialiste”, L’Eglandine, 1930, Bruxelas, pág. 20. 1

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REMUNERAÇÃO E SALÁRIO ( *)

Márcio Túlio Viana

I – ASPECTOS GERAIS DO SALÁRIO

1.Uma primeira pergunta

Se perguntarem a um de nós o que é o salário, talvez respondamos algo parecido com essa velha definição de BETRAND: “É o que um homem, trabalhando para outro, recebe em troca de seu trabalho1.” Mas um conceito como este, embora correto, não é completo. De um lado, porque esconde o fato de que pode haver trabalho sem salário. De outro, porque não explica o fato de que pode haver salário sem trabalho. Na verdade, em certo sentido, essa segunda situação é mais aparente do que real. Mas comecemos pela primeira: a do trabalho sem salário. 1.1. A extração da mais-valia

Como já percebiam os economistas clássicos, desde Adam Smith, o empregador não paga ao empregado todo o valor que este incorpora ao produto. Fica com a sobra – ou o lucro. É o que Marx chamou de mais valia. Como se daria essa operação? Infinitas coisas no mundo têm valor de uso. Este valor - maior ou menor – varia segundo a utilidade que nós retiramos delas. Por isso, é subjetivo: para o lavrador, uma enxada pode ser tão valiosa quanto uma caneta para o estudante. Já uma mercadoria, além do valor de uso, tem valor de troca. Este valor expressa quanto ela vale em relação a outra, com a qual pode ser trocada. Uma caneta, por exemplo, pode valer dez caixas de fósforos. E esse valor é objetivo – não varia de um comprador para outro. Mas o que faz uma caneta valer dez caixas de fósforos? A resposta está em outra mercadoria: a força de trabalho. O capitalista a compra e a utiliza para produzir a caneta ou a caixa de fósforos. Assim, se a caneta vale mais do que a caixa de fósforos, é porque o tempo (médio) de trabalho gasto em sua produção também foi maior. É claro que há outros fatores que podem influir nessa equação, mas em última análise está sempre o trabalho. A própria máquina é um produto dele. Ela traz, dentro de si, o resultado do esforço humano. Dentro dela, há trabalho morto, produzido algum dia por trabalho vivo.2

Mas qual seria o valor de troca da própria força de trabalho? (*) Revisão e atualização de capítulo inserido na obra coletiva “Curso de Direito do Trabalho”, vol. II, organizada por Jorge Luiz Souto Maior e Marcus Orione Gonçalves Correia, LTr, S. Paulo, 2008.1 Bertrand, Louis, “La Rémunération du Travail en Régimes Capitaliste, Coopératif, Socialiste”, L’Eglandine, 1930, Bruxelas, pág. 20.2 A propósito, cf. Marx, K. O Capital, vol I., Civilização Brasileira, S. Paulo, 1980, passim.

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Da mesma forma que acontece com a caneta ou a caixa de fósforos, o valor da força de trabalho se mede pelo tempo de trabalho necessário para fazê-la existir – o que inclui, por isso, gastos com a própria qualificação do trabalhador. Em outras palavras, o valor da força-trabalho é a quantidade de trabalho necessária para que o empregado receba um dinheiro x, suficiente para mantê-la viva e atuante. Esse dinheiro corresponde exatamente ao valor que ele acresceu na mercadoria. Ele a fez valer x e este x lhe é devolvido. Ora, se o trabalhador recebesse esse valor e voltasse para casa, a troca seria igual, tanto por tanto. Era o que acontecia, provavelmente, nas pequenas feiras das aldeias medievais. A idéia não era ganhar na troca do trigo pela uva, mas apenas se livrar do trigo que sobrava e receber a uva que faltava. Mas na fábrica as coisas se passam de outro modo. A troca não é tanto por tanto. Mesmo depois de acrescer na mercadoria um valor igual ao que precisa para manter a sua força-trabalho, o operário continua trabalhando. Embora não o perceba, essas horas a mais lhe são sonegadas. São elas que produzem a mais valia. Naturalmente, nem todos os trabalhadores ganham a mesma importância, mas também nem todos têm as mesmas necessidades – inclusive as subjetivas. Além disso, o operário especializado é como se fosse um múltiplo do operário sem qualificação. Assim, nesse sentido, pode-se dizer que há sempre – pelo menos em parte - trabalho sem salário. Note-se que essa teoria não é a única. Há várias outras que tentam explicar a relação entre o valor do salário e o das outras mercadorias. Aliás, no campo do Direito do Trabalho, o mais comum tem sido negar ao salário a própria condição de mercadoria. Vejamos, agora, o outro lado da moeda – o salário sem trabalho. Na verdade, essa análise nos levará ao moderno conceito de salário.

1.2. O conceito de salário

Se observarmos à nossa volta, veremos que nem sempre o salário é a resposta direta a um dispêndio de energia. Mesmo se nos abstrairmos da mais-valia, a troca nem sempre envolve a entrega recíproca dos bens desejados, como se dá na compra e venda à vista. É por isso que, para DEVEALI, o salário é “a remuneração correspondente ao fato de o trabalhador pôr suas energias à disposição do empregador”3. Aliás, em certos casos, o trabalhador nem sequer está disponível, e ainda assim recebe a sua paga. É o que se dá, por ex., nas férias. Mas a razão é simples. Como ensina RAMIREZ GRONDA, o contrato de trabalho “ (...) é sinalagmático em seu conjunto, e não prestação por prestação”4

Desse modo, aquela “disponibilidade” referida por DEVEALI tem também um caráter global. Daí o conceito de DELGADO: “Salário é o conjunto de parcelas contraprestativas pagas pelo empregador ao empregado em função do contrato de trabalho”5

3 Deveali, Mario L., “Lineamientos de Derecho del Trabajo”, Tipografica Ed. Argentina, 1953, Buenos Aires, pág. 239 (tradução nossa)4 Apud Russomano, Mozart Victor. “Curso de Direito do Trabalho”, José Konfino, Rio de Janeiro, 1972 5 “Curso de Direito do Trabalho”, LTr, S. Paulo, 2004, pág. 681 (grifamos).

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Naturalmente, isso não significa que o salário não se relacione com o trabalho. Basta notar que quem está à disposição do empregador continua subordinado; e quem está em férias descansa de um trabalho prestado antes. Assim, ainda que de forma indireta ou global, o salário realmente paga o trabalho. Mas não qualquer tipo de trabalho, e sim o trabalho subordinado. Por isso, sob esse aspecto, pode-se dizer também – como fazem alguns autores – que o salário é a moeda de troca da própria subordinação. Voltando à hipótese das férias, é preciso notar ainda que a empresa as contabiliza ao propor um determinado salário ao empregado. Sabendo que terá de pagá-las, o salário x que ela ofereceria passa a ser de x – y. Isso nos mostra, como ensina DEVEALI,6 que várias conquistas dos trabalhadores podem ser compensadas – pelo menos num primeiro momento - pelos empregadores. Assim, se a lei inventar amanhã um 14o salário, o mercado tenderá a oferecer salários mais baixos. Além disso, é importante notar como a empresa de hoje tende a aproximar o salário ao trabalho efetivo, multiplicando as formas de pagamento por produção. Na verdade, trata-se da mesma tendência de enxugamento que a leva a reduzir o pessoal, eliminar estoques e terceirizar-se.7

Quando isso acontece, o salário assume outro papel – o de pressionar o trabalhador, aumentando os ritmos de trabalho. Nesse caso, sem deixar de ser moeda de troca da subordinação, torna-se paradoxalmente um instrumento do poder diretivo. Ou, para sermos mais exatos, um novo mecanismo de disciplinamento.

1.3. Salário e remuneração

Segundo o art. 457 da CLT, “Compreendem-se na remuneração do empregado, para todos os efeitos legais, além do salário devido e pago diretamente pelo empregador, como contraprestação do serviço, as gorjetas que receber”. Desse modo, a relação entre salário e remuneração é a que existe entre gênero e espécie. Remuneração é o resultado da soma salário + gorjetas. E o salário, como vimos na lição de DELGADO, “é o conjunto das parcelas contraprestativas pagas pelo empregador”. Assim, a remuneração engloba o salário – mas em geral também coincide com ele, pois a maioria dos empregados não recebe gorjetas. No entanto, alguns autores usam a palavra “remuneração” com outro significado, para designar parcelas variáveis e/ou sujeitas a uma condição específica. Assim, seriam remuneração e não salário os prêmios, as gratificações, as comissões e todos os adicionais. Nesse estudo, porém, seguiremos a corrente tradicional. Distinguir salário de remuneração pode ser importante para efeito de cálculos. Em princípio, quando a lei se refere a “remuneração”, e não a “salário”, as gorjetas devem integrá-los – como acontece nas férias. Só não se entende assim no caso dos repousos semanais remunerados. As gorjetas não entram em seu cálculo, segundo o TST.

1.4. Outras denominações

6 Op. cit., passim.7 Para um estudo mais detalhado do assunto, cf. o nosso artigo “A proteção social do trabalhador no mundo globalizado”, publicado na Revista LTr de outubro de 1999.

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Há várias palavras compostas com a palavra “salário”. Algumas realmente indicam parcelas de natureza salarial. Outras, não. Vejamos primeiro aquelas. Salário-mínimo é a menor retribuição que se pode pagar aos empregados em geral. Salário profissional é o salário-mínimo fixado para uma profissão, como no caso dos médicos. Salário convencional é o piso salarial de uma categoria, derivado de acordo ou convenção coletiva. Salário normativo é o mesmo piso, mas estipulado em dissídio coletivo, através de sentença normativa. Salário isonômico8 é o salário fixado por sentença, que reconhece o direito de um trabalhador ter o mesmo salário de outro que exerça idêntica função (art. 461 da CLT). Salário equitativo9 é o salário reconhecido pelo juiz quando a lei garante igualdade de tratamento, mesmo havendo mera analogia (caso do art. 358 da CLT, que estudaremos depois) Salário supletivo é o salário fixado pelo juiz quando as partes não o ajustaram ou inexiste prova de seu quantum (art. 460 da CLT). Salário-utilidade é o salário pago em bens que não o dinheiro. Salário-base é a importância (em geral, fixa) que o empregado recebe em condições normais, e sobre o qual se apóiam outros pagamentos (embora nem sempre isso aconteça). Salário-condição é o que se prende a uma causa específica, como a gratificação que se paga a um gerente. Salário complessivo é a expressão usada para designar uma prática ilícita10: a de se utilizar o próprio salário-base para cobrir outras parcelas salariais, a pretexto de que já estariam inseridas nele11. Vejamos agora alguns casos em que a palavra “salário” é utilizada de maneira imprópria. Salário-família é o benefício pago ao trabalhador de baixa renda, com filho menor de 14 anos ou inválido. Salário-maternidade é o valor que a gestante recebe nos 120 dias em que deixa de trabalhar. Em ambos os casos, o empregador desembolsa o dinheiro, mas se compensa depois, ao recolher contribuições para a Previdência12. Em doutrina, às vezes, fala-se também em salário social, expressão usada para designar “o conjunto de prestações genericamente pagas ao trabalhador em virtude de sua existência como sujeito da relação de emprego”13 , englobando até as prestações pagas por terceiros ou pela comunidade, como as gorjetas e prestações previdenciárias, respectivamente.

2. Efeitos do salário

O salário provoca efeitos mais ou menos visíveis. Um dos efeitos visíveis do salário é o de fazer presumir a relação de emprego. Nesse sentido, subordinação e salário se explicam mutuamente. O trabalhador troca a sua autonomia pela sobrevivência. Se não é mais vendido como o escravo, de certo modo vende ou aluga a si próprio, ou mais exatamente a sua força-trabalho.14

Para Marx, um dos efeitos invisíveis do salário é o de ocultar a extração da mais-valia. No regime feudal – ele explica - o servo trabalhava alguns dias de graça para o

8 Adotamos aqui a terminologia usada por DELGADO, que não coincide inteiramente com a de CATHARINO. 9 Idem. 10 A propósito, cf. a Súmula 91/TST11 Assim, por exemplo, o empregador deixa de pagar horas-extras ao empregado, sob a alegação de que já estariam embutidas no salário contratado pelas partes.12 Nos casos da empregada doméstica, da trabalhadora avulsa e da adotante, o salário-maternidade é pago diretamente pela Previdência. Há situações em que isso também acontece com o salário-família.13 DELGADO, Maurício Godinho. Op. cit., pág. 691.14 Como há divergências doutrinárias sobre a natureza jurídica do contrato de trabalho, aconselhamos o Leitor a consultar os capítulos dessa obra que tratam do tema.

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senhor do castelo. A exploração era transparente. No sistema capitalista, ela é disfarçada sob a forma salário. Também de modo pouco visível, o salário legitima a transferência, para o empregador, do título de propriedade sobre o produto trabalhado15. Nesse sentido, observa OLEA:

“Do trabalho produtivo, por definição, resultam os frutos com que o trabalhador acorre à sua subsistência e à de sua família; no trabalho por conta alheia, também por definição os frutos se atribuem imediatamente a pessoa diferente do trabalhador. Se o trabalho é, conjuntamente, produtivo e por conta alheia, a atribuição dos frutos a pessoa diferente do trabalhador forçosamente há de estar acompanhada pela entrega do primeiro ao segundo de meios de subsistência, substitutivos dos frutos do trabalho”16.

O artesão que faz a peça é o seu dono; de certo modo, é como se ela fosse uma extensão sua. Já com o operário é diferente: está sempre alienado do produto que fabrica. O pedreiro que faz o prédio é quase como o tijolo, embora – ao contrário deste – nem sempre possa penetrar em seu interior. Como já vimos, o salário pago depois do trabalho fortalece o poder disciplinar. Com mais razão ainda, se se trata de salário por produção. O empregado (ou a equipe do qual faz parte) internaliza a figura do gerente, cobrando ritmos acelerados e concentração absoluta. Outro efeito do salário é o de dizer – ou ditar - o nível social do trabalhador e o de sua família. Daí decorrem muitas consequências – desde sua estabilidade emocional até sua expectativa de vida. Trata-se, assim, de importante veículo de distribuição de renda. Nas primeiras fases da I Revolução Industrial, os trabalhadores viviam, em média, de 22 a 23 anos.17 É claro que as causas eram múltiplas; as mais graves, no entanto, relacionavam-se com o seu baixo padrão de vida. Receber um salário significa poder comprar, o que significa muito numa sociedade que às vezes nos mede mais pelo que temos do que pelo que somos. E como – ao comprar – escolhemos, é também a possibilidade de nos sentirmos livres e nos afirmarmos fora do trabalho, ainda que ao preço de nos subordinarmos e nos alienarmos dentro dele. É o prazer de pagar a conta do armazém, a rodada de cerveja ou o futebol do domingo. Mas um pequeno salário pode às vezes causar vergonha, pois faz supor um pequeno trabalho.18 Inversamente, altos salários asseguram prestígio, sinalizando que o trabalho é importante. Além disso, em nossa cultura, são marcas de poder, tal como o terno e gravata ou o automóvel de luxo.19 Algumas empresas jogam com isso, ora escondendo, ora revelando os salários desiguais de seus empregados.

15 Genro, Tarso. Direito Individual do Trabalho, LTr, S \Paulo, 1985, passim16 Olea, Manuel Alonso. “Introdução ao Direito do Trabalho”, trad. G. Vasconcelos, Coimbra Ed., 1968, Coimbra, pág. 42.17 Huberman, Leo. História da Riqueza do Homem, Zahar, Rio de Janeiro, 1977.18 Meu pai me contou certa vez que, ao se dirigir a um servente de pedreiro, que almoçava na obra, este tampou com as mãos a marmita – como se tivesse vergonha de mostrar a comida. Talvez escondesse também, desse modo, o próprio salário...19 A propósito, uma pesquisa curiosa, referida por Cialdini (O Poder da Persuasão, Campus, S. Paulo, 2006) revelam que, quando vêem à sua frente um carro de luxo, os motoristas buzinam menos do que quando o automóvel é do tipo popular.

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E o salário também serve de veículo para discriminações. No Brasil, por exemplo, as mulheres recebem de 20% a 30% a menos que os homens. Fenômeno semelhante acontece, em grau maior, com portadores de deficiência, crianças e idosos.

3. Os caracteres centrais do salário

Segundo DELGADO, são marcas do salário: “caráter alimentar; caráter forfetário; indisponibilidade; irredutibilidade; periodicidade; persistência ou continuidade: natureza composta; tendência à determinação heterônoma: pós-numeração”20. De fato, é com o salário que o trabalhador compra as utilidades que – no passado –produzia com as próprias mãos. Daí a proteção da lei. Já o seu caráter forfetário (do Francês: à forfait) vem do fato de que o seu valor é prefixado, independendo, portanto, dos azares do negócio.21

Por outro lado, a CF garante “irredutibilidade do salário, salvo o disposto em convenção ou acordo coletivo” (art. 7º, IV). Em geral se presta mais atenção à primeira parte dessa regra, que na verdade é quase supérflua, diante dos princípios que regem os contratos e os direitos adquiridos. A novidade está na segunda parte. Como uma espécie de cunha, ela introduz a idéia de flexibilização; e sua aplicação tem sido às vezes ampliada, sob o argumento de que “quem pode o mais, pode o menos”.22

É verdade que em teoria a norma valoriza a autonomia privada coletiva; mas na prática a desvaloriza, pois permite que a categoria econômica avance sobre as conquistas dos trabalhadores, invertendo a lógica da convenção coletiva. É que, num contexto potencialmente ameaçado pelo desemprego23, pelo trabalho informal e pela reestruturação produtiva, já não há equilíbrio entre os atores coletivos. Assim, o resultado pode ser a precarização, que acaba deslegitimando e enfraquecendo ainda mais o sindicato. De todo modo, é possível atenuar os riscos. Basta concluir que só pode haver redução salarial: a) diante de uma contrapartida real, ainda que de natureza não econômica24; e b) se não se tratar de salário fixado por lei, o que impediria, por ex., que o adicional de periculosidade fosse diminuído por convenção coletiva, como vem permitindo o TST (Súmula 364, II) Outra possibilidade – que talvez possamos encaixar na alínea a, supra – seria articular a redução do salário à diminuição da jornada. A hipótese é prevista na Lei no. 4923, anterior à CF, no caso de conjuntura econômica desfavorável, desde que haja negociação coletiva ou (se não houver), decisão judicial. A segunda parte dessa regra (decisão judicial) não foi recepcionada25; a primeira, sim. A mesma lei diz que a redução é temporária (máximo de 3 meses) e limitada (não superior a 25% do salário contratual, respeitado o mínimo legal).26

20 Op. cit., pág. 70821 DELGADO, Maurício Godinho. Op. cit., p. 70922 A propósito desse brocardo, observa com inteligência Antônio Álvares da Silva, em aulas e palestras, que ele nem sempre se aplica ao Direito do Trabalho, pois o empregador pode despedir o empregado sem motivo ( “o mais”), mas não alterar o seu contrato, ainda que ele consinta, se houver prejuízo (“o menos”).23 Ainda que estejamos hoje (2011) vivendo no Brasil um período de quase pleno emprego, a rotatividade da mão de obra, o contexto internacional e as próprias oscilações da economia transmitem uma sensação de instabilidade, que repercute concretamente na atuação dos sindicatos. 24 Por exemplo, no caso de se garantir explicitamente a manutenção dos empregos, ainda que por um certo período de tempo. 25 É que não se trataria de “negociação coletiva”, como exige a CF.

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Por outro lado, o salário pode se tornar disponível mesmo em termos individuais: basta haver dúvida em relação ao direito, o que abre as portas para a transação. Aliás, na rotina da Justiça do Trabalho, há acordos até sem res dubia - quando o trabalhador, já tendo perdido o emprego, acaba cedendo uma parte de seus direitos “como estratégia para receber a outra parte”27. Trata-se, na verdade, de outro exemplo de flexibilização – embora antigo. Costuma-se entender que o principio da irredutibilidade se refere apenas ao salário nominal, não ao real – o que, numa economia inflacionária, pode torná-lo quase ilusório. Além disso, não há redução salarial, em sentido técnico, quando o empregado deixa de receber uma verba condicionada, por não ter satisfeito a condição – ainda que isso se dê sem a sua vontade. É o caso, por exemplo, de quem deixa de trabalhar à noite, e por isso perde o adicional noturno. Mas essa regra se atenua um pouco quando se trata de horas extras (Súmula 291/TST) e especialmente no caso de quem exerce por mais de dez anos função de confiança (Súmula 372/TST). Estudaremos as duas hipóteses mais tarde. Tal como sucede com o trabalho, o salário deve ser pago em tempos precisos, periódicos. Em geral, ele se compõe de várias parcelas, que giram em torno de uma órbita – o salário-base. Apesar do nome, porém, nem sempre esse núcleo central lhes serve realmente de base. O adicional de insalubridade, por exemplo, sempre foi calculado sobre o salário-mínimo, por força da CLT, embora se deva ressaltar que, hoje, o STF tem posição contrária (como veremos depois) O valor do salário pode ser fixado não só pelas partes, mas pela convenção coletiva ou pela lei – no último caso, como acontece com o salário-mínimo e os salários profissionais. Por outro lado, o salário tende a ser pago depois do trabalho, o que faz cair o risco sobre os ombros do trabalhador28. Assim, ao contrário do que usualmente acontece, é o devedor, e não o credor, quem tem poder sobre o outro – na medida em que detém nas mãos a fonte de sua sobrevivência. Como nota IVAN ALEMÃO, trata-se de um reforço sutil e pouco visível do poder disciplinar do empregador. 29

Por exceção, o salário pode anteceder o trabalho, como acontece com os adiantamentos (ou “vales”) e as parcelas pagas em utilidades (vide infra). Além disso, como nota DELGADO30, normas autônomas e regulamentos de empresa podem garantir o pagamento antes que o mês se complete. Mas vejamos quais são as parcelas que têm natureza salarial – distinguindo o que é salário do que não é. Para isso teremos de descer mais fundo no conceito de salário.

26 É verdade que a hipótese prevista nesta lei pode não ser considerada de redução salarial, em sentido próprio, exatamente porque a jornada estaria também sendo reduzida (o que equivale a dizer que o salário-hora permaneceria o mesmo). No entanto, em termos absolutos, é claro que o salário estaria sendo pago a menor, e nesse sentido estaria, sim, havendo redução. 27 A propósito, cf. Nassif, Elaine Noronha. Fundamentos da flexibilização: uma análise de paradigmas e paradoxos do direito e do processo do trabalho, Ltr, S Paulo, 2001; e Conciliação judicial e indisponibilidade de direitos: paradoxos da justiça “menor” no processo civil e trabalhista, LTr, S Paulo, 200528 Como me fez notar a aluna Mariana Sousa Canuto, da 8ª série da Faculdade de Direito da UFMG, o fato de ser credor do salário, a ser pago apenas um mês depois, faz com que o empregado se torne devedor da conta do armazém...29 “O jurídico nas relações de trabalho: os mecanismos de dominação do empregador por meio da autotutela”, in O trabalho – Suplemento Especial, encarte 156, DT, Curitiba, 2010. O autor argumenta, com inteligência, que o fato de os empregadores se sentirem mais confortáveis no papel de devedores é um sinal de que têm interesse nisso. Observa ainda que o credor-empregado não dispõe dos mesmos instrumentos de defesa que o credor civil, como, por exemplo, a penhora; e sugere como solução uma norma que obrigue a empresa a depositar no banco, antecipadamente, o valor do salário.30 DELGADO, Maurício Godinho. Op. cit., p. 711

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4. Como identificar as verbas salariais4.1. O salário como prestação do empregador

Em face da CLT, como dizíamos, gorjeta não é salário: nem exatamente sinônimo de remuneração. Apenas soma-se ao salário, compondo a remuneração, da qual é parte.

Desse modo, podemos concluir, num primeiro passo, que só é salário o que sai das mãos do empregador.

4.2. O salário como efeito da relação de emprego

Como vivemos numa espécie de rede, ligados uns aos outros por múltiplos fios, a relação de emprego pode conviver com outras relações jurídicas entre as mesmas partes.

Assim, por ex., pode acontecer que o empregado receba do empregador algo que não se relacione com o contrato de trabalho – como um empréstimo - e que, naturalmente, não tem natureza salarial. Isso nos leva a concluir que só é salário aquilo que é pago como efeito de uma relação de emprego.

4.3. O salário como obrigação

Mas – para que haja salário - não basta que o empregado receba algo como efeito da relação de emprego. Se, por ex., a empresa decide gratificar os empregados em razão de um inesperado recorde, sem que nada a obrigue a isso, o que há é liberalidade, ou mais propriamente doação remuneratória, regulada pelo direito comum.31

Não custa notar que, prevalecendo “o real sobre o formal” na relação de emprego32, pouco importa se o contrato define a parcela como “liberalidade” .O importante é saber se o empregador apenas “prestou” ou se, na verdade, “contraprestou”. Ou seja: se agiu por sua conta e risco, ou se, ao inverso, movido pelo contrato de trabalho33. Mas o ajuste pode ser tácito – indicado, especialmente, pela repetição dos pagamentos.

Assim, avançando um passo além, podemos afirmar que só é salário aquilo que decorre de obrigação, seja ela expressa ou tácita34.

4.4. O salário como pagamento do trabalho

31 Na lição de Silvio Rodrigues, as doações remuneratórias são feitas “com o propósito de pagar um serviço prestado pelo donatário, mas cujo correspectivo não foi, ou não podia ser exigido” (Direito Civil, vol. III, Max Limonad, S. Paulo, 1980, pág. 220)32 Barassi, Lodovico, “Tratado de Derecho del Trabajo”, Ed. Alfa, 1953, Buenos Aires, tomo II, pág. 239.33 Na doutrina comparada, alguns autores, como Santoro-Passarelli, entendem que pode uma parcela deixar de ser considerada salário se houver disposição expressa nesse sentido (“Noções de Direito do Trabalho”, Ed. Revista dos Tribunais Ltda., 1973, São Paulo, pág. 157). Entre nós, porém, a matéria é de ordem pública, inderrogável. Admitir o contrário será abrir largo campo às fraudes. Nesse sentido, a Súmula 152/TST: “O fato de constar do recibo de pagamento de gratificação o caráter de liberalidade não basta, por si só, para excluir a existência de ajuste tácito”34 A rigor, também o empregado faz liberalidades ao patrão. Seria o caso, por exemplo, do técnico que estuda à noite, por sua conta, para aprimorar seu desempenho. Ou ainda do entusiasmado “office-boy” que faz alarde dos produtos da empresa. Com isso, podemos concluir, também, que se nem tudo que o empregado aufere é salário, nem tudo que o empregador recebe é trabalho – no sentido de trabalho contratado, subordinado e protegido.

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Como sabemos, as principais obrigações das partes, no contrato de trabalho, são o trabalho e o salário. Tratando-se, como é o caso, de um contrato sinalagmático, cada prestação (vista globalmente) leva à outra: o salário gera trabalho e o trabalho gera salário. O trabalho provoca o salário, numa relação de causa e efeito. Um corresponde ao outro. 35

No entanto, nem toda obrigação patronal que decorre do contrato de emprego se resolve naquela espécie de pagamento.. Ao lado das duas prestações principais – trabalhar e pagar salário – coexistem ali prestações secundárias, gerando contraprestações correlatas.

Assim é, por exemplo, que cabe ao empregador fornecer ferramentas, ressarcir despesas, garantir segurança, manter um bom clima na fábrica. Em todas essas hipóteses, há pagamento36, do mesmo modo que haverá trabalho. Mas o patrão não estará pagando o trabalho. Ou seja: não estará dando salário.

O salário retribui o trabalho. Este é o seu fim. Por isso, na clássica lição de CATHARINO37, é preciso indagar se a prestação foi fornecida pela execução dos serviços, ou para torná-la possível: apenas no primeiro caso terá natureza salarial. Assim, seguindo à frente em nossas conclusões, podemos dizer que só é salário aquilo que visa a retribuir o trabalho.

4.5. O objeto da retribuição salarial

A conclusão anterior deve ser bem entendida.Como já vimos, não é preciso haver atividade efetiva, concreta, para que surja o

salário correspondente. Basta que o empregado se coloque à disposição do empregador para que faça jus ao pagamento. E há situações – como nas férias - em que nem mesmo isso é preciso. É pensando em tudo isso que autores como DELGADO relacionam o salário com o contrato de trabalho38. No entanto, o trabalho subordinado pode estar no fundo do palco, mas não sai totalmente de cena. De forma direta ou indireta, ele se faz de algum modo presente, ainda que em mero estado de potência. E tanto é assim que a empresa o considera ao fixar a taxa salarial.

4.6. O salário como prestação continuada

Ensina MESQUITA que, do mesmo modo que os serviços não podem ser eventuais, a normalidade e a permanência estão presentes no conceito de salário39. Mas essa afirmação não pode ser entendida em termos absolutos.

Em regra, de fato, o trabalho e os valores monetários (ou utilidades) protegidos pela lei são os que perduram no tempo. Mas o tempo é apenas um sintoma, um indício. Do mesmo modo que alguém pode trabalhar apenas um dia como empregado, pode acontecer que uma retribuição única, ou raramente paga, seja salarial. É o que acontece, por exemplo, quando o contrato prevê um prêmio para quem nunca se atrasa, e o empregado só consegue recebê-lo uma vez. Ou quando o empregador promete pagar uma única gratificação, ao longo de todo o contrato.

35 Essa correspondência é apenas jurídica, já que, em termos econômicos, o salário não paga todo o trabalho. 36 Na lição de Carvalho de Mendonça, pagamento é “a prestação do objeto da obrigação contraída”. Apud Serpa Lopes, Miguel Maria de, “Curso de Direito Civil”, vol. II, Livr. Freitas Bastos, 1960, pág. 213.37 Tratado Jurídico do Salário. Freitas Bastos, Rio, 1951, passim.38 Vide pág. 3, infra.39 Das Gratificações no Direito do Trabalho, Ed. Saraiva, 1957, São Paulo, pág. 15.

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Inversamente, não será salário, por ex., a doação pura, mesmo repetida – como no caso do empregador que sempre presenteia o empregado amigo no seu aniversário...

Assim, o que importa não é tanto a constância, mas a obrigação de pagar – que pode se revelar de outros modos. A raridade no pagamento gera apenas uma presunção hominis de liberalidade; diz respeito mais à prova que ao direito. É importante notar que não se deve confundir a natureza salarial (ou não) de uma parcela com as repercussões que ela provoca ou deixa de provocar. O adicional noturno pago uma única vez é salário, mas não entra nos cálculos do 13º salário... Por tudo isso, reforçando e concluindo, podemos afirmar que só é salário, em regra, a prestação destinada a se repetir no tempo.

4.7. O salário e as exceções legais

Em alguns casos, a lei fere os seus próprios conceitos, sacrificando a técnica em nome da conveniência. Ocorre então que certas parcelas, de natureza substancialmente salarial, deixam de ser assim consideradas, apenas por uma questão de política legislativa.

É o caso das “bebidas e drogas nocivas”40: a lei quis impedir que o empregado fosse induzido ao vício. Como veremos adiante, essa prática tem-se renovado nos últimos tempos – mas por outras razões.

4.7.1. O movimento de dessalarização

É possível ver o salário, direta ou indiretamente, quase em cada artigo da CLT. Grande parte das regras de proteção repousa sobre ele. Mesmo algumas parcelas que parecem o avesso do trabalho, como as férias, alimentam-se do salário. Nos tempos medievais, como nota CASTEL41, ser assalariado era estar num dos últimos degraus na escala social. Mais tarde, com o capitalismo industrial, temperado pelo Direito do Trabalho, as coisas foram mudando – a ponto de se falar em “sociedade salarial”. É interessante observar, a propósito, que até poucas décadas atrás tanto o conceito de subordinação como o de salário tendiam a se ampliar, e por razões análogas. No caso da subordinação, porque este era um modo de se aumentar o rol dos sujeitos da proteção. No caso do salário, porque esta era uma forma de aumentar o conteúdo da proteção. Assim, pessoas antes não consideradas empregadas – como, por ex., trabalhadores a domicílio – foram entrando no campo do Direito do Trabalho. Do mesmo modo, parcelas não tidas como salariais – prêmios e gratificações, por ex. – foram atraídas para a órbita do salário. Hoje, a tendência se inverte, nos dois sentidos. O legislador refaz o caminho de volta, excluindo o que incluíra. Assim, no caso do salário, que é o que nos interessa, várias parcelas migram de seu campo. Em geral, os economistas falam em “dessalarização” para indicar o processo que leva ao desemprego. No entanto, pode-se usar a palavra também com aquele outro significado. Um exemplo é a participação nos lucros e resultados, antes tida como salário e dessalarizada (CF, art. 7º., inc. XI) 42 E esse fenômeno não surge apenas pelas mãos do legislador – mas através de convenções coletivas e decisões dos tribunais.

40 Art. 458 da CLT.41 As metamorfoses da questão social: uma crônica do salário. Vozes, Petrópolis, 1998, passim.

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Assim, podemos afirmar que só o que se enquadra nos termos da lei e não se encaixa numa de suas exceções obedece ao “movimento do salário”43.

4.8. Síntese

Em síntese, é salário toda prestação, em dinheiro ou utilidades, que, ao mesmo tempo:

a) parta do empregador;b) relacione-se com o contrato de trabalho; c) traduza uma obrigação;d) tenha o caráter de retribuição;e) em regra, destine-se a se repetir no tempo; ef) não se inclua entre as exceções legais.

5.A classificação do salário

CATHARINO44 classifica o salário de várias maneiras, das quais destacamos três: a) quanto à origem de sua fixação; b) quanto ao modo de aferição; c) quanto à natureza do pagamento.

Assim é que o salário: a) pode ser fixado de forma espontânea (pelas partes) ou imperativa (lei, sentença normativa ou convenção coletiva45); b) pode ser aferido por unidade-tempo (dia, hora, mês, etc), ou por outra unidade (peça, obra, serviço, tarefa); c) pode ser simples (quando pago em dinheiro) ou composto (dinheiro e utilidades).

a) A fixação espontânea do salário é sempre possível, desde que superado o piso previsto em lei, ou em convenção ou acordo coletivo (que também não pode ser inferior ao da lei). Não tendo havido ajuste, ou não havendo prova conclusiva a respeito, o salário é fixado pelo juiz (art. 460 da CLT), como já adiantamos e iremos analisar melhor adiante.

b) Como nota DELGADO46, o salário por unidade-tempo é o que melhor realiza o princípio da alteridade, segundo o qual cabe ao empregador suportar os riscos. Além disso, o tempo é um parâmetro mais simples, uniforme e transparente. Já o salário por unidade-peça ou obra tende a ser usado nos casos de controle difícil, como no trabalho a domicílio.

Para entender melhor os outros modos de aferição do salário, vejamos alguns exemplos: se o empregado recebe por cada relógio que fabrica, trata-se de unidade-peça ou obra; se ganha por cada roupa que vende, unidade-serviço; e se (como acontece na zona rural) recebe um valor x para fazer um serviço (roçada de pasto, por ex.), ficando depois liberado, fala-se em tarefa – que na verdade mistura unidade-tempo e unidade-obra.

42. Para uma visão mais crítica do problema, nosso texto: “A Proteção Social do Trabalhador num Mundo Globalizado, in Revista LTr, julho/99.43 Aproveitando uma expressão de Tarso Genro.44 Tratado Jurídico do Salário, Freitas Bastos, Rio de Janeiro, 1951, pág. 150; Compêndio de Direito do Trabalho, Saraiva, S Paulo, 1982, págs. 29 e segs.45 No caso da convenção coletiva, terá um componente espontâneo, mas em termos coletivos, apenas.46 Op. cit., 8ª ed., p. 667

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c) Examinemos agora, com mais vagar, a parte em utilidades do salário composto. II – SALÁRIO EM UTILIDADES

1. Introdução

Utilidade é “qualidade do que é útil”. E útil é aquilo “que tem algum uso, que é próprio para satisfazer uma necessidade real ou fictícia”. 47

O pagamento do salário em utilidades é prática antiga. Dois mil anos antes de Cristo, o Código de Hammurabi já o previa para os lavradores:

“Se um awilum contratou um trabalhador rural, dar-lhe-á 8 GUR de grão por ano” 48

Conta a História que Ramsés II pagava aos que trabalhavam em sua estátua com pão, carnes, sandálias, pastéis e azeite. Os que abriam tumbas recebiam trigo. Na Roma antiga, os domésticos eram pagos com sal, a mesma moeda que os legionários usavam para comprar comida. Daí a palavra salário.49

A partir da Revolução Industrial, o salário em utilidades serviu para aumentar a exploração, através do chamado truck system. O empregador pagava com artigos por ele próprio vendidos, ou ainda através de vales que só circulavam em seu estabelecimento. Desse modo, como escreveu alguém50, apenas simbolicamente o dinheiro deixava o seu bolso – pois voltava logo para ele.

Hoje, o truck system é proibido por lei (CLT, art. 462, parág. 2o). Mas isso não o impede de ser cada vez mais comum, especialmente na zona rural, já que uma das características do novo modo de produzir é a de ter ressuscitado muitas práticas que pareciam extintas. Caso não seja possível ao empregado o acesso a armazéns ou serviços de terceiros, a empresa pode ser autorizada a vendê-los, desde que “sem intuito de lucro”.

De um modo geral, o pagamento do salário em utilidades tem um aspecto positivo, pois neutraliza os efeitos da inflação. A casa que o empregado recebe, por ex., conserva o seu valor real, ao contrário do dinheiro. Mas como, por outro lado, reduz a liberdade do empregado, pelo menos 30% do salário devem ser pagos em moeda51.

2. Características

Como vimos, utilidade é “qualidade de ser útil”. Mas nem tudo que é útil ao empregado é salário. Um exemplo: o uniforme. É sempre útil, pois lhe permite economizar suas roupas.

47 Caldas Aulete “Dicionário Contemporâneo da Língua Portuguesa”, vol. V, Delta, Rio, 1958, p. 519448 “O Código de Hammurabi”. trad. e comentários de E. Bouzon, Vozes, Petrópolis, 1976, p. 101 (§ 257)49 CATHARINO, J. Martins. Op. cit., passim. A propósito, cf. também Nascimento, Amauri Mascaro. O salário no Direito do Trabalho, LTr, S Paulo, 1975, pág. 22850 Escapa-nos o nome do autor. Provavelmente terá sido José Martins CATHARINO.51 Note-se que o art. 82 da CLT fala em 30% sobre o salário-mínimo, mas em geral se entende que, se o empregado recebe mais, o percentual deve incidir sobre o seu salário efetivo, como ensinam Orlando Gomes (“O salário no Direito brasileiro”, J Konfino, Rio de Janeiro, 1947, pág. 58) e Amauri Mascaro Nascimento (op. cit., pág 229)

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Ainda assim, não é salário, pois a utilidade que decorre de seu uso não é a causa de seu pagamento. O empregador não o fornece para contraprestar o trabalho. Embora o empregado também se beneficie, este benefício é marginal, não contratado. 52

Outro exemplo de utilidade não salarial é a moradia do caseiro, quando o empregador prefere que ele viva no local, para evitar que o gado saia ou que ladrões entrem. De igual modo, a refeição fornecida à empregada de casa de família. Aliás, neste último caso, há norma expressa (Lei nº 11 324/06, que alterou a Lei no. 5859/72).

Se o contrato, em termos globais, pode ser expresso ou tácito, é claro que o mesmo pode ocorrer com o salário-utilidade, que nada mais é do que uma de suas cláusulas. Tratando-se de ajuste tácito, a obrigação de pagar se revelará quase sempre pela habitualidade do pagamento. Mas repita-se: quase sempre, já que o fluir do tempo é apenas um indício – embora importante – da intenção das partes. É assim, a nosso ver, que se deve entender a lei.53

Ao contrário do salário em dinheiro, a utilidade se antecipa, em regra, ao trabalho. Usualmente, integra-se ao salário-base, mas pode ser fornecida em espaços maiores, como acontece quando a empresa paga viagem de férias ao empregado, exemplo referido por DELGADO. 54Por outro lado, o seu número é ilimitado – salvo no caso do salário-mínimo. Duas delas, apenas – a moradia e a alimentação - têm o seu valor fixado em lei.

A propósito do último ponto, é bom notar que, segundo o art. 81 da CLT, o salário-mínimo seria destinado a satisfazer a cinco utilidades. Com apoio nesse artigo, os sucessivos decretos que fixaram o salário-mínimo, antes da CF/88, estipulavam os percentuais de cada uma delas. Como o salário-mínimo não era unificado, esses percentuais variavam de um Estado para outro.

O último daqueles decretos foi o de n. 94 062, que editou o salário-mínimo de 1987. De acordo com ele, o vestuário, por exemplo, valia 11% em Minas Gerais. Ou seja: seria esse o teto para um eventual “desconto”.

Mas e os que ganhassem mais do que o salário-mínimo? Respondendo a essa pergunta, o TST baixou a Súmula n. 258, segundo a qual:

“Os percentuais fixados em lei relativos ao salário in natura apenas se referem às hipóteses em que o empregado percebe salário-mínimo, apurando-se, nos demais, o real valor da utilidade” (Súmula 258).

52 Nesse sentido, a Orientação Jurisprudencial nº 130/TST53 Diz o art. 458 que integra o salário a utilidade que o empregador fornecer “habitualmente” ao empregado. Mas se, por ex., ele tiver o costume de concedê-la a todos os empregados, a nosso ver bastará um único pagamento a certo empregado para gerar a convicção de que também em relação a ele ocorrerá o mesmo. Com maior razão, se o fornecimento constar do contrato – ainda que a relação de emprego esteja no início e o empregado não tenha recebido a utilidade uma vez sequer. O que importa, na verdade, é que o empregador deva fornecê-la habitualmente – mesmo que não a tenha fornecido ainda. Mas mesmo essa afirmação deve ser entendida em termos, pois a utilidade, por ex., pode ser ajustada a título de prêmio, e o empregado só eventualmente implementar a condição fixada no contrato para recebê-lo: nem por isso, deixará de ser salário.54 Op. cit., 8ª ed., p. 677

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Ocorre que, depois da Constituição de 1988, as leis que atualizaram o salário-mínimo não mais se referiram a percentuais. Apenas a CLT, a partir de 199455, passou a fazê-lo, e mesmo assim, como dizíamos, limitando-se à moradia e à alimentação.

Ora, a nosso ver aqueles antigos percentuais já não vigoram, por várias razões: 1) o decreto os fixou tendo em vista o salário-mínimo e a realidade daquela época; 2) com a unificação do salário mínimo, os percentuais teriam de ser iguais e os últimos fixados não o são; 3) os percentuais de habitação e moradia, criados pela CLT, afetariam os percentuais daquelas outras utilidades; 4) as utilidades que hoje compõem o salário-mínimo são em número superior a cinco, o que também alteraria os mesmos percentuais.

Assim, a Súmula n. 258 já não faz sentido. No máximo, poderia ser aplicada (nas hipóteses de moradia e alimentação) ao trabalhador rural, embora não nos pareça a melhor solução – como veremos mais adiante.

Vejamos agora o que sucede quando a prestação de trabalho sofre uma pausa.

Nas interrupções da prestação de fazer56, as utilidades devem continuar a ser pagas como antes. Mas isso pode não ser possível, como no caso do empregado que – estando em férias – já não recebe alimentação da empresa. Então, as utilidades se transformam em dinheiro, o que também acontece no cálculo do 13º salário. Já nos casos de suspensão57, todas as parcelas salariais – inclusive as utilidades – deixam de ser pagas. Mas há pelo menos uma exceção a esta regra, no caso de moradia, como veremos no tópico 3.2 infra.

Quanto ao FGTS e contribuições previdenciárias, todas as utilidades devem incidir nos cálculos – o que mostra que realmente não há diferença entre o salário pago em dinheiro ou in natura. Um e outro retribuem o trabalho, e por isso se sujeitam às mesmas regras de proteção.

3.Utilidades mais comuns

3.1.Moradia

Como vimos, a lei fixa limites máximos para a utilidade-moradia: 25%, para o trabalhador urbano (CLT, art. 458 §3o), e 20% para a rurícola (Lei nº 5.889, art. 9o). Os percentuais são rateados se vários trabalhadores habitarem a mesma casa – mas a casa só pode ser ocupada por uma mesma família (CLT, art. 458 §4º. e Lei n. 5889, art. 9º. § 2º.)

Além de retribuir o trabalho, a moradia só será salário se for algo mais do que um simples quarto ou alojamento. Exige condições razoáveis de conforto e privacidade. Por outro lado, para ser salário, não pode ter sido fornecida no interesse do empregador. Por essas razões, a lei proibiu o seu desconto no caso do doméstico – salvo quando ele mora em outro local e há previsão contratual (Lei no. 5859/72, com as alterações introduzidas pela Lei no. 11 324/06).

55 Naquele ano, a Lei n. 8 860 acrescentou o §3º ao art. 458, referindo-se àqueles dois percentuais.56 Quando há salário sem haver trabalho.57 Quando não há salário, nem trabalho e (por isso mesmo) não se conta o tempo de serviço.

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No caso do rurícola, a lei manda calcular o percentual da moradia sobre o salário-mínimo. Mas e se ele ganhar mais? A questão é discutível. Uma possibilidade seria a de se aplicar a Súmula n. 258, já mencionada. Mas o tratamento diferente58 dado à matéria na CLT e na Lei n. 5 889 sinaliza em sentido contrário. Além disso no campo, as utilidades tendem a ser abatidas do salário (já muito baixo) em dinheiro. E uma dedução menor da utilidade seria certamente mais favorável ao trabalhador.59 Assim, a melhor solução será aplicar a regra (desconto sobre o salário mínimo) mesmo quando o trabalhador ganha mais do que isso.

Caso haja ajuste escrito nesse sentido, não se integram ao salário a moradia e a sua infra-estrutura básica, assim como os bens que o rurícola emprega para produzir em proveito próprio ou de sua família (Lei nº 5.889, art. 9o § 5o, introduzido pela Lei nº 9.300/96). Mas é preciso que haja testemunhas e se notifique o sindicato - a nosso ver previamente. 60

Ainda no caso do rurícola, a Lei nº 5.889 lhe dá 30 dias para desocupar a casa, findo o contrato (art. 9o, § 4o). Mas a desocupação forçada do imóvel implica, a nosso ver, o pagamento integral dos créditos trabalhistas. Sem isso, cabe retenção.

Pode acontecer que o empregador exiba um contrato de comodato ou locação. Ainda assim, em princípio, deve-se concluir pelo salário-utilidade, pois é o que comumente acontece – e, como diz o velho brocardo, “os fatos ordinários se presumem, os extraordinários se provam”.

Nas suspensões contratuais, tem-se entendido – por razões não só humanitárias, mas de ordem prática – que o empregado pode continuar no imóvel. 61

3. 2.Alimentação

Para o empregado urbano, o percentual máximo relativo à alimentação é de 20% sobre o salário contratual (CLT, art. 458 § 3o): no caso de rurícola, é de 25% , calculados sobre o salário-mínimo (Lei nº 5.889, art. 9o). Pelas razões apontadas no tópico acima, não nos parece aplicável a Súmula n. 258/TST.

Por outro lado, a Lei nº 3030 dispunha que o valor da alimentação preparada e fornecida pelo empregador seria de no máximo 25%, no total, para as quatro refeições diárias. Mas a tendência é considerá-la tacitamente revogada pela Lei nº 8.860/94.

Tal como as outras utilidades, a alimentação não é salário: a) se fornecida para o trabalho; ou b) se assim diz a lei. Exemplo da 1a hipótese é o do salva-vidas de piscina, a quem o empregador pede que permaneça em seu posto entre 10 e 15h, o que o impede de almoçar fora62. Exemplo da 2a é a empresa inscrita no PAT (Lei n. 6.321/76). Trata-se de um programa que busca incentivar os empregadores a fornecer alimentação aos empregados.

58 A primeira manda calcular os percentuais sobre o salário contratual, a outra sobre o mínimo. 59 A propósito de “descontos”, vide infra.60 Para maiores detalhes, v. o nosso artigo “Alterações na lei do trabalhador rural”, in “O que há de novo em Direito do Trabalho”, LTr, S. Paul, 1996, p. 121 e segs. 61 É bom lembrar que ele continua sujeito a obrigações acessórias – como a de não violar segredo da empresa. De resto, como ensina Cabanellas, o uso da habitação diz respeito mais à vigência do contrato que à relação efetiva de trabalho.

62 Note-se que a lei não impõe o intervalo nas jornadas inferiores a 6 horas.

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Para isso, fixa normas (quantas calorias etc) para as refeições e, em troca, descaracteriza a sua natureza salarial. 63 Mas se a empresa não se filia ao PAT, a alimentação ou o “vale” que ela fornece é salário. 64 Como vimos, a alimentação da(o) doméstica(o) também não é salário – e não só pelas palavras da lei, mas em razão de sua própria natureza, pois em geral interessa aos patrões mantê-la(o) em casa, na hora do almoço.

3.3.Transporte

Durante muito tempo, a doutrina e jurisprudência entenderam que a condução fornecida pelo trabalho seria sempre salário. Mas a Lei nº 7.418, que criou o vale-transporte, veio dispor que: a) o valor pago pela empresa para custear o benefício não tem natureza salarial; e b) a empresa que fornece o próprio transporte frui da mesma vantagem (art. 8o).

Pode acontecer que o empregado também use o veículo fora da jornada – como nos fins de semana. Nesse caso, entendia-se, em geral, que essa parte da utilidade teria natureza salarial. Mas o TST hoje considera que toda a utilidade é não-salarial (Súmula 367)

3.4.Vestuário

Quase sempre, o vestuário que a empresa fornece é o uniforme – portanto, sem natureza salarial. Às vezes, o uniforme vem disfarçado sob a forma de roupas que ela própria vende, como calças jeans. Também nesse caso, não pode ser cobrado. Assim, só se poderá falar em salário-utilidade nas hipóteses (raras) em que o empregador fornece roupas ao empregado em troca de seu trabalho.

3.5. Higiene

A empresa é obrigada a garantir higiene – por exemplo, dotando de sabonetes os banheiros. Também aqui, não há salário-utilidade. Já o oposto ocorre se o empregador fornece os mesmos sabonetes ao empregado, mas para uso em sua casa.

4. “Descontos”

A CLT trata os adiantamentos como “descontos” (art. 462). Mas na verdade não o são. Descontar é “deduzir, abater” 65. Ou seja: tirar algo. Ora, quem recebeu adiantado nada perde. Nada lhe é tirado.

De todo modo, o salário-utilidade pode vir sob a forma de adiantamento ou não. Se o empregador combina um salário de R$ 1 200,00, incluída habitação de 25%, o valor líquido em dinheiro será de R$ 900,00. Nesse caso, haverá o “desconto” . Mas se ele ajusta um salário em dinheiro de R$ 1 200,00, e em seguida cede a casa no valor de 25%, não irá “descontar” nada; e na verdade estará pagando não R$ 1 200,00, mas R$1 500,00, para todos os efeitos.

63 Orientação Jurisprudencial nº 132/TST64 Súmula 241/TST65 Caldas Aulete, cit., vol. II, p. 1.390.

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Assim, não é a presença do “desconto” que faz uma utilidade ser salário. Mas exatamente porque o referido “desconto” é na verdade um adiantamento, só se pode “descontar” o que for salário. Além disso, o “desconto” deve corresponder, ao menos aproximadamente, ao seu valor real.

No caso do rurícola, há uma dificuldade adicional. É que a Lei 5.889 só permite descontos de moradia e alimentação, e com autorização prévia. Diante disso, a maioria entende que outras utilidades a ele fornecidas não têm natureza salarial. 66 Preferimos entender que elas apenas não podem ser deduzidas, mas somam-se sempre ao valor líquido em dinheiro. Por outro lado, se a autorização tem de ser prévia, não pode ser tácita.

Entendem alguns que se o empregado paga – ainda que minimamente – pela utilidade, esta se descaracteriza como salário. Mas o que há, nesse caso, é fraude. DELGADO admite a hipótese em casos raros, quando está claro que o empregado recebe um benefício.67

5. Utilidades e salário-mínimo

Diz a CF que o salário-mínimo deve satisfazer a nove necessidades: moradia, alimentação, transporte, vestuário, higiene, educação, saúde, lazer e previdência social. À exceção da última, todas essas necessidades podem ser oferecidas – ao menos em parte – in natura.

Pergunta-se: pode-se pagar o salário-mínimo com outras utilidades? A resposta é não. Pode-se imaginar o salário-mínimo como uma espécie de muro, com tijolos de certas cores, que correspondem àquelas nove necessidades – que são insubstituíveis. Não se pode trocar um daqueles “tijolos” por outro, de cor diferente. Mas isso não significa que a utilidade fornecida a mais perca a natureza salarial. Ao contrário, soma-se ao salário-mínimo em dinheiro. É como se o “tijolo” diferente estivesse em cima do “muro”...

6. O salário-utilidade e a dessalarização

Já falamos sobre as várias faces da dessalarização 68 No campo do salário-utilidade, um exemplo é a Lei nº 9.030, também já referida, que trata da moradia do rurícola. Outro, mais importante, é a Lei n. 10 243, de 19/6/01, que acrescentou novos parágrafos ao art. 457 da CLT, descaracterizando a natureza salarial de benefícios como assistência médica, hospitalar e odontológica; seguros de vida, de acidentes pessoais e de saúde; previdência privada; educação, mensalidades ou anuidades escolares, livros e material didático.

Observe-se, porém, que a doutrina não costuma ver as coisas sob essa ótica. DELGADO, por exemplo, prefere ver as alterações na lei como um avanço: trata-se, a seu ver, de utilidades cujo fornecimento decorre da função social da propriedade, e que, por isso mesmo, nunca deveriam ter sido consideradas salário69.

66 É o caso, por ex., de Maurício G. DELGADO (op cit, passim). 67 Op.cit., 8ª ed., p. 67568 V. tópico 4.7.1., supra. 69 Op. cit., 8ª ed., p. 673

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Preferimos manter a nossa posição, não só porque o movimento de dessalarização é geral70, como também porque se articula, como vimos, com a redução do conceito de subordinação. De mais a mais, a se entender daquele modo, nenhuma das utilidades usualmente concedidas poderia ter natureza salarial.

III. O PAGAMENTO DO SALÁRIO

1. Algumas perguntas importantes

Tradicionalmente, o nosso Direito tem procurado proteger o salário de diferentes modos e em face de vários riscos. CATHARINO nos ensina que essa proteção se dá: a) contra os abusos do patrão; b) contra os credores do patrão; c) contra os credores do empregado; e d) contra quem tem autoridade sobre o empregado71.

A questão do pagamento do salário nos remete a várias perguntas: quem paga? A quem se paga? Quando se paga? Quanto se paga? Como se paga? Onde se paga? O que acontece quando não se paga? Como se prova o que se paga? Tentaremos respondê-las, uma a uma. Ao fazê-lo, estaremos também mostrando como se operam aquelas quatro proteções de que nos fala CATHARINO.

2. Quem paga

Em princípio, quem paga o salário é o empregador. Mas nem sempre. Há casos em que outras pessoas se tornam responsáveis.

Um exemplo se dá na terceirização. Se o empregador não paga, entra em cena o tomador de serviços (Súmula n. 331/TST). Outro exemplo é o da sucessão trabalhista, para os que entendem (como nós) que o sucessor responde pelo débito ainda que não continue sendo empregador, ou seja, mesmo quando o empregado é despedido antes do traspasse.

No caso de grupo econômico, qualquer sociedade que o componha pode ser condenada a pagar salários, mesmo sem ter sido a contratante formal do empregado. Mas não se trata propriamente de uma exceção à regra, pois o empregador real, no caso, é todo o grupo72.

3. A quem se paga

Os salários devem ser entregues pessoalmente ao empregado. Embora a lei não o diga claramente, não se admite, em princípio, o pagamento através de procurador. Mas também essa regra tem exceções, construídas pela doutrina e jurisprudência. Em casos excepcionais, quando o procurador não age em seu próprio interesse, mas no do

70 Envolve, por ex., a participação nos lucros, o fornecimento de casa ao trabalhador rural (dentro de certos critérios, como se verá na sequência) e diversas outras situações, para não falar na tendência crescente da jurisprudência em aceitar negociações descaracterizando a natureza salarial de parcelas contraprestativas.71 Tratado..., cit., passim. DELGADO fala também da proteção contra atos discriminatórios, o que preferimos, no caso do salário, incluir como espécie do gênero “proteção contra os abusos do empregador”72 Esta também é a jurisprudência dominante, embora haja divergências na doutrina.

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empregado, admite-se o pagamento. Seria o caso, por exemplo, da esposa do empregado doente, que vai receber por ele. Se o empregado não quer ou não pode receber, a empresa tem o caminho da consignação em pagamento.

Por outro lado, uma parte do que o empregado normalmente receberia pode se destinar diretamente a outras pessoas, como nos casos de pensão de alimentos, condenação criminal e dívida contraída com base na Lei n. 10 820, que comentaremos mais adiante. Na verdade, o próprio empregador pode reter uma parte do que seria devido ao empregado.

Seja como for, não se pode dizer que essas pessoas estejam recebendo salário. Quando o pagamento sai da órbita da relação de emprego, sua natureza se transforma. Por isso, essas hipóteses serão analisadas no item 5 (“quanto se paga”).

4. Quando se paga

Há pagamentos em intervalos extensos, como, por exemplo, o 13º salário. Tratando-se de salário base, porém, o prazo máximo é de um mês. Só não é assim no caso do comissionista, cujo contrato pode autorizar o pagamento trimestral. Mas pelo menos o salário mínimo lhe será antecipado a cada mês.

Ainda no caso do comissionista, o pagamento “só é exigível depois de ultimada a transação” (art. 466 da CLT). Mas, como ensina CATHARINO, a locução “deve ser entendida não como liquidado o negócio e sim apenas como concluída a transação” 73. Se a venda é a crédito, porém, ele receberá “proporcionalmente à respectiva liquidação” (art. 466 da CLT).

A Lei 3 207, que trata dos viajantes e pracistas, permite que o empregador estorne comissões. Mas é preciso que o comprador seja insolvente - e não apenas inadimplente.. Além disso, a insolvência deverá ter sido contemporânea à venda e perceptível ao empregado74.

O empregado deve receber o salário até o 5º dia útil do mês seguinte ao do vencimento (art. 459 §1º da CLT). Caso o 5º dia caia num sábado e não haja trabalho nesse dia, ou o pagamento for feito em cheque, a empresa deve antecipá-lo, já que o sábado tem sido considerado dia útil não trabalhado. Se não houver previsão em contrário, o empregador pode mudar a data em que costuma pagar (OJ n. 159 do TST).

No caso de recuperação empresarial (Lei n. 11 101/2005), é preciso distinguir. A extrajudicial não afeta o pagamento dos salários, tal como acontecia na concordata. Já a judicial, sim, pois a lei prevê: a) 30 dias de prazo para créditos de natureza “estritamente salarial” até o limite de até 5 salários-mínimos e b) um ano, em geral, para “créditos derivados da legislação do trabalho” (art. 54§ único). No entanto, como argumenta

73 “Tratado...”, cit, pág. 533. No mesmo sentido, Cardone, Marly A. (Viajantes e pracistas no Direito do Trabalho, LTr, S Paulo, 1998, pág. 68)74 Voltaremos a tratar das comissões, gratificações e prêmios no tópico “Parcelas Salariais”, infra.

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DELGADO75, essas restrições se chocam com os princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana, da valorização do trabalho e da função social da propriedade.

5. Quanto se paga

O mínimo é o salário-mínimo – mas até esta regra tem duas ordens de exceções, para cima e para baixo. Assim, por exemplo, se o empregado recebe salário convencional, é este que prevalece; se, por outro lado, deve alimentos, tem de pagá-los, mesmo percebendo salário-mínimo.

A CLT só admite descontos em casos de a) adiantamentos; b) dano praticado pelo empregado; c) dispositivos de lei, convenção ou acordo coletivo (art. 462 e § único). No primeiro caso, como vimos, não se pode falar tecnicamente em desconto, pois não se está subtraindo um valor – mas apenas abatendo o que se pagou. Já no caso de dano, o desconto vai depender do elemento subjetivo. Se o empregado age com dolo, paga o prejuízo; com culpa, também, mas desde que haja previsão contratual; sem dolo ou culpa, não sofre o desconto76. Na segunda hipótese, a culpa deve ser grave e a previsão, expressa. No caso do frentista de posto de gasolina, o TST considera lícito o desconto, sempre que ele não observar “as recomendações previstas em instrumento coletivo” (OJ n. 251 da SDI-I)

Quanto aos dispositivos de lei, convenção ou acordo coletivo, as hipóteses de descontos se multiplicam: contribuições previdenciárias, IR, mensalidade sindical etc.77 Se um juiz criminal condena o empregado a pagar multa, cabe o desconto, desde que não afete o seu sustento e o de sua família (art. 50 do CP). Os limites mínimo e máximo são de 1/10 e ¼ de sua remuneração, respectivamente (art. 168 da LEP). Já no caso de alimentos, se as prestações são vincendas, há descontos; se vencidas, o salário pode ser objeto de penhora.

Mas o TST atenuou as proibições da lei, ao entender que são lícitos os descontos de planos de seguro ou similares - sem ressalvar sequer a hipótese, muito freqüente, em que a seguradora é o próprio empregador ou integra o mesmo grupo econômico. Cabe ao empregado a difícil prova de eventual coação.78

Como vimos, o pagamento deve ser pessoal - pois de outro modo o empregado seria fácil vítima de credores, inclusive agiotas. De certo modo, porém, a Lei no. 10 820 veio abrir

75 Op. cit., 8ª ed., p. 76376 Observa DELGADO, com razão, que se o ato culposo (ou supostamente culposo) do empregado decorre de trabalho extenuante, não se pode falar em desconto (Op. cit., 8ª ed., p. 717)

77 A propósito, cf. a Súmula n. 368/TST , que trata da responsabilidade do empregador e da competência da Justiça do Trabalho para o recolhimento de contribuições fiscais, fixando critérios de apuração.78 A Súmula n. 342/TST diz: “Descontos salariais efetuados pelo empregador, com a autorização prévia e por escrito do empregado, para ser integrado em planos de assistência odontológica, médico-hospitalar, de seguro, de previdência privada ou de entidade cooperativa, cultural ou recreativa associativa dos seus trabalhadores, em seu benefício e dos seus dependentes, não afrontam o disposto no art. 462 da CLT, salvo se ficar demonstrada a existência de coação ou de qualquer outro defeito que vicie o ato jurídico”. E a OJ n. 160, da SDI-I, arremata: “É inválida a presunção de vício de consentimento resultante do fato de ter o empregado anuído expressamente com descontos salariais na oportunidade da admissão. É de se exigir demonstração concreta do vício de vontade”

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uma brecha no sistema, permitindo – por vias travessas – que isso acontecesse. Ela autoriza descontos para “empréstimos, financiamentos e operações de arrendamento mercantil”. O objetivo é reativar a economia; mas o preço tem sido alto. Pressionado pelos valores de uma sociedade cada vez mais consumista, e refém de um marketing sofisticado, o trabalhador (ou o aposentado) tende a gastar mais do que pode, endividando-se.

De todo modo, há dois limites para os descontos. Em primeiro lugar, eles não podem superar 30% da “remuneração disponível” do trabalhador, assim considerado o salário básico79, depois de deduzidos todos os descontos compulsórios - como os do IR, por exemplo. Em segundo lugar, a soma desses descontos e daqueles que o empregado tiver contraído voluntariamente – como para um programa de previdência privada - não pode superar 40% da mesma “remuneração disponível” (art. 2º). Os limites são cumulativos.

Diz a lei que a autorização para esses descontos é “irretratável”; a nosso ver, porém, só é assim em relação à compra ou ao empréstimo que o empregado já fez. A empresa repassa o dinheiro até o 5° dia útil depois do pagamento do salário. Se o contrato se rompe ou se suspende, o empregado, naturalmente, continua a pagar a dívida, já agora diretamente.

O empregado pode contratar seguro em favor da instituição que lhe deu o empréstimo ou financiamento, para cobrir riscos de inadimplência – como no desemprego. O mais provável é que se veja pressionado a fazê-lo, o que irá onerar ainda mais o seu salário.

Era tradição do nosso Direito, na falência, garantir aos créditos trabalhistas um super-privilégio, só inferior ao dos decorrentes de acidentes do trabalho. A nova Lei de Falências colocou ambos no mesmo plano, mas fixou o teto de 150 salários-mínimos para os créditos trabalhistas. Os que passam do limite se tornam quirografários80. Assim, o trabalhador corre o risco de trabalhar sem receber – quebrando-se o princípio da alteridade e diminuindo-se a tutela de um direito fundamental. Daí ser discutível a constitucionalidade do artigo.

Se o contrato termina e há compensação – que deve sempre se restringir a créditos de natureza trabalhista – o valor a ser deduzido do empregado não pode superar um mês de remuneração (CLT, art. 477 § 5º.). Quanto à correção monetária, é devida, a favor do empregado, a partir do dia em que o salário se tornou devido. Caso a dívida seja do próprio empregado, não sofre reajuste, mas – por isso mesmo – a compensação deve ser feita na época própria, ou seja, para trás, atualizando-se o saldo, se for o caso (Súmula n. 187/TST).

6. Como se paga

79 A lei fala em “remuneração básica”, excluindo explicitamente parcelas como 13º salário e adicional de horas extras. Embora não cite as gorjetas, parece que elas estariam também de fora, já que tudo indica ser o rol apenas exemplificativo. Assim, a terminologia apropriada é mesmo salário básico.80 Havendo ação judicial, a jurisprudência dominante tem entendido que a fase de conhecimento se desenrola na Justiça do Trabalho, ao passo que a competência para a execução é do Juízo Universal da Falência, no Cível.

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Como já vimos, o salário pode ser pago todo ele em moeda corrente (art. 463), ou também em utilidades. Mas é possível usar cheque ou depósito em conta, desde que o empregado aceite e não seja analfabeto, nem trabalhador rural

O pagamento em moeda estrangeira é considerado “não feito”. Para a maioria, isso não impede que as partes fixem o valor em dólares, por ex., desde que o convertam; e se o pagamento, em si, for feito em outra moeda, deve ser refeito, mas o empregado restituirá o que recebeu – para se evitar enriquecimento sem causa.

Já para CATHARINO, o enriquecimento tem causa. Trata-se de uma sanção legal. Além do mais, entender o contrário seria atentar contra o curso forçado da moeda nacional – pois o empregado seria obrigado a pagar ao próprio empregador em outra moeda.

7. Onde se paga

A lei tenta evitar que o empregado use o seu tempo livre para receber o salário. Assim, o pagamento deve ser feito em dia útil, no horário de trabalho ou logo depois, e no próprio estabelecimento – a não ser quando há depósito bancário. Neste último caso, a agência deve ser próxima (arts. 465, c/c. § único do art. 464); caso contrário, a nosso ver, ele terá direito a receber como extra o tempo gasto, além do transporte.

8. O que acontece quando não se paga

A CF considera crime a retenção dolosa de salários (art. 7º., inc. X). Mas a norma depende de regulamentação. De todo modo, o art. 203 do CP pune com detenção e multa quem frustra, mediante fraude ou violência, direito assegurado pela legislação do trabalho. Assim, o empregador que usa esses artifícios para não pagar o salário comete crime.

Por outro lado, o DL no. 368/68 proíbe que a empresa em débito com os empregados distribua lucros, pro-labore e dividendos; e se ela está em mora contumaz, não obtém incentivos e outras regalias. A mora também pode configurar justa causa do empregador (despedida indireta), prevista no art. 483, d, da CLT, caso em que o empregado receberá todas as verbas a que teria direito se tivesse sido despedido81.

Além de multa administrativa (art. 510 da CLT), o empregador paga juros a contar do ajuizamento da ação; e correção monetária, desde o primeiro dia do mês seguinte ao da prestação de serviços (Súmula 381/TST). Mas se, ao invés de pagar o salário, aplicar seu dinheiro, pode sair lucrando – distorção que conspira contra a efetividade da norma. A mora salarial pode ainda – conforme o caso - caracterizar lesão a interesse coletivo ou individual homogêneo, atraindo ação coletiva por parte do sindicato ou do Ministério Público do Trabalho.

9. Como se prova o que se paga

A prova do pagamento é o recibo. Em casos excepcionais, se essa exigência for constrangedora – como no contrato entre pai e filho – pode-se admitir, a nosso ver, a

81 Em geral se exige, para isso, que a mora seja grave.

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prova testemunhal (art. 402, II, do CPC). O mesmo se dá em relação a certas utilidades muito evidentes – como a moradia. Em regra, a confissão também supre o recibo.

A presunção do recibo é relativa. Cabe ao empregado, segundo o seu interesse, provar que recebeu a menos (ao pedir diferenças) ou a mais (ao pedir reflexos nas outras verbas do salário pago “por fora”). Para isso, poderá se servir de qualquer meio de prova lícito, inclusive a testemunhal. Segundo o art. 464 da CLT, o analfabeto deve apor sua impressão digital no recibo ou firmá-lo a rogo Mas uma prova como essa será sempre mais precária.

Pode acontecer que na CTPS do empregado conste como salário um valor que é contestado por uma das partes. Em geral, a jurisprudência não distingue: a presunção em favor da anotação seria sempre relativa. Em sentido oposto, porém, argumenta DÉLIO MARANHÃO que como a carteira é preenchida e assinada pelo empregador, deveria gerar presunção absoluta contra ele. Seria uma espécie de confissão.

IV . EQUIPARAÇÃO SALARIAL82

1. Introdução

Somos todos iguais; temos corpo, alma, sentimentos. Mas também somos diferentes: há os pobres e os ricos, os altos e os baixos, os sóbrios e os boêmios. Essa dupla realidade, que sempre acompanhou o Homem, gerou um duplo movimento do Direito, no Estado moderno. No início, o Direito se voltou contra as regras desigualitárias, que criavam privilégios para os nobres. Em seu lugar, criou regras igualitárias e – nesse sentido – libertadoras. Mas o problema é que as regras juridicamente igualitárias não encontravam um mundo igual no plano econômico; e, por paradoxal que pareça, elas acabavam servindo às novas desigualdades que surgiam. Se a nobreza apoiara seus privilégios nas regras desiguais, o capitalista usava as regras igualitárias para acumular. Aliás, não teria sido também por isso que o Direito as criara? Com a explosão da chamada questão social, ficou muito clara essa realidade. Daí o segundo movimento. Cedendo sobretudo à pressão das massas, o Direito voltou a criar regras desigualitárias, mas em direção oposta à das antigas. Já não se tratava de privilegiar os nobres, mas os pobres... Na verdade, esse segundo movimento não substituiu o primeiro. Apenas o corrigiu em certos pontos. Ainda hoje, ambos estão presentes tanto no Direito do Trabalho, como no Direito Civil – mas com intensidades diferentes. De um modo geral, o Direito Civil parte da premissa de que todos são iguais. Por isso, suas regras são também iguais. Assim, no plano ideal da norma, o pobre não pode ser barrado nos lugares que o rico frequenta. E o preço do pão é o mesmo, para um e para outro. Já o Direito do Trabalho tem como ponto de partida uma realidade desigual: de um lado, os que têm os meios de produção; de outro, os que só possuem a força-trabalho. Por isso, cria superioridades jurídicas em favor desses últimos.

82 Em sua belíssima obra, tantas vezes aqui citada, Maurício Godinho DELGADO trata dentro do tema “salário” várias espécies de discriminação praticadas contra o empregado, mesmo as não salariais, o que não fazemos aqui – reservando a matéria para estudos subseqüentes.

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Mas nem o Direito Civil, nem o Direito do Trabalho, realizam por inteiro a idéia da igualdade. De um lado, porque a maior parte das regras igualitárias do Direito Comum continua se aplicando também aos desiguais, o que faz com que as diferenças se acentuem. Afinal, como dizíamos, o preço do pão é o mesmo, para o pobre e para o rico. De outro lado, porque as regras desigualitárias do Direito do Trabalho não resolvem – nem querem resolver – a raiz da desigualdade, que é exatamente o fato de uns possuírem, e outros não, os meios de produzir. Seja como for, as idéias que inspiraram o Direito do Trabalho influíram no Direito Comum, que passou a considerar, em certas situações, as desigualdades reais das pessoas – como acontece com as leis do inquilinato e o Código de Defesa do Consumidor. No mesmo sentido, o Código Civil afirma a “função social” do contrato. Aliás, as próprias Constituições se deixaram contaminar por esse espírito, desde a do México, de 1917, e a de Weimar, na Alemanha, em 1919. A nossa também é cheia de exemplos, a começar da promessa de uma sociedade justa, solidária e livre. Mas o oposto também aconteceu. Em vários aspectos, o Direito Comum continua servindo de matriz ao Direito do Trabalho. Nesse caso, o Direito do Trabalho reage tal como o Direito Comum diante de uma situação de privilégio, seja esta criada por uma norma ou pelo contrato. 83

Nesse sentido é o princípio do “salário igual para trabalho igual”, contido no art. 461 da CLT. Suas raízes mais profundas estão no art. 5º, caput, e as mais próximas estão no art. 7º, XXX, ambos da CF. No fundo, trata-se de um princípio civilista, mas que serve ao mundo do trabalho. Ao contrário da imensa maioria das outras regras da CLT, o art,. 461 quer não tanto compensar uma assimetria de poder entre patrão e empregado, mas corrigir o desnível salarial entre pessoas situadas num mesmo plano – embora este desnível possa decorrer, como é usual, do exercício (abusivo) do poder diretivo.

Trata-se de derivação do “princípio da isonomia” (iso = mesmo, mesma; nomos = lei, regra). Nasceu como oposição aos preconceitos de raça, cor, nacionalidade, sexo e idade84. E também para atender a uma necessidade psicológica do ser humano, já que, como nos ensina Tocqueville, a igualdade tende a ser mais desejada que a própria liberdade. Onde não há isonomia, há discriminação. E a discriminação, como diz a OIT, “não só reforça a pobreza, como a gera”85. É o que acontece, por exemplo, quando a empresa contrata imigrantes clandestinos, não só lhes pagando menos, como pressionando para baixo os salários dos trabalhadores formais da empresa concorrente. Combater essas práticas, no mundo do trabalho, ajuda a inibi-la em outros campos. Muda hábitos, idéias e sentimentos. No entanto, mesmo a regra isonômica – na forma como é usualmente aplicada - não resolve as distorções mais graves. Ela evita que o trabalho igual seja pago desigualmente, mas não considera que todo trabalho, pelo simples fato de ser trabalho, tenha a mesma importância.

83 É importante notar que – ao lado dessa interação, que sempre existiu – o Direito do Trabalho parece estar vivendo, hoje, um momento de volta ao Direito Civil, tornando-se menos desigualitário, vale dizer, menos protetivo. 84 V., a respeito, Silva, Octacílio de Paula, “Equiparação Salarial: Adaptação da Legislação Vigente à Realidade Jurídico-Social da Atualidade”. Rev. ANAMATRA, ano II, n. 7, 1985, São Paulo.85 “La hora de la igualdad en el trabajo”: informe global con arreglo al seguimiento de la Declaración de la OIT relativa a los principios y derechos fundamentales en el trabajo, OIT, Genebra, 2003, pag. 133

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Desse modo, um operário pode receber cem vezes menos que o engenheiro pelas mesmas horas de trabalho, mesmo que não tenha podido escolher entre o seu ofício e o dele. E uma mulher pode ganhar menos do que um homem apenas porque o seu sexo criou obstáculos para que ela exercesse a mesma função dele. 86 Assim, a desigualdade pode estar na base, no ponto de partida. E isso nos mostra que a discriminação salarial em regra se soma a outras discriminações, de variadas origens. Essa realidade não costuma ser questionada nos estudos sobre equiparação salarial. Seria possível mudá-la? Como veremos, a OIT sinaliza nessa direção – o que já é um bom começo.

2. Evolução legislativa

A fábrica criou o operário, o capitalista e a exploração de um pelo outro.Nos primeiros tempos, o nível dessa exploração foi ainda maior que a dos escravos

na América. E atingiu principalmente o menor, a mulher e o migrante, aviltando, por tabela, o salário do trabalhador adulto nacional.

Esse quadro se agravou com o final da Primeira Grande Guerra, quando os vencedores, voltando do front, reencontraram os vencidos à porta das fábricas, mendigando emprego a qualquer preço87.

Como dizíamos, o primeiro passo do legislador contra essa situação veio do México. Em 1917, sua Constituição assegurou salário igual para trabalho igual, “sin tener en cuenta sexo ni nacionalidad”.

Com o Tratado de Versalhes, em 1919, o princípio isonômico se estendeu pelo mundo. Mas sua internacionalização não atendia apenas aos clamores da classe operária ou aos anseios dos intelectuais: servia também aos empresários do Primeiro Mundo, ameaçados pela mão-de-obra mais barata dos países menos desenvolvidos88.

Com o tempo, a regra se repetiu em sucessivos textos internacionais, como a Declaração Universal dos Direitos do Homem, em 1948, e o Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, em 1966. Na OIT, merecem lembrança a Convenção n. 82, de 1947; a Convenção n. 100 e a Recomendação n. 90, de 1953; a Convenção n. 111, de 1960; e a Convenção n. 117, de 1962. Note-se que a eliminação das discriminações em matéria de emprego e ocupação é hoje considerada pela OIT um princípio e um direito fundamental; por isso mesmo, é possível entender que as convenções que tratam do tema nem precisam ser ratificadas para que tenham alguma eficácia.

No Brasil, a regra isonômica aparece nas Constituições de 1934, 1946 e 1967, com a EC n. 1, de 1969. Tal como esta última, a CF de 1988 avança para além do salário, dispondo:

86 Anota Paula Oliveira Cantelli (“O trabalho no divã feminino: dominação e discriminação”, LTr, S Paulo, 2007, pág. 104) que, no Brasil, a diferença salarial entre os homens e mulheres caiu na última década, mas continua significativo: era de 42% em 1997 e passou a 30% em 2004. Mas as mulheres negras ganham por hora apenas 61,2% dos salários dos homens não-negros. Dos 550 milhões de trabalhadores mais pobres do mundo – com renda igual ou inferior a um dólar diário – 70% são mulheres.87 Chiarelli, Carlos Alberto Gomes.“Trabalho na Constituição”, vol. I, Ed. LTr, 1989, São Paulo, pág. 242.88 V., a respeito, Genro, Tarso F., “Contribuição à Crítica do D. Coletivo do Trabalho”, Ed. LTr, 1988, São Paulo, págs. 53/54.

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“Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social:

XXX – proibição de diferença de salários, de exercício de funções e de critérios de admissão por motivo de sexo, idade, cor ou estado civil.”

A CF/88 assegura ainda proteção especial à pessoa com deficiência, prescrevendo a seguir:

“XXXI – proibição de qualquer discriminação no tocante a salário e critérios de admissão do trabalhador portador de deficiência”.

Em nível de CLT, três são os artigos que tratam do tema. O mais importante é o art. 461, cujo caput prescreve:

“Sendo idêntica a função, a todo trabalho de igual valor, prestado ao mesmo empregador, na mesma localidade, corresponderá igual salário, sem distinção de sexo, nacionalidade ou idade.

O empregado que deseja ser equiparado recebe o nome de equiparando; aquele ao qual ele se compara é chamado de paradigma (do grego paradeigma = modelo, padrão).

3. Equiparação por identidade

Segundo DAMASCENO,89 são seis90 as identidades necessárias para que possa haver equiparação salarial: funcional, produtiva, qualitativa, de empregador, de local de trabalho e de tempo de serviço - esta última, relativa. Essas identidades valem para os empregados em geral, inclusive os avulsos. Alguns autores, como ele próprio, excluem os domésticos, pois ao arrolar os direitos dessa categoria a CF não inclui o do salário igual para trabalho igual91. Mas é possível questionar essa conclusão, dado o princípio geral contido no art. 5º., caput, da mesma CF. Note-se que alguns julgados e textos doutrinários recentes têm tentado atenuar o rigor da lei, relativizando o peso daqueles requisitos, especialmente do primeiro - não só para enfrentar a nova questão social, como para resolver os desafios jurídicos criados pela reestruturação produtiva. Uma boa arma nesse sentido é a Convenção no. 100, já referida. Ao tratar da isonomia entre os sexos, ela não reclama a identidade funcional. Segundo a própria OIT,

“(...) se exige que a mão de obra dos trabalhadores e trabalhadoras obtenha igual remuneração por “trabalhos de igual valor” e não simplesmente pelo “mesmo” trabalho

89 “Equiparação Salarial”, Ed. LTr, 1980, São Paulo, pág. 30 e segs.90 DELGADO prefere falar em 4, considerando as duas outras (perfeição técnica e produtividade) como fatores impeditivos à equiparação, o que corresponde ao entendimento da jurisprudência sobre o ônus da prova, como se verá adiante. No entanto, preferimos continuar adotando a posição de DAMASCENO, pois a lei também impõe a igualdade do valor do trabalho como premissa para a equiparação, e por trabalho de igual valor considera exatamente aquele de iguais produtividade e qualidade.91 Art. 7º, XXXIV, da CF.

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ou um trabalho “similar”. A aplicação desse princípio supõe comparar os trabalhos entre si para determinar seu valor relativo.92

Desse modo, ao exigir a identidade funcional, a CLT parece se chocar com a Convenção – que, além de tudo, é fundamental. Para Luiz Otávio Linhares RENAULT93, ela também reduz o alcance da regra isonômica contida na CF. Note-se que a CLT considera “de igual valor” as funções exercidas com a mesma produtividade e perfeição técnica – mas sempre partindo da premissa de que as funções são idênticas. Ora, a aferição do valor de funções diferentes é um tanto difícil – e, se não for bem pensada, pode acabar atraindo novos preconceitos. Diante de tudo isso, como agir? Se aplicarmos efetivamente o espírito da Convenção, no mínimo teremos de flexibilizar (no bom sentido) as identidades exigidas pela CLT, alargando o campo da equiparação salarial. E esse trabalho cabe principalmente ao juiz, em cada caso concreto. Aliás, a jurisprudência já nos dá alguns poucos – mas instigantes – exemplos, como nos mostra esse trecho de ementa do já citado RENAULT:

“(...) Obviamente que a isonomia tem de assentar-se em critérios objetivos, daí haver a doutrina e a jurisprudência caminhado no sentido de que a avaliação deva ser realizada sobre o valor do trabalho, especialmente porque, a rigor, pouquíssimos seriam os casos de absoluta, de completa igualdade, uma vez que, sendo uma atividade psico-física, o resultado do labor humano está sempre impregnado pelos traços da personalidade e do modo de ser único e ímpar de cada prestador de serviços”.94

De todo modo, como este é um texto didático, passaremos em revista aquelas lições clássicas, temperadas – aqui ou ali - de pequenas doses de sal.

3.1. Identidade funcional

Como vimos, a exigência desse requisito parece não se ajustar à Convenção no. 100 da OIT. De todo modo, analisemos outros aspectos da questão. É preciso distinguir cargo, função e tarefa. Cargo é a posição que o empregado ocupa na empresa. Função é o trabalho que efetivamente exerce, encarado em seu conjunto. Tarefa, cada uma das atribuições que compõem a função. O que importa é a função – não o cargo95 ou a tarefa. Exemplifica DAMASCENO:

“Encontram-se três datilógrafas em uma empresa. A datilógrafa ‘A’ é incumbida de datilografar ofícios com base em minutas que lhe são entregues pelo interessados; a datilógrafa ‘B’ preenche datilograficamente notas fiscais, copiando rascunhos que lhe são fornecidos por outro empregado; a datilógrafa ‘C’ preenche datilograficamente guias de recolhimento de tributos, mediante dados que recolhe em outra unidade

92 “La hora de la igualdad en el trabajo”, cit., pág. 53. No original em Espanhol, lê-se: “(...) se exige que la mano de obra de los trabajadores y las trabajadoras obtengan igual remuneración por “trabajos de igual valor” y no sencillamente por “el mismo” trabajo o un trabajo “similar”. La aplicación de este principio supone comparar los trabajos entre si para determinar su valor relativo”. 93 Em aulas e artigos esparsos.94 Recursos ordinários nos. 162, 391 e 993/2006, TRT da 3ª. Região, 4ª Turma.95 A propósito, diz a Súmula n. 06/TST: “III - A equiparação salarial só é possível se o empregado e o paradigma exercerem a mesma função, desempenhando as mesmas tarefas, não importando se os cargos têm, ou não, a mesma denominação”.

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administrativa. Todas são datilógrafas e as respectivas tarefas não são idênticas. Mas, as funções das duas primeiras são idênticas, a despeito de as suas tarefas serem diferentes, considerados os resultados que produzem e os meios utilizados para atingir o objetivo da função: instrumentos datilografados (objeto), com base em minutas (meios de realização). Já a datilógrafa ‘C’, também tendo a missão de elaborar instrumentos datilografados volvendo atividade intelectual, ainda que pequena, para o correto preenchimento das guias, há uma diferença no meio de realização e sua função não é idêntica às das datilógrafas ‘A’ e ‘B’.96”

A denominação do cargo serve apenas para fazer presumir a função. Se o cargo é de “auxiliar de mecânico”, por exemplo, deve-se concluir que, provavelmente, seu ocupante ajuda o mecânico. Mas é uma presunção relativa, admitindo prova em contrário. Note-se, com DELGADO, que “uma mesma tarefa pode comparecer à composição de mais de uma função (tirar fotocópias ou atender ao público, por ex, podem ser tarefas integrantes de distintas funções no contexto da divisão de trabalho na empresa)”.97

Pode acontecer que a função do equiparando seja mais qualificada que a do paradigma – e, ainda assim, pior remunerada. Seria o caso, por exemplo, de um office boy ganhando mais que um contador: caberia equiparação?

Para DAMASCENO, não: o empregador é livre para valorizar, como quiser, cada função. Para PRUNES, sim: em casos como esse, haveria razão maior para a equiparação98.

Casos do gênero são raros. Um acórdão muito antigo decidiu assim: “Se é princípio constitucional o da igualdade salarial para trabalho igual, com muito maior razão terá direito à equiparação aquele que, exercendo função superior, perceba menor salário.”(TST, 2ª T., RR 4.119/66. Rel. Min. Ary Campista, DO 26.6.67).

Por outro lado, é irrelevante a habilitação profissional do empregado, exceto quando a profissão é regulamentada – como exemplifica a O.J. n. 295, da SDI-1 do TST: “Equiparação salarial. Atendente e auxiliar de enfermagem. Impossibilidade. Sendo regulamentada a profissão de auxiliar de enfermagem, cujo exercício pressupõe habilitação técnica, realizada pelo Conselho Regional de Enfermagem, impossível a equiparação salarial do simples atendente com o auxiliar de enfermagem”.

3.2. Identidade produtiva

Não se confundem produção e produtividade. Produção é o ato de produzir. Produtividade, a capacidade de produzir. Mas não a capacidade teórica – e sim a que o empregado revela ter, efetivamente.

Para aferir a produtividade, conjuga-se a produção com os meios colocados à disposição para produzir – dentre os quais o tempo. Exemplo: A trabalha oito horas, fabricando oito peças; B trabalha quatro, fabricando quatro. A produção é diferente; já a produtividade é igual, a não ser que se prove, por exemplo, que, com a máquina de B, A fabricaria o dobro.

Discute-se se um empregado mais assíduo pode ser considerado mais produtivo que o outro. Com PRUNES99, entendemos que não: afinal, quem falta perde o dia e o

96 DAMASCENO, ob. cit., pág. 44.97 Op. cit., 8ª ed., p. 738.98 “Equiparação Salarial”, Ed. LTr, 1977, São Paulo, pág. 53.99 Ob. cit., pág. 77.

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domingo; não é justo que nos dias trabalhados receba salário menor que o do colega de ofício.

3.3. Identidade qualitativa

O requisito da perfeição técnica significa “dois empregados desempenharem suas funções com o mesmo conjunto positivo de qualidades e negativo de defeitos”100.

Quando o trabalho é automatizado, mecânico, como no famoso filme de Chaplin101, raramente haverá desigualdade qualitativa – e o critério diferenciador mais importante será o da produtividade. Inversamente, quando o trabalho permite ao empregado certa liberdade, e lhe exige criatividade, o requisito da perfeição técnica tende a ser tão importante quanto difícil de aferir.

De todo modo, pouco importa a potencialidade do trabalhador: um “prático” em contabilidade pode se equiparar a um gênio na matéria, com título de doutor. Na lição de TARSO GENRO, “a perfeição técnica deve ser perquirida em função do que exige o produto em fabricação (ou o serviço em execução) e não na forma abstrata de quem pode fazer melhor”102.

3.4. Identidade do empregador

Só há equiparação quando o empregador é o mesmo – pois de outro modo as pequenas empresas não resistiriam à competição103. Como diz CATHARINO, “por força da assimilação legislativa, empregador equivale a empresa, dentro desta é que se apura a equiparação salarial”.

3.4.1. Grupo empresarial

E se as empresas formam um grupo?Para uns, também nesse caso, a equiparação é inviável – pois a solidariedade

imposta pela CLT (art. 2º, § 2º) seria só passiva, ou seja, para efeito de saldar débitos trabalhistas. Já outros, como nós, entendem que a solidariedade é também ativa, situando o grupo como credor da atividade do empregado. A empresa para a qual ele trabalha é apenas “o empregador aparente”104; o empregador real – e único – é o grupo, inclusive para fins de equiparação salarial. Nesse sentido – embora com ressalvas – é a Súmula 129/TST:

“A prestação de serviços a mais de uma empresa do mesmo grupo econômico, durante a mesma jornada de trabalho, não caracteriza a coexistência de mais de um contrato de trabalho, salvo ajuste em contrário”.

Surge, porém, outra questão: qual tipo de grupo? Para muitos autores, é preciso que haja uma empresa-mãe, dirigindo a atividade das demais. Com RUSSOMANO, pensamos

100 DAMASCENO, ob. cit., pág. 71.101 “Tempos Modernos”.102 “Direito Individual do Trabalho”, Ed. LTr, 1985, São Paulo, pág. 160.103 Exceção a essa regra é a hipótese prevista na Súmula n. 111/TST: “A cessão de empregados não exclui a equiparação salarial, embora exercida a função em órgão governamental estranho à cedente, se esta responde pelos salários do paradigma e do reclamante”.104 Vilhena, Paulo Emílio Ribeiro de, “Relação de Emprego”, Ed. Saraiva, 1975, São Paulo, pág. 66.

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que possa haver “empregador único” sem hierarquia entre as empresas: basta a influência ou o controle recíproco. 105 Com razão maior, nas fusões e incorporações. Hoje, com a empresa em rede, é importante alargar a própria idéia de grupo. Só assim evitaremos que as grandes corporações explorem trabalhadores por tabela, despedindo-os e em seguida aproveitando o seu trabalho – já agora, aviltado - através de suas “parceiras”.

O empregado cedido pode equiparar-se ao colega na empresa onde trabalha, se esta é que lhe paga (Súmula n. 111/TST); e o trabalhador temporário faz jus à “remuneração equivalente à percebida pelos empregados da mesma categoria da empresa tomadora ou cliente” (art. 12 da Lei n. 6.019). Note-se que esta última regra deve ser aplicada a todos os casos de terceirização interna106, mesmo sem previsão legal – quando nada, por analogia. Mas nem sempre se tem decidido assim.

4.5. Identidade de local de trabalho

Se dois empregados trabalham em locais diferentes, pode acontecer que os seus salários, embora desiguais, tenham igual poder de compra. É que, como se sabe, o custo de vida varia. Daí o requisito da identidade de local de trabalho. Como nos fez notar certa vez um aluno107, leva-se em conta, aqui, o salário real, não o nominal.

Mas também neste campo surgem dúvidas. A expressão “mesma localidade”, que a lei usa, já foi traduzida como “mesmo estabelecimento”, “mesmo município”, “mesma região metropolitana” e “mesma região sócio-econômica”. A última corrente, que parece a melhor, é a de CATHARINO. Já o TST vem entendendo que:

“(...) O conceito de “mesma localidade” de que trata o art. 461 da CLT refere-se, em princípio, ao mesmo município, ou a municípios distintos que, comprovadamente, pertençam à mesma região metropolitana”.108

Observa MAGANO que, no futuro, “haverá de ser também prevista a equiparação por empresa”, para impedir a exploração da mão-de-obra mais barata pelas multinacionais109.

Note-se, por fim, que, se o empregado é viajante, “a localidade torna-se elemento absolutamente sem importância”110.

4.6. Identidade de tempo de serviço

105 Cf., a respeito, Maciel, J.Alberto Couto, “Grupo Econômico – Equiparação Salarial”, in Rev. LTr, 53/11, pág. 1137. É interessante anotar que o TST já entendeu cabível a equiparação entre um empregado de empresa estrangeira, recebendo em dólares, e outro de empresa nacional, mas do mesmo grupo. A justificativa foi a existência de fraude.

106 Sobre a diferença, cf. o nosso artigo “Terceirização e sindicato: um enfoque para além do Direito”, in Henrique, Carlos Augusto Junqueira; e DELGADO, Gabriela Neves (org.) “Terceirização no Direito do Trabalho”, Mandamentos, B. Horizonte, 2004, págs. 321 e segs. Ainda a propósito do tema “terceirização”, cf. o ótimo livro de Gabriela Neves DELGADO: (“Terceirização: paradoxo do Direito do Trabalho contemporâneo”), editado pela LTr.107 Geraldo Henrique F. Campos, da UFMG.108 O.J. n. 251, da SDI-1. Note-se que o entendimento é elástico: “em princípio” será assim.109 Ob. cit., págs. 228/229.110 DAMASCENO, ob. cit., pág. 86.

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É preciso que entre os comparandos não exista diferença de tempo superior a dois anos. Mas como apurar a diferença de tempo? A jurisprudência é pacífica:

“Para efeito de equiparação de salários, em caso de trabalho igual, conta-se o tempo de serviço na função e não no emprego.” (Súmula n. 06/TST).

Hipótese interessante é a do empregado readmitido. Conta-se todo o tempo ou apenas o do último contrato? Ainda de acordo com DAMASCENO, aplica-se a regra do art. 453 da CLT. Somam-se os períodos descontínuos, salvo se o empregado tiver sido despedido por justa causa, recebido indenização legal ou se aposentado espontaneamente.

4.6.1. A questão da contemporaneidade

Analisando-se sob outro enfoque o requisito da identidade de tempo de serviço, é preciso que o trabalho prestado pelo equiparando e paradigma tenha sido contemporâneo. Mas essa contemporaneidade pode estar situada em algum ponto do passado:

“É desnecessário que, ao tempo da reclamação sobre equiparação salarial, reclamante e paradigma estejam a serviço do estabelecimento, desde que o pedido se relacione com situação pretérita.” (Súmula n. 22/TST).

Na imagem de PRUNES, é como se os dois estivessem nos pratos de uma balança: só cabe equiparação “quando, nalgum momento, estiverem sendo pesados ao mesmo tempo”.

Note-se, por fim, que se o trabalho igual for intermitente, como no caso do empregado que apenas uma vez por semana “repete” o paradigma, a equiparação também será intermitente e proporcional111.

4.6.2. O problema das substituições

Uma espécie de exceção à regra da contemporaneidade são as substituições. A propósito, observa PRUNES112 que há três hipóteses possíveis: a) substituição eventual de um empregado por outro; b) substituição temporária; c) substituição definitiva ou sucessão. Na primeira e na terceira hipóteses, não se aplica a regra da isonomia. Já na segunda, sim. É o que diz a Súmula n. 159/TST:

“I - Enquanto perdurar a substituição que não tenha caráter meramente eventual, inclusive nas férias, o empregado substituto fará jus ao salário contratual do substituído.II – Vago o cargo em definitivo, o empregado que passa a ocupá-lo não tem direito a salário igual ao do antecessor”.

Quanto à primeira hipótese, informa DELGADO113 que a jurisprudência tem-se utilizado do marco temporal de 30 dias (como é o caso das férias) para distinguir a substituição eventual da provisória, não-eventual.

111 Nesse sentido, CATHARINO, “Compêndio de Direito do Trabalho”, vol. II, Ed. Saraiva, 1982, pág. 64.112 Ob. cit., pág. 95.113 Op. cit., 8ª ed., p. 739

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Ainda a propósito desse tema, observa o grande Evaristo que a substituição de um empregado por outro é a afirmação mais clara da identidade funcional.

4.7. Fatores excludentes4.7.1. Readaptação profissional

Pode acontecer que um empregado se torne portador de deficiência, e, ainda assim, continue na empresa, em função menos valorizada, mas compatível com o seu estado. Seu salário (mais alto) provocaria ações equiparatórias, não fosse o § 4º do art. 461, que as inviabiliza.

4.7.2. Quadro de carreira

O quadro de carreira, em regra, também exclui a equiparação salarial. Como ensina DAMASCENO, não é que, no caso, haja derrogação do princípio isonômico. É que o próprio quadro, em si, já justifica desigualdades, ao permitir que o empregado faça carreira. Nessa hipótese, não cabe ação equiparatória - mas pode caber ação de enquadramento.

Vejamos um exemplo de quadro, tirado daquele autor:

Categoria Classe

N. de Cargos

Funções Recrutamento

Seleção Nível Salarial

Valor Salarial

Supervisor - 01 Supervisão Interno Livre escolha

8 300

Assistente

Administrativo

A

B

06

06

Realizaçãode pesquisasContatos externos

Interno Concurso

7

6

250

200

Auxiliar

Administrativo

ABC

040710

Serviços dedatilografia,arquivoe similares

Externo eInterno

Testes543

170160150

Servente A

B

05

03

Movimentaçãode documentosLimpeza

Externo Testes2

1

120

100

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E ele explica:

“Verifica-se que todos os ‘Assistentes Administrativos’, ‘Auxiliares Administrativos’ ou ‘Serventes’ exercem funções idênticas, mas, no intuito de incentivar o desenvolvimento e aprimoramento dos serviços prestados, foram estabelecidas diferenças salariais. Funções idênticas com retribuições salariais diferentes formam uma determinada categoria, propiciando-se ao empregado fazer carreira.”114

4.7.2.1. Quando o quadro não elide a equiparação

Há hipóteses em que, mesmo havendo quadro, o empregado pode pleitear, com sucesso, equiparação salarial. De certo modo, são exceções à própria exceção legal115. Alguns exemplos:

1) quadro não homologadoPara evitar a equiparação, não basta o quadro. É necessária sua homologação

(Súmula n. 6/TST). Mas entenda-se: embora tenha origem, quase sempre, em ato unilateral, o quadro de carreira – mesmo não homologado – acaba por aderir aos contratos de trabalho, obrigando o empregador. Assim, a falta de homologação não prejudica o empregado, que tem a alternativa de propor ação equiparatória ou de enquadramento116.

2) quadro homologado irregularmenteA homologação deve ser feita na forma legal117. Além disso, como nota TARSO

GENRO, “os dispositivos que regulam a isonomia só devem deixar de ser aplicados se o próprio quadro adapta a sua estrutura à norma constitucional e não se torna um mero escudo de disparidades”118.

3) cargo não previsto no quadroNem sempre o quadro alcança todos os cargos na empresa. Os trabalhadores não

sujeitos a ele têm direito à ação equiparatória. Mas entre si.4) falha no enquadramento do paradigmaPode ocorrer que o próprio paradigma esteja enquadrado incorretamente,

provocando a desigualdade salarial. Nesse caso, resta ao colega pedir equiparação, já que não pode pretender ser enquadrado em desacordo com o quadro.

5) desvio funcionalPode acontecer que o equiparando esteja ocupando cargo superior ao efetivo, em

substituição não eventual. Ainda que o quadro não preveja a hipótese, ou preveja o pagamento do salário do cargo de origem, tem aplicação a Súmula n. 159/TST, já citada119.

114 Ob. cit., pág. 99.115 Para um estudo um pouco mais aprofundado, cf. o nosso artigo “Quando o Quadro de Carreira não Elide a Equiparação Salarial”, in Suplemento LTr, ano XXVI, n. 33/90, São Paulo.116 Em princípio, quem homologa o quadro é o Ministério do Trabalho, de acordo com as normas previstas em sua Portaria n. 8, de 1987. No caso de entidades de direito público da administração direta, autárquica ou fundacional, a homologação cabe “à autoridade competente” (Súmula n. 6/TST). 117 A propósito, v. Portaria MTb n. 5/79, contendo uma série de requisitos.118 “Direito Individual do Trabalho”, cit., pág. 159. Nesse sentido já decidiu o TST que o quadro de carreira, mesmo homologado, que não obedece aos critérios alternados de merecimento e antigüidade, “não impede a equiparação salarial, pois desatende ao art. 461, § 3º, da CLT” (RR 6.097/90.8, Rel. Min. F. Villar, in Carrion, V. – ob. cit., pág. 310).119 Também nesse sentido a Súmula n. 223/TRF: “O empregado, durante o desvio funcional, tem direito à diferença salarial ainda que o empregador possua quadro de pessoal organizado em carreira.”

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6) quebra das normas salariais do quadroPode suceder que – mesmo enquadrado corretamente – o paradigma receba salário

superior ao do equiparando, ferindo-se as regras do quadro. Ainda nessa hipótese, não se poderia pensar em corrigir o enquadramento – que estaria correto.

7) discrepância causada por fato alheio ao quadroSeria o caso de um empregado cuja profissão vem a ser regulamentada, com piso

salarial fixado em lei. Ainda que o equiparando não preencha os requisitos legais para a função, poderá pleitear os mesmos salários do paradigma120.

Em síntese: outras hipóteses talvez existam. Mas pode-se concluir, de um modo geral, que cabe ação equiparatória: a) sempre que o quadro não informar os rigores da isonomia, ou seja, não atender aos requisitos legais; ou b) quando o quadro não justificar e ao mesmo tempo não solucionar a desigualdade salarial, tornando inviável o reenquadramento.

4.7.3. Impossibilidade de comparação

Para que se possa equiparar, é preciso que se possa comparar. E isso nem sempre acontece. Tome-se o caso dos artistas. Como comparar Caetano Veloso e Chico Buarque?

Na lição de PRUNES, só são equiparáveis os artistas que fazem parte de um todo: dois violinistas de uma orquestra, por exemplo. CARRION vai além: diz que o trabalho intelectual não pode ser objeto de equiparação. E exemplifica: “é o caso do professor, do crítico ou do figurinista”121. Mas não é o que diz a Súmula n. 06 do TST:

“VI - Desde que atendidos os requisitos do art. 461 da CLT, é possível a equiparação salarial de trabalho intelectual, que pode ser avaliado por sua perfeição técnica, cuja aferição terá critérios objetivos”.122

É interessante notar que em geral é mais fácil afirmar a desigualdade (ex.: Pelé foi melhor do que Zico) do que a igualdade (Beethoven é tão genial quanto Bach). E como é a igualdade, e não a desigualdade, que interessa à equiparação, fica mesmo difícil aplicá-la.

A impossibilidade de comparação deve ser apreciada em tese, abstratamente: não se confunde com a simples dificuldade de prova no caso concreto. Assim, o solista A pode não obter equiparação ao solista B só por serem solistas; em contrapartida, se o juiz se vir em dúvida sobre o valor do trabalho de dois torneiros, decidirá pela equiparação.

4.7.3.1. Cargo de confiança

E se o empregado ocupa cargo de confiança? DAMASCENO distingue o cargo de confiança em sentido próprio e o cargo de confiança técnica. O primeiro é aquele “cujo titular delibera sobre a administração empresarial, estabelecendo, em nome do empregador, procedimentos e políticas de sua atuação no mundo dos negócios”. Exemplo: numa fábrica de veículos, é o empregado que elege qual

120 Embora a jurisprudência, no caso, seja controvertida.121 Apud PRUNES, cit., pág. 61.122 Súmula n. 06/TST. Note-se que a vírgula depois da palavra “técnica” e o verbo “poder” no tempo presente dão a entender que com o trabalho intelectual sempre será assim. Se não houvesse a vírgula e o verbo estivesse no conjuntivo, só seria inviável a equiparação salarial se o trabalho não pudesse ser avaliado do ponto de vista técnico.

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o tipo a ser produzido. Já o segundo é aquele cujo titular “delibera apenas quanto à forma de se atender aos procedimentos e políticas estabelecidos”. Exemplo: na mesma fábrica, é o empregado que decide a técnica a ser utilizada.

No segundo caso, caberia equiparação; no primeiro, não, já que não se compara esse tipo de confiança. Mas a afirmação é discutível123.

4.7.4. Equiparação no setor público

Até há alguns anos, vinha entendendo a doutrina que podia haver equiparação salarial entre servidores públicos, desde que os regimes fossem iguais. Naquela época, o art. 37, XIII, da CF, vedava a “equiparação de quaisquer espécies remuneratórias”, mas ressalvava a hipótese do art. 39,§ 1o, que garantia “isonomia de vencimentos para cargos e atribuições iguais ou assemelhados”, exceto em relação a vantagens pessoais. Hoje, o art. 37, XIII, alterado por emenda, já não prevê exceções. Por isso, o § 1o. do art. 39, também alterado, não se refere a elas. Daí entender o TST que:

“ O art. 37, inciso XIII, da CF/88 veda a equiparação de qualquer natureza para o efeito de remuneração do pessoal do serviço público, sendo juridicamente impossível a aplicação da norma infraconstitucional prevista no art. 461 da CLT quando se pleiteia equiparação salarial entre servidores públicos, independentemente de terem sido contratados pela CLT” (OJ SDI-I n. 297)

4.8. Objeto da equiparação

Nem sempre a desigualdade é de salários. Exemplos: numa empresa, A pode faltar quando quer, ao passo que B tem de pedir licença; C tem 30 dias de férias, enquanto D tem 45; F recebe diárias, mas G custeia suas viagens.

Em todos esses casos, pode haver equiparação de tratamento – mas não por força do art. 461 da CLT, e sim por incidência direta do art. 5º da CF. Só não será assim se o empregador provar que a desigualdade decorre da disparidade de situações124.

Observa DAMASCENO que a equiparação deve ser feita não só pelo salário global, mas em função da natureza das parcelas pagas. E exemplifica:

“(...) se o empregado A percebe salário-base mais gratificação de função e o empregado B, exercendo as mesmas funções, percebe apenas salário-base, a despeito de os valores globais serem idênticos (A recebe $100 mais $20; B recebe $120), estará havendo discriminação salarial. O empregado A poderá pedir que seu salário-base passe para $120 e o empregado B pedir a gratificação de função.”

Lembre-se ainda a hipótese de discriminação no critério de admissões, proibida diretamente pela Constituição (art. 7º, XXX e XXXI). É um exemplo de responsabilidade pré-contratual, podendo acarretar indenização civil.

123 Em sentido contrário, CATHARINO, “Tratado Jurídico do Salário”, Livr. Freitas Bastos, 1951, Rio de Janeiro/São Paulo, pág. 376.124 Como ensinava Evaristo, também não pode o empregador punir de forma desigual empregados faltosos, a não ser que haja diferença de situações – como na hipótese de um deles ser reincidente (”A Justa Causa na Rescisão do Contrato”, 2ª ed., Ed. Forense, 1968, Rio de Janeiro, pág. 241). Aliás, a própria existência de um poder punitivo é hoje contestada por vários autores – como a excelente Aldacy Rachid Coutinho (“Poder punitivo trabalhista”, LTr, S Paulo, 1999)

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4.9. Ação de equiparação

A ação de equiparação, ou equiparatória, segue o rito comum. À parte o seu objeto específico, distingue-se apenas pela necessidade de indicação de um paradigma. Se o autor se omite, pode o juiz permitir que supra a falha, adiando a audiência. Só não é preciso um paradigma, a nosso ver, quando o empregado se baseia não no tratamento dado a outro colega, mas em norma geral na empresa – como um aumento que todos receberam, exceto ele. Aliás, em casos como esse, nem se exigiriam as identidades de praxe, exceto a de empregador.

Em sua defesa, pode o empregador negar o fato constitutivo (identidade funcional ou disparidade salarial) e/ou apontar fato modificativo, impeditivo ou extintivo (caso dos outros requisitos alinhados no item 3, ou de algum fator excludente).

Diz o CPC que a prova do fato constitutivo cabe ao autor; e a dos fatos modificativos, impeditivos ou extintivos é do réu (art. 333, I e II)125. No entanto, negando o empregador a desigualdade salarial, deve provar o contrário, pois é ele quem detém os recibos.

Todos os meios legais de prova podem ser usados. Mas, se o empregador alega o quadro, tem de juntá-lo. Note-se que “aquele que reclamou equiparação salarial, indicando um paradigma, e perdeu a ação, pode voltar a postular, indicando novo paradigma”126. Para o TST, pouco importa se o desnível salarial se origina em decisão judicial anterior, beneficiando o paradigma – exceto se a diferença decorre de “vantagem pessoal ou de tese jurídica superada pela jurisprudência de Corte Superior.”127

A prescrição se conta a partir de cada violação da regra de isonomia:

“Prescrição parcial – Equiparação salarial. Na demanda de equiparação salarial a prescrição só alcança as diferenças salariais vencidas no período de cinco anos que precedeu o ajuizamento”. (Súmula n. 274) O mesmo acontece no caso de desvio de função:

“Na demanda que objetive corrigir desvio funcional, a prescrição só alcança as diferenças salariais vencidas no período anterior aos dois anos que precederam o ajuizamento.” (Súmula n. 275/TST, inc. I)

4.10. Ação de reenquadramento

É a ação fundada em quadro de carreira. Visa a corrigir falhas no enquadramento.128

Assim é que pode um empregado, preterido em promoção, ajuizar ação para obtê-la. Deve juntar o quadro. Se não o faz, e a empresa nega sua existência, o empregado poderá prová-la e em seguida, requerer ao juiz que determine sua juntada.

125 Nesse sentido, a Súmula n. 68/TST: “É do empregador o ônus da prova do fato impeditivo, modificativo ou extintivo da equiparação salarial”.126 Ac. TRT 1ª Reg., 3ª T., Proc. n. 3.765/72, Rel. Flávio R. Silva, DJ 28.3.73.127 Súmula n. 06, VI.128 A propósito, diz a Súmula n. 127/TST: “Quadro de pessoal organizado em carreira, aprovado pelo órgão competente, excluída a hipótese de equiparação salarial, não obsta reclamação fundada em preterição, enquadramento ou reclassificação”.

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Ao contrário do que acontece no caso de equiparação salarial, a prescrição, aqui, é total, fluindo da data em que o empregado foi enquadrado incorretamente (Súmula n. 275/TST, inc. I).

5. Equiparação por analogia

O art. 358 da CLT dá direito ao empregado brasileiro de receber o mesmo salário do estrangeiro se as funções são análogas (não necessariamente idênticas). Além disso, enquanto o art. 461 se afere a diferença de antigüidade entre os comparandos, no art. 358 se verifica, isoladamente, se o equiparando tem menos de dois anos e o paradigma mais de dois. Se isso acontecer, não caberia equiparação. O problema é que a CF prevê a igualdade de todos perante a lei (art. 5º., caput) e proíbe discriminações de qualquer espécie (art. 3º., IV). Logo, a norma nos parece inconstitucional.

6. Equiparação por equivalência ou por semelhança

A lei, como diz La Cueva, “contém um contrato mínimo de trabalho”. Por isso, se o contrato se omite ou não respeita aquele mínimo, ela usualmente o corrige ou completa. Exemplo: se as partes nada ajustaram sobre as férias, incidem os arts. 129 a 153 da CLT.

No entanto, quando falta estipulação ou prova sobre o salário ajustado129, a lei atribui ao juiz a tarefa de fixá-lo, considerando: a) o salário pago, na mesma empresa, por trabalho equivalente, ou, caso não haja ali um paradigma, (b) o salário pago, em outra empresa, por trabalho semelhante (art. 460 da CLT).

A rigor, “equivalente” é o trabalho que vale igual, ou seja, tem igual valor. E “semelhante” é o análogo. Assim, na hipótese a, a equiparação seria por identidade (como se dá no art. 461); e, na hipótese b, por analogia (como prevê o art. 358). No entanto, como a lei usa termos diferentes, é também possível inferir que tanto a identidade (hipótese a) como a semelhança (hipótese b) não precisam ser perfeitas. Alguns juristas, como RENAULT, advogam a tese de que o art. 460, por adotar um critério mais amplo, deve servir de inspiração também para as hipóteses comuns de equiparação salarial:

“(...) a isonomia salarial não se acomoda mais nas barreiras clássicas do art. 461 – equiparação e enquadramento - havendo situações em que se tem de adotar como fonte de direito o art. 460, da CLT, que preconiza o salário eqüitativo, isto é, o salário eqüânime e justo; o salário na sua verdadeira dimensão social é que deve ir ao encontro da valorização do trabalho humano, importante valor para a incorporação do empregado no estado democrático de direito”.

V– PARCELAS SALARIAIS

1. Aspectos gerais

129 Trata-se de exceção à regra de que a prova das alegações cabe a quem as fizer. Não fosse o disposto no art. 460, o juiz decidiria contra a alegação do empregado que não conseguisse provar a taxa salarial.

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Como já vimos, salário é uma palavra cheia, que abrange não só a prestação normal, básica, como outras verbas vinculadas a causas específicas. É o caso dos adicionais, comissões, abonos, gratificações e prêmios. O conjunto forma o que DELGADO chama de “complexo salarial”. 130

Segundo o mesmo autor, essas parcelas salariais podem ser tipificadas, não tipificadas e dissimuladas. As primeiras, como o nome indica, enquadram-se no “tipo” legal. As seguintes são criadas pelas partes ou pela convenção coletiva. As últimas são fantasiadas de outro nome, embora substancialmente continuem sendo salário, dado o princípio da primazia da realidade131.

Já falamos um pouco das comissões132. Elas decorrem de “transações ou negócios conseguidos pelo empregado para a empresa”133. Podem se somar ao salário fixo ou ser a única forma de pagamento – mas caso não alcancem o salário-mínimo, o empregador deve completá-lo. Ainda assim, no caso do comissionista, como nota DELGADO, o princípio da alteridade se atenua.

Há duas espécies principais de comissionistas: os que exercem serviço interno e os viajantes ou pracistas. As normas que os protegem estão na CLT (arts. 459 e 466 ) e na Lei 3 207, respectivamente – embora esta última tenda a ser utilizada, cumulativamente, também para os primeiros.

A CLT diz que as comissões são devidas em proporção à respectiva liquidação; e que a cessação do contrato não prejudica a sua percepção. Já a Lei 3 207 prescreve que o vendedor pode ter ou não exclusividade da área de atuação: depende do contrato. Se tiver, recebe as comissões de todas as vendas ali realizadas, com ou sem a sua participação. Caso ele também exerça funções de inspeção e fiscalização, terá de receber ainda um adicional de 1/10 do salário. A empresa pode aumentar, alterar ou reduzir a zona de vendas - desde que garanta ao empregado a média dos 12 últimos meses.134 Como observa DELGADO, trata-se de atenuação do princípio da irredutibilidade salarial.

Gratificações e prêmios têm natureza ambivalente: tanto podem ser pagos a empregados como a não empregados – o que também ocorre, aliás, com as comissões. Além disso, mesmo quando pagos a empregados, podem ter natureza de salário ou de doação: depende de ter havido ou não ajuste (expresso ou tácito, este último indicado pelo tempo).

Veja-se a diferença: se o empregador, ao longo do contrato, gratifica uma única vez um empregado, sem que haja cláusula que o obrigue, a gratificação será doação; mas se lhe paga uma única hora extra, sua natureza será salarial, pois, ainda que o contrato silencie, ela estará dentro dele, por força do “contrato mínimo” representado pela lei.

130 Op.cit., p. 648.131 Nomes diversos do salário são às vezes fruto da própria lei ou do costume (como acontece com os “bichos” do atleta profissional), ou resultado de tentativas de fraude (como certas ajudas de custo ou diárias, como veremos mais além)132 V. o tópico “O pagamento do salário”, item “Quando se paga”, supra.133 CATHARINO, J. Martins. Tratado..., cit., pág. 519134 Essa média é prevista num parágrafo que trata da ransferência da zona de trabalho, mas é aplicável também à hipótese de redução da mesma zona.

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Gratificações e prêmios se ligam sempre a uma causa que não o trabalho puro e simples. Às vezes, por ex., pagam um trabalho melhor ou maior. Nesses casos, as gratificações se distinguem dos prêmios por serem mais genéricas, alcançando todo um grupo de empregados, e não um ou outro, ou uma equipe.

Na maior parte das vezes, as gratificações não decorrem de méritos do empregado, embora se costume exigir a falta de deméritos. Assim, se o contrato se rompe antes do dia fixado para o pagamento, o empregado só a recebe (em proporção) se não tiver havido justa causa. É a lição de Mesquita135.

Há gratificações que se ligam ao exercício de uma determinada função, em geral de chefia136. Outras se relacionam com um fato estranho ao trabalho - como a Gratificação de Natal ou 13º Salário, que nasceu como prática espontânea das empresas, passou para as convenções coletivas e acabou se tornando lei.

Em geral, como anota DELGADO, a gratificação “tende a ser fato objetivo, normalmente externo à pessoa do trabalhador beneficiado, não se relacionando à sua conduta ou a do grupo obreiro mais próximo a ele”.137.

Já os prêmios, para o mesmo autor, são “parcelas contraprestativas pagas pelo empregador ao empregado em decorrência de um evento ou circunstância tida como relevante pelo empregador e vinculada à conduta individual do obreiro ou coletiva dos trabalhadores da empresa”138.

Na rotina empresarial, especialmente com a adoção de métodos japoneses de gestão de mão de obra, tem sido comuns os prêmios para turmas ou equipes. Além do incentivo econômico – ou também por causa dele – o empregador joga para os próprios empregados a tarefa de vigiar e cobrar eficiências de seus colegas – ou seja, externaliza habilmente uma parcela do poder diretivo. Quando o prêmio é atribuído a um trabalhador isolado, é ele próprio quem se torna o seu fiscal.

Tanto num caso como no outro, os prêmios podem ser vinculados à produtividade, à qualidade do trabalho, à assiduidade etc. Assim como as gratificações, são exemplos de salários condicionados. Desse modo, pode um empregado ficar anos a fio sem receber um prêmio de assiduidade, pois sempre se atrasa. No entanto, nem por isso poderá o empregador suprimir a cláusula contratual que o prevê. No caso de empregado de confiança que permanece dez ou mais anos na função, e volta ao cargo efetivo, a gratificação se incorpora para sempre ao salário (Súmula n. 372/TST).

A fonte dos prêmios e gratificações prêmios pode ser o contrato individual, o regulamento de empresa (que na verdade se torna cláusula dele), a convenção ou o acordo coletivo e a sentença normativa (nos casos em que persiste). No tocante às gratificações, também a lei.

135 Mesquita, Luiz José de. As gratificações no Direito do Trabalho, Saraiva, S Paulo, 1957, passim136 Nesses casos, como vimos, aplica-se a Súmula 372/TST137 DELGADO, Maurício Godinho.Op. cit., 8ª ed., p. 687138 Idem, p. 685

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Como já vimos, o ajuste dos prêmios e gratificações pode ser expresso ou tácito. 139 Sendo tácito, tem natureza salarial ainda que as partes afirmem o contrário (Súmula 152/TST)140; e mesmo que tenha sido esta a sua intenção real, ao celebrar o contrato.141

Quanto aos abonos, em princípio, são parcelas que o empregador adianta ao empregado142. Costumam ser fixados em convenções ou acordos coletivos, antecipando aumentos ou reajustes salariais. Assim, têm natureza salarial, como prescreve a CLT (art. art. 457 §1º.).

Em geral, quando um empregado isolado recebe do patrão um adiantamento – ou “vale”, como se costuma dizer – não há dúvida que esse valor pode ser deduzido de seu salário, por ocasião do pagamento mensal. Ora, pode acontecer que a categoria como um todo, que discutiria com os patrões um aumento ou reajuste num mês prefixado143 – digamos, outubro – reclame um adiantamento – digamos, em maio – seja em razão da inflação, seja sob outro argumento. A esse tipo de adiantamento é que se costuma dar, mais comumente, o nome de “abono”. Pergunta-se: deverá também ser deduzido depois, quando a convenção coletiva fixar um índice de aumento ou reajuste? Em geral, a jurisprudência entende que não, salvo havendo previsão expressa.144

Às vezes, o abono vem da lei, que exclui a sua natureza salarial. Outras vezes, como nota DELGADO145, a lei usa a palavra em outro sentido, sem que haja antecipação. É o caso, por ex., do “abono de férias” que o empregado recebe ao trocar 1/3 de suas férias por dinheiro.

2. O 13º. Salário

O 13º salário – ou Gratificação de Natal - está fora da CLT. Foi criado em 1962, pela Lei n. 4 090, regulamentada pelo Dec. 57 155/65, com alterações da Lei no. 4 749/65. É direito de todos os empregados, inclusive os domésticos e os temporários146, além dos avulsos.

O valor do 13º salário tem por referência a remuneração de dezembro. Assim, entram no cálculo não só as parcelas salariais como as gorjetas, pela média – desde que habituais. As utilidades são transformadas em dinheiro. Fração igual ou superior a 15 dias vale um mês inteiro. Por cada mês trabalhado, conta-se 1/12 do que foi pago em dezembro.

139 Súmula 207/STF: “As gratificações habituais, inclusive a de Natal, consideram-se tacitamente ajustadas, integrando-se ao salário”140 Diz a Súmula: “O fato de constar do recibo de pagamento de gratificação o caráter de liberalidade não basta, por si só, para excluir a existência de um ajuste tácito”.. 141 Como nota DELGADO (op. cit., págs. 741- 742), o nosso Direito segue a corrente objetivista, que – ao contrário da subjetivista - despreza a intenção do empregador ao instituir a verba.142 DELGADO, Maurício Godinho. Op. cit., pág. 736143 As convenções coletivas seguem a rotina de negociar em datas prefixadas, chamadas de “datas-base”. Assim, por ex., a categoria dos metalúrgicos de uma cidade pode ter a sua “data-base” em setembro, o que significa que todo mês de setembro, teoricamente, negocia-se uma nova convenção coletiva. 144 Idem, pág. 737.145 Ibidem, pág. 737.146 Note-se que a Lei 6 019/74, que regula o trabalho temporário, não arrola entre os direitos dos trabalhadores o 13º salário – mas este rol tem sido considerado exemplificativo (nesse sentido, entre outros, Alice Monteiro de Barros (Curso de Direito do Trabalho, LTr, S Paulo, 2005, pág. 726).

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A Lei 4 090 previa um único pagamento, até o dia 20 de dezembro de cada ano. Mais tarde, a Lei 4 749 criou um “adiantamento”. Em princípio, a empresa escolhe um mês qualquer – entre fevereiro e novembro - para realizá-lo. Mas o empregado pode exigir – em janeiro - que lhe seja pago nas férias. O cálculo do adiantamento é simples: divide-se por dois o valor que o empregado tiver recebido no mês anterior; e em dezembro, deduz-se. Exemplo: se em abril ele recebeu R$ 1 600,00, e a empresa pagar o adiantamento em maio, seu valor será de R$ 800,00; se a remuneração tiver subido para R$ 1 700,00 em dezembro, o empregado receberá R$ 900,00.

Se o empregado é admitido no curso do ano, ou não fica todo o ano à disposição da empresa, o adiantamento corresponde à metade de 1/12 da remuneração, por cada mês de serviço. Por exemplo: se começa a trabalhar em 1º de março, e recebe o adiantamento em 30 de setembro, o valor será a metade de 1/12 por cada um daqueles 7 meses. As contribuições previdenciárias são recolhidas só no pagamento principal, em dezembro.

Quando o trabalhador recebe por peça ou obra, toma-se a média de sua produção anual, multiplicada pela tarifa paga em dezembro. Se ele é comissionista, considera-se a média das comissões, com atualização monetária. O problema, nesses casos, é que até 20 de dezembro não se poderá conhecer sua produção anual. Por isso, faz-se um cálculo provisório, com os 11 primeiros meses. Mais tarde, até o dia 10 de janeiro, refaz-se o cálculo, inserindo-se dezembro – e o empregado recebe ou paga a diferença.

Se o empregado se despede ou é despedido sem justa causa147, recebe o 13º salário, que tanto pode ser integral (se o contrato tiver se estendido de janeiro a dezembro) ou proporcional (nas outras hipóteses). Caso tenha havido culpa recíproca, recebe-o pela metade (Súmula 14/TST). Se houver justa causa, nada recebe.

Na dispensa injusta, se o empregador não avisa o empregado com 30 dias de antecedência, este tempo se acrescenta ao contrato. Assim, se a despedida se dá em 31 de dezembro, o empregado recebe 1/12 de 13º (relativo ao mês de janeiro) 3. Adicionais salariais em geral3.1. Conceito

O salário retribui o trabalho. Mas há – digamos assim - um trabalho “normal” e um trabalho “anormal”. Para o trabalho “normal” existe um salário também “normal”, que se costuma chamar de “salário-base” ou “salário-básico”. Para o trabalho “anormal” existem – entre outras figuras – os adicionais salariais.

Como o nome indica, adicional é algo que se adiciona. Em linguagem jurídica, “é acréscimo que tem como causa o trabalho em condições mais gravosas para quem o presta”148.Assim, o que distingue o “salário-base” de seus adicionais é a causa que os provoca. Ali, o trabalho puro e simples; aqui, o trabalho – por assim dizer – mais sofrido.

3.2. Espécies

147 Ou hipótese análoga, como a extinção da empresa, por exemplo.148 Mascaro Nascimento, Amauri, “Direito do Trabalho na Constituição de 1988”, Ed. Saraiva, 1989, São Paulo, pág. 133.

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“Condições mais gravosas”, em nossa lei, são a noite, a jornada excessiva, certos tipos de insalubridade, certas formas de perigo, a transferência do trabalhador ou a penosidade do trabalho. Daí os adicionais noturno, de horas extras, de insalubridade, de periculosidade, de transferência e de penosidade149.

Mas a lei não contém toda a vida, e, assim, outras situações semelhantes existem, como o stress dos controladores de vôo ou os riscos do repórter de polícia150.Por isso, a lei é suprida ora pelas partes, no contrato; ora pelas categorias, nos acordos ou convenções coletivas; ora pela Justiça, através da sentença normativa151. Pode o adicional também ser criado unilateralmente pelo empregador, através do regulamento da empresa – caso em que tomará natureza bilateral, e, portanto, contratual, a partir da adesão do empregado. DELGADO distingue os adicionais legais dos convencionais. Entre os legais, há os abrangentes, que se aplicam a todos, e os restritos, que só alcançam categorias específicas (como é o caso, por ex., do adicional por acúmulo de função, previsto pela Lei n. 3 207 para os vendedores). Os convencionais decorrem de convenção ou acordo coletivo; ou ainda (acrescentamos) do ajuste individual.

Seja qual for a sua fonte, o adicional se torna obrigatório e, nesse sentido, compulsório. Mas em geral se usa o termo para distinguir os adicionais criados por lei dos que derivam da vontade individual ou coletiva, chamados também de voluntários. Algumas vezes, usa-se de modo impróprio o termo “adicional” – como acontece com o “adicional por tempo de serviço”, conhecido em convenções coletivas, e que não paga um trabalho mais gravoso. O termo correto, nesse caso, seria “gratificação”, como pondera DELGADO.152

3.3. Natureza jurídica

Se trocarmos a cidade grande pela paisagem do cerrado, veremos que o pequizeiro perde as folhas no inverno e ganha frutos no verão. Mas, tanto no inverno como no verão, continua sempre pequizeiro... Analogicamente, no mundo às vezes árido do Direito, salário é sempre salário, com ou sem o adicional. Entre um e outro, nota-se a diferença que separa o gênero da espécie. Mas têm a mesma natureza retributiva.

3.4. Princípios gerais

Tal como a casca envolve o caule, os adicionais abraçam a sua base, sorvendo os princípios fundamentais que circulam pelo salário, como um todo. É em razão disso, por exemplo, que os adicionais devem ser pagos contra recibo especificado153. E é por causa do aspecto de “cobertura” que eles são também chamados de “sobre-salário”154.

149 O adicional de penosidade foi criado pela nova Carta (art. 7º, XXIII) e ainda não foi regulamentado – embora se possa superar essa dificuldade, como veremos adiante.150 Parcelas como anuênios e quinqüênios são também tidas, às vezes, como gratificações.151 Em geral se tem entendido, com base em interpretação literal da CF (art. 114 §2º e 3º ),.que a sentença normativa só é cabível, hoje, havendo acordo (expresso ou tácito) para a sua propositura ou ocorrendo greve em atividade essencial, com risco de lesão ao interesse público. 152 Op. cit., 8ª ed., p. 687153 Súmula n. 91/TST: “Nula é a cláusula contratual que fixa determinada importância ou percentagem para atender englobadamente vários direitos legais ou contratuais do trabalhador”.154 Na lição de Barassi, o salário-base é a “plataforma fundamental de onde surgem os acréscimos ulteriores” – entre os quais os adicionais (“Tratado de Derecho del Trabajo”, v. Castelhana de M. Sussino, Ed. Alfa, 1953, Buenos Aires, tomo III, pág. 42).

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5. Adicionais e habitualidade

Tal como o fogo que consome a madeira, e se apaga quando esta se esgota, o adicional tem o destino ligado ao fato que o gerou. Assim, vive enquanto – e só enquanto – o fato vive.

Caso esse fato fosse o trabalho puro e simples, os adicionais, em regra, seriam estáveis, já que a permanência da prestação de serviços é natural na relação de emprego. Como derivam do trabalho gravoso, são instáveis, pois o gravame é antinatural – e, por isso, costuma ser reprimido.

Mas instabilidade não significa mortalidade precoce. Mesmo precário, o adicional pode durar muito tempo, e até todo o tempo do contrato. Em outras palavras: pode ser habitual ou não. E essa distinção é importante, para efeito de cálculos. É que há situações em que se deve perguntar, apenas, “quanto foi que o empregado recebeu”; e outras em que se indaga “quanto é que ele normalmente recebe”. Faz-se a primeira pergunta, por ex., quando se recolhe o FGTS do empregado. Como o FGTS incide sobre tudo que lhe foi pago pelo trabalho, pouco importa se o adicional foi habitual ou não155. Faz-se a segunda pergunta quando se paga o domingo. É que o empregado deve repousar sem que tenha prejuízo, recebendo o que normalmente recebe. Assim, só entram em conta os adicionais habituais156.

Pelas mesmas razões, apenas os adicionais habituais incidem nos cálculos do 13º salário157, do aviso prévio indenizado, das gratificações semestrais158, da antiga indenização por tempo de serviço159, etc. No caso das férias, tem sido esse, também, o entendimento dominante160. Mas não nos parece o melhor. É que o art. 142, § 5º, da CLT não faz qualquer ressalva. Logo, a habitualidade é dispensável, como ensina Süssekind161.

3.4.1. Habitualidade e supressão do pagamento

Suponhamos que o empregado venha recebendo há anos um adicional. Pode o empregador deixar de pagá-lo, suprimindo o fato gerador? Há 50 anos, o grande mestre CATHARINO apontava a tendência de se incorporarem os adicionais ao salário-base, “sob certas circunstâncias”. E explicava:“Tal é possível quando, pela habitualidade de seu pagamento, deixam de ser eventuais (...). Quando, dado o seu valor, perdem seu caráter acessório”162.

Essa tendência se revelou na antiga Súmula n. 76/TST:“O valor das horas suplementares prestadas habitualmente, por mais de dois anos, ou durante todo o contrato, se suprimidas, integram-se no salário para todos os efeitos legais”.

Ao que parece, o propósito era manter o contrato inalterado; no fundo, porém, o que se fazia era exatamente alterá-lo, desvinculando-se o pagamento de sua condicionante. De fato, era o próprio adicional que se transformava, perdendo sua característica principal:

155 V. Súmula 63/TST.156 Lei n. 605, art. 7º, a.157 V. Súmula n. 45/TST.158 V. Súmula n. 115/TST.159 V. Súmula n. 24/TST.160 V. Súmula n. 151/TST.161 Cf. Süssekind, Arnaldo, “Comentários à Nova Lei de Férias”, Ed. LTr, 1977, São Paulo, pág. 117.162 “Tratado Jurídico do Salário”, Livr. Edit. Freitas Bastos, 1951, Rio de Janeiro, pág. 266.

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em vez de pagar o trabalho em condições mais gravosas, passava a retribuir o trabalho normal. Mas a tendência vai-se invertendo, como se nota, por exemplo, pelas Súmulas de ns. 265 e 291 do TST, sobre os quais falaremos à frente.

3.5. Adicionais e alterações do contrato

Enquanto sobrevive o fato gerador, o adicional criado por lei não pode ser tocado pelas partes, exceto para aumentar de valor. As mesmas razões que justificaram sua imposição, de fora para dentro, impedem sua alteração, de dentro para fora. Diga-se o mesmo quando sua fonte é a convenção coletiva ou o acordo coletivo. Mas se tiver sido criado pela vontade individual das partes, é possível entender que elas podem alterá-lo, desde que o empregado não sofra prejuízo – como diz genericamente o art. 468 da CLT, que trata de alterações contratuais. Um exemplo seria a “troca” desse adicional contratado pela estabilidade no emprego. Mas é possível se entender também que teria sempre de haver uma contrapartida salarial, já que a CF só permite a redução de salário via convenção coletiva.

3.6. Adicionais e convenção coletiva Pode a convenção ou o acordo coletivo alterar o valor do adicional que a lei criou? Em doutrina, sempre se entendeu que não. E também assim decidiam os tribunais, até há algum tempo. Recentemente, porém, o TST sinalizou noutro sentido. Diz a Orientação Jurisprudencial n. 258, da SDI-I, de 27/9/02:

“A fixação do adicional de periculosidade, em percentual inferior ao legal e proporcional ao tempo de exposição ao risco, deve ser respeitada, desde que pactuada em acordos ou convenções coletivos de trabalho.” 3.7. Adicionais e base de cálculo

Em geral se entende que o empregado pode receber mais de um adicional e um incide sobre o outro. 163 Mas quando entram em cena os adicionais de insalubridade e periculosidade, a maior parte da doutrina e jurisprudência nega ambas as possibilidades. Discutiremos o tema adiante.

4. Adicional de Horas Extras. Jornada de trabalho4.1.Generalidades

Embora dependentes um do outro, empregado e empregador têm interesses opostos: cada qual quer oferecer o mínimo e receber o máximo. Por isso, ao longo de sua história, o movimento operário tem lutado ora para reduzir a jornada, ora para aumentar o salário. Mostra-o bem o estribilho que os ingleses cantavam pelas ruas há quase 200 anos:

“Eight hours to work/ Eight hours to play/ Eight hours to sleep/ Eight shillings a day”.

163 Nesse sentido, Süssekind, ao tratar da hora extra noturna (“Instituições de Direito do Trabalho”, vol. 2, Ed. LTr, 1991, São Paulo, pág. 739). Contra, Magano, que defende a incidência de cada adicional no salário-base (“Manual de Direito do Trabalho”, Ed. LTr, 1981, São Paulo, pág. 212).

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Com o passar do tempo, as horas de trabalho – que às vezes atingiam 16 por dia – foram diminuindo, não só para proteger os que estavam empregados, mas como “instrumento de luta contra o desemprego”.164 Mas isso não impede que a intensidade do esforço esteja crescendo – seja em razão da instabilidade no emprego, que acentua o poder de fato do empregador, seja pelas novas reengenharias, que constrangem o empregado a produzir sempre mais.165

O adicional de horas extras não paga o esforço mais intenso. Apenas compensa um pouco o trabalho mais extenso. Ainda assim, não chega a inibi-lo. Na prática, com a possibilidade legal de se estender as jornadas, o que se inibe é a abertura de novos postos de trabalho. O ideal seria só permitirmos as horas realmente extraordinárias, provocadas por circunstâncias excepcionais. Além de mais empregos, teríamos um salário-hora maior166, um nível melhor de saúde e menor número de acidentes.167

Como o trabalho, para muita gente, é mais opressor que libertário, mais cansativo que prazeroso, e mais alienante que dignificante, os momentos de não-trabalho podem ser também de alívio e libertação – quando o trabalhador retoma a plena posse de seu corpo e movimentos. Daí a necessidade também psicológica dos repousos, sobretudo os mais prolongados – como as férias.

É curioso notar que – fora do ambiente da empresa – todos nós cumprimos outras jornadas, não produtivas mas igualmente úteis à sociedade, para estudar, criar os filhos, cuidar da casa etc. No caso das mulheres, a soma do trabalho na empresa e no lar alcança em média 60 horas semanais no Brasil. 168

4.2.A hora extra na Constituição

A CF antiga previa “duração diária do trabalho não excedente a oito horas, com intervalo para descanso, salvo casos especialmente previstos” (art. 165, VI) . A CF atual garante “duração do trabalho normal não superior a oito horas diárias e quarenta e quatro semanais, facultada a compensação de horários e a redução da jornada, mediante acordo ou convenção coletiva de trabalho” (art. 7º, XIII).

Como se vê, agora são dois os critérios de controle da jornada: o dia e a semana. E a duração normal do trabalho na semana (44 horas) já não corresponde à jornada diária (8 horas), multiplicada por 6 (o número de dias úteis). Assim, mesmo trabalhando 8 horas todos os dias, o empregado terá direito a horas extras (4 por semana)169. Em outras palavras, ele as receberá pelo simples fato de extrapolar a jornada semanal, sem que

164 Javillier, J.C., “Manual de Direito do Trabalho”, trad. de Rita A . Bozacyan, Ed. LTr, 1988, S. Paulo165 Fala-se em “administração pelo stress”.166 Pelo menos num primeiro momento. Depois, já não se sabe até que ponto o mercado compensaria esse ônus, com a oferta de um salário-base menor. 167 Como nota Mascaro Nascimento (“Direito do Trabalho na Constituição de 1988”, Ed. Saraiva, 1989, S. Paulo, pág. 29), “os acidentes de trabalho têm maior freqüência, exatamente, nos horários de fim de expediente e também em horas extraordinárias”.168 Dedecca, Claudio Salvatore. Racionalização Econômica e Trabalho no Capitalismo Avançado, Unicamp/Instituto de Economia, Campinas, 1999, passim.169 Além de reflexos no domingo, como veremos mais tarde.

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exceda a diária. Só não será assim se houver acordo de compensação de horários (v. infra).

Por outro lado, e ao contrário da anterior, a CF/88 prevê o valor do adicional – que é de 50%, no mínimo, em qualquer situação (art. 7º, XVI). É preciso prestar atenção a este ponto, já que alguns artigos da CLT – não revogados de forma expressa – mencionam adicionais de 20 e de 25%. Esses artigos devem ser lidos... de olhos fechados.

Note-se que há uma PEC em tramitação170, que reduz para 40 horas a jornada semanal e aumenta o adicional de horas extras para 75%. A justificativa mais forte é a de que haverá mais postos de trabalho. Na América Latina, só o Equador fixa aquele limite; mas na Europa, há exemplos de jornada ainda menor, como é o caso da França, com 35 horas. Pesquisa feita junto a 792 magistrados do trabalho, por sua associação de classe - a Anamatra - apontou 62% favoráveis à PEC.

Em nosso sistema, temos profissões com jornada legal inferior à da CF, como se dá com os telefonistas e bancários (6 horas). Em princípio, isso acontece porque se considera que a atividade é mais desgastante. Mas como a edição de uma lei obedece também a critérios políticos, algumas categorias, com menor poder de fogo, podem se ver preteridas. Outras vezes, isso acontece porque a atividade é nova. DELGADO171 cita o exemplo dos trabalhadores em call centers, sugerindo, com razão, que se lhes aplique por analogia a jornada dos telefonistas.

Naturalmente, se a jornada for menor de 44 horas – seja por força de lei, convenção coletiva ou contrato individual - será extra a hora que superá-la. Nesses casos, a “jornada normal” será a jornada reduzida.

4.2.1 Turnos ininterruptos de revezamento

Todos nós temos um relógio biológico. Nosso corpo e nossa mente se acostumam a certas rotinas. Até a nossa vida familiar se organiza em torno de horários mais ou menos rígidos. Por isso, quando um operário trabalha em “turnos ininterruptos de revezamento”, seu stress tende a aumentar. E foi pensando nisso que a CF lhe assegurou uma jornada menor – de 6 horas. Mas a convenção coletiva pode fixar uma jornada superior (art. 7º, XIV e .OJ n. 168/TST). É um bom exemplo de como os sindicatos têm sido usados para flexibilizar.

Exemplo de “turno ininterrupto de revezamento” é o do empregado que trabalha uma semana de 6 às 12h, a seguinte de 12 às 18h e a terceira de 18 às 24h, sucessivamente. 172

Tem-se entendido, em geral, que a norma só se aplica quando há pelo menos três turnos

170 A PEC traz o no. 231, e tramita desde 1995. Hoje, passou a ser prioritária para o movimento sindical, depois que outra de suas principais bandeiras (a recomposição gradual do valor de compra do salário mínimo) foi absorvida.171 Curso de Direito do Trabalho, LTr, S Paulo, 10ª edição, p. 851172 No turno das 18 às 24 horas, ele teria, no caso, direito ao adicional noturno e a minutos extras, já que a duração da hora noturna é menor.

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alternados, completando as 24 horas173. Mas o melhor seria concluir que basta uma alteração constante, perturbando o relógio biológico.174

No caso de haver três turnos, a Medicina do Trabalho recomenda que sigam a sequência manhã-tarde-noite, menos agressiva que a rotação anti-horária noite-tarde-manhã.175

Embora o trabalho em revezamento não provoque uma doença específica, pode agravar outras doenças e/ou reduzir a capacidade imunológica, causar sofrimento mental e envelhecimento precoce. Ao mesmo tempo, aumenta o índice de alcoolismo. 176 Cerca de 20 a 30% dos trabalhadores não se adaptam nunca. 177

Pergunta-se: pausas aos domingos ou intervalos intrajornadas impedem que os turnos sejam considerados “ininterruptos”? Responde a Súmula n. 360/TST que não.

4.3 Pessoas excluídas

O art. 62 da CLT exclui do direito às horas extras:

“I – os empregados que exercem atividade externa incompatível com a fixação de horário de trabalho, devendo tal condição ser anotada na Carteira de Trabalho e Previdência Social e no registro de empregados;

173 Nesse sentido, a ementa: “Recurso de Revista. Horas extraordinárias. Turnos ininterruptos de revezamento. Trabalho realizado em apenas dois turnos. Não caracterização. Não caracteriza o regime especial de turno ininterrupto de revezamento o labor realizado em apenas dois turnos, os quais não englobam o ciclo diário de vinte e quatro horas. Revista conhecida e provida” (Proc. TST-RR-626.981/2000, 5a. t., Rel. Min. Rider de Brito, DJ 05/03/04, in Ferriera, José Otávio de Souza. “A regulação pública da jornada de trabalho brasileira”, dissertação de mestrado, Campinas, Unicamp, 2004, pág. `160). Em sentido oposto: “Recurso de Revista. Turnos ininterruptos de revezamento. Art. 7o., XIV, da Constituição Federal. Para que os trabalhadores possam se beneficiar do regime de jornada especial de seis horas a que alude o art. 7o., XIV, do Texto Constitucional, devem apenas demonstrar que se submetem a constantes alterações em seu horário de trabalho, sofrendo as consequências advindas da alteração contínua de seu relógio biológico, tornando suas condições de trabalho consideravelmente mais penosas do que as aplicáveis aos casos em que a jornada de trabalho revela-se inalterável. Tanto basta para que fique caracterizado o regime de turnos ininterruptos de revezamento, sendo despicienda a circunstância de o empregado haver ou não se alternado rigorosamente nos três turnos de trabalho da empresa. Recurso de revista parcialmente provido (Proc. TST-RR-559.744/1999, 1a. T., Rel. Juiz Convocado Aloysio C. da Veiga, DJ 12/03004, in op. cit., pág. 161). É também esta a opinião de José Otávio de Souza Ferreira (op. cit., pág. 161).174 Nesse sentido: “Recurso de Revista. Turnos ininterruptos de revezamento. Art. 7o., XIV, da Constituição Federal. Para que os trabalhadores possam se beneficiar do regime de jornada especial de seis horas a que alude o art. 7o., XIV, do Texto Constitucional, devem apenas demonstrar que se submetem a constantes alterações em seu horário de trabalho, sofrendo as consequências advindas da alteração contínua de seu relógio biológico, tornando suas condições de trabalho consideravelmente mais penosas do que as aplicáveis aos casos em que a jornada de trabalho revela-se inalterável. Tanto basta para que fique caracterizado o regime de turnos ininterruptos de revezamento, sendo despicienda a circunstância de o empregado haver ou não se alternado rigorosamente nos três turnos de trabalho da empresa. Recurso de revista parcialmente provido (Proc. TST-RR-559.744/1999, 1a. T., Rel. Juiz Convocado Aloysio C. da Veiga, DJ 12/03004, in op. cit., pág. 161). É também esta a opinião de José Otávio de Souza Ferreira (op. cit., pág. 161). Para José Otávio de Souza Ferreira (op. cit., pág. 161), bastam dois turnos.175 Oliveira, Sebastião Geraldo de. “A proteção jurídica à saúde do trabalhador”, LTr, S. Paulo, 2001, pág. 169176 Idem. Como informa o mesmo autor, Dentre as doenças ocupacionais inscritas no Anexo II do Dec. 3048/99 se incluem os distúrbios do ciclo vigília-sono, provocados por inadaptação aos turnos e ao trabalho noturno. 177 Idem, ibidem.

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II – os gerentes, assim considerados os exercentes de cargos de gestão, aos quais se equiparam para efeito do disposto neste artigo, os diretores e chefes de departamento e/ou filial.

§ único. O regime previsto neste capítulo será aplicável aos empregados mencionados no inciso II deste artigo, quando o salário do cargo de confiança compreendendo a gratificação de função, se houver, for inferior ao valor do respectivo salário efetivo acrescido de 40% “178

Na hipótese I, conjugam-se o serviço externo e a impossibilidade de controle. Assim, não basta que o empregador dispense o “ponto”; é preciso que a natureza da atividade o obrigue. É o caso do motorista que vai de cidade em cidade, entregando mercadorias, e só depois de um longo roteiro volta a ter contato físico com a empresa. Quanto à anotação na CTPS, pode ser suprida por outros meios de prova179.

Já na hipótese II, exigem-se cargo de gerência ou assemelhado e salário igual a 40%, pelo menos, ao do cargo efetivo. Essa redação, que altera a antiga, inspira-se em norma relativa aos bancários (art. 224, § 2º). Em geral, quem assume uma função de comando (como chefe de seção) tinha antes um cargo efetivo (ex.: escriturário). Se o que vier a receber (incluindo a gratificação) não for pelo menos igual ao salário antigo mais 40%, cabem horas extras.

Mas não são apenas os gerentes e viajantes que podem ficar sem horas extras. A CLT exclui “os empregados de estação do interior, cujo serviço for de natureza intermitente ou de pouca intensidade” (art. 243).

Seriam constitucionais essas várias normas de exceção? Embora a CF estenda a todos os empregados o direito às horas extras, tem-se entendido que sim. É que o adicional não decorre apenas do excesso de jornada, mas da possibilidade de seu controle efetivo. E isso não existe, em regra, quando o empregado viaja ou quando chefia o estabelecimento. Já no caso do ferroviário, a razão é outra. Não estará havendo um esforço extra por parte dele. E é o trabalho mais gravoso, como vimos, que justifica o pagamento dos adicionais.

4.4. Horas extras pactuadas Diz a CLT que:

“A duração normal do trabalho poderá ser acrescida de horas suplementares, em número não excedente a duas, mediante acordo escrito entre empregador e empregado, ou mediante convenção coletiva de trabalho”(art. 59).

Na verdade, esse artigo se adaptava à CF antiga, que previa jornada máxima de oito horas, mas ressalvava “casos especialmente previstos”. Já a atual não tem essa válvula de escape: prevê uma “jornada normal” (máximo de 8h diárias e 44 semanais), sem abrir exceções.

178 Nova redação dada pela Lei n. 8.966, de 27.12.94.179 Russomano, Mozart Victor “Comentários à CLT”, J. Konfino, Rio, 1973,vol. I, pág. 130.

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Ora: o que é habitual... é normal. Assim, deve-se concluir que as horas extras habituais são ilícitas – a não ser para os que têm jornada legal reduzida, como os bancários, e assim mesmo quando se respeita o máximo de oito horas diárias. Aliás, os países mais evoluídos só permitem horas extras em casos excepcionais. Também nesse sentido, a Convenção no. 1 da OIT, que o Brasil até hoje não ratificou

No entanto, poucos têm seguido essa corrente180. E, na prática, as horas extras habituais estão aí, com a adesão dos próprios trabalhadores, sufocados por baixos salários. Assim, na realidade brasileira, o normal ... é exceder a jornada normal. Seja como for, para fins didáticos, partiremos do entendimento dominante.

4.4.1. Proibição expressa de contratação de horas extras

Em alguns casos, não há espaço para discussão: a lei ordinária proíbe claramente a contratação de horas extras. É o que ocorre, por exemplo, no caso do menor (v. infra). E é o que também acontece com o trabalhador a tempo parcial (art. 58-A, c/c. art. 59 § 4o.), já que o objetivo da lei, ao regular este contrato, foi o de abrir novos postos de trabalho.181

Nas atividades insalubres, o art. 60 da CLT só admite a contratação de horas extras “mediante licença prévia das autoridades competentes em matéria de higiene do trabalho”.

4.5. Cálculo da hora extra4.5.1. Para se chegar ao número delas

Tudo o que passa da jornada normal é extra. A não ser se há compensação, como veremos depois. Mas é preciso lembrar que a jornada normal não significa exatamente 8 horas diárias – pois há o limite de 44 horas semanais. Assim, se o empregado trabalha 9 horas, de segunda a sábado, não estará fazendo apenas uma hora extra por dia. Só seria assim se o limite semanal correspondesse ao diário, isto é, se fosse de 48 horas semanais. Como isso não acontece, na verdade ele estará trabalhando, de segunda a sábado, um total de 10 horas (9x6=54; 54-44=10). Mas é preciso, de todo modo, computar o domingo, dia em que o empregado recebe como se estivesse trabalhando. Por isso, no cálculo das horas extras mensais, contam-se não apenas os dias de efetivo trabalho, mas o mês inteiro. Assim, se em junho foram duas horas extras por dia, elas serão 60 por mês (2x30).182

4.5.2. Para se chegar ao valor das horas extras

Como se chega ao valor da hora extra? Se o empregado é horista, não há nada mais simples. Ela será igual ao salário-hora acrescido de 50%. Se mensalista, divide-se o salário

180 Curiosamente, seu precursor foi um antigo Ministro do TST, Vantuil Abdalla, que pouco tempo depois da promulgação da CF escreveu um pequeno artigo intitulado: “Horas Extras Habituais – Nunca Mais”, in Suplemento Trabalhista LTr, ano XXV, n. 106/89.181 Note-se que a lei diz que aqueles trabalhadores “não poderão prestar horas extras”, sem distingui-las; mas trata-se de um parágrafo do art. 59, que trata das horas extras contratadas. Além disso, o bom senso indica que, havendo necessidade inadiável, o empregador possa lhes exigir o trabalho extra, na forma do art. 61.182 A rigor, o correto seria verificar quantos dias tem cada mês; mas às vezes, na prática, desprezam-se as variações, considerando-se sempre 30 dias.

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mensal por 220183, encontrando-se então o salário-hora, ao qual se acrescem os 50%.184

Caso o empregado tenha jornada reduzida, o divisor será outro. No caso dos bancários, por ex., é 180185.

4.5.3. Horas extras de quem ganha por produção

Se o empregado é comissionista, também tem o adicional, ainda que faça trabalho externo – desde que compatível com o controle de horário. Calcula-se o adicional tomando-se por base

“... o valor-hora das comissões recebidas no mês, considerando-se como divisor o número de horas efetivamente trabalhadas” (Súmula 340/TST186)

Pouco importa, assim, se o empregado nada vende naquela hora a mais. A base de cálculo é sempre a média horária mensal. Note-se que, ao receber o total das comissões, no fim do mês, ele já estará ganhando pelas vendas que fez no tempo extra. Por isso, só fica faltando o adicional (de 50%). A mesma coisa acontece com o trabalhador que ganha por peça187 .

4.5.4 Reflexos nas horas extras

Qual será a base de cálculo da hora extra? Leva-se em conta tudo o que o empregado recebe? Ou apenas algumas parcelas?

Segundo o TST, a hora extra “é composta do valor da hora normal, integrado por parcelas de natureza salarial e acrescido do adicional previsto em lei, contrato, acordo, convenção coletiva ou sentença normativa” (Súmula n. 264). Assim, se o empregado tem salário-base de R$600,00, um adicional de R$200,00, e gratificação mensal de R$80,00, a base de cálculo será de R$880,00 (600 + 200 + 80) e cada hora extra valerá R$6,00 (R$880 : 220 + 50% de R$4,00). Os adicionais e os outros valores que entram no cálculo são os habituais. E não podem sofrer – eles próprios – a incidência delas, como veremos depois. 188

Pode acontecer que o empregado trabalhe algumas horas de dia e outras à noite. Nesse caso, só nas horas em que ele tiver direito ao adicional noturno é que este mesmo adicional pode integrar o cálculo das horas extras. Quanto às gorjetas – próprias ou impróprias – ficam de fora, segundo a Súmula n. 354/TST.

183 O divisor é 220 porque, dividindo-se a duração normal da jornada (44 horas) pelo número de dias úteis (6), chega-se a 7h20m; e multiplicando-se 7h20m pelo número de dias do mês (30), incluídos os repousos semanais remunerados, o resultado é aquele (220). 184 Se o empregado é semanalista ou quinzenalista, o mais prático é aplicar os divisores 7 e 15, respectivamente, para encontrar o salário-dia; em seguida, divide-se o resultado por 7h20min, achando-se o salário-hora, ao qual se somam os mesmos 50%.185 Resultado da divisão do total trabalhado na semana (30 horas) pelo número de dias trabalhados (5), multiplicado pelo número de dias do mês (30).

186 Com a nova redação dada pela Res. n. 121, de 28/10/03187 O.J. n. 234/TST.188 A propósito da integração dos adicionais habituais para efeito de cálculo das horas extras, pode-se citar, como exemplo, a Orientação Jurisprudencial n. 47 da SDI-1 do TST: “Hora extra. Adicional de insalubridade. Base de cálculo. É o resultado da soma do salário contratual, mais o adicional de insalubridade, este calculado sobre o salário mínimo”. XXX

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E o salário-utilidade? Uns acham que não deve ser computado, pois se o empregado, por ex., recebe casa para morar, continua a tê-la enquanto excede a jornada. Assim, se trocarmos a casa por dinheiro, a fim de calcularmos a hora extra, haveria bis in idem. Mas a hora extra se compõe do salário-hora, mais o extra. Assim, a nosso ver, o adicional deve ser pago, mas sem a hora.

Exemplo: se o empregado recebe R$880,00 em dinheiro, e uma utilidade que vale R$220,00, o valor de cada hora extra será de R$6,00 (R$880,00 : 220 = R$4,00; 50% de R$4,00 = R$2,00), mais R$0,50 (R$220,00 : 220 = R$1,00; 50% de R$1,00 = R$0, 50), num total de R$6,50.

4.5.5. Reflexos das horas extras

Como vimos, o cálculo da hora extra leva em conta não apenas o salário-base, mas o conjunto das verbas de natureza salarial. Esse valor global é que é dividido por 220, para chegarmos ao preço da hora normal, e depois acrescido de 50%.

Mas também pode acontecer o contrário. Ou seja: as horas extras integrarem os cálculos de outras verbas salariais. Ao invés de incidir no cálculo das horas extras, são as horas extras que incidem em seu cálculo – como se dá com o 13o. salário (Súmula n. 45/TST), os repousos semanais remunerados (Súmula n. 172/TST), as férias, o FGTS, o aviso prévio indenizado e as gratificações semestrais, usualmente pagas aos bancários.

Note-se que não pode haver reflexo de uma parcela nas horas extras, e ao mesmo tempo reflexo de horas extras nessa mesma parcela. Se, por ex., já usamos as horas extras para chegar ao valor do 13o. salário, não podemos usar o 13o. salário para achar a base de cálculo das horas extras. Em outras palavras, toda vez que - por força de norma ou contrato - uma parcela já contiver em seu interior as horas extras, não podemos computá-la para encontrar o valor das próprias horas extras. Do contrário, uma parcela realimentaria a outra.

Essa lógica se vê em duas súmulas do TST, sobre as gratificações semestrais. Tendo em vista que “o valor das horas extras habituais integra a remuneração do trabalhador para o cálculo das gratificações semestrais” (Súmula n. 115), conclui-se que “a gratificação semestral não repercute nos cálculos das horas extras (...)”(Súmula n. 253).

Mas se uma parcela – que pode ser até uma “gratificação semestral”- tiver um valor nominal independente, desvinculado do salário mensal, nesse caso entra no cálculo das horas extras - como acontece, por ex., com as gratificações por tempo de serviço. 189 É que, se o valor da parcela já está prefixado em reais, as horas extras não estão sendo pagas, ou seja, não se encontram embutidas em seu interior; desse modo, estarão “livres” para sofrer, em si próprias, a incidência da verba, pelo seu valor médio mensal.

É bom notar que, no caso do FGTS, mesmo as horas extras eventuais são consideradas em seu cálculo (Súmula n. 63/TST). E o mesmo se dá, para SUSSEKIND, em relação às férias, embora seja outro o pensamento dominante (Súmula n. 151/TST).

189 Súmula 226/TST: “A gratificação por tempo de serviço integra o cálculo das horas extras”.

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4.5.6 Cálculo dos reflexos

Como calcular as horas extras habituais, para em seguida pagar os seus reflexos numa verba salarial? É só observar quantas elas foram, em média, no período; e tomar o salário-hora vigente à época em que foi paga a mesma verba (Súmula n. 347/TST). Mas lembre-se: o “salário-hora” não será apenas o salário-base, e sim a sua soma com outras verbas ... (Súmula n. 291/TST) Para que sejam habituais, basta que as horas extras não sejam eventuais. Embora nem todos pensem assim, não é preciso, a nosso ver, que haja uniformidade e periodicidade. Habituais são as horas extras que se repetem em todos ou quase todos os meses, no período de referência da parcela na qual vão se refletir.

Assim, por ex., se o empregado fizer 20 horas extras em janeiro, 10 em fevereiro, 15 em março, nenhuma em abril, 11 em maio, 14 em junho, 12 em julho, e assim por diante, elas deverão compor o seu 13º salário.

Pela lógica, o mesmo raciocínio deveria servir para os repousos semanais. Se, na semana respectiva, o empregado tivesse excedido várias vezes a jornada, haveria reflexos nos domingos. No entanto, os juízes tendem a considerar um período mais longo de tempo.

4.6. Horas extras além da 10a.

Como a CLT só permite a contratação de duas horas extras diárias, alguns passaram a entender que as excedentes desse limite não geravam reflexos. Outros negavam o direito às próprias horas extras. Mas o TST se orientou em sentido oposto (Súmula n.376). A conclusão vale para qualquer outro caso de horas extras à margem da lei.

4.7. Supressão das horas extras habituais

Se o empregado faz trabalho extra habitual, é porque o ajustou (de forma expressa ou tácita) com o empregador. Ora: se há um ajuste, e se partirmos da premissa (como faz a maioria) que o ajuste é lícito190, é claro que não pode ser violado. Pergunta-se: mas e se o for? O que acontecerá se o empregador suprimir o trabalho extra?

Até há poucos anos, entendia-se que essa alteração seria nula. Logo, o empregado continuaria recebendo o valor correspondente, mesmo sem exceder a jornada normal. Nesse sentido, dizia a Súmula n. 76/TST, já revogada:

“O valor das horas suplementares prestadas habitualmente, por mais de dois anos, ou durante todo o contrato, se suprimidas, integra-se no salário para todos os efeitos legais”.

A solução tinha certa lógica, do ponto de vista do art. 486 da CLT – que considera nulas as alterações unilaterais do contrato. Mas estimulava o empregador a manter o trabalho extra, pois de todo modo teria de pagá-lo... Além disso, chocava-se com a idéia de que

190 Como vimos supra, estamos raciocinando com base na doutrina e jurisprudência majoritárias.

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todo adicional é sempre precário: sem a causa, desaparece o efeito. Talvez por tudo isso, a Súmula n. 291 troca a incorporação definitiva das horas extras por uma indenização:

“A supressão do empregador, do serviço suplementar, prestado com habitualidade, durante pelo menos um ano, assegura ao empregado o direito à indenização correspondente ao valor de um mês das horas suprimidas para cada ano ou fração igual ou superior a seis meses de prestação de serviço acima da jornada normal. O cálculo observará a média das horas extras suplementares efetivamente trabalhadas nos últimos 12 meses, multiplicado pelo valor da hora extra do dia da supressão”191

Para entendermos melhor, suponhamos: três anos de horas extras, a seguir suprimidas; média dos 12 meses precedentes = duas horas extras por dia; valor da hora normal = R$ 20,00; valor da hora extra = R$30,00 (R$20,00 mais 50% de R$20,00); total do mês = R$1 800,00 (R$ 30,00 x 30 x 2); indenização = R$ 5 400,00 (R$1 800,00 x 3).

4.8. Horas extras não pactuadas

Além das horas extras ajustadas, existem aquelas que dependem apenas da vontade do empregador. É o ius variandi extraordinário, que se distingue do ordinário porque já não se trata, apenas, de especificar - mas de alterar cláusulas contratuais.

De fato, ao dizer ao empregado para trabalhar 9 horas, ao invés das 8 ajustadas, o empregador está tocando numa cláusula do contrato. É bem diferente do que lhe dizer para usar uma chave-de-fenda e não um alicate... Por isso, a lei só lhe permite agir excepcionalmente, na medida exata da necessidade e durante prazo curto.192

A CLT assim regula a matéria:

“Art. 61. Ocorrendo necessidade imperiosa, poderá a duração do trabalho exceder o limite legal ou convencionado, seja para fazer face a motivo de força maior, seja para atender à realização ou conclusão de serviços inadiáveis ou cuja inexecução possa acarretar prejuízo manifesto.

§1º O excesso, nos casos deste artigo, poderá ser exigido independentemente de acordo ou convenção coletiva e deverá ser comunicado dentro de dez dias, à autoridade competente em matéria de trabalho, ou antes desse prazo, justificado no momento da fiscalização sem prejuízo dessa comunicação.

§2º Nos casos de excesso de horário por motivo de força maior, a remuneração da hora excedente não será inferior à da normal. Nos demais casos de excesso previsto nesse artigo, a remuneração será, pelo menos, 25% superior à da hora normal, e o trabalho não poderá exceder de doze horas, desde que a lei não fixe expressamente outro limite.

191 Na verdade, a Súmula se inspirou no art.9º da Lei n. 5.811, de 1972, que trata das atividades petrolíferas, petroquímicas e de xisto betuminoso. Mas, sem apoio na CLT, nem precedentes jurisprudenciais, “legislou” uma indenização proporcional, como nota Carrion (“Comentários à Consolidação das Leis do Trabalho”Ed. Rev. dos Tribunais, 1989, S. Paulo, pág. 100).192 Para um estudo mais aprofundado do ius variandi, v. o nosso “Direito de Resistência”, LTr, S. Paulo, 1996.

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§3º Sempre que ocorrer interrupção do trabalho, resultante de causas acidentais, ou de força maior, que determinem a impossibilidade de sua realização, a duração do trabalho poderá ser prorrogada pelo tempo necessário até o máximo de duas horas, durante o número de dias indispensáveis à recuperação do tempo perdido, desde que não exceda de dez horas diárias, em período não superior a quarenta e cinco dias por ano, sujeita essa recuperação à prévia autorização da autoridade competente”.

No caso de “serviços inadiáveis ou cuja inexecução possa acarretar prejuízo manifesto”, o adicional é de 50% - e não de 25%, como está escrito. Na hipótese de “força maior”, cabe o mesmo adicional, por força da CF.

A lei prevê, no primeiro caso, um limite de 12 horas para o trabalho extra. Pergunta-se: e no segundo? Em geral, entende-se que não há limite. Mas não é o melhor caminho: o trabalho extra deve respeitar o intervalo de 11 horas entre uma jornada e outra (art. 66 da CLT).193 Aliás, até esse limite será excessivo, se afetar a saúde do trabalhador 194

A lei fala em “prejuízo manifesto”. Trata-se de prejuízo claro, evidente. É preciso que tenha relevância; não possa ser evitado de outra maneira; e seja excepcional. Já a “força maior” é “todo acontecimento inevitável, em relação à vontade do empregador, e para a realização do qual este não concorreu, direta ou indiretamente” (art. 501 da CLT).

Em qualquer desses casos, como dizíamos, o empregador pode exigir o trabalho extra195; mas deve comunicar o fato em dez dias à autoridade competente. Já a hipótese do § 3 o é um pouco diferente: surge um acontecimento imprevisto, impedindo o trabalho; mais tarde, o empregado repõe as horas perdidas. Pergunta-se: com o adicional de 50%?

A doutrina mais tradicional diz que não196.Mas preferimos seguir os que respondem sim 197. É que a Constituição não faz ressalvas; e, a nosso ver, só admite compensação por acordo coletivo ou convenção coletiva, embora não seja esse o entendimento do TST, como veremos.

4.9. Regime de compensação

A CLT permite trocar a jornada excessiva de um dia pela jornada reduzida de outro. É a “compensação de horários”. Antes semanal, tornou-se anual198. Na prática, ela permite que o trabalhador exceda a jornada por meses a fio, até o dia em que a empresa decide lhe dar tempos de folga – que não neutralizam os efeitos das fadigas acumuladas.

Na verdade, e ainda uma vez, trata-se da mesma tendência da empresa de se enxugar, usando cada homem na medida exata do necessário e assim eliminando estoques de mão

193 A “descoberta” desse argumento não foi nossa; escapa-nos, infelizmente, o nome do autor.194 A propósito, é bom notar que o art. 483, a, da CLT ,considera causa de “despedida indireta” a exigência de serviços superiores às forças do trabalhador.195 Para os ferroviários, há previsão específica no art. 240, parágrafo único da CLT.196 É o caso de CATHARINO, RUSSOMANO e GOTTSCHALK. 197 Como DELGADO e Orestes Campos GONÇALVES. 198 Como observa DELGADO (op.cit., pág. 840), a jurisprudência já vinha admitindo compensações mensais, nos chamados “sistemas de plantões” – 12 horas de trabalho por 36 de descanso, ou mesmo 24 por 72. Nessas hipóteses, havia em geral um pequeno resíduo semanal, que era corrigido ao longo do mês.

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de obra – o que contribui ainda mais para o desemprego. De quebra, esse banco de horas, como é conhecido, dificulta ou quase inviabiliza a ação dos fiscais do trabalho199.

Ora, como ensina DELGADO200, o art. 7º, caput, da CF, só abre espaço para normas que melhorem a condição social do trabalhador. E o que houve foi piora. Assim, a mudança é inconstitucional. Mas não sendo este o pensamento dominante, analisemos a norma.

A compensação pode ser anual ou em período menor. Além disso, o trabalho não pode exceder de 10 horas diárias (art. 59 e §§ da CLT). Se, ao longo do ano, o empregado tiver trabalhado, em média, até 44 horas semanais, não recebe horas extras. Mas se o contrato terminar antes que elas tenham sido compensadas, o empregador deve pagá-las.

Podem as próprias partes ajustar a compensação? Ou só através dos sindicatos? Diz a CF que ela depende de “acordo ou convenção coletiva”.201 Mas não diz se aquele “acordo” será também coletivo. Depois de algumas oscilações, o TST passou a entender que

“O acordo individual para compensação de horas é válido, salvo se houver norma coletiva em sentido contrário” (Súmula n. 85, II)202.

Mas não é esse o caminho ideal. É o acordo coletivo que melhor protege o empregado e privilegia a ação sindical, ajustando-se, assim, ao espírito da Constituição.

No mínimo, como sugere Felipe HEINECK203, deve-se exigir o sindicato na compensação anual, que é mais nociva. O ajuste individual se restringiria aos casos de compensação semanal ou mensal – e, mesmo assim, em atividades não insalubres ou perigosas.

A se entender que o acordo pode ser individual (seja naquelas hipóteses ou em todas), é importante notar que ele tem de ser escrito (Súmula n. 85, I/TST), por analogia ao que sucede na contratação das horas extras (art. 59 da CLT) e para maior segurança do empregado.

Mas e se houver compensação, sem que ela atenda a tais parâmetros? Responde aquela mesma Súmula:

“III. O mero não-atendimento das exigências legais para a compensação de jornada, inclusive quando encetada mediante acordo tácito, não implica a repetição do pagamento

199 Como as datas de admissão variam, será preciso que os fiscais voltem várias vezes à empresa para apurar se a compensação foi realmente feita ou não; e a relação número de fiscais/empresas é de um descompasso gritante (em Minas, por ex., há cerca de 300 fiscais, para um universo de mais de 760 mil empresas)200 Op. cit., pág. 840.201 Art. 7o., inc. XIII – grifos nossos.202 Note-se que, antes de adotar a nova tese, o TST havia revogado a Súmula n. 108, que dizia: “A compensação de horário semanal deve ser ajustada por acordo escrito, não necessariamente em acordo coletivo ou convenção coletiva, exceto quanto ao trabalho da mulher”. E não se pode dizer que isso tenha acontecido em razão da referência (discriminatória) à mulher, já que, se fosse assim, bastaria ter suprimido essa parte. 203 “A Compensação de Jornada em Face da Nova Orientação Jurisprudencial do TST”, in Revista LTr 65-01, LTr, S. Paulo, pág. 26. Baseando-se na história dos próprios julgados que inspiraram a nova jurisprudência do TST, o mesmo autor sugere que – a se aceitar o acordo individual – seu cabimento se restrinja aos casos em que a empresa faz compensação semanal ou mensal.

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das horas excedentes à jornada normal diária, se não dilatada a jornada máxima semanal, sendo devido apenas o adicional respectivo.”

Exemplo: hora normal a R$ 20,00; adicional a R$ 10,00; se o empregado não compensa a hora extra, ganha R$ 30,00; compensando-a irregularmente, R$ 10,00.

E o mesmo acontece na compensação de horas extras habituais, como diz o inc. IV da mesma Súmula:

“A prestação de horas extras habituais descaracteriza o acordo de compensação de jornada. Nesta hipótese, as horas que ultrapassarem a jornada semanal normal deverão ser pagas como horas extraordinárias, e, quanto àquelas destinadas à compensação, deverá ser pago a mais apenas o adicional por trabalho extraordinário”

Exemplo: o empregado trabalha 9 horas por dia, com folga aos sábados, perfazendo um total de 45 horas por semana. Nessa hipótese, a hora não compensada (ou seja, a 45a.) será paga como extra; e as outras, compensadas irregularmente, darão direito ao adicional puro e simples (sem a hora), na forma do inciso III, já citado.

Embora seja quase óbvio, é bom notar que se o empregado trabalha 8 horas em alguns dias e menos de 8 em outros, sem ultrapassar as 44 horas semanais, não será preciso acordo de compensação, pois os dois limites (o diário e o semanal) estarão sendo respeitados. Por outro lado, têm sido admitidas as jornadas de 12 x 36 horas, ou mesmo 24 x 72 horas, sem pagamento extra, já que – ao longo do mês – não se ultrapassam as 220 horas204.

Nas atividades insalubres, como vimos, só se pode ajustar trabalho extra com autorização das “autoridades competentes” (art. 60). Essa regra valeria para o acordo de compensação de horários? Como a CF não faz a mesma ressalva, entende o TST que a autorização é dispensável (Súmula n. 349), o que tem merecido justas críticas da doutrina205.

4.10. Hora extra e jornada reduzida

Se o empregado é contratado com jornada reduzida – digamos, quatro horas diárias - , qualquer excesso, como já vimos, será pago como extra. O mesmo ocorre, com razão maior, se é o próprio legislador que impõe aquela redução, como no caso dos jornalistas.

Pergunta-se: e se uma lei municipal proibir que a empresa funcione num determinado dia, ou parte do dia? Pode o empregador exigir que o empregado trabalhe a mais em outro dia, sem lhe pagar horas-extras?

204 1. A menção à primeira hipótese vem expressa, por exemplo, na OJ 338, da SDI-1, segundo a qual “o empregado submetido à jornada de 12 horas de trabalho por 36 de descanso, que compreenda a totalidade do período noturno, tem direito ao adicional noturno, relativo às horas trabalhadas após as 5 horas da manhã”205 Como no caso de DELGADO (“Jornada de Trabalho e Descansos Trabalhistas”, LTr, S. Paulo, 1998, pág. 85) 2. Observa Leonardo PEREIRA DA SILVA que a compensação de horários traz prejuízo financeiro ao empregado: se ele folga uma hora por cada hora a mais, não menos certo é que deixa de receber os 50% de adicional?.

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Autores como CASELLA dizem que sim. É que só a lei federal pode legislar sobre o trabalho. Assim, uma norma como essa não teria natureza trabalhista. A ausência de trabalho seria apenas um reflexo dela. Já outros, como ISIS DE ALMEIDA e AMARO BARRETO acham que não. É a corrente que nos parece a melhor, mesmo porque, como vimos, a CF não admite essa forma de compensação, nem permite trabalho extra sem pagamento.

4.11. Hora extra in itinere

Pode acontecer que o local de trabalho fique em lugar de difícil acesso, ou não servido por transporte regular público. Sem ter alternativa, a empresa dá transporte aos empregados.

Quando isso ocorre, é como se a fábrica se estendesse até o ônibus. Durante o trajeto, os empregados já respiram um pouco de seus ares, sujeitando-se (embora em dose mínima) ao poder patronal. Tanto assim que, se um deles agredir o outro, corre o risco de ser despedido por justa causa – o que não ocorreria se estivesse em ambiente “neutro”206. Na verdade, os próprios empregados não têm outra saída senão a de tomar aquele ônibus.

Por tudo isso, e inspirado em súmula do TST, o legislador introduziu este novo parágrafo ao art. 58 da CLT:

“O tempo despendido pelo empregado até o local de trabalho e para o seu retorno, por qualquer meio de transporte, não será computado na jornada de trabalho, salvo quando, tratando-se de local de difícil acesso ou não servido por transporte público, o empregador fornecer a condução.”207

Assim, a menos que a viagem ocorra nos limites da jornada normal, o empregado receberá as horas in itinere como extras.

Mas pergunta-se: e se apenas uma parte do trajeto não contar com ônibus público? A questão era controvertida: havia julgados mandando pagar todo o tempo208, outros só a parte não servida209. A Súmula n. 90, IV, adotou a segunda corrente.

Cabem horas in itinere se há ônibus públicos, mas em horários incompatíveis com os do trabalho (Súmula 90, II) .Mas não se forem apenas insuficientes (Sumula n. 90, III), já que o seu número supostamente seria maior se a empresa não oferecesse o transporte. Por fim, o trajeto do ônibus da empresa entre a portaria e o local de serviço também é pago210

Para tentar fugir desses ônus, certas empresas cobram valores irrisórios pela condução, alegando que, por isso, não a estariam “fornecendo”. Mas o argumento é frágil: de um lado, pela nítida intenção de fraude, que a CLT reprime (art. 9o.); de outro, porque se trata de verdadeiro instrumento de trabalho, que (por isso mesmo) simplesmente não pode ser cobrado. Assim, também nesse caso cabem as horas in itinere (Súmula 320/TST)211.

206 Exceto se se tratar de superior hierárquico (art. 482, k, da CLT).207 O acréscimo foi feito pela Lei n. 10 243, de 19/6/01.208 TRT, RO 11.881/91, 3ª Reg., 4ª T., Rel. Juiz Luiz Otavio Renault.209 TRT, RO 9/86, 3ª Reg., 1ª T., Rel. Juiz Manoel Mendes de Freitas, DJMG 29.8.86.210 Orientação Jurisprudencial Transitória no. 36 e art. 294, aplicável ao pessoal de minas.

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4.12. Horas extras e intervalos

Há intervalos inter e intrajornadas. Ambos servem para proteger a saúde do empregado e ao mesmo tempo recuperá-lo enquanto fonte de trabalho. Mas os primeiros lhe permitem ainda exercer outros papéis na família e na sociedade.212

Entre uma jornada e outra, o intervalo é de 11 horas, no mínimo (art. 66). Mas esse mínimo pode crescer, como no caso de telefonistas com jornadas variáveis e situações similares (17 horas, segundo o art. 229). Existe ainda um intervalo inter-semanal213, de 24 horas, que se soma ao de 11. Se um “engolir” parte do outro, cabem horas extras214.

Já o intervalo intrajornada é de uma a duas horas, se o trabalho se estende por mais de 6 horas; ou de 15 minutos, se fica entre 4 e 6. No primeiro caso pode-se aumentá-lo por acordo escrito ou convenção coletiva (art. 71 e seu §1º). Mas quem pode reduzi-lo é só o MTE, ouvidos os órgãos de segurança e higiene, e se os refeitórios estiverem em ordem e não houver horas extras.215

Sejam inter ou intrajornadas, os intervalos não se contam na duração do trabalho (art. 71, §2). Mas há exceções. Os datilógrafos – categoria que praticamente não existe mais - têm (ou tinham) intervalos pagos de 10 minutos a cada 90. A Súmula 346/TST estendeu a regra aos digitadores; mas como a Portaria MTE n. 3214 lhes dá vantagem ainda maior (10 m a cada 50), deve-se preferi-la, pelo princípio da norma mais benéfica.

Até há alguns anos, se a empresa não concedia o intervalo, praticava apenas falta contratual e ilícito administrativo – que podiam acarretar, respectivamente, “despedida indireta” e multa216. Atualmente, dispõe o § 4º do art. 71:

“Quando o intervalo para repouso e alimentação previsto neste artigo não for concedido pelo empregador, este ficará obrigado a remunerar o período correspondente com um acréscimo de no mínimo cinqüenta por cento sobre o valor da remuneração da hora normal de trabalho”217.

O novo artigo provocou discussões: seria devido apenas o adicional ou a hora acrescida do adicional, ou seja, a hora extra? O TST acabou se definindo pela segunda opção.218

211 Diz a Súmula: “O fato de o empregador cobrar, parcialmente ou não, importância pelo transporte fornecido, para local dedifícil acesso ou não servido por transporte regular, não afasta o direito à percepção das horas in itinere”212 A última observação é de DELGADO. Op. cit., pág. 923.213 A terminologia é de DELGADO.214 A hipótese mais comum é a de empregados em turnos de revezamento. Diz a Súmula n. 110/TST: “No regime de revezamento, as horas trabalhadas em seguida ao repouso semanal de vinte e quatro horas, com prejuízo do intervalo mínimo de onze horas, devem ser remuneradas como extraordinárias, inclusive com o respectivo adicional”.215 Art. 71 §3º. Sobre a impossibilidade de redução por instrumento normativo, v. O.J. n. 342 /TST.216 Nesse sentido a antiga Súmula n. 88/TST, hoje superada: “O desrespeito ao intervalo mínimo entre dois turnos de trabalho, sem importar em excesso na jornada efetivamente trabalhada, não dá direito a qualquer ressarcimento ao obreiro, por tratar-se apenas de infração sujeita à penalidade administrativa (art. 71 da CLT)”.217 Redação de acordo com a Lei n. 8.923, de 27.7.94.218 O.J. n. 306 da SDI-1.

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Note-se ainda que o intervalo a ser considerado é o minimo (ou seja, de uma hora, para quem trabalha mais de 6). Pergunta-se: e se, ao contrário, o empregador ultrapassar o intervalo máximo legal, fixando pausas não previstas em lei?

Também nesse caso o excesso é pago como extra, desde que, somado ao trabalho efetivo, extrapole o limite das 8 horas diárias e 44 semanais219. A razão é simples: se, por ex., o empregado trabalha de 8 às 12 e de 15 às 19h, estará havendo excesso de uma hora no intervalo, pois o limite legal é de duas horas; e ele só poderá voltar para o convívio da família uma hora mais tarde. Mas, como vimos, não cabem horas extras se o excesso de intervalo tiver sido aceito por acordo escrito (individual ou coletivo) ou convenção coletiva.

Note-se que a CLT prevê para a mulher um descanso mínimo de 15 minutos antes do início do trabalho extra (art. 384). Como a CF garante a isonomia entre os sexos, muitos entendem que a norma já não vigora. Preferimos concluir que ela permanece e – por força daquele mesmo princípio – deve ser aplicada, por analogia, ao trabalho do homem.

4.13. Minutos extras e tolerância

Se o empregado se atrasa ao trabalho, pode até perder o domingo: é o que diz a Lei no. 605. E se chega alguns poucos minutos antes? E se sai alguns poucos minutos depois? Diz o §1o. do art. 58 da CLT, introduzido há não muitos anos:

“Não serão descontadas nem computadas como jornada extraordinária as variações de horário no registro de ponto não excedentes de cinco minutos, observado o limite máximo de dez minutos diários”.

Ora, é razoável entender que não cabem horas extras quando o seu controle é difícil – como no caso do viajante que vai de cidade em cidade. Já este artigo não tem razão lógica. Por isso, a nosso ver, viola a Constituição220. Mas a jurisprudência não pensa assim.

Note-se que a lei fala em “limite máximo de dez minutos diários” – considerando a entrada e a saída. Se os minutos extras superarem o limite (seja na entrada ou na saída), conta-se todo o tempo, e não apenas o excedente dos cinco (Súmula n. 366/TST).

Às vezes, o empregado ganha um lanche, depois de “bater o ponto” de entrada – para que, melhor alimentado, produza mais e melhor. Às vezes, também gasta tempo trocando o uniforme ou com a sua higiene. Em geral vinha-se entendendo que esses minutos são tempo à disposição do empregador; mas já não existe hoje, como existia antes, orientação jurisprudencial (OJ) nesse sentido. 221

219 Súmula n. 118/TST: “Os intervalos concedidos pelo empregador, na jornada de trabalho, não previstos em lei, representam tempo à disposição da empresa, remunerados como serviço extraordinário, se acrescidos ao final da jornada”.220 Especialmente se o empregado trabalha, efetivamente, naqueles minutos, pois haveria trabalho sem salário.221 A O.J. n. 326 da SDI-1 do TST era expressa, dispondo que esses minutos seriam pagos como extra, desde que excedessem de dez diários. Recentemente, a OJ foi convertida na Súmula n. 366, que, no entanto, repete-a apenas no que diz respeito à segunda parte (contagem dos minutos), esquecendo-se de mencionar a

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4.14. Sobreaviso e uso de BIP

O art. 4º da CLT considera de “serviço efetivo” o tempo em que o empregado está “à disposição do empregador, executando ou aguardando ordens”, salvo disposição especial expressamente consignada.

Ora, há casos em que o empregado não está inteiramente à disposição do empregador, nem goza de liberdade completa. Fica em casa, vale dizer, em seu próprio ambiente, mas pode ser chamado a qualquer momento, ingressando então no ambiente da empresa.

Essa hipótese só foi prevista em relação aos ferroviários (art. 244, § 2º, da CLT) e aeronautas (arts. 23 e 25 da Lei n. 7.183). É o chamado “regime de sobreaviso”, pago à razão de 1/3 do salário normal. Por analogia, tem-se aplicado a mesma solução aos eletricitários (Súmula n. 229/TST) e a outros trabalhadores em igual situação.

Nesses casos, o mais comum é o empregado trabalhar nas horas normais, ficando de sobreaviso nas restantes. Estas últimas é que são pagas na base de 1/3, sem o adicional. Em qualquer hipótese, porém, ele deverá receber, no mínimo... o salário-mínimo. Até recentemente, muitos estendiam o regime de sobreaviso aos que não ficam exatamente em casa, mas no raio de ação do BIP. Mas a jurisprudência tomou outra direção222 .

4.15. Duplo emprego, empregador único e promiscuidade

Se um empregado tem duplo emprego, isola-se a jornada praticada em cada um. Desse modo, se trabalha oito horas num lugar e quatro no outro, não se somam os dois tempos, para efeito de horas extras – embora, para o organismo humano, a fadiga seja a mesma.

De todo modo, pode acontecer o que SERSON chama de “emprego desdobrado”223. Seria o caso do empregado que trabalha de dia como engenheiro e noite, na mesma empresa, como professor de Inglês. O que acontece nessa hipótese?

Para o mesmo autor, trabalho acrescido “não é continuação da atividade normal”. Assim, à noite ele receberá a hora-aula e não o salário de engenheiro; e não terá direito a horas extras. Mas preferimos entender, com CATHARINO, que a regra mais benéfica absorve a outra. Assim, ele receberia à noite o salário de engenheiro (se maior que o de professor). E, pela mesma razão, como hora-extra. O contrato seria do tipo “promíscuo”.224

Outra situação interessante é a do empregado que trabalha em duas ou mais empresas, integrantes de um mesmo grupo econômico. Para o TST, as jornadas também se somam para efeito de hora extra, salvo se houver ajuste em sentido contrário.225

primeira (que se referia expressamente à troca de uniforme, lanche e higiene pessoal). Essa omissão pode vir a enfraquecer aquele entendimento. 222 Orientação Jurisprudencial n. 49 da SDI-1do TST.223 “Curso de Rotinas Trabalhistas”, Ed. Rev. dos Tribunais, 1987, S. Paulo, pág. 34.224 CATHARINO, J. Martins. “Compêndio de Direito do Trabalho”, Saraiva, S. Paulo, 1982, p. 279. O autor não se refere especificamente à hora extra, mas todo o seu raciocínio leva àquela conclusão.225 Diz a Súmula n. 129/TST: “A prestação de serviços a mais de uma empresa do mesmo grupo econômico, durante a mesma jornada de trabalho, não caracteriza a coexistência de mais de um contrato de trabalho,

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4.16. Horas extras e aviso prévio

Quando o empregado não trabalha no prazo do aviso, recebe “os salários correspondentes” (art. 487, § 1º da CLT), incluída a média das horas extras habituais (idem, § 5o.). É o “aviso-prévio indenizado”. Quando ele trabalha, de duas uma: ou tem a jornada reduzida em duas horas, ou folga sete dias corridos, à sua escolha (art. 488 e parágrafo único).

Mas e se a empresa não reduz a sua jornada? Muitos entendiam que o tempo não reduzido deveria ser pago como extra. Depois, em geral, passou-se a entender assim:

“Se o aviso prévio concedido pelo empregador é cumprido sem a redução diária da jornada de trabalho prevista em lei, compromete-se a finalidade do instituto, tornando-se de nenhuma eficácia, o ato, justificando-se seja repetido ou indenizado”(Ac. TST, 1ª T., RR 656/85.2, Rel. Min. Vieira de Melo, DJ 6.12.85).

É o que também diz, com outras palavras, a Súmula n. 230/TST:

“É ilegal substituir o período que se reduz da jornada de trabalho, no aviso prévio, pelo pagamento das horas correspondentes”

4.17. Hora extra da mulher

Como a Constituição igualou em direitos o homem e a mulher, o legislador revogou várias normas da CLT que a tratavam de forma diferenciada: o art. 374, que só admitia prorrogação normal da jornada mediante compensação; o art. 375, que exigia atestado médico autorizando a hora extra; e o art. 378, que previa anotações especiais na CTPS.

Naturalmente, continua possível a compensação. O vazio deixado pelo art. 374 é preenchido não só pelo art. 7º, XIII, da CF, mas pela regra do § 2º do art. 59 da CLT. Como dizíamos, a nosso ver está vigente – e até mais amplo - o art. 384, que assegura à mulher um descanso de 15m antes da sobrejornada.

4.18. Hora extra do menor

O menor só pode fazer hora extra se houver compensação de horários, ou em caso de força maior (art. 413, I e II da CLT), limitada a jornada neste caso em 12 horas diárias. Pergunta-se: também no caso dele, a compensação pode ser anual? A nosso ver, a resposta é não. A lei que alterou a redação da norma geral (art. 59 da CLT) não se referiu à regra especial (art. 413), que continua de pé. Por outro lado, aqui não pode haver dúvida quanto à presença do sindicato para haver compensação, já que a lei se refere a “convenção ou acordo coletivo”, e a palavra “convenção” é usada tradicionalmente para se referir ao ajuste entre sindicatos.

salvo ajuste em contrário”.

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A CLT diz ainda que, “quando o menor de dezoito anos for empregado em mais de um estabelecimento, as horas de trabalho em cada um serão totalizadas”(art. 414). O que significará isso?

Para nós, a palavra “estabelecimento” está sendo usada como sinônimo de “empresa”: de outro modo, a norma seria supérflua. A hipótese trata, portanto, de menor com mais de um emprego. Ao contrário do que ocorre com o adulto, as jornadas se somam. Pergunta-se: também para efeito de horas extras?

É difícil defender essa tese, pois estaríamos penalizando um empregador que talvez nem saiba da existência do outro. Pela mesma razão, não seria razoável multá-lo. Talvez o melhor seja concluir que um dos contratos pode ser resolvido pelo responsável do menor, ou até mesmo de ofício, pelo juiz.

4.19. Prova da hora extra

De acordo com o art. 818 da CLT, “a prova das alegações incumbe à parte que as fizer”. Na lição de TEIXEIRA FILHO226, a regra é bastante por si mesma, afastando a aplicação subsidiária do CPC. Em conseqüência, se o empregador contesta a hora extra, atrai para si o onus probandi, “visto que expendeu uma alegação relevante e substitutiva da anterior”.

Doutrina e jurisprudência dominantes entendem, porém, que a regra do CPC incide no Processo do Trabalho, o que não impede que haja várias hipóteses em que a prova do fato constitutivo passa ao réu. É o que se dá, em princípio, quando a lei onerar o empregador com a preconstituição da prova, como na hipótese de controle de ponto. Nesse sentido, o TST:

“É ônus do empregador que conta com mais de 10 (dez) empregados o registro da jornada de trabalho na forma do art. 74 § 2o. da CLT. A não-apresentação injustificada dos controles de frequência gera presunção relativa de veracidade da jornada de trabalho, a qual pode ser elidida por prova em contrário” (Súmula n. 338,I).

Em sua versão primitiva, essa súmula só invertia o ônus da prova quando o juiz ordenasse a juntada do “ponto” e a parte não o atendesse. Com a nova redação, já não é preciso isso.

Por outro lado, os tribunais têm desprezado o “ponto” meramente formal. É o que ocorre se o empregado apenas repete no livro os horários “oficiais” de trabalho, constantes do contrato escrito, e com rigidez absoluta – como se ele nunca se adiantasse ou atrasasse um minuto sequer. Também nessa hipótese, inverte-se o ônus da prova (Súmula n. 338, III)

Em 2009, o Ministério do Trabalho e Emprego editou a Portaria no. 1510, que diz como deve ser feito o controle eletrônico de freqüência, para as empresas que optam por adotá-lo. Basicamente, a razão de ser da portaria foram as fraudes. A eletrônica, no caso, vinha servindo mais para sonegar direitos dos trabalhadores do que para facilitar o controle. Algumas empresas de informática chegaram a anunciar softwares que mascaravam de formas variadas as horas efetivas de entrada e saída dos empregados. Vários desses programas permitiam o acesso aos registros originais; havia os que só assinalavam

226 “A Prova do Processo do Trabalho”, Ed. LTr, 1983, S. Paulo, págs. 83/84.

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horários predeterminados, bloqueando a marcação em outros; alguns marcavam o ponto sem a participação do empregado; um deles dispunha até de um controle para “situações de pânico”, provocadas pela eventual chegada de um fiscal, quando bastava acionar uma tecla para que as horas extras desaparecessem.

A portaria prevê uma série de mecanismos preventivos, como, por exemplo, a garantia de que as marcações originais do ponto sejam preservadas num “arquivo-fonte”, imune a qualquer tipo de alteração. Em matéria de sanções, comina multas e prevê a responsabilidade solidária de todos os que participam do sistema, do fabricante do aparelho ao produtor do programa. Naturalmente, o empregador é também responsabilizado. Note-se que práticas como essas podem constituir crime (como de falsidade material e/ou ideológica, ou ainda contra a organização do trabalho).

Mas vejamos ainda outras questões ligadas à prova.

É comum o empregador simplesmente negar o trabalho extra, sem declinar o horário que, a seu ver, seria o real. Nesse caso, pode-se concluir que não houve defesa, já que esta deve ser específica227. Também comum é o preposto ignorar o fato, contrariando a exigência do art. 843, § 1º, da CLT. Nessa hipótese, tanto a doutrina228 como a jurisprudência229 tendem a concluir pela confissão.

Pode acontecer que o reclamante alegue que fez horas extras durante vários anos, mas só consiga testemunhas que tenham convivido com ele uma parte do tempo. Ainda assim, pode ganhar a causa por inteiro. É que, de acordo com a jurisprudência dominante,

“A decisão que defere horas extras com base em prova oral ou documental não ficará limitada ao tempo por ela abrangido, desde que o julgador fique convencido de que o procedimento questionado superou aquele período”.230

4.20. Horas extras e prescrição

Como sabemos, o prazo de prescrição é de cinco anos – sujeito a um limite de dois, caso o contrato se rompa. Na prática, para saber quantas horas extras não estão prescritas, basta subtrair 5 anos da data do ajuizamento da ação .

Supondo-se que as violações do direito se repitam, pergunta-se: o prazo se conta do fato inicial, causa primeira de todas as violações, ou a partir de cada uma delas, considerada em si mesma? Ou seja: a prescrição é total ou parcial? Diz a Súmula no. 294/TST:

“Tratando-se de demanda que envolva pedido de prestações sucessivas decorrente de alteração do pactuado, a prescrição é total, exceto quando o direito à parcela esteja também assegurado por preceito de lei.”

227 Nesse sentido, v. Calmon de Passos, J. J. “Comentários ao CPC”, Ed. Forense, 1979, Rio, pág. 376.228 Gonçalves, Emílio, “O Preposto do Empregador no Processo do Trabalho”, Ed. LTr, 1985, S. Paulo, pág. 19.229 TRT 3ª Reg., 1ª T. RO 7.628/89, Rel. Juiz Aroldo Plínio Gonçalves, DJMG 23.11.90.230 O.J. n. 233, da SDI-1 do TST.

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Note-se que, quando a empresa não paga horas extras, viola diretamente um preceito de lei; ao passo que, quando as suprime, fere uma cláusula do contrato, que previa (de forma expressa ou tácita) a prestação de serviços além da jornada normal (caso se entenda, repita-se ainda uma vez, que horas extras habituais são constitucionais).

Desse modo: (a) suprimido o trabalho extra (ou seja, a própria causa do salário), a prescrição para se obter a indenização da Súmula 291/TST é total; (b) sonegado o pagamento da hora extra (ou seja, o efeito do trabalho), a prescrição é parcial. Também nesse sentido, a Súmula n. 199, II, ao se referir ao bancário:

“Em se tratando de horas extras pré-contratadas, opera-se a prescrição total se a ação não for ajuizada no prazo de cinco anos, a partir da data em que foram suprimidas”.

Pode acontecer que o empregado não tenha recebido reflexos das horas extras. Por exemplo: o empregador calcula suas férias levando em conta apenas o salário-base. Nesse caso, entende o TST que a prescrição também é total231, pois “inexiste previsão” para que as horas extras produzam aquele efeito. Mas a explicação é no mínimo curiosa, pois se uma súmula diz que as horas extras geram reflexos – como faz a de no. 151 - deve-se presumir (em termos legais) que extraiu essa conclusão de alguma norma, ainda que não escrita. Do contrário, a súmula estaria legislando, o que acontece na prática, mas não legalmente falando.

5. Adicional noturno5.1. Generalidades

Ao contrário do curiango, que pia sua tristeza na escuridão dos sertões, o Homem sempre foi um animal diurno. Há alguns milhares de anos, as cavernas nos defendiam não só das feras, nem apenas do frio, mas sobretudo da noite – com todos os seus incontáveis fantasmas. Naqueles tempos difíceis, só o fogo afastava as trevas, e, por isso, quem o achava aceso, ou o sabia acender, tinha nas mãos o Poder.

Mesmo entre os antigos gregos, a escuridão causava medos. Como observa PRUNES232, viviam eles às voltas com uma deusa chamada Noite, que era filha do Caos e mãe da Morte, da Fome, do Destino e de outros entes não menos terríveis... Na Idade Média, também se temia a noite. Os leitos pequenos que hoje vemos nos museus não se explicam apenas pela estatura mais baixa das pessoas, mas porque elas dormiam recostadas, para que a morte não as pegasse desprevenidas.233

Com o tempo, o Homem aperfeiçoou os modos de levar o dia para dentro da noite. E o lugar dos fantasmas, pouco a pouco, foi sendo ocupado pelos boêmios... e pelos operários. No entanto, ainda hoje, tal como convém a uma deusa má, a noite se volta contra os que a desafiam. Basta notar que o trabalhador noturno maltrata bem mais o seu corpo; tem menos contato com a família; e, como nenhum outro, expõe-se ao stress do silêncio e da solidão.Seus olhos, feitos para o Sol, enfrentam ora a luz esmaecida dos postes, ora o neon

231 O.J. n. 242 da SDI: Prescrição total. Horas extras. Adicional. Incorporação. Embora haja previsão legal para o direito à hora extra, inexiste previsão para a incorporação ao salário do respectivo adicional, razão pela qual deve incidir a prescrição total.232 “Salário sem Trabalho”, Ed. LTr, 1976, São Paulo, pág. 153.233 DELUMEAU, Jean. La peur em Occident. Fayard, Paris, 1978, passim.

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agressivo dos shoppings. Até a locomoção fica mais difícil234, e tanto na fábrica como fora dela diminuem os níveis de segurança.

Mas ainda não é só. Como nos explica OLIVEIRA235, o corpo e a mente obedecem a vários ritmos, que regulam as variações cíclicas de temperatura, produção hormonal, secreção de sucos gástricos, volume urinário etc. Há também um ritmo para a alternância sono-vigília. E todos eles se mantêm sincronizados entre si e com o meio-ambiente. Quando trocamos o dia pela noite, não só os outros ritmos biológicos se perturbam, como perdemos a sincronia com a vida exterior. À noite, a solidão e o silêncio nos convidam a dormir; de dia, recebemos estímulos – ruídos, luzes, calor – que nos pedem para ficar acordados. Assim, tanto na empresa, como em casa, o trabalhador noturno se violenta – e com frequência nunca se adapta, ao menos inteiramente. É por tudo isso que o legislador protege, de forma especial, o trabalho noturno236.

5.2. Conceito de noite

Nos dicionários, noite é “o espaço de tempo entre o crepúsculo da tarde e o alvorecer da manha”237. Como esse “espaço de tempo” varia de acordo com o mês e a latitude, a lei fixou a sua própria “noite”, em termos imutáveis: das 22 às 5h nas cidades, das 21 às 5h na lavoura e entre 20 e 4h na pecuária238.

Nas cidades, essa “noite” legal tem outra peculiaridade: sua “hora” é de apenas 52 minutos e 30 segundos. Assim, enquanto o ponteiro menor de nosso relógio gira sete vezes entre 22 e 5h, no relógio do legislador dá oito voltas.239 Por isso, o empregado urbano ganha oito horas, trabalhando sete; se trabalhar oito, tem direito a uma hora extra. Já no campo, a “hora legal” coincide com a real240. Aqui ou ali, tem havido algumas decisões judiciais admitindo a redução da hora noturna, via convenção coletiva, em troca de outras vantagens.

5.3. Valor do adicional

A proteção ao empregado urbano é dupla. Além de trabalhar menos à noite, ganha a mais o adicional. O acréscimo é de 20% (art. 73 da CLT).

Já a proteção ao rurícola é simples. Trabalha as oito horas, recebendo o adicional. Em compensação, seu valor é de 25% (art. 7º, parágrafo único, da Lei n. 5.889).

5.4. Pessoas excluídas

234 PRUNES, J. L. Ferreira. Ob. cit., pág. 155.235 Op,. cit., págs. 163-168.236 Na lição de CATHARINO, quatro fatores principais justificam a proteção do trabalho noturno: “a ausência de luz natural; sua prestação em horas normalmente destinadas a descanso e a repouso, pelo sono; a diminuição de ruídos durante a noite; a queda da temperatura e suas conseqüências” ( ”Compêndio de Direito do Trabalho”, vol. 2, Ed. Saraiva, 1982, São Paulo, pág. 129).237 Caldas Aulete, “Dicionário Contemporâneo da Língua Portuguesa”, vol. IV, Ed. Delta S/A, 1958, Rio de Janeiro, pág. 3.485.238 Art. 73, § 2º, da CLT e art. 7º da Lei n. 5.889. Como nota CATHARINO, o legislador “adiou” o crepúsculo, considerando não tanto o começo da noite, mas o início da hora de dormir (“Compêndio...” cit., pág. 129).239 O TST definiu posição a favor da recepção dessa norma pela CF/88 (O.J. n. 126)240 O mesmo acontece com os empregados em atividades petroquímicas (Súmula n. 112/TST).

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Quem não tem direito à hora extra (art. 62 da CLT) também não recebe adicional noturno. As razões são as mesmas. É verdade que o art. 73 da CLT exclui também os que trabalham em revezamento semanal ou quinzenal. Mas como a Constituição garante (e já garantia) salário noturno superior ao diurno241, o STF concluiu:

É devido o adicional de serviço noturno ainda que sujeito o empregado ao regime de revezamento” (Súmula 213).

5.5. Horário misto

Pode acontecer que o empregado trabalhe horas à noite e horas de dia. É o chamado “horário misto”. Nesse caso, aplicam-se as regras do trabalho noturno ao espaço de tempo correspondente (art. 73, § 4º, da CLT).

Só não será assim se ele tiver cumprido integralmente a sua jornada normal durante a noite. Nesse caso, cabe o adicional sobre as horas prorrogadas242. É como se a noite se transportasse para o dia243. E essa regra também vale para quem cumprir jornada de 12x36 horas.244

5.6. Cálculo e prova

Diz o art. 73, § 3º, da CLT:“O acréscimo, a que se refere o presente artigo, em se tratando de empresas que não mantêm, pela natureza de suas atividades, trabalho noturno habitual, será feito tendo em vista os quantitativos pagos por trabalhos diurnos de natureza semelhante. Em relação às empresas cujo trabalho decorra da natureza de suas atividades, o aumento será calculado sobre o salário mínimo, não sendo devido quando exceder desse limite, já acrescido da porcentagem”.

No entanto, também com base na Constituição, entendeu o STF que:“Provada a identidade entre o trabalho diurno e o noturno, é devido o adicional, quanto a este, sem a limitação do art. 73, § 3º da CLT, independentemente da natureza da atividade do empregador” (Súmula n. 313).

Exemplificando-se: se A trabalha à noite, e B de dia, em função semelhante, A tem direito ao salário de B, acrescido do adicional, ainda que receba 20% a mais que o mínimo. Mas pergunta-se: e se não houver um B para comparação? Ainda assim, é devido o adicional. E a sua base de cálculo não é o salário-mínimo, mas o salário global do empregado. É o que se vê, por ex., da OJ no. 258 da SDI-I do TST:

“O adicional de periculosidade deve compor a base de cálculo do adicional noturno, já que também neste horário o trabalhador permanece sob as condições de risco”

241 Na CF atual, a norma está contida no art. 7º., IX.242 Orientação Jurisprudencial n. 6 da SDI. V. também o art. 73 §3º CLT.243 Trata-se de ficção que faz lembrar um pouco a do próprio legislador, quando manda pagar, como extra, o tempo correspondente ao intervalo não concedido pela empresa (art. 71, § 1º da CLT – vide capítulo: “Jornada de trabalho e adicional de Horas Extras”.244 OJ 338, da SDI-1: “O empregado submetido à jornada de 12 horas de trabalho por 36 de descanso, que compreenda a totalidade do período noturno, tem direito ao adicional noturno, relativo às horas trabalhadas após as 5 horas da manhã”

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Como se vê, o adicional noturno obedece à mesma dinâmica das horas extras. Só o percentual é que difere. Para calculá-lo, basta fazê-lo incidir sobre o salário-base ajustado245. Para saber se foi pago, é só verificar o recibo246.

Nesse sentido, também, a lição de CATHARINO:

“Reconhecido o direito do empregado ao adicional, a percentagem deverá incidir sobre o salário realmente percebido e não sobre o mínimo legal”247.

Assim, o melhor é fechar os olhos a todo o § 3º do art. 73 – sem indagar a natureza da atividade empresarial, ou quanto ganha um trabalhador diurno. Essa última questão só terá importância se houver pedido de equiparação salarial, ou se não se souber qual foi o salário ajustado. Mas para essas hipóteses nós temos os art. 461 e 460 da CLT.

5.7. Dupla incidência

Quando o empregado faz hora extra à noite, os dois adicionais são devidos. Mas como calculá-los?

MAGANO entende que “quando o adicional noturno se paga concomitantemente com o de horas extraordinárias, cada um deles incide sobre o salário-base”248.

Outro, porém, é o pensamento da doutrina249 e da jurisprudência250 dominantes. Assim, se o empregado excede a jornada noturna, a hora extra incide sobre o salário já majorado pelo adicional noturno.

Se o empregado tiver horário misto, só nas horas pagas com adicional noturno é que esse adicional integra o cálculo das horas extras. Ou seja: só durante a noite, ou – mesmo de dia – se ele tiver completado integralmente sua jornada noturna.

5.8. Alteração de turnos

A transferência do turno da noite para o diurno, mesmo com perda do adicional, tem sido tolerada pela jurisprudência, por trazer benefícios à saúde e à vida social e familiar do trabalhador.251 Se a mudança é inversa, porém, tanto o empregado pode resistir à alteração como romper o vínculo, por justa causa patronal (art. 483, d, da CLT). Mas também pode aceitá-la, se não houver prejuízo – caso em que a alteração que era unilateral na origem se tornará bilateral.

5.9. Habitualidade

245 Se o empregado receber mais de um adicional, a base de cálculo será outra, como exposto adiante.246 V. a Súmula n. 91/TST, que proíbe o salário complessivo.247 “Tratado ...”, cit., pág. 276.248 “Manual de Direito do Trabalho”, vol. II, Ed. LTr, 1981, São Paulo, pág. 212.249 Como é o caso de Süssekind, A. (“Instituições de Direito do Trabalho”, vol. II, Ed. LTr, 1991, São Paulo, pág. 739).250 Súmula n. 264 e O.Js. ns. 97 e 258 do TST.251 Sumula n. 265: “A transferência para o período diurno de trabalho implica na perda do direito ao adicional noturno.”

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Vimos que a mudança do turno da noite para o dia implica a perda do adicional. Enquanto isso não acontece, porém, o adicional noturno habitual é levado em conta nos cálculos.

Desse modo, se um empregado, por ex., trabalha sempre três noites por semana, ganhando R$40,00 de adicional por noite, ao fim da semana terá um acréscimo de R$20,00 em seu domingo (40 x 3 : 6) e de R$ 11,20 no FGTS (8% de 40 x 3 mais 8% de 20); mas, se, ao longo de meses, apenas em uma semana tiver trabalhado aquelas três noites, nada receberá a mais do domingo, e o FGTS será de R$9,60 (8% de 40 x 3).

No entanto, o empregado que é mudado de turno, e com isso perde o adicional, não ganha em troca qualquer indenização, ao contrário daquele que fica sem horas extras252.

5.10. Trabalho noturno da mulher

O art. 379 da CLT proibia à mulher o trabalho noturno, exceto em alguns tipos de empresas, ou em casos de força maior ou necessidade imperiosa. Mas a Lei n. 7.855/89 revogou aquele artigo, ajustando a CLT à nova Constituição. Assim, hoje, não há qualquer diferença entre o trabalho noturno feminino e o masculino.

5.11. Trabalho noturno do menor

Tanto na cidade como no campo, o menor não pode trabalhar à noite (art. 7º, inc. XXXIII, da CF; art. 404 da CLT e art. 8º da Lei n. 5.889). E o legislador não abre exceções.

6.Adicional de transferência6.1. Aspectos gerais

O lugar do trabalho é um dado importante em nossas vidas. Muitas vezes, em função dele é que fixamos a nossa residência, escolhemos a escola dos filhos, criamos laços sociais. Por isso, é cláusula do contrato, ainda que não expressa – salvo no caso de trabalhadores cuja função, por sua natureza, exige deslocamentos.

Ora, em princípio, o empregador não pode tocar em cláusulas do contrato. Embora baseado – pelo menos em teoria - num acordo de vontades, o poder diretivo se exercita, paradoxalmente, onde as partes nada disseram, nos espaços em branco entre as cláusulas253. São esses vazios que o empregador preenche, especificando a cada dia os detalhes da prestação do empregado: “pegue o alicate”, “abra a gaveta”, “redija este relatório”...

No entanto, por exceção, pode o empregador tocar em cláusulas contratuais, seja por autorização expressa da lei, seja por construção da doutrina e da jurisprudência. Trata-se do ius variandi extraordinário, por oposição ao ordinário - que outra coisa não é senão o

252 V. Súmula n. 291/TST.253 A propósito, cf. Bernardes, Hugo Gueiros. Introdução, in Bernardes, Hugo Gueiros et alii. O contrato de trabalho e sua alteração, LTr, S. Paulo, 1975, págs. 11 e segs.; e o nosso Direito de Resistência, LTr, S Paulo, 1996, págs. 190 e segs.

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poder diretivo em movimento. São alterações que se justificam em razão de fatos excepcionais, e que, por isso mesmo, em regra duram pouco tempo254.

Pois bem. O lugar do trabalho se insere nesse campo. Em certos casos, pode o empregador alterá-lo, por sua exclusiva vontade, provisoriamente. E como isso causa um gravame para o empregado, este recebe, em contrapartida, um adicional – o adicional de transferência – no percentual de 25% sobre o salário.

Para a lei, só é transferência a que implica “mudança de domicílio” (art. 469 da CLT) – ou mais exatamente de residência255 Assim, desde logo, deve-se excluir a hipótese das chamadas “missões” – quando o empregado, por exemplo, viaja alguns dias para outra cidade, para reuniões ou cursos.

6.2. Formas de transferência

A transferência pode ter sido ajustada pelas partes pouco antes de sua efetivação, no curso do contrato - seja por interesse e iniciativa do empregado, com a aceitação subseqüente do empregador, seja por uma coincidência de interesses. Assim, por ex., um empregado que sempre trabalhou em São Paulo pede ao empregador que o transfira para o Rio. Em princípio, o Direito só se ocupa dessa hipótese para reconhecer a existência de uma alteração do contrato. Apenas na improvável hipótese de haver prejuízo para o empregado é que se poderá questionar a sua validade, com base na regra genérica do art. 486 da CLT.

Mas a transferência pode também, ao contrário, derivar da vontade exclusiva do empregador. Assim, por ex., um empregado que sempre trabalhou em São Paulo e recebe a notícia de que terá de se mudar para o Rio. É dessa matéria que trata o art. 469 da CLT, que agora estamos analisando. Nesse caso, precisamos saber: a) se a transferência é definitiva ou provisória; b) se teve ou não fundamento numa cláusula contratual, seja esta explícita ou implícita.

Vejamos primeiro a transferência definitiva. Se o contrato tiver uma cláusula que a autorize, pode o empregador acioná-la a qualquer tempo. O mesmo acontece quando ela estiver implícita no contrato, ou seja, quando a própria função do empregado, por natureza, implicar a possibilidade de transferência – hipótese na qual podemos incluir os empregados de confiança, embora a lei os trate à parte. Outra hipótese possível de transferência definitiva se dá quando o estabelecimento se extingue.

Analisemos agora a transferência provisória. Para que ela aconteça, não é preciso que o empregado a aceite – seja na celebração do contrato, seja no momento em que ela se dá. Trata-se de um exemplo do ius variandi extraordinário256. Altera-se uma cláusula do contrato – a do lugar da prestação de serviços – embora por pouco tempo.

254 Algumas são definitivas, como quando é extinta a função do empregado e este é deslocado para função afim. Do mesmo modo, a mudança do trabalho noturno para o diurno, já analisada.255 Residência, e não domicílio (como diz a lei), exatamente porque também engloba a mudança provisória,, sem ânimo definitivo.256 Para saber se a transferência é definitiva ou provisória, em geral o juiz se serve de indícios – como, por exemplo, o fato de o empregado ter matriculado os filhos na escola, ter alugado ou não uma casa etc. Não há prazos fixados pela lei ou pela jurisprudência para que se conclua num ou noutro sentido.

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Em todas as hipóteses de transferências unilaterais – ou seja, decididas só pelo empregador, tenha ou não havido previsão contratual – é preciso haver necessidade de serviço (Súmula 43/TST) 257. Mas tem entendido a jurisprudência que apenas nas provisórias é que cabe o adicional, como se vê da OJ no. 113 da SDI-I do TST258 O percentual é de 25% sobre o que ganha o empregado, a título de salário. Como acontece com os outros adicionais, esse valor vai se somar às outras parcelas, compondo o “complexo salarial” de que nos fala DELGADO.

Seja nas transferências definitivas ou nas provisórias, a empresa paga as despesas (art. 470/CLT). Se o deslocamento do empregado não implica mudança de residência, ele não ganha o adicional, mas recebe as despesas acrescidas de transporte (Súmula 29/TST)

DELGADO259 lembra a existência de empregados intransferíveis, como os portadores de estabilidade definitiva ou provisória, dentre os quais os dirigentes sindicais, os representantes de empregados nas CIPAs260, os acidentados, as gestantes etc. A mesma restrição deve existir para os empregados menores de idade, como ensina o mesmo autor.

7. Adicionais de insalubridade e periculosidade

Esses adicionais se relacionam com um tema muito importante e pouco estudado nas escolas: a saúde do trabalhador. Ambos tentam protegê-la, pressionando economicamente a empresa – pois se ela se equipar de forma a afastar os riscos, fica livre de pagá-los.

No entanto, a prática desmente a teoria. O valor dos adicionais parece pequeno para as empresas e atraente para os que – como a maioria dos empregados – vivem com salários baixos. Assim, embora a CLT priorize outras formas de proteção (arts. 154 e segs.), uns e outros preferem monetizar o risco.

Foi por razões como essas que em 1975 o Brasil bateu a média mundial de acidentes do trabalho. Embora nas décadas seguintes a média tenha decrescido, nos últimos anos voltou a crescer. Segundo os números oficiais, temos hoje cerca de 500 mil acidentes por ano, mas estima-se que 50% dos casos não são registrados.261

Além disso, como nota OLIVEIRA262, essas formas de proteção enxergam apenas o corpo físico do trabalhador, ignorando o conceito de saúde adotado pela OMS - que alcança o completo bem-estar, em todos os sentidos. Não levam em conta os agentes psíquicos, que hoje são cada vez mais presentes na vida do trabalhador.

257 Quando se trata de transferência em razão de fechamento do estabelecimento, esta necessidade está implícita, como nota DELGADO (op. cit., pág. 1045). 258 Esta OJ trata apenas dos empregados de confiança, mas revela o entendimento do TST a respeito do adicional, ao dizer que “o pressuposto legal apto a legitimar a percepção (...) é a transferência provisória”259 Op. cit., págs. 1045-6.260 Comissão Interna de Prevenção de Acidentes, que as empresas têm de formar, por força de lei.261 Muitas empresas pagam a conta do hospital e ocultam os acidentes, tentando evitar indenizações e a estabilidade provisória (Oliveira, Geraldo de. “Indenizações por acidente do trabalho ou doença ocupacional”, LTr, S Paulo, 2006, pág. 30).262 Oliveira, Geraldo de (“A proteção jurídica à saúde do trabalhador”, LTr, S. Paulo, 2001, pág. 174) . Entre nós, foi a obra pioneira desse autor que abriu os olhos da doutrina e jurisprudência para a relevância do problema.

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Além disso, o problema se agrava com o fenômeno da terceirização externa, em que as empresas se organizam em rede. À medida que se avança para as suas malhas mais distantes, piores se tornam as condições de segurança e saúde, mesmo porque a empresa principal costuma descartar para as “parceiras” as máquinas mais gastas e perigosas.

Por tudo isso, melhor seria se ao invés de aumentar o salário se neutralizasse o risco, ou pelo menos se reduzisse o tempo de trabalho. E nessa mesma direção apontam a prática de outros países263 e as Convenções da OIT.264

Os adicionais de insalubridade e de periculosidade têm vários pontos em comum – e algumas diferenças.

Em comum, para começar, há o fato de que pagam um trabalho que coloca em risco a saúde ou a integridade física. O empregado recebe um preço adicional já não só pelo uso, mas pelo abuso de seu corpo – tal como acontece, aliás, com o adicional de horas extras.

Por outro lado, a simples utilização de equipamentos individuais de proteção (EPIs) não impede o pagamento (Súmula 289/TST), a não ser, é claro, se eliminado o risco (Súmula 80/TST). Se o empregado, descumprindo ordens, deixa de utilizar o EPI, comete falta disciplinar; mas nem por isso deixa de receber o adicional, já que se trata de risco da empresa.

Outra característica comum é a de que os dois adicionais só são devidos em situações normatizadas especificamente, pelo menos segundo o entendimento dominante. Assim, pouco importa se o empregado corre um sério risco de morte ou de doença em razão do trabalho, se a sua atividade não estiver descrita como perigosa ou insalubre.

Além disso, no caso de ação judicial, é necessária perícia, a não ser que a sua realização se mostre inviável (OJ n. 278/TST) ou a empresa venha pagando o adicional espontaneamente, ainda que a menor (OJ n. 406/TST)265 Segundo o TST (OJ no. 165 da SDI-I), a perícia pode ser realizada tanto por médico do trabalho como por engenheiro de segurança, indistintamente, embora não seja esta a melhor solução.266

Ambos os adicionais, quando habituais, incidem nos cálculos trabalhistas (Súmulas n. 132 e 139/TST), como por exemplo nas férias e no 13o salário. Se o empregado continua a trabalhar, mesmo depois de ingressar em juízo (hipótese quase inexistente, na prática, a não ser no setor público), o empregador pode ser condenado a inserir a verba na folha de pagamento (OJ n. 172 da SDI-I do TST).

Segundo o § 2o do art. 193 da CLT, os dois adicionais não se somam: ou é um, ou é outro. Mas a CF prevê um e outro, sem restringir as hipóteses de aplicação. Assim, pode-se concluir que o artigo é inconstitucional, embora não seja este o entendimento dominante.

263 Na Argentina, por ex., segundo o autor, a jornada nessas atividades é de 36 horas semanais.264 Entre as que tratam da matéria estão as de nos. 148, 155 e 161.265 Esta OJ se refere só ao adicional de periculosidade, mas deve ser aplicada também no caso de insalubridade. 266 O mais lógico, evidentemente, seria que o médico examinasse as hipóteses de insalubridade e o engenheiro as de periculosidade.

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Note-se que a Constituição fala em adicionais de “remuneração” 267. . E essa palavra abre as portas para uma nova idéia, segundo a qual ambos os adicionais incidiriam sobre toda a contraprestação paga ao empregado268. Mas o TST, como veremos, não tem adotado essa interpretação.269

Vejamos agora as diferenças, analisando primeiro o adicional de insalubridade.

São de três espécies os agentes insalubres: físicos (como ruído, calor etc), químicos (gases, poeiras etc) e biológicos (vírus, bactérias etc). De acordo com a Portaria MTE n. 3 214, se o empregado tem contato com vários agentes nocivos, nada recebe a mais, embora um possa potencializar o outro270. Naturalmente, isso desestimula ainda mais a empresa a reduzir os riscos271. Acontece que a Convenção no.155 da OIT, ratificada pelo Brasil, aponta em sentido contrário (art. 1, b). Assim, não se deveria aplicar a Portaria.272

Para ser devido o adicional de insalubridade, entende-se que a atividade deve ser antes enquadrada pelo MTE (OJ no. 4, I). Por isso, o TST o indefere, por exemplo, nas atividades a céu aberto, que expõem o trabalhador aos raios solares (OJ no. 173 da SDI-1). assim como na coleta de lixo em residências e escritórios (OJ no. 4,II)273.

É a Portaria no. 3214, já citada, que classifica as várias atividades segundo o grau de insalubridade e fixa limites de tolerância. Assim, por exemplo, o ruído: não pode ultrapassar 85 decibeis, se a jornada for de 8 horas, ou 115 decibeis, por 7 minutos. Caso o MTE reclassifique ou descaracterize a insalubridade, o TST não reconhece a existência de direito adquirido (Súmula 289)

Mesmo o trabalho intermitente em contato com agente nocivo dá direito ao adicional (Súmula 47/TST). E ainda que o autor aponte uma causa de pedir diversa da realmente existente, apontando um outro agente nocivo que não o real, o adicional é devido (Súmula 293/TST)

A CLT diz ainda que o adicional de insalubridade deve ser pago à base de 10, 20 ou 40% sobre “o salário-mínimo”. Era o que repetia a Súmula n. 228 do TST, completada pela de n. 17 (que ressalvava a hipótese de salário profissional).

No entanto, ao interpretar o art. 7º., inc. IV, da Constituição, o STF editou há poucos anos a Súmula Vinculante n. 4. que diz:

267 Essa observação, pelo que nos lembramos, foi feita em caráter pioneiro por Sebastião Geraldo de Oliveira, logo após a edição da Constituição.268 Até onde sabemos, quem primeiro analisou essa possibilidade foi Sebastião Geraldo de Oliveira, na obra já citada.269 A OJ no. 2, da SDI II do TST, permite ação rescisória contra sentença que calcula o adicional de insalubridade sobre a remuneração do empregado 270 Como nota Sebastião Geraldo de Oliveira, se o empregado, por ex., trabalha em ambiente quente e com poeira, o calor faz com que a aspire mais.271 Oliveira, Sebastião Geraldo de. Op. Cit., passim.272 Idem. 273 A explicação dada é a de que a limpeza e a respectiva coleta nesses ambientes “não se encontram dentre as classificadas como lixo urbano” em portaria do MTE.

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Salvo nos casos previstos na Constituição Federal, o salário-mínimo não pode ser usado como indexador da base de cálculo de vantagem de servidor ou de empregado, nem ser substituído por decisão judicial.

Em face disso, o TRT revogou a Súmula n.17 e alterou nos seguintes termos a redação da Súmula n. 228:

Adicional de insalubridade. Base de cálculo. A partir de 9 de maio de 2008, data da publicação da Súmula Vinculante n. 4, do Supremo Tribunal Federal, o adicional de insalubridade será calculado sobre o salário-básico, salvo critério mais vantajoso fixado em instrumento coletivo.

No entanto, em decisão de lavra do Ministro Gilmar Mendes, o mesmo STF suspendeu liminarmente a aplicação da Súmula acima referida, alegando que não há texto de lei que a embase. A conseqüência desse imbroglio é a de que, na prática das empresas, o adicional de insalubridade volta a ser calculado sobre o mínimo, enquanto no STF a matéria continua sub iudice.

Já o adicional de periculosidade é devido nos casos de trabalho em contato com inflamáveis ou explosivos (art. 193 da CLT), energia elétrica (Lei no. 7 369/85) e radiações ionizantes ou substâncias radioativas (Portaria MTE no. 2 292/87). Note-se que – para além do risco de vida – todas essas atividades aumentam o desgaste do trabalhador, pela constante vigilância.274

As duas últimas hipóteses, criadas há menos tempo, despertaram vários debates.

No caso de energia elétrica, uns entendiam que o trabalhador só deveria receber o adicional quando a empresa a produzisse – mas o TST acabou negando esse tipo de restrição (OJ n. 345) Além disso, o Dec no. 93 412/86, que regulamentou a lei, permitia que o adicional fosse pago em proporção ao tempo de exposição ao risco – mas o TST concluiu que ele estava extrapolando os seus limites (Súmula n. 361).

No entanto, o mesmo TST passou a entender que o percentual de 30% pode ser reduzido em proporção ao tempo de risco, através de acordo ou convenção coletiva. Essa interpretação abre espaço para que, no futuro, outras verbas salariais previstas em lei sejam também reduzidas, como o 13o salário; e torna ainda mais ilusória a presunção de que o adicional induz a empresa a prevenir acidentes275.

Quanto ao adicional em razão de radiações, discutia-se se poderia ter sido criado por portaria, tal como sucede nas hipóteses de insalubridade – e finalmente entendeu-se que sim (OJ n. 345 da SDI-I)

Da mesma forma que o adicional de insalubridade, o de periculosidade é devido no trabalho intermitente; mas é indevido no eventual, o mesmo acontecendo, segundo o TST, se o tempo de exposição for extremamente reduzido (Súmula n. 364, I). Mas esta última

274 Idem.275 De todo modo, a situação tem melhorado ultimamente, graças às ações responsabilizando o empregador por danos morais e materiais decorrentes de acidentes de trabalho.

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conclusão é discutível: embora a CLT exija “contato permanente” com explosivos ou inflamáveis (art. 193), essa permanência se refere deveria ser entendida como a exposição rotineira, ainda que por tempo muito curto: afinal, pode-se perder a vida em um minuto...

O percentual do adicional de periculosidade é de 30%, sem variações de graus. Ele incide sobre o salário-base, exceto para os que trabalham em contato com eletricidade, quando a lei exige que se levem em conta todas as verbas salariais (OJ no. 279/TST).

A CF prevê ainda um adicional para atividades penosas (art. 7o, XXIII), mas ainda não regulamentado. Nada impede que o seja por acordo ou convenção coletiva. Como nota RENAULT, é também juridicamente possível pleiteá-lo em ações individuais ou coletivas, tomando como base de referência – por analogia – o adicional de insalubridade ou de periculosidade276. Mas não é esse o entendimento dominante.

No setor público, a figura já é conhecida. Do mesmo modo, no Direito Previdenciário, para aposentadorias especiais – como, por exemplo, no trabalho em subsolo. Costuma-se dizer que a penosidade se distingue da insalubridade e da periculosidade por estar presente no próprio trabalho, e não nas condições em que este é prestado – como nas atividades que exigem esforços repetitivos, excessiva concentração, contato com o público em condições de desgaste psíquico, confinamento ou isolamento e turnos de revezamento277

8. Salário-mínimo

Segundo a OIT, “o trabalho não é mercadoria”. É o que se vê na Declaração de Filadélfia, que integra a sua Constituição. 278 Essa frase, porém, tanto pode traduzir uma interpretação da lei como uma declaração de fé. Em outras palavras, tanto se pode entender que o trabalho não é, realmente, uma mercadoria, como defender a tese de que ele não deve ou não deveria ser tratado assim.

Em geral, o que os livros de doutrina nos ensinam é que o trabalho não é mesmo – ou já não é – uma mercadoria. E a prova seria exatamente a sua regulação pelo Direito.

No entanto, há outras mercadorias cujo tráfico é regulado intensamente pelo Direito, e que nem por isso deixam de ser o que são... Por outro lado, o trabalho envolve aspectos que realmente o distinguem de uma caneta ou um saco de feijão – como, por exemplo, a possibilidade de dar (ou tirar) dignidade ao homem.

A nosso ver, o trabalho – ou mais precisamente a força de trabalho – continua sendo uma mercadoria, embora até certo ponto tabelada; e não há como ser diferente no sistema capitalista. Ainda assim, esse traço é hoje bem menos forte ou visível do que há dois séculos; e, de todo modo, não explica por inteiro a sua natureza.

Sem querer avançar nessa discussão, o fato é que o salário-mínimo é uma peça-chave da política – real ou ilusória - de des-mercantilização do trabalho. Como disse alguém279, ele

276 Em aulas e artigos esparsos. 277 Ibidem. 278 Declaração referente aos fins e objetivos da OIT(anexa à sua Constituição), 279 Infelizmente, não nos recordamos do nome do autor. Talvez CATHARINO.

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desaloja a lei da oferta e da procura. Além disso, pelo menos em certa medida, combate o dumping social e ajuda a realimentar o ciclo produtivo – e com ele o próprio sistema.

Na verdade, o salário-mínimo produz efeitos até na economia informal, que tende a se ajustar aos seus novos patamares. Além disso, pressiona os outros salários para cima – embora também sirva de pretexto para aumentar os preços das outras mercadorias, o que pode acabar relativizando os seus efeitos.

A história do salário-mínimo é antiga. Hammurabi já o previa para certas atividades:

“Se um médico de boi ou de jumento fez uma incisão profunda em um boi ou em um jumento e curou-o: o dono do boi ou do jumento dará ao médico como seus honorários 1/6 (de siclo) de prata”280

Mas o mais comum, ao longo dos tempos, foi o salário máximo – especialmente nas épocas de peste, quando o preço da mão de obra subia. No tempo das corporações de ofício, o salário era ao mesmo tempo mínimo e máximo – seguindo a mesma idéia do “preço justo” que marcava todas as mercadorias. Uma “lei dos pobres” inglesa, ao fim da Idade Média, complementava os salários dos que ganhavam aquém da subsistência.

Na Revolução Industrial, acabou-se a regulação pela lei ou pelos costumes, introduzindo-se a regulação pelo mercado. Muitos movimentos operários se insurgiram também contra isso. A primeira tentativa de um salário-mínimo veio com os tecelões de Lyon, que chegaram a tomar o governo da cidade. Mais tarde, a Rerum Novarum, de Leão XIII, pregou a necessidade de um salário suficiente para “uma vida simples e sem vícios”.

A primeira Convenção da OIT a tratar do assunto foi a de n. 26, de 1928. Entre nós, o salário-mínimo ganhou status de norma constitucional em 1934. Em 1936, criaram-se as primeiras comissões para fixá-lo. Em 1938, o DL n. 399 o definiu como “a remuneração mínima, devida a todo trabalhador adulto, sem distinção de sexo, por dia normal de serviço, capaz de satisfazer, em determinada época ou região do País, às suas necessidades normais de alimentação, habitação, vestuário, higiene e transporte”. Mas o primeiro salário-mínimo só entrou em vigor em 1940.

Nem todos os países adotaram o salário-mínimo, e entre os que o fizeram nem todos escolheram a lei – optando pela convenção coletiva. Com o passar do tempo, a própria idéia do que seria o salário-mínimo foi-se relativizando. Passou-se a distinguir o salário-mínimo vital - que garante a sobrevivência física do trabalhador - do salário-mínimo suficiente, capaz de atender a necessidades menos urgentes. Fala-se até em salário justo, como um ideal a se atingir.281

Visto sob outros ângulos, o salário-mínimo pode ser individual (Argentina, Uruguai) ou familiar (a maioria dos países); progressivo (segundo o tempo de serviço ou outros fatores) ou instantâneo; universal ou excluindo alguns grupos, como domésticos, menores, rurícolas e trabalhadores de microempresas. Pode ser ainda nacional ou por zonas;.

280 Bouzon, E. O Código de Hammurabi, Vozes, Petrópolis, 1976, pág. 92.281 Muitos criticam esta idéia, que não seria “jurídica” – embora as leis usem expressões como “justa causa” e “justa indenização”.

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No Brasil, o salário mínimo deve ser capaz de suprir as necessidades de “moradia, alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte e previdência social” (CF, art. 7º, IV). Logo, pode-se dizer que ele é familiar, instantâneo, nacional e universal. Pelo menos na teoria, é também suficiente (mais do que vital). Além disso, está sujeito a reajustes periódicos. Desde o início do Governo Lula, obteve aumentos reais, acima da inflação, o que reconstituiu em boa parte o poder de compra que perdera nos governos anteriores, especialmente na ditadura.

A CF veda a vinculação do salário mínimo “para qualquer fim”. Mas doutrina e jurisprudência vinham entendendo que a norma se dirigia para fora do Direito do Trabalho, como, por exemplo, na hipótese de vinculação do salário ao preço de mercadorias. Desse modo, seriam constitucionais, por exemplo, as normas que fixam salários profissionais com base em salários mínimos, assim como seria lícito um ajuste nesse sentido através do contrato individual de trabalho. Mas, como nota DELGADO, a Súmula Vinculante n. 4, já citada, pode minar essa interpretação.

Como já vimos, o salário mínimo é também devido aos que recebem remuneração variável (CF, art. 7º, VI). A lei e a convenção coletiva podem fixar pisos salariais diferenciados, atendendo “à extensão e à complexidade do trabalho” (CF, art. 7º, V). Se o contrato é a tempo parcial, tem-se entendido que o salário-mínimo é proporcional às horas trabalhadas, embora haja vozes discordantes282. A mesma coisa acontece no contrato de aprendizagem (art. 428 §2º da CLT), em que o menor, normalmente, trabalha apenas 6 horas (art. 432 da CLT)

Na União Européia, o salário-mínimo vai de um patamar de cerca de 500 euros (Portugal, Grécia) até perto de 1000/1200 euros (França, Itália). Em geral, nesses países, os aluguéis e as outras mercadorias custam mais caro, mas não se paga escola para os filhos, a Previdência funciona bem e os remédios são subsidiados.

Em alguns países, o salário-mínimo é fixado por convenção coletiva. É o que acontece, por exemplo, na Itália. A CF italiana diz que ele deve assegurar um “padrão de vida digno”. A jurisprudência tem entendido que esse padrão é piso fixado pela convenção coletiva aplicável ao trabalhador ou – na falta dela – pela mais próxima.

Em nosso país, o salário-mínimo é fixado por lei. Mas na realidade muitos trabalhadores ganham menos do que um salário-mínimo, especialmente no emprego doméstico. Nas fazendas que exploram o trabalho escravo, quase se pode dizer que a situação se inverte: de certo modo, é o empregado quem assalaria o patrão, pagando-lhe as ferramentas e outros meios que viabilizam o trabalho.

Em 2007, segundo o IBGE, quase um terço dos trabalhadores brasileiros (29,6%) viviam com o salário mínimo; e pouco mais de um terço (35,6%) recebiam entre um e dois. Naquela época, para atender às necessidades previstas na Constituição, o salário mínimo, segundo o DIEESE, teria de alcançar R$ 1 628,96. Mas se a lei parece inconstitucional, o que se pode fazer?

282 Como a do juiz e jurista Jorge Luiz Souto Maior, em artigos e palestras.

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Para Luis Roberto Barroso283, várias possibilidades se abrem. A primeira seria uma ação individual em face do empregador; o juiz singular declararia a inconstitucionalidade, em caráter incidental, e no vazio da norma fixaria o valor devido. Mas essa solução poderia ferir o ideal de isonomia. Outra hipótese seria ingressar em juízo com dissídio coletivo, o que hoje parece complicado, face à EC no. 45284. Uma terceira alternativa seria uma ação de inconstitucionalidade junto ao STF, que não teria efeitos práticos mais concretos. A última – esta sugerida por Bandeira de Mello - seria uma ação indenizatória em face do Estado. Naturalmente, não se sabe até que ponto a introdução de um salário-mínimo em torno de R$2 000,00, sem outras medidas macroeconômicas que a acompanhassem, repercutiria nas pequenas empresas e nas contas públicas do País.

Em 14 de julho de 2000 foi editada a Lei Complementar no. 103, de 14/07/00, que autoriza os Estados e o Distrito Federal a instituir piso salarial diferenciado para os empregados que não o tenham já fixado em lei federal, convenção ou acordo coletivo. À época, surgiram discussões sobre a constitucionalidade da norma, mas o entendimento corrente é o de que ela se baseia não só no art. 7º., inc. V, que prevê “piso salarial proporcional à extensão e à complexidade do trabalho”, como no art. 22 inc. I e § único da CF, verbis:

Compete privativamente à União legislar sobre:

I – direito civil, comercial, penal, processual, eleitoral, agrário, marítimo, aeronáutico, espacial e do trabalho.

§ único. Lei complementar poderá autorizar os Estados a legislar sobre questões especificas das matérias relacionadas neste artigo.

Note-se que não a lei estadual não pode fixar um salário mínimo regional, pois nesse caso se chocaria com a Constituição (que o proíbe). O que ela pode apenas é fixar um piso salarial diferenciado, quando a “extensão” e “a complexidade” do trabalho justificá-lo.

VI – PARCELAS NÃO SALARIAIS: GORJETAS, DIÁRIAS, AJUDAS DE CUSTO E PARTICUPAÇÃO NOS LUCROS

1. Introdução

Do mesmo modo que acontece com o salário, as parcelas não salariais são de várias espécies. Lembra DELGADO285, por exemplo, as derivadas de propriedade intelectual (Lei n. 9 610/98), de propriedade industrial (Lei n. 9 729/96) e de direitos intelectuais pela criação de software (Lei n. 9 609/98). No terreno esportivo, temos o direito de imagem.

283 Barroso, Luís Roberto. “O Direito Constitucional e a efetividade de suas normas”, Renovar, Rio de Janeiro, 1993, pág. 153284 Essa emenda ampliou de um modo geral a competência da Justiça do Trabalho, mas segundo se tem entendido majoritariamente, reduziu o dissídio coletivo às hipóteses em que as duas partes consentem em submeter a controvérsia ao tribunal do trabalho e aos casos de greve que perturbe a coletividade, quando o Ministério Público do Trabalho pode então agir.285 Op. cit., 8ª. edição, p. 651

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Há também, como nota o mesmo autor, parcelas previdenciárias – públicas e privadas - que afetam diretamente o contrato. Entre as primeiras, algumas são pagas pelo Estado, mas através do empregador, como o já citado salário-família. Entre as últimas estão, por exemplo, as complementações de aposentadorias.

Em terreno vizinho estão o PIS-PASEP (CF, art. 239; Leis Complementares nos. 7 e 8, de 1970) e o seguro-desemprego (Lei n. 7998/90, art. 9º.). Mas ambos só entram indiretamente no campo trabalhista, quando – por culpa do empregador – o empregado deixa de receber as importâncias correspondentes286, caso em que passa a ter direito a uma indenização substitutiva287.

2. Gorjetas 2.1. Conceito

A um observador pouco atento, a relação de emprego pode fazer lembrar uma ilha deserta, perdida no mar, onde vivem apenas dois solitários habitantes. De um lado, verá o empregado, prestando trabalho. De outro, o empregador, pagando salário. A um só tempo rivais e cúmplices, ambos se servindo mutuamente, cada qual querendo servir a si próprio.

No entanto, se o mesmo observador – à semelhança de um marujo – ajustar os seus óculos de alcance, notará que aquela ilha também recebe a visita de pássaros de arribação; sofre o influxo noturno das marés; e divide sua paisagem com recifes e barcos de pesca.

Assim é que, na vida da relação de emprego, várias influências se somam e vários personagens se agitam. O próprio Estado é um deles. Sem ser parte, participa; sem ser chamado, intervém; desobrigado, obriga.

Outro personagem, bem mais modesto, pode ser um freguês de um restaurante. Em face do empregado, nada deve. Frente ao empregador, só a conta. Assim mesmo, dá gorjetas. E esse simples fato – aparentemente banal – pode influir em cláusulas decisivas do contrato, como na fixação do salário.

“Considera-se gorjeta” – diz a CLT – “não só a importância espontaneamente dada pelo cliente ao empregado, como também aquela que for cobrada pela empresa ao cliente, como adicional nas contas, a qualquer título, e destinada à distribuição aos empregados”.288

2.2. Origem e etimologia

A origem da gorjeta é remota. Ensina CATHARINO:

“Na Grécia e em Roma, em muitas ocasiões, os escravos graças às gorjetas constituíam seu pecúlio. Esta circunstancia histórica como que marcou a gorjeta para sempre. Ainda

286 No caso do PIS-PASEP, o trabalhador inscrito no programa, e que recebe até dois salários-mínimos tem direito a um salário-mínimo por ano. No caso do seguro-desemprego, o trabalhador recebe pelo máximo de 4 meses um benefício cujo valor se relaciona com a média de seus últimos salários.287 CF., a propósito, a Súmula n. 389/TST e a OJ n. 211.288 Art. 457, § 3o.

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hoje aqueles que combatem invocam, como argumento de primeiro plano, seu caráter serviçal e humilhante.289

Salário vem de sal 290. Lembra o ato de comer. Gorjeta vem de gorja, garganta. É o mesmo que propina, do latim propinare, que significa “dar de beber”. Em Francês se diz pourboire. Em inglês, drinkmonkey. E no Brasil se costuma substituir a palavra por outras como “um cafezinho”, “uma cerveja”, “uma pinga”. Ou “lambidela”, “molhadela”, “labuja”...291. Etimologicamente, como diz CATHARINO, a gorjeta é líquida.292

Tudo isso nos mostra que a gorjeta é antes liberalidade que obrigação; tem mais de acessório que de principal; refere-se não tanto ao trabalho, em si, mas à satisfação do cliente ao se sentir servido.

1.3. Causas

Quase sempre damos gorjetas sem questionar a razão. Apesar disso, na doutrina, discute-se a respeito. Uns falam em espírito de humanidade; outros, de imitação. Para RIVERO E SAVATIER, as gorjetas servem para marcar o reconhecimento do cliente293. E PRUNES lembra que elas aproximam a remuneração “ao efetivo valor do trabalho”.294

Pode-se notar, também, que quem dá gorjetas recebe um serviço. Por isso, sente-se e reage à semelhança do empregador. É difícil considerar o garçom que nos serve como um artigo incluído na conta. Há uma relação direta, pessoal e quase íntima nos ligando a ele.

2.4. Tipos de gorjetas

Em doutrina, costuma-se dividir as gorjetas em próprias ou impróprias; lícitas ou ilícitas; habituais ou eventuais.

Própria é a gorjeta que o cliente dá ao empregado, em linha direta, sem intermediação do empregador. É também chamada de “espontânea”. Imprópria é a gorjeta dada ao cliente pelo empregado, por via indireta, através do empregador. É também chamada de “compulsória”. São os “dez por cento” na conta. Mas essa cobrança, quando realmente obrigatória, vem sendo proibida.

Lícita é gorjeta permitida – expressa ou tacitamente – pelo contrato de trabalho. Ilícita é a proibida – pelo contrato295, regulamento, lei, moral ou bons costumes. Habituais são as gorjetas que o empregado recebe sempre, ou quase sempre, como parte de sua rotina. Eventuais são gorjetas esporádicas, casuais, não previstas pelos contratantes.296

289 CATHARINO, J. M., “Tratado...”, cit., pág. 547.290 Idem, pág. 19.291 PRUNES, J. L. Fereira, “As Gorjetas no Direito Brasileiro do Trabalho”, S. Paulo, Ed. LTr, 1982, pág. 17.292 CATHARINO, J. Martins, “Compêndio de Direito do Trabalho”, vol. II, Ed. Saraiva, 1982, pág. 80.293 Apud PRUNES, J. L. Ferreira, ob. cit., pág. 4.294 Idem, pág. 4.295 Como na confeitaria Colombo, no Rio, segundo CATHARINO (“Compêndio...”, cit. Pág. 85). Mas um tema a se discutir é se o empregador pode realmente proibi-las quando há um costume (que é fonte de direito) em sentido contrário.296 Deveali, Mario, “Lineamentos de Derecho del Trabajo”, B. Aires, Ed. Tipográfica Argentina, 1953, pág. 388.

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2.4.1. Tipos paralelos

Como já vimos, nem tudo que vem do empregador é salário. Do mesmo modo, nem tudo que vem de terceiros é gorjeta. Cita RUSSOMANO o caso do fabricante que resolve premiar os empregados de seus revendedores. E o advogado que, a par de um salário fixo, recebe honorários do vencido, nas causas ganhas para sua empresa.297Em ambos os casos, os pagamentos não apresentam as peculiaridades das gorjetas. Ainda assim, por analogia, merecem integrar a remuneração – embora nem todos pensem assim.298 Na lição de Alice MONTEIRO DE BARROS299, seria o caso também do “direito de arena” do atleta profissional.

1.5. Natureza das gorjetas

A doutrina clássica considera as gorjetas impróprias verdadeiro salário: uma espécie de “participação nas entradas” da empresa.300 Já as próprias seriam doação remuneratória: o cliente as entrega sem ser obrigado a isso, mas retribuindo os serviços prestados.301

Hoje, como vimos, tem-se entendido que o empregador não pode exigir do freguês que pague gorjetas. Mas é possível que as insira assim mesmo na conta, deixando o pagamento a critério do freguês. Seja como for, entre nós, a lei não distingue. Cobradas ou não, as gorjetas não têm natureza salarial. E também não são sinônimo de remuneração. Somam-se ao salário, compondo a remuneração. Sob a ótica do empregado, “significam apenas a contra-prestação de seu trabalho”.302

Não obstante, observam alguns autores que o empregador concede ao empregado a oportunidade de ganhar gorjetas. Essa oportunidade, em si, teria natureza de salário. Mais propriamente, de salário-utilidade.303

2.6. Gorjetas e reflexos

Ao entregar as chaves do quarto, o porteiro do hotel se interpõe, de certo modo, nas relações ente seu patrão e o hóspede que chega. Inversamente, ao retribuir gorjetas, o hóspede acaba interferindo nas relações entre o porteiro e seu patrão.

297 Apud Andrade, J. Maria de Souza, “O Contrato de Trabalho e sua Alteração”, S. Paulo, Ed. LTr, 1975, págs. 123/4.298 Em sentido contrário, DELGADO (op. cit., 8ª edição, p. 656), que enfatiza as diferenças entre as duas figuras (como o fato de que o advogado que recebe os honorários trabalha contra quem os paga)299 Barros, Alice Monteiro de. Curso de Direito do Trabalho, LTr, S Paulo, 2005, p. 733.300 CATHARINO, J. M., ob. cit., pág. 549.301 Alguns, como Orlando Gomes, entendem que “a gorjeta será salário quano seja diminuta a remuneração pagam diretamente pelo empregador, dado que a taxa baixa é estipulada precisamente em consideração à possibilidade que o empregado tem de obter melhores proventos de terceiro”. Ainda assim, admite aquele autor que “a nossa legislação não autorizou essas distinções” (in “O Salário no Direito Brasileiro”, R. de Janeiro, Ed. J. Konfino, 1947, pág. 34). 302 Rivero-Savatier, “Droit du Travail”, Paris, Presses Univ. de France, 1981, pág. 551.303 Sanseverino, Luisa Riva, “Curso de Direito do Trabalho”, trad. de E. Gottschalk, S. Paulo, Ed. LTr, 1976, pág. 230.

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Tome-se como exemplo o caso das férias. Ao pagá-las, o empregador deve computar não só o salário do empregado, mas também a média das gorjetas nos doze meses precedentes. Ou seja: a remuneração.304 Como se verá a diante, o mesmo fenômeno se repete em outras situações. Tudo o que o cliente doa repercute no que o empregado terá que pagar. É como se a cada gorjeta recebida o empregado adquirisse um crédito contra seu empregador.

Ora: sabemos que, por definição, as gorjetas são dadas por terceiro. Já as suas repercussões são pagas pelo empregador.305 Logo, não podem ter a mesma natureza jurídica. Qual natureza terão?

Tudo dependerá da causa do pagamento. Se o empregador estiver, de algum modo, contraprestando o trabalho, a média das gorjetas será verdadeiro salário. Se estiver indenizando, será indenização. E assim por diante. O acessório segue a sorte do principal.

Pergunta-se: em quais situações o empregador tem de computar as gorjetas nos pagamentos que faz ao empregado? A resposta é simples. Toda vez em que a lei empregar a palavra “remuneração”. Mas, como já vimos, a jurisprudência abre exceção a essa regra, no caso dos repousos semanais remunerados (Súmula no. 354/TST). A mesma súmula dispõe que as gorjetas não devem integrar o cálculo do aviso-prévio indenizado, do adicional noturno e das horas extras.

É interessante notar que, havendo trabalho, o cliente age um pouco como empregador, doando parte do que este pagaria. Inversamente, em vários casos de interrupção contratual, o empregador imita o cliente, pagando o que este normalmente doaria. Com isso, o empregado recebe – de um e de outro – a mesma soma, que se acresce ao seu salário base.

2.7. Estimativa das gorjetas

Pode acontecer que as partes – de comum acordo – façam uma previsão aproximada do valor das gorjetas, para facilitar o cálculo de futuras repercussões. Aliás, a CLT obriga o empregador a anotar a “estimativa das gorjetas” na CTPS do empregado. 306

Mas e se a estimativa não coincidir com a realidade? Para CATHARINO, depende. Se a divergência for sensível, a realidade prevalece; caso contrário, vale o ajuste das partes.307

Na falta da estimativa conjunta, ou não havendo prova a respeito, deve-se apurar – ou estimar por perícia – a média das gorjetas recebidas.

1.8. Gorjetas sem reflexos

Suponhamos que um restaurante contrate um garçom. Certamente, ambos levarão em conta que o salário será acrescido das gorjetas. Quanto maior a estimativa das gorjetas, menor será, provavelmente, o salário ajustado.308

304 Art. 142, § 3o, da CLT, aplicável analogicamente305 Sustenta Plá Rodriguez que as gorjetas são devidas até quando o cliente não paga a conta. Na hipótese, o ônus do pagamento caberia ao empregador (apud Mascaro, Amauri, “O Salário no Direito do Trabalho”, S. Paulo, Ed. LTr, 1975, pág. 211). 306 Art. 29, § 1o. 307 CATHARINO, J. M., ob. cit., pág. 564.

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Agora, suponhamos outra hipótese. Já não se trata de um garçom, mas do porteiro de uma boate. Ainda que, por obra do acaso, alguém possa lhe dar uma gorjeta, tal fato não será considerado pelas partes. Exatamente por isso, o empregador deverá oferecerá ao empregado o salário equivalente – em termos subjetivos – ao trabalho que lhe será prestado, sem medir eventuais repercussões.

No primeiro caso – do garçom – as gorjetas são previstas, pesadas e aceitas. O empregador assume o risco de que elas ocorram, tira proveito disso e, ao mesmo tempo, obriga-se pelas conseqüências.Já no segundo caso – do porteiro – isso não acontece. O empregador se obriga apenas pelo pagamento do salário, pois as gorjetas escapam à sua expectativa.

Daí porque só as gorjetas habituais integram a remuneração, gerando repercussões. As eventuais não influem na relação empregado-empregador, esgotando-se na relação empregado-cliente. O mesmo ocorre nas ilícitas: só se refletem na relação de emprego para justificar punições disciplinares.309

2.9. Gorjetas e salário mínimo

Salário mínimo é a menor retribuição que o empregador pode, legalmente, pagar ao empregado. Ora: gorjetas são dadas por terceiros. Não se incluem naquele conceito legal. Assim, se um empregado receber apenas metade do salário mínimo, sempre fará jus à outra metade, não importa o quanto ganhe de gorjetas.310

1.10. Gorjetas e alterações do contrato

Se o empregado, por força do contrato – expresso ou tácito - recebe gorjetas, não pode o empregador proibi-las, pois o estaria alterando. Questão curiosa é saber se ele pode reduzir indiretamente a média das gorjetas do empregado, diminuindo, por exemplo, o número de mesas do restaurante. Nesse caso, segundo CATHARINO, caberiam diferenças em favor do empregado.311

Por fim, embora o empregador, regra geral, não seja obrigado a proporcionar trabalho, isso não acontece quando o empregado recebe gorjetas. 312 Vale dizer: se impedi-lo de trabalhar (e, portanto, de ganhá-las), a nosso ver deve ressarcir o prejuízo.

Há cerca de um ano, a Comissão de Assuntos Sociais do Senado aprovou projeto de lei que fixa em 10% o valor das gorjetas impróprias, mas faculta que sejam aumentadas para até 20%, se a conta for fechada após as 23 horas. A proposta ainda tramita na Câmara dos Deputados.

308 É que, em última análise, o empregado se dará por satisfeito se o ganho final for alto – não importa de onde venha. Ao mesmo tempo, o empregador tentará reduzir o custo dos reflexos. 309 Nesse sentido, escreve Mazzoni que, “generalmente, sono escuse dalla retribuzione anche le mance di ogni genere, quando hanno caratteri di eventualità o di straordinarietà (in “Manuale di Diritto del Lavoro”, Milão, Giuffè Editore, 1977, pág. 556). 310 Em sentido oposto, CATHARINO, para quem só cabe a complementação (“Compêndio...”, cit. pág. 86). 311 “Compêndio...”, cit., pág. 161.312 Na verdade, outras exceções existem, como nos contratos de aprendizagem e de experiência (CATHARINO, J. M., “Compêndio...”, cit., pág. 298).

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Em sua justificativa, o autor do projeto afirma que

(...)os empregados (…) que trabalham tarde da noite e na madrugada do dia seguinte estão  mais sujeitos a riscos de violência, sofrem com as dificuldades de transporte e estão submetidos a um grau de penosidade maior do que aqueles que trabalham nas primeiras horas da noite ou durante o dia. É natural que recebam uma gratificação maior, sob a forma de gorjeta, como medida compensatória para as dificuldades enfrentadas.

O projeto determina que o valor arrecadado seja integralmente distribuído aos empregados do estabelecimento, mas permite também que seja usado para pagar encargos sociais e previdenciários. Caso a empresa deixe de cobrar a taxa, o empregado que a tiver recebido por mais de um ano terá direito à sua incorporação no salário, com base na média dos últimos doze meses. A forma de rateio será definida em convenção ou acordo coletivo ou, em sua falta, por assembléia do sindicato profissional. O projeto institui ainda comissão de empregados para acompanhar a cobrança e a distribuição das gorjetas. Eles serão eleitos em assembléia e terão estabilidade na vigência da convenção ou do acordo coletivo.

A Câmara analisa ainda o Projeto de Lei no. 7443/10, do Senado, que criminaliza a apropriação de gorjeta pelo empregador. Além disso, terá este de devolvê-la em 48 horas, com acréscimo de 50% do valor devido. Se não o fizer, a mesma pena será aplicada a cada 48 horas, funcionando como uma espécie de astreinte.

3. Diárias e ajudas de custo3.1. Aspectos Gerais

Como já vimos, o empregador fornece ao empregado prestações pelo trabalho e para o trabalho. Aquelas têm natureza salarial. Implicam retribuição. Em regra, são pagas após o trabalho. Já as outras são instrumentais. Existem para que o trabalho se realize. Assim, quase sempre, vêm antes dele. Das primeiras já falamos; vejamos as segundas.

3.2.Instrumentos de trabalho e indenizações

O empregador tem as máquinas e matéria-prima. Mas não dispondo de múltiplos braços, contrata o empregado para operá-las.

Ao inverso do que costuma ocorrer com o salário, os meios de produção em geral são fornecidos diretamente, sem intermediação do dinheiro. É o caso do alicate do mecânico ou do uniforme do porteiro. Outras vezes, porém, o empregador dá o dinheiro para que o próprio empregado os adquira, como ocorre com as diárias e as ajudas de custo; ou então cobre os gastos que ele já fez.

Seja em gêneros ou em dinheiro, o fornecimento dos meios de trabalho é verdadeira condição para que o empregado cumpra a obrigação contraída.

3.3.A obrigação de fornecer os meios

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Raramente a lei ordena, de forma direta, que o empregador cubra as despesas do empregado na execução do serviço. Um exemplo é o art. 470 da CLT, que trata dos gastos resultantes da transferência. 313 No entanto, outras hipóteses podem ocorrer,em conseqüência da própria definição de empregador, contida no art. 2o da CLT. É que, como ensina TARSO GENRO, essa regra “não traduz mera declaração, mas também comando: são do empregador as despesas da atividade econômica”314.

De fato, se os riscos do negócio lhe cabem, não pode o empregador transferi-los ao empregado, sob pena de desvirtuar a própria relação de emprego – violando, ainda, o princípio da alteridade. Se o empregado fornece, ele mesmo, os meios de trabalho, a indenização atua como fator corretivo, fazendo com que, em última análise, o empregador reassuma o seu papel.

Situe-se o exemplo de um entregador, a quem o patrão pede que use seu próprio carro, por ter o da empresa, à última hora, furado os pneus. Mesmo sem ter havido ajuste a esse respeito, o empregado terá direito a receber de volta o combustível que gastou.

A vida nos revela, porém, que há situações em que o empregado fornece os utensílios de trabalho, por força do próprio contrato. Seria o caso do entregador que sempre usou o seu carro, custeando o combustível. Outro exemplo, mais simples, seria o de um mecânico que sempre utilizou as próprias ferramentas de trabalho.

A questão não tem sido enfrentada na doutrina. Mas talvez se possa concluir que, em tais casos, a situação de desvantagem do empregado foi prevista e de algum modo corrigida pelo próprio contrato, em regra através de um salário maior. No fundo, nessa hipótese, o salário passaria a ter um traço de indenização. Por isso, se o seu valor for o mínimo legal, passa a ser difícil justificar o não-ressarcimento.

3.4. Aspectos específicos das diárias

Diárias para viagem, ou viáticos, são provisões destinadas às viagens do empregado. Como o próprio nome sugere, em geral são pagas aos que trabalham “em contínua mobilidade”315. Mas também podem ocorrer eventualmente.

VIDAL NETO ressalta que

“as diárias não se confundem com o reembolso de despesas de viagem. Estas são pagas mediante prestação de contas, na exata medida das quantias despendidas. A bem dizer, são pagamentos de despesas feitos pelo próprio empregador, por intermédio do empregado”. 316

313 No caso de artistas e técnicos em diversões, a Lei nº 6.533/78 obriga o empregador a custear transporte, alimentação e hospedagem, quando o espetáculo se realiza fora do local contratado (art. 23). Idem, quanto aos ferroviários (CLT, art. 239, § 2º). Já a Lei nº 8.112/90 concede passagens e diárias aos servidores públicos civis da União, em caso de deslocamento (art. 58). 314 “Direito Individual do Trabalho – Uma Abordagem Crítica”. Ed. LTr, 1985, S. Paulo, pág. 155.315 CATHARINO, J. Martins, “Tratado...”, cit., pág. 567.316 “Ajudas de Custo e Diárias para Viagem”, in LTr 51/4, pág. 415.

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A mesma distinção já fez o TST, ao afirmar que “é da natureza da parcela não guardar exata correspondência com as despesas de viagem, porque, caso contrário, dar-se-ia mero adiantamento de numerário, com finalidade específica, para prestação posterior de contas” (Ac. TST – 2a T., RR 5.518/82, Rel. Min. Marco Aurélio Mendes de F. Mello, in “Dicionário de Decisões Trabalhistas”, Ed. Trabalhistas S/A, 20a ed., Rio, pág. 205).

Em sentido próprio, as diárias são pagas para viagem. Visam ressarcir despesas pessoais do empregado, feitas enquanto ele viaja. Por isso, têm natureza indenizatória. Na prática, porém, há diárias impróprias, fornecidas por viagem. Buscam retribuir o empregado enquanto viajante. Daí o seu caráter salarial.

Observam alguns autores que, às vezes, as diárias cobrem as mesmas despesas que o empregado faria caso não estivesse viajando – e então, embora próprias na aparência, no fundo seriam impróprias, pois representariam uma vantagem, um ganho. Como exemplo, citam os gastos com a alimentação – ou pelo menos a parte que corresponde aos gastos habituais de uma pessoa.

Parece-nos que não é bem assim. Como já notamos, as prestações fornecidas para o trabalho podem ser úteis ao empregado, sem que isso altere sua natureza. O que importa saber é antes a causa da prestação do que o proveito de quem a recebe. De todo modo, para evitar situações incertas, a lei preferiu adotar um critério prático, aritmético: acima de 50% do salário, a diária integra-se a este; até 50%, não (art. 457, § 2o, da CLT). 317

Embora com algum respaldo no direito comparado318, a solução é criticada por parte da doutrina. Argumenta-se que, na vida real, tanto há diárias verdadeiras acima daquele limite com falsas diárias abaixo dele. Daí dizer CARDONE que a regra da CLT veio “consolidar uma injustiça e uma burla”. 319

A critica parece partir da premissa de que o critério legal é absoluto: deve sempre incidir, em qualquer hipótese.Mas CATHARINO pensa de outro modo:

“Como o simples quantum não pode transfigurar a natureza jurídica das chamadas diárias, o § 2o do art. 457 deve ser interpretado segundo a intenção que o inspirou. Se isso não foi feito, ter-se-á que admitir a fraude do salário, contanto que praticada dentro do limite quantitativo estabelecido por lei, o que é absurdo”. 320

Seguindo os mesmos passos, ensina MASCARO NASCIMENTO que “o direito brasileiro, ao dispor que as diárias que ultrapassam de 50% do salário serão consideradas salariais, apenas estabeleceu uma presunção relativa, que admite prova em contrário”. 321

317 Nota Carrion que as despesas sujeitas a prestação de contas não sofrem a incidência de contribuições previdenciárias, mesmo quando ultrapassam o limite de 50% - o que vem reafirmar o que dissemos no item 2.1 supra (“Comentários à Consolidação da Leis do Trabalho”, Ed. Revista dos Tribunais, 18 a ed., S. Paulo, 1994, pág. 294). 318 Cf. CATHARINO, J. Martins, ob. cit., págs. 574/5.319 “Viajantes e Pracistas no Direito do Trabalho”, Ed. Revista dos Tribunais, S. Paulo, 1963, pág. 38.320 Ob. cit., pág. 134.321 “O Salário no Direito do Trabalho”, Ed. LTr, S. Paulo, 1975, pág. 204. Recentemente, a Instrução Normativa MTPS/SNT n. 8, de 1o.11.91, dispôs que “não serão consideradas de natureza salarial as diárias de viagem quando sujeitas à prestação de contas, mesmo se o total dos gastos efetivamente incorridos exceder a 50% do salário do empregado, no mês respectivo” (art. 1o, parágrafo único). É que, na verdade, a hipótese é

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No entanto, ainda aqui, é preciso distinguir situações. Como se nota em PERGOLESI, a diária deve ser tida como indenização não apenas quando corresponde, matematicamente, aos gastos feitos pelo empregado, mas também quando equivale às despesas que presumivelmente deverá suportar. 322 Assim, nesse último caso, ainda que o empregado consiga gastar menos que o esperado – comendo sanduíches, por exemplo -, a sobra não será salário, pois não terá sido fornecida com propósito retributivo.

Se o empregado é mensalista, “a integração das diárias ao salário deve ser feita tomando-se por base o salário mensal por ele percebido, e não o salário dia, somente sendo devida a referida integração quando o valor das diárias, no mês, for superior à metade do salário mensal” (Súmula n. 318/TST).

Se as diárias excedem os 50%, é salário todo o seu valor ou apenas o excedente? Na doutrina, prevalece o segundo entendimento. Mas a jurisprudência firmou a interpretação de que “integram o salário, pelo seu valor total e para os efeitos indenizatórios, as diárias de viagem que excedem a 50% do salário do empregado” (Súmula n. 101/TST).

3.5. Aspectos específicos das ajudas de custo

Em geral, como nota MARANHÃO, as ajudas de custo correspondem “a um só pagamento”. 323Destinam-se, segundo CATHARINO, a ressarcir despesas “forçadas e ocasionais” do empregado. 324Já as diárias, via de regra, se repetem; e são pagas aos que levam a vida nas estradas, como os vendedores-viajantes e os motoristas de caminhão.

No fundo, talvez se possa dizer que a chave da distinção está no qualificativo “viagem”, que acompanha a palavra “diárias” e não se encontra no vocábulo “ajuda de custo”.

Com efeito: bem mais do que pode parecer, a viagem dá um colorido especial à relação de emprego. O simples fato de afastar-se fisicamente do empregador já faz do viajante um empregado diferente. Ainda que viaje ocasionalmente, ao fazê-lo recupera parte da liberdade perdida: como o empregador não pode acompanhá-lo, devolve-lhe, em certo grau, o direito de comandar o próprio trabalho e, por conseqüência, alguma autonomia para dispor, como achar melhor, dos meios necessários à sua execução.

Em conseqüência de tudo isso, as diárias cobrem despesas gerais; são, quase sempre, complessivas; quem as governa é o próprio empregado, como se fosse empregador de si mesmo. Ao revés, as ajudas de custo pagam, quase sempre, a aproximação do empregado à empresa, atraindo-o para o foco de onde provém o poder diretivo. Mesmo quando isso não ocorre, têm sempre um sentido de um pagamento de um gasto específico, governado pelo empregador. Não comportam sobras, nem compensam incômodos; são indenizações puras. Substancialmente, não se distinguem do reembolso de despesas, a não ser quanto ao momento que se efetivam.

de ajuda de custo, como se verá melhor adiante. 322 Apud Süssekind, Arnaldo, “Instituições de Direito do Trabalho”, vol. I, Ed. LTr, S. Paulo, 1991, pág. 361.323 “Direito do Trabalho”, Ed. Fundação Getúlio Vargas,1978, Rio, pág. 193.324 Ob. cit., pág. 134.

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Pergunta-se: o limite de 50% , contido no § 2° do art. 457, aplica-se também às ajudas de custo? Aparentemente, sim. E é essa a opinião de alguns, como, por exemplo, PEREIRA DONATO325. Já outros, como ISIS DE ALMEIDA,326 notam que a ausência de vírgula após a palavra “viagem” indica a existência de dois comandos: a) “não se incluem nos salários as ajudas de custo”; b) “não se incluem nos salários as diárias para viagem que não excedam...”. Nesse sentido, já se decidiu:

“Ajuda de custo. Caráter indenizatório. Ajuda de custo, qualquer que seja o seu valor, não integra o salário, em face da sua natureza indenizatória. Embargos conhecidos e rejeitados”. (Ac. TST Pleno – E-RR 5.305/80, Rel. Min. Mendes Cavaleiro, DJ 15.8.86, in “Dicionário de Decisões Trabalhistas”, cit., 21ª Ed., pág. 52).

É claro que as falsas ajudas de custo, ao contrário, serão sempre salário. Seria o caso, por exemplo, da chamada “ajuda de custo de aluguel”. Via de regra, é paga pelo trabalho, configurando utilidade. Note-se que – ao contrário do usual – há ajudas de custo que se renovam todo mês e apesar disso são verdadeiras, como no caso do empregado que usa o seu próprio veículo para exercer as suas atividades e recebe do empregador uma verba para a gasolina.

3.5.1. Espécies

A hipótese mais comum de ajuda de custo é prevista no art. 470 da CLT: “As despesas resultantes da transferência correrão por conta do empregador”. Mas ela também deve ser paga se o empregado é deslocado para um lugar mais distante, ainda que não a hipótese não se caracterize – legalmente - como transferência:

“Empregado transferido, por ato unilateral do empregador, para local mais distante de sua residência, tem direito a suplemento salarial correspondente ao acréscimo da despesa de transporte” (Súmula n.° 29/TST).

Além disso, naturalmente, pode a ajuda de custo estar prevista em contrato individual ou coletivo – quando também será devida.327

3.5.2.Figuras afins

Alguns empregados – em geral, de confiança – recebem a chamada “representação”. Em sentido próprio, é indenização de despesas para promover interesses comerciais do empregador, pagando certo aparato no exercício da função. Como nota Magano, “pode tomar inúmeras feições, como moradia luxuosa, disponibilidade do veículo, manutenção de motorista, vinculação a clubes sociais, oferecimento de almoços e jantares”.328Quando

325 “Curso de Direito do Trabalho”, Ed. Saraiva, 1982, S. Paulo, pág. 96.326 “Curso de Legislação do Trabalho”, Ed. Sugestões Literárias, 1981, S. Paulo, pág. 140..327 Na Itália, há convenções coletivas prevendo indenização até “para uso de bicicleta própria”, como aponta Sanseverino. 328 “Manual de Direito do Trabalho”, vol. II, Ed. LTr,1981, S. Paulo, pág. 202.

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não tem aquela destinação, passa a constituir “salário impessoal ou precário, isto é, condicionado ao exercício de funções essencialmente fiduciárias”.329

Outra parcela mais ou menos comum, principalmente no setor bancário, é a chamada “quebra-de-caixa”. É uma forma de compensar os caixas por eventuais descontos, motivado por falhas na manutenção do dinheiro. De certo modo, legitima esses descontos, mesmo quando decorrentes de mera desatenção.

Em doutrina, muitos entendem que tem natureza indenizatória. Mas como seu pagamento é continuado, e, basicamente resulta em vantagem para o empregado, a jurisprudência se firmou em sentido oposto:

“Quebra-de-caixa. Natureza jurídica. A parcela paga aos bancários sob a denominação quebra-de-caixa possui natureza salarial, integrando o salário do prestador de serviços, para todos os efeitos legais” (Súmula n.° 247/TST).

A natureza salarial da quebra-de-caixa fica mais nítida na hipótese lembrada por CATHARINO: “se o engano verificado for de terceiro e a seu favor (o empregado) receberá um adicional variável e incerto proveniente das sobras verificadas”

Observa o notável jurista, por fim, que

“tanto as ajudas de custo próprias como as típicas verbas de representação e os auxílios por quebra-de-caixa servem para manter inalterável o valor real dos salários, pois evitam que o empregado tenha que desembolsar dinheiro para atender gastos que não lhe aproveitam”.330

4. Participação nos lucros e resultados

A história da participação nos lucros começa com Napoleão Bonaparte, que em 1812 a concedeu aos atores da Comédie Française. Depois foi a vez do industrial Leclaire, que num certo dia de 1843 distribuiu 12 mil francos em ouro entre os seus surpresos operários331. Seguiram-se experiências na Prússia, Inglaterra e Estados Unidos. Nas primeiras décadas do século XX, vários países adotavam a mesma prática332, que a Igreja aconselhava desde Pio XI.

No entanto, apesar do começo promissor, a idéia não teve o sucesso que se esperava. Para muitos empresários, ela significa ingerência na sua esfera privada; para muitos sindicatos, uma forma de cooptação, que pode levar à quebra da solidariedade entre os trabalhadores. Afinal, até uma greve, por exemplo, pode se tornar uma faca de dois gumes, reduzindo os lucros sem uma contrapartida certa. Com mais razão, se se tratar de uma greve de apoio aos trabalhadores de outra empresa.

329 CATHARINO, J. M., ob. cit., pág. 580.330 Ob. cit., pág. 581.331 Reis, Nélio. “Participação salarial nos lucros das empresas”, Rio de Janeiro, RT, 1945, pág. 39332 Sussekind, Arnaldo Lopes. “Da remuneração”, in “Instituições de Direito do Trabalho” (obra coletiva), S Paulo, LTr, , vol. 1, 1991, pag 425

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Muitos apontam a participação nos lucros como o primeiro passo para democratizar a empresa. Na verdade, primeiro não é, pois depende de outros para que tenha eficácia; e talvez nem seja um passo à frente, na medida em que pode realmente minar a identidade coletiva. Outras formas de participação – como os comitês de empresa – parecem mais interessantes.333

A CF de 1946 já previa a participação obrigatória nos lucros – que, na verdade, só existiu no papel. A de 1969 tentou substituí-la pelo PIS. O art. 7º inc. XI da atual CF prevê:

“participação nos lucros, ou resultados, desvinculada da remuneração e, excepcionalmente, participação na gestão da empresa, conforme definido em lei.”

Note-se a inversão de prioridades: a participação na gestão só haverá “excepcionalmente”. A lei que veio regulamentar o artigo é a de no. 10 101, de 2000. Ela obriga todas as empresas. Ficam de fora: a) a pessoa física; b) a entidade sem fins lucrativos que não distribua resultados; aplique todos os seus recursos no Brasil; destine o seu patrimônio a entidade congênere ou ao poder público ao encerrar suas atividades; e mantenha escrituração contábil capaz de atestar tudo isso.

A participação deve ser negociada através de comissão escolhida pelas partes, com representação sindical; ou por convenção ou acordo coletivo. Não havendo consenso, a lei prevê mediação ou arbitragem por ofertas finais334. Devem ser fixadas regras precisas e prestadas as informações necessárias. As partes podem fixar critérios como índices de produtividade, programas de metas e outros.

Tentando evitar fraudes, a lei proíbe o pagamento com periodicidade inferior a um semestre civil ou mais de duas vezes no mesmo ano. Mas, na prática, a já famosa PLR tem servido para maquiar reajustes salariais, tanto assim que muitas vezes vem sob a forma de valores prefixados. Para o empregador, a vantagem é a de não ter de pagar os reflexos e contribuições de praxe. Na verdade, substancialmente, a PLR é mesmo salário; só deixou de ser assim tratada por obra e graça do legislador constituinte.

333 A propósito do tema “participação”, em geral, cf. a já clássica obra “Cogestão no estabelecimento e na empresa” ,de Antônio Álvares da Silva, editada pela LTr334 O árbitro deve aceitar uma das propostas, sem que possa estabelecer, ele mesmo, um terceiro caminho – o que induz as partes a serem mais razoáveis.

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